Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A utilização do arquivo JSTOR indica a aceitação dos Termos e Condições de Utilização, disponíveis em http://www.jstor.org/page/
info/about/policies/terms.jsp
O JSTOR é um serviço sem fins lucrativos que ajuda académicos, investigadores e estudantes a descobrir, utilizar e desenvolver uma
vasta gama de conteúdos num arquivo digital de confiança. Utilizamos tecnologias e ferramentas de informação para aumentar a
produtividade e facilitar novas formas de estudo. Para mais informações sobre o JSTOR, contacte support@jstor.org.
A Sage Publications, Inc. está a colaborar com a JSTOR para digitalizar, preservar e alargar o acesso à Political Theory.
http://www.jstor.org
Este conteúdo foi descarregado de 150.216.68.200 em Thu, 17 Sep 2015 23:05:29
UTC Toda a utilização está sujeita aos Termos e
C o n d i ç õ e s do JSTOR
DEMOCRACIA, DIREITO, FUNDAÇÃO
DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL
Uma união paradoxal de princípios contraditórios?
JURGEN HABERMAS
Universidade deFronLfrt
estabelece uma relação interna entre a vontade e a razão, de tal modo que a liberdade
de todos - isto é, o conjunto/legislação - depende da igual consideração
da liberdade individual de cada indivíduo para tomar uma posição
sim/não - isto é, a auto-defesa. Nestas condições, apenas as leis que se
situam no interesse igual de cada um podem reunir o acordo razoável de todos.
No entanto, nem Rousseau nem Kant conseguiram encontrar uma forma
inequívoca de utilizar o conceito de autonomia para a justificação da
democracia constitucional. Rousseau inscreveu a vontade do povo na razão,
ligando o processo democrático à forma abstracta e universal das leis, enquanto
Kant tentou realizar esta relação com a razão subordinando o direito à moral.
Como mostrarei, porém, esta ligação interna entre vontade e razão só se pode
desenvolver na dimensão do tempo como processo histórico auto-
correctivo.
É verdade, evidentemente, que no Conflito das Faculdades, Kant foi além
Os autores da teoria da revolução francesa, que se baseou na teoria da revolução,
não encontraram os limites sistemáticos desta filosofia e elevaram a Revolução
Francesa ao nível de um "sinal histórico" da possibilidade de um progresso moral da
humanidade. Mas na própria teoria não encontramos qualquer vestígio das
assembleias constitucionais de Filadélfia e Paris - pelo menos não o
vestígio razoável de um grande e duplo acontecimento histórico que podemos agora
ver em retrospectiva como um começo inteiramente novo. Com este acontecimento
começou um projecto que mantém unida uma
O discurso constitucional ao longo dos séculos. No que se segue, aproveito um estudo
recente de Frank Michelman para argumentar que a relação alegadamente para-
dóxica entre democracia e Estado de Direito se resolve na dimensão do tempo
histórico, desde que se conceba a Constituição como um projecto que transforma
o acto fundador num processo contínuo de construção constitucional que se
prolonga através das gerações.
2.
Sistemas políticos como os Estados Unidos e a República Federal Alemã
criaram uma instituição independente encarregada de controlar a
constitucionalidade da legislação parlamentar. Nestes contextos, a função e o
estatuto deste ramo politicamente influente - o Tribunal Constitucional ou o
Supremo Tribunal - suscitam debates sobre a relação entre a democracia e
o Estado de direito. Nos Estados Unidos, há já algum tempo que se discute a
legitimidade do controlo judicial ao mais alto nível exercido pelo Supremo
Tribunal. Uma e outra vez, os republicanos cívicos que estão convencidos de
que "todo o governo é feito pelo povo" irritam-se com o poder de elite dos juristas
para anular as decisões de uma legislatura democraticamente eleita, embora
estes
É uma condição da maior ou menor fiabilidade do intérprete e do que podemos fazer para a reforçar. E
uma condição que, na sua opinião, contribui grandemente para a fiabilidade é a exposição
constante do intérprete - o leitor moral - à explosão total das diversas opiniões sobre as
questões do direito de uma ou outra interpretação, livre e desinibidamente produzidas por
membros variados da sociedade que ouvem o que os outros têm a dizer a partir das suas
diversas histórias de vida, situações actuais e percepções de interesse e necessidade.6
cidadãos. Uma vez que as liberdades clássicas não têm como objectivo
principal promover a qualificação para a cidadania política, os direitos
liberais, ao contrário dos direitos políticos, não podem ser
justificados com o argumento de que tornam a democracia
possível.
De acordo com a visão republicana, a substância da constituição só
não competirá com a soberania do povo se a própria constituição emergir
de um processo inclusivo de formação da opinião e da vontade por parte
dos cidadãos. É certo que devemos então conceber a autodeterminação
democrática como um processo não coagido de auto-entendimento ético-
político levado a cabo por uma população habituada à liberdade. Nestas
condições, o Estado de direito mantém-se incólume porque é reconhecido
como parte integrante de um ethos democrático. Enraizados nas
motivações e atitudes dos cidadãos, os princípios constitucionais são
menos coercivos e mais permanentes do que os mecanismos jurídicos
formais que imunizam a constituição contra mudanças por maiorias
tirânicas. No entanto, esta reflexão é culpada de colocar a questão;
nomeadamente, constrói na história das ideias e na cultura política da
política precisamente aquelas orientações de valores liberais que tornam a
coerção legal superflua, substituindo-a pelo costume e pelo
autocontrolo moral.
3.
primeiro, a crença de que só na sequência do debate democrático se pode esperar chegar a uma
aproximação fiável a respostas verdadeiras às questões de justiça das normas
constitucionais propostas, entendidas como consistindo na sua universalização dos interesses
de todos ou na sua hipotética aceitabilidade unânime num discurso democrático; e, em
segundo lugar, que só assim alguém pode esperar obter uma compreensão suficiente das condições
históricas relevantes para produzir para o país em questão, numa forma juridicamente viável,
uma interpolação adequada de quaisquer normas práticas abstractas que possam passar os
testes de justiça da universalização e da aceitabilidade democrático-discursiva.'
Os constitucionalistas podem ser a nossa história, a sua palavra pode ser a nossa
história, a sua palavra pode exigir de nós a sua observância, agora, no
terreno da soberania popular, porque e na medida em que eles, aos nossos olhos, já
estavam no que julgamos ser o trilho da verdadeira razão constitucional. Na produção da
autoridade jurídica actual, o direito constitucional
os autores das molduras têm de ser figuras de terror para nós antes de poderem ser
figuras da história". I
Cada acto fundador contribui, à sua maneira, com explicações sobre o que
significa prosseguir o projecto de realização de uma associação autodeterminada
de associados livres e iguais perante a lei. Partindo desta premissa, cada acto
fundador cria também a possibilidade de um processo de tentativas de auto-
correcção para explorar cada vez mais o sistema de direitos.
i. direitos fundamentais (qualquer que seja o seu conteúdo concreto) que resultam da
elaboração autónoma do direito à maior medida possível de igual liberdade individual
de acção para cada pessoa;
ii. direitos fundamentais (independentemente do seu conteúdo concreto) que resultam
da elaboração autónoma do estatuto de membro de uma associação voluntária
de pessoas colectivas;
iii. direitos fundamentais (qualquer que seja o seu conteúdo concreto) que resultam da
elaboração autónoma do direito de cada indivíduo a uma protecção igual perante a
lei, ou seja, que resultam da accionabilidade dos direitos individuais.
Estas três categorias de direitos são a base necessária para uma associação de
cidadãos com fronteiras sociais definidas e cujos membros se reconhecem
mutuamente como portadores de direitos individuais exequíveis.
No que diz respeito às três categorias anteriores, no entanto, os
participantes prevêem apenas que serão futuros utilizadores e destinatários da
lei. Uma vez que pretendem fundar uma associação de cidadãos que fazem as suas
próprias leis, ocorre-lhes de seguida que precisam de uma quarta categoria de
direitos para que se possam reconhecer mutuamente também como autores desses
direitos, bem como da lei em geral. Se quiserem manter o aspecto mais importante da
sua prática, o seu carácter autodeterminante, não só agora mas também no futuro,
então têm de se capacitar a si próprios como legisladores políticos através da
introdução de direitos políticos básicos. Sem as três primeiras categorias de direitos
básicos, algo como o direito não pode existir; mas sem uma elaboração política
dessas categorias, o direito não poderia adquirir qualquer conteúdo concreto. Para
este último, é necessária uma categoria adicional (e também inicialmente
vazia) de direitos:
iv. direitos fundamentais (qualquer que seja o seu conteúdo concreto) que emergem da
elaboração autónoma do direito à igualdade de oportunidades de participação na
elaboração da lei política.
6.
Porque a autonomia não deve ser confundida com a liberdade
arbitrária de escolha, o Estado de direito não precede a vontade do soberano
nem emana dessa vontade. Em vez disso, o Estado de direito está inscrito na auto-
legislação política, tal como o imperativo categórico - a ideia de que só os
máximos universalizáveis podem ser respeitados.
NOTAS