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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
DISCIPLINA DE DIREITO CONSTITUCIONAL II

THAÍS DA SILVA COSTA


(Manhã | Matrícula: 409904)

A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

FORTALEZA
2019
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo traçar um panorama geral a respeito do


Projeto de Lei 7.596/17, desde sua tramitação no Congresso Nacional até a sanção
presidencial, dando origem a Lei 13. 869/19. Por isso, a introdução propõe uma
cronologia do projeto, a segunda parte trata da análise comparativa com o
dispositivo anterior (a saber, a Lei 4.898/65), elenca os pontos mais relevantes e
expõe o posicionamento da Associação dos Juízes Federais do Brasil, do Ministério
Público e da Ordem dos Advogados do Brasil. A conclusão volta-se à apresentação
de um posicionamento pessoal em relação ao projeto.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 3
2 O PROJETO DE LEI 7.596/17 E A LEI 13.869/19 .................................
4
3 CONCLUSÃO ......................................................................................... 7
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 9
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1. INTRODUÇÃO

Aprovada pela Câmara dos Deputados em 14 de agosto, a Lei 13.869/19


foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 5 de setembro. Ela trata dos
crimes de abuso de autoridade e revoga os dispositivos anteriores sobre a temática,
especificamente a Lei nº 4.898 de 1965.
A ideia de alterar o dispositivo anterior foi proposta ainda em 2016 pelo
senador Renan Calheiros, à época presidente do Senado Federal, por meio do
Projeto de Lei 280. Alvo de críticas por magistrados e por membros do Ministério
Público Federal por suposta retaliação à Operação Lava Jato, a proposta não seguiu
adiante.
Em 2017, o senador Randolfe Rodrigues apresentou o Projeto de Lei 85,
que trazia sugestões do Ministério Público Federal levadas diretamente pelo então
Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. O projeto final, contudo, corresponde
à redação do senador Roberto Requião, que o apresentou na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado e obteve aprovação por unanimidade. Na época,
em fala reproduzida pela Agência Senado, o senador disse que o projeto “remonta
aos princípios da Revolução Francesa, das garantias individuais de cidadãos, as
quais não podem ser atropeladas pelo Estado”.
O projeto sofreu duas mudanças principais: a primeira corresponde à
redação do § 2º do artigo 1º, que foi criticada por risco de abrir espaço para uma
interpretação que permitisse o “crime de hermenêutica”; a segunda foi no artigo 3º
que previa a ação penal pública incondicionada e a ação penal privada, passando a
permitir a ação penal privada apenas em caso do Ministério Público não propor a
ação pública dentro do prazo legal.
No mesmo dia de sua aprovação na CCJ, o texto foi apreciado em regime
de urgência no Plenário do Senado e aprovado horas depois do dia 26 de abril de
2017. Uma mudança relevante na tramitação do projeto só ocorreu em 14 de agosto
de 2019, quando a Câmara aprovou dar urgência à proposta e o aprovou em
votação simbólica naquela mesma noite. Na Câmara dos Deputados, o projeto não
sofreu quaisquer mudanças, seguindo para a sanção presidencial o texto integral
apreciado pelo Senado Federal.
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Contudo, o presidente, ao sancionar a lei, a vetou parcialmente. Dessa


forma, 19 dos 45 artigos que a compunham foram vetados.

2. O PROJETO DE LEI 7.596/17 E A LEI 13.869/19

O Projeto de Lei 7.596/17, aprovado pelo Congresso Nacional, define os


crimes de abuso de autoridade, os sujeitos do crime e suas punições. Criticado por
membros do Judiciário e do Ministério Público, o projeto aproxima-se do texto da lei
4.898/65 e do art. 350 do Código Penal de 1940, mas caracteriza-se por ser mais
incisivo e específico nas proposições.
Uma das principais diferenças em comparação com os dispositivos
anteriores é a maior clareza em relação a quem se aplica a lei. No caso do PL 7.596,
são considerados sujeitos ativos do crime os servidores públicos e militares, os
membros dos Três Poderes, os membros do Ministério Público e dos tribunais ou
conselhos de contas, sendo esse rol não exaustivo, uma vez que o parágrafo único
do art. 2º faz uma definição ampla do que se caracteriza como “servidor público”.
A lei anterior, entretanto, define como “autoridade” aquele que “exerce
cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que
transitoriamente e sem remuneração” (BRASIL, 1965, Art. 5).
O projeto de lei também estabelece sanções mais rígidas aos delituosos
como multa, prestação de serviço e prisão (estipulada entre três meses e quatro
anos), sendo as penas restritivas de direitos aplicadas autônomas ou
cumulativamente. O afastamento temporário e a perda do cargo só ocorrerão em
casos de reincidência. O texto da década de 1960, em seu art. 6º. § 3º, apontava
como sanção penal a multa, a detenção (por dez dias a seis meses), a perda do
cargo e o afastamento temporário.
As condutas consideradas criminosas são elencadas a partir do art. 9º, no
capítulo VI, e se prologam até o art. 38. Aqui, as condutas delituosas são descritas e
as penas são estipuladas em sequência. Na lei de 1965, os casos de abuso de
autoridade eram listados nos art. 3º e art. 4º, em 19 itens, sem trazer a pena,
todavia.
Os principais pontos do projeto de lei são:
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 Condução coercitiva (Art. 10): Estipula pena de detenção de um a


quatro anos e multa àquele que decretar condução coercitiva manifestadamente
descabida ou sem prévia intimação de testemunha ou investigado.
 Constrangimento (Art. 13): Estabelece sanção penal de detenção de
um a quatro anos e multa à autoridade que constranger o preso ou detento,
mediante uso de violência, grave ameaça ou redução de capacidade de resistência
a exibir ou ter seu corpo exibido à curiosidade pública, submeter-se a situação
vexatória não autorizada em lei e produzir prova contra si mesmo ou terceiro.
 Depoimento forçado (Art. 15): O constrangimento com intuito de forçar
a depor, ameaçando de prisão, indivíduo que deve resguardar sigilo ou guardar
segredo é punível com detenção de um a quatro anos e aplicação de multa.
Incorrerá na mesma pena aquele que forçar depoimento de quem prefere guardar
silêncio ou que tenha optado pela assistência de advogado ou defensor público.
 Uso de algemas (Art. 17): A autoridade que submeter preso, internado
ou apreendido ao uso de algemas ou outro objeto que diminua seus movimentos na
ausência de resistência, ameaça de fuga ou risco à sua própria integridade física
poderá ser detido por seis meses a dois anos e aplicada multa. Caso o internado
tenha menos do que dezoito anos, a internada, apreendida ou presa estiver grávida
ou o acontecimento se dê em penitenciária, a pena será dobrada.
 Entrevista com advogado (Art. 20): O impedimento, sem justificação
plausível, de entrevista reservada do preso com o advogado acarreta em pena de
detenção de seis meses a dois anos e multa.
 Condições de confinamento (Art. 21): A manutenção de presos de
sexos distintos em mesma cela ou espaço de confinamento tem como punição a
detenção de um a quatro anos e aplicação de multa. A pena é a mesma para quem
mantém, na mesma cela, adolescente ou criança em companhia de maior de idade
ou em ambiente inadequado.
 Entrada em domicílio (Art. 22): Adentrar imóvel sem consentimento do
ocupante ou permanecer nele sem determinação judicial ou fora das condições
estabelecidas por lei é punível com detenção de um a quatro anos e multa em caso
de não observação das exceções previstas. Será punido com a mesma pena aquele
que comprimir mandato de busca e apreensão entre 21h00 e 5h00.
 Obtenção ilegal de provas (Art. 25): A autoridade que durante
fiscalização ou investigação obtiver provas por meios manifestadamente ilícitos
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poderá ser punido com detenção de um a quatro anos e multa. Além disso, aquele
que se utilizar de provas sabidamente colhidas ilicitamente também incorrerá na
mesma pena.
 Investigação estendida (Art. 31): A extensão injustificada da
investigação que prejudicar o investigado é punível com detenção de seis meses a
dois anos e aplicação de multa. Incorrerá na mesma pena aquele que estender
execução ou conclusão de procedimento, cujo prazo é inexistente, procrastinando-o
em prejuízo do investigado.

O projeto de lei, entretanto, não deixou de sofrer críticas após a sua


aprovação pela Câmara do Deputados. Em nota publicada em 15 de agosto de
2019, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) manifestou repúdio ao
projeto, afirmando que ele tem como objetivo evidente “enfraquecer o combate à
corrupção, prejudica fortemente as instituições de Estado destinadas à aplicação da
lei e à persecução de práticas criminosas (...)”. Além disso, afirmou que a proposta
criminaliza “a própria atividade jurisdicional”.
O Ministério Público Federal (MPF) também se manifestou contrário aos
dispositivos da Lei de Abuso de Autoridade em nota publicada no mesmo dia. De
acordo com a nota pública, o PL “levará ao enfraquecimento das autoridades
dedicadas à fiscalização, à investigação e a persecução de atos ilícitos e na defesa
de direitos fundamentais (...)”.
Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio do seu Conselho
Federal, publicou nota favorável ao projeto de lei em 21 de agosto de 2019. Para a
OAB, os avanços alcançados no combate à corrupção não serão desfeitos com a
nova lei. Além disso, mostrou confiança na proposição em demonstrar para o povo
brasileiro que ninguém está acima da lei e mesmo os mais poderosos devem
subordinar-se a ela.
Em meio às divergências, a lei 13.869/19 foi sancionada em 5 de
setembro. Usando de suas atribuições legais, o Presidente da República optou por
vetar parcialmente o projeto de lei. De forma geral, a motivação dos vetos a 19
artigos do texto foi por “contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade”.
Os dispositivos vetados foram:
 O art. 3º integralmente;
 O inciso III do art. 5º;
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 O art. 9º integralmente;
 O art. 11 integramente;
 O inciso III do art. 13;
 O art. 14 integramente;
 O parágrafo único do art. 15;
 O art. 16 integralmente;
 O art. 17 integralmente;
 O art. 20 integralmente;
 O inciso II do § 2º do art. 22;
 O art. 26 integralmente;
 O parágrafo único do art. 29;
 O art. 30 integralmente;
 O art. 32 integralmente;
 O art. 34 integralmente;
 O art. 35 integralmente;
 O art. 38 integralmente;
 O art. 45 integralmente.

Na fundamentação dos vetos, o Presidente utilizou-se de artigos do


Código Penal, de jurisprudências e súmulas vinculantes do Supremo Tribunal
Federal, da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11) e outros dispositivos. Além
disso, alegou que a maior parte dos artigos vetados poderia gerar insegurança
jurídica.
O Congresso Nacional, entretanto, goza de prerrogativa de manter ou
derrubar os vetos. Em sessão conjunta com deputados e senadores, convocada
pelo Presidente do Senado Federal, os vetos são discutidos e depois serão votados.
Para que os vetos sejam rejeitados, é necessária a maioria absoluta dos votos de
deputados (257 votos) e de senadores (41 votos). Na Constituição Federal, os arts.
57 e 66 tratam da sessão em conjunto e da tramitação do veto.

3. CONCLUSÃO
Polêmico e alvo de disputas de interesses, o PL 7.596/17 nos parece uma
necessária proposta de atualização da Lei de Abuso de Autoridade de 1965. Essa lei
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carece de especificação e clareza sobre seus pontos, gerando pouca segurança de


aplicação. Além disso, deixa de fora de sua abrangência aspectos essenciais que
asseguram a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito.
Ademais, embora os posicionamentos da Associação dos Juízes Federais
do Brasil e do Ministério Público Federal sejam válidos e interessantes, com a leitura
da proposta fica claro que o combate à corrupção não será prejudicado por uma
medida que tem como objetivo a contenção de abusos.
O PL é um projeto equilibrado que visa, essencialmente, proteger os
cidadãos de excessos cometidos por agentes públicos. Constitui-se como defesa
contra arbitrariedades e manifestações descabidas de poder.
Dessa forma, o nosso posicionamento final é pela manutenção integral do
texto aprovado pela Câmara dos Deputados, em uma visão de que as justificativas
apresentadas pelo Presidente da República para os vetos não são satisfatórias e
que o projeto está completamente alinhado aos interesses públicos.
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REFERÊNCIAS

Agência Senado. Texto sobre abuso de autoridade é aprovado na CCJ e vai a


Plenário. 2017. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/04/26/texto-sobre-abuso-de-
autoridade-e-aprovado-na-ccj-e-vai-a-plenario>. Acesso em: 07 set. 2019.

Associação dos Juízes Federais do Brasil. NOTA DE REPÚDIO ao Projeto de Lei


de Abuso de Autoridade aprovado na Câmara dos Deputados. 2019. Disponível
em: <https://www.ajufe.org.br/imprensa/noticias/12738-nota-de-repudio-ao-projeto-
de-lei-de-abuso-de-autoridade-aprovado-na-camara-dos-deputados>. Acesso em: 08
set. 2019.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 5 de outubro de


1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília , DF,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 07 set. 2019.

BRASIL. Lei nº 4898, de 9 de dezembro de 1965. Regula o Direito de


Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos
casos de abuso de autoridade. Brasília, DF, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4898.htm>. Acesso em: 07 set. 2019.

BRASIL. Lei nº 13869, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de


abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº
9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº
8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e
dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Brasília , DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Lei/L13869.htm#art44>. Acesso em: 07 set. 2019.

BRASIL. Projeto de Lei nº 7596, de 10 de maio de 2017. Dispõe sobre os crimes de


abuso de autoridade e altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº
9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº
8.906, de 4 de julho de 1994. . Brasília , DF, Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0C1F2
64114C2B82ACBC0AA67E0ACB3EA.proposicoesWebExterno1?
codteor=1791091&filename=REDACAO+FINAL+-+PL+7596/2017>. Acesso em: 07
set. 2019.

Congresso Nacional. Entenda a tramitação do veto. 2019. Disponível em:


<https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/entenda-a-tramitacao-do-
veto>. Acesso em: 08 set. 2019.
10

Ministério Público Federal. MPF divulga nota pública contra dispositivos da Lei


do Abuso de Autoridade. 2019. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-
pgr/mpf-divulga-nota-publica-contra-dispositivos-da-lei-do-abuso-de-autoridade>.
Acesso em: 08 set. 2019.

Ordem dos Advogados do Brasil. Nota Pública - Lei do Abuso de


Autoridade. 2019. Disponível em: <https://www.oab.org.br/noticia/57469/nota-
publica-lei-do-abuso-de-autoridade>. Acesso em: 08 set. 2019.

PIMENTEL, Matheus. O que é abuso de autoridade no Brasil, segundo a nova


lei. 2019. Elaborada por Nexo Jornal. Disponível em:
<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/09/05/O-que-%C3%A9-abuso-de-
autoridade-no-Brasil-segundo-a-nova-lei>. Acesso em: 07 set. 2019.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Despachos do Presidente da República.


Mensagem nº 406, de 5 de setembro de 2019. Diário Oficial da União: seção 1-
Extra, Brasília, DF, ano 157, n. 172-A, p.2, 5 set. 2019. Disponível em: <
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-do-presidente-da-republica-
214643416>. Acesso em: 07 set. 2019.

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