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Universidade Federal de Sergipe – UFS

Livro: Direitos da Personalidade

Autor: Anderson Schreiber

Disciplina: Teoria Geral do Direito Civil – 01 – 2022.1 (DIRE0244)

Docente: João Hora Neto

Manuel Wackenheim, cidadão francês e anão, foi impedido de exercer a atividade que
até então realizava (lancer de nain) pelo Direito de seu país e pelo Comitê de Direitos Humanos
das Nações Unidas, com base no suposto desrespeito à sua dignidade, revelado em seu ofício
(o anão é lançado sobre mesas em restaurantes). Ou seja, mesmo ele não concordando, a Lei o
impediu de decidir como gostaria de viver e trabalhar. É consenso hoje que a ordem jurídica
deve se dispor a proteger as pessoas delas mesmas, se necessário.

O Estado Liberal e seus teóricos (como Hobbes) enalteceram a liberdade irrestrita. O


Estado deve interferir minimamente na vida de seus cidadãos. Os homens modernos
imaginavam alcançar o bem comum quando deixados livres. Porém, disso se seguiu abusos de
liberdade e uma degradação do homem pelo próprio homem. No contexto da Revolução
Industrial, deu-se o “canibalismo da vontade” e, diante disso tudo, muitos juristas passaram a
defender uma nova categoria normativa que fosse capaz de assegurar direitos superiores à
própria liberdade enquanto tal. Direitos indisponíveis, inalienáveis e naturais. Direitos que
garantem que a pessoa seja, enfim, pessoa.

As primeiras construções em torno de tais direitos ocorreram na segunda metade


do século XIX. Houveram muitos desacordos quanto ao “catálogo” dos direitos ditos da
personalidade. Juristas importantes como Savigny, Von Thur e Enneccerus negaram validade
científica à essa categoria: alegavam eles haver contradição, pois tinham tais direitos como
objeto o próprio sujeito humano. Necessário foi marcar o sentido subjetivo e o objetivo de
personalidade: aquele indica a capacidade que tem toda pessoa (física ou jurídica) de ser titular
de direitos e obrigações, este, indica o “conjunto de características e atributos da pessoa
humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico” (Gustavo
Tepedino). O assunto demorou para ser cristalizado nas leis até que chegou a segunda metade
do século XX.

Os horrores desse último século (XX) fomentaram a concretização dos direitos da


personalidade e a dignidade humana foi elevada como fundamento da própria liberdade e valor
central da ordem jurídica internacional. Ela influenciou as Constituições da segunda metade do
século, que a incorporaram como verdadeira razão de ser do Estado Democrático de Direito. A
CF/88 a cristalizou em seu primeiro artigo. A abordagem mais humanista e solidária das
relações jurídicas foi fomentada e o mundo do direito nota a dignidade humana sendo declarada
com cada vez maior frequência.

É de suma importância, por outro lado, não se deixar levar pelo uso meramente retórico
da “dignidade do homem”. É noção fluída enquanto valor-síntese que reúne as esferas
essenciais de desenvolvimento e realização da pessoa humana. Seu conteúdo não pode ser
descrito de forma rígida. Tome-se o fato de que “pessoa” deve ser entendido “sempre como
um fim e nunca como um meio” (Kant). A pessoa não pode se reduzir a um objeto qualquer,
como no caso do anão. Assim, é preciso indicar os principais atributos da dignidade humana
para segurança jurídica.

Como no caso do vendedor de bebidas Sílvio (que teve de pagar prendas pesadas por
não atingir uma meta), muitas outras violações da dignidade têm sido observadas por tribunais
juristas que progressivamente apreendem o conteúdo dos direitos da personalidade e que
buscam auxiliar as vítimas quando na ocasião do desrespeito a eles.

Há, então, uma releitura do direito civil dada segundo a nova Constituição de 88. Nosso
Código (Civil) que, malgrado a fixidez, dedicou um capítulo inteiro aos direitos da
personalidade, é grande exemplo dessa releitura. Agora a inteligência do jurista pode melhor
abarcar a rigidez do Código Civil em suas normas sobre direitos da personalidade para a reta
apreciação dos casos concretos. Deve haver uma “Interpretação construtiva”.

Os direitos da personalidade, que fique claro, são direitos fundamentais. São atributos
da personalidade que produzem efeitos mais agudos nas relações civis e que existem na lei
positiva como rol aberto. A ampliação desse rol dos direitos positivados é crescente.
Exemplo: dano moral e reparação. O Poder Judiciário arbitra o valor em consonância
com a gravidade do dano à pessoa. Há compensação de modo não pecuniário e, inclusive, há
o punitive damage, uma indenização punitiva, como no caso de Stella Liebeck. Para a
cristalização dos direitos da personalidade no caso concreto, são empregados critérios pautados
na dignidade do homem ao se arbitrar as indenizações por dano moral.

Quanto às pessoas jurídicas, o trato legal que nelas reconhecem os direitos da


personalidade é perigoso (art. 52 do CC). Não são elas pessoas como são as pessoas naturais.
Por isso, deve-se atentar com cuidado ao que o próprio dispositivo em questão indica, isto é,
que os direitos da personalidade são aplicáveis a elas no que couber.

“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
O quão relativo é esse dispositivo legal? A questão das violações aos mortos é central para o
entendimento da elasticidade legal em questão, uma vez que o artigo seguinte (12) legitima
explicitamente cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto
grau para requerer a medida prevista no caput (exigir que cesse a ameaça ou lesão a direito de
personalidade e reclamar perdas e danos). A elasticidade da irrenunciabilidade também é
questionada e presente é o caso do Big Brother Brasil como exemplo, em que pessoas
renunciam não-definitivamente de sua liberdade, algo legitimado no ordenamento jurídico
brasileiro. Em geral: a autolimitação ao exercício dos direitos da personalidade deve ser
admitida pela ordem jurídica quando atende genuinamente ao propósito de realização da
personalidade do seu titular. Tal é o entendimento do Enunciado n° 4 da I Jornada de Direito
Civil. Também deve ser analisada a intensidade da autolimitação em cada caso concreto.

Agora, sobre o corpo: o tratamento jurídico a ele reservado mudou ao longo da história
e recebeu grande influência do pensamento religioso. Hoje o corpo é visto dentro do campo de
autonomia do sujeito (direito ao próprio corpo). As codificações e a própria CF/88 regularam a
matéria de forma mais liberal e o Código Civil veio cuidar da relação entre a proteção do corpo
e a vontade do seu titular, estabelecendo em quais circunstâncias pode alguém dispor do seu
próprio corpo.

Há os “atos de disposição do próprio corpo”. Há, como no caso Voronoff, integrações


ao próprio corpo como a inserção de testículos de macacos (sob a suposta garantia de um maior
vigor físico). Há também barrigas de aluguel e transplantes de órgãos, como exemplos.
O Art. 13 do CC, que afirma que “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de
disposição do próprio corpo, importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.”, recebeu importantes críticas: parece que ele eleva a
recomendação clínica a um patamar superior a qualquer avaliação ética ou jurídica; sugere que
estariam autorizadas reduções de caráter não permanente e alude à ideia de bons costumes (que
é, por vezes, deveras vaga). É concebível indicar como afronta aos bons costumes por mentes
mais tradicionais o bodyart, realizado, como exemplo, por Priscilla Davanzo e o body
modification de Erik Sprague (homem que busca se parecer com um lagarto). Tais práticas,
segundo o autor, não podem ser tratadas como ameaças capazes de atrair a rejeição do direito.

Um exemplo de redução não permanente da integridade física mas que nem por isso se
poderia considerar legítima é a inserção de microchips na pele de operários para controlá-los
em seus horários. Outro exemplo da mesma situação é o chamado mercado humano, que foi
repudiado pelo texto constitucional em seu Art. 199.

Deve-se tomar cuidado, como dito, com o critério da “exigência médica”, fixado no Art.
13 do CC. Esse conceito nada tem de rígido e matemático e sua aplicação é bastante flexível,
como se depreende dos casos reunidos sobre o nome de amputees-by-choice (pessoas que se
amputam), que os médicos – alguns deles – têm defendido.

Após uma série de alterações legais (desaguando na Lei 10.211, que altera o art. 4° da
Lei 9.434 – lei especial que regulariza o parágrafo único do Art. 13 do CC), deu-se um
retrocesso no direito de disposição do próprio corpo. A exigência de autorização de cônjuge ou
parente que seja firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação
da morte é grande burocracia e subordina a autonomia corporal do indivíduo à vontade de
terceiros. Interpretam-se inconstitucionais tais alterações.

Por outro lado, mostra-se mais afinado com os valores postos na Constituição o Art. 14
do CC, que afirma a validade da disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte,
depois da morte se tal ato possui objetivo científico ou altruístico (em seu parágrafo único,
aponta que esse ato pode ser livremente revogado a qualquer tempo). Da comparação entre esse
dispositivo e aquele da Lei 9.434, infere-se que, em regra, é livre a disposição do corpo post
mortem como desejar o seu “possuidor”. A exceção se abre quando não há manifestação de
vontade do morto, ficando, assim, a cargo dos legitimados pela Lei 9.434 decidir como será –
e se será – disposto o corpo para fins científicos e altruísticos.
Ainda na seara do direito à disposição do próprio corpo, manifestam-se diversas
problemáticas quanto à relação desse direito com outros (como o direito à vida). Notável é o
caso das Testemunhas de Jeová, que não podem receber transfusão de sangue. Ocorre, aí, um
sopesamento entre direitos fundamentais garantidos pela Constituição: direito à vida e direito à
inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. Deve prevalecer o direito à essa
inviolabilidade no caso daquele que precisa de transfusão de sangue para viver mas que
conscientemente o recusa para que tenha uma morte digna segundo os seus valores (há aqui
uma inferência de que o direito à vida significa vida digna, ou seja, vida com término digno
também).

O Art. 15 do CC trouxe flagrante equívoco de redação: “ninguém pode ser constrangido


a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Sugere o artigo que, não havendo risco de vida, qualquer pessoa pode ser constrangida
a se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica, o que é contra os valores do
ordenamento jurídico brasileiro atual. Tratamento compulsório só é admitido em hipóteses
excepcionalíssimas, nas quais se identifica uma ameaça ao interesse coletivo à saúde ou à
segurança com o devido fundamento.

As disposições legais e os valores cristalizados na Constituição ensejam amplos debates


sobre a legalidade da eutanásia, da ortotanásia, do direito do paciente de não ser informado
clinicamente sobre a sua situação etc. Tem sido descriminalizados e/ou atenuados alguns desses
atos para que, segundo pressões populares, sejam reconhecidos como bons e legítimos.
Exemplo de delicada problemática no âmbito dos limites da disposição corporal é o
accanimento terapeutico: quando as chances de cura são nulas ou muito remotas, ou quando a
manutenção da vida se promete extremamente dolorosa (como no caso de Lillian Boyes, inglesa
de 70 que sofria de artrite reumatoide ao ponto de gritar de dor quando seu filho tocava sua mão
com o dedo... recebeu uma injeção letal aplicada por seu médico, Dr. Nigel Cox, que foi
condenado a um ano de reclusão).

Outra ferramenta legal que se enquadra no tema é o testamento biológico, instrumento


por meio do qual a pessoa manifesta, antecipadamente, sua recusa a certos tratamentos médicos.
Alguns ordenamentos jurídicos admitem que a pessoa indique mandatário para assuntos dessa
natureza, por meio de “procurações de saúde”.
Postula-se, como arremate, alguns critérios aplicáveis à ampla diversidade de situações
que suscitam o exercício do direito à morte digna: 1) deve-se respeitar a expressa recusa ao
tratamento manifestada pelo paciente consciente (mesmo que resulte em sua morte); 2) se
inconsciente, deve ser respeitada a sua manifestação prévia de vontade, formalizada ou não em
testamento biológico (não será respeitada apenas diante de mudanças significativas na
eficiência ou variedade dos tratamentos disponíveis e que possam afetar a vontade em questão);
3) se não houver manifestação de vontade, deve ser ela inferida do modo de vida do paciente;
4) se o paciente solicitar conscientemente ao médico para a obtenção do resultado letal, tal
solicitação deverá ser apreciada em conformidade com toda a realidade do tratamento em sua
extensão e duração.

Agora, à Honra: é tema caro é reputado como de elevado valor pela imensa maioria das
pessoas e é sua preservação consagrada no Art. 5° da Constituição Federal, além de serem
proibidas como condutas típicas pela legislação Penal a injúria, calúnia e difamação (apesar de
ser tema controverso, uma vez que muitos penalistas concordam que as violações à honra
poderiam ser solucionadas apenas por meio da responsabilidade civil).

É importante destacar que distingue-se a honra objetiva da subjetiva, pois a primeira


trata da reputação que goza a pessoa no meio social e a segunda, do sentimento que tal pessoa
ostenta em relação à sua integridade moral.

Tão grande é o valor da honra na vida social que foi considerada causa suficiente para a
exclusão da responsabilidade por atos criminais, como no caso Doca Street, em que ele (Street),
assassinou sua namorada e absurdamente alegou o direito de a matar, pois, segundo ele, o fato
dela se encontrar em flagrante adultério fez com que ele realizasse atos “contra a sua natureza”.

Não foi muito feliz o Código Civil de 2002 quando buscou separar as fronteiras entre o
direito à honra e outros direitos da personalidade, isso por conta de sua importância que
praticamente ofusca e absorve os outros institutos. Além disso, por ser tão importante
historicamente falando, o direito à honra se encontra tutelado também em diversas normas
específicas espalhadas pelo Código. Também não foi muito feliz, por exemplo, em seu
tautológico art. 953, que afirma que a indenização por injúria, difamação ou calúnia será
constituída na reparação do dano que delas resulte ao ofendido, matéria que já foi regulada no
texto Constitucional com clareza e suficiência. Pior é seu parágrafo único, que pontua que o
juiz somente poderá fixar a indenização por arbitramento se o ofendido não puder provar o
prejuízo material. A doutrina não lhe tem reconhecido nenhuma utilidade.

Outros efeitos da violação à honra são tutelados no Código, por exemplo, no art. 1557,
I e no art. 1558 (anulações possíveis do casamento); art. 557, III e 558 (que regulam
repercussões patrimoniais da violação à honra etc.

Espinhosa questão é a da quantificação do dano à honra para fins de indenização


(compensação pecuniária). Os tribunais buscam se valer do máximo de critérios objetivos para
tanto, como no caso de Mayrink Veiga (o fato de ser do sexo feminino acrescenta em
indenização de cem salários mínimos, a utilizações de expressões torpes contra ela em mais
cem etc.). Quanto à compensação não pecuniária, vale notar que tais formas não patrimoniais
de compensação não são taxativas, isto é, pode ser em forma de retratação pública por parte do
ofensor, direito de resposta público do ofendido e mais quantas formas possíveis forem.

Pode a honra ser violada tanto pela divulgação de fatos falsos (como a do político de
grande destaque ao qual foi falsamente atribuída a paternidade em decorrência de relações
extraconjugais com adolescente) como de fatos verdadeiros (como em manchete que conexiona
fato real com outro fato real mas que não são realmente conexos, induzindo o leitor à falsas
conclusões).

Sensível é a aplicação da técnica de ponderação entre o direito à honra e a liberdade de


informação em casos de suspeita criminosa. O STJ, em julgamento, reconheceu quatro critérios
para tanto: deve-se destacar a qualificação do retratado como mero suspeito ou acusado, deve-
se consultar fontes fidedignas, apresentar indícios recolhidos e observar a oitiva do suspeito e
do seu advogado.

Vale notar que finalidades satíricas não são abusos do direito à liberdade de expressão,
isto é, não se pode, a priori, constatar violação à honra de alguém com base em sátira. A
proibição de humor direcionado a candidatos, partidos políticos ou coligações, por parte das
rádios e televisões (pela Resolução 23.191 do TSE) é claramente inconstitucional, pois o humor
é legítima manifestação da liberdade de expressão cristalizada no art. 5° da Constituição –
apenas razões de ordem constitucional poderiam limitá-lo. Por outro lado, exemplo
corretamente pontuado pela lei como violação à honra é o do mobbing (assédio moral no
ambiente de trabalho direcionado ao trabalhador de modo sistematizado).
Quanto à honra da pessoa jurídica, já comentada no primeiro capítulo deste livro, foi
felizmente tutelada no art. 52 do CC: como possuem (as pessoas jurídicas) direitos da
personalidade que lhe são aplicáveis no que couber, possuem (pois cabe) direito à honra. É fácil
conceber possível violação à honra da pessoa jurídica. Exemplo claro é a quebra de segredo
industrial contra ela, assim como claro é o exemplo da veiculação de matéria jornalística
ofensiva à ela. Importante é pontuar que, mesmo tendo tratamentos semelhantes, pessoas
jurídicas não são ofendidas pessoalmente, no sentido de que não sofrem moralmente em sua
personalidade jurídica, diferente de seus funcionários, diretores etc. Estabelecer, assim, a
indenização por dano moral sofrido por elas (pessoas jurídicas) tende a seguir critérios mais
objetivos (quantas pessoas se desmatricularam de uma escola após ato errôneo de seu professor;
o quanto diminuiu as vendas de certa empresa por falsa atribuição negativa ao seu produto etc.).
A regulamentação no art. 954 do CC, assim, “pede” que o juiz arbitre os valores indenizatórios
racionalmente, isto é, levando em conta a diversidade de naturezas (e de como elas podem ser
ofendidas) da pessoa natural e da pessoa jurídica.

Muita debatida (inclusive em julgamentos do STJ) é o dano moral coletivo. Se é


possível, como se identifica, como se indeniza... todas são questões agudas, mesmo entre os
doutrinadores. A própria expressão “dano moral coletivo” não ajuda, pois, ao mesmo tempo,
invoca ideias subjetivas (aquele que sofre o dano, especificamente) e objetivas (certo tema
abstratamente considerado é sensível e sua violação, em tese, a todos incomoda). Ainda há
muito debate para que a noção seja estabilizada (diferente, por exemplo, do dano à honra de
pessoa falecida e a legitimidade de familiares para reclamá-la - noção pacífica inclusive no
STJ).

Sobre a imagem, pode-se dizer, em princípio, que o art. 20 do CC pontua que toda pessoa
tem direito a proibir o uso e exposição de sua imagem se lhe atingirem a honra, a boa fama ou
a respeitabilidade. A correta exegese desse dispositivo é aquela que afirma não depender da
lesão à honra a tutela do direito à imagem (contrário era o entendimento dos mais antigos).

Como exemplo, há o pedido judicial de jogadores da seleção brasileira de 1970 de não


serem expostos juntos em um álbum de figurinhas chamado de Heróis do Tri. Não houve,
claramente dano à honra, mas suas imagens foram mesmo assim justificativas para o pedido
(por não as terem autorizado). Deve ficar claro, também, que o direito à imagem, mesmo sendo
independente, não é absoluto.
Muitos são os exemplos da tutela do direito à imagem que ajudam a elucidar como deve
ser ele balanceado com outros (pertencentes também ao ordenamento jurídico). O ex-Chefe da
Casa Civil, chamado de ladrão por eleitores em 2006 enquanto votava em São Paulo, à primeira
vista (segundo o art. 20 do CC), poderia alegar seu direito à imagem. Porém, tão importante
quanto esse direito é o direito dos demais – garantido no art. 5° da Constituição – de terem
acesso à informação. A ponderação não é simples.

Eis alguns parâmetros para tal ponderação: 1) o grau de utilidade para o público do fato
retratado; 2) grau de atualidade da imagem; 3) grau de necessidade da veiculação dessa imagem
para a informação do fato; 4) o grau de preservação do contexto originário da retratação. Para
aferir a intensidade do sacrifício imposto ao direito da imagem, deve-se verificar: 1) o grau de
consciência do retratado em relação à possibilidade de retratação de sua imagem no contexto
em que isso se deu; 2) o grau de identificação do sujeito retratado na imagem; 3) a amplitude
em que foi retratado esse sujeito; 4) a natureza e o grau da repercussão posterior à divulgação
da imagem.

A ponderação não resulta em conclusões estáticas. Basta serem alterados pequenos


detalhes no caso concreto para que a situação seja aliviada (como o uso de tarja preta para
majoração do grau de preservação do contexto originário da retratação). A própria lei indica
expressamente cuidados para situações delicadas. É o caso da Lei. 10.764/2003, que afirma que
notícias que atribuam a qualquer criança ou adolescente ato infracional devem preservá-las de
sua identificação (fotografia, apelido, parentesco etc.).

Agora, vale notar que, ao participar de vida comunitária, qualquer pessoa está sujeita a
ser retratada como parte integrante do coletivo, como um sujeito que é fotografado em meio à
torcida no Maracanã (não pode alegar, nesse caso, seu direito à imagem). Resta saber se, no
caso concreto, havia esse “espaço público suficiente” para que a pessoa seja "diluída" no
ambiente ou na multidão.

O Código Civil, em seu art. 21, estabelece que “a vida privada da pessoa natural é
inviolável”. Não pode sofrer limitação voluntária o exercício da privacidade, como os demais
direitos da personalidade. Tal tratamento é inadequado por ser redundante (já se encontra
tutelado o tema na Constituição) e por ser equívoco.

O direito à privacidade (eis um novo tópico) evoluiu com o passar do tempo. Hoje, em
decorrência da sociedade caracterizada pelo intercâmbio constante de informações, tal direito
deve servir mais do que o que servia segundo sua finalidade inicial, isto é, a simples proteção
da vida íntima. Sua nova extensão deve abarcar, inclusive, o direito da pessoa de manter o
controle sobre seus dados pessoais.

Destaque-se que a real importância da privacidade não se restringe à observação isolada


de cada dado pessoal (uma obtenção de número de telefone ou de um simples endereço de e-
mail.

Dito isso, a problemática da privacidade pode ser dicotomizada em: 1) uma dimensão
procedimental (modo como é obtido e tratado o dado pessoal); e 2) uma dimensão substancial
(que se refere ao uso mesmo que se faz do dado pessoal).

Sobre a primeira dimensão, basta dizer que se refere, primariamente, à coleta da


informação pessoal e seus vícios (como a invasão de privacidade). Vale dizer que os dados
pessoais, à luz das relações modernas, não podem ser tratados como bens de natureza
patrimonial. Daí a importância da existência de uma tutela abrangente da privacidade, que se
estenda por todas as fases do processo de recebimento da informação.

Sobre a segunda dimensão: refere-se, como dito, ao tratamento dispensado ao dado


pessoal (partindo de sua coleta até sua eliminação). Tal preocupação não é nova, já se
encontrando presente no pensar de Louis Brandeis, coautor de The Right to Privacy.

Central dentro do tema do direito à privacidade é o habeas data, remédio constitucional


garantido no Art. 5° da CF/88 – instrumento de grande utilidade para evitar e corrigir violações
à privacidade. Tal garantia fixada na Constituição não alcançou o CC de 2002 (a
regulamentação da privacidade continuou sendo reservada aos comandos genéricos). A vida
privada da pessoa é violada sistematicamente, se for entendida sob a luz do art. 21 do CC, raso
como é.

Deve ser cristalino o entendimento de que a privacidade (para sua garantia efetiva dentro
do sistema jurídico) se sujeita a ponderações que, segundo as circunstâncias concretas de cada
caso, a fazem ora prevalecer, ora dar passagem a outros interesses igualmente garantidos. É o
que foi cristalizado no Enunciado 279 aprovado na IV Jornada de Direito Civil.

Da multidão de exemplos, podem-se extrair certos entendimentos gerais relativos às


possíveis aplicações e ponderações do direito à privacidade face aos demais.
A publicidade das ocasiões faz variar o tratamento legal. Assim, um político que abre
sua casa para entrevistas não pode ter a expectativa da privacidade da mesma forma como a
teria outra pessoa qualquer. A reprodução de dados da vida de pessoas, à luz do art. 20 do CC,
em seu parágrafo segundo, não depende de autorização da pessoa representada, como em
biografias (isso, legalmente, não prejudica objetivamente a sua privacidade). Há aí quase um
interesse público. Mas existem parâmetros de ponderação em casos de biografia não
autorizada.São relevantes circunstâncias: a repercussão emocional do fato sobre aquele que é
biografado; 2) a sua atitude mais ou menos reservada; 3) a importância do fato biografado para
a formação de sua personalidade; 4) eventual envolvimento de terceiros e o nível de
identificação destes com o relato; 5) o formato de apresentação do relato (com maior ou menos
sensacionalismo; 6) riscos para outros direitos do biografado.

Uma saída prática para a complexidade da questão seria a autorregulamentação das


próprias editoras ao criarem uma espécie de código uniforme de conduta.

Quanto à defesa post mortem da privacidade do falecido, deve-se observar o art. 21 do


CC em sua parte final, que garante que o juiz adotará as necessárias providências para impedir
ou fazer cessar ato contrário à norma a requerimento do interessado. Interessado, aqui, tem sido
entendido pela doutrina como referência ao titular da privacidade que está sob ameaça. Pode-
se interpretar de forma mais extensiva, para que seja abarcada qualquer pessoa interessada de
forma legítima em defender a privacidade do falecido, do ausente etc. (qualquer um que não
pode se defender nesse sentido).

Pra não falar dos bancos de dados, verdadeiros mecanismos usados por companhias para
captar um “perfil total” do cliente para fins estratégico-comerciais. Foi omisso o Código Civil
em relação a esse tema, diferente do CDC, em seu art. 43.

É importante tomar nota, ainda dentro do mundo do direito à privacidade, do princípio


da especificação dos propósitos: o propósito da coleta de dados pessoais deve sempre ser
informado ao titular de tais dados. Pode o princípio em questão (que não se encontra expresso
em lei) ser extraído da boa-fé objetiva.

Uma outra face da moeda quando se trata do direito à privacidade e sua regulamentação
é a privacidade relativa aos suspeitos e aos condenados. À eles, devem ser reservados os
mesmos direitos relativos à sua honra, imagem, privacidade etc., sem prejuízo do interesse
social que pode haver em um caso concreto para a identificação dos suspeitos e/ou condenados.
Esse tema leva ao estudo da tutela por parte do Estado da privacidade nas relações entre
particulares.

São problemas hoje comuns na esfera do Direito as violações sistemáticas da


privacidade em meios eletrônicos e entre particulares. Telemarketing, spam, cookies...
realidades deveras incômodas à maior parte do povo, sendo tratadas, inclusive, pelos tribunais
superiores. E com a internet, mais difícil é ser esquecida uma certa informação – problemática
que evoca o suposto “direito ao esquecimento”. Tal direito não atribui a ninguém o direito de
apagar fatos ou de alterar a sua sequência na história, alterando-a. Ele assegura, isso sim, a
possibilidade da discussão a respeito do uso que é dado aos fatos passados (o modo e finalidade
com que são lembrados, principalmente). Depende fortemente do caso concreto e seu
entendimento não é pacífico (como se dá, em que medida se dá etc.).

Os dados genéticos também são tema espinhoso e de grande repercussão, como no caso
da “discriminação genética” e da recusa de DNA em investigação de paternidade. Essa segunda
hipótese recebeu precedente judicial que se tornou célebre (teve início em Porto Alegre). Duas
gêmeas, representadas pela mãe, propuseram ação investigatória em face ao suposto pai por
meio do exame de DNA, que fora recusado por ele. A juíza responsável pelo caso demandou
que ele fizesse o exame sob pena de coação sob vara. O réu, então, apresentou sucessivos
recursos contra a decisão judicial (restou ela mantida no TJ do Rio Grande do Sul. Finalmente,
impetrou ele habeas corpus perante o STF. Depois de grande debate jurídico no seio da
Suprema Corte, venceu o voto do Ministro Marco Aurélio, favorável ao réu. Seguiu o mesmo
caminho o STJ, cuja Súmula 301 afirma que “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai
a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Tal solução é
insuficiente, pois a confirmação objetiva da paternidade depende do exame. Há aí um grande
conflito de garantias fundamentais.

O próximo (e último) grande tema é aquele relativo ao direito ao nome e à identidade


pessoal.

O nome, no Brasil, é verdadeira questão de Estado, tamanha é a sua importância. Foi


declarado obrigatório pela Lei de Registros Públicos (nome composto de prenome e
sobrenome). A tutela legal deste tema variou muito ao longo dos anos e hoje é muito mais
flexível, isto é, o nome perdeu um pouco de sua “imutabilidade” com o passar dos anos. Mudá-
lo, por vezes, é essencial, como no caso de Wonarllevyston Bruno, que entrou na Justiça para
que tivesse um nome mais coerente com sua pessoa e vontade.

Mesmo assim, deve o nome ser preservado. Não é aceitável que uma pessoa altere
constantemente o seu nome – o que confundiria a sociedade e lhe possibilitaria escapar, por
exemplo, à cobrança de dívidas. O nome é interesse, ao mesmo tempo, público e individual. De
qualquer forma, decisões que rejeitam pedidos de alteração do nome devem ser fundamentadas
com a devida justificativa para tanto (como tal mudança ameaça a sociedade, se for o caso).

A legislação infraconstitucional consagra expressamente um dever ao nome (e não um


direito). É o que se faz claro no art. 16 do CC. A disciplina jurídica do nome envolve três
aspectos. São eles: 1) o direito de ter um nome (na verdade, é um dever, ou misto de direito e
de obrigação); 2) o direito de interferir no próprio nome; 3) o direito de impedir o uso indevido
do próprio nome por terceiros. O nome é predominantemente tratado como coisa pela ordem
jurídica brasileira.

Eis uma dificuldade: determinar quando o uso do nome alheio revela-se ilegítimo (e,
claro, quando é legítimo). Não podendo a distinção se assentar de forma exclusiva sobre a
autorização prévia do titular do nome, o art. 17 do CC buscou estabelecer critérios para tanto.
Não pode, assim, o nome ser empregado em publicações ou representações que exponham a
pessoa ao desprezo público, ainda quando não haja intenção de difamar. O legislador não foi
feliz ao confundir o direito ao nome com o direito à honra.

Sobre o uso do nome em propaganda comercial, basta dizer que está consagrada a sua
proibição sem autorização no art. 18 do CC. Deve ser esse artigo interpretado como norma
exemplificativa. Pode ser estendida a problemática à questão do nome de domínio na internet.

Ainda sobre a autorização para uso de nome alheio, vale destacar que pode ser ela tácita
ou expressa. E, mesmo assim, há hipóteses em que o uso do nome alheio sem autorização
afigura-se legítimo (verdadeira ponderação de interesses constitucionais).

Sobre o pseudônimo: o CC, em seu art. 19, pontua que “O pseudônimo adotado para
atividades lícitas goza de proteção que se dá ao nome.”, ou seja, qualquer modalidade de nome
fictício desenvolvida com finalidade lícita serve legalmente como nome. Embora seja livre a
sua criação, é certo coibir a usurpação de pseudônimo já estabelecido (verdadeiro interesse
social).
O apelido é diferente do pseudônimo: enquanto aquele é quase sempre produto de
iniciativa alheia que ganha força no meio social (independente e até contra a vontade do
apelidado), este é nome fictício criado pelo próprio indivíduo. A lei autoriza que se inclua o
apelido no nome, desde que público e notório (Lei 9.708, de 11 de novembro de 1988, dando
nova redação à Lei de Registros Públicos).

Outro importante campo relativo à proteção ao nome é aquele dos direitos autorais. A
Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1988 assegura os “direitos morais do autor”. Além de direitos
patrimoniais que tem o autor de obra intelectual, tem ele o direito de ter seu nome vinculado à
obra (em qualquer utilização da mesma). Além de outras inferências legais, pode se dizer que
o autor não pode alienar ou renunciar ao direito de ter seu nome associado à obra. Muitos
juristas colocam tais direitos morais do autor dentro da categoria dos direitos da personalidade.

Agora, sobre o direito à identidade pessoal. É a correta identificação do indivíduo no


seu meio social e vai muito além da proteção ao nome. É um “direito de ser si mesmo” (que
fundamenta, por exemplo, o caso do advogado praticamente retratado como gay em jornal e
que recorreu à Justiça para que fosse indenizado).

Por fim, em termos gerais, quando se fala sobre os direitos da personalidade, é notável
que sua marcha é “infinita”, isto é, novos direitos de tal espécie aparecem de forma constante
como demandas da sociedade. Direito à cotas sociais, à liberdade de expressão, liberdade
religiosa... os exemplos se multiplicam e muitos casos concretos lhos revelam.

O rol dos direitos da personalidade, por definição é aberto. E seu desenvolvimento e


expansão ocorre paralelamente à revisão geral da ciência jurídica como um todo. Vários direitos
fundamentais (direito ao trabalho, à moradia, à educação etc.) estão sendo progressivamente
reconciliados como a pessoa humana em termos jurídicos, sua destinatária essencial. É esse o
esforço da doutrina publicista mais moderna.

O que se espera do jurista atual é a sensibilidade unida à coerência para identificar o


direito aplicável em em que medida se deve aplicá-lo. É a arte do Direito que volta a aparecer.

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