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TRÊS MULHERES BRASILEIRAS: Uma mãe, a Senhora
(1) EDJANE DUARTE DA CUNHA, brasileira, viúva, comerciante, inscrita no
CPF/MF sob o nº 709.521.751-34 e portadora da cédula de identidade RG nº 1.610.057,
SSP/DF, em mais profundo luto e ao lado das suas duas filhas, as jovens estudantes
(2) ANA LUÍZA DUARTE DA CUNHA, brasileira, solteira, inscrita no CPF/MF sob
o nº 076.629.321-17 e portadora da cédula de identidade RG nº 3.808.396, SSP/DF, e
(3) KÉSIA THALYTA DUARTE DA CUNHA, brasileira, solteira, inscrita no
CPF/MF sob o nº 076.628.951-65 e portadora da cédula de identidade RG nº 3.807.796,
SSP/DF,
RESPECTIVAMENTE, VIÚVA E FILHAS (DOCS. 01, 02 e 03) DA VÍTIMA,
CLRERISTON PEREIRA DA CUNHA, falecido em estabelecimento prisional em
razão de prisão preventiva manifestamente ilegal (DOC. 04), todas elas desamparadas,
residentes e domiciliadas na Casa 16 da Rua 8 que fica na Chácara 332 do Bairro Vicente
Pires, nesta Capital da República Federativa do Brasil, Brasília, Distrito Federal, CEP
72007-125, vêm, através de seu advogado e bastante procurador (DOC. 05) respeitosa,
tempestiva e subsidiariamente em razão da inércia da Procuradoria-Geral da República
(PGR), à presença de VOSSA EXCELÊNCIA para, em defesa da Sociedade Brasileira e
do Estado Democrático de Direito – o qual requer concretas e constantes demonstrações
da igualdade de todos perante as leis, que devem ser observadas e aplicadas em seus
rigores tanto ao mais pobre e iletrado dos brasileiros quanto a qualquer autoridade de
notável saber jurídico –, nos termos da Constituição, da legislação processual e material
penal, promover a presente
AÇÃO PENAL
CUMULADA COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO
contra Ministro do Supremo Tribunal Federal,
o Excelentíssimo Senhor Professor Doutor
ALEXANDRE DE MORAES,
pela prática, em concurso formal, de crimes tipificados tanto no
Código Penal quanto na legislação criminal especial, quais sejam,
prevaricação, maus-tratos, abuso de autoridade e tortura
em razão dos fatos aqui apresentados com todas as suas circunstâncias e suficiência de
provas, bem como dos exaurientes fundamentos jurídicos expostos ao longo desta
Exordial.
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1. COMPETÊNCIA, LEGITIMIDADE,
ADMISSIBILIDADE E TEMPESTIVIDADE
CONSIDERANDO QUE Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
(CONSTITUIÇÃO, art. 5º, caput);
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do Ministério Público e, através dele, deve ser promovida por denúncia, mas dependerá,
quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do
ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo (CONSTITUIÇÃO, art. 129, I,
c/c CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, art. 24);
CONSIDERANDO QUE será admitida ação privada nos crimes de ação pública
se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público intervir em todos
os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no
caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal
(CONSTITUIÇÃO, art. 5º, LIX; c/c CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, arts. 29, 30 e
31); e
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Diante de tais considerações preliminares:
UMA VEZ QUE, vindo a óbito a VÍTIMA, as AUTORAS da presente ação, viúva
e filhas da VÍTIMA (DOCS. 01, 02 e 03), são partes legitimadas a prosseguir com as
queixas ou proceder com as ações pertinentes na forma do artigo 31 do CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL (CPP);
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2. HISTÓRICO DE UM CASO INÉDITO NO
BRASIL: DA NÃO CORRELAÇÃO
PROCESSUAL COM O 08/01/23
Ato contínuo, porque o Direito deve sempre prevalecer, prisões foram realizadas,
uma investigação foi iniciada, denúncias foram apresentadas de Procuradoria-Geral da
República (PGR) e, prontamente, aceitas por este Pretório Excelso em uma escala
industrial nunca vista na história deste país. A Relatoria de todas as denúncias tornadas,
então, ações penais ficou a cargo do Excelentíssimo Senhor Ministro Professor Doutor
ALEXANDRE DE MORAES.
Ao longo dos dias, dos meses que seguiram aos fatos, uma significativa parcela
dessa multidão continuou, “preventivamente”, presa. Foi o caso do pai de família sem
antecedentes criminais CLERISTON PEREIRA DA CUNHA, um pequeno empresário
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que, no dia 17 de julho deste ano de 2023, completou 46 anos de idade no cárcere, mais
especificamente, no Bloco 6 do Centro de Detenção Provisória nº 2 do Distrito Federal.
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o sujeito “privilegiado”, não bastando seja ele tão somente investigado); não conterá esta
ação conjecturas sobre insanáveis nulidades processuais dessas denúncias, uma vez que
originadas de um relatório policial revelado nulo em razão do surgimento (descobrimento
mediante vazamento à imprensa) de imagens – em um momento que significativa parte
das denúncias já havia sido apresentada e aceita por este Pretório Excelso – que mostram
cenas, até então, nunca mencionadas com personagens jamais ouvidos pelos
investigadores até então – afinal, como poderá gozar de qualquer validez jurídica um
relatório que, jogando por terra qualquer ideia de respeito à cadeia de custódia, conclui
um investigação que não investigou elementos de prova essenciais disponíveis?
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mencionadas, NENHUMA DELAS SE CORRELACIONA COM A PRESENTE
AÇÃO PENAL; NADA DISSO TEM CORRELAÇÃO TANTO COM A CAUSA
DE PEDIR QUANTO COM O PEDIDO QUE, AO FINAL, SE VAI APRESENTAR.
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Nesse diapasão, porque se vai tratar, aqui, do cometimento de infrações penais por
um Ministro deste E. STF, é de se salientar que, em virtude da comoção nacional gerada
pelo caso doravante pormenorizado, caso surjam, quantos forem, ações penais populares
e pedidos parlamentares instrumentalizados nos dispositivos da Lei nº 1.079, de 10 de
abril de 1950, nada terá o condão de obstruir, impedir, sobrepor ou anular as medidas
aqui, ao final, requeridas, uma vez que, ensina o Professor EUGÊNIO PACELLI, “a
ilicitude, enquanto contrariedade do fato à norma de direito, pode estender-se a diversos
ramos do mesmo ordenamento, podendo um único fato constituir tanto a ilicitude penal
como a civil, administrativa e disciplinar, para citar apenas algumas.” (Curso de Processo
Penal, 18. ed., Atlas, 2014, p. 125)
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Em resumo, apesar de entrelaçado com os acontecimentos e crimes do 8 de
janeiro de 2023, é importante repisar que o fato criminal que se vai noticiar é dele
independente, absolutamente autônomo, de maneira que a sua análise não pode ser,
sob nenhum argumento, contaminado pelas paixões que incendeiam os debates
sobre o citado e lamentável evento ocorrido nesta Praça dos Três Poderes.
“Preventivamente” preso, foi tornado réu na Ação Penal nº 1.055 (numeração única
dos autos: 0075777-96.2023.1.00.0000) sob a Relatoria do Excelentíssimo Senhor
Ministro ALEXANDRE DE MORAES (DOC. 10) que ordenara – sem jamais justificar
e nunca a reexaminar na forma da Lei – o seu recolhimento na citada unidade prisional.
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Insista-se: O seu delicado estado de saúde preexistente e persistente desde seu
recolhimento se agravava e, portanto, CLERISTON não poderia estar, ab initio, no já
referido centro de detenção.
“O requerente possui a sua saúde debilitada em razão da COVID 19, que lhe
deixou sequelas gravíssimas, especificamente quanto ao sistema cardíaco, conforme
laudo médico anexo. Esse fato deve ser entendido como uma situação elencada no
art. 318, II, do CPP (...).
(...)
É de extrema importância informar, que recentemente a médica responsável pelo
acompanhamento do paciente, solicitou exames necessários (doc. Anexo) para
assegurar a saúde do acusado, todavia, não pôde comparecer aos exames
solicitados, devido a prisão preventiva, e vem convivendo em local degradante e
insalubre, e que estas condições podem acarretar em complicações fatais para o
paciente, ora acusado.
Nesse sentido notório que a segregação prisional tem sido prejudicial a saúde
ao referido uma vez que a conjugação dos tais tratamentos também se faz necessário
em conjunto com medicação prescrita.
Há que se falar também da debilidade física em que o acusado se encontra desde
a sua traumática prisão”. (DOC. 11)
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no recolhimento, não a vítima não contava com acompanhamento médico necessário nem
podia realizar os exames hospitalares necessários à sua sobrevivência.
O risco de morte com a prisão de CLERISTON, aliás, já havia sido alertado poucos
dias após o seu recolhimento pela médica reumatologista do Hospital Regional de
Taguatinga, Dra. TANIA MARIA LEITE ANTUNES, que, formalmente, registrou em
dois relatórios (logo em 30 de janeiro e, após, no dia 27 de fevereiro de 2023) o quanto
segue: “Em função da gravidade do quadro clínico, risco de morte pela
imunossupressão e infecções, solicitamos a agilidade na resolução do processo legal
do paciente”.
A PGR, por seu turno, além de considerar a gravidade e a urgência do quadro fático
de saúde exposto e comprovado, acompanhou o pedido da defesa e concluiu pela
necessidade da imediata liberdade provisória de CLERISTON, inclusive porque,
argumentou:
O parecer citado foi protocolado nos autos da Ação Penal nº 1.055 no dia 1º de
setembro de 2023 (DOC. 12).
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(DOC. 10, p. 5). LAMENTAVELMENTE (FATALMENTE TAMBÉM), O
MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES PREVARICOU.
Não bastasse ter morrido, a VÍTIMA – tratada como cidadão pouco no último ano
da sua pouca vida, reduzida a pessoa pouca, indigna, e, privada dos seus direitos,
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diminuída, ainda, à condição de sombra, isto é, de um ser destinado a ser apagado –,
mesmo assim, ou seja, já a se decompor em cova de bom tamanho para pouco defunto,
segue desrespeitada: MORTA HÁ MAIS DE 70 DIAS, CAUSA ESTRANHEZA
QUE, AINDA NESTA DATA, O ESCLARECIMENTO ACERCA DA CAUSA DA
SUA MORTE EM SUA CERTIDÃO DE ÓBITO (DOC. 04) NÃO TENHA SIDO
REVELADA... Estaríamos nós retomando as práticas dos Anos de Chumbo do Regime
Militar?
Lastimável. Todavia, qualquer que tenha sido a causa da sua morte, ela não importa:
A morte ocorreu em prisão preventiva manifestamente ilegal e sob a inteira
responsabilidade do Ministro ALEXANDRE DE MORAES.
Lastimável, mas intolerável, de maneira que a VÍTIMA não poderá ser tratada da
mesma maneira que o Alberto da Silva de Ferreira Gullar, cuja notícia da morte não saiu
em jornal algum, pois “foi apenas a morte de um homem comum” (GULLAR, Ferreira,
Toda Poesia, Rio de Janeiro, José Olympio, 2015, p. 252); nem seja dito, como no mesmo
triste poema
Caso isso ocorra e não seja o Ministro ALEXANDRE DE MORAES punido nos
rigores da Lei, outra certeza não haverá a não ser a de que a Lei morreu também.
É fato público e notório que, desde o primeiro dia da persecução criminal contra
CLERISTON, o MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES, arrogado na qualidade de
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Juiz Natural do caso, foi a autoridade responsável pela VÍTIMA vinda a óbito no dia 20
de novembro de 2023.
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risco de vida a que a prisão o expunha (prognóstico que nunca foi
contestado quer pelas autoridades policiais responsáveis pela
investigação quer por aquelas incumbidas do encarceramento quer
pelos membros do Ministério Público). Ipsis verbis:
III. Em 17 de maio de 2023, a Ação Penal nº 1.055 foi autuada no STF sob a
relatoria do MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES.
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submetida (mais uma vez, o prognóstico não foi contestado quer pelas
autoridades policiais presentes quer pelos membros do Ministério
Público quer pela Magistr5ada que presidia as audiências).
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desta PGR, o risco de vida a que o réu estava exposto – determinação, no
caso em tela, de uma perversidade atroz e incompatível não apenas com o
Poder Judiciário, mas com a própria Humanidade (DOC. 10, p. 6).
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quaisquer pedidos pela Procuradoria-Geral da República ou pela Defesa.”
(DOC. 15)
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XVIII. Em desespero, no dia 7 de novembro de 2023, a defesa protocolou a
petição nº 123848/2023, na qual, com letras garrafais, suplicou pela
apreciação de todos os pedidos de liberdade assistida que, até então,
vinham sendo ignorados, injustificável e categoricamente, pelo
MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES.
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XXII. Em resumo, CLERISTON MORREU TORTURADO, PORQUE O
MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES, ABUSANDO DO SEU
PODER, ASSUMIU, INDEPENDENTEMENTE DE TER QUERIDO
ESSE RESULTADO MORTE, O RISCO DESSA MORTE
INDIGNA. CLERISTON, PROVAVELMENTE, AINDA ESTARIA
VIVO E AO LADO DA SUA ESPOSA E DAS SUAS DUAS FILHAS
SE GOZASSE DO PRIVILÉGIO DE UM JUIZ JUSTO,
IMPARCIAL, EMPÁTICO E CONHECEDOR DO DIREITO.
XXIII. Por derradeiro, hoje, dia 2 de fevereiro de 2024, passados mais de 70 dias
da morte da VÍTIMA, merece destaque algo muito suspeito e que, Deus
nos livre dessa suspeita, cheira a fraude processual nos moldes do
parágrafo único do artigo 347 do Código Penal brasileiro: Morta e
sepultada a VÍTIMA, o Poder Público ainda insiste em não esclarecer a
causa mortis em certidão de óbito (DOC. 04).
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ocorreu, por exemplo, com petições da Polícia Federal), ao lado, é claro, das suas mais
estritas obrigações legais como juiz – talvez, até mesmo, das universais obrigações como
ser humano –, o dolo da sua conduta criminosa travestida de ato jurisdicional privativo
de um magistrado parece inquestionável.
Quando se fala de ato criminoso, alude-se a ato que pode ser complexo, plúrimo,
e não único, razão por que acertado fora BALDO DE UBALDIS, quando cuidou da
L. 4, C., de fugitivis servis et libertis, 6, 1, e escreveu: “non coacervatione, ut lapides
acervum, sed vera substantia, ut syllabae dictionem unum”.
Também se há de por de parte a necessidade de referência a esforço interno (cf.
BLONDEL, L'Azione, II, 178), bem assim a ligação inexceptuada à vontade, pois a
omissão, o ato negativo, pode ser simplesmente lesivo, sem ter sido voluntário. O
sistema jurídico é que estatui sobre a entrada do efeito do comportamento no mundo
jurídico (cf. AUGUST KÖHLER, Die Grenzlinien zwischen Idealkonkurrenz und
Gesetzkonkurrenz, 16; e FRANCESCO ANTOLISEI, L'Azione e l'Evento nel reato,
37). A lei é que aponta os fatos que se consideram crimes, por suporem inação. Trata-
se, então, de fatos jurídicos ilícitos stricto sensu, que de modo nenhum se podem
confundir com os atos jurídicos ilícitos, ou com os atos-fatos jurídicos ilícitos. Nos
atos jurídicos ilícitos estão incluídos negócios jurídicos, mas tem-se de advertir que
esses entram no setor penal do mundo jurídico como atos ilícitos, o que infelizmente
não se tem frisado. As divergências que surgiram (por exemplo, entre os que negam,
peremptoriamente, que o negócio jurídico possa ser ato ilícito criminoso, como B.
WINDSCHEID, Lehrbuch, 1, 869, nota 1, 9° ed., 310 s., e E. FLORIAN, Diritto
Penale, Parte Generale, n. 290, e os que sustentam a afirmativa, como HEINRICH
DERNBURG, Das bürgerliche Recht des deutschen Reichs und Pressens, I, § 123,
e FRANCESCO CARNELUTTI, Teoria generale del Reato, 27), resultaram de não
se distinguir o suporte fáctico da regra jurídica penal e o delito. O negócio jurídico
pode estar, válido ou não, no suporte fáctico de regra jurídica que diz, com os
elementos componentes, haver o crime. Daí ser absurdo pretender-se ser
impossível que um mesmo fato se apresente como negócio jurídico e como crime
(e.g., RAUL ALBERTO FROSALI, Sistema Penale Italiano, I, 209). São frequentes
os casos. Vamos aos exemplos: o procurador da empresa, que tem poderes para
determinado contrato, ou determinados contratos, recebe ordem de não o concluir,
por ter havido revogação, mesmo se já ocorrera contato com o terceiro, e assina o
documento (negócio jurídico válido, mas, como ato negocial criminoso, entrou no
setor penal do mundo jurídico); pessoa casada, que se diz solteira, casa-se com a que
acreditou no que dizia e assinou o ato de casamento (negócio jurídico nulo, que passa
ao setor penal do mundo jurídico). O ato jurídico, qualquer que seja, que é elemento
do suporte fáctico de regra jurídica penal, está num setor e penetra no outro, como
quem residisse numa zona da cidade e instalasse outra residência noutra zona. O ato
jurídico (não só o negócio jurídico) pode ser o elemento único do ato delituoso
ou ser um dos elementos, mas a primeira espécie dificilmente pode ocorrer, por
ser, quase sempre, um deles o dolo ou a culpa. (Op. cit., p. 438-439, grifamos)
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Ao tratar dos Defeitos do Negócio Jurídico, na seção específica sobre o dolo, o
artigo 147 do vigente Código Civil brasileiro estabelece que “o silêncio intencional de
uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui
omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.
Mutatis mutandis, pode-se dizer, trazendo o dispositivo civil ao caso concreto, que
o silêncio de um juiz a respeito de uma real e urgente necessidade da parte não pode ser
tratado como uma ignorância acidental, como uma omissão propriamente dita: Porque o
juiz tem a obrigação legal e intransponível de apreciar tal demanda com prioridade, seu
silêncio sempre será intencional, doloso.
O CÓDIGO PENAL define, no inciso I do seu artigo 18, o crime doloso como
aquele em que “o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Mais ainda,
a fim de que não restem dúvidas nem escusas quanto ao dolo, convém realizar a leitura
conjunta do artigo 18 com o artigo 13:
Disso resulta que, se o dever de agir incumbe a quem esteja obrigado pela lei, toda
conduta omissiva praticada por aquele que tem o dever legal da conduta comissiva será
considerada uma conduta dolosa. Mesmo inexistindo o desejo do resultado criminoso
decorrente de um mal maior que se abata sobre o beneficiário da ação (a morte por
qualquer motivo que decorra da desassistência) do legalmente obrigado a ela (a
assistência ao beneficiário), este (o legalmente obrigado) assume o risco da
superveniência desse resultado.
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Comprovação do dolo em razão da consciente e contumaz violação do Direito
Diante de um imperativo legal certo que obriga o seu destinatário nele definido à
tomada de uma ação determinada, o ato de ignorar o conteúdo normativo e não proceder,
assim, conforme o seu comando incontornável revela, definitivamente, uma escolha do
destinatário; este escolhe entre agir conforme o dever normativo ou escolhe infringir a
lei, revelando sobrepor ao Direito um elemento da própria vontade após o cálculo do risco
inerente à escolha: partindo do pressuposto sentimento de que não se quer obedecer a lei
escrita e estrita previamente existente e válida, a escolha em negar vigência a ela pode até
aparentar tratar-se de uma omissão, mas, juridicamente, não pode ser outra coisa senão
uma ação comissiva.
Ora, Excelência, da mesma forma que o Direito nacional não proíbe “matar” (não
existindo, assim, o dever de se omitir de matar; pois matar é ato ilícito por si e informa
que “deixar viver” é um comando de ação implícito no ordenamento – até mesmo porque,
se tratarmos o direito penal como um direito de omissões obrigatórias, aniquilaremos a
ideia do desvalor penal, bem como subverteremos a essência das razões do Direito, uma
vez que isso possibilitaria considerar que, não fossem as proibições convertidas em
obrigações omissivas, a ação seria natural à humanidade), não existe proibição do
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descumprimento das normas do ordenamento jurídico, mas existem, evidentemente,
consequências!
O cumprimento das obrigações legais, uma vez que é ato jurídico, é comando
implícito para uma ação que decorre da antijuridicidade da ação contrária (o
descumprimento); e nunca uma simples omissão, que é apenas considerada
negativamente, ou seja, como falta (a simples omissão ocorre ou diante da ausência do
dever de agir ou em razão da disposição de faculdade lícita para agir) sem consequências
relevantes, quando a frustração de uma ação interpessoal esperada por alguém era
obrigatória ou permitida pelo ordenamento jurídico. Não se pode cogitar de simples
omissão, imprudência, negligência ou imperícia – em especial quando o agente é dotado
de notável saber jurídico – quando a ação comissiva cogitada é ato lícito e mandatório, o
que faz da não tomada dessa ação um ato antijurídico.
Da mesma forma que “matar”, “não respeitar a lei” nunca deixa, objetivamente, de
ser ato antijurídico, de modo que “não respeitar a lei” frente a “respeitar a lei” tem a
mesma essência de “matar” frente a “não matar”; quer dizer, é ato antijurídico que o
próprio ordenamento circunstancialmente aceita e transforma (em processo que
chamamos de ficção jurídica) em ato jurídico, porque existe um ato antijurídico anterior
que só poderia ser neutralizado imediatamente com outro ato antijurídico de igual
grandeza (como em uma equação matemática na qual a multiplicação de negativo e
negativo resulta em positivo; ou, em um jogo de soma cujo resultado deve ser zero, porque
o direito só transforma um dos negativos em positivo). Assim se opera, a título de
ilustração, a justificação jurídica da legítima defesa, que, porque é sempre um ato
antijurídico no nascedouro, deve provar, para que seja considerada, a antijuridicidade do
ato anterior que se quis neutralizar e a equivalência a ele – de forma que um tiro não é
legítima defesa frente a uma ameaça ou uma surra não pode ser legítima defesa ao
xingamento –, razão pela qual nunca exsurge como dever legal, mas, sempre e
invariavelmente, como permissão legal, ou seja, faculdade. Disso resulta que, porque
estava a VÍTIMA preventivamente presa e porque a obrigação jurídica (matéria exclusiva
de Direito) se endereçava exclusivamente ao Magistrado, na relação entre a VÍTIMA e o
Ministro ALEXANDRE DE MORAES é impossível se cogitar de qualquer forma de
legítima defesa própria, de outrem ou da sociedade brasileira.
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No caso ora noticiado, mais de 30 dispositivos legais obrigavam o MINISTRO
ALEXANDRE DE MORAES a agir. Contudo, a despeito de todos eles, permaneceu em
sua conduta omissiva – e, nesse sentido, dolosa.
Art. 3o. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Art. 5o. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões
técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na
aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e
respostas a consultas.
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O Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942, denominado, a partir de 2010,
como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determina, em seu artigo 3º,
que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” Se a regra vale
para todos os cidadãos brasileiros, mesmo quando analfabetos, e para os estrangeiros aqui
residentes – brasileiros ou estrangeiros que, na qualidade de cidadãos comuns e leigos em
matéria de Direito, certamente desconhecem o corpus do ordenamento jurídico nacional
–, é de obviedade ímpar que nenhum magistrado possa alegar qualquer coisa nesse
sentido.
Em acréscimo, o artigo 5º dessa mesma Lei impõe: “Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” No mesmo
sentido, a regra do artigo 30: “As autoridades públicas devem atuar para aumentar a
segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas
administrativas e respostas a consultas.”
Art. 1º. O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste
Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência,
da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do
segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal,
da dignidade, da honra e do decoro.
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Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a
máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um
prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé
processual.
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do
Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos
quantos se relacionem com a administração da Justiça.
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Diante dos fatos cronologicamente narrados e da morte em resultado da sua conduta
contumaz e dolosa, o MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES mandou às favas o
disposto no artigo 20 do CÓDIGO DE ÉTICA, pois, em nenhum momento, velou “para
que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos
a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer
iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual.” Afinal, em desarco com o artigo
25, o MINISTRO não atuou “de forma cautelosa, atento às consequências que pode
provocar.”
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estando ele abaixo da Lei como qualquer cidadão – e, ainda, devendo servir de exemplo
a todo cidadão em matéria jurídica –, infringiu, com inacreditável contumácia, os ditames
da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, a Lei Orgânica da Magistratura
Nacional.
Sem contar que, é fato público e notório que alerta sobre eventual suspeição, suas
reiteradas manifestações midiáticas – fora dos autos, das doutrinas e das salas de aula
portanto – sobre seus processos pendentes de julgamento (dentre eles, muito embora de
maneira indeterminada, mas determinável, a Ação Penal nº 1055, na qual a VÍTIMA era
parte ré), o que é proibido pelo inciso III do artigo 36 da mesma Lei Orgânica.
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cumulado com seu § 4º, que terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou
tribunal, os procedimentos judiciais em que figure, como parte ou interessado, pessoa
portadora de doença grave: Caso de VÍTIMA renitente e indisfarçavelmente
desrespeitado pelo Ministro ALEXANDRE DE MORAES.
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas
observando-se a:
(...)
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições
pessoais do indiciado ou acusado.
(...)
§ 3º. Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao
receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para
se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das
peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo
deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso
concreto que justifiquem essa medida excepcional.
(...)
§ 6º. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua
substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não
cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma
fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.
Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre
motivada e fundamentada.
§ 1º. Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar,
o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida adotada.
§ 2º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que:
I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar
sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de
sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,
infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
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V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação
do entendimento.
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva
se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela
subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão
revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Tal como um cangaceiro que infringe, sem temor, uma variedade imensa de normas,
não bastassem todas as infrações legais expostas até aqui, o Ministro ALEXANDRE DE
MORAES também optou por descredibilizar, aniquilando-o diante da sua renitente
conduta, o artigo 316 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Inovação trazida pela Lei
nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, o seu parágrafo único é cristalino ao impor ao
órgão jurisdicional a seguinte obrigação: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão
emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”
Mesmo soterrada, em seu trecho final, por este E. STF – em decisão proferida no
caso do traficante André do Rap (HC 191.836/SP), esta Excelsa Corte “revogou” a
automaticidade do fim da legalidade da prisão (e, via de consequência, da necessidade da
33
sua revogação) não revista dentro do prazo estipulado pela lei ao criar, legislando
portanto, um dever para a defesa do preso, qual seja, o de apresentar pedido nesse sentido
ao final desse prazo (transferindo, assim, uma obrigação do juiz ao advogado).
Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos
condenados e dos presos provisórios.
34
c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;
(...)
VI – zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;
Art. 185. Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado
além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.
Art. 196. A portaria ou petição será autuada ouvindo-se, em 3 (três) dias, o condenado
e o Ministério Público, quando não figurem como requerentes da medida.
§ 1º Sendo desnecessária a produção de prova, o Juiz decidirá de plano, em igual prazo.
Como não poderia deixar de ser, a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, isto é, a Lei
de Execução Penal, também foi violada pelo Ministro ALEXANDRE DE MORAES em
diversos dispositivos.
35
Porque negou vigência, conforme demonstrado anteriormente, ao artigo 316 do
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, o Ministro ALEXANDRE DE MORAES também
não cumpriu com a obrigação de “zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida
de segurança” do inciso VI do artigo 66.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade
ou abuso de poder;
(...)
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
(...)
LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança;
(...)
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
36
a) Caput, pois frustrou à VÍTIMA a garantia da inviolabilidade do direito à vida e
à segurança jurídica (sem contar a discriminação promovida pela negativa de
direitos reconhecidos e concedidos aos mais perigosos traficantes brasileiros);
b) Inciso XXXIV, a, ao fazer letra morta do “direito de petição aos Poderes Públicos
em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”;
c) Inciso XXXV, ao deixar de apreciar “lesão ou ameaça a direito”;
d) Inciso XLIX, por negar ao preso “o respeito à integridade física e moral”;
e) Inciso LXVI, ao manter a prisão quando a lei admitia a liberdade provisória;
f) Inciso LXXVIII, ao violar a garantia da “razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação”; e, em razão de tudo isso,
g) Inciso III, submetendo a VÍTIMA à tortura.
Ninguém pode invocar a própria torpeza para se defender. Ninguém deve sequer
escutar a alegação da torpeza própria, de maneira que, ainda nas palavras de ULPIANO,
nemo ex suo delicto meliorem suam condicionem facere potest (D 50, 17, 134).
37
Portanto, a continuada conduta omissiva do Ministro ALEXANDRE DE MORAES
que resultou na morte da VÍTIMA é dolosa e, em razão dela, praticou o MINISTRO
quatro diferentes crimes: (1) Prevaricação; (2) Maus-tratos, em sua modalidade
qualificada; (3) Abuso de autoridade; e (4) Tortura, crime hediondo também cometido
em tipo qualificado e, ainda, majorado.
O já mencionado artigo 13, caput, do Código Penal brasileiro, estipula que “(o)
resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu
causa. Considera-se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido".
Importa, aqui, recorrer à Exposição de Motivos da Parte Geral reestruturada pela da Lei
nº 7.209/1984, em especial à nota de nº 12, na qual se consigna que "pôs-se, portanto, em
relevo a ação e a omissão como as duas formas básicas do comportamento humano. Se o
crime consiste em uma ação humana, positiva ou negativa (nullum crimen sine actione),
o destinatário da norma penal é todo aquele que realiza a ação proibida ou omite a
ação determinada, desde que, em face das circunstâncias, lhe incumba o dever de
participar o ato ou abster-se de fazê-lo" (destacamos).
“Nos delitos omissivos, encontram-se presentes o dever de agir, que pode ser
visto, no dizer de nosso mestre Juarez Tavares, como um dever geral imposto pelo
38
ordenamento jurídico, diante de certo caso concreto por ele mesmo previsto –
dever geral de assistência –, ou, ainda, como dever decorrente de uma especial
relação entre o agente e a vítima, ou entre o agente e a fonte geradora de perigo,
de maneira que se apresente como garantidor do bem jurídico relativamente a
uma pessoa determinada ou a outras atingidas pela fonte de perigo – dever de
impedir o resultado.
Exsurgem assim as duas espécies de crime omissivo:
a) Delito omissivo próprio ou puro – Consuma-se com a simples infração da
ordem ou comando de agir, independentemente do resultado. (...).
b) Delito omissivo impróprio (impuro) ou comissivo por omissão – Consiste em
dar lugar por omissão a um resultado típico, não evitado por quem podia e devia
fazê-lo, ou seja, por aquele que, na situação concreta, tinha a capacidade de ação e o
dever jurídico de agir para obstar a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico
tutelado (situação típica). Implícito na norma está uma ordem ou mandato de realizar
a ação impeditiva do evento, imputando-se-o ao omitente que não o evitou, podendo
evitá-lo.
Exige-se a ocorrência do resultado vedado integrante do tipo (ex.: homicídio
causado por omissão de alimento por quem podia e devia prestá-lo). O que
caracteriza essa espécie delitiva é a transgressão prévia do dever jurídico de impedir
o resultado, a que se estava obrigado.
Trata-se de delito especial, pois tão-somente aquele que estando anteriormente
em uma posição de garante do bem jurídico, não evita o resultado típico, podendo
fazê-lo, é autor. Essa posição de garantidor – elemento objetivo da autoria – decorre
do estreito vínculo existente a priori entre o omitente e o bem jurídico protegido.
Não basta, contudo, que o autor esteja na posição de garante, faz-se mister que tenha
capacidade de ação (possibilidade material de evitar o resultado). Em nível de
tipicidade, faz-se mister a concorrência de uma situação típica; da não-realização de
uma ação evitadora do resultado; da capacidade concreta de ação (conhecimento da
situação típica e do modo de evitar o resultado/possibilidade real de fazê-lo); da
posição de garantidor do bem jurídico; da identidade entre a omissão e a ação,
conforme o conteúdo do injusto.” (Curso de Direito Penal Brasileiro, 4. ed., São
Paulo, RT, 2004, p. 306-307, destacamos)
39
significa que, conforme conclusão do Professor Luiz Regis Prado, “nessa hipótese o
desvalor da omissão equivale ao da ação (teoria da equivalência ou da equiparação).
Realiza-se através da omissão o injusto típico exigido para a verificação do resultado.”
(Op. cit., p. 309)
40
Quanto ao trecho final do artigo em análise, qual seja, “para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal”, vale dizer o quanto segue: Diante de renitente conduta em negar
vigência à legislação – que, em 35 dispositivos (no mínimo), obrigavam (e continuam a
obrigar, pois vigentes) o Ministro ALEXANDRE DE MORAES a uma conduta
intencionalmente não adotada – e das veementes declarações midiáticas, isto é, fora dos
autos – bem como fora da doutrina e das salas de aula –, acerca das ações penais dentre
as quais está a ação penal na qual a VÍTIMA era parte ré, fica claro existir, mesmo que
não se saiba ao certo qual é (e o campo da reserva mental é impenetrável; é a última e
intransponível barreira da intimidade humana), “interesse ou sentimento pessoal”.
Crime que tem como bem jurídico tutelado a probidade e a respeitabilidade das
funções públicas, bem como a integridade dos seus agentes, Cezar Roberto Bitencourt
defina a Prevaricação como
Especialmente por não se tratar de conduta episódica, pontual e, por isso, passível
de ser confundida com uma acidentalidade, é que se pode afirmar a existência – repita-
se: mesmo que não se saiba ao certo qual é – “interesse ou sentimento pessoal”,
perfazendo-se, portanto, em razão de obstinada, silenciosa e imotivada reiteração de
conduta que despreza obrigação jurídica a conduta tipificada no artigo 319 do Código
Penal.
41
Porque compulsou e despachou nos autos sequencialmente ao pedido da defesa e
ao parecer da PGR, ou seja, porque optou por ignorar a situação de “grave e iminente
perigo” à vida da VÍTIMA, que, tristemente, veio a óbito, pesa, contra o MINISTRO
ALEXANDRE DE MORAES, a prática do crime de maus-tratos na sua forma
qualificada. Ipsis verbis:
“Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou
vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena. detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
(...)
§ 2º. Se resulta a morte:
Pena. reclusão, de quatro a doze anos.” (Destacamos)
42
a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, em razão de excesso nos
meios de correção ou disciplina” (STJ, REsp 610.395/SC, Rel Min. Gilson Dipp, j.
25.05.2004), o que, no caso em tela, é inegável.
Essas duas condutas estão contidas nos incisos I e II do parágrafo único do artigo
9º da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, e fazem, se verdadeiramente vigentes
(como se espera), o Ministro ALEXANDRE DE MORAES incorrer na pena de detenção
de 1 a 4 anos mais multa.
Cumpre destacar que o presente tipo penal, por sua especificidade, se sobrepõe,
apenas em parte, ao crime de prevaricação, uma vez que retardou ou deixou de tomar atos
de ofício outros que, no conjunto, superam as hipóteses que gravitam em torno da prisão
preventiva.
Se condenado por este dispositivo da circunscrita lei, outro efeito decorre da sua
aplicação: A depender da gravidade do abuso e da reincidência nas práticas abusivas
(critérios, lamentavelmente, definidores do caso em tela), a autoridade condenada deverá
sofrer, necessariamente, ou “a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função
pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos” (hipótese que, nesta ação, pleiteiam as
REQUERENTES), ou “a perda do cargo, do mandato ou da função pública” (artigo 4º, II
e III) ou, ainda, ambos os efeitos. Nada impede que, por exemplo, inexistindo hipótese
mais grave que a morte da vítima do abuso, possa o MINISTRO ALEXANDRE DE
43
MORAES, cumulativamente com base no artigo 4º, tanto perder o seu cargo
definitivamente na forma do inciso III quanto, ao mesmo tempo, ficar impedido para
a Magistratura num período entre 1 e 5 anos.
44
Circunscrito sofrimento, diga-se de passagem, por si só, é bastante e suficiente para
caracterizar o crime de tortura conforme entendimento sumulado e pacificado pelo
Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ):
Importa, ainda, frisar que essa conduta omissiva dolosa do Ministro ALEXANDRE
DE MORAES, provocadora de tais insuportáveis sofrimentos na VÍTIMA, não se deu
por intermédio da prática de ato não previsto em lei. Pior. Muito pior: Deu-se como
deliberada violação à lei; não a uma, mas a, no mínimo, 35 dispositivos legais.
No dia 9 de maio de 2023, durante sessão da Segunda Turma do STF que julgava
um recurso do ex-funcionário da Petrobras Sergio Souza Boccaletti, condenado por
corrupção e lavagem dinheiro por pagamento de propina nas obras da Refinaria Abreu e
Lima (PE), ao tratar das prisões preventivas desmedidas, o MINISTRO GILMAR
MENDES asseverou: “Coisa de pervertidos. Claramente, se tratava de prática de tortura.
Usando o poder de Estado. É disso que se trata (...). É muito grave para a Justiça esse tipo
45
de vexame”1. O MINISTRO DIAS TOFFOLI, por sua vez, as qualificou como “uma
indústria de condenações a qualquer custo, a qualquer preço, um pau de arara do século
21”.2
“Não se justifica prisão provisória de dois anos sem que haja outros fundamentos.
É bem verdade que assim se produz a delação. Mas, será que nós não estamos
pervertendo o sentido da prisão provisória? Será que nós não a estamos usando como
tortura? E é justo que assim se faça? É condizente com o modelo constitucional de
1988 ou nós estamos reescrevendo o texto?”.
Logo, dúvidas não restam: No presente caso, crime de tortura é patente. Com o
advento da morte da VÍTIMA e por ser o Ministro ALEXANDRE DE MORAES uma
autoridade pública, deve ele incorrer na pena de reclusão, de 9 anos e 4 meses a 21
anos e 4 meses, mais a perda definitiva do cargo de Ministro e o respectivo
1
Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/386230/gilmar-mendes-diz-que-lava-jato-
praticou-tortura--pervertidos>. Acesso em 31 jan. 2024.
2
Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/gilmar-e-toffoli-criticam-lava-jato-no-stf-tortura-
e-pau-de-arara-do-seculo-21/>. Acesso em 5 nov. 2023.
3
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-out-02/lava-jato-usava-prisao-provisoria-elemento-
tortura-gilmar/>. Acesso em 5 nov. 2023.
4
Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/politica/gilmar-mendes-questiona-se-
pris%C3%B5es-provis%C3%B3rias-s%C3%A3o-usadas-como-tortura-1.1284694>. Acesso em 5 nov.
2023.
46
impedimento para exercer a Magistratura depois de cumprida a pena privativa de
liberdade.
Uma vez que se alega, nesta Exordial, o cometimento tanto do crime de Tortura
quanto o de Maus-tratos em razão da mesma conduta renitente do mesmo Ministro
ALEXANDRE DE MORAES, cabe reafirmar o entendimento jurisprudencial uníssimo
que, diferenciando esses dois tipos penais, dá passagem à existência autônoma de ambos
em concurso formal. Ipsis verbis:
47
protegê-las. (...). O fato de a agente que detém o dever de evitar as condutas
configuradoras do crime de tortura meramente alegar ser vítima de agressões físicas
e de ameaças, não afasta a responsabilidade que lhe incumbia, como genitora, de
evitar que seus filhos, ainda crianças, fossem submetidos à violência causadora de
intenso sofrimento físico e mental promovido por seu companheiro, pai e padrasto
dos menores de idade, ainda mais quando devidamente orientada sobre o dever
inerente ao exercício do poder familiar e as consequências jurídicas de sua omissão.”
(TJSC, Segunda Câmara Criminal, Apelação Criminal n. 0004883-
55.2016.8.24.0011, Rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 12.07.2022)
48
7. DO CONCURSO FORMAL, DA DOSIMETRIA
E OUTRAS PENALIDADES
Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais,
somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As
penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os
crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no
artigo anterior.
Uma vez que os 4 tipos penais que pesam contra o Ministro ALEXANDRE DE
MORAES decorrem de uma única e continuada conduta omissiva, é forçoso admitir que
a prática deles se dá na modalidade de concurso formal.
Ainda que a conduta omissa tenha sido inegavelmente dolosa, porque relevante nos
termos da lei penal, não há como se comprovar que os crimes resultaram de desígnios
autônomos do MINISTRO. Na impossibilidade, portanto, da aplicação cumulativa das
penas cominadas em cada tipo penal, deve ser levada em conta, conforme o dispositivo
transcrito, a mais grave das penas majorada, entretanto, de um sexto até a metade.
No caso que se noticia, a pena mais severa é aquela atribuída ao crime de tortura
qualificado pelo resultado morte e majorado por ser o sujeito ativo um agente público.
Logo, em razão do concurso formal que faz incidir sobre a pena o aumento de um sexto
até a metade, incorre o MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES na pena de reclusão
de 10 anos, 9 meses e 18 dias (mínima) a 32 anos (máxima) mais a perda definitiva
do cargo de Ministro e o respectivo impedimento para exercer a Magistratura depois
de cumprida a pena privativa de liberdade, que deve ser iniciada em regime fechado.
49
condenado no pagamento de multa. Contudo, se subsumido o crime de Prevaricação pelo
tipo específico de abuso de autoridade, a multa será uma só.
Conforme nova redação dada pela Lei nº 11.719/2008 ao inciso IV do art. 387 do
Código de Processo Penal, o juiz, ao proferir a sentença condenatória, “fixará valor
mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos
sofridos pelo ofendido”.
Muitos tribunais têm entendido que, no silêncio da norma, o juiz penal teria o dever
de julgá-lo mesmo ex officio, ou seja, mesmo que o ofendido não o requeira. Nesse
sentido:
50
produção da produção de provas sob o crivo do contraditório pelo interessado.
Caberá, todavia, sua eventual complementação em ação própria a ser proposta na
esfera civil, com direito à ampla defesa por parte do demandado, na qual será
discutido não mais o an debeatur, mas tão somente o quantum debeatur, como
decorrência dos efeitos civis da sentença penal condenatória” (TJSP, 8ª Câmara de
Direito Criminal, Apelação Criminal nº 0000249-56.2008.8.26.0523, Rel. Des.
Grassi Neto, j. 08.06.17)
51
as circunstâncias do crime, bem como as condições da vítima e do criminoso?
Conhecendo tudo nos seus detalhes, o juiz penal, com maior precisão, poderá melhor
definir a extensão do dano.
Quanto ao dano moral, uma vez que não existem critérios objetivos vinculantes para
a definição do pretium doloris, o que impediria o juiz criminal de arbitrar esse valor?
Mais que qualquer outro juiz, ele deveria ser o mais capacitado para tanto: afinal, ele lida
com o bem mais precioso da pessoa, qual seja, a liberdade.
De fato, o debatido art. 387, IV, ao se valer do termo “prejuízos”, opta pelo conceito
geral e abrangente do dano, incluindo-se nele, assim, tanto o dano patrimonial quanto o
dano extrapatrimonial – e esse entendimento é ponto pacífico na jurisprudência brasileira,
sendo lapidar a seguinte decisão do STJ:
52
387, inciso IV, do Código de Processo Penal, seja porque não há previsão legal
nesse sentido, seja porque compete à própria vítima decidir se irá promover a
execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se
na aplicação da legislação processual penal que determina a fixação de valor
mínimo em favor da vítima. 5. Recurso especial provido para restabelecer o valor
mínimo de reparação dos danos causados pela infração, determinando-se ao
Tribunal de origem que prossiga no julgamento da apelação defensiva quanto ao
pleito subsidiário de redução do quantum fixado na sentença.” (STJ, 6ª Turma,
REsp: 1819504 MS 2018/0295072-9, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 30.09.2019)
Diga-se de passagem, que, na realidade, essa “novidade” legal trazida pelo inciso
IV do artigo 387 nem é tão nova nem promove, como lamentam alguns processualistas
penais brasileiros, a privatização do processo criminal, haja vista que o texto vigente
retoma uma prática que existiu no processo penal até 1940, qual seja, a de “dotar”, quer
dizer, indenizar a mulher honesta injustamente deflorada. Aliás, o Código de Processo
Criminal do Império (Lei de 29 de novembro de 1832), ao tratar do “Jury de Sentença”
nas “Juntas de Paz”, estipulava que os jurados deviam responder não apenas sobre
materialidade, autoria e “gráo de culpa”, mas também deviam dizer, conforme seu art.
225, §§ 4º e 5º, se o crime comportava pagamento de “indemnização” e, em caso
afirmativo, em qual valor (“Emquanto monta ella?”). E nem precisaríamos ir tão longe,
já que o nosso Código de Processo Penal, em seu art. 630, sempre facultou aos tribunais
criminais, mediante requerimento do interessado, a competência para arbitrar justa
indenização nos casos de procedência em revisão criminal.
A grande controvérsia, ainda longe de ser resolvida em nosso Direito, que recai
sobre o inciso IV do artigo 387 do CPP gravita em torno da expressão “valor mínimo”:
A redação dá a entender que, mesmo indenizado na ação penal, a vítima poderá buscar
uma indenização maior na esfera civil, porque reputa a decisão do juiz penal como um
valor mínimo para fins de reparação dos danos causados pela infração. Conforme a lição
do Professor Eugênio Pacelli de Oliveira, “não se trata de fixação do valor total da
recomposição patrimonial, mas apenas de um valor mínimo suficiente para recompor os
prejuízos já evidenciados na ação penal” (Curso de Processo Penal, 12. ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2009, v. 2, p. 583).
53
o “mínimo suficiente para recompor os prejuízos já evidenciados na ação penal” é, em si,
a reparação, pois, se esse “mínimo” não for suficiente, não é reparação.
O Código de Processo Penal, no inciso IV de seu art. 387, fala de “valor mínimo
para reparação dos danos”. A despeito do termo “mínimo”, é certo que toda reparação se
mede pela extensão do dano, de maneira que é absurdo pensar numa reparação que não
repara. Disso decorre que “valor mínimo” deve ser lido como “valor suficiente” sob pena
de não haver “reparação dos danos”. Ou a reparação é suficiente ou não é reparação...
Pode ser qualquer outra coisa, uma pena com a mesma natureza jurídica da multa penal
talvez, mas não tem natureza jurídica de reparação. Porque não é reparação, não pode
reclamar complementação na justiça cível, que permaneceria, em teoria, livre para pleno
arbitramento.
A uma, porque, diz o art. 935 do Código Civil, a responsabilidade civil (que
sanciona a reparação do dano) é independente da criminal (que sanciona multa, serviços
comunitários ou restrições da liberdade) e, desse modo, a responsabilidade civil não pode
ser fracionada. Se o juiz criminal fica obrigado, diante do requerimento do ofendido, em
considerar os prejuízos, materiais e morais, sofridos em decorrência do ato criminoso, ou
ele concede reparação (que deve ser sempre suficiente, mesmo que minimamente
suficiente – sendo que minimamente suficiente é o mesmo que dizer justo) ou ele não
concede. Dizer que ele deve fixar um mínimo a ser complementado é criar um elo de
dependência inadmissível.
A duas, porque a fixação desse valor suficiente é, por si, independente da aplicação
da sanção prevista no tipo penal: ao juiz penal, assim, caberá, quando provocado, a análise
da responsabilidade civil e da responsabilidade criminal. Tanto é matéria autônoma que
o STJ já fixou entendimento nesse sentido:
"A via processual do habeas corpus não é adequada para impugnar a reparação civil
fixada na sentença penal condenatória, com base no art. 387, inciso IV, do Código
de Processo Penal, pois a sua imposição não acarreta ameaça, ainda que indireta ou
reflexa, à liberdade de locomoção" (STJ, 5ª Turma, HC 302.141/RS, Rel. Mini.
Ribeiro Dantas, DJe 03.05.2016)
54
indenizatória totalmente estranha a ele, o entendimento de que o valor reparatório
arbitrado no processo penal não passa de um “mínimo” tem prevalecido. O STJ, em
reiteradas decisões, é expresso em “registrar que o juízo penal deve apenas arbitrar um
valor mínimo” (v.g., STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp no 1626962/MS, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, DJe 16.12.2016).
(a) O juiz penal, hoje, pode fixar o “mínimo” indenizatório quando provocado pela
vítima;
(b) A vítima pode requerer a reparação dos danos sofridos (materiais, morais,
existenciais e estéticos) através de pedido genérico ou não no bojo de criminal (por si
própria nas ações penais de iniciativa privada ou por meio do Ministério Público nas
públicas, bem como, ainda, nas ações penas privadas substitutivas de pública) ou não; e
“Uma nova condenação em danos morais na esfera cível não configura bis in idem,
pois se trata de um complemento de indenização, caso o magistrado da esfera cível
entender que a quantia arbitrada não é suficiente para reparar o dano. (...) Assim,
torna defeso ao magistrado do cível conceder uma nova indenização. 7. Cumpre
salientar que o juízo cível está impedido de debater sobre a ocorrência do fato e
sua autoria, e só não poderia conceder indenização completar à mínima, se o valor
arbitrado na esfera criminal fosse suficiente para a reparação do dano.” (TJRR,
AC: 0010117057660, Rel. Des. Elaine Cristina Bianchi, DJe 07.08.2014)
Melhor seria que a lei processual penal continuasse, nesse aspecto, como antes: A
análise da responsabilidade civil independente do juízo penal, ficando o juízo civil
vinculado apenas quanto à inevitabilidade de conceder indenização no caso daquele juízo
condenar o ofensor. Seria a medida ideal, porque permaneceram vigentes aos artigos 64
a 67 do Código de Processo Penal, que, se não tornam inútil o inciso IV do art. 387 do
mesmo diploma, revelam que esse dispositivo é, pura e simplesmente, promotor de
tumulto e, por isso, fator de profunda insegurança jurídica.
55
De qualquer forma, uma vez que a propositura da ação civil não fica prejudicada
diante de eventual sentença penal absolutória, tanto quando conclua que os fatos não
constituem crimes quanto nos casos em que decida que o réu não é o sujeito ativo do tipo,
bem como se é verdade que a Lei nº 11.719/2008 quis assegurar maior eficácia ao artigo
91, I, do Código Penal (“tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do
crime”), as QUERELANTES requerem, nesta oportunidade, sejam fixados por este E.
STF 2 (dois) valores compensatórios para duas experiências distintas de danos morais
experimentados, a saber:
Os danos existenciais são espécie agravada de danos morais. Quanto ao dano moral,
a aguçada percepção do Ministro Luiz Fux, então no Ministro de E. STJ, nos revela que
o fato de sofrer um crime implica, necessariamente, em sofrer um dano moral.
Transcrevemos:
“É cediço na Corte que como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano
moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação
do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato
praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva
demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa.” (STJ,
1ª Turma, REsp 709.877/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20.09.2005)
Uma década antes do final da vigência do vetusto Código Civil, em artigo sobre o
dano moral no Direito brasileiro, o Saudoso Mestre Miguel Reale já nos ensinava a
diferenciar os aspectos subjetivo e objetivo do dano moral, porquanto a Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 5º, V, faz diferença entre dano moral e dano à imagem.
Referia-se o Jusfilósofo à possibilidade de, futuramente, termos um tertium genus, ou
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seja, o dano pessoal ou dano à imagem social, situado entre o dano patrimonial e o dano
moral – anotando ainda, quanto a este último, referir-se propriamente “aos estados
d’alma, sofrimentos e sensações dolorosas que afetam os valores íntimos da
subjetividade” (Temas de direito positivo, São Paulo, RT, 1992, p. 20-23).
Ou seja, há uma autonomia no tratamento jurídico dos diversos tipos de dano que
vem exatamente de sua autonomia conceitual. Dessa forma, um mesmo evento danoso
pode dar origem a diversas indenizações, cada uma a um título, levando à cumulação de
várias verbas e protegendo melhor a vítima, além de servir de exemplo no meio social.
Os chamados danos morais objetivos são aqueles que ofendem os direitos da pessoa
tanto no seu aspecto privado, ou seja, nos seus direitos da personalidade (direito à
integridade física, ao corpo, ao nome, à honra, ao segredo, à intimidade, à própria
imagem), quanto no seu aspecto público (como direito à vida, à liberdade, ao trabalho),
assim como nos direitos de família. Da ofensa a qualquer desses direitos nasce o direito
à reparação, de maneira que o dano moral se presume, ipso facto, não necessitando de
prova. É o damnum in re ipsa. Não é preciso provar, por exemplo, que a vítima de um
crime também sofre danos morais.
Por sua vez, o dano moral subjetivo é o pretium doloris propriamente dito, o
sofrimento d’alma, pois a pessoa foi ofendida em seus sentimentos mais íntimos, nas suas
afeições. É o caso do sofrimento dos pais pela perda do filho amado ou dos filhos pela
perda de um ou ambos os pais etc. Esse tipo de sofrimento integra e é absorvido pelos
danos morais à pessoa, mas que podem se constituir em dano autônomo quando somente
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a dor está sendo objeto de reparação. Geneviève Viney (La reparation du dommage
corporel, Paris, Economica, 1985) insere nesse tipo de dano o prejuízo de afeição
(préjudice d’affection) e o prejuízo pelos prazeres da vida, inclusive o prazer sexual
(préjudice d’agrément e a loss of amenities of life).
Sobre tal prejuízo aos prazeres da vida, importa destacar que, especificamente a
partir desse entendimento, entramos no campo do chamado dano existencial, espécie de
tertium genus no âmbito da responsabilidade civil que se destaca do tronco do dano
patrimonial e, ao mesmo tempo, do tronco do dano moral, uma vez que afeta uma
realidade centrada no fazer não remunerado da vítima. Nas palavras de um dos criadores
do conceito, Paolo Cendon, o dano existencial ultrapassa os prejuízos à integridade
psicofísica, porque ele conturba, quase que de forma definitiva, irreversível, o cotidiano
da pessoa vitimada (Paolo Cendon e Patrizia Ziiz, Il danno esistenziale: una nuova
categoria della responsabilità civile, Milano, Giuffrè. 2000). O dano existencial é lesão
que compromete o interesse da pessoa no próprio cotidiano, que aniquilam a possibilidade
ou esperança de qualidade de vida. Não se confunde, a título de dano-resultado, com o
dano à saúde ou à integridade psicofísica (dano-evento). Evidentemente que pode ter
origem nesses, mas são seus efeitos mórbidos que conduzem ao dano existencial, sempre
um dano-consequência. O dano-evento pode ser de diversas origens, materiais ou
imateriais, contratuais ou extracontratuais. O importante para a caracterização do dano
existencial é que tenha produzido um prejuízo ao bem-estar pessoal ou ao projeto de vida.
O Professor Rogério Donnini bem resume o dano em tela como aquele que causa
“ruptura no projeto de vida”, levando a vítima “a escolhas de vida diferentes, no que diz
respeito à expressão e realização de sua personalidade”; “um caminho pelo resto da vida
comprometido e alterado em razão da lesão suportada” (Responsabilidade civil na pós-
modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido, Porto
Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 2015, p. 106-107).
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Decreto 191/2011 que instituiu o novo Código Civil, em seu artigo 1738, tratou também
de indenização por interferência no proyecto de vida.
Em suma, quanto ao dano moral suportado pela VÍTIMA ainda em vida e cuja
pretensão compensatória, com o evento da sua morte, transmitiu-se às REQUERENTES,
é cediço dizer que o arbitramento do montante indenizatório deve contemplar tanto os
danos morais objetivamente suportados quanto os danos morais subjetivos e, quanto a
estes, devem ser significativamente majorados em relação ao valor das maiores
compensações dessa natureza admitidas pela Jurisprudência brasileira em razão da ferida
que maculou a existência da própria VÍTIMA, ou seja, como somatório dos danos morais
objetivos com danos existenciais.
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Direito e, portanto, acima de todos os cidadãos brasileiros –, para que seja eficiente,
demanda que também se requeira o imediato afastamento desse Ministro das suas
funções, seja na hipótese da necessidade de um inquérito seja na hipótese da admissão
imediata desta ação penal (afinal, todo o noticiado nesta Exordial ora se comprova na
qualidade de matéria de direito ora se comprova através dos documentos aqui acostados),
bem como todas as eventuais medidas que se façam necessárias para salvaguardar o bom
resultado dessa fundamental persecução penal.
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Magistrado, a cumprir os dispositivos do Código de Ética da Magistratura, especialmente
os deveres prescritos nos seus artigos 1º, 3º, 9º, 20, 22, 23, 25 e 39;
(viii) Sequencialmente, caso alguma das respostas anteriores – basta apenas uma
delas – seja afirmativa no sentido de que os Excelentíssimos Senhores Ministros deste E.
STF são e continuam obrigados a observar o ordenamento jurídico nacional, admita
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Vossa Excelência a presente ação penal privada subsidiária da pública, uma vez que se
encontram plenamente satisfeitos todos os pressupostos processuais de admissibilidade,
legitimidade e tempestividade; e, acolhida,
(x) A seguir, seja a presente ação distribuída para que, assim, seja ela
conhecida, julgada e provida no sentido de:
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bem como a interdição para o seu exercício (no caso, a Magistratura)
pelo dobro do prazo da pena aplicada,
(xiii) Alternativamente, por mero amor ao debate, caso entenda este E. STF que
o reconhecimento dos crimes de Abuso de Autoridade e de Tortura afastem a
possibilidade de condenar, em razão de antijurídica duplicidade, o Ministro
ALEXANDRE DE MORAES como incurso nas práticas dos crimes de Prevaricação e de
Maus-tratos, em virtude do mesmo concurso formal naquelas duas práticas típicas, deverá
ser também condenado como incurso nas penas descritas no item imediatamente anterior,
isto é, de idêntica maneira (v. xii); ou,
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a. reclusão de 4 anos, 8 meses e 12 dias (mínima) a 18 anos (máxima):
pena mais grave (reclusão de 4 a 12 anos) majorada de um sexto até a
metade, ou seja,
(4+4/6) a (12+12/2)
4,7 a 18
4 anos, 8 meses e 12 dias a 18 anos;
b. multa penal; mais
c. perda do cargo de Ministro deste E. STF (hipótese que, nesta ação,
pleiteiam as REQUERENTES) ou a inabilitação para o exercício da
Magistratura pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos ou, ainda, a perda
do cargo cumulada com a inabilitação para a função jurisdicional pelo
período de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
(xv) Ainda no campo das hipóteses, caso entenda este E. STF que o Ministro
ALEXANDRE DE MORAES tenha incorrido, tão-somente, na prática do crime de Abuso
de Autoridade (porque é impossível, assinale-se, que um Magistrado maltrate um preso
sob a sua responsabilidade legal sem abusar da sua autoridade nos termos da lei penal
especial), ele deverá ser condenado como incurso nas seguintes penas:
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(xvii) Condenar o Excelentíssimo Senhor Ministro ALEXANDRE DE
MORAES no pagamento dos danos morais pela morte da VÍTIMA em razão de sua
conduta, no mínimo, antijurídica, vez que era o responsável legal por garantir o gozo dos
seus fundamentais direitos de liberdade, integridade física e psíquica, bem como, e
principalmente, do seu direito à vida, arbitrando-se – nesse diapasão e conforme disposto
no artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, bem como no artigo 4º, I, da Lei nº
13.869/2019 – o valor mínimo para a compensação do moral existencial experimentado
pela VÍTIMA, bem como o valor mínimo para a compensação do moral sofrido por cada
uma das REQUERENTES de maneira autônoma e independente, isto é, a fixação de
quatro valores mínimos de compensação de danos morais.
(xviii) Por fim, caso este E. STF entenda sejam insuficientes as provas trazidas
junto a esta Exordial, o que é cogitável apenas no mundo das abstrações, requer-se provar
todo o alegado por meio de todas as provas admitidas em Direito.
Nestes termos,
pede e espera deferimento.
TIAGO PAVINATTO
Advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 272.508
Professor Doutor, Mestre e Graduado pela
Faculdade de Direito da USP
do Largo São Francisco
Professor Doutor de Filosofia do Direito da
Faculdade de Direito da FAAP
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