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MATERIAL GRATUITO – Questões Discursivas - 2022 Prof.

Bruno Zanotti
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1. Cada questão deste material é acompanhada de um material de leitura/julgados e da nossa


sugestão de resposta. Nunca leia a sugestão de resposta sem tentar responder a questão. A fim
de que a sua resposta não seja um completo chute, excepcionalmente, estude o material de
leitura/julgados para depois responder. Quando isso acontecer, a sugestão é que o estudo
ocorra em um dia e, a elaboração da sua resposta, no dia seguinte. Isso serve, inclusive, como
diretriz de estudo para discursivas em geral.

2. Utilizamos como limite um padrão de 15 linhas para a sua resposta. Contudo, utilize o
quantitativo de linhas de acordo com o edital da prova que você fará!

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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*Questões desse ebook gratuito retiradas de nosso 2º EBOOK DE QUESTÕES DISCURSIVAS AUTORAIS:

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QUESTÃO DISSERTATIVA
O domicílio se apresenta como um direito fundamental central e, nos últimos anos, os Tribunais
Superiores têm enrijecido suas jurisprudências para a proteção de tal direito. O Superior
Tribunal de Justiça, em julgado de 2021, fixou a obrigatoriedade de toda operação policial ser
registrada em áudio-vídeo, e preservado tal registro durante todo o processo.

Sobre o tema, analise a evolução jurisprudencial e indique o entendimento atual do Supremo


Tribunal Federal.

Versão Definitiva da Questão Dissertativa

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DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

Julgado 1 STF
Julgado 2 STF
Português (0,2 por erro)
NOTA FINAL

MATERIAL DE LEITURA E/OU JULGADOS SOBRE O TEMA:

Para o STJ, não substitui a exigência de um mandado de busca e apreensão a mera


autorização do morador para entrada na sua residência sem a comprovação, por parte dos
policiais, da prova da legalidade e da voluntariedade de tal consentimento. Sobre o tema, o STJ 1
fixou cinco teses centrais a serem seguidas pelas polícias:
1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório
para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões
(justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que
dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.

2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza
permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se
encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir
que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente,
inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.

3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a


busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer
tipo de constrangimento ou coação.

4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do


suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela
pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do
ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova
enquanto durar o processo.

5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio


alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais
provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual
responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência.

Observe que essa decisão determinou, com eficácia erga omnes, que as polícias do país gravem
em vídeo a permissão dos moradores todas as vezes que precisarem invadir uma residência sem
ordem judicial e fora das hipóteses legalmente previstas. Via de consequência, houve a

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HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021.

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imposição de um ônus ao Poder Executivo, com um custo financeiro para o Estado, em razão da
necessidade de aparelhar as polícias e fazer a aquisição de câmeras para gravação.

Essa decisão chegou ao STF2 e, para o Ministro Alexandre de Moraes, a decisão do STJ foi
equivocada por 2 motivos:

• A natureza do Habeas Corpus não permite sua utilização de forma abrangente e


totalmente genérica para que alcance indiscriminado a todos os processos; e
• A decisão extrapolou a competência do STJ, ao restringir as hipóteses constitucionais de
inviolabilidade do domicílio, inovando em matéria constitucional, de modo a criar uma
nova exigência – a gravação audiovisual da autorização do morador - não prevista no
artigo 5º, inciso XI, da CF.

Em síntese, nas palavras do Ministro Alexandre de Moraes, "é incabível ao Poder Judiciário, em
sede de Habeas Corpus individual, determinar ao Poder Executivo que faça o aparelhamento de
suas polícias como medida obrigatória para executar buscas domiciliares, sob o argumento de
serem necessárias para evitar eventuais abusos e ilegalidades".

No entanto, em novo capítulo sobre o tema, o STF entendeu que o local adequado para fixação
de tal obrigação seria em sede de ADPF, cujo julgamento naturalmente possui efeito erga
omnes. Ao julgar a ADPF nº 635, em 3/2/2022, entre várias medidas, o Tribunal consignou a
obrigatoriedade de o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, instalar
equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas
dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos.

Sobre o tema:

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Plano de redução de letalidade policial e controle de violações de direitos humanos - ADPF


635 MC-ED/RJ

Resumo:

O Estado do Rio de Janeiro deve elaborar, no prazo máximo de 90 dias, um plano para
redução da letalidade policial e controle das violações aos direitos humanos pelas forças de
segurança, que apresente medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos
recursos necessários para a sua implementação.

Nesse mesmo sentido, até que plano mais abrangente seja formulado, o emprego e a
fiscalização da legalidade do uso da força devem ser feitos à luz dos “Princípios Básicos
sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei”, com todos os desdobramentos daí derivados. Desse modo, cabe às forças
de segurança a análise, diante das situações concretas, da proporcionalidade e da
excepcionalidade do uso da força, servindo os princípios como guias para o exame das
justificativas apresentadas a fortiori.

Portanto, o uso da força letal por agentes de Estado só se justifica quando, ressalvada a
ineficácia da elevação gradativa do nível da força empregada para neutralizar a situação de
risco ou de violência, exauridos os demais meios, inclusive os de armas não-letais, e

2
RE 1.342.077, Min. Alexandre de Moraes, julgado em 2/12/2021.

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necessário para proteger a vida ou prevenir um dano sério, decorrente de uma ameaça
concreta e iminente.

Ademais, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, é imperiosa a necessidade de dar
prioridade absoluta às investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças ou
adolescentes.

Além disso, a fim de resguardar o direito à vida, deve-se reconhecer a obrigatoriedade de


disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que
haja a possibilidade de confrontos armados.

De igual modo, no caso de buscas domiciliares por parte das forças de segurança do Estado
do Rio de Janeiro, devem ser observadas as seguintes diretrizes constitucionais, sob pena
de responsabilidade: (i) a diligência, no caso específico de cumprimento de mandado
judicial, deve ser realizada somente durante o dia, vedando-se, assim, o ingresso forçado a
domicílios à noite; (ii) a diligência, quando feita sem mandado judicial, deve estar lastreada
em causas prévias e robustas que indiquem a existência de flagrante delito, não se
admitindo que informações obtidas por meio de denúncias anônimas sejam utilizadas como
justificativa exclusiva para a deflagração de ingresso forçado em domicílio; (iii) a diligência
deve ser justificada e detalhada por meio da elaboração de auto circunstanciado, que
deverá instruir eventual auto de prisão em flagrante ou de apreensão de adolescente por
ato infracional e ser remetido ao juízo da audiência de custódia para viabilizar o controle
judicial posterior; e (iv) a diligência deve ser realizada nos estritos limites dos fins
excepcionais a que se destina.

Por fim, o Estado do Rio de Janeiro deve, no prazo máximo de 180 dias, instalar
equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas
fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos
arquivos.

Com base nesses e em outros fundamentos, o Plenário acolheu parcialmente embargos de


declaração em medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental.

ADPF 635 MC-ED/RJ, relator Min. Edson Fachin, julgamento em 2 e 3.2.2022

Síntese dos 8 pontos centrais da ADPF das favelas (fonte: dizer o direito):

O STF determinou que:

1) o Estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 90 dias, um


plano para redução da letalidade policial e controle das violações aos direitos humanos pelas
forças de segurança, que apresente medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos
recursos necessários para a sua implementação.

2) o emprego e a fiscalização da legalidade do uso da força sejam feitos à luz dos Princípios
Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei.

3) seja criado um grupo de trabalho sobre Polícia Cidadã no Observatório de Direitos Humanos
localizado no Conselho Nacional de Justiça;

4) nos termos dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, só se justifica o uso da força letal por agentes

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de Estado quando, ressalvada a ineficácia da elevação gradativa do nível da força empregada


para neutralizar a situação de risco ou de violência, exauridos os demais meios, inclusive os de
armas não-letais, e necessário para proteger a vida ou prevenir um dano sério, decorrente de
uma ameaça concreta e iminente.

5) as investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças ou adolescentes terão a


prioridade absoluta;

6) No caso de buscas domiciliares por parte das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro,
devem ser observadas as seguintes diretrizes constitucionais, sob pena de responsabilidade: (i)
a diligência, no caso específico de cumprimento de mandado judicial, deve ser realizada
somente durante o dia, vedando-se, assim, o ingresso forçado a domicílios à noite; (ii) a
diligência, quando feita sem mandado judicial, deve estar lastreada em causas prévias e robustas
que indiquem a existência de flagrante delito, não se admitindo que informações obtidas por
meio de denúncias anônimas sejam utilizadas como justificativa exclusiva para a deflagração de
ingresso forçado em domicílio; (iii) a diligência deve ser justificada e detalhada por meio da
elaboração de auto circunstanciado, que deverá instruir eventual auto de prisão em flagrante
ou de apreensão de adolescente por ato infracional e ser remetido ao juízo da audiência de
custódia para viabilizar o controle judicial posterior; e (iv) a diligência deve ser realizada nos
estritos limites dos fins excepcionais a que se destina.

7) seja obrigatória a disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente


planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados, sem prejuízo da atuação dos
agentes públicos e das operações;

8) o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, instale equipamentos de GPS e
sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de
segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos.

SUGESTÃO DE RESPOSTA:

Em 2021, como exposto no texto da questão, o Superior Tribunal de Justiça fixou a


obrigatoriedade de toda operação policial ser registrada em áudio e vídeo.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, cassou tal decisão, seja porque a natureza do Habeas
Corpus não permite sua utilização de forma abrangente e totalmente genérica, seja porque a
decisão extrapolou a competência do Superior Tribunal de Justiça, ao restringir as hipóteses
constitucionais de inviolabilidade do domicílio, inovando em matéria constitucional.

No entanto, em novo capítulo sobre o tema, o STF entendeu que o local adequado para fixação
de tal obrigação seria em sede de ADPF, cujo julgamento naturalmente possui efeito erga
omnes. Nessa linha, o Tribunal consignou a obrigatoriedade de o Estado do Rio de Janeiro, no
prazo máximo de 180 dias, instalar equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e
vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior
armazenamento digital dos respectivos arquivos.

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QUESTÃO DISSERTATIVA
O Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, julgou o Recurso Extraordinário nº 1055941
e decidiu pela constitucionalidade do compartilhamento de relatórios de inteligência financeira
da UIF e procedimento fiscalizatório da Receita Federal para fins criminais sem autorização
judicial. À luz da decisão, não se trata de cláusula de reserva de jurisdição, inexistindo violação
de direitos constitucionais, como a privacidade, pois existe mera transferência de informações
de um procedimento sigiloso para outro. Considerando a decisão mencionada, no curso de uma
investigação criminal, o Delegado de Polícia requisita, sem autorização judicial, cópia de um
procedimento fiscalizatório da Receita Federal.

A atuação do Delegado de Polícia foi correta? Fundamente a sua resposta.

Versão Definitiva da Questão Dissertativa

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DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

Foi correta?
Fundamento.
Português (0,2 por erro)
NOTA FINAL

MATERIAL DE LEITURA E/OU JULGADOS SOBRE O TEMA:

Processo
RHC 82.233-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria,
julgado em 09/02/2022.

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Dados fiscais. Requisição pelo Ministério Público. Autorização judicial. Ausência.


Ilegalidade.

DESTAQUE
É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo
Ministério Público.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR


O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário
1.055.941/SP, em sede de repercussão geral, firmou a orientação de que é
constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e
da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se
define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins
criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das
informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior
controle jurisdicional (Tema 990).
Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à conclusão
de que o entendimento consolidado autorizaria a requisição direta de dados pelo
Ministério Público à Receita Federal, para fins criminais. No entanto, a análise acurada
do acórdão demonstra que tal conclusão não foi compreendida no julgado, que trata
da Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o
compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos
ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal.
Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da
acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação
ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no
julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, não se encontra abarcada
pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. Ainda, as poucas

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referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem
intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade.
Em um estado de direito não é possível se admitir que órgãos de
investigação, em procedimentos informais e não urgentes, solicitem informações
detalhadas sobre indivíduos ou empresas, informações essas constitucionalmente
protegidas, salvo autorização judicial.
Uma coisa é órgão de fiscalização financeira, dentro de suas atribuições,
identificar indícios de crime e comunicar suas suspeitas aos órgãos de investigação
para que, dentro da legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência de
tais suspeitas. Outra, é o órgão de investigação, a polícia ou o Ministério Público, sem
qualquer tipo de controle, alegando a possibilidade de ocorrência de algum crime,
solicitar ao COAF ou à Receita Federal informações financeiras sigilosas detalhadas
sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia autorização judicial.
Assim, é ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo
Ministério Público.

SUGESTÃO DE RESPOSTA:

A decisão do Supremo Tribunal Federal constitui importante precedente para fins de


compartilhamento de dados pela Receita Federal. Contudo, isso não importa na desnecessidade
de autorização judicial pelo Delegado de Polícia quando esse, de sua iniciativa, buscar o acesso
a tais informações sigilosas.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, uma coisa é órgão de fiscalização financeira,
dentro de suas atribuições, identificar indícios de crime e comunicar suas suspeitas aos órgãos
de investigação para que, dentro da legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência
de tais suspeitas. Outra, é o Delegado de Polícia, sem qualquer tipo de controle, alegando a
possibilidade de ocorrência de algum crime, solicitar à Receita Federal informações financeiras
sigilosas detalhadas sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia autorização
judicial.

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QUESTÃO DISSERTATIVA
O foro por prerrogativa passou por sensíveis limitações nos últimos anos, com uma atuação do
Supremo Tribunal federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de diminuir a sua
incidência em cenários que, até então, eram de incidência típica de tal prerrogativa.

Sobre o tema, em uma investigação envolvendo promotor de justiça por fato sem relação à
função, o Delegado de Polícia deverá solicitar autorização do respectivo foro para instaurar o
inquérito policial? E se for hipótese de investigação envolvendo o Governador do Estado em fato
sem relação ao mandato? E, por fim, se for hipótese de investigação envolvendo um vereador
por fato ocorrido no curso do mandato e em razão deste, com foro previsto no respectivo
Tribunal de Justiça? As respostas devem acompanhar a atual jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.

Versão Definitiva da Questão Dissertativa

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DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

Promotor de Justiça
Deputado Estadual
Vereador
Português (0,2 por erro)
NOTA FINAL

MATERIAL DE LEITURA E/OU JULGADOS SOBRE O TEMA:

1. Distinguindo entendimentos sobre a incidência do foro por prerrogativa de função entre o


STF e o STJ
A principal finalidade do inquérito policial é apurar a autoria e a materialidade das infrações penais, de
modo a contribuir na formação do convencimento (opinio delicti) do Ministério Público e,
excepcionalmente, da vítima (querelante). No entanto, é possível que, no curso da investigação criminal,
o Delegado de Polícia verifique que um dos autores seja um cidadão que possua foro por prerrogativa de
função. Diante do exposto, questiona-se: A Autoridade Policial possui atribuição para investigar um
cidadão que possua foro por prerrogativa de função?

A questão foi amplamente debatida na Pet 3825 QO,3 julgada em 2007, pelo STF. De um lado, o Ministro
Sepúlveda Pertence se posicionou pela possibilidade de a Autoridade Policial investigar pessoas com foro
por prerrogativa de função, e, por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes, que inclusive liderou seus pares,
entendeu que o Delegado de Polícia não possui atribuição para investigar pessoas com foro por
prerrogativa de função.

O Ministro Sepúlveda Pertence 4 motivou sua decisão em três fundamentos: (a) a instauração de
inquérito policial para a apuração de fato em que se verifique a possibilidade de envolvimento de titular
de foro por prerro-gativa de função não depende de iniciativa do Ministério Público vinculado ao
respectivo Tribunal, nem o mero indiciamento formal reclama prévia decisão de um Desembargador
desse Tribunal; (b) tanto a abertura das investigações de qualquer fato delituoso, quanto, no curso
delas, o indiciamento formal, são atos privativos do Delegado de Polícia que preside o inquérito policial;
e (c) a prerrogativa de foro do suposto autor do fato delituoso é critério exclusivo para determinar a
competência jurisdicional originária do Tribunal respectivo, quando do oferecimento da denúncia ou,
eventualmente, antes dela, se se fizer necessária diligência sujeita à prévia autorização judicial, não
abrangendo o procedimento investigatório prévio.

Por outro lado, de acordo com o Ministro Gilmar Mendes, 5 se a Constituição Federal estabelece, por
exemplo, que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não
há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial
(abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF, devendo,
portanto, a iniciativa do procedimento investigatório ser confiada ao MPF com a supervisão do
Ministro-Relator do STF.

3
. Pet 3825 QO, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007.
4
. Pet 3825 QO, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007.
5
. Pet 3825 QO, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007.

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O Ministro Sepúlveda Pertence foi voto vencido e fixou-se o entendimento de que não é qualquer
suposto autor de crime que pode ser investigado em um inquérito policial. Apesar de a Constituição
Federal indicar somente o órgão competente para o julgamento das autoridades com foro por
prerrogativa de função e silenciar acerca do procedimento investigatório preparativo para a ação penal,
o Pretório Excelso entende que o foro por prerrogativa de função se estende também à etapa da
investigação criminal.

Em síntese, no que diz respeito às autoridades com foro no STF, o Tribunal 6 entende que a abertura do
procedimento investigativo, as medidas cautelares e o indiciamento pela Autoridade Policial estão
condicionados à autorização do Ministro relator da causa no STF. Nessas hipóteses, a abertura do
procedimento ou ato de indiciamento pela Autoridade Policial apresenta-se como ato complexo por
depender de duas vontades para a sua efetivação.

Segue um exemplo para ilustrar a questão. Trata-se da quebra do sigilo bancário feita pelo STF em 2018
em face do Presidente da República, a fim de instruir inquérito policial em andamento relativo ao “Decreto
dos Portos”, onde supostamente houve favorecimento a determinada empresa. Como um Presidente da
República possui foro por prerrogativa de função no STF, cabe a esse Tribunal decidir sobre as medidas
cautelares relativas às investigações criminais em curso.

E mais, nos casos em que o investigado com foro por prerrogativa de função é identificado no curso da
investigação criminal, ainda assim é necessária a remessa ao Tribunal competente. Nas palavras do STF 7,
“a prerrogativa de foro enseja a imediata remessa do inquérito à corte competente e não seu
trancamento automático por nulidade processual”. Contudo, a caracterização do foro reclama que a
participação da autoridade deva estar fundamentada em elementos de informação aptos a provocar a
convicção de que pode realmente ter havido algum envolvimento dessa autoridade com prerrogativa. Em
outras palavras, a caracterização do foro não pode decorrer de meras alusões genéricas mencionando
o nome da autoridade, sendo imprescindíveis, para tanto, elementos de informação aptos a provocar
a convicção de que pode realmente ter havido algum envolvimento da autoridade com prerrogativa.8
No mesmo sentido é a posição do STJ:

A mera presença de autoridade com foro por prerrogativa de função em conversas captadas por meio
de procedimento de interceptação telefônica não é suficiente para determinar a imediata remessa
dos autos ao foro competente em razão da pessoa. Este procedimento deve ser tomado após exame
acerca da idoneidade e da suficiência dos dados colhidos para se firmar o convencimento acerca do
possível envolvimento do detentor de prerrogativa de foro com a prática dos fatos apurados.
Precedentes.9

Por outro lado, em relação aos foros por prerrogativa dos demais Tribunais, as duas turmas do STJ seguem
linha distinta da sistemática presente no STF. O STJ faz uma interpretação restritiva do entendimento
acima apresentado, no sentido de que o posicionamento do STF sobre o tema se aplica somente ao
respectivo Tribunal, uma vez que a extensão do foro por prerrogativa de função à etapa investigativa
decorre exclusivamente de determinação presente no Regimento Interno do STF. Nessa linha, para o STJ,
o Delegado de Polícia pode investigar e indiciar pessoas com foro por prerrogativa de função sem
ingerência do respectivo Tribunal; a única ressalva seria eventual medida cautelar que deve ser
encaminhada ao Tribunal de foro para análise da representação. Segue o entendimento da 5ª Turma do
STJ: 10

6
. Inq 2411 QO, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007.

7
RHC 122338 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 22/03/2019. HC 153417 ED-segundos,
Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 12/03/2019.
8
HC 153417 ED-segundos, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 12/03/2019.
9
HC 482.175/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019.

10
RHC 79.910/MA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
26/03/2019. No mesmo sentido, julgado analisando de forma mais específica o ato de indiciamento: AgRg

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1. No que concerne às investigações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função, tem-
se que, embora possuam a prerrogativa de serem processados perante o tribunal, a lei não
excepciona a forma como se procederá à investigação, devendo ser aplicada, assim, a regra geral
trazida no art. 5º, inciso II, do Código de Processo Penal, a qual não requer prévia autorização do
Judiciário. "A prerrogativa de foro do autor do fato delituoso é critério atinente, de modo exclusivo,
à determinação da competência jurisdicional originária do tribunal respectivo, quando do
oferecimento da denúncia ou, eventualmente, antes dela, se se fizer necessária diligência sujeita à
prévia autorização judicial" (Pet 3825 QO, Relator p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, Pleno, julgado
em 10/10/2007). Precedentes do STF e do STJ.

2. Não há razão jurídica para condicionar a investigação de autoridade com foro por prerrogativa
de função a prévia autorização judicial, sendo certo que a garantia constitucional diz respeito tão
somente ao processamento e ao julgamento de eventual ação penal movida em desfavor de
ocupante de cargo cujo status constitucional assegure privilégio de foro, de modo a evitar
persecução criminal infundada. Por isso, não há que se falar em nulidade quando o procedimento de
investigação instaurado pelo Ministério Público prossegue sem a chancela do Poder Judiciário, pois
trata-se de procedimento pré-processual, não acobertado pela garantia de foro especial.

3. Em resumo: a) O Código de Processo Penal prevê, como primeira hipótese, a instauração de


inquérito policial ex officio pela Polícia Judiciária, em cumprimento de seu dever constitucional, sem
necessidade de requerimento ou provocação de qualquer órgão externo; b) O Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 593.727/MG, assentou a concorrência de
atribuição entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária para realizar investigações criminais; c)
Sendo assim, a mesma sistemática é válida tanto para procedimentos investigatórios ordinários
quanto para investigações que envolvam autoridades com prerrogativa de função; d) Por
constituírem limitações ao poder de investigação conferido pela Constituição Federal à Polícia
Judiciária e ao Ministério Público, as hipóteses em que a atividade investigatória é condicionada à
prévia autorização judicial exigem previsão legal expressa - REsp n. 1.697.146/MA, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 9/10/2018, DJe 17/10/2018. No mesmo diapasão: RHC n.
93.723/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 7/8/2018, DJe 15/8/2018 e RHC
n. 73.829/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
23/05/2017, DJe 31/05/2017.

4. A defesa tem razão quando sustenta que a quebra de sigilo bancário, além de outras medidas
acobertadas pela reserva de jurisdição, devem partir do Juízo competente para o julgamento da
ação principal. (...)

E o STF, está de acordo com tal entendimento do STJ?

Inicialmente, as duas Turmas do STF divergiam sobre o tema.

De acordo com a 1ª Turma do STF 11, “o ato de instauração de inquérito ou procedimento


investigatório contra Prefeitos Municipais independe de autorização do Tribunal competente
para processar e julgar o detentor da prerrogativa de foro”. De forma mais incisiva, vale citar
parte do inteiro teor deste julgado: “Nessa toada, como bem salientou o parecer ministerial: no
que concerne às investigações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função, tem-se
que, embora possuam a prerrogativa de serem processados perante o tribunal, a lei não
excepciona a forma como se procederá à investigação, devendo ser aplicada, assim, a regra geral
trazida no art. 5º, inciso II, do Código de Processo Penal, a qual não requer prévia autorização
do Judiciário”.

no HC 404.228/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018. No mesmo
sentido, a 6ª Turma do STJ: AgRg no AREsp 1541633/PR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,
SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2020.
11
HC 177992 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/08/2021.

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Por outro lado, para a 2ª turma do STF 12, "é indispensável a existência de prévia autorização
judicial para a instauração de inquérito ou outro procedimento investigatório em face de
autoridade com foro por prerrogativa de função em TJ."

O tema teve novo avanço em meados de 2022. Por unanimidade, em 16/05/2022, o STF13
validou dispositivo do regimento interno do Tribunal de Justiça do Amapá que incluiu, entre as
atribuições do desembargador-relator, a prerrogativa de autorizar a instauração de inquérito, a
pedido do procurador-geral de Justiça, contra autoridades com prerrogativa de foro no tribunal.

De acordo com o voto da Relatora, a Ministra Cármem Lúcia, “quanto à necessidade de


supervisão judicial dos atos investigatórios, tem-se, pela interpretação sistemática da CF/88 e
com fulcro na jurisprudência consolidada desta Corte, que o mesmo tratamento conferido às
autoridades com foro por prerrogativa de função no STF deve ser aplicado, por simetria,
àquelas com foro em outros tribunais, em observância ao princípio da isonomia, que garante
o mesmo tratamento aos que estejam em situação igual”. Nessa linha, o STF abre divergência
clara em relação ao STJ, quando caracterizado o foro por prerrogativa de função, em razão da
necessidade de prévia autorização do respectivo foro para instaurar investigação, para indiciar
e para eventual medida cautelar.

2 . Foros por prerrogativa de função na Constituição Federal


A Constituição Federal criou inúmeros foros por prerrogativas de função. Segue um quadro com todas as
hipóteses nela previstas:

FORO
AUTORIDADE
COMPETENTE

1. Presidente e Vice-Presidente da República, Deputados Federais e STF


Senadores, Ministros do STF, Procurador-Geral da República, Ministros
de Estado, Advogado-Geral da União, Comandantes da Marinha,
Exército e Aeronáutica, Ministros do STJ, STM, TST e TSE, Ministros do
TCU, Chefes de missão diplomática de caráter permanente

2. Governadores, Desembargadores (TJ, TRF e TRT), membros do TRE, STJ


conselheiros dos Tribunais de Contas, membros do MPU que oficiem
perante tribunais

3. Juízes Federais, Juízes Militares, Juízes do Trabalho, Membros do TRF ou TRE


MPU de 1ª instância

4. Juízes de Direito, Promotores, Deputados Estaduais ou Distritais e TJ ou TRE


Procuradores de Justiça.

5. Prefeitos TJ, TRF ou TRE

12
HC 201965/RJ, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30.11.2021.
13
ADI 7083, Rel. Min. Cármen Lúcia, 13.05.2022.

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No que diz respeito ao quadro, o foro por prerrogativa dos Deputados Estaduais ou Distritais não estão
expressamente previstos na Constituição Federal, mas o STJ 14 entende que eles decorem implicitamente
da Constituição Federal por aplicação do princípio da simetria em conjunto com os artigos 25 e 27, § 1º,
da Constituição Federal.

Sobre o tema, as Constituições Estaduais podem criar outras hipóteses de foro por prerrogativa de função
para além daquelas previstas na Constituição Federal?

O tema foi trabalhado nas ADI 2553, ADI 6515 e ADI 6508,15 julgadas em meados de 2021. Nos diversos
precedentes, a Constituição Estadual criava foro por prerrogativa, por exemplo, para os procuradores de
Estado, procuradores da assembleia legislativa, defensores públicos, delegados de polícia, vereadores e
vice-prefeitos, de modo que todos fossem julgados perante o tribunal de justiça. Nos procedentes, o
Supremo Tribunal Federal entendeu que tais foros são inconstitucionais. Contudo, um ponto final deve
ser levantado: É possível a Constituição Estadual criar, com base no princípio da simetria, foros por
prerrogativa de função?

Essa é uma resposta complexa e a jurisprudência do STF variou muito recentemente:

ADI 2553 2019 Não admite a ampliação do foro por prerrogativa no âmbito estadual
com base no princípio da simetria (só a CF pode criar foros).
ADI 6515 Agosto de Admite a ampliação do foro por prerrogativa no âmbito estadual com
ADI 6508 2021 base no princípio da simetria:

““É inconstitucional norma de constituição estadual que estende o


foro por prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela
Constituição Federal de forma expressa ou por simetria”.”
ADI 6506 Novembro Não admite a ampliação do foro por prerrogativa no âmbito estadual
de 2021. com base no princípio da simetria (só a CF pode criar foros).

“A Constituição Federal estabeleceu exceções ao duplo grau de


jurisdição nas esferas federal, estadual e municipal, quanto a
autoridades de todos os Poderes, de modo que não caberia aos Estados
estabelecer, seja livremente, seja por simetria, prerrogativas de foro
às autoridades não abarcadas pelo legislador constituinte”.
ADI 6510 Abril de Admite a ampliação do foro por prerrogativa no âmbito estadual com
2022. base no princípio da simetria:

“(Os Estados) devem observar, em razão do princípio da simetria, o


modelo adotado na Carta Magna, sob pena de invalidade
da prerrogativa de foro“

Nesse ponto, deve-se citar a Súmula Vinculante nº 45 do Supremo Tribunal Federal: “A competência
constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido
exclusivamente pela constituição estadual”.

14
CC 105.227-TO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/11/2010.
15
ADI 6501/PA e ADI 6508, ambas do relator Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em
20.8.2021. ADI 2553/MA, rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, 15.5.2019

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3 . A questão da pertinência temática


O foro por prerrogativa de função tem início com a diplomação, em relação aos cargos eletivos, ou com
a posse, em relação aos cargos decorrentes de concurso público. Até o ano de 2018, o foro por
prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal,
alcançava todos os crimes de que são acusados os agentes públicos, inclusive os praticados antes da
investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício.

Contudo, atualmente, o foro não abrange todos os crimes cometidos por essas autoridades, uma vez que
o STF limitou a sua incidência para os casos com a pertinência temática devidamente comprovada. À luz
do que decidido na AP 937 QO,16 a partir de 2018, a comprovação da pertinência temática envolve o
preenchimento de dois requisitos cumulativos:

• Requisito temporal: o crime deve ser praticado durante o exercício do cargo, sendo tal requisito
de ordem objetiva (análise de marcos temporais delineados);
• Requisito material ou substancial: o crime deve ter sido praticado em razão do cargo, sendo tal
requisito de ordem subjetiva (faz-se necessário analisar à luz das provas o preenchimento do
requisito).
Preenchidos os dois requisitos, estará caracterizada a incidência do foro por prerrogativa de função.
Atenção para a distinção jurisprudencial:

• Foro no STF: a abertura do procedimento investigativo, as medidas cautelares e o indiciamento


pela Autoridade Policial ficam condicionados à autorização do Ministro relator.
• Foro no STJ e nos demais tribunais: somente as medidas cautelares ficam condicionadas à
autorização do Ministro ou Desembargador relator, podendo o Delegado de Polícia abrir
procedimento investigativo e indiciar independentemente do respetivo foro por prerrogativa.

Contudo, como ficam os crimes em que os dois requisitos não estão preenchidos?

Os crimes sem preenchimentos de tais requisitos não ficarão sob a supervisão do respectivo Tribunal, de
modo que a abertura do procedimento investigativo e o indiciamento pela Autoridade Policial são feitos
diretamente pelo Delegado de Polícia sem ingerência do Tribunal, do mesmo modo que as medidas
cautelares serão representadas diretamente ao juiz de primeira instância.

Observe o quadro mnemônico:

SITUAÇÃO STF – CENÁRIO INVESTIGATIVO STJ e demais Tribunais –


CENÁRIO INVESTIGATIVO

1. Crime cometido antes da


diplomação
Investigação e indiciamento pelo Delegado sem autorização
2. Crime cometido após a do Tribunal. Medidas cautelares em 1ª instância.
diplomação e SEM relação com as
funções

3. Crime cometido após a Investigação e indiciamento pelo


Precisa de autorização do Tribunal
diplomação e COM relação com as Delegado sem autorização do
para instauração do procedimento
funções Tribunal. Precisa de autorização
investigativo, indiciamento e
do Tribunal somente para as
medida cautelar.
medidas cautelares.

16
AP 937 QO, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2018.

19
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OBS: Vale pontuar que essa


informação está de acordo com o
STJ e 1ª Turma do STF. Já que, para
a 2ª Turma do STF, a investigação e
o indiciamento precisam de
autorização do respectivo Tribunal.

4. Crime ocorrido após o fim do


Investigação e indiciamento pelo Delegado sem autorização do
mandato
Tribunal. Medidas cautelares em 1ª instância.

Sobre o indiciamento pelo Delegado de Polícia em investigação envolvendo foro no STF,


vale citar um importante detalhe. O Ministro Roberto Barroso, em decisão liminar, no INQ 4621,
de 2018, autorizou o indiciamento por Delegado de Polícia, sem necessidade de prévia
autorização do STF, em face do Presidente da República à época. No caso, prevaleceu o
argumento de que o indiciamento seria legítimo e não dependeria de autorização judicial prévia,
uma vez que o inquérito contra o Presidente da República foi instaurado e tramitou sempre sob
a supervisão de Ministro do STF, pontuando, ainda, que o indiciamento é ato privativo da
autoridade policial, nos termos da Lei n° 12.830/13. De acordo com o voto do Ministro, a
autorização para prévio indiciamento somente seria necessária quando a investigação não tiver
sido previamente autorizada pelo ministro relator.

Sobre o indiciamento pelo Delegado de Polícia em investigação envolvendo os demais


foros (STJ e demais Tribunais, vale citar decisão da 5ª Turma do STJ 17 que denegou habeas corpus
contra ato de Delegado de Polícia e “assentou o entendimento de que o mero indiciamento em
inquérito policial, desde que não seja abusivo e ocorra antes do recebimento da exordial
acusatória, não constitui manifesto constrangimento ilegal”. No mesmo sentido, a 1ª Turma do
STF e, em sentido contrário (necessidade de prévia autorização do Tribunal), a 2ª Turma do STF,
tal como explicado acima.

7. Delegado de Polícia pode investigar ou indiciar magistrado e membro do Ministério Público?


O procedimento investigativo, em relação ao magistrado, consta do art. 33, parágrafo único, da Lei
Complementar nº 35 de 1979. Sempre que, no curso de uma investigação, houver indício da prática
de crime por parte do magistrado, a Autoridade Policial deverá remeter os respectivos autos ao
Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga a investigação.
Procedimento similar se aplica ao Promotor de Justiça em razão do art. 41, inciso II e parágrafo único,
da Lei n° 8.625/1993. Nas duas hipóteses, o procedimento investigativo continuará no âmbito do
Poder Judiciário ou do Ministério Público. De qualquer modo, o STJ e o STF admitem, no curso da
investigação de supostos autores com foro por prerrogativa de função, a delegação à Polícia Civil ou
Federal – a depender da atribuição de cada uma – de alguns atos da investigação:
Não se sustentam os argumentos da impetração, ao afirmar que o inquérito transformou-
se em procedimento da Polícia Federal, porquanto está apenas exerce a função de Polícia
Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário. Os autos demonstram tratar-
se de inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça, sob o comando de Ministro

17
AgRg no HC 404.228/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018.

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daquela Corte Superior de Justiça, ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria,
devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações.18

O Delegado de Polícia, portanto, não pode presidir investigação ou indiciar magistrado e


membro do Ministério Público. A presidência de tais investigações será feita, portanto, pelo
Ministério Público ou pelo Poder Judiciário.

SUGESTÃO DE RESPOSTA:

No primeiro cenário, em uma investigação envolvendo promotor de justiça por fato sem relação
à função, o Delegado de Polícia não poderá presidir o mencionado procedimento, devendo
encaminhar o procedimento ao respectivo Procurador-Geral de Justiça para as deliberações
necessárias.

Se for hipótese de investigação envolvendo o Governador do Estado em fato sem relação ao


mandato, o Delegado presidirá o procedimento, que não terá foro por prerrogativa envolvido,
já que todo o procedimento terá curso perante o magistrado de primeiro grau.

Por fim, se for hipótese de investigação envolvendo um vereador por fato ocorrido no curso do
mandato e em razão deste, com foro previsto no respectivo Tribunal de Justiça, deve-se pontuar
que tal foro é constitucional, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já que a
Constituição Estadual pode regular tais foros em razão do princípio da simetria. Nessa hipótese,
o Delegado presidirá o procedimento, que terá foro por prerrogativa no respectivo Tribunal de
Justiça.

18
. HC 94278, Relator(a): Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL


QUESTÃO DISSERTATIVA
A derrubada de um dos vetos do pacote anticrime pelo Congresso Nacional trouxe um
tratamento diferenciado para a investigação envolvendo agentes da segurança pública, tema
tratado, atualmente, no art. 14-A do CPP.

Considerando o tema, indique o objeto investigativo da inovação legislativa inerente ao art. 14-
A, bem como duas diretrizes legislativas que impactam nessa investigação.

Versão Definitiva da Questão Dissertativa

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DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

Objeto da Investigação
• direcionado para qualquer procedimento investigativo
• uso da força letal – consumada ou tentada, mesmo com
cláusula de excludente de ilicitude
• Qualquer agente do art. 144 da CF
2 diretrizes legislativas
Português (0,2 por erro)
NOTA FINAL

MATERIAL DE LEITURA E/OU JULGADOS SOBRE O TEMA:

INVESTIGAÇÃO EM FACE DE AGENTES DA SEGURANÇA PÚBLICA

O tema foi inserido no art. 14-A do CPP pela Lei n° 13.964/19. Nos casos em que servidores
vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como
investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos
extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal
praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, mesmo se for suposta
hipótese de excludente de ilicitude, o indiciado poderá constituir defensor.

A inovação legislativa trouxe nova obrigação legal ao Delegado de Polícia por ocasião da
instauração do inquérito policial quando se tratar da situação narrada no parágrafo anterior,
entendimento esse aplicável a qualquer procedimento investigativo à luz do disposto no
mencionado artigo. De acordo com o art. 14, § 1º, do CPP, o investigado deverá ser citado da
instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48
(quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação. Tal ciência ao investigado é
qualificada como uma decorrência do contraditório e da ampla defesa, de modo que toda a
investigação policial não se efetue a sua revelia.

Como colocado, existe a possibilidade de o investigado constituir defensor; contudo, sempre


haverá a obrigatoriedade de um defensor acompanhar o procedimento, uma vez que, nos
termos do art. 14, § 1º, do CPP, caso o investigado não constitua o defensor, “a autoridade
responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o
investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito)
horas, indique defensor para a representação do investigado”.

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Vale ressaltar que a novidade não decorre da participação do advogado no procedimento,


situação que já ocorre em qualquer investigação e tem previsão legal no estatuto da OAB (art.
7º, XXI, da Lei nº 8.906/94). A inovação, portanto, se fundamenta na obrigatoriedade de o
investigado ser notificado da investigação e na obrigatoriedade da presença do advogado no
curso do procedimento (mesmo que o investigado não constitua defensor).

Para avançar no estudo, um questionamento se faz necessário. De fato, existe a possibilidade


de o investigado constituir defensor, no entanto, ele pode ficar inerte no prazo de 48 (quarenta
e oito) horas a contar do recebimento da citação, cenário em que a instituição a que está
vinculado o investigado deve indicar defensor para o caso. Mas quem seria este defensor para
a representação do investigado?

Com a derrubada dos vetos dos §§ 3ºa 5º, essa pergunta é respondida nos seguintes termos:

§ 3º Havendo necessidade de indicação de defensor nos termos do § 2º deste artigo, a


defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública, e, nos locais em que ela não
estiver instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva
competência territorial do procedimento instaurado deverá disponibilizar profissional
para acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa
do investigado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

§ 4º A indicação do profissional a que se refere o § 3º deste artigo deverá ser precedida de


manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o
inquérito e com atribuição para nele atuar, hipótese em que poderá ser indicado
profissional que não integre os quadros próprios da Administração. (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019) (Vigência)

§ 5º Na hipótese de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos


interesses dos investigados nos procedimentos de que trata este artigo correrão por conta
do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos
fatos investigados. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

Pela leitura dos dispositivos, observa-se que, inicialmente, a defesa cabe à Defensoria Pública.
Há quem19 sustente a inconstitucionalidade de tal dispositivo pelos mesmos fundamentos
apresentados no veto do Presidente da República20 . Contudo não é necessário que o dispositivo
seja declarado inconstitucional, mostrando-se suficiente outorga-lo uma leitura constitucional
em eventual ADI. Afinal, podem existir servidores do art. 144 da Constituição Federal que –
realmente – necessitem de um defensor público. Nessa linha, a utilização da técnica da
interpretação conforme a Constituição se mostra necessária, a fim de que a atuação da
Defensoria Pública incida somente quando ela realmente for necessária, ou seja, dentro de suas

19
Nesse sentido, Renato Brasileiro (Rejeição de vetos ao pacote anticrime, 2021, p. 21).
20
Termos do veto: “A propositura legislativa, ao prever que os agentes investigados em inquéritos policiais
por fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional serão defendidos
prioritariamente pela Defensoria Pública e, nos locais em que ela não tiver instalada, a União ou a Unidade
da Federação correspondente deverá disponibilizar profissional, viola o disposto no art. 5º, inciso LXXIV,
combinado com o art. 134, bem como os arts. 132 e 132, todos da Constituição da República, que
confere à Advocacia-Geral da União e às Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, também
função essencial à Justiça, a representação judicial das respectivas unidades federadas, e destas
competências constitucionais deriva a competência de representar judicialmente seus agentes
públicos, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal (v.g., ADI 3.022, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, j. 02/08/2004, DJ 04/03/2005.”

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finalidades institucionais previstas na Constituição Federal e nas leis de regência. Compatibiliza-


se, desse modo, a atuação da Defensoria Pública com o texto legal do art. 14-A do CPP.

Por fim, essa normativa se aplica aos servidores militares vinculados às Forças Armadas, desde
que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.

SUGESTÃO DE RESPOSTA:

A inovação legislativa incide em qualquer procedimento investigativo, inclusive de natureza


militar, desde que o objeto seja um fato relacionado ao uso letal da força, praticado no exercício
da função de agentes da segurança pública do art. 144 da Constituição Federal, bem como aos
agentes do art. 142, quando em missões para a Garantia da Lei e da Ordem, de forma tentada
ou consumada, mesmo se incidente eventual excludente de ilicitude.

Em tal cenário, a alteração legislativa traz duas inovações relevantes. Primeiro, o presidente do
procedimento investigado deve citar o investigado da instauração da investigação, podendo
constituir defensor no prazo de até 48h, contados do recebimento da citação. Segundo, passado
o prazo de 48 horas, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a
que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de
48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.

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QUESTÃO DISSERTATIVA
Como muito se coloca, em sede de inquérito policial, passou-se a distinguir o termo “elementos
de informação” de “elementos de prova”. Isso é decorrência da reforma promovida ao Código
de Processo Penal pela Lei nº 11.690 de 2008, que passou a diferenciar os dois conceitos.

Sobre o tema, qual o elemento central de distingue entre elementos de informação e elementos
de prova? Quais são as provas presentes no inquérito policial? É possível a antecipação cautelar
de provas com fundamento no decurso do tempo para policiais?

Versão Definitiva da Questão Dissertativa

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DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

Elemento de informação x Elemento de provas


Provas no IP
Antecipação cautelar de provas – policial
Português (0,2 por erro)
NOTA FINAL

MATERIAL DE LEITURA E/OU JULGADOS SOBRE O TEMA:

O PROBLEMA RELATIVO AO VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Como muito se coloca, em sede de inquérito policial utiliza-se o termo “elementos de


informação”, e não “elementos de prova”. Isso é decorrência da reforma promovida ao CPP pela
Lei nº 11.690 de 2008, que passou a diferenciar os dois conceitos:

Art. 155 do CPP: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas
as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

O termo “prova” é utilizado para se referir aos elementos produzidos em contraditório (mesmo que
diferido), ao passo que o termo “elementos de informação” abrange todos os demais que foram
produzidos inquisitoriamente ou por uma das partes fora do devido processo legal.21 Não se pode
esquecer que, excepcionalmente, existe produção de provas (e não só de elementos de
informação) na fase inquisitorial. Perícias e documentos produzidos na fase inquisitorial são
revestidos de eficácia probatória sem a necessidade de serem repetidos no curso da ação
penal por se sujeitarem ao contraditório diferido.22

Na verdade, essa distinção entre prova e elementos de informação guarda relação com o valor
probatório do inquérito policial, o qual tem as suas ressalvas para ser utilizado em juízo. Em regra,
os elementos de informação produzidos no curso do inquérito policial devem ser repetidos
em juízo. Isso consta do art. 155 do CPP, ao prescrever que o juiz formará sua convicção pela
livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

De fato, o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação; no entanto, tais elementos possuem papel de relevância no contexto
do livro convencimento do magistrado, como o STF 23 já se posicionou em inúmeras vezes:

21
. LIMA, 2011, p. 116.

2222
AgRg no REsp 1522716/SE, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, julgado em 20/03/2018.
23
. RE 425734 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/10/2005

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(...) 3. Ao contrário do que alegado pelos ora agravantes, o conjunto probatório que
ensejou a condenação dos recorrentes não vem embasado apenas nas declarações
prestadas em sede policial, tendo suporte, também, em outras provas colhidas na fase
judicial. Confirmação em juízo dos testemunhos prestados na fase inquisitorial. 4. Os
elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento
do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas
que passam pelo crivo do contraditório em juízo.
Nessa linha, para o STJ24, as provas inicialmente produzidas na esfera inquisitorial e
reexaminadas na instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa, não
violam o art. 155 do Código de Processo Penal - CPP visto que eventuais irregularidades
ocorridas no inquérito policial não contaminam a ação penal dele decorrente.
O art. 155 do CPP tem por finalidade evitar o contato judicial com as provas inquisitoriais, o que
poderia interferir na sua imparcialidade para o julgamento da causa. Por isso, a atuação do
magistrado no inquérito policial deve ocorrer de forma excepcional.
Nesse contexto, no curso do inquérito policial, o seu contato com a investigação somente ocorre
em três hipóteses: (a) quando houver lesão ou ameaça de lesão a direitos subjetivos,
(b) quando houver algum tipo de prejuízo à efetividade da jurisdição penal e (c)
quando houver necessidade de controle da legalidade dos atos produzidos no curso
do inquérito policial.
Outro tipo de atuação por parte do magistrado importaria na violação ao princípio constitucional
da imparcialidade, uma vez que ele tomaria conhecimento do material probatório. De acordo com
Eugênio Pacelli de Oliveira,25 o sistema acusatório não permite que o juiz tenha contato direto com
as provas produzidas nessa etapa:
Ora, não cabe ao juiz tutelar a qualidade da investigação, sobretudo porque sobre
ela, ressalvadas determinadas provas urgentes, não se exercerá jurisdição. O
conhecimento judicial acerca do material probatório deve ser reservado à fase de
prolação de sentença, quando se estará no exercício de função tipicamente
jurisdicional.
O STF26 seguiu o entendimento doutrinário acima ao concluir que:
[...] o Judiciário, em nosso sistema processual penal, atua no inquérito para
assegurar a observância dos direitos e liberdades fundamentais e dos princípios
sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito.
Em sentido contrário, a reforma do CPP, promovida pela Lei nº 11.690, de 2008, facultou ao juiz
a produção da prova no curso do inquérito policial, desde que preenchidos alguns requisitos.
Segue, abaixo, o dispositivo legal:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício:

24
AgRg nos EDcl no AREsp 1006059/SP,Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, julgado em 20/03/2018.
25
. OLIVEIRA, 2010, p. 11.

26
. HC 92893, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 2/10/2008,
conforme noticiado no Inf. 522 do STF.

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I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de


provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade,
adequação e proporcionalidade da medida;
Nestor Távora e Fábio Roque Araújo27 chamam a atenção para a duvidosa constitucionalidade
do artigo. A produção da prova pelo juiz, de ofício, no curso do inquérito policial, ocasionaria a
violação ao sistema acusatório. O magistrado, na hipótese legal, também exteriorizaria um juízo
de valor sobre os fatos ao verificar o que se trata de prova “urgente e relevante”, antecipando
a sua análise sobre diversas questões de direito, violando o princípio constitucional da
imparcialidade.
Em tese, toda produção antecipada de provas autorizada ou determinada pelo magistrado
consiste numa medida cautelar, uma vez que possuem caráter excepcional. Citam-se, como
exemplos, o mandado de busca e apreensão, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de
dados bancários ou fiscais.
Essas hipóteses, por serem medidas cautelares em sentido estrito, devem ter preenchidos, além
dos requisitos de cada medida, os pressupostos do fumus comissi delicti (existência de indícios
plausíveis da comprovação de que um determinado cidadão está envolvido em uma infração
penal) e do periculum in mora (risco ou prejuízo que a não realização imediata da diligência
poderá acarretar para a investigação criminal e posterior instrução criminal).
A partir de um poder geral de cautela, o magistrado pode, também, conceder outras medidas
cautelares não previstas em lei, mas necessárias para o inquérito policial ou para a ação penal.
Diante do exposto, questiona-se: A idade avançada de uma pessoa pode ser fundamento para o
periculum in mora de eventual medida cautelar com a finalidade de sua oitiva antecipada no
curso do inquérito policial e de posterior aproveitamento de seu depoimento na ação penal?

A análise deve ser feita a partir de cada caso concreto, norteada pela razoabilidade, de modo a
envolver a análise de elementos como a idade da pessoa, a sua saúde e o risco que a não
realização imediata dessa prova poderá acarretar para a futura instrução criminal. Deve-se levar
em consideração, ainda, fatores como a demora no trâmite de inquéritos policiais e da futura
ação penal. Em regra, a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no
art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero
decurso do tempo, tal como consta da Súmula 455 do STJ. Excepcionalmente, o STF28 entendeu
ser possível a antecipação de provas em situação correlata:

No caso, o paciente foi denunciado pela suposta prática de homicídio culposo na


direção de veículo automotor, delito previsto no art. 302 da Lei 9.503/1997. Como
estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo
(CPC/1973, art. 366). O juízo determinou, em seguida, a realização de audiência de
produção antecipada de prova. Na impetração, o réu alegava haver cerceamento
de defesa em virtude de, na mencionada audiência, a antecipação de prova ter
como único fundamento o decurso do tempo. A Turma entendeu que a antecipação
da prova testemunhal configura medida necessária, pela gravidade do crime
praticado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as testemunhas

27
. TÁVORA e ARAÚJO, 2010, p. 223. No mesmo sentido, é a posição de Eugênio Pacelli de Oliveira
(2010, p. 11).

28
. HC 135386/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 13.12.2016

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poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do


decurso do tempo. Afirmou que a antecipação da oitiva das testemunhas não
revela nenhum prejuízo às garantias inerentes à defesa. Afinal, quando o processo
retomar seu curso, caso haja algum ponto novo a ser esclarecido em favor do réu,
basta se proceder à nova inquirição.

Ainda sobre o tema, de acordo com o STJ29, é possível a antecipação da colheita da prova
testemunhal, com base no art. 366 do CPP, nas hipóteses em que as testemunhas são policiais,
tendo em vista a relevante probabilidade de esvaziamento da prova pela natureza da atuação
profissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos:

I - A Terceira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do RHC 64.086/DF,


assentou entendimento no sentido da necessidade de mitigar o rigor da Súmula
455/STJ, de modo que as testemunhas, cuja natureza da atividade profissional seja
marcada pelo contato diário com fatos criminosos semelhantes, devem ser ouvidas
com a máxima urgência possível.

II - Na espécie, há situação excepcional a lastrear a necessidade de ouvida das


testemunhas presenciais, pois os fatos praticados remontam à data de 15/04/2014,
havendo o risco de que detalhes relevantes do caso se percam na memória dos
policiais. (AgRg no AREsp 1908229/GO, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em
16/11/2021, DJe 25/11/2021)

Por fim, é importante ressaltar que, seja nas hipóteses em que a atuação do magistrado é
constitucional, seja na hipótese do art. 156, inciso I, do CPP, o juiz que atuar no inquérito policial
estará prevento para a futura ação penal30.

SUGESTÃO DE RESPOSTA:

O termo “prova” é utilizado para se referir aos elementos produzidos em contraditório, mesmo que
diferido, ao passo que o termo “elementos de informação” abrange todos os demais que foram
produzidos inquisitoriamente ou por uma das partes fora do devido processo legal. Observe que o
inquérito policial possui elementos de prova e elementos de informação, em especial porque, no
inquérito, podem ser produzidas as provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas.

Uma dessas provas guarda relação com a antecipação cautelar de provas, medida essa que, em
regra, não pode se fundamentar exclusivamente no decurso do tempo. Contudo, o Superior
Tribunal de Justiça tem restringido tal entendimento para os policiais, cuja natureza da atividade
profissional é marcada pelo contato diário com fatos criminosos semelhantes, para que sejam
ouvidas com a máxima urgência possível.

29
RHC 074576/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2018.
30
. HC 94188, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 26/0/2008; HC 93762,
Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 29/4/2008; HC 99353, Relator(a): Min. Eros
Grau, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009.

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DIREITO PENAL
QUESTÃO DISSERTATIVA
Um ponto central, relativo a atuação dos Delegados de Polícia e que gera polêmica na doutrina,
diz respeito a (im)possibilidade de aplicação do princípio da insignificância no curso de uma
investigação policial.

Sobre o tema, elabore um texto dissertativo explicando os conceitos e as relações entre o


princípio da insignificância, o princípio da intervenção mínima e a tipicidade conglobante. Ao
responder, indique os quatro elementos da insignificância à luz da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, bem como analise a possibilidade de sua aplicação pelo Delegado de Polícia à
luz da doutrina policial, inclusive para fins de não se lavrar eventual auto de prisão em flagrante
delito.

Versão Definitiva da Questão Dissertativa

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DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

Insignificância x intervenção mínima x conglobante – conceitos e


relações
4 elementos - STF.
Possibilidade de aplicação pelo Delegado
Não lavrar APFD?
Português (0,2 por erro)
NOTA FINAL

MATERIAL DE LEITURA E/OU JULGADOS SOBRE O TEMA:

Resumo sobre o tema:

A lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito tem por pressuposto a existência de um fato
típico, em seu aspecto formal e material, cenário que não está caracterizado quando se tratar de
hipótese de aplicação do princípio da insignificância.

O princípio da intervenção mínima, fundamento central do Direito Penal, institui a


necessidade de se regulamentar e punir somente os fatos indesejados pela sociedade, sendo
direcionado por duas diretrizes-base, quais sejam, a subsidiariedade e a fragmentariedade. A
subsidiariedade institui o necessário caráter secundário do Direito Penal. Já a
fragmentariedade estabelece que o Direito Penal só irá intervir quando se tratar de um bem
jurídico relevante e o fato indesejado causar lesão ou perigo de lesão relevante (concreto) ao
bem jurídico tutelado.

É nesse contexto, de acordo com Roxin, que o princípio da insignificância se apresenta como
corolário do princípio da intervenção mínima, tanto no âmbito da subsidiariedade, quanto no
âmbito da fragmentariedade. Zaffaroni segue a mesma linha de pensamento ao compreender
que o princípio da lesividade, tal como o princípio da intervenção mínima para Roxin, demanda
a punição somente das pessoas que efetivamente lesionem um bem jurídico.

Em outras palavras, se não há uma lesão, não existe um conflito; se não existe um conflito, não
pode existir um delito; e se não existe um delito, não se pode falar em sanção penal pelo Estado.
Não basta, portanto, que um bem jurídico seja tutelado (tipificado) pelo Código Penal, uma vez
que se faz necessário que o bem jurídico seja lesionado para a atuação do Direito Penal.

O princípio da insignificância surge, assim, como instrumento de interpretação restritiva do tipo


penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu
aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu
conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem
jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da
intervenção mínima.

Na linha de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a aferição da


insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade
conglobante. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo
a impedir que acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação
legal.

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No RHC 12627231, em um típico caso de insignificância que chegou ao STJ, o Ministro Relator
destacou que o Delegado de Polícia foi o único a agir corretamente dentre os demais agentes
estatais (MP e Poder Judiciário), de modo a aplicar precedentes da Corte ao não ratificar a prisão
em flagrante, reconhecendo o valor irrisório do produto furtado, dentre outros requisitos. Nas
palavras do Ministro Relator, "está-se utilizando o sistema de Justiça Criminal para perseguir
quem furtou R$4,00 de alimentos, que representam 0,5% do salário mínimo à época, sendo que
a jurisprudência do STJ indica que é possível aplicar a insignificância quando o valor do bem
furtado não ultrapassar 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos”.

Não obstante, para incidir no presente caso o princípio da insignificância, a jurisprudência pacífica
do STF demanda o preenchimento de quatro requisitos. Primeiro, a mínima ofensividade da
conduta do agente está configurada. Segundo, verifica-se que a conduta não possui
nenhuma periculosidade social da ação. Terceiro, tem-se configurado o grau reduzido de
reprovabilidade do comportamento. Quarto, verifica-se a inexpressividade da lesão
jurídica provocada.

Em razão do exposto, caracterizado cenário de incidência do princípio da insignificância, afasta-


se a tipicidade e, por consequência, a existência do crime.

ALGUMAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES E CURIOSIDADES


SOBRE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA ANTES DA
INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL (POR PORTARIA OU APFD)

1. Precisa determinar o Todo o procedimento é feito em sede de BOLETIM DE


encaminhamento de OCORRÊNCIA/VPI (não existe IP instaurado), de modo que não
cópia ao MP ou PJ? existe determinação legal para o delegado enviar para MP ou PJ.
Alguns poucos Estados possuem normativa estadual pela
obrigatoriedade de envio para o MP.

2. Precisa encaminhar Em regra não! Alguns poucos Estados possuem normativa estadual
ao superior hierárquico pela obrigatoriedade de envio ao superior hierárquico ou Delegado
ou Delegado Geral? Geral.

3. O Delegado de O delegado pode instaurar IP após decisão acima estudada e, em


Polícia precisa instaurar alguns estados, existe normativa determinando a instauração do IP.
IP? Ou pode o De fato, alguns Delegados de Polícia preferem instaurar IP nesses
delegado arquivar o casos para, quase em ato sequencial, relatar pelo arquivamento.
procedimento feito em
sede de VPI Entendo não ser o melhor caminho! Observe que o procedimento
(verificação preliminar (Boletim de ocorrência, oitivas e outros elementos) se equipara a
de informações)? uma VPI, já que vinculado a um boletim de ocorrência, de modo que
o Delegado de Polícia pode determinar o seu arquivamento (lembre-
se: o art. 17 do CPP se limita a inquérito policial instaurado e aqui
inexiste IP) quando os elementos de informações já forem robustos.

31
RHC 126272, Rel. Rogerio Schietti, julgado em 01/06/2021.

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TRECHO RETIRADO DO LIVRO DELEGADO DE POLÍCIA EM AÇÃO –


7ª ed, 2021:

Pela leitura do boletim de ocorrência, o Delegado de Polícia poderá


arquivá-lo se verificar que não existe crime (fato típico, antijurídico
e culpável) ou que existe alguma causa extintiva de punibilidade.
Havendo dúvida ou se não houver elementos probatórios
suficientes para o arquivamento, o boletim de ocorrência não
poderá ser arquivado, devendo ser instaurado o inquérito policial
(caso haja elementos de autoria e materialidade suficientes) ou
efetuar uma verificação preliminar de inquérito – VPI – (caso os
elementos de autoria e materialidade não sejam suficientes para
instaurar o inquérito policial). Cita-se a prescrição como exemplo de
arquivamento do boletim de ocorrência, pois, como regra, pode ser
verificada pela simples leitura do documento.

4. Professor, e se o O normal é que exista um Delegado de Polícia plantonista, que


Delegado que receber receberá o flagrante e tomará a decisão acima montada pela não
o flagrante for o lavratura em caso de insignificância, e outro que, posteriormente,
responsável por venha a receber o que foi feito durante o plantão para, se for o caso,
presidir eventual IP? instaurar eventual IP.

Contudo, é possível que, em Municípios pequenos ou locais sem


muita estrutura, que o delegado plantonista seja o mesmo que vai
presidir o IP. Nessa hipótese, e desde que o Delegado entenda pela
necessidade de instaurar o IP, pode ser feito DIRETAMENTE A
INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL POR MEIO DE
PORTARIA sem o despacho trabalho neste tópico.

JULGADOS SOBRE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA:

EMENTA: Processual penal. Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. Furto
qualificado tentado. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado no sentido


de que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as
seguintes condições objetivas: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii)
nenhuma periculosidade social da ação; (iii) grau reduzido de reprovabilidade do
comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada, ressaltando,
ainda, que a contumácia na prática delitiva impede a aplicação do princípio.

2. O acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça não divergiu dessa orientação, ao
assentar que “o decisum agravado foi claro ao afirmar a impossibilidade de incidência do princípio
da insignificância ao caso, haja vista o valor da res furtiva – que equivale a, aproximadamente,
25% do salário mínimo vigente à época dos fatos –, além do fato de que o réu ostenta anotações
e condenações definitivas anteriores pelo delito de furto”. Nessa linha, veja-se o HC 171.536-
AgR, Rel. Min. Luiz Fux.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.

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(RHC 205936 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/11/2021,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 07-12-2021 PUBLIC 09-12-2021)

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO


QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. VULNERABILIDADE DA VÍTIMA. PACIENTE
MULTIRREINCIDENTE. CARACTERIZADA A REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO.
INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE DO PLEITO
ABSOLUTÓRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS DESPROVIDO.

1. É aplicável o princípio da insignificância no sistema penal brasileiro desde que


preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: “a) a mínima ofensividade da
conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau
de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada” (HC 84.412, ministro Celso de Mello).

2. Na presença desses quatro vetores, o princípio da insignificância incidirá para


afastar, no plano material, a própria tipicidade da conduta diante da ausência de lesão
ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

3. A insignificância, princípio que afasta a tipicidade da conduta, especialmente nos


crimes patrimoniais, não deve ser tida como regra geral, a se observar unicamente o
valor da coisa objeto do delito. Deve ser aplicada, segundo penso, apenas quando
estiver demonstrado nos autos a presença cumulativa dos quatro vetores objetivos
que venho de referir. 4. A contumácia ou reiteração delitiva, a multirreincidência, a
reincidência específica são exemplos de elementos aptos a indicar a reprovabilidade
do comportamento, fator hábil a afastar a aplicação do princípio da insignificância.
(...) .

(RHC 198550 AgR, Relator(a): NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 04/10/2021,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 01-12-2021 PUBLIC 02-12-2021)

Ementa: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE


DOCUMENTO. ATESTADO MÉDICO. EMPREGADO DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E
TELÉGRAFOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. REPROVABILIDADE DA
CONDUTA. 1. Na linha de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve
um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão
do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu
sentido amplo, de modo a impedir que acabe desvirtuado o objetivo a que visou o
legislador quando formulou a tipificação legal. 2. A falsificação de documento, delito
imputado ao paciente, é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange o risco de dano à
fé pública, com a circulação de documento inautêntico, exprimindo realidade fictícia, capaz de
ludibriar a confiança de pessoas nele interessadas. 3. No caso, o agravante foi denunciado por
alterar informação constante de atestado médico em detrimento da empresa pública com a qual
mantinha vínculo, se distanciando dos deveres do cargo que exercia. Nesse contexto, revela-se
reprovável a conduta, impossibilitando a incidência do denominado princípio da insignificância. 4.
Agravo regimental a que se nega provimento.

(HC 133226 AgR, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 29/03/2016,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016)

DOUTRINA SOBRE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA:

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(texto completo: http://site.fdv.br/wp-content/uploads/2018/06/bruno-taufner-zanotti.pdf )

O princípio da intervenção mínima, fundamento central do Direito Penal, institui a


necessidade de se regulamentar e punir somente os fatos indesejados pela sociedade,
sendo direcionado por duas diretrizes-base, quais sejam, a subsidiariedade e a
fragmentariedade.

A subsidiariedade institui o necessário caráter secundário do Direito Penal 32. Parte da


premissa de que a proteção de bens juridicamente tutelados não constitui objetivo
exclusivo do Direito Penal, na medida em que todo o sistema vigente traz ferramentas
para alcançar essa finalidade, v.g., no âmbito do Direito Civil, no âmbito do Direito
Administrativo ou mesmo no âmbito do Direito Tributário. Mais do que isso, entre uma
ordem de preferência para a proteção dos bens, o Direito Penal — e, em especial, a pena
— deve se apresentar como a ultima ratio, com uma missão subsidiária em relação aos
demais ramos do Direito:

O Direito penal é apenas a última dentre todas as medidas de proteção existentes, é dizer que
somente é possível intervir quando os outros meios de resolução de conflitos falham — como
a ação civil, os regulamentos policiais ou técnico-jurídicos, as sanções não penais etc. Por
isso se concebe a pena como a “ultima ratio da política social” e se define a sua finalidade
de proteção subsidiária de bens jurídicos. (ROXIN, 1997, p. 65, grifo do autor, tradução
nossa)33.

Já a fragmentariedade estabelece que o Direito Penal só irá intervir quando se tratar de


um bem jurídico relevante e o fato indesejado causar lesão ou perigo de lesão relevante
(concreto) ao bem jurídico tutelado34. Nas palavras de Roxin (1997, p. 65, tradução

32
“Atualmente, somente para exemplificar, determinadas infrações administrativas de trânsito
possuem punições mais temidas pelos motoristas, diante das elevadas multas e do ganho de
pontos no prontuário, que podem levar à perda da carteira de habilitação do que a aplicação de
uma multa penal, sensivelmente menor” (NUCCI, 2013, p. 93).
33
“El Derecho penal sólo es incluso la última de entre todas las medidas protectoras que hay
que considerar, es decir que sólo se le puede hacer intervenir cuando fallen otros medios de
solución social del problema —como la acción civil, las regulaciones de policía o jurídico-
técnicas, las sanciones no penales, etc. Por ello se denomina a la pena como la ‘ultima ratio de
la política social’ y se define su misión como protección subsidiaria de bienes jurídicos”.
34
“O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da
liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente
necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes
sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se
exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O Direito Penal

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nossa)35 “[...] na medida em que o Direito Penal protege somente uma parte dos bens
jurídicos, mesmo que nem sempre de maneira geral, mas frequentemente (como no
patrimônio) só contra ataques concretos, fala-se também na natureza ‘fragmentária’ do
Direito Penal” (grifo do autor).

É nesse contexto que o princípio da insignificância se apresenta como corolário do


princípio da intervenção mínima, tanto no âmbito da subsidiariedade, quanto no âmbito
da fragmentariedade (ROXIN, 1997, p. 1027-1028)36. Zaffaroni (2010, p. 110) segue a
mesma linha de pensamento ao compreender que o princípio da lesividade, tal como o
princípio da intervenção mínima para Roxin, demanda a punição somente das pessoas
que efetivamente lesionem um bem jurídico. Em outras palavras, se não há uma lesão,
não existe um conflito; se não existe um conflito, não pode existir um delito; e se não
existe um delito, não se pode falar em sanção penal pelo Estado (ZAFFARONI, 2010, p.
110). Não basta, portanto, que um bem jurídico seja tutelado (tipificado) pelo Código
Penal, uma vez que se faz necessário que o bem jurídico seja lesionado para a atuação do
Direito Penal (ZAFFARONI, 2010, p. 111). Por isso, uma conduta insignificante resulta
em uma inadequada condenação criminal, uma vez que seria suficiente uma
desqualificação de um crime para uma contravenção penal (se o sistema jurídico vigente
permitisse), uma compensação no âmbito civil ou ainda uma condenação administrativa
relativa às consequências do dano que o fato ocasionou:

Em virtude da subsidiariedade da proteção jurídico-penal de bens jurídicos, o legislador deve


estatuir uma contravenção onde uma sanção não penal baste para assegurar o fim que se
busca. Assim ocorre, sobre tudo, em delitos que envolvam apenas uma diminuição
insignificante dos bens jurídicos (cf. os §§111 ss. OWiG). Mas também há que considerar
essa possibilidade quando uma conduta, apesar de causar um dano, às vezes considerável,
desvela apenas uma pequena desvalorização ética; então, no caso de imprudência

não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor — por não importar em
lesão significativa a bens jurídicos relevantes — não represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”
(HC 84412, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/10/2004).
35
“[...] en la medida en que el Derecho penal sólo protege una parte de los bienes jurídicos, e
incluso ésa no siempre de modo general, sino frecuentemente (como el patrimionio) sólo frente
a formas de ataque concretas, se habla también de la naturaleza ‘fragmentaria’ del Derecho
penal.”
36
“Como bem se sabe, o princípio da insignificância — que deve ser analisado em conexão com
os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal —
tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de
seu caráter material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário expendido na análise
do tema de referência” (HC 84412, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado
em 19/10/2004).

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insignificante, atualmente punível muitas vezes com uma infração penal, sua sanção como
contravenção poderia cumprir a mesma função protetiva, ainda mais quando o dever de
indenização civil produza um efeito preventivo considerável. Em outros casos — por
exemplo, em algumas formas de condutas nocivas para o meio ambiente — os deveres e as
sanções administrativas podem ser mais eficazes do que a persecução penal, que, nesses
casos, frequentemente, encontram dificuldades para elucidar a responsabilidade individual.
Também se apresentam como possibilidades, longe de serem esgotadas pela política jurídica,
a substituição de soluções penais por soluções do Direito civil (ROXIN, 1997, p. 66, tradução
nossa)37.

É importante ressaltar que os autores trabalham os princípios da intervenção mínima e da


insignificância como conquistas da evolução do Direito Penal. Roxin (1997, p. 66 e p.
1027) compreende que o Direito Penal não pode ser mais interpretado e compreendido
sem que tais princípios sejam capazes de reger e limitar o conceito de crime. Para
Zaffaroni (2010, p. 369 e p. 118), a insignificância deve ser vista como consequência do
princípio republicano de governo, o qual institui, entre outros postulados, a proibição de
se criminalizar uma conduta de forma injusta (sem lesividade). Reconhecida a
insignificância como meio para possibilitar outros ramos do Direito resolverem um
conflito, o abandono de tal prática reintroduziria um modelo punitivo que já foi superado.
O princípio da insignificância, portanto, apresenta-se como uma prática republicana.

Nesse sentido, Busato (2017, p. 52-59), Galvão (2011, p. 116 e 117) e Bitencourt (2017,
p. 55-58) compreendem a intervenção mínima como decorrência direta do paradigma do
Estado Democrático de Direito, já que o avançar do constitucionalismo mostrou que o
poder coercitivo deve ser exercido de forma adequada e proporcional à ação do autor,
contexto no qual o constitucionalismo brasileiro também se insere. Seja pelo
reconhecimento do princípio republicano, seja em razão do avanço do Direito Penal (não
só em nível mundial, mas também no Brasil), seja pela adoção do paradigma do Estado

37
“En virtud de la subsidiariedad de la protección jurídicopenal de bienes jurídicos, el legislador
debe estatuir una contravención allí donde una sanción no penal baste para asegurar el fin que
persigue. Así sucede sobre todo en caso de delitos que suponen sólo un menoscabo
insignificante de bienes jurídicos (cfr. los §§111 ss. OWiG). Pero también hay que considerar esa
posibilidad cuando una conducta, pese a causar un daño a veces considerable, sólo muestra un
escaso contenido de desvalor ético; así en el caso de la imprudencia insignificante, que hoy se
castiga muchas veces como infracción criminal, su sanción como contravención podría cumplir
la misma función de protección, tanto más cuanto que el deber de indemnización civil despliega
un considerable efecto preventivo. En otros casos — p.ej. en algunas formas de conductas
nocivas para el medio ambiente — los deberes y sanciones administrativas pueden ser a menudo
más eficaces que la persecución penal, que en estos casos frecuentemente tropieza con
dificultades para aclarar la responsabilidad individual. También ofrece posibilidades que con
mucho no se han agotado aún a efectos de política jurídica la sustitución de soluciones penales
por soluciones del Derecho civil”.

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Democrático de Direito, os mencionados princípios apresentam-se como determinantes


para reformular e reestruturar o Direito Penal brasileiro. A coesão entre os argumentos
jurídicos que se fundamentam em uma relação incindível (a partir da unidade do valor)
entre os princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da fragmentariedade,
outorga consistência normativa ao princípio da insignificância38, capaz de conferir caráter
não discricionário à atuação do delegado de polícia.

Ocorre, nas palavras de Zaffaroni (2010, p. 369), uma reestruturação do conceito do crime
por esses princípios constitucionais, de modo que todo fato deve ser capaz de gerar uma
real lesão ao bem jurídico para ser considerado crime. Com isso, o fato típico, além da
tipicidade formal, passa a ser estruturado com uma tipicidade conglobante, na qual é
reconhecida a existência da insignificância com consequência que parte de um estudo
constitucional do Direito Penal. O conceito em estudo

[...] exige que o comportamento delitivo tenha algo mais que a


subsunção típica. A tipicidade não decorre da mera verificação que a
conduta é aquela prevista no tipo penal. É preciso observar se o
comportamento violou ou pôs em perigo o bem jurídico que legitima a
norma de proteção, do contrário não haverá materialidade capaz de
atrair a atenção do direito penal (BOTTINI et al., 2012, p. 121).

Assim concebida, a tipicidade conglobante não autoriza toda (e irrestrita) legitimação


punitiva estatal no âmbito do Direito Penal (ZAFFARONI, 2010, p. 370). O fato típico
ganha normatividade, no sentido de que não basta a simples previsão de um fato como
crime no Código Penal, sendo necessária uma lesão concreta ao bem juridicamente
tutelado39.

38
Essa reflexão delega um caráter também histórico ao princípio da insignificância, fruto da
evolução do poder punitivo estatal (LUZ, 2012, p. 205-209).
39
Ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro, Zaffaroni e Pierangeli (2013, p. 505)
compreendem que a insignificância está presente no Brasil, estruturada no âmbito da tipicidade
conglobante, como corretivo da tipicidade penal. Inclusive, os autores trabalham alguns
exemplos para a sua aplicação. “A conduta de quem estaciona seu veículo tão próximo a nosso
automóvel, a ponto de nos impedir a saída, não configura alguma previsão à liberdade; nem os
presentes de uso, como as propinas aos servidores públicos por ocasião do Natal, configuram
uma lesão à imagem pública da administração, configuradora da tipicidade do art. 317 do CP;
nem arrancar um fio de cabelo, por mais que possa ser considerado uma ofensa à integridade
corporal (art. 129, caput, do CP), resulta numa afetação do bem jurídico típico de lesões; nem a
subtração de uma palito de fósforo da caixa que encontramos no escritório vizinho configura
um furto, ainda que se trate de uma coisa móvel totalmente alheia”.

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz; OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos de; PAPA, Douglas de Barros Ibarra;
RIBEIRO, Thaísa Bernhardt. A confusa exegese do princípio da insignificância e sua aplicação pelo STF:
análise estatística de julgados. Revista Brasileira de Ciências Criminais, [S.l.], v. 20, n. 98, p. 117-148,
set./out. 2012.

BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

GALVÃO, Fernando. Direito Penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

LUZ, Yuri Corrêa da. Princípio da insignificância em matéria penal: entre aceitação ampla e aplicação
problemática. Revista Brasileira GV, v. 15. n. 1, p. 203-236, jan./jun. 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general. Tradução de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y
Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. Disponível em:
<https://juristasfraternitas.files.wordpress.com/2012/01/derecho_penal_-_parte_general_-
_claus_roxin.pdf>. Acesso em18 out. 2017.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte
geral. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Derecho Penal: parte general. 2. ed. e 4. reimp. Buenos Aires:
Ediar, 2010.

Mais doutrina sobre o tema:

https://www.conjur.com.br/2019-fev-12/academia-policia-flagrantes-bagatela-prisao-delito

https://www.conjur.com.br/2015-ago-18/academia-policia-delegado-aplicar-principio-
insignificancia

SUGESTÃO DE RESPOSTA:

O princípio da intervenção mínima, fundamento central do Direito Penal, institui a necessidade


de se regulamentar e punir somente os fatos indesejados pela sociedade, sendo direcionado por
duas diretrizes-base, quais sejam, a subsidiariedade e a fragmentariedade. A subsidiariedade
institui o necessário caráter secundário do Direito Penal. Já a fragmentariedade estabelece que
o Direito Penal só irá intervir quando se tratar de um bem jurídico relevante e o fato indesejado
causar lesão ou perigo de lesão relevante (concreto) ao bem jurídico tutelado.

É nesse contexto, de acordo com Roxin, que o princípio da insignificância se apresenta como
corolário do princípio da intervenção mínima, tanto no âmbito da subsidiariedade, quanto no
âmbito da fragmentariedade.

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O princípio da insignificância surge, assim, como instrumento de interpretação restritiva do tipo


penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu
aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo
material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela
norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.

Na linha de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a aferição da


insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade
conglobante. Ademais, quatro são os requisitos para caracterizar a insignificância. Primeiro, a
mínima ofensividade da conduta do agente está configurada. Segundo, verifica-se que a conduta
não possui nenhuma periculosidade social da ação. Terceiro, tem-se configurado o grau
reduzido de reprovabilidade do comportamento. Quarto, verifica-se a inexpressividade da lesão
jurídica provocada.

Em razão do exposto, caracterizado cenário de incidência do princípio da insignificância, afasta-


se a tipicidade e, por consequência, a existência do crime, o que impacta em procedimento
presidido pelo Delegado de Polícia à luz da doutrina moderna, inclusive para fins de não
lavratura do auto de prisão em flagrante delito.

Por fim, vale pontuar que, em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Relator
destacou que o Delegado de Polícia foi o único a agir corretamente dentre os demais agentes
estatais (MP e Poder Judiciário), de modo a aplicar precedentes da Corte ao não ratificar a prisão
em flagrante, reconhecendo o valor irrisório do produto furtado, dentre outros requisitos.

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