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13/11/2021 17:28 ConJur - Streck e Lima: Para juiz, negar holocausto é negar o homem na Lua

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OPINIÃO

Para juiz, negar o holocausto é como


duvidar se o homem foi à Lua
14 de novembro de 2021, 14h27 Imprimir Enviar

Por Lenio Luiz Streck e Martonio Mont'Alverne Barreto Lima

 Ouvir: mem na Lua 0:00

A sentença que aceita que holocausto não existiu

Nos tempos de pós-verdades, tudo é permito, especialmente proteger a mentira


com decisões judiciais que absolvem acusados da prática de crime de racismo. LEIA TAMBÉM
Foi o caso recente do juiz federal substituto da 32ª vara federal no Ceará,
SENSO INCOMUM
Danilo Dias Vasconcelos de Almeida, nos autos da ação penal nº 0809172-
03.2020.4.05.8100. Por que juízes e advogados relutam
em aplicar o artigo 926 do CPC?
Antes de qualquer coisa, por se tratar de um
TRAMPOLIM ELEITORAL
magistrado, é ele sabedor de que sua sentença
Comentarista política, Thaméa causa
ingressará no registro da história. Em 50 anos,
desconforto entre os pares
quando haverá de ser produzidos pelas ciências –
do Direito, da História, da Sociologia, de cuja OPINIÃO
cientificidade o juiz duvida -, pesquisa e trabalhos Lenio Streck: Deltan, Thaméa e o
sobre o poder judiciário registrarão sua análise bebê com fralda cheia da Gol
sobre o tema das falas de ódio e racismo. E é
exatamente em respeito ao Poder Judiciário que SENSO INCOMUM

escrevemos este texto. A perseguição jurídica a Monteiro


Lobato
A quase totalidade dos juízes alemães também não
viu nada demais diante do avanço do nazismo. E considerou que não havia Facebook Twitter
provas de que suas falas contra não arianos, judeus, ciganos causavam danos à
população.
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A objetividade dos fatos

Mais tarde, os mesmos juízes, confrontados com a objetividade dos fatos,


imploraram pelo direito ao esquecimento ou recorreram ao “não sabíamos”
para se desincumbirem de sua responsabilidade na barbárie da humanidade,
que começou também com o verbo. Ernst Fraenkel, advogado e intelectual
judeu, vítima deste discurso de “tolerância”, entendeu muito bem do que se
tratava na sua clássica reflexão sobre judiciário e nazismo: Der Doppelstaat
("O Estado Dual", 1941). Como o judiciário permitiu a convivência paralela da
normalidade com terror?
-50%
O juiz Danilo de Almeida encontrou uma alternativa de manter esta
convivência. Ao fazer suas as palavras do réu — o que é inusitado —, e assim
fundamentar seu entendimento pela improcedência da acusação do Ministério
Público Federal, o magistrado singelamente referendou o fato de que, "por
razões histórica até óbvias" (sic), a negativa do holocausto é criminalizada na
Alemanha e na Áustria.

Ou seja, para ele o terror do holocausto só atinge às sociedades alemã e


austríaca por terem sido estes dois países seus protagonistas. Fora disso, não
haveria maiores problemas, porque a negativa do holocausto suportaria debate
sobre sua existência ou não. Uma bizarrice epistemológica. -50% -50%

Nunca será demais lembrar que a decisão do Tribunal Federal Constitucional


alemão, que tem sido reiterada ao longo do tempo, tem por base a
comprovação de que houve o holocausto e que mais de seis milhões de pessoas
foram suas vítimas. Sim, esse fato existiu!
-50% -50%
Até os perpetradores confessam o holocausto: mas o juiz duvida!

Esta comprovação não foi feita pela Tribunal. Ainda hoje há sobreviventes que
relataram ao mundo o que enfrentaram, tão logo escaparam com vida. Até seus
perpetradores comprovam que o holocausto existiu. Dos líderes nazistas que
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foram julgados nos processos de Nürnberg, passando por Adolf Eichmann até Papel e Parede

Irmgard Fuchner, todos procuram escapar de sua responsabilidade sob o


argumento de que "apenas cumpriam ordens do Direito da época" ou de que
"não sabiam do que ocorria". Do outro lado, a negação do holocausto não
possui nenhuma base, a não ser uma retórica intenção política de quem acredita
na superioridade de uma raça sobre as outras. Todos os que negam o
holocausto, covardes, dizem que não estão a ofender judeus ou outras raças,
mas querem apenas reproduzir o que já ouviram, ou que preservam a liberdade
de manifestação de pensamento, quando sua verdadeira intenção é liquidar esta
liberdade e incentivar uma visão destrutiva do pluralismo.

Os mentirosos e propagadores do racismo

Portanto, quem nega o holocausto, como o réu da ação penal mencionada,


mente e faz propaganda racista. Agora com beneplácito de uma sentença
judicial. De nossa parte, desconhecemos alguma decisão onde se tenha passado
"da proibição de 'negação de fatos históricos'" à "proibição de expressar ideias
que contrariem o 'consenso científico'", como escreveu o juiz.

A ciência é quem identifica e corrige seus erros. E não se baseia em opinião,


mas em observação e comprovação. Submete suas premissas a rigoroso
método para depois se manifestar. A ciência não diz o que acha: veicula o que
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resulta de sua longa e penosa observação; exercício a que nosso apressado juiz
não parece se dedicar.

Quando o Tribunal Federal Constitucional alemão proibiu a negativa do


holocausto não foi porque tudo se deu sob as ordens de um governo alemão:
foi precisamente porque a liberdade de manifestação de pensamento não se
presta a proteger a mentira. Já que o juiz recorreu ao holocausto e ao racismo

A bizarra comparação que o juiz fez sobre 'o homem não ter ido à Lua'

E não é tão difícil separar a mentira da verdade. Só o é para os que querem dar
longos alcance e pernas à mentira, como o juiz Danilo de Almeida. Valendo-se
das palavras do réu, o juiz ainda afirma que "há quem negue que o homem foi
à Lua", na tentativa de comparar o alcance de uma afirmação ridícula,
rapidamente denunciadora da idiotia de quem a profere e a repete, com as falas
de ódio do discurso racista. Uma recomendação ao juiz. A filósofa Susan
Neiman publicou, em 2019, Learning from the Germans — Race and Memory
of Evil. Esperamos que o juiz veja a estultice que foi capaz de escrever após a
leitura, pelo menos desta obra que tão bem retrata o poder das falas de ódio.
Falas que o magistrado candidamente espera serem superadas pelas boas
ideias, como se tal superação caísse dos céus, e não derivasse de como as
coisas são, e não como deveriam ser, como advertiu Macquiavel desde 1532.

A esperança é que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região não somente


reveja a sentença: mas recomende ao juiz um curso elementar de história, e
faça constar história do pensamento como disciplina de seus próximos
concursos públicos para qualquer dos cargos que organiza; não somente para
juízes.

Não estamos maduros ainda para acreditar em fatos?

Há que se dizer a juízes como Danilo que fatos existem. Narrativas não
substituem fatos evidenciados pela história. O Supremo Tribunal Federal, no
caso Ellwanger, já mostrou o sentido do que representa negar o holocausto.
Lembremos que Ellwanger, condenado por racismo, escrevia livros com títulos
bizarros como “Acabou o Gás...O Fim de um Mito, Holocausto: Judeu ou
Alemão? Nos Bastidores da Mentira do Século, S.O.S para Alemanha, O
Catolicismo Traído: A Verdade sobre o Diálogo Católico-Judaico no Brasil,,
Inocentes em Nuremberg).  Isso de nada serve em termos de história e
jurisprudência?

De mais a mais, não importa à sociedade o que o juiz Danilo pensa sobre o
holocausto ou sobre o aborto ou sobre o desmatamento ou sobre Coca Cola.
Deve importar ao juiz e ao Poder Judiciário o que diz o direito e o que diz a
história.

Diz o juiz: "A meu ver..." ou "Vejo com preocupação a censura que querem...".
Não, não, Excelência, criminalizar discurso de ódio não é censura. E, de novo:
a ação movida pelo Ministério Público não buscou a sua opinião pessoal sobre
o holocausto ou quejandos. Não. Imagine-se se dependêssemos da opinião
pessoal de cada um sobre as coisas do mundo. Se o juiz, por exemplo, acha que
o holocausto não existiu ou se há controvérsias sobre sua existência, isso não
deve ter nenhuma importância em uma decisão. Pela simples razão de que, no
caso, a opinião do juiz é absolutamente equivocada.
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Ademais, sempre é bom deixar que o direito decida as coisas. Ele pode nos
salvar de nós mesmos.

O direito pode impedir de dizermos absurdos. Por isso, levemos o direito a


sério. E deixemos que ele fale. E fale sobre fatos. Que existem!

Simples assim. E gravíssimo assim.

00:00/00:00 conjur

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Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional, pós-doutor em Direito e sócio
do escritório Streck e Trindade Advogados Associados.

Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza e


procurador do município de Fortaleza.

Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2021, 14h27

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COMENTÁRIOS DE LEITORES
1 comentário

TEXTO INTELIGENTE PARA UM JUIZ BURRO!


toron (Advogado Sócio de Escritório)

14 de novembro de 2021, 22h31

Parabenizar os autores é pouco. Crucificar o juiz também. Reformar a sentença é tão


importante como mandar seu prolator pra escola novamente. Simples assim.

Toron, advogado

Responder

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