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Canivete suíço

De uns tempos para cá́ , a mídia decidiu adotar o politicamente correto e,


além disso, evitar problemas na Justiça: jornais, revistas, rádios e TVs não
classificam ninguém de traficante, ladrão, estuprador ou assassino. Na
obrigação de informar crimes, sequestros, tiroteios e assaltos sexuais, o máximo
a que chegam é à suposição. A polícia invade um morro e mata tantos supostos
traficantes, que supostamente escondiam um arsenal supostamente de última
geração.
Esse cuidado com a lei e com os fatos foi agora reforçado pelo Supremo
Tribunal Federal: só́ se deve julgar após o último recurso da Justiça. Até́ lá́ , tudo
não passará de suposições (ia dizer supositórios). Suponho que todos estejam
supostamente certos.
Daí o meu espanto quando a mídia tratou do caso de uma brasileira que
supostamente teria sido retalhada por supostos neonazistas na Suíça. Até
mesmo Lula e o ministro Amorim embarcaram nessa, sem esperar que a
suposição fosse confirmada ou negada. Para o bem geral, não se chegou ao
“casus belli”, a um caso de guerra contra aquele país supostamente pacifico,
cujo exército, se é que lá existe um (que não seja a Guarda Suíça que cabe toda
no Vaticano), e cuja arma principal é aquele canivete também suíço, com
diversas lâminas, abridor de lata, tesourinha de unha, chave de parafuso e
alicate. Serve para mil e uma atividades. Supostamente serve para mutilar
barriga e pernas de uma brasileira. É evidente que o caso requer uma
investigação real, e não suposta, uma vez que os fatos estão embaralhados não
de forma suposta, mas real. Por ora, manda a prudência que se espere a última
palavra da polícia suíça e da Corte de Haia para formarmos uma posição política
e juridicamente correta
(CARLOS HEITOR CONY, Canivete suíço. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 fev.
2009, p. A2).

Proposta de reflexão
Apoiado em um jogo de palavras com suposição, suposições, suponho,
supostamente, supostos, suposta, Carlos Heitor Cony comenta um caso do
noticiário quotidiano. Releia o texto e responda às seguintes questões:
1. Que é politicamente correto, segundo a crônica?
2. O que acarretaria problemas na Justiça?
3. O que é necessário para classificar uma pessoa de traficante, ladrão,
estuprador ou assassino?
4. Qual é a forma correta para noticiar um fato que envolve uma pessoa em
crime?
5. Interprete a frase: “A polícia invade um morro e mata tantos supostos tra-
ficantes, que supostamente escondiam um arsenal supostamente de última
geração.”
6. O que estabelece o Supremo Tribunal Federal, segundo a crônica?
7. Qual foi o espanto do cronista?
8. Que quer dizer embarcaram na frase: “Até mesmo Lula e o ministro Amo-
rim embarcaram nessa, sem esperar que a suposição fosse confirmada ou
negada”?
9. Qual a posição do cronista em relação aos fatos?
10. Como você interpreta a referência da Corte de Haia no texto?
11. Do ponto de vista da linguagem que tem a dizer sobre a linguagem do artigo?

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