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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – Nº 95
Abr-Maio 2020

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006

Classificação Qualis/Capes: B1

Editores
Fábio Paixão
Walter Diab

Coordenador
Aury Lopes Júnior

Conselho Científico
Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva

Conselho Editorial
Adeildo Nunes – Amadeu de Almeida Weinmann
Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Haroldo Caetano da Silva
José Carlos Teixeira Giorgis – Marcelo Roberto Ribeiro
Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti – Roberto Victor Pereira Ribeiro
Rômulo de Andrade Moreira – Sergio Demoro Hamilton
Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Eloisa Yang – João Daniel Rassi – Leandro Bastos Nunes
Marcio Fernandes Fioravante da Silva – Mariana Ribeiro de Almeida
Orlando Faccini Neto – Oswaldo Henrique Duek Marques
Sebástian Borges de Albuquerque Mello – Silvio Luís Ferreira da Rocha
Victor Labate
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Aury Lopes Júnior.
v. 95 (abr./maio 2020)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

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Diretor Executivo: Fábio Paixão

Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040


www.lexmagister.com.br magister@editoramagister.com
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Sumário
Doutrina
1. Acordo de Não Persecução Penal e suas Repercussões no Âmbito
Administrativo
Oswaldo Henrique Duek Marques e Silvio Luís Ferreira da Rocha.............................. 5
2. Aspectos Criminais da Lei Geral de Proteção de Dados e a Tutela Penal
dos Dados Pessoais
João Daniel Rassi, Victor Labate e Eloisa Yang.......................................................... 18
3. Crimes Relacionados à Pandemia do Novo Coronavírus
Leandro Bastos Nunes.............................................................................................. 30
4. Ensaio Sobre o Acaso e seus Corolários no Direito e no Processo Penal
Orlando Faccini Neto............................................................................................... 44
5. A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e o Compliance Diante de
Situações de Pandemia
Marcio Fernandes Fioravante da Silva....................................................................... 59
6. O Caso Neymar: Divulgação de Imagens Íntimas sob a Perspectiva da
Inexigibilidade de Conduta Diversa
Sebástian Borges de Albuquerque Mello e Mariana Ribeiro de Almeida....................... 81

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Pena. Tóxicos. Tráfico. Incidência da Causa
Especial de Redução Prevista no § 4º do Art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Possibilidade
Rel. Min. Ricardo Lewandowski............................................................................ 104
2. Superior Tribunal de Justiça – Poluição Ambiental Qualificada. Arts. 54,
§§ 2º, I, II, III e IV, e 3º, e 56, § 1º, I e II, c/c o Art. 58, I, da Lei nº 9.605/98.
Não Cessação da Atividade. Impossibilidade de Aferição da Prescrição
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik.................................................................................. 110
3. Superior Tribunal de Justiça – Pena. Estelionato. Dosimetria. Registros
Criminais Anteriores Nominados de Conduta Social. Atecnia. Maus
Antecedentes. Consideração Desfavorável das Consequências do Crime.
Falta de Fundamentação. Decote da Vetorial
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz............................................................................. 121
4. Superior Tribunal de Justiça – Arma Branca. Contravenção Penal
Prevista no Art. 19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941. Alegação de
Atipicidade da Conduta. Não Ocorrência
Rel. Min. Ribeiro Dantas....................................................................................... 129
5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Sonegação Fiscal. Quitação
Integral do Débito Tributário. Realização Após o Recebimento da
Denúncia. Extinção da Punibilidade. Admissibilidade
Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis.............................................................................. 133
6. Tribunal de Justiça do Espírito Santo – Unificação de Penas. Detenção e
Reclusão, com Votação Não Unânime. O Art. 111 da LEP Expressamente
Autoriza a Unificação para Fins de Execução da Pena
Relª Desª Subst. Rozenea Martins de Oliveira......................................................... 144
7. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Prisão Preventiva. Violência
Doméstica. Medidas Protetivas. Descumprimento. Lesão Corporal. Não
Realização de Audiência, na Presença das Partes, com Vistas a Analisar
Alternativa Diversa da Prisão. Liberdade Concedida
Relª Desª Viviane de Faria Miranda....................................................................... 147
8. Tribunal de Justiça de São Paulo – Prisão Preventiva. Decretação de
Ofício. Revogação da Medida. Possibilidade. Lei nº 13.964/2019 que
Veda a Decretação de Ofício da Prisão
Rel. Des. Luis Augusto de Sampaio Arruda............................................................. 159
9. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 162
10. Ementário............................................................................................................ 163
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 190
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 191
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 192
Doutrina

Acordo de Não Persecução Penal e suas


Repercussões no Âmbito Administrativo

Oswaldo Henrique Duek Marques


Livre-Docente e Professor Titular em Direito Penal da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutor em
Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público
de São Paulo; Consultor e Parecerista Jurídico.

Silvio Luís Ferreira da Rocha


Mestre e Doutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo; Doutor e Livre-Docente em Direito
Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação
em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Juiz Federal em São Paulo, da 3ª Região.

RESUMO: Analisamos neste artigo os aspectos mais importantes do acordo


de não persecução penal, da nova Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019,
que regulamentou esse instituto no art. 28-A do Código de Processo Penal.
Nesse estudo são apreciadas a definição e a natureza jurídica desse acordo, assim
como as condições nele exigidas para o investigado. São também estudados os
pressupostos objetivos e subjetivos desse acordo, com análise aprofundada das
suas cláusulas essenciais. O trabalho prossegue com a verificação dos efeitos
penais e extrapenais do acordo, com relevo para suas consequências no âmbito
administrativo.

PALAVRAS-CHAVE: Acordo. Persecução Penal. Confissão. Efeitos do Acordo.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Definição. 2 Pressupostos Objetivos. 3 Pressupostos


Subjetivos. 4 Cláusulas Essenciais. 5 Procedimento. 6 Efeitos Penais do Acordo
de Não Persecução Penal. 7 Efeitos Extrapenais do Acordo de Não Persecução
Penal. Conclusão. Referências.

Introdução
O presente artigo analisa, de forma crítica, alguns aspectos relevantes do
acordo de não persecução penal, introduzido pela recente Lei nº 13.964, de 24
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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de dezembro de 2019, que disciplinou esse instituto no art. 28-A do Código


de Processo Penal1. O trabalho tem início com a definição do referido acordo
e análise da natureza jurídica das condições nele impostas a serem cumpridas
pelo investigado. Na sequência, são comentados os pressupostos objetivos
e subjetivos desse acordo. O estudo prossegue com pesquisa detalhada das
cláusulas essenciais do acordo. Finalmente, são apreciados os efeitos penais e
extrapenais dessa transação penal, com destaque para suas consequências na
esfera administrativa.

1 “Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática
de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público
poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do
crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou
proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada
ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha,
preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo
delito; ou
V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e
compatível com a infração penal imputada.
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas
de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual,
reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não
persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões
da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério
Público, pelo investigado e por seu defensor.
§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar
a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução
penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância
do investigado e seu defensor.
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público
para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada
a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de
complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público
deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo
Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes
criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de puni-
bilidade.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado
poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.”
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 7

As conclusões e críticas sobre aspectos relevantes do tema são apresen-


tadas no decorrer deste artigo, com a esperança de que possam gerar salutares
debates e contra-argumentações entres os pesquisadores e profissionais inte-
ressados nas questões abordadas.

1 Definição
O acordo de não persecução penal pode ser definido como modalidade
de negócio jurídico processual entre o Ministério Público e o investigado,
com vistas a evitar o oferecimento da denúncia e a instauração da ação penal.
Trata-se, em última análise, de medida de desencarceramento e de economia
processual, porque objetiva evitar a imposição de pena privativa de liberdade,
mediante sua substituição pelo cumprimento de “condições” semelhantes às
penas restritivas de direitos, previstas no art. 43 do Código Penal.
Em relação à natureza jurídica das condições impostas ao investigado, da
ótica da dogmática, tais condições, apesar de suas semelhanças com as penas
restritivas de direitos, previstas no art. 43 do Código Penal, não podem ter
natureza de sanção penal, em razão do consagrado princípio da nulla poena sine
judicio. Por outro lado, do aspecto criminológico, o acordo possui natureza penal,
dada a restrição de direitos imposta, pois a prestação de serviços comunitários
e a prestação pecuniária possuem caráter penal. Nesse sentido, segundo o
pensamento criminológico de Zaffaroni, toda pena reflete um sofrimento
ou restrições de direitos impostos pelo aparato estatal, desprovidos de função
positiva ou reparadora2, ainda que aplicados na esfera civil ou administrativa.
Segundo o referido acordo, presentes os requisitos objetivos e subjetivos
estabelecidos em lei, o investigado não será submetido a processo penal com
vistas à aplicação e ao cumprimento de pena privativa de liberdade, mas tão
somente à execução de condições previstas na nova legislação, entre as quais, a
prestação de serviços à comunidade e a prestação pecuniária.
O acordo de não persecução penal distingue-se de outros acordos, como o
acordo de colaboração premiada e o acordo de leniência, pois enquanto os últimos
exigem intensa colaboração probatória, naquele não há o compromisso do
investigado com a cooperação probatória.

2 Pressupostos Objetivos
O primeiro pressuposto objetivo previsto na legislação está relacionado à
pena mínima fixada para o delito. Cabe o acordo de não persecução penal nas in-
frações penais (crimes e contravenções penais), com penas mínimas inferiores

2 JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patricia. Manual de direito penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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a quatro anos, consideradas, nesse cálculo, as causas de aumento e de dimi-


nuição aplicáveis no caso concreto (art. 28-A, § 1º, da nova legislação), o que
contempla uma quantidade significativa de tipos penais. É importante ressaltar
que, mesmo se a infração penal tiver pena mínima superior a quatro anos, seria
possível o acordo em casos de tentativa, se com a redução a ela corresponden-
te, em proporção máxima de dois terços (art. 14, parágrafo único, do CP), a
sanção permanecesse inferior a quatro anos. A título de exemplo, embora o
tráfico de entorpecentes tenha pena mínima de cinco anos de reclusão (art.
33, caput, da Lei nº 11.343/06), na sua forma privilegiada, com a redução em
proporção máxima (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06), seria cabível o acordo.
O segundo pressuposto objetivo é que a infração penal tenha sido praticada
sem violência ou grave ameaça. Parece, contudo, que o acordo de não persecução
penal não deveria estar condicionado à ausência de violência ou grave ameaça
na prática da infração penal, mas tão somente à quantidade da pena prevista,
inferior a quatro anos, consideradas as causas de aumento e diminuição. Essa
crítica se aplica também à regra do art. 44, inciso I, do Código Penal, que, a
exemplo da Lei nº 13.964/2019, impede a incidência de penas restritivas de
direitos em casos de infrações penais cometidas com violência ou grave ameaça.
De fato, a quantidade final da pena é que deveria nortear a substituição
da pena privativa de liberdade, independentemente dos elementos objetivos
do tipo penal, tais como violência ou grave ameaça. Isso, porque é justamente a
maior ou menor quantidade da sanção imposta que irá determinar o maior ou
menor grau de reprovabilidade e a necessidade de maior ou menor prevenção
geral, e não outros fatores estranhos ao quantum da sanção. A gravidade do
crime guarda estreita relação com a duração da pena privativa de liberdade,
porquanto o tempo é o verdadeiro significante da pena de prisão, que veio
substituir os castigos corporais, a partir do período humanitário do Direito
Penal, como ressalta Ana Messuti3.
Esses argumentos se justificam, principalmente, porque, na fixação da
pena-base (art. 59 do CP), todas as circunstâncias subjetivas e objetivas do crime
são consideradas – em especial a culpabilidade do agente –, com vistas a prevenir e
reprovar o delito, não se vislumbrando sentido no afastamento do acordo em
razão de a infração penal ter sido cometida mediante violência ou grave ameaça.
Já nas infrações de menor potencial ofensivo, mesmo se praticadas
com violência ou grave ameaça, o acordo não deve ser afastado. Nesses casos,
como entende Paulo Henrique Fuller, “se a conduta possibilita a substituição
(exclusão) do processo por meio da transação penal (instituto restrito aos ca-

3 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Trad. Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: RT, 2003.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 9

sos de menor potencial ofensivo, deve então possibilitar a mesma substituição


(exclusão) do processo, a fortiori, em acordo de não persecução penal (instituto
mais amplo, que alcança os casos de mediano potencial ofensivo) – ainda que
praticada com violência ou grave ameaça”4.
O terceiro pressuposto objetivo é que não seja o caso de arquivamento do
inquérito policial. Normalmente, arquiva-se o inquérito policial nas seguintes
hipóteses: a) inexistência de prova da materialidade ou da autoria capazes de
fundamentar o oferecimento da denúncia; b) atipicidade da conduta apura-
da; c) presença de excludentes de ilicitude, como o estado de necessidade, a
legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal, o exercício regular de
direito, o consentimento do ofendido; d) a presença de excludentes da cul-
pabilidade, como o erro de proibição escusável, a coação moral irresistível,
obediência hierárquica ou inexigibilidade de conduta diversa.
Dessa forma, a proposta de transação penal não se apresenta como uma
alternativa ao pedido de arquivamento; ao contrário, ela somente poderá ocor-
rer após o Ministério Público realizar um juízo prévio capaz de convencê-lo
da viabilidade de propositura da ação penal.
O quarto pressuposto objetivo é que tenha o investigado confessado formal
e circunstancialmente a prática de infração penal. Na lição de Guilherme de
Souza Nucci, “confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si,
por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento,
voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em
ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso”5.
A confissão deve ser circunstanciada, de modo que seja preciso detalhar a
prática de infração penal, com esclarecimentos acerca de quem, quando, onde,
por que e como a praticou. Diferentemente do que ocorre com a transação
penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, o acordo de não persecução penal
pressupõe reconhecimento de culpabilidade penal e de responsabilidade civil.
O caput do art. 28-A do Código de Processo Penal, ao referir-se à con-
fissão formal, sugere duas interpretações: (I) a confissão ocorreu no momento
adequado do procedimento investigatório, perante a autoridade policial,
ou (II) o investigado, mesmo tendo permanecido em silêncio ou negado a
participação nos fatos, tenha confessado, posteriormente, a prática do delito

4 FULLER, Paulo Henrique. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI,
Patricia; FULLER, Paulo Henrique; PARDAL, Rodrigo. Lei Anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva,
2020. p. 159.
5 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 465.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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perante a Promotoria de Justiça, com fundamento no art. 199 do Código de


Processo Penal6.
Pela primeira possibilidade interpretativa, a confissão espontânea e
oportuna, no momento processual adequado, presentes os demais pressu-
postos, daria ao investigado o direito de exigir a celebração do acordo de não
persecução penal. Haveria, então, um direito subjetivo à celebração do acordo
decorrente da confissão espontânea do investigado na fase de investigação.
Parece que essa foi a intenção da lei. Assim, relatado o inquérito e encami-
nhado ao Ministério Público, superado o juízo acerca do arquivamento do
inquérito, caberia ao Parquet analisar se houve confissão acerca do crime e se
esse crime pode ser objeto do acordo de não persecução criminal. Atendidos
os pressupostos objetivos e subjetivos, previstos em lei, o investigado poderá
exigir a celebração do referido acordo em bases razoáveis e proporcionais.
Haveria um direito subjetivo público de o investigado apresentar acordo de não
persecução penal como meio de inibir odiosa discriminação.
Na segunda possibilidade interpretativa, a confissão espontânea por
pessoa capaz não foi feita no interrogatório, mas é possível que ela ocorra.
Nesse caso, a confissão será reduzida a termo e pode ser feita ao próprio
Ministério Público se o referido órgão optar pelo acordo de não persecução
penal. Dessa forma, sustenta-se que, nessa segunda hipótese, o Ministério
Público pode desinteressar-se pela confissão a ser feita e recusar-se a propor
a celebração do acordo de não persecução penal. Nesse caso, não haveria direito
subjetivo do acusado e restaria ao Ministério Público uma esfera de liberdade
para recusar-se a celebrar esse acordo.
Assim, o investigado teria dois caminhos a percorrer na fase investi-
gatória: admitir os fatos de forma circunstanciada e valer-se dos benefícios
do acordo de não persecução, ou negá-los e submeter-se a uma possível de-
núncia diante da recusa do Ministério Público em celebrar o acordo de não
persecução7. No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor
o acordo de não persecução penal, o investigado poderá solicitar o envio dos
autos ao órgão superior do Ministério Público, nos termos do § 14 do art.
28-A do Código de Processo Penal.

6 A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195 do CPP.
7 Diante da garantia constitucional ao silêncio ao arguido, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de uma
infração penal em um procedimento investigatório ou no processo penal. Por esse motivo, a confissão do investigado
não deveria figurar entre as condições do acordo de não persecução penal. A ausência de confissão, na espécie, não
poderia lhe prejudicar e impedir a celebração do acordo, sob pena de se violar a garantia constitucional (art. 5º,
LXIII, da CF). De fato, em inúmeras situações fáticas concretas, o investigado iria confessar por temor de ver-se
processado, razão pela qual a exigência dessa confissão na legislação reflete implicitamente um constrangimento
inconstitucional. Para Paulo Henrique Fuller, essa exigência tem caráter inquisitorial, ao perseguir uma confissão do
investigado no âmbito de uma solução que almeja a não persecução penal (FULLER, Paulo Henrique. Alterações
ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patricia; FULLER, Paulo Henrique;
PARDAL, Rodrigo. Lei Anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 134).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 11

Segundo Paulo Henrique Fuller, a atuação do Ministério Público seria


regulada pela discricionariedade regrada (oportunidade regrada), pois tem
o poder-dever de propor acordo se presentes os requisitos para tanto. Em
caso de recusa, o investigado poderá requerer o reexame da decisão ao órgão
superior do Ministério Público, nos termos do art. 28-A e § 2º do Código
de Processo Penal. Caso esse órgão superior insista em manter a decisão,
considerada injusta, parece cabível o seguinte entendimento do citado autor:

“Partindo da premissa que o juiz não poderia substituir o Ministério Público


na iniciativa da proposta, em respeito ao princípio acusatório (separação
subjetiva de funções), entendemos que a solução seria o juiz das garantias
proferir decisão de rejeição liminar da denúncia, por ausência de interesse
processual (art. 395, II, in fine, do CPP), em face da inadequação do meio
ou modalidade de tutela jurisdicional invocada – pretensão condenatória,
em lugar da pretensão homologatória da solução consensual pertinente, de
acordo com os requisitos (critérios) estabelecidos pelo legislador.”8

O quinto pressuposto objetivo é que as infrações criminais não tenham


sido praticadas contra a mulher, por razões da condição de sexo feminino ou
praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar. Esse entendimento
encontra ressonância na gravidade qualitativa da conduta, nas situações su-
jeitas aos regimes da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), muito embora
a gravidade dessas infrações devesse espelhar maior quantidade da pena em
abstrato para os crimes cometidos nas referidas circunstâncias, o que inúmeras
vezes não ocorre.

3 Pressupostos Subjetivos
Para fazer jus ao acordo, o investigado não pode ser reincidente, ou
seja, não pode ter sofrido condenação criminal com trânsito em julgado em
período igual ou inferior a cinco anos. O art. 63 do Código Penal considera
reincidente a pessoa que comete novo crime, depois de transitar em julgado
a sentença que o tenha condenado por crime anterior. Além disso, não pode
haver suporte probatório apto a demonstrar ter o investigado praticado conduta
criminosa reiterada – repetição frequente de infração penal –, ser criminoso habi-
tual ou profissional. O crime habitual é uno, sendo a habitualidade elemento
integrante do tipo penal. Há o crime profissional quando o agente comete
crime habitual com a intenção de lucro, como ocorre no rufianismo9. Já na

8 FULLER, Paulo Henrique. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI,
Patricia; FULLER, Paulo Henrique; PARDAL, Rodrigo. Lei Anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva,
2020. p. 169.
9 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 254.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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habitualidade do crime, “ao contrário, as ações que o integram, consideradas


em separado, não são delitos”10.
Também se exige que o investigado não tenha sido beneficiado, nos
cinco anos anteriores ao cometimento da infração, com acordo de não perse-
cução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo.
Por derradeiro, haveria a necessidade de que o investigado, na presença
de seu defensor, expresse aceitação pelos termos do acordo. A manifestação
de vontade do investigado é personalíssima, voluntária, formal, tecnicamente
assistida e vinculante. Pode ser que haja divergência entre a vontade do in-
vestigado e a vontade de seu defensor técnico, caso em que a manifestação do
investigado, desde que devidamente esclarecida, deve prevalecer.
Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos, as partes, de comum
acordo, podem formalizar, por escrito, acordo de não persecução penal, subscrito
pelo Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
A proposta de acordo de não persecução penal deve ser precisa, detalhada,
clara, congruente e proporcional, para que o investigado e respectivo defen-
sor possam conhecê-la. Não está proibido pela legislação o debate entre, de
um lado, o investigado e seu defensor, e, de outro, o Ministério Público, de
modo que a proposta de acordo de não persecução penal pode ser o resultado de
um consenso entre defesa e órgão do Ministério Público.

4 Cláusulas Essenciais
O acordo de não persecução penal deve conter algumas cláusulas con-
sideradas essenciais. São elas:
– A obrigação de reparar o dano, o qual deverá ser estimado e o investigado
deverá prometer repará-lo. A reparação, quando possível, poderá ocorrer in
natura, pela restituição do bem à vítima. A vítima, nessa situação, não interfere
no acordo de não persecução penal, na medida em que a lei se refere à manifestação
volitiva do investigado, de seu advogado e do membro do Ministério Público.
– A renúncia da titularidade de bens e direitos considerados instrumentos,
produtos ou proveitos do crime, com a consequente transferência da pro-
priedade para o ente público correspondente: União ou Estados-membros.
– A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas indicadas pelo
juízo da execução, por período correspondente à pena mínima cominada ao
delito, diminuída de um a dois terços.
– A obrigação de pagar prestação pecuniária à entidade pública ou de interesse
social, indicada pelo Juízo da Execução, com objetivos sociais similares aos
bens jurídicos protegidos pelo tipo penal violado;

10 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 254.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 13

– Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada de forma


proporcional e compatível com a infração penal atribuída pelo Ministério
Público.
– Cumprir cláusula resolutória expressa do acordo de não persecução
penal quando houver o descumprimento de uma das cláusulas acima estipu-
ladas, hipótese em que será oferecida denúncia contra o investigado.
Poder-se-ia indagar acerca de cláusula impondo confidencialidade dos
termos do acordo de não persecução penal, como forma de proteger o inves-
tigado. No entanto, essa cláusula não parece possível, porquanto contrária
ao princípio da publicidade que disciplina os atos processuais. Os interesses
do acusado em preservar em segredo o acordo de não persecução penal não
seriam legítimos o suficiente para impor uma inversão da publicidade dos
atos processuais.

5 Procedimento
Para sua validade, o acordo deve ser celebrado por escrito e assinado
pelo investigado, seu advogado e membro do Ministério Público. Depois de
celebrado, deve ser submetido ao Poder Judiciário para homologação em au-
diência designada para esse ato. O magistrado, antes de homologar o acordo,
é obrigado a realizar audiência para verificar a voluntariedade do acordo e controlar
a abusividade das cláusulas nele propostas. Assim, o magistrado poderá não
homologar o acordo se detectar ausência de voluntariedade na sua celebração
ou se constatar a presença de cláusulas abusivas, vexatórias, constrangedoras
ou desproporcionais, caso em que devolverá os autos ao Ministério Público
para que revise e reveja os termos do acordo proposto.
A sentença que homologa o acordo de não persecução penal seria ou uma
sentença homologatória de acordo constitutiva de um título executivo judicial
ou uma sentença de natureza penal, por resultar na imposição de sanções
penais, ainda que distintas da pena privativa de liberdade.
Uma vez homologado o acordo, os autos serão devolvidos ao Ministério
Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. Para
Paulo Henrique Fuller, “a competência funcional do juiz da execução penal
reforça a natureza de pena das denominadas ‘condições’ do acordo de não
persecução penal (...)”11. Como conclui o penalista, tal reconhecimento tem
importância, pois, em caso de descumprimento das condições impostas, se

11 FULLER, Paulo Henrique. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI,
Patricia; FULLER, Paulo Henrique; PARDAL, Rodrigo. Lei Anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva,
2020. p. 166.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
14

o investigado vier a ser condenado, o tempo de serviço prestado deverá ser


computado na pena futura, em virtude da detração (art. 42 do CP)12.

6 Efeitos Penais do Acordo de Não Persecução Penal


Caso seja homologado o acordo, durante sua execução fica impedida
a propositura da ação penal, sendo, portanto, como causa suspensiva. O
cumprimento do acordo, por sua vez, acarretará a extinção de punibilidade e
preservará a primariedade do investigado. Além disso, o acordo não constará
da certidão de antecedentes criminais, exceto para registro da celebração de
acordo de não persecução penal.
Descumprida qualquer cláusula do acordo, haverá sua rescisão e o ofere-
cimento de denúncia, nos termos do § 10 do art. 28-A do Código de Processo
Penal. Tal solução, contudo, afigura-se equivocada, com o devido respeito.
A nova legislação também esclarece acerca da prescrição da pretensão
punitiva durante a execução do acordo de não persecução penal. O acordo de
não persecução penal, ao impor penas restritivas de direitos, seria causa suspensiva
da prescrição, de modo que no caso de incumprimento haveria a continuação
do cômputo do prazo prescricional, (art. 116, IV, do CP).
O acordo de não persecução penal, devidamente homologado, seria
título executivo judicial que permitiria à vítima, por exemplo, executar o valor
da reparação de dano acordada.

7 Efeitos Extrapenais do Acordo de Não Persecução Penal


Com relação aos efeitos extrapenais do acordo de não persecução pe-
nal, podem surgir as seguintes indagações: diante de uma infração praticada
contra a Administração Pública pelo servidor público ou particular, o acordo,
quando celebrado, repercute nas outras esferas de responsabilização, como a
administrativa, por improbidade administrativa e controladora? Poderia, por
exemplo, a autoridade administrativa ou controladora usar a confissão, pres-
suposto do acordo de não persecução penal, para deflagrar a responsabilidade
nas esferas administrativa, de improbidade e controladora?
O agente público que exerce irregularmente suas atribuições está su-
jeito a distintas esferas de responsabilidade, tradicionalmente divididas em
responsabilidade civil, penal e administrativa. Prevalece no Brasil a ideia de
separação de instâncias de responsabilização. Assim, sem constituir repetição,

12 FULLER, Paulo Henrique. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI,
Patricia; FULLER, Paulo Henrique; PARDAL, Rodrigo. Lei Anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva,
2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 15

um mesmo fato ilícito pode deflagrar distintas esferas de responsabilização.


Um servidor público corrupto está sujeito à responsabilização criminal, ad-
ministrativa e por improbidade administrativa.
O acúmulo de responsabilidade resulta no acúmulo de sanções, fato ex-
pressamente reconhecido no art. 125 da Lei nº 8.112/90, que trata o estatuto do
servidor público federal, ao dispor que “as sanções civis, penais e administrativas
poderão cumular-se, sendo independentes entre si”, o que levou, v.g., o Supre-
mo Tribunal Federal a admitir a imposição de pena de demissão a servidor em
processo administrativo disciplinar, ainda que ausente condenação condenatória.
Não obstante a independência das distintas instâncias de responsabi-
lização, nem por isso deixamos de sustentar possíveis repercussões de uma
esfera em outra, como no caso no qual a sentença penal condenatória serve
para atribuir ao servidor a obrigação de reparar o dano se de sua ação resul-
taram prejuízos para a Administração Pública. A decisão absolutória também
poderá repercutir na esfera de responsabilização administrativa, a depender do
motivo. Assim, a decisão absolutória, com fundamento na inexistência do fato
atribuído ao servidor, na exclusão da ação ou participação do agente público
no crime, repercute na responsabilidade administrativa para afastá-la, se da
descrição do fato ilícito não remanescer conduta ilícita residual.
Por conta disso, pergunta-se: quais os efeitos que o acordo de não persecução
penal poderia produzir em outras instâncias de responsabilização? Poderia ele
ser utilizado para responsabilizar administrativamente o investigado?
Como o acordo de não persecução penal pressupõe confissão, não have-
ria como impedir, em crime de ação penal pública, que os órgãos de controle
tivessem acesso à confissão, para utilizá-la em outros processos de responsabili-
zação, a não ser que se considerem limitados os efeitos da confissão ao processo
em que houve a celebração do acordo. Desse modo, a confissão realizada não
produziria efeitos em outros procedimentos, pois órgãos de controle, mesmo
cientes do teor da confissão, estariam obrigados a produzir prova, nos novos
procedimentos, acerca da autoria dos fatos em relação ao confesso.
Milita a favor dessa ideia o princípio do devido processo legal, pois eviden-
te que a confissão teve por propósito beneficiar-se do acordo de não persecução penal.
Ademais, a confissão obtida seria de natureza extraprocessual, prestada perante
a Polícia ou Ministério Público, e, portanto, destituída de valor probatório,
conforme se verifica do próprio sistema, ao admitir como provas emprestadas
apenas aquelas submetidas ao crivo do devido processo legal judicial.
Portanto, dada a natureza extraprocessual da confissão, tanto ela quanto
o acordo não prejudicariam o confitente em outras esferas de responsabilização,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
16

pois o valor probatório da confissão seria nulo, pelo fato de não ter sido obtida
em procedimento judicial. Entretanto, se o confitente quiser beneficiar-se
perante outras esferas de responsabilização deverá, se for o caso, solicitar a
participação de outros órgãos e celebrar com eles compromissos de não perse-
cução. A título de exemplo, a Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429,
de 2 de junho de 1992, possibilitou no art. 17, § 1º, a celebração de acordo de
não persecução cível13, embora registre-se que os vetos efetuados na citada
lei deixaram o compromisso de não persecução sem qualquer disciplina legal14.
O termo de acordo de não persecução penal produz, em algumas situações,
efeitos em outras esferas de responsabilização. A esse respeito, o valor pago a
título de reparação de dano deve ser abatido, caso haja a condenação a reparar
o dano em outras instâncias. Isso ocorre, por exemplo, nos crimes contra a
Administração Pública praticados por agentes públicos em que a reparação
de dano pode ser fixada também em ação de improbidade administrativa.
A vítima, como regra, não participa do acordo de não persecução. Por conta
disso, em relação a ela, o acordo de não persecução configura uma modalidade
de estipulação em favor de terceiro, que a autoriza a executar o valor fixado
no acordo para reparação do dano, sem, no entanto, perder a pretensão de
solicitar, por meio de ação própria, indenização suplementar.

Conclusão
Diante do exposto, constatamos, de um lado, que o acordo de não perse-
cução penal reforça o princípio constitucional implícito de intervenção mínima
em matéria penal, ao propiciar o afastamento da pena privativa de liberdade,

13 “§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta
Lei.”
14 Transcrevemos o artigo vetado que disciplinava o compromisso de não persecução cível nas ações de improbidade
administrativa:
“Art. 17-A. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução cível, desde que, ao menos, advenham os seguintes resultados:
I – o integral ressarcimento do dano;
II – a reversão, à pessoa jurídica lesada, da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados;
III – o pagamento de multa de até 20% (vinte por cento) do valor do dano ou da vantagem auferida, atendendo a
situação econômica do agente.
§ 1º Em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade do agente, a natureza, as circunstân-
cias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, na
rápida solução do caso.
§ 2º O acordo também poderá ser celebrado no curso de ação de improbidade.
§ 3º As negociações para a celebração do acordo ocorrerão entre o Ministério Público e o investigado ou demandado
e o seu defensor.
§ 4º O acordo celebrado pelo órgão do Ministério Público com atribuição, no plano judicial ou extrajudicial, deve
ser objeto de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo órgão competente para apreciar as promoções de
arquivamento do inquérito civil.
§ 5º Cumprido o disposto no § 4º deste artigo, o acordo será encaminhado ao juízo competente para fins de homo-
logação.”
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 17

com sua substituição de condições semelhantes às penas restritivas de direi-


tos. De outro, esse acordo reflete medida de economia processual, com vistas
a evitar o oferecimento de denúncia e, consequentemente, a instauração de
ação penal para infrações cujas penas privativas de liberdade sejam inferiores
a quatro anos.
Dessa ótica, podemos concluir que o acordo de não persecução penal
segue os postulados da Nova Defesa Social, movimento de política criminal,
cujo principal fundamento é o de evitar o encarceramento indiscriminado e
de reservar a pena privativa de liberdade para situações mais graves e excep-
cionais. Os reflexos desse movimento foram sentidos no Brasil pelas recentes
legislações dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, de 1995, e das Penas
Alternativas, de 199815.

TITLE: Criminal non-persecution agreement and its repercussions in the administrative scope.

ABSTRACT: We have analyzed in this article the most important aspects of the non-criminal prosecution
agreement, of the new Law no. 13,964, of December 24, 2019, which regulated this institute in article
28-A of the Criminal Procedure Code. In this study, the definition and legal nature of this agreement are
assessed, as well as the conditions required in it for the investigated person. The objective and subjective
assumptions of this agreement are also studied, with an in-depth analysis of its essential clauses. The work
goes on to verify the criminal and extrapenal effects of the agreement, with emphasis on its consequences
in the administrative scope.

KEYWORDS: Agreement. Criminal Prosecution. Confession. Effects of the Agreement.

Referências
FULLER, Paulo Henrique. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo; VAN-
ZOLINI, Patricia; FULLER, Paulo Henrique; PARDAL, Rodrigo. Lei Anticrime comentada: artigo por
artigo. São Paulo: Saraiva, 2020.
JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.
JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patricia. Manual de direito penal: parte geral. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2019.
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016.
MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Trad. Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo:
RT, 2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Recebido em: 30.03.2020


Aprovado em: 22.04.2020

15 Sobre o assunto, DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique. Fundamentos da Pena. 3. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2016.
Doutrina

Aspectos Criminais da Lei Geral de


Proteção de Dados e a Tutela Penal dos
Dados Pessoais
João Daniel Rassi
Advogado; Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP;
Doutor em Direito Processual Penal pela USP; Membro do
Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

Victor Labate
Advogado; ex-Aluno Pesquisador na Erasmus Universiteit
Rotterdam – Holanda (EUR).

Eloisa Yang
Advogada; Mestranda em Direito Penal na USP.

RESUMO: O presente estudo pretende analisar os possíveis reflexos da nova Lei


Geral de Proteção de Dados na legislação penal a partir de seus pontos de con-
vergência, especificamente na tutela do bem jurídico – nuclear – da intimidade.

PALAVRAS-CHAVE: Lei Geral de Proteção de Dados. Proteção à Intimidade.


Tutela Penal da Intimidade.

SUMÁRIO: 1 Panorama da Legislação de Proteção à Intimidade. 2 A Tutela


Penal da Intimidade; a) A Coleta de Material Biológico para a Obtenção do Perfil
Genético; b) Interceptação Telefônica; c) A Violação de Segredo no Código Penal;
d) A Proteção de Dados no Código de Defesa do Consumidor. 3 Conclusões.
4 Síntese Conclusiva. 5 Bibliografia.

1 Panorama da Legislação de Proteção à Intimidade


A proteção da intimidade, notadamente no que se refere à proteção
de dados, está tutelada em diversos diplomas legais. Talvez a mais conhecida
seja o recente Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), mas nessa seara
também pode se incluir o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Acesso
à Informação, a Lei do Cadastro Positivo e o próprio Código Penal.
Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD),
Lei nº 13.709/2018, em linhas gerais, houve profunda transformação na regu-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 19

lamentação do tratamento de dados pessoais até então vigente. Alinhada com


o modelo europeu de proteção de dados (General Data Protection Regulation
– GDPR), a LGPD visou trazer maior segurança para a população acerca do
tratamento de suas informações pessoais1.
Nesse sentido, com a nova lei, buscou-se delimitar regras que discipli-
nassem a colheita, transferência e tratamento de dados pessoais. Em face de
eventual desrespeito a tais normas, previu a possibilidade de ressarcimento de
danos às vítimas-titulares das informações, bem como a aplicação de sanção de
natureza administrativa a ser cominada pela Autoridade Nacional de Proteção
de Dados (ANPD), ainda a ser criada.
Por outro lado, a nova lei parece não possuir viés criminal – ou, pelo
menos, não prevê alterações à legislação penal e processual penal vigente.
Inclusive, por disposição expressa, a LGPD não se aplica ao tratamento de
dados pessoais realizado para fins exclusivos de investigação e repressão de
infrações penais, nos termos do seu art. 4º, III, d)2.
Nesse ponto, insta consignar que a nova LGPD declaradamente se
propõe a tutelar bens jurídicos que alcançam relevo penal, a partir do bem
jurídico nuclear intimidade, bem como da inviolabilidade da honra, defesa
do consumidor, dentre outros listados em seu art. 2º3.
Não obstante a restrição apresentada pelo citado art. 4º, III, alínea d,
pretende o presente estudo analisar os possíveis reflexos da nova LGPD na
legislação penal a partir de seus pontos de convergência, especificamente na
tutela do bem jurídico – nuclear – da intimidade.

2 A Tutela Penal da Intimidade


O tema da privacidade ou privatividade não é estranho à legislação penal
e processual penal brasileira, a exemplo da proposta de tipificação da conduta

1 Conforme notam Machado e Kehdi, a proteção do sigilo de dados informatizados, em nível infraconstitucional,
encontrava-se respaldada pelo singelo inciso VIII da Lei de Informática (Lei nº 7.232/84), o qual erige como um dos
princípios orientadores da Política Nacional de Informática o “estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais
e técnicos para a proteção do sigilo dos dados armazenados, processados e veiculados, do interesse da privacidade
e de segurança das pessoas físicas e jurídicas, privadas e pública” (MACHADO, André Augusto Mendes; KEHDI,
Andre Pires de Andrade. Sigilo das comunicações e de dados. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA,
José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de [Coord.]. Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. São
Paulo: RT, 2008. p. 261).
2 “Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais: (...) III – realizado para fins exclusivos de: a) segurança
pública; b) defesa nacional; c) segurança do Estado; ou d) atividades de investigação e repressão de infrações penais;
(...)”
3 “Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: I – o respeito à privacidade; II – a
autodeterminação informativa; III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; IV – a
inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VII – os direitos humanos, o livre desenvol-
vimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
20

de violação da intimidade incorporada ao Código Penal de 1969, por sugestão


de Paulo José da Costa Jr.4, que não chegou a entrar em vigor.
À época, as circunstâncias que trouxeram à tona a necessidade de cri-
minalização de condutas que atentassem contra a intimidade diziam respeito,
especialmente, a intromissões realizadas por paparazzi na vida privada de
figuras públicas5.
Atualmente, a violação à intimidade ganha novo contorno em face do
uso comum da rede mundial de computadores e aliado à crescente demanda
por disponibilização de dados pessoais em plataformas digitais6que, por sua vez,
proporcionaram o ambiente de proliferação de técnicas e tecnologias hábeis à
captação (data mining) e interpretação de grandes volumes de dados pessoais
(big data) para fins de estabelecimento de padrões a partir deles7.
Em face desse novo fator de ordenação social, Víctor Gabriel chega a
asseverar que, atualmente, o comando pela violência física perdeu lugar, como
regra, ao controle por meio da capacidade de obtenção de dados8.
A difusão dessas técnicas e tecnologias, a despeito de possibilitar diversos
avanços no campo médico, de logística e trade marketing, por exemplo, também
incrementa o risco de violação à intimidade humana sob proporções antes
inconcebíveis, principalmente em face da possibilidade de “reidentificação”
do titular a partir de seus dados feitos disponíveis9.
Na seara penal, a tutela da intimidade é trazida de maneira esparsa, em
respeito ao surgimento das demandas sociais que justificavam sua crimina-
lização.

4 A proposta de redação do tipo penal foi feita nos seguintes termos: “Art. 161. Violar, mediante processo técnico, o
direito à intimidade da vida privada ou o direito ao resguardo das palavras ou discursos que não forem pronunciados
publicamente” (COSTA Jr., Paulo José. Comentários ao Código Penal: parte especial. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 1987. v. 2. p. 127).
5 Em cenários como o acima referido, Paulo José da Costa Jr. vislumbrava duas formas de violação à intimidade alheia:
a primeira consistiria na violação à intimidade por intrusão na esfera de resguardo do titular, isto é, mediante trespasse
de limites físicos, gravações clandestinas, etc., em casos que o titular sequer chega a conceder suas informações de
forma lícita a terceiro; a segunda, entretanto, se configura quando o titular do direito concede a outrem informações
e segredos próprios, mas não autoriza sua divulgação ou, autorizando, esta vem a ocorrer de forma contrária ao que
estabelecido pelo titular do direito (idem, p. 144-145).
6 TOMÉ, Herminia Campuzano. Vida privada y datos personales. Madrid: Tecnos, 2000. p. 66-67.
7 TENE, Omer; POLONETSKY, Jules. Privacy in the age of big data: a time for big decisions. Stan. L. Rev. Online, v.
64, n. 63, 2011, p. 64. Nesse artigo, por exemplo, os autores atribuem à análise de big data a possibilidade de vinculação
do uso do remédio Vioxx a 27.000 mortes de parada cardíaca entre 1999 e 2003.
8 RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Tutela penal da intimidade: perspectivas da atuação penal na sociedade da informação.
São Paulo: Atlas, 2008. p. 21.
9 MASIELLO, Betsy; WHITTEN, Alma. Engineering privacy in an age of information abundance. 2010 AAAI Spring
Symposium Series. 2010. p. 122.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 21

Assim, já em 1940, previu-se no Código Penal os crimes de violação


de residência, correspondência e divulgação de segredo. Com o advento da
lei de interceptações telefônicas, visando coibir excessos na utilização do
então regulado meio de obtenção de prova, criminalizou-se a realização de
interceptação de comunicações (telefônicas, informáticas ou telemáticas) sem
autorização judicial.
Mais recentemente, após vasta abordagem midiática acerca do vazamen-
to de imagens íntimas de atriz brasileira, editou-se a Lei nº 12.737/2012, que
incluiu no Código Penal novo artigo (art. 154-A), que tornou crime a invasão
a dispositivo informático para obtenção, alteração ou destruição de dados.
A partir de agosto de 2018, com a promulgação da nova LGPD, depa-
ramo-nos com a nova regulamentação da proteção de dados. A despeito de
não se aplicar a tratamento de dados para fins de investigação ou repressão
de infrações penais, a lei elenca obrigações indispensáveis no tratamento de
dados que, uma vez descumpridos, podem ensejar a responsabilização penal
por crimes já existentes em nosso ordenamento.

a) A Coleta de Material Biológico para a Obtenção do Perfil Genético


Por se tratar de assunto intimamente ligado à privacidade, as limitações
estatais para a coleta de material genético de seus cidadãos e para o uso dessas
informações já foram discutidas em diversos sistemas jurídicos. A título de
exemplo, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos já se debruçou acerca da
manutenção de informações genéticas em bancos de dados estatais no Reino
Unido de titulares que tivessem passagem pelo Sistema de Justiça10.
No ordenamento jurídico brasileiro, a coleta de material biológico
para obtenção do perfil genético foi introduzida pela Lei nº 12.654/2012 na
identificação criminal e na execução penal por crimes violentos ou por cri-
mes hediondos. Referida Lei, alterando a Lei nº 12.037/09, que versa sobre a
identificação criminal do civilmente identificado, introduziu a possibilidade
de colheita de material genético do civilmente não identificado. A mesma
lei, ainda, alterou a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), instituindo a

10 Nesse caso, S. and Marper v. The United Kingdom, a Corte entendeu que não seria lícita a guarda de material genético e
cópia das digitais dos autores da demanda que, mesmo após a absolvição dos seus titulares pelos delitos que ensejaram
a colheita em um primeiro momento, continuavam armazenados em bancos de dados estatais para eventual uso em
investigação futura. O entendimento da Corte foi respaldado também pelo fato de que referido banco de dados se
encontrava à disposição de 56 agências não policiais, incluindo órgãos do Governo e entidades privadas, portanto
passível de colheita e tratamento impróprios. No ponto nº 103 da decisão, especificamente, asseverou-se a proteção
de dados como de fundamental importância ao gozo do direito por uma “vida privada e familiar”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
22

obrigatoriedade da colheita de material genético de condenados pelos crimes


listado no art. 1º da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)11.
Ocorre que, a despeito da pertinência do instituto na discussão da tutela
da intimidade, por força do já mencionado art. 4º, III, alínea d, da LGPD, a
nova lei de proteção de dados não se aplica para este tipo de tratamento de
dados, porquanto destinado para “fins exclusivos de atividades de investigação
e repressão a infrações criminais”, nos termos legais.
Não obstante, entendemos que a definição genérica de dado pessoal (in-
formação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável) da LGPD
– por se tratar de norma explicativa – pode muito bem ser aplicada ao elemento
dados relacionados à coleta do perfil genético (art. 5º, a, da Lei nº 12.037/09), sendo
este uma espécie daquele. O mesmo se diz sobre a definição de banco de dados.

b) Interceptação Telefônica
A interceptação telefônica é a captação de comunicação telefônica rea-
lizada por terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores12. É prevista no
art. 5º, XII, da Constituição Federal, sendo atualmente regulamentada pela
Lei nº 9.296/96 – cujas normas também se aplicam à interceptação do fluxo
de comunicações em sistemas de informática e telemática, por força do seu
art. 1º, parágrafo único.
O debate acerca dos limites entre o direito à vida privada e a implementa-
ção de métodos de investigação já ganhou relevo internacional em julgamento
realizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no denominado
caso Escher, em que o Brasil foi condenado como decorrência de sucessivas
interceptações de pessoas ligadas a movimentos sociais ocorridas no decorrer
de 49 dias por agentes da Polícia Militar de Paraná, após decisão proferida sem
motivação e sem conhecimento do Ministério Público13.

11 A constitucionalidade do dispositivo que determinou a obrigatoriedade da colheita de condenados por crimes


hediondos se encontra sob discussão no Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário 973.837/
MG. O Relator, Ministro Gilmar Mendes, ao reconhecer a repercussão geral da matéria, apontou que a inclusão
e manutenção de perfil genético de condenados não é aceita de forma unânime como compatível com os direitos
fundamentais estabelecidos na Constituição Federal. A inviolabilidade da privacidade genética, como parte da vida
privada, seria tutelada como tal, o que dá à matéria relevância jurídica e social.
12 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 5. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 511.
13 No caso, a violação à intimidade como decorrência do uso desse meio de investigação restou ainda mais aparente,
uma vez que trechos das comunicações interceptadas foram publicados em meios midiáticos de grande circulação (V.,
CIDH, CASO ESCHER E OUTROS VS. BRASIL, Sentença de 6 de julho de 2009). Em síntese, primeiramente,
o Estado brasileiro foi condenado, porque deixou de implementar mecanismos que possibilitassem coibir eventuais
abusos por parte de autoridades investigativas, de maneira que, conforme consta da decisão, foi também omisso
na responsabilização dos agentes envolvidos na captação irregular e o vazamento de seu conteúdo. A despeito da
condenação, a Corte entendeu que a regulamentação do procedimento de interceptação telefônica adotada pela Lei
nº 9.296/96 estaria de acordo com a Convenção Interamericana (cf. GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica:
considerações sobre a Lei n. 9.296/96. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 16-17).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 23

Por afetar a garantia constitucional de sigilo das comunicações – tema


evidentemente relacionado à privacidade –, trata-se de meio de obtenção de
prova que só pode ser utilizado mediante autorização judicial, quando exis-
tirem indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida
com pena de reclusão. Ainda, não pode ser utilizada se a prova puder ser feita
com outros meios disponíveis.
Existem questionamentos na doutrina quanto à constitucionalidade do
supramencionado parágrafo único do art. 1º, que estende o disposto na Lei
nº 9.296/96 à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de infor-
mática e telemática. Não obstante, a jurisprudência entende que o referido
sigilo pode ser afastado por meio de decisão judicial fundamentada, da mes-
ma forma que o sigilo das comunicações telefônicas. O fato de o dispositivo
nunca ter sido declarado inconstitucional pelos Tribunais Superiores reforça
tal entendimento (STJ, HC 276.132/PR e HC 148.389/RJ; TRF2, Apelação
0003522-94.2008.4.02.5001).
Tamanha a relevância conferida pelo legislador à privacidade do cidadão
que decidiu por criminalizar a conduta de interceptação ilegal de comunicação,
bem como a violação de segredo de Justiça instituído sobre materiais e infor-
mações obtidas nessas circunstâncias, conforme dispõe o art. 10 da referida Lei:

“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas,


de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização
judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”

Nesse ponto, digno de menção o precedente estabelecido pelo STJ no


REsp 1.428.961/SP, de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
No caso, ao réu foi imputada a prática do referido delito por este ter acessado
o provedor de serviço de correio eletrônico da ex-esposa, abrindo as comuni-
cações e realizando monitoramento das mensagens privadas sem autorização
judicial.
O Tribunal entendeu que a conduta descrita configuraria interceptação
de comunicação informática. Isso, porque embora não tivesse sido realizada
de forma concomitante à fala, como ocorre na interceptação telefônica, o
acesso às mensagens foi realizado antes que a real destinatária as acessasse.
Dessa forma, a captação teria ocorrido ainda durante o processo comunicativo
– conduta que se adéqua ao referido tipo penal, tendo sido o réu condenado.
De todo modo, interessa-nos mencionar que o fluxo de comunicações em
sistemas de informática e telemática (parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.296/96),
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
24

não se confunde com a definição de dados que trata a LGPD, que é relacionada
à identificação pessoal. O que se tutela por meio da Lei de Interceptação é
o sigilo na comunicação dos dados, não os dados em si mesmos, conforme
entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE 418.416/SC, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence).
Com base nessa mesma interpretação, entende a jurisprudência que o
sigilo dos dados mantidos em empresa de telefonia (dados cadastrais, registros
telefônicos) não se confunde com a comunicação em si, de forma que não
se exigem os requisitos constantes do art. 2º da Lei nº 9.296/96 para a quebra
desse sigilo (STJ, HC 237.006, Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura).
Tem-se admitido, ainda, que esses dados podem, inclusive, ser obtidos por
requisição direta da autoridade policial, sem necessidade de autorização judicial
(STF, HC 124.322, Rel. Min. Roberto Barroso), não se aplicando as cautelas
da LGPD para essas situações.

c) A Violação de Segredo no Código Penal


Em pelo menos três tipos penais o Código Penal trata da tutela do
segredo: art. 153, § 1º-A (crime de divulgação de segredo), art. 154 (crime de
violação de segredo profissional), bem como o novel art. 154-A (invasão de
dispositivo de informática).
No art. 153, § 1º-A, o que se pune é a conduta de quem divulga, sem
justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não
nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública.
Como referido cunho sigiloso ou reservado das informações depende
de definição legal, faz-se necessário observar as novas definições da LGPD
nesse aspecto, especialmente no que diz respeito a dados pessoais e dados pessoais
sensíveis, cuja proteção ganhou nova dimensão de relevância.
Em acréscimo, a LGPD define o que se entende por tratamento: uma
série de modalidades de operações realizadas com dados pessoais, dentro das
quais se incluem a reprodução, transmissão, distribuição, comunicação, transferência
e difusão (art. 5º, X), condutas que podem ser interpretadas como formas da
divulgação prevista no tipo penal do art. 153, § 1º-A.
Também há no art. 5º, IX, a previsão de quais seriam os agentes de tra-
tamento – no caso, o controlador e o operador, pessoas físicas ou jurídicas a
quem competem, respectivamente, às decisões referentes ao tratamento e o
tratamento em si. Apesar de se tratar de crime comum, a responsabilidade
a título de omissão nesse contexto poderia ser imputada ao controlador e
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 25

operador, uma vez que sujeitos às obrigações atinentes ao sigilo de dados nos
processos de tratamento.
Insta ressaltar que no ordenamento penal brasileiro, a única hipótese
de responsabilização penal das pessoas jurídicas socorre nos casos de crimes
ambientais. Na hipótese de os agentes de tratamento serem pessoas jurídi-
cas, no entanto, nada impede que o titular pessoa física seja responsabilizado
criminalmente quando cabível.
Ainda em relação ao art. 153, § 1º-A, a LGPD também traz as hipóteses
que justificam o referido tratamento de dados em seu art. 7º – que podem ser utili-
zadas como parâmetro para a interpretação da justa causa14 prevista no tipo penal.
Por outro lado, no art. 154 (violação de segredo profissional), o que se
pune é a conduta de quem revela, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão
de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.
Aqui se aplica a mesma análise realizada acima sobre a interpretação do
que pode se entender por revelar, justa causa e segredo. O elemento “em razão
da função” faz com que este seja crime próprio, de forma que os agentes de
tratamento podem ser inseridos como autores do crime. Ainda, a LGPD traz
obrigações de segurança e boas práticas no tratamento de dados em seu Ca-
pítulo VII (arts. 46 e ss.), especialmente no que se refere à proteção dos dados
de acessos de terceiros não autorizados. Assim, descumpridos tais deveres de
proteção que resvalem em lesão ao bem jurídico tutelado, é possível aferir
conduta omissiva de relevo penal.
Note-se que o simples descumprimento, entretanto, não é suficiente
para a atribuição automática de responsabilidade penal, de forma que será
necessário que se demonstre que o descumprimento das obrigações de se-
gurança e boas práticas estipuladas na lei causaram concretamente perigo de
lesão à intimidade.
Por fim, o art. 154-A (invasão de dispositivo informático), previu a
modalidade de crime em que se pune a invasão de

“dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores,


mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de
obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa
ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter
vantagem ilícita. Punindo-se com a modalidade qualificada caso obtenha

14 Conforme evidencia Miguel Reale Jr., a doutrina tem historicamente encontrado dificuldades em delimitar o con-
teúdo do termo “justa causa”, bastante para obstar o aperfeiçoamento do tipo penal, de forma que tal análise, muitas
vezes, dependerá das circunstâncias do caso concreto (REALE Jr., Miguel. Dos crimes contra a liberdade individual.
In: REALE Jr., Miguel [Coord.]. Direito penal: jurisprudência em debate. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 238).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
26

o conteúdo das comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais


ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle
remoto não autorizado do dispositivo invadido.”

Nesse ponto, portanto, entendemos que seria de difícil constatação


eventual hipótese de figura omissiva do delito suprarreferido, em razão do
descumprimento de deveres estabelecidos na LGPD, uma vez que é da regra
geral dos crimes omissivos que a conduta omissiva seja normativamente
equiparável à figura comissiva trazida expressamente no texto legal15.
Em outras palavras, para que eventual omissão do tratador de dados
em concretizar as normas de proteção elencadas na LGPD seja compreendida
pelo tipo do art. 154-A, é necessário que sua conduta se equipare à conduta
daquele que invade dispositivo móvel alheio mediante violação de mecanis-
mos de segurança o que, a nosso ver, não parece aceitável16, adequando-se tal
conduta melhor aos outros dois tipos supramencionados.

d) A Proteção de Dados no Código de Defesa do Consumidor


O art. 72 do Código de defesa do consumidor pune aquele que impede
ou dificulta o “acesso do consumidor às informações que sobre ele constem
em cadastros, banco de dados, fichas e registros”.
Nesse sentido, dando reforço ao bem jurídico protegido no citado
dispositivo, o art. 6º, IV, da LGPD trata do princípio do livre acesso: é a garan-
tia aos titulares de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do
tratamento, bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais. E mais: o
art. 9º determina que o titular tem direito ao acesso facilitado às informações
sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma
clara, adequada e ostensiva.
Por fim, o direito do titular de acesso aos seus dados está previsto nos
arts. 18, II, e 19 da LGPD, que regulamentam a forma como esses dados
devem ser fornecidos, especialmente no que diz respeito ao prazo e formato
para a disponibilização das informações. Essa previsão pode ser utilizada de
parâmetro para a incidência ou não desse tipo penal.

15 Ao tratar sobre a necessidade de equiparação normativa-estrutural entre as condutas omissivas subsumidas ao tipo,
Ana Oliveira identifica critérios que devem ser somados para essa aferição: “o significado político-criminal das
omissões (a existência ou não de um dever de solidariedade, a extensão dessa solidariedade exigida pelo Estado,
etc.), a existência de uma responsabilidade qualificada pela posição de garante, e a escala de valores sobre a gravidade
e reprovabilidade de cada omissão”. Dessa forma, não havendo tal equiparação, não há que se falar em adequação
típica da conduta omissiva (OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos de. A responsabilidade por omissão dos sujeitos obrigados pela
lavagem de dinheiro: o dever de informação. Tese (Tese em Direito) – USP. São Paulo, 2015. p. 158.
16 Talvez por essa razão, inclusive, Bitencourt afirme que tal crime não existe na modalidade omissiva: BITENCOURT,
Cezar Roberto. Código Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 699.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 27

Finalmente, ainda pode-se mencionar o art. 73 do CDC, que pune


quem deixa de corrigir imediatamente as informações sobre o consumidor no
banco de dados, fichas ou registros. Nesse ponto, a LGPD prevê, em seu art.
18, III, que a correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados é
direito do titular, o que reforça o bem jurídico previsto no tipo penal. E em
se tratando de direito do titular, a LGPD prevê como regra a adoção imediata
das medidas cabíveis para a correção dos dados, ou, caso não seja possível,
será necessário apresentar justificativa (art. 18, § 3º c/c o § 4º).
No mais, se aplica a esses tipos penais a mesma análise realizada ante-
riormente em relação aos conceitos estabelecidos pela LGPD e em questões
atinentes à autoria.

3 Conclusões
Em que pese a previsão do art. 4º, III, alínea d, da LGPD, no sentido
do disposto na lei não se aplicar ao tratamento de dados pessoais realizados
para fins exclusivos de investigação ou repressão criminal, pode-se observar
que existem diversos pontos de convergência entre a legislação penal e a Lei
Geral de Proteção de Dados, de forma que se justifica uma análise dos seus
impactos nessa seara.
Nesse sentido, tendo a lei criado as figuras dos agentes de tratamento,
mostra especial relevância o debate acerca da responsabilização penal por omissão
desses encarregados, em face do dever de garantidor exercido pelos mesmos.

4 Síntese Conclusiva
Do presente artigo podem ser extraídas as seguintes conclusões:
1. A privatividade ou a intimidade é um bem jurídico tutelado por
diversas leis penais convergindo nesse aspecto com o objetivo da LGPD, que
procurou trazer maior segurança no tratamento de dados pessoais.
2. Na seara penal, são exemplos de crimes que têm como bem jurídico
predominante a intimidade, os crimes de violação de residência, correspon-
dência e divulgação de segredo, todos previstos no Código Penal de 1940.
Também podem ser citados o crime do art. 10 da Lei nº 9.296/96, Lei de In-
terceptação Telefônica e, mais recentemente, o crime previsto no art. 154-A,
acrescentado ao Código Penal pela Lei nº 12.737/2012, que pune a invasão
a dispositivo informático para obtenção, alteração ou destruição de dados.
3. A previsão do art. 4º, inciso III, alínea d, da Lei nº 13.709/2019, Lei
de Proteção de Dados (LGPD), que, expressamente, dispõe sobre a não apli-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
28

cação da lei ao tratamento de dados pessoais realizados para fins exclusivos


de atividades de investigação e repressão de infrações penais não impede sua
incidência para interpretação de leis penais que tratam da intimidade.
4. No que se refere à Lei nº 12.654/2012, que introduziu a possibilidade
de obtenção do perfil genético do civilmente não identificado e de pessoas
condenadas por crimes hediondos, entendemos que a definição genérica de
dado pessoal pode ser aplicada ao elemento dados relacionados à coleta do perfil
genético, porquanto espécie daquela.
5. No que diz respeito à Lei de Interceptação Telefônica, a elementar
fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, prevista no parágrafo
único do art. 1º, não se confunde com a definição de dados que trata a LGPD,
que é relacionado à identificação pessoal. Por outro lado, podem ser sujeitos
ativos: do crime previsto no art. 10: o controlador, operador, o encarregado, assim
entendidos conforme a LGPD.
6. Sobre os crimes que tutelam o segredo previstos no Código Penal,
art. 153, § 1º (crime de divulgação de segredo), art. 154 (crime de violação de
segredo profissional) e, por fim, art. 154-A (crime de invasão de dispositivo
informático), devem ser observadas as novas disposições da LGPD, sobre o
conceito de dados pessoais e dados pessoais sensíveis, além do disposto no
art. 5º, X, que justifica o tratamento de dados nas hipóteses de transmissão,
etc. Em acréscimos, poderão ser considerados autores desses crimes, seja por
ação ou omissão, os agentes de tratamento (operador ou encarregado), desde que
não cumpram suas obrigações de segurança ou boa prática estipuladas na lei
(art. 46 e ss.) e se concretizem em lesão ao bem jurídico tutelado.
7. Por fim, no que se refere ao Código de Defesa do Consumidor e os
crimes nele previstos nos arts. 72 e 73, os arts. 6º e 9º da LGPD trataram do
princípio do livre acesso, reforçando o bem jurídico protegido pelo Código,
além de prever a qualidade dos dados. Além disso, os arts. 18 e 19 da LGPD
tratam do direito do titular de obter seus dados do controlador e regulamentam
a forma como esses dados devem ser fornecidos, que podem ser utilizados de
parâmetro para a incidência ou não desse tipo penal.

TITLE: Criminal aspects of the General Data Protection Law and the criminal protection of personal data.

ABSTRACT: This article aims at analyzing the possible consequences of the new General Data Protection
Law in the context of criminal legislation from the perspective of their convergence points, particularly
the protection of the essential legal interest that is the intimacy.

KEYWORDS: General Data Protection Law. Protection of Intimacy. Criminal Protection of Intimacy.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 29

5 Bibliografia
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 5. ed. São Paulo: RT, 2017.
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FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de
(Coord.). Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. São Paulo: RT, 2008.
GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica: considerações sobre a Lei n. 9.296/96. 3. ed. rev., atual. e
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TOMÉ, Herminia Campuzano. Vida privada y datos personales. Madrid: Tecnos, 2000.

Recebido em: 30.03.2020


Aprovado em: 22.04.2020
Doutrina

Crimes Relacionados à Pandemia do Novo


Coronavírus

Leandro Bastos Nunes


Professor de Pós-Graduação em Direito Penal Econômico;
Procurador da República; ex-Advogado da União; Especialista
em Direito Penal e Processo Penal; Palestrante, Articulista e
Autor da Obra “Evasão de Divisas”.

RESUMO: O objetivo do presente artigo é tratar, exclusivamente, das análises


jurídica e acadêmica dos possíveis delitos correlatos à Covid-19, tendo sido
ilustradas diversas hipóteses para fins de reflexão e contribuição sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Novo Coronavírus. Covid-19. Pandemia. Crimes.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Crime de Infração de Medida Sanitária Preventiva.


2 Crime de Epidemia. 3 Crime de Perigo de Contágio de Moléstia Grave. 4
Perigo para a Vida ou Saúde de Outrem. 5 Crime de Desobediência. 6 Crime
Contra a Economia Popular. 7 Crimes Contra as Relações de Consumo. 8 Crime
de Falsificação, Corrupção, Adulteração ou Alteração de Produto Destinado a
Fins Terapêuticos ou Medicinais. 9 Destinação de Valores para Minimização da
Covid-19. Conclusão. Referências.

Introdução
O objetivo do presente artigo é tratar, exclusivamente, das análises jurídica
e acadêmica dos possíveis delitos correlatos à Covid-19, tendo sido ilustradas
diversas hipóteses para fins de reflexão e contribuição sobre o tema.
O Poder Público tem adotado medidas para prevenção e contenção do
novo coronavírus, tendo sido editada a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020,
a qual foi regulamentada pela Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, do
Ministério da Saúde.
O art. 3º da Lei nº 13.979/2020 introduziu um rol de medidas a serem
implementadas para o enfrentamento da situação emergencial de saúde pú-
blica, dentre as quais destacamos o isolamento e a quarentena, tendo a legislação
acima referida distinguido ambas as hipóteses na seguinte forma:
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 31

“Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de baga-


gens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas,
de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coro-
navírus; e

II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas


de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens,
contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de
contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação
do coronavírus.”

Ainda sobre o tema, preleciona a bióloga Helivânia Sardinha dos Santos:

“A quarentena consiste em um período em que pessoas saudáveis, mas que


estiveram expostas a uma doença transmissível, seja por contato com um
doente, seja por estar em regiões de surtos epidêmicos, têm sua liberdade
de trânsito limitada. Embora o nome remeta a um período de quarenta dias,
a duração da quarentena é determinada com base no período de incubação da
doença, ou seja, o tempo que a doença leva para se manifestar. Essa medida
de saúde pública busca, assim, controlar a disseminação da doença. (...)
A quarentena diferencia-se do isolamento porque restringe o trânsito de
pessoas sadias que teriam sido expostas a um agente infeccioso, podendo
estar contaminadas. Já o isolamento é a separação dos indivíduos doentes,
portadores de doenças contagiosas. O objetivo das duas medidas, no entan-
to, é o mesmo: evitar a propagação de determinada doença.” (Disponível
em: <https://www.biologianet.com/curiosidades-biologia/quarentena.
htm>. Acesso em: 21 mar. 2020)

Ademais, a Portaria interministerial nº 05, de 2020 (Ministro da Justiça


e Ministro da Saúde) dispôs que a autoridade policial poderá lavrar termo
circunstanciado em detrimento daquele que for flagrado praticando os crimes
previstos nos arts. 268 e 330 do Código Penal, além do previsto no art. 3º,
II, da Lei nº 13.979/2020 (disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/
governo-edita-portaria-autorizando.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2020).
Inicialmente, é válido esclarecer que a Portaria apenas regulamentou
a forma de prevenção e repressão das condutas relacionadas aos tipos penais
alusivos à propagação da pandemia (disseminação mundial da doença), haja
vista que a criação dos crimes relacionados ao combate à referida doença não
é derivada do mencionado ato normativo, e sim da lei penal, diante do princípio
da legalidade insculpido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal (“não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
32

1 Crime de Infração de Medida Sanitária Preventiva


O art. 268 do Código Penal versa acerca da infração de medida sanitária
preventiva, nos seguintes termos:

“Art. 268. Infringir determinação do poder público, destinada a impedir


introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é fun-


cionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico,
dentista ou enfermeiro. O tipo penal visa tutelar a saúde pública, sendo
sujeito passivo a sociedade, e a mera circunstância de não se cumprir as
determinações do Poder Público com o fim de impedir a difusão de uma
doença contagiosa submete o sujeito ativo, em tese, nas penas da infração
criminal prevista no art. 268 do Código Penal, sendo relevante salientar
que o tipo possui característica de norma penal em branco, uma vez que
imprescinde de complementação nos atos normativos do poder público
(portarias, decretos, regulamentos, etc.).”

Dessa forma, o agente que descumprir determinação oriunda da legislação


(Lei nº 13.979/2020) ou ato administrativo (norma do Poder Público), que vise
impedir a introdução ou a propagação do novo coronavírus no Brasil, desde
que o faça com livre consciência e vontade ou assuma o risco de produzir o
resultado (dolo direto e/ou eventual), perpetrará, em princípio (a ser criteriosamente
analisado no caso concreto), a infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do
CP), ainda que não implique resultado concreto, decorrendo do respectivo
descumprimento de norma de cunho obrigatório (delito de perigo abstrato),
em razão da presunção de risco causado à sociedade.
A título de exemplificação, incidirá nas penas da infração de medida
sanitária preventiva o agente (diagnosticado com a Covid-19) que, após receber
determinação para realizar compulsoriamente testes laboratoriais, deixar de
realizá-lo (art. 3º, III, b, da Lei nº 13.979/2020), ou se, isolado por determi-
nação médica, ignorar a medida e circular livremente nas ruas, (art. 3, I, da
Lei nº 13.979/2020).
Por outro lado, não configurará o delito se o indivíduo (sadio) apenas des-
cumprir recomendações do Poder Público, englobando a hipótese do cidadão
(não contaminado) que sair para efetivar compras não essenciais (“supérfluas”)
em um supermercado ou apenas efetivar um passeio em local não interditado,
contrariando uma mera orientação (e não determinação) dos entes públicos para
que “fique em casa”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 33

Não é outro o entendimento oriundo do Ministério Público do Estado do


Rio Grande do Sul (MP/RS), in verbis:

“No caso do art. 268 (infringir de determinação do poder público destinada


a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa), a pena é de
detenção, de dois meses a um ano, com ampliação de um terço se o agente é
funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico,
dentista ou enfermeiro. Como exemplo, praticará o crime de infração de
medida sanitária preventiva a pessoa que, mesmo após receber determinação
para que realize compulsoriamente exame médico, não o faça (art. 3º, inciso
III, alínea a, da Lei nº 13.979/2020). Da mesma forma, se a pessoa isolada
por determinação fugir, também praticará o crime previsto no art. 268 do
Código Penal (art. 3º, inciso I, da Lei nº 13.979/2020).” (Disponível em:
<https://www.mprs.mp.br/noticias/50852/>. Acesso em: 24 mar. 2020)

Destarte, o crime só incide em caso de descumprimento de imposição


legal obrigatória (proibições de acesso a praças públicas, praias, abertura e
funcionamento de lojas em comércio ou shopping center, etc.), mas não quando
houver apenas recomendações e/ou orientações oriundas do Poder Público e/ou
de profissionais de saúde.
Por se tratar de crime de perigo abstrato, a simples probabilidade de contágio
causado à sociedade, em virtude do descumprimento de determinação do Poder
Público, é suficiente para a caracterização do delito, ainda que não ocasione
resultado concreto, desde que haja potencial ofensa ao bem jurídico tutelado,
ou seja, à saúde pública, conforme preleciona Bitencourt:

“Consuma-se o crime com a simples desobediência a determinação do


Poder Público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença
contagiosa. Tratando-se de crime de perigo abstrato, desnecessária para sua con-
figuração a efetiva introdução ou propagação de doença contagiosa. Con-
tudo, será necessário demonstrar a idoneidade do comportamento infrator
para produzir um potencial resultado ofensivo à preservação do bem jurídico
saúde pública, visto sob a perspectiva genérica, caso contrário, a conduta
será atípica, pela sua insignificância.” (BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal: parte especial 4. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 293)

Pode incidir a infração na hipótese de dolo eventual decorrente do fato


de o agente ter ciência de que está assumindo o risco de introduzir ou propa-
gar a doença contagiosa, mas descumprir a determinação do Poder Público.
Cite-se o exemplo de uma pessoa ter sido diagnosticada com o vírus, mas
se dirigir a uma praia ou local público com aglomeração de pessoas, não se
importando acerca dos riscos efetivos de propagação da doença contagiosa.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
34

2 Crime de Epidemia
Em relação ao crime de epidemia (art. 267 do Código Penal), este é
praticado quando determinada pessoa, ciente de estar contaminada pela Co-
vid-19, promover deliberadamente a transmissão da doença a outros.
Oportuno registrar que a mens legis (“espírito da lei”) abrange as situações
de pandemia, porquanto não haveria lógica em conferir proteção à propagação
de uma epidemia e deixar sem tutela penal a propagação do indigitado vírus
(muito mais amplo e desastroso para a incolumidade pública), devendo-se
conferir uma interpretação extensiva, ainda que se trate de norma penal incri-
minadora, porquanto a aludida hipótese apenas é vedada nas situações onde
se configura um desvirtuamento do sentido da lei.
Nesse sentido, colaciona-se a seguinte ementa de decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF):

“CONSTITUCIONAL E PENAL. ACESSÓRIOS DE CELULAR


APREENDIDOS NO AMBIENTE CARCERÁRIO. FALTA GRAVE
CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA AO ART. 50, VII, DA LEI Nº
7.210/84, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº
11.466/07. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA RE-
SERVA LEGAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTE. 1. Pratica infração grave, na forma prevista no art. 50, VII,
da Lei nº 7.210/84, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.466/07,
o condenado à pena privativa de liberdade que é flagrado na posse de
acessórios de aparelhos celulares em unidade prisional. 2. A interpretação
extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um
desvirtuamento na mens legis. 3. A punição imposta ao condenado por falta
grave acarreta a perda dos dias remidos, conforme previsto no art. 127 da
Lei nº 7.210/84 e na Súmula Vinculante nº 9, e a consequente interrupção
do lapso exigido para a progressão de regime. 4. Negar provimento ao
recurso.” (STF, RHC 106.481, Relª Minª Cármen Lúcia, Primeira Turma,
j. 08.02.2011)

A título de exemplificação, é o cenário em que uma pessoa infectada


(ciente de sua doença) viaja para uma comunidade isolada onde o vírus ainda
não tenha sido propalado e alguns habitantes iniciem um quadro de infecção
viral, podendo responder criminalmente pelo delito sub examine, cuja redação
do tipo penal foi prevista na seguinte forma:

“Art. 267. Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena – reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de
25.7.1990)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 35

§ 1º Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se


resulta morte, de dois a quatro anos.”

Se a conduta oriunda do delito resultar em morte, o crime passará a


ser hediondo, sofrendo o agente todas as consequências previstas no art. 2º
da Lei nº 8.072/90.

3 Crime de Perigo de Contágio de Moléstia Grave


Na hipótese de o agente ter ciência de que está contaminado com mo-
léstia grave e, ainda assim, praticar ato capaz de produzir o contágio, incorrerá
nas penas do crime previsto no art. 131 do Código Penal, in verbis:

“Art. 131. Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que
está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

In casu, o crime é doloso e somente pode ser praticado com a presença do


elemento subjetivo especial ou fim especial de agir (tradicional “dolo específico”),
não sendo punível em caso de dolo eventual, em face da motivação específica
prevista no tipo (“com o fim de transmitir a outrem moléstia grave [...]”).
É o caso, por exemplo, da pessoa que se dirige a um ambiente fechado
(elevador com capacidade máxima ocupada), com o intuito direto de trans-
mitir o vírus a terceiros.
Registre-se, ainda, que trata-se de delito formal, não sendo necessária,
para a sua consumação, a incidência de resultado naturalístico, que seria o
efetivo contágio das vítimas situadas no local (elevador, conforme o exemplo
acima).

4 Perigo para a Vida ou Saúde de Outrem


Em relação à tipificação do delito em comento, prescreve o Código
Penal:

“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime


mais grave.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição


da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas
para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza,
em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)”

O delito é de perigo concreto e doloso (dolo genérico ou eventual), consumando


com a conduta relacionada à exposição da vida ou saúde de terceiros. É o caso
do agente que, sabendo do seu contágio, resolve descumprir a determinação
médica e legal de isolamento, e se desloque para um local público onde exista
aglomeração de pessoas, expondo-as a perigo direto e iminente de contágio
ou assumindo o risco de produzir o resultado.
Além disso, o tipo penal tem natureza subsidiária, porquanto só incide nas
hipóteses em que o comportamento do agente não constituir delito mais grave.

5 Crime de Desobediência
Em relação à infração criminal de desobediência (art. 330), a lei pode
ser aplicada se, por exemplo, um agente público determinar que seja disse-
minada uma aglomeração em determinado local com a finalidade de evitar a
disseminação do vírus (reunião de inúmeras pessoas em local público), e o
indivíduo se recusar a cumprir a ordem legal, sem motivo justificado, atuando
de forma consciente e voluntária (dolo genérico).
O bem jurídico protegido é a Administração Pública, tutelando-se a sua
autoridade e prestígio, sendo ainda delito comum, isto é, pode ser praticado
por qualquer pessoa.
Ademais, o tipo penal não se configura quando houver um simples
pedido ou solicitação do funcionário, mas, sim, na hipótese de uma ordem
legal e individualizada de funcionário público competente, dirigindo-se àquele
que tem o dever jurídico de obedecê-la.
Eis o teor do disposto no art. 330 do Código Penal:

“Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”

6 Crime Contra a Economia Popular


Se o agente provocar o aumento de preço de álcool em gel, aproveitan-
do-se do momento de crise e demanda extraordinária do produto durante o
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 37

período da pandemia, visando angariar lucros desproporcionais em detrimento


da sociedade e do consumidor, incidirá em crime contra a economia popular.
Nesse ponto, vejamos o teor do art. 3º da Lei nº 1.521/51:

“Art. 3º São também crimes desta natureza:

I – destruir ou inutilizar, intencionalmente e sem autorização legal, com


o fim de determinar alta de preços, em proveito próprio ou de terceiro,
matérias-primas ou produtos necessários ao consumo do povo;

II – abandonar ou fazer abandonar lavoura ou plantações, suspender ou


fazer suspender a atividade de fábricas, usinas ou quaisquer estabelecimen-
tos de produção, ou meios de transporte, mediante indenização paga pela
desistência da competição;

III – promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão


de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento
arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transportes
ou comércio;

IV – reter ou açambarcar matérias-primas, meios de produção ou produtos


necessários ao consumo do povo, com o fim de dominar o mercado em
qualquer ponto do País e provocar a alta dos preços;

V – vender mercadorias abaixo do preço de custo com o fim de impedir


a concorrência.

VI – provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores


ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro
artifício.”

É a hipótese do empresário que, aproveitando-se da situação de emer-


gência ou calamidade pública, promover o súbito aumento nos preços, sem
motivo justificado, ou seja, atuando de forma consciente e voluntária para
provocar o aumento de preço mediante o artifício (expediente habilidoso)
de que o produto estaria em “falta no mercado”.

7 Crimes Contra as Relações de Consumo


Em relação ao delito contra os consumidores, trazemos a seguinte tipifi-
cação prevista no CDC (Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90):

“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante


sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desem-
penho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.

§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

§ 2º Se o crime é culposo;

Pena – Detenção de um a seis meses ou multa.”

Com efeito, o agente que fizer afirmação falsa sobre dados essenciais
do álcool em gel poderá responder pelo aludido delito previsto no Código de
Defesa do Consumidor (CDC).
Cite-se o exemplo do anúncio da venda de álcool em gel a 70% (setenta
por cento), embora o produto efetivamente contivesse apenas 46% (quarenta
e seis por cento), ofertando-se mercadoria com característica e conteúdo falsos
em detrimento da saúde e boa-fé dos consumidores.
O fato (objeto de tutela do direito penal) consubstancia-se mediante
conduta dolosa, isto é, a vontade livre e consciente do agente de fazer afirmação
falsa ou enganosa de produto ou serviço, omitindo informação relevante ou
patrocinando oferta de mercadorias com dados inverídicos, sem que haja a
necessidade da respectiva aquisição do bem ou produto por parte do consumidor.
De outra parte, se houver indução do consumidor a erro (instigação, inspi-
ração de ideias, etc.) ou a efetiva aquisição do produto com características
não correspondentes à sua natureza ou qualidade, o agente poderá responder
pelo crime contra as relações de consumo previsto do art. 7º, VII, da Lei nº
8.137/90, com penas de detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos ou multa, conforme
a seguir descrito: “induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou
afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço,
utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publi-
citária” (grifos acrescidos).

8 Crime de Falsificação, Corrupção, Adulteração ou Alteração de


Produto Destinado a Fins Terapêuticos ou Medicinais
O tipo penal em análise tem previsão legal no art. 273 do Código Penal
(CP), conforme abaixo transcrito:

“Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a


fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela


Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 39

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda,


tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega
a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
(Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º-A – Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medi-


camentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os
saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no
§ 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído
pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária compe-


tente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

II – em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso


anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

III – sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua


comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

IV – com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; (Incluído


pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

V – de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

VI – adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária


competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Modalidade culposa

§ 2º Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei
nº 9.677, de 2.7.1998)”

O ilícito tem a característica de ser “misto alternativo”, ou seja, a incidência


de mais de um núcleo do tipo configura crime único, consumando-se, dentre
outras hipóteses, com a comprovação do intuito de promover a falsificação ou
adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (conduta
dolosa, salvo a hipótese de crime culposo previsto no § 2º do CP), sendo
considerado crime de perigo abstrato, isto é, prescinde da demonstração do efetivo perigo
à saúde pública.
Em relação ao objeto material, preleciona Cleber Masson:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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“É o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, ou seja, a subs-


tância líquida ou sólida voltada à atenuação da dor ou cura dos enfermos,
ou, ainda, a matéria destinada à prevenção dos males que acometem os
seres humanos.” (MASSON, Cleber. Código Penal comentado. São Paulo:
Método, 2018. p. 1.028).

Para fins de comprovação do fato criminoso, exige-se laudo pericial ou


outro meio de prova apto a certificar a efetiva adulteração ou falsificação do
produto (caput do art. 273 do CP), dispensando-se a perícia, porém, no caso do §
1º-B, III e V, haja vista tratar-se de delito formal, que se aperfeiçoa com a simples
importação, venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a
consumo do produto sem as características de identidade e qualidade admi-
tidas para a sua comercialização, ou de procedência ignorada, conforme se
nota da seguinte ementa de decisão oriunda do Superior Tribunal de Justiça:

“(...) MANUTENÇÃO EM DEPÓSITO DE SUBSTÂNCIAS MEDI-


CAMENTOSAS IMPRÓPRIAS AO CONSUMO. DESNECESSIDADE
DE LAUDO PERICIAL PARA COMPROVAÇÃO DA MATERIALI-
DADE DELITIVA. DELITO FORMAL. MÁCULA INEXISTENTE.
É dispensável a confecção de laudo pericial para a comprovação da materialidade
do delito previsto no art. 273, § 1º-B, incisos III e V, do Código Penal, tendo em
vista tratar-se de delito formal, que se aperfeiçoa com a simples importação,
venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo do
produto sem as características de identidade e qualidade admitidas para a
sua comercialização, ou de procedência ignorada. Precedentes (...)” (STJ,
5ª Turma, HC 356.047/SP, Rel. Jorge Mussi, DJe 05.12.2018)

A principal distinção em relação à infração criminal prevista no art.


66 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) está adstrita ao fato de que
nessa hipótese o produto em si não é falso, consumando mediante declarações
falsas sobre a natureza, quantidade e qualidade do álcool em gel, enquanto
o crime do art. 273, caput, do Código Penal (CP) imprescinde (necessita) de
comprovação da respectiva falsificação, corrupção, adulteração ou alteração
do produto.
É válido ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu
a inconstitucionalidade na aplicação do preceito secundário previsto no art. § 1º-B do art.
273 (pena de 10 a 15 anos de reclusão, e multa), em razão da violação ao princípio
da proporcionalidade, haja vista a equiparação desproporcional e irrazoável
na aplicação de elevadas penas para o agente responsável pela falsificação do
produto e aquele identificado como o autor da comercialização de determi-
nado bem de origem ignorada ou o responsável pela importação de medica-
mentos sem registro, tendo, “por ajuste principiológico”, fixado a orientação
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 41

de aplicação da sanção cominada ao delito de tráfico de entorpecentes (5 a


15 anos de reclusão, além de multa), estando a discussão pendente de definição
no Supremo Tribunal Federal (repercussão geral reconhecida no Recurso
Extraordinário 979.962).
Eis a respectiva ementa da decisão oriunda do Tribunal da cidadania:

“(...) INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO


DO ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGI-
CA DA PENA DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. POSSIBILI-
DADE DE INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA
NO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. 1. A Corte Especial deste Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no Habeas
Corpus 239.363/PR, declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art.
273, § 1º-B, do Código Penal, autorizando a aplicação analógica das penas pre-
vistas para o crime de tráfico de drogas. 2. Analisando o referido julgado, esta
colenda Quinta Turma firmou o entendimento de que, diante da ausência
de ressalva em sentido contrário, é possível a aplicação da causa de diminuição
prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 no cálculo da pena dos condenados
pelo delito previsto no art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo. Precedentes.” (STJ,
5ª Turma, HC 488.299/PR, Rel. Jorge Mussi, DJe 28.03.2019)

De outra parte, impende registrar que a Anvisa considera o álcool em


gel a 70% como medicamento antisséptico, devendo ser produzido conforme as
boas práticas de fabricação de medicamentos, cujos critérios de elaboração são
mais rigorosos dos exigidos para a produção de cosméticos (disponível em:
<http://portal.anvisa.gov.br/anvisa-esclarece?>. Acesso em: 25 mar. 2020).
Além disso, a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, por intermédio de nota
técnica, manifestou-se no sentido de que o álcool etílico em gel na condição
de medicamento deve conter em seu rótulo a especificação mínima de 70%
(setenta por cento) na sua composição (disponível em: <http://www.saude.
pr.gov.br/arquivos/File/NotaTecnicaAlcoolGelcompleto.pdf>. Acesso em:
25 mar. 2020).
Portanto, o sujeito ativo da ilicitude criminal poderá ser preso em
flagrante e responder criminalmente pelo delito sub examine, se for flagrado
comercializando produto falsificado com a suposta “roupagem” de álcool em
gel para prevenção e/ou eliminação da Covid-19.

9 Destinação de Valores para Minimização da Covid-19


Nas hipóteses de infrações penais sem violência ou grave ameaça e com pena
mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Membro do Parquet poderá propor acordo de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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não persecução penal, com a destinação dos valores correspondentes à aplicação


da prestação pecuniária aos fundos de saúde, para fins de aquisição de equipa-
mentos e insumos ligados a ações de enfrentamento do novo coronavírus, conforme
disposto no art. 3º da Resolução Conjunta Presi-CN nº 01, de 20 de março
de 2020, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP c/c o art.
9º da Resolução nº 313, de 19 de março de 2020, do Conselho Nacional de
Justiça – CNJ.
No mesmo sentido, os aludidos atos normativos também viabilizam a
destinação de recursos oriundos do cumprimento da pena de prestação pecu-
niária, transações penais (pena máxima não superior a 2 (dois) anos – art. 61 da
Lei nº 9.099/95), e/ou suspensão condicional do processo (pena mínima igual
ou inferior a 1 (um) ano – art. 89 da Lei dos Juizados Especiais Criminais),
a fim de que sejam direcionados à aquisição de materiais e equipamentos
médicos necessários ao combate da Covid-19.

Conclusão
As infrações penais relacionadas ao descumprimento das respectivas
normas são de ação penal pública incondicionada, ou seja, independem de provo-
cação da vítima, podendo ser instaurada a investigação por parte do Delegado
de Polícia ou Membro do Ministério Público, assim como lavrado termo
circunstanciado ex officio (de ofício) pela autoridade policial e, posteriormen-
te, submetido à apreciação do titular da ação penal (Ministério Público) para
fins de propositura de transação penal ou denúncia, caso seja comprovada a
materialidade e autoria do fato.
Enfim, diante da proliferação da aludida pandemia, é necessário que toda
a sociedade se conscientize e auxilie na contenção e minimização dos efeitos
negativos da propagação da Covid-19, cumprindo as determinações do Poder
Público, e atentando, sempre que possível, para a observância das recomendações e
orientações emanadas dos órgãos públicos e dos profissionais da área de saúde,
no intuito de salvaguardar os direitos à vida e à saúde da população.

TITLE: Crimes related to the new coronavirus pandemic.

ABSTRACT: This article deals exclusively with legal and academic analyses of possible crimes connected
with COVID-19, with several hypotheses illustrated for the purpose of reflection and contribution on
the topic

KEYWORDS: New Coronavirus. COVID-19. Pandemic. Crimes.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 43

Referências
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BRASIL. Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa esclarece. Disponível em: <http://portal.
anvisa.gov.br/anvisa-esclarece?>. Acesso em: 25 mar. 2020.
______. Portaria Interministerial nº 5, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a compulsoriedade das medidas
de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/governo-edita-portaria-autorizando.pdf>. Acesso em:
21 mar. 2020.
MASSON, Cleber. Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2018.
MPRS – Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Coronavírus: MP esclarece sobre respon-
sabilização criminal para descumprimento de medidas preventivas à doença e prática de preços abusivos.
Disponível em: <https://www.mprs.mp.br/noticias/50852/>. Acesso em: 24 mar. 2020.
PARANÁ. Secretaria da Saúde. Nota técnica álcool em gel completo. Disponível em: <http://www.saude.pr.gov.
br/arquivos/File/NotaTecnicaAlcoolGelcompleto.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020.
SANTOS, Helivânia Sardinha dos. Quarentena. Biologia Net. Disponível em: <https://www.biologianet.
com/curiosidades-biologia/quarentena.htm>. Acesso em: 21 mar. 2020.

Recebido em: 18.04.2020


Aprovado em: 20.05.2020
Doutrina

Ensaio Sobre o Acaso e seus Corolários no


Direito e no Processo Penal

Orlando Faccini Neto


Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade
de Lisboa; Professor do Curso de Mestrado do IDP-Brasília;
Professor da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande
do Sul; Juiz de Direito.

RESUMO: O presente texto pretende, de modo não exaustivo, tratar do acaso


e de suas múltiplas influências no Direito Penal e no Processo. Os eventos
fortuitos, derivados da sorte ou azar, assinalam os limites da condição humana
e da impossibilidade de controle absoluto sobre os processos causais, ensejando
reflexões a propósito do processo de imputação, muitas vezes, olvidadas pela
doutrina. Tanto nas circunstâncias alheias à vontade do agente como, decerto,
na própria configuração pessoal de quem age, o acaso e suas consequências de-
notam a presença de algo que escapa ao domínio da vontade e que, igualmente,
em certas ocasiões, conduz à demonstração de crimes, achados aleatoriamente,
quando a busca probatória apontava para outra direção.

PALAVRAS-CHAVE: Acaso. Tentativa. Culpabilidade. Prova Penal.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Filosofia do Acaso. 3 Acaso e Tentativa de Cri-


mes. 4 Acaso e Culpabilidade. 5 Acaso e Elementos Probatórios. 6 Conclusão.
7 Referências.

1 Introdução
O presente ensaio almeja, de modo não exauriente, cuidar do acaso e de
suas variadas influências no Direito Penal e no Processo. Cuida-se de assinalar
uma nova chave de reflexão para eventos corriqueiros, em perspectiva, muitas
vezes, olvidada pela dogmática. Com efeito, os eventos fortuitos, aleatórios,
derivados da sorte ou azar, no fundo, apontam para os limites da condição
humana e para a impossibilidade de controle absoluto sobre a totalidade dos
processos causais. Daí, cumpriria potencializarmos indagações a propósito do
processo de imputação, e de suas consequências.
Certo: atualmente, estamos muito focados nas questões de eficiência,
e a eficiência dispensa a filosofia. Tornamo-nos pragmáticos, a liberdade é
barganhada, e o sucesso de nossas atitudes e ações convolou-se numa di-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 45

mensão estatística. Ocorre que, ao nosso redor, conforma-nos o mundo. Há o


imponderável, e aquilo tudo que não conseguimos, simplesmente, conduzir.
Reconhecimento de nossos próprios limites é o acaso sucedâneo de uma
condição inultrapassável, de pertencimento a uma ordem de coisas que não
conseguimos submeter ao nosso alvedrio, senão que somos a ela submetidos.
Muito se poderia, portanto, especular a respeito da sorte ou azar no
Direito Penal. A própria efeméride de um crime culposo, por exemplo, faria
desabrochar uma discussão instigante: punimos o condutor imprudente que
trafega pela mesma rua e colhe o pedestre desatento e nada há de ocorrer com
o outro, que na mesma condição culposa, chega à sua residência sem atropelar
ninguém, pois ninguém cruzou-lhe o caminho, e, assim, vai dormir tranquilo.
Fruto do acaso, eventos similares propendem a desfechos desiguais.
Restringimos, porém, nosso escopo. Assim, partimos de um delinea-
mento filosófico do acaso, que futuramente pode dar curso a uma expansão
de nossas reflexões, para depois aludirmos às circunstâncias alheias à vontade do
agente, tão expressivamente aduzidas na configuração da tentativa de crimes,
e de como a concepção da aleatoriedade determina uma revisão quanto aos
critérios de redução de pena no conatus. Decerto, ainda, na própria configura-
ção pessoal de quem age, em suas características mais fundamentais, o acaso
e suas consequências denotam a presença de algo que escapa ao domínio da
vontade e que, destarte, viabilizam uma ampliação do modo como concebemos
a culpa ou culpabilidade.
Finalmente, há a questão probatória, porquanto, em certas ocasiões, a
demonstração de crimes é mesmo um achado aleatório, quando a busca por
evidências de um delito apontava para outra direção. Não é preciso, aqui,
exaltação de temores: já será puro acaso a presença de uma testemunha ocular,
não percebida pelo criminoso, quando esse estiver a realizar a sua infração, e
desde sempre convivemos com isso.
O acaso, portanto, é mais presente do que supomos, de maneira que
apresentar o seu devido tratamento se afigura uma imposição. Seguramente,
advirão corolários para o Direito e o Processo Penal.

2 A Filosofia do Acaso
À multiplicidade de efeitos do acaso, no Direito, corresponde, entre-
tanto, o seu olvido1. É verdade que a ocorrência de fatos para os quais não

1 Para uma visão ampla sobre as interferências do acaso em vários setores do Direito, cf. CERQUEIRA, Antonio
Augusto. O acaso no direito português. Lisboa: Tipografia Universal, 1916. passim.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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se dirigiu a ação não pertence apenas à órbita do jurídico, de modo que o


acaso, como seja a ocorrência de eventos não cogitados, faz parte da própria
condição humana. Desborda, por assim dizer, do processo de imputação. Seja
como for, o fortuito – o azar e a sorte2 –, são expressões daquilo que, pode-se
afirmar, ocorreu por acaso.
Tomemos, figurativamente, o exemplo da arte de Duchamp, que faz
cair de uma altura, precisamente de um metro, três fios, cada qual também
com um metro de comprimento, num plano horizontal. Ao encontrarem a
superfície, cada um dos fios revelará uma forma distinta, destoante do padrão
básico de medida, que é o metro. Intervenção do acaso, os três fios são ar-
mazenados num vidro: é o “acaso em conserva”3, na tessitura dos fios lançados,
caídos imprevisivelmente, qual ocorre com nossas vidas.
De que maneira, contudo, devemos compreender o acaso?
Muitas coisas acontecem por necessidade, outras acontecem no mais das
vezes; nenhuma delas pertence àquilo que se diz ocorrer por acaso4. O que vem
a ser por acaso sucede por concomitância. Por isso, o acaso não corresponde
à ausência de fatores causais, mas supõe, inversamente, o concurso de fatores
externos ao escopo da lei natural5. Desafia, destarte, a atribuição de um fato
a alguém, pois concorre e extravasa os escopos da vontade. Reconhecem-se
como resultado do acaso apenas as coisas que não ocorrem nem sempre, nem
no mais das vezes6. Dá-se, em suma, a ausência de coordenação teleológica
em séries causais independentes entre si, denotando os nossos limites na
determinação da ordem das coisas.
Daí a dificuldade de o Direito lidar com aquilo que se dá por acaso,
porquanto o acaso escapa à razão, pois a razão se aplica às coisas que são sempre
ou às que são no mais das vezes7, e o acaso não pertence a este domínio.
Quando tratou do acaso em sua teoria das causas8, Aristóteles demarcou
que, em si mesmo, o acaso não é uma espécie particular de causa. O evento

2 Sobre o tema, cf. VELOSO, José António. Sortes. In: Jornadas de Homenagem ao Professor Doutor Cavaleiro de Ferreira.
Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa, 1995. p. 87-90.
3 JIMÉNEZ, José. A vida como acaso. Trad. Manuela Agostinho. Lisboa: Passagens, 1997. p. 162-168.
4 ARISTÓTELES. The physics. Trad. Philip H. Wicksteed, M.A e Francis M. Cornford. London: William Heinemann;
Cambridge, Massachusets: Harvard University Press, 1970. p. 139-161; ARISTÓTELES. Física. Trad. Guillermo R.
de Echandía. Madrid: Editorial Gredos, 2008. p. 146-158; ARISTÓTELES. Física I-II. Trad. e comentários de Lucas
Angioni. Campinas: Editora Unicamp, 2010. p. 50-57.
5 BOHM, David. Causality & chance in modern physics. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1957. p. 1-2.
6 ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. Trad. J. A. Amaral e Artur Morão. Lisboa: Tribuna da História, 2005. p. 110.
7 ARISTÓTELES. The physics..., p. 155.
8 A este respeito, cf. KENNY, Anthony. Nova história da filosofia ocidental: filosofia antiga. Trad. Maria de Fátima Carmo
e Pedro Galvão. Lisboa: Gradiva, 2010. v. 1. p. 207-210.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 47

casual é que resulta da conjugação simultânea de causas, sendo que nenhuma


delas, isoladamente, é suficiente para o resultado.
É, então, de dizer-se que há neutralidade no acaso, pois podem resultar
de sua verificação situações boas ou más9, e, se não se pode afastar do Estado,
na sua manifestação de interessado na evitação de crimes, o elemento sorte,
noutros casos, é em benefício do infrator que advirá a possibilidade de ter a
seu lado uma coincidência ou um acaso.
A ocorrência do acaso, consequentemente, não é suscetível de proibição:
“são indeterminadas as coisas que se podem tornar causas de um resultado
fortuito, razão pela qual não se pode estabelecer nenhuma regra tendente a
limitá-las”10.
O acaso se apresenta num espaço livre de Direito.
Vale explicar: a identificação do Direito com a lei sempre gerou dis-
cussões a respeito das lacunas do sistema jurídico. Contudo, é fora do nível
das lacunas que Engisch trata do conceito de espaço livre, que é o domínio não
afetado pelo Direito11, concernente àquilo que se situa extramuros da cidadela
jurídica12 –, por deliberada intenção legislativa, ao não ligar consequências ju-
rídicas a determinados fatos, ou por não serem determinados fatos passíveis
de regulação13.
Na síntese de Larenz, para certas efemérides dá-se um silêncio eloquente
da lei, uma vez que somente se cogita de lacuna enquanto a questão de que se
trata é idônea a, e está necessitada de, regulação, havendo, de outra parte, um
espaço livre de Direito, pela simples razão de que determinadas situações não se
mostram habilitadas à normatização14.
Esses pontos de indiferença15, em que não haveria valoração jurídica, são,
deveras, cada vez mais raros nas ordens jurídicas, o que não deixa de merecer a
crítica de Faria Costa, porque o “preenchimento, quadrícula a quadrícula, por

9 ARISTÓTELES. The physics..., p. 154-155; Física, p. 154; Física I-II, p. 54.


10 ROSS, David. Aristóteles. Trad. Luis Filipe Bragança S. S. Teixeira. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987. p. 84.
11 ENGISCH, Karl. Einführung in das juristische Denken. Stuttgart/Berlin/Köln/Mainz: Verlag W. Kohlhammer, 1983. p.
138-139. Segundo Virga: “lo spazio vuoto di diritto viene configurato come zona di fatto non regolata in nessun modo
dal diritto, la zona delle azioni non comandate né vietate né permesse, la sfera che sta al di fuori dell’ordinamento
giuridico” (VIRGA, Pietro. Libertà giuridica e diritti fondamentali. Milano: Giuffré, 1947. p. 24).
12 CHORÃO, Mário Bigotte. Temas fundamentais de direito. Coimbra: Almedina, 1986. p. 224.
13 ENGISCH, Karl. La idea de concreción en el derecho y en la ciencia jurídica actuales. Trad. Juan José Gil Cremades. Pam-
plona: Ediciones Universidad de Navarra, 1968. p. 221-235.
14 LARENZ, Karl. Methodenlehre der rechtswissenschaft. Berlin/Heidelberg: Springer, 1991. p. 370-380.
15 ENGISCH, Karl. Der rechtsfreie raum. In: Zeitschriftfür die gesamte staatswissenschaft. Band 108. Heft 03. Tübingen:
Mohr Siebeck GmbH& Co., 1952. p. 409.
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mais infinitesimal que seja, da rede de comportamentos humanos através de


normas jurídicas”, mais não é do que “uma manifestação do Estado punitivo”16.
Ocorre que a ordenação jurídica, máxime a situada no campo do Direito
Penal, propende a comportamentos que, a rigor, sejam evitáveis. E o acaso
não se pode evitar. O que impõe, para as situações mais eloquentes em que
se apresente, abordagem que reconheça os limites do mero comportamento
humano e a sua subordinação àquilo que convencionamos chamar de sorte
ou azar.

3 Acaso e Tentativa de Crimes


Um dos exemplos da interferência do acaso está no conatus. A tentativa,
com efeito, sucede quando, iniciada a execução, o crime não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente, ou seja, ao processo causal desenca-
deado conforme a vontade de quem atua, correlaciona-se um novo fator, em
certos casos uma nova causa, que, para sorte da vítima17, passe o trocadilho,
obstaculiza a eclosão do resultado.
No geral, os sistemas penais beneficiam o agente, na tentativa, com a
redução de pena, não obstante a cediça asserção de que, em termos de dolo,
entre crimes tentados e consumados não se há de cogitar de qualquer distinção.
A vontade do agente, em uma ou outra situação, propende, evidentemente,
à consumação.
O problema surge, nesse ponto, quanto ao critério adotado para a di-
minuição da pena, e a potencialização que se dá aos efeitos do acaso.
Vamos explicar: para a minoração de pena decorrente da tentativa, con-
vencionalmente, o critério jurisprudencial impõe seja analisado o iter criminis
percorrido pelo agente, reduzindo-se o quantum da reprimenda consoante a

16 COSTA, José de Faria. A criminalidade em um mundo globalizado: ou plaidoyer por um direito penal não-securitário.
In: Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. v. III. p. 121.
17 Segundo Angioni, apesar de Aristóteles sugerir a neutralidade do acaso, visto que resultante de uma conjunção
concomitante de séries causais entre si independentes, quando do acaso resulta algo que “é bom, dizemos que se
trata de um ‘bom acaso’ (tychê agathê), ou ‘boa sorte’, mas, quando é ruim, dizemos que se trata de um ‘mau acaso’
(tychê phaulê) ou ‘má sorte’ (...) o mesmo termo tychê exprime tanto acaso como sorte” (cf. ARISTÓTELES. Física
I-II. Trad. e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Editora Unicamp, 2010. p. 310). Na tradução portuguesa da
Ética a Eudemo também constata-se a utilização de sorte, onde se poderia ler acaso. Nesse ponto, cf. ARISTÓTELES.
Ética a Eudemo. Trad. J. A. Amaral e Artur Morão. Lisboa: Tribuna da História, 2005.�����������������������������
p. 110-111. A tradução espa-
nhola da Física, utiliza-se de suerte, invariavelmente, como sinônimo de acaso. Basta-nos aludir ao início do Capítulo
4, do Livro II, em que assim se estabeleceu: “se suele decir también que son causas la suerte y la causalidad y que
muchas cosas son y acontecen debido a la suerte y a la causalidad” (ARISTÓTELES. Física. Trad. Guillermo R. de
Echandía. Madrid: Editorial Gredos, 2008. p. 146). Na tradução inglesa, frequentemente vê-se utilizado luck, para
efeito de tratamento do acaso. Para tanto, cf. ARISTÓTELES. The physics. Trad. Philip H. Wicksteed, M.A e Francis
M. Cornford. London: William Heinemann; Cambridge, Massachusets: Harvard University Press, 1970. p. 141 e
p. 147-148.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 49

maior ou menor aproximação com a consumação do delito. A adoção desse


alvitre, entretanto, no que exclusivamente observa o aspecto objetivo, rela-
cionado com a proximidade da consumação, atrela o critério da pura sorte
para a determinação da pena final ao acusado.
Imaginemos a situação daquele agente que efetuasse tão somente um
disparo de arma de fogo, com baixo calibre, e acertasse meramente o pé de seu
alvo, sendo punido mais gravemente do que aquele indivíduo que, munido
de um fuzil, disparasse diversos tiros contra a vítima, não acertando, contudo,
nenhum deles; ou então, da fraude plenamente elaborada, que se faz descobrir
no início do percurso ilícito, e aquela tosca, realizada de supetão, e que, não
obstante avança mais para diante do âmbito do iter criminis.
Não parece razoável o acolhimento apenas do critério objetivo, tendente
a colimar a redução da pena, o qual, aliás, sequer se extrai da lei, senão de uma
construção jurisprudencial sedimentada no tempo e, todavia, absolutamente
não discutida18. Há, com efeito, evidente insuficiência na adstrição exclusiva
à quantidade de lesão produzida no bem jurídico, para fins de atenuação de
pena, nos casos de tentativa, mormente porque a manutenção do crime na
fase tentada, em discrepância com a vontade do agente, muitas vezes, é fruto
da pura aleatoriedade.
A avaliação, para a imposição da redução de sanção, deve abranger a
realização típica em sua inteireza, o perigo ex ante que a conduta, tal qual
elaborada pelo agente, é virtualmente capaz de produzir ao bem jurídico e,
dir-se-ia, portanto, que a culpabilidade, em seu sentido mais profundo de
reprovabilidade da conduta, haveria de aparecer como critério adicional, para
fins do cálculo da pena, a partir da incidência dessa peculiar causa de diminui-
ção. Vale dizer, destarte, que, mesmo a tentativa branca, em certos casos, pode
implicar numa redução mínima – pensemos na pluralidade de tiros de fuzil,
já referida, direcionados a alguém que não é atingido –, ao passo que o risco
extremado de morte pode, igualmente, levar à máxima redução – suponhamos
um disparo de arma de fogo apenas, que não obstante atinja a perna da vítima,
mas acabe levando-a a uma complexa cirurgia cuja probabilidade de óbito seja
imensa, ao arrepio do grau de energia despendido pelo agente.
Seja com for, o certo é que a tentativa traz a discussão filosófica sobre o
acaso para o centro do Direito Penal, e, sob essa perspectiva, Villar registra, em
monografia inteiramente dedicada ao tema, que aquilo que separa a tentativa

18 Curioso é que, no chamado desvio de golpe (aberratio ictus), ou mesmo nos casos de erro sobre a pessoa, a interpo-
sição do acaso é minimizada, privilegiando a vontade e o plano do agente, visto que, em tais situações, a fortuidade
de atingir pessoa diversa da almejada, não obstante, resolve-se respondendo pelo crime como se o tivesse praticado
contra quem pretendia fazê-lo.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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acabada da ocorrência de consumação é, no fim das contas, a sorte, pela qual


a distribuição do castigo penal acaba se baseando. Para não nos rendermos
puramente à força do acaso, entretanto, sugere Villar a alternativa de adotarmos
alvitre, de preferência normativo, que não se vincule, exclusivamente, com o
controle real da exterioridade ou com as suas consequências materiais, senão
que com uma análise contrafática, em ordem a abranger a relação da conduta
praticada, e da energia para ela desenvolvida, com a regularidade contextual
que potencialmente se lhe poderia aplicar. Em suas palavras: “el mundo real o
actual en que la conducta se desarrolló puede ser excepcional en algún aspecto,
tal que modifique la exteriorización de esa conducta y las consecuencias de
la misma”, e, consequentemente, esta “surte moral por los resultados puede
eliminarse con una reconstrucción del mundo, no del sujeto como pretenden
los subjetivistas”. Corriqueiramente, a ideia é a de que se alguém “dispara un
arma de fuego en dirección de una víctima humana, no va a recibir el disparo
un pájaro que se cruza entre el proyectil y la víctima original de la acción”19.
Destarte, o que se quer assentar é a necessidade de se incrementar o
critério jurisprudencial tão indiscutido, quanto aos critérios para a redução da
pena, nos casos de tentativa, em ordem a não se limitar, a avaliação do quantum
a minorar, ao grau de proximidade da consumação, o qual, ademais, em certas
hipóteses não deixa de consistir em pura especulação. Os demais elementos
tendentes à fixação da pena, em especial a culpabilidade e o grau de energia
criminosa despendido, possuem capacidade de rendimento no sentido de
serem implicados na análise da tentativa, sobretudo pela circunstância, já aí
normativa, de que a pena deve cumprir as funções de prevenção e repressão
do crime, os quais devem ser atendidos, outrossim, quando da fixação da pena
final, em sua terceira fase.
Em suma, são as finalidades que se quer atingir com a fixação da pena,
critérios que se devem acrescentar para o efeito de redução da pena concer-
nente à tentativa, que, assim, não se reduz à aleatoriedade, ao acaso, ou à sorte,
tidos pela jurisprudência como cabais, pois determinantes da proximidade
da consumação.

4 Acaso e Culpabilidade
Uma outra dimensão do acaso surge, na filosofia, a partir das discussões
a respeito das influências da sorte, particularmente da designada sorte moral
(moral luck), as quais abalaram a intuição de que os indivíduos não poderiam

19 VILLAR, Mario. Suerte penal: un estudio de la interferencia de la suerte en los sistemas de imputación. Buenos Aires:
Didot, 2016. p. 210.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 51

suportar juízos morais por eventos que se devessem, em último termo, a fatores
situados fora de seu controle. Isso colocaria em xeque a própria idoneidade
de se estabelecerem esses juízos20.
Melhor dizendo, trata-se de observar que o impacto de circunstâncias
não controladas ou não controláveis pelo agente é uma vertente da “tensão que
sempre perdura na nossa condição humana (...) tensão entre a nossa vontade
de comandarmos e transformamos o mundo e a resistência que o mundo
oferece, vulnerabilizando-nos”21 –, sendo certo que o conteúdo do que somos
nós mesmos, nosso modo de ser, nossas características pessoais, em alguma
medida são também derivadas de uma espécie de sorte22.
Naquilo que se poderia denominar de sorte constitutiva reside a circuns-
tância de, por razões variadas, ostentarmos certas características pessoais de
modo completamente independente de nossas pretensões, seja no plano físico
como no ético. Não há mérito próprio no nascimento em determinada família,
na ostentação de certos atributos, bem assim numa pluralidade de pressupostos
e condições que contribuem decisivamente para sermos quem efetivamente somos.
Villar denomina, por sua vez, de sorte circunstancial aquela concernente
às alternativas e âmbitos nos quais o agente “se encuentra a sí mismo durante
su vida”, sabido seja que determinadas circunstâncias da vida do indivíduo
“lo someten a diferentes retos morales”23. Por isso, que boa parte dos efeitos
de nossos projetos em relação ao curso das coisas escapam ao controle da
intenção e entrelaçam-se com os desenvolvimentos do mundo exterior. É,
deveras, um sinal da finitude humana o abismo entre os efeitos pretendidos
pelo agente e a totalidade inumerável dos corolários da ação24.
Não se trata, aqui, cumpre esclarecer, de uma exaltação do determinismo,
e sim, ao contrário, da percepção de que será o sentido dado à ação a razão de
fundo para a afirmação e avaliação da culpabilidade. O determinismo, com
efeito, priva a vida de toda uma escala de expressões morais25, e sua aceitação
acabaria por ensejar uma drástica mudança no significado e uso de certos

20 Sobre isso, cf. WILLIAMS, Bernard. Moral luck. In: Philosophical Papers 1973-1980. Cambridge: Cambridge University
Press, 1981. p. 20-40. Ainda, com vastas referências, cf. ARAÚJO, Fernando. Sorte moral, carácter e tragédia pessoal.
In: OTERO, Paulo; ARAÚJO, Fernando; GAMA, João Taborda da (Org.). Estudos em memória do Prof. Doutor J. L.
Saldanha Sanches: direito público e europeu, finanças públicas, economia, filosofia, história, ensino, vária. Coimbra:
Coimbra Editora, 2011. v. I. p. 781-836.
21 ARAÚJO, Fernando. Sorte moral..., p. 783.
22 ARISTÓTELES. Retórica (1362a). Trad. Manuel Alexandre Júnior et al. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
2005. p. 112.
23 VILLAR, Mario. Suerte penal..., p. 27.
24 RICOEUR, Paul. O justo ou a essência do direito. Trad. Vasco Casimiro. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 58-59.
25 BERLIN, Isaiah. Sobre la libertad. Trad. Julio Bayon et al. Madrid: Alianza Editorial, 2009. p. 44.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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conceitos e palavras que são fundamentais para o pensamento humano26, isto


é, em nossa própria linguagem e na linguagem do Direito.
O sentido da ação marca a distinção crucial entre agir e ser agido, e é por
isso que somos responsáveis por aquilo que fazemos, e não necessariamente por
aquilo que nos acontece27. No reconhecimento da força do acaso e da aleatoriedade
não reside, portanto, uma negação da liberdade, a qual é pressuposta, e em cuja
ausência não é possível falar-se de culpa e mesmo “de norma e mais geralmente
entender actos linguísticos dirigidos ao comportamento de outrém”28.
Como diz Challaye, a própria ideia de moralidade exige a liberdade de
eleição entre diversas ações igualmente possíveis e, à indagação sobre qual
haveria de ser a razão psicológica para se crer na liberdade, responde o autor
que uma só, porém decisiva: a consciência que temos da liberdade29. Destitu-
ídos do reconhecimento da liberdade, teríamos que culpar e louvar não mais
teriam sentido e, assim, acusar ou defender as figuras da história, pelo modo
como atuaram, já não teria nenhuma razão30.
Desse modo, concilia-se a culpabilidade penal, fundada na liberdade de
agir, e aquilo que, muitas vezes, se apresenta como decorrência do acaso; às
vezes, será resultado da ação além do que almejado; outras vezes, aquém. A
intenção mesma, enquanto expressão do sentido do agir, muitas vezes, deriva
de atributos de nossa constituição individual para a qual não concorremos
com mérito ou demérito. Não obstante, é certo que a consciência da liber-
dade conforma uma parte fundamental da experiência comum da existência,
e tanto o ordenamento jurídico como o ético fundamentam suas bases sobre
a asserção de dita consciência31.
A liberdade, pois, num sentido de autodeterminação, como capacidade
de decidir-se entre alternativas, constitui-se num dos componentes básicos

26 BERLIN, Isaiah. Sobre..., p. 43.


27 DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge-London: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011.
p. 226-227.
28 BRITO, José de Sousa e. Os fins das penas no Código Penal. In: VALDÁGUA, Maria da Conceição (Coord.).
Problemas fundamentais de direito penal: Colóquio Internacional de Direito Penal em Homenagem a Claus Roxin, por
ocasião de seu doutoramento honoris causa, na Universidade Lusíada de Lisboa. Lisboa: Universidade Lusíada Editora,
2002. p. 170.
29 CHALLAYE, Félicien. Filosofía moral. Trad. Emilio Huidobro e Edith Tech de Huidobro. Barcelona/Madrid/Buenos
Aires/Rio de Janeiro: Labor, 1936. p. 81. Como diz Castanheira Neves, a normatividade não é decerto pensável sem o
“pressuposto da liberdade (que sentido tem o ‘dever’, a exigência normativa, sem o ‘poder?’), além de ser igualmente
categoria da compreensão antropológico-existencial do homem” (NEVES, A. Castanheira. Coordenadas de uma
reflexão sobre o problema universal do direito – ou as condições de emergência do direito como direito. In: Estudos
em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. Coimbra: Almedina, 2002. v. II. p. 862).
30 BERLIN, Isaiah. Sobre..., p. 152-153.
31 BURKHARDT, Björn. Wie ist es, ein mensch zu sein? In: Festschrift für Albin Eser zum 70 Geburstag. München:
C.H.Beck, 2005. p. 98-99.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 53

da compreensão de primeira pessoa da ação32. É componente também da terceira


pessoa, pois reagimos diferentemente com relação a quem nos lesiona, se o
faz voluntariamente, ou se o evento lesivo deu-se sob condições que estavam
fora do domínio de quem nos prejudicou. Essas atitudes e reações acabam por
produzir diversos tipos de sentimentos, como o ressentimento, a gratidão, o
perdão ou o inconformismo, e é sempre de considerar aquilo que atribuímos
às atitudes e intenções que as outras pessoas têm frente a nós mesmos33. Em
que pese o fato de sentirmos a mesma dor, não será diferente a nossa reação,
e o nosso sentimento, frente àquele que pisa em nossa mão acidentalmente
e aquele que o faz com vontade manifesta de nos machucar?
Nesse trânsito entre a liberdade experimentada pelo homem, reconhe-
cida pelos seus semelhantes, e a aleatoriedade do mundo, é que reside uma
das raízes da tragédia humana: apesar de nossas limitações, temos de assumir
a responsabilidade pelas nossas ações e sofrer os seus efeitos34.
Sem isso, assimilaríamos as nossas opiniões morais, e a culpa penal,
a meras concepções estéticas, o que nos levaria a encarar o heroísmo, a ho-
nestidade ou a justiça tal como hoje encaramos a beleza, a força ou o gênio35.
O acaso, assim, convive com a liberdade de agir e não significa a sua
eliminação; porém, revela-nos os limites da ação, condicionada, muitas vezes,
por pressupostos não atribuíveis ao agente e com consectários que escapam
mesmo ao seu desiderato. Tudo a impor o afastamento de generalizações,
de busca de conceitos artificiais como o de “homens médios” e a observação
efetiva do sujeito particular que atuou, bem como do sentido que imprimiu à
conduta, para efeitos de afirmação e aquilatação de sua culpa. Tal juízo, portanto,
cobra alguma moderação e, arriscaríamos dizer, uma dose de generosidade,
pois desejar-se aquilo que se deseja não está sempre nos domínios da vontade e,
ademais, ao expressar-se a vontade no mundo das coisas, por via de uma ação,
igualmente os seus resultados não estarão infensos a um tipo de descontrole
que, escapando da causalidade, entrega-se aos caprichos do acaso.

32 BURKHARDT, Björn. First-person understanding of action in criminal law. In: Voluntary action: brains, minds, and
sociality. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 238-262.
33 STRAWSON, Peter Frederick. Freedom and resentment. In: EKSTROM, Laura Waddel (Ed.). Agency and responsibility.
Oxford: Westwiew Press, 2001. p. 183-202.
34 Conforme Baccelliere, a “responsabilità morale tiene conto della vulnerabilità e fragilità dell´uomo, ragion per cui
essa è al contempo un presupposto e un compito”; essa fragilidade é a de “un essere responsabile: è il paradosso
della responsabilità umana, quello di essere potenzialmente illimitata ma in un essere chiaramente limitato” (BAC-
CELLIERE, Domenico. La responsabilità e la sua rilevanza etica: presentazione e attualità della proposta di Hans Jonas.
Roma: Aracne, 2007. p. 22).
35 BERLIN, Isaiah. Liberta-te da esperança e do medo. In: A busca do ideal: uma antologia de ensaios. Trad. Teresa
Curvelo. Lisboa: Bizâncio, 1998. p. 152-153.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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5 Acaso e Elementos Probatórios


Provavelmente é no âmbito da atividade probatória que mais amiúde
reconhecemos as circunstâncias do acaso, e, isso não obstante, o tratamento
dado à fortuidade, nessas situações, olvida as imponderabilidades da sorte.
Cuida-se de um outro modo de encarar nosso tema, já agora conduzindo-o
para as lindes do Processo Penal.
A��������������������������������������������������������������������
prova penal, segundo se diz, desdobra-se em três vertentes, compre-
endendo a atividade probatória, ou seja, o “esforço metódico através do qual
são demonstrados os factos relevantes para a existência do crime”, os meios
de prova, como sendo os elementos com base nos quais os fatos relevantes
podem ser demonstrados, e, ainda, o resultado da atividade probatória, isto
é, a motivação da convicção de quem decide acerca da ocorrência dos fatos36.
As proibições, portanto, direcionam-se às variadas formas sob as quais
as provas se apresentam: há proibições no tocante à atividade de demonstração
de fatos, algumas vedadas, bem como no que concerne à valoração dos elementos
eventualmente produzidos37.
Ocorre que a dissuasão somente encontra sentido frente àquilo que
se pode evitar. E isso, todavia, não sucede com o acaso. Como ressaltado por
Teixeira da Cunha, o acontecimento originado do acaso tem as suas causas
próprias e “é o encontro imprevisto destas causas que dá lugar ao acaso”; des-
tarte, pode “definir-se, por consequência, o acaso como um acontecimento
imprevisto, ocasionado por um encontro de causas (...)”38.
O ingresso judicialmente autorizado em uma residência, à guisa de
cumprimento de mandado de busca e apreensão, pode levar à obtenção de
material criminoso diferente daquele ao qual, em princípio, dirigiu-se a or-
dem. Em certas circunstâncias, tais elementos podem vir a comprometer até
mesmo outras pessoas que, eventualmente – rectius, por acaso – estavam no
local em que se empreendia a diligência. Uma delação premiada, destinada
como fonte de prova alusiva a determinado episódio ilícito, pode, em algumas
ocasiões, levar o colaborador até mesmo a apresentar dados mais eloquentes
do que sustentados ao início das negociações, em ordem a fortuitamente

36 MENDES, Paulo Sousa. As proibições de prova no processo penal. In: PALMA, Maria Fernanda (Coord. Cient.).
Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais. Lisboa: Almedina, 2004. p. 133.
37 AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: Las prohibiciones probatorias.
Bogotá: Editorial Temis, 2009. p. 65.
38 CUNHA, Manuel Araújo Teixeira da. A ideia de acaso em filosofia. Dissertação para licenciatura em Ciências Históricas
e Filosóficas. Policopiado. Lisboa, 1961. p. 11-12.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 55

implicar pessoas outras, para além daquelas em relação a quem propendiam,


no início, as declarações39, surpreendendo a todos.
As descobertas fortuitas, ademais, apresentam-se com alguma frequên-
cia nas interceptações telefônicas40. É que, no quadro atual da técnica, não se
consegue isolar apenas e unicamente as falas, frases e comunicações do alvo
da interceptação, sem contar que isso, mesmo se viabilizado tecnicamente,
tornaria inservível a prova ao processo penal, dada a supressão do contexto.
Como parece curial, ninguém fala ao telefone consigo mesmo.
Há muito tempo, Scarance Fernandes apontava ser difícil o problema
da obtenção de prova diversa daquela autorizada, e, sem apresentar solução,
suscitava que apenas uma interpretação deveras rigorosa da lei brasileira co-
limaria na vedação da prova obtida, se não inserida no âmbito da autorização
judicial, porquanto se a prova foi regularmente obtida diante de uma medida
autorizada, tudo que se lhe derivasse haveria de ser considerado lícito41. Ran-
gel, de sua parte, em 1999, manifestava a admissibilidade de tais elementos,
mormente na interceptação telefônica, pois, do contrário, estar-se-ia a sus-
tentar que do lícito adveio o ilícito, de maneira que se a escuta foi realizada
nos estritos limites da lei, o que dela adviesse deveria ser considerado, como
consequência do respeito à ordem jurídica42. No mais, sobretudo, no que tange
à interceptação telefônica, sempre houve instabilidade da doutrina brasileira
sobre o tema dos encontros fortuitos43.
De observar-se, porém, que, se é inerente ao meio de prova a assunção de
elementos que digam respeito a outras pessoas – como no caso da interceptação
telefônica ou da busca em residências –, dar-lhes o efeito de proibidos, quando
aparecessem eventualmente e dissessem respeito a outros crimes, discreparia
de uma projeção que já se empreendeu no próprio plano legislativo – na auto-
rização constitucional à interceptação telefônica, por exemplo, desde sempre
esteve embutida a ideia de que numa conversa telefônica estão presentes duas

39 Sobre o encontro fortuito nas delações, ainda que sinteticamente, cf. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de.
Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 299-300.
40 Amplamente, sobre a fortuidade e nas interceptações, máxime em vista da legislação portuguesa, cf. FACCINI NETO,
Orlando. Prova ao acaso: os conhecimentos fortuitos nas escutas telefônicas, os limites do direito e as vanidades
normativas – Portugal e Brasil. Revista Lex, n. 58, 2012, p. 360-401.
41 FERNANDES, Antonio Scarance. A Lei de Interceptação Telefônica. In: PENTEADO, Jaques Camargo (Coord.).
Justiça penal: críticas e soluções. Provas ilícitas e reforma pontual. São Paulo: RT, 1997. v. 4. p. 48-70.
42 RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, RT,
n. 26, abr./jun. 1999. p. 147.
43 Nesse sentido, cf. JESUS, Damásio Evangelista de. Interceptação de comunicações telefônicas: notas à Lei 9296/96.
Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 86, n. 735, jan. 1997, p. 458-473, quando sustenta a invalidade do conhecimento
fortuito em qualquer hipótese. Ao revés, cf. GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 22-25, que a admitia sem restrição. Do mesmo modo que Greco Filho, cf. NUCCI, Guilherme de Souza.
Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: RT, 2006. p. 355-356. Com o mesmo entendimento de Jesus, cf.
ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 295.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
56

pessoas. Além disso, é fortemente contraintuitivo o repúdio à sorte, por inter-


médio da qual se alcançou a prova de um crime, como que a desconsiderar
que o desenvolvimento da atividade estatal de investigação e julgamento de
crimes estivesse tolhida para qualquer consideração do acaso.
A circunstância de não ser o acaso algo que suceda sempre, e nem no
mais das vezes, faz surgir a razão para suplantarmos o óbice. Problematizar os
encontros fortuitos sob a perspectiva da inevitabilidade do acaso confere-lhes
uma nova dimensão e traz, para o Processo Penal, tão condicionado à técnica e à
avaliação especulativa de meras situações de prejuízo, algum aporte de filosofia
e de reconhecimento da impossibilidade de exercício de um tipo de totalidade
de controle na busca de provas de uma infração. Há sempre aquilo que escapa à
previsão, à ordem, de modo que os elementos encontrados fortuitamente não
podem ser profligados pela simples razão de sua aleatoriedade, ostentando,
ao contrário, uma presunção em benefício de sua aceitação, dado que o seu
impedimento ou proibição, no plano normativo ou no da jurisprudência, não
passariam de vanidade, pois o exercício de controle sobre o acaso, se feito,
far-se-á debalde.

6 Conclusão
Uma nova concessão à arte: no cenário musical brasileiro, muitos
cantaram o refrão em que se diz: “(...) e não há lógica que faça desandar, o
que o acaso decidir”; tratava-se do reencontro fortuito de dois amantes, feitos
“um pro outro”. Mais rebuscada é a asserção de Ovídio, ao aludir que: “O
acaso pode muito: tem sempre pronto o anzol; no rio de que nada esperas,
aparecerá o peixe”.
De um modo ou de outro, não se olvidam os efeitos do acaso. No
universo jurídico, contudo, e mormente em termos de Direito e Processo
Penal, estamos muito aquém dos desenvolvimentos possíveis a partir do
reconhecimento de que certos eventos sucedem em decorrência da sorte, do
azar, da coincidência ou do aleatório.
Nossa intenção, aqui, foi meramente a de sugerir um caminho, uma
chave de leitura, um outro tipo de argumentação, a ser perseguido no futuro,
sobre a virtualidade dos efeitos do acaso. Em caráter não exaustivo, procuramos
aduzir consectários ao tema da tentativa, da culpabilidade e mesmo da prova,
já aí setorizadamente no Processo Penal.
Muito mais haverá por dizer e, se por acaso nosso texto fustigar a refle-
xão para futuros desenvolvimentos de um improvável leitor, o objetivo terá
sido atingido.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 57

TITLE: Essay on chance and its consequences for criminal law and criminal procedure.

ABSTRACT: This text intends, not exhaustively, to deal with chance and its multiple influences in Criminal
Law and Process. Fortuitous events, derived from good or bad luck, mark the limits of the human condition
and the impossibility of absolute control over the causal processes, allowing for reflections concerning the
allocation process, notwithstanding the doctrine oblivious. Both in circumstances beyond the will of the
agent and, certainly, in the very personal configuration of the person acting, chance and its consequences
denote the presence of something that is beyond the control of the will and which also sometimes leads to
the demonstration of crimes, found randomly when the evidentiary search pointed in another direction.

KEYWORDS: Chance. Attempt. Guilt. Evidence.

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Recebido em: 16.04.2020


Aprovado em: 22.05.2020
Doutrina

A Responsabilidade Penal da Pessoa


Jurídica e o Compliance Diante de
Situações de Pandemia

Marcio Fernandes Fioravante da Silva


Mestrando em Direito Penal na Universidade de São Paulo
– USP; Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo
– USP (2009-2013); Especialista Lato Sensu em Direito
Ambiental pela Universidade Federal do Paraná – UFPR
(2015-2017); Especialista Lato Sensu em Direito Processual
Penal pela Faculdade Damásio de Jesus (2016); Advogado e
Consultor da Caixa Econômica Federal.

RESUMO: A situação de calamidade pública gerada pela pandemia da Covid-19,


bem como por outras que a precederam e que poderão a suceder, demanda a
revisão de diversos institutos que compõem o direito penal brasileiro. A revisão
do rol de delitos pelo qual as pessoas jurídicas podem responder perante nosso
ordenamento parece conveniente. A previsão de que as pessoas jurídicas possam
responder por delitos que envolvam a situação de pandemia ganha especial
destaque. Por óbvio, tal revisão não se refere a um direito penal que atenda,
por princípio, ao clamor público, mas, sim, que se adéque à realidade que o
demanda. Diante desse cenário, temos a adoção dos programas de compliance
com uma dupla função, a prevenção de delitos e uma ferramenta de aferição da
culpabilidade corporativa perante o direito penal.

PALAVRAS-CHAVE: Pandemia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.


Compliance. Culpabilidade.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Direito Penal da Pessoa Jurídica e a Situação de


Pandemia. 3 A Conveniência da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. 4
O Compliance. 5 O Compliance em Situações de Pandemia. 6 O Compliance e a
Culpabilidade da Pessoa Jurídica. 7 Conclusão. 8 Bibliografia.

1 Introdução
A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica sempre gerou
discussões acaloradas entre os doutrinadores. Longe de estar pacificada, ainda
há quem rejeite tal possibilidade. Seja pela simples reverência ao princípio
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
60

do societas delinquere non potest e todos entraves dogmáticos que se apresentam


sobre as possibilidades da conduta e da culpabilidade do ente moral no direi-
to penal, seja pela preferência por outros ramos do direito atuarem junto às
pessoas jurídicas, como o direito administrativo, há muitos críticos ferrenhos
à responsabilização penal da pessoa jurídica.
Apesar desse cenário, a responsabilização penal da pessoa jurídica
parece estar se consolidando nos diversos ordenamentos jurídicos mundo
afora. Dessa forma, a doutrina passa a se debruçar sobre outras questões que
circundam o polêmico instituto. As formas de atribuir responsabilidade penal
às pessoas jurídicas, por exemplo, passam a ser analisadas sob os aspectos das
autorresponsabilidade e da heterorresponsabilidade.
Calamidades públicas, como pandemias, reforçam a necessidade de
revisão do rol de tipos penais atribuíveis às pessoas jurídicas. O compliance
ganha um papel relevante perante essa responsabilidade penal, pois pode servir
estrategicamente como controle do comportamento empresarial, tendo uma
função preventiva, e também como parâmetro de mensuração da culpabilidade
corporativa, sob a forma do defeito de organização.
Dessa forma, o estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica tem
maior sentido quando é realizado em conjunto com a necessidade de revisão
de nossa legislação e o estudo do compliance. O presente trabalho busca abordar
esses temas sob a ótica da doutrina brasileira e internacional, aproximando a
responsabilidade penal dos entes morais do compliance, tendo em vista a atual
proximidade pragmática desses institutos.

2 O Direito Penal da Pessoa Jurídica e a Situação de Pandemia


A Organização Mundial da Saúde (OMS) dispõe que uma evolução
epidemiológica dispõe de seis fases. Na fase seis, tem-se a epidemia em evo-
lução, situação em que há a transmissão inter-humana sustentada e atingindo
mais de duas regiões planetárias. Nessa situação, a OMS propõe como resposta
que cada país implemente ações como solicitado em seus planos nacionais de
abordagem em casos de epidemias1.
O Direito Penal brasileiro traz diferentes abordagens sobre os delitos
que envolvam a disseminação de agentes patológicos contaminantes. O art. 267
do Código Penal traz o tipo penal “causar epidemia, mediante a propagação
de germes patogênicos”, sendo que abarca tanto a modalidade dolosa quanto

1 BRASIL. Ministério da Saúde. Plano brasileiro de preparação para enfrentamento de uma pandemia de influenza. Disponível
em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_brasileiro_pandemia_influenza_IV.pdf>. Acesso em: 29 mar.
2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 61

culposa. É um delito que prevê penas altas, de 10 a 15 anos, estando incluso


no rol de crimes hediondos.
Já o art. 268 traz como previsão típica a conduta de “infringir determi-
nação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de
doença contagiosa”. É uma norma penal em branco que demanda ato admi-
nistrativo ou norma. Exemplo de normas complementares, nesses casos, é
a Lei nº 13.979/2020, que trata emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, bem
como a sua regulação pela Portaria nº 356/2020 do Ministério da Saúde.
Tanto o previsto no art. 267 do Código Penal quanto no art. 268, admi-
tem como seus sujeitos ativos unicamente as pessoas naturais. O direito penal
brasileiro não prevê a responsabilização penal da pessoa jurídica, nesses casos.
Vejamos que não é situação improvável o caso de uma empresa que
propague uma doença, através de uma ação carente de cautela, ou mesmo
descumpra determinações do Poder Público destinadas a impedir a propagação
de doenças. Tanto é assim, que a Lei nº 9.605/98 instituiu o tipo penal, no
art. 61, que prevê a responsabilização do agente que “disseminar doença ou
praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna,
à flora ou aos ecossistemas”.
Estando previsto na Lei de Crimes Ambientais, é cabível de incidência
desse tipo penal sobre a conduta de uma pessoa jurídica. Todavia, em uma
hipótese em que pessoa jurídica infrinja uma determinação do Poder Público
destinada a impedir a disseminação de agentes patogênicos que afetem a saúde
pública, não haveria responsabilização penal.
Diante de pandemias que podem colocar em risco a vida de milhões
de pessoas, a colaboração de diversos tipos de pessoas jurídicas é essencial a
mitigar os riscos de propagação, a exemplo de empresas multinacionais, clubes
e concessionárias de serviços públicos.
Na realidade jurídica brasileira, ao instituir a responsabilidade penal
da pessoa jurídica com base no previsto no § 3º do art. 225 da Constituição
Federal, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, trouxe a única exceção
no ordenamento pátrio à regra societas delinquere non potest2. De fato, é a única
exceção à regra, tendo em vista que ainda resta controversa e não regulamen-
tada previsão de responsabilização da pessoa jurídica com base no § 5º do
art. 173 da Constituição Federal. Ainda que fosse possível a possibilidade de

2 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 658.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
62

responsabilizar penalmente as empresas por delitos econômicos, a legislação


infraconstitucional ainda não o fez3.
Dessa forma, ao cogitarmos a ampliação da responsabilidade penal de
uma pessoa jurídica, no ordenamento jurídico brasileiro, é inevitável vis-
lumbrar a necessidade de emendarmos o texto constitucional, inserindo essa
possibilidade. Ainda que essa alteração seja possível, por não violar nenhuma
cláusula pétrea, seria conveniente avaliar sua pertinência. Seria conveniente
para a nossa sociedade a responsabilização penal de uma empresa que praticasse
condutas semelhantes às previstas nos arts. 267 e 268?

3 A Conveniência da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica


A adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica por determi-
nado ordenamento é, antes de tudo, uma opção político-criminal com base,
principalmente, em uma estratégia de combate à criminalidade moderna.
Não é um posicionamento decorrente do acaso, mas, sim, uma bem refletida
tomada de posição por conta de um fato social que sensibilizou a vontade
política. Cabe ao doutrinador construir o caminho necessário à sustentação
dessa vontade política.4
Zugaldía Espinar destaca que, na atualidade, graças a um fenômeno
positivo de expansão (devido a fatores como globalização, sociedade de risco
e novas tecnologias) surge um novo Direito Penal, com novas formas de
delinquência contra novos bens jurídicos. Dessa forma, temos uma conside-
ração da ordem econômica, dos direitos do consumidor e dos trabalhadores,
do meio ambiente, dentre outros, como bens jurídicos que têm como seu
principal violador uma pessoa jurídica. O doutrinador espanhol entende que,
por esses motivos, há uma manifesta necessidade político-criminal em abrir
o Direito Penal a esse novo sujeito ativo, a pessoa jurídica5.
Jesús-Maria Silva Sánchez, antes mesmo da entrada em vigor do novo
Código Penal espanhol, já identificara na doutrina um sentimento contra-
ditório, pois grande parte dela rejeitava, dogmaticamente, a possibilidade de
responsabilização penal da pessoa jurídica, mas apreciavam a necessidade

3 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial comentada. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 295.
4 GALVÃO, Fernando. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 4. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: D’Plácido,
2017. p. 29.
5 ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. La responsabilidad criminal de las personas jurídicas en el derecho penal
español (análisis de la cuestión tras la reforma operada por la LO 1/2015, de 30 de marzo). ������������������
In: ZUGALDÍA ESPI-
NAR, José Miguel; ESPINOSA CEBALLOS, Elena B. M. (Org.). La responsabilidad criminal de las personas jurídicas
en Latinoamérica y en España. Pamplona: Thomsom Reuters (Legal) Limites, 2015. p. 219.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 63

político-criminal dessa possibilidade6. Em geral, temos que os planos da


dogmática e o político criminal ficam em lados opostos quando considerados
na possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo que se
encontram mais pontos positivos nesse último plano.
A militância em prol da responsabilização penal da pessoa jurídica se
apoia em características da pessoa jurídica que propiciariam a ocorrência de
delitos. Aponta Klaus Tiedemann que a sociologia já ensina que os agrupa-
mentos criam o ambiente que facilita e incita os indivíduos, as pessoas físicas,
a cometerem delitos em benefício dessa coletividade. Parte daí a ideia de não
sancionar apenas as pessoas físicas, mas também todo o agrupamento. Ain-
da, as novas formas de criminalidade, os delitos corporativos, como aqueles
perpetrados contra o consumidor, meio ambiente e crime organizado, recla-
mam uma atualização do Direito Penal, já que em sua forma tradicional, resta
insuficiente para o combate a esses crimes7.
Conforme dispõe María Ángeles Cuadrado Ruiz, a responsabilidade
penal da pessoa jurídica já era admitida na Europa entre os séculos XIV e
XVIII, tendo, inclusive, Bártolo de Sassofferrato construído sobre a teoria
da ficção uma capacidade delitiva da pessoa jurídica8. Desse modo, seria a
retomada de um instituto que encontraria sua razão na realidade social atual,
que demonstra a existência de pessoas jurídicas de variadas índoles, algumas
propensas a fraudar seus clientes, vender produtos vencidos, lavar dinheiro
proveniente do crime ou causar problemas ambientais9.
Parece ser por esses motivos que a opção político-criminal em res-
ponsabilizar penalmente os entes coletivos tem ganhado espaço e adesão em
diversos ordenamentos mundo afora. Conforme destaca José L. González
Cussac, os enormes casos de delitos financeiros cometidos por empresas nos
Estados Unidos, Europa, Ásia e América Latina, nos últimos anos, evidenciam
o fracasso do modelo de compliance, como único meio de prevenção de delitos
da pessoa jurídica, e a debilidade do sistema tradicional de responsabilidade

6 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Responsabilidad penal de las empresas y de sus órganos en derecho español. In:
PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (Org.). Responsabilidade da pessoa jurídica: em defesa do princípio da im-
putação subjetiva. 4. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 70-71.
7 TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado. In:
GOMES, Luiz Flávio (Org.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: RT,
1999. v. 2. p. 27.
8 CUADRADO RUIZ, María Ángeles. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Un paso hacia adelante...
¿un paso hacia atrás?. Revista Jurídica de Castilla y León, n. 12, abr. 2007, p. 125.
9 Ibid., p. 126-127.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
64

individual no seio de complexas estruturas societárias, assim como o das


múltiplas construções jurisprudenciais precedentes10.
Dessa forma, a opção legislativa pela intervenção penal no ordenamento
espanhol, por exemplo, buscou enfrentar essas carências. Apesar de ser cedo
para formular um balanço incontestável da sua eficiência quanto ao alcance
de seus objetivos, assim como avaliar possíveis danos colaterais, o panorama
internacional tem seguido claramente a tendência da responsabilização pe-
nal dos entes coletivos, com destaque para Holanda, Estados Unidos, Reino
Unido, Noruega, Irlanda, Islândia, França, Finlândia, Eslovênia, Dinamarca,
Estônia, Bélgica, Suíça, Polônia, Portugal e Espanha11.
Na América Latina, a Bolívia, ainda que praticamente sem aplicação,
admite a responsabilização penal das pessoas jurídicas estritamente nos delitos
de corrupção, quando houver o enriquecimento ilícito de particulares12; o
Chile, também com uma incidência mínima em seu mundo jurídico, prevê
a responsabilização para os delitos de suborno, financiamento ao terrorismo e
lavagem de dinheiro13. Percebe-se que a maioria dos países restringe a respon-
sabilização penal das pessoas jurídicas aos delitos ambientais e econômicos.
No caso das situações de pandemia, o comportamento das corporações
pode ser danoso às determinações do Poder Público para conter a propagação
da epidemia e a responsabilização penal da pessoa jurídica é uma ferramenta
eficaz. Imaginemos, por exemplo, uma empresa que não respeite a quaren-
tena, o isolamento ou descumpra as restrições de locomoção, expondo seus
empregados e a população. Ainda que se advogue pela responsabilização do
gestor que autorizou o descumprimento dessas medidas, no caso de grandes
corporações, a identificação da pessoa física é, por vezes, infrutífera.
Parte da doutrina reconhece que o problema gerado pela complexidade
corporativa na identificação de um autor específico do delito seria a principal
razão da possibilidade de responsabilização autônoma da empresa. Quanto
maior for a pessoa jurídica, mais eficaz é essa política criminal de responsa-
bilização penal do ente coletivo14.

10 GONZÁLEZ CUSSAC, José L. O modelo espanhol de responsabilidade penal das pessoas jurídicas. In: OLIVEIRA
et al. Direito penal econômico: estudos em homenagem aos 75 anos do professor Klaus Tiedemann. São Paulo: LiberArs,
2013. p. 380.
11 Ibid., p. 380.
12 JOFFRE CALASICH, Fabio. La responsabilidad penal de las personas jurídicas en el derecho penal boliviano. In:
ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel; ESPINOSA CEBALLOS, Elena B. M. (Org.). La responsabilidad criminal de
las personas jurídicas en Latinoamérica y en España. Pamplona: Thomsom Reuters (Legal) Limites, 2015. p. 40.
13 HERNÁNDEZ BASUALTO, Héctor. La responsabilidad penal de las personas jurídicas y reforma penal integral
en Chile. In: ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel; ESPINOSA CEBALLOS, Elena B. M. (Org.). La responsabilidad
criminal de las personas jurídicas en Latinoamérica y en España. Pamplona: Thomsom Reuters (Legal) Limites, 2015. p. 93.
14 SARCEDO, Leandro. 2015, p. 113-114.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 65

Posicionamento interessante vem de Walter Claudius Rothenburg,


que, com base nos ensinamentos de Freud, entende haver alterações no
comportamento individual quando ocorre o fenômeno associativo, isto é,
na manifestação de vontade do grupo. Haveria uma redução da capacidade
intelectual individual, manifestando-se no próprio grupo, que se inclinaria à
submissão ao líder, sacrificando o interesse pessoal em prol do agrupamento.
O autor reforça esse posicionamento o exemplo de um fenômeno familiar ao
Direito Penal que ajudaria a explicar a influência do coletivo sobre o individual,
o da multidão criminosa15.
Seria evidente, portanto, que o indivíduo comporta-se diferentemente
em grupo, atuando segundo motivações próprias do fenômeno associativo,
mas estranhas à realidade individual. Logo, se essa vontade coletiva é diversa
da individual, haveria claros motivos para responsabilizar a pessoa jurídica,
enquanto ente coletivo, já que a vontade dessa, e não a do indivíduo, é deter-
minante para o cometimento de determinadas infrações.
Outro argumento defensivo à responsabilização penal das pessoas jurí-
dicas é a dificuldade em individualização de condutas no âmbito da empresa.
É frequente que em uma estrutura complexa e hierarquizada haja condutas
que nem sempre são reconhecidas pelo agente como ilícitas. Desse modo,
por exemplo, mesmo os setores superiores de uma empresa, como a direto-
ria, apesar da capacidade de decidir pela conduta, não participam dessa, nem
sequer conseguem reconhecer eventual ilicitude de todos os atos praticados
no âmbito da complexa rede por eles liderada16.
Contrapondo-se às vantagens defendidas por grande parte da doutrina
em se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, temos o posicionamento
como o do jurista Winfried Hassemer, que, apesar de não endossar a doutrina
do Direito Penal funcional, reconhece a necessidade de um combate mais
eficaz à criminalidade moderna17. Todavia, Hassemer sugere a criação de um
novo direito, Direito de Intervenção, que seria um meio termo entre o Direito
Penal e o Direito Administrativo, com maior aptidão para solucionar proble-

15 ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. 1. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2007. p. 52-55.
16 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������
SCHÜNEMANN, Bernd. Die Strafbarkeit der juristischen Personenausdeutscher und europäischer Sicht. In: Baus-
teine des europäischen Wirtschaftsstrafrechts: Madrid-Symposium für Klaus Tiedemann. Berlim, Carl Heymanns
Verlag, 1994. p. 272. Apud Revista – Série Pensando o Direito, n. 18/2009: responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Direito GV). Coord. Acad. Marta Rodriguez de Assis
Machado, 2009. p. 13.
17 HASSEMER, Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre, publicação da Escola Superior do Ministério
Público, 1993, p. 48 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa
jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (Org.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São
Paulo: RT, 1999. v. 2. p. 65.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
66

mas preventivamente e contaria com a cooperação sobre os meios de atuação


de diferentes áreas, como Direito Administrativo, Sanitário, do Trabalho, etc.18.
Fabio Joffre Calasich entende que há desvantagens na adoção da respon-
sabilidade penal da pessoa jurídica, principalmente no âmbito socioeconômico.
Para o jurista boliviano, a suspensão ou cessação das atividades das empresas
por conta de condenações penais gerariam paralisação das atividades dos traba-
lhadores, diminuição das garantias de credores, descumprimento de contratos
com terceiros, etc. Fatos que teriam um enorme custo social, principalmente,
para países em desenvolvimento, como no caso da América Latina19.
Percebe-se que parte da argumentação a favor da responsabilização
penal da pessoa jurídica tem um posicionamento pragmático e tenta superar
os entraves de valor dogmático para considerar penalmente responsáveis em-
presas e sociedade, dentro de certos limites20. Todavia, outra parte da doutrina
parece buscar, principalmente dentro dos próprios dogmas do direito penal,
argumentos que evitem uma fuga dos preceitos já sedimentados nesse ramo
do direito, ainda que haja contestações também no âmbito político-criminal.
O que é dedutível, de fato, é que essa responsabilização é uma tendência
aparentemente irreversível e necessária, pois vários ordenamentos mundo
afora estão adotando tal possibilidade para diferentes tipos de delitos. Cabe
avaliar as vantagens na previsão de que as pessoas jurídicas passem a responder
penalmente, quando atuarem em delitos envolvendo situações de epidemias
e pandemias.

4 O Compliance
Ao que tudo indica, a etimologia da palavra compliance deriva do latim
complere e seu significado está ligado à vontade de fazer o que foi pedido, ou,
ainda, agir ou estar em concordância com regras, normas e condições. Os
norte-americanos, por sua vez, utilizaram o termo to comply para representar
a necessidade de regulamentação nas relações comerciais, sendo que pode-
mos concluir que o termo compliance significa cumprir, executar, atender a
algo imposto, e devemos compreendê-lo no sentido de conformidade ou de
cumprimento da norma21.

18 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del derecho penal del futuro. Trad. Enrique Anarte Borrallo. Revista Penal, Univer-
sidad de Huelva, España, 1998. p. 40.
19 JOFFRE CALASICH, Fabio. In: ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel; ESPINOSA CEBALLOS, Elena B. M.
(Org.). 2015, p. 40.
20 COSTA Jr., 1996, p. 57.
21 CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance na perspectiva da Lei de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: LiberArs,
2015. p. 37.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 67

Em virtude da plasticidade dos conceitos de compliance, governança


corporativa, controles internos e auditoria interna, pragmaticamente pode-
mos considerá-los como termos que se organizam de maneira concêntrica,
ainda que academicamente haja o interesse na diferenciação. Dessa forma,
temos a governança corporativa como o conceito de maior abrangência, que
estabelece diretrizes, princípios gerais para a administração das empresas,
contendo dentro de si, dessa forma, os controles internos, a auditoria interna
e o compliance22.
O compliance pode ser, genericamente, entendido como uma prática em-
presarial que pretende colocar padrões internos de acordo e em cumprimento
de dados normativos. Em sentido amplo, pode referir-se à observância de
parâmetros, não só legais, mas também de caráter ético e de política empre-
sarial. Já em sentido estrito, refere-se à adoção de medidas internas destinada
a assegurar a observância da normativa legal pertinente23.
Para entender o papel do compliance adotado pela pessoa jurídica perante
a sociedade, podemos abordar o conceito de cidadão corporativo fiel, ou Good
Corporate Citizen, que pressupõe que a empresa, para ser um bom cidadão
corporativo, deve autorregular-se à luz de parâmetros externos que deve
cumprir, criar mecanismos internos necessários para controlar suas atividades
e evitar a produção de perigos para o entorno social. É a empresa implantando
um programa de compliance e se predispondo a ser uma cumpridora da lei24.
Nos seus regulamentos, as empresas definem os objetivos e valores que
devem ser realizados seguindo determinados procedimentos, com o intuito
principal de impedir fatos delitivos, como corrupção, lavagem de dinheiro,
financiamento ao terrorismo, delitos contra a livre concorrência, fraudes
tributárias, delitos ambientais e revelação de segredos comerciais. Esses pro-
gramas de compliance têm o sentido de impedir tanto a criminalidade contra a
empresa quanto aquela que pode favorecê-la, deixando um evidente âmbito
de proteção que, em tese, seria maior até que o próprio Direito Penal25.
Dentro da empresa, o compliance é de responsabilidade do compliance
officer, sendo que se pode verificar que o compliance fiscaliza e avalia se as ati-

22 Ibidem, p. 38-39.
23 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e Lei Anticorrupção. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 65.
24 PASTOR MUÑOZ, Nuria. ¿Organizaciones culpables? Revista para el Análisis del Derecho – InDret, Barcelona, v. 4,
n. 340, abr. 2006. Disponível em: <https://www.raco.cat/index.php/InDret/article/viewFile/121377/167825>. Acesso
em: 15 out. 2018.
25 SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el derecho penal de la empresa. Una nueva concepción para controlar la
criminalidad económica. In: NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant
lo Blanch, 2013. p. 70.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
68

vidades que compõem os controles internos da empresa estão funcionando


adequadamente para prevenir e minimizar os riscos. Esses controles internos,
por sua vez, podem ser entendidos como algo mais abrangente que o compliance,
pois deles participam todos aqueles interessados diretamente no desempe-
nho da empresa, envolvendo atividades, como programas de treinamento e
desenvolvimento de pessoal, controle de atividades, sistema de avaliação de
desempenho, sistema de autorização e aprovação de transações ou mesmo
controles físicos sobre bens e informações26.
O compliance officer é o responsável pelo programa de compliance, sendo
interessante, para entrar na questão do criminal compliance, abordarmos a questão
dos deveres de garante dos empresários e responsáveis pela pessoa jurídica. No
âmbito das instituições financeiras, por exemplo, o compliance officer tem o dever
de zelar pela existência de procedimentos de controles internos, assegurar que
os itens requeridos pelos órgãos reguladores sejam prontamente atendidos, a
criação de mecanismos de informação para a descoberta e esclarecimento de
eventuais delitos praticados no âmbito da empresa, como canais de recepção
de denúncias anônimas27.
Para que a política de compliance seja, de fato, efetiva é necessário que
a função do compliance officer tenha a mais absoluta independência, isenção
diante dos conflitos de interesses existentes na estrutura empresarial, além de
amplo e irrestrito acesso aos diversos documentos e informações da empresa.
Cabe ressaltar que o compliance officer deve buscar o rigoroso cumprimento da
legislação, o que pode dificultar ou inviabilizar negócios. Por essa razão, não
há que se confundir o compliance officer com o departamento jurídico, que,
por vezes, busca exatamente as brechas na lei para a realização de negócios28.
Se o compliance officer encontrar violações legais, investigações devem
ser realizadas, os fatos a ela relacionados deverão ser documentados e o erro
deverá ser corrigido, como parte da estratégia para prevenção de fraudes e
crimes. A política de compliance atende a interesses tanto da própria empresa,
ao proteger de fraudes e danos à imagem, quanto de terceiros, vítimas diretas
ou indiretas de crimes. Dessa forma, temos que, ao assumir essa posição, com
expectativas de terceiros, o compliance officer se coloca na posição de garantidor,
nos termos da lei penal29.

26 CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance na perspectiva da Lei de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: LiberArs,
2015. p. 41-42.
27 Ibidem, p. 57-58.
28 CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance na perspectiva da Lei de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: LiberArs,
2015. p. 61-62.
29 Ibidem, p. 63.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 69

Mesmo diante desse possível papel de garantidor, cumpre destacar que


há grandes dificuldades em imaginarmos soluções de aferir a responsabilidade
de determinados entes, como o compliance officer, em uma estrutura empresarial
piramidal, em que os chefes dão ordens aos gerentes intermediários, que, por
sua vez, dão ordens aos subordinados, assim por diante. Diante de tamanha
gama de possibilidades, não existe uma solução única30.

5 O Compliance em Situações de Pandemia


Os programas de compliance constituem uma curiosa hibridização entre
o público e o privado, entre Estado e mundo corporativo, pois as normas que
moldam as políticas empresariais são duplamente mistas em seu conteúdo,
público-privado. Isso pode ser percebido ao analisar o conteúdo, por exemplo,
das orientações anticorrupção emanadas por organizações públicas, como a
OCDE, Banco Mundial, incluindo as normas dos Códigos Penais, que são
espelhadas pelas políticas anticorrupção das grandes empresas31.
Na prática, o compliance estabelece um dever de vigilância e, em nosso
sistema que admite a responsabilização penal da pessoa jurídica, acaba por
assumir um papel de responsabilidade penal individual para obrigar a preven-
ção à responsabilidade penal da pessoa jurídica32. Sob esse mesmo aspecto, a
responsabilização penal da pessoa jurídica pode ser encarada ainda como uma
estratégia para motivar os gestores a adotarem medidas de organização interna
que garantam respeito à legalidade33. Assim, temos que as pessoas jurídicas
são relevantes ao direito penal na medida em que proporcionem um contexto
favorecedor de delitos34.
Objetivamente, podemos supor que os programas de compliance que
incluam medidas destinadas a impedir a criminalidade, por razões fáticas e
jurídicas, atenuam os riscos de punibilidade individual dos trabalhadores da
empresa, assim como os riscos e a magnitude da sanção da responsabilidade
empresarial quanto às penas de multa. Logo, tanto no sistema da responsa-
bilidade individual quanto no da responsabilidade da pessoa jurídica há o

30 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e Lei Anticorrupção. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 128-129.
31 NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 13-14.
32 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e Lei Anticorrupção. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 132.
33 NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 10.
34 CIGÜELA SOLA, Javier. El injusto estructural de la organización. Revista para el Análisis del Derecho – InDret,
Barcelona, v. 1, n. 340, ene. 2016, p. 11. ���������������������������������������������������������������������
Disponível em: <https://www.raco.cat/index.php/InDret/article/viewFi-
le/305704/395582>. Acesso em: 15 out. 2018.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
70

estabelecimento de recompensas, com estímulos positivos, para o desenvol-


vimento de programas de compliance35.
Uma investigação da PriceWaterHouseCoopers aferiu que, em nível
mundial, 38% das empresas com regras éticas e programas de compliance foram
vítimas de delitos econômicos, frente a 54% de empresas similares sem esses
programas. Posições mais otimistas chegam a destacar que, em empresas de
nível global, a autorregulação através de programas de compliance proporcio-
naria vantagens pragmáticas quanto à prevenção de delitos em comparação
com a regulação estatal, como a realizada através do Direito Penal, tendo em
vista o maior poder de moldagem desse modelo à realidade de cada empresa36.
No que tange a situações de pandemia, a aplicação do compliance deman-
da a monitoração dos regulamentos que afetam o cotidiano da empresa sobre
o tema, principalmente no que corresponde a sua administração, finanças,
saúde e trabalho. Em se tratando de um risco à saúde pública, à segurança do
trabalhador e do seu entorno deverá ser pautado pelo cumprimento à risca
das instruções recebidas por associações empresarias, e, principalmente, pelas
autoridades públicas, como Ministérios da Saúde e do Trabalho37.
De fato, ações advindas de pessoas jurídicas, como as corporações em-
presariais, por exemplo, podem ser fatores de incremento ou mitigação do
risco de aumento da gravidade da pandemia. A adoção de metodologias de
gestão de riscos e controles internos com foco em processos permite que os
administradores implantem medidas de combate à doença, bem como propicie
a conscientização de toda a população do seu papel individual na contenção
dos possíveis efeitos epidêmicos38.
Cumpre destacar um certo ceticismo de parte da doutrina que paira
sobre a eficácia dos programas de compliance. O Prof. William Laufer, ao ava-
liar a realidade americana, questiona se os programas de compliance realmente
afetam positivamente o comportamento dos funcionários, as tomadas de
decisão ou a cultura empresarial. Aparentemente, na maior parte dos casos,
os “atores corporativos” não se preocupam se seus esforços afetam as taxas de
comportamentos irregulares e não há evidências de mudanças de comporta-

35 SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el derecho penal de la empresa. Una nueva concepción para controlar la
criminalidad económica. In: NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant
lo Blanch, 2013. p. 95.
36 Ibidem, p. 96-98.
37 BOSCO GIMENO, Juan. Abordar la pandemia desde el compliance. World Compliance Association, 2020. Disponível
em: <http://www.worldcomplianceassociation.com/2664/articulo-abordar-la-pandemia-desde-el-compliance.
html#googtrans(es|pt)>. Acesso em: 4 abr. 2020.
38 BRITES, Elise. Compliance como ferramenta para enfrentamento da pandemia (COVID-19). Be Compliance,
2020. Disponível em: <https://www.becompliance.net.br/compliance-como-ferramenta-para-enfrentamento-da-
pandemia-covid-19>. Acesso em: 4 abr. 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 71

mentos. Há no compliance basicamente uma fachada atraente para empresas


que busca convencer a sociedade de que há um compromisso genuíno de
integridade corporativa39.
A adoção de programas de compliance e a consequente cooperação das
empresas com a Administração Pública e com o Judiciário também são vistas,
por vezes, como uma saída vantajosa às pessoas jurídicas passíveis dos me-
canismos de controle judicial formal; isto é, uma acusação penal formal e o
consequente processo teriam maior eficácia na prevenção de outros delitos.
Sob esse aspecto, Ana Maria Neira Pena entende que na Espanha, por exem-
plo, a responsabilização penal da pessoa jurídica é uma resposta às falhas que
a autorregulação, o compliance, possui40.
A despeito desse posicionamento, temos que o compliance e a respon-
sabilização penal da pessoa jurídica vão muito além de mera autorregulação
e uma resposta à sua falha. Ao cogitarmos a instituição da responsabilização
penal das corporações por crimes envolvendo a situação de pandemia, a adoção
e o cumprimento dos programas de compliance podem constituir na forma
de se aferir a culpabilidade penal corporativa.

6 O Compliance e a Culpabilidade da Pessoa Jurídica


O desenvolvimento de um conceito culpabilidade para a responsabiliza-
ção penal da pessoa jurídica tem sido elaborado, conforme os próprios modelos
de imputação de responsabilidade (heterorresponsabilidade, autorresponsa-
bilidade e misto ou baseado no defeito de organização) têm evoluído. Cabe
apresentar um panorama desse desenvolvimento da culpabilidade da pessoa
jurídica pela doutrina, que nos trabalhos mais recentes tem abordado a forma
como a adoção dos programas de compliance pode influir na culpabilidade.
Conforme ensinamento de Cezar Roberto Bitencourt, em Direito Pe-
nal, a culpabilidade possui um triplo sentido. Primeiramente, é fundamento
da pena, referindo-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena
ao autor de um fato típico e antijurídico, sendo necessária a presença dos re-
quisitos capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade
de conduta diversa. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para
impedir a aplicação da sanção penal41.

39 LAUFER, William. O compliance game. In: SAAD-DINIZ, Eduardo; BRODOWSLI, Dominik; SÁ, Ana Luiza de
(Org.). Regulação do abuso no âmbito corporativo: o papel do direito penal na crise financeira. São Paulo: LiberArs, 2015.
p. 60-61.
40 NEIRA PENA, Ana María. La autorregulación y las investigaciones internas corporativas como forma de privatización
del proceso penal. El peligro para los derechos de los trabajadores. In: SAAD-DINIZ, Eduardo; BRODOWSLI,
Dominik; SÁ, Ana Luiza de (Org.). Regulação do abuso no âmbito corporativo: o papel do direito penal na crise financeira.
São Paulo: LiberArs, 2015. p. 150-151.
41 BITENCOURT, 2009, p. 352-353.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
72

Em segundo lugar, a culpabilidade é elemento de determinação ou


medição da pena, sendo nessa acepção um limite da pena, impedindo que essa
seja imposta além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade. Em
terceiro lugar, a culpabilidade tem o sentido de impedir a responsabilidade
objetiva, assegurando que ninguém responderá por um resultado absoluta-
mente imprevisível se não houver obrado com dolo ou culpa42.
Tomando a culpabilidade como elemento subjetivo, no sentido da
reprovabilidade da conduta, Cernicchiaro repudia a possibilidade da pessoa
jurídica ser punida penalmente. Para o jurista, a culpabilidade é própria do
homem, não sendo possível censurar a pessoa jurídica, mas somente quem
atua em seu nome43.
Segundo Luiz Regis Prado, a pessoa jurídica é incapaz de culpabilidade
e de sanção penal, pois sendo a culpabilidade penal o juízo de censura pessoal
pela realização do injusto típico, só pode ser endereçada a um indivíduo44. É a
culpabilidade da vontade, conforme definido por Welzel45. Ainda, como juízo
ético jurídico de reprovação, ou mesmo de motivação normal pela norma,
somente pode ter como objeto a conduta humana livre46.
Para Prado, a culpabilidade, como fundamento e limite da pena, sem-
pre é reprovabilidade pessoal. Ainda, refutando o principal critério aventado
para justificar a culpabilidade da própria pessoa jurídica, a culpabilidade por
defeito de organização, entende-se que essa não passa de uma ficção, já que a
organização defeituosa não pode realizar a conduta, sendo os seus dirigentes
que o fazem. Logo, seria persistir em fundamentar a culpabilidade em fato
alheio, pois a responsabilidade da pessoa jurídica estaria baseada na imputa-
ção do fato culpável de seu órgão ou representante, violando o princípio da
culpabilidade47.
René Ariel Dotti entende haver problemas na mensuração da culpa-
bilidade de uma possível participação da pessoa jurídica em um fato típico
praticado pela pessoa física. Também, no seu cerne, a culpabilidade da pessoa

42 Ibidem, p. 353.
43 CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA Jr., Paulo José da. Direito penal na Constituição, p. 138-139 Apud
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 230-231.
44 PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (Org.). Responsabilidade da pessoa jurídica: em defesa do princípio da im-
putação subjetiva. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 133.
45 BITENCOURT, 2009, p. 354.
46 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 133.
47 Ibid., p 134.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 73

jurídica é incompatível tanto com a realidade ontológica dessas quanto com


o próprio conceito de culpa48.
Isso se deve ao fato de que, nos costumes jurídicos brasileiros, a culpa
é conceituada como: reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de
quem tem capacidade genérica de entender e de querer (imputabilidade) e podia, nas
circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível conduta
que se ajuste ao Direito.
Logo, conceber a culpa da pessoa jurídica esbarraria na imputabilidade,
enquanto capacidade de culpa, amparada no ordenamento pátrio pelos pressu-
postos de capacidade biopsicológica49-50. Também colide com a impossibilidade
do ente moral formar a consciência da ilicitude, que seria desenvolvida pelos
seus prepostos e servidores51. Nesse sentido, Magalhães Noronha também
entende que, sendo a culpabilidade psicológico-normativa, é inconciliável
com a pessoa jurídica52.
Já Sérgio Salomão Shecaira aborda a questão da culpabilidade da pessoa
jurídica com muito esmero. Para o jurista, inicialmente, é difícil justificar a
rejeição da reprovação penal da pessoa jurídica, já que esta é punida nas esferas
civil e administrativa, quando viola regras sociais de conduta53. Se ela é capaz
de conduta e violação naquelas esferas, haveria uma contradição não poder
ser também em âmbito penal.
Em relação à culpabilidade da pessoa jurídica, deveríamos pensar a von-
tade em um plano sociológico, e não no sentido da natureza humana. Nesse

48 DOTTI, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel
(Org.). Responsabilidade da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação subjetiva. 4. ed. São Paulo: RT, 2013.
p. 184.
49 Ibid., p 185.
50 René Ariel Dotti extrai dos arts. 26 e 27 do Código Penal o conceito normativo de imputabilidade, que consiste na
reunião dos pressupostos de capacidade biopsicológica que deve ter a pessoa humana, a partir dos 18 anos de idade,
para entender o caráter criminoso do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento:
“Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Redução de pena
Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde
mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Menores de dezoito anos
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na
legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
51 DOTTI. In: PRADO; DOTTI, 2013, p. 185.
52 NORONHA, Magalhães. Direito penal: introdução e parte geral. 38. ed. rev. e atual. por Adalberto José Q. T. de
Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1. p. 113-114.
53 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 97.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
74

contexto, a vontade da empresa seria uma vontade pragmática, que deslocaria


a discussão do problema da vontade individual para o plano metafísico54.
A vontade coletiva da empresa, sob perspectiva da doutrina francesa, é
caracterizada pelo encontro de vontades individuais, como reuniões, delibera-
ções e votos da assembleia geral de seus membros. Desse modo, essa vontade
coletiva é capaz de cometer crimes, tanto quanto a vontade individual55.
No entendimento de João Marcello de Araújo Júnior, a teoria da van-
tagem econômica fundamenta o juízo de reprovação pelo crime, justificando,
portanto, a culpabilidade da pessoa jurídica. Desse modo, há de ser superado
o velho modelo de culpabilidade exclusivamente baseada na reprovação psi-
cológica e adotar a possibilidade de reprovação em um fundamento social,
pois a empresa atua dentro da sociedade da qual extrai o seu ganho e a sua
existência56.
Apesar do fundamento moral da reprovação parecer abalado, já que
essa responsabilidade social não é reconhecida pelo Direito Penal tradicional,
isso é superado pela teoria da coparticipação e pela comunicabilidade das cir-
cunstancias. O vínculo jurídico e moral que liga os coparticipes também liga a
pessoa jurídica a seus dirigentes e prepostos, e justifica-se quando a atividade
criminosa é praticada em proveito da pessoa jurídica57.
Referindo-se a um posicionamento de Klaus Tiedemann, De Sanctis
defende que o reconhecimento da culpabilidade de uma pessoa jurídica, sua
reprovabilidade moral, só é admitir a sua própria realidade social. É tão somente
a reprovação de um fato delituoso praticado por uma pessoa, que assim como
os indivíduos, possui vontade e age conscientemente conforme essa vontade58.
Desse modo, para Tiedemann, o Direito Penal, ao reconhecer a culpa-
bilidade penal da empresa, não faz nada além de expor as consequências da
própria realidade social dessa e também as obrigações correspondentes aos
seus direitos59. O autor defende, ainda, que a culpabilidade da pessoa jurídica
seja baseada no defeito de organização, ou seja, na constatação de que a pes-

54 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas. In: OLIVEIRA et al. Direito penal econômico:
estudos em homenagem aos 75 anos do professor Klaus Tiedemann. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 353.
55 SHECAIRA, 2011, p. 98-99.
56 ARAÚJO Jr., João Marcello. Societas delinquere potest – revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina.
In: GOMES, Luiz Flávio (Org.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo:
Editora RT, 1999. v. 2. p. 92-93.
57 Ibid., p. 93.
58 SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade penal das corporações e criminalidade moderna. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 91.
59 TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado. In:
GOMES, Luiz Flávio (Org.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: RT,
1999. v. 2. p. 40.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 75

soa jurídica não adotou meios de combater o descumprimento de normas, a


exemplo da implantação de um programa de compliance eficaz60.
Para Édis Milaré, a polêmica sobre a impossibilidade de a pessoa jurídica
delinquir devido à falta de capacidade de conduta, por ausência de vontade e
culpabilidade, está superada diante da expressa determinação legal61. Segundo
o autor, seria ideal exercitar e perseguir a vontade do legislador, pois cabe ao
jurista trabalhar com o direito existente, em busca de soluções melhores62.
Luís Paulo Sirvinskas também entende que o tema está sedimentado
diante da expressa disposição constitucional, mas reconhece que no direito
penal impera o princípio da culpabilidade e, como consequência, há o sur-
gimento de conflitos na doutrina devido à problemática de como proceder
à dosimetria da pena da pena do ente moral. Todavia, o autor entende que,
apesar da dosimetria da pena da pessoa física ser baseada na culpabilidade, a
da pessoa jurídica deveria ser feita com base nas consequências e na extensão
dos danos causados ao meio ambiente63.
Carlos Gómez-Jara Díez reconhece a grande problemática da doutrina
tradicional em compatibilizar o princípio da culpabilidade com a organização
empresarial. Aqueles que se apoiam na culpabilidade estreitamente vinculada
a determinadas características humanas não conseguem atribuí-la também à
pessoa jurídica. Isso se deve, por exemplo, a não se poder realizar uma repro-
vação ético-social similar àquela que é dirigida aos seres humanos64.
Para superar a doutrina tradicional, o doutrinador espanhol, a partir
do modelo construtivista, constrói um conceito de culpabilidade empresa-
rial funcionalmente equivalente à culpabilidade individual65. Desse modo, o
autor traz para a culpabilidade corporativa alguns equivalentes funcionais da
culpabilidade individual.
Primeiramente, diante do desenvolvimento empresarial ao longo do
século XX e a consequente incapacidade estatal de controlar certos riscos surge
o fenômeno da autorregulação empresarial, o compliance. Em virtude do tama-
nho e complexidade de certas organizações empresariais, resulta necessário

60 TIEDEMANN, Klaus. El derecho comparado en el desarrollo del derecho penal económico. In: NIETO MARTÍN,
Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 40.
61 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. Prefácio à 5. ed. Ada Pellegrini Grinover. 5.
ed. ref., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007. p. 928.
62 Ibid., p. 928.
63 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 713.
64 GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica: teoria do crime para as pessoas jurídicas. São
Paulo: Atlas, 2015. p. 85.
65 Ibid., p. 38.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
76

e adequado impor a obrigação de fidelidade ao Estado, nascendo o cidadão


corporativo. Para tanto, o reconhecimento de uma esfera de autonomia empresarial
ao cidadão corporativo é necessário e leva à manifestação da culpabilidade
jurídico-penal empresarial66.
O segundo equivalente funcional pode ser extraído do anterior, isto é,
com o nascimento do cidadão corporativo surge o sinalagma fundamental: a
autonomia de associação, o direito à liberdade de organização, deve ter como
reverso a obrigação de ser responsável pelas consequências dos resultados
negativos dessa liberdade. Por fim, o próprio status de cidadão da empresa é
o equivalente funcional à dimensão material da culpabilidade que faz com
que a pessoa jurídica seja competente para intervir em assuntos públicos67.
Essa possibilidade de adoção da culpabilidade ligada à adoção de um
programa de compliance é compatível com o modelo misto de imputação,
onde há a presença de elementos dos dois sistemas tradicionalmente discu-
tidos pela doutrina (autorresponsabilidade e heterorresponsabilidade). Via
de regra, parte-se de um modelo de heterorresponsabilidade, transferindo à
empresa a responsabilidade por um fato praticado por um representante seu
em seu benefício, mas se leva em conta a culpabilidade corporativa, com o
intuito de aferir se as medidas preventivas necessárias foram adotadas, o que
pode influir na pena ou mesma na absolvição. Todavia, esse modelo também
admite a imputação do resultado criminoso à pessoa jurídica quando não é
possível imputá-lo a uma pessoa física, sendo necessária a demonstração do
defeito da organização que levou ao descumprimento das obrigações previstas
na norma de dever68.
Esses modelos de responsabilização baseados no defeito de organização
possuem a vantagem de que não seria difícil constatar o interesse da empre-
sa em deixar de adotar as medidas recomendadas, pois essa seria a maneira
mais fácil e rápida de aumentar seus lucros. Logo, teríamos solucionada de
maneira mais adequada a questão da culpabilidade da pessoa jurídica, além
da pragmática dispensa da dupla imputação. O que importaria para fins de
responsabilização não é o interesse em determinado resultado lesivo, mas a
falta de vontade em fazer o que é necessário para evitar o dano aos outros69.

66 Ibid., p.39-40.
67 Ibid., p. 41.
68 SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo modelo de im-
putação, baseado na culpabilidade corporativa. 2015. Tese (Doutorado em Direito Penal) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. p. 138.
69 CAMARGO, Beatriz Corrêa. A construção da personalidade jurídica na prevenção de crimes através da responsabi-
lidade penal de pessoas jurídicas. In: SAAD-DINIZ, Eduardo; BRODOWSLI, Dominik; SÁ, Ana Luiza de (Org.).
Regulação do abuso no âmbito corporativo: o papel do direito penal na crise financeira. São Paulo: LiberArs, 2015. p.
122-123.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 77

Diante do apresentado, há a evidência de que há maior lógica nos


modelos de autorresponsabilidade quando buscamos a construção de uma
culpabilidade da pessoa jurídica. O modelo de heterorresponsabilidade tem
sentido apenas quando falamos em evitar os delitos no seio da pessoa jurídica,
pois, quando o delito ocorre, já não há mais relevância para a defesa da empresa.
Já a autorresponsabilidade tem implicações na busca de uma boa organização
preventiva, que será a chave para decidir se haverá a responsabilidade penal
da pessoa jurídica70.

7 Conclusão
A situação de calamidade pública gerada pela pandemia da Covid-19,
bem como por outras que a precederam e que poderão a suceder, demanda
a revisão de diversos institutos que compõem o Direito Penal brasileiro. A
revisão do rol de delitos pelo qual as pessoas jurídicas podem responder pe-
rante nosso ordenamento parece conveniente. Por óbvio, tal revisão não se
refere a um direito penal que atenda, por princípio, ao clamor público, mas,
sim, que se adéque à realidade que o demanda.
A responsabilidade penal das pessoas jurídicas é um instituto, que, a
despeito de todas as controvérsias que suscita, está em franca ascensão. Tem
sido adotada pelos mais diversos ordenamentos, algumas vezes sob uma certa
pressão de organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Há um interesse na internaciona-
lização desse instituto, tendo em vista a ampliação da economia globalizada e
os abusos cometidos por empresas, que passam a ser sujeitos ativos de delitos
com impactos imensos sobre a economia mundial.
Nesse cenário, a multiplicação dos programas de compliance é fruto des-
sa pressão que recai sobre empresas. A autorregulação e a responsabilização
penal da pessoa jurídica se desenvolvem de maneira peculiar, criando uma
dinâmica propícia a se retroalimentarem. Percebemos que a insuficiência da
autorregulação fomenta a implementação da responsabilidade penal da pessoa
jurídica pelos Estados; essa responsabilização penal, por sua vez, fomenta o
desenvolvimento de programas de compliance que buscam diminuir os impactos
da responsabilidade penal.
Dessa forma, os programas de compliance têm uma dupla função: atuam
como fator preventivo de delitos cometidos pelas empresas, e mesmo contra
essas, pois quando bem implementados e funcionais, podem servir a esse

70 NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 15-16.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
78

propósito; sua outra função é a de ser considerada como fator de mensura-


ção da culpabilidade da pessoa jurídica, podendo influir no quantum da pena
ou mesmo promover uma absolvição em âmbito penal, caso seja constatada
que foram tomadas todas as medidas possíveis para manter a sanidade da
organização.
Desenvolvido por parte da doutrina, o dito “defeito de organização”
seria o equivalente funcional da culpabilidade. O papel da implementação de
um programa de compliance na empresa seria evitar esse defeito de organização,
tornando a empresa menos suscetível à responsabilização na esfera penal.
Diante do exposto, temos um cenário que é favorável ao aperfeiçoamen-
to doutrinário do instituto da responsabilização penal da pessoa jurídica, revi-
são do rol de delitos pelos quais as pessoas jurídicas podem responder, assim
como a ampliação do papel que a autorregulação pode ter no âmbito penal.
Seria um atropelo considerar que o papel da pessoa jurídica no direito penal
está plenamente desenvolvido, pois constatamos ainda um mundo jurídico
penal majoritariamente elaborado em torno do sujeito ativo consubstanciado
por uma pessoa física.

TITLE: Criminal liability of legal entities and compliance in the face of pandemic situations.

ABSTRACT: The situation of public calamity generated by the pandemic of COVID-19, as well as by
others that preceded it and that may succeed it, demands the revision of several institutes that compose
the Brazilian criminal law. The review of the list of offences for which legal entities may be liable to our
legal system seems appropriate. The prediction that legal entities can be held criminally liable for crimes
involving a pandemic situation gains special prominence. Of course, such a revision does not refer to a
criminal law that meets, in principle, the public outcry, but rather that suits the reality that demands it. In
view of this scenario, we have the adoption of compliance programs with a dual function, the prevention
of crimes and a tool for measuring corporate culpability under criminal law.

KEYWORDS: Pandemic. Criminal Liability of Legal Entities. Compliance. Culpability of Legal Entities.

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Recebido em: 05.04.2020


Aprovado em: 06.05.2020
Doutrina

O Caso Neymar: Divulgação de


Imagens Íntimas sob a Perspectiva da
Inexigibilidade de Conduta Diversa

Sebástian Borges de Albuquerque Mello


Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal da Bahia;
Professor-Associado I da Graduação e Pós-Graduação (Mestrado
e Doutorado) da Universidade Federal da Bahia e Professor
da Faculdade Baiana de Direito; Advogado Sócio do Escritório
Sebástian Mello, Marambaia e Lins Advogados Associados
S/C; Possui Curso de Aperfeiçoamento em Ciências Criminais
e Dogmática Penal Alemã pela Georg-August Universität
Göttingen, GAUG – Alemanha; Advogado com experiência na
área de Direito Penal Empresarial; Titular da Cadeira nº 18 da
Academia de Letras Jurídicas da Bahia; Membro do Instituto
Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP) e do Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito no Brasil
(CONPEDI); Sócio Benemérito da Associação dos Advogados
Criminalistas da Bahia; Membro da Associação Brasileira dos
Advogados Criminalistas.

Mariana Ribeiro de Almeida


Mestranda em Direito Público na Universidade Federal da
Bahia; Pós-Graduanda em Direito Público na Faculdade
Baiana de Direito; Graduada em Direito pela Universidade
Federal da Bahia; Advogada.

RESUMO: Este artigo examina a conduta do jogador Neymar Jr., ao divulgar


vídeo no qual constam cenas de nudez da mulher que o acusou de estupro,
gerando ampla repercussão no mundo inteiro. Analisa-se o fato à luz da teoria
do delito, concluindo-se que se trata de fato típico, ilícito, mas não culpável,
diante da aplicação de causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa.

PALAVRAS-CHAVE: Caso Neymar. Divulgação de Cena de Nudez. Inexigi-


bilidade de Conduta Diversa. Causa Supralegal. Culpabilidade.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Entendendo o Caso. 2 Sobre a Prática do Injusto


Penal: o Crime de Divulgação de Pornografia Previsto no Art. 218-C do Código
Penal; 2.1 A Não Incidência das Causas de Justificação ao Caso. 3 Ausência de
Culpabilidade; 3.1 A Inexigibilidade de Conduta Diversa como Causa Supralegal
de Exclusão de Culpabilidade; 3.2 Os Parâmetros para Aplicação da Inexigibili-
dade na Jurisprudência; 3.3 A Aplicação da Inexigibilidade de Conduta Diversa
ao Caso Neymar. Conclusão. Bibliografia.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
82

Introdução
A acusação de estupro em face do jogador de futebol Neymar Jr., em
junho de 2019, foi noticiada no mundo inteiro, ganhando ampla repercussão.
Em tempos de processo penal midiático e legitimação do julgamento por um
tribunal de exceção, qual seja, o “tribunal da internet”, emergiram os mais
diversos posicionamentos a respeito do ocorrido, notadamente após a divul-
gação de um vídeo, pelo atleta, no qual constam cenas de nudez da suposta
vítima, divulgação esta que teria sido realizada sob o pretexto de provar sua
alegada inocência.
Não se pretende, neste trabalho, discutir sobre a materialidade e autoria
do crime de estupro, que foi objeto de investigação pela Polícia Civil de São
Paulo, mas, sim, fazer um exame sobre a divulgação das imagens pelo atleta,
tendo em vista a previsão legal de crime para a conduta de quem publica ou
divulga, sem o consentimento da vítima, cena de nudez, na forma do art.
218-C do Código Penal. Busca-se fazer tal exame numa perspectiva analítica,
cotejando os aspectos relativos ao injusto penal e à culpabilidade, a fim de
apontar qual o correto enquadramento jurídico-penal da divulgação do vídeo
em questão pelo jogador Neymar.
Para além de uma mera discussão sobre condenação/absolvição, bem
como de uma análise precipitada dos fatos, preferiu-se adotar, aqui, uma
metodologia analítica. Parte-se do pressuposto de que, sendo a conduta do
referido atleta uma postura defensiva, há enquadramento a partir dos elemen-
tos tridimensionais da Teoria do Delito: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Essa análise se faz relevante, pois, em épocas de respostas imediatas e
pouco aprofundadas sobre o tema, é preciso identificar, caso prevalecente a
tese absolutória, se a conduta tem albergue de alguma circunstância justifi-
cante ou exculpante. O correto posicionamento dogmático sobre a natureza
jurídica da conduta tem repercussões teóricas e práticas, já que a decisão pela
atipicidade, exclusão de ilicitude ou de culpabilidade acarretará consequências
penais e extrapenais distintas.

1 Entendendo o Caso
No dia 1º de junho de 2019, foi noticiado que uma mulher, a qual, ini-
cialmente, não teve a identidade revelada, registrara um boletim de ocorrência,
na cidade de São Paulo/SP, acusando Neymar Jr., famoso jogador de futebol,
de tê-la estuprado no dia 15 de maio, em Paris, capital da França.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 83

O crime teria ocorrido após Neymar e a suposta vítima terem iniciado


um contato pela rede social Instagram, e o jogador patrocinar a viagem para
a suposta vítima ir até a capital francesa encontrá-lo. O caso foi noticiado no
mundo inteiro1, ganhando ampla repercussão.
Na sequência, o pai do jogador afirmou que seu filho estaria sendo
vítima de uma extorsão, e que a mulher que o acusara teria pedido dinheiro
para que não fosse feita a denúncia, embora tenha havido, segundo ele, uma
relação sexual consentida.
Ainda no dia 1º de junho, Neymar decidiu se manifestar em sua página
no aplicativo Instagram, e, pretendendo demonstrar sua alegada inocência,
divulgou vídeo contendo trechos da conversa que teve com a mulher que o
acusou de estupro. As conversas divulgadas, ocorridas por meio do aplicativo
WhatsApp, indicam que o jogador e a suposta vítima já mantinham contato
meses antes do suposto crime, e que ambos tinham a clara intenção de se
encontrar com o fim de manter relação sexual.
Nas conversas em questão, constam algumas das fotos íntimas que a
suposta vítima teria enviado ao jogador, nas quais é possível visualizar a nu-
dez da mulher, nada obstante a imagem estar distorcida. Posteriormente, o
aplicativo Instagram removeu o vídeo, sob a justificativa de que teria violado
a política de privacidade da rede social.
Na sequência, a Polícia Civil foi até o local de treinamento da seleção
brasileira, questionando quando Neymar iria se apresentar. Dias depois, a
delegacia de crimes virtuais intimou o jogador a depor, para explicar sobre
a postagem das conversas que teve com a mulher que o acusou de estupro.
Três das principais patrocinadoras do atacante acompanharam aten-
tamente a situação, tendo, inclusive, suspendido diversas das campanhas
das quais o jogador participou, visando evitar que a imagem das empresas
fosse prejudicada pelo caso2. Além disso, noticiou-se prejuízos à carreira do
jogador, pois um dos maiores clubes de futebol do mundo, o Real Madrid,
teria desistido da contratação do brasileiro após a divulgação do caso. Antes
do escândalo, o time teria se reunido com o empresário do atleta para abrir
negociações (ESTADÃO, 2019).
Najila Trindade Mendes de Souza, suposta vítima do estupro, confir-
mou sua versão dos fatos em entrevista ao canal televisivo SBT. Indagada a
respeito de a relação ter sido consentida, a modelo de 26 anos confirmou a

1 As informações relatadas neste capítulo foram divulgadas pelos principais canais midiáticos do país, como o sítio
eletrônico da Revista Época (CASTRO, 2019) e o portal eletrônico UOL (UOL, 2019).
2 Conforme noticiado, dentre outros canais midiáticos, no Portal iBahia (IBAHIA, 2019).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
84

acusação que a levou a registrar um Boletim de Ocorrência na 6ª Delegacia


de Defesa da Mulher. “Fui vítima de estupro”, afirmou. Questionada se havia
sido estupro ou apenas uma agressão, ela respondeu: “Agressão juntamente
com estupro”. Najila confirmou durante a entrevista que tem dívidas acumu-
ladas tanto no aluguel como no pagamento de uma escola, mas negou que as
pendências tenham ligação com o problema envolvendo Neymar.
Na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática do Rio de Janeiro,
foi instaurado inquérito policial para investigar a suposta prática do crime
tipificado no art. 218-C do Código Penal. Contudo, o inquérito referente à
investigação do alegado estupro foi arquivado pela Justiça paulista, em 08 de
agosto de 2019, por falta de provas (PETROCILO, 2019).
Por outro lado, em 10 de setembro de 2019, a Polícia Civil de São
Paulo anunciou o indiciamento de Najila Trindade pelos crimes de denun-
ciação caluniosa, fraude processual e extorsão, no contexto do Caso Neymar
(CAMPOS; GONÇALO, 2019).

2 Sobre a Prática do Injusto Penal: o Crime de Divulgação de


Pornografia Previsto no Art. 218-C do Código Penal
A partir da divulgação não autorizada de vídeo contendo cenas de nu-
dez da denunciante, instaurou-se inquérito policial para investigar possível
violação ao art. 218-C do Código Penal, que tipifica, dentre outras condutas,
a publicação ou divulgação, sem o consentimento da vítima, de cena de sexo,
nudez ou pornografia.
Analisando-se o caso sob a perspectiva do fato típico, percebe-se que
há a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 218-C do Código Penal:
o jogador divulgou fotografia com cena de nudez, sem o consentimento da
vítima. Como assinala Paulo de Souza Queiroz (2001, p. 98), declarar típica
uma ação é reconhecer sua relevância jurídico-penal. E, do ponto de vista
formal, não há dúvidas sobre a relação de subsunção da conduta ao tipo,
suficiente para caracterizar a tipicidade formal.
Verifica-se também tipicidade material/substancial, pois há, prima facie,
lesão ao bem jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta
legalmente descrita. A intimidade sexual da mulher que protagonizou as cenas
de nudez divulgadas por Neymar, suposta vítima de estupro pelo atleta, foi
efetivamente violada. No mínimo, as 18 milhões de pessoas que assistiram
diretamente ao vídeo publicado por Neymar, no aplicativo Instagram, tiveram
acesso às imagens.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 85

Havendo, então, simultaneamente, tipicidade formal e tipicidade mate-


rial, caracterizada está a tipicidade penal3. É possível dizer que o atleta expôs a
intimidade sexual da vítima a um risco proibido e juridicamente relevante, o
que autoriza a imputação objetiva da conduta ao tipo (ROXIN, 2002, p. 310).
Pode-se discutir, noutro turno, se haveria tipicidade subjetiva na referida
conduta, caracterizada pelo dolo de expor a intimidade sexual da vítima. Em
artigo disponibilizado poucos dias após o episódio, Cezar Roberto Bitencourt
(2019a) sustenta que o fato de o jogador ter reduzido a nitidez da face da su-
posta vítima na foto afastaria o dolo da prática do crime tipificado no art. 218-C
do CP, pois o atleta teria agido objetivando impedir a identificação da mulher.
Não obstante, o tipo penal em comento não exige a nítida exposição
do rosto da vítima para que o crime seja consumado, além de que, a distorção
aplicada à imagem não impediu a identificação da mulher, mesmo porque,
no vídeo divulgado no perfil de Neymar, no aplicativo Instagram, é possível,
em um momento específico, visualizar o próprio nome da suposta vítima.
Dessa forma, tem-se que, primeiramente, ainda que a forma de di-
vulgação adotada pelo jogador tivesse, de fato, dificultado a identificação da
suposta vítima, isso não seria óbice para configuração do crime previsto no
art. 218-C do CP; e, mesmo que fosse, mesmo com a nitidez distorcida, a
identificação foi possível.
Ainda de acordo com Bitencourt (2019a), o crime de divulgação de
cena de nudez não teria se configurado também pela ausência da tipificação
subjetiva, pois não teria havido dolo de expor a intimidade da suposta vítima,
posto que Neymar teria agido no exercício legítimo de sua ampla defesa, em
uma tentativa de minimizar o ataque à sua honra e dignidade pessoais.
A questão posta à baila, no caso, é se o delito em referência possui algum
elemento subjetivo especial, naquilo que outrora se denominava “dolo especí-
fico”. Com efeito, o tipo penal não exige, na sua descrição típica fundamental,
qualquer finalidade especial, de modo que a doutrina tem entendido que a
tipicidade subjetiva está consubstanciada pelo dolo, sem qualquer elemento
subjetivo específico4.
Nesse sentido é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2019, p.
899), segundo quem, no tipo do art. 218-C do CP, “Não há elemento subjetivo

3 Adota-se, para compreensão da tipicidade, as ideias do alemão Ernst von Beling, datadas de 1906. Nessa perspectiva,
tipicidade formal é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito
pelo Código Penal, a adequação ao catálogo. Já a tipicidade material/substancial caracteriza-se quando há lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta legalmente descrita (BELING,
1944, p. 59).
4 Rogério Greco (2019) não menciona a existência de dolo especial, referindo-se ao tipo apenas como “doloso”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
86

específico, vale dizer, o agente pode divulgar fotos ou vídeos de crimes sexuais
ou relacionamentos sexuais por qualquer finalidade. Poderá haver finalidade
específica quando se configurar uma das causas de aumento”.
Dessa forma, não se adota o posicionamento defendido por Bitencourt,
pois o crime de divulgação de cena de nudez não exige uma finalidade especial,
ou seja, não há o elemento subjetivo do tipo por ele vislumbrado. O texto legal
não impõe tal exigência, que tampouco foi construída jurisprudencialmente,
de modo que, para haver tipicidade formal, basta a divulgação, independente
do motivo.
Interessante observar que, apesar de sustentar tal posicionamento no
artigo a respeito da imputação de crime sexual a Neymar, no seu Tratado de
Direito Penal, Bitencourt (2019b, p. 168) afirma que, quanto ao crime tipificado
no art. 218-C do CP, “Não vemos, neste tipo penal, a necessidade de elemento
subjetivo especial do injusto, não havendo previsão de nenhum especial fim
de agir”. Considera-se, portanto, que a conduta de Neymar, ao divulgar as
cenas de nudez, é formal e materialmente típica.

2.1 A Não Incidência das Causas de Justificação ao Caso


Havendo tipicidade, discute-se se a conduta estaria abrigada por al-
guma causa de justificação. Houve manifestações no sentido de que o atleta
estaria atuando sob o pálio do estado de necessidade (SANTORO, 2019),
argumentando-se que Neymar se encontrava em situação de perigo, diante
da veloz consolidação da opinião pública em seu desfavor. Nesse sentido,
Luciano Santoro entende que a rapidez com a qual se refuta os fatos é fun-
damental em casos como este, pois a percepção da sociedade sobre a acusação
seria sensivelmente alterada sem a divulgação da conversa privada mantida
entre o então casal.
Assim, quanto à imputação do crime tipificado no art. 218-C a Neymar,
Luciano Santoro (2019) entende que a conduta do jogador estaria acobertada
pelo estado de necessidade, por identificar, no caso, situação de perigo; atua-
lidade; inevitabilidade da lesão; emprego dos meios menos nocivos possíveis;
involuntariedade na produção do perigo; defesa de direito próprio; balancea-
mento dos bens jurídicos e ciência de agir em estado de necessidade.
Veja-se. Considera-se como situação de necessidade “o cenário fático
caracterizado pela presença de um perigo atual de lesão a direitos legítimos
não provocado voluntariamente por um agente que não possui o dever legal
de enfrentá-lo” (SANTOS, 2017, p. 118). Configurada tal situação, para que
se caracterize o estado de necessidade, as circunstâncias do caso concreto de-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 87

vem afigurar, concomitantemente, “inevitável a medida salvadora e inexigível


a resignação do agente com o sacrifício do direito ameaçado” (SANTOS,
2017, p. 122).
Contudo, não se observa, na conduta do atleta, o requisito atualidade,
indispensável à configuração do estado de necessidade. Perigo atual é aquele
presente quando a ameaça de lesão ao bem jurídico já se iniciou, mas ainda
não se encerrou. Iminente, por sua vez, é o perigo prestes a acontecer, aquele
que se tornará atual em um futuro imediato. O perigo futuro e o perigo pas-
sado não abrem espaço para o estado de necessidade. O medo e a vingança
não autorizam a reação, mas apenas a necessidade de defesa urgente e efetiva
do interesse ameaçado. E é exatamente por essa razão que não se adota a tese
segundo a qual Neymar teria agido em estado de necessidade.
Caso o jogador não tenha cometido estupro, e a alegada vítima tenha,
de fato, praticado o crime de denunciação caluniosa, quando da divulgação
das conversas, incluindo a cena de nudez, a denunciação caluniosa já teria se
consumado, não configurando, portanto, perigo atual, tampouco iminente.
Como dito, o perigo passado não dá causa ao estado de necessidade. Não
haveria como repelir um perigo já findo. O estado de necessidade cuida do
perigo concreto, imediato, reconhecido objetivamente, não se podendo usar
a excludente quando se trata de perigo incerto, remoto ou passado (NUCCI,
2019, p. 217).
Por outro lado, deve-se ponderar que a situação de perigo a qual Neymar
estaria submetido poderia ser analisada sob um duplo aspecto:
a) no plano jurídico, sendo falsa a acusação, haveria uma denunciação
caluniosa5 por parte de Najila.
b) no que se refere à imagem do autor, numa época na qual os danos à
imagem são praticamente instantâneos6, pode-se dizer que ele teria divulgado
o vídeo em questão com o intuito de fazer cessar os danos à sua reputação,
efetivamente agredida diante da repercussão gerada pelo registro do Boletim
de Ocorrência.
Cumpre analisar os fatos neste duplo aspecto. Caso Neymar não tenha
cometido o crime de estupro, o registro de Boletim de Ocorrência acusando-
o da prática do referido crime, pela alegada vítima, configura denunciação

5 CP: “Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação
administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que
o sabe inocente”.
6 A instantânea e enorme repercussão do caso pode ser aferida a partir do fato de que o vídeo no qual o jogador Neymar
Jr. se defende da acusação de estupro ultrapassou a marca de 18 milhões de visualizações em 24 horas (CASTRO,
2019).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
88

caluniosa, crime pelo qual Najila Trindade foi, inclusive, indiciada, conforme
registrado acima (CAMPOS; GONÇALO Jr., 2019).
Quanto à concepção da divulgação como uma forma de evitar a de-
nunciação caluniosa, deve-se ponderar que, sendo confirmada a falsidade da
acusação, não se trata de uma situação de perigo, mas de uma efetiva agressão,
que afastaria a incidência do estado de necessidade, devendo-se investigar a
possibilidade de incidência da legítima defesa.
Nos termos do art. 25 do CP, aplica-se a legítima defesa a “quem,
usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
A legítima defesa deve ser exercida da forma menos lesiva possível,
e a injustiça da agressão deve ser entendida como ilicitude, ainda que não
se trate de infração penal. A priori, é de se cogitar a aplicabilidade dessa jus-
tificante, pois a conduta de Neymar consistiu em resposta proporcional a
uma agressão injusta. Porém, deve-se considerar que não é possível haver
legítima defesa contra agressão futura, tornando-se forma imponderável de
defesa, ou passada, que configura autêntica vingança, nem tampouco contra
meras provocações.
Conforme explicado, a agressão perpetrada pela suposta vítima de crime
sexual, ao registrar o Boletim de Ocorrência, não foi atual, tampouco iminente,
razão pela qual se entende inaplicável a justificação da legítima defesa ao caso
de Neymar. Quando da divulgação do vídeo, o registro já havia ocorrido,
tratando-se, portanto, de uma agressão passada.
Evidentemente, também não incide a excludente de ilicitude prevista
no § 2º do art. 218-C, que se concretiza quando a vítima é maior de 18 anos,
autoriza previamente a publicação, adota-se recurso que impossibilite a iden-
tificação da vítima e a divulgação tem caráter jornalístico, científico, cultural
ou acadêmico.
No caso em apreço, a vítima não autorizou previamente a publicação e
a divulgação não teve nenhum caráter dentre aqueles mencionados. Embora
as imagens tenham sido distorcidas, a menção ao nome da vítima, constante
na conversa, não impossibilitou a sua identificação.
Diante da constatação, portanto, de que se trata de conduta típica e an-
tijurídica, questiona-se: qual enquadramento jurídico deve ser dado ao caso?
Entende-se que a conduta de Neymar, embora típica e ilícita, não é culpável.
É o que se passa a demonstrar.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 89

3 Ausência de Culpabilidade
Diante da constatação de que a conduta do jogador Neymar é típica e
antijurídica, a culpabilidade parece ser o caminho a indicar a inexistência de
responsabilidade penal do atleta. Justamente por estar mais próxima da pena
do que o injusto, a culpabilidade termina sendo o fundamento pelo qual vai
se justificar – ou não – a imposição da pena a um indivíduo concreto. E, nesse
diapasão, a exposição de fotos íntimas sem consentimento pode, conforme
o caso, não ensejar responsabilidade penal, por ausência de culpabilidade.
No caso examinado, a situação pode ser analisada no mais normativo
dos elementos da culpabilidade, que é a inexigibilidade de conduta diversa.
A conduta do atleta será tratada, portanto, a partir de um juízo de valor à luz
da ideia de inexigibilidade de outra conduta.

3.1 A Inexigibilidade de Conduta Diversa como Causa Supralegal de


Exclusão de Culpabilidade
No contexto de um Estado Democrático de Direito, a exigibilidade é
medida de toda responsabilidade jurídica, pois impõe uma exigência de reali-
zação de condutas jurídica e socialmente adequadas. Assim, a inexigibilidade
é um mandado de otimização que consolida a não exigência de atos heroicos,
obstando a responsabilização quando esses não levados a cabo pelo sujeito
(ALBAN, 2018, p. 164).
A construção de um arcabouço teórico em torno da ideia de inexigi-
bilidade de conduta diversa remonta, como sabido, a Berthold Freudenthal.
Em 1922, o referido autor defendeu a tese de que a inexigibilidade funciona
como uma causa supralegal geral de exclusão de culpabilidade (FREUDEN-
THAL, 2003, p. 84). De acordo com sua concepção, se não há poder de agir,
não há, tampouco, dever de agir. E se não há dever, não há reprovabilidade,
e, por consequência, não há culpabilidade. Esse elemento ético, normativo,
da culpabilidade não está na lei, mas na própria essência da culpabilidade
(MELENDO PARDOS, 2003, p. 131-132).
Assim, a partir da normativização da culpabilidade no começo do século
XX, a exigibilidade de conduta diversa tornou-se o barema normativo a partir
do qual se valora um injusto penal praticado por um indivíduo concreto.
Assim, um indivíduo, mesmo tendo consciência da ilicitude de um compor-
tamento, nem sempre será capaz de satisfazer as exigências da comunidade e
obedecer às normas jurídicas. E, a partir de um juízo de valor, pode-se entender
que aquele comportamento ilícito não será culpável.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
90

A ideia de exigibilidade como elemento integrante da culpabilidade


permeou toda a teoria da culpabilidade no decorrer do século passado. Com
o advento do finalismo, a exigibilidade sustenta-se como elemento volitivo
do juízo de reprovabilidade que integra o conceito de culpabilidade. Segun-
do Welzel, o conhecimento do injusto não é suficiente para fundamentar a
reprovabilidade da resolução de vontade. É preciso que o sujeito, na situação
concreta, possa tomar uma decisão de acordo com dito conhecimento. E há
situações em que não se pode exigir do sujeito uma conduta conforme o
Direito, ainda que se tenha plena consciência da ilicitude do fato (WELZEL,
2001, p. 137-138). A partir de então, se construiu uma relação entre exigibi-
lidade e “poder atuar de outro modo”, que termina sendo, para o finalismo,
o próprio conceito material de culpabilidade.
Assim, resta saber se a conduta do jogador Neymar pode ser analisada
à luz da ideia de inexigibilidade. Para tanto, é preciso, inicialmente, analisar a
conduta a partir dos parâmetros legais previstos pelo Código Penal. No orde-
namento jurídico brasileiro, tem-se a coação moral irresistível e a obediência
hierárquica como hipóteses legais de exculpação com arrimo no conceito de
exigibilidade. Contudo, nenhuma dessas opções alinha-se com a conduta do
atleta.
Ainda assim, é preciso considerar a hipótese de inexigibilidade como
causa supralegal de exculpação. Para tanto, é preciso examinar a admissibilidade
dessa modalidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Tal discussão, não somente no Brasil, mas no mundo, não é recente.
A possibilidade de se considerar a existência de uma causa supralegal de ex-
culpação, fundada na ideia de inexigibilidade, ainda divide opiniões e não é
possível afirmar que haja um consenso acerca do tema (CORREA, 2004, p. 50).
Com efeito, há significativa doutrina que não admite a possibilidade de
que a inexigibilidade se transforme numa dirimente supralegal. Nesse aspecto,
Jescheck e Weigend (2002, p. 542) argumentam que exculpantes supralegais
debilitariam o efeito preventivo-geral do Direito Penal e conduziriam a uma
desigualdade na aplicação do Direito, pois as causas de exculpação são disposi-
ções excepcionais previstas em lei e que não suscetíveis de aplicação extensiva.
Do mesmo modo, Figueiredo Dias (2007, p. 610) sustenta que a ine-
xigibilidade não pode consistir em uma causa geral de exclusão de culpabili-
dade, pois compete penas à lei definir as situações relativamente às quais se
reconhece que a pressão exterior das coisas para o fato ultrapassa a resistência
que ela espera de uma personalidade “fiel ao direito”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 91

No entanto, há fundadas razões para entender que a exculpação supra-


legal não pode limitar-se a situações abstratamente previstas pelo legislador.
Isso, porque sendo o Direito Penal um instrumento de limitação do poder
punitivo do Estado, a possibilidade de ampliação de esferas de não criminaliza-
ção para além das hipóteses legais deve ser permitida. A garantia que inspira o
princípio da legalidade não pode ser invertida em benefício da arbitrariedade.
Doutrina e a jurisprudência não possam habilitar o poder punitivo ultrapas-
sando os limites legais. No entanto, a doutrina pode sugerir e a jurisprudência
limitar o poder punitivo, “ao reduzir a termos racionais o alcance meramente
semântico da lei” (ZAFFARONI et al., 2004, p. 203).
Conceber a existência de uma inexigibilidade supralegal não significa
admitir que ela se alicerce em fundamentos éticos, morais ou metajurídicos
(MAUTONE, 2014). Em verdade, “Se a conduta não é culpável, por ser
inexigível outra, a punição seria injusta, pois não há pena sem culpa. Daí ser
possível a adoção da teoria de inexigibilidade como causa supralegal de exclusão
da culpabilidade” (OLIVEIRA FILHO, 1996, p. 190)7.
A inexigibilidade, como integrante do conceito de culpabilidade, não
deve se limitar às hipóteses legais, devendo ser reputada como causa suprale-
gal, concretizando um princípio fundamental intimamente ligado à respon-
sabilidade pessoal, dispensando, portanto, a existência de normas expressas a
respeito (TOLEDO, 2007, p. 328).
A análise das circunstâncias que informam a descrição do fato é fun-
damental, porque certas situações extraordinárias de conflito obrigam ou
impelem as pessoas a agir em desacordo ao que representam ser conforme ao
Direito. Nesses casos, o juízo de culpabilidade deve ser afastado ou mitigado,
porque circunstâncias excepcionais excluem ou reduzem a responsabilidade
individual, independente de previsão legal (DIETER, 2008, p. 72-83).
Dessa forma, exclui-se a culpabilidade material nas situações de inexigi-
bilidade, concretizando-se os direitos fundamentais inerentes à dignidade da
pessoa humana, posto que, diante da vulnerabilidade do autor, a obediência
à norma jurídica representa ofensa a outros direitos fundamentais, de modo
que o sujeito, nas circunstâncias específicas, não pode ser considerado como
igual, obstando que o Estado e a sociedade lhe exijam comportamento distinto
(MELLO, 2010, p. 403).

7 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Maurício Stegemann Dieter (2008, p. 75), para quem “o juízo de culpa-
bilidade deve ser afastado ou mitigado, porque circunstâncias excepcionais excluem ou reduzem a responsabilidade
individual, independente de previsão legal”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
92

Esse entendimento é compartilhado por Francisco de Assis Toledo,


segundo o qual a inexigibilidade de conduta diversa é a primeira e mais
importante causa de exclusão da culpabilidade, constituindo um verdadeiro
princípio de Direito Penal (TOLEDO, 2007, p. 328). Logo, deve-se admitir
a inexigibilidade como possibilidade de exculpação legal ou supralegal.
De acordo com Dieter, o ponto de partida para a análise das situações
supralegais de exculpação são os princípios constitucionais que fundamen-
tam o Direito Penal, como diretrizes políticas que orientam e limitam a
criminalização primária e secundária. Não obstante as hipóteses supralegais
terem por fundamento argumentos que não pertencem à estrita racionalidade
jurídico-penal, a possibilidade de afastar a pena deve ser legítima no interior
do discurso penal construído sob esses princípios, e, portanto, compatível
com os mesmos. Essa compatibilidade (do argumento da exceção com os
valores anunciados pela Constituição da República de 1988) afasta qualquer
resquício de oposição teórica contra a inexigibilidade como causa supralegal
de exculpação, sob o pretexto de uma alegada ameaça à “segurança jurídica”
(DIETER, 2008, p. 72-83).
Assim, a ideia de inexigibilidade de comportamento diverso pode
fundamentar situações de exculpação legais e supralegais, conforme previsão
explícita ou implícita no ordenamento jurídico (DIETER, 2008, p. 72-83).
Defende-se a admissão da construção supralegal da inexigibilidade em face
das diretrizes político-criminais de um Estado Democrático de Direito, que
pugna pela intervenção mínima do Direito Penal, assim como decisões justas
para os casos concretos em julgamento (MAUTONE, 2014).
A dinâmica da realidade transcende a atrasada racionalidade jurídica,
reconhecendo-se que, em determinadas situações, o ordenamento jurídico
deve ceder ao excepcional, justamente por ser incapaz de antecipar e resolver
de forma justa e adequada todos os conflitos da vida. Assim, nada obstante
a exceção ser inadmissível para violar garantias constitucionais, trata-se de
argumento necessário para concretização plena dos direitos fundamentais
(DIETER, 2008, p. 76-78).
Sob a perspectiva de um princípio geral, orientado à proteção do in-
divíduo diante das ingerências estatais, a exigibilidade de conduta diversa é
uma tradução do valor justiça, próprio do Estado Democrático de Direito,
da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais (ALBAN, 2018,
p. 168).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 93

3.2 Os Parâmetros para Aplicação da Inexigibilidade na Jurisprudência


A jurisprudência brasileira tem admitido, em situações excepcionais,
a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exculpação,
sustentada por particulares situações de anormalidade, as quais fazem com
que o autor do injusto, no caso concreto, tenha seus direitos fundamentais
vulnerados em face de determinadas circunstâncias. Presentes tais circuns-
tâncias, a prática do injusto penal, ainda que não justificada, pode não ser
culpável no caso concreto.
São inúmeros os casos em que o agente se encontra diante de um dra-
ma pessoal, em que a evitação do injusto penal não parece ser uma escolha
isenta de pressões escusáveis. Em tais situações, há um conflito, pois o autor
do ilícito penal não pode justificar sua conduta no âmbito da antijuridicidade,
tampouco há uma causa expressa de exculpação legal que socorra o condenado
em tais circunstâncias.
Entende-se que, em hipóteses como essa, deve-se recorrer às peculia-
ridades no caso concreto, considerando-se não a intensidade da lesão causada
pelo sujeito, pois essa pertence ao injusto, mas, sim, a sua situação pessoal
de vulnerabilidade, em comparação com a ofensa à dignidade representada
pela sanção penal. É dessa ponderação que se deve extrair a inexigibilidade de
conduta diversa, em todas as situações de extrema desigualdade, de extrema
vulnerabilidade, nas quais, diante do caso concreto, a opção pela prática da
infração penal seja, na verdade, uma escolha viciada.
Para tanto, essa escolha forjada deve ter sido tomada sob circunstância
na qual se presume que a liberdade não está presente, tampouco a igualdade
em face dos demais sujeitos no exercício pleno dos seus direitos fundamentais.
Nessas circunstâncias, a imposição da pena no caso concreto revela-se des-
proporcional, pelo fato de implicar uma ofensa desnecessária e desarrazoada
da dignidade humana (MELLO, 2010, p. 403).
Pedro Augusto Lopes Sabino exemplifica o postulado em questão por
meio da aplicação de inexigibilidade de conduta diversa ao caso em que um
guia de excursão, garantidor de um grupo de mais dez pessoas, abandona o
grupo durante uma intempérie para salvar seu próprio filho. O autor enten-
de que o guia não será criminalmente responsável por eventual dano, pois
a conduta legitimamente exigível na generalidade dos casos, não o será para
aquele determinado indivíduo (SABINO, 2004).
Ainda, a inexigibilidade de conduta diversa é solução amplamente
aceita pela jurisprudência pátria como causa de exclusão da culpabilidade,
em situações excepcionais. O Supremo Tribunal Federal tem admitido, em
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
94

tese, como causa supralegal de exclusão de culpabilidade nos crimes contra


a ordem tributária, a precária condição financeira da empresa, extrema ao
ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa que não a falta do
não recolhimento do tributo devido, que deve ser aferida caso a caso pelo
julgador, conforme critério valorativo de razoabilidade8.
O Superior Tribunal de Justiça, de igual forma, tem admitido hipó-
teses supralegais de exculpação. No Agravo em Recurso Especial 1.269.974/
GO, entendeu-se não ser possível exigir de um condutor de viatura policial,
em atendimento à ocorrência, durante um deslocamento, a observância da
velocidade máxima prevista para a via9.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, considerou
inexigível outra conduta da mãe que tentou ingressar com drogas em unidade
prisional, para pagar dívidas do filho com outros detentos. O juízo explicitou
a aplicação de “causa supralegal exculpante”, tendo em vista que o ato volitivo
teria sido viciado por “circunstâncias excepcionais”, em “condições de anor-
malidade a influir decisivamente na motivação da conduta”, assim como o
fato de que a quantidade de tóxico era pequena e a ré era primária e de bons
antecedentes10.
O mesmo Tribunal também aplicou a exculpante em questão ao caso
de agente de segurança penitenciário acusado pelo crime de porte ilegal
de arma de fogo, por considerar que, diante de um contexto de segurança
pública comprometida, “não se poderia exigir de um agente de segurança
penitenciário, refém em duas rebeliões, que não portasse a arma de fogo que
havia adquirido para sua defesa pessoal porque ainda não havia conseguido
autorização para tanto”11.

8 Ação penal 516/DF, Rel. Min.Ayres Brito, DJe 19.09.2011.


9 Agravo em Recurso Especial 1.269.974/GO (2018/0073167-7), Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura, DJ
01.08.2018.
10 “Apelação criminal. Tráfico de entorpecentes. Estabelecimento prisional. Apreensão durante a revista. Mãe que tentou
ingressar com drogas em unidade penal para pagar dívidas do filho com outros detentos. Inexigibilidade de conduta
diversa. Possibilidade. Pequena quantidade de tóxico. Ré primária e de bons antecedentes, que confessou os fatos
desde o início. Episódio isolado em sua vida. Verificação de condições de anormalidade a influir decisivamente na
motivação da conduta. Entre recusar o pedido, admitindo os riscos de eventual retaliação ao ente querido, ou arriscar
sua própria liberdade, em ato único e isolado, escolheu a ré, por temor, a segunda opção, o que não pode ser consi-
derado como autêntico propósito delituoso. Ato volitivo viciado por circunstâncias excepcionais. Causa supralegal
exculpante configurada. Apelo provido para, com fulcro no art. 386, VI, do CPP, absolver a ré, com expedição de
alvará de soltura clausulado.” (TJSP, Apelação 990.09.120717-9, Rel. Des. Péricles Piza, j. 14/09/09)
11 “O apelado, que exercia a função de agente de segurança penitenciário, durante a série de atentados do PCC, havia
enfrentado duas rebeliões em seu trabalho, sendo, inclusive, resgatado pelo batalhão de choque em virtude de ter se
ferido. Acrescenta-se que o apelado, conforme se extrai da prova produzida, estava sendo ameaçado por organização
criminosa e acreditava estar sofrendo perigo real e imediato, de maneira que adquiriu a arma apreendida de um
soldado da polícia militar para sua defesa pessoal e tentava obter autorização para portá-la quando dos fatos. Aliás, o
apelado já havia se submetido aos exames psicotécnico e de tiro para a obtenção do porte de arma, porém entendeu
necessário carregar a arma, para sua defesa pessoal, antes da concessão da autorização. Não bastasse isso, como bem
ressaltado pela Procuradoria-Geral de Justiça, embora a segurança pública tenha sido lesada pelo porte ilegal de arma
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 95

Já o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais aplicou a tese em


questão ao caso no qual o empregado, ordenado pelo patrão, cortou árvores
em área de preservação permanente. Considerou-se que não era exigível do
empregado outra conduta, pois não poderia se negar a cumprir a ordem, sob
pena de ser demitido12. Ressalte-se que não se trata de obediência hierárqui-
ca, pois, para essa excludente, exige-se subordinação hierárquica no âmbito
público.
É possível perceber, portanto, que, conforme já apontado por Henkel,
a exigibilidade não é um conceito apriorístico, mas, sim, condicionado,
consistindo em uma ferramenta para “determinação concreta diante das cir-
cunstâncias do caso individual os deveres e direitos cujo preciso conteúdo não
poderia ser estabelecido à mercê de uma norma geral” (HENKEL, 2008)13.
A fundamentação da inexigibilidade reside em critérios que analisam o
valor e o desvalor sociais, os quais são indissociáveis do contexto histórico no
qual se inserem. Dessa forma, essa análise parte de juízos de fato e juízos de
valor concretos, de consideração ético-individualista, baseada no agente em
si, nos seus motivos e condições pessoais (SILVA, 2006, p. 97-99).
Assim, há inexigibilidade quando o autor de uma conduta típica e ilí-
cita não pode ser considerado penalmente culpável, diante de circunstâncias
fáticas que, analisadas à luz do que revela a experiência humana, tornam
inexigível um comportamento de acordo com o Direito. Isso ocorre quando
circunstâncias externas impedem a livre determinação de vontade e o instinto
de conservação e pressões psíquicas afetam a capacidade de agir conforme o
ordenamento jurídico (MAUTONE, 2014).

de fogo, na oportunidade dos acontecimentos, consistentes em sucessivas rebeliões, atentados contra pessoas, ônibus
incendiados, ataques a postos policiais dentre outros, numa visível demonstração de forças da organização criminosa,
a segurança pública estava comprometida e, por isso, não se poderia exigir de um agente de segurança penitenciário,
refém em duas rebeliões, que não portasse a arma de fogo que havia adquirido para sua defesa pessoal porque ainda
não havia conseguido autorização para tanto.” (TJSP, Apelação 990.08.18774.6-5, Rel. Des. Lucas Tambor Bueno,
j. 15.10.09)
12 “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 39 DA LEI Nº 9.605/98. ABSOLVIÇÃO. INADMISSI-
BILIDADE EM RELAÇÃO AO PRIMEIRO APELANTE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE
COMPROVADAS. POSSIBILIDADE NO TOCANTE AO SEGUNDO APELANTE. INEXIGIBILIDADE DE
CONDUTA DIVERSA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 48 DA LEI Nº
9.605/98. DESCABIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS, DESPROVIDO O DO PRIMEIRO APELANTE E
PROVIDO O DO SEGUNDO. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão
da autoridade competente constitui crime tipificado no art. 39 da Lei nº 9.605/98, pelo que, havendo efetivamente
o desmatamento, não há que se falar em desclassificação para o disposto no art. 48 do mesmo estatuto legal. Merece
guarida a pretensão absolutória, quando o agente contribui para a prática criminosa obedecendo a uma ordem ex-
pressa do patrão, proprietário da fazenda, não havendo como exigir-lhe conduta diversa, haja vista a ameaça, ainda
que implícita, de perder o emprego.” (TJMG, 1.0303.06.000478-3/001(1), Relª Desª Márcia Milanez, j. 15.05.07)
13 O mesmo entendimento é compartilhado por Débora Cunha Mautone, segundo quem “A possibilidade de agir de
acordo com o ordenamento jurídico é verificada caso a caso, não existindo um padrão de culpabilidade” (MAUTONE,
2014).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
96

Interessante observar que, como aponta Stratenwerth (2000, p. 263),


historicamente, o primeiro critério utilizado para classificar as situações de
anormalidade aptas à aplicação da inexigibilidade foi a intensa pressão psíquica.
Essa foi definida como uma força moral que impede ou prejudica a possibilidade
de agir de outro modo, caracterizando-se uma coação subjetiva da capacidade
individual de se motivar e atuar de acordo com o ordenamento jurídico.
A aplicação de tal critério exigia grande intensidade da pressão psíquica,
vindo a se enquadrar em situações peculiarmente dramáticas. Por essa razão,
esse critério veio a ser substituído, posto que a sua adoção limitaria a exclusão
da culpabilidade a casos extremos, cuja raridade não merecia tutela penal apta
a justificar o desenvolvimento de um critério analítico (DIETER, 2008, p. 69).
Nada obstante a ausência de desenvolvimento do critério para utilização em
termos gerais, não há óbice à sua aplicação na construção da inexigibilidade
diante de casos extremos e raros, tal qual aquele analisado neste artigo.
Partindo-se de uma perspectiva atual, vê-se que a doutrina converge
para o critério da “anormalidade das circunstâncias de fato”. Nesse sentido, é
o entendimento de Juarez Cirino dos Santos (2012, p. 321):
“Na perspectiva da teoria dominante, a anormalidade das circunstâncias do
fato que fundamenta a inexigibilidade de comportamento diverso incide
sobre situações de exculpação concretas, nas quais atua um autor culpável
ou reprovável que, contudo, deve ser ex ou desculpado porque o limite de
exigibilidade jurídica é determinado pelo liminar mínimo de dirigibilidade
normativa ou de motivação conforme a norma, excluída ou reduzida em
situações de exculpação legais ou supralegais.”

Dessa forma, entende-se que o parâmetro para aferir a inexigibilidade é


a “pressão anormal de acontecimentos e circunstâncias que excluem o caráter
reprovável” (BITTENCOURT, 1998, p. 103)14 da conduta, de modo que a
vontade do autor tenha sido determinada em condições anormais, quando as
circunstâncias, de fato, tornam impossível ou muito difícil um “querer imune
de defeitos” (BETTIOL, 2000, p. 139-140).
Maurício Stegemann Dieter (2008, p. 66-67) define tais situações anor-
mais como aquelas que aumentam a vulnerabilidade do indivíduo, diante das
quais o dever normativo torna-se secundário diante de um dever ético que é
material, compreensível e factível. Para o autor, a evidência de tais condições
anormais, que opõem o agir materialmente possível do formalmente devido,
excluem, ou, no mínimo, reduzem a possibilidade institucional de reprovar
a conduta, em qualquer situação.

14 Nesse mesmo sentido: TONETTO, 2002.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 97

José Henrique Pierangeli (1999) ensina que a exigibilidade de conduta


diversa deve ser aferida mediante uma possibilidade exigível do agente, jamais
como uma mera possibilidade física de agir, considerando-se, para tanto, um
homem concreto, a ser visto “de pé no chão”. O referido autor rejeita a adoção
de parâmetros abstratos, estereotipados e irreais. Para ele, a concreção de vontade
do acusado deve contemplar um certo âmbito de autodeterminação. Quando
tal âmbito for muito restrito, mínimo, configurada estará a inexigibilidade.
Também nesse sentido é o posicionamento de Paulo Roberto Neves
Augusto Silva (2006, p. 194), para quem não é culpável o agente cujos motivos
para adoção da conduta ilícita encontravam-se viciados, distorcidos, irreais
ou, ainda, reféns de determinada energia alheia a sua vontade, ou liberdade
de motivação, devendo-se observar os elementos psicológicos atuantes sobre
a personalidade e a motivação do agente.
Considera-se não haver coerência, nem sentido, em censurar um agente
que agiu em circunstâncias tais que levariam a generalidade das pessoas a adotar
a mesma conduta (NAHUM, 2001), ou quando o autor fez a única coisa que
lhe era humanamente possível fazer (TOLEDO, 2007).

3.3 A Aplicação da Inexigibilidade de Conduta Diversa ao Caso Neymar


Tecidas tais considerações teóricas, cumpre aplicá-las, então, ao caso
concreto sob análise. Primeiramente, é preciso examinar a individualização
da imputação, o vínculo pessoal do autor com o fato. Ao afirmar-se inocente
diante da acusação de estupro contra si, que ganhou repercussão mundial, o
jogador Neymar divulgou, ainda que com a nitidez distorcida, cenas de nudez
da suposta vítima do crime sexual, dentre as conversas mantidas pelos dois
no aplicativo WhatsApp.
A conduta, nada obstante ser típica e ilícita, foi praticada em um contexto
de autodefesa, diante da imputação da prática de crime hediondo, imputação
esta que chegou ao conhecimento de milhões de pessoas no mundo inteiro,
comprometendo gravemente a honra do jogador, assim como oportunidades
profissionais, tendo em vista a suspensão das campanhas protagonizadas pelo
atleta, por parte de seus patrocinadores, e entraves na negociação com um
clube de futebol do qual, possivelmente, viria a participar.
Deve-se registrar também os efeitos nocivos da imputação à saúde
mental do jogador, quem, na época da divulgação do registro do Boletim de
Ocorrência, estava às vésperas de participar da Copa América, ocasião que
demandaria concentração e tranquilidade, justamente o contrário da situação
imposta a Neymar
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
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É evidente, portanto, que a imputação criminosa, assim como a publi-


cidade opressiva dada ao fato, foram extremamente prejudiciais ao jogador,
mitigando sua dignidade e seus direitos fundamentais, notadamente honra
e saúde, constitucionalmente garantidos, e, ainda, negativa repercussão no
âmbito profissional, tangenciando o livre exercício do ofício e, ainda que
reflexamente, o patrimônio.
Diante da injusta agressão sofrida pelo jogador, questiona-se: a medida
por ele tomada foi proporcional? Entende-se que sim. Primeiro, porque a
acusação contra ele se tornou pública, noticiada mundialmente, de modo que
uma defesa sigilosa é que seria desproporcional. Conforme relatado, o vídeo
publicado por Neymar foi visualizado mais de 18 milhões de vezes.
É completamente desarrazoado considerar que a defesa do jogador seria
equitativa e proporcional, caso o vídeo fosse exibido somente para as autorida-
des policiais. A opinião pública e a repercussão do fato em redes sociais – que
possuem, ressalte-se, enorme influência na vida profissional e na imagem do
atleta, mudou, significativamente, após a revelação das conversas, dentre as
quais havia cenas de nudez.
Deve-se frisar também que ainda que o inquérito tenha sido arquivado
meses depois da denúncia, caso o jogador tivesse mostrado o conteúdo em
questão apenas para a polícia, haveria sério comprometimento à imagem do
atleta, afetando sua honra e oportunidades profissionais, até mesmo pelo senso
popular de que o jogador teria ilicitamente se livrado das acusações, por meio
do poder que a sua influência e riqueza sugerem.
Embora a Constituição garanta a presunção de inocência ao réu, Ney-
mar foi, desde a divulgação do registro do Boletim de Ocorrência, julgado
e condenado pelo “tribunal da internet”, com graves consequências que se
estendem para além do meio digital. Acreditando ter em mãos a prova da
sua inocência, o jogador agiu. Entende-se ser proporcional a divulgação das
imagens, pois o fato de a suposta vítima ter enviado fotos sensuais ao jogador,
espontaneamente, pode constituir um indício que houve consentimento ao
menos para que os dois se encontrassem. Logo, tornou-se “necessário” exibi-
las, no contexto da defesa.
Além disso, as fotos tiveram sua nitidez significativamente reduzida,
e o nome da vítima foi predominantemente ocultado, fato que ao menos in-
dica que Neymar objetivou se defender causando o mínimo dano à mulher
que teve sua intimidade exposta. A ausência da intenção de divulgar a nudez
em si, embora não afaste a tipicidade, como explicado inicialmente, reduz a
culpabilidade. É evidente que, se a divulgação tivesse ocorrido com nitidez
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 99

total, e revelando o nome da pessoa exposta, a conduta seria mais reprovável


do que aquela que foi de fato praticada.
Ainda no campo da proporcionalidade, cumpre frisar que, o crime
pelo qual Neymar foi publicamente acusado, estupro, é crime hediondo,
com pena cominada de reclusão de seis a 10 anos. O crime de divulgação de
cena de nudez, por seu turno, não é hediondo, e a pena cominada é reclusão
de um a cinco anos.
Na prática, o jogador preferiu expor, efetivamente, a intimidade sexual da
vítima, na tentativa de provar que não violou a sua liberdade sexual, bem jurídico
evidentemente mais sensível e relevante. O raciocínio fica evidente na seguinte
afirmação do pai do jogador aos canais de comunicação (CORREIO, 2019):
“Não tínhamos uma escolha. Eu prefiro um crime de internet ao de es-
tupro. Mas ele preservou a imagem e o nome. Ele precisava se defender
rapidamente. É melhor ser verdadeiro e mostrar o que aconteceu. Sabíamos
da chantagem, mas não da coragem de fazer um B.O. em cima de uma
situação dessas.”

Interessante a escolha de palavras: “não tínhamos escolha”. Essa afirma-


ção nos leva ao binômio liberdade vs igualdade, tão mencionado pela doutrina
na construção do marco teórico da inexigibilidade de conduta diversa. É evi-
dente que o jogador estava em posição desigual em relação ao autor “ordinário”
do crime do art. 218-C do CP, devido às peculiaridades já detalhadas acima.
Dessa forma, questiona-se se a escolha pelo cometimento do ilícito foi
um ato inteiramente livre. Novamente, entende-se que não. Neymar estava com
sua honra e dignidade comprometidas, repercutindo no exercício da sua pro-
fissão, saúde mental e até mesmo patrimônio. Trata-se de uma situação pessoal
de vulnerabilidade, em comparação com a ofensa à dignidade representada pela
sanção penal. Assim, diante da vulnerabilidade do autor, a obediência à norma
jurídica representaria ofensa a outros direitos fundamentais, já mencionados.
Além disso, tendo como ponto de partida para a análise das situações
supralegais de exculpação os princípios constitucionais que fundamentam o
Direito Penal, pode-se afirmar que a conduta do atleta representou uma ten-
tativa de concretizar a presunção de inocência, constitucionalmente garantida.
Embora, em termos de processo penal, o caso ainda estivesse em fase
de investigação, como dito, o duro, imediato, e nem sempre justo tribunal da
internet já havia condenado Neymar. Inicialmente, houve, em verdade, uma
presunção de culpa em seu desfavor.
Luciano Santoro (2019) também aquiesce com o entendimento de
que inexiste culpabilidade por parte do jogador, diante da inexigibilidade de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
100

conduta diversa. Para fundamentar essa tese, o referido autor considera que se
trata de um dos principais jogadores de futebol do mundo, que tem milhões
de fãs e seguidores de todas as idades, e é patrocinado por diversas empresas,
sendo seu próprio nome uma marca a ser preservada. Além disso, ele entende
que, como qualquer cidadão, Neymar deve ter a possibilidade de se defender
das acusações que lhe forem dirigidas. Nas palavras do autor, “a linguagem
do silêncio tem que ser uma faculdade, jamais uma imposição”.
Santoro opina no sentido de que, alguém que está com sua honra ma-
culada perante a opinião pública e é acusado da prática de crime hediondo,
tendo em mãos o que acredita ser a prova da sua inocência, não deve ser
obrigado a aguardar usá-la somente em um futuro remoto, como defesa em
um processo penal.
O mencionado autor, nesse ponto, adota o mesmo entendimento que
este artigo, de que a conduta de Neymar, ao divulgar as conversas conten-
do cenas de nudez, está amparada pela inexigibilidade de conduta diversa,
afastando-se a culpabilidade, e, portanto, a imposição da sanção penal.
É evidente, portanto, que a conduta de Neymar, ao divulgar vídeo
contendo conversas com a suposta vítima do crime de estupro, no qual apare-
cem cenas distorcidas de nudez, foi adotada em um contexto completamente
anormal, de extrema vulnerabilidade e sob intensa pressão psíquica.
Assim, além de ter atuado em um âmbito de determinação extrema-
mente restrito, sendo, portanto, refém de circunstâncias externas, Neymar
agiu de modo que a ofensa representada pelo seu crime foi infinitamente me-
nor ao dano por ele sofrido quanto à sua honra, saúde psíquica e perspectiva
profissional. A medida adotada pelo jogador não foi capaz de impedir nem
anular tal dano, mas, ao menos, o conteve, diante da apresentação de forte
evidência de que o atleta não teria cometido o crime hediondo do qual foi
acusado sob os holofotes de milhões de expectadores, que acompanharam o
caso de repercussão mundial.
Infere-se, portanto, que a conduta típica e ilícita de Neymar não é cul-
pável, em face da inexigibilidade de conduta diversa, exculpante amplamente
aceita pela jurisprudência pátria e pela doutrina, conforme demonstrado neste
artigo.

Conclusão
Enfrentou-se o problema do enquadramento jurídico-penal da conduta
do jogador Neymar, ao divulgar conversas virtuais com a mulher que o acusou
de estupro, nas quais constavam cenas de nudez.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 101

As primeiras análises acerca do caso, proferidas em junho de 2019,


consistem em opiniões formadas no calor da discussão, carentes de aprofun-
damento e reflexão. Passado algum tempo desde o fato e já esclarecidas com
mais detalhes as circunstâncias ocorridas, é possível fazer uma análise menos
passional e mais dogmático-jurídica do fato.
Assim, sob a ótica da teoria do delito, aferiu-se, primeiramente, a tipi-
cidade da conduta, notadamente diante da ausência de dolo específico para o
tipo penal previsto no art. 218-C do Código Penal. Quanto à antijuridicidade,
afastou-se a cogitada aplicação do estado de necessidade justificante, tendo
em vista a ocorrência de efetiva agressão à reputação, honra e saúde do atleta,
e não somente perigo, diante da rápida e intensa repercussão do registro do
Boletim de Ocorrência.
Além disso, a conduta de Neymar Jr. não foi atual em relação à agressão
sofrida, fato que também afasta a aplicabilidade da legítima defesa ao caso.
Analisando-se, portanto, a culpabilidade, conclui-se pelo seu afastamento,
diante da inexigibilidade de conduta diversa.
Considerou-se, portanto, que a conduta do jogador foi típica e ilícita,
mas não culpável, em face do vínculo pessoal do autor com o fato típico
previsto no art. 218-C do Código Penal, a proporcionalidade da medida, a
compatibilidade com os princípios de Direito Penal, a mitigação da liberdade
e da igualdade em relação ao autor “ordinário”, assim como da dignidade
humana e de direitos fundamentais, como a honra e a saúde.
Para tanto, adotou-se uma perspectiva material da culpabilidade, assim
como a natureza principiológica da inexigibilidade, identificando-se uma
situação pessoal de vulnerabilidade do autor, em comparação com a ofensa à
dignidade representada pela sanção penal.
Conforme demonstrado, tal posicionamento é referendado por cons-
truções doutrinárias e jurisprudenciais, as quais admitem a inexigibilidade de
conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

TITLE: The Neymar case: disclosure of intimate images under the perspective of the unenforceability
of miscellaneous conduct.

ABSTRACT: This article examines the conduct of the soccer player Neymar Jr., who posted a video fea-
turing nude scenes of the woman who accused him of rape, generating widespread repercussions around
the world. The fact is analysed in the light of the theory of the crime, concluding that it is a typical fact,
illicit, but not guilty, due to the application of supralegal cause of unenforceable conduct.

KEYWORDS: Neymar Case. Disclosure of Intimate Images. Unenforceability of Miscellaneous Conduct.


Supralegal Cause. Culpability.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Doutrina
102

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WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Régis
Prado. São Paulo: RT, 2001.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal
brasileiro I: teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

Recebido em: 23.03.2020


Aprovado em: 15.04.2020
Jurisprudência

Supremo Tribunal Federal


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HC Nº 182.516 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

Condenação por Tráfico de Drogas. Incidência da


Causa Especial de Redução de Pena Prevista no
§ 4º do Art. 33 da Lei nº 11.343/06. Possibilidade.
Dedicação à Atividade Criminosa Não Demonstrada.
Precedentes. Recurso Ordinário em Habeas Corpus
Provido. Agravo Regimental a que se Nega Provimento
I – A orientação jurisprudencial da Segunda Turma desta Suprema Corte
é no sentido de que deve ser idônea a fundamentação para justificar o
afastamento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06,
sendo insuficiente, por si só, a utilização de inquéritos policiais ou de
ações penais sem trânsito em julgado para comprovar a dedicação do
paciente a atividades criminosas.
II – Dado provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para de-
terminar ao Juízo competente que proceda à nova dosimetria da pena,
aplicando, fundamentadamente, a causa especial de redução prevista
no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, na fração que entenda adequada
e suficiente para reprovação e prevenção do crime, com os demais
consectários legais.
III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF; RHC-AgR 182.516; DF; 2ª T.; Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
DJE 22/05/2020; p. 87)

ACÓRDÃO
Acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual
da Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos, por unanimidade,
negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 15 de maio de 2020.
Ministro Ricardo Lewandowski – Relator
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 105

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Trata-se de agravo
regimental interposto contra decisão por mim proferida nestes autos.
A Defensoria alegou, em suma, que o paciente faz jus à causa de dimi-
nuição da pena pelo tráfico privilegiado, pois
“não pode ser considerado com maus antecedentes, sendo tecnicamente
primário, porquanto não há registro de folha de condenação transitada em
julgado, tampouco pela condenação em atos infracionais, uma vez que o art.
27 do Código Penal afirma que ‘os menores de 18 anos são penalmente inim-
putáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial’.” (p.
116 do documento eletrônico 2)
Aduziu, ainda, que,
“não havendo outros argumentos desfavoráveis ao pleito do paciente, forçoso
é reconhecer que ao manter a decisão que afastou a aplicação da causa de
diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 com base somente em ações
penais em curso e atos infracionais viola manifestamente o direito de loco-
moção do paciente por mantê-lo em pena privativa de liberdade por tempo
maior que o determinado por lei.” (p. 121 do documento eletrônico 2)
Requereu, por fim, o provimento do recurso para que fosse aplicada a
causa de diminuição da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Diante do exposto, dei provimento ao recurso ordinário em habeas corpus
para determinar ao Juízo competente que proceda à nova dosimetria da pena,
aplicando, fundamentadamente, a causa especial de redução prevista no § 4º
do art. 33 da Lei nº 11.343/06, na fração que entenda adequada e suficiente
para reprovação e prevenção do crime, com os demais consectários legais.
Contra essa decisão, sobreveio o presente recurso de agravo regimental
interposto pelo Parquet.
É o relatório.

VOTO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem reexaminados
os autos, tenho que a decisão ora atacada não merece reforma ou qualquer
correção.
Isso, porque, ao proferir a sentença condenatória, o Magistrado de
primeiro grau afastou a incidência da causa especial de redução penal prevista
no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, sustentando que,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
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“[m]uito embora o sentenciado seja tecnicamente primário, nota-se que não


se trata de fato isolado em sua vida, mas, ao contrário, num curto espaço de
tempo após atingir a maioridade, uma vez que tem apenas 18 anos, já se viu
envolvido em um crime de roubo majorando (Processo 2018.14.1.003077-8,
cuja certidão determino a juntada, o que demonstra seu envolvimento em
atividades criminosas, por isso não faz jus ao benefício do § 4º do art. 33 da
LAD.” (p. 18 do doc. eletrônico 1)
Contudo, a orientação jurisprudencial da Segunda Turma desta Supre-
ma Corte é no sentido de que deve ser idônea a fundamentação para justificar
o afastamento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, sendo
insuficiente, por si só, a utilização de inquéritos policiais ou de ações penais
sem trânsito em julgado para comprovar a dedicação do paciente a atividades
criminosas. Vejam-se os seguintes precedentes:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PACIENTE CON-
DENADO POR TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. UTILIZAÇÃO DE
INQUÉRITOS POLICIAIS OU AÇÕES PENAIS EM CURSO PARA
AFASTAR A INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE
PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM DE HABEAS
CORPUS CONCEDIDA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMEN-
TO.
I – A orientação jurisprudencial da Segunda Turma desta Suprema Corte é no
sentido de que deve ser idônea a fundamentação para justificar o afastamento
da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, sendo insuficiente,
por si só, a utilização de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito
em julgado para comprovar a dedicação do paciente a atividades criminosas.
II – Ordem de habeas corpus concedida para determinar ao Juízo competente
que proceda à nova dosimetria da pena, aplicando a causa especial de redu-
ção prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, na fração que entenda
adequada e suficiente para reprovação e prevenção do crime, com os demais
consectários legais.
III – Agravo ao qual se nega provimento.” (RHC 177.629-AgR/MG, de mi-
nha relatoria)
“Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Causa de dimi-
nuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. 4. Não aplicação da mi-
norante em razão de sentença sem trânsito em julgado. 5. Paciente primário.
6. Ausência de provas de que integra organização criminosa ou se dedique à
prática de crimes. 7. Decisão contrária à jurisprudência desta Corte. Cons-
trangimento ilegal configurado. 7.1. O Pleno do STF, ao julgar o RE 591.054,
com repercussão geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, firmou orien-
tação no sentido de que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais
sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus antecedentes
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 107

para fins de dosimetria da pena. 7.2. Para efeito de aumento da pena, somente
podem ser valoradas como maus antecedentes decisões condenatórias irre-
corríveis, sendo impossível considerar, para tanto, investigações preliminares
ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal,
sob pena de violação ao art. 5º, inciso LIV (presunção de não culpabilidade),
do texto constitucional. 8. Decisão monocrática do STJ. Ausência de inter-
posição de agravo regimental. Superação. 9. Ordem concedida parcialmente
para que o Juízo proceda à nova dosimetria.” (HC 151.431/MG, Rel. Min.
Gilmar Mendes)
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DRO-
GAS. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO
DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. PROCEDIMENTOS
E/OU PROCESSOS CRIMINAIS SEM TRÂNSITO EM JULGADO.
IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA PARA APLICAR A MI-
NORANTE FUNDAMENTADAMENTE E RECALCULAR A DOSI-
METRIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – A causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33,
§ 4º, da Lei nº 11.343/06, não pode ter sua aplicação afastada com fundamen-
to em ‘investigações preliminares ou processos criminais em andamento,
mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação ao art. 5º, inciso
LIV (presunção de não culpabilidade), do texto constitucional’ (HC 151.431/
MG, Rel. Min. Gilmar Mendes). Precedentes. II – A escolha do patamar de
diminuição da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas não prescinde
de adequada fundamentação. Precedentes. III – Agravo regimental a que se
nega provimento.” (HC 144.309-AgR/MG, de minha relatoria)
Com essa mesma compreensão, destaco trechos das seguintes decisões
monocráticas proferidas em casos análogos:
“(...)
3.1. Inicialmente, verifico que a exasperação da pena-base e o afastamento do
redutor foram fundamentados unicamente em condenação criminal sem o
devido trânsito em julgado. Ocorre que, ao preceder dessa forma, o Juízo a
quo incorreu em flagrante violação ao princípio da não culpabilidade.
Observa-se que esta Corte, sob a sistemática da repercussão geral, consignou
que, ‘ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e pro-
cessos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes crimi-
nais’ (RE 591.054, Tema 129, Rel. Marco Aurélio, Pleno, DJe 26.02.2015).
Em que pese a tentativa do MPF de revisitar a matéria, no julgamento do RE
1.012.344 AgR (Rel. Dias Toffoli, DJe 19.05.2017), a Segunda Turma afastou
a proposta de revisão do tema, tendo assentado que o entendimento fixado
no processo-paradigma tem sido hodiernamente aplicado, sem objeções, por
ambas as Turmas do STF. Destaco trecho do voto do Relator (com grifos da
redação original):
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
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‘A decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos, pois,
conforme consignado naquela ocasião, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar
o mérito do RE 591.054/SC-RG, Rel. Min. Marco Aurélio, cuja repercussão
geral havia sido reconhecida (Tema nº 129), firmou a tese de que a existência
de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não pode
ser considerada como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena.
Transcrevo a ementa do caso paradigma:
‘PENA. FIXAÇÃO. ANTECEDENTES CRIMINAIS. INQUÉRITOS E
PROCESSOS EM CURSO. DESINFLUÊNCIA. Ante o princípio consti-
tucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são
neutros na definição dos antecedentes criminais.’ (DJe 25.02.2015)
Não obstante os argumentos do agravante no sentido de que a Corte estaria
inclinada a modificar esse entendimento, o fato é que ambas as Turmas pos-
suem precedentes contemporâneos que têm referendado a tese fixada em
repercussão geral pelo Pleno no RE 591.054/SC-RG.
(...)
Dessa forma, ante a desconsideração da ação penal sem o trânsito em julga-
do à época da prolação da sentença como maus antecedentes, bem como a
ausência de outras circunstâncias que atribuam maior desvalor à conduta,
impõe-se a reforma da dosimetria da pena, com a fixação da pena-base no
mínimo legal e a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº
11.343/06 em seu grau máximo.
(...)” (HC 168.788/SP, Rel. Min. Edson Fachin)
“(...)
Sobre o tema (caracterização da dedicação a atividades criminosas com base
em decisões transitadas em julgado, sob pena de violação ao princípio da pre-
sunção de inocência), registro que, em sessão realizada em 17.12.2014, o Ple-
no do STF, ao julgar o RE 591.054, de relatoria do Ministro Marco Aurélio,
firmou orientação no sentido de que a existência de inquéritos policiais ou de
ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus
antecedentes para fins de dosimetria da pena.
Na ocasião, ficou consignado que, para efeito de aumento da pena, somente
podem ser valoradas como maus antecedentes decisões condenatórias irre-
corríveis, sendo impossível considerar para tanto investigações preliminares
ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal,
sob pena de violação ao art. 5º, inciso LIV (presunção de não culpabilida-
de), do texto constitucional. No mesmo sentido, menciono: HC 94.680/SP,
Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 24.11.2015; HC 104.266/RJ,
Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 26.05.2015 e HC 125.367/ES,
por mim relatado, DJe 24.02.2015.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 109

Assim, à luz do novo entendimento adotado por esta Corte, verifico ilegalida-
de na dosimetria realizada pelo magistrado de primeiro grau.
Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RI/STF, dou par-
cial provimento ao recurso, para, mantida a condenação e seus efeitos, de-
terminar que o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Belo Horizonte/
MG (Processo 0024.15.011.665-5), proceda à nova dosimetria, analisando os
maus antecedentes do paciente em conformidade com a jurisprudência deste
Tribunal, considerando, ainda, a possibilidade de incidência da minorante
prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, e, por fim, analise o regime pri-
sional adequado nos termos do art. 33 do Código Penal.
(...)” (RHC 149.273/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes)
Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DE ATA
Ag. Reg. no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 182.516
Proced.: Distrito Federal
Relator: Min. Ricardo Lewandowski
Agte.: Ministério Público Federal
Proc.: Procurador-Geral da República
Agdo.: Pedro Henrique de Moraes Silva
Adv.: Defensor Público-Geral do Distrito Federal
Intdo.: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Proc.: Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-
gimental, nos termos do voto do Relator. Segunda Turma, Sessão Virtual de
08.05.2020 a 14.05.2020.
Composição: Ministros Cármen Lúcia (Presidente), Celso de Mello,
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.
Ravena Siqueira – Secretária
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 1.847.097 PARÁ
RELATOR: MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK

Poluição Ambiental Qualificada. Arts. 54, §§ 2º, I,


II, III e IV, e 3º, e 56, § 1º, I e II, c/c o Art. 58, I,
Todos da Lei nº 9.605/98. Envio e Armazenamento de
Resíduos Tóxicos. Providências Não Efetivadas para
Reparação do Dano Causado. Natureza Permanente
da Conduta. Prática que se Perdurou no Tempo.
Não Cessação da Atividade. Impossibilidade de
Aferição da Prescrição. Precedentes. Bem Jurídico-
Constitucional de Elevado Valor. Direito ao Meio
Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Inexistência
de Omissão no Acórdão Recorrido. Agravo Regimental
Desprovido
1. A controvérsia cinge-se em estabelecer se os delitos pelos quais a
empresa agravante foi condenada – poluição, na sua modalidade qua-
lificada (arts. 54, §§ 2º, I, II, III e IV, e 3º, e 56, § 1º, I e II, c/c o art. 58,
I, da Lei nº 9.605/98), considerado o momento de sua consumação, são
de natureza permanente ou instantânea de efeitos permanentes, para
fins de reconhecimento de prescrição.
2. In casu, as condutas delituosas se resumem na ação de causar poluição
ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em
desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e
na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano
grave ou irreversível ao ecossistema. Com efeito, há dificuldade de
classificação do tipo legal quanto ao momento de sua consumação na
medida em que é de fácil visualização a conduta inicial definida – causar
poluição – que pode restar configurada simplesmente na primeira ação
ou omissão por parte do autor, ou, ainda, perdurar no tempo.
3. No caso dos autos, a empresa agravante armazenou seu lixo industrial,
no Município de Ulianópolis, e dessa conduta resultou poluição grave
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 111

da área degradada, sendo que, até o momento de prolação do julgado,


não teria tomado providências para reparar o dano, caracterizando a
continuidade da prática infracional. Desse modo, constata-se que o
crime de poluição qualificada em exame é permanente, ainda que por
omissão da parte recorrente, que foi prontamente notificada a reparar
o dano causado.
4. Esta Corte tem se posicionado pela impossibilidade de aferição do
transcurso do lapso prescricional quanto a delito cometido em desfavor
do meio ambiente, quando pautado na continuidade das atividades
ilícitas.
5. Esse posicionamento vem tomando força e deve ser a linha de
orientação a ser seguida, considerado o bem jurídico-constitucional
de elevado valor a que a lei faz referência – direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado – que legitima a intervenção do Estado no
controle das ações praticadas a seu desfavor, devendo ser promovida a
efetiva aplicação das normas penais.
6. Não há falar em omissão no aresto hostilizado, pois se rechaçou a
tese posta nas contrarrazões ao argumento de que a recorrente admitiu
ter recebido notificação da Prefeitura Municipal de Ulianópolis para
retirar os resíduos e assim não o fez.
7. Agravo regimental desprovido.
(STJ; AgRg-REsp 1.847.097; Proc. 2019/0331562-0; PA; 5ª T.; Rel. Min.
Joel Ilan Paciornik; DJE 13/03/2020)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro
Dantas votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo
(Desembargador Convocado do TJPE).
Brasília, 5 de março de 2020 (Data do Julgamento).
Ministro Joel Ilan Paciornik – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
112

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik:
Trata-se de agravo regimental interposto contra a decisão de fls. 737/741,
em que se negou provimento ao recurso especial.
A agravante sustenta que: “(...) os julgados invocados para suportar tal
conclusão, além de datarem do ano de 2015 – desde o qual a jurisprudência
desse e. Tribunal se alterou e amadureceu em relação ao tema –, dizem res-
peito ao crime definido no art. 48 da Lei nº 9.605/98, que trata da conduta de
impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de
vegetação. Tal delito jamais foi imputado à agravante” (fl. 749).
Afirma que “causar poluição não é ação que se protrai no tempo, mas,
ao contrário, conduta que se esgota tão logo executada – ainda que seus efeitos
possam se mostrar duradouros (fl. 751). Por isso, está-se diante de delito de
consumação instantânea, aperfeiçoados no exato momento em que a CBB/
USPAM teria descartado irregularmente os tambores da marca ESSO no
meio ambiente (em 1999 a 2002). A denúncia foi recebida em 18 de janeiro
de 2016 e a CBB/USPAM interditada em 23 de junho de 2003 (termo inicial
do lapso prescricional), sendo a pena máxima cominada ao delito de maior
gravidade 5 anos e, consoante o art. 109, III, do CP, prescreve em 12 anos,
tendo sido atingida”.
Aduz que a proposta de Termo de Ajustamento de Conduta, além de
não se apresentar vinculante ao seu destinatário, emanou de órgão que não
se enquadra no conceito de autoridade competente para a exigência de deter-
minada conduta na seara ambiental.
Insiste que na denúncia inexiste elemento que compõe a definição le-
gal do tipo penal e que o Tribunal de origem foi omisso quanto ao conteúdo
deduzido nas contrarrazões recursais.
Requer a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do presente
recurso ao órgão colegiado.
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik (Relator):
O recurso não merece ser provido.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 113

A controvérsia cinge-se em estabelecer se os delitos pelos quais a empre-


sa agravante foi condenada – poluição, na sua modalidade qualificada (arts. 54,
§§ 2º, I, II, III e IV, e 3º, e 56, § 1º, I e II, c/c o art. 58, I, da Lei nº 9.605/98),
considerado o momento de sua consumação, são de natureza permanente ou
instantânea de efeitos permanentes, para fins de reconhecimento de prescrição.
De início, necessário ressaltar que não desconheço a existência de de-
cisão monocrática desta Corte quanto ao tema, de relatoria do Ministro Jorge
Mussi, nos autos do REsp 1.794.827/PA, que resolve a questão entendendo
que o tipo criminoso é instantâneo de efeitos permanentes, pois a consuma-
ção delitiva se daria no exato momento em que causada a poluição, sendo a
modalidade qualificada do injusto somente a sua consequência, ainda que
duradoura, razão pela qual, no caso analisado, o nobre julgador reconheceu
extinta a pretensão punitiva estatal diante da prescrição.
Peço vênia para divergir do referido entendimento e explico.
De antemão, necessário fazer a distinção dos conceitos legais – crimes
permanente e instantâneo de efeitos permanentes –, de modo a tornar claro
o raciocínio jurídico empregado no presente caso.
Rogério Greco, citando Assis Toledo, esclarece o seguinte:
“(...) no permanente, o momento consumativo é uma situação duradoura, cujo início
não coincide com o de sua cessação (sequestro, cárcere privado, usurpação de fun-
ção pública, etc.). Denominam-se crimes instantâneos de efeitos permanentes aqueles
em que não a conduta do agente, mas apenas o resultado da ação é permanente. Isso
ocorre no homicídio (exemplo de Bettiol), cujo resultado (a morte) é irre-
versível, portanto permanente, mas seguramente marcado por um momento
consumativo certo – aquele em que a vítima deixa de viver.”
E acrescenta:
“Merece ser destacada, ainda, mais uma diferença existente entre o crime
permanente e o crime instantâneo de efeitos permanentes. É que, nos crimes
permanentes, a manutenção da situação de permanência depende da vontade do próprio
agente, a exemplo do que ocorre com o crime de sequestro, em que a vítima
poderá ser libertada, desde que o agente que a privou da liberdade atue nesse
sentido. Ao contrário, nos chamados crimes instantâneos de efeitos permanentes, o retor-
no à situação anterior foge à alçada do agente, como é o caso do homicídio.” (Curso
de direito penal: parte geral. 20. ed. Niterói: Impetus, 2018. v. I. p. 229-230)
Em reforço, e no mesmo sentido, trago à colação posicionamento
doutrinário de outro jurista:
“Crimes permanentes, por sua vez, são os delitos em que a consumação ocorre com uma
situação antijurídica duradoura (de lesão ou de perigo ao bem jurídico) que se mantém
ou pode cessar pela conduta do autor. Claus Roxin alude que ‘delitos permanentes
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
114

são aqueles fatos em que o delito não está concluído com a realização do tipo,
mas que se mantém pela vontade delitiva do autor tanto tempo como subsiste
o estado antijurídico criado por ele’.” (PACELLI, Eugênio; CALLEGARI,
André. Manual de direito penal: parte geral. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2017)
O que podemos extrair desses preceitos legais é que a diferença de
classificação consiste na ação tomada pelo agente quanto aos efeitos gerados
da conduta delitiva inicial, pois para o crime permanente, realizada a ação
típica, os efeitos só perduram no tempo por nova ação do autor ou diante da
sua inércia em cumprir determinação estipulada, quando, nos instantâneos de
efeitos permanentes, o delito se consuma tão somente no primeiro momento,
sendo as consequências daí geradas independentes da sua vontade.
Vejamos na Lei nº 9.605/98 como estão descritos os delitos em exame,
que se resumem ao crime de poluição qualificada (arts. 54, §§ 2º, I, II, III e
IV, e 3º, e 56, § 1º, I e II, c/c o art. 58, I):
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a
destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(...)
§ 2º Se o crime:
I – tornar uma área urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos
habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público
de água de uma comunidade;
IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar,
quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de
dano ambiental grave ou irreversível.
(...)
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, trans-
portar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, peri-
gosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 115

(...)
Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
I – de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em
geral;”
Ao que se percebe, essas condutas delituosas se resumem na ação de
causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio
ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de
proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco
de dano grave ou irreversível ao ecossistema.
A princípio, percebo a dificuldade de classificação do tipo legal quanto
ao momento de sua consumação na medida em que podemos visualizar uma
conduta inicial definida – causar poluição – que pode restar configurada
simplesmente na primeira ação ou omissão por parte do autor ou perdurar
no tempo.
Aqui cabe uma reflexão, pois importante perceber, nos casos pontuais,
como se dão os efeitos da primeira conduta criminosa.
Mais uma vez recorro à doutrina para firmar meu posicionamento,
extraindo um trecho de grande valia da obra de Nicolao Dino Neto, Ney
Bello Filho e Flávio Dino, em comentários à Lei nº 9.605/98: “A consumação
do crime ocorre quando há descumprimento de medidas determinadas pelo
Órgão competente. Trata-se de crime permanente, que se protrai no tempo enquanto
durar a desobediência à ordem administrativa. Entretanto, se essa ordem se consubs-
tanciar em um ato instantâneo, o crime vai se configurar no exato momento
em que o ato agressor da determinação administrativa é praticado” (Crimes
e infrações administrativas ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98. Brasília:
Brasília Jurídica, 2000. p. 277).
Destarte, necessário verificar, no caso aqui tratado, qual o elemento
volitivo do autor no que se refere aos efeitos da primeira conduta criminosa
– poluição.
In casu, o que se extrai do aresto hostilizado, às fls. 544/548, é que a em-
presa agravante armazenou seu lixo industrial, no Município de Ulianópolis,
e dessa conduta resultou poluição grave da área degradada, sendo que, até o
momento de prolação do julgado, não teria tomado providências para reparar
o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional. A propósito:
“Conforme o recorrente, a recorrida não adotou medidas para constatar que se a
CBB apresentava condições técnicas para proceder a correta e adequada destinação do
lixo tóxico, situação que perdura até os dias atuais, pois as perícias constataram que
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
116

recipientes oriundos da recorrida, contendo este tipo de material, ainda se encontram nas
instalações da CBB.
(...)
Inicialmente, cumpre esclarecer que o recorrente não está questionando se o
crime de poluição (art. 54, § 1º, I, II, III e V, da Lei nº 9.605/98) é permanente
ou instantâneo de efeitos permanentes, mesmo porque o magistrado a quo, ao
reconhecer a prescrição disse, expressamente, que o delito é permanente.
(...)
Ocorre que, além do crime de poluição, antes examinado, a recorrida também foi denun-
ciada pelo cometimento do delito do art. 56, § 1º, I e II, da Lei nº 9.605/98, o qual
transcrevo, in verbis:
(...)
Desse modo, verifica-se que todos os delitos pelos quais a recorrida foi acusada são de
natureza permanente e a prova pericial juntada aos autos não deixa dúvidas que a re-
corrida armazenou seu lixo industrial, consistentes em substâncias tóxicas e perigosas ao
meio ambiente, no Município de Ulianópolis e dessa conduta resultou poluição da área
degradada e, até a presente data, não tomou providências para reparar o dano.
Ademais, na resposta a acusação, a recorrida não informou que havia sequer reparado o
dano ambiental, o que constitui indicativo de que as condutas criminosas descritas acima
continuam sendo praticadas.
Por isso, mostra-se equivocado o entendimento do Juízo a quo ao considerar
como cessada a permanência das condutas o ano de 2002, quando foi remeti-
do, pela recorrida, o último carregamento de resíduos industriais.
Registre-se ainda que, como a prática delitiva ainda perdura no tempo, a
prescrição não poderia ser reconhecida pela ausência do dies a quo que se dá
justamente com a cessação da permanência, ex vi do art. 111 do CP, que não
ocorreu na hipótese em exame.”
Ao que se tem, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja,
os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da própria omissão
da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da con-
duta inaugural.
Assim, no caso em exame, entendo que o crime de poluição qualificada
é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que por
omissão da parte autora, que foi prontamente notificada a reparar o dano
causado – retirar os resíduos e assim não o fez (fl. 596).
Registre-se que a prescrição penal nos crimes ambientais, praticados
por pessoas jurídicas, tem vinculação direta com os preceitos do art. 109 do
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 117

Código Penal – CP e, por consequência, às regras do art. 111 do mesmo


estatuto. Nesse sentido:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES AMBIENTAIS. OMIS-
SÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO. REDISCUSSÃO DO
ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ACLARATÓRIOS REJEITA-
DOS.
1. A ausência, no acórdão, de quaisquer dos vícios elencados no art. 619 do
Código de Processo Penal, torna inviável o acolhimento dos embargos decla-
ratórios opostos.
2. Na espécie, inexiste a omissão apontada pela defesa, tendo o acórdão em-
bargado apreciado a insurgência de forma clara e fundamentada, não sendo
possível, em embargos de declaração, rediscutir o entendimento adotado, se-
quer para fins de prequestionamento.
3. O debate prévio das matérias é necessário para o conhecimento do recurso
especial, inclusive quando tratar-se de questões de ordem pública.
4. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que ‘em crimes ambien-
tais, embora incabível a imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas,
o prazo prescricional deve obedecer à regra do art. 109, parágrafo único, do CP, que
estabelece serem aplicáveis, às sanções restritivas de direitos, os mesmos prazos definidos
para a prescrição da pena corporal’ (AgRg no REsp 1.712.991/SP, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, j. 11.09.2018, DJe 28.09.2018), fundamento que de-
monstra a ausência de qualquer ilegalidade no acórdão recorrido.
5. Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no AgRg no AREsp 1.289.926/
RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.05.2019)
“PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 48 DA LEI Nº 9.605/98. FATOS
INCONTROVERSOS. SÚMULA Nº 7 DO STJ. NÃO INCIDÊNCIA.
DELITO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRIN-
CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO.
1. O tipo insculpido no art. 48 da Lei nº 9.605/98 tem como propósito preser-
var o meio ambiente, buscando assegurar a regeneração natural das florestas
e das demais formas de vegetação, e não punir a ocorrência de dano direto já
realizado à natureza.
2. Hipótese em que a conduta do agravante de manter construção (casa de
madeira) em área de marinha e de preservação permanente, situada em área
de manguezal no interior de Unidade de Conservação, na Reserva Extrati-
vista Marinha do Pirajubaé, incide no tipo penal previsto no art. 48 da Lei de
Crimes Ambientais, tendo em vista que a continuidade da ocupação impediu
a recuperação natural da localidade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
118

3. O delito em questão possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no


tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir
do qual se considera consumado e se inicia a contagem do prazo prescricional, nos termos
do art. 111, inciso III, do Código Penal.
4. Desconstituir a decisão condenatória para, então, concluir pelo preenchi-
mento dos requisitos necessários à incidência do princípio da insignificância
implica o exame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela
Súmula nº 7 do STJ.
5. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1.503.896/SC, Rel. Min.
Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 09.10.2015)
Esta Corte tem se posicionado pela impossibilidade de aferição do
transcurso do lapso prescricional quanto a delito cometido em desfavor do
meio ambiente, quando pautado na continuidade das atividades ilícitas. São
estes precedentes firmados para o tipo cominado no art. 48 da Lei nº 9.605/98.
Confiram-se:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 48 DA LEI
Nº 9.605/98. CRIME AMBIENTAL. NATUREZA PERMANENTE. ATI-
VIDADE CRIMINOSA QUE SE PROLONGA NO TEMPO. RECURSO
NÃO PROVIDO.
1. O crime imputado ao agravante configura-se como crime permanente, pois, mesmo
que o dano ambiental tenha se iniciado com a construção das edificações em dezembro de
2003, a conservação e a manutenção das construções na área de conservação ambiental
impedem que a vegetação se regenere, prolongando-se, assim, os danos causados ao meio
ambiente. Precedentes.
2. Se a ocupação ou a degradação da área ocorreu, e continua ocorrendo,
impedindo e dificultando a sua regeneração natural, permanece o recorrente
em cometimento da infração penal.
3. A ausência de informação acerca da cessação da permanência impede a
aferição do transcurso do lapso prescricional e impõe o prosseguimento do
inquérito policial.
4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1.133.632/SC, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 10.10.2016)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
CRIMES AMBIENTAIS. ART. 48 DA LEI Nº 9.605/98. CRIME PERMA-
NENTE. CONSUMAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. PRES-
CRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. NECESSIDADE DE REEXAME DE
FATOS E PROVAS.
I – ‘O crime imputado ao agravante configura-se como crime permanente,
pois, mesmo que o dano ambiental tenha se iniciado com a construção das
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 119

edificações em dezembro de 2003, a conservação e a manutenção das cons-


truções na área de conservação ambiental impedem que a vegetação se rege-
nere, prolongando-se, assim, os danos causados ao meio ambiente’ (AgRg
no REsp 1.133.632/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe
10.10.2016).
II – Partindo da premissa de que o delito em questão é considerado crime permanente, a
alegação de prescrição da pretensão punitiva estatal deve ser afastada, uma vez que, nos
termos do v. acórdão recorrido, a prática do delito se protrai no tempo e provoca a violação
contínua e duradoura do bem jurídico tutelado, com a renovação a cada momento da
consumação, de forma que a contagem do prazo prescricional só tem início com a cessação
da permanência.
III – O pleito relativo ao reconhecimento da atipicidade da conduta esbarra
na necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório, providência que
não se coaduna com os estreitos limites do recurso especial, a teor do Enun-
ciado nº 7 da Súmula desta Corte.
Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp 312.502/DF, Rel. Min.
��������
Fe-
lix Fischer, Quinta Turma, DJe 01.08.2017)
“PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 48 DA LEI Nº 9.605/98. FATOS
INCONTROVERSOS. SÚMULA Nº 7 DO STJ. NÃO INCIDÊNCIA.
DELITO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRIN-
CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO.
1. O tipo insculpido no art. 48 da Lei nº 9.605/98 tem como propósito preser-
var o meio ambiente, buscando assegurar a regeneração natural das florestas
e das demais formas de vegetação, e não punir a ocorrência de dano direto já
realizado à natureza.
2. Hipótese em que a conduta do agravante de manter construção (casa de
madeira) em área de marinha e de preservação permanente, situada em área
de manguezal no interior de Unidade de Conservação, na Reserva Extrati-
vista Marinha do Pirajubaé, incide no tipo penal previsto no art. 48 da Lei de
Crimes Ambientais, tendo em vista que a continuidade da ocupação impediu
a recuperação natural da localidade.
3. O delito em questão possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no
tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir
do qual se considera consumado e se inicia a contagem do prazo prescricional, nos termos
do art. 111, inciso III, do Código Penal.
4. Desconstituir a decisão condenatória para, então, concluir pelo preenchi-
mento dos requisitos necessários à incidência do princípio da insignificância
implica o exame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela
Súmula nº 7 do STJ.
5. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1.503.896/SC, Rel. Min.
Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 09.10.2015)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
120

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIEN-


TAL. ART. 48 DA LEI Nº 9.605/98. DELITO PERMANENTE. PRESCRI-
��������
ÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. INSURGÊN-
CIA DESPROVIDA.
1. O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanen-
te, cuja consumação se perdura no tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao
meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem
do prazo prescricional, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1.482.369/DF, Rel. Min.
Leopoldo de Arruda Raposo, Quinta Turma, DJe 24.06.2015)
A meu ver, esse posicionamento vem tomando força e deve ser a linha
de orientação a ser seguida, considerado o bem jurídico-constitucional de
elevado valor a que a lei faz referência – direito ao meio ambiente ecologi-
camente equilibrado – que legitima a intervenção do Estado no controle das
ações praticadas a seu desfavor, devendo ser promovida a efetiva aplicação
das normas penais.
Por último, não há falar em omissão no aresto hostilizado, pois se
rechaçou a tese posta nas contrarrazões ao argumento de que a recorrente
admitiu ter recebido notificação da Prefeitura Municipal de Ulianópolis para
retirar os resíduos e assim não o fez (fl. 550).
Além disso, no julgamento dos aclaratórios, foi dito que (fl. 596):
“Ademais, em nenhum momento, na exordial acusatória, o Ministério Pú-
blico relaciona o fato de a embargante ter se recusado a assinar o Termo de
Ajuste de Conduta ao delito do § 3º do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais,
mas, sim, ao deixar de tomar medidas efetivas para remediar o dano ambiental, conforme
se lê dos termos da denúncia à fl. 25.”
Ressalta-se que “omissão no julgado e entendimento contrário ao
interesse da parte são conceitos que não se confundem” (EDcl nos EDcl no
AgRg no REsp 1.129.183/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma,
DJe 28.08.2012).
Ante o exposto, voto pelo desprovimento do agravo regimental.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


HABEAS CORPUS Nº 501.144 SÃO PAULO
RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Estelionato. Dosimetria. Registros Criminais


Anteriores Nominados de Conduta Social. Atecnia.
Correção do Título da Circunstância Judicial para
Maus Antecedentes. Consideração Desfavorável das
Consequências do Crime. Falta de Fundamentação.
Decote da Vetorial. Habeas Corpus Parcialmente
Concedido
1. A Terceira Seção fixou o entendimento de que “condenações crimi-
nais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a
reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosi-
metria, a título de antecedentes criminais” (EREsp 1.688.077/MS, Rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 3ª S., DJe 28.08.2019).
2. Se existe uma circunstância judicial específica destinada à valoração do
passado desabonador do réu (antecedentes), revela-se uma imprecisão
intitulá-la de personalidade ou de conduta social negativas.
3. Todavia, não se pode perder de vista que a dicção legal não impõe ao
julgador a obrigatoriedade de nomear as circunstâncias legais. O que é
cogente na tarefa individualizadora da pena-base é indicar peculiaridades
concretas dos autos, relacionadas às oito vetoriais do art. 59 do CP. Se
a sentença mencionar várias condenações definitivas anteriores do réu
para aumentar a sanção básica, sem dar título algum à circunstância,
não haverá vício no decisum.
4. As instâncias ordinárias mencionaram cinco condenações definitivas
da paciente como justificativa para o recrudescimento da reprimenda
na primeira fase da dosimetria. Entretanto, os registros não foram
corretamente designados como maus antecedentes, mas, sim, como
conduta social. O erro do pronunciamento está relacionado somente
à atecnia na nomeação da circunstância legal. Assim, em habeas corpus,
deve ser corrigida a palavra imprópria, para que o dado concreto levado
em conta pelo juiz seja chamado de maus antecedentes.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
122

5. A motivação da decisão (anotações criminais anteriores), que permitiu


ao operador do direito expor a razão da escolha da sanção ao fato sob
julgamento e possibilitou à defesa compreender e fiscalizar sua atuação,
permanece hígida. O fundamento está relacionado à justa reprovação
e prevenção do crime e não pode, portanto, ser desconsiderado apenas
porque houve imprecisão na sua classificação, caso contrário seria confe-
rido à ré, em igual intensidade, a mesma retribuição cabível aos agentes
neófitos em práticas ilícitas, o que afrontaria o princípio da igualdade.
6. Se em relação às consequências do crime de estelionato não houve
menção ao dano patrimonial causado a cada uma das vítimas ou às
suas condições financeiras, nem se mencionou quantia que, por si só,
se mostra vultosa, inexiste justificativa concreta para considerar desfa-
vorável o resultado do dano patrimonial e deve ser afastada a vetorial,
por falta de motivação idônea.
7. Habeas corpus parcialmente concedido, a fim de afastar a análise des-
favorável das consequências do crime e corrigir a falta de técnica na
denominação dos registros criminais da paciente, doravante intitulados
de maus antecedentes, e não de conduta social.
(STJ; HC 501.144; Proc. 2019/0088301-3; SP; 6ª T.; Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz; DJE 17/03/2020)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acor-
dam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conceder parcialmente
a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi
Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília, 10 de março de 2020.
Ministro Rogerio Schietti Cruz – Relator

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz:
Vania Cristina Ecle Rodrigues alega sofrer coação ilegal em decorrên-
cia de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na
Apelação 0002717-44.2015.8.26.0168.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 123

A paciente foi condenada, por incursão no art. 171 do Código Penal,


em continuidade delitiva, a 3 anos e 4 meses de reclusão, no regime inicial
semiaberto, mais multa. O impetrante afirma que a pena-base foi exasperada
sem justificativa idônea, pois: a) condenações definitivas anteriores foram
utilizadas para valorar negativamente a conduta social da ré; e b) não há prova
de que as consequências do crime afetaram demasiadamente as vítimas. Pede,
por isso, o afastamento das vetoriais em apreço.
Segundo o advogado, a fração aplicada em decorrência da continuidade
delitiva desconsiderou o número de infrações. Por fim, a imposição do regime
mais severo do que a pena aplicada não está motivado idoneamente.
Busca a redução da reprimenda e a fixação do regime inicial aberto. Pede a
não aplicação do art. 44 do CP, pois a condenada “encontra-se incapacitada
para o trabalho e goza de benefício de auxílio-doença do INSS” (fl. 13).
O Ministério Público Federal opinou pela concessão parcial da ordem, a
fim de se afastar a consideração negativa da conduta social e “estabelecer a
fração de aumento de pena decorrente da continuidade delitiva no patamar
de 1/2 e não 2/3” (fl. 493).

VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):

I – Contextualização
A paciente foi condenada por incursão no art. 171, c/c o art. 71, ambos do
Código Penal, porque, no período compreendido entres os dias 19.03.2012 e
05.05.2013, obteve para si vantagem ilícita, em prejuízo de três vítimas, mantidas
em erro por meio fraudulento. Ela prometeu aos ofendidos ingressar com
pedidos de aposentadoria, o que não foi feito.
Consta dos autos que “Vânia era funcionária pública municipal e fre-
quentava os primeiros anos da Faculdade de Direito. Resolveu, então, prestar
seus serviços a quem pretendia se aposentar ou receber benefícios previden-
ciários”. Ela “prometia um meio ágil para alcançar esses benefícios e exigia
quantias em dinheiro das vítimas, o que caracteriza engodo” (fl. 18). Todavia,
passado algum tempo, os ofendidos constatavam que não havia pedidos em
andamento no INSS e que “haviam caído em um golpe” (fl. 19). A teor do
aresto, “o mesmo procedimento foi adotado com diversas outras pessoas” (fl.
19), consoante registram inquéritos em curso e ações penais sentenciadas.
Transcrevo trecho da sentença:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
124

“Na primeira fase de aplicação da pena, atento às circunstâncias judiciais do art.


59 do Código Penal, vislumbro que a ré apresenta conduta social reprovável, tendo
em vista que foi condenada por sentença irrecorrível em razão da prática do mesmo crime
de estelionato em outras ações penais (Autos 0002714-89.2015.8.26.0168 – fl. 198;
Autos 0002717-44.2015.8.26.0168 – fl. 199; Autos 0003258-43.2016.8.26.0168
– fls. 199/200; Autos 0007455-75.2015.8.26.0168 – fl. 200; Autos 0007672-
21.2015.8.26.0168 – fls. 200), além de responder a outro processo crime por
delito desse jaez (Autos 0008183-19.2015.8.26.0168 – fls. 200/201).
Ademais, vislumbro que o dano causado pelos delitos transcende o resultado
típico, de modo que devem ser valoradas negativamente as consequências do
crime, em razão do enorme prejuízo causado às vítimas. Isso, porque o prejuízo fi-
nanceiro total sofrido pelas vítimas extrapola os limites da normalidade, espe-
cialmente se sopesados diante da realidade econômico-financeira do país. Observa-
se dos depoimentos e dos documentos que as quantias somadas resultam no
montante de R$ 4.914,00 (quatro mil e novecentos e quatorze reais). Diante
deste quadro, presentes duas circunstâncias judiciais desfavoráveis à ré, vi-
sando à prevenção e à repressão dos delitos praticados, duplica-se a pena-
base, totalizando 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.
Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a serem consideradas.
Na terceira e última fase de aplicação da pena, reconheço a continuidade de-
litiva prevista no art. 71, caput, do Código Penal, haja vista que a ré, mediante
mais de uma ação, praticou diversos crimes da mesma espécie, os quais, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de execução hão de ser havidos como
continuação do primeiro, e atentando-se para o fato da prática de elevado
número de crimes de estelionato, perpetradas em um mesmo ímpeto cri-
minoso, em prejuízo de três vítimas, aplico um aumento de 2/3 na pena obtida,
resultando o montante de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e ao
pagamento de 33 (trinta e três) dias-multa.
Deste modo, torno definitiva a pena em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão e ao pagamento de 33 (trinta e três) dias-multa.
(...)
Fixo o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena, (...) pois as cir-
cunstâncias judiciais são desfavoráveis à acusada, em razão da conduta social
reprovável e das consequências do crime (...) (fl. 35).”
O Tribunal, por sua vez, decidiu (fls. 25-26):
“Na primeira fase, levou-se em conta que a ré apresenta conduta social re-
provável, tendo em vista que já foi condenada por sentença irrecorrível em razão
da prática do mesmo crime de estelionato em outras ações penais (Autos 0002714-
89.2015.8.26.0168 – fl. 198; Autos 0002717-44.2015.8.26.0168 – fl. 199; Autos
0003258-43.2016.8.26.0168 – fl. 199/200; Autos 0007455-75.2015.8.26.0168
– fl. 200; Autos 0007672-21.2015.8.26.0168 – fl. 200) (...)
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 125

Ademais, registrou-se que o dano causado pelos delitos transcende o resulta-


do típico, de modo que devem ser valoradas negativamente as consequências
do crime, em razão do enorme prejuízo causado às vítimas. Isso, porque o
prejuízo financeiro total extrapola os limites da normalidade, especialmente
se sopesados diante da realidade econômico-financeira do país.
Observa-se dos depoimentos e dos documentos que as quantias somadas re-
sultam no montante de R$ 4.914,00 (quatro mil e novecentos e catorze reais).”

II – Pena-Base
A fixação da pena é regulada por princípios e regras constitucionais e
legais previstos, respectivamente, nos arts. 5º, XLVI, da Constituição Federal,
59 do Código Penal e 387 do Código de Processo Penal.
Todos esses dispositivos remetem o aplicador do direito à individuali-
zação da medida concreta para que, então, seja eleito o quantum de pena a ser
imposta ao condenado criminalmente, com vistas à prevenção e à reprovação
do delito perpetrado.
Assim, para obter-se uma aplicação justa da lei penal, o julgador, den-
tro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, há de atentar para as
singularidades do caso concreto. Deve, na primeira etapa do procedimento
trifásico, guiar-se pelas oito circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do
Código Penal. São elas: a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a
personalidade do agente; os motivos; as circunstâncias e as consequências do
crime e o comportamento da vítima.
Não se pode olvidar, ainda, o princípio da proporcionalidade, que vin-
cula não somente o legislador, mas também o aplicador do direito, a quem
compete observar, no caso concreto, a proporção entre a pena e a transgressão
do réu. A resposta penal deverá ser sempre correspondente ao dano causado
pelo crime, conforme seja necessário para sua prevenção e reprovação.
Além do mais, consoante precedentes deste Superior Tribunal, somente:
a) a falta de fundamentação ou b) a manifesta desproporcionalidade na fixação
da pena permitem o reexame da dosimetria em habeas corpus.
No caso, a pena-base da paciente foi fixada acima do mínimo legal em
razão da conduta social (cinco condenações anteriores, irrecorríveis, pelo mesmo
crime de estelionato) e das consequências desfavoráveis do crime.
A respeito do tema controvertido:
“A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do EAREsp 1.311.636,
realizado em 10.04.2019, por maioria, firmou precedente segundo o qual as
diversas condenações pretéritas devem ser atreladas apenas aos maus antecedentes, pois
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
126

constitui, no mínimo, uma atecnia entender que as condenações transitadas em jul-


gado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do agente. Isso
sem contar que é dado ao julgador atribuir o peso que achar mais conveniente
e justo a cada uma das circunstâncias judiciais, o que lhe permite valorar de
forma mais enfática os antecedentes criminais do réu com histórico de múl-
tiplas condenações definitivas.
(...)” (AgRg no AREsp 1.442.287/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª
T., DJe 10.05.2019)
Sempre considerei incorreto fracionar as várias condenações definitivas
do réu para, na mesma etapa da dosimetria, negativar os antecedentes, a con-
duta social e a personalidade. Tratava-se de um verdadeiro subterfúgio para
utilizar o mesmo parâmetro (passado criminal desabonador), a fim de, várias
vezes, aumentar a pena-base, quando, para a aplicação da sanção criminal
nem sequer é imprescindível dar título às circunstâncias judiciais, mas, sim,
apontar vetores concretos que, em um raciocínio inteligível ao jurisdicionado,
à luz do art. 59 do CP, justifiquem a mais severa individualização da pena.
A Terceira Seção depois de discutir a questão, pacificou o entendimento
de que: “Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não
utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na
primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admi-
tindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social
do agente. Precedentes da 5ª e da 6ª Turmas desta Corte” (EREsp 1.688.077/
MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 3ª S., DJe 28.08.2019, destaquei).
Assim, as diversas condenações pretéritas só podem ser atreladas aos maus ante-
cedentes e é uma atecnia nominá-las de forma diferente.
No caso sob exame, a teor da moldura fática da sentença e do aresto,
a paciente possuía outras cinco condenações definitivas por idêntico crime, não va-
loradas como reincidência nem fracionadas para análise negativa de mais de
uma circunstância judicial. As instâncias ordinárias, contudo, classificaram os
antecedentes de forma errada, como conduta social negativa.
Não considero razoável, neste habeas corpus, desconsiderar a motivação
externada na primeira fase da dosimetria, relacionada às anotações penais.
O vício do ato apontado como coator se refere tão somente ao incorreto
título conferido à vetorial do art. 59 do CP. Uma vez reconhecida a atecnia do
Tribunal a quo, mas verificado que, de fato, a ré ostenta várias condenações
irrecorríveis – o que demanda mais rigorosa repressão penal, para prevenção
e repressão de sua conduta reiterada –, o correto é conceder a ordem para corrigir
a denominação errada da circunstância judicial negativa.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 127

A dicção legal do art. 59 do CP não impõe ao juiz a obrigação de inti-


tular as circunstâncias judiciais na sentença. Na tarefa individualizadora da
reprimenda básica é cogente, apenas, indicar as peculiaridades do caso concreto
relacionadas aos vetores elencados pelo legislador. Se a sentença simplesmente
registrar a existência de várias condenações definitivas anteriores, sem dar um
nome específico para essa circunstância, não haverá vício algum. Da mesma
forma, se afirmar que o resultado é mais gravoso do que o previsto no tipo
penal, sem chamar tal dado de consequências do crime, estará justificado o
acréscimo da pena-base.
In casu, a sentença traz uma impropriedade técnica, pois os registros
criminais pretéritos da paciente se adequam ao conceito de maus antecedentes
e não podiam ser chamados de conduta social, que possui alcance mais amplo,
de natureza comportamental, pertinente ao relacionamento do réu no meio
em que vive (no trabalho, na vizinhança, perante familiares, amigos, etc.).
Identificada apenas uma atecnia, não se pode desconsiderar o registro
concreto feito pelo Juiz sentenciante, da “prática do mesmo crime de estelionato
em outras ações penais” (fl. 35), de forma a punir a ré da mesma forma que um
criminoso neófito. Se a defesa não instruiu a impetração com certidão com-
probatória de que as anotações não existem, o correto é tão somente corrigir o
único vício verificado no ato apontado como coator e consertar a classificação errônea
da circunstância judicial, de forma a dar-lhe o nome correto, consoante a
classificação jurídica dos vetores do art. 59 do CP.
Apenas quando os antecedentes não existirem, forem fracionados, para análise
negativa, também, como marcadores da conduta social ou da personalidade,
é possível reduzir a pena em habeas corpus, pois estará caracterizado vício de
fundamentação e/ou bis in idem na exasperação da pena-base.
Assim, demonstrada mera falta de técnica na sentença, o habeas corpus pode ser
deferido para nominar de forma correta os registros pretéritos da paciente, doravante chamados
de maus antecedentes, e não de conduta social, sem afastar, todavia, o dado desabonador que,
concretamente, existe nos autos e justifica diferenciada individualização da pena.
Quanto às consequências do crime, assiste razão ao impetrante. De fato, o
Juiz mencionou o enorme prejuízo às vítimas, mas não cuidou de demonstrá-
lo, pois nem sequer especificou o dano patrimonial causado a cada uma delas,
nem demonstrou que, à vista de suas condições econômicas particulares, o
resultado lesivo extrapolou os limites da normalidade.
Observa-se que foram três as vítimas dos estelionatos. A sentença
assinala que as quantias indevidamente cobradas de todos, somadas, resultam
em R$ 4.914,00. O valor, por si só, não é vultoso e sem a mínima referência à
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
128

realidade econômica dessas pessoas, não é possível considerar extremamente


danosas as sequelas ao bem jurídico tutelado pela norma penal.
Diante disso, como o Juiz, ante duas circunstâncias negativas, aumen-
tou a pena em 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, o que equivale a 6 meses
de acréscimo para cada vetorial, uma vez afastada a análise negativa de uma
delas (consequências do crime) e nominado corretamente o histórico criminal
como maus antecedentes, redimensiono a pena-base para 1 ano e 6 meses de
reclusão e 15 dias-multa.
Na segunda fase, constou não haver “agravantes ou atenuantes a serem
consideradas” (fl. 35).

III – Fração da Continuidade Delitiva


O Juiz mencionou crimes de estelionato perpetrados, consoante o art.
71 do CP, “em prejuízo de três vítimas”. Aplicou, por isso, o aumento de “2/3
da pena obtida” (fl. 35).
Esta Corte Superior possui o entendimento consolidado de que, em se
tratando de majoração de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a
fração de aumento de 1/6 pela prática de duas infrações; 1/5 para três infrações;
1/4 para quatro infrações; 1/3 para cinco infrações; 1/2 para seis infrações e
2/3 para sete ou mais infrações.
Assim, na terceira etapa da dosimetria, estabeleço a fração de 1/5 (três
estelionatos), o que resulta na pena definitiva de 1 ano, 9 meses e 18 dias de
reclusão, mais 18 dias-multa.
À vista do número das condenações irrecorríveis da apenada, pelo
mesmo crime, fica mantida a fixação do regime inicial semiaberto, a teor do art.
33, § 3º, do CP.
Não está preenchido o art. 44, III, do CP, e também ante a recidiva crimi-
nosa, penas substitutivas não seriam suficientes para prevenir e reprimir o crime.

IV – Dispositivo
À vista do exposto, concedo o habeas corpus parcialmente, a fim de: a) corrigir
a atecnia da sentença e nomear corretamente as condenações irrecorríveis da
paciente como maus antecedentes (e não como conduta social); b) afastar a con-
sideração negativa das consequências do crime; c) aplicar a fração de 1/5 em
razão da prática de três estelionatos em continuidade delitiva. Em consequência,
reduzo a pena final da ré para 1 ano, 9 meses e 18 dias de reclusão, mais 18 dias-
multa, mantidos o regime inicial semiaberto e os demais termos da sentença condenatória.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 56.128 MINAS GERAIS
RELATOR: MINISTRO RIBEIRO DANTAS

Contravenção Penal Prevista no Art. 19 do Decreto-


Lei nº 3.688/1941. Alegação de Atipicidade da
Conduta. Não Ocorrência. Recurso Desprovido
1. Em relação às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Pe-
nal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437/97, que, por
sua vez, também foi revogado pela Lei nº 10.826/03. O porte ilegal
de arma de fogo caracteriza, atualmente, infração aos arts. 14 ou 16
do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou
proibida. Entrementes, permaneceu vigente o referido dispositivo do
Decreto-Lei nº 3.688/1941 quanto ao porte de outros artefatos letais,
como as armas brancas.
2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da possibilidade
de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção
prevista no art. 19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, não havendo que se
falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade,
tal como pretendido.
3. Não obstante o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a
repercussão geral da matéria nos autos do Agravo em Recurso Extra-
ordinário 901.623, estando, pois, pendente de apreciação o mérito da
controvérsia. Isso não obsta, contudo, a validade da interpretação desta
Corte sobre o tema, não havendo nenhuma flagrante ilegalidade a ser
reconhecida pela presente via, mormente porque não se determinou a
suspensão dos processos pendentes.
4. Recurso desprovido.
(STJ; RHC 56.128; Proc. 2015/0018523-6; MG; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro
Dantas; DJE 26/03/2020)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
130

por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Joel Ilan


Paciornik, Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJPE),
Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 10 de março de 2020 (Data do Julgamento).
Ministro Ribeiro Dantas – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de liminar,
interposto por Felipe Bruno Morais, contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais, cuja ementa registra:
“HABEAS CORPUS. CONTRAVENÇÃO PENAL. PORTE DE ARMA
BRANCA. CONDENAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE AMEAÇA ILEGAL
AO DIREITO DE IR E VIR DO PACIENTE.
O habeas corpus é instrumento de tutela do direito de liberdade individual no
sentido de ir, vir e ficar, não se admitindo sua utilização diante da inexistência
de qualquer ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou ameaça
a esse direito constitucionalmente protegido.
Não havendo qualquer ameaça ilegal à liberdade de locomoção do paciente,
a denegação da ordem se impõe.
V.V.
A falta de regulamentação legal da contravenção penal descrita no art. 19 da
LCP (porte de faca) afasta a incidência, in casu, do Direito Penal, devendo
ser rejeitada a denúncia por falta de justa causa (Desembargador Doorgal
Andrada).”
Consta dos autos que o recorrente foi condenado, pela prática da con-
travenção penal prevista no art. 19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, à pena de
1 mês de detenção, substituída por pena restritiva de direitos consistente em
prestação pecuniária.
Não se conformando, a Defensoria Pública estadual interpôs o recurso
em análise, sustentando, em síntese, que: a) não há justa causa para o pros-
seguimento da ação penal, em razão da atipicidade do fato; b) não há que se
falar em tipicidade da conduta na qual o Recorrente restou condenado, pois
ausente qualquer possibilidade de concessão de licença para o porte de arma
branca, em especial, uma faca; c) a execução da pena imposta em razão de
condenação por fato atípico configura claramente a ilegalidade.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 131

Ao final, requereu a concessão da ordem, in limine, para “suspender a


execução da pena imposta pela prática da contravenção penal prevista no art.
19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 e no mérito, o provimento do recurso para
reconhecer a atipicidade da conduta, absolvendo o recorrente da prática da
contravenção penal” (e-STJ, fls. 85-92).
Pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 103-106).
O Ministério Público Federal proferiu parecer pelo desprovimento do
recurso ordinário em habeas corpus (e-STJ, fls. 267-270).
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Pretende a defesa, no presente recurso, o reconhecimento da atipicida-
de da conduta praticada descrita na peça acusatória, qual seja a contravenção
penal de portar arma branca, prevista no art. 19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941.
Como cediço, em relação às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contra-
venção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437/97, que,
por sua vez, também foi revogado pela Lei nº 10.826/03. O porte ilegal de
arma de fogo caracteriza, atualmente, infração aos arts. 14 ou 16 do Estatuto
do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida. Entremen-
tes, permaneceu vigente o referido dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688/1941
quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da possibilidade de
tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista
no art. 19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, não havendo que se falar em violação
ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade, tal como pretendido.
Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRA-
CIONAL EQUIPARADO À CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA
NO ART. 19 DO DECRETO-LEI Nº 3.688/1941. ALEGAÇÃO DE ATI-
PICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGI-
MENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da possibilidade de tipifi-
cação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art.
19 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, não havendo que se falar em violação ao
princípio da intervenção mínima ou da legalidade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
132

2. Não obstante o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a repercus-


são geral da matéria nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário 901.623,
está pendente de apreciação o mérito da controvérsia, de maneira que perma-
nece válida a interpretação desta Corte sobre o tema, não havendo nenhuma
flagrante ilegalidade a ser reconhecida pela presente via.
3. Agravo regimental desprovido.” (AgInt no HC 470.461/SC, Rel. Min. An-
tonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. 14.05.2019, DJe 24.05.2019)
“PENAL E PROCESSO PENAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS À COMUNIDADE. ART. 19 DA LEI DE CONTRAVEN-
ÇÕES PENAIS. NÃO RECEPÇÃO DO PORTE DE ARMA BRANCA.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ATIPICIDADE. JURISPRUDÊNCIA
CONSOLIDADA EM SENTIDO CONTRÁRIO. MEDIDA CONCRE-
TAMENTE FUNDAMENTADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO EVIDENCIADO.
1. Não há inconstitucionalidade na Lei de Contravenções Penais, recepcio-
nada pela Constituição Federal e tratada pela legislação atual como delito de
pequeno potencial ofensivo, isto se aplicando, inclusive, ao delito do art. 19
da Lei de Contravenções Penais.
2. Evidenciado fundamento concreto e razoável de a medida socioeducativa
seria adequada às condições pessoais do agente, inexiste constrangimento ile-
gal a ser constatado.
3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC 331.694/SC, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, j. 03.12.2015, DJe 15.12.2015)
Não obstante o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a re-
percussão geral da matéria nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário
901.623, estando, pois, pendente de apreciação o mérito da controvérsia. Isso
não obsta, contudo, a validade da interpretação desta Corte sobre o tema, não
havendo nenhuma flagrante ilegalidade a ser reconhecida pela presente via,
mormente porque não se determinou a suspensão dos processos pendentes.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
É como voto.
Jurisprudência

Tribunal Regional Federal da 3ª Região


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002558-59.2014.4.03.6102 SÃO PAULO
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS

Sonegação Fiscal. Quitação Integral do Débito


Tributário. Extinção da Punibilidade. Recurso
Provido
O pagamento integral do débito, ainda que realizado após o recebi-
mento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade do crime, ante o
comando do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03.
De acordo com os extratos trazidos aos autos pela Procuradoria da
Fazenda Nacional todos os débitos constantes da exordial acusatória
foram integralmente quitados junto ao Fisco.
É medida de rigor a extinção da punibilidade, matéria de ordem pública,
que pode ser conhecida de ofício, em qualquer grau de jurisdição, nos
termos do art. 61 do Código de Processo Penal. Considera-se que o
Estado não tem mais interesse em punir o acusado, o que pode se dar
em qualquer fase do processo, não havendo óbice à sua apreciação pelo
juízo de primeiro grau ou mesmo após prolatada sentença de mérito.
Apelação da ré provida.
(TRF 3ª R.; ACR 0002558-59.2014.4.03.6102; SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed.
Fausto de Sanctis; DEJF 28/05/2020)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da ré para julgar extinta sua
punibilidade em relação ao delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90,
pelo pagamento integral do crédito tributário constituído em nome de Josiane
Garcia Sampaio, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 7 de maio de 2020.
Desembargador Federal Fausto de Sanctis – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
134

RELATÓRIO
O Desembargador Federal Fausto de Sanctis:
Trata-se de apelação criminal interposta por Josiane Garcia Sampaio,
nascida aos 19.03.66, em face da r. sentença acostada às fls. 385/390v., pro-
ferida pelo Exmo. Juiz Federal Roberto Modesto Jeuken (7ª Vara Federal de
Ribeirão Preto/SP), a qual julgou procedente o pedido contido na denúncia para
condenar a ré pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137,
de 27 de dezembro de 1990, c/c o art. 69 do Código Penal, à pena privativa
de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão para cada crime, totalizando 8 (oito)
anos de reclusão, no regime semiaberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa
para cada crime, totalizando 40 (quarenta) dias-multa, no valor unitário de
R$ 500,00 (quinhentos reais). Incabível a substituição da pena corporal por
restritivas de direitos.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Josiane
Garcia Sampaio, como incursa nas sanções do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137,
de 27 de dezembro de 1990, combinado com o art. 71 do Código Penal (fls.
200/202).
Narra a exordial que a acusada, na qualidade de sujeito passivo da obri-
gação tributária, nos anos-calendário de 2007, 2008, 2009 e 2010 (exercícios
2008, 2009, 2010 e 2011, respectivamente), teria suprimido parte do imposto
de renda pessoa física (IRPF), mediante declarações falsas de despesas médicas,
bem como gastos com previdência privada. Intimada a comprovar as dedu-
ções feitas nas declarações de ajuste anual, no curso da fiscalização realizada
pela Receita Federal, teria informado que tais deduções foram equivocadas,
solicitando as retificações pertinentes para o devido pagamento do tributo.
Apurou-se o crédito tributário de R$ 71.348,63 (setenta e um mil, trezentos e
quarenta e oito reais e sessenta e três centavos), já acrescido de juros de mora
e multa proporcional.
A consolidação definitiva do crédito tributário ocorreu em 06.07.2013 (fls.
176/177) nos autos do Procedimento Administrativo-Fiscal 15956.720031/2013-
91. Referido crédito foi inscrito em Dívida Ativa da União em 24.09.2013,
sob nº 80.1.13.009558-20 (fls. 191/194).
A denúncia foi recebida em 14 de maio de 2014 (fl. 204).
Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença, publicada em
31 de março de 2016 (fl. 391).
Em sede de apelação, a acusada pleiteia, preliminarmente, a extinção
de sua punibilidade no que tange aos períodos de 2007 e 2008, em razão do
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 135

integral adimplemento desses débitos, bem como a suspensão do processo face


ao parcelamento dos demais débitos tributários desde 25 de agosto de 2014
até o integral pagamento. No mérito, requer a absolvição, nos termos do art.
386, inciso III, do Código de Processo Penal, sob o argumento de ausência do
dolo de lesar o Fisco. Subsidiariamente, pleiteia o reconhecimento da conti-
nuidade delitiva, aplicação de regime prisional menos severo e a substituição
da reprimenda corporal por penas restritivas de direitos (fls. 400/418).
Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões pelo Parquet Federal
às fls. 428/431, nas quais concorda com o reconhecimento da continuidade
delitiva, fixação do regime aberto e substituição da pena privativa de liberdade,
subiram os autos a esta e. Corte.
O Ministério Público Federal, nesta instância, ofertou parecer no qual
opina pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa (fls. 433/439).
Às fls. 444/448 a acusada trouxe notícia acerca do pagamento parcial dos
valores referentes aos anos-calendário 2007 a 2010. Às fls. 452/463 informou
a quitação integral de todos os débitos constantes da denúncia e requereu a
extinção de sua punibilidade.
Em resposta à solicitação deste Juízo ad quem, a Procuradoria da Fazenda
Nacional de Ribeirão Preto informou que o débito tratado nestes autos se
encontra na situação “extinto por pagamento com ajuizamento a ser cance-
lado” (fls. 475/478).
Às fls. 481/482, o Procurador Regional da República manifestou-se
pela continuidade da ação penal sob o argumento de que a quitação integral
do débito somente extinguiria a punibilidade em momento anterior ao do
recebimento da denúncia.
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
Desembargador Federal Fausto de Sanctis – Relator

VOTO
O Desembargador Federal Fausto de Sanctis:
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em
14.05.2014 – fl. 204), em face de Josiane Garcia Sampaio, como incursa nas
sanções do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, com-
binado com o art. 71 do Código Penal, porquanto, na qualidade de sujeito
passivo da obrigação tributária, nos anos-calendário de 2007, 2008, 2009 e
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
136

2010 (exercícios 2008, 2009, 2010 e 2011, respectivamente), teria suprimido


parte do imposto de renda pessoa física (IRPF), mediante declarações falsas
de despesas médicas, bem como gastos com previdência privada. Intimada
a comprovar as deduções feitas nas declarações de ajuste anual, no curso da
fiscalização realizada pela Receita Federal, teria informado que tais deduções
foram equivocadas, solicitando as retificações pertinentes para o devido paga-
mento do tributo. Apurou-se o crédito tributário de R$ 71.348,63 (setenta e
um mil, trezentos e quarenta e oito reais e sessenta e três centavos), já acres-
cido de juros de mora e multa proporcional, o qual restou definitivamente
constituído em 06.07.2013.
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença condenatória,
contra a qual se insurge a defesa por meio de recurso de apelação.
Às fls. 444/448, a acusada trouxe notícia acerca do pagamento parcial dos
valores referentes aos anos-calendário 2007 a 2010. Às fls. 452/463, informou
a quitação integral de todos os débitos constantes da denúncia e requereu a
extinção de sua punibilidade.
Em resposta à solicitação deste Juízo ad quem, a Procuradoria da Fa-
zenda Nacional de Ribeirão Preto informou que o débito tratado nestes
autos encontra-se na situação “extinto por pagamento com ajuizamento a ser
cancelado” (fls. 475/478).
O pleito da ré merece acolhida.
A sustentar o direito à extinção da punibilidade, a apelante invocou a
seu favor os comandos exarados pelos arts. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, e 68
e 69, ambos da Lei nº 11.491/09, in verbis:
“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes pre-
vistos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts.
168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente
dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
(...)
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídi-
ca relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos
e contribuições sociais, inclusive acessórios.” (grifo nosso)
“Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes pre-
vistos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts.
168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 137

de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que


tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de sus-
pensão da pretensão punitiva.
Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa
jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de
tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão
de parcelamento.
Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15
do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos
valores correspondentes à ação penal.” (grifo nosso)
O Ministério Público Federal, por sua vez, argumenta à fl. 481v. que o
caso em testilha deve ser analisado à luz da Lei nº 12.382/2011, considerando
que o crédito tributário apurado nos autos do Procedimento Administrativo-
Fiscal 15956.720031/2013-91 foi definitivamente consolidado em 06.07.2013
(fls. 176/177).
A Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, por meio do seu art. 6º,
introduziu os §§ 1º a 6º ao art. 83 da Lei nº 9.430/96, que passou a ter a se-
guinte redação:
“Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a or-
dem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro
de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e
337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal,
será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final,
na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário corres-
pondente.
§ 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a re-
presentação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério
Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.
§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos
no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica rela-
cionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento,
desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebi-
mento da denúncia criminal.
§ 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pre-
tensão punitiva.
§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pes-
soa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
138

integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem


sido objeto de concessão de parcelamento.
§ 5º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de
parcelamento.
§ 6º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de de-
zembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e
processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.”
Pelo que se pode perceber em uma primeira análise do novo diploma
legal, o parcelamento do débito somente trará como consequência a suspensão
da pretensão punitiva estatal se celebrado antes de o juízo receber a exordial
acusatória.
Conquanto o § 4º não faça menção expressa ao momento do pagamento,
surgiram entendimentos no sentido de que a quitação integral, decorrente de
parcelamento, somente teria o condão de extinguir a punibilidade se efetuada
antes do juízo positivo de admissibilidade da peça acusatória, tornando-se um
irrelevante penal o adimplemento em momento processual posterior.
Nessa linha de raciocínio, o Parquet Federal invoca o § 6º desse dispo-
sitivo, segundo o qual as disposições do caput do art. 34 da Lei nº 9.249/95
(Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro
de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pa-
gamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da
denúncia) somente seriam aplicáveis aos inquéritos e processos em curso se
houvesse adimplemento antes de admitida a exordial. Nestes termos, sustenta
a impossibilidade de acolhimento da tese invocada pela apelante.
Contudo, a detida análise da legislação pertinente revela que a atual em
nada afetou a vigência e aplicação do citado § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/03
que, ao contrário de seu caput, não tem natureza temporária. A interpretação
sistemática do ordenamento jurídico conduz à conclusão de que o pagamento
integral do crédito tributário, a qualquer tempo, deve acarretar a extinção da
pretensão punitiva estatal.
Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, me-
recendo transcrição o acórdão abaixo e trecho de decisão monocrática acerca
do tema, ambos de relatoria do e. Ministro Dias Toffoli:
“Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária. Aplicação do princípio da
insignificância. Tese não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Impos-
sibilidade de conhecimento pela Suprema Corte. Inadmissível supressão de
instância. Precedentes. Não conhecimento do writ. Requerimento incidental
de extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do débito
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 139

tributário constituído. Possibilidade. Precedente. Ordem concedida de ofí-


cio.
1. Não tendo sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça defesa fundada
no princípio da insignificância, é inviável a análise originária desse pedido
pela Suprema Corte, sob pena de supressão de instância, em afronta às nor-
mas constitucionais de competência.
2. Não se conhece do habeas corpus.
3. O pagamento integral de débito – devidamente comprovado nos autos
– empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado
da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade,
conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente.
4. Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em
09.05.2013, da AP 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei
nº 12.382/2011, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários
nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no
§ 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em
razão do pagamento do débito, a qualquer tempo.
5. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do pa-
ciente.” (HC 116.828, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 13.08.2013,
Processo Eletrônico, DJe-206 divulg. 16.10.2013, public. 17.10.2013)
“(...)
A edição da Lei nº 12.382/2011 veio à baila, novamente, a perplexidade em
torno do tema, disciplinando-se a extinção da punibilidade pelo pagamento
do seguinte modo: ‘Art. 6º O art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de
1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o
atual parágrafo único para § 6º: ‘Art. 83. (...) § 1º Na hipótese de concessão
de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais
somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa
física ou jurídica do parcelamento. § 2º É suspensa a pretensão punitiva do
Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a
pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos cri-
mes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento
tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. § 3º A
prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão
punitiva. § 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quan-
do a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pa-
gamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que
tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. § 5º O disposto nos §§
1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento. § 6º As
disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de
1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos
em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz’ (destaques nossos).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
140

Verifica-se que o legislador tentou, agora, estabelecer novo regramento para


a matéria relativa à extinção da punibilidade pelo pagamento, vinculando sua
ocorrência, novamente, a termo inicial situado antes do recebimento da de-
núncia. Contudo, verifica-se que o art. 34 da Lei nº 9.249/95 já havia sido
revogado pelo § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/03, o qual, por sua vez, penso,
igualmente, não ter sido revogado pela Lei nº 12.382/2011. É aqui necessá-
rio fazer a devida distinção entre o pagamento direto (estabelecido na Lei nº
10.684/03) e aquele resultante de parcelamento (disciplinado pela novel Lei
nº 12.382/2011). Dessa forma, no meu entendimento, o sistema segue sendo disci-
plinado, de modo geral, quanto à extinção da punibilidade pelo pagamento, consoante
o disposto no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, com a possibilidade de o pagamento
se dar a qualquer tempo, qualquer que haja sido a modalidade de pagamento.” (HC
119.245 MC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 06.09.2013, publicado em Processo
Eletrônico DJe-178 divulg. 10.09.2013, public. 11.09.2013) (grifo nosso)
No mesmo seguimento tem sido a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça e desta e. Corte:
“PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL DO
TRIBUTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONSTRANGIMEN-
TO ILEGAL EVIDENCIADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. É possível o reconhecimento da extinção de punibilidade, mesmo após o recebimento
da denúncia, quando existe prova convergente e pré-constituída no sentido da ocorrência
do pagamento integral dos tributos devidos. Precedentes.
2. No caso, as informações prestadas pelo Chefe do Núcleo Fiscal de Co-
brança de Marília/SP indicam que, após a inscrição do débito em dívida ativa,
foram realizados três recolhimentos, em 13.06.2016, 11.07.2016 e 22.07.2016,
suficientes para liquidar integralmente o valor devido.
3. Recurso provido para trancar a ação penal na origem.” (RHC 98.508/
SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, sexta turma, j. 23.10.2018, DJe
13.11.2018) (grifo nosso)
“PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGA-
ÇÃO FISCAL. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. BEM
IMÓVEL DADO EM GARANTIA DE EXECUÇÃO FISCAL. IMPOS-
SIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUE SÓ SE OCORRE
PELO PAGAMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, § 2º, DA LEI Nº
10.684/03. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
I – A jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, bem como desta
eg. Corte, há muito já se firmou no sentido de que o trancamento do inquéri-
to policial, por meio do habeas corpus, conquanto possível, é medida excepcio-
nal, cujo cabimento ocorre apenas nas hipóteses excepcionais em que, prima
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 141

facie, mostra-se evidente, v.g., a atipicidade do fato ou a inexistência de autoria


por parte do indiciado, situações essas não ocorrentes in casu (Precedentes).
II – Não obstante tenha sido oferecido bem à penhora em sede de embargos à
execução fiscal, com valor de mercado suficiente para garantir a dívida com a
Fazenda Estadual, tal medida não tem o condão de se equiparar ao pagamento
do débito tributário, única medida capaz de extinguir a punibilidade do crime de sone-
gação fiscal, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03 (Precedentes do STF e
do STJ).
Recurso ordinário desprovido.” (RHC 42.644/SP, Rel. Min. Felix Fischer,
Quinta Turma, j. 06.10.2015, DJe 19.10.2015) (grifo nosso)
“HABEAS CORPUS. QUITAÇÃO INTEGRAL DO DÉBITO TRIBU-
TÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. De acordo com os documentos acostados aos autos, os débitos tributários
inscritos em dívida ativa sob os ns. 80717001997, 80617002629, 802170001042
e 80617002630 foram integralmente pagos, conforme se verifica através dos
DI ns. 7858806 e 7858805.
2. As provas dos autos demostram a adesão ao parcelamento e posterior quitação integral
do débito, o que acarreta a extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei
nº 10.684/03.
3. O Juízo impetrado oficiou a Procuradoria da Fazenda, que confirmou a
quitação integral do crédito tributário em apreço (DI 8120776).
4. Diante disso, é medida de rigor a extinção da punibilidade dos pacientes,
não havendo que se falar em supressão de instância com a concessão da or-
dem de habeas corpus nesses autos. Isso, porque seria cabível a concessão do
presente habeas corpus inclusive de ofício, já que se trata de garantia à liberdade
de locomoção, direito fundamental consagrado pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
5. Ordem concedida para extinguir a punibilidade dos pacientes no bojo da
Ação Penal 0004668-17.2017.4.03.6105, ante o pagamento integral do débito
tributário.” (TRF 3ª Região, 5ª Turma, HC 5028954-19.2018.4.03.0000, Rel.
Juiz Fed. Conv. Silvio Cesar Arouck Gemaque, j. 23.01.2019, intimação via
sistema data: 19.02.2019) (grifo nosso)
“PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PAGAMENTO DO
DÉBITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. O pagamento do débito tributário que ensejou a propositura da ação penal enseja o re-
conhecimento da extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684
de 2003, e do art. 69 da Lei nº 11.941 de 2009.
2. A extinção da punibilidade constitui matéria de ordem pública, que pode
ser conhecida de ofício, em qualquer grau de jurisdição, nos termos do art.
61 do Código de Processo Penal, porque o Estado não tem mais interesse em
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
142

punir o acusado, o que pode se dar em qualquer fase do processo, não haven-
do óbice à sua apreciação pelo juízo de primeiro grau, mesmo após prolatada
sentença de mérito.
3. Ordem concedida parcialmente para que a autoridade impetrada aprecie
o pedido.” (TRF 3ª Região, 5ª Turma, HC 5020270-08.2018.4.03.0000, Relª
Juíza Fed. Conv. Raquel Coelho Dal Rio Silveira, j. 22.10.2018, intimação via
sistema data: 27.11.2018) (grifo nosso).
“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PA-
GAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. TRANCAMENTO DE AÇÃO
PENAL. ORDEM CONCEDIDA.
1. A denúncia imputa ao paciente a prática do delito previsto no art. 1º, inciso
I, da Lei nº 8.137/90, diante da omissão em declarar rendimentos tributáveis
ao Fisco, aduzindo que ‘o crédito tributário em questão, vinculado ao Proces-
so Administrativo Fiscal 19515.00134/2010-73, foi definitivamente constitu-
ído em 02.04.2014 (fl. 320 do apenso) e inscrito em Dívida Ativa da União
em 10.10.2014, encontrando-se ativo e exigível, sem registro de pagamento
integral ou parcelamento vigente’.
2. Entretanto, de acordo com o que consta no extrato da Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional acostado aos autos, no dia 02.03.2017, o Processo Ad-
ministrativo Fiscal 19515.002.134/2010-73 foi ‘extinto por pagamento com
ajuizamento a ser cancelado’.
3. A decisão ora impugnada, por sua vez, publicada no dia 23.11.2017, ou
seja, após quase 9 meses da decisão administrativa que extinguiu o proces-
so administrativo fiscal por pagamento, aduziu que ‘segundo informação da
PFN, o crédito tributário encontra-se na situação ‘ativa com ajuizamento a
ser prosseguido’, não havendo que se falar, ao menos por ora, em extinção da
punibilidade’.
4. Contudo, o que se vislumbra dos documentos que acompanharam a impe-
tração é que houve o pagamento integral e a extinção do débito tributário vin-
culado ao Processo Administrativo Fiscal 19515.00134/2010-73, razão pela
qual o trancamento da ação penal é medida que se impõe.
5. Cumpre ressaltar que, de acordo com o art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, o paga-
mento integral do débito tributário, a qualquer tempo, é causa de extinção da punibili-
dade. Precedentes.
6. Ordem concedida para determinar o trancamento da Ação Penal
0000563-60.2017.4.03.6181.” (TRF 3ª Região, 5ª Turma, HC 5002418-
68.2018.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Paulo Gustavo Guedes Fontes, j.
25.04.2018, intimação via sistema data: 02.05.2018) (grifo nosso)
Portanto, conforme se extrai do acima disposto, ainda que a quitação
integral do débito tenha ocorrido após o recebimento da denúncia, deve
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 143

ser extinta a punibilidade da apelante, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº
10.684/03, dispositivo em pleno vigor e com ampla aplicabilidade.
Ressalte-se, por oportuno, que a extinção da punibilidade constitui
matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício, em qualquer grau
de jurisdição, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal. Considera-
se que o Estado não tem mais interesse em punir o acusado, o que pode ser
reconhecido em qualquer fase do processo, não havendo óbice à sua apreciação
pelo juízo de primeiro grau ou mesmo após ser prolatada sentença de mérito.
No caso em concreto, a inscrição em Dívida Ativa da União do crédito
tributário tratados nestes autos ocorreu em 24.09.2013, sob nº 80.1.13.009558-
20 (fls. 191/194). Em simples análise aos extratos trazidos pela Procuradoria
da Fazenda Nacional (fls. 476/477v.), constata-se que o crédito tributário
constituído em nome de Josiane Garcia Sampaio, constante da exordial acu-
satória, foi integralmente quitado junto ao Fisco.
Dessa forma, considerados todos os argumentos expendidos, compro-
vado o integral pagamento do tributo a qualquer tempo, imperiosa a extinção
da punibilidade da apelante, sendo este o caso dos autos.
Diante do exposto, voto por dar provimento à apelação da ré para julgar ex-
tinta sua punibilidade em relação ao delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº
8.137/90, pelo pagamento integral do crédito tributário constituído em nome
de Josiane Garcia Sampaio, com fulcro no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03,
tudo nos termos da fundamentação.
É o voto.
Desembargador Federal Fausto de Sanctis – Relator
Jurisprudência

Tribunal de Justiça do Espírito Santo


EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE AGEXPE Nº 0014457-69.2019.8.08.0035
RELATORA: DESEMBARGADORA SUBSTITUTA ROZENEA MARTINS DE OLIVEIRA

Agravo em Execução que Entendeu pela Possibilidade


de Unificação das Penas de Detenção e Reclusão,
com Votação Não Unânime. Alegação de Excesso de
Execução. Inocorrência. Recurso Desprovido
1. Sabe-se que reclusão e detenção são espécies de pena privativa de
liberdade, conforme se observa da redação dos arts. 33 e seguintes do
Código Penal. 2. A distinção entre ambas, deste modo, não se reputa
ontológica. É dizer, as penas de reclusão e detenção possuem a mesma
natureza (são penas privativas de liberdade). O fator que as diferencia
consiste, basicamente, no regime de cumprimento de pena imposta a
ambas, eis que a pena de detenção, em regra, será cumprida em regi-
me aberto ou semiaberto, ao passo que a pena de reclusão, em regra,
será cumprida no regime fechado, semiaberto ou aberto. 3. Ademais,
sobrevindo condenação em dois crimes cujas penas cominadas são de
detenção e reclusão, o art. 111 da LEP expressamente autoriza a unifi-
cação para fins de execução da pena. 4. Recurso desprovido.
(TJES; EI-Nul-AG-ExPen 0014457-69.2019.8.08.0035; C.Cív.Reun.;
Relª Desª Subst. Rozenea Martins de Oliveira; DJES 20/05/2020)

DECISÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, Embargos Infringentes e
de Nulidade AGEXPE 0014457-69.2019.8.08.0035, em que são as partes as
acima indicadas, acorda o egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo (Câ-
maras Criminais Reunidas), na conformidade da ata e notas taquigráficas da
sessão, que integram este julgado, em, à unanimidade: Conhecido o recurso
de Guerino Comércio e não provido.

VOTO
Conheço do recurso porquanto adequado e tempestivo. Quanto ao
mérito recursal, o embargante pleiteia a prevalência do voto que entendeu
pela impossibilidade da unificação das penas de detenção e reclusão, sob o
fundamento da natureza distinta de ambas, em sentido contrário aos votos
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 145

proferidos pelos e. Desembargadores Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça


e Adalto Dias Tristão.
O cerne do presente em recurso cinge-se à análise da possibilidade de
unificação das penas de detenção e reclusão.
A matéria já se encontra pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores
e a questão jurídica é de fácil solução.
Sabe-se que reclusão e detenção são espécies de pena privativa de liber-
dade, conforme se observa da redação dos arts. 33 e seguintes do Código Penal.
A distinção entre ambas, deste modo, não se reputa ontológica. É dizer,
as penas de reclusão e detenção possuem a mesma natureza (são penas priva-
tivas de liberdade). O fator que as diferencia consiste, basicamente, no regime
de cumprimento de pena imposta a ambas, eis que a pena de detenção, em
regra, será cumprida em regime aberto ou semiaberto, ao passo que a pena de
reclusão, em regra, será cumprida no regime fechado, semiaberto ou aberto.
Ademais, sobrevindo condenação em dois crimes cujas penas comina-
das são de detenção e reclusão, o art. 111 da LEP expressamente autoriza a
unificação para fins de execução da pena. Vejamos:
“Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo
processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumpri-
mento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada,
quando for o caso, a detração ou remição.”
Como dito, a jurisprudência pátria possui entendimento sedimentado
que entende ser possível a aludida somatória:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PE-
NAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA ÀS REGRAS DE UNIFICAÇÃO DAS
PENAS DE DETENÇÃO E RECLUSÃO: INOCORRÊNCIA. PRECE-
DENTES. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O art.
111 da Lei de Execução Penal estabelece que, em condenação por mais de
um crime, para a determinação do regime de cumprimento considera-se o
resultado da soma ou unificação das penas, independentemente de serem de
detenção ou reclusão. 2. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal
Federal no sentido de que a soma ou unificação das penas em execução defi-
nem o regime prisional de seu cumprimento, podendo o resultado implicar
a regressão. Precedentes. 3. Recurso ao qual se nega provimento.” (RHC
118.626, Relª Minª Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 26.11.2013, processo
eletrônico, DJe-236 divulg. 29.11.2013, public. 02.12.2013)
“EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS COR-
PUS. UNIFICAÇÃO DAS PENAS DE DETENÇÃO E RECLUSÃO. RE-
PRIMENDAS DA MESMA NATUREZA. SOMATÓRIO. POSSIBILIDA-
DE. ART. 111 DA LEP. 1. A teor do art. 111 da Lei nº 7.210/84, na unificação
das penas, devem ser consideradas cumulativamente tanto as reprimendas de
reclusão quanto as de detenção para efeito de fixação do regime prisional, por-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
146

quanto constituem penas de mesma espécie, ou seja, ambas são penas privativas
de liberdade. 2. As reprimendas de reclusão e de detenção devem ser somadas
para fins de unificação da pena, tendo em vista que ambas são modalidades de
pena privativa de liberdade e, portanto, configuram sanções de mesma espé-
cie. Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça (REsp 1.642.346/
MT, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 17.05.2018, DJe 25.05.2018). 3.
Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC 473.459/SP, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 19.02.2019, DJe 01.03.2019)
“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RE-
CURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. UNIFICAÇÃO DE PENAS.
RECLUSÃO COM DETENÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. I – A Ter-
ceira Seção desta Corte, nos termos do entendimento firmado pela Primeira
Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não
admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que im-
plica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em
que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal,
seja possível a concessão da ordem de ofício. II – ‘A teor do art. 111 da Lei nº
7.210/84, na unificação das penas, devem ser consideradas cumulativamente
tanto as reprimendas de reclusão quanto as de detenção para efeito de fixação
do regime prisional, porquanto constituem penas de mesma espécie, ou seja,
ambas são penas privativas de liberdade’ (AgRg no HC 73.459/SP, Quinta
Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 01.03.2019). Habeas cor-
pus não conhecido.” (HC 540.636/SC, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo
[Des. Conv. do TJPE], Quinta Turma, j. 05.11.2019, DJe 11.11;2019)
“PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO. HABEAS CORPUS SUBSTI-
TUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. UNIFICAÇÃO DE PE-
NAS. RECLUSÃO COM DETENÇÃO SUPERVENIENTE. WRIT NÃO
CONHECIDO. I – A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento
da Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de
não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que
implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais
em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal,
seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio
da ampla defesa. II – In casu, o paciente cumpria pena de 15 (quinze) anos e
6 (seis) meses de reclusão (regime fechado), sobrevindo as condenações de
6 (seis) anos e 1 (um) mês de reclusão (regime fechado) e de 1 (um) ano de
detenção (regime semiaberto). III – ‘A teor do art. 111 da Lei nº 7.210/84,
na unificação das penas, devem ser consideradas cumulativamente tanto as
reprimendas de reclusão quanto as de detenção para efeito de fixação do regi-
me prisional, porquanto constituem penas de mesma espécie, ou seja, ambas
são penas privativas de liberdade’ (AgRg no HC 473.459/SP, Quinta Tur-
ma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 01.03/2019). Habeas corpus
não conhecido.” (HC 486.763/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j.
21.03.2019, DJe 28.03.2019)
Deste modo, sem maiores delongas, nego provimento ao recurso.
É como voto.
Jurisprudência

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


HABEAS CORPUS Nº 0049355-71.2020.8.21.7000
RELATORA: DESEMBARGADORA VIVIANE DE FARIA MIRANDA

Violência Doméstica. Descumprimento de Medidas


Protetivas de Urgência. Lesão Corporal. Liberdade
Concedida
Paciente preso em 12 de janeiro de 2020, pela suposta prática do delito
de descumprimento de medidas protetivas de urgência e lesão corporal
leve.
Prisão preventiva que, no âmbito da Lei Maria da Penha, é medida
excepcionalíssima, que se justifica apenas e exclusivamente para evitar a
ocorrência de um mal maior.
Não houve a realização de audiência, na presença das partes, com vistas a
analisar alternativa diversa da prisão.
Paciente primário, nascido em 1985, contando com 36 anos de idade, não
respondendo a qualquer outro processo.
Liberdade concedida, sem prejuízo da manutenção das medidas protetivas
de urgência.
Parecer do Ministério Público pela concessão parcial da ordem.
Ordem concedida, por maioria.
(TJRS; HC 0049355-71.2020.8.21.7000; Proc. 70084109966; 3ª C.Crim.;
Relª Desª Viviane de Faria Miranda; DJERS 18/05/2020)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencida a Relatora, Dra. Viviane,
concederam a ordem, sem prejuízo da manutenção das medidas protetivas de urgência.
Na origem, expeça-se alvará de soltura em favor de Tayrone Vasconcelos Machado, por
este processo, e notifique-se a vítima acerca da concessão de liberdade ao paciente.
Custas na forma da lei.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
148

Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor


Desembargador Rinez da Trindade.
Porto Alegre, 17 de abril de 2020.
Desembargadora Viviane de Faria Miranda – Relatora
Desembargador Diógenes V. Hassan Ribeiro – Presidente e Redator

RELATÓRIO
Dra. Viviane de Faria Miranda (Relatora):
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Dra. Francieli
Weischimer, advogada, em favor de Tayrone V. M., recolhido cautelarmente
no sistema prisional desde 03.02.2020, pela suposta prática do delito de lesão
corporal qualificada, prevista no art. 129, § 9º, do Código Penal, e do crime
previsto no art. 24-A da Lei Maria de Penha, em razão do descumprimento
das medidas protetivas deferidas nos autos do Expediente 141/2.20.0000242-2.
Em suas razões, a impetrante sustentou que o paciente está a sofrer
constrangimento ilegal, uma vez que decretada sua prisão preventiva sem que
presentes as hipóteses autorizadoras do art. 312 do Código de Processo Penal.
Referiu, nessa toada, que o decisum fustigado carece de devida fundamenta-
ção. Teceu considerações acerca do princípio constitucional da presunção de
inocência e da possibilidade de substituição da custódia cautelar preventiva
por medidas cautelares diversas (fls. 04/13).
Em 26.03.2020, a liminar foi indeferida, sendo dispensadas as infor-
mações (fls. 140/149).
Neste grau de jurisdição, em parecer exarado pela Dra. Luciana Maria
Ribeiro Alice, Procuradora de Justiça, o Ministério Público manifestou-se
pela parcial concessão da ordem (fls. 154/160).
O impetrante peticionou, requerendo a reconsideração da liminar (fl.
164), o que indeferido (fl. 168).
É o relatório.

VOTOS
Dra. Viviane de Faria Miranda (Relatora)
“HABEAS CORPUS PREVENTIVO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO
ÂMBITO FAMILIAR CONTRA A MULHER. LEI Nº 11.340/06. DES-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 149

CUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. LE-


SÃO CORPORAL. INOCORRÊNCIA.
1. Custódia cautelar provisória. Assegurar a aplicação das medidas protetivas deferi-
das e a integridade física da vítima. Fundamentação idônea. Decisão que decretou
a prisão preventiva do paciente devidamente fundamentada, demonstrando
a necessidade da segregação cautelar para assegurar a execução das medidas
protetivas e da integridade física. O Estado-Juiz, ao deferir medidas proteti-
vas com lastro na chamada Lei Maria da Penha, não está a solicitar esforços
ao autor para que cumpra suas determinações, está ordenando, sem margens
para tolerância, que aquele se abstenha de proceder certas condutas. O nú-
mero alarmante de feminicídios que assola o Estado deixa evidente o senso
de impunidade que impregna parte da sociedade quanto aos delitos cometi-
dos contra a mulher, em decorrência de sua vulnerabilidade de gênero. Para
obstar que vidas de mulheres sejam tiradas ao bel-prazer por indivíduo com
quem ela se relacionou afetivamente, afastando-se a noção machista de mu-
lher como propriedade/bem, cabe ao Poder Judiciário mostrar-se enérgico
contra o descumprimento das medidas protetivas. Fumus comissi delicti e peri-
culum libertatis presentes. Requisitos dos arts. 312 e 313, ambos do Código de
Processo Penal, atendidos. Constrangimento ilegal não evidenciado.
2. Presunção de inocência. Encarceramento provisório que não malfere o princí-
pio constitucional da presunção de inocência quando presentes os requisitos
autorizadores, como ocorre na espécie.
Ordem denegada.”
Eminentes Desembargadores, o ora paciente, Tayrone V. M., encontra-
se recolhido ao sistema prisional preventivamente pelo suposto cometimento
do delito de lesão corporal e de descumprimento de medidas protetivas de
urgência, deferidas nos autos do Expediente 141/2.20.0000242-2.
Impetrou-se a presente ordem de habeas corpus objetivando a soltura do
constrito ou, subsidiariamente, a substituição do cárcere cautelar por outras
medidas cautelares diversas.
Os fundamentos da custódia cautelar foram apreciados quando do
indeferimento da liminar, razão pela qual peço vênia para a eles me reportar,
com o escopo de evitar desnecessária tautologia:
“(...).
2. Para a decretação da prisão preventiva é necessária a presença de uma das
hipóteses do art. 313 do Código de Processo Penal1, podendo a prisão ser

1 “Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no
inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
150

decretada para a (i) a garantia da ordem pública ou da ordem econômica; (ii)


por conveniência da instrução criminal; (iii) ou para assegurar a aplicação da
lei penal, desde existente prova do crime e indício suficiente de autoria e de
perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, conforme disposto no art. 312
do Código de Processo Penal.
Sobre o perigo gerado pelo estado de liberdade, incluído pela Lei nº 13.964/2019,
o Desembargador do TJSP, Professor e Doutor pela PUC-SP, Guilherme de
Souza Nucci refere que esse ‘novo ingrediente para a prisão preventiva não
acrescenta absolutamente nada de novo: pelo contrário, abre mais uma porta
genérica e aberta para a prisão preventiva. Como apurar perigo gerado pelo estado
de liberdade do imputado? Estaria fora da garantia da ordem pública ou ordem
econômica? Seria diferente de garantir a instrução processual? Seria diverso
da aplicação da lei penal? Enfim, para nós, a liberdade do acusado, quando
gera perigo, precisa encaixar-se nos elementos anteriores. Não há como acrescer um
critério novo, como se nunca tivesse antes sido previsto’2.
Ainda, é necessário lembrar que a custódia cautelar é medida excepcional em
nosso ordenamento jurídico, devendo ser decretada somente quando estrita-
mente necessária, fundada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou
contemporâneos3, bem assim em face da impossibilidade de aplicação de medi-
das mais brandas. O Magistrado deve ponderar as circunstâncias pessoais do
sujeito preso, a gravidade do crime e demais elementos que possam influen-
ciar na decisão.
E, no caso dos autos, em cognição sumária, não há falar em ausência de justa
causa para prisão provisória.
Em 13.01.2020, a vítima teve deferida pelo Juízo a quo medidas protetivas, o
coacto sendo cientificado que deveria se afastar do lar comum, manter dis-
tância de, ao menos, 200 metros da lesada, e não manter qualquer contado
com ela.

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou
pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV – (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando
esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade
após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Redação dada pela Lei nº 13.964,
de 2019)
§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena
ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)”
2 Pacote anticrime comentado: Lei 13.694, de 24.12.2019. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 82.
3 Alerta Rogério Sanches da Cunha (Promotor de Justiça do MPSP) que, “Na esteira da jurisprudência do STJ, o § 2º
do art. 312 do CPP, acrescentado pela Lei nº 13.964/2019, reconhece que a urgência intrínseca às cautelares exige
a contemporaneidade dos fatos justificadores dos que se pretende evitar com a segregação processual. Tese outra
não se coaduna com a excepcionalidade da prisão preventiva, princípio que já de ser observado para a convivência
harmônica da cautela pessoal extrema com a presunção de não culpabilidade (STJ, HC 509.878/SP, j. 05.09.2019)”
(in: Pacote anticrime: Lei 13.964/2019 – comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Juspodivm, 2020. p.
253).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 151

Segundo registro de ocorrência 1.637/2020, efetivado em 01.02.2020, o pa-


ciente teria não só se aproximado da ofendida, como também lhe agredido,
verbis:
‘Vítima comparece nesta delegacia com lesões no corpo e relata que ontem
à noite foi agredida pelo seu ex-companheiro quando tentava pegar o filho
Thayron, que havia ficado com o acusado para a vítima trabalhar. Disse que o
acusado havia ingerido bebida alcoólica e lhe agrediu novamente, desferindo
socos no rosto, na boca, cabeçada no olho, empurrando-a fazendo com que
caísse no chão. Possui escoriações na perna direita, roxo no olho esquerdo,
cortes na boca, entre outros machucados. Que possui medidas protetivas
contra o acusado. Não residem mais juntos há aproximadamente um mês.
Em razão do filho mantém contato com o acusado. Deseja representar crimi-
nalmente. Nada mais.’
A autoridade policial representou pela decretação da prisão preventiva do pa-
ciente em 02.02.2020.
Após parecer do Ministério Público, o ilustre Magistrado, Dr. Cristiano Vilhal-
ba Flores, decretou a prisão preventiva do coacto, nos seguintes termos (fls.
37/38 dos autos eletrônicos):
‘É o brevíssimo relatório.
Compulsando os autos, verifica-se que o pedido da autoridade policial está
embasada em registro de ocorrência já submetido ao Judiciário, sendo já de-
feridas medidas protetivas em favor da vítima.
Note-se que desde o deferimento das medidas protetivas, no dia 13 de ja-
neiro passado, poucos dias se passaram até o descumprimento por parte do
representado, o que vem a demonstrar a insuficiência destas para que seja
cessada a agressão que é imposta à vítima. Assim como demonstra a descon-
sideração do representado para com o sistema judicial.
Estabelece o art. 312 do CPP, em seu caput e § 1º, que havendo provas de
materialidade e indícios de autoria a prisão preventiva poderá ser decretada
por descumprimento de outras medidas cautelares impostas ao representado.
Conjugado a isto, reza o art. 313, inciso III, do CPP que a prisão preventiva
tem cabimento quando se tratar da violência doméstica contra a mulher.
A materialidade está demonstrada pela ficha de atendimento médico da ví-
tima, a qual atesta as lesões sofridas. Da mesma forma, presentes indícios de
autoria na medida em que a versão trazida por esta para os fatos é agasalhada
pela prova documental médica.
Diante disto, e, especialmente, pela gravidade do que é narrado, sendo que a
vítima refere que o representado lhe agrediu com socos, mas também portava
arma branca, embora dela não tenha feito uso, aliado ao fato de ter volunta-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
152

riamente descumprido medida cautelar que lhe impunha o afastamento da


vítima, a prisão é medida que se impõe.
Por tais razões, decreto a prisão preventiva de Tayrone Vasconcelos Machado,
pois, comprovada a materialidade e presentes indícios de autoria, descum-
priu, o representado, as medidas protetivas contra ele impostas, o que faço
com fulcro no art. 312, caput e § 1º c/c o art. 312, inciso III, ambos do CPP.
Expeça-se mandando de prisão.’
Sobreveio informação do cumprimento do mandado de prisão em desfavor
do paciente em 03.02.2020 (fl. 30 dos autos eletrônicos).
Como se vê, o Magistrado a quo, ao decretar a prisão preventiva do paciente,
destacou a presença do fumus comissi delicti, no boletim de atendimento mé-
dico, constatadas as lesões sofridas pela ofendida, e no depoimento desta,
indicando que, mesmo tendo ciência das medidas protetivas vigentes em seu
desfavor, o paciente, em tese, voltou agredi-la. Aliás, nesse tipo de delito me-
rece especial relevo a palavra da vítima, tendo em vista que, na maioria das
vezes, não há testemunhas presenciais. Oportuno registrar, que a denúncia
oferecida contra o paciente foi recebida em 20.02.2020, o fumus comissi delicti
sendo incontroverso.
Outrossim, o periculum libertatis também é assente, pois a simples aplicação de
medidas cautelares não foi suficiente para evitar novas supostas agressões à ofendida,
uma vez que aquelas não impediram de se aproximar da ofendida, o que
evidencia a sua ousadia e a inadequação das medidas cautelares menos gravosas,
mostrando-se inaplicáveis as medidas previstas no art. 319 do Código de Pro-
cesso Penal.
Extrai-se que o paciente não aprendeu as mínimas regras de convivência em
sociedade, demonstrando pouco importar-se em obedecer às ordens que lhe
são dirigidas. Disso depreende-se ser acertada a decisão atacada, a fim de re-
crudescer o tratamento dispensado a si, como forma até mesmo de prover-
lhe o necessário senso de autocontrole, assim como para restabelecer, ante si,
a respeitabilidade das ordens judiciais.
Diante de tais circunstâncias fáticas, em que acarretou lesões corporais à ví-
tima (comprovada na ficha de atendimento médico) acreditar que o paciente
irá cumprir medidas cautelares que dependem, em grande parte, de senso de
autodisciplina, mostra-se rematada ingenuidade, incompatível com qualquer
sistema judicial que pretenda ser sério.
Por oportuno, colaciono precedente do Egrégio Superior Tribunal de Jus-
tiça, do ilustre Ministro Antonio Saldanha Palheiro, em que bem se assenta
a possibilidade do encarceramento provisório para a efetivação das medidas
protetivas:
‘PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCUMPRIMENTO DE
MEDIDAS PROTETIVAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 153

ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. CONDIÇÕES FA-


VORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA IN CASU. MEDIDAS CAUTELARES DI-
VERSAS. IMPOSSIBILIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em deci-
são devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Códi-
go de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que
consiste o periculum libertatis.
2. No presente caso, o paciente descumpriu medidas protetivas ao se reapro-
ximar da vítima e tentar manter contato telefônico, o que ensejou a decreta-
ção da prisão preventiva.
3. ‘A prisão preventiva do Recorrente está devidamente fundamentada, haja vista que a
jurisprudência considera idônea a decretação da custódia cautelar fundada no descumpri-
mento de medidas protetivas, de acordo com o previsto no art. 313, inciso III, do Código
de Processo Penal’ (RHC 102.643/MG, Relª Minª Laurita Vaz, Sexta Turma, j.
13.12.2018, DJe 04.02.2019).
4. Condições subjetivas favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a
prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decre-
tação da segregação provisória (Precedentes).
5. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão,
quando a segregação encontra-se fundada na gravidade efetiva do delito, indi-
cando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar
a ordem pública e evitar a prática de novos crimes.
6. Ordem denegada.’ (HC 518.671/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
Sexta Turma, j. 27.08.2019, DJe 10.09.2019) – grifei
A alegada ausência de fundamentação na decisão que decretou a prisão preventiva,
não merece prosperar.
Ao contrário do que afirma a impetrante, os requisitos autorizadores da se-
gregação cautelar mostram-se perfeitamente delineados com o advento da
nova Lei nº 13.394/2019.
Turno outro, registro não olvidar da inovação legislativa constante do art. 315
do Código de Processo Penal4. Tal dispositivo, entretanto, apenas deu maior

4 “Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.
(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concre-
tamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a
questão decidida; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
154

densidade normativa ao preceituado no art. 93, inciso IX, da Constituição


Federal de 19885; isto é, o dever de fundamentação das decisões do Poder
Judiciário sempre existiu, estando, agora, apenas explicitado positivamente
quanto ao encarceramento preventivo.
E basta mera leitura do decisum combatido, para que se possa constatar que o
Decisor unipessoal fundamentou, devidamente, a necessidade da constrição
cautelar, baseada nas circunstâncias do fato e gravidade da conduta e na necessidade de
assegurar a aplicação das medidas protetivas.
Além disso, o encarceramento provisório não malfere qualquer princípio
de envergadura constitucional, notadamente o da presunção de inocência, ins-
culpido no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, porquanto a prisão
preventiva não possui a função de antecipar eventuais efeitos condenatórios,
mas tão somente de afastar o agente do convívio social, quando presentes
os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como, em cognição
sumária, observa-se.
(...)”
Como explicitei em sede liminar, entendo preenchidos os requisitos
autorizadores da prisão preventiva. Somente o recolhimento do paciente ao
ergástulo público assegurará a afetiva aplicação das medidas protetivas e ga-
rantirá a integridade física da ofendida, tal como decidiu o Magistrado a quo,
elidindo a alegação de que o paciente esteja a sofrer constrangimento ilegal
em seu jus libertatis.
A escalada de números de feminicídios do Estado do Rio Grande do
Sul é alarmante, demonstrando que aqui, infelizmente, apesar do orgulho que
se branda, se está se impregnando a cultura machista, há muito não tolerada,
de mulher como bem/propriedade. E, se tantas mortes estão a acontecer, é
porque os seus autores têm convicção da impunidade de seus crimes.
Todavia, antes que a vida de uma mulher retirada por aquele com quem
alguma vez se relacionou afetivamente, cabe ao Poder Judiciário empreen-

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a
existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)”
5 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios:
(...)
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob
pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 155

der todos os esforços para conter o ímpeto criminoso de homens violentos,


indicando a eles que, se não compreendem a igualdade de gênero, inclusive
constitucionalmente garantida, não se tolerará o descumprimento das ordens
judiciais.
O Estado-Juiz, ao deferir medidas protetivas com lastro na chamada Lei
Maria da Penha, não está a solicitar esforços ao autor para que cumpra suas
determinações, está ordenando, sem margens para tolerância, que aquele se
abstenha de proceder certas condutas.
Por isso, não se pode aceitar deslizes no cumprimento das medidas,
pois, somente quando a sociedade souber dos rigores impostos àqueles que
assim agem, o feminicídio será exceção.
Não se pode esperar que as agressões físicas se tornem tão comuns, que
o autor possa chegar ao ponto de ter desprezo pela vida da vítima, concluindo
que dela pode dispor como se nada valesse, quando bem entender.
Quantas “Marias” (da Penha) precisarão existir, paralíticas, paraplégicas,
queimadas, com mãos decepadas, agredidas em frente aos filhos, para que se
possa compreender que nenhum tipo de agressão contra a mulher pode ser
tolerado? Qual a dor física que cabe a mulher suportar, no descumprimento
da medida protetiva, para que seu algoz seja custodiado provisoriamente?
A meu sentir, rogando vênia aos entendimentos diversos, deve-se castrar
a intenção maior, que a prática forense demonstra sempre ocorre diante da
sensação de impunidade, de início.
Turno outro, o tempo encarceramento, sob título de desproporciona-
lidade, da mesma forma, não pode servir à impunidade, o Egrégio Superior
Tribunal, em casos como o análogo, em que o indivíduo se encontra segregado
há quase um ano, entendendo pela inexistência de excesso de prazo para a
formação da culpa:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. REITE-
RADO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. PRISÃO
PREVENTIVA. NECESSIDADE. MANUTENÇÃO. EXCESSO DE
PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PAR-
TICULARIDADES DA CAUSA. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DA AUTO-
RIDADE JUDICIÁRIA. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA RAZOA-
BILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O recorrente foi preso em flagrante após lesionar sua ex-companheira – a
qual espancou até que quase perdesse os sentidos, tendo sido internada em
decorrência das lesões –, porque ela teria se recusado a reatar o relaciona-
mento. Constatou-se, na ocasião, que o indiciado possui outros processos no
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
156

âmbito da Lei Maria da Penha e descumpriu, reiteradamente, medidas prote-


tivas decretadas, além de estar sendo investigado por tentativa de homicídio,
fatores que recomendam a manutenção da custódia cautelar.
2. Consoante orientação jurisprudencial desta Corte, os lapsos temporais in-
dicados na legislação pátria para a finalização dos atos processuais servem
apenas como parâmetro geral, não se podendo deduzir o excesso apenas pela
soma aritmética dos prazos legais. De fato, em homenagem ao princípio da
razoabilidade, admite-se certa variação nos referidos prazos, de acordo com
as peculiaridades de cada caso concreto, devendo o constrangimento ser re-
conhecido como ilegal somente quando o retardo ou a delonga sejam injus-
tificados e possam ser atribuídos ao Judiciário.
3. No caso, a prisão ocorreu em 24.02.2019, a denúncia foi recebida em
18.03.2019, determinando-se a citação do acusado por meio de carta pre-
catória em 06.05.2019. Houve a apresentação de resposta à acusação em
24.09.2019 e foi ordenado o prosseguimento da ação penal em 21.10.2019,
ocasião em que indeferido novamente o pedido de revogação da custódia
cautelar e determinada a expedição de cartas precatórias para a oitiva de teste-
munhas arroladas pela acusação e pela defesa.
4. Não há que se falar na espécie em desídia ou negligência do Estado-Juiz
para com seus cidadãos, inexistindo, portanto, coação advinda de excesso de
prazo na formação de culpa, já que não foram transpostos os limites da ra-
zoabilidade, não se podendo concluir como excessivo o tempo decorrido até
o momento, mostrando-se inviável a soltura do recorrente por este funda-
mento.
5. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no RHC 116.153/AL, Rel. Min.
Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 11.02.2020, DJe 21.02.2020)
Ao fim, como já assentado pela Corte da Cidadania, “Em matéria de
prisão cautelar, deve ser observado o princípio da confiança no juiz do processo,
uma vez que está presente no local onde o crime é cometido e conhece as
peculiaridades do caso concreto, sendo quem melhor pode avaliar a necessi-
dade da decretação e manutenção da segregação cautelar”6.
Diante do exposto, voto em denegar a ordem.

Desembargador Diógenes V. Hassan Ribeiro (Presidente e Redator)


Rogo vênia à eminente Relatora para encaminhar divergência no sentido
de conceder a ordem.

6 STJ, HC 289.373/MG, 6ª Turma, Relª Minª Marilza Maynard (Desª Conv. do TJSE), DJe 05.06.2014.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 157

Com efeito, em que pese o descumprimento, em tese, das medidas


protetivas de urgência, as circunstâncias do caso concreto autorizam a concessão de
liberdade ao paciente.
Isso, porque consabido que a prisão preventiva, no âmbito da Lei Maria
da Penha, é medida excepcionalíssima, que se justifica apenas e exclusivamente para
evitar a ocorrência de um mal maior, não podendo ser mantida indefinidamente ao
longo do tempo. No caso dos autos, o paciente se encontra preso preventivamente há
mais de 3 meses, pois recolhido em 12.01.2020.
Ademais, a documentação acostada aos autos eletrônicos, embora indi-
que a necessidade de prisão para a garantia de medidas protetivas anteriormente
deferidas, é extremamente importante a realização de audiência prévia que examine a
possibilidade de alternativa diversa, o que não ocorreu no caso dos autos.
Ainda, o paciente Tayrone, nascido em 1984, é primário, não respondendo a
qualquer outro processo.
Frente a esse contexto, reitero que a prisão preventiva para a garantia
do cumprimento de medidas protetivas não pode perdurar no tempo, como
visto, sob pena de tornar-se absolutamente desproporcional. É medida essen-
cialmente cautelar e que se justifica no calor dos acontecimentos, cumprindo
ao magistrado reexaminar constantemente a necessidade da prisão no que
se refere à justificativa da prisão para evitar um mal maior. Havendo o risco
de reiteração da conduta violadora das medidas restritivas é que é possível
manter a prisão.
Não é possível manter a prisão por tempo excessivo, inclusive, porque,
como é o caso dos autos, se houver eventual condenação pelos fatos a final,
possivelmente poderá não ocorrer condenação à pena privativa de liberdade
em regime fechado.
Nesse contexto, impositiva a concessão de liberdade ao paciente, sem
prejuízo da manutenção das medidas protetivas de urgência.
Nesse sentido, inclusive, foi o parecer da douta Procuradora de Justiça,
Dra. Luciana Maria Ribeiro Alice, pela concessão parcial da ordem:
“(...) Verifico, porém, que o paciente tem 36 anos e não possui antecedentes
criminais por violência doméstica – em que pese isso não diminua a gravida-
de dos fatos que lhe são imputados. Por outro lado, está preso há cerca de dois
meses, medida que pode ter se mostrado eficaz para dissuadir o comporta-
mento agressor. Observo, ainda, que o paciente e a vítima já não residem no
mesmo endereço e que a vítima informou, no depoimento colhido perante a
Autoridade Policial, que iria morar em outra cidade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
158

Neste contexto, e s.m.j., entendo que, excepcionalmente e em face da pande-


mia, seria viável a substituição da prisão por outras medidas cautelares.
Ante o exposto, o Ministério Público, em segunda instância, manifesta-se no
sentido de que seja concedida em parte a ordem de habeas corpus, para substituir a
prisão por medidas cautelares diversas.”
Em caso de eventual concessão de liberdade, expeça-se alvará de soltura,
na origem, em favor de Tayrone Vasconcelos Machado, por este processo, e
cientifique-se a vítima acerca da concessão de liberdade ao paciente.
É o voto.

Desembargador Rinez da Trindade:


Com a vênia da eminente Relatora, acompanho a divergência lançada
pelo Des. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, no caso concreto.
Desembargador Diógenes V. Hassan Ribeiro – Presidente – Habeas
Corpus 70084109966, Comarca de Capão da Canoa: “Por maioria, vencida
a Relatora, Dra. Viviane, concederam a ordem, sem prejuízo da manutenção
das medidas protetivas de urgência. Na origem, expeça-se alvará de soltura
em favor de Tayrone Vasconcelos Machado, por este processo, e notifique-se
a vítima acerca da concessão de liberdade ao paciente”.
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de São Paulo


HABEAS CORPUS Nº 2072464-90.2020.8.26.0000
RELATOR: DESEMBARGADOR LUIS AUGUSTO DE SAMPAIO ARRUDA

Furto Qualificado. Prisão Preventiva Decretada


de Ofício. Pretendida a Revogação da Medida.
Possibilidade
Com o advento da Lei nº 13.964/2019, deu-se nova redação ao art.
311 do Código de Processo Penal, vedando a decretação, de ofício,
da prisão preventiva. Tendo em vista que as prisões preventivas dos
Pacientes foram decretadas de ofício, mostra-se imperiosa a cassação
da decretação das medidas. Ordem concedida, para cassar a decretação
das prisões preventivas dos pacientes.
(TJSP; HC 2072464-90.2020.8.26.0000; Ac. 13563420; 13ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Luis Augusto de Sampaio Arruda; DJESP 29/05/2020; p. 3.531)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Criminal
2072464-90.2020.8.26.0000, da Comarca de Santos, em que são pacientes
Guilherme Carvalho Franco Saraiva e Wilson Daniel de Oliveira e impetrante
Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Acordam, em sessão permanente e virtual da 13ª Câmara de Direito
Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Concederam a ordem, para cassar a decretação da prisão preventiva dos Pacientes Wil-
son Daniel de Oliveira (Wilson Daniel de Carvalho) e Guilherme Carvalho Franco
Saraiva (Guilherme Carvalho Franco Saraiva). Caso os mandados de prisão expedi-
dos pelo Juízo a quo ainda não tenham sido cumpridos, determinaram a expedição de
contramandados de prisão; caso já tenham sido cumpridos, determinaram a expedição
de alvarás de soltura clausulados. V.U., de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Moreira da
Silva (Presidente sem voto), Cardoso Perpétuo e Augusto de Siqueira.
São Paulo, 15 de maio de 2020.
Desembargador Luis Augusto de Sampaio Arruda – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Jurisprudência
160

Voto nº 13340
Vistos.
Tânia Cristina Oliveira dos Santos, Defensora Pública do Estado de
São Paulo, impetra este habeas corpus, com pedido liminar, em favor de Wilson
Daniel de Oliveira (Wilson Daniel de Carvalho) e Guilherme Carvalho Franco Saraiva
(Guilherme Carvalho Franco Saraiva), apontando como autoridade coatora o
MMº Juiz de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Santos, alegando, em
síntese, que os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal, em razão da
decisão que decretou a prisão preventiva, carente de fundamentação, amparada
na revelia dos pacientes e em fatos ocorridos em 2018, sem demonstrar em
termos concretos a necessidade da manutenção da medida. Aduz que não estão
preenchidos os requisitos da prisão preventiva, que não haviam sido impostas
medidas cautelares, que os pacientes não têm conhecimento do processo, pois
não foram ouvidos durante a fase inquisitiva e não foram citados, bem como
que o mandado de prisão foi expedido durante a pandemia da “Covid-19”.
Assim, requer a concessão da liminar, para que sejam expedidos alvarás
de soltura ou contramandados de prisão em favor dos pacientes, bem como,
ao final, que seja concedida a ordem de habeas corpus, convalidada a liminar,
para sanar o constrangimento ilegal que sofrem os pacientes (fls. 01/07).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 49/51).
Prestadas as informações pela digna autoridade Judiciária dita coatora
(fls. 57/60), manifestou-se a douta Procuradoria Geral de Justiça pela concessão
da ordem, sem prejuízo da aplicação das medidas cautelares previstas no art.
319, incisos I, IV e V, do Código de Processo Penal (fls. 86/88).
É o relatório.
No caso presente, verte das informações prestadas pela autoridade
Judiciária dita coatora, datadas de 23.04.2020, que os Pacientes foram denun-
ciados como incursos no art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal, porque,
em 01.10.2018, previamente conluiados entre si e com outras pessoas cujas
identidades remanescem desconhecidas, supostamente subtraíram, para si,
diversos bens pertencentes à vítima M. O. S. Consta que os pacientes, junta-
mente com mais dois indivíduos não identificados, alugaram informalmente
um dos imóveis de propriedade da vítima e, na data dos fatos, adentraram a
casa dos fundos existente no mesmo terreno, onde, em tese, subtraíram a res
furtiva. Após a vítima noticiar os fatos, policiais encontraram os Pacientes na
posse de alguns dos bens subtraídos, ocasião em que eles confessaram o furto
dos objetos e do dinheiro. Recebida a denúncia, os Pacientes não foram en-
contrados para serem citados, tampouco constituíram defensor, sendo citados
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 161

por edital. Após, foi proferida decisão determinando a suspensão dos autos,
nos termos do art. 366 do CPP, e decretando a prisão preventiva. Aguarda-se
a citação dos Pacientes e o cumprimento dos mandados de prisão (fls. 57/60).
Ademais, analisando-se os autos, verifica-se que não consta represen-
tação pela decretação da prisão preventiva pela autoridade policial ou pedido
da decretação da medida pelo Ministério Público ou de eventual assistente
da acusação, tendo o Juízo a quo decretado, de ofício, a prisão preventiva dos
Pacientes (fls. 41/42).
Todavia, o art. 311 do Código de Processo Penal, com a redação con-
ferida pela Lei nº 13.964/2019, dispõe: “Em qualquer fase da investigação
policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz,
a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por
representação da autoridade policial”.
Nesse contexto, diante do advento da Lei nº 13.964/2019, que con-
feriu nova redação do art. 311 do Código de Processo Penal, não há mais a
possibilidade de decretar a prisão preventiva de ofício, ainda que no curso da
ação penal.
Cumpre salientar que não se olvida que o § 5º do art. 282 do Código
de Processo Penal dispõe que “o juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes,
revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo
para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que
a justifiquem”. Todavia, in casu, o Juízo a quo não voltou a decretar a prisão
preventiva, e sim a decretou sem que houvesse pedido anterior para tanto.
Dessa forma, sendo evidente o constrangimento ilegal que sofrem os
Pacientes, em face dos quais foram expedidos mandados de prisão em razão
da decretação da prisão preventiva de ofício, a despeito do disposto no art.
311 do Código de Processo Penal, vedando a decretação, de ofício, da medida,
impõe-se a concessão da ordem para que seja sanado referido constrangimen-
to, sem prejuízo da nova decretação da prisão preventiva dos Pacientes ou de
medidas cautelares diversas, após a devida provocação.
Ante o exposto, concede-se a ordem, para cassar a decretação da prisão
preventiva dos pacientes Wilson Daniel de Oliveira (Wilson Daniel de Car-
valho) e Guilherme Carvalho Franco Saraiva (Guilherme Carvalho Franco
Saraiva). Caso os mandados de prisão expedidos pelo Juízo a quo ainda não
tenham sido cumpridos, expeçam-se contramandados de prisão; caso já te-
nham sido cumpridos, expeçam-se alvarás de soltura clausulados.
Providencie o cartório as intimações e notificações de praxe.
Desembargador Luis Augusto de Sampaio Arruda – Relator
Divergência Jurisprudencial

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Arma de Fogo – Posse Ilegal – Desclassificação para


o Delito Previsto no Art. 14 da Lei nº 10.826/03 –
Impossibilidade/Possibilidade
95/1 → PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRI-
MIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 14 DA LEI Nº
10.826/03. IMPOSSIBILIDADE. O porte ilegal de arma de fogo é considerado delito de perigo
abstrato, não sendo necessária a ocorrência de um resultado naturalístico para sua consumação.
Basta a mera conduta de portar arma de fogo sem autorização e em desacordo com determi-
nação legal para violar o bem jurídico tutelado. Exame pericial que comprova que a arma de
fogo apreendida teve seu número de série parcialmente suprimido, não desgastado. Conduta
que se amolda ao delito do art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03. Impositiva a
condenação. Pena de multa reduzida. Apelo ministerial provido. Apelo defensivo parcialmente
provido. Unânime. (TJRS; APL 0270942-05.2019.8.21.7000; Proc. 70082990334; 4ª C.Crim.;
Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto; DJERS 20/02/2020)

95/2 ← POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA.


DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 12 DA LEI Nº 10.826/03.
POSSIBILIDADE. NÚMERO DE SÉRIE LOCALIZADO EM OUTRO LOCAL. IMPO-
SITIVA A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA O PREVISTO NO ART. 12 DA LEI
Nº 10.826/03. A posse irregular de arma de fogo é considerada delito de perigo abstrato, não
sendo necessária a ocorrência de resultado naturalístico para sua consumação. Basta a mera
conduta de possuir arma de fogo em desacordo com determinação legal para violar o bem
jurídico tutelado. Condenação mantida. Pena readequada. Punibilidade extinta pela prescri-
ção. Apelos parcialmente providos. Unânime. (TJRS; APL 0265673-82.2019.8.21.7000; Proc.
70082937640; 4ª C.Crim.; Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto; DJERS 20/02/2020)
Ementário

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95/3 – AGRAVO REGIMENTAL. Interposição contra decisão que indeferiu pedido de


liminar em habeas corpus. Descabimento. Reiteração de argumentos. Decisão mantida. Recurso
desprovido. (TJSP; AgRg 2072271-75.2020.8.26.0000/50000; Ac. 13580996; 3ª C.D.Crim.; Rel.
Des. Cesar Mecchi Morales; DJESP 29/05/2020; p. 3.476)

95/4 – ALICIAR E INSTIGAR CRIANÇAS A SE EXIBIREM DE FORMA POR-


NOGRÁFICA OU SEXUALMENTE EXPLÍCITA (ART. 241-D DA LEI Nº 8.069/90) E
POSSUIR OU ARMAZENAR, POR QUALQUER MEIO, FOTOGRAFIA, VÍDEO OU
OUTRA FORMA DE REGISTRO QUE CONTENHA CENA DE SEXO EXPLÍCITO
OU PORNOGRÁFICA ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE (ART. 241-B
DA LEI Nº 8.090/90). Decisão que, dentre outras deliberações, recebeu a denúncia e acolheu
representação ministerial para decretar a prisão preventiva do réu. Insurgência defensiva pleite-
ando a concessão de liberdade provisória, com fundamento na ausência de requisitos legais para
manutenção da custódia cautelar. Cabimento. Não obstante a gravidade dos crimes, o paciente
é primário, não registra antecedentes criminais, possui residência fixa e, após ser beneficiado
com a liberdade provisória na audiência de custódia ocorrida no dia 01.08.2018, não registrou
qualquer envolvimento em práticas delitivas desde então. Não está demonstrado que, caso
responda ao processo em liberdade, o paciente causará prejuízo à ordem pública ou econô-
mica ou irá se furtar à aplicação da Lei Penal. Desproporcionalidade em relação ao tempo de
prisão cautelar, levando em conta a pena a ser aplicada, em caso de condenação. Suficiência das
medidas cautelares diversas da prisão. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida
para deferir a liberdade provisória ao paciente, com imposição de medidas cautelares diversas
da prisão (art. 319, incisos III, IV e V, do CPP). (TJSP; HC 2022700-38.2020.8.26.0000; Ac.
13579241; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Osni Pereira; DJESP 29/05/2020; p. 3.555)

95/5 – APELAÇÃO CRIMINAL DO RÉU E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDE-


RAL. ART. 149 DO CPP. INOCORRÊNCIA DE DÚVIDA QUANTO À INTEGRIDADE
MENTAL. CRIMES DOS ARTS. 217, 240 E 241-A DO CP. DEFINIÇÃO DE PORNO-
GRAFIA INFANTOJUVENIL. ART. 241-E DO CPP E PROTOCOLO FACULTATIVO
À CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
ESTRITA. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO DE UMA DAS CONDUTAS. MATE-
RIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES EM RELAÇÃO ÀS DEMAIS. DOSIMETRIA
INALTERADA. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA. REQUISITOS DOS ARTS. 312 E
313 DO CPP. APELAÇÕES CRIMINAIS DESPROVIDAS. 1. Na esteira do disposto no art.
149 do CPP, apenas autoriza-se a submissão do acusado a exame médico-legal quando houver
dúvida fundada sobre sua integridade mental. 2. Os tipos penais dos arts. 240 e 241-A da Lei
nº 8.069/90 tratam, em síntese, da produção e compartilhamento de cenas pornográficas que
envolvam crianças e adolescentes. 3. Nos termos das balizas estabelecidas pelo art. 241-E do
ECA e Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 5.007/04),
não é possível categorizar as cinco fotos tiradas e publicadas na internet pelo acusado como cena
pornográfica, quando não revelam o envolvimento da criança em atividades sexuais explícitas ou
simuladas ou exibição de órgãos genitais. 4. O Direito Penal rege-se pelo princípio da legalidade
estrita, insculpido no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e no art. 1º do Código
Penal. Nessa esteira, não é possível ampliar a conceituação de pornografia infantojuvenil para
além daquelas hipóteses acolhidas pela norma. Não é possível ir além do que é abarcado pelo
texto estrito, uma vez que o direito penal veda a analogia em prejuízo do acusado. 5. Ainda que
o Estatuto da Criança e do Adolescente contemple norma orientadora de interpretação voltada
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
164

à proteção da criança e do adolescente, não é possível ampliar a abrangência de um tipo penal


incriminador para imputar crime ao réu sem que a hipótese fática esteja estritamente prevista
em Lei, sob pena de configuração de analogia in malam partem pelo intérprete. 6. Mantida a
absolvição pela prática de um dos fatos imputados e a condenação pela prática dos crimes do
art. 217-A do CP, por duas vezes, em continuidade delitiva; do art. 240 do ECA, por duas
vezes, em continuidade delitiva; e 241-A do ECA, por duas vezes, em continuidade delitiva,
todos eles em concurso material. 7. Dosimetria inalterada. O magistrado obedeceu ao critério
trifásico de fixação da pena, fixando a pena-base de cada um dos delitos um pouco acima do
mínimo, por considerar desfavoráveis duas circunstâncias (culpabilidade e consequências);
aplicou as agravantes e atenuantes, justificando o aumento nesta fase, e, por fim, aplicou as
causas de aumento nos patamares adequados, sem qualquer violação à proporcionalidade. 8.
Mantida a prisão preventiva do acusado, pois permanece o risco à ordem pública, em razão
do risco concreto, evidenciado a partir das provas dos autos, de que o réu pratique as mesmas
condutas delituosas com outras vítimas. 9. Apelações criminais desprovidas. (TRF 2ª R.; ACR
0502040-39.2017.4.02.5001; 2ª S.Esp.; Relª Desª Fed. Simone Schreiber; DEJF 26/05/2020)

95/6 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE FURTO QUALIFI-


CADO (ART. 155, § 4º, I E IV, DO CP). Pedido de absolvição. Inacolhido. Materialidade
e autoria comprovadas. Pedido de não aplicação da medida socioeducativa de prestação de
serviços à comunidade, mantendo apenas a liberdade assistida. Inacolhido. Art. 112, III e IV,
c/c o § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Medidas mais adequadas ao caso de acordo
com a finalidade pedagógica a que se destinam. Manutenção da sentença. Recurso improvido.
Unânime. (TJSE; ACr 202000309447; Ac. 7894/2020; C.Crim.; Rel. Des. Edson Ulisses de Melo;
DJSE 29/05/2020)

95/7 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO DELITO DE ESTUPRO DE VUL-


NERÁVEL (ART. 217-A DO CP). Autoria e materialidade delitiva comprovadas. Incidente de
insanidade mental indeferido na origem. Ausência de indícios de que o agente não fosse capaz de
compreender o caráter ilícito de sua conduta. Tese de nulidade por não ter sido juntado relatório
interprofissional. Art. 186 do ECA. Medida facultativa. Materialidade e autoria infracionais
comprovadas. Relatos das vítimas e depoimentos de testemunhas presenciais. Configuração
da hipótese de aplicação da medida socioeducativa de internação prevista no art. 122, I, do
ECA. Ato infracional cometido com violência real. Apelo conhecido e não provido. (TJSE;
AC 202000304751; Ac. 7867/2020; C.Crim.; Rel. Des. Edson Ulisses de Melo; DJSE 29/05/2020)

95/8 – CONTRABANDO DE CIGARROS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O


DELITO DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABI-
LIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA PARA AMBOS OS DELITOS. DOSIMETRIA.
PENAS-BASE REDUZIDAS. PRETENSÃO MINISTERIAL DE RECONHECIMENTO
DA AGRAVANTE DE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA NÃO ACOLHIDA.
ATENUANTE DA CONFISSÃO RECONHECIDA. MANUTENÇÃO DO REGIME
PRISIONAL ABERTO E DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRI-
TIVAS DE DIREITOS. CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA.
RECURSO DO MPF DESPROVIDO. APELAÇÕES DAS DEFESAS DOS RÉUS PAR-
CIALMENTE PROVIDAS. 1. O contrabando é delito que consubstancia-se na conduta de
importar ou exportar mercadoria proibida, ação dotada de alto grau de reprovabilidade, como
é o caso do cigarro. Ademais, o cigarro posto mercadoria importada com elisão de impostos,
incorre em lesão não só ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses
públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não
descaminho. 2. A importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, fato
que impede a aplicação do princípio da insignificância. Tão somente seria o caso de aplicação
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 165

de forma excepcional do referido princípio se a quantidade de cigarros apreendidos fosse de


pequena monta, o que não se traduz nestes autos. Preliminares rejeitadas. 3. Materialidade,
autoria e dolo suficientemente comprovados. Condenações mantidas. 4. Dosimetria. Penas-base
dos réus reduzidas. Aplicação do art. 580 do CPP. Reconhecimento da atenuante da confissão
espontânea para ambos os réus. Afastada a agravante da paga ou promessa de recompensa, sob
pena de ofensa ao princípio ne bis in idem. Pretensão ministerial de agravamento da pena não
acolhida. Reduzidas as penas definitivas de ambos os réus. 5. Mantido o regime inicial aberto
para início de cumprimento de pena (CP, art. 33, § 2º, alínea c) e a substituição da pena priva-
tiva de liberdade por duas restritivas de direitos (CP, art. 44). 6. Concedidos os benefícios da
justiça gratuita (CPP, art. 804) em favor de um réu, consoante o teor do art. 98, § 3º, do Novo
CPC. 7. Recurso ministerial desprovido. Recurso das defesas dos réus Mauro e Ronderson
parcialmente providos. (TRF 3ª R.; ACR 0006574-02.2009.4.03.6112; SP; 5ª T.; Rel. Des. Fed.
Maurício Kato; DEJF 18/05/2020)

95/9 – CRIME AMBIENTAL (ART. 34 C/C O ART. 36 DA LEI Nº 9.605/98). Ina-


plicabilidade do princípio da insignificância. Pesca com rede de espera de oitocentos metros.
Apreensão de aproximadamente oito quilos de pescados. Pedido manifestamente improcedente
e contrário à jurisprudência do STF. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (STF;
HC-AgR 163.907; RJ; 2ª T.; Relª Minª Cármen Lúcia; DJE 27/05/2020; p. 63)

95/10 – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I E II, DA LEI


Nº 8.137/90). ICMS. TRIBUTO ESTADUAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE DO PATAMAR DISPOSTO NO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL APENAS AOS TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO.
INCIDÊNCIA DO ART. 1º DA LEI ESTADUAL Nº 7.772/2013. AUSÊNCIA DE CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL. WRIT DO QUAL NÃO SE CONHECEU. INSURGÊNCIA
DESPROVIDA. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, “(...) incide
o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o dé-
bito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do
disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02, com as atualizações efetivadas pelas Portarias ns. 75
e 130, ambas do Ministério da Fazenda. (...)” (REsp 1.688.878/SP, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, Terceira Seção, j. 28.02.2018, DJe 04.04.2018) 2. O fato da União, por razões políticas
ou administrativas, optar por autorizar o pedido de arquivamento das execuções fiscais que não
ultrapassam o referido patamar não permite, por si só, que a mesma liberalidade seja estendida
aos demais entes federados, o que somente poderia ocorrer caso estes também legislassem no
mesmo sentido, tendo em vista que são dotados de autonomia. 3. Dentre os critérios elencados
pela jurisprudência dominante para a incidência do princípio da insignificância encontra-se a
inexpressividade da lesão jurídica ocasionada pela conduta, parâmetro que pode variar a depen-
der do sujeito passivo do crime. 4. No caso dos autos, o valor do tributo elidido é superior ao
quantum permitido pelo art. 1º da Lei nº 7.772/2013 do Estado do Pará para fins de incidência
do princípio da insignificância, razão pela qual não se verifica a atipicidade material da conduta
narrada na exordial acusatória. Precedentes. 5. Mantém-se a decisão singular que não conheceu
do habeas corpus, por se afigurar manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício,
em razão da ausência de constrangimento ilegal a ser sanado. 6. Agravo regimental desprovido.
(STJ; AgRg-HC 549.428; Proc. 2019/0361458-1; PA; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 29/05/2020)

95/11 – CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MISSÃO. ART. 196 DO CÓDI-


GO PENAL MILITAR. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL, ABUSO
DE PODER OU FLAGRANTE ILEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO
DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. INOBSER-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
166

VÂNCIA DO DEVER DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO AGRAVADA.


REITERAÇÃO DAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A prescrição
da pretensão punitiva estatal deve guardar observância aos marcos temporais estabelecidos
em Lei. 2. In casu, o paciente foi condenado à pena de 6 (seis) meses de detenção, em regime
aberto, pelo delito tipificado no art. 196 do Código Penal Militar, tendo sido concedido ao
paciente sursis pelo período de dois anos. 3. O habeas corpus é ação inadequada para impug-
nação de decisum monocrático proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes: HC
151.473-AGR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 31.08.2018; e HC
165.659-AGR, Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 26.02.2019. 4. O habeas
corpus é impassível de ser manejado como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. 5. A im-
pugnação específica da decisão agravada, quando ausente, conduz ao desprovimento do agravo
regimental. Precedentes: HC 137.749-AGR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe
17.05.2017; e HC 133.602-AGR, Segunda Turma, Relª Minª Cármen Lúcia, DJe 08.08.2016.
6. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na petição inicial da impetração é in-
suscetível de modificar a decisão agravada. Precedentes: HC 136.071-AGR, Segunda Turma,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 09.05.2017; HC 122.904-AGR, Primeira Turma, Rel.
Min. Edson Fachin, DJe 17.05.2016; RHC 124.487-AGR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto
Barroso, DJe 01.07.2015. 7. Agravo regimental desprovido. (STF; HC-AgR 179.984; SP; 1ª T.;
Rel. Min. Luiz Fux; DJE 21/05/2020; p. 94)

95/12 – CRIMES PREVISTOS NO ART. 55, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98 E NO


ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91, EM CONCURSO FORMAL (CP, ART. 70). INÉPCIA DA
DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. ERRO DE TIPO QUE SE AFASTA. MATERIALIDADE
E AUTORIA. DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO. 1. A denúncia descreve satisfa-
toriamente os fatos criminosos e a atuação dos acusados, havendo correspondência entre esses
fatos e a capitulação jurídica imputada, viabilizando o pleno exercício do direito de defesa. 2.
Materialidade e autoria confirmadas. Evidenciada a exploração de mineral (areia) sem a devida
autorização dos órgãos competentes, praticada pela empresa de propriedade do acusado. 3.
Erro de tipo que se afasta. A versão de que acreditavam possuir licença ambiental para operar
em toda a área é inverossímil. Aliás, os próprios réus assinaram documentos em nome da
empresa, para o órgão ambiental, requerendo a ampliação da área de lavra, evidenciando sua
ciência disso. 4. Dosimetria da pena. Redução da pena-base. 5. Mantida a substituição da pena
corporal por duas restritivas de direitos, com redução da prestação pecuniária. 6. Apelação
parcialmente provida. (TRF 3ª R.; ACR 0009172-03.2015.4.03.6181; SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed.
Nino Toldo; DEJF 28/05/2020)

95/13 – DECISÃO DO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA QUE DECLA-


ROU A INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. CRIME COMETIDO
POR MILITAR EM SERVIÇO CONTRA MILITAR REFORMADO. APLICAÇÃO DA
TEORIA DA UBIQUIDADE PARA FIRMAR COMPETÊNCIA DA JMU. PROVIMENTO.
DECISÃO UNÂNIME. I – Configura-se como crime militar o estelionato cometido por um
militar em serviço contra militar reformado, por ter copiado dados do cartão de crédito da
vítima, que estava presa e sob a custódia da unidade militar, ainda que a utilização do cartão para
realizar compras, de forma fraudulenta, tenha se dado em local fora da Administração Militar.
II – O art. 6º do CPM adota o princípio da ubiquidade, pelo qual o lugar do crime é aquele
em que se realizou qualquer dos momentos do iter criminis, do início dos atos executórios até a
consumação, o que se aplica, perfeitamente, ao delito de estelionato, o qual é considerado crime
comissivo e possui múltiplas condutas. III – Reconhece-se, em virtude disso, a competência da
Justiça Militar da União, de acordo com a exegese do art. 124 da CF c/c o art. 9º, II, alínea b,
do CPM. IV – Recurso em sentido estrito provido. Decisão unânime. (STM; RSE 7000041-
54.2020.7.00.0000; Rel. Min. José Coêlho Ferreira; DJSTM 26/05/2020; p. 21)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 167

95/14 – DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CP. DESCLASSIFICAÇÃO


DA CONDUTA. EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP. COMUNICAÇÃO FALSA
DE CRIME. ART. 340 DO CP. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ART. 109,
CAPUT E INCISO VI, DO CP. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. DESCLASSIFICAÇÃO
DA CONDUTA. Para a configuração do crime previsto no art. 339 do Código Penal, é neces-
sário que a denúncia falsa dê ensejo à deflagração de uma investigação administrativa, sendo
prescindível, contudo, que haja a formalização de inquérito policial ou de termo circunstan-
ciado;. Na hipótese, tal como registrado pela jurisprudência, a conduta atribuída aos réus não
deu causa à instauração de investigação policial, limitando-se à averiguação pela Polícia Rodo-
viária Federal do suposto crime em andamento, na tentativa de conter a ação dos criminosos.
Portanto, não há que se falar na prática do crime em questão, uma vez que ausente uma de
suas elementares. COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME. O delito inserto no art. 340 do
Código Penal se configura com a provocação da autoridade competente pela persecução penal a
realizar alguma diligência destinada a apurar a prática de crime ou contravenção, comunicando
por qualquer meio a ocorrência de infração penal que sabe não ter ocorrido, tratando-se de
crime de forma livre;. Considerando a desnecessidade de modificação da descrição dos fatos
contida na denúncia, é caso de desclassificação da conduta para o crime de comunicação falsa
de crime – cuja caracterização é subsidiária ao crime de denunciação caluniosa, a ser procedida
de ofício, na forma dos arts. 383 (emendatio libelli) e 617 do CPP. PRESCRIÇÃO DA PRE-
TENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. O recebimento da denúncia por
órgão judiciário absolutamente incompetente não tem eficácia interruptiva da prescrição penal.
Assim, embora cabível a ratificação do recebimento da denúncia pelo Juízo competente, para
fins de cômputo da prescrição não se considera o recebimento pelo Juiz Estadual incompetente,
mas apenas a decisão proferida pelo Juiz Federal competente. Na hipótese, transcorrido mais
de 5 (cinco) anos entre a data do fato e a decisão do Juiz Federal que ratificou o recebimento
da denúncia – primeiro marco interruptivo –, impõe-se reconhecer a prescrição da pretensão
punitiva e decretar a extinção da punibilidade dos réus, por força dos arts. 107, inciso IV, e 109,
caput e inciso VI, ambos do Código Penal. (TRF 4ª R.; ACR 5017157-84.2017.4.04.7200; SC;
7ª T.; Relª Desª Fed. Cláudia Cristina Cristofani; Publ. 12/05/2020)

95/15 – DESAFORAMENTO. JUÍZO DA AUDITORIA. IMPOSSIBILIDADE DE


CONSTITUIÇÃO DO CONSELHO ESPECIAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE
OFICIAIS SUPERIORES EM NÚMERO SUFICIENTE NA JURISDIÇÃO. A existência
de apenas 4 (quatro) oficiais aptos a compor o Conselho Especial de Justiça constitui impos-
sibilidade ou dificuldade que retarda demasiadamente o processo e atenta contra o interesse
da ordem pública e da Justiça, autorizando a derrogação de competência, no âmbito da Justiça
Militar, pelo desaforamento dos autos para outro Juízo em condições para julgamento, de
acordo com o Código de Processo Penal Militar, em seu art. 109. Pedido conhecido e deferido.
Decisão unânime (STM; Desaf 7000136-84.2020.7.00.0000; Rel. Min. Artur Vidigal de Oliveira;
DJSTM 29/05/2020; p. 4)

95/16 – DESCAMINHO. TRIBUTO. VALOR. INSIGNIFICÂNCIA. PORTARIA.


ALCANCE. O que previsto em portaria não alcança persecução criminal a cargo do Ministério
Público. (STF; HC 163.559; SC; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 27/05/2020; p. 46)

95/17 – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. DIREÇÃO PERIGOSA NÃO COMPRO-


VADA E NÃO DEMONSTRAÇÃO DE LESIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO.
Recurso da defesa provido para a decretação da absolvição pela prova não revelar com suficiência
a tipicidade material da conduta. (TJSP; ACr 0004370-23.2018.8.26.0024; Ac. 13557750; 12ª
C.D.Crim.; Rel. Des. Heitor Donizete de Oliveira; DJESP 29/05/2020; p. 3.513)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
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95/18 – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRELIMINAR AFASTADA. MATERIALI-


DADE E AUTORIA COMPROVADAS. CRIME FORMAL, DE PERIGO ABSTRATO. A
alteração da capacidade motora em razão da influência de álcool pode ser constatada por teste de
alcoolemia. Condenação mantida. Valor da prestação pecuniária fixada como pena substitutiva
da prisão que se mostrou por demais elevado em face das condições da apelante. Redução.
Preliminar rejeitada. Recurso parcialmente provido. (TJSP; ACr 0004483-30.2017.8.26.0438;
Ac. 13581934; 9ª C.D.Crim.; Relª Desª Fátima Gomes; DJESP 29/05/2020; p. 3.484)

95/19 – ESTATUTO DO IDOSO. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde,


entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas
quando obrigado por Lei ou mandado (art. 98 da Lei nº 10.741/03). Materialidade e autoria
comprovadas. Prova segura. Depoimentos das testemunhas em harmonia com o conjunto
probatório. Negativa da ré isolada. Condenação mantida. Recurso não provido. (TJSP; ACr
0009345-78.2018.8.26.0577; Ac. 13581930; 9ª C.D.Crim.; Relª Desª Fátima Gomes; DJESP
29/05/2020; p. 3.485)

95/20 – ESTELIONATO. § 5º ACRESCENTADO AO ART. 171 DO CÓDIGO


PENAL BRASILEIRO. Novação da Lei Penal, que passou a exigir representação da vítima,
via de regra, para que a ação penal seja instaurada e tenha continuidade. Baixa dos autos para
a primeira instância para eventual oferecimento de representação, no prazo legal de 6 (seis)
meses, disposto no art. 103 do Código Penal. (TJSP; ACr 0968511-45.2012.8.26.0506; Ac.
13557773; 12ª C.D.Crim.; Rel. Des. Heitor Donizete de Oliveira; DJESP 29/05/2020; p. 3.517)

95/21 – ESTELIONATO. Condenação por uso de documento falso e absolvição por


estelionato. Ministério Público se insurge quanto à absolvição. Colocação de fita em placa
de veículo e evasão de pedágio. Estelionato não caracterizado. Conduta atípica. Obtenção de
vantagem econômica não advinda de fraude (voltada a não identificação do veículo). Conduta
prevista como infração de trânsito ou, eventualmente, como outra figura delitiva diferente do
estelionato. Precedentes. Recurso não provido. (TJSP; ACr 0003032-58.2016.8.26.0129; Ac.
13581921; 9ª C.D.Crim.; Relª Desª Fátima Gomes; DJESP 29/05/2020; p. 3.484)

95/22 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. Réu que cumpre pena definitiva de 11 anos,


5 meses e 25 dias de reclusão, em regime inicial fechado. Pedido de prisão domiciliar indefe-
rido pela vara de execução penal. Réu idoso (69 anos), portador de doença crônica (diabetes),
que se enquadra no grupo de risco, sendo mais suscetível à complicação da doença denomi-
nada Covid-19. Ademais, a situação de superlotação do presídio impede o cumprimento da
recomendação da organização mundial da saúde, de máximo isolamento social daqueles que
se enquadram no grupo de risco, a fim de evitar o colapso no sistema de saúde. Crime extre-
mamente grave, mas que não coloca toda a coletividade em risco, e em caráter excepcional,
durante o período de epidemia, pode ser coibido mediante a prisão domiciliar, isolamento
social e afastamento de qualquer criança ou adolescente. Liminar ratificada. Ordem concedida.
Por maioria. (TJRS; HC 0049318-44.2020.8.21.7000; Proc. 70084109594; 7ª C.Crim.; Relª Desª
Glaucia Dipp Dreher; DJERS 04/05/2020)

95/23 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP). PACIENTE INIM-


PUTÁVEL. Pedido de revogação da manutenção da prisão preventiva. Não acolhido. Existência
dos requisitos e pressupostos da prisão preventiva. Avaliação psiquiátrica que confirma a possi-
bilidade de reiteração delitiva ante a incapacidade de entendimento do paciente. Histórico de
condutas semelhantes pelo paciente. Alegação de risco de contágio pela Covid-19. Não conhe-
cimento. Pedido não formulado junto ao primeiro grau. Supressão de instância. Ademais, não
existe informação sobre contágio no HTCP. Habeas corpus parcialmente conhecido e denegado.
(TJSE; HC 202000309595; Ac. 6815/2020; C.Crim.; Rel. Des. Diógenes Barreto; DJSE 18/05/2020)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 169

95/24 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL E CÁRCERE PRIVADO (ARTS. 217-A E 148


DO CÓDIGO PENAL). DESCONHECIMENTO DA IDADE DA VÍTIMA. ALEGAÇÃO
DESPROVIDA DE SUBSTRATO PROBATÓRIO. ÔNUS DA DEFESA. ERRO DE TIPO
INCABÍVEL. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA CAUSA EXCLUDENTE DE
CULPABILIDADE ALUSIVA A ERRO DE PROIBIÇÃO (ART. 21, CAPUT, DO CP). IM-
POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO QUE LEVAM À CONCLUSÃO DE
QUE O APELANTE TINHA COMPREENSÃO DA NATUREZA DE SUA CONDUTA.
CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE CONSUNÇÃO
ENTRE OS DELITOS DE ESTUPRO E CÁRCERE PRIVADO. CONDUTAS AUTÔ-
NOMAS. IMPOSSIBILIDADE. INACOLHIMENTO DA PRETENSÃO DEFENSIVA. As
provas produzidas revelam que o acusado tinha conhecimento acerca da idade da vítima, pois
foi informado por ela própria e por seu genitor, não prevalecendo a tese de incidência do erro
de tipo. Inadmissível é a alegação de erro de proibição porquanto o apelante tinha condições
de saber que estava praticando uma conduta ilícita, não se fazendo crível que um homem de
24 anos, alfabetizado, desconheça a proibição legal, amplamente debatida, inclusive fora da
seara jurídica, pelos meios de comunicação. Como além de consumar o estupro, o réu privou
a liberdade da vítima, praticou duas condutas com desígnios autônomos, impondo-se a con-
denação por concurso material, devendo-se, pois, afastar o princípio da consunção invocado
pela defesa. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime. (TJSE; ACr 202000309444;
Ac. 7859/2020; C.Crim.; Rel. Des. Gilson Félix dos Santos; DJSE 29/05/2020)

95/25 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL E FOTOGRAFIA DE CENA PORNO-


GRÁFICA ENVOLVENDO CRIANÇA. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA AFASTADA
PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONDENAÇÃO ANTERIOR UTILIZADA PARA
VALORAR NEGATIVAMENTE OS ANTECEDENTES DO RÉU. POSSIBILIDADE.
REPRIMENDA FINAL REDUZIDA. REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA.
INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. A jurisprudência deste Sodalício é assente no sentido de
que o efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal a quo, quando instado a se manifestar
acerca da dosimetria, a examinar as circunstâncias judiciais e a rever a individualização da pena,
seja para manter ou para reduzir a sanção final imposta, mesmo em recurso exclusivo da defesa,
sem que tal medida configure reformatio in pejus, exatamente como ocorreu na espécie. 2. O
Tribunal de origem reconheceu que, embora a condenação anterior apontada pelo Magistrado
singular não tenha aptidão para caracterizar a reincidência, pode, todavia, ser considerada como
maus antecedentes. 3. Refazendo a dosimetria, a Corte estadual reduziu a pena do primeiro
crime de estupro de vulnerável de 14 para 13 anos de reclusão, enquanto a sanção pelo delito
descrito no art. 240, § 2º, inciso III, do ECA, foi diminuída de 6 anos, 2 meses e 20 dias para
5 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-AREsp
1.631.718; Proc. 2019/0366870-8; MG; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 29/05/2020)

95/26 – EXCESSO DE PRAZO. DENÚNCIA NÃO OFERECIDA. ORDEM


CONCEDIDA. 1. A despeito da possível gravidade das condutas, evidenciada pelos objetos
apreendidos, verifica-se que a prisão perdurou por quase 3 (três) meses sem que houvesse a
conclusão do inquérito policial e, via de consequência, oferecimento da denúncia. Apesar da
análise de excesso de prazo não depender de simples soma aritmética, o tempo perpassado
afronta o art. 10 do CPP, especialmente diante da inércia para a conclusão do inquérito. 2. Na
forma do art. 282, § 5º e 316 do CPP, o juízo natural da causa tem a competência para rever a
necessidade de medidas cautelares, a exemplo da prisão preventiva, caso entenda necessário,
em decisão fundamentada, com base em elementos novos que alterem a situação fático-jurídica
pretérita. 3. Ordem concedida. (TJES; HC 0035594-18.2019.8.08.0000; 1ª C.Crim.; Relª Desª
Elisabeth Lordes; DJES 11/05/2020)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
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95/27 – EXECUÇÃO PENAL. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI Nº 13.654/2018.


COMPETÊNCIA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. ART. 66, I, DA LEP. AUSÊNCIA DE REFLE-
XO CONCRETO NA DOSIMETRIA. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA.
SÚMULA Nº 611/STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.
AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido
de que “o emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime
de roubo, poderá ser utilizado para majoração da pena-base, quando as circunstâncias do
caso concreto assim justificarem” (HC 436.314/SC, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma,
j. 16.08.2018, DJe 21.08.2018). 2. No caso, a conclusão a que chegou a Corte estadual não
implicou recrudescimento da pena-base imposta ao ora paciente, razão pela qual não há afronta
ao art. 617 do CPP. 3. Nos termos do art. 66, I, da LEP, compete ao Juiz das Execuções Crimi-
nais aplicar Lei posterior mais benéfica aos casos já julgados que de qualquer modo favoreça o
condenado. Assim, ao realizar ajustes na dosimetria diante da aplicação de uma novatio legis in
mellius, atuou o Magistrado dentro de sua competência legalmente prevista, motivo pelo qual
não há falar em ofensa à coisa julgada. Incide, à espécie, o Verbete Sumular nº 611/STF. (STJ;
AgRg-HC 550.987; Proc. 2019/0368773-0; DF; 6ª T.; Relª Minª Laurita Vaz; DJE 28/05/2020)

95/28 – EXECUÇÃO PENAL. ATAQUE AO INDEFERIMENTO DE PRISÃO


DOMICILIAR COM BASE NA RECOMENDAÇÃO Nº 62 DO CNJ. Paciente que
cumpre pena 2 anos e 4 meses de reclusão, em regime aberto, por furto, e 6 anos, 9 meses e
20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, por tráfico de drogas. Comprovação de que o
paciente faz parte de grupo de risco (art. 1º, parágrafo único, I, da Reclamação nº 62 do CNJ).
Deferimento da prisão domiciliar que se impõe, nos termos do art. 5º, I, a, da Reclamação nº
62 do CNJ. Liminar deferida. Ordem concedida para deferir ao paciente a prisão domiciliar.
(TJSP; HC 2075972-44.2020.8.26.0000; Ac. 13576505; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Newton Neves;
DJESP 29/05/2020; p. 3.557)

95/29 – EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REALIZAÇÃO DE


EXAME PSIQUIÁTRICO E CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTA-
ÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM
CONCEDIDA, DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O art. 112 da
Lei de Execução Penal exige, para a concessão da progressão de regime, o preenchimento dos
requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário). 2.
De acordo com a Súmula nº 439/STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades
do caso, desde que em decisão motivada”. 3. O Tribunal de origem determinou a submissão
do paciente à avaliação psiquiátrica sem a indicação de argumento idôneo, na medida em que
se limitou a tecer considerações a respeito da gravidade dos delitos praticados, asseverando
que o atestado de boa conduta carcerária não seria suficiente, o que consubstancia o alegado
constrangimento ilegal, conforme o entendimento desta Corte. 4. Segundo jurisprudência
pacífica do Superior Tribunal de Justiça, “as instâncias ordinárias condicionaram a progressão
de regime à realização de exame criminológico, todavia, determinada sob fundamentos ini-
dôneos: longa pena a cumprir e gravidade abstrata dos crimes cometidos” (HC 510.620/SP,
Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 25.06.2019, DJe 01.08.2019). 5. Agravo regimental
desprovido. (STJ; AgRg-PET-HC 573.040; Proc. 2020/0086271-7; SP; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro
Dantas; DJE 27/05/2020)

95/30 – EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. Apenado que não exerce atividade laboral
ou de estudo por conta da ausência de oferta estatal. Inexistência de meios, no estabelecimento
prisional, para o desempenho de atividades laborais ou pedagógicas. Pretendido cômputo fic-
tício de potenciais dias de trabalho ou estudo. Inadmissibilidade. Remição que só é devida em
caso de efetivo trabalho ou estudo. Inteligência do art. 126 da LEP. Impossibilidade de afastar a
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 171

conclusão implementada pelas instâncias antecedentes. Análise de fatos e provas incompatível


com esta via processual. Agravo a que se nega provimento. (STF; RHC-AgR 183.079; SC; 1ª
T.; Rel. Min. Alexandre de Moraes; DJE 21/05/2020; p. 107)

95/31 – EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA POR APROVAÇÃO NO


EXAME NACIONAL PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS DE JOVENS E
ADULTOS (ENCCEJA) – ENSINO MÉDIO. RECOMENDAÇÃO CNJ Nº 44/2013. BASE
DE CÁLCULO. ART. 4º DA RESOLUÇÃO Nº 03/2010 DO CONSELHO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Em caso de certificação do
ensino médio pelo ENCCEJA, o Juiz, para fins de remição, deverá considerar 50% de 1.200
(um mil e duzentas) horas, que é a carga horária definida legalmente para o ensino médio,
consoante o disposto no art. 1º, inciso IV, da Recomendação nº 44/2013, do Conselho Nacional
de Justiça, e no art. 4º, inciso III, da Resolução nº 03/2010 do Conselho Nacional de Educação,
ou seja, 600 (seiscentas) horas. 2. É inadequada a utilização da carga horária do ensino médio
extraída da interpretação do art. 24, inciso I, c/c o art. 35, caput, ambos da Lei nº 9.394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) – 2.400 (dois mil e quatrocentas) horas –, porquanto
a referida norma, conforme disposto no inciso I do art. 4º, tem sua vigência apenas para os
estudantes de até 17 (dezessete) anos de idade, de modo que se aplica ao apenado a Resolução
nº 03/2010, do Conselho Nacional de Educação, que institui diretrizes específicas para o Pro-
grama de Educação de Jovens e Adultos, com idade mínima de 18 (dezoito) anos completos.
3. Na hipótese, as instâncias ordinárias consideraram como base de cálculo o parâmetro de
50% da carga horária de 1.200 horas (600 horas), com a divisão do total obtido por 12 (um dia
de pena para cada doze horas), o que corresponde a 50 (cinquenta) dias de remição em caso
de aprovação nas 5 (cinco) áreas de conhecimento, observando-se, na espécie, o disposto no
art. 126, § 5º, da Lei de Execuções Penais. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC
531.046; Proc. 2019/0262805-6; SC; 6ª T.; Relª Minª Laurita Vaz; DJE 28/05/2020)

95/32 – EXTRADIÇÃO. DUPLA PUNIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. Impõe-


se o reconhecimento da inviabilidade da extradição, considerada a anistia bilateral, ampla e
geral, prevista na Lei nº 6.683/79. Extradição. Prescrição. Legislação brasileira. Incidindo a
prescrição segundo a legislação brasileira. Art. 109, inciso I, do Código Penal –, cumpre assentar
a inviabilidade do pedido de entrega do extraditado. (STF; Ext 1.327; DF; 1ª T.; Rel. Min. Marco
Aurélio; DJE 22/05/2020; p. 64)

95/33 – EXTRADIÇÃO. PRISÃO CAUTELAR. FINALIDADE. A finalidade da prisão


preventiva para extradição é assegurar a entrega do estrangeiro ao Estado requerente. EXTRADI-
ÇÃO. ENTREGA. MATRIMÔNIO E FILHOS BRASILEIROS. ÓBICE. AUSÊNCIA. Não
caracterizam obstáculo à entrega o matrimônio do extraditando com brasileira e a existência de
filhos. Verbete nº 421 da Súmula do Supremo. EXTRADIÇÃO. CONTENCIOSIDADE LI-
MITADA. Considerada a contenciosidade limitada do processo de extradição, não cabe analisar
teses da defesa concernentes ao mérito da acusação. EXTRADIÇÃO. CRIME. REGÊNCIA. A
extradição pressupõe a dupla previsão legal. No Estado requerente e no Brasil. EXTRADIÇÃO.
REQUISITOS. Uma vez observados os requisitos legais, cumpre reconhecer a possibilidade
de entrega do extraditando, cabendo ao Chefe do Poder Executivo nacional o ato definidor.
(STF; Ext 1.563; DF; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 29/05/2020; p. 38)

95/34 – FALSIDADE IDEOLÓGICA. APELANTE QUE NÃO APRESENTA AN-


TECEDENTES CRIMINAIS, DADO OBJETIVO CONSTATADO PELO RELATOR.
ENTRADA EM VIGOR DO INSTITUTO DESPENALIZADOR DO ACORDO DE NÃO
PERSECUÇÃO PENAL. Art. 28-A, caput, do CPPB, introduzido pela Lei nº 13.964/2019.
Instituto despenalizador de grande feição penal (com conteúdo majoritariamente penal).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
172

Retroação benéfica da lei penal posterior que não pode ser afastada pelo Poder Judiciário. Art.
5º, XL, da CF. Garantia individual fundamental que constitui cláusula pétrea constitucional.
Precedentes do egrégio STF. Conversão do julgamento em diligência para abertura de vista às
partes para avaliar a possibilidade de concretização do novo instituto despenalizador. (TJSP;
ACr 0002105-13.2015.8.26.0587; Ac. 13557771; 12ª C.D.Crim.; Rel. Des. Heitor Donizete de
Oliveira; DJESP 29/05/2020; p. 3.512)

95/35 – FALTA GRAVE (DELITO). PERDA PARCIAL DA REMIÇÃO AINDA NÃO


DECLARADA. POSSIBILIDADE. Já está sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça que o cometimento de uma falta grave impõe a perda parcial da remição, ainda que
não declarada judicialmente. Exemplo: A perda de até 1/3 dos dias remidos não pode alcançar os
dias trabalhados após o cometimento da falta grave, pena de criar uma espécie de conta-corrente
contra o condenado, desestimulando o trabalho do preso Mas também não pode deixar de
computar todos os dias trabalhados antes do cometimento da falta grave, ainda que não tenham
sido declarados judicialmente, sob pena de subverter os fins da pena, culminando por premiar
a indisciplina carcerária. Agravo desprovido. (TJRS; AgExPen 0053565-68.2020.8.21.7000; Proc.
70084152065; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Sylvio Baptista Neto; DJERS 26/05/2020)

95/36 – FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE


EXPLORAÇÃO SEXUAL E CASA DE PROSTITUIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 155. NÃO
OCORRÊNCIA. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. SÚMULA Nº 284 DO STF.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Quanto ao sistema de valoração das provas,
vigora, no processo penal brasileiro, o princípio do livre convencimento motivado, em que
é dado ao julgador decidir o mérito da pretensão punitiva, para condenar ou absolver, desde
que o faça fundamentadamente. 2. No caso, o Tribunal de origem, ao manter a condenação
dos réus, confrontou elementos obtidos na fase extrajudicial com as demais provas colhidas
judicialmente, submetidas, portanto, ao crivo do contraditório. Não há falar, portanto, em
violação do art. 155 do CPP. 3. Quanto à apontada divergência jurisprudencial em relação ao
conflito aparente de normas, a defesa deixou de indicar, expressamente, qual o dispositivo de
Lei Federal foi objeto de violação, o que impede o conhecimento do recurso em relação a essa
matéria, por incidência do enunciado na Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal, aplicada
por analogia ao recurso especial. 4. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-REsp 1.855.812;
Proc. 2019/0329120-2; MS; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 28/05/2020)

95/37 – FRAUDE EM LICITAÇÃO. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93. DOLO ESPE-


CÍFICO AUSENTE. PREJUÍZO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. ART. 312. PE-
CULATO. AUSÊNCIA DE DOLO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. 1. Para
a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, de acordo com a mais recente
jurisprudência do STJ, é necessária a existência do dolo específico de fraudar o erário ou do
efetivo prejuízo à Administração Pública, não bastando o dolo genérico. 2. Ausente prova
suficiente para caracterizar o dolo exigido na conduta do apelante a ensejar uma condenação.
Não há qualquer indicação nos autos de indícios de desvio ou apropriação de verbas públicas,
de modo a configurar o crime do art. 89 da Lei de Licitações. 3. Em nenhum momento a acu-
sação demonstrou nos autos a apropriação ou o desvio de dinheiro ou qualquer outro bem,
móvel ou particular, em proveito próprio ou alheio, de modo a caracterizar prática do delito
de peculato (art. 312 do CP). 4. O conjunto fático-probatório produzido no curso da instrução
processual não se mostra suficiente para embasar nenhuma condenação. Mantida a sentença
absolutória. 5. Apelação não provida. (TRF 1ª R.; ACR 0024829-83.2014.4.01.3300; BA; 3ª T.;
Rel. Des. Fed. Souza Prudente; DJF1 11/05/2020)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 173

95/38 – FRAUDE NA ADESÃO COMO CARONA EM LICITAÇÃO NA MODA-


LIDADE PREGÃO. ARTS. 85 E 88 DO CPPM. FIXAÇÃO DO FORO MILITAR. REGRA
GERAL. LUGAR DA OCORRÊNCIA DA INFRAÇÃO PENAL. PROVIMENTO. UNA-
NIMIDADE. I – A competência do Juízo para processar e julgar o processo é estabelecida,
de acordo com o art. 85 do CPPM, regra geral, pelo lugar da infração, pela residência ou
domicílio do acusado, ou pela prevenção e, de modo especial, pela sede do lugar do serviço.
II – O art. 88 do CPPM determina que a competência será, de regra, determinada pelo lugar
da infração. III – No caso de licitação na modalidade pregão, cabe ao Juízo vinculado ao órgão
carona processar e julgar eventual fraude ocorrida por meio da adesão, uma vez que o carona é
responsável por obedecer aos requisitos legais para a adesão à ata de registro de preços. Recurso
em sentido estrito provido. Decisão unânime. (STM; RSE 7000100-42.2020.7.00.0000; Rel.
Min. José Coêlho Ferreira; DJSTM 26/05/2020; p. 21)

95/39 – FURTO QUALIFICADO. PENA-BASE. NEGATIVAÇÃO. CONDUTA


SOCIAL. CONDENAÇÕES PRETÉRITAS. UTILIZAÇÃO. ILEGALIDADE. MAUS AN-
TECEDENTES. CARACTERIZAÇÃO. PERÍODO DEPURADOR. PENA-BASE ACIMA
DO MÍNIMO. REINCIDÊNCIA. REGIME FECHADO. ILEGALIDADE. INEXISTÊN-
CIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior se orienta no sentido de que as
condenações transitadas em julgado anteriormente não constituem fundamento idôneo para
estabelecer a vetorial da conduta social como inadequada. Precedentes. 2. A conduta social
compreende o comportamento do agente no relacionamento familiar, no ambiente de trabalho
e na sua relação com outros indivíduos, não se confundindo com antecedentes criminais. 3.
Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-REsp 1.850.872; Proc. 2019/0355748-8; SP; 6ª T.;
Relª Minª Laurita Vaz; DJE 28/05/2020)

95/40 – FURTO QUALIFICADO TENTADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PRE-


VENTIVA. Admissibilidade. Ausência dos requisitos autorizadores da prisão cautelar. Cons-
trangimento ilegal caracterizado. Paciente que responde pela suposta prática de crime que não
envolve violência ou grave ameaça à pessoa. Concessão do benefício de liberdade provisória,
mediante a imposição das medidas cautelares elencadas no art. 319, incisos I e IV, do CPP.
Ordem parcialmente concedida. (TJSP; HC 2067742-13.2020.8.26.0000; Ac. 13575684; 4ª
C.D.Crim.; Rel. Des. Roberto Porto; DJESP 29/05/2020; p. 3.482)

95/41 – HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO. CONCESSÃO DA OR-


DEM DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES À AUTORIDA-
DE IMPETRADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADI-
TÓRIO DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. FACULDADE DO
RELATOR. 1. Nos termos do art. 662 do CPP, é faculdade do relator do habeas corpus solicitar
informações, caso repute-as necessárias ao julgamento da ação constitucional. 2. Estando os
autos suficientemente instruídos, dispensam-se as informações da autoridade impetrada,
cuja requisição não é obrigatória. Precedentes. JULGAMENTO DO MANDAMUS SEM A
PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO MPF. POSSIBILIDADE. MATÉRIA CONSOLIDADA
NA JURISPRUDÊNCIA. NULIDADE INEXISTENTE. A existência de norma que prevê a
abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento do mérito do habeas corpus
não impede que o relator decida liminarmente o processo quando se trata de matéria consolidada
na jurisprudência deste STJ, tal como no caso em apreço. Precedentes. REGIME INICIAL
DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SANÇÃO INFERIOR
A 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CIR-
CUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. MODO DE EXECUÇÃO MAIS GRAVOSO
IMPOSTO COM BASE NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. MOTIVAÇÃO
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
174

INIDÔNEA. ESTABELECIMENTO DO REGIME SEMIABERTO. INTELIGÊNCIA


DO ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, DO CÓDIGO PENAL. 1. O STF, nos Verbetes ns. 718 e 719,
sumulou o entendimento de que a opinião do julgador acerca da gravidade abstrata do delito
não constitui motivação idônea a embasar o encarceramento mais severo do sentenciado. 2. Por
sua vez, este STJ, por meio do Enunciado nº 440 da respectiva Súmula, consignou que, “fixada
a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do
que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”. 3.
Na espécie, estando-se diante de sanção que não ultrapassa 8 (oito) anos de reclusão, e sendo
favoráveis todas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, impõe-se o
estabelecimento do modo semiaberto para o resgate da pena corporal, nos termos do art. 33, §
2º, alínea b, e § 3º, do Código Penal. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC 577.519;
Proc. 2020/0099925-5; RJ; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 29/05/2020)

95/42 – HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO EGYPTO. SUPOSTA INCOMPETÊN-


CIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. CASO QUE OSTENTA
CONTORNOS DISTINTOS DO CC 161.123/SP (TERCEIRA SEÇÃO). DENÚNCIA
OFERTADA, NA QUAL É NARRADA A EFETIVA OFERTA DE CONTRATO COLETIVO
DE INVESTIMENTO ATRELADO À ESPECULAÇÃO NO MERCADO DE CRIPTO-
MOEDA. VALOR MOBILIÁRIO (ART 2º, IX, DA LEI Nº 6.385/76). INCIDÊNCIA DOS
CRIMES PREVISTOS NA LEI Nº 7.492/86. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
(ART. 26 DA LEI Nº 7.492/86), INCLUSIVE PARA PROCESSAR OS DELITOS CONEXOS
(SÚMULA Nº 122/STJ). 1. A Terceira Seção desta Corte decidiu que a operação envolvendo
compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio,
pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem
são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não
caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da
Lei nº 7.492/86, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei nº 6.385/76 (CC 161.123/SP,
DJe 05.12.2018). 2. O incidente referenciado foi instaurado em inquérito (não havia denúncia
formalizada) e a competência da Justiça Estadual foi declarada exclusivamente considerando os
indícios colhidos até a instauração do conflito, bem como o dissenso verificado entre os Juízes
envolvidos, sendo que nenhum deles cogitou que o contrato celebrado entre o investigado e as
vítimas consubstanciaria um contrato de investimento coletivo. 3. O caso dos autos não guarda
similitude com o precedente, pois já há denúncia ofertada, na qual foi descrita e devidamente
delineada a conduta do paciente e dos demais corréus no sentido de oferecer contrato de inves-
timento coletivo, sem prévio registro de emissão na autoridade competente. 4. Se a denúncia
imputa a efetiva oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não
há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86, notadamente porque essa
espécie de contrato consubstancia valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76.
5. Interpretação consentânea com o órgão regulador (CVM), que, em situações análogas, nas
quais há oferta de contrato de investimento (sem registro prévio) vinculado à especulação no
mercado de criptomoedas, tem alertado no sentido da irregularidade, por se tratar de espécie
de contrato de investimento coletivo. 6. Considerando os fatos narrados na denúncia, especial-
mente os crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei nº 7.492/86, é competente
o Juízo Federal para processar a ação penal (art. 26 da Lei nº 7.492/86), inclusive no que se
refere às infrações conexas, por força do entendimento firmado no Enunciado Sumular nº
122/STJ. 7. Ordem denegada. (STJ; HC 530.563; Proc. 2019/0259698-8; RS; 6ª T.; Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior; DJE 12/03/2020)

95/43 – HOMICÍDIO CULPOSO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO


DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO COM FULCRO NO
ART. 121, §§ 3º E 4º, DO CP. INACOLHIDO. NEGLIGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 175

Ausência de previsibilidade. Prova testemunhal a apontar que o réu não descumprira disposi-
tivos da Norma Regulamentar 18. Existência de equipamentos de proteção contra a queda de
materiais no edifício em construção. Dúvida razoável. Absolvição mantida. Recurso conhecido
e desprovido. (TJSE; ACr 202000302990; Ac. 6434/2020; C.Crim.; Rel. Des. Diógenes Barreto;
DJSE 05/05/2020)

95/44 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. MATERIALIDADE COMPROVADA.


INDÍCIOS DE AUTORIA INSUFICIENTES. ACERVO PROBATÓRIO FRÁGIL. IM-
PRONÚNCIA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. Para o juízo de pronúncia, que
é precário e provisório, basta que se extraia dos autos um juízo de certeza da materialidade
e indícios suficientes de autoria, todavia, inexistindo indícios suficientes de autoria ou de
participação, a impronúncia é medida que se impõe, nos termos do art. 414 do CPP. (TJMG;
RSE 3907271-31.2007.8.13.0024; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Júlio César Lorens; DJEMG 28/05/2020)

95/45 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. LIBERDADE


CONCEDIDA. Paciente com prisão temporária decretada em 20 de fevereiro de 2020, mas sem
data de efetivo recolhimento informada nos autos, pela suposta prática do delito de homicídio.
Decreto prisional que não indicou a imprescindibilidade da medida para as investigações. Não
houve qualquer fundamentação a respeito da referida imprescindibilidade da prisão temporária
do paciente para as investigações, nem na representação formulada pela autoridade policial, e
muito menos no decreto prisional. Paciente que chegou a prestar declarações policiais ante-
riormente. Estando ausente fundamentação adequada quanto à medida excepcionalíssima da
prisão temporária, inviável a sua manutenção. Liberdade concedida. Ordem concedida. Liminar
ratificada. (TJRS; HC 0032469-94.2020.8.21.7000; Proc. 70083941104; 3ª C.Crim.; Rel. Des.
Diogenes Vicente Hassan Ribeiro; DJERS 22/05/2020)

95/46 – HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, II, DO CP). Excesso de


prazo da prisão temporária do paciente. Configurado. Prazo de 30 (trinta) dias extrapolado.
Prorrogação que somente ocorreu após 7 (sete) dias do fim do prazo da prisão. Constrangimento
ilegal evidenciado. Prisão ilegal. Relaxamento que se impõe. Precedentes do STJ. Manutenção
da liminar. Ordem concedida. (TJSE; HC 202000307380; Ac. 6584/2020; C.Crim.; Rel. Des.
Diógenes Barreto; DJSE 05/05/2020)

95/47 – HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO. NEGATI-


VA DO RECURSO EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRE-
TA E SUFICIENTE DE FATOS CONTEMPORÂNEOS. EXECUÇÃO AUTOMÁTICA
DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. NÃO POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O STJ não admite a
execução automática da sentença condenatória do Tribunal do Júri e a prisão preventiva, nessa
circunstância, somente poderá ser decretada se houver justificativa em fatos concretos suficientes
e contemporâneos. Precedentes. 2. A custódia do acusado, após sua condenação pelo Tribunal
de Júri, foi fundamentada apenas na possibilidade abstrata de risco à aplicação da Lei Penal
em função da sanção imposta, o que não é suficiente. 3. Agravo regimental não provido. (STJ;
AgRg-HC 565.921; Proc. 2020/0062027-5; PE; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 28/05/2020)

95/48 – JUÍZO DE RETRATAÇÃO PREVISTO NO RITJMG E NO CPC. DETER-


MINAÇÃO DA TERCEIRA VICE-PRESIDÊNCIA. RECURSO PARADIGMA JULGADO
PELO STF. ENTENDIMENTO CONTRÁRIO AO DO DECIDIDO NO ACÓRDÃO
ANTERIOR. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. PENA CARCERÁRIA SUBS-
TITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IRRELEVÂNCIA. EFEITO AUTOMÁ-
TICO DA CONDENAÇÃO. REEXAME DA DECISÃO PELA TURMA JULGADORA.
NECESSIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, EM MENOR EXTENSÃO.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
176

1. Em consonância com o deliberado pelo STF quando do julgamento do RE 601.182, em


sede de repercussão geral, a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal
definitiva é automática e autoaplicável, em qualquer situação, traduzindo-se em consequência
imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado, independente de intermediação
legislativa posterior, fundamentação expressa no corpo do decisum ou ratificação de qualquer
natureza, ou mesmo da natureza do crime e das penas impostas. 2. Recurso reexaminado, em
juízo de retratação (art. 516, II, do RITJMG e art. 1.040, II, do CPC), e provido em parte,
em menor extensão, acatada a nova orientação firmada pelo STF. (TJMG; APCR 5401718-
31.2004.8.13.0024; 4ª C.Crim.; Rel. Des. Eduardo Brum; DJEMG 28/05/2020)

95/49 – JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO TENTADO.


RECURSO MINISTERIAL. CONSELHO DE SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU
O DELITO PARA LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE. CASSAÇÃO. POSSI-
BILIDADE. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.
RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. Impõe-se a cassação do veredicto popular no ponto
em que a decisão estiver inteiramente dissociada do contexto probatório, já que não é dado
ao Júri proferir decisões arbitrárias, a despeito de seu caráter soberano atribuído constitucio-
nalmente. (TJMG; APCR 8752681-84.2002.8.13.0024; 4ª C.Crim.; Rel. Des. Doorgal Borges de
Andrada; DJEMG 28/05/2020)

95/50 – JÚRI. HOMICÍDIO TENTADO QUALIFICADO PELO MOTIVO


TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. CASSAÇÃO DA
DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA. DECISÃO MANIFESTAMENTE CON-
TRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INVIABILIDADE. DECOTE DA QUALIFICADORA
DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. NÃO CABIMENTO. CIR-
CUNSTÂNCIA OBJETIVA QUE SE COMUNICA COM O MANDANTE DO CRIME.
DECISÃO QUE OPTA POR UMA DAS VERSÕES APRESENTADAS NOS AUTOS E SE
MOSTRA EM CONSONÂNCIA COM O CONTEXTO PROBATÓRIO. DOSIMETRIA.
REDUÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL QUE
FOI ANALISADA DE MANEIRA EQUIVOCADA. CONDUTA SOCIAL FAVORÁVEL,
DIANTE DA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS PARA NEGATIVÁ-LA.
DIMINUIÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO DIANTE DA REINCIDÊNCIA. DES-
CABIMENTO. AUMENTO PLENAMENTE JUSTIFICADO. MODIFICAÇÃO DO
PERCENTUAL DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. INVIABILIDADE. CRITÉRIO
QUE LEVA EM CONTA O ITER CRIMINIS PERCORRIDO PELO AGENTE. FRAÇÃO
DE REDUÇÃO DA PENA DE METADE ACERTADA. RAZOABILIDADE. OFENSA
QUE NÃO RESULTOU PERIGO DE VIDA PARA A VÍTIMA. ITER CRIMINIS NÃO
PERCORRIDO EM SUA INTEGRALIDADE. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA.
MÉRITO PREJUDICADO. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO E RECURSO DE-
FENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO E, DE OFÍCIO, EXTINÇÃO DA PRESCRIÇÃO
DA PRETENSÃO PUNITIVA QUANTO AO CRIME DE FURTO DECRETADA. PENA
IN CONCRETO. LAPSO TEMPORAL DECORRIDO ENTRE A DATA DOS FATOS
E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FATOS OCORRIDOS ANTES DA LEI Nº
12.234/2010. A cassação do veredicto popular se justifica somente quando a decisão dos jurados
estiver inteiramente dissociada do contexto probatório constante dos autos, já que não é dado
ao Júri proferir decisões arbitrárias, a despeito de seu caráter soberano atribuído constitucio-
nalmente. O fato de o Júri optar por uma das versões verossímeis dos autos não significa que a
decisão seja contrária ao conjunto probatório. Somente aquela decisão que não encontra apoio
nenhum na prova dos autos é que pode ser anulada. A qualificadora consistente no recurso que
dificultou a defesa da vítima trata-se de circunstância objetiva, referente ao meio de execução do
crime, de tal modo que se comunica ao mandante do crime. Diminui-se a pena-base quando
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 177

algumas das circunstâncias judiciais foram valoradas negativamente de maneira equivocada. O


julgador não é obrigado a aumentar a pena-base, na presença de uma agravante, em patamar
inferior a 1/6 (um sexto), eis que o legislador não estipulou nenhum parâmetro para tal, como
o fez em outras ocasiões, devendo tal aumento ficar a cargo do Magistrado, que detém o livre
convencimento motivado, desde que sempre fundamente suas decisões. A redução da pena,
na tentativa, decorre do iter criminis percorrido pelo agente. Quanto mais o agente se aproxima
da consumação, menor deve ser a redução; quanto menos se aproxima da consumação, maior
deve ser a redução. Pela extensão do iter criminis percorrido, incabível a redução máxima da pena
pela tentativa se o agente aproximou-se do resultado. No delito de homicídio tentado, mostra-
se arrazoada a redução da pena de metade, pela incidência da causa de diminuição prevista no
art. 14, II, do CP, se a ofensa não resultou perigo de vida, não se podendo afirmar, nesse caso,
que o acusado tenha percorrido todo o iter criminis. Mérito prejudicado em relação ao pleito
de concessão da justiça gratuita, uma vez que o Juiz a quo assim já procedeu na r. sentença,
suspendendo o pagamento das custas. É caso de extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva estatal quanto ao crime de furto, se transcorrido, entre a data dos fatos e do
recebimento da denúncia, lapso temporal superior aos previstos no art. 109 do CP, devendo
ser observado que o evento delitivo ocorreu antes da Lei nº 12.234/2010 que alterou a redação
do § 1º do art. 110 do CP. (TJMG; APCR 4645771-28.2007.8.13.0024; 4ª C.Crim.; Rel. Des.
Doorgal Borges de Andrada; DJEMG 28/05/2020)

95/51 – JÚRI. PRONÚNCIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU DESPRONÚNCIA


POR NEGATIVA DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE. INDÍCIOS FORTES CARREA-
DOS AOS AUTOS. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE.
A pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, pautado pelo brocardo in dubio
pro societate, bastando, assim, que haja prova da materialidade do delito e indícios suficientes
de autoria, descabendo falar em despronúncia, muito menos em absolvição, quando presentes
tais elementos de convicção. (TJMG; RSE 1796817-42.2012.8.13.0024; 4ª C.Crim.; Rel. Des.
Júlio Cezar Guttierrez; DJEMG 28/05/2020)

95/52 – JÚRI. UTILIZAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS PRETÉRITAS. ARGU-


MENTO DE AUTORIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ES-
PECIAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior de Justiça, ao interpretar a determinação do
art. 478, inciso I, do Código de Processo Penal, compreende que a legislação processual veda a
utilização de decisões judiciais, como argumento de autoridade, na tentativa de constranger os
jurados a aderirem a entendimentos expressados sobre os fatos pela Justiça togada. 2. A acusação
indagou, diante do Conselho de Sentença: “vocês acham que um juiz concursado, entendedor
de Leis, iria deixar o acusado preso, há mais de um ano, se esse homicídio fosse privilegiado?”.
Além disso, ao ser questionada pela defesa acerca da indagação, replicou: “estou usando como
argumento de autoridade sim, porque eu posso fazer isso”. 3. A conduta da acusação violou
a proibição de utilização do argumento de autoridade no plenário do Tribunal do Júri, seja
porque falsamente induziu os jurados a acreditar que eventual conclusão do juiz togado sobre
os fatos deveria ser por eles acatada, seja porque maliciosamente instigou os jurados a pensar
que a decisão de prisão preventiva teria analisado aprofundadamente as circunstâncias fáticas do
crime, quando se sabe que este provimento jurisdicional possui cognição sobre fatos bastante
limitada. 4. Recurso Especial desprovido. (STJ; REsp 1.828.666; Proc. 2019/0221320-5; SC; 6ª
T.; Relª Minª Laurita Vaz; DJE 28/05/2020)

95/53 – LAVAGEM DE CAPITAIS PRATICADA COM HABITUALIDADE E POR


INTERMÉDIO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CAUSA ESPECIAL DE AUMEN-
TO DE PENA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA, ILEGALIDADE FLAGRANTE OU
ABUSO DE PODER. 1. A dosimetria da pena é questão relativa ao mérito da ação penal,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
178

estando necessariamente vinculada ao conjunto fático e probatório da causa. Assim, a discussão


a respeito da dosimetria da pena cinge-se ao controle da legalidade dos critérios utilizados,
“restringindo-se, portanto, ao exame da motivação [formalmente idônea] de mérito e à con-
gruência lógico-jurídica entre os motivos declarados e a conclusão” (HC 69.419, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence). 2. Em se tratando de crime cometido de forma habitual, incide a causa
especial de aumento de pena, descrita no § 4º do art. 1º da Lei nº 9.613/98, na redação anterior
à Lei nº 12.683/2012. Hipótese em que as instâncias de origem aplicaram a referida causa es-
pecial de aumento de pena, tendo em vista que o delito era cometido de forma habitual e por
intermédio de organização criminosa. Ausência de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso
de poder na dosimetria da pena. 3. Agravo regimental desprovido. (STF; HC-AgR 174.794;
SP; 1ª T.; Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 25/05/2020; p. 71)

95/54 – LIVRAMENTO CONDICIONAL. REINCIDÊNCIA. FRAÇÃO DE 1/2 A


INCIDIR SOBRE A TOTALIDADE DE PENAS UNIFICADAS. RECURSO PROVIDO. 1.
A reincidência possui caráter subjetivo, de modo que se vincula ao próprio condenado, sendo
certo que o percentual de 1/2 deve ser aplicado sobre a totalidade de penas unificadas para fins
de concessão de livramento condicional. Precedentes. 2. Recurso provido. (TJES; AG-ExPen
0007869-10.2019.8.08.0047; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Willian Silva; DJES 18/05/2020)

95/55 – MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO JUDICIAL. ENTREVISTA


DE ADVOGADO EM PRESÍDIO. DIAS, HORAS, TEMPO DE DURAÇÃO. RESTRI-
ÇÃO. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1. Qualquer ato administrativo que impede
ou retarda a entrevista entre o advogado e seu cliente preso, por questões burocráticas, como
prévio agendamento, limitação de horário e duração, macula o direito do advogado e do preso.
2. Deve o advogado ser livre para encontrar o seu cliente em qualquer dia da semana e horário,
não podendo a administração impor empecilhos de dias e horários, ou ainda no tempo de
duração de sua visita. Inteligência da Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos III e IV, alínea b; Lei nº
7.210/84, art. 41, inciso IX; Convenção dos Direitos Humanos, art. 8º, 1, alínea d. 4. Não pode
o Judiciário impor restrição aos direitos do advogado pela simples deficiência do Poder Público
em prestar o seu serviço; não se pode violentar direitos alheios em razão da má Administração
Pública – o princípio da eficiência não se presta neste viés. 5. A restrição de dias e horário, o
prévio agendamento, o tempo de duração da entrevista e eventual autorização de terceiro para
entrevista estabelecem restrições não previstas em Lei para a reunião entre o advogado e seu
cliente, resultando em ilegalidade da decisão impugnada. 6. Segurança parcialmente concedida.
(TJES; MS 0039169-34.2019.8.08.0000; 1ª C.Crim.; Relª Desª Elisabeth Lordes; DJES 18/05/2020)

95/56 – MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA


INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CABIMENTO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA
PREVISTA NO ART. 289, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. MATERIA-
LIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. CONDE-
NAÇÃO MANTIDA. 1. O delito de moeda falsa tem como principal bem jurídico tutelado
a fé pública, bem intangível que consiste na confiança que a sociedade deposita em relação à
moeda e à sua circulação, sendo inaplicável, portanto, o princípio da insignificância. 2. O ponto
diferenciador entre as figuras típicas previstas nos §§ 1º e 2º do art. 289 do Código Penal é o
elemento subjetivo presente na conduta do agente no momento em que passa a ter a posse da
moeda falsa. Se o agente recebe a cédula contrafeita de boa-fé, ou seja, desconhecendo a falsida-
de, tomando conhecimento desta apenas em momento posterior, vindo então a reintroduzi-la
em circulação, pratica o delito capitulado no art. 289, § 2º. De outro lado, se o agente tem
ciência da falsidade já no instante em que obtém a cédula e a introduz em circulação, guarda,
importa, exporta, adquire, vende, troca, cede ou empresta, incide nas penas do art. 289, § 1º.
Desclassificação para o § 2º do art. 289 do Código Penal afastada na hipótese. 3. Comprovadas
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 179

a autoria e a materialidade, e sendo o fato típico, antijurídico e culpável, considerando a ine-


xistência de causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade, deve ser mantida a condenação
do réu pela prática da conduta prevista no art. 289, § 1º, do Código Penal. 4. A dosimetria da
pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos
esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena (HC 107.409/
PE, 1ª Turma do STF, Relª Minª Rosa Weber, un., j. 10.04.2012, DJe-091, 09.05.2012), devendo
o ser tomado em conta os princípios da necessidade e eficiência, decompostos nos diferentes
elementos previstos no art. 59 do Código Penal, principalmente na censurabilidade da conduta.
Mantida a sentença. 5. Improvido o apelo. (TRF 4ª R.; ACR 5019094-92.2018.4.04.7201; SC;
8ª T.; Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz; Publ. 28/05/2020)

95/57 – OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO DE FORMA FRAU-


DULENTA. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. MATERIALIDADE, AU-
TORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA DE MULTA
REDIMENSIONADA. 1. Extinção da punibilidade pela prescrição reconhecida na origem.
Prejudicados os recursos interpostos por alguns dos acusados. 2. Prejudicado em parte, apenas
em relação à prática dos delitos previstos nos arts. 288 e 334, § 1º, c, ambos do Código Penal, o
recurso interposto pelo apelante remanescente no feito. Discussão restrita à prática do crime
previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86. 3. Preliminares afastadas. Não foi superado o período
de 8 (oito) anos (CP, art. 109, IV) entre os marcos interruptivos da prescrição, permanecendo
hígida a pretensão punitiva estatal. 4. A realização de perícia nas vozes é prescindível, mormen-
te quando os elementos dos autos forem suficientes para a identificação dos interlocutores.
Não há na Lei nº 9.296/96 a obrigatoriedade de transcrição e de gravação de todos os diálogos
interceptados. 5. Diante da licitude das provas, afastada a tese de ausência de justa causa, sob
o argumento de que a acusação baseou-se em provas ilícitas e inconsistentes, que deveriam
ser desentranhadas do processo. 6. A denúncia narrou adequadamente os fatos relativos ao
crime imputado ao réu, descrevendo satisfatoriamente a sua atuação, o conteúdo e a extensão
da acusação, possibilitando-lhe o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. 7. Ma-
terialidade, autoria e dolo incontestes. As provas não deixam dúvida de que o apelante obteve
um financiamento junto ao Banco Sudameris, apresentando como garantia um crédito inexis-
tente, fruto de uma venda simulada. 8. Pena privativa de liberdade mantida. É entendimento
predominante desta Turma que a pena de multa deve ser fixada segundo o mesmo critério
trifásico de fixação da pena corporal. Pena de multa redimensionada 9. Recursos prejudicados
e prejudicado em parte. Preliminares rejeitadas. Apelação improvida. De ofício, redução da
pena de multa. (TRF 3ª R.; ACR 0009038-83.2005.4.03.6000; MS; 1ª T.; Rel. Des. Fed. Nino
Toldo; DEJF 28/05/2020)

95/58 – OPERAÇÃO PLANUM. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS. SEQUESTRO


DE ATIVOS EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS EM NOME DA RECORRENTE.
DEPÓSITOS EFETUADOS POR EMPRESAS DE FACHADA UTILIZADAS POR
ORGANIZAÇÃO VOLTADA PARA A PRÁTICA DE TRÁFICO INTERNACIONAL
DE DROGAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. AUSÊNCIA DOS DEVIDOS ESCLARE-
CIMENTOS CONCERNENTES AOS DEPÓSITOS REALIZADOS. 1. O sequestro, no
direito processual penal, é medida cautelar de natureza patrimonial, que tem por escopo, na
essência, evitar que os infratores tenham enriquecimento sem causa decorrente da prática de
crimes. O sequestro diz respeito ao patrimônio adquirido com recursos ilícitos pelo autor do
crime. A função da referida medida assecuratória é impedir a fruição do provento do crime e
é meio para assegurar, ao final da persecução, a reparação dos danos causados. 2. Os arts. 60,
62 e 63 da Lei nº 11.343/06, preveem a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas
aos bens móveis e imóveis ou valores empregados no cometimento do delito, ou consistentes
em produtos dos crimes, ou que constituam proveito auferido com sua prática, bem assim a
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
180

imposição da pena de perdimento. O art. 4º da Lei nº 9.613/98 autoriza a constrição de bens,


direitos ou valores do investigado e também de interpostas pessoas, quando estejam em seu
poder e figurem como instrumento, produto ou proveito dos crimes de lavagem de dinheiro
ou das infrações penais antecedentes. 3. No caso concreto, embora plausível as alegações da
embargante, reforçada pelos documentos juntados, é insipiente, neste momento, a liberação dos
valores, pois há investigação em curso cuja investigada é a ora embargante., bem como persis-
tem as fundadas dúvidas a respeito da origem ilícita dos depósitos efetuados pelas empresas de
fachada, em nome da apelante Transportadora Amizade Ltda., sendo que foi instaurado o IPL
5070148-75.2019.4.04.7100 para apurar a origem das movimentações financeiras, totalizando
R$ 858.237,97, efetivadas pela ora embargante com a organização criminosa desarticulada pela
Operação Planum, por haver indícios da prática, em tese, os delitos de lavagem de dinheiro
(art. 1º da Lei nº 9.613/98) e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 22 da Lei nº
7.492/86). 4. Não obstante as alegações de boa-fé da embargante/apelante, a sentença que
manteve a ordem de sequestro dos valores por ela recebidos foi devidamente fundamentada e
aplicada nos exatos termos do CPP e das Leis ns. 11.343/06 e 9.613/98. 5. Desprovimento do
apelo defensivo. (TRF 4ª R.; ACR 5078854-81.2018.4.04.7100; RS; 8ª T.; Rel. Des. Fed. Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz; Publ. 28/05/2020)

95/59 – PENA DE MULTA. NATUREZA DE SANÇÃO. COMPETÊNCIA DA


VARA DE EXECUÇÕES PENAIS. PRESCRIÇÃO. PRAZO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE. 1. Embora considerada como dívida de valor para o fim de sua execução, o fato é
que a multa imposta em decorrência de condenação criminal não perdeu o seu caráter de pena,
de modo que pode o Juízo da execução ponderar acerca da requerida prescrição, mormente
porque, em se tratando de matéria de ordem pública, a questão pode ser enfrentada a qualquer
momento processual. 2. A extinção da punibilidade pela prescrição da multa deve ser regida
pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade. Precedentes. 3. Recurso conhecido e provido.
Prescrição da pena de multa reconhecida. (TJES; AG-ExPen 0028983-74.2019.8.08.0024; 1ª
C.Crim.; Relª Desª Elisabeth Lordes; DJES 18/05/2020)

95/60 – PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL. LEI Nº 8.069/90. ARTS. 241-A E


241-B. PROGRAMA DE COMPARTILHAMENTO DE DADOS. USO. MATERIALIDADE
INCONTROVERSA. AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. CONDENAÇÃO MAN-
TIDA. DOSIMETRIA. ALTERAÇÕES. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE
DELITIVA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE
PROVIDO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO. 1. Réu flagrado em posse de acervo de
fotografias e vídeos de pornografia infantojuvenil, acervo este armazenado digitalmente. Teria,
ainda, disponibilizado arquivos do mesmo teor. 2. Crimes previstos nos arts. 241-A e 241-B da
Lei nº 8.069/90. Materialidade incontroversa. 3. Autoria e elemento subjetivo. Comprovação.
Circunstâncias concretas, provas documentais e teor do próprio interrogatório no que tange ao
armazenamento e disponibilização. 3.1 Réu que era usuário da rede mundial de computadores
e dos programas de compartilhamento de arquivos “GigaTribe” e “Shareaza”. Nesse contexto,
tinha ciência do próprio mecanismo básico de funcionamento desse programa, que consiste no
compartilhamento automático de arquivos requisitados para download por outros usuários. O
próprio fato de ter acervo com diversos vídeos armazenados e obtidos pela internet confirma a
constância do uso e, portanto, torna inverossímil o desconhecimento quanto à própria natureza
da ferramenta que voluntariamente escolheu para atuar, de maneira que houve consciência
também quanto à disponibilização dos conteúdos ilícitos a terceiros. 3.2. Réu denunciado pela
conduta de disponibilizar arquivos de foto e vídeo contendo pornografia infantil, não havendo
qualquer exigência que o conteúdo seja efetivamente acessado por terceiros, eis que se trata de
crime formal. Destarte, basta que a disponibilização ou a publicação do material com conteúdo
pedófilo seja feita em sites ou programas de compartilhamento de arquivos que possam ser
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 181

acessados por terceiros, de qualquer lugar, desde que esteja conectado à internet, como é o caso
dos autos. 4. Dosimetria. 4.1. Pena-base redimensionada e mantida acima do mínimo legal. 4.2.
Aplicação da regra da continuidade delitiva apenas quanto ao delito previsto no art. 241-A da
Lei nº 8.069/90 (Código Penal, art. 71). 5. Condenação mantida. Recurso do Ministério Público
Federal provido em parte. Dosimetria da pena alterada. Recurso defensivo desprovido. (TRF 3ª
R.; ACR 0010772-30.2014.4.03.6105; SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed. José Lunardelli; DEJF 08/05/2020)

95/61 – PRESCRIÇÃO. MARCO INTERRUPTIVO. PUBLICAÇÃO DA SEN-


TENÇA EM CARTÓRIO. ORDEM DENEGADA. I – “A prescrição se interrompe na data
da publicação da sentença em cartório, ou seja, de sua entrega ao escrivão, e não da intimação
das partes ou publicação no órgão oficial”. Precedentes jurisprudenciais. II – Ordem denegada.
(TRF 1ª R.; HC 1036314-93.2019.4.01.0000; PA; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro; DJF1
27/04/2020)

95/62 – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. MARCO INICIAL.


TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. ART. 112, I, DO CÓDIGO PENAL.
INTERPRETAÇÃO LITERAL. 1. A jurisprudência desta Corte é firmada no sentido de adotar
a interpretação literal do art. 112, I, do Código Penal – de que o termo inicial da contagem do
prazo prescricional da pretensão executória é a data do trânsito em julgado da sentença con-
denatória para a acusação – por ser mais benéfica ao réu. Precedentes. 2. Agravo regimental
desprovido. (STJ; AgRg-REsp 1.870.689; Proc. 2020/0086798-2; SP; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi;
DJE 29/05/2020)

95/63 – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ACÓRDÃO CONFIRMA-


TÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRI-
CIONAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INÉRCIA DO ESTADO. RESPEITO AO
DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão
punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código
Penal que deve ser interpretado de forma sistemática todas as causas interruptivas da prescrição
demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte. 2. Não obstante a posição de parte
da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão
condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos
díspares. 3. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação
da condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há
necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal. 4.
Agravo regimental provido. (STF; ARE-AgR 1.255.627; DF; 1ª T.; Red. p/o Ac. Min. Alexandre
de Moraes; DJE 25/05/2020; p. 76)

95/64 – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. TRÂNSITO EM JULGADO.


RECURSO EXTRAORDINÁRIO INADMITIDO. 1. Denomina-se prescrição intercorrente
a prescrição da pretensão punitiva, com base na pena aplicada, que ocorre entre a sentença
condenatória e acórdão condenatório ou entre esse e o trânsito em julgado do processo penal,
nas situações em que há trânsito em julgado para a acusação ou desprovimento de seu recur-
so. 2. Segundo entendimento pacífico do STF, o recurso capaz de impedir a coisa julgada é o
recurso admissível (STF, HC 86.125, Relª Minª Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 16.08.05).
3. Interposto recurso extraordinário pela defesa e sendo ele inadmitido, o trânsito em julgado
retroage à última decisão resultante do julgamento de recurso conhecido, ou seja, de recurso
que foi admitido e teve seu mérito analisado. 4. Agravo de execução improvido. (TRF 4ª R.;
AG-ExPen 5005217-38.2020.4.04.7000; PR; 8ª T.; Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto; Publ.
27/05/2020)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
182

95/65 – PRISÃO PREVENTIVA. Paciente acusado da prática do delito tipificado no


art. 171, § 4º, do Código Penal. Pedido de liberdade provisória. Cabimento. Pandemia do
Coronavírus. Covid-19. Emergência de saúde pública decretada pela Organização Mundial da
Saúde – OMS. Paciente com problema pulmonar crônico e faixa etária que se enquadra dentre
a população de maior risco. Aplicação do art. 4º, inciso III, da Recomendação nº 62/2020 do
CNJ. Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. Primazia da dignidade humana
e da saúde individual e coletiva. Ordem concedida. (TJSP; HC 2068731-19.2020.8.26.0000;
Ac. 13580775; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Camargo Aranha Filho; DJESP 29/05/2020; p. 3.556)

95/66 – PROCURAÇÃO COM ENDEREÇO FALSO PARA MODIFICAÇÃO DE


COMPETÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE, AUTO-
RIA E DOLO DEMONSTRADOS. O art. 115 do CP é expresso ao determinar que o prazo
prescricional será reduzido de metade se o réu for na data da sentença maior de 70 anos, situ-
ação que não se verifica, in casu. A ausência de perícia documental não acarretou nulidade por
violação ao art. 158 do CPP, porquanto a falsidade ideológica foi comprovada por outros meios
hábeis. A prova testemunhal é clara no sentido de que a autora da ação previdenciária nunca
residiu em Nazaré Paulista/SP. Há comprovação cabal no sentido de que data do ajuizamento
da ação, a parte autora residia em Guarulhos/SP e não em Nazaré Paulista. A utilização de
procuração contendo dado inverídico sobre fato juridicamente relevante, como na hipótese
dos autos, em que a indicação de endereço falso se deu com a finalidade de burlar as regras
de competência judicial. é conduta que se amolda ao tipo penal do art. 304 c/c o art. 299 do
CP. O dolo específico, consistente na finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente
relevante está evidenciado. A autora da demanda previdenciária era pessoa simples e de pouca
instrução, o que permite concluir que desconhecia as regras processuais de competência, assim
como não detinha conhecimento acerca dos procedimentos adotados em Varas judiciais distin-
tas. Mantida a exasperação da pena-base, porquanto devidamente fundamentada e calcada em
elementos concretos extraídos dos autos. A quantidade de dias multa deve observar o mesmo
critério trifásico de cálculo da pena corporal e, por conseguinte, deve ser proporcional à mesma.
Redução, de ofício. Apelações não providas. (TRF 3ª R.; ACR 0000732-27.2017.4.03.6123; SP;
1ª T.; Rel. Des. Fed. José Lunardelli; DEJF 28/05/2020)

95/67 – REABILITAÇÃO CRIMINAL. É cabível a reabilitação criminal do agente que


cumpre os requisitos elencados no art. 94 do CP. (TRF 4ª R.; RN 5025901-12.2019.4.04.7002;
PR; 8ª T.; Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen; Publ. 28/05/2020)

95/68 – RECEPTAÇÃO. PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PE-


NAL. ART. 28-A DA LEI ADJETIVA PENAL. RECUSA DA JUSTIÇA PÚBLICA EM FOR-
MULAR ACORDO. NÃO PREENCHIMENTOS DOS QUESITOS LEGAIS. PACIENTE
QUE NÃO CONFESSOU FORMALMENTE A PRÁTICA DO DELITO E REGISTRA
CONDENAÇÕES ANTERIORES. A proposta de acordo não é direito subjetivo do acusado,
mas sim um poder-dever do Ministério Público, que é o titular da ação penal e, portanto a quem
cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que
o faça de forma fundamentada. Ordem denegada. (TJSP; HC 2068820-42.2020.8.26.0000; Ac.
13588004; 9ª C.D.Crim.; Rel. Des. Silmar Fernandes; DJESP 29/05/2020; p. 3.490)

95/69 – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SUPOSTOS DANOS AMBIEN-


TAIS A ÁREA DE MANGUE INSERIDA NO BIOMA MATA ATLÂNTICA. ZONA
COSTEIRA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. I – Imóvel situado em área
fortemente antropizada. Não restando configurada, no caso, ocorrência de lesão a bens, ser-
viços ou interesses da União, a competência para o deslinde da questão é da Justiça Estadual,
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 183

não sendo de se confundirem, patrimônio nacional com bens da União. II – Laudo pericial
atestando não estar a área referida nos autos localizada em unidade de conservação estadual ou
federal. Não configurada hipóteses do art. 109, IV, da Constituição Federal. III – Recurso em
sentido estrito improvido. (TRF 2ª R.; RSE 0500283-05.2016.4.02.5111; 1ª T.Esp.; Rel. Des.
Fed. Antonio Ivan Athié; DEJF 21/05/2020)

95/70 – REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À ESCRAVIDÃO. RECRUTA-


MENTO MEDIANTE FRAUDE. CÓDIGO PENAL. ARTS. 149 E 207. INOCORRÊN-
CIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Recurso
de apelação interposto pelo Ministério Público Federal contra sentença em que foi o acusado
absolvido da imputação de prática do delito tipificado no art. 149, caput e § 1º, I e II, do Código
Penal (recapitulada em alegações finais para o art. 207, § 1º, do Código Penal). 2. Reconheci-
mento, pelo Parquet, de inocorrência de conduta amoldável ao art. 149 do Código Penal. Análise
restrita à configuração do crime do art. 207, § 1º, do Código Penal. 3. Não se comprovou que a
suposta vítima tenha sido recrutada para o trabalho fora da localidade de execução dos serviços
(elementar do crime do art. 207, § 1º, do Código Penal). 4. Ainda que assim não fosse, não
há elementos sólidos no sentido de ter havido recrutamento mediante fraude. 5. No caso dos
autos, o empregado não apenas passou a trabalhar normalmente na fazenda, como, posterior-
mente, trouxe (voluntariamente) a esposa e a filha para que ali residissem. Isso, somado ao
fato de que estava em plena condição de liberdade, traz elementos firmes no sentido de que
não houve fraude, mas, se tanto, desentendimento inicial quanto aos termos exatos do vínculo
empregatício ligado a tarefas na propriedade do acusado. 6. Não demonstrada a ocorrência de
infração penal, de rigor a manutenção da absolvição. 7. Recurso desprovido. (TRF 3ª R.; ACR
0006523-08.2015.4.03.6103; SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed. José Lunardelli; DEJF 28/05/2020)

95/71 – REVISÃO CRIMINAL. ACÓRDÃO. HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE


DA AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL. ART. 621 DO CPP. LESÃO CORPORAL SEGUIDA
DE MORTE. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. ATENUAN-
TE DE VIOLENTA EMOÇÃO. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO RELATIVA
AO CRIME COMETIDO CONTRA PESSOA MAIOR DE 60 ANOS. REVISÃO IMPRO-
CEDENTE. 1. Após a entrada em vigor da Lei nº 11.689/08, é apenas obrigatória a quesitação
relativa à absolvição do réu pelos jurados. Assim, a ausência de quesitação específica no tocante
ao excesso culposo na legítima defesa não é causa de nulidade. 2. Não há que se falar em fixação
da pena-base no mínimo legal quando presente circunstâncias judiciais fundamentadamente
desfavoráveis ao réu. 3. O delito em análise não se desenvolveu por descontrole emocional
oriundo da conduta momentânea da vítima, uma vez que restou provado que o revisionando
convivia com a vítima desde seus 13 anos de idade e estes nunca tiveram bom relacionamento.
4. Conforme art. 129, § 7º, do CP, deve-se aplicar o aumento de pena previsto no art. 121, § 4º,
do mesmo diploma normativo quando a lesão corporal tem como vítima pessoa maior de 60
anos. 5. Revisão improcedente. Unânime. (TJES; RevCr 0015498-79.2019.8.08.0000; C.Cív.
Reun.; Rel. Des. Willian Silva; DJES 20/05/2020)

95/72 – REVISÃO CRIMINAL. ART. 623 DO CPP. REQUERIDA PELO CÔNJU-


GE. RÉU FALECIDO CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DO ART. 1º, I, DA
LEI Nº 8.137/90. ART. 621, I, DO CPP. CABIMENTO. REDUÇÃO DA PENA DO RÉU
ABAIXO DE 4 ANOS. MANUTENÇÃO DA PERDA DE CARGO PÚBLICO. VIOLAÇÃO
AO DISPOSTO NO ART. 92, I, B, DO CP. REVISÃO CRIMINAL JULGADA PARCIAL-
MENTE PROCEDENTE. 1. Legitimidade ativa para o pedido revisional. De acordo com
o que dispõe o art. 623 do CPP, a revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou, no caso de
morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. 2. O fato de a pena privativa
de liberdade ser substituída por restritivas de direito não impede a decretação da perda do cargo
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
184

ou da função pública, desde que apresentada a devida fundamentação. Precedente do STJ. 3. O


fundamento expressamente adotado na sentença de primeiro grau para amparar a decretação
da perda do cargo foi a alínea b do inciso I do art. 92 do CP, ou seja, o efeito da condenação em
questão decorreu do montante de pena aplicado em sentença superior a 4 anos de reclusão. O
colegiado, ao reduzir a pena abaixo de 4 (quatro) anos, e manter a sentença pelos seus próprios
fundamentos violou o disposto no art. 92, I, b, do CP. 4. Não há como dizer, a posteriori, que
os argumentos externados pelo juízo de primeiro grau também se enquadrariam no art. 92, I,
a, do CP e, por consequência, a perda do cargo estaria justificada também nessa hipótese, uma
vez que o ponto sequer foi objeto de deliberação pelo órgão colegiado. 5. Pedido de revisão
criminal parcialmente procedente. (TRF 2ª R.; RVCR 0010698-77.2017.4.02.0000; RJ; 1ª S.Esp.;
Relª Desª Fed. Simone Schreiber; DEJF 28/05/2020)

95/73 – REVISÃO CRIMINAL. ROUBO. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA


REINCIDÊNCIA. REVISÃO PROCEDENTE. 1. Assiste razão ao requerente, pois segunda
condenação diz respeito a ação que transitou em julgado posteriormente aos fatos ocorridos na
presente ação penal, razão pela qual não poderia ter sido considerado reincidente, nos termos
do que dispõe o art. 63 do CP. Pena mantida, porém alterado o regime inicial de cumprimento
de pena. 2. Revisão criminal julgada procedente. (TJES; RevCr 0029500-54.2019.8.08.0000;
C.Cív.Reun.; Rel. Des. Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça; DJES 20/05/2020)

95/74 – ROUBO. DOSIMETRIA. TERCEIRA FASE. EXASPERAÇÃO SUPERIOR


A 1/3. VIOLAÇÃO DA SÚMULA Nº 443/STJ. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. MAJORANTES DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS INERENTES AO DELITO.
1. É consabido que o Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que o recru-
descimento da pena, na terceira fase da dosimetria, alusiva ao delito de roubo circunstanciado,
em fração mais elevada que 1/3, demanda fundamentação concreta, não se afigurando idônea a
simples menção ao número de majorantes, a teor da Súmula nº 443/STJ. 2. Agravo regimental
improvido. (STJ; AgInt-HC 552.669; Proc. 2019/0377736-0; SP; 6ª T.; Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior; DJE 28/05/2020)

95/75 – SIGILO PROFISSIONAL E DEPOIMENTO DE ADVOGADO. Reclamação


improcedente: Inexistência de descumprimento de decisão do Supremo Tribunal Federal.
Mudança fática que caracteriza ilegalidade manifesta a determinar a concessão de habeas corpus
de ofício: Não liberação do dever de sigilo. Critérios de admissibilidade da prova no processo
penal. Sigilo profissional como premissa fundamental para exercício efetivo do direito de de-
fesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente. Dever de sigilo sobre fatos
conhecidos no exercício da atuação como advogado. Proibição de testemunho e inadmissi-
bilidade da prova. Precedentes: “Pode e deve o advogado recusar-se a comparecer e a depor
como testemunha, em investigação relacionada com a alegada falsidade de documentos” (RHC
56.563, Rel. Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, j. 20.10.78, DJ 28.12.78); “A proibição
de depor diz respeito ao conteúdo da confidência de que o advogado teve conhecimento para
exercer o múnus para o qual foi contratado” (AP 470 QO-QO, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
Tribunal Pleno, DJe 30.04.09). 8. Liberação do sigilo somente por manifestação expressa do
cliente e nos termos das regras deontológicas da atividade (art. 25 do Código de Ética da OAB).
Possibilidade de autodefesa somente em eventual investigação a ele direcionada, o que não é
o caso destes autos. 9. Improcedência da reclamação. Habeas corpus concedido de ofício para
reconhecer a inadmissibilidade do testemunho de advogado não liberado do dever de sigilo
profissional. Declaração de ilicitude probatória. (STF; Rcl 37.235; RR; 2ª T.; Rel. Min. Gilmar
Mendes; DJE 27/05/2020; p. 69)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 185

95/76 – SONEGAÇÃO FISCAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. PRO-


CEDIMENTO FISCAL. PROVA LEGAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVA-
DAS. DOSIMETRIA ADEQUADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Ocorre a preclusão do
direito de se alegar a inépcia da petição inicial com a superveniência da sentença penal. 2. No
procedimento administrativo fiscal, foi oportunizada ao réu a produção de contraprova, mas
ele quedou-se inerte, o que ensejou o lançamento definitivo do crédito tributário. 3. O tipo
penal previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 prescinde de dolo específico, sendo suficiente a
presença do dolo genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal,
do valor devido aos cofres públicos. 4. Apelação da ré desprovida. (TRF 1ª R.; ACR 0005235-
73.2006.4.01.3200; AM; 3ª T.; Rel. Des. Fed. Ney Bello; DJF1 11/05/2020)

95/77 – TENTATIVA DE ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA


BRANCA. Necessidade da prisão. Presença dos requisitos do art. 312 do CPP. Prova da exis-
tência do crime e indícios suficientes de autoria. Intenso risco. Modus operandi gravoso. Assalto
a estabelecimento comercial, com notícia de que uma das vítimas saiu ferida do embate com o
paciente. Acentuada periculosidade. Custódia justificada na necessidade de garantia da ordem
pública e para assegurar a aplicação da Lei penal. Decreto prisional devidamente fundamenta-
do em dados concretos e que atende ao comando do art. 93, IX, da CF/88. Constrangimento
ilegal não verificado. Alegada prática do crime sob o efeito de drogas e álcool. Inexistência de
nexo de causalidade entre a dependência química e o crime. Impossibilidade de fazer ilações
sobre a perspectiva da pena in concreto, uma vez que a fixação desta, bem como do regime pri-
sional, depende dos elementos de prova produzidos na instrução. Princípio da presunção de
inocência. Ausência de ofensa quando a segregação cautelar está devidamente fundamentada.
Primariedade e bons antecedentes que não afastam a necessidade da prisão. Não cabimento de
medida cautelar substitutiva da prisão. Manutenção da decisão que indeferiu a liminar. Ordem
denegada. Decisão unânime. (TJSE; HC 202000310635; Ac. 7890/2020; C.Crim.; Relª Desª Ana
Lucia Freire de A. dos Anjos; DJSE 29/05/2020)

95/78 – TRÁFICO DE DROGAS. REDUTOR. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06.


AFASTAMENTO COM SUPORTE APENAS NA QUANTIDADE DE DROGAS APRE-
ENDIDAS. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS CAPAZES DE DEMONSTRAR
A DEDICAÇÃO À PRÁTICA DE ATIVIDADES ILÍCITAS OU PARTICIPAÇÃO EM
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Prevalece nesta Corte Superior o
entendimento de que a quantidade de droga apreendida, por si só, não justifica o afastamento
do redutor do tráfico privilegiado, sendo necessário, para tanto, a indicação de outros elementos
ou circunstâncias capazes de demonstrar a dedicação do réu à prática de atividades ilícitas ou
a sua participação em organização criminosa. Precedentes. 2. No caso concreto, o Tribunal de
origem havia indeferido a aplicação da minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 com
base tão somente na quantidade de droga encontrada na posse do agravado, situação que, à
toda evidência, contraria a jurisprudência dos tribunais superiores acerca da matéria. 3. Agravo
regimental desprovido. (STJ; AgRg-REsp 1.866.691; Proc. 2020/0062591-1; SP; 5ª T.; Rel. Min.
Jorge Mussi; DJE 29/05/2020)

95/79 – TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.


SUPERAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 691 DA SÚMULA DO STF. CONSTRANGI-
MENTO ILEGAL EVIDENCIADO. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR
PRISÃO DOMICILIAR. ART. 318-A, V, DO CPP. POSSIBILIDADE. FILHOS MENORES
DE 12 ANOS. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. HC NÃO CONHECIDO. OR-
DEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior, aplicando por
analogia o Enunciado N. 691 da Súmula do STF, firmou-se no sentido de não conhecer de
mandamus impetrado contra decisão indeferitória de liminar na origem, excetuados os casos nos
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
186

quais, de plano, é possível identificar flagrante ilegalidade ou teratologia do referido decisum. Na


hipótese, vislumbro a possibilidade de superação do mencionado enunciado sumular, uma vez
que caracterizado evidente constrangimento ilegal. 2. Após a publicação da Lei nº 13.769/2018,
que introduziu o art. 318-A ao CPP, a 3ª Seção desta Corte Superior manteve o entendimento
de que é possível ao julgador indeferir a prisão domiciliar às mães de crianças menores de 12
anos, quando constatada, além das exceções previstas no dispositivo, a inadequação da medi-
da em razão de situações excepcionalíssimas, nos termos do entendimento consolidado pelo
STF no julgamento do HC Coletivo 143.641/SP. Na hipótese, todavia, embora se observe a
gravidade concreta dos delitos e a reprovabilidade da conduta da paciente, aptos a justificar a
prisão preventiva, os delitos perpetrados não envolvem violência ou grave ameaça e nem foram
praticados contra seus descendentes. E é certo, também, que da situação evidenciada nos autos
não revela excepcionalidade que justifique o indeferimento da prisão domiciliar, especialmente
considerando não ter sido demonstrado que a traficância estaria sendo realizada na residência
da paciente ou na presença das crianças, uma de 5 anos e outra de 5 meses, em fase de ama-
mentação, comprometendo sua segurança. Ademais, é de se ressaltar que a paciente é primária
e não possui antecedentes criminais. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de
ofício, para, confirmando a liminar anteriormente deferida, determinar a substituição da prisão
preventiva da paciente por domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas
alternativas previstas no art. 319 do CPP, a serem definidas pelo Juízo de primeiro grau. (STJ;
HC 573.761; Proc. 2020/0088577-7; PR; 5ª T.; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; DJE 29/05/2020)

95/80 – TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MACONHA. CONSUMO


PESSOAL. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO PELO JUIZ. DESCLASSIFICAÇÃO. Tendo em
conta a quantidade de droga apreendida com o réu, em conjunto com as demais circunstâncias
do caso concreto, verossímil que sua pretensão fosse o consumo pessoal, encontrando a conduta
adequação ao tipo penal previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06. Preservado o entendimento do
MM. Juiz de primeiro grau. Mantida a desclassificação e a remessa dos autos ao Juizado Especial
Criminal da Comarca de Foz do Iguaçu/PR. (TRF 4ª R.; RCRSE 5002090-86.2020.4.04.7002;
PR; 7ª T.; Relª Desª Fed. Salise Monteiro Sanchotene; Publ. 13/05/2020)

95/81 – TRANSAÇÃO PENAL. EXECUÇÃO NO JUÍZO CÍVEL. ART. 2º DA LEI


Nº 9.605/98. AUTORIA. ART. 386, V, DO CPP. 1. Descumpridas as condições do acordo de
transação penal, as mesmas poderão ser executadas no juízo cível competente (art. 74 da Lei
nº 9.099/95), ou, ainda, caso o órgão acusatório assim entenda, este poderá dar continuidade
à persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial,
conforme a Súmula Vinculante nº 35. 2. Se não há provas de que o réu participou da extração
mineral narrada na denúncia, deve ser mantida a absolvição com fulcro no art. 386, inciso V,
do Código de Processo Penal. (TRF 4ª R.; ACR 5015336-98.2015.4.04.7108; RS; 8ª T.; Rel.
Des. Fed. Leandro Paulsen; Publ. 28/05/2020)

95/82 – UNIFICAÇÃO DAS PENAS DE DETENÇÃO E DE RECLUSÃO. POS-


SIBILIDADE. SANÇÕES DA MESMA ESPÉCIE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. “As
reprimendas de reclusão e de detenção devem ser somadas para fins de unificação da pena,
haja vista que ambas são modalidades de pena privativa de liberdade e, portanto, configuram
sanções de mesma espécie. Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça” (AgRg no
HC 538.896/ES, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 18.02.2020, DJe 02.03.2020). 2.
Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-AREsp 1.666.761; Proc. 2020/0040282-0; PR; 5ª T.;
Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 29/05/2020)

95/83 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO


SIMULTÂNEO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS E PRIVATIVA DE LIBERDADE
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 187

EM REGIME FECHADO. RECONVERSÃO. POSSIBILIDADE. WRIT NÃO CONHE-


CIDO. 1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do STF, esta
Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão
da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A superveniência de nova condenação que impossibilite o cumprimento simultâneo das
reprimendas, independentemente de a condenação à pena restritiva de direitos ser anterior ou
posterior à privativa de liberdade, justifica a reconversão daquela e a consequente unificação,
nos termos do art. 111 da Lei nº 7.210/84. 3. Habeas corpus não conhecido. (STJ; HC 574.044;
Proc. 2020/0089420-9; SP; 5ª T.; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; DJE 29/05/2020)

95/84 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. NOVO MARCO TEMPORAL PARA A CON-


CESSÃO DE BENEFÍCIOS EXECUTÓRIOS. TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA
CONDENAÇÃO. AFASTAMENTO. STF. MATÉRIA DE LEI INFRACONSTITUCIO-
NAL. VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL MERAMENTE REFLEXA. QUESTÃO A SER
PACIFICADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. FIXAÇÃO DO ENTENDI-
MENTO PREVALECENTE NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL 1.557.461/SC
E REAFIRMADO NO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA
1.753.509/PR. ACOLHER TESE. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL.
1. Tratando-se a interrupção do marco para benefícios executórios de matéria infraconstitucio-
nal consoante jurisprudência majoritária do STF, aplica-se a disposição do Recurso Especial
1.753.461/SC e reafirmado no Recurso Especial Representativo de Controvérsia 1.753.509/
PR. 2. A alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios em razão da
unificação de penas não encontra respaldo legal, configurando-se a sua modificação excesso
de execução. 4. O período de cumprimento de pena desde o início da execução ou desde a
última infração disciplinar não pode ser desconsiderado, seja por delito ocorrido antes do
início da execução da pena, seja por crime praticado depois e já apontado como falta grave. 5.
Negar provimento ao recurso ministerial. (TJMG; Ag-ExcPen 0984801-20.2019.8.13.0000; 5ª
C.Crim.; Rel. Des. Pedro Vergara; DJEMG 28/05/2020)

95/85 – USO DE DOCUMENTO IDEOLOGICAMENTE FALSO. ART. 304 C/C O


ART. 299, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO
SUBJETIVO EXIGIDO PELO TIPO PENAL DEVIDAMENTE COMPROVADOS EM
DESFAVOR DO ACUSADO. MANUTENÇÃO DE SUA CONDENAÇÃO NOS TER-
MOS DA SENTENÇA. DOSIMETRIA PENAL. PENA-BASE. ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO,
DO QUANTUM MAJORADOR EMPREGADO PELO MAGISTRADO SENTENCIAN-
TE. AGRAVANTE. CORREÇÃO, DE OFÍCIO, DA REFERÊNCIA AO DISPOSITIVO
LEGAL QUE TRATA DA HIPÓTESE RECONHECIDA PELA AUTORIDADE JUDICIÁ-
RIA. 1. Comprovada a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal,
razão pela qual é mantida a condenação do acusado pela prática do crime previsto no art. 304
c/c o art. 299, ambos do Código Penal. 2. A sentença valorou negativamente as circunstâncias
do crime apresentando a fundamentação que segue: “(...) o emprego de meio fraudulento pela
via judicial demonstra a tamanha ousadia de (...) de utilizar o aparelho estatal, com a intenção
de induzir a erro os atores processuais (magistrado e parte adversa), dando aparência de lega-
lidade às suas condutas ilícitas (...)”. De fato, as circunstâncias delitivas se mostram acima da
média, principalmente tendo em vista que o uso de documento ideologicamente falso ocorreu
perante o Poder Judiciário. 3. Todavia, a majoração levada a efeito pela sentença (pena-base
fixada em 2 anos de reclusão enquanto o preceito secundário do art. 299 do Código Penal es-
tabelece pena mínima de 1 ano) mostra-se exacerbada e não respaldada em balizas aceitas pela
jurisprudência, que, em casos semelhantes, chancela incremento na casa de 1/6. 4. No que se
refere à circunstância agravante, nota-se a pertinência daquela invocada pela sentença (qual
seja, “ter o agente cometido o crime com violação de dever inerente a profissão”), inclusive
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Ementário
188

no que concerne à fração de incremento (1/6), na justa medida em que o acusado ostentava a
profissão de advogado e, nesta qualidade, maculou preceito ético de indicada profissão (que,
aliás, mostra-se essencial à Justiça a teor do art. 133 da Constituição Federal). todavia, colhe-
se da sentença a existência de erro material quanto à referência ao artigo de Lei que prevê a
agravante em tela, devendo, desta feita, ser corrigido de ofício o ponto ora em comento para
que conste que a majoração em comento encontra fundamento de validade no art. 61, II, g,
do Código Penal. 5. Negado provimento ao recurso de apelação interposto pelo acusado. De
ofício, redução do quantum majorador aplicado na 1ª etapa da dosimetria penal e correção do
erro material acerca da referência ao artigo de Lei que prevê a agravante reconhecida em 1º
grau de jurisdição. Além disso, redimensionamento do número de dias-multa, de forma pro-
porcional à fixação da pena privativa de liberdade, fixação do regime aberto e substituição da
pena corporal por penas restritivas de liberdade. (TRF 3ª R.; ACR 0000570-21.2015.4.03.6117;
SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis; DEJF 28/05/2020)

95/86 – USO INDEVIDO DE UNIFORME, DISTINTIVO OU INSÍGNIA MI-


LITAR. ART. 172 DO CPM. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. ATIPICIDADE
FORMAL DA CONDUTA. MILITAR DA RESERVA REMUNERADA. NÃO ACOLHI-
MENTO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPE-
CÍFICO. NÃO COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. NÃO
RECONHECIMENTO. NÃO PROVIMENTO DO APELO. MAIORIA. A despeito de
a dicção da alínea c do § 1º do art. 77 da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares) estabelecer
que é possível o uso de uniformes pelo militar da inatividade para fins de comparecimento a
solenidades militares, a cerimônias cívicas comemorativas de datas nacionais ou a atos sociais
solenes de caráter particular, o referido dispositivo ressalva que o militar deverá estar devi-
damente autorizado, o que não foi comprovado nos autos. Além disso, embora se trate de
militar da reserva não remunerada, essa condição sobreveio de sua demissão do serviço ativo
em razão de candidatura a cargo eletivo, circunstância que impossibilita o uso do uniforme
do Exército Brasileiro, conforme a vedação encartada na alínea b do art. 100 do Estatuto dos
Militares. Tratando-se o delito do art. 172 do Código Penal Militar de crime de mera condu-
ta, inexiste elemento subjetivo específico, de sorte que a conduta caracteriza-se pela vontade
livre e consciente de utilizar uniforme, distintivo ou insígnia militar que sabe não ter direito
a usar. Consoante a jurisprudência desta Corte Castrense, a aplicação do princípio da bagatela
exige a ponderação dos critérios da mínima ofensividade da conduta, da ausência de pericu-
losidade social da ação, da inexpressividade da lesão jurídica provocada e do reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento. Apelo defensivo a que se nega provimento. Decisão por
maioria. (STM; APL 7001035-19.2019.7.00.0000; Rel. Min. Carlos Vuyk de Aquino; DJSTM
29/05/2020; p. 3)

95/87 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇAS. DESCUMPRIMENTO DE


MEDIDAS PROTETIVAS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. PRISÃO PREVENTIVA.
RETRATAÇÃO DA VÍTIMA. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. Trata-se
de habeas corpus impetrado em favor de J. S. G., preso preventivamente desde 10 de março de
2020, e denunciado, nos autos de origem, pela suposta prática de ameaça (várias vezes), bem
como pelo descumprimento de medidas protetivas deferidas nos termos da Lei Maria da Penha
(três vezes). A circunstância de que o paciente não foi conduzido para audiência de custódia
não enseja a revogação da prisão. Observa-se que o decreto prisional, lançado pelo magistrado
atuante na Comarca de Santo Antônio da Patrulha, está devidamente fundamentado. Segundo
consta na decisão hostilizada, o paciente teria telefonado para a vítima e lhe ameaçado. Conforme
o magistrado, ainda, o suposto agressor teria enviado à vítima fotos de armas através do celular
de seu filho, e teria cortado a franja, o rabo e o “pega-mão” de um de seus cavalos. A detenção
provisória, portanto, parece realmente necessária, especialmente para resguardar a integridade
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 189

física e psicológica da vítima. Inviável, assim, a aplicação das cautelares diversas (previstas no
art. 319 do CPP), ou a concessão da prisão domiciliar ao paciente, pois medidas insuficientes e
inadequadas ao caso em concreto. Da pandemia causada pelo vírus Covid-19. Verifica-se que a
autoridade judiciária está atenta aos problemas de saúde supostamente enfrentados pelo paciente
(artrose e lesões fraturais). Inexistem informações de que o estabelecimento prisional não esteja
fornecendo a medicação necessária. Além disso, irrelevante, no caso em concreto, a suposta
retratação. Isso porque, a própria vítima relatou ao magistrado, que temia por sua integridade
física, em face da reiterada conduta do paciente, que insiste em desrespeitar ordens judiciais
(crime de ação penal pública incondicionada, tipificado no art. 24-A da Lei nº 11.340/06),
em tese. Os demais argumentos apresentados pela defesa inclusive deverão ser analisados no
momento processual oportuno, já que não é possível o exame de provas, de forma pormeno-
rizada, em sede de habeas corpus. A prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da
presunção de inocência, nem se trata de execução antecipada da pena. A Constituição Federal
prevê, no seu art. 5º, LXI, a possibilidade de prisão, desde que decorrente de ordem escrita e
fundamentada. Constrangimento ilegal anunciado não demonstrado. Ordem denegada. (TJRS;
HC 0046475-09.2020.8.21.7000; Proc. 70084081165; 2ª C.Crim.; Relª Desª Rosaura Marques
Borba; DJERS 27/05/2020)

95/88 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO


PENAL DE VIAS DE FATO (ART. 147 DO CÓDIGO PENAL E ART. 21 DO DECRETO-
LEI Nº 3.688/1941). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO EXCLUSIVO DO MINIS-
TÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE
PROVAS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PEDIDO INACOLHIDO. DEPOIMENTO
DA VÍTIMA. ALEGAÇÃO DE ESPECIAL VALOR E QUE DEVE SER COTEJADO COM
AS DEMAIS PROVAS. DÚVIDA QUE ATUA EM FAVOR DO RÉU AINDA QUE EM
CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. MANU-
TENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. É certo que
a palavra da vítima possui especial valor probatório, mas, para tanto, é necessário que a versão
seja repetida em juízo com firmeza e coerência e, encontre amparo. Porém, no caso, não foi.
Logo, não é possível estabelecer um juízo de certeza necessária acerca da forma como ocorreu
o fato imputado ao réu neste processo. Sabidamente, o processo penal demanda certeza acerca
do evento e, havendo materialidade, necessária é a ausência de dúvidas acerca da dinâmica
dos fatos e, como se violência veiculada. 2. Ressalta-se que mesmo na violência doméstica a
dúvida atua em favor do réu, já que ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que
seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída. Assim, por corolário do
princípio do in dubio pro reo, reconheço que a prova colhida nos autos se mostra insuficiente
a ensejar a condenação do réu pela prática do crime a que foi denunciado, sendo impositiva a
sentença absolutória. (TJSE; ACr 202000302007; Ac. 6287/2020; C.Crim.; Rel. Des. Diógenes
Barreto; DJSE 05/05/2020)

95/89 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE LESÃO CORPORAL (ART. 129,


§ 9º, DO CP). RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. TESE
DE LEGÍTIMA DEFESA. ART. 25 DO CP. INOCORRÊNCIA. Utilização pela ré de meios
imoderados para repelir a conduta de sua sobrinha. Conjunto probatório suficiente a ensejar
a condenação. Autoria e materialidade comprovadas. Palavra da vítima que é corrobora pelas
demais provas dos autos. Especial relevância. Precedentes do STJ e desta Câmara. Dosimetria.
Pleito de redução da pena-base. Acolhimento. Valoração negativa da circunstância judicial das
consequências do crime baseada na declaração da vítima de que ainda sente dores no dedo
lesionado. Inexistência nos autos de provas técnicas que comprovem a afirmação. Pena-base
reduzida. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJSE; ACr 201900340688; Ac. 6743/2020;
C.Crim.; Rel. Des. Diógenes Barreto; DJSE 20/05/2020)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.

Norma Data Publicação Ementa/Apelido


Medidas Protetivas de Urgência - Frequência
3/4/2020 do Agressor a Centro de Educação e de Re-
Lei nº 13.984 3/4/2020 - Edição abilitação e Acompanhamento Psicossocial
Extra-B - Alteração da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria
da Penha).
Destaques dos Volumes Anteriores

Destaques do Volume nº 94
– Reflexões sobre o Tempo e o Direito Penal a Partir da Obra O Tempo do Direito
por Aury Lopes Junior, Professor e Doutor, e Jádia Larissa Timm dos Santos, Especialista e Mestra
– As Mudanças na Legislação Penal e Processual Penal com o Pacote Anticrime
por Benigno Núñez Novo, Advogado e Doutor
– O Arrependimento Posterior e o Desnível de Tratamento Jurídico-Penal Envolvendo Delitos
Patrimoniais e Socioeconômicos: uma Violação ao Princípio da Igualdade e o Parâmetro Regulatório
da ADO 26/DF
por Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira, Mestre e Doutor
– Ciberterrorismo no Brasil: uma Análise Sobre os Desafios Impostos pelos Ciberataques e a
Efetividade da Lei Antiterrorismo
por Greice Patrícia Fuller, Mestre e Doutora, e Gabriel Oliveira Brito, Advogado e Mestrando
– A Presunção de Inocência na Investigação Criminal
por Túlio Leno Góes Silva, Delegado de Polícia e Mestrando, e Felipe Martins Pinto, Mestre e Doutor
– A Responsabilidade Penal do Indutor Prevista no Artigo 218 do Código Penal: uma Releitura à Luz
do Princípio da Vedação à Proteção Insuficiente
por Diego Leal Nascimento, Especialista e Mestrando, e Américo Bedê Freire Junior, Mestre e Doutor

Destaques do Volume nº 93
– Prisão em Segunda Instância Versus Justiça como Liberdade e a Garantia Máxima da Personalidade
pela Presunção da Inocência
por Marcelo Negri Soares, Mestre e Doutor, Maurício Ávila Prazak, Mestre e Doutor, e Patrícia
Jorge da Cunha Viana Dantas, Especialista
– A Constitucionalidade do Confisco Alargado e da Ação de Extinção de Domínio
por Silvio Luís Ferreira da Rocha, Mestre e Doutor, e Daniela Marinho Morganti, Advogada e Especialista
– Feminicídio: Fundamento da Pena Qualificada
por Flavio Rodrigues Calil Daher, Mestre e Doutor, e Roberta Cordeiro de Melo Magalhães,
Professora e Mestre
– Reflexões sobre o Regime Inicial de Cumprimento de Pena
por Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, Mestre e Doutor, e Oswaldo Henrique Duek Marques,
Professor e Doutor
– Criminalização Objetiva do Inadimplemento Tributário: Abordagem Dogmática Penal
por Thiago Buschinelli Sorrentino, Professor e Mestre, e Cesar Luiz de Oliveira Janoti, Professor e
Especialista
– Análise Crítica da Inserção de Norma Penal Incriminadora, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, por
Ato Internacional: o Exemplo da Convenção de Palermo e a Figura da Organização Criminosa
por Gustavo Britta Scandelari, Professor e Mestre
– A Teoria Geral do Crime na Encruzilhada
por Orlando Faccini Neto, Mestre e Doutor

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Índice Alfabético-Remissivo

A ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO


PENAL
A RESPONSABILIDADE PENAL
- Falsidade ideológica. Apelante que não
DA PESSOA JURÍDICA E O
apresenta antecedentes criminais. Entrada
COMPLIANCE DIANTE DE em vigor do instituto despenalizador. Art.
SITUAÇÕES DE PANDEMIA 28-A, caput, do CPPB, introduzido pela Lei
- Artigo de Marcio Fernandes Fioravante da 13.964/2019. Retroação benéfica da lei penal
Silva................................................................. 59 posterior que não pode ser afastada pelo
Poder Judiciário. TJSP (Em. 95/34).............. 171
ABANDONO DE IDOSO
- Receptação. Proposta. Art. 28-A da Lei Ad-
- Abandonar idoso em hospitais, casas de jetiva Penal. Recusa da justiça pública em
saúde, entidades de longa permanência, ou formular acordo. Não preenchimentos dos
congêneres, ou não prover suas necessidades quesitos legais. TJSP (Em. 95/68)................. 182
básicas quando obrigado por Lei ou mandado
(art. 98 da Lei 10.741/03). Materialidade e ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO
autoria comprovadas. Prova segura. TJSP PENAL E SUAS REPERCUSSÕES NO
(Em. 95/19)..................................................... 168 ÂMBITO ADMINISTRATIVO

ABSOLVIÇÃO - Artigo de Oswaldo Henrique Duek Marques


e Silvio Luís Ferreira da Rocha...................... 5
- Embriaguez ao volante. Direção perigosa não
comprovada e não demonstração de lesivida- AGRAVO REGIMENTAL
de ao bem jurídico tutelado. Absolvição pela - Interposição contra decisão que indeferiu
prova não revelar com suficiência a tipicidade pedido de liminar em HC. Descabimento.
material da conduta. TJSP (Em. 95/17)........ 167 TJSP (Em. 95/3)............................................. 163
- Homicídio culposo. Negligência não de-
ANTECEDENTES CRIMINAIS
monstrada. Ausência de previsibilidade.
Prova testemunhal a apontar que o réu não - Acórdão do STJ – Estelionato. Pena. Do-
descumprira dispositivos da NR 18. Exis- simetria. Registros criminais anteriores
tência de equipamentos de proteção contra a nominados de conduta social. Atecnia. Maus
queda de materiais no edifício em construção. antecedentes. Consideração desfavorável das
Dúvida razoável. TJSE (Em. 95/43).............. 174 consequências do crime. Falta de fundamen-
tação. Decote da vetorial................................ 121
- Licitação. Fraude. Art. 89 da Lei 8.666/93.
Dolo específico ausente. Prejuízo ao Erário - Pena. Estupro de vulnerável e fotografia de
não comprovado. Art. 312. Peculato. Ausên- cena pornográfica envolvendo criança. Rein-
cia de dolo. TRF 1ª R. (Em. 95/37)............... 172 cidência afastada pelo tribunal de origem.
Condenação anterior utilizada para valorar
- Redução à condição análoga à escravidão.
negativamente os antecedentes do réu. Pos-
Recrutamento mediante fraude. CP, arts.
sibilidade. STJ (Em. 95/25)............................ 169
149 e 207. Inocorrência. No caso dos autos,
o empregado não apenas passou a trabalhar APELAÇÃO EM LIBERDADE
normalmente na fazenda, como, posterior-
- Homicídio qualificado consumado e tentado.
mente, trouxe (voluntariamente) a esposa e a
Negativa do recurso em liberdade. Ausência
filha para que ali residissem. TRF 3ª R. (Em.
de fundamentação concreta e suficiente de
95/70).............................................................. 183
fatos contemporâneos. Execução automática
- Violência doméstica. Ameaça e contravenção de sentença condenatória do Tribunal do Júri.
penal de vias de fato (art. 147 do CP e art. 21 Não possibilidade. STJ (Em. 95/47).............. 175
do DL 3.688/1941). Depoimento da vítima.
ARMA BRANCA
Alegação de especial valor e que deve ser
cotejado com as demais provas. Dúvida que - Acórdão do STJ – Contravenção penal. Art.
atua em favor do réu ainda que em contexto 19 do DL 3.688/1941. Alegação de atipicidade
de violência doméstica. TJSE (Em. 95/88)... 189 da conduta. Não ocorrência........................... 129
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 193

ARMA DE FOGO Inaplicabilidade. Condenação mantida para


- Porte ilegal. Numeração suprimida. Desclas- ambos os delitos. Penas-base reduzidas. TRF
sificação para o delito previsto no art. 14 da 3ª R. (Em. 95/8).............................................. 164
Lei 10.826/03. Impossibilidade. TJRS (Em.
CRIME AMBIENTAL
95/1)................................................................ 162
- Absolvição. Se não há provas de que o réu
- Posse ilegal. Numeração suprimida. Des-
participou da extração mineral narrada na
classificação para o delito previsto no art. 12
da Lei 10.826/03. Possibilidade. Número de denúncia, deve ser mantida a absolvição com
série localizado em outro local. TJRS (Em. fulcro no art. 386, V, do CPP. TRF 4ª R. (Em.
95/2)................................................................ 162 95/81).............................................................. 186

ASPECTOS CRIMINAIS DA LEI - Crimes previstos no art. 55, caput, da Lei


GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS 9.605/98 e no art. 2º da Lei 8.176/91, em
E A TUTELA PENAL DOS DADOS concurso formal (CP, art. 70). Inépcia da
PESSOAIS denúncia. Inocorrência. Erro de tipo que se
afasta. Materialidade e autoria. Dosimetria da
- Artigo de João Daniel Rassi, Victor Labate e
Eloisa Yang...................................................... 18 pena. Substituição. TRF 3ª R. (Em. 95/12).. 166
- Pesca com rede de espera de 800 metros. Art.
C 34 c/c o art. 36 da Lei 9.605/98. Apreensão de
aproximadamente 8 quilos de pescados. Ina-
COMPETÊNCIA plicabilidade do princípio da insignificância.
- Crime cometido por militar em serviço STF (Em. 95/9).............................................. 165
contra militar reformado. Aplicação da teoria - Supostos danos ambientais a área de mangue
da ubiquidade para firmar competência da inserida no bioma Mata Atlântica. Zona
JMU. Estelionato cometido por um militar
costeira. Ausência de interesse da União.
em serviço contra militar reformado. STM
Competência da Justiça Estadual. TRF 2ª R.
(Em. 95/13)..................................................... 166
(Em. 95/69)..................................................... 182
- Fraude na adesão como carona em licitação na
modalidade pregão. Arts. 85 e 88 do CPPM. CRIME MILITAR
Fixação do foro militar. Regra geral. Lugar - Configura-se como crime militar o esteliona-
da ocorrência da infração penal. STM (Em.
to cometido por um militar em serviço contra
95/38).............................................................. 173
militar reformado, por ter copiado dados do
- Operação Egypto. Suposta incompetência da cartão de crédito da vítima, que estava presa
JF. Manifesta improcedência. Caso que os- e sob a custódia da unidade militar, ainda que
tenta contornos distintos do CC 161.123/SP a utilização do cartão para realizar compras,
(Terceira Seção). Denúncia ofertada, na qual
de forma fraudulenta, tenha se dado em local
é narrada a efetiva oferta de contrato coletivo
fora da Administração Militar. STM (Em.
de investimento atrelado à especulação no
mercado de criptomoeda. STJ (Em. 95/42).. 174 95/13).............................................................. 166
- Descumprimento de missão. Art. 196 do
COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME
CPM. Alegada prescrição da pretensão
- O delito inserto no art. 340 do CP se punitiva. Não configuração. Inexistência de
configura com a provocação da autoridade constrangimento ilegal, abuso de poder ou
competente pela persecução penal a realizar flagrante ilegalidade. STF (Em. 95/11)......... 165
alguma diligência destinada a apurar a prática
de crime ou contravenção, comunicando por CRIMES RELACIONADOS
qualquer meio a ocorrência de infração penal À PANDEMIA DO NOVO
que sabe não ter ocorrido, tratando-se de cri- CORONAVÍRUS
me de forma livre. TRF 4ª R. (Em. 95/14)... 167
- Artigo de Leandro Bastos Nunes.................. 30
CONTRABANDO
CRIPTOMOEDA
- Cigarros. Desclassificação para o delito de
descaminho e princípio da insignificância. - Vide Competência. Operação Egypto.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Índice Alfabético
194

D alcoolemia. Valor da prestação pecuniária.


Redução. TJSP (Em. 95/18).......................... 168
DESAFORAMENTO - Direção perigosa não comprovada e não
- Juízo da auditoria. Impossibilidade de cons- demonstração de lesividade ao bem jurídico
tituição do conselho especial de justiça. Ine- tutelado. Absolvição pela prova não revelar
xistência de oficiais superiores em número com suficiência a tipicidade material da
suficiente na jurisdição. Desaforamento dos conduta. TJSP (Em. 95/17)........................... 167
autos para outro Juízo em condições para
ENSAIO SOBRE O ACASO E SEUS
julgamento, de acordo com o CPPM, em
COROLÁRIOS NO DIREITO E NO
seu art. 109. STM (Em. 95/15)...................... 167
PROCESSO PENAL
DESCAMINHO - Artigo de Orlando Faccini Neto.................... 44
- Princípio da insignificância. Tributo. Valor.
ESTATUTO DO IDOSO
Portaria. Alcance. O que previsto em portaria
não alcança persecução criminal a cargo do - Abandonar o idoso em hospitais, casas de
MP. STF (Em. 95/16)..................................... 167 saúde, entidades de longa permanência, ou
congêneres, ou não prover suas necessidades
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME básicas quando obrigado por Lei ou man-
- Arma de fogo. Porte ilegal. Numeração supri- dado (art. 98 da Lei 10.741/03). TJSP (Em.
mida. Desclassificação para o delito previsto 95/19).............................................................. 168
no art. 14 da Lei 10.826/03. Impossibilidade.
ESTELIONATO
TJRS (Em. 95/1)............................................. 162
- Absolvição. Colocação de fita em placa de
- Arma de fogo. Posse ilegal. Numeração supri- veículo e evasão de pedágio. Conduta atípica.
mida. Desclassificação para o delito previsto Conduta prevista como infração de trânsito
no art. 12 da Lei 10.826/03. Possibilidade. ou, eventualmente, como outra figura delitiva
Número de série localizado em outro local. diferente do estelionato. TJSP (Em. 95/21).. 168
TJRS (Em. 95/2)............................................. 162
- Novação da lei penal (§ 5º acrescentado ao
- Denunciação caluniosa. Emendatio libelli. Art. art. 171 do CP) que passou a exigir represen-
383 do CPP. Comunicação falsa de crime. tação da vítima, via de regra, para que a ação
TRF 4ª R. (Em. 95/14)................................... 167 penal seja instaurada e tenha continuidade.
- Tóxicos. Tráfico transnacional. Maconha. Baixa dos autos para a primeira instância para
Consumo pessoal. Critérios de avaliação pelo eventual oferecimento de representação, no
juiz. Remessa dos autos ao Juizado Especial prazo legal de 6 meses, disposto no art. 103
Criminal. TRF 4ª R. (Em. 95/80)................. 186 do CP. TJSP (Em. 95/20)............................... 168

DESCUMPRIMENTO DE MISSÃO ESTUPRO DE VULNERÁVEL E


CÁRCERE PRIVADO
- Crime militar. Art. 196 do CPM. Inexistência
de constrangimento ilegal, abuso de poder ou - Desconhecimento da idade da vítima. Alega-
flagrante ilegalidade. STF (Em. 95/11)......... 165 ção desprovida de substrato probatório. Ônus
da defesa. Erro de tipo incabível. Pedido de
DIREITOS POLÍTICOS reconhecimento da causa excludente de cul-
- Suspensão. Pena carcerária substituída por pabilidade alusiva a erro de proibição (art. 21,
restritiva de direitos. Irrelevância. Efeito caput, do CP). Impossibilidade. TJSE (Em.
automático da condenação. TJMG (Em. 95/24).............................................................. 169
95/48).............................................................. 175 EXAME DE INSANIDADE MENTAL
- Inocorrência de dúvida quanto à integridade
E mental. TRF 2ª R. (Em. 95/5)....................... 163
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE EXCESSO DE PRAZO
- Crime formal, de perigo abstrato. A alteração - Prisão preventiva. Denúncia não oferecida.
da capacidade motora em razão da influência Prisão perdurou por quase 3 meses sem que
de álcool pode ser constatada por teste de houvesse a conclusão do inquérito policial
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 195

e, via de consequência, oferecimento da depurador. Pena-base acima do mínimo.


denúncia. TJES (Em. 95/26).......................... 169 Reincidência. Regime fechado. Ilegalidade.
- Prisão temporária. Homicídio qualificado. Inexistência. STJ (Em. 95/39)........................ 173
Prazo de 30 dias extrapolado. Prorrogação FURTO QUALIFICADO TENTADO
que somente ocorreu após 7 dias do fim
do prazo da prisão. Constrangimento ilegal - Prisão preventiva. Revogação. Paciente que
evidenciado. TJSE (Em. 95/46)..................... 175 responde pela suposta prática de crime que
não envolve violência ou grave ameaça à
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE pessoa. Concessão do benefício de liberdade
- Acórdão do TRF 3ª R. – Sonegação fiscal. provisória, mediante a imposição das medidas
Quitação integral do débito tributário. cautelares elencadas no art. 319, I e IV, do
Realização após o recebimento da denúncia. CPP. TJSP (Em. 95/40).................................. 173
Admissibilidade.............................................. 133
EXTRADIÇÃO
H
- Dupla punibilidade. Não ocorrência. Impõe- HABEAS CORPUS
se o reconhecimento da inviabilidade da ex-
- Liminar. Indeferimento. Agravo regimental.
tradição, considerada a anistia bilateral, ampla
Interposição contra decisão que indeferiu
e geral, prevista na Lei 6.683/79. Prescrição.
pedido. Descabimento. TJSP (Em. 95/3)..... 163
Legislação brasileira. Art. 109, I, do CP –,
cumpre assentar a inviabilidade do pedido - Não conhecimento. Concessão da ordem de
de entrega do extraditado. STF (Em. 95/32). 171 ofício. Ausência de requisição de informações
à autoridade impetrada. Inexistência de ofen-
- Prisão cautelar. Finalidade. Matrimônio e
sa aos princípios do contraditório da ampla
filhos brasileiros. Óbice. Ausência. Uma
defesa e do devido processo legal. Faculdade
vez observados os requisitos legais, cumpre
do relator. STJ (Em. 95/41)........................... 173
reconhecer a possibilidade de entrega do
extraditando, cabendo ao Chefe do Poder HOMICÍDIO CULPOSO
Executivo nacional o ato definidor. STF (Em.
95/33).............................................................. 171 - Absolvição. Negligência não demonstrada.
Ausência de previsibilidade. Prova testemu-
nhal a apontar que o réu não descumprira
F dispositivos da NR 18. Existência de equi-
pamentos de proteção contra a queda de
FALTA GRAVE
materiais no edifício em construção. Dúvida
- Delito. Perda parcial da remição ainda não razoável. TJSE (Em. 95/43)........................... 174
declarada. Possibilidade. TJRS (Em. 95/35).. 172
HOMICÍDIO QUALIFICADO
FAVORECIMENTO DA
- Materialidade comprovada. Indícios de au-
PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA
toria insuficientes. Acervo probatório frágil.
DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E CASA
Impronúncia. Necessidade. Recurso provido.
DE PROSTITUIÇÃO
TJMG (Em. 95/44)........................................ 175
- Violação do art. 155 do CPP. Não ocorrência.
- Prisão temporária. Excesso de prazo. Prazo
Conflito aparente de normas. Súmula 284
de 30 dias extrapolado. Prorrogação que so-
do STF. No caso, o Tribunal de origem, ao
mente ocorreu após 7 dias do fim do prazo da
manter a condenação dos réus, confrontou
prisão. Constrangimento ilegal evidenciado.
elementos obtidos na fase extrajudicial com
Prisão ilegal. Relaxamento que se impõe.
as demais provas colhidas judicialmente, sub-
TJSE (Em. 95/46)........................................... 175
metidas, portanto, ao crivo do contraditório.
Não há falar, portanto, em violação do art. - Prisão temporária. Liberdade concedida.
155 do CPP. STJ (Em. 95/36)........................ 172 Paciente com prisão temporária decretada
em 20 de fevereiro de 2020, mas sem data de
FURTO QUALIFICADO efetivo recolhimento informada nos autos,
- Pena. Negativação. Conduta social. Con- pela suposta prática do delito de homicídio.
denações pretéritas. Utilização. Ilegalidade. Ordem concedida. Liminar ratificada. TJRS
Maus antecedentes. Caracterização. Período (Em. 95/45)..................................................... 175
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Índice Alfabético
196

I L
IMPRONÚNCIA LAVAGEM DE DINHEIRO
- Homicídio qualificado. Materialidade com- - Pena. Lavagem praticada com habitualidade
provada. Indícios de autoria insuficientes. e por intermédio de organização criminosa.
Acervo probatório frágil. Impronúncia. Causa especial de aumento de pena. Ausência
Necessidade. Recurso provido. TJMG (Em.
de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso
95/44).............................................................. 175
de poder. STF (Em. 95/53)............................ 177
INTERNAÇÃO
LEANDRO BASTOS NUNES
- Medida socioeducativa. Ato infracional aná-
logo ao delito de estupro de vulnerável (art. - Artigo: “Crimes Relacionados à Pandemia do
217-A do CP). Configuração da hipótese Novo Coronavírus”....................................... 30
de aplicação da medida socioeducativa de
LIBERDADE PROVISÓRIA
internação prevista no art. 122, I, do ECA.
TJSE (Em. 95/7)............................................. 164 - Estelionato. Cabimento. Pandemia do Co-
ronavírus. Covid-19. Crime cometido sem
J violência ou grave ameaça à pessoa. Primazia
da dignidade humana e da saúde individual e
JOÃO DANIEL RASSI, VICTOR coletiva. TJSP (Em. 95/65)............................ 182
LABATE E ELOISA YANG
- Furto qualificado tentado. Prisão preventi-
- Artigo: “Aspectos Criminais da Lei Geral de
va. Revogação. Paciente que responde pela
Proteção de Dados e a Tutela Penal dos Dados
suposta prática de crime que não envolve
Pessoais”.......................................................... 18
violência ou grave ameaça à pessoa. Con-
JÚRI cessão do benefício de liberdade provisória,
- Execução automática de sentença condena- mediante a imposição das medidas cautelares
tória do Tribunal do Júri. Não possibilidade. elencadas no art. 319, I e IV, do CPP. TJSP
STJ (Em. 95/47)............................................. 175 (Em. 95/40)..................................................... 173
- Homicídio duplamente qualificado tentado. - Pornografia infantojuvenil. Prisão preventiva.
Conselho de sentença que desclassificou Insurgência defensiva pleiteando a concessão
o delito para lesão corporal de natureza de liberdade provisória. Cabimento. TJSP
grave. Cassação. Possibilidade. TJMG (Em. (Em. 95/4)....................................................... 163
95/49).............................................................. 176
- Homicídio tentado qualificado pelo motivo LICITAÇÃO
torpe e recurso que dificultou a defesa da - Fraude. Adesão como carona em licitação na
vítima. Cassação da decisão do conselho de modalidade pregão. Arts. 85 e 88 do CPPM.
sentença. Decisão manifestamente contrária Fixação do foro militar. Regra geral. Lugar
à prova dos autos. Inviabilidade. Decote da
da ocorrência da infração penal. STM (Em.
qualificadora do recurso que dificultou a
95/38).............................................................. 173
defesa da vítima. Não cabimento. Fração de
redução da pena de metade acertada. Razoa- - Fraude. Art. 89 da Lei 8.666/93. Dolo es-
bilidade. TJMG (Em. 95/50)......................... 176 pecífico ausente. Prejuízo ao Erário não
- Pronúncia. Absolvição sumária ou despro- comprovado. Art. 312. Peculato. Ausência
núncia por negativa de autoria. Impossibi- de dolo. Sentença absolutória mantida. TRF
lidade. Indícios fortes carreados aos autos. 1ª R. (Em. 95/37)............................................ 172
Prevalência do princípio do in dubio pro
societate. TJMG (Em. 95/51)........................... 177 LIVRAMENTO CONDICIONAL

- Utilização de decisões judiciais pretéritas. - Reincidência. Fração de 1/2 a incidir sobre


Argumento de autoridade. Impossibilidade. a totalidade de penas unificadas. TJES (Em.
STJ (Em. 95/52)............................................. 177 95/54).............................................................. 178
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 197

M mulada. Pena privativa de liberdade mantida.


Pena de multa redimensionada. TRF 3ª R.
MANDADO DE SEGURANÇA (Em. 95/57)..................................................... 179
- Decisão judicial. Entrevista de advogado em ORLANDO FACCINI NETO
presídio. Dias, horas, tempo de duração.
- Artigo: “Ensaio Sobre o Acaso e seus Corolá-
Restrição. Deve o advogado ser livre para
rios no Direito e no Processo Penal”............. 44
encontrar o seu cliente em qualquer dia da
semana e horário, não podendo a adminis- OSWALDO HENRIQUE DUEK
tração impor empecilhos de dias e horários, MARQUES E SILVIO LUÍS FERREIRA
ou ainda no tempo de duração de sua visita. DA ROCHA
TJES (Em. 95/55)........................................... 178
- Artigo: “Acordo de Não Persecução Penal e
MARCIO FERNANDES FIORAVANTE suas Repercussões no Âmbito Administrati-
DA SILVA vo”................................................................... 5
- Artigo: “A Responsabilidade Penal da Pessoa
Jurídica e o Compliance Diante de Situações P
de Pandemia”.................................................. 59
PENA
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
- Acórdão do STF – Tóxicos. Tráfico. Incidên-
- Ato infracional análogo ao crime de furto cia da causa especial de redução prevista no §
qualificado (art. 155, § 4º, I e IV, do CP). Pe- 4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Possibilidade. 104
dido de não aplicação de prestação de serviços
à comunidade, mantendo apenas a liberdade - Acórdão do STJ – Estelionato. Dosimetria.
assistida. Inacolhido. TJSE (Em. 95/6).......... 164 Registros criminais anteriores nominados de
conduta social. Atecnia. Maus antecedentes.
- Ato infracional análogo ao delito de estupro Consideração desfavorável das consequências
de vulnerável (art. 217-A do CP). Confi- do crime. Falta de fundamentação. Decote da
guração da hipótese de aplicação da medida vetorial............................................................ 121
socioeducativa de internação prevista no art.
122, I, do ECA. TJSE (Em. 95/7).................. 164 - Contrabando. Cigarros. Desclassificação
para o delito de descaminho e princípio da
MOEDA FALSA insignificância. Inaplicabilidade. Condenação
- Princípio da insignificância. Não cabimento. mantida para ambos os delitos. Penas-base re-
Desclassificação para a conduta prevista no duzidas. Atenuante da confissão reconhecida.
art. 289, § 2º, do CP. Impossibilidade. Mate- Manutenção do regime prisional aberto e da
rialidade, autoria e dolo comprovados. TRF substituição da pena corporal por restritivas
4ª R. (Em. 95/56)............................................ 178 de direitos. TRF 3ª R. (Em. 95/8)................. 164
- Crime ambiental. Crimes previstos no art.
O 55, caput, da Lei 9.605/98 e no art. 2º da Lei
8.176/91, em concurso formal (CP, art. 70).
O CASO NEYMAR: DIVULGAÇÃO Erro de tipo que se afasta. Materialidade e
DE IMAGENS ÍNTIMAS autoria. Dosimetria da pena. Substituição.
SOB A PERSPECTIVA DA TRF 3ª R. (Em. 95/12)................................... 166
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA - Estupro de vulnerável e fotografia de cena
DIVERSA pornográfica envolvendo criança. Reinci-
- Artigo de Sebástian Borges de Albuquerque dência afastada pelo tribunal de origem.
Mello e Mariana Ribeiro de Almeida............ 81 Condenação anterior utilizada para valorar
negativamente os antecedentes do réu.
OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO Possibilidade. Reprimenda final reduzida.
BANCÁRIO DE FORMA Reformatio in pejus. Inocorrência. STJ (Em.
FRAUDULENTA 95/25).............................................................. 169
- As provas não deixam dúvida de que o apelan- - Furto qualificado. Negativação. Conduta
te obteve um financiamento junto ao Banco social. Condenações pretéritas. Utilização.
Sudameris, apresentando como garantia um Ilegalidade. Maus antecedentes. Caracteri-
crédito inexistente, fruto de uma venda si- zação. Período depurador. Pena-base acima
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Índice Alfabético
198

do mínimo. Reincidência. Regime fechado. - Remição. Aprovação no Exame Nacional para


Ilegalidade. Inexistência. STJ (Em. 95/39).... 173 Certificação de Competências de Jovens e
Adultos (ENCCEJA) – ensino médio. Re-
- Júri. Homicídio tentado qualificado pelo
comendação CNJ 44/2013. Base de cálculo.
motivo torpe e recurso que dificultou a defesa
da vítima. Cassação da decisão do conselho de Art. 4º da Resolução 03/2010 do CNE. STJ
sentença. Decisão manifestamente contrária (Em. 95/31)..................................................... 171
à prova dos autos. Inviabilidade. Decote da - Remição ainda não declarada. Perda parcial.
qualificadora do recurso que dificultou a Falta grave. Delito. Possibilidade. TJRS (Em.
defesa da vítima. Não cabimento. Redução 95/35).............................................................. 172
da pena-base. Possibilidade. Aumento plena-
- Roubo. Dosimetria. Terceira fase. Exaspera-
mente justificado. Modificação do percentual
ção superior a 1/3. Violação da Súmula 443/
de redução pela tentativa. Inviabilidade. Fra-
STJ. Ausência de fundamentação idônea.
ção de redução da pena de metade acertada.
Majorantes do crime. Circunstâncias ine-
Razoabilidade. TJMG (Em. 95/50)............... 176
rentes ao delito. STJ (Em. 95/74).................. 184
- Lavagem de capitais praticada com habitua-
- Roubo. Emprego de arma branca. Execução.
lidade e por intermédio de organização cri-
Aplicação retroativa da Lei 13.654/2018.
minosa. Causa especial de aumento de pena.
Competência. Juízo da execução. Art. 66, I,
Ausência de teratologia, ilegalidade flagrante
da LEP. Ausência de reflexo concreto na do-
ou abuso de poder. STF (Em. 95/53)............ 177
simetria. Reformatio in pejus. Não ocorrência.
- Moeda falsa. Princípio da insignificância. STJ (Em. 95/27)............................................. 170
Não cabimento. Desclassificação para a
conduta prevista no art. 289, § 2º, do CP. - Sanção inferior a 8 anos de reclusão. Pena-
Impossibilidade. Materialidade, autoria e base fixada no mínimo legal. Circunstâncias
dolo comprovados. Dosimetria da pena. TRF judiciais favoráveis. Modo de execução mais
4ª R. (Em. 95/56)............................................ 178 gravoso imposto com base na gravidade abs-
trata do delito. Motivação inidônea. Estabe-
- Obtenção de financiamento bancário de lecimento do regime semiaberto. Inteligência
forma fraudulenta. Pena de multa redimen- do art. 33, § 2º, b, do CP. STJ (Em. 95/41)... 173
sionada. As provas não deixam dúvida de que
o apelante obteve um financiamento junto - Tóxicos. Tráfico. Redutor. Art. 33, § 4º, da
ao Banco Sudameris, apresentando como Lei 11.343/06. Afastamento com suporte
garantia um crédito inexistente, fruto de uma apenas na quantidade de drogas apreendidas.
venda simulada. Pena privativa de liberdade Ausência de outros elementos capazes de
mantida. Pena de multa redimensionada. demonstrar a dedicação à prática de atividades
TRF 3ª R. (Em. 95/57)................................... 179 ilícitas ou participação em organização crimi-
nosa. Impossibilidade. STJ (Em. 95/78)....... 185
- Pornografia infantojuvenil. Programa de
compartilhamento de dados. Uso. Reconhe- - Uso de documento falso e falsidade ideológi-
cimento da continuidade delitiva. Crimes ca. Alteração, de ofício, do quantum majorador
previstos nos arts. 241-A e 241-B da Lei empregado pelo magistrado sentenciante.
8.069/90. Materialidade incontroversa. Au- Agravante. Correção, de ofício, da referência
toria e elemento subjetivo. Comprovação. ao dispositivo legal que trata da hipótese re-
TRF 3ª R. (Em. 95/60)................................... 180 conhecida pela autoridade judiciária. De fato,
as circunstâncias delitivas se mostram acima
- Progressão de regime. Realização de exame da média, principalmente tendo em vista que
psiquiátrico e criminológico. Possibilidade. o uso de documento ideologicamente falso
Fundamentação inidônea. Constrangimento ocorreu perante o Poder Judiciário. Todavia,
ilegal caracterizado. Ordem concedida, de a majoração levada a efeito pela sentença
ofício. STJ (Em. 95/29).................................. 170 (pena-base fixada em 2 anos de reclusão
- Remição. Apenado que não exerce atividade enquanto o preceito secundário do art. 299
laboral ou de estudo por conta da ausência do CP estabelece pena mínima de 1 ano)
de oferta estatal. Remição que só é devida mostra-se exacerbada e não respaldada em
em caso de efetivo trabalho ou estudo. Inte- balizas aceitas pela jurisprudência, que, em
ligência do art. 126 da LEP. Impossibilidade casos semelhantes, chancela incremento na
de afastar a conclusão implementada pelas casa de 1/6. Redimensionamento do número
instâncias antecedentes. STF (Em. 95/30).... 170 de dias-multa, de forma proporcional à fixa-
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 199

ção da pena privativa de liberdade, fixação do de uma das condutas. Materialidade e autoria
regime aberto e substituição da pena corporal incontestes em relação às demais. Dosimetria
por penas restritivas de liberdade. TRF 3ª R. inalterada. Prisão preventiva mantida. TRF 2ª
(Em. 95/85)..................................................... 187 R. (Em. 95/5).................................................. 163
- Violência doméstica. Lesão corporal (art. 129, - Programa de compartilhamento de dados.
§ 9º, do CP). Pleito de absolvição. Tese de Uso. Pena. Dosimetria. Alterações. Re-
legítima defesa. Art. 25 do CP. Inocorrência. conhecimento da continuidade delitiva.
Utilização pela ré de meios imoderados para Crimes previstos nos arts. 241-A e 241-B da
repelir a conduta de sua sobrinha. Pleito Lei 8.069/90. Materialidade incontroversa.
de redução da pena-base. Acolhimento.
Autoria e elemento subjetivo. Comprovação.
Valoração negativa da circunstância judicial
TRF 3ª R. (Em. 95/60)................................... 180
das consequências do crime baseada na de-
claração da vítima de que ainda sente dores PRESCRIÇÃO
no dedo lesionado. TJSE (Em. 95/89)........... 189
- Marco interruptivo. Publicação da sentença
PENA DE MULTA em cartório. A prescrição se interrompe na
- Natureza de sanção. Competência da vara de data da publicação da sentença em cartório,
execuções penais. Prescrição. Prazo da pena ou seja, de sua entrega ao escrivão, e não da
privativa de liberdade. Prescrição da pena de intimação das partes ou publicação no órgão
multa reconhecida. TJES (Em. 95/59).......... 180 oficial. TRF 1ª R. (Em. 95/61)....................... 181

PERDA DO CARGO PÚBLICO - Pena de multa. Natureza de sanção. Com-


petência da vara de execuções penais. Prazo
- Revisão criminal. Requerida pelo cônjuge. da pena privativa de liberdade. Prescrição
Réu falecido condenado pela prática do crime
da pena de multa reconhecida. TJES (Em.
do art. 1º, I, da Lei 8.137/90. Art. 621, I, do
95/59).............................................................. 180
CPP. Cabimento. Redução da pena do réu
abaixo de 4 anos. Manutenção da perda de - Pretensão executória. Marco inicial. A juris-
cargo público. Violação ao disposto no art. 92, prudência desta Corte é firmada no sentido
I, b, do CP. Revisão parcialmente procedente. de adotar a interpretação literal do art. 112, I,
TRF 2ª R. (Em. 95/72)................................... 183 do CP – de que o termo inicial da contagem
do prazo prescricional da pretensão executó-
POLUIÇÃO AMBIENTAL
ria é a data do trânsito em julgado da sentença
QUALIFICADA
condenatória para a acusação – por ser mais
- Acórdão do STJ – Crime ambiental. Arts. 54, benéfica ao réu. STJ (Em. 95/62).................. 181
§§ 2º, I, II, III e IV e 3º, e 56, § 1º, I e II, c/c o
art. 58, I, da Lei 9.605/98. Prática que se per- - Pretensão punitiva. Acórdão confirmatório
durou no tempo. Não cessação da atividade. de sentença condenatória. Interrupção do
Impossibilidade de aferição da prescrição..... 110 prazo prescricional. Possibilidade. Não obs-
tante a posição de parte da doutrina, o CP
PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL não faz distinção entre acórdão condenatório
- Aliciar e instigar crianças a se exibirem de inicial e acórdão condenatório confirmatório
forma pornográfica ou sexualmente explícita da decisão. STF (Em. 95/63)......................... 181
(art. 241-D da Lei 8.069/90) e possuir ou ar-
- Pretensão punitiva. O recebimento da de-
mazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo
núncia por órgão judiciário absolutamente
ou outra forma de registro que contenha cena
incompetente não tem eficácia interruptiva
de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
criança ou adolescente (art. 241-B da Lei da prescrição penal. TRF 4ª R. (Em. 95/14). 167
8.090/90). Prisão preventiva. Insurgência - Pretensão punitiva. Trânsito em julgado. Re-
defensiva pleiteando a concessão de liberdade curso extraordinário inadmitido. Interposto
provisória. Cabimento. TJSP (Em. 95/4)...... 163 RE pela defesa e sendo ele inadmitido, o
- Crimes dos arts. 217, 240 e 241-A do CP. trânsito em julgado retroage à última decisão
Definição de pornografia infantojuvenil. Art. resultante do julgamento de recurso conhe-
241-E do CPP e protocolo facultativo à con- cido, ou seja, de recurso que foi admitido e
venção sobre direitos da criança. Princípio da teve seu mérito analisado. TRF 4ª R. (Em.
legalidade estrita. Manutenção da absolvição 95/64).............................................................. 181
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Índice Alfabético
200

PRISÃO DOMICILIAR - Tentativa de roubo majorado pelo emprego


- Comprovação de que o paciente faz parte de arma branca. Necessidade da prisão.
de grupo de risco (art. 1º, p. único, I, da Presença dos requisitos do art. 312 do CPP.
Reclamação 62 do CNJ). Liminar deferida. Prova da existência do crime e indícios su-
Ordem concedida. TJSP (Em. 95/28)........... 170 ficientes de autoria. Intenso risco. Assalto a
- Estupro de vulnerável. Réu idoso (69 anos), estabelecimento comercial, com notícia de
portador de doença crônica (diabetes), que que uma das vítimas saiu ferida do embate
se enquadra no grupo de risco, sendo mais com o paciente. Alegada prática do crime
suscetível à complicação da doença denomi- sob o efeito de drogas e álcool. Inexistência
nada Covid-19. Liminar ratificada. Ordem
de nexo de causalidade entre a dependência
concedida. TJRS (Em. 95/22)........................ 168
química e o crime. TJSE (Em. 95/77)........... 185
- Filhos menores de 12 anos. Tóxicos. Tráfico
e associação para o tráfico. Constrangimento - Violência doméstica. Ameaças. Descumpri-
ilegal evidenciado. Substituição da prisão mento de medidas protetivas. Audiência de
preventiva por prisão domiciliar. Art. 318-A, custódia. Retratação da vítima. Ação penal
V, do CPP. Possibilidade. Ausência de ex- pública incondicionada. A circunstância de
cepcionalidade. HC não conhecido. Ordem que o paciente não foi conduzido para au-
concedida, de ofício, para, confirmando a
diência de custódia não enseja a revogação
liminar anteriormente deferida, determinar a
substituição da prisão preventiva da paciente da prisão. Inviável, a aplicação das cautelares
por domiciliar, sem prejuízo da aplicação diversas (previstas no art. 319 do CPP), ou
concomitante das medidas alternativas a concessão da prisão domiciliar ao paciente,
previstas no art. 319 do CPP, a serem defi- pois medidas insuficientes e inadequadas ao
nidas pelo Juízo de primeiro grau. STJ (Em. caso em concreto. A prisão preventiva não
95/79).............................................................. 185 ofende o princípio constitucional da presun-
PRISÃO PREVENTIVA ção de inocência, nem se trata de execução
- Acórdão do TJRS – Violência doméstica. antecipada da pena. TJRS (Em. 95/87).......... 188
Medidas protetivas. Descumprimento. Le-
PRISÃO TEMPORÁRIA
são corporal. Não realização de audiência,
na presença das partes, com vistas a analisar - Homicídio qualificado. Excesso de prazo.
alternativa diversa da prisão. Liberdade con- Prazo de 30 (trinta) dias extrapolado. Prorro-
cedida.............................................................. 147 gação que somente ocorreu após 7 dias do fim
- Acórdão do TJSP – Decretação de ofício. do prazo da prisão. Constrangimento ilegal
Revogação da medida. Possibilidade. Lei evidenciado. Prisão ilegal. Relaxamento que
13.964/2019 que veda a decretação de ofício se impõe. TJSE (Em. 95/46).......................... 175
da prisão.......................................................... 159
- Paciente com prisão temporária decretada
- Estelionato. Paciente acusado da prática do
delito tipificado no art. 171, § 4º, do CP. em 20 de fevereiro de 2020, mas sem data de
Pedido de liberdade provisória. Cabimento. efetivo recolhimento informada nos autos,
Pandemia do Coronavírus. Covid-19. Crime pela suposta prática do delito de homicídio.
cometido sem violência ou grave ameaça Decreto prisional que não indicou a impres-
à pessoa. Primazia da dignidade humana e cindibilidade da medida para as investigações.
da saúde individual e coletiva. TJSP (Em. Liberdade concedida. Liminar ratificada.
95/65).............................................................. 182
TJRS (Em. 95/45)........................................... 175
- Estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).
Paciente inimputável. Pedido de revogação PRONÚNCIA
da manutenção da prisão preventiva. Não - Júri. Absolvição sumária ou despronúncia por
acolhido. Existência dos requisitos e pres-
negativa de autoria. Impossibilidade. Indícios
supostos da prisão preventiva. Avaliação
psiquiátrica que confirma a possibilidade de fortes carreados aos autos. Prevalência do
reiteração delitiva ante a incapacidade de en- princípio do in dubio pro societate. TJMG (Em.
tendimento do paciente. TJSE (Em. 95/23).. 168 95/51).............................................................. 177
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 201

R Constrangimento ilegal não configurado.


STJ (Em. 95/27)............................................. 170
REABILITAÇÃO CRIMINAL - Pena. Dosimetria. Terceira fase. Exasperação
- É cabível a reabilitação criminal do agente que superior a 1/3. Violação da súmula 443/STJ.
cumpre os requisitos elencados no art. 94 do Ausência de fundamentação idônea. Majo-
CP. TRF 4ª R. (Em. 95/67)............................ 182 rantes do crime. Circunstâncias inerentes ao
delito. STJ (Em. 95/74).................................. 184
REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA
À ESCRAVIDÃO
S
- Recrutamento mediante fraude. CP, arts. 149
e 207. Inocorrência. Sentença absolutória SEBÁSTIAN BORGES DE
mantida. No caso dos autos, o empregado ALBUQUERQUE MELLO E
não apenas passou a trabalhar normalmente MARIANA RIBEIRO DE ALMEIDA
na fazenda, como, posteriormente, trouxe
- Artigo: “O Caso Neymar: Divulgação de
(voluntariamente) a esposa e a filha para que
Imagens Íntimas sob a Perspectiva da Inexi-
ali residissem. TRF 3ª R. (Em. 95/70).......... 183
gibilidade de Conduta Diversa”.................... 81
REVISÃO CRIMINAL
SEQUESTRO
- Hipóteses de admissibilidade da ação de revi-
- Ativos em instituições financeiras em nome
são criminal. Art. 621 do CPP. Lesão corporal
da recorrente. Depósitos efetuados por em-
seguida de morte. Fixação da pena-base no
presas de fachada utilizadas por organização
patamar mínimo legal. Atenuante de violenta
voltada para a prática de tráfico internacional
emoção. Afastamento da causa de aumento
de drogas e lavagem de dinheiro. Ausência
relativa ao crime cometido contra pessoa
dos devidos esclarecimentos concernentes
maior de 60 anos. Revisão improcedente.
aos depósitos realizados. Não obstante as
Conforme art. 129, § 7º, do CP, deve-se apli-
alegações de boa-fé da embargante/apelante,
car o aumento de pena previsto no art. 121, §
a sentença que manteve a ordem de sequestro
4º, do mesmo diploma normativo quando a
dos valores por ela recebidos foi devidamente
lesão corporal tem como vítima pessoa maior
fundamentada e aplicada nos exatos termos
de 60 anos. TJES (Em. 95/71)....................... 183
do CPP e das Leis 11.343/06 e 9.613/98. TRF
- Requerida pelo cônjuge. Réu falecido con- 4ª R. (Em. 95/58)............................................ 179
denado pela prática do crime do art. 1º, I, da
Lei 8.137/90. Art. 621, I, do CPP. Cabimento. SIGILO PROFISSIONAL E
Redução da pena do réu abaixo de 4 anos. DEPOIMENTO DE ADVOGADO
Manutenção da perda de cargo público. - Dever de sigilo sobre fatos conhecidos no
Violação ao disposto no art. 92, I, b, do CP. exercício da atuação como advogado. Proi-
Revisão criminal julgada parcialmente pro- bição de testemunho e inadmissibilidade da
cedente. TRF 2ª R. (Em. 95/72).................... 183 prova. Pode e deve o advogado recusar-se
- Roubo. Pena. Dosimetria. Afastamento a comparecer e a depor como testemunha,
da reincidência. Ação que transitou em em investigação relacionada com a alegada
julgado posteriormente aos fatos ocorridos falsidade de documentos. STF (Em. 95/75). 184
na presente ação penal, razão pela qual não SONEGAÇÃO FISCAL
poderia ter sido considerado reincidente, nos
termos do que dispõe o art. 63 do CP. Pena - Acórdão do TRF 3ª R. – Quitação integral
mantida, porém alterado o regime inicial do débito tributário. Realização após o rece-
de cumprimento de pena. Revisão criminal bimento da denúncia. Extinção da punibili-
julgada procedente. TJES (Em. 95/73).......... 184 dade. Admissibilidade.................................... 133
- ICMS. Tributo estadual. Princípio da insigni-
ROUBO
ficância. Inaplicabilidade do patamar disposto
- Emprego de arma branca. Aplicação retroativa no art. 20 da Lei 10.522/02. Legislação apli-
da Lei 13.654/2018. Competência. Juízo da cável apenas aos tributos de competência da
execução. Art. 66, I, da LEP. Ausência de União. Incidência do art. 1º da Lei Estadual
reflexo concreto na dosimetria. Reformatio 7.772/2013. Ausência de constrangimento
in pejus. Não ocorrência. Súmula 611/STF. ilegal. STJ (Em. 95/10)................................... 165
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 – Índice Alfabético
202

- Procedimento fiscal. Prova legal. O tipo U


penal previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90
prescinde de dolo específico, sendo suficiente UNIFICAÇÃO DE PENAS
a presença do dolo genérico, consistente na
- Acórdão do TJES – Detenção e reclusão,
omissão voluntária do recolhimento, no pra-
com votação não unânime. O art. 111 da LEP
zo legal, do valor devido aos cofres públicos.
expressamente autoriza a unificação para fins
TRF 1ª R. (Em. 95/76)................................... 185
de execução da pena....................................... 144
- Detenção e de reclusão. Possibilidade. San-
T
ções da mesma espécie. Insurgência despro-
TÓXICOS vida. STJ (Em. 95/82)..................................... 186

- Acórdão do STF – Pena. Tráfico. Incidência - Impossibilidade de cumprimento simultâneo


da causa especial de redução prevista no § 4º de pena restritiva de direitos e privativa de
do art. 33 da Lei 11.343/06. Possibilidade..... 104 liberdade em regime fechado. Reconversão.
Possibilidade. STJ (Em. 95/83)...................... 186
- Pena. Tráfico. Redutor. Art. 33, § 4º, da Lei
11.343/06. Afastamento com suporte apenas - Novo marco temporal para a concessão de
na quantidade de drogas apreendidas. Ausên- benefícios executórios. Trânsito em julgado
cia de outros elementos capazes de demons- da última condenação. Afastamento. STF.
trar a dedicação à prática de atividades ilícitas A alteração da data-base para concessão de
ou participação em organização criminosa. novos benefícios executórios em razão da
Impossibilidade. STJ (Em. 95/78)................. 185 unificação de penas não encontra respaldo
legal, configurando-se a sua modificação
- Tráfico e associação para o tráfico. Constran- excesso de execução. O período de cumpri-
gimento ilegal evidenciado. Substituição da mento de pena desde o início da execução ou
prisão preventiva por prisão domiciliar. Art. desde a última infração disciplinar não pode
318-A, V, do CPP. Possibilidade. Filhos me- ser desconsiderado, seja por delito ocorrido
nores de 12 anos. Ausência de excepcionali- antes do início da execução da pena, seja por
dade. HC não conhecido. Ordem concedida, crime praticado depois e já apontado como
de ofício, para, confirmando a liminar ante- falta grave. TJMG (Em. 95/84)...................... 187
riormente deferida, determinar a substituição
da prisão preventiva da paciente por domici- USO DE DOCUMENTO FALSO E
liar, sem prejuízo da aplicação concomitante FALSIDADE IDEOLOGICA
das medidas alternativas previstas no art. - Pena-base. Alteração, de ofício, do quantum
319 do CPP, a serem definidas pelo Juízo de majorador empregado pelo magistrado sen-
primeiro grau. STJ (Em. 95/79).................... 185 tenciante. Agravante. Correção, de ofício,
- Tráfico transnacional. Maconha. Consumo da referência ao dispositivo legal que trata
pessoal. Critérios de avaliação pelo juiz. Des- da hipótese reconhecida pela autoridade
classificação. Tendo em conta a quantidade de judiciária. De fato, as circunstâncias delitivas
droga apreendida com o réu, em conjunto se mostram acima da média, principalmente
com as demais circunstâncias do caso con- tendo em vista que o uso de documento ide-
creto, verossímil que sua pretensão fosse o ologicamente falso ocorreu perante o Poder
consumo pessoal, encontrando a conduta Judiciário. Todavia, a majoração levada a efei-
adequação ao tipo penal previsto no art. 28 to pela sentença (pena-base fixada em 2 anos
da Lei. Remessa dos autos ao Juizado Especial de reclusão enquanto o preceito secundário
Criminal da Comarca de Foz do Iguaçu/PR. do art. 299 do CP estabelece pena mínima de
TRF 4ª R. (Em. 95/80)................................... 186 1 ano) mostra-se exacerbada e não respaldada
em balizas aceitas pela jurisprudência, que,
TRANSAÇÃO PENAL
em casos semelhantes, chancela incremento
- Execução no juízo cível. Art. 2º da Lei na casa de 1/6. Redimensionamento do nú-
9.605/98. Autoria. Se não há provas de que mero de dias-multa, de forma proporcional à
o réu participou da extração mineral narrada fixação da pena privativa de liberdade, fixação
na denúncia, deve ser mantida a absolvição do regime aberto e substituição da pena cor-
com fulcro no art. 386, V, do CPP. TRF 4ª R. poral por penas restritivas de liberdade. TRF
(Em. 95/81)..................................................... 186 3ª R. (Em. 95/85)............................................ 187
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 95 – Abr-Maio/2020 203

- Procuração com endereço falso para mo- 3.688/1941). Depoimento da vítima. Alegação
dificação de competência. Prescrição. Não de especial valor e que deve ser cotejado com
ocorrência. Materialidade, autoria e dolo as demais provas. Dúvida que atua em favor
demonstrados. A utilização de procuração do réu ainda que em contexto de violência
contendo dado inverídico sobre fato juri-
doméstica. TJSE (Em. 95/88)........................ 189
dicamente relevante, como na hipótese dos
autos, em que a indicação de endereço falso - Acórdão do TJRS – Prisão preventiva. Me-
se deu com a finalidade de burlar as regras didas protetivas. Descumprimento. Lesão
de competência judicial. é conduta que se corporal. Não realização de audiência, na
amolda ao tipo penal do art. 304 c/c o art. presença das partes, com vistas a analisar
299 do CP. O dolo específico, consistente alternativa diversa da prisão. Liberdade con-
na finalidade de alterar a verdade sobre fato
cedida.............................................................. 147
juridicamente relevante está evidenciado.
Mantida a exasperação da pena-base, por- - Ameaças. Descumprimento de medidas
quanto devidamente fundamentada e calcada protetivas. Audiência de custódia. Prisão
em elementos concretos extraídos dos autos. preventiva. Retratação da vítima. Ação penal
TRF 3ª R. (Em. 95/66)................................... 182 pública incondicionada. A circunstância de
USO INDEVIDO DE UNIFORME, que o paciente não foi conduzido para au-
DISTINTIVO OU INSÍGNIA MILITAR diência de custódia não enseja a revogação
da prisão. Inviável, a aplicação das cautelares
- Condenação em primeiro grau. Atipicidade
formal da conduta. Militar da reserva re- diversas (previstas no art. 319 do CPP), ou
munerada. Não acolhimento. Atipicidade a concessão da prisão domiciliar ao paciente,
material da conduta. Ausência de dolo pois medidas insuficientes e inadequadas ao
específico. Não comprovação. Princípio da caso em concreto. A prisão preventiva não
bagatela imprópria. Não reconhecimento. ofende o princípio constitucional da presun-
Tratando-se o delito do art. 172 do CPM de ção de inocência, nem se trata de execução
crime de mera conduta, inexiste elemento antecipada da pena. TJRS (Em. 95/87).......... 188
subjetivo específico, de sorte que a conduta
caracteriza-se pela vontade livre e consciente - Lesão corporal (art. 129, § 9º, do CP). Pleito
de utilizar uniforme, distintivo ou insígnia de absolvição. Tese de legítima defesa. Art.
militar que sabe não ter direito a usar. STM 25 do CP. Inocorrência. Utilização pela ré
(Em. 95/86)..................................................... 188 de meios imoderados para repelir a conduta
de sua sobrinha. Pleito de redução da pena-
V base. Acolhimento. Valoração negativa da
circunstância judicial das consequências do
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA crime baseada na declaração da vítima de que
- Absolvição. Ameaça e contravenção penal de ainda sente dores no dedo lesionado. TJSE
vias de fato (art. 147 do CP e art. 21 do DL (Em. 95/89)..................................................... 189
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e inglês. O sumário contendo os tópicos em que se divide o artigo deverá estar
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