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© Revista Jurídica® ISSN 0103-3379

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judiciária. Ano 63, nº 451, Maio de 2015.

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ANO 63 – MAIO DE 2015 – Nº 451

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal: 03/85
Superior Tribunal de Justiça: 09/90
Tribunais Regionais Federais 1ª, 2ª e 4ª Regiões

Fundador
Professor Angelito Asmus Aiquel

Diretor Executivo
Elton José Donato

Gerente Editorial e de Consultoria


Eliane Beltramini
Coordenador Editorial
Cristiano Basaglia
Conselho Editorial
Ada Pellegrini Grinover – Alexandre Pasqualini – Alexandre Wunderlich
Anderson Vichinkeski Teixeira – Antonio Janyr Dall’Agnol Jr.
Araken de Assis – Arruda Alvim – Carlos Alberto Molinaro
Cezar Roberto Bitencourt – Daniel Francisco Mitidiero – Daniel Ustárroz
Darci Guimarães Ribeiro – Eduardo Arruda Alvim – Eduardo de Oliveira Leite
Eduardo Talamini – Ênio Santarelli Zuliani – Fátima Nancy Andrighi
Fredie Didier Júnior – Guilherme Rizzo Amaral – Humberto Theodoro Júnior
Ingo Wolfgang Sarlet – Jefferson Carús Guedes
João José Leal – José Carlos Barbosa Moreira – José Maria Rosa Tesheiner
José Roberto Ferreira Gouvêa – José Rogério Cruz e Tucci – Juarez Freitas
Lúcio Delfino – Luis Guilherme Aidar Bondioli
Luís Gustavo Andrade Madeira – Luiz Edson Fachin – Luiz Guilherme Marinoni
Luiz Manoel Gomes Júnior – Luiz Rodrigues Wambier – Márcio Louzada Carpena
Mariângela Guerreiro Milhoranza – Paulo Luiz Netto Lôbo
Rolf Madaleno – Salo de Carvalho – Sergio Cruz Arenhart
Sérgio Gilberto Porto – Teresa Arruda Alvim Wambier – William Santos Ferreira
Colaboradores desta Edição
Arthur M. Ferreira Neto, Dora García Fernández, Felipe Cunha de Almeida,
Graziela Maria Rigo Ferrari, Luciana Gemelli Eick, Ricardo Lupion Garcia,
Rômulo de Andrade Moreira
Sumário
Doutrinas
Civil, Processual Civil e Comercial
1. Abandono Afetivo: Os Limites do Direito na Coerção de
Manifestações Emocionais Humanas
Arthur M. Ferreira Neto e Luciana Gemelli Eick............................ 9
2. Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e
Responsabilidade Social
Graziela Maria Rigo Ferrari e Ricardo Lupion Garcia................... 53
3. Honorários Advocatícios e Novo Código de Processo Civil:
Primeiras Impressões
Felipe Cunha de Almeida.............................................................. 73
4. A Adoção de Embriões Humanos na Lei de Reprodução
Assistida Espanhola
Dora García Fernández................................................................. 85
Penal e Processual Penal
1. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Depu-
tados Aprova a Redução da Maioridade Penal
Rômulo de Andrade Moreira........................................................ 99
Sumário
Jurisprudência
Civil, Processual Civil e Comercial
Acórdãos na Íntegra
1. Supremo Tribunal Federal........................................................... 119
2. Superior Tribunal de Justiça........................................................ 127
3. Superior Tribunal de Justiça........................................................ 143
4. Tribunal Regional Federal da 1ª Região...................................... 147
5. Tribunal Regional Federal da 4ª Região...................................... 157
Ementário de Jurisprudência
1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial.....165

Penal e Processual Penal


Acórdãos na Íntegra
1. Superior Tribunal de Justiça........................................................ 189
2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região...................................... 197

Ementário de Jurisprudência
1. Ementário de Jurisprudência Penal e Processual Penal......................205

Índice Alfabético e Remissivo.................................................223


EDITORIAL

A Revista Jurídica trata de temas atuais e de suma relevância aos profissionais


do direito. Os trabalhos doutrinários, de autoria de relevantes juristas, são divididos
nas áreas cível e penal.

Doutrina Cível
Os Mestres Arthur M. Ferreira Neto e Luciana Gemelli Eick averiguam
se toda e qualquer ação tipicamente humana pode ser alvo de controle e re-
gulação por parte do Direito, inclusive aquelas interações humanas que pres-
supõem alguma manifestação sensitiva espontânea, com intencionalidade
autônoma e sincera do agente, como é o caso do afeto, carinho e atenção. Dito
de outro modo, buscam nesse estudo analisar se tanto o legislador, quanto
o operador jurídico poderiam, por meio da dimensão coercitiva do Direito,
pretender imputar obrigação jurídica que exigiria o cumprimento de deter-
minadas atitudes afetivas por parte das figuras parentais em relação aos seus
filhos, de modo a impor sanções (i.e., o pagamento de indenização pecuni-
ária) em caso de não atendimento satisfatório desse suposto dever jurídico.
A Especialista Graziela Maria Rigo Ferrari e o Pós-Doutorado Ricardo
Lupion Garcia apresentam: I) a construção de um conceito de função social e
responsabilidade social da empresa a partir da análise de posição histórica e
doutrinária no cenário mundial e no cenário brasileiro; (II) a função social em
sua dimensão positiva mediante o reconhecimento do potencial atribuível
à iniciativa privada na construção de uma sociedade justa e que atenda aos
anseios sociais e em sua dimensão restritiva; e (III) a responsabilidade social
como regra econômica e ética na busca de um desenvolvimento sustentável.
O Professor Felipe Cunha de Almeida aborda a questão referente à ve-
dação à compensação de honorários advocatícios que trouxe o Novo Código
de Processo Civil. Em relação aos honorários, leciona Humberto Theodoro
Júnior que “Entre os gastos necessários que a parte faz no processo figuram
os honorários pagos a seu advogado”, sendo, portanto, uma espécie do gêne-
ro relativo às despesas processuais.
A Professora Dora García Fernández fala sobre o principal problema
que surge das técnicas de fecundação assistida, especialmente da FIVET
(Fertilização In Vitro com Transferência de Embriões) que são os embriões
excedentários. Levando em consideração que são seres humanos com poten-
cialidade de se tornarem adultos, é importante que a legislação de cada país
considere a possibilidade de oferecê-los para adoção por parte de casais in-
férteis, com o objetivo de lhes dar a oportunidade de nascer, tal como estabe-
lece a legislação espanhola (artigo traduzido pelo Professor Daniel Ustárroz).

Doutrina Penal
O Procurador Rômulo de Andrade Moreira trata sobre a proposta de
redução da maioridade penal e afirma que querer a aplicação da pena de
privação da liberdade de adolescentes de dezesseis anos resolva a questão
da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois de nada
adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais du-
radouras ou mais cruéis.

Os Editores
Doutrina
Cível

Abandono Afetivo: Os Limites do


Direito na Coerção de Manifestações
Emocionais Humanas
A rthur M. F erreira N eto
Mestre e Doutor em Filosofia pela PUCRS, Mestre e Doutorando
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Professor da Faculdade de Direito da PUCRS, Advogado.

L uciana G emelli E ick

l
el
Mestre em Fundamentos Constitucionais do Direito Público e

ve
do Direito Privado pela PUCRS, Especialista em Direito dos
Contratos e Responsabilidade Civil pela Unisinos, Advogada.

a C íí v
SUMÁRIO: Introdução; I – O contexto fático e jurídico do caso
enfrentado no REsp 1.159.242/SP; II – Análise crítica dos ar-
na

gumentos jurídicos adotados no REsp 1.159.242/SP; 2.1 O de-


r ii n

ver de indenizar em razão da ausência de impedimento legal;


2.2 A possibilidade de mensuração, controle e regulação es-
tatal dos processos emocionais internos dos indivíduos; 2.3 A
tr

natureza voluntária dos vínculos emocionais; 2.4 A fabricação


do conceito de cuidado afetivo; III – O princípio da dignidade
ut

da pessoa humana e a precificação do afeto; IV – A eficácia


ou

social da decisão que pretende regular a manifestação de cui-


dado afetivo; Conclusão; Referências.
Do

O principal objetivo da disciplina da responsabilidade civil


consiste em definir, entre os inúmeros eventos danosos que se
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verificam quotidianamente, quais deles devam ser transferidos do


lesado ao autor do dano, em conformidade com as ideias de justiça
e equidade dominantes na sociedade.
Konrad Zweigert e Hein Kötz

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como propósito central averiguar se toda e qual-


quer ação tipicamente humana pode ser alvo de controle e regulação por
parte do Direito, inclusive aquelas interações humanas que pressupõem al-
guma manifestação sensitiva espontânea, com intencionalidade autônoma e
sincera do agente, como é o caso do afeto, carinho e atenção. Dito de outro
modo, busca-se nesse estudo analisar se tanto o legislador quanto o operador
jurídico poderiam, por meio da dimensão coercitiva do Direito, pretender
imputar obrigação jurídica que exigiria o cumprimento de determinadas ati-
tudes afetivas por parte das figuras parentais em relação aos seus filhos, de
modo a impor sanções (i.e., o pagamento de indenização pecuniária) em caso
de não atendimento satisfatório desse suposto dever jurídico. A relevância
e a atualidade dessa discussão surgem em razão do Acórdão proferido pela
3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp
1.159.242, o qual, em 24.04.2012, entendeu por maioria que o chamado aban-
dono afetivo por parte dos genitores em relação aos seus filhos refletiria dano
moral passível de ser regulado pelo Direito e de ser objeto de reparação pe-
cuniária por meio de indenização.
Importante ressaltar que não se almeja aqui apresentar tão somente
comentários ao referido julgado com objetivo de analisar a retidão das ques-
tões técnico-jurídicas enfrentadas no caso, de modo a averiguar a sua compa-
tibilidade ou não com a dogmática civilista ou com o próprio Código Civil.
Não se visa, portanto, a enfrentar aqui as considerações pertinentes ao tema
da responsabilidade civil em si considerada, de modo que não se busca, nes-
te estudo, reconstruir e readequar os conceitos de culpa, dano, nexo causal
etc. Isso porque, conforme se pretende demonstrar, as questões envolvendo
o suposto dever de indenizar nos casos de “abandono afetivo” de nenhum
modo podem ser enfrentadas apenas a partir da ótica civilista, na medida
em que esse debate toca em pressupostos fundamentais da teoria do Direito,
exigindo, pois, seja esclarecida, previamente, a efetiva função coordenadora
do Direito e sejam, assim, definidos os verdadeiros limites regulatórios do
direito. Desse modo, o presente estudo assume escopo expressivamente mais

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amplo, já que se pretende enfrentar a referida questão jurídica a partir da


perspectiva da filosofia do direito e da teoria do direito, com o intuito de se
averiguar se, entre todas as ofensas a bens imateriais (tais como honra, cons-
ciência, imagem) que são passíveis de indenização, a falha em dedicar afeto,
carinho, atenção também se encontra entre esses bens intangíveis que podem
ser controlados e coordenados pela nossa prática jurídica.
Ressalte-se, desde já, que os autores de nenhum modo entendem como
louvável ou digna de elogio a postura de um pai que não demonstra afeto
ou que não dedica atenção emotiva ao seu filho. Não se pretende, pois, por
meio deste artigo, elaborar argumentos que servirão de proteção especial a
pais negligentes e omissos em relação a seus filhos. Os autores, certamente,
compartilham da visão comum de que um indivíduo que não demonstra afe-
to, carinho e atenção para com a sua prole manifesta alguma espécie de cor-
rupção de caráter e assume atitude moralmente reprovável, a qual, inclusive,
pode se justificar em razão de inúmeros fatores sociológicos e psicológicos
(e.g., algum distúrbio emocional ou até algum transtorno psíquico).
Dito isso, mostra-se evidente que sempre existirão pais, concretamente
considerados, que não estarão capacitados a direcionar verdadeiro afeto aos
seus filhos, seja por inabilidade, seja por compromissos excessivos assumi-
dos em outras áreas da vida, ou seja ainda em razão de evidentes desvios
de personalidade que o impedem de demonstrar o necessário cuidado emo-
cional que um ser humano em formação necessita. Assim, não é novidade
– nem deveria ser algo espantoso – conceber a ideia de que existem pais que
não demonstram carinho, afeto e atenção a seus filhos, do mesmo modo que
existem amigos, noivos(as)/cônjuges/companheiros(as) que nos desiludem
e que existem pessoas sem qualquer sentimento de compaixão pelo próximo.
Do traço reprovável dessa atitude omissiva, porém, não se poderá extrair a
imediata e precipitada conclusão de que caberá ao direito corrigir tais defei-
tos humanos, principalmente por meio da imposição de sanções monetárias
ao pai com deficiências emocionais. É o que se pretende neste estudo de-
monstrar.

I – O CONTEXTO FÁTICO E JURÍDICO DO CASO ENFRENTADO NO


RESP 1.159.242/SP

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial


nº 1.159.242/SP, interposto contra Acórdão proferido pelo Tribunal de Jus-
tiça do Estado de São Paulo, enfrentou caso em que a litigante ajuizou ação
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indenizatória contra seu genitor, visando à reparação por danos materiais


e compensação por danos morais, ao argumento de que teria sido vítima
de abandono afetivo por parte de seu pai, o qual jamais teria lhe dedicado
carinho, atenção e cuidado emocional durante o período de sua infância e
juventude. Em primeira instância, a pretensão da filha foi julgada improce-
dente, pois, por meio da prova testemunhal colhida, restou provado que o
distanciamento ocorrido entre pai e filha deveu-se ao constante comporta-
mento agressivo apresentando pela genitora da autora. Fator esse que veio
a impedir que o pai se fizesse presente nos mais importantes momentos da
vida da filha. O julgador de primeiro grau, ao prolatar a sentença, destacou
os seguintes fatos relatados pelas testemunhas inquiridas:
A prova produzida demonstra que não existiu e não existe convívio entre
autora e réu, filha e pai, e tal situação decorre do comportamento agressivo
da genitora da autora em relação ao requerido.
Tal fato é relatado pelas testemunhas inquiridas na audiência de instrução,
inclusive incidentes ocorridos no casamento do requerido, onde a genitora
da autora se fez presente visando tumultuar a cerimônia. Esteve também
na residência do requerido e em seu local de trabalho, promovendo escân-
dalos, inclusive arremessando pedras contra a casa do mesmo.
Na data da audiência, nos corredores do Fórum, agrediu fisicamente o re-
querido e ameaçou as testemunhas que seriam inquiridas.
Tais fatos demonstram que a aproximação do requerido à autora, sua filha,
principalmente nas datas por ela mencionadas, como natal, formatura, ani-
versário, etc., era praticamente impossível, dado o comportamento agressi-
vo da genitora da autora.

Inconformada, recorreu a autora pleiteando a total reforma da senten-


ça, tendo o Tribunal de Justiça, por sua vez, dado provimento ao recurso
interposto, reconhecendo o dano afetivo causado pelo recorrido, seu pai,
oportunidade em que a indenização por danos morais restou arbitrada em
R$ 415.000,001.

1 Restou assim ementado o referido Acórdão: “Ação de indenização. Danos morais


e materiais. Filha havida de relação amorosa anterior. Abandono moral e material.
Paternidade reconhecida judicialmente. Pagamento de pensão arbitrada em dois salários-
mínimos até a maioridade. Alimentante abastado e próspero. Improcedência. Apelação.
Recurso parcialmente provido” (TJSP, 7a C. “B” de Direito Privado, Desª Daise Fajardo
Jacot).
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O genitor, inconformado com sua condenação a pagar quantia pecu-


niária em favor de sua filha, em razão de suposto abandono emocional, in-
terpôs recurso especial, alegando que não houve qualquer prática negligente
de sua parte passível de gerar dever de indenizar e, ainda que tal fato tivesse
ocorrido, esse evento não caracteriza conduta juridicamente ilícita. Ressaltou
que a única sanção possível de ser aplicada seria a perda do poder familiar,
tal como prevista no art. 1.638 do Código Civil de 20022. Alternativamente,
pugnou pela redução do valor da condenação.
Apreciando tal Recurso Especial – que recebeu o número 1.159.242 –, a
3ª Turma do STJ, em voto de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, acabou
dando parcial provimento ao recurso interposto pelo genitor, entendendo,
por maioria, que o abandono afetivo cometido pelo pai em relação a sua filha
ensejaria dano moral passível de ser corrigido pelo direito e de ser objeto
de reparação pecuniária por meio de indenização. Desse modo, a referida
decisão da Corte Superior manteve, em parte, o Acórdão prolatado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo, reduzindo, no entanto, a condenação para
R$ 200,000,003.
No que se refere aos esclarecimentos fáticos do caso, mostrou-se, ainda,
bastante esclarecedor o voto-vista do Ministro Sidnei Beneti, o qual destacou
relevantes elementos casuísticos que pautaram a situação concreta analisada,
especialmente no que se refere aos fatores que teriam permitido, in casu, a
caracterização do abandono paterno. Destacou o Ministro os seis atos que
a filha abandonada havia invocado como ilícitos que teriam sido cometidos
pelo seu pai, os quais acarretariam o dano moral ensejador de indenização,
quais sejam:
1º) O genitor teria adquirido propriedades, por simulação, em nome
dos outros filhos;
2º) Não teria ele dado atenção às reclamações da filha em relação à
simulação praticada;

2 “Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I − castigar
imoderadamente o filho; II − deixar o filho em abandono; III − praticar atos contrários
à moral e aos bons costumes; IV − incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.”
3 Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Boas Cueva
votaram com a Sra. Ministra Relatora, restando vencido o voto do Sr. Ministro Massami
Uyeda.
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3º) Jamais veio o pai a demonstrar carinho, afeto, amor, atenção, apoio
moral, nunca tendo a filha sentado no colo do pai, não tendo rece-
bido conselhos paternais, ajuda na escola, cultural e financeira etc.;
4º) Teria sido o pai negligente no auxílio em despesas médicas, esco-
lares, abrigo, vestiário e outras;
5º) Teria o genitor apenas efetuado o pagamento de pensão alimentí-
cia de modo compulsório, por meio de imposição judicial; e
6º) O reconhecimento do vínculo parental somente teria se dado por
meio de processo judicial.
Com base em tais elementos fáticos, o Ministro Sidnei Beneti votou
pelo provimento parcial do recurso especial interposto apenas para reduzir o
valor da condenação para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Em sentido contrário foi o voto do Ministro Massami Uyeda, o qual
entendeu não existir direito à indenização no caso, na medida em que im-
passível de controle jurídico o dever de garantir aos filhos atenção e carinho
paternos. O Ministro Uyeda assim afirmou:
O ideal da convivência das pessoas é que todos tivéssemos uma vida em
família harmoniosa, com o pai e a mãe expedindo esse amor, esse carinho,
mas manifestações de amor e carinho é meio complexo. Não posso exigir
que os meus padrões psicológicos se coloquem na normalidade.

Do mesmo modo, o Sr. Ministro Massami Uyeda assim questionou:


O que é a negligência no sentido do dever, do pátrio dever? Não sei. Nós
mesmos, como pais, avós, temos inúmeras falhas. As crianças, os filhos,
hoje, já são adultos e podem até reclamar, e até com muita razão. Então,
abrir essa porta aqui, reconhecer isso como um direito não podemos, como
todo o respeito. Existe uma lesão à estima. Todos nós... A nossa vida é feita
de perdas e ganhos, talvez até mais de perdas do que de ganhos.

Por fim, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino acompanhou a postu-


ra majoritária formada no caso, também concedendo parcial provimento ao
recurso especial interposto, admitindo a redução do valor da indenização.
Como se vê, portanto, a lide posta à apreciação da Corte Superior en-
volveu situação concreta de conflito de natureza emotivo surgido entre pai
e filha, na qual o primeiro teria cometido o denominado “abandono afeti-
vo” relativamente à segunda, na medida em que, mesmo que tivesse arcado
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– compulsoriamente – com as prestações alimentícias exigidas de um geni-


tor, garantindo, pois, os recursos financeiros para o provimento dos meios
necessários à subsistência e ao desenvolvimento básico da criança por ele
gerada, teria ele se omitido “da prática de fração dos deveres inerentes à
paternidade”4, mais especificamente, deveres de manifestação de atitudes de
carinho, afeto, preocupação e participação ativa em atividades realizadas por
sua filha. Assim, de acordo com o entendimento que prevaleceu junto à 3a
Turma do STJ, no REsp 1159242, tais práticas omissivas do genitor seriam
“elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável”5.
No que tange a questões de fundamentação jurídica do caso, a Ministra
Nancy Andrighi, Relatora do caso e responsável pelo voto que capitaneou a
postura majoritária do órgão julgador, construiu o seu iter decisório a partir
de uma série de argumentos inovadores (o que não significa dizer que sejam
necessariamente corretos), principalmente por introduzir novos elementos
que não são, em regra, invocados em decisões judiciais (e.g., considerações
multidisciplinares como as lições do psicanalista Donald Winnicott), como
também acabou se escorando em premissas que podem não ser compatíveis
com a natureza do fenômeno jurídico, na medida em que ampliam a função
regulatória do Direito, ao ponto de pretender impor ou coordenar a prática
de ações humanas que não são passíveis de coerção nem controle estatal, obs-
curecendo, assim, os limites que devem existir entre moral e Direito. Cabe,
pois, nesta etapa introdutória deste estudo, identificar e detalhar os princi-
pais argumentos que compuseram a ratio decidendi do voto proferido pela
Ministra Andrighi no caso mencionado.
Primeiramente, identificamos no referido voto o argumento que se
funda na própria sistematização interna de nosso direito positivo, o qual
aqui escolhemos denominar de “dever de indenizar em razão da ausência
de impedimento legal”. Quanto a esse ponto, a Ministra Andrighi ressaltou
que as relações intrafamiliares, mesmo que permeadas por elementos subje-
tivos, como sentimentos e emoções, não estariam fora do escopo da possibili-
dade compensatória, tipicamente, tratada pelo Direito, razão pela qual seria
possível identificar danos jurídicos causados por um genitor negligente que
não tenha cumprido com as suas “obrigações parentais”, o que permitiria a
sua condenação a pagar indenização pecuniária àquele que tenha sofrido o

4 Expressão utilizada pela Ministra Nancy Andrighi, no voto do Recurso Especial


nº 1.159.242/SP, p. 5.
5 Idem.
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correspondente abalo provocado pela não recepção de cuidado, atenção, ca-


rinho etc. Com efeito, partindo aprioristicamente da premissa de que existe
dano moral nas relações familiares, entendeu a Ministra Andrighi que po-
deria ser superado o fato de não haver previsão legal expressa que preveja
condenação para os casos do chamado abandono afetivo, alegando que “não
existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade
civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no Direito de Família”6.
Como se vê, o primeiro argumento que será analisado criticamente nos tópi-
cos seguintes deste artigo pressupõe que do fato de não haver impedimentos
legais à responsabilização jurídica dos pais deve-se concluir que esses podem
ser condenados a indenizar seus filhos em situações de conflito emocional-
-afetivo intraparental. Veremos, portanto, que o denominado argumento do
“dever de indenizar em razão da ausência de impedimento legal” sofre das
deficiências da circularidade e da derivação imprópria.
O segundo argumento que veio a ser adotado pela Ministra Andrighi,
o qual também merece ser submetido ao escrutínio de nossa crítica, pode
ser aqui qualificado como sendo “a possibilidade de mensuração, controle
e regulação estatal dos processos emocionais internos dos indivíduos”, de
modo que seria possível avaliar a qualidade da sua manifestação externa di-
recionada a terceiros. Se o primeiro argumento se escora em possível lacuna
legislativa no que se refere à imputação de dever de indenizar por falhas
em manifestações afetivo-emocionais dos pais em relação aos seus filhos, o
segundo argumento a ser aqui analisado irá especular a própria viabilidade
e a legitimidade de, mesmo havendo dispositivos legais que anunciem, ex-
pressamente, deveres parentais de cuidado e afeto, se pretender criar – espe-
cialmente por via jurisprudencial – instrumentos de controle quantitativos e
qualitativos acerca do tipo e do grau de manifestação afetiva que pais devem
dedicar aos seus filhos.
Neste ponto, a Ministra deixa claro, desde o início do seu voto, que a
atitude omissiva que estará sendo analisada, de modo a verificar se poderia
ela ter gerado dano moral juridicamente indenizável, envolve “alto grau de
subjetividade”7, uma vez que pressupõe a análise concreta de relações fami-
liares que tenham ou não manifestado “afetividade, amor, mágoa”8. Mesmo
diante da dificuldade de se identificar, com alguma precisão jurídica, tais

6 Idem.
7 Idem, p. 6.
8 Idem.
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“elementos intangíveis”, sustenta a Ministra que existiria um núcleo de obje-


tividade nas relações entre pais e filhos que seria derivada do vínculo biológi-
co ou mesmo autoimposto (e.g. adoção), de modo que exsurgiriam disso obri-
gações emocionais mínimas, as quais, quando descumpridas, gerariam dever
de indenizar. Entende a Ministra que entre os deveres de criação e educação
da figura paternal está o de “transmissão de atenção e o acompanhamento do
desenvolvimento sócio-pedagógico da criança”9. Com isso, reconhece que a
questão de fundo toca em avaliação e mensuração de manifestações emotivas
e afetivas de indivíduos. Portanto, conclui a Ministra Andrighi, no caso em
pauta, estarem presentes os elementos necessários à caracterização do dano
moral, pois configurados os três elementos básicos da responsabilidade civil
subjetiva, quais sejam o dano, a culpa e o nexo causal. Nesse ponto, caberá
averiguar a pertinência de argumento filosófico-jurídico preliminar, ou seja,
anterior à identificação da presença, nos casos do chamado abandono afetivo,
do trinômio básico da responsabilidade civil, que questiona a própria capa-
cidade regulatória do direito em relação a comportamentos humanos que se
calcam em processos emocionais internos que podem não ser capazes de re-
ceberem controle estatal e de sofrerem coerção jurídica (sob pena de absoluta
ineficácia da medida). Isso se deve, como se pretende argumentar, não tanto
pelo alto grau de subjetividade das manifestações humanas de afeto, carinho
e atenção, mas pelo seu traço, de um lado, tanto espontâneo quanto, de outro,
puramente autônomo de manifestação individual.
Essa questão toca diretamente em argumento auxiliar construído pela
Ministra Andrighi, em seu voto, envolvendo suposta conotação voluntá-
ria dos vínculos emotivos que devem ser mantidos entre pais e filhos. Isso
porque defende a Ministra que a formação do vínculo parental seria “fruto,
sempre, de ato volitivo”10 do genitor (grifo no original), o que, em sua visão,
justificaria a responsabilização jurídica da figura parental que tivesse, volun-
tariamente, escolhido não manifestar cuidados afetivo-emocionais em rela-
ção a seus filhos. Isso porque, estando tais manifestações sensitivas dentro do
escopo do livre arbítrio humano, seria perfeitamente viável ao Direito contro-
lar tais manifestações volitivas e penalizar os seus eventuais desvios. Como
se pretende argumentar, o pressuposto da “natureza voluntária dos vínculos

9 Idem, p. 7.
10 Idem.
17
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Doutrina Civil
Maio/2015

emocionais”, além de um tanto contraintuitivo, representa tese não só jurídi-


ca, mas filosófica, antropológica e psicológica de difícil comprovação11.
Por fim, encontramos o argumento que acabou se tornando o mais cé-
lebre entre aqueles ventilados pela Ministra Andrighi no caso aqui sendo es-
tudado, por meio do qual a Ministra, objetivando não incorrer na dificuldade
de se quantificar manifestações emocionais e buscando garantir um verniz
de objetividade à suposta ilicitude por ela identificada na ação omissiva do
genitor, confecciona um novo conceito técnico-jurídico apresentado como
sendo o “cuidado paterno”, o qual se diferenciaria do “amor paterno”. De-
nominaremos esse argumento de “a fabricação do conceito de cuidado afeti-
vo”. Na percepção da Ministra Relatora, uma vez não cumpridos de maneira
adequada tais deveres jurídicos de “cuidado paterno”, justificada estaria a
indenização pecuniária em benefício do filho. Nesse sentido, assim estabelece
a Ministra:
[...] constituindo-se o cuidado fator crucial à formação da personalidade
do infante, deve ele ser alçado a um patamar de relevância que mostre o
impacto que tem na higidez psicológica do futuro adulto. Nessa linha de
pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela
adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que
vão além daquelas chamadas necessarium vitae.12

Pelo que se extrai dessa afirmação, nenhuma novidade veio de fato


a ser introduzida por essa constatação genérica, uma vez que, ao menos no
Direito contemporâneo, ninguém seriamente sustenta a ideia de que o pai,
financeiramente estável, deve fornecer ao seu filho apenas os meios mate-
riais necessários à sua subsistência física. Obviamente, toda e qualquer fi-
gura paterna deverá promover as condições materiais para que o seu filho
possa receber as todas as oportunidades necessárias para o seu pleno de-

11 Esse argumento em particular pode ser analisado em escopo ainda mais amplo daquele
que seria exigido pelo caso concreto em análise, ou seja, não necessita ficar adstrito apenas
às relações familiares, pois se sustentará que, em realidade, nenhuma relação afetiva e
emocional, mesmo que possa pressupor uma parcial influência de atos intencionais do
indivíduo, jamais poderia ser caracterizada como ato puramente voluntário do sujeito
que deveria manifestar essa ou aquela atitude emocional. Não se pode negar, por outro
lado, que esse falso pressuposto, coerentemente, representaria, de fato, pressuposto
indispensável para a responsabilização jurídica nos casos do denominado “abandono
afetivo”.
12 Expressão utilizada pela Ministra Nancy Andrighi no voto do Recurso Especial
nº 1.159.242/SP, p. 8.
18
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

senvolvimento humano, o que pressupõe recursos financeiros, não apenas


para alimentação e saúde, mas também para o custeio de “educação, lazer,
[aprendizagem] de regras de conduta” (são expressões usadas pela Ministra
em seu voto). Aliás, não seria exagero considerar como despesa necessária a
ser arcada pelos pais os valores a serem gastos com acompanhamento psico-
lógico do filho, caso seja esse tipo de tratamento indispensável para o pleno
desenvolvimento da criança ou, inclusive, o seu reestabelecimento psíquico,
na hipótese de algum trauma infantil que tenha sofrido (e.g. a separação dos
pais). Ocorre que todos esses elementos indispensáveis à formação integral
da criança, apontados pela Ministra Andrighi, que, obviamente vão muito
além do mero custeio das condições materiais para a subsistência orgânica da
criança, pressupõem, prioritariamente, a existência de recursos financeiros
para o seu custeio, de modo que o genitor que, tendo condições econômicas,
não fornece tais bens e oportunidades, estará, de fato, cometendo ilícito omis-
sivo, passível de gerar indenização. Essa constatação, no entanto, de nenhum
modo permite concluir que o pai estará juridicamente obrigado a demonstrar
determinadas atitudes emotivas em relação aos seus filhos. Isso porque, den-
tro do cenário projetado pela Ministra, o dano que ainda estará sendo repa-
rado nas situações descritas ainda será tipicamente material, uma vez que
causado pela não disponibilização de bens de repercussão econômica direta
que deveriam ser fornecidos e acessados pela criança. Assim, continuamos
na esfera da indenização material quando apuramos quanto o pai deve arcar
para financiar a educação formal, o lazer e, inclusive, o atendimento por pro-
fissionais especializados que venham a tratar eventuais traumas psicológicos
que a criança tenha sofrido por atitudes intencionais ou não intencionais dos
seus genitores. Caberá, pois, analisar no próximo tópico em que medida a
fabricação do conceito de “cuidado afetivo” se sustenta.

II – ANÁLISE CRÍTICA DOS ARGUMENTOS JURÍDICOS ADOTADOS


NO RESP 1.159.242/SP

2.1 O dever de indenizar em razão da ausência de impedimento


legal
O primeiro argumento adotado no voto condutor proferido no
REsp 1.159.242 mostra-se manifestamente improcedente, na medida em que
comete derivação imprópria da premissa que aparentemente adota. Isso
ocorre porque, no Direito, jamais se pode concluir, automaticamente, que,
em não havendo proibição legal expressa, possa-se sempre estabelecer uma
19
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

determinada imputação jurídica. Ora, existem infinitas relações humanas e


sociais que, pela sua própria natureza interna (a ser posteriormente esclareci-
da), não poderão ser jamais captadas nem coordenadas pelo Direito, haven-
do ou não dispositivo legal que se arrogue da pretensão de regular tal esfera
de interação humana.
O argumento, em verdade, especula em cima de simples constatação
negativa acerca do conteúdo do nosso ordenamento jurídico, a qual se pauta
na equivocada ideia de que, diante da ausência de disposição legal que exclua
determinadas relações parentais do dever de indenizar, favorável deveria ser
considerada a pretensão daquele que sofreu o chamado abandono afetivo.
Percebe-se, de pronto, uma fraqueza argumentativa nesse tipo de constata-
ção, pois ela apenas se fia na existência contingente de uma lacuna legislati-
va para alcançar a conclusão de que, diante da carência de disposição legal,
regulada pelo Direito estaria a situação em pauta. Mostra-se evidente, no
entanto, que nenhuma fundamentação jurídica minimamente aceitável po-
deria ser justificada pela só demonstração circular que parte (i) da afirmação
apriorística de que existem obrigações jurídicas intrafamiliares que impõem
aos pais deveres jurídicos de afeto e atenção, na medida em que inexistiria
qualquer impedimento legal, de modo que (ii) essas obrigações, quando não
cumpridas, provocam danos psicológicos a integrantes desse núcleo familiar,
tendo sido, (iii) tais danos, definidos previamente como estando dentro do
escopo de obrigações reguladas pelo Direito, devendo ser reparados.
Se assim fosse, qualquer aspecto de uma relação intraparental que vies-
se a ser frustrado ou em qualquer situação em que não atendidos à satisfação
os desejos dos filhos poderia ser alegado que teria sido cometido algum dano
gerador de um dever de indenizar, o que, por óbvio, provocaria situações
absurdas. Por exemplo, trilhando o argumento do “dever de indenizar em
razão da ausência de impedimento legal”, o não pagamento de mesada pelos
pais aos filhos (talvez por alguma dificuldade financeira momentânea) esta-
ria sem dúvida alguma violando elementos de uma relação que poderia ser
reproduzida (artificialmente) em termos aparentemente jurídicos, tendo em
vista o rompimento de expectativas legítimas dos filhos (agredindo, assim,
uma possível noção de “segurança jurídica”), bem como o descumprimen-
to de promessas feitas no passado (afrontando, assim, a ideia do pacta sunt
servanda). No entanto, soa absurdo imaginar que, somente pelo fato de inexis-
tir impedimento legal expresso que proíba esse tipo de pretensão indenizató-
ria, viesse a ser admitida pelo Judiciário a procedência de ações reparatórias
dessa natureza.
20
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Doutrina Civil
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Em segundo lugar, outro aspecto do argumento do “dever de indeni-


zar em razão da ausência de impedimento legal” deve ser aqui apreciado.
Como se viu, esse argumento sustenta que a lacuna legislativa seria indicati-
vo da possibilidade de o Judiciário construir bases normativas para identifi-
car casos de abandono afetivo passíveis de qualificação como ilícitos a serem
reparados pelo Direito. Ocorre que, caso se ampliasse essa linha de argumen-
tação, poder-se-ia ainda pretender sustentar que, mesmo não sendo legítima
a derivação que parte da ausência de impedimento legal, ainda assim seria
possível localizar no ordenamento jurídico determinadas normas positivas
que estariam prevendo expressamente o dever jurídico de os pais dedicarem
afeto, carinho e atenção aos seus filhos, o que, por si só, tornariam jurídicas
tais relações familiares que impõem obrigações afetivas, sob pena de as figu-
ras paternas terem arcarem com indenizações.
Em regra, com o propósito de se sustentar a positivação dos deveres
jurídicos que coíbem o abandono afetivo, são invocados para os arts. 227 da
Constituição Federal13 os arts. 15 a 18 do Estatuto da Criança e do Adoles-
cente14 e o art. 1.634 do Código Civil15. No entanto, a simples leitura de tais
dispositivos legais já demonstra que não há neles qualquer previsão expressa
que imponha aos pais a obrigação de indenizar seus filhos no caso de esses
não manifestarem satisfatoriamente determinadas atitudes emocionais ou
afetivas. O texto legal estabelece sim deveres diretivos aos pais no sentido de

13 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e


ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
14 “Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] V − participar da
vida familiar e comunitária, sem discriminação; [...]. Art. 17. O direito ao respeito consiste
na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e
crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da
criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o
direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou
degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes
públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de
cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.”
15 “Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno
exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I − dirigir-lhes a criação e
a educação; [...].
21
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Doutrina Civil
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prover os meios materiais necessários tanto para a integral subsistência física


da criança (ao garantir direito à vida, saúde, alimentação etc.) quanto para a
sua formação intelectual, psíquica, moral e cultural (ao garantir o direito à
educação, lazer, convivência familiar e comunitária etc.). A figura paterna,
portanto, é, de fato, responsável por oferecer aos seus filhos todos os recursos
materiais (que, por óbvio, estejam dentro das suas condições financeiras) que
se mostrem indispensáveis ao custeio dos bens que permitirão que o filho
cultive todas as suas potencialidades físicas e psicossociais. No entanto, esses
deveres diretivos que a legislação citada apresenta ao pai podem ser todos
atendidos por meio de custeio financeiro, razão pela qual podem ser conver-
tidas, puramente, em questões patrimoniais. Com efeito, caso não cumpridos
tais deveres, poderá sim o pai ser coagido a indenizar materialmente o filho
que não teve a possibilidade de usufruir de determinados bens que deveriam
ter sido arcados pelo seu progenitor, inclusive, sendo o pai obrigado a arcar,
materialmente, com despesas de acompanhamento psicológico do filho por
determinados traumas psíquicos que as eventuais negligências continuadas
do genitor tenham causado. Além disso, a omissão paterna mais grave po-
derá até provocar outra espécie de sanção jurídica que poderá levar à perda
do poder parental. Nada disso, porém, indica a presença na legislação de re-
gência de um dever jurídico de o pai manifestar determinado estado anímico
emocional em relação aos seus filhos, o qual, supostamente, permitiria fosse
quantificadas e qualificadas pelo Direito as atitudes afetivas que deveriam
ser praticadas minimamente pelos pais, de modo a criar, no caso de não aten-
dimento satisfatório do critério jurídico que avalia a manifestação afetiva do
pai para como seu filho, um direito subjetivo do seu descendente de receber
determinada reparação pecuniária. Dito de outro modo, tais regras positi-
vas, mesmo que fixem direitos aos filhos e competências/deveres aos pais,
de modo algum estão estabelecendo expressamente que os pais possam ser,
juridicamente, forçados a agir com aparência de atenção, carinho e cuidado
afetuoso para com a sua prole, sob pena de pagamento de indenização pecu-
niária em razão de suposta negligência afetiva. Aliás, mesmo que assim vies-
sem a dispor tais normas (o que, aliás, vem sendo pretendido pelo legislador
por meio de projeto de lei16), entendemos que tais regras hipotéticas seriam
não apenas inócuas ou ineficazes, mas representariam padrões normativos
inadequados e indesejáveis para a organização jurídica de uma sociedade hu-

16 O Projeto de Lei do Senado nº 700, de 2007, pretende modificar a Lei nº 8.069/1990 (ECA)
para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal. No entanto, em 26.12.2014,
a matéria foi arquivada.
22
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mana (talvez tal medida jurídica, adotada em larga escala, possa gerar efeitos
colaterais negativos ou até socialmente nefastos).
Na verdade, caso analisado com maior profundidade o argumento do
“dever de indenizar em razão da ausência de impedimento legal”, percebe-se
que ele se fundamenta em uma antiga e conhecida pressuposição que é típi-
ca do ideário positivista, qual seja a de que a integralidade do conteúdo do
Direito estaria sempre à disposição dos atos voluntários do legislador, o qual
seria o responsável primário para a escolha das estruturas normativas que
seriam introduzidas no ordenamento jurídico. Aliás, Hans Kelsen17 foi o filó-
sofo do Direito que ficou mais conhecido por defender que o sistema jurídico-
-normativo poderia receber absolutamente qualquer conteúdo – mesmo que
absurdo18 –, bastando, para isso, que o legislador, por meio de seu ato de von-
tade, desejasse produzir uma norma jurídica que regulasse, hipoteticamente,
determinada classe de condutas humanas, atribuindo a essa uma consequên-
cia jurídica negativa ou positiva. Desse modo, na perspectiva do positivismo
jurídico, o sistema normativo do Direito não estaria, em princípio, submetido
a qualquer limitador lógico nem ontológico, pois estaria autorizado a trazer
para dentro do escopo regulatório do Direito toda e qualquer ação humana.
No entanto, conforme se pretende argumentar, o pressuposto positi-
vista que leva a uma espécie de absolutismo regulatório por parte do Direito,
de acordo com o qual inexistiria qualquer aspecto da existência humana que
não pudesse ser absorvido por padrões normativos e coercitivos do Direito,
já veio a ser rechaçado por inúmeros teóricos do Direito (inclusive por aque-
les de viés positivista).

2.2 A possibilidade de mensuração, controle e regulação estatal


dos processos emocionais internos dos indivíduos
A Ministra Relatora do REsp 1.159.242 afirma que a questão de fundo
envolvida em casos de indenização moral pelo chamado abandono afetivo

17 “Eine norm kann auch einen sinnlosen Inhalt haben. Dann ist aber keine Interpretation imstande,
ihr einen Sinn abzugewinnen.” (KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. Alemanha: Mohr Siebeck,
2008. p. 114)
18 Para se evitar a crítica apressada, cabe aqui ressaltar o óbvio, qual seja: de nenhum
modo está-se aqui sustentando que a demonstração de afeto entre pai e filho deva ser
compreendida como conteúdo absurdo de uma norma. Apenas pretende-se ressaltar o
extremo a que chega o ideário positivista com uma pretensão de criar um absolutismo
normativo, em que qualquer conduta humana pode ser regulada pelo Direito, desde que
assim deseje o legislador e o aplicador do direito.
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envolve, em tese, avaliações de “alto grau de subjetividade”, tocando em


“elementos intangíveis”, na medida em que caberá ao aplicador do Direito
analisar concretamente aspectos de “afetividade, amor, mágoa”, que tenham
transcorrido no seio de unidades familiares. Isso porque a definição acerca da
ocorrência de dano indenizável nesses casos exigiria avaliar especificamen-
te a manifestação de atitudes emocionais positivas que seriam esperadas de
uma figura parental durante o período de convivência com seus filhos. Como
se vê, portanto, a questão jurídica em pauta pressupõe, antes de mais nada,
saber se é plausível e legítimo exigir-se de autoridades públicas responsáveis
pela aplicação do Direito que venham a medir, controlar e impor determina-
da escala de intensidade no que se refere aos estados emocionais internos que
um pai (ou mãe) deveria projetar em relação ao seu filho durante o período
da criação e formação dessa criança.
A pergunta que se impõe responder, desse modo, é se caberia ao Direi-
to avaliar os processos emocionais internos que os indivíduos devem expres-
sar dentro de um contexto fático específico, sob pena de sofrerem determina-
das consequências jurídicas. Nesse ponto, algumas distinções relevantes se
impõem.
Primeiramente, impõe-se ressaltar que a possível dificuldade que se
apresenta no caso do denominado abandono afetivo não diz respeito, pro-
priamente, ao alto grau de “subjetividade” das relações afetivas envolvidas
nem ao suposto fato de estados emocionais conterem “elementos intangí-
veis”. Ninguém disputaria que, conceitualmente, os estados anímicos dos in-
divíduos, principalmente toda a gama de emoções que esses podem projetar,
apresentam traços subjetivos que, em parte, não são revelados ao escrutínio
racional de terceiro. Isso, porém, de nenhum modo significa dizer que toda e
qualquer manifestação emocional ou afetiva seja necessariamente irracional
ou integralmente desprovida de elementos normativos que permitam a sua
avaliação em termos de certo ou errado. Nesse ponto, mostra-se extrema-
mente esclarecedor o estudo de Nussbaum19 sobre a racionalidade de deter-
minadas emoções20, bem como sobre a necessidade de o Direito regular e,

19 NUSSBAUM, Martha. Poetic Justice. Estados Unidos da América: Beacon Press, 1995.
20 “Appropriate emotions are useful in showing us what we might do, and also morally valuable
in their own right, as recognitions of the character of the situation before us. Furthermore, they
motivate appropriate action. On the other hand, not all emotions are good guides. To be a good
guide, the emotion must, first of all, be informed by a true view of what is going on − of the facts
of the case, of their significance for the actors in the situation, and of any dimensions of their true
significance or importance that may elude or be distorted in the actors’ own consciousness. Second,
24
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eventualmente, coibir a manifestação de determinados estados emocionais


em certos casos. Aliás, a ideia de emoções racionais que são pressupostas
pelo Direito pode ser exemplificada pelo caso da legítima defesa em que se
mostra necessário analisar, juridicamente, o estado anímico de determinado
agente, na medida em que o aplicador do Direito deverá avaliar se o medo,
o temor, o abalo emocional experimentado pelo indivíduo, em razão de risco
de violação de sua integridade física ou de terceiro, foi adequado e justificado
ao cometer os atos de força contra o seu agressor com o propósito de conter a
violência por esse praticada. Nesses casos, a conduta de autodefesa somente
se considera resguardada pelo Direito, de modo a não gerar punibilidade
nas situações em que o agente tiver manifestado atitude emotiva verossímil
e proporcional ao risco de agressão, sob pena de incorrer em excesso de legí-
tima defesa.
Com efeito, impõe-se reconhecer que o Direito, em determinados ca-
sos, deverá sim avaliar emoções dos particulares, razão pela qual possui o
direito autoridade para fixar padrões normativos que se prestarão a estabe-
lecer critérios objetificadores de determinadas atitudes emocionais que po-
derão ser qualificadas como adequadas ou inadequadas em determinados
contextos jurídicos. Isso, no entanto, não significa dizer que o Direito possui
legitimidade para regular toda e qualquer manifestação emocional que seja
experimentada pelo indivíduo. Certas emoções e estados sensitivos dos par-
ticulares, por óbvio, não podem ficar ao alcance da regulação estatal e do
controle jurídico, pois, se assim fosse, correríamos o risco de ingressarmos no
pior dos Estados totalitários.
Assim, o problema a ser enfrentado no caso em discussão não se dá em
razão do suposto traço subjetivo ou intangível das atitudes afetivas que se es-
peram que sejam manifestadas por um pai em relação à sua prole. A questão
central de disputa está alhures. Na verdade, considerando que não são todas
as emoções que podem ser objeto de controle pelo Direito, deve-se identificar
qual o traço específico daquelas atitudes emocionais e sensitivas referidas
pela Ministra Andrighi – tal como “afetividade, amor, mágoa” – que efetiva-
mente podem ficar sob o jugo do poder impositivo do Direito.

the emotion must be the emotion of a spectator, not a participant. This means not only that we
must perform a reflective assessment of the situation to figure out whether the participants have
understood it correctly and reacted reasonably; it means, as well, that we must omit that portion
of the emotion that derives from our personal interest in our own well-being.” (NUSSBAUM,
Martha. Poetic Justice...)
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Revista Jurídica 451
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Considerando-se, precisamente, o traço coercitivo de que se vale o Di-


reito para fazer impor os seus padrões normativos, deve-se reconhecer que
somente poderão ser reguladas por instrumentos jurídicos aquelas atitudes
emocionais em relação às quais seja plausível ou se exigir forçadamente do
agente – o indivíduo que assumiria a incumbência de externar adequada-
mente determinado conjunto de emoções – a sua manifestação ou se esperar
que esse indivíduo pudesse ter, por seu livre arbítrio, manifestado atitude
sensitiva diversa, nos casos de desobediência aos parâmetros emocionais es-
perados pelo Direito. Isso significa dizer que algumas relações humanas de
cunho emocional podem ser estimuladas ou coibidas por meio de coerção,
enquanto outras ações que visam a criar vínculos de empatia ou de afeto en-
tre seres humanos, simplesmente, não poderão ser criadas artificialmente por
meio de imposições externas. Isso ocorre pelo simples motivo de algumas
emoções humanas, bem como os vínculos formados com base nelas, somente
poderem ser expressadas mediante plena espontaneidade e autonomia do
agente humano, de modo que é verdadeiro contrassenso falar-se em coer-
ção externa que imponha a formação desse tipo de relação humana. Dito de
outro modo, tais expressões humanas de afeto, empatia, carinho ou atenção
para com terceiros somente podem ser manifestadas quando houver absolu-
ta liberdade em externar tais emoções e sinceridade do indivíduo em desejar
formar, voluntariamente, tais vínculos humanos, motivo pelo qual qualquer
tentativa de o Direito regular e controlar tais atitudes emocionais será, sim-
plesmente, inócua.
Cabe aqui ilustrar três tipos de vínculos humanos que pressupõem a
manifestação de atitudes emotivas e empáticas que somente adquirem senti-
do verdadeiro quando praticadas de modo espontâneo, autônomo e sincero,
sendo absolutamente impraticável e até contraditório pensar em regulação
e coerção pelo Direito que obrigue alguém a externar ou deixar de externar
tais sensações em relação a ou em benefício de outrem. Aqui citamos os ca-
sos da amizade, da caridade e da admiração. Todas essas situações pressupõem,
por certo, que o agente humano que pretenda manter para com outrem uma
dessas relações tenha manifestado uma série de estados emocionais e cria-
do laços de empatia com os outros partícipes desses vínculos, relações essas
que somente poderão ser produzidas tanto pelo agente quanto pelo receptor
das respectivas atitudes emocionais quando estas tenham sido externadas de
modo absolutamente livre, espontâneo e sem imposição externa. Ora, amiza-
de coagida simplesmente não representa verdadeira amizade. Caridade que
tenha sido praticada por coerção será apenas um simulacro de ato caridoso.
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Admiração pelo mérito ou talento de outrem que não parta de um reconhe-


cimento sincero do admirador em favor daquele alvo de admiração não será,
de fato, ato de admiração. Exatamente por isso, representa verdadeira con-
tradição em termos falar-se em amizade coagida, ou em caridade imposta ou
ainda em admiração forçada.
Por essa razão, o Direito é simplesmente incapaz de regular e controlar,
por seus instrumentos de coerção, as relações humanas de amizade, carida-
de e admiração. A eficiência do Direito depende da utilidade com que seus
instrumentos de coerção podem ser aplicados, de modo que, nas situações
específicas anteriormente apontadas, mostra-se semanticamente contraditó-
rio pensar em imposição coativa pelo Direito. Assim, nesses casos, portanto,
não será o Direito apenas carente de toda a legitimidade na sua pretensão de
regular tais vínculos afetivos e empáticos entre seres humanos, mas será, em
verdade, de todo inútil mesmo que o aplicador do Direito, arbitrariamente,
pretenda assumir essa ingrata tarefa21.
Como se verá, as relações afetivas e amorosas compartilham o mesmo
status existencial e moral que as relações de amizade, caridade e admiração,
pressupondo sempre uma manifestação livre, espontânea, autônoma e since-
ra, estando, por isso, imune a qualquer tentativa de coerção jurídica.

2.3 A natureza voluntária dos vínculos emocionais


Como regra, no Direito, a pretensão de se imputar responsabilidade
jurídica a um indivíduo pressupõe que a ação por ele praticada possa ser a

21 Por exemplo, se o legislador viesse a criar lei obrigando todos os vizinhos residenciais
a se considerarem amigos, sob pena de pagamento de multa pecuniária, seria tal lei
absolutamente inócua na sua pretensão de criar novos vínculos de amizade. Mesmo que,
sob temor de pagamento de multa, vizinhos passassem a conviver com maior frequência,
certamente nenhuma relação de amizade verdadeira estaria sendo produzida no mundo.
Ou ainda, se o legislador instituísse a “lei da caridade” obrigando cada cidadão a “doar”
a uma família carente o valor de um salário-mínimo, sob pena de sanção, novamente não
estaríamos produzindo mais cidadãos com espírito caridoso. Por fim, nenhuma decisão
judicial poderia forçar um indivíduo a manifestar admiração pelo status de alguém,
tal como se deu no curioso caso em que juiz processou o porteiro de seu condomínio
ao argumento de que esse não lhe garantia tratamento condizente com a sua posição
de autoridade, ao negar-se a chamá-lo de “Doutor” (cabe observar que o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro chegou a conceder liminar favorável ao magistrado que se
sentiu agredido, tendo porém o STF negado seguimento ao Recurso Extraordinário, que
acabou sendo interposto pelo Juiz – Processo nº 20050020034244 e AI 860598, Ministro
Lewandowski, 28.04.2014).
27
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ele atrelada em razão de determinado ato de vontade (real ou presumido),


que deverá ser assumido como o móvel ou a causa da imputação pretendida.
Assim, a livre manifestação de vontade do particular normalmente repre-
senta exigência mínima para que se possa responsabilizá-lo por desvios de
condutas qualificadas pelo Direito como obrigatórias. Aliás, não é por outro
motivo que nas situações concretas em que não se poderia exigir, forçada-
mente, conduta diversa do indivíduo, a responsabilização jurídica mostra-
-se ilegítima ou inviável. Percebe-se claramente que aqueles que defendem a
necessidade de indenização nos casos do chamado abandono afetivo partem
irrestritamente desse pressuposto, idealmente projetando um cenário jurídi-
co em que o pai negligente possa ser acusado de atitudes omissivas que ele
voluntariamente desejou, imaginando-se que a negativa de dedicar atenção
afetiva e de direcionar outros sentimentos positivos aos seus filhos tenha se
dado por motivações internas por ele absolutamente controláveis, como se
ele pudesse ter, livremente, escolhido de modo diverso no passado, com o in-
tuito de evitar as frustrações e mágoas que foram experienciadas pela criança
durante a sua criação e formação psicossocial.
O voto da Ministra Relatora no REsp 1.159.242 parte precisamente des-
se pressuposto básico da responsabilidade civil, ao sustentar que a formação
do vínculo parental seria “fruto, sempre, de ato volitivo” do genitor (negrito
no original), motivo pelo qual estaria o Judiciário autorizado a avaliar o nexo
causal estabelecido entre a atitude omissiva voluntária da figura parental e
o dano extrapatrimonial vivenciado pela criança que sofreu a privação dos
contatos afetivos que deveria ter recebido do seu pai. Isso seria viável por-
que, estando tais manifestações sensitivas dentro do escopo do livre arbítrio
humano, poderia o aplicador do Direito mensurar e controlar as projeções de
atenção e cuidado afetuoso que um pai deveria ter direcionado ao seu filho,
de modo a penalizar os seus eventuais desvios emocionais por ele cometidos.
Esse pressuposto, porém, exige que se aceite uma hipótese teórica acer-
ca da composição emocional do ser humano, que, além de contraintuitiva e
inverossímil, mostra-se simplesmente incompatível com a forma pela qual
naturalmente compreendemos o agir humano, no que se refere a sua projeção
de sentimentos verdadeiros e sinceros em relação a terceiros22. Em realidade,
nenhuma relação afetiva e emocional, mesmo que possa pressupor uma par-

22 Sobre a natureza das emoções humanas e a sua importância no Direito, vide NUSSBAUM,
Martha. Hiding From Humanity – Disgust, Shame, and the Law. Estados Unidos da
América: Princeton University Press, 2004.
28
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

cial influência de atos intencionais do indivíduo, jamais poderia ser caracteri-


zada como ato puramente voluntário do sujeito que deveria manifestar essa
ou aquela atitude emocional. Em síntese, o ser humano quase nunca está em
perfeito e absoluto controle de suas projeções emocionais, razão pela qual, na
maior parte dos casos, não pode livremente escolher quem será o destinatário
do seu afeto, carinho, atenção, amor, amizade etc. Por isso, um dos grandes
paradoxos existenciais do ser humano é que os seus vínculos afetivos par-
tem, simultaneamente, de elementos intencionais (por óbvio, não formamos
vínculos afetivos aleatoriamente) e de fatores internos espontâneos que não
são perfeitamente controláveis. E isso não deixa de ser verdadeiro mesmo no
caso mais intenso das relações intrafamiliares. É precisamente por isso que
o Direito se mostra integralmente incapaz de mensurar e regular esse tipo
de interação humana, sendo estéreis as medidas punitivas impostas àqueles
que – por evidentes falhas morais – se mostraram inaptos na formação de
vínculos afetivos com os seus filhos.
Essa constatação, por mais dura que possa soar, representa apenas um
fato da vida, o qual jamais poderá ser superado nem modificado por mais
que assim deseje o legislador bem intencionado ou o juiz preocupado com
o bem-estar de crianças emocionalmente traumatizadas. Cabe mais uma vez
esclarecer que não se assume aqui nenhuma postura indiferente nem obtusa
diante de pais negligentes que se negam a formar vínculos afetivos, os quais
são, de fato, fundamentais para a adequada formação moral e psíquica de
crianças. É claro que se pode desejar – em um plano moral – que todos os pais
no mundo amem os seus filhos, mas isso não permite que se possa querer,
juridicamente, por meio de coerção, que cada entidade parental manifeste
adequadamente atitudes afetivas em relação aos seus sucessores. Conforme
será analisado no item IV, tal medida condenatória não será apenas inócua,
em termos de eficácia jurídica23, como, inclusive, poderá gerar, caso adotada
em sociedade em larga escala e por tempo prolongado, efeitos colaterais ne-
fastos24.

23 É implausível imaginar que a prática reiterada de condenações judiciais de genitores


negligentes venha a reforçar, no futuro, a formação de vínculos afetivos entre pais e filhos.
O temor do pai em ser forçado a pagar indenizações pecuniárias a sua prole dificilmente
será assumido como motivação adicional para esse querer dedicar atenção, carinho e afeto
à sua criança.
24 Pode-se facilmente imaginar que os pais negligentes que sejam condenados a pagar
indenização pecuniária aos seus filhos venham a nutrir em relação a eles, no futuro, tudo
menos afeto, intensificando-se, em verdade, os sentimentos de mágoa e ressentimento
entre eles. Teremos, assim, com grande probabilidade, um fenômeno que podemos
29
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
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2.4 A fabricação do conceito de cuidado afetivo


Como já referido nos itens anteriores, a Ministra Nancy Andrighi, Re-
latora do Acórdão proferido no REsp 1.159.242, percebe, com certa clareza,
algumas das dificuldades que deveriam ser superadas para que pudesse jus-
tificar a condenação de um pai que tivesse gravemente negado carinho, aten-
ção e afeto ao seu filho. Não tem ela a intenção de abertamente reconhecer
que o Direito poderia obrigar alguém a amar outrem. Também chega a reco-
nhecer que não seria o Direito capaz de reconstruir vínculos afetivos dentro
do seio familiar, principalmente por meio de instrumentos jurídicos sancio-
natórios. No entanto, indiretamente, em alguns momentos do seu voto, a Mi-
nistra deixa a transparecer que, no fundo, a questão jurídica em disputa toca
sim na avaliação (e por consequência regulação jurídica) de manifestações
emocionais do pai para com seu filho, que deveriam ser caracterizadas como
indispensáveis para a adequada formação psíquica e moral da criança. Como
se vê, a resolução das disputas jurídicas envolvendo o abandono afetivo pa-
rental cria uma encruzilhada, na medida em que, de um lado, se reconhece a
impraticabilidade de se pretender controlar pelo Direito estados emocionais
internos que, conceitualmente, somente se manifestam de modo autônomo,
espontâneo e sincero, mas, de outro lado, se assume o desejo (bem intenciona-
do) de não se deixar impune pais que foram omissos na formação emocional
dos seus filhos, os quais, portanto, devem ser penalizados por essa negligên-
cia, mesmo que isso exija a utilização de medidas condenatórias que possam
ser desprovidas de qualquer eficácia social ou até ser contraproducente. Com
efeito, essa questão jurídica, se bem compreendida, exigiria a superação de
uma evidente contradição, qual seja: como se poderia legitimamente respon-
sabilizar e penalizar alguém por não ter adequadamente externalizado deter-
minadas atitudes afetivas, as quais, conceitualmente, somente se concretizam
de modo efetivo quando manifestadas pelo agente como plena sinceridade,
espontaneidade e autonomia?
Ciente da dificuldade de se superar tal contradição, a Ministra
Andrighi, inteligentemente, vale-se de uma criativa estratégia argumenta-
tiva que não chega a solver a contradição, mas que, em verdade, abre um
caminho alternativo que, intencionalmente, pretende evitar a encruzilhada
antes referida. Com efeito, a Ministra, não querendo incorrer nos riscos de

aqui denominar de perpetuação de animosidade e mágoa dentro do núcleo familiar, em que a


condenação judicial apenas inaugura um novo ciclo de agressividade e violência.
30
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
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ser acusada de pretender coagir, judicialmente, alguém a manifestar amor


ou carinho25, vale-se da estratégia argumentativa por meio da qual fornece
ao seu auditório um novo conceito, o qual tem pretensão de, supostamente,
ser mais específico (em comparação aos termos amor ou carinho) e mais es-
clarecedor da relação jurídica que estabelece os deveres dos pais para com
seus filhos. Tal novel conceito poderia ser denominado de “Cuidado como
valor jurídico”. Para esclarecer o sentido próprio dessa importante ideia que
estará sendo trazida para dentro do nosso ordenamento jurídico, a Ministra
cita doutrina que afirma:
o ser humano precisa cuidar de outro ser humano para realizar a sua hu-
manidade, para crescer no sentido ético do termo, razão pela qual “atitudes
de não-cuidado ou ser descuidado em situações de dependência e carência
desenvolvem sentimentos, tais como, de se sentir impotente, ter perdas e
ser traído por aqueles que acreditava que iriam cuidá-los”.26

Transcreve a Ministra, ainda, importante lição do famoso Psicotera-


peuta Winnicott, no sentido de que “um bebê privado de algumas coisas
correntes, mas necessárias, como um contato afetivo, está voltado, até certo
ponto, a perturbações no seu desenvolvimento emocional”27. Diante dessas
constatações, conclui a Ministra que
o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ga-
nha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensura-
ção do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, des-
cumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.28

Desse modo, ressalta a Ministra que “não se fala ou se discute o amar e


sim a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da
liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”29.

25 É interessante notar que, originalmente, os debates jurídicos sobre o chamado abandono


paterno destacavam, com transparência e clareza, que a omissão que estaria sendo
qualificada como ilícita e, portanto, passível de indenização, seria aquela referente aos
vínculos de amor, carinho e afeto que os genitores deveriam direcionar à sua prole.
26 Citação feita pela Ministra Nancy Andrighi no voto do Recurso Especial nº 1.159.242/SP,
p. 9.
27 Idem, p. 10.
28 Expressão utilizada pela Ministra Nancy Andrighi no voto do Recurso Especial
nº 1.159.242/SP, p. 10.
29 Idem, p. 11.
31
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Doutrina Civil
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Na visão da Ministra, o amor seria um sentimento subjetivo, intangí-


vel, condicionada à motivação individual e impossível de ser precisamente
materializado juridicamente. O cuidado, por sua vez, teria elementos objeti-
vos, possíveis de verificação e comprovação de seu cumprimento, exigindo
ações concretas e voluntárias, tais como a presença, o contato – mesmo que
não presencial −, e a exteriorização do afeto de maneira simétrica ao direcio-
nado a outros filhos. Tal visão acaba sendo sintetizada pela seguinte frase,
que acabou cunhando-se em verdadeiro slogan: “Em suma, amar é faculdade,
cuidar é dever”30.
Tal afirmação, porém, por mais criativa que seja, contém uma grave
impropriedade lógica que acaba invalidando o argumento como um todo.
Isso porque o cerne da diferenciação pretendida pela Ministra Andrighi con-
trapõe dois conceitos (descritivos de formas afetivas de interação humana)
como se ambos tivessem o mesmo grau de especificidade e como se tivessem
a mesma dimensão moral e jurídica. Dito de outro modo, pressupõe que,
entre os termos amar e cuidar, se poderia estabelecer uma comparação de
duas categorias emotivas que não se sobreporiam de qualquer forma, como
se fossem, em verdade, duas espécies autônomas de sentimentos humanos,
os quais, portanto, poderiam ser contrastados e diferenciados em um mesmo
plano. No entanto, na verdade, a noção de amar é mais específica e restritiva
do que a de cuidar. De outro lado, a noção de cuidar representa conceito
expressivamente mais amplo, o qual poderá sofrer adjetivações das mais va-
riadas (e.g., o cuidar financeiro, o cuidar profissional, o cuidar afetivo e até
o cuidar amoroso). Isso significa dizer que a frase “amar é faculdade, cuidar
é dever” é desprovida de sentido preciso e contém um sofisma insuperável.
Ora, uma pessoa, sem dúvida, pode cuidar de outrem em termos amo-
rosos (assim, podemos falar em cuidado amoroso), mas também pode cuidar de
terceiro sem que haja qualquer intenção afetiva ou amorosa entre os envol-
vidos. Além disso, um vínculo amoroso, corretamente compreendido, pres-
supõe necessariamente alguns atos mínimos de cuidado e atenção por parte
daquele que é amado. Amar com completa indiferença e desatenção não é
conceitualmente um ato de amor. Percebe-se, com isso, que, semanticamen-
te falando, cuidar é gênero, dentro do qual uma das suas espécies é a forma
mais intensa de dedicar cuidado a alguém, a qual pode ser qualificada como
amor. Desse modo, dentro do conceito genérico de cuidado estão localizadas

30 Idem.
32
Revista Jurídica 451
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Maio/2015

inúmeras formas específicas de interação humana, abrangendo inclusive a


noção de cuidados profissionais ou meramente financeiros que são dedica-
dos por alguém em benefício de outro31. Esse tipo de cuidado financeiro, que
obviamente não se confunde com o cuidado amoroso e afetuoso, está dentro
da seara de significação do termo “cuidado”. Amar é, pois, um tipo de cui-
dar (mais intenso e muitas vezes incondicional), mas nem todo cuidar é uma
manifestação de amor!
Diante dessas constatações semânticas, percebe-se que a afirmação
da Ministra Andrighi incorre em uma evidente impropriedade lógica, pois
correlaciona, estabelecendo critérios comparativos, duas expressões que pos-
suem densidade moral e jurídica distintas, uma sendo gênero (abarcante de
um universo maior de ocorrências) e outra sendo espécie desse mesmo gê-
nero. Contrapõe ela, portanto, as noções de amor e cuidado como se mesma
dimensão prática tivessem. A frase “amar é faculdade, cuidar é dever” peca,
pois, por falta de clareza e por defeito lógico, porque qualifica como faculta-
tiva uma forma específica de relacionamento humano (o vínculo amoroso) e
qualifica como juridicamente obrigatória um tipo de relação que abarca uma
gama ainda ampla de vínculos humanos (relações de cuidado de um para
com outro), a qual, inclusive, contém em si as próprias relações amorosas que
estariam sendo diferenciadas (como já se viu, não é erro linguístico falar em
cuidado amoroso). Para tornar mais clara a demonstração de tal impropriedade
lógica, a frase da Ministra pode ser traduzida nos seguintes termos: “amar
não é dever jurídico, já cuidar é dever jurídico”. No entanto, tomando-se a
expressão cuidar como gênero, não é logicamente possível que uma das suas
espécies tenha uma característica contraditória com um traço necessário do
gênero32. Seria como se disséssemos, “maça é doce, mas fruta não é”. Em
verdade, podemos vislumbrar uma adaptação de sentido da frase lançada
pela Ministra que não incorrerá na impropriedade lógica apontada, mas que,
no entanto, não será capaz de apresentar o resultado por ela alcançado na
sua decisão. Adquire sentido a comparação traçada pela Ministra caso a sua
intenção tenha sido a de afirmar: “amar é faculdade (i.e. não reflete dever

31 Não se está aplicando equivocadamente o termo cuidar quando se afirma que uma
enfermeira ou um médico cuida (em termos profissionais) do seu paciente ou quando
uma pessoa que deve prover pelo sustento de outro indivíduo hipossuficiente deverá ela
cuidar (financeiramente) dessa pessoa carente.
32 Obviamente, uma espécie pode ter outras diferenças específicas em relação ao gênero,
mas não poderá ter uma qualidade que seja contraditória às qualidades necessárias que
caracterizam o gênero, sob pena de não ser uma de suas espécies.
33
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jurídico), já o cuidar financeiro da prole pela figura paterna é dever jurídi-


co”. Nesse caso, porém, novamente estaríamos tratando exclusivamente de
deveres jurídico-patrimoniais do pai para com os seus filhos, o que colocaria
a questão fora do escopo do abandono afetivo, conforme vem sendo susten-
tado desde o início deste texto.

III – O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A


PRECIFICAÇÃO DO AFETO

Além da crítica direta às principais razões que compuseram a funda-


mentação adotada pela Ministra Nancy Andrighi, Relatora do Acórdão pro-
ferido no REsp 1.159.242, entendemos que contra-argumentos adicionais de-
vem ser analisados com o propósito de demonstrar a inadequação jurídica do
entendimento jurisprudencial que acabou se consolidando naquele Acórdão
da Corte Superior. Assim, cabe ainda analisar a questão jurídica do chamado
abandono afetivo a partir da perspectiva da dignidade da pessoa humana.
Para Immanuel Kant, grande teórico do deontologismo moral e defensor
de ideais anticonsequencialistas, para que sejam atendidas as condições
mínimas de qualquer moralidade, nenhum indivíduo humano deve ser
tratado, exclusivamente, como objeto, ou seja, como um meio de satisfação
das inclinações e interesses de terceiro, mas, em verdade, sempre como fim
em si mesmo das ações humanas. Essa ideia ilustra a amplamente conheci-
da terceira formulação do imperativo categórico kantiano33, in verbis: “Age
de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa
de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simples-
mente como meio”34.

Complementando tal ideia, a dignidade humana foi por ele concebida


da seguinte forma:
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equi-
valente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto, não
permite equivalente, então tem ela dignidade.35

33 PATON, H. J. The categorical imperative: a study in kant’s moral philosophy. Philadelphia:


University of Pennsylvania Press, 1971.
34 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: 70, 1986. p. 69.
35 Idem, p. 77.
34
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Assim sendo, para Immanuel Kant, a dignidade (Würde) representa va-


lor moral que fundamenta a existência racional do ser humano, sem a qual
o indivíduo estará negando ou sendo privado de sua própria humanidade,
sendo, portanto, insubstituível, pois não há equivalente que permita a sua
comensuração. O referido autor destaca que o homem não deve ser transfor-
mado em instrumento para a obtenção de quaisquer fins que exclusivamente
satisfação vantagens, interesses ou sentimentos de terceiros.
O imperativo categórico é composto pela exigência de que o ser huma-
no jamais seja visto, ou seja usado, como um meio para, apenas, atingir outras
finalidades. De tal modo, o ser humano dever ser sempre considerado como
um fim em si mesmo. Isto significa dizer que todas as normas decorrentes da
vontade legisladora dos homens necessitam ter como finalidade o próprio
homem, a espécie humana. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, “o im-
perativo categórico orienta-se, então, pelo valor básico, absoluto universal
e incondicional da dignidade humana. É esta dignidade que inspira a regra
ética maior: o respeito pelo outro”36.
Assim sendo,
de acordo com Kant, no mundo social existem duas categorias de valores:
o preço (preis) e a dignidade (Würden). Enquanto o preço representa um
valor exterior (de mercado) e manifesta interesses particulares, a dignidade
representa um valor interior (moral) e é de interesse geral. As coisas têm
preço; as pessoas, dignidade. O valor moral se encontra infinitamente aci-
ma do valor de mercado, porque, ao contrário deste, não admite ser substi-
tuído por equivalente. Daí a exigência de jamais transformar o homem em
meio para alcançar quaisquer fins.37

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira na história do Brasil a


elencar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito (art. 1º, inciso III). Assim, também, a Carta Magna de
1988 foi a primeira a prever um título próprio destinado aos princípios fun-
damentais. Assim agindo,
o Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua inten-
ção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas em-

36 MORAES, Maria Celina Bondin de. O conceito de dignidade humana: substrato


axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos
fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 117.
37 Idem, ibidem.
35
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Doutrina Civil
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basadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e es-


pecialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais,
que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais)
aquilo que se pode – e nesse ponto parece haver consenso – denominar de
núcleo essencial da nossa Constituição formal e material.38

Após mais de duas décadas de ditadura sob o regime militar no Brasil,


a Constituição democrática de 1988 explicitou (no art. 1º, III) a dignidade da
pessoa humana como um dos “fundamentos da República”. Assim sendo, a
dignidade humana não é criação de ordem constitucional, em que pese seja
por ela respeitada e protegida. Considerando a sua eminência, a Constitui-
ção Federal consagrou-o e proclamou-o entre os princípios fundamentais da
República Federativa do Brasil, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce
da ordem jurídica democrática. Como consequência, “da mesma forma que
Kant estabelecera para a ordem moral, é na dignidade humana que a ordem
jurídica (democrática) se apoia e constitui-se”39.
O referido princípio constitucional objetiva assegurar o respeito e a
proteção da dignidade humana não somente no sentido de garantir um tra-
tamento humano e não degradante, e tampouco conduz a mero oferecimento
de garantias à integridade física do ser humano. Assim sendo,
dado o caráter normativo dos princípios constitucionais, princípios que
contêm os valores ético-jurídicos fornecidos pela democracia, isto vem a
significar a completa transformação do direito civil, de um direito que não
mais encontra nos valores individualistas de outrora o seu fundamento
axiológico.40

A valorização da pessoa humana funda-se na ideologia cristã. Isso por-


que tanto no Antigo quando no Novo Testamento encontramos passagens
que referem que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Foi
justamente a partir dessa ideia que o cristianismo entende que o ser huma-
no é detentor de um “valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser
transformado em mero objeto ou instrumento”41. Foi o cristianismo que, pela

38 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012. p. 75.
39 MORAES, Maria Celina Bondin de. Op. cit., p. 119.
40 Idem, ibidem.
41 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012. p. 98.
36
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primeira vez, arquitetou a ideia de uma dignidade pessoal, atribuída a cada


indivíduo42.
Na esteira da concepção kantiana, o professor Ingo Wolfgang Sarlet, ao
citar a obra de Günter Düring, assim destaca:
A dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre
que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instru-
mento, tratada como uma coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa
venha a ser descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos.43

O vocábulo “dignidade” deriva do latim dignus – aquele que faz jus a


estima e a honra, aquele que é importante. É o referido vocábulo que distin-
gue os seres humanos dos demais seres vivos, sendo a dignidade inerente à
espécie humana como um todo.44
Assim sendo, a dignidade da pessoa humana “é um valor supremo que
atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direi-
to à vida”45. Com efeito, Sarlet preconiza ser a dignidade da pessoa humana
em sua completude
[...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que
o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e
da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e de-
veres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer
ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as con-
dições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, median-
te o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.46

42 MORAES, Maria Celina Bondin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico
e conteúdo normativo... p. 115.
43 DÜRING, Günter. Der Grundsatz der Menschenwürde. Entwurf eines praktikablen
Wertsystems der Grundrechte aus Art. 1, Abs. I in Verbidung mit Art. 19 Abs. II des
Grundgesetzes. In: Archiv des Öffentlichen Rechts (AöR), n. 81, 1956, p. 9 e ss. Apud
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira
de Direito Constitucional – RBDC, n. 9, p. 380, jan./jun. 2007.
44 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 77.
45 AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 6. ed. 2. tir., 1990. p. 93.
46 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais..., p. 73.
37
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Ingo Wolfgang Sarlet, com base no art. 1º47 da Declaração Universal da


ONU (1948), destaca, ainda, que a “dignidade independe de circunstâncias
concretas, sendo algo inerente a toda e qualquer pessoa humana, de tal sorte
que todos – mesmo o maior dos criminosos – são iguais em dignidade”48.
O substrato material da dignidade pode ser desdobrado, segundo
Maria Celina Bodin de Moraes, em quatro postulados: (i) o sujeito moral (éti-
co) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, (ii) merecedo-
res do mesmo respeito à integridade psicofísica de que titular, (iii) é dotado
de vontade livre, de autodeterminação; (iv) é parte do grupo social, em rela-
ção ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado49.
Os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral –
psicofísica −, da liberdade e da solidariedade são corolário desta elaboração.
Isso porque o princípio da igualdade justamente decorre do reconhecimento
da existência de outros seres humanos iguais; se os iguais merecem idêntico
respeito à sua integridade psicofísica, será necessário construir o princípio
que protege tal integridade; considerando ser a pessoa essencialmente dota-
da de vontade livre, será preciso juridicamente garantir esta liberdade; por
fim, sendo ela parte integrante do grupo social, disso decorrerá o princípio
da solidariedade social50.
Ressalte-se que a dignidade da pessoa humana também restou ex-
pressamente positivada em outros capítulos da Constituição Federal. Desse
modo, a dignidade da pessoa humana se faz presente quando estabelece que
a ordem econômica tem a finalidade de assegurar a todos uma existência
digna (art. 170, caput), quando, na esfera da ordem social, fundou o planeja-
mento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paterni-
dade responsável (art. 226, § 7º), além de assegurar à criança e ao adolescente
o direito à dignidade (art. 227, caput). O art. 230 assegura que “a família, a
sociedade e o estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando
sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida”51.

47 “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de


razão e de consciência, devendo agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
48 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional..., p. 101.
49 MORAES, Maria Celina Bondin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico
e conteúdo normativo..., p. 120.
50 Idem, ibidem.
51 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais..., p. 76.
38
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Sarlet ressalta que


onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser
humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem
asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade
e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos funda-
mentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá
espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez,
poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.52

Desse modo, a proteção da dignidade do ser humano não pode ser


afastada. Isso porque a dignidade da pessoa humana é inegociável e deman-
da proteção máxima. A referida proteção é conferida pelo legislador constitu-
cional, na medida em que prevê direitos fundamentais e da personalidade53.
Do reconhecimento da dignidade humana decorrem os direitos de per-
sonalidade. Por essa razão, a Constituição Federal de 1988 reconheceu ex-
pressamente no art. 5º, X, os direitos à vida, à honra, à integridade física, à
integridade psíquica, à privacidade, entre outros direitos. Paulo Luiz Netto
Lôbo entende que os referidos direitos são essenciais, pois, sem eles, “não se
concretizaria a dignidade humana. A cada pessoa não é conferido o poder de
dispô-los, sob pena de reduzir sua condição humana; todas as demais pes­
soas devem abster-se de violá-los”54.
Para Pietro Perlingieri, a personalidade não é um direito,
mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma
série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessante-
mente mutável exigência de tutela. Tais situações subjetivas não assumem
necessariamente a forma de direito subjetivo e não devem fazer perder de
vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hi-
póteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles
colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas.55

52 Idem, p. 71.
53 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial – A tutela da dignidade da pessoa
humana. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_
consumidor/doutrinas/dano%20existencial.doc>. Acesso em: 05.04.2013. p. 10.
54 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. Rio de Janeiro. Revista
Trimestral de Direito Civil, v. 6, p. 79-97, abr./jun. 2001. p. 86.
55 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad.
Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 157-8.
39
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O fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana tem


sido frequentemente empregado nas discussões que envolvem o chamado
abandono afetivo. Entende-se que o pai que não dedica amor para seus fi-
lhos, ou que é incapaz de demonstrar afeto, fere a dignidade humana do
seu filho e, portanto, justificado estaria seu dever de indenizar. Acerca disso,
algumas considerações devem ser feitas.
Conforme já destacado, entendemos que a ausência do amor paterno
pode sim trazer prejuízos à formação da criança, pode sim lhe provocar pro-
funda mágoa e essa dor é, com toda a certeza, incomensurável. Entendemos
que o pai que não dedica amor para com seu filho pratica ato moralmente
reprovável e não se objetiva, por meio desse estudo, promover a defesa do
pai, afirmando que seus atos são escusáveis, tampouco corretos. Entendemos
que a busca pela construção de um lar, de uma família dever ser calcada em
seu maior lastro: que com toda a certeza é o amor, o carinho, a dedicação
afetuosa etc.
No entanto, conforme já demonstrado no tópico II deste estudo, enten-
demos que o Direito não tem a capacidade nem a legitimidade de mensurar,
controlar e regular toda a gama de atitudes emotivas e afetuosas que podem
ser expressadas pelo ser humano, mesmo no caso do pai para com seu filho.
É simplesmente impraticável pretender impor esse dever moral como se um
dever jurídico calcado em uma sanção fosse. E, se não há como impor coati-
vamente tal obrigação, não há como se buscar a reparação pela ausência de
algo que sequer nos é imperativo juridicamente fazer.
Anteriormente afirmamos que a dignidade humana é inerente a toda e
qualquer pessoa, mesmo ao maior dos criminosos56. Assim sendo, objetivan-
do proteger a dignidade do filho, acabamos por desconsiderar a dignidade
do pai, tratando-o como objeto, como mero instrumento de satisfação dos
desejos monetários do indivíduo adulto que busca reparação pelo ressenti-
mento que tem das mágoas profundas sofridas durante a sua formação. E,
se assim objetivarmos fazer, estaremos precificando algo para o qual não há
preço, não há equivalente. Lembremos que a dignidade humana pode ser
bem ilustrada por meio da máxima kantiana que afirma que, “quando uma
coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equiva-

56 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional..., p. 101.
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lente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto, não per-
mite equivalente, então tem ela dignidade”57.
Aliás, a pretensão de se utilizar, economicamente, do pai para se “cor-
rigir” (na verdade, apenas suplantar) ressentimentos experienciados pelo seu
filho na infância e na adolescência pode ainda nos remeter a importantes en-
sinamentos de Axel Honneth no que se refere aos chamados processos de
reificação58. Um deles é o caso em que a execução de uma práxis perseguida
unilateralmente, como um só propósito associado a ela, nos leva a perder a
atenção com relação a todos os outros motivos, quem sabe até mais originais
e relevantes. Um exemplo trazido pelo autor vem a ser o do jogador de tênis
que, ambicionando ganhar a disputa a qualquer custo, perde a capacidade
de sentir que o seu adversário é, na verdade, seu melhor amigo e que foi por
causa dele que começou a jogar a partida59.
Assim sendo, entende-se, com base nos ensinamentos de Immanuel
Kant, que a dignidade da pessoa humana não pode ser vista e tratada como
objeto, pois, conforme já ressaltado, para ela não há equivalente. No caso do
precedente do STJ sendo analisando, percebe-se que a decisão judicial acaba
reificando a figura paterna, na medida em que se vale de mera indenização
pecuniária como forma de reparação por mágoas profundas sentidas por jo-
vem durante o seu período de criação, sem que se tenha a mínima pretensão
de se recompor qualquer tipo de vínculo afetivo ou moral entre pai e filho. O
pai, portanto, nesse cenário é tratado, exclusivamente, como objeto, como um
instrumento de vingança do filho, que deve – literalmente – pagar por seus
defeitos e por suas negligências, não sendo assim considerado sujeito deten-
tor de dignidade, ainda que carente de virtude e ainda que descumpridor de
seus deveres morais.

IV – A EFICÁCIA SOCIAL DA DECISÃO QUE PRETENDE REGULAR


A MANIFESTAÇÃO DE CUIDADO AFETIVO

Outro ponto que chama a atenção na decisão judicial proferida no


REsp 1.159.242 aqui comentada diz respeito à eficácia social que poderá ser
alcançada por meio desta decisão em relação aos casos futuros de abandono

57 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes..., p. 77.


58 HONNETH, Axel. Reificación: un studio en la teoria del reconocimiento. Trad. Graciela
Calderón. Buenos Aires: Katz, 2007.
59 Idem, p. 96.
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paterno. De nenhum modo se poderia negar que a Ministra Nancy Andrighi


sempre esteve imbuída das melhores intenções possíveis ao condenar o pai
omisso a pagar quantia em dinheiro à sua filha que foi privada da atenção
e do carinho paternal na sua juventude. Certamente pretendia e pretende
ela, além de reparar o mal causado no passado à jovem litigante, que o seu
entendimento jurídico venha a impactar sobre a postura familiar e afetiva de
outros pais omissos que venham a incorrer na mesma atitude no futuro. Afi-
nal de contas, nenhuma decisão de tribunal superior é tomada para que seu
fundamento jurídico geral e abstrato – no caso, os argumentos que levaram à
conclusão de que é indenizável o dano moral por abandono afetivo dos pais
– seja aplicável a um único caso concreto.

Diante disso, cabe questionar sobre quais repercussões sociais pode-


mos esperar a partir de tal decisão do STJ. Mesmo que, obviamente, esse tipo
de esforço de predestinação seja extremamente complicado de ser realizado
com alguma objetividade, uma consequência já pode ser prevista desde já,
qual seja os pais omissos não passarão a dedicar mais carinho, atenção, afeto
aos seus filhos a partir do momento que tiverem ciência da decisão conde-
natória proferida pelo Judiciário. Em primeiro lugar, aqueles pais que, antes
da decisão, por incapacidade emotiva ou por puro desvio de caráter, não
se mostravam capazes de amar ou de cuidar afetivamente dos seus filhos
certamente continuarão a assim agir. Aliás, mesmo que sejam condenados
a desembolsar o valor referente à indenização moral, esses pais continuarão
sendo insensíveis afetivamente em relação aos seus filhos.

Em segundo lugar, o temor e o receio de receber uma condenação ju-


dicial a pagar quantia em dinheiro não é, de nenhum modo, um instrumento
minimamente eficaz para instaurar em alguém um sentimento sincero e ver-
dadeiro no sentido de direcionar afeto e carinho a alguém. Isso pelo simples
fato de que nenhum tipo de ato de coerção – judicial ou de outra natureza
– será capaz de forçar alguém a modificar a sua postura afetiva. Muito pelo
contrário, pois a condenação pecuniária ou a ameaça de recebê-la é, por certo,
a forma mais célere e eficaz de se fechar todas as portas para uma possível
reconciliação afetiva. Aliás, cabe dizer que uma postura inicial de indiferen-
ça, i.e., o descaso afetivo do pai omisso, será, certamente, após a condena-
ção judicial, transformado em raiva e rancor, ceifando, assim, de vez, todo e
qualquer vínculo que pudesse ser construído entre pai e filho. Assim, nesses
casos, teremos a possível instauração de um fenômeno que denominamos
aqui de perpetuação de animosidade e mágoa dentro do núcleo familiar, no qual a
concretização, por meio de litígios judiciais, do desejo de vingança do filho
42
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contra seu negligente pai apenas estará inaugurando novo ciclo de agressivi-
dade e violência entre eles.

Como se vê, portanto, a decisão tomada pelo STJ poderá pavimentar


um caminho ainda mais nefasto, prestando, inclusive, um verdadeiro desser-
viço no que diz respeito à promoção daquele fim que afirma estar realizan-
do, uma vez que a recorrência desse tipo de decisão não iria contribuir para
melhorias nas relações familiares já fragilizadas, mas poderá intensificar as
situações de conflito e inviabilizar de vez qualquer espécie de conciliação.
Em verdade, o único resultado efetivo que esse tipo de decisão poderá gerar
é o de garantir um retorno financeiro ao filho. Está-se, pois, diante de uma
medida jurídica que – provavelmente, de forma inconsciente – tão somente
promove uma política pública de monetarização de relações familiares con-
flituosas, o que, em larga escala, representa, certamente, um remédio perver-
so para um problema social real.

Assim, também, questiona-se se a criança, após a condenação do pai,


encontraria na figura do genitor, que antes o preteriu, “ambiente para re-
construir o relacionamento ou, ao contrário, se veria definitivamente afastada
daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?”60.

Entendeu a 4ª Turma do STJ que:

por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do


filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O de-
ferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação finan-
ceira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão
alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquan-
to já obtidos com outros meios previstos na legislação civil.

Ressalte-se que, no caso do precedente aqui analisado, conforme des-


tacado pelo magistrado ao prolatar a sentença, a genitora da autora também

60 Questionamento formulado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no


julgamento do REsp 757.411/MG, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves:
“RESPONSABILIDADE CIVIL − ABANDONO MORAL − REPARAÇÃO − DANOS
MORAIS − IMPOSSIBILIDADE − 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de
ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de
1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido
e provido”.
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contribui para o afastamento do pai. Nesse sentido também se manifestou a


4ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 757.411/MG, vejamos:
[...] é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guar-
da isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança
nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a
indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas
também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento
amoroso.

Com efeito, a decisão do STJ não é apenas inútil e desproporcional no


que diz respeito à eficácia social que propõe promover (enquanto absoluta-
mente incapaz de sequer minimizar as consequências negativas das relações
familiares que pretende regular), mas é também altamente perversa nos seus
possíveis efeitos colaterais, na medida em que, caso seja ampliada sua inci-
dência a todas as demais situações em que negligências afetivas extremas
tenham sido cometidas, poderá inviabilizar qualquer tentativa de reconcilia-
ção, promovendo ainda mais rancor e raiva de pais omissos para com seus
filhos, e estará pautando relações familiares em parâmetros integralmente
monetários, o que, por certo, não é algo saudável.

CONCLUSÃO

Quando se discute a questão do chamado abandono afetivo, sem dú-


vida alguma está-se diante de polêmico caso em que o aplicador do Direito –
movido por evidente boa intenção – pretende introduzir decisão judicial que
instaure e motive política pública que assuma a tarefa de resolver problemas
intrafamiliares graves por meio de instrumentos de coerção e de condena-
ções pecuniárias daqueles que se mostraram incapazes de manifestar atitu-
des emocionais e afetivas em favor de crianças durante fase fundamental da
sua criação. No entanto, ao assim pretender agir, o Poder Judiciário acabou
ultrapassando os limites regulatórios e diretivos do Direito, impondo me-
didas sancionatórias e reparatórias que não são nem capazes de melhorar
as condições de convivência dos integrantes de um núcleo familiar nem de
concretizar os fins que inicialmente motivaram a implementação da decisão
judicial aqui discutida. O caso do abandono afetivo, portanto, representa
mais uma das situações contemporâneas em que a vida em sociedade se sub-
mete a um absolutismo jurisdicional, em que se pressupõe que a integralida-
de dos conflitos existenciais humanos serão solvidos por meio de disputas
judiciais.
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Macintyre61 diagnosticou com precisão um dos possíveis excessos da


vida contemporânea no que tange ao referido absolutismo jurisdicional que
impera na sociedade moderna e subjuga toda a nossa realidade. De acordo
com ele, o indivíduo contemporâneo vislumbra o Judiciário como sendo, não
apenas a primeira opção para o enfrentamento de todos os seus conflitos,
mas também como sendo a via necessária e o local exclusivo para que to-
dos os seus problemas sejam discutidos, enfrentados e resolvidos. Assim, o
Judiciário teria o papel de salvaguardar em primeira mão não só todos os
tipos de disputas sociais, mas seria a única e exclusiva instituição pública que
teria a prerrogativa e a autoridade para dar enfrentamento definitivo de tais
conflitos. Todas as outras instâncias de mediação social teriam apenas uma
função paliativa e precária no enfrentamento dos problemas rotineiros que os
indivíduos enfrentam durante o seu convívio social. Diante disso, nenhuma
dimensão da vida humana escaparia do poder deliberatório e decisório do
Poder Judiciário. Não seria exagero afirmar, portanto, que o Tribunal repre-
senta nos séculos XX e XXI aquilo que a Igreja foi na Idade Média.
No entanto, é bastante questionável pensar o Direito como sendo ins-
trumento social que seja, de fato, capaz de regular e coordenar todas as face-
tas da existência humana. E é precisamente dentro do exagero de escopo na
atribuição de tarefas sociais a serem resolvidas pelo Direito que se percebe
o traço ilusório de se pretender impor um remédio jurídico contra um real
problema social que simplesmente não se afeiçoa aos mecanismos coercitivos
de que dispõe o Direito. Ora, um pretenso remédio que não é capaz de mi-
nimamente reduzir os efeitos negativos de uma doença – ou de previr a sua
ocorrência no futuro – não é, verdadeiramente, um remédio.
Não amar um filho é, sem dúvida, um ilícito moral, mas não é todo ví-
cio moral que pode se reproduzir em um ilícito jurídico, ainda mais um ilícito
jurídico que deva ser reparado por meio de reparação pecuniária. No caso
concreto do chamado abandono paternal, temos situação ainda mais grave,
uma vez que, como se viu, a tentativa de reverter em retorno financeiro o
trauma sofrido pela criança que foi privada do carinho paterno, ao invés de
contribuir para a minoração desse grave problema social, irá acarretar:

61 MACINTYRE, Alasdair. Theories of Natural Law in the Culture of Advanced Modernity.


In: Edward B. McLean (Org.). Common Truths: new perspectives on natural law.
Wilmington: ISI Books, 2000. p. 91-115.
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(i) um aumento na intensidade dos sentimentos negativos entre pais e


filhos (rancor, inimizade, relação baseada no temor de uma conde-
nação judicial, relações afetivas falsas ou dissimuladas para evitar
litígios);
(ii) a criação de uma tendência de monetarização de relações de afe-
to, em que pais e filhos passam a pensar o relacionamento afetivo
espontâneo em termos de receitas passíveis de serem auferidas ou
de risco de despesas que poderão ser arcadas no caso de omissão;
(iii) a incumbência de o Estado – i.e. o Poder Judiciário – definir e co-
mensurar as atitudes que são adequadas e suficientes no que diz
respeito à manifestação afetiva que os genitores devem manifestar.
Ora, talvez na história da humanidade jamais se tenha elaborado
um projeto estatal com tamanha ambição totalizante e com seme-
lhante força interventiva na manifestação dos particulares, em que
o Estado pretende determinar quando o afeto e o carinho de um
indivíduo foi, efetivamente, satisfatório e compatível aos parâme-
tros fixados por agentes estatais (no caso, membros do Poder Judi-
ciário).
Certamente, alguns poderão contraditar a objeção aqui levantada des-
tacando que o Direito, frequentemente, assume a tarefa de fixar a indeniza-
ção devida por lesões que foram provocadas a bens intangíveis, incomen-
suráveis e que não poderiam ser definidos, no que diz respeito ao impacto
subjetivo que tal violação provocou na vítima. Por isso, é rotineira a atividade
jurídica de fixar indenizações por violações ao direito de imagem, à honra, a
atos que causa invalidação, perda de membros ou inclusive a morte de um
familiar. Todos esses casos, de fato, bem representam situações jurídicas em
que o dano indenizável é incomensurável, na medida em que não é possível
uma averiguação precisa, técnica e objetiva do prejuízo individual que tais
atos ilícitos provocaram. Qual seria, portanto, a diferença na fixação de inde-
nização nesses casos de bens intangíveis com a possível indenização pelo ato
omissivo que provoca também um sofrimento incomensurável nos filhos que
são abandonados por um dos seus pais?
A diferença fundamental não está propriamente no tipo de dano que
foi provocado – até porque, em todos os casos mencionados, o bem violado
é intangível, imaterial e indefinível em termos quantitativos, o que acarreta
incomensurabilidade do eventual dano provocado. Na verdade, a diferença
está no tipo de ação que é agressiva a tal bem e o tipo de intencionalidade

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que deve ser verificada por parte daquele que age de modo a provocar um
mal a outrem.
Nos casos de indenização por dano à imagem, à honra e outras res-
trições provocadas à personalidade do ofendido (prejuízos estéticos, impe-
dimentos laborativos ou a perda de um familiar), todas pressupõem uma
atitude de abstenção (um dever negativo, portanto, um dever de não causar
dano – o neminem laedere dos romanos) que não foi cumprida. Pressupõe a
intenção de o agente adotar determinado plano de ação, por culpa ou por
dolo, enquanto que seria dele exigido o dever de se abster de concretizar tais
atos. Pressupõe, ainda, que exista um dever jurídico nos ordenando fazer ou
deixar de fazer alguma coisa.
Por outro lado, ao exigir que o pai dedique afeto e carinho ao seu filho,
não se está fixando apenas um dever negativo, uma exigência de abstenção
em relação a um modo de agir. Está-se, em verdade, impondo deveres po-
sitivos ao pai omisso, no sentido de determinar quais atos e gestos deve ele
executar para que não venha a incorrer na situação jurídica agora fabricada
do abandono afetivo. Tais deveres positivos criam obrigações ativas – não
de mera abstenção, portanto –, exigindo que o genitor cumpra determinadas
ações concretas relacionadas a um suposto ato de afeto, carinho ou cuidado
(para se valer da expressão da Ministra Andrighi). No entanto, como já se
mencionou, o afeto é conceitualmente uma atitude que é produzida de modo
livre, espontâneo e sincero. Atitudes afetivas desprovidas dessa espontanei-
dade e sinceridade não são, de fato, atitudes afetivas. Aliás, tais simulacros
de afeto são, em muitos casos, a antítese do carinho ou do cuidado afetivo
que uma criança em formação necessita, uma vez que uma manifestação in-
sincera de afeto por parte do pai poderá provocar ainda mais danos ao filho.
Assim sendo, cabe aqui questionar se a decisão da 3ª Turma do STJ,
proferida no REsp 1.159.242 – que entendeu, por maioria, que o abandono
afetivo por parte do genitor em relação ao seu filho enseja dano moral – cons-
titui fato da vida passível de ser regulado pelo Direito e, por consequência,
objeto de reparação pecuniária. Alguns jusfilósofos contemporâneos, tais
como Hans Kelsen e Joseph Raz, afirmariam que sim, “que o direito não só
estaria apto a apreender e regular todos os fenômenos manifestados na reali-
dade empírica, como também seria peça absolutamente necessária na trans-
formação dos modelos sociais e no incentivo de atitudes dos particulares”62.

62 FERREIRA NETO, Arthur. O amor jurídico. Disponível em: <http://www.pailegal.net/


forum/viewtopic.php?t=3355>. Acesso em: 10.05.2013.
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O Direito, sem dúvida, exerce papel fundamental na sociedade, incen-


tivando condutas socialmente relevantes. Isso não significa dizer, porém, que
o Direito possua uma força regulativa ilimitada e absolutamente compreen-
siva. Entende-se que existem “parcelas da realidade para as quais o Direito,
por óbvio, não se presta como instrumento de intervenção. O amor paterno
aparenta ser uma destas situações”63.
Ressalte-se, entretanto, que ao adotar tal posicionamento não está se
negando, de forma alguma, o respeito e proteção à dignidade da pessoa hu-
mana e os direitos de personalidade dos indivíduos que compõem essas re-
lações. Afirma-se, apenas, que existem determinados fatos da vida que, in-
felizmente, não cabem ao Direito regular. Entende-se que um desses casos
é o intercâmbio afetivo. A figura paterna é, sem sombra de dúvidas, algo
extremamente valioso na vida de praticamente todas as pessoas. Assim, a
demonstração de afeto de um pai para com seus filhos é algo extremamente
positivo, devendo, por certo, ser incentivado e cultivado no meio social e
familiar.
O que se objetivou demonstrar neste estudo é que existem determina-
das características morais que não podem ser condenadas, nem reparadas
quando violadas, pelo Direito. O pai que não dedica amor para com seu fi-
lho possui, certamente, um defeito de caráter, um problema de virtude. No
entanto, o referido defeito de caráter, que o impede de demostrar afeto, não
pode ser pelo Direito regulado. A demonstração coercitiva de afeto não con-
tribuirá ao bom desenvolvimento dos filhos64.
Como se viu, a decisão judicial, caso vislumbrada pelo fim que, em
tese, se buscava alcançar, mostra-se como um meio ineficiente de se estimular
os pais a amarem ou demonstrarem carinho para com seus filhos. Do mesmo
modo que os filhos rejeitados também não passarão a se sentir mais amados
após o recebimento da indenização reparadora. Ora, o amor do pai para com
seu filho não surgirá baseado no receio de punição nem poderá ser garantido
por meio da conversão em pecúnia deste sentimento. O amor paterno, na

63 FERREIRA NETO, Arthur. O amor jurídico. Disponível em: <http://www.pailegal.net/


forum/viewtopic.php?t=3355>. Acesso em: 10.05.2013.
64 Nesse sentido foi o posicionamento adotado pela 4ª Turma do STJ, no julgamento REsp
757.411/MG, vejamos: “Como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar,
ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada
com a indenização pleiteada” (REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta
Turma, J. 29.11.2005, DJ 27.03.2006).
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verdade, somente se manifesta de modo espontâneo – nunca coercitivamente


–, podendo apenas ser estimulado pela prática moral e educação. Mas isso é
algo que as estruturais formais do Direito não poderão, por si só, promover.
A penetração do Direito no campo que não lhe é próprio também vem
a acarretar uma indesejada alteração no plano conceitual, ou seja, relativa-
mente ao sentido que comumente é atribuído à expressão “amor paterno”.
Suponhamos que a decisão judicial antes relatada torne-se tese de acolhida
reiterada nos tribunais. Aqueles pais qualificados como potenciais ofenso-
res às obrigações jurídico-afetivas devidas aos seus filhos requisitarão saber
de antemão, com o intuito de se precaverem, quais as condutas típicas que
devem ser praticadas por aqueles que desejam afastar a eventual caracteriza-
ção do ilícito. Caberá, assim, aos tribunais definir quantos passeios, quantos
telefonemas ou quantos gestos de carinho serão necessários para se impedir
a configuração do descumprimento dos deveres paternos de afeto. O Direito
necessitará, desse modo, elencar uma série numerada de atitudes e posturas
que poderão ser formalmente praticadas pelos pais para que estes passem a
ser qualificados, pelo visor jurídico, como figuras afetivas na educação dos
filhos, sem que, em nenhum momento, tivessem efetivamente manifestado
qualquer ato substancial de afeto. Haverá, pois, a codificação em termos ju-
rídicos de algo artificialmente definido como amor paterno. Desta realidade
surgirá uma curiosa ruptura conceitual, já que, entre pais e filhos, duas rela-
ções de amor distintas poderão surgir: primeiramente o que hoje – ainda –
compreendemos como amor paterno, estruturado com base em verdadeiras
relações de afeto, e, em segundo lugar, o novo amor jurídico, representado
por uma série fechada de obrigações que necessitam ser cumpridas com o
intuito de se afastar sanções impostas pelo Direito.
A má-compreensão dos limites de atuação do Direito é, sem dúvida,
fruto de uma descrença generalizada em relação às instâncias políticas e so-
ciais que, em períodos passados, sempre tiveram força ativa para repreender
posturas negligentes, bem como para incentivar as práticas morais. No en-
tanto, a fragilização das instituições sociais básicas nos dias atuais permite
sejam traduzidas em práticas jurídicas toda e qualquer relação intersubjetiva
manifestada no ambiente social, em especial a relação de amor que se esta-
belece entre pais e filhos, que somente deveria ser estimulada pela sociedade
mediante o exercício de hábitos morais.
Cabe referir que o Direito não deve ser visto como um instrumento
capaz de reprimir todas as práticas reprováveis moralmente. Dito de outro
modo, o Direito, por obvio, não é o mesmo que a moral. Por isso, atos contrá-
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rios à moral não são todos geradores de danos reparáveis pelo Direito. Nesse
sentido, cabe retomar a importante lição de Tomás de Aquino, apresentada
no Tratado da Lei, questão nº 96, artigo 2, em que o autor, enfrentando a
pergunta acerca da possibilidade de a lei humana coibir todos os vícios, res-
ponde negativamente dizendo:
[...] a lei é imposta como uma regra ou medida dos atos humanos. A me-
dida deve ser homogênea ao que é medido, [...]. Portanto, é necessário que
também as leis sejam impostas aos homens segundo a sua condição, [...]. O
poder ou a faculdade de agir procede de um hábito interior ou disposição:
com efeito, a mesma coisa não é possível àquele que não tem o hábito da
virtude e ao virtuoso, assim como também não é possível à criança e ao
homem adulto. E por causa disso não se impõe às crianças a mesma lei que
aos adultos: com efeito, muitas coisas são permitidas às crianças que são
punidas pela lei nos adultos, ou também são condenadas. E semelhante-
mente muitas são permitidas aos homens não perfeitos na virtude, as quais
não seriam toleradas nos homens virtuosos. Ora, a lei humana é imposta à
multidão dos homens e nessa a maior parte é de homens não perfeitos na virtude.
E assim pela lei humana não são proibidos todos os vícios, dos quais se abstêm
os virtuosos, mas tão-só os mais graves, dos quais é possível à maior parte
dos homens se abster; e principalmente aqueles que são em prejuízo dos
outros, sem cuja proibição a sociedade humana não pode conservar-se; as-
sim são proibições pela lei humana os homicídios, os furtos e coisas seme-
lhantes. [...]
Deve-se dizer que a lei humana tenciona induzir os homens à virtude, não de
súbito, mas gradualmente. E assim não impõe imediatamente à multidão
dos imperfeitos aquelas coisas que são já dos virtuosos, como, por exem-
plo, que se abstenham de todos os males. [...]
Deve-se dizer que a lei natural é certa participação da lei eterna em nós: e a
lei humana é deficiente em relação à lei eterna. Diz, com efeito, Agostinho:
“Esta lei que é lavrada para reger as cidades concede muitas coisas e deixa
impunes aquelas que são punidas pela divina providência. Com efeito, não
é porque não faz todas as coisas que as que faz devem ser provadas”. Por-
tanto, a lei humana também não pode proibir todas as coisas que a lei da natureza
proíbe.65 (Grifou-se)

65 AQUINO, Tomás de. Suma teológica IV. São Paulo: Loyola, 2005. p. 585-7.
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Cabe, por fim, relembrar a frase utilizada como epígrafe do presente


artigo: “O principal objetivo da disciplina da responsabilidade civil consiste
em definir, entre os inúmeros eventos danosos que se verificam quotidiana-
mente, quais deles devam ser transferidos do lesado ao autor do dano, em
conformidade com as ideias de justiça e equidade dominantes na sociedade”
(Konrad Zweigert e Hein Kötz).
Entende-se, da leitura de frase referida, que não cabe ao Direito, por
meio da disciplina da responsabilidade civil, regular todos os eventos dano-
sos que cotidianamente se concretizam. É necessário, primeiramente, avaliar
as consequências de cada grupo de acontecimentos para, posteriormente,
com base nos ideais de justiça e equidade, estabelecer se o Direito deve regu-
lar tais fatos, transferindo, portanto, os danos sofridos pelo lesado ao autor
do dano.
Assim sendo, entende-se, com base nos ensinamentos de Immanuel
Kant, que a dignidade da pessoa humana não pode ser vista e tratada como
mero objeto, pois, conforme já ressaltado, para ela não há equivalente. No
caso do precedente analisado, percebeu-se que houve uma reificação66 da fi-
gura paterna, na medida em que, em verdade, o que se buscou por meio do
litígio judicial foi simplesmente a indenização pecuniária. Desse modo, o pai
negligente veio a ser tratado, não na sua dignidade (não obstante venha ele
a manifestar certa insuficiência moral ou, talvez, até defeito de caráter), mas
como objeto, instrumento de satisfação pecuniária referente a ressentimentos
e desejos de vingança do filho que foi alvo de grave negligência.

REFERÊNCIAS
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 6. ed. 2. tir., 1990.
ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial – A tutela da dignidade da pessoa
humana. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_
consumidor/doutrinas/dano%20existencial.doc>. Acesso em: 05.04.2013.
AQUINO, Tomás de. Suma teológica IV. São Paulo: Loyola, 2005.
FERREIRA NETO, Arthur. O amor jurídico. Disponível em: <http://www.pailegal.net/
forum/viewtopic.php?t=3355>. Acesso em: 10.05.2013
HONNETH, Axel. Reificación: un studio en la teoria del reconocimiento. Trad. Graciela
Calderón. Buenos Aires: Katz, 2007.

66 HONNETH, Axel. Op. cit.


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52
Função Social da Empresa: Dimensão Positiva
e Restritiva e Responsabilidade Social1
G raziela M aria R igo F errari
Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Especialista em Direito de Família pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Mestranda em Direito na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Advogada.

R icardo L upion G arcia


Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), com Pós-Doutorado pela Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa, Professor de Direito Empresarial do Programa
de Pós-Graduação em Direito (PPGDir) na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Coordenador do Curso de
Especialização em Direito Empresarial da PUCRS, Advogado Empresarial.

RESUMO: O trabalho apresenta (i) a construção de um conceito de


função social e responsabilidade social da empresa a partir da análi-
se de posição histórica e doutrinária no cenário mundial e no cenário
brasileiro, (ii) a função social em sua dimensão positiva mediante o
reconhecimento do potencial atribuível à iniciativa privada na cons-
trução de uma sociedade justa e que atenda aos anseios sociais e em
sua dimensão restritiva e (iii) a responsabilidade social como regra
econômica e ética na busca de um desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Função social; empresa; responsabilidade


social.

ABSTRACT: The article aims at presenting (i) the construction of a


concept of social function and social responsibility of the business
companies in a historical and doctrinal context on the world and
Brazilian scenarios, (ii) the function social in its positive dimension

1 O presente artigo teve como base o trabalho apresentado pela coautora Graziela Rigo
Ferrari, tendo como tema a função social da empresa: dimensão positiva e restritiva e
a responsabilidade social da empresa, na disciplina “Empresa e Ordem Econômica”,
ministrada pelo Professor Ricardo Lupion Garcia no Curso de Mestrado em Direito da
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
53
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Doutrina Civil
Maio/2015

to recognize the potential objectives of the private sector in building


a social justice that is related to the social expectations and its restric-
tions limitation, and (iii) the social responsibility as an economic and
ethics rule to provide a sustainable development.

KEYWORDS: Social function; business; social responsibility.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A função social e a responsabilidade social


sob o aspecto histórico; 1.1 Cenário mundial; 1.2 Cenário brasileiro; 2
Função social: a busca de um conceito; 2.1 Função social sob as pers-
pectivas de uma dimensão positiva e de uma dimensão restritiva; 3
Responsabilidade social; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Fabio Konder Comparato2, em texto de 1990, referia que a análise fun-


cional do direito (proposta por Karl Renner em 1904) já havia produzido algu-
mas relevantes conclusões de validade universal, entre elas a constatação de
que tanto os bens quanto as relações jurídicas ou os negócios jurídicos podem
ter várias funções ou utilidades na vida social.
Segundo o autor (1990, p. 30, grifos adicionados),
uma consideração ainda que superficial da história econômica e da evo-
lução do pensamento ocidental sobre a vida econômica revela, sem esforço,
que a relação de propriedade privada sempre foi justificada como modo
de proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais, ou
seja, como forma de prover a sua subsistência. Acontece que, na civiliza-
ção contemporânea, a propriedade privada deixou de ser o único, se não
o melhor meio de garantia da subsistência individual ou familiar. Em seu
lugar aparecem, sempre mais, a garantia de emprego e salário justo e as
prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a previdência
contra os riscos sociais, a educação e a formação profissional, a habitação,
o transporte e o lazer.

O mesmo sentir é manifestado por Eduardo Tomasevicius Filho3. Men-


cionando a ascensão da burguesia, que acabou dominando o cenário mundial
nos séculos XVIII e XIX de modo a fundamentar a ordem social e econômica,

2 COMPARATO, Fabio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva,
1990.
3 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. Revista dos Tribunais,
v. 810, abril/2003.
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tendo por base, essencialmente, a proteção à propriedade privada, o autor


ressalta as inúmeras injustiças praticadas sob tais auspícios.
No campo econômico, segundo Tomasevicius Filho (2003, p. 1), “uma
propriedade rural podia servir como meio de produção ou como reserva de
valor”, dependendo da destinação que lhe era dada: se fosse da vontade do
dono, poderia ficar inexplorada por largo período unicamente à espera de
um aumento pela procura de terras, e, assim, ser vendida por valor especu-
lativo muito superior; e no caso de produzir mercadorias, do mesmo modo,
estoques eram retidos para forçar um aumento artificial de preços.
Nas relações empregatícias contrapunham-se longas jornadas a baixos
salários em péssimas condições de trabalho sob a falácia de que o empregado
era livre para recusar a proposta ou ainda poderia discutir seus termos.
Já em relação às empresas, o capitalismo industrial crescia substan-
cialmente e se encaminhava para o capitalismo financeiro com ênfase na
concentração de poder econômico em determinados grupos industriais
(Tomasevicius Filho, 2003, p. 1).
Para Tomasevicius Filho (2003), sob o pretexto de exercício regular
de direito é que se praticavam os abusos, provocando reações de diferentes
ordens.
Entre os resultados das manifestações contrárias a esta situação é que
emanam os conceitos de função social e de responsabilidade social a partir de
paradigmas que, inclusive, adotam uma nova concepção de empresa, tratada
por alguns como o terceiro sujeito social, paralelo ao Estado e ao cidadão,
conforme se esmiuçará.

1 A Função Social e a responsabilidade social sob o


aspecto histórico

1.1 Cenário mundial

Como se referiu, o processo histórico do surgimento do debate acerca


da noção do aspecto “social” da empresa, sob o prisma não de sua constitui-
ção ou objeto, mas de caráter relacional com outros entes e com o meio que
lhe circunda, encontra-se intimamente relacionado ao surgimento e desen-
volvimento do capitalismo.
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Boaventura de Souza Santos (2001, p. 78-79)4 propõe e identifica três


grandes períodos.
O primeiro, o qual ele denomina de capitalismo liberal, perpassa todo o
século XIX e está caracterizado pela substituição de uma sociedade agrária e
de pequenos produtores para a das máquinas e da produção em massa, em
que deixou de ser privilegiado o trabalho qualificado para a contratação de
pessoal sem qualificação e a custo reduzido.
A doutrina econômica dominante à época era o liberalismo, capita­
neada por Adam Smith, baseada no princípio da propriedade e da iniciativa
privada, cujo foco era a maximização dos lucros. Para os liberais, a interfe-
rência do Estado na economia seria um obstáculo à concorrência, tida como
elemento essencial ao desenvolvimento econômico. Assim, o Estado deveria
ocupar-se essencialmente da proteção da propriedade e das ações sociais, en-
quanto as empresas deveriam buscar o máximo de lucratividade, geração de
emprego e o pagamento dos impostos, pois, em assim agindo, estariam exer-
cendo sua função social. Como resultado deste contexto e da total ausência
de regulamentação governamental, especialmente de legislação trabalhista e
previdenciária, o que se viu foram trabalhadores submetidos a longas jorna-
das laborais e baixos salários, em uma verdadeira mecanização do ser huma-
no e desqualificação da mão de obra.
Naquele período, segundo Denise Carvalho Tatim (2009, p.41-42)5, al-
gumas poucas ações sociais praticadas pelas empresas baseavam-se essen-
cialmente na caridade, sob uma perspectiva paternalista e assistencialista, em
que os mais afortunados da sociedade determinavam com quanto iriam con-
tribuir, a fim de ajudar os menos afortunados, tais como os desempregados,
os inválidos, os doentes e os velhos. A autora aponta que um dos precursores
deste movimento foi o empresário A. Carnegie, da U.S. Stell Corporation,
em 1899, com atuação na França. Neste momento, havia a noção de que esta
responsabilidade era muito mais dos proprietários das empresas (pessoas fí-
sicas) do que dessas, propriamente dito.

4 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.


São Paulo: Cortez, 2001.
5 TATIM, Denise Carvalho. Responsabilidade social empresarial: representações sociais e ideo-
logia. 2009. Disponível em: <http://www.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codarquivo=
1982>. Acesso em: 13 set. 2014.
56
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O resultado desta postura foi o crescimento da produção e do acúmulo


de capital em contrapartida à crescente degradação da qualidade de vida e a
intensificação dos problemas ambientais e sociais, além da precariedade das
relações de trabalho.
Após os efeitos das guerras e, especialmente, da Segunda Guerra Mun-
dial, a noção de que a corporação deveria apenas responder a seus acionistas
passou a sofrer muitas críticas, momento em que o significado da expressão
“responsabilidade social empresarial” se torna objeto de discussões no deno-
minado segundo período do capitalismo, ou, capitalismo organizado (Santos,
2001, p. 79).
Em um cenário crescente de agravamento de problemas sociais nos Es-
tados Unidos, as Cortes americanas passaram a proferir decisões favoráveis
à filantropia por parte das corporações, mesmo que contrário ao interesse dos
acionistas. Um dos casos conhecidos é o de A. P. Smith Manufacturing Com-
pany versus Barlow em 19536, no qual a Suprema Corte de Nova Jersey julgou
favoravelmente a doação de recursos feita pela Companhia à Universidade
de Princeton, contrariamente ao interesse de grupo de acionistas, sob o fun-
damento de que uma corporação poderia buscar o desenvolvimento social
por meio da filantropia corporativa, dando início, então, à intensificação dos
debates acerca deste tema.
Na década de 1960, por força do impacto negativo da guerra do
Vietnã, a sociedade americana passou a questionar as numerosas organiza-
ções a partir da conscientização de que não poderiam simplesmente produzir
sem respeitar o homem e o meio ambiente.
Movimento paralelo acontecia na Europa, por meio de manifestações
de estudantes ocorridas em França e Alemanha, especialmente no ano de
1968. Como resultado, na França, em 1970, as empresas passaram a publi-
car indicadores de natureza social, culminando na promulgação da Lei
nº 77.769/1977, que obrigava entidades com mais de 300 empregados a di-
vulgá-los (Tatim, 2009, p. 43).
Entre os anos 1970 e 1980, com as crises cambiais e estagflacionistas
do capitalismo e a dissolução do bloco soviético que, diga-se de passagem,

6 BRIEF FACT SUMMARY. Defendant stockholders, Ruth Barlow et al., questioned


the legality of a donation made by Plaintiff corporation, A. P. Smith Manufacturing
Company. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/AP_Smith_Manufacturing_
Co_v_Barlow>. Acesso em: 14 set. 2014.
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acabou colocando em descrédito o socialismo, passou-se ao que Boaventura


Santos (2001) denominou de capitalismo desorganizado caracterizado especial-
mente pela globalização da economia com a instalação de empresas multi-
nacionais (a maioria norte-americanas) em vários países do mundo, trans-
nacionalização das estruturas de poder e reestruturação do trabalho. Deste
ponto em diante, ressalta o sociólogo, o avanço da globalização e a revolução
tecnológica é que constroem uma nova configuração a este terceiro perío-
do, pois, se antes as multinacionais se preocupavam em conquistar alguns
mercados, a partir de então elas passaram a ter como imperativo fabricar e
vender para todos os países. O resultado deste comportamento é um novo
arranjo ao capitalismo, que passa a se preocupar com uma produção racional
em substituição à produção em massa (Santos, 2001, p. 79).
Ressalta Tatim (2009, p. 45) que paralelamente a este movimento per-
cebe-se o declínio do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social), ou seja, do
Estado que não consegue dar conta do pleno emprego e da Seguridade So-
cial, e perde em popularidade para as empresas que exibem boa performance,
as quais se tornam cada vez mais fortes no cenário econômico. Por sua vez,
a ausência de emprego e as guerras provocam movimentos migratórios que
podem ser identificados tanto de países ricos para países pobres como do
interior para o entorno de grandes centros, criando verdadeiros bolsões de
pobreza e o surgimento de conflitos de toda ordem como raciais, religiosos
e separatistas. Ademais, crescem a violência e a delinquência, assim como se
torna latente o problema do tráfico de drogas.
Neste contexto é que surgem os questionamentos da sociedade acerca
de qual o papel das empresas na nova configuração de estados democráti-
cos e qual o objetivo da maximização dos lucros, pois, se o Estado é liberal
(deve ser mínimo), então cabe à sociedade civil e às empresas assumir a fun-
ção daquele. Conforme salienta Tatim (2009, p. 45), citando alguns autores e
referindo-se ao cenário norte-americano:
Em função disso, ocorre uma ampliação do conceito de responsabilidade
social empresarial, o qual extrapola o atendimento às obrigações legais e
passa a contemplar os direitos e exigências do entorno, incorporando no-
vas dimensões como o comportamento ecológico, o respeito à cidadania, as
ações para o desenvolvimento auto-sustentável, a liberdade de pensamen-
to e de oportunidades, o combate à exploração da mão-de-obra infantil,
entre outros (Tenório, 2004, p. 18; Baldissera; Sólio, 2004, p. 68).
58
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Segundo a autora, é especialmente a partir da década de 1990 que se


verifica o crescimento do ativismo social do empresariado, associando-se a
esse movimento outros atores como governos e organizações intergoverna-
mentais, apontando como principais iniciativas as seguintes: Declaração de
Princípios Tripartite da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre
as Multinacionais e a Política Social; Diretrizes da Organização para Coope-
ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para empresas multinacionais;
Diretrizes da Anistia Internacional para as Empresas; e a Global Reporting
Initiative e o Relatório Brundtland da Comissão Mundial sobre o Meio Am-
biente e Desenvolvimento, cujo conceito de desenvolvimento sustentável
passou a balizar a noção de responsabilidade social empresarial (Tatim, 2009,
p. 47).
Destacando que o confronto entre Estado e empresas é uma tradição
norte-americana e que a iniciativa empresarial é a base de formação daquele
país, Tatim (2009) salienta que o discurso liberal do negócio estritamente as-
sociado ao lucro e aos interesses dos acionistas tornou-se contraproducente.
Por consequência, a responsabilidade social se transforma rapidamente em
importante estratégia das organizações frente à pressão de influenciadores
externos. Aliada à prática filantrópica, a organização busca não apenas o for-
talecimento da própria imagem, como também o desenvolvimento interno
de competências.
Na América Latina, o tema ganhou força a partir da década de 1990 por
meio de movimentos do empresariado e da sociedade civil organizada. Entre
os fatores de influência desta mobilização podem ser citados:
a) os processos de redemocratização, com o ressurgimento dos movimen-
tos sociais; b) a globalização e a liberalização dos mercados, que resultou
em uma maior pressão para uma atuação responsável das empresas de
países em desenvolvimento; c) a influência de organismos internacionais,
como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, seja pelo desenvolvimento
de projetos de estímulo para a responsabilidade social empresarial em paí-
ses menos desenvolvidos, seja por suas iniciativas globais que afetaram os
mercados destes países; d) crises econômicas, com graves consequências
sociais, como foi o caso recente da Argentina. (Tatim, 2009, p. 48-49)

O Brasil, no contexto do continente latino-americano, desponta como


pioneiro em práticas avançadas, o que se demonstrará adiante.
59
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Doutrina Civil
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1.2 Cenário brasileiro

O cenário brasileiro apresenta características próprias. Na década de


1970, como contraponto a um Estado autoritário, sob a égide do regime mili-
tar, é que surgiram, com grande força, os movimentos sociais no País, desta-
cando-se como seus principais protagonistas os sindicatos na defesa da classe
trabalhadora (Tatim, 2009, p. 49).
Ultrapassada a fase da ditadura, os conflitos se deslocam para outros
eixos, tais como as desigualdades econômicas e sociais, os elevados índices
de analfabetismo, a mortalidade infantil e o precário sistema de saúde, fa-
zendo surgir novos grupos não necessariamente representativos de classes
trabalhadoras, mas formados por mulheres, pacifistas, grupos étnicos, re-
ligiosos e ecológicos, entre outros, que, nas palavras de Boaventura Santos
(apud Tatim, 2009, p. 50), passam a protagonizar a luta pela transformação
da sociedade como projeto político na busca de conquistas de direitos sociais
para a melhoria das condições de vida da população.
A partir da década de 1980 é que o conceito de cidadania torna-se cen-
tro do pensamento político e social brasileiro a desafiar esta passagem histó-
rica de uma forma autoritária de governo para uma democracia, no mesmo
compasso de uma economia de mercado que visa à desregulamentação pú-
blico-estatal. É neste período que surgem as Organizações Não Governamen-
tais (ONGs), com forte influência norte-americana, especialmente no que diz
respeito ao caráter filantrópico, atuando como mediadoras de órgãos interna-
cionais no Brasil, com apoio financeiro (Tatim, 2009, p. 50).
Paralelamente, os movimentos sociais perdem força e o debate passa
de enfrentamento da pobreza para o desenvolvimento social, com forte ênfa-
se na cidadania, porém em um modelo de agir diferenciado, pois, se os movi-
mentos sociais se caracterizavam pelas demandas diretas, as ONGs atuavam
como negociadoras.
Neste compasso, adentra-se na década de 1990 com um modelo eco-
nômico neoliberal em que os governos buscavam liberar-se de investimentos
públicos e a “elite” se convencia da desnecessidade do público, especialmen-
te pela crença de uma estabilidade monetária. Com o aumento dos proble-
mas sociais, os sujeitos sociais passam a ser convocados pelo Estado para
enfrentarem a crise da pobreza, violência e exclusão social. Surgem, então, as
parcerias e alianças em nome de uma governabilidade.
60
Revista Jurídica 451
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É neste período que emerge um terceiro sujeito social: as empresas


(Tatim, 2009, p. 51).
A noção do público se amplia para além das ONGs que começam a
perder a exclusividade das parcerias com o Estado, abrindo espaço para fun-
dações, institutos empresariais e as próprias empresas (Tatim, 2009, p. 52).
Neste cenário é que se passa a construir as noções e os conceitos de fun-
ção social e responsabilidade social, ainda que a Lei das Sociedades Anôni-
mas7 já trouxesse em seu texto, desde sua promulgação em 1976, a referência
à função social (art. 116).

2 Função Social: a busca de um conceito

Salienta Tomasevicius Filho (2003, p.1-2) que o termo “função social”


surgiu na filosofia, e, transferindo-se pelas ciências sociais, passou para o di-
reito aparecendo, inicialmente, sob a forma de “função social da proprieda-
de”. Sua primeira conceituação é atribuída a São Tomás de Aquino, quando
afirmou que os bens apropriados individualmente teriam um destino comum
que o homem deveria respeitar.
Perpassa pelo século XIX e pelas ideias do sociólogo e filósofo Augusto
Comte, o qual propugnava o binômio “ordem e progresso”, sustentando que
cada ser humano deveria trabalhar em função da ordem social e defendendo
um “dever de agir” de cada cidadão em prol da sociedade. A propriedade
era vista como indispensável para a formação de capitais para as gerações
presentes e futuras (Tomasevicius Filho, 2003, p. 2).
No campo do Direito, aponta duas correntes distintas defendidas por
Karl Renner e Leon Duguit (Tomasevicius Filho, 2003, p. 2).
O primeiro defendia a função social dos institutos jurídicos como uma
abstração do processo econômico, apontando uma correspondência entre
ambos de tal modo que, alterado o domínio econômico, automaticamente a
imagem no Direito seria também alterada. Tal conceito, no entanto, mais se
aproximaria do “papel social” ou razão de ser de determinado instituto. No
caso da empresa, o papel social corresponderia a ser um centro de produção
de riquezas por meio do capital e do trabalho. A crítica feita a Renner é de
que este entendimento não espelha o que seja função social, e toma como

7 BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.


61
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exemplo justamente a propriedade, dizendo que, se a função social fosse


equivalente a uma imagem de função econômica, então a propriedade im-
produtiva atenderia à sua função social, o que se sabe não ser verdadeiro. No
campo das empresas, bastariam estar funcionando para exercer tal função, o
que se mostra totalmente equivocado.
Já Duguit, a partir de citação de Miguel Reale, encontrava na solidarie-
dade a explicação dos fenômenos de convivência, defendendo que a ativida-
de particular de cada ser humano deveria se harmonizar com a dos demais,
em verdadeira divisão geral do trabalho, assim como a propriedade seria
uma condição indispensável para a prosperidade da sociedade, daí não ser
um direito, mas uma função social. A crítica a Duguit é que não havia uma
distinção entre a titularidade de um direito e a subordinação de um bem, e,
ademais, havia certa dificuldade de definir o conteúdo dos deveres decor-
rentes da função social de cada instituto jurídico. Desta forma, o exercício de
um acordo de bem comum seria insuficiente para a caracterização da função
social (Tomasevicius Filho, 2003, p. 2).
Neste compasso, surgem as modernas ideias sobre a função social.
Eros Roberto Grau8, ao proceder à análise da ordem econômica a par-
tir da Constituição de 1988, inicia o enfrentamento deste tema salientando
que “a propriedade” reiteradamente afirmada pelo Texto Constitucional no
art. 5º, caput, e inciso XXII, bem como no art. 170, inciso III, não constitui
um instituto jurídico, e sim um conjunto de institutos jurídicos relacionados
a distintos tipos de bens que perpassam, exemplificativamente, por valores
mobiliários, propriedade literária e artística, propriedade industrial, do solo,
subsolo etc. (Grau, 2006, p. 236).
Ao que acrescenta Carla Osmo (2006, p. 268)9: “Para a Constituição,
propriedade é a coisa a que se atribui valor econômico, assim como é também
a relação que se estabelece entre essa coisa e sujeitos que a ela se vinculam”.
Diz a autora que, se o direito de propriedade atribui ao sujeito a prer-
rogativa de manter a coisa na sua esfera privada, usufruindo e dispondo,
também impõe deveres de utilizá-la em conformidade com os objetivos cons-

8 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros,
2006.
9 OSMO, Carla. Efetividade da função social da empresa. In: NERY, Rosa Maria de
Andrade (Coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006.
62
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

titucionais Além disso, com a dinamização da propriedade em propriedades,


torna-se possível a concepção da empresa também como uma espécie de pro-
priedade (Osmo, 2006, p. 269).
Segundo ela, a propriedade passou a ser percebida não apenas como
uma relação do sujeito com a coisa, mas como uma relação jurídica complexa
envolvendo diversos sujeitos – para os quais a ordem jurídica estabelece di-
reitos e deveres em razão do seu vínculo com a coisa – e múltiplas formas de
conexão entre eles. Em suma, permanece um núcleo mínimo, essencial à defi-
nição de propriedade. Para além dele, o que se percebe são múltiplas formas
de relação em torno de cada bem individual (Osmo, 2006, p. 269).
Neste ponto, para além desta distinção, autores como Eros Grau (2006),
na esteira de Fabio Konder Comparato (1990), e seguidos por Carla Osmo
(2006), preconizam uma segunda distinção que se dá entre bens de consumo
e de produção.
Para Grau (2006, p. 236), a teor da moderna legislação econômica, a dis-
ciplina da propriedade é considerada como elemento que se insere no proces-
so produtivo, ao qual converge um feixe de outros interesses que concorrem
com aqueles do proprietário e, de modo diverso, o condicionam e por ele são
condicionados. Esta nova perspectiva respeita unicamente aos bens de pro-
dução, entendidos como aqueles inseridos no processo produtivo, visto que
os bens de consumo se esgotam em sua própria fruição.
Esta nova legislação implica na prospecção de uma nova fase do direito
de propriedade, distinta da tradicional e intitulada de fase dinâmica, e é jus-
tamente nesta que se realiza a função social da propriedade, essencialmente
sobre a propriedade dos bens de produção que uma vez postos em dinamis-
mo, no regime de uma empresa, se reveste da função social da empresa (Grau,
2006, p. 237).
Sob esta perspectiva é que trabalha Comparato (1990), traçando, igual-
mente, o paralelo entre direito de propriedade a partir de seu conceito geral
avançando para a especificação da propriedade dos bens de produção (mó-
veis ou imóveis), os quais justificam uma função social da empresa.
Diz o mestre que função social da propriedade significa o poder de dar
ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo.
“O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e
não ao interesse próprio do dominus; embora possa haver harmonização entre
63
Revista Jurídica 451
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ambos. Essa função social da propriedade corresponde a um poder-dever do


proprietário, sancionável pela ordem jurídica” (Comparato, 1990, p. 32).
No entanto, adverte, a função social da propriedade não se confunde
com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios, mas, “em se tratan-
do de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma
destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quan-
do tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever
do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses
coletivos” (Comparato, 1990, p. 34.)
Esclarece, ainda, que, quando os bens de produção acham-se incorpo-
rados a uma exploração empresarial, a discutida função social já não é um
poder-dever do proprietário, mas do controlador que passa a exercer um po-
der de organização e de direção, envolvendo pessoas e coisas (Comparato,
1990, p. 35).
Mas não é só. A posição defendida por Ana Frazão10 é a de que a fun-
ção social dos bens de produção não esgota a questão da função social da
empresa, tendo em vista que esta é uma realidade complexa, que não se res-
tringe apenas ao seu aspecto patrimonial. Com efeito, diz a autora, em face da
existência do poder de controle e da dissociação entre este e a propriedade,
a função social da empresa precisou alargar-se para vincular igualmente o
controle e a administração.
É por este motivo, segundo ela, que a Lei nº 6.404/1976, reconhecendo
a importância do controle como uma instância autônoma de poder, imputou-
-lhe compromissos decorrentes da função social, em seu art. 116, parágrafo
único11 (Frazão, 2011, p. 110-111). E não apenas isto, salienta que a lei foi
além, exigindo a responsabilidade pelo cumprimento da função social de

10 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de


controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
11 BRASIL. Lei nº 6.404/1976: “Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa,
natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle
comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente,
a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria
dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as
atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único.
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu
objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.
64
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
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igual forma aos administradores da sociedade, independentemente de se-


rem membros do conselho de administração (necessariamente acionistas) ou
diretores (não necessariamente acionistas), nos termos do art. 15412 (Frazão,
2011, p. 111).
Ao que acresce Grau (2006, p. 245):
O princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a
quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em be-
nefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isto
significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de
comportamentos positivos – prestação e fazer, portanto, e não meramente
de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade.

Deste modo, é possível perceber que há diferentes dimensões atribuí-


das ao conceito, pelo que podem ser divididas em positiva e restritiva, con-
forme se propõem a seguir.

2.1 Função social sob as perspectivas de uma dimensão positiva e


de uma dimensão restritiva
Paulo Roberto Colombo Arnoldi, citado por Osmo (2006, p. 279), pro-
fere:
A empresa, tal como a concebemos hoje, não é mais uma mera produto-
ra ou transformadora de bens que coloca no mercado. É, antes de tudo,
um poder. Representa uma força sócio-econômica-financeira determinada,
com uma enorme potencialidade de emprego e expansão que pode influen-
ciar, de forma decisiva, o local em que se encontra.

E prossegue apontando que este poder se expressa por meio da capaci-


dade de produzir transformações nas relações sociais com as quais a empresa
se relacione (Osmo, 2006, p. 279).
O próprio art. 170 da Constituição Federal declara qual é o fim da or-
dem econômica, qual seja assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social. Sendo assim, como agente da ordem econômica, a
empresa deve ser conduzida de maneira a propiciar a dignidade coletiva, ou

12 BRASIL. Lei nº 6.404/1976: “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a
lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as
exigências do bem público e da função social da empresa”.
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de cada um dos cidadãos, e deve promover uma equitativa distribuição de


renda, de forma a reduzir a desigualdade social. Com isso, ao objetivo econô-
mico da empresa – de produzir lucros – o direito acresce outro: o de distribuir
equitativamente os lucros produzidos, e o de melhorar a qualidade de vida
dos sujeitos que integram a sociedade (Osmo, 2006, p. 281-282).
O funcionamento da empresa assume grande relevância social em um
sistema econômico capitalista, dado o seu relevante papel como instrumento
de transformação e realização dos interesses econômicos13.
Considerando que o Estado não consegue atender e implantar as políti-
cas públicas necessárias à consecução dos fins sociais, é por meio da geração
de riqueza das empresas que estará se viabilizando esta consecução.
E esta contribuição pode se manifestar de diferentes formas, desde a
implantação de programas de inclusão social que beneficiem seus próprios
empregados, tais como planos de assistência médica e odontológica, incen-
tivos educacionais e implantação de creches, como ainda a criação e manu-
tenção do próprio emprego por meio de salários condizentes e do respeito
às leis trabalhistas, no que diz com as condições laborais, conforme preconi-
za Comparato (1990), indicando o elenco do art. 7º da Constituição Federal
(CF)14 como o principal referencial deste aspecto. Autores outros apontados
por Tomasevicius Filho (2003, p. 8) entendem que esta visão seria reducionis-
ta, e preconizam que, diante da lucratividade, o papel positivo das empresas
precisa ser entendido em maior completude para que efetivamente atinjam a
consecução da justiça social; daí não se poder pensar no mero cumprimento
do comando legislativo mencionado. Tomasevicius Filho (2003, p. 8) acres-
centa que o comando a ser adotado para a construção da base dos deveres
positivos da empresa se encontra justamente no art. 170, e em seus incisos,
da CF15, os quais abarcam não apenas a função social da propriedade, já vista

13 GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dogmáticos
dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 115.
14 BRASIL. Constituição Federal de 1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]”.
15 BRASIL. Constituição Federal de 1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.
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Revista Jurídica 451
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como embrionária da construção do conceito de função social, como ainda


perpassa pelo necessário respeito à propriedade privada e livre concorrência,
respeito ao consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualda-
des e garantia de pleno emprego.
Porém, alerta o autor (2003, p. 10) que tais deveres não se esgotam na
CF, visto que o conteúdo da função social da empresa, essencialmente, está
no dever de um exercício justo da atividade empresarial, pelo que se pode
compreender que, calcada nos valores e princípios constitucionais que regem
a busca de uma sociedade livre, justa e solidária, a construção deste conceito
permite uma interpretação sistemática que venha a abarcar outros disposi-
tivos legais e mesmo princípios informadores, não limitados aos preceitos
dantes citados.
No que diz sua dimensão restritiva, para Comparato (1990, p. 36), o
art. 116 da Lei das S/A elenca o que ele chama de deveres negativos a partir
do momento em que trata do abuso do poder, prevendo a responsabilização
do controlador. A crítica do autor, no entanto, é que esta responsabilização se
limite a perdas e danos, o que, em termos práticos, nada ou quase nada pode
significar.
Para outros autores, como o próprio Tomasevicius Filho (2003), o já
citado art. 170 da CF igualmente representaria, ao lado da dimensão positiva,
a restritiva, visto que impõem a observância de um não fazer no sentido de
que sua atividade respeite os limites necessários, a fim de não ferir a dignida-
de dos trabalhadores, o consumidor, o meio ambiente e qualquer outra parte
que com a empresa se relacione.
Ao que se acrescentam as palavras de Grau (2006, p. 224):
Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na re-
partição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo,
contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto eco-
nômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas:
as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposi-
ção ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econô-
mica capitalista.

Deste modo, possível visualizar que os dispositivos legais atinentes à


ordem econômica trazem em si ambas as dimensões, pois se por um lado se
reconhece o enorme potencial atribuível à iniciativa privada que, para além
da busca do lucro, possui meios e condições de contribuir com a construção
de uma sociedade que atenda aos anseios sociais, justa e equilibrada, por ou-
67
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tro lado, não mais se concebe a atividade empresarial dissociada do compro-


metimento com todos os seguimentos que a circundam e com quem mantém
relações, o que pode ser visualizado por meio da nova leitura e compreensão
do que venham a ser os deveres de conduta do empresário e/ou controlador.

3 Responsabilidade Social

O tema da responsabilidade social ganhou destaque no debate travado


entre Adolf Berle e Merrick Dodd, nos anos 1930, nas páginas do Harvard
Law Review, acerca das responsabilidades dos gestores, acionistas e outros
grupos, tais como funcionários e comunidade. Segundo o autor, Berle, de
um lado, defendia que os deveres fiduciários exigissem dos gestores agirem
exclusivamente em benefício dos interesses dos acionistas. Já Dodd entendia
que esta posição ignorava outras partes interessadas, tais como empregados,
clientes, fornecedores e mesmo a comunidade onde a empresa estivesse inse-
rida e para os quais devia lealdade16.
Como adverte Osmo (2006), é preciso, no entanto, se ter presente a di-
ferenciação do termo responsabilidade a partir do significado que hoje lhe
atribuímos para aquela que adquire a partir do estudo da teoria da social
responsability nos Estados Unidos e a compreensão do que entendem por
responsability os países que adotam o sistema da common law. E, para tan-
to, invoca dissertação de mestrado apresentada por Fernando Szterling, na
Faculdade de Direito da USP (Osmo, 2006, p. 287). O referido autor destaca
que a teoria estadunidense tem como base a crítica ao exclusivo enfoque da
empresa no objetivo lucro sem levar em conta fatores sociais, éticos e eco-
nômicos. Daí o surgimento do termo stakeholder, a fim de abranger além dos
sujeitos que têm poder de determinar diretamente a conduta da empresa,
outros que, embora não o tenham, possuem alguma espécie de interesse em
como essas atividades serão desenvolvidas, citando, como exemplo, os mes-
mos que Dodd havia relacionado, quais sejam empregados, consumidores,
fornecedores, credores e a própria sociedade em que a empresa atua.
Ressalta, ainda, que o desenvolvimento deste conceito se deu em cone-
xão com o fato de que a sua adoção por parte das empresas lhes traria benefí-
cios, principalmente porque poderia ser usada como estratégia de marketing,
obtendo melhoras em seus resultados financeiros. Daí os entendimentos di-
versos de que a construção do conceito ora era visto como instrumental para

16 GARCIA, Ricardo Lupion. Ob. cit., p. 120.


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a finalidade de lucro, ora concebido como dever moral para com a sociedade
(Osmo, 2006, p. 288).
Em razão de não existir uma consonância sobre os efetivos deveres que
a responsabilidade social implica às empresas, Osmo (2006) aponta a tenta-
tiva da busca de um conceito uniforme, tanto para Estados desenvolvidos
quanto para Estados em desenvolvimento, surgida em 1999 a partir da Con-
ferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (United
Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD) e assim cons-
truída: a responsabilidade social decorre da relação da empresa e dos seus
impactos com as necessidades e os objetivos da sociedade em que atua; caso
se trate de uma multinacional, sua responsabilidade social deve atender a um
leque de múltiplos e diversos requerimentos (Osmo, 2006, p. 289).
Diz a autora que, em linhas gerais, há que se diferenciar a responsabili-
dade social tanto da filantropia quanto da mera obediência à lei, pois seu foco
é o comportamento operacional da empresa e os seus impactos na sociedade
em que atua. A filantropia é uma atividade estranha à empresa, que pode ser
suprimida a qualquer tempo, ao passo que a obediência à lei é o mínimo para
que a empresa continue legalmente existindo (Osmo, 2006, p. 289).
No Brasil, com o crescimento do terceiro setor, as ONGs começam
a perder espaço para fundações, entre outros, resultando no fenômeno
do voluntariado, cada vez mais proeminente, a ponto de ser editada a Lei
nº 9.608/199817. A explicação, segundo Tatim (2009, p. 53), é que o voluntaria-
do possibilita, além da consolidação de uma imagem corporativa favorável,
um aumento de nível e identidade dos voluntários com a empresa, facilitan-
do o desenvolvimento de competências funcionais. Aponta a autora pesquisa
realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que iden-
tificou, entre o final da década de 1990 e 2003, um crescimento generalizado
do percentual de empresas que atuam, de forma voluntária, em benefício de
comunidade, sendo as grandes empresas (com mais de 500 empregados) as
que mais se destacam (Tatim, 2009, p.54).
Outros dados por ela relacionados se referem às instituições que de-
sempenharam um papel importante nesse contexto, tais como a Fundação
da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), o Instituto
Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Empresarial, o Instituto Brasi-

17 BRASIL. Lei nº 9.608/1998: “Dispõe sobre o serviço voluntariado”.


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leiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Grupo de Institutos, Fun-


dações e Empresas (Gife).
A Fundação Abrinq foi criada em 1990, ano da promulgação no Brasil
do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo origem na Diretoria de De-
fesa dos Direitos da Criança da Abrinq. Com a missão de promover a defesa
dos direitos e o exercício da cidadania da criança e do adolescente, a funda-
ção é mantida por pessoas, empresas e agências nacionais e internacionais
que lutam pela causa, beneficiando atualmente milhões de crianças e adoles-
centes por meio de seus programas e projetos (Abrinq, 2008).
Com a criação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social por um grupo de empresários em 1998, a discussão sobre o tema se
amplia e qualifica. O conceito de responsabilidade social nas empresas no
Brasil ganha um forte impulso a partir da definição dos Indicadores Ethos de
Responsabilidade Social, conquistando desde então a visibilidade nacional e
internacional ao mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus
negócios de forma ética e socialmente responsável (Tatim, 2009, p. 55).
Atualmente, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
reúne em torno de 1.324 empresas associadas, cuja missão é “mobilizar, sen-
sibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente
responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e
sustentável” (Garcia, 2011, p. 121).
Segundo Garcia (2011), em resposta aos anseios mundiais de desen-
volvimento sustentável surgiram índices de sustentabilidade empresarial no
mercado financeiro, sendo o primeiro deles o Sustainability Index, de 1999,
pela Dow Jones (empresa norte-americana dedicada a informações sobre ne-
gócios). No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) lançou em 2005
o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que reflete o retorno de uma
carteira composta por ações de empresas reconhecidamente comprometidas
com o tema. Já o Ibase defende um modelo único de relatório social como
instrumento de prestação de contas e transparência (Garcia, 2011, p. 121-122).
A GIFE, por sua vez, fundada em 1995, é a primeira associação da
América do Sul a reunir organizações de origem privada que financiam ou
executam projetos de interesse público, tendo como missão declarada contri-
buir para a promoção do desenvolvimento sustentável do Brasil, por meio
do fortalecimento político-institucional e do apoio à atuação estratégica de
institutos e fundações de origem empresarial e de outras entidades privadas

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que realizam investimento social voluntário e sistemático, voltado para o in-


teresse público (Tatim, 2009, p. 55-56).
No Brasil, a obrigatoriedade da apresentação do balanço social per-
manece como iniciativa voluntária na quase totalidade de seu território, com
exceção ao Estado do Rio Grande do Sul, que, no ano de 2000, promulgou a
Lei nº 11.44018 referente às empresas estabelecidas no território gaúcho.
Cabe destaque, também, a Resolução nº 444, de 2001, da ANEEL (Agên-
cia Nacional de Energia Elétrica), que estabelece como obrigatória a publica-
ção do balanço social para as empresas do setor de eletricidade.
É de se ver, assim, na esteira de Osmo (2006), que, embora os conceitos
de função social da empresa e de responsabilidade social possam sobrepor-
-se, e muitas vezes sejam tomados um pelo outro, o primeiro foi positivado
pelo Direito como norma-princípio, e, portanto, gera direitos e obrigações
juridicamente vinculantes, enquanto o segundo obedece a regras econômicas
e/ou éticas, mas que não podem ser exigidas de forma coercitiva (Osmo,
2006, p. 290), ao que se acrescenta, com exceção de regramentos esparsos
dantes identificados.

Conclusão

Enquanto a função social da propriedade pode ser entendida como


um poder-dever que impõe aos proprietários e/ou controladores deveres
positivos e negativos de atuação em prol da coletividade, devidamente exi-
gíveis até mesmo pelo caráter de direitos constitucionalmente reconhecidos,
a responsabilidade social ainda se situa no campo das intenções, atrelada a
conceitos éticos, embora já tenha demonstrado que a solidariedade pode ser
trazida para a atividade empresarial, independentemente de legislação espe-
cífica.
Uma vez que o Estado, responsável por atender aos direitos sociais,
não consegue fazê-lo adequadamente, por limitações de toda ordem, prin-
cipalmente as de natureza financeira, e em se tratando de um cenário ca-
pitalista, a tendência é de cada vez mais invocar o chamado terceiro setor
(empresas), para que, por meio de atuação pertinente ao seu objeto (no caso,
o contrato social), possa atuar de forma positiva a fim de não apenas visar ao

18 RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 11.440/2000.


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Maio/2015

lucro, mas contribuir, de forma responsável, pelo desenvolvimento sustentá-


vel do meio social no qual se encontra inserido.

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ccivil_03/Leis/L6404.htm>. Acesso em: 14 set. 2014.
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com.br/Atos/ver/lei-rs-11440-2000/>. Acesso em: 14 set. 2014.
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TATIM, Denise Carvalho. Responsabilidade social empresarial: representações sociais
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TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. Revista dos Tribunais,
v. 810, abril/2003.

72
Honorários Advocatícios e Novo Código
de Processo Civil: Primeiras Impressões
F elipe C unha de A lmeida
Professor convidado nos cursos de especialização em Direito Processual
Civil da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Universidade do Alto
Uruguai (URI), entre outras instituições, Mestrando em Direito Civil
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Advogado.

RESUMO: O presente trabalhou analisou a vedação à compensação


de honorários advocatícios que o novo Código de Processo Civil
inseriu em suas disposições, ao contrário do que previa o Superior
Tribunal de Justiça, com base na Súmula nº 306.

PALAVRAS-CHAVE: Honorários advocatícios; Superior Tribunal


de Justiça; Súmula nº 306; vedação; novo Processo Civil.

ABSTRACT: This worked examined the seal to offset legal fees that
the New Code of Civil Procedure entered in its provisions, contrary
to what provided the Superior Court of Justice, based in Precedent
306.

KEYWORDS: Legal fees; Superior Court; Precedent nº 306; Sealing;


New Civil Procedure.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Estatuto da OAB e honorários advoca-


tícios; 2 Verba de caráter alimentar; 2.1 Compensação e a Súmula
nº 306 do Superior Tribunal de Justiça; 2.2 Sucumbência recíproca e
decaimento mínimo; 2.3 Honorários advocatícios no novo Código
de Processo Civil; 2.4 Compensação; Conclusão; Referências.

Introdução
O presente artigo aborda a questão referente à vedação à compensa-
ção de honorários advocatícios que trouxe o novo Código de Processo Civil.
Em relação aos honorários, leciona Humberto Theodoro Júnior que “entre os
gastos necessários que a parte faz no processo figuram os honorários pagos a
73
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

seu advogado”, sendo, portanto, uma espécie do gênero relativo às despesas


processuais1.
A nova legislação processual veio a acatar os anseios da Ordem dos
Advogados do Brasil, que, por muito tempo, lutou pelo fim da compensação
a título da verba referida. De tal sorte que o legislador, nesse ponto, é digno
de aplausos.
Portanto, importância única tem a mudança em questão, merecedora
da devida atenção por meio do presente trabalho.

1 Estatuto da OAB e honorários advocatícios

O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil faz previsão ex-


pressa quanto aos honorários advocatícios entre os arts. 22 e 262, Capítulo

1 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil e processo de conhecimento. 55. ed. Forense: Rio de Janeiro, v. I, 2014.
p. 123.
2 “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos
honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no
caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito
aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da
OAB, e pagos pelo Estado. § 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são
fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor
econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada
pelo Conselho Seccional da OAB. § 3º Salvo estipulação em contrário, um terço dos
honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e
o restante no final. § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários
antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que
lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo
se este provar que já os pagou. § 5º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar
de mandato outorgado por advogado para defesa em processo oriundo de ato ou omissão
praticada no exercício da profissão. Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por
arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para
executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário,
seja expedido em seu favor. Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e
o contrato escrito que o estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado
na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em
que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier. § 2º Na hipótese de falecimento ou
incapacidade civil do advogado, os honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho
realizado, são recebidos por seus sucessores ou representantes legais. § 3º É nula qualquer
disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do
advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência. (*) § 4º O acordo
feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não
74
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

VI3. A legislação é clara ao dispor , no art. 22, que “a prestação de serviço


profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários conven-
cionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. E,
como se não bastasse: “Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por
arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito
autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o
precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.
Portanto, é nítido e cristalino o direito do advogado em receber a sua
verba, a título de honorários, nos termos dos transcritos dispositivos.

2 Verba de caráter alimentar

Importante ressaltar, também, o caráter alimentar que caracterizam


os honorários sucumbenciais. É que o rol previsto pelo art. 100, § 1º-A, da
Constituição Federal não é exaustivo. Inclusive o próprio Estatuto da OAB,
em seus arts. 22 e 23 anteriormente referidos, determina que os honorários
advocatícios “incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstan-
ciando prestação alimentícia [...]”4.
O Supremo Tribunal Federal também firma entendimento acerca do
caráter alimentar dos honorários advocatícios, no mesmo sentido do ante-
riormente referido:
O Supremo Tribunal Federal entende que o rol contido no art. 100,
§ 1º-A, da Constituição (redação dada pela Emenda Constitucional
nº 30/2000) não é exaustivo, mas meramente exemplificativo. Partindo dessa
premissa, a Corte considera os honorários advocatícios como verbas de natu-
reza alimentícia, estando, portanto, fora do parcelamento previsto no art. 78
do ADCT, para os precatórios em geral.

lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.


Art. 25. Prescreve em cinco anos a ação de cobrança de honorários de advogado, contado
o prazo: I − do vencimento do contrato, se houver; II − do trânsito em julgado da decisão
que os fixar; III − da ultimação do serviço extrajudicial; IV − da desistência ou transação;
V − da renúncia ou revogação do mandato. Art. 26. O advogado substabelecido, com
reserva de poderes, não pode cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe
conferiu o substabelecimento. (*) Na ADIn 1.194-4, o STF suspendeu os efeitos do § 3º.
(liminar).”
3 Disponível em: < http://www.oabrs.org.br/estatuto>. Acesso em: 6 abr. 2015.
4 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e
legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 230-231.
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Todavia, a Corte ressaltou que, em se tratando de honorários contra­


tuais, tal verba perde o caráter alimentar5.

Em que pese o caráter alimentar que cerca os honorários advocatícios,


a Súmula nº 306 do Superior Tribunal de Justiça não impede a sua compensa-
ção6, bem como, segundo a Corte, tal entendimento não colide com o Estatuto
da OAB7.

5 Ementa: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO − PRECATÓRIO


− HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS − NATUREZA ALIMENTAR − PRECEDENTES − O
Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacífico de que os honorários advocatícios
sucumbenciais possuem natureza alimentar. Precedentes. Agravo regimental a que se
nega provimento” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1ª T., AI-AgR 622055/BA, Rel. Min.
Roberto Barroso, J. 10.02.2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=7937375>. Acesso em: 6 abr. 2015.
6 Ementa: “PROCESSUAL CIVIL − AGRAVO REGIMENTAL − RECURSO ESPECIAL
− CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO PARA DESCONTO DE TÍTULOS E DE
CRÉDITO ‘CARTEIRA B’ − TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS − CONTRATOS NÃO
APRESENTADOS − TAXA MÉDIA DE MERCADO − PRECEDENTES − APLICAÇÃO
DO CDC − REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA − IMPOSSIBILIDADE − HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS − VERBA ALIMENTAR − COMPENSAÇÃO − CABIMENTO −
ENUNCIADOS NºS 285 E 306 DA SÚMULA DO STJ − 1. Não ocorrendo a juntada dos
contratos aos autos, de maneira que é não conhecido o percentual dos juros remuneratórios,
circunstância fática e contratual alheia à instância especial, a jurisprudência do STJ firmou
seu posicionamento no sentido de que prevalece a taxa média de mercado (2ª Seção, REsp
1.112.880/PR, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe de 19.05.2010). 2. Nos termos do Verbete
sumular nº 285 do STJ, a redução da multa moratória para 2%, tal como definida na Lei
nº 9.298/1996, que modificou o Código de Defesa do Consumidor, somente é possível para
os contratos celebrados após a sua vigência, hipótese diversa da dos autos. 3. Conforme
o Enunciado 306, da Súmula desta Corte, o caráter alimentar dos honorários advocatícios
não é óbice a sua compensação. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, AgRg-REsp 1243240/SC, Relª Min. Maria
Isabel Gallotti, J. 20.11.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/
documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1367697&num_registro=20110052
4437&data=20141127&formato=HTML>. Acesso em: 6 abr. 2015.
7 Ementa: “PROCESSO CIVIL − HONORÁRIOS DE ADVOGADO − COMPENSAÇÃO − Os
honorários de advogado estão sujeitos à compensação (STJ − Súmula nº 306). A previsão
no Código de Processo Civil de compensação dos honorários advocatícios não colide com
o Estatuto da Advocacia (REsp 963.528/PR, Relator o Ministro Luiz Fux, julgado conforme
os parâmetros do art. 543-C do Código de Processo Civil, DJe de 04.02.2010). Agravo
regimental desprovido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, AgRg-
-AREsp 367994/MS, Rel. Min. Ari Pargendler, J. 03.04.2014. Disponível em: <https://
ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=
1311875&num_registro=201302177102&data=20140513&formato=HTML>. Acesso em: 6
abr. 2015.
76
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

2.1 Compensação e a Súmula nº 306 do Superior Tribunal de


Justiça
Eis o enunciado da Súmula nº 306, que admite a compensação dos ho-
norários advocatícios: “Os honorários advocatícios devem ser compensados
quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do
advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”8.
A jurisprudência também admite a compensação, mesmo para os casos
do deferimento da assistência judiciária gratuita9.
Nesta outra decisão também foi admitida a compensação de honorá-
rios fixados na ação de conhecimento e, posteriormente, nos embargos à exe-
cução10.

8 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=null


&livre=honor%E1rios+advocat%EDcios+e+s%FAmula+306&b=SUMU&thesaurus=JURI
DICO>. Acesso em: 6 abr. 2015.
9 Ementa: “PROCESSO CIVIL − HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS − FIXAÇÃO −
EXECUÇÃO E EMBARGOS DO DEVEDOR − CARÁTER AUTÔNOMO E PROVISÓRIO
− COMPENSAÇÃO − JUSTIÇA GRATUITA − POSSIBILIDADE − VIOLAÇÃO AO
ART. 535 DO CPC − NÃO OCORRÊNCIA − 1. Verifica-se não ter ocorrido ofensa ao
art. 535 do CPC, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente,
as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta
nos presentes autos. 2. Segundo a firme compreensão do Superior Tribunal de Justiça,
os honorários advocatícios devem ser fixados de forma independente na execução e nos
embargos de devedor, tendo em vista a autonomia das referidas ações. 3. Ainda na linha
de nossa jurisprudência, essa autonomia não é absoluta, pois ‘o sucesso dos embargos
do devedor importa a desconstituição do título exequendo e, consequentemente,
interfere na respectiva verba honorária. Logo, apesar de a condenação ao pagamento de
honorários na execução não estar condicionada à oposição dos embargos, a sorte desses
influencia no resultado daqueles, de modo que a fixação inicial dessa quantia tem caráter
provisório’ (AgRg-AgRg-REsp 1.216.219/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma,
J. 14.08.2012, DJe 24.08.2012). 4. Admite-se a compensação de verba honorária fixada na
execução com aquela decorrente da procedência dos embargos do devedor, ainda que
a parte seja beneficiária da assistência judiciária gratuita. 5. Agravo regimental a que se
nega provimento” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, AgRg-AREsp
666882/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, J. 19.03.2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.
br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1392422&n
um_registro=201500415830&data=20150326&formato=HTML>. Acesso em: 6 abr. 2015.
10 Ementa: “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO − AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL − HONORÁRIOS DE ADVOGADO − VERBA FIXADA NA
AÇÃO DE CONHECIMENTO E EM EMBARGOS À EXECUÇÃO − COMPENSAÇÃO −
POSSIBILIDADE − PRECEDENTES DO STJ − AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO
− 1. Consoante jurisprudência firme do STJ, é possível a compensação de honorários
advocatícios fixados na ação de conhecimento com aqueles estabelecidos em embargos
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Portanto, a compensação do instituto era firme e pacífica nos corredo-


res da Corte, bem como nos Tribunais estaduais. A título de exemplo, traze-
mos julgamentos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul11 e
de São Paulo12, respectivamente, que também entendem pela compensação.

à execução, ainda que uma das partes seja beneficiária da assistência judiciária gratuita,
visto que, segundo o entendimento do STJ, tal compensação é possível considerando os
termos do art. 21 do CPC, bem assim a Súmula 306 do STJ, sendo que o deferimento do
benefício da justiça gratuita não constitui óbice a essa compensação. 2. Agravo regimental
não provido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, AgRg-REsp
1384185/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 19.09.2013. Disponível em: <https://
ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=
1266488&num_registro=201301400598&data=20130927&formato=HTML>. Acesso em: 6
abr. 2015.
11 Ementa: “DECISÃO MONOCRÁTICA − APELAÇÃO CÍVEL − POLÍTICA SALARIAL
− REEXAME NECESSÁRIO − REAJUSTES DA LEI Nº 10.395/1995 − GRATIFICAÇÃO
DE DIFÍCIL ACESSO − LEI Nº 12.961/2008 − COMPENSAÇÃO − SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA − REDIMENSIONAMENTO − Nos termos do art. 1º da Lei nº 8.646/1988, a
gratificação de difícil acesso ou provimento corresponde a uma porcentagem, dependendo
da classificação da escola, sobre o vencimento básico do Quadro de Carreira do Magistério.
Assim, os reajustes da Lei nº 10.395/1995 devem incidir sobre referida gratificação. Há
interesse de agir da parte ainda que tenha ocorrido a implantação dos reajustes através da
Lei nº 12.961/2008 de forma administrativa, pois persiste o direito do servidor em relação
às diferenças pretéritas. Eventuais pagamentos deverão ser compensados na execução.
Havendo decaimento de parte do pedido, a sucumbência deve ser recíproca. Hipótese de
redimensionamento da sucumbência. Na hipótese de sucumbência recíproca mostra-se
possível a compensação dos honorários advocatícios, por força do disposto no art. 21,
caput, do Código de Processo Civil, haja vista não ter sido referida norma revogada ou
derrogada, expressa ou tacitamente, pelo art. 23 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB).
Reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, efetuado nos termos da Súmula nº 490
do STJ. Recurso não provido. Sentença parcialmente modificada, em reexame necessário”.
(BRASIL. TJRS, Vigésima Quinta Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário
nº 70061961157, Relª Desª Leila Vani Pandolfo Machado, J. 02.04.2015. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/
consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26v
ersao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_
processo_mask%3D70061961157%26num_processo%3D70061961157%26codEmenta%3D
6230056+honor%C3%A1rios+e+compensa%C3%A7%C3%A3o++++&proxystylesheet=tj
rs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF-
8&numProcesso=70061961157&comarca=Comarca%20de%20Quara%C3%AD&dtJulg=0
2/04/2015&relator=Leila%20Vani%20Pandolfo%20Machado&aba=juris>. Acesso em: 6
abr. 2015.
12 Ementa: “Indenizatória por danos materiais e morais. Ação julgada parcialmente
procedente, indeferida a pretensão relativa à indenização por danos morais. Fixada
sucumbência recíproca. Decisão acertada, sem merecer reparo. Exegese do art. 21 do
Código de Processo Civil. Apelo desprovido. [...] Tendo em conta que o julgamento
resultou na procedência parcial da causa, porquanto o ‘dano moral não ficou configurado’,
78
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2.2 Sucumbência recíproca e decaimento mínimo


A sucumbência mínima, ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery, diz respeito quando13
[...] a perda for ínfima, é equipara a vitória, de sorte que a parte contrária
deve arcar com a totalidade da verba de sucumbência (custas, despesas e
honorários de advogado). A caracterização de “parte mínima do pedido”
dependerá de aferição pelo juiz, que deverá levar em consideração o va-
lor da causa, o bem da vida pretendido e o efetivamente conseguido pela
parte.

Todavia, para as hipóteses de decaimento mínimo, a Corte firmou en-


tendimento cuja compensação não se mostra cabível:
No tocante à compensação dos ônus de sucumbência, a jurisprudência
desta Corte entende que não é cabível a compensação recíproca dos hono-
rários advocatícios na hipótese em que, apesar de o réu ter obtido parcial
sucesso no recurso de apelação, o autor decaiu em parte mínima do pedido,
pois, caracterizada a sucumbência mínima de uma das partes, cabe ao outro
litigante o pagamento integral das despesas processuais.14

é certo que as partes são vencidas e vencedoras ao mesmo tempo e em igual proporção,
nos termos do art. 21, caput, do CPC. O mesmo ocorre com os honorários advocatícios
que devem ser compensados, nos termos da Súmula nº 306 do e. STJ [...]” (BRASIL. TJSP,
13ª CDPriv., Apelação Cível nº 0043686-33.2010.8.26.0506, Rel. Des. Cauduro Padin,
J. 01.04.2015. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=8
346709&cdForo=0&vlCaptcha=xsvky>. Acesso em: 6 abr. 2015.
13 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 234.
14 Ementa: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO − ANUÊNIOS − BASE DE
CÁLCULO − FÉRIAS E 13º SALÁRIO − OMISSÃO − FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE
− SÚMULA Nº 284/STF − HONORÁRIOS − COMPENSAÇÃO − SUCUMBÊNCIA
MÍNIMA AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM − REVISÃO − IMPOSSIBILIDADE
– SÚMULA Nº 7/STJ − [...]. 5. A jurisprudência do STJ entende que não é cabível a
compensação recíproca dos honorários advocatícios na hipótese em que, apesar de o
réu ter obtido parcial sucesso no recurso de apelação, o autor decaiu em parte mínima
do pedido, pois, caracterizada a sucumbência mínima de uma das partes, cabe ao outro
litigante o pagamento integral das despesas processuais. 6. Todavia, na hipótese em
apreço, o Tribunal de origem reconheceu, expressamente, que não houve sucumbência
mínima por parte dos embargantes, de modo que não há empeço para que se determine
a compensação da verba honorária. Agravo regimental improvido” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça, Segunda Turma, AgRg-EDcl-REsp 1457873/PR, Rel. Min. Humberto
Martins, J. 19.03.2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/
documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1392804&num_registro=20140130
3552&data=20150325&formato=HTML>. Acesso em: 6 abr. 2015.
79
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Maio/2015

2.3 Honorários advocatícios no novo Código de Processo Civil


A tramitação dos Projetos relativos ao novo Código de Processo Civil
já previa a vedação à compensação dos honorários advocatícios. O Projeto
aprovado no Senado disciplinou a proibição, em seu art. 87, § 10; a seu turno,
a Câmara dos Deputados inseriu a vedação em seu art. 85, § 1415. No mesmo
sentido, inclusive anteriormente, já alertavam Luiz Guilherme Marinoni e
Daniel Mitidiero, quando comentaram o então Projeto do Novo Código16.
A Lei nº 13.105, sancionada em 16.03.2015, traduz-se no novo Código
de Processo Civil e que, como observamos da dicção do seu art. 1.045, entrará
em vigor após um ano de sua publicação. Todavia, após incessantes lutas
pela Ordem dos Advogados do Brasil, a nova legislação, em seu art. 85, § 14,
vedou a compensação de honorários aqui analisada17:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado
do vencedor.
[...].
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza ali-
mentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do
trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
[...].

Cássio Scarpinella Bueno afirma que “o caput do art. 85 mantém a regra


segundo sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do
vencedor. E, especificamente em relação ao § 14 da referida norma, que agora
a veda a compensação dos honorários, assim assevera18:
O § 14, rente ao que estabelece o Estatuto da Advocacia e da OAB (art. 23 da
Lei nº 8.906/1994) e a jurisprudência dos Tribunais superiores, dispõe que

15 BUENO, Cássio Scarpinella. Projetos de novo código de processo civil comparados e


anotados: Senado Federal: PLS nº 166/2010 e Câmara dos Deputados: PLN nº 8.046/2010.
São Paulo: Saraiva, 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/scon/sumulas/toc.
jsp?tipo_visualizacao=null&livre=honor%e1rios+advocat%edcios+e+s%famula+306&b=
sumu&thesaurus=juridico>. Acesso em: 6 abr. 2015. p. 76-77.
16 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do novo CPC: críticas e
propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 83.
17 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/
L13105.htm>. Acesso em: 6 abr. 2015.
18 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
p. 99-101.
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os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar,


com os mesmos privilégios oriundos da legislação do trabalho. Por isso
mesmo – e aqui o dispositivo afasta-se da Súmula nº 306 do STJ, que perde
seu substrato normativo – é vedada a sua composição em caso de sucum-
bência parcial. É que a sucumbência é experimentada pela parte e não pelo
advogado, não se podendo falar em compensação de créditos que perten-
cem a credores diversos (arts. 368 e 371 do CC).

Por fim, já entendia o Desembargador do Tribunal de Justiça do


Paraná, Carlos Mansur Arida, acerca da impossibilidade de compensação da
verba honorária, antes mesmo da entrada em vigor da nova legislação19:
Com base nos fundamentos acima, sempre que houver condenação em su-
cumbência recíproca ou parcial, deverá o magistrado, em sua decisão, fixar
os honorários em favor dos advogados, condenando as partes a efetuarem
os respectivos pagamentos, sem qualquer possibilidade de compensação,
mesmo em se tratando de justiça gratuita ou de ação em que figura uma
das pessoas públicas, por ser essa a única decisão em consonância com as
normas dos arts. 23 e 24, § 3º, da Lei nº 8.906, se não se pretender negar-lhes
vigência, smj.

2.4 Compensação
O instituto da compensação vem previsto no Código Civil, entre os
arts. 368 e 380, tendo como base relação jurídica de direito material. Especi-
ficamente prevê o art. 368: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor
e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se com-
pensarem”. Assim, de acordo com a doutrina de Silvio Rodrigues20:
Portanto, a compensação aparece como um meio de extinção das obriga-
ções e opera pelo encontro de dois créditos recíprocos entre as mesmas
partes. Se os créditos forem de igual valor, ambos desaparecem integral-
mente; se forem de valores diferentes, o maior se reduz à importância cor-
respondente ao menor. Procede-se como se houvesse ocorrido pagamento
recíproco, subsistindo a dívida apenas na parte não resgatada.

19 ARIDA, Carlos Mansur. Impossibilidade de compensação dos honorários de sucumbência.


Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/124274036117
4218181901.pdf>.Acesso em: 6 abr. 2015.
20 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral das obrigações. 30. ed. São Paulo: Saraiva,
v. 2, 2002. p. 209-210.
81
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Nas palavras de Sílvio Venosa21:


Compensar é contrabalançar, contrapesar, equilibrar, estabelecer ou resta-
belecer um equilíbrio. No direito obrigacional, significa um acerto de débi-
to e crédito entre duas pessoas que têm, ao mesmo tempo, a condição recí-
proca de credor e devedor, uma conta de chegada, em sentido mais vulgar.

Conclusão

Entendemos a nova legislação, em especial quanto à vedação à com-


pensação de honorários advocatícios, extremamente salutar, e por duas ra-
zões fundamentais. A primeira guarda relação com o próprio Estatuto da
OAB, que, como lei federal, trata o instituto como, além de direito do advo-
gado, verba alimentar. A segunda razão, por sua vez, guarda relação com
o instituto material da compensação, esta que nada se afina com a relação
jurídica processual envolvendo partes e procuradores.
De modo que, além de a então compensação ferir o Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil, também se revelava imprópria tecnicamente, em
relação ao previsto no Código Civil, como analisado.
De sorte que, deste momento em diante, temos que a combatida com-
pensação de honorários caiu por terra com o advento da nova legislação.

ReferÊncias
ARIDA, Carlos Mansur. Impossibilidade de compensação dos honorários de
sucumbência. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/
revista/1242740361174218181901.pdf>.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. DF, 16 de março
de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/
Lei/L13105.htm>.
______. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Lei nº 8.906, de 4
de julho de 1994. DF, 4 de julho de 1994. Disponível em: <http://www.oabrs.org.br/
estatuto>.
______. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, AgRg-AREsp 367994/MS, Rel.
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201302177102&data=20140513&formato=HTML>. Acesso em: 6 abr. 2015.

21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 428.
82
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

______. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, AgRg-AREsp 666882/RS, Rel.


Min. Sérgio Kukina, J. 19.03.2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/
revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1392422&num_registro=
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______. Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, AgRg-REsp 1384185/PR, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, J. 19.09.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/
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um_registro=201301400598&data=20130927&formato=HTML>. Acesso em: 6 abr. 2015.
______. Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, AgRg-EDcl-REsp 1457873/PR,
Rel. Min. Humberto Martins, J. 19.03.2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/
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um_registro=201401303552&data=20150325&formato=HTML>. Acesso em: 6 abr. 2015.
______. Supremo Tribunal Federal, Primeira Turma, AI-AgRg 622055/BA, Rel. Min.
Roberto Barroso, J. 10.02.2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
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______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível,
Apelação e Reexame Necessário nº 70061961157, Relª Des. Leila Vani Pandolfo Machado,
J. 02.04.2015, Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.
tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal
%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_
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1961157%26codEmenta%3D6230056+honor%C3%A1rios+e+compensa%C3%A7%C3%
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A Adoção de Embriões Humanos na Lei
de Reprodução Assistida Espanhola*
D ora G arcía F ernández
Professora pesquisadora na linha de Bioética Jurídica do Instituto de
Pesquisas Jurídicas da Universidade Anáhuac México Norte, membro
do Sistema Nacional de Pesquisadores do México, membro ativo da
Associação Panamericana de Bioética. Autora de diversos livros e artigos.

RESUMO: O principal problema que surge das técnicas de fecun-


dação assistida, especialmente da Fivet (Fertilização In Vitro com
Transferência de Embriões) são os embriões excedentários. Levando
em consideração que são seres humanos com potencialidade de se
tornarem adultos, é importante que a legislação de cada país consi-
dere a possibilidade de oferecê-los para adoção por parte de casais
inférteis, com o objetivo de lhes dar a oportunidade de nascer, tal
como estabelece a legislação espanhola.

PALAVRAS-CHAVE: Adoção; reprodução assistida; legislação es-


panhola; embriões humanos.

ABSTRACT: The main problem that arises from the application


of the assisted fecundation techniques, especially from the FIVET
(Fertilization In Vitro with Embryo Transfer) is the super numerary
embryos. Taking into account that they are human beings with a
potentiality to become adults, it’s important that every legislation
must consider the possibility of giving them in adoption to other
infertilecouple, as it is established in the spanish legislation.

KEYWORDS: Adoption; assisted reproduction; spanish legislation;


human embryos.

SUMÁRIO: I − Técnicas de fecundação assistida; II – Adoção de em-


briões; 1 Adoção de embriões frutos da Fivet; 2 Adoção de embriões
produzidos para tal finalidade; 3 Razões para optar adotar embriões;

*
Traduzido por Daniel Ustárroz, professor adjunto de Direito Civil da Pontifícia
Universidade Católica (PUCRS) e pela acadêmica Flávia Raya Barbosa, da mesma
instituição. Tradução desenvolvida dentro do projeto de pesquisa “Perspectivas da
adoção no direito brasileiro: análise dos principais entraves e sugestões para a sua
adequação social”, em desenvolvimento na PUCRS.

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Revista Jurídica 451
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III − A adoção de embriões na legislação espanhola; Conclusões; Re-


ferências.

I − Técnicas de fecundação assistida

Cada vez são mais frequentes casos de casais com problemas de infer-
tilidade que recorrem às chamadas técnicas de fecundação assistida, que são
aquelas desenvolvidas para viabilizar o nascimento de um ser vivo quando
se tem problemas para efetivá-lo pela via natural.
As técnicas de fecundação assistida, que serão citadas com suas siglas
em inglês, dividem-se em dois grupos:
1. Técnicas de fecundação interna ou in situ, entre as quais estão à
inseminação artificial e a transferência intratubária de gametas
(GIFT), entre outras; e
2. Técnicas de fecundação extracorpórea ou in vitro, como são as fe-
cundações in vitro com transferência de embriões (Fivet), transfe-
rência intratubária de zigotos (ZIFT), injeção intracitoplasmática
de Espermatozoides (ISCI) e transferência intratubária de em­
briões (TET), principalmente1.
Nas técnicas de fecundação assistida extracorpórea, os médicos fecun-
dam um número elevado de óvulos com o objetivo de garantir o êxito na me-
dida do possível. Com efeito, faz-se uma fecundação de vários óvulos, pois a
porcentagem de nidação e gravidez resultam muito baixas (1 ou 2 sobre 10);
e, por isso, para garantir um resultado positivo, realiza-se um provimento
de vários embriões disponíveis para poder novamente em caso de fracasso.
Se a implantação resulta exitosa, os embriões restantes serão considerados
“sobrantes” ou “excedentários”, e serão congelados para sua conservação.
Essa acumulação de embriões congelados, como consequência dessas técni-
cas, implica uma série de considerações que merecem uma profunda reflexão
tanto ética quanto jurídica.
É assim que os embriões “excedentários” que seus pais biológicos já
não querem, podem enfrentar vários destinos:

1 Para maior informação acerca de cada uma destas técnicas, consultar: MARCÓ, Javier;
TARASCO, Martha. Diez temas de reproducción asistida. Ediciones Internacionales
Universitarias, Madrid, 2001. p. 20-33.
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1. “doá-los” a outro casal;


2. doá-los para um experimento;
3. destruí-los;
A respeito do primeiro ponto, “doar” um embrião não é a palavra
apropriada, pois não se está falando de uma coisa, mas de um ser humano, e
os seres humanos não se “doam”, e sim se adotam. O conceito de “doação”
diz respeito a coisas, de tal forma que nunca se falará em “receber uma crian-
ça de doação”, mas sim em “adotar uma criança”2.

II – Adoção de Embriões

Poderia se definir a adoção de embriões como um procedimento me-


diante o qual um embrião, fruto do óvulo de uma mulher e do espermatozoi-
de de um homem, é transferido ao útero de outra mulher com o fim de ser
gerado por ela e seu cônjuge (se possui). Aqui cabe aclarar que o casal que
adotou os embriões não poderia contratar o ventre de uma terceira mulher
para que o gestasse, pois estaríamos falando de “maternidade sub-rogada”.
Como em uma adoção tradicional, o casal que cria a criança não teria
nenhuma conexão genética com ela, mas, diferentemente desse tipo de ado-
ção, o casal não teria que passar pelo difícil processo legal para serem decla-
rados pais legais da criança. Nesse caso, o casal adotaria “biologicamente” o
bebê durante a fase inicial do embrião e não quando já tenha nascido.
A adoção de embriões pode ser uma opção para aqueles casais que, não
possuindo nem óvulos nem espermatozoides para contribuir com o processo,
queiram passar pela experiência do que uma gestação significa. Essa também
é uma opção para aqueles em que um deles é infértil, porém querem ter uma
relação genética igualitária (é dizer, uma relação não genética) com o bebê.
Assim, existe a possibilidade de adotar embriões humanos como um
caminho ou possibilidade para evitar sua destruição, nos seguintes casos:
1. quando os pais biológicos já não querem outro filho;
2. quando esses embriões são “órfãos”, ou seja, que seus pais tives-
sem falecido ou não os postulem.

2 Cfr. JUNQUERA ESTEFANÍ, Rafael. Reproducción asistida, filosofía ética y filosofía jurídica.
Madrid: Tecnos, 1998. p. 103.
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Portanto, a adoção pode dar solução principalmente a dois problemas:


1. a infertilidade de alguns casais (desde um ponto de vista médico);
2. a destruição de embriões desamparados.
O que aqui se analisa é uma solução digna para evitar a destruição dos
milhares de embriões que já se encontram congelados e os que nesse mesmo
momento estão sendo congelados, porém, o remédio mais eficaz seria que
as legislações impedissem a fecundação de um número indiscriminado de
óvulos. Assim, dever-se-ia fecundar unicamente os óvulos que serão transfe-
ridos. Com isso, não se justifica a eticidade das técnicas de reprodução assisti-
da, mas se propõe uma possível saída para remediar um mal que já está feito,
com base no problema moral do “mal menor”. Em algumas circunstâncias
pode ser moralmente lícito permitir um mal (no caso da fertilização in vitro)
em atenção a um bem superior (a vida dos embriões) ou para evitar males
maiores (a morte dos embriões)3.
Alfonso Aguiló opina que em um sentido mais específico, a tolerância
faz referência a permitir um mal, quando existem razões proporcionais. Afir-
ma que Tomás de Aquino estabeleceu que fosse próprio do sábio legislador
permitir transgressões menores para evitar as maiores. O dever de reprimir o
mal não é uma norma última, senão um dever que se encontra subordinado
a normas superiores, que, em alguns casos, não impedem que outros atuem
mal para evitar dessa forma males mais graves4.
Então, se não se pode transferir esses embriões à mãe biológica, pro-
põe-se a possibilidade de transferi-los a outra mulher. Algumas pessoas cha-
mam de adoção pré-natal aquela em que não se geraria uma lesão à unidade
matrimonial nem um desequilíbrio das relações de parentesco, pois o em-
brião se encontraria, de um ponto de vista genético, em uma mesma relação
com ambos os pais adotivos5 (a mesma situação que uma adoção tradicional).
Além disso, os vínculos que se estabelecem entre quem é adotado sen-
do um embrião e os adotantes poderiam atenuar alguns problemas psicoló-
gicos que se observam em algumas adoções tradicionais.

3 Cfr. AGUILÓ PASTRANA, Alfonso. “El problema del mal menor. Tolerancia (18) El
problema del mal menor”. Direcciónen Internet: <http:// www.aplicaciones.info/
toleran/actua39e.htm>. Fecha de consulta: 27 de enero de 2006.
4 Cfr. Idem.
5 Cfr. FAGGIONI, Maurizio. La cuestión de los embriones congelados. Disponível em:
<http://multimedios.org/docs/d000155/>. Acesso em: 23 de enero de 2009.
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Desde um ponto de vista técnico-médico, pode haver duas formas de


levar a cabo o processo de adoção de embriões. Uma seria receber embriões
“criopreservados” preexistentes que foram doados por seus pais biológicos,
e a outra seria criar embriões para ser adotados posteriormente. Ainda que
os dois métodos resultem em um ser humano que não está geneticamente co-
nectado com seus pais adotivos, de um ponto de vista ético e emocional, esses
dois caminhos para a adoção de embriões são completamente diferentes6. Em
continuação se explicará brevemente o por quê.

1 Adoção de embriões frutos da Fivet

Nesse caso, os embriões excedentários decorrentes de uma Fivet, cujos


pais genéticos já não os querem, são dados em adoção a casais inférteis para
que sejam implantados no útero da mulher e sejam criados como seus filhos.
O casal adota um ou vários embriões excedentes que seguramente se encon-
tram “criopreservados”. Devido à existência do problema dos embriões con-
gelados, o poder de dá-los em adoção é uma solução que evita que estes se-
jam destruídos ou sujeitos à pesquisa, que, ao final, os levaria ao mesmo fim
e ao cabo: a morte. Com a adoção se dá a oportunidade de que eles cresçam
em um útero materno e de que possuam uma família na qual se desenvolvam
como seres humanos. Ou seja, se dá a possibilidade de viver, que é o mais
importante, independentemente se cheguem a um termo ou não.
A ideia de dar em adoção esses embriões a outros casais inférteis se
aproxima muito da adoção tradicional; oferece-se um destino legítimo e al-
truísta aos embriões excedentes para oportunizá-los o desenvolvimento e a
criação no seio de uma família estável e, além disso, oferecer a esses casais a
oportunidade de vivenciarem a gestação.

2 Adoção de embriões produzidos para tal finalidade

Nesse caso, os embriões são produzidos para serem adotados. Os em-


briões podem ser fecundados utilizando o esperma e os óvulos de doadores
selecionados. Essa seleção pode ser feita com base nos critérios dos pais ado-
tantes.

6 Cfr. LEWIS COOPER, Susan; SARAHSON GLAZER, Ellen. Choosing Embryo Adoption.
Dirección en: <http://www.perspectivepress.com/ carembryo.html>. Fecha de consulta:
26 de enero de 2009.
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Essa opção se afasta da ideia original que implica uma adoção. Em


uma adoção tradicional nunca se verá envolvida a intenção de conceber uma
criança para logo ser adotada. Nesse sentido, a opção que aqui se propõe, de
adotar embriões preexistentes, dá garantia aos pais adotantes de que esses
embriões foram concebidos por um casal que desejava profundamente a pa-
ternidade e que lutou por alcançar essa meta. Pode-se imaginar que o casal
que dá em adoção é um casal estável e amoroso, em contrapartida, os pais
genéticos dos embriões produzidos nunca tiveram a intenção de conceber
um filho juntos.
A opção de se produzir embriões para serem adotados é inaceitável,
pois se assemelha também às práticas eugênicas nas quais os pais adotantes
concebem uma espécie de criança sobre um desenho: Querem olhos azuis?
Talento para o esporte? Herança saxã?... Apenas deveriam ver as caracterís-
ticas dos doadores e com base neles escolher os gametas a fim de criar uma
criança ideal. Ademais, existem milhares de embriões “crioconservados” e
não é eticamente correto fecundar outros com esse fim.

3 Razões para optar adotar embriões

Muitas pessoas que estão tanto fora como dentro do campo da inferti-
lidade se perguntam por que um casal deve escolher adotar um embrião ou
invés de adotar uma criança já nascida. Há algumas razões que se podem
argumentar a respeito com base em um programa de adoção de embriões que
já se leva a cabo nos Estados Unidos7.
1. Dar seus embriões em adoção permite aos pais genéticos partici-
par da seleção dos pais adotivos e na vida da criança ou crianças
nascidas desse processo.
2. Para aqueles casais que experimentaram a infertilidade por um
longo tempo, a adoção de embriões oferece a oportunidade de ex-
perimentar uma gestação, dar à luz e, além disso, desfrutar a pa-
ternidade.
3. Através da gravidez, a adoção de embriões brinda os casais com
um vínculo afetivo com a criança antes de seu nascimento.

7 Cfr. NIGHTLIGHT Christian Adoption Programs. Snowflakes embryo adoptions.


Dirección en Internet: <http://www.nightlight.org/snowflakeadoption.htm>. Fecha de
consulta: 30 de octubre de 2008.
90
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4. Além disso, a mulher tem o controle sobre o ambiente e o entorno


pré-natal, eliminando por consequência os potenciais problemas
causados por condições não saudáveis na gestação.
5. A adoção de embriões também permite ao casal adotante ter a
garantia de conhecer a origem da criança, a informação médica8,
social e psicológica de seus pais genéticos (coisa que nem sempre
acontece em uma adoção tradicional).
6. A adoção de embriões oferece privacidade ao casal, permitindo a
eles revelar a adoção a quem eles decidam. A adoção tradicional
sempre é pública.
Por outro lado, a adoção de embriões engloba os seguintes benefícios:
evita os incômodos inerentes à estimulação ovárica9, diminui o custo econô-
mico da técnica, pois não se tem que passar por todo o processo de fertili-
zação in vitro, e diminui também os casais em lista de espera para a adoção
convencional, cuja causa de infertilidade não está associada a nenhuma pa-
tologia uterina10.
Assim mesmo, a adoção de embriões não deverá selecionar o sexo da
criança ao adotar11, como sucede com a maioria dos casos de uma adoção

8 Incluso se pode conhecer seu RH+-.


9 Deverão preparar a mulher para que seu útero esteja em condição de receber os embriões.
10 As anormalidades uterinas são responsáveis pela infertilidade em 2% dos casos
aproximadamente. Exemplos de anormalidades uterinas associadas à infertilidade são
as deformidades congênitas do útero, “leiomiomas e escarificaciones ou adherencias
intrauterinas” (Síndrome de Asherman’s). De todas elas, os “leiomiomas” são os
mais frequentes. Em alguns casos, os “miomas submucosos” podem interferir com
a implantação e/ou o desenvolvimento embrionário e provocar abortos. Os miomas
“intramuros” grandes podem distorcer a cavidade uterina e afetar a implantação. Os
“subserosos” raras vezes afetam a infertilidade, exceto se comprimirem as trompas do
“Falopio”, bloqueando o acesso dos espermas até o óvulo. A síndrome de Asherman
pode ir associada com hipomenorreia ou amenorreia, geralmente secundária à curetagem
agressiva após o aborto, infecção intrauterina, miomectomia, metroplastia ou placenta
retida. Esse quadro desenvolve um ambiente muito desfavorável para a implantação.
Cfr. GONZÁLEZ, Alejandro. Unidad de Reproducción Asistida, Policlínica San Mauricio,
Jerez de la Frontera Cádiz, “Técnicas diagnósticas básicas en el estudio de la esterilidad
conyugal”. Dirección en: <http://www.sefertilidad.com>. Pagina Web de la Sociedad
Española de Fertilidad SEF. Fecha de consulta: 27de enero de 2007.
11 Nesse tema da não escolha do sexo, tem-se como antecedente o art. 14 do Convênio sobre
Direitos Humanos e a Biomedicina adotada em Oviedo, em 4 de abril de 1997, que afirma:
“A utilização das técnicas de reprodução médica assistida não serão permitidas com o fim
de escolher o sexo da pessoa que vai a nascer, salvo naqueles casos em que seja necessário
evitar uma doença hereditária grave vinculada ao sexo”.
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tradicional, e tampouco se pode mudar de opinião e rechaçar a criança se este


nasce com alguma enfermidade ou defeito físico.
Porém, a adoção de embriões pode apresentar dificuldades emocio-
nais, pois não há nenhuma garantia de que se possa conseguir ter um filho
por esse meio, devido ao baixo índice de êxito que tem a técnica utilizada.
Mas, mesmo assim, é importante tentar dar a possibilidade de viver a esses
milhares de seres humanos que já se encontram congelados e que de outra
forma seu destino seria a morte. Com um só embrião que consiga nascer, va-
leu a pena a tentativa, já que uma vida humana não tem preço12.

III − A adoção de embriões na Legislação Espanhola

A Espanha, com a Lei nº 35/1988, de 22 de novembro, sobre Técni-


cas de Reprodução Assistida, e com a Lei nº 42/1988, de 28 de dezembro,
de Doação e Utilização de Embriões e Fetos Humanos ou de suas Células,
converteu-se em um dos países pioneiros, junto com a Noruega e a Sué-
cia, em regular completamente as novas técnicas de reprodução humana.
Nessa época, existiam aproximadamente 700.000 casais inférteis, dos quais
40% poderia ter se beneficiado da Fivet e 20% da inseminação artificial. Na
época, já existiam 13 bancos de gametas e 14 centros nos quais se realizava
dita técnica13.

Posteriormente, com a Lei nº 45/2003 se modificou a Lei nº 35/1988


para dar alguma resposta a novos problemas, como o destino dos embri-
ões excedentários. Finalmente, com a Lei nº 14/2006, de 26 de maio, sobre
Técnicas de Reprodução Humana Assistida, foram introduzidas importantes
novidades, as quais poderiam ser assim resumidas14:
1. Define-se claramente o conceito de “pré-embrião” e o define, no
seu art. 1º, como o embrião in vitro constituído pelo grupo de cé-

12 Nos Estados Unidos, 134 crianças nasceram como resultado do programa Snowflakes
Embryo Adoptions. Dado obtido em: <http://www.nightlight.org/snowflakeadoption.
htm>. Acesso em: 30 out. 2008.
13 Preâmbulo da Lei nº 35/1988, de 22 de novembro, sobre Técnicas de Reprodução
Assistida. Disponível em: <http://www.noticias.juridicas.com/lec/Admin/135-1988.
html>. Acesso em: 19 maio 2003.
14 Lei nº 14/2006, de 26 de maio, sobre Técnicas de Reprodução Humana Assistida, BOE 126,
de 27.05.2006.
92
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lulas resultantes da divisão progressiva do “ovócito” desde a sua


fecundação até 14 dias mais tarde.15
2. Proíbe-se a clonagem em seres humanos com fins reprodutivos,
seguindo a linha que marca a Constituição europeia, mas não se
vedou a clonagem com fins terapêuticos, de forma que se pode
deduzir que, ao não estar proibida, estaria permitida.
3. Generaliza-se a possibilidade de realizar pesquisas com embriões
excedentários e se suprime o estabelecido pela Lei nº 45/2003, a
qual limitava a investigação aos embriões congelados antes da en-
trada em vigor da aludida lei.
4. Eliminam-se os limites estabelecidos pela Lei nº 45/200316 para a
geração de “ovócitos” em cada ciclo reprodutivo, limites que de-
verão derivar exclusivamente das indicações clínicas de cada caso,
mas apenas se segue autorizando a transferência de um máximo
de três embriões em uma mulher em cada ciclo reprodutivo.
5. Autoriza-se o diagnóstico genético pré-implantacional para a afe-
rição de enfermidades hereditárias graves e não suscetíveis de tra-
tamento terapêutico-curativo pós-natal, para a aferição de outras
alterações que possam comprometer a viabilidade do embrião.
Ademais, em determinados casos, com o devido controle e autori-
zação administrativa, pode-se realizar para ajudar a salvar a vida
de um familiar enfermo (“criança medicamento”);
6. Ademais do Registro dos Doadores de Gameta e pré-embriões
com fins de reprodução humana já existente, criou-se o Registro
de Atividade dos Centros de Reprodução Assistida. No primeiro,
registram-se os filhos nascidos de cada um dos doadores, a identi-
dade dos casais ou mulheres receptoras e seu endereço original no

15 Esta legislação ainda aceita o termo de pré-embrião e não justifica o termo como o fazia
no Preâmbulo da Lei nº 35/1988, no qual se argumentava que esta expressão também
fora adotada pelos Conselhos Europeus de Pesquisa Médica de nove nações (Dinamarca,
Finlândia, República Federal da Alemanha, Itália, Suécia, Países Baixos, Reino Unido,
Áustria e Bélgica). Em lugar de pré-embrião, dever-se-ia chamar embrião em etapa pré-
-implantadora, pois nos encontramos ante um ser humano único e irrepetível em seu
primeiro estágio de existência.
16 Esta lei limitava a três o número de óvulos que poderiam ser fecundados e transferidos a
uma mulher em cada ciclo. Assim se pretendia solucionar o grave problema da acumulação
de embriões congelados e a gravidez múltipla (embarazos múltiples)
93
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
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momento da doação e recebimento. No segundo, registram-se os


dados sobre a tipologia de técnicas e procedimentos, taxas de êxito
e outras questões de forneçam aos cidadãos informação suficiente
sobre a qualidade dos centros que praticam estas técnicas. Tam-
bém se registrará o número de embriões que se conservam con-
gelados em cada centro e se elimina a obrigação estabelecida pela
Lei anterior de lhes enviar ao Centro Nacional de Transplantes e
Medicina Regenerativa.
7. Em relação à premoriência do marido, apenas se reconhecerá a fi-
liação quando o seu material reprodutor se encontre no útero da
mulher, na data da morte do varão. Não obstante, o marido poderá
dar o seu consentimento para que o seu material reprodutor possa
ser utilizado para fecundar a sua mulher nos 12 meses seguintes ao
seu falecimento.
8. Considera-se nulo de pleno direito o contrato pelo qual se conven-
cione a gestação por substituição (maternidade sub-rogada).
9. Os embriões excedentários da Fivet que não sejam transferidos à
mulher em um ciclo reprodutivo poderão ser crioconservados nos
bancos autorizados. Esta conservação ocorrerá até o momento em
que os responsáveis médicos, com a participação de especialistas
alheios ao centro, atestem que a receptora não reúna os requisi-
tos adequados para que se lhe pratique a reprodução assistida. Os
destinos possíveis que poderão ter os embriões crioconservados
são:
a) sua utilização na própria mulher ou seu cônjuge;
b) a doação com fins reprodutivos (adoção);
c) a doação com fins de pesquisa;
d) o encerramento de sua conservação (destruição).
Esta última opção apenas será aplicável quando já tenha transcorrido o
tempo máximo de conservação estabelecido pela lei sem que se tenha optado
por nenhuma das outras três opções.
No caso dos embriões excedentários crioconservados, a mulher ou o
casal progenitor deverá renovar a cada dois anos o consentimento informa-
do assinado previamente para que os seus embriões tenham o destino que
hajam escolhido. Se durante duas renovações consecutivas não se obtiver a
94
Revista Jurídica 451
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assinatura correspondente, o centro no qual se encontrem crioconservados


os embriões poderá dispor deles para quaisquer dos fins anteriormente cita-
dos, mantendo as exigências de confidencialidade, anonimato, gratuidade e
ausência de lucro17.
É assim que a legislação espanhola abre a possibilidade aos casais, os
quais, após se submeterem aos ciclos da fertilização in vitro, não desejam ter
mais filhos e dispõem ainda de embriões congelados, “doarem” ou darem em
adoção. A adoção de embriões não requer os trâmites oficiais de adoção. Os
progenitores firmam um consentimento, renunciando a qualquer ação para
demonstrar a sua paternidade e aceitando o carácter não lucrativo de seu
ato. Os embriões que se transferem procedem de casais residentes em ou-
tras comunidades autônomas ou países, para evitar a coincidência de irmãos.
Assim mesmo, recomenda-se que a mulher receptora seja menor de 35 anos
(ainda que existam doações a mulheres maiores) e o homem não maior de 50.
Transferem-se de dois a três embriões, e a doação é anônima.
Em relação ao tema, existem projetos como o iniciado pelo Instituto
Marqués de Barcelona, em conjunto com o Centro Internacional de Medicina
Avançada (Cima), que, em 2005, lançou um programa de adoção de embriões
que pretendia utilizar embriões excedentários, procedentes de pacientes que
já tinham satisfeito o seu desejo reprodutivo, com o ânimo de oferecer a estes
embriões a possibilidade de viver, ajudando-lhes a encontrar pais18.
Embora a doação de embriões seja gratuita, o procedimento custa
aproximadamente 2.250 euros e, segundo o Centro, a probabilidade de êxito
na gravidez é de aproximadamente 32%.
O procedimento consiste em preparar o útero da mulher mediante
unos parches que se aplicam na pele e uns comprimidos vaginais para receber
os embriões. Após alguns dias, procede-se ao descongelamento dos embriões
escolhidos e a sua transferência. O exame de gravidez é realizado em 14 dias
e, se o seu resultado é positivo, o tratamento prossegue por outros dois me-
ses. Depois, a gestante passa a ser atendida pelo seu ginecologista habitual19.
Embora esse programa fale de “adoção de embriões”, na realidade há
uma equiparação ao conceito de “doação de embriões” de que refere a lei.

17 Conforme a Lei nº 14/2006, anteriormente citada.


18 “Programa de adopción de embriones”. Disponível em: <http://www.institutomarques.
com/programa_adopcion_embriones.html>. Acesso em: 21 jan. 2009.
19 Cfr. Idem.
95
Revista Jurídica 451
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A Espanha é um dos primeiros países a incluir expressamente, na sua


legislação, a possibilidade de levar a efeito a adoção de embriões. Com a sua
legislação, evita a lacuna legal na qual se encontram outros países, como o
México, por exemplo.
Contudo, existem países nos quais a adoção de embriões também está
permitida, como é o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, e em outros,
como a Alemanha, não existe esta possibilidade, já que a lei apenas permite
a fecundação dos óvulos que serão efetivamente implantados e não se pro-
duzem embriões excedentários. Como consequência deste fato, mais de um
terço das adoções que se realizam na Espanha envolvem casais estrangeiros,
provenientes de França, Portugal e Itália, principalmente20.

Conclusões

As técnicas de Fertilização Assistida são consideradas por muitos uma


solução para a infertilidade dos casais que desejam ter filhos biológicos. Um
grave problema dessas técnicas e, em especial, da Fertilização In Vitro (Fivet)
é a criação dos chamados embriões excedentários. Ainda que estas técnicas
tenham permitido que casais inférteis ao redor do mundo conseguissem ter
filhos, é um fato que a prática atenta profundamente contra a vida do ser
humano.
A principal objeção a estas técnicas é que geram uma elevada perda
de embriões, fato que nunca poderá ser justificado, ainda que o seu objetivo
fundamental seja criar um ser humano: dar a um casal um filho que, de outra
forma, seria difícil ter.
Não se deve perder de vista que, atualmente, já existem milhares de
embriões congelados, aos quais devemos dar destino distinto da destruição,
vale dizer, dar a possibilidade de que sejam adotados.
No caso dos embriões congelados, não se pode falar de um simples
conglomerado de células humanas, mas de pessoas que, se não implantadas
no ventre de sua mãe, devem ser passíveis de adoção por aquela ou aquelas
pessoas que queiram lhes oferecer uma oportunidade de vida. Não podemos

20 Cfr. VEGA M. et al. “Regulación de la reproducción asistida en el ámbito europeo. Derecho


comparado”. Disponível em: <http://www.bioeticaweb. com/content/view/275/765/
lang,es/>. Acesso em: 12 jan. 2009.
96
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

permitir que estes embriões congelados sejam destruídos, tampouco permitir


que se tornem “sujeitos” de experimentação.
Deixar morrer os embriões significa tirar a oportunidade de desenvol-
ver a vida que eles já têm, e a adoção permite lhes oferecer uma real oportu-
nidade de desenvolvimento humano. Não se trata do bem máximo possível,
porque, no caso em que se encontram, não há bem algum – exceto a sua pró-
pria existência – e o mal já está feito, de sorte que a adoção é a opção “menos
mala”, que busca subsanar o mal causado e a que pode dar a estes embriões
uma solução digna21.
Se a vida humana é um valor absoluto e incomensurável, então é pre-
ciso fazer todo o possível para salvar a vida de uma persona. Portanto, a
adoção se apresenta como uma solução lícita à problemática dos embriões
congelados.
Como já se disse anteriormente, a Espanha é um país pioneiro em regu-
lar as técnicas de fecundação assistida e, em particular, considerar a possibili-
dade de oferecer em adoção os embriões excedentários frutos destas técnicas.
Nesse e em outros temas, este país se encontra na vanguarda.

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21 Os tradutores optaram por manter “menos mala”, porquanto na língua portuguesa não é
fácil identificar uma expressão equivalente.
97
Revista Jurídica 451
Doutrina Civil
Maio/2015

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98
Doutrina
Penal

A Comissão de Constituição e Justiça


da Câmara dos Deputados Aprova
a Redução da Maioridade Penal
R ômulo de A ndrade M oreira
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia,
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador –
Unifacs, na Graduação e na Pós-Graduação (Especialização em Direito
Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado em Direito
Processual Penal, Lato Sensu, pela Universidade de Salamanca/
Espanha, Especialista em Processo pela Universidade Salvador –
Doutrina Penal

Doutrina Penal
Unifacs (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos),
Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação
Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de
Direito Processual e Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito
Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário),
Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Integrante,
por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para
ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Autor
das obras, além de coordenador do livro Leituras Complementares
de Direito Processual Penal (2008). Participante em várias obras
coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

“Quando, seu moço, nasceu meu rebento, não era o momento


dele rebentar. Já foi nascendo com cara de fome e eu não tinha
nem nome para lhe dar. Como fui levando, não sei lhe expli-
car, fui assim levando, ele a me levar e na sua meninice ele um
dia me disse que chegava lá: olha aí! Ai o meu guri, olha aí!
Revista Jurídica 451
Doutrina Penal
Maio/2015

Olha aí! É o meu guri. E ele chega! Chega suado e veloz do baten-
te, traz sempre um presente para me encabular: tanta corrente de
ouro seu moço, que haja pescoço para enfiar; me trouxe uma bolsa
já com tudo dentro, chave, caderneta. terço e patuá, um lenço e
uma penca de documentos para finalmente eu me identificar. Olha
aí! Ai o meu guri, olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega no mor-
ro com carregamento, pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador.
Rezo até ele chegar cá no alto essa onda de assaltos está um horror.
Eu consolo ele, ele me consola, boto ele no colo para ele me ninar,
de repente acordo, olho para o lado e o danado já foi trabalhar!
Olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega estampado manchete,
retrato, com venda nos olhos, legenda e as iniciais. Eu não entendo
essa gente seu moço, fazendo alvoroço demais! O guri no mato,
acho que tá rindo, acho que tá lindo, de papo para o ar; desde o
começo eu não disse seu moço, ele disse que chegava lá! Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí. É o meu guri!” (Chico Buarque – “O Meu
Guri “– adaptei para a prosa esta linda canção-poesia)

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a redução da maioridade penal


de 18 para 16 anos de idade foi aprovada, no último dia 31 de março, na
Doutrina Penal

Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Por 42 votos


a favor e 17 contrários, a Proposta de Emenda à Constituição nº 171/1993
passou pela etapa mais difícil da Casa. Agora, o texto será apreciado em uma
comissão especial e depois será enviado para duas votações em plenário.
A proposta patrocinada pela Frente Parlamentar de Segurança Pública,
conhecida como a “Bancada da Bala”, recebeu o apoio de PSDB, DEM, Soli-
dariedade e da maior parte dos parlamentares do PMDB. Contra a redução,
se posicionaram PT, PCdoB e PROS, da base governista, e PSB e PPS, da opo-
sição.
As sessões da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos De-
putados sobre a Proposta de Emenda à Constituição foram marcadas por
tumultos e tentativas de obstrução do governo, do PT e também de parla-
mentares oposicionistas contrários à alteração.
Os parlamentares contrários à proposta tentaram impedir a inversão
da pauta. Depois, pediram a retirada da proposta de emenda à Constituição
da discussão. A última cartada foi a apresentação de um parecer do deputado
100
Revista Jurídica 451
Doutrina Penal
Maio/2015

Luis Couto (PT-PB), segundo o qual a redução da maioridade penal era inad-
missível e inconstitucional. O relatório foi rejeitado por 43 votos a 21.
Em seguida, os deputados pediram o arquivamento e, por fim, exigi-
ram a votação nominal da proposta de emenda à Constituição. Nenhuma das
estratégias funcionou, e o texto foi encaminhado para votação.
Dois grupos de manifestantes se dividiram no plenário, com cartazes
e faixas contrárias e favoráveis à proposta. A União Brasileira de Estudan-
tes Secundaristas (Ubes) levou 15 adolescentes à Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados. Aos gritos de “não, não, não à redução” e
“fascistas”, eles protestaram contra o avanço da proposta.
“Essa proposta de emenda à Constituição é um grande equívoco. Será
muito ruim para a juventude brasileira”, disse a presidente da União Brasi-
leira de Estudantes Secundaristas, Bárbara Melo, que responsabilizou o con-
servadorismo da Casa pela aprovação do texto.
Retirada da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Depu-
tados por seu partido, que é contrário à proposta de emenda à Constituição,
a Deputada Keiko Ota (PSB-SP) se mostrou aliviada. “Tenho certeza de que o
Congresso vai aprovar a proposta de emenda à Constituição porque 83% da
população apoia”, disse ela que, entre os manifestantes pró-redução, vestia
uma camiseta com a foto do filho Ives Ota, que foi assassinado.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), prometeu cele-
ridade na proposta de emenda à Constituição. Apenas três horas depois da
votação, ele leu em plenário o ato de criação da comissão especial que vai
analisar o mérito do texto.
A comissão realizará 40 sessões, previstas para serem concluídas em
três meses. O texto poderá ser alterado e deverá ser votado duas vezes em
plenário. Para ser aprovado, terá de receber o voto favorável de pelo me-
nos 308 dos 513 deputados (3/5 dos parlamentares) em cada um dos tur-
nos. Caso aprovada, a proposta de emenda à Constituição passará para o
Senado, onde seguirá o mesmo rito. (Fonte: http://brasil.estadao.com.br/
noticias/geral,ccj-aprova-pec-que-reduz-maioridade-penal-de-18-para-16-a-
nos,1661469).
Tudo balela, fantasia, para aplacar o clamor público! É óbvio que o art. 228 da
Constituição Federal constitui-se, de forma induvidosa, em cláusula pétrea e, por-
tanto, não sujeito, sequer, à modificação por emenda à Constituição. Somente uma
101
Revista Jurídica 451
Doutrina Penal
Maio/2015

nova Assembleia Nacional Constituinte poderia tornar penalmente inimputáveis os


menores de 16 anos.
Aprende-se nos primeiros anos da faculdade de Direito que os direitos e garan-
tias fundamentais não estão apenas inscritos no art. 5º da nossa Constituição, muito
pelo contrário: estão contidos em outros dispositivos (cfr., verbi gratia o art. 7º).
Também no início do estudo do Direito Constitucional, ensina-se que cláusula
pétrea não pode ser modificada por norma constitucional derivada, mas apenas oriun-
da do Poder Constituinte Originário.
O que o Congresso faz é demagogia com o povo brasileiro, mesmo porque a
diminuição da maioridade penal em nada, absolutamente em nada, resolveria o pro-
blema da criminalidade. Qual a vantagem de se colocar um adolescente de 16 anos em
uma penitenciária, uma verdadeira universidade do crime?
O modelo clássico de Justiça Penal, fundado na crença de que a pena
privativa de liberdade seria suficiente para, por si só, resolver a questão da
violência, vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na
ideia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efeti-
va gravidade. Passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de
hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma
série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconsti-
tucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração
das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipi-
ficando desnecessariamente novas condutas etc.) para uma tendência despe-
nalizadora, traduzida em leis como a que ora nos referimos ou como a que
criou os Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/1995)1.
Hoje, portanto, ainda que o nosso sistema penal privilegie induvidosa-
mente o encarceramento (acreditando, ainda, na função dissuasória da pri-
são), o certo é que a tendência mundial de alternativizar este modelo clássico
vem penetrando no Brasil e tomando força entre os nossos melhores dou-
trinadores. Penalistas pátrios consagrados como Luiz Flávio Gomes, Cezar

1 A despenalização traduz o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, pelo


qual “limita-se o poder punitivo do Estado, que com freqüência tende a se expandir,
principalmente nas situações de crises político-institucionais e nas comoções de natureza
sócio-econômica, quando a repressão procura ser uma barragem contra a revolta e a
marginalidade que alimentam a delinqüência patrimonial violenta” (cf. DOTTI, René
Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p. 266).
102
Revista Jurídica 451
Doutrina Penal
Maio/2015

Roberto Bitencourt, Damásio de Jesus, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti
e tantos outros já se debruçaram sobre a matéria. Este último, aliás, lembran-
do Ferri, afirma que “a luta contra os excessos do poder punitivo não é re-
cente. Ela é apenas reafirmada em atenção às novas perspectivas de causas
antigas”2.
É indiscutível que a pena de prisão em todo o mundo passa por uma
crise sem precedentes. A ideia disseminada a partir do século XIX segundo a
qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão
ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista,
que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir
com a prisão tradicional”3, como pensa Cezar Roberto Bitencourt.
É induvidoso que o cárcere deve ser concebido como última via para a
problemática da violência, pois não é, nunca foi e jamais será solução possível
para a segurança pública de um povo.
É de Hulsman a seguinte afirmação:
Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento pro-
duz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos
científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejei-
ção social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como
realmente “desviante” e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme
esta imagem, marginalmente. Vemo-nos de novo diante da constatação de
que o sistema penal cria o delinquente, mas, agora, num nível muito mais
inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do eti-
quetamento legal e social.4

O próprio sistema carcerário brasileiro revela o quadro social reinante


neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de toda ordem, basica-
mente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econô-
mico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e
isto não é, evidentemente, uma “mera coincidência”. Ao contrário: o sistema
penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão somente a classe pobre
da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que
conhecemos apenas confirmam a regra.

2 Idem.
3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1.
4 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas – O sistema penal em
questão. Niterói: Luan, 1997. p. 69.
103
Revista Jurídica 451
Doutrina Penal
Maio/2015

E isto ocorre porque, via de regra, a falta de condições mínimas de


vida (como, por exemplo, a falta de comida), leva o homem ao desespero e
ao caminho do crime, como também o levam à doença, à fome e à ausência
de educação na infância. Assim, aquele que foi privado durante toda a sua
vida (principalmente no seu início) dessas mínimas condições estaria mais
propenso ao cometimento do delito, pelo simples fato de não haver para ele
qualquer outra opção; há exceções, é verdade, porém estas, de tão poucas,
apenas confirmam a regra.
Aliás, a esse respeito, há uma opinião bastante interessante de Maria
Lúcia Karam, segundo a qual “hoje, como há 200 anos, mantém-se pertinen-
te a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos
básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso País, estariam
obrigados a respeitar as leis”5.
De forma que esse quadro socioeconômico existente no Brasil, reve-
lador de inúmeras injustiças sociais, leva a muitos outros questionamentos,
como, por exemplo: para que serve o nosso sistema penal? A quem são diri-
gidos os sistemas repressivo e punitivo brasileiros? E o sistema penitenciário
é administrado para quem? E, por fim, a segurança pública é, efetivamente,
apenas um caso de polícia?
Ao longo dos anos, a ineficiência da pena de prisão na tutela da segu-
rança pública se mostrou de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer
contestação a respeito. Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais pura-
mente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis
de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma,
a lei de combate ao crime organizado etc., sempre para satisfazer a opinião
pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se
atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constituciona-
lidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão.
Assim, por exemplo, ao comentar a lei dos crimes hediondos, Alberto
Silva Franco afirma que ela,
na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Mo-
vimento da Lei e da Ordem, deu suporte à idéia de que leis de extrema

5 KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Rio de Janeiro: Luan, 1991. p. 177.
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Revista Jurídica 451
Doutrina Penal
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severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro
à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.6

Querer, portanto, que a aplicação da pena de privação da liberdade de


adolescentes de 16 anos resolva a questão da segurança pública é desconhe-
cer as raízes da criminalidade, pois de nada adiantam leis severas, criminali-
zação excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis... Vale a
pena citar o grande advogado Evandro Lins e Silva, que diz: “Muitos acham
que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não
tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Pe-
nal antes de infringi-lo”7. O mesmo jurista, Ministro aposentado do STF, em
outra oportunidade afirmou:
Precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que
serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infra-
tor [...]. Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque
fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los.

A miséria econômica e cultural em que vivemos é, sem dúvida, a res-


ponsável por este alto índice de violência existente hoje em nossa sociedade;
tal fato se mostra mais evidente (e mais chocante) quando se constata o nú-
mero impressionante de crianças e adolescentes infratores que já convivem,
desde cedo e lado a lado, com um sistema de vida diferenciado de qualquer
parâmetro de dignidade, iniciando-se logo na marginalidade, na dependên-
cia de drogas lícitas e ilícitas, na degenerescência moral, no absoluto despre-
zo pela vida humana (inclusive pela própria), no ódio e na revolta. Para Vico
Mañas, é preciso
despertar a atenção para a relevante questão do adolescente infrator, cons-
cientes de que, enquanto não se estabelecer eficaz e efetiva política pública
de enfrentamento dos problemas verificados nessa área, será inútil conti-
nuar punindo a população adulta, como também continuará sendo inútil,
para os juristas, a construção de seus belos sistemas teóricos.8

6 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
p. 97.
7 Ciência Jurídica – Fatos. n. 20, maio 1996.
8 O Judiciário e a Comunidade – Prós e contras das medidas sócio-educativas em meio aberto.
São Paulo: Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim,
2000. p. 10.
105
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Doutrina Penal
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Tenho repetido, cotidianamente, que a nossa realidade carcerária é


preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados,
recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou conde-
nados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, mi-
lhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de
ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos,
de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para
a sociedade (por meio da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes,
torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de
tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado9.
Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira
deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do
descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas
alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este
homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime,
ao cárcere (só não volta se morrer). Imagine um adolescente de 16 anos?
Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira:
Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece
de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto,
prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e
humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação.
(Folha de S. Paulo, 06.06.2005)

O Professor de Sociologia da Universidade de Oslo, Thomas Mathiesen


avalia que
se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como
as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se
elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa
por produzir pessoas mais perigosas –, um clima para o desmantelamento
das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em

9 Em manifesto aprovado pela unanimidade dos presentes ao VIII Encontro Nacional de


Secretários de Justiça, realizado nos dias 17 e 18 de junho de 1991, em Brasília, foi dito
que havia no Brasil, segundo o Ministério da Justiça, milhares de mandados de prisão
aguardando cumprimento, e que as prisões, em todos os Estados da Federação, estavam
superlotadas, o que comprometia o tratamento do apenado e pavimentava o caminho
para a reincidência (LEAL, César Barros. Prisão – Crepúsculo de uma era. Belo Horizonte:
Del Rey, 1998. p. 55).
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Doutrina Penal
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contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação


fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser “sentida” em
direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa
definição cultural sobre a situação.10

A propósito do tema, veja-se que lição ímpar de Paulo Sérgio Leite


Fernandes:
Em suma, reduziu-se a idade em que a criatura, normativamente, apresen-
ta condições adequadas à plenitude da capacidade de entender o caráter
criminoso de uma ou outra conduta, determinando-se de acordo com tal
entendimento, assemelhadamente à verificação da sanidade mental, em
que são usadas preferencialmente tais conotações. O Código de Processo
Penal, denotando tal tendência, já foi recentemente modificado no art. 194,
extirpando-se a exigência de curador a menor com idade situada entre 18 e
21 anos. A lei atinente a tal modificação foi sancionada pelo presidente me-
talúrgico, assinando-a também o Ministro Márcio Thomaz Bastos. Parado-
xalmente, ou com suma negligência, esqueceu-se o legislador de examinar
a lei processual penal como um todo. Aquilo é imitação da vida. Espeta-
-se um prego no dedão do pé enquanto infante, a mãe deixa de praticar
assepsia adequada e o cirurgião precisa extirpar a perna, cinquenta anos
depois. Tocante a tais considerações, é bom dizer que o cronista, com todos
os títulos que tem no baú, se transformou numa espécie de processualista
maldito, porque nenhum doutrinador clássico há de usar tal exemplo num
rotundo rodapé (v. Pitigrilli, O experimento de Pott). Mas é assim: o escriba
se cansou de falar difícil. Poderia utilizar muitos brocardos latinos, porque
estudou em “Colégio de Padre”, lembrando-se ainda das declinações, sem
exceção de “Ego, Mei, Mihi, Me, Me”. Não vale a pena. É preciso bem fixar,
entretanto, que “caxumba”, linguagem de tia velha, é sinônimo de “paroti-
dite”, termo que os leigos não conhecem. Daí, os comentários ficam brutos,
rústicos, básicos, porque o povo precisa conhecer o que está acontecendo,
sem rebuscamentos assemelhados às tentativas de se entender, ainda hoje,
a receita posta em garranchos pelo médico, depois da consulta. Volte-se à
maioridade penal: há país de língua inglesa processando criminalmente
menor com dez anos de idade. No Brasil, somos até razoáveis. Na medida
em que o Código Civil modificou critérios atinentes à capacidade plena, a
legislação criminal o acompanha. Acontece que a lei nova veio manquito-
la, pois não se atentou para o art. 564, III, c, do Código de Processo Penal,

10 Conversações abolicionistas – Uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva. São


Paulo: IBCCrim, 1997. p. 275.
107
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Doutrina Penal
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considerando nulidade a não nomeação de curador a menor com idade


posta entre 18 e 21 anos, embora até nisso, na origem, o dispositivo esteja
mal posto, porque menor de 21 anos, sem especificação outra, pode ser a
criatura com seis meses de idade. Parta-se para o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Tem-se o menor até 18 anos na qualidade citada. Dos 18 aos
21, excepcionalmente, o ECA ainda se aplica (art. 2º, parágrafo único). In-
valida-se somente o art. 194 já mencionado, deixando ao intérprete a difícil
tarefa da extensão. É bem verdade não se usar mais advertência “revogam-
-se as disposições em contrário”. Melhor seria, entretanto, a limpeza do
remanescente. Finalize-se com consideração de caráter científico. António
Damásio, um dos maiores neurologistas que o mundo tem, profundo es-
tudioso do cérebro humano, acentua que até os 20 anos o ser humano não
exibe seus sistemas plenamente desenvolvidos, sem exceção dos 85 bilhões
de neurônios que carregamos dentro da cabeça. Já se percebe, na simples
e primária análise da alteração legislativa posta em vigor, o embrulho re-
sultante do açodamento. Será caso, quem sabe, de importação da jurispru-
dência posta a viger nos Estados Unidos da América do Norte. Aqui, vale
o brocardo: “Quem pariu Mateus, que o crie”. (Revista Consultor Jurídico)

Vale a pena citar, mais uma vez, Lins e Silva, pela autoridade de quem,
ao longo de mais de 60 anos de profissão, sempre dignificou a advocacia cri-
minal brasileira e a magistratura nacional; diz ele: “A prisão avilta, degrada e
nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que,
no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000
criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão”11.
Ademais, as condições atuais do cárcere, especialmente na América
Latina, fazem com que, a partir da ociosidade em que vivem os detentos,
estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um
sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade
física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insuscep-
tível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem.
Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, em obra clássica, já afir­
mava:
Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos cri-
mes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no es-

11 Idem.
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pírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente,


menos cruel no organismo do culpado.12

No Boletim nº 259, junho de 2014, do Instituto Brasileiro de Ciências


Criminais, Maíra Cardoso Zapater, Doutora em Direitos Humanos pela Fa-
culdade de Direito da Universidade de São Paulo, escreveu:
A cada ocorrência pontual de crimes violentos supostamente praticados
por adolescentes ressurgem os defensores da redução da idade penal, ar-
guindo-se a brutalidade das condutas para justificar o “tratamento diferen-
ciado” para estes casos “excepcionais”. Um dos argumentos centrais sobre
o qual se apoiam os defensores do rebaixamento da idade penal pode ser
sintetizado na seguinte assertiva: “As crianças e adolescentes do mundo de
hoje têm muito mais acesso a muito mais informação, e por isso sabem o
que fazem. Quando praticam um crime, sabem que estão fazendo algo er-
rado. Portanto, devem responder como adultos”. Este argumento central
pode ser dividido em duas ideias: (i) Que crianças e adolescentes de hoje
disporiam de um repertório pessoal amplo o suficiente para discernir con-
dutas “certas” e “erradas”, “boas” e “más”. Como fatores de formação des-
te repertório pessoal, apontam-se comumente os dados disponibilizados
pelas tecnologias de informação (Internet, redes sociais, televisão etc.) e a
chamada “liberalização dos costumes”, sobretudo no que diz respeito à
moral sexual. Abundam argumentos no sentido de afirmar uma suposta
“frouxidão de valores”, ou ainda uma “confusão entre liberdade e liberti-
nagem”, que, imagina-se, traria aos jovens da atualidade mais elementos
para decidir por esta ou aquela conduta, tornando mais reprovável a opção
pela conduta criminosa. (ii) Por consequência, se esses jovens dispõem de
tantas informações para livremente decidir, e ainda abusam de sua liberda-
de individual violando direitos de outrem, suas escolhas em praticar ou
não um crime devem ser equiparadas àquelas feitas pelos adultos, e se tais
escolhas lesionarem um bem jurídico de extremo valor (que, em tese, são os
bens jurídicos objetos de tutela penal), devem responder como um adulto
que fez o mesmo tipo de escolha. A este argumento, costuma-se acrescen-
tar que os adolescentes, por não responderem “por nada”, são frequente-
mente utilizados para encobrir crimes praticados por adultos. Indaga-se:
está correta esta dedução acerca do grau de maturidade desses jovens? E,
sendo correta a dedução, é lógica a conclusão de ser justo e útil fazer com
que respondam como adultos por seus crimes? “O jovem de ontem” e “o

12 Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1983. p. 43.


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jovem de hoje”: um mito sem lógica. A ideia segundo a qual “o jovem de


hoje sabe o que faz” procura se justificar, em grande medida, pela dissemi-
nação de novos meios de comunicação, tal como a expansão do acesso à
televisão aberta e paga, e a internet com suas redes sociais e seu conteúdo
quase infinito. É fácil verificar, porém, que “informação” não é equivalente
a “formação”. E mesmo “formação” não necessariamente acarreta maturi-
dade de quem a tem. Coloca-se aqui a seguinte provocação: seria o jovem
de hoje realmente mais “maduro” e menos “inocente” que esse mítico “jo-
vem do passado”? Não são poucas as estatísticas que mostram que a idade
dos casamentos(1) e da entrada no mercado de trabalho(2), tradicionais
indicadores de autonomia individual, vem ocorrendo em idade posterior
ao limite etário legal para a adolescência. “Maturidade” e “discernimento”
costumam ser predicados de indivíduos que vivem de forma autônoma e
independente. Por outro lado, reforçar que a “liberação dos costumes
sexuais” justificaria um “melhor saber” da infância e da juventude atuais é
o mesmo argumento que serve aos interesses de quem defende a redução
do limite etário para se considerar uma criança vulnerável para fins de ca-
racterizar crimes sexuais. Não se pretende defender a elevação da idade
para imputabilidade penal, e menos ainda redução da idade para configu-
ração dos crimes sexuais praticados contra vulneráveis, mas sim demons-
trar a fragilidade do argumento que vincula de forma simplista e imediata
a aquisição de maturidade e discernimento à existência de sítios eletrônicos
de busca ao alcance dos dedos de quem tem acesso a um computador com
Internet. Justamente para se evitar um debate raso (e por isso mesmo peri-
goso) sobre a maturidade e capacidade de argumentação dos jovens, é pru-
dente deixar seu aprofundamento aos estudiosos do tema nas áreas da psi-
cologia, pedagogia e sociologia, sem deixar, contudo, de fornecer aqui al-
guns elementos para a reflexão. Mas, para os fins deste trabalho, é mais
produtivo adentrar a questão da segunda ideia que compõe o argumento
anterior, segundo o qual se os jovens “sabem o que estão fazendo”, portan-
to “devem ser punidos como adultos”. A constatação de o adolescente “sa-
ber o que faz” parece justificar de per si que sua punição seja igual à do
adulto. Vale arriscar aqui uma análise a tal respeito, propondo-se duas pos-
sibilidades para justificar a assertiva: a primeira seria a vingança, ou a sim-
ples retribuição do mal pelo mal. Já que a punição do adulto seria – ao
menos, em tese – mais severa, então que se aplique à criança ou ao adoles-
cente a retribuição na medida da severidade do ato por ele praticado. A
segunda seria a prevenção, ou seja, a crença no poder dissuasivo exercido
pelo temor da gravidade da sanção imposta. Todavia, diante dessas duas
explicações possíveis para o argumento que defende a punição de crianças
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e adolescentes como adultos, deve-se questionar: com que finalidade se


pretende aplicar uma sanção que cause um sofrimento maior ao autor de
um delito? Viver em uma sociedade que sofre menos crimes? Ou que casti-
ga mais os criminosos? Quais são as evidências empíricas a demonstrar
que a possibilidade de envio de uma pessoa para o cárcere – cujas condi-
ções de extremo sofrimento são mais que conhecidas – torna os “potenciais
criminosos” menos propensos a delinquir, ou fortalece o sentimento de
segurança dos “cidadãos de bem”? Afirmar que “se o adolescente sabe o
que faz, deve ser punido com severidade” é retórica vazia e que não se
sustenta por si só. Redução da idade penal: medida antijurídica, inútil e
socialmente injusta. Mas não é só: além de ser vazia em argumentos, a pro-
posta de redução da idade penal é antijurídica, é inútil e é socialmente in-
justa. É uma proposta antijurídica: a vedação à redução da idade penal
decorre da inafastável interpretação do art. 228 da CF – em que se prevê o
limite etário de 18 anos para início da responsabilização criminal – como
um desdobramento do direito à igualdade, conferindo-lhe natureza de
cláusula pétrea. O frágil argumento de que a posição topográfica do
art. 228 da CF impediria de considerá-lo como direito fundamental não
resiste a uma singela interpretação sistemática do texto constitucional: a
criança e o adolescente são seres em fase de formação e desenvolvimento,
e, por isso, diferentes dos adultos. A ampliação do acesso a informações e a
meios de comunicação não acarreta de maneira causal uma maturidade e
uma capacidade de discernimento equiparada à de adultos, principalmen-
te para fins penais: crianças e adolescentes têm a informação objetiva de
quais condutas são certas ou erradas, mas ainda não concluíram sua forma-
ção subjetiva de forma amadurecida que os torne capaz de avaliar, de fato,
a extensão das consequências de seus atos. Por outro lado, o fato de serem
indivíduos em processo de formação os torna mais aptos a processos peda-
gógicos ressocializadores. O princípio da isonomia, que informa o direito à
igualdade, não se satisfaz com a mera igualdade formal perante a lei, mas
exige que se dê tratamento desigual aos desiguais. E, vale lembrar, o Brasil
é signatário da Convenção dos Direitos da Criança, que, sendo pacto inter-
nacional sobre Direitos Humanos, deve ser interpretado como norma de
hierarquia constitucional. Alterar a norma contida no art. 228 da CF confi-
guraria, dessa forma, flagrante inconstitucionalidade. É uma proposta inú-
til: a função preventiva da pena jamais mostrou qualquer resultado em re-
lação aos acusados adultos. Quanto ao argumento de que os adolescentes
são instrumentalizados por adultos, que os utilizam para a prática de deli-
tos por acreditarem na impunidade das pessoas com menos de 18 anos, é
importante ressaltar a existência de problemas notoriamente graves nas
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investigações policiais, que recorrentemente se satisfazem com uma confis-


são – seja da verdade ou não. Além disso, tanto a situação de um adoles-
cente praticar um crime ou assumir falsamente a autoria de um crime pra-
ticado por um adulto são situações que já encontram previsão de punição
criminal no ordenamento jurídico e não há por que pensar que punir o
adolescente da mesma forma que o adulto iria evitar o fato já não evitado
pela punição atual. Ademais, deve-se frisar que nada impediria que adul-
tos continuassem a aliciar adolescentes e crianças mais novas para que res-
pondessem por seus crimes, a enfraquecer ainda mais o argumento. É uma
proposta socialmente injusta: punir adolescentes como se pune (mal) os
adultos somente fará estender a essa parcela da população a seletividade
social e econômica característica do sistema penal. Em pesquisa a respeito
de adolescentes em cumprimento de medida de internação, Vania Fernan-
des e Silva traça uma aprofundada análise acerca do tema à luz da crimino-
logia crítica e observa que “não representa nenhuma heresia dizer que a
delimitação do que é considerado delito é feita pela classe que detém o
poder de definir o que é crime, e consequentemente, quem é o criminoso”.
(3) A criminologia contribui para o debate ao propor reflexões que de-
monstram que conceitos como “crime” e “criminoso” flutuam no tempo,
na história e na cultura. Nas palavras da autora: “[...] a criminologia crítica
contribui para o entendimento, porém não aceitação, da rotulação e, conse-
quente estigmatização do jovem das classes populares como ‘delinquen-
tes’, ‘desviados’, ‘anormais’, ‘perigosos’, uma vez que é sabido que não são
todos os jovens, principalmente aqueles que pertencem às classes economi-
camente privilegiadas, que cumprem uma medida socioeducativa de inter-
nação”.(4) Assim, alargar as fronteiras do “público elegível” para a puni-
ção penal corresponderá a incluir mais pessoas na exclusão extrema do
sistema de encarceramento, o que é também inconstitucional em face dos
fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e
III, da CF) e dos objetivos propostos nos incisos I e III do art. 3º da CF, quais
sejam, de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regio-
nais”. Reduzir a idade penal não irá solucionar o problema da violência
urbana e criará outros, tais como o aumento da população carcerária e a
submissão de adolescentes já estigmatizados ao convívio com criminosos.
Aponta-se uma “solução” ilícita, inútil e injusta para um problema que se-
quer se sabe ao certo qual é, pois não há consenso sobre os múltiplos fato-
res que levam o jovem a delinquir, ou a representatividade dos atos infra-
cionais no universo de crimes praticados, e menos ainda se explorou toda
a potencialidade da doutrina da proteção integral que informa o ECA. Ain-
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da que propostas extremamente punitivas encontrem amplo apoio popular


deve-se fortalecer a consciência de que o objetivo comum a todos – mesmo
que muitos não tenham se dado conta – não é o de viver em uma sociedade
mais punitiva, mas sim menos violenta e mais justa.

Por sua vez, Marat, em obra editada em Paris no ano de 1790, já adver-
tia que:
Es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su
imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar ator-
mentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión
favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la
tentación.13

A propósito, em 2012, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu


que era inconstitucional a lei que impunha sentença automática de prisão
perpétua para crianças e adolescentes, uma vez considerados culpados de
um crime. Mas a decisão foi incompleta. A corte não definiu se a decisão
era retroativa ou não. Por isso, dia 12 de dezembro de 2014, aceitou julgar
um caso em que deverá tomar uma decisão definitiva sobre isso. Depois da
decisão (Miller versus Alabama), tribunais em 13 estados examinaram casos
de condenações de menores, mas tomaram decisões contrárias. Em nove
estados, as Cortes decidiram que a decisão da Suprema Corte era retroati-
va, enquanto que, em quatro estados (Louisiana, Pensilvânia, Michigan e
Minnesota), decidiram que não é, segundo o New York Times, Washington Post
e outras publicações. Se a Suprema Corte decidir que a decisão de 2012 é
retroativa, mais de dois mil prisioneiros, que foram condenados quando ti-
nham menos de 18 anos, serão beneficiados. Isso não significa que irão auto-
maticamente para as ruas. Em vez disso, seus casos voltarão a ser julgados
por tribunais inferiores. A antiga lei foi considerada inconstitucional porque
a aplicação automática da sentença de prisão perpétua violava uma emenda
constitucional que proíbe “punição cruel e incomum”. Uma razão disso é
que a lei não permitia ao tribunal do júri levar em conta, no caso de crianças e
adolescentes, quaisquer atenuantes ou circunstâncias que pudessem resultar
em redução de pena – benefício que é normalmente examinado em julga-
mentos de adultos. Na decisão, que foi tomada por 5 a 4 votos, a Ministra
Elena Kagan escreveu, em nome da maioria, que as crianças e adolescentes

13 MARAT, Jean Paul. Plan de legislación criminal. Buenos Aires: Hamurabi, 2000. p. 78
(tradução espanhola do original Plan de Legislation Criminelle, Paris, 1790).
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são “constitucionalmente diferentes” dos adultos. Por isso, devem ser trata-
dos diferentemente para se beneficiarem, não para serem prejudicados. Ela
citou características peculiares da infância e da juventude, como “imaturida-
de, impetuosidade, e dificuldade de avaliar riscos e consequências”. Segundo
o voto vencedor, os tribunais até podem considerar penas de prisão perpétua,
mas somente depois de considerar as circunstâncias e os atenuantes do caso.
“De qualquer forma, uma pena de prisão perpétua para um menor não deixa
de ser cruel e incomum”, diz o voto. Talvez esse seja o caso que a Suprema
Corte vai examinar agora, no processo Toca versus Lousiana. O americano
George Toca, que já passou 30 anos na cadeia, foi preso quando seu melhor
amigo foi atingido por um tiro disparado acidentalmente e morreu. Os dois
e mais um amigo realizavam um assalto armado quando a arma disparou
acidentalmente. No julgamento, o outro amigo testemunhou que a arma
disparada era de Toca, que negou, mas não convenceu os jurados. O caso
aconteceu em Louisiana, um dos estados que não aceitam a retroatividade da
decisão da Suprema Corte e Toca permaneceu preso. Na prisão, ele se tornou
bacharel em Direito, está pronto para fazer o exame de ordem e seu pedido
de novo julgamento, se a decisão da Suprema Corte for favorável, terá um
apoio pouco comum: o da família da vítima, que não acredita em sua culpa.
Se tiver um novo julgamento, o tribunal de júri terá de levar em conta outra
recomendação da Suprema Corte na decisão de 2012: o tribunal do júri deve
considerar “a família e o ambiente que circunda o adolescente, dos quais ele
não pode se livrar, por mais que sejam brutais ou disfuncionais”. A tendên-
cia é que a Suprema Corte considere sua decisão de 2012 retroativa, porque
já manteve decisões nesse sentido de tribunais de Nebraska e Illinois. Mas é
provável que a Corte só irá fazer a primeira audiência para discutir o caso
em março de 2015 e tomar uma decisão em junho (Fonte: Revista Consultor Ju-
rídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-15/eua-rever-
-decisao-prisao-perpetua-menores>. Acesso em: 15 dez. 2014, às 10h20min).
Para concluir, vejamos, a propósito, a lição de Érica Babini do Machado
(Doutora em Direito Penal pela Universidade Federal de Pernambuco e Profes-
sora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco
e da Universidade de Pernambuco) e Marília Montenegro de Mello (Doutora
em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Federal de Santa Catari-
na e Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Católica de
Pernambuco e da Universidade Federal de Pernambuco), em artigo intitulado
“Nas ruas, o eco à redução da violência estatal perpassa necessariamente o
apoio à não redução da idade penal”:
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Resta claro que os direitos fundamentais não necessitam do consentimento


da maioria da população, devendo ser garantidos sempre. Não valendo,
portanto, o argumento de que a maioria da população é a favor do rebaixa-
mento da menoridade penal. “Ninguna mayoría, se ha dicho, puede decidir la
supresión de un inocente o la privación de los derechos fundamentales de un indi-
viduo o un grupo minoritario; y tampoco puede dejar de decidir las medidas nece-
sarias para que a un ciudadano le sea asegurada la subsistencia y la supervivencia.
En suma, el principio de la democracia política, relativo a quién decide, se encuen-
tra subordinado a los principios de la democracia social relativos a qué no es lícito
decidir y a qué es lícito dejar de decidir” (Ferrajoli, 1997, p. 865). A relação entre
a democracia e os direitos humanos não pode restringir-se apenas aos di-
reitos políticos, mas deve atingir também os direitos econômicos, sociais e
culturais, razão pela qual não pode reduzir-se à realização de eleições: “A
construção de uma democracia real e o fortalecimento do Estado de Direito
hão de dar-se à luz da interrelação ou indivisibilidade de todos os direitos
humanos” (Cançado Trindade, 1993, p. 211). Então, para que haja uma exi-
gência dos direitos humanos é necessária a existência de um Estado Demo-
crático de Direito, em que “derechos fundamentales y democracia, a pesar de
todas las tensiones, entren en una inseparable asociación” (Alexy, 1995, p. 136).
É com base nessas considerações e na tentativa de produzir conhecimento
a partir de informações que se pretende munir a população de informações
a respeito da PEC 33/2011 que visa reduzir a idade penal para 16 anos e do
Projeto de Decreto Legislativo do Senado nº 539/2012, que tem como obje-
to a convocação de Plebiscito para consulta dos eleitores no primeiro turno
das eleições de 2014 sobre a alteração da maioridade penal. Vejamos: a) O
adolescente é um ser em desenvolvimento da sua personalidade. Extrema-
mente informado, cada vez mais cedo depara com uma gama de escolhas e
decisões a tomar. No entanto, informação não se confunde com maturida-
de, ponderação de consequências ante as escolhas. Os adolescentes são im-
pulsivos, subestimam riscos, suscetíveis ao stress, são mais instáveis no
sentido de controlar suas emoções. Desse modo, as decisões contam apenas
com os efeitos a curto prazo, sem mencionar a necessidade de condutas
específicas para integração, num movimento de pertencimento (Mercurio,
2010). Os jovens parecem procurar uma obtenção de prestígio e saliência
social, as quais passam a ser alcançadas por condutas de riscos, justificadas
como a busca de novas experiências de prazer e emoção. Afirma-se que
“sem rebeldia e sem contestações não há adolescência normal” (Osório,
1992). Por isso é viável afirmar que a normalidade da adolescência é contes-
tadora, arredia, desbravadora e ousada, razão pela qual a adolescência é
infratora (e isto é um pleonasmo!); no entanto, o que se costuma afirmar é
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que somente alguns o são. Na verdade, nem toda transgressão é delinquên-


cia, razão pela qual este status (delinquente), além de transitório, não está
incorporado na estrutura cognitivo-emocional; até porque com o amadure-
cimento dos adolescentes, pequenas infrações são deixadas de lado, ao pas-
sar por uma fase chamada peack-age (Albrecht, 1990), sem necessidade de
cerco punitivo. b) A Convenção dos Direitos da Criança de 1989 é um mar-
co de superação do paradigma tutelar, quando “menores” eram objeto e
não sujeitos de direito. À CDC somam-se vários outros documentos que se
convencionou denominar Doutrina das Nações Unidas de Proteção Inte-
gral à Criança, os quais têm por fundamentos os valores em Direitos Hu-
manos. O Brasil é pioneiro na América Latina em aderir à Convenção, por
meio do Decreto nº 99.710/1990, de modo que crianças e adolescentes têm
direitos e garantias fundamentais atribuídos a qualquer cidadão brasileiro.
Pela primeira vez na história das constituições, o Brasil prevê dois artigos
específicos (227 e 228) sobre a temática, neste último estabelece a idade
penal aos 18 anos, adequando-se às recomendações internacionais. c) A
definição de uma idade penal deriva da condição da personalidade infan-
tojuvenil, que está em processo de desenvolvimento, garantindo esse de-
senvolvimento sadio e paulatino. Ou seja, inimputabilidade, que não se
confunde com irresponsabilidade, torna-se um direito fundamental
(Sposato, 2009), razão pela qual é cláusula pétrea e impassível de modifica-
ção, tal como define o art. 60, § 4º, IV, da CF. Aliás, o estabelecimento de
uma idade mínima para início da responsabilização atende a instruções
das Regras de Beijing (item 4.1). d) Desse modo, não pode haver alteração da
idade penal, nem mesmo mediante plebiscito. Somente uma nova Constituinte po-
deria alterar o direito à inimputabilidade. Outrossim, vigora no Brasil o princípio
da proibição do retrocesso (Silva, 2010), segundo o qual a sociedade não pode aban-
donar conquistas históricas e sociais, especialmente as positivadas na Constituição.
Para além, considerando ser o Brasil signatário daqueles documentos internacio-
nais, prévios à EC 45, e sendo fundados em direitos humanos, aqueles têm nature-
za supralegal, dado o julgamento dos RE 466.343/SP e RE 349.703 do STF. Ou
seja, os ditos tratados internacionais situam-se entre as normas constitucionais e a
legislação infraconstitucional, de modo que não podem afrontar/revogar os disposi-
tivos da Carta Magna, porém, têm o condão de paralisar os conteúdos normativos
expressos nas legislações infraconstitucionais que com eles sejam conflitantes. e) A
pretensão social de redução da idade penal decorre de um falso conheci-
mento da realidade da infância e juventude brasileiras, seja porque a alta
criminalidade não é praticada por adolescentes, seja porque os atos infra-
cionais não são graves. Segundo o IBGE de 24.461.666 de adolescentes no
Brasil, apenas 0,1425% representa a população dos que se encontram em
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conflito com a lei, o que em números absolutos significa 34.870; bem dife-
rente do que passa a mídia, no seu contexto de alarme social. Além disso, a
maioria dos atos infracionais são roubo, tráfico de entorpecentes, homicí-
dio. Outros delitos com proporções muito menores (CNJ, 2011). f) Há um
mito da impunidade. Os adolescentes em conflito com a lei são devidamen-
te responsabilizados por seus atos infracionais, e na maioria das vezes mais
do que os adultos. A afirmativa decorre do desconhecimento jurídico e da
realidade das medidas socioeducativas, que são muito assemelhadas às pe-
nas estabelecidas na legislação penal. As condições de internação são de
superlotação. Para registrar, em Pernambuco, existem 12 unidades de in-
ternação, com o total de 737 vagas, mas com 13.719 internos, o que significa
um déficit de 12.982 vagas. No que tange ao encaminhamento dos proces-
sos no Judiciário é comum se perceber internações desprovidas de funda-
mento legal, como é o caso da prática de tráfico de entorpecente (inclusive
o STJ promulgou a Súmula nº 492 proibindo tal hipótese) em clara violação
ao princípio da legalidade, mas eufemisticamente justificado pelo caráter
pedagógico da medida. g) A crença popular de que a lei penal é capaz de
promover defesa social ampara-se na promessa de prevenção geral, a qual,
porém, inexiste. Tal assertiva pode ser percebida no âmbito dos adultos
com comparação entre os dados carcerários e a produção legislativa em
matéria penal desde a década de 1990. Ou seja, o efeito simbólico da lei
penal de intimidação não funciona. h) A sociedade desconhece a realidade
socioeconômica e o grau de vitimização da população infantojuvenil. Se-
gundo o IBGE em 2005 e 2006, o Brasil tinha 24.461.666 adolescentes entre
12 e 18 anos, entre os quais existem discrepantes diferenças sociais: há
maior pobreza nas famílias dos adolescentes não brancos do que nas de
brancos. Outrossim, mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassina-
dos no Brasil em 2010, ficando o país na quarta posição entre os 99 países
com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19
anos, um índice que cresce vertiginosamente ao longo dos anos (Waiselfisz,
2012, p. 47). Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas
de maus-tratos e agressões. Desse total de casos, 68% sofreram negligência,
49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência se-
xual e 8,60% exploração do trabalho infantil, conforme levantamento feito
entre janeiro e agosto de 2011 (Abrinq, 2012). Em 34 instituições brasileiras,
pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente e são eles vítimas de
homicídio. Como se percebe há uma extrema violência praticada por adul-
tos contra crianças e adolescentes pobres e negros, de modo que é possível
alegar que, se se argumenta que a criminalidade praticada por adolescen-
tes aumenta, esta assertiva é o atestado da incompetência estatal no que
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tange ao abandono. Porém, no espaço social alarmado e amedrontado, é


politicamente mais eleitoreiro falar em soluções simplistas de segurança
pública, em vez de cuidar da infância pobre e vitimizada brasileira. Ou
seja, a penalização dos problemas sociais é a política de pão e circo do po-
der público ante a sociedade desinformada e acrítica. i) O reflexo das desi-
gualdades sociais e do desinteresse governamental pela infância e juventu-
de pobre e marginalizada é refletido nos espaços institucionalizados das
medidas socioeducativas. Em 2002 (Paiva) já verificava que os adolescentes
submetidos às medidas socioeducativas eram 90% do sexo masculino; com
idade entre 16 e 18 anos (76%); da raça negra (mais de 60%); não frequenta-
vam a escola (51%), não trabalhavam (49%) e viviam com a família (81%)
quando praticaram o delito. Não concluíram o ensino fundamental (quase
50%); eram usuários de drogas (85,6%). Recentemente, verificou-se que
esse quadro não sofreu modificações (Ministério da Justiça, 2010). Portan-
to, o que se verifica é que a desigualdade social entre adolescentes na po-
pulação brasileira é reproduzida no âmbito dos adolescentes ditos infrato-
res, sendo fácil compreender que os problemas sociais são resolvidos no
espaço da institucionalização, de modo que é possível perceber que a pro-
posta de redução da idade penal é uma forma simplista de retardar/des-
virtuar a responsabilidade estatal e da sociedade civil organizada de inclu-
são social e resgate cidadão da infância marginalizada. j) Não obstante todas
essas questões, nada adianta a transferência do adolescente para o sistema carcerá-
rio com déficit de 84,9% de vagas (Ministério da Justiça, 2012). Sem levar em
conta a cultura violenta e criminógena do cárcere, a qual se instalará fortemente
nos adolescentes, visto estarem os estes em desenvolvimento da sua personalidade.
Enfim, todos esses argumentos são levantados no sentido de alertar a população de
que a demanda nas ruas, entre outras, de redução da violência estatal, perpassa
necessariamente a diminuição da violência do Estado perante a adolescência mar-
ginalizada, e que a defesa da redução da idade penal, contrariamente ao que se rei-
vindica, é uma carta de alforria para o Estado continuar violentando adolescentes
pobres, desconhecidos das políticas públicas, mas perseguidos pelos mecanismos de
segurança pública. Nesse momento, os sentimentos da população são de emotivida-
de e, associados com o desconhecimento da realidade e de consequências a longo
prazo, esta termina por agir muito mais na pauta dos instintos. Isso porém não
pode afetar a racionalidade que justifica a existência de poderes públicos para a
governança cujo dever é garantir a essência que une e sustenta a democracia a
Dignidade da Pessoa Humana. (grifamos)

Essas palavras tomo-as como a minha conclusão.

118
Jurisprudência
Cível
stf
S upremo T ribunal F ederal

28.04.2015 Segunda Turma


AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 874.940 Rio de Janeiro
Relatora: Min. Cármen Lúcia
Agte.(s): Colégio Santo Agostinho
Adv.(a/s): Danilo Sahione e outro(a/s)
Agdo.(a/s): Antonio Carlos Santos de Souza
Adv.(a/s): Luiz Felipe Rodrigues de Carvalho

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – DIREITO
AUTORAL – REPRODUÇÃO DE OBRA SEM
AUTORIZAÇÃO DO AUTOR – INDENIZAÇÃO –
IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E DA
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL – SÚMULA
Nº 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AGRAVO
REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros


do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Ministro Teori Zavascki, na conformidade da ata de julgamento e das notas


taquigráficas, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto da Relatora.
Brasília, 28 de abril de 2015.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

RELATÓRIO

A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):


1. Em 01.04.2015, neguei seguimento ao agravo nos autos do recurso
extraordinário interposto por Colégio Santo Agostinho contra julgado do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o qual manteve a indenização por des-
respeito a direitos autorais fixada na sentença. A decisão agravada teve a
seguinte fundamentação:
“5. Razão jurídica não assiste ao Agravante.

6. A alegação de nulidade do acórdão por contrariedade ao art. 93, inc. IX,


da Constituição da República não pode prosperar. Embora em sentido con-
trário à pretensão do Agravante, o acórdão recorrido apresentou suficiente
fundamentação. Firmou-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal:

‘O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fun-
damentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das ques-
tões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, cor-
retamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão,
está satisfeita a exigência constitucional’ (RE 140.370, Relator o Ministro
Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 21.05.1993).

7. O Tribunal de Justiça assentou:

‘Indiscutivelmente a prova pericial foi fundamental para compreensão


e decisão do litígio.

Como se pode ver do laudo pericial, não restou dúvida quanto à cir-
cunstância de ter sido plagiado o trabalho intelectual do Autor, na con-
fecção da apostila e no subsequentemente aproveitamento pelo primei-
ro, como estabelecimento de ensino, e pelos demais Réus como profes-
sores do mesmo.
120
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Ficou demonstrado à saciedade que os textos redigidos pelo Autor têm


forma e estilo próprios e que se ajustam à hipótese prevista no art. 102
da Lei nº 9.610/1998.
[...]
O valor da indenização foi arbitrado com fundamento no parágrafo
único do art. 103 da Lei nº 9.610/1998 e não comporta qualquer redu-
ção, como pretendem os Apelantes, e pode mesmo, atendendo-se às
peculiaridades do caso, ser considerado módico’ (fls. 141-142, doc. 7).
A pretensão recursal do Agravante exigiria análise do conjunto probatório
constante dos autos, procedimento incabível de ser adotado validamente
em recurso extraordinário, como se tem na Súmula nº 279 do Supremo Tri-
bunal Federal.
A apreciação do pleito recursal exigiria, ainda, a interpretação da legislação
infraconstitucional aplicável à espécie (Lei nº 9.610/1998). A alegada con-
trariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta,
o que inviabiliza o processamento do recurso extraordinário:
‘Agravo regimental no agravo de instrumento. Reprodução de obra
sem autorização do autor. Danos materiais. Indenização. Ofensa refle-
xa. Reexame de provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. Inadmissível,
em recurso extraordinário, o reexame da legislação infraconstitucio-
nal e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF.
2. Agravo regimental não provido’ (AI 857.526-AgR, Relator o Ministro
Dias Toffoli, 1ª T., DJe 03.05.2013).
‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO – CIVIL – DANOS MORAIS E MATERIAIS – MATÉRIA IN-
FRACONSTITUCIONAL – OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA
– IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 279
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO’ (ARE 745.380-AgR, de minha relato-
ria, 2ª T., DJe 30.08.2013).
‘AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – DILI-
GÊNCIA PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA – JULGAMENTO ANTE-
CIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFI-
GURADO – REEXAME DE PROVA – IMPOSSIBILIDADE – SÚM. 279/
STF – ACÓRDÃO FUNDAMENTADO – VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX,
DA CF – INOCORRÊNCIA – AGRAVO IMPROVIDO – I – O Supre-
mo Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de dili-
121
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

gência probatória, tida por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os
princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. II – Para se
chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, necessá-
rio seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos,
bem como o prévio exame de normas infraconstitucionais pertinentes
ao caso (Lei nº 9.610/1998), o que atrai a incidência da Súmula nº 279
do STF. Precedente. III - A exigência do art. 93, IX, da Constituição, não
impõe que seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se bus-
ca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu
convencimento. IV – Agravo regimental improvido’ (AI 786.434-AgR,
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª T., DJe 01.02.2011).
Nada há, pois, a prover quanto às alegações do Agravante.
8. Pelo exposto, nego seguimento ao agravo (art. 544, § 4º, inc. II, al. a, do
Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal).”

2. Publicada essa decisão no DJe de 09.04.2015, interpõe Colégio Santo


Agostinho, em 14.04.2015, tempestivamente, agravo regimental.
3. Sustenta o Agravante:
“Afirmar que o exame da matéria federal violada revolveria fatos e provas
é um despautério, pois estar-se-ia transferindo a nobre função normativa
ao Judiciário, que decidiria quando permitir a remessa aos Tribunais Su-
periores, ao fazer consignar ou não os preceitos legais reclamados pelas
partes nas decisões por ele prolatadas” (fl. 2, doc. 13).

Requer a reconsideração da decisão agravada ou o provimento do pre-


sente recurso.
É o relatório.

VOTO

A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):


1. Razão jurídica não assiste ao Agravante.
2. Como afirmado na decisão agravada, a alegação de nulidade do
acórdão por contrariedade ao art. 93, inc. IX, da Constituição da República
não pode prosperar. Embora em sentido contrário à pretensão do Agravante,
o acórdão recorrido apresentou suficiente fundamentação.
122
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Firmou-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal:


“O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fun-
damentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das ques-
tões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, cor-
retamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão,
está satisfeita a exigência constitucional” (RE 140.370, Relator o Ministro
Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 21.05.1993).

3. O Tribunal de Justiça assentou:


“Indiscutivelmente a prova pericial foi fundamental para compreensão e
decisão do litígio.
Como se pode ver do laudo pericial, não restou dúvida quanto à circuns-
tância de ter sido plagiado o trabalho intelectual do Autor, na confecção da
apostila e no subsequentemente aproveitamento pelo primeiro, como esta-
belecimento de ensino, e pelos demais Réus como professores do mesmo.
Ficou demonstrado à saciedade que os textos redigidos pelo Autor têm
forma e estilo próprios e que se ajustam à hipótese prevista no art. 102 da
Lei nº 9.610/1998.
[...]
O valor da indenização foi arbitrado com fundamento no parágrafo único
do art. 103 da Lei nº 9.610/1998 e não comporta qualquer redução, como
pretendem os Apelantes, e pode mesmo, atendendo-se às peculiaridades
do caso, ser considerado módico” (fls. 141-142, doc. 7).

A pretensão recursal do Agravante exigiria análise do conjunto proba-


tório constante dos autos, procedimento incabível em recurso extraordinário,
como se tem na Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal.
A apreciação do pleito recursal exigiria, ainda, a interpretação da le-
gislação infraconstitucional aplicável à espécie (Lei nº 9.610/1998). A alegada
contrariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta,
a inviabilizar o processamento do recurso extraordinário:
“Agravo regimental no agravo de instrumento. Reprodução de obra sem
autorização do autor. Danos materiais. Indenização. Ofensa reflexa. Reexa-
me de provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. Inadmissível, em recurso
extraordinário, o reexame da legislação infraconstitucional e das provas
dos autos. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF. 2. Agravo regimen-
123
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

tal não provido” (AI 857.526-AgR, Relator o Ministro Dias Toffoli, 1ª T.,
DJe 03.05.2013).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


AGRAVO – CIVIL – DANOS MORAIS E MATERIAIS – MATÉRIA IN-
FRACONSTITUCIONAL – OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA –
IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 279 DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL
SE NEGA PROVIMENTO” (ARE 745.380-AgR, de minha relatoria, 2ª T.,
DJe 30.08.2013).

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – DILI-


GÊNCIA PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA – JULGAMENTO ANTE-
CIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGU-
RADO – REEXAME DE PROVA – IMPOSSIBILIDADE – SÚM. 279/STF
– ACÓRDÃO FUNDAMENTADO – VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF –
INOCORRÊNCIA – AGRAVO IMPROVIDO – I – O Supremo Tribunal tem
decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida
por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os princípios do contraditório
e da ampla defesa. Precedentes. II – Para se chegar à conclusão contrária
à adotada pelo acórdão recorrido, necessário seria o reexame do conjunto
fático-probatório constante dos autos, bem como o prévio exame de nor-
mas infraconstitucionais pertinentes ao caso (Lei nº 9.610/1998), o que atrai
a incidência da Súmula nº 279 do STF. Precedente. III – A exigência do
art. 93, IX, da Constituição, não impõe que seja a decisão exaustivamente
fundamentada. O que se busca é que o julgador informe de forma clara e
concisa as razões de seu convencimento. IV – Agravo regimental impro-
vido” (AI 786.434-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª T.,
DJe 01.02.2011).

4. Os argumentos do Agravante, insuficientes para modificar a decisão


agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência em pôr termo a
processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional.
5. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 874.940


124
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Proced.: Rio de Janeiro


Relatora: Min. Cármen Lúcia
Agte.(s): Colégio Santo Agostinho
Adv.(a/s): Danilo Sahione e outro(a/s)
Agdo.(a/s): Antonio Carlos Santos de Souza
Adv.(a/s): Luiz Felipe Rodrigues de Carvalho

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao agravo


regimental, nos termos do voto da Relatora. Presidência do Senhor Ministro
Teori Zavascki. 2ª Turma, 28.04.2015.
Presidência do Senhor Ministro Teori Zavascki. Presentes à sessão os
Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Dias
Toffoli.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Ravena Siqueira
Secretária

125
stj
S uperior T ribunal de J ustiça

Recurso Especial nº 1.027.669 – SC (2008/0025714-6)


Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira
Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Recorrido: APL Incorporações e Construções Ltda.
Advogado: Hercílio Emerich Lentz e outro(s)

EMENTA

DIREITO CIVIL – DIREITO DO CONSUMIDOR – CONTRATO


PADRÃO PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS – PROMESSA DE
COMPRA E VENDA – CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
– NECESSIDADE DE PRÉVIA ANUÊNCIA DO PROMITENTE-
VENDEDOR – EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO DAS DÍVIDAS
CONTRATUAIS E DO IMPOSTO MUNICIPAL – DESVANTAGEM
EXCESSIVA PARA O CONSUMIDOR NÃO CARACTERIZADA
1. Não é abusiva a cláusula que proíbe o promitente-comprador
do imóvel de ceder sua posição contratual a terceiro sem prévia anuên-
cia do promitente-vendedor. Precedentes.
2. Não implica desvantagem exagerada para o promitente-com-
prador a cláusula que condiciona a cessão do contrato à prévia quitação
dos débitos contratuais e do imposto municipal.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

ACÓRDÃO

A Quarta Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso es-


pecial e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Minis-
tro Relator. Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo
(Presidente) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
127
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Brasília/DF, 02 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira


Relator

RELATÓRIO

O Exmo Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator):


Trata-se de recurso especial interposto por Ministério Público do Es-
tado de Santa Catarina contra acórdão proferido pelo TJSC assim ementado
(e-STJ fl. 406):
“PROCESSUAL CIVIL – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CER-
CEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA
Nada obsta que o juiz, entendendo que o processo já se encontra devida-
mente instruído, de modo a possibilitar a correta prestação jurisdicional,
dispense a produção de provas e proceda ao julgamento antecipado da
lide.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO DO CONSUMIDOR – CLÁUSULAS
ABUSIVAS – ART. 51 DO CDC
Toda cláusula contratual que outorga desproporcionalmente vantagens ao
fornecedor em detrimento do consumidor enquadram-se nas hipóteses ar-
roladas nos incisos do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, sendo,
portanto, nulas de pleno direito.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉRIO PÚBLICO – HONORÁRIOS AD-
VOCATÍCIOS – PRINCÍPIO DA ISONOMIA
‘Dentro de absoluta simetria de tratamento, não pode o parquet benefi-
ciar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública.’ (REsp
493.8231/DF, Min. Eliana Calmon)”

Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 475/483).


Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 446/466), interposto com
fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, o recorrente alega que o Tribunal
de origem, deixando de reconhecer a nulidade da cláusula contratual que
condiciona a cessão do contrato celebrado entre promitente-comprador e ter-
ceiro à anuência do promitente-vendedor (construtora/incorporadora), teria
negado vigência ao art. 51, IV, do CDC. Segundo sustenta, “o máximo que a
128
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

cláusula contratual poderia estipular seria compelir o promitente-comprador


a notificar o promitente vendedor a respeito da transferência, sob pena de,
não o fazendo, ser considerado solidariamente responsável com o terceiro
adquirente em caso de inadimplemento” (e-STJ fl. 457). Quanto ao ponto,
ainda suscita dissídio jurisprudencial em relação a julgado do TJSP.
Acrescenta que seriam igualmente contrárias ao art. 51, IV, do CDC as
disposições contratuais que vedam a cessão do contrato em caso de atraso no
pagamento das obrigações contratuais e fiscais relativas ao imóvel.
Ao final, pede seja declarada a nulidade da cláusula nº 30 do contrato.
Oferecidas contrarrazões (e-STJ fls. 560/564), o recurso especial foi ad-
mitido na origem (e-STJ fl. 588).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento parcial do recur-
so, de modo a se reconhecer a nulidade tanto da cláusula que condiciona a
cessão de direitos à quitação dos débitos contratuais e tributários, quanto da
que exige o pagamento de taxa de 2% sobre o valor do imóvel.
É o relatório.

EMENTA

DIREITO CIVIL – DIREITO DO CONSUMIDOR – CONTRATO


PADRÃO PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS – PROMESSA DE
COMPRA E VENDA – CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL –
NECESSIDADE DE PRÉVIA ANUÊNCIA DO PROMITENTE-
-VENDEDOR – EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO DAS DÍVIDAS
CONTRATUAIS E DO IMPOSTO MUNICIPAL – DESVANTAGEM
EXCESSIVA PARA O CONSUMIDOR NÃO CARACTERIZADA
1. Não é abusiva a cláusula que proíbe o promitente-comprador
do imóvel de ceder sua posição contratual a terceiro sem prévia anuên-
cia do promitente-vendedor. Precedentes.
2. Não implica desvantagem exagerada para o promitente-com-
prador a cláusula que condiciona a cessão do contrato à prévia quitação
dos débitos contratuais e do imposto municipal.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
129
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

VOTO

O Exmo Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): O Ministério


Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública em desfavor
da APL Incorporações e Construções Ltda. (e-STJ fls. 5/47), com vistas a revi-
sar contrato padrão de promessa de compra e venda firmado com consumi-
dores daquele estado, adquirentes dos imóveis construídos pela ré.
Entre outras cláusulas contratuais, o Parquet impugnou as de nºs 29
e 30, que, de acordo com a petição inicial, teriam a seguinte redação (e-STJ
fl. 29):
“Após a entrega do imóvel, a dívida decorrente deste contrato, para todos
os efeitos de direito, se vencerá antecipadamente, com a totalidade de seus
encargos, podendo a vendedora exigir seu pronto pagamento, independen-
temente de qualquer aviso, notificação ou interpelação judicial ou extra-
judicial, [...] a) Se o comprador(es) sem prévio e expresso consentimento da
vendedora, vender ou prometer vender o imóvel objeto do presente contrato
ou sobre ele, no todo ou em parte.
A unidade autônoma – especificada no campo 2 do quadro resumo – objeto
deste contrato não poderá ser cedida ou transferida a terceiros sem o ex-
presso consentimento da vendedora, sendo qualquer venda ou cessão efetu-
ada a revelia deste dispositivo, nula de pleno direito.
Parágrafo único. Em caso de transferência ou cessão de direitos a terceiros,
sempre com o expresso consentimento da vendedora, o comprador(es) ficará
condicionado as seguintes restrições: a) Estar o comprador(es) em dia com
as suas obrigações contratuais; b) Estar o comprador em dia com o imposto
municipal; c) Ser paga pelo cessionário a taxa equivalente a 2% (dois por
cento) sobre o saldo devedor atualizado, a título de compensação de des-
pesas administrativas da vendedora com a transferência.”

Como se vê, o Ministério Público impugnou as disposições que impu-


nham, como condição para a cessão do contrato: (a) o consentimento expres-
so da construtora/incorporadora, (b) a quitação prévia dos débitos contra­
tuais, (c) a quitação prévia dos débitos fiscais, e (d) o pagamento de taxa de
2% sobre o valor do saldo devedor.
Sustentou que tais exigências representariam vantagem exagerada
para a construtora, em prejuízo do consumidor e que, em caso de venda ou
cessão dos imóveis pelos consumidores adquirentes, apenas poderia ser exi-
gida a comunicação prévia à promitente-vendedora.
130
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

A sentença indeferiu o pedido com relação às disposições contratuais


em destaque, afirmando o seguinte (e-STJ fls. 257/258):
“Ninguém pode ser compelido a celebrar contrato com quem terceiro eleja.
Logicamente, se a ré intermediar a venda, fará jus à comissão própria, e, em
caso tal, em verdade elegeu a pessoa com quem contratará.
Depois, a taxa de transferência pactuada, de 2%, inviabilizada a venda di-
reta pelo consumidor, – que não é proprietário pleno, em face do débito de
que serve de garantia o imóvel – não se afigura abusiva e cobre os custos
de revenda.
O fato é que não descubro, em alguma das cláusulas, razão para alteração
alguma e, pois, nesta parte não surpreendo razão para acolher o pleito for-
mulado.
As cláusulas servem apenas para efetivar a garantia do pagamento das par-
celas, pois não se pode retirar ao fornecedor o direito de impedir ao con-
sumidor a revenda do bem a terceiros, sem quitar os débitos, nem também
reorganizar a garantia.
Improcede, aqui, o pedido.”

O Ministério Público apelou, alegando que “a exigência de expresso


consentimento da promitente-vendedora, em caso de transferência ou cessão
de direito a terceiro, aliada ainda às condições de estar o promitente-com-
prador em dia com suas obrigações contratuais e com o imposto municipal,
é abusiva, nos termos do art. 51, IV, do CDC, por colocar o consumidor em
desvantagem exagerada, de modo a ameaçar o objeto ou equilíbrio contra­
tual” (e-STJ fls. 285/287).
Acrescentou que, “no tocante ao pagamento da taxa de 2% sobre o sal-
do devedor atualizado, em caso de cessão do imóvel, a título de compensa-
ções de despesas administrativas da promitente-vendedora com a transfe-
rência, verifica-se que essa exigência é abusiva, nos termos do art. 51, IV, do
Código de Defesa do Consumidor, por estabelecer obrigações que coloquem
o consumidor em desvantagem exagerada” (e-STJ fl. 288).
O Tribunal de origem julgou parcialmente procedente o apelo para
considerar nula a disposição que fixava taxa de 2% sobre o valor do saldo
devedor em caso de cessão de direito ou transferência do imóvel a terceiros.
Quanto à necessidade de anuência do promitente-vendedor e de quitação
131
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

dos débitos contratuais e fiscais, no entanto, a sentença foi mantida. Confira-


-se, a propósito, a seguinte passagem do acórdão (e-STJ fls. 414/415):
“No que se refere à necessidade de anuência da Incorporadora para a ces-
são ou transferência das unidades, nada há de irregular ou nulo na dispo-
sição, pois não seria licito instituir-se a obrigatoriedade de contratar, a ré,
com quem escolhesse o primeiro comprador do imóvel. Ninguém pode ser
compelido a celebrar contrato com quem não seja escolhido.
Quanto à obrigação de quitar os débitos, da mesma forma, nada há de ile-
gal, pois com isso a Incorporadora efetiva a garantia do pagamento das
parcelas, não sendo correto retirar-se do fornecedor o direito de impedir
ao consumidor a revenda do bem a terceiro, sem quitar os débitos, nem
também reorganizar a garantia.
Todavia, no que se refere à imposição de multa de 2% sobre o valor do
saldo devedor atualizado, penso que a razão está com o Ministério Público.
Referido montante foi estipulado com a justificativa de cobrir as despesas
administrativas decorrentes da transferência, tais como confecção de novo
contrato, atualização cadastral e consulta ao departamento jurídico. Ora,
tal valor é muito além daquele eventualmente gasto com tais providências,
caracterizando indubitavelmente locupletamento ilícito.”

Nas razões do recurso especial, o Parquet discorre novamente sobre a


abusividade da exigência de: (a) consentimento prévio da promitente-vende-
dora, (b) quitação dos débitos contratuais, e (c) quitação do imposto muni-
cipal. Ao final, no entanto, pede a declaração de nulidade de toda a cláusula
nº 30, a qual, segundo informado pela própria petição inicial, também conte-
ria a exigência de (d) pagamento de multa de 2% sobre o saldo devedor.
Considerando, no entanto, que o Tribunal de origem afastou a exigi-
bilidade da multa, fica prejudicado o exame do recurso especial nessa parte,
cumprindo analisar, assim, a legalidade do pacto apenas com relação: (a) à
necessidade de anuência prévia do promitente-vendedora, (b) à exigência de
quitação das dívidas contratuais e (c) à obrigação de pagamento das dívidas
fiscais.
O art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, apontado como
violado nas razões do recurso especial estabelece:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
132
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem


o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a
boa-fé ou a equidade.”

No caso dos autos, as cláusulas impugnadas não consubstanciam obri-


gações iníquas nem colocam os consumidores em desvantagem exagerada.
Vejamos:

Autorização prévia do promitente-vendedor

Com relação à necessidade de autorização prévia do promitente-ven-


dedor para a cessão do contrato pelo promitente-comprador, tem-se que essa
disposição visa a resguardar interesse legítimo da construtora/incorpora­
dora.
O art. 51, IV, do CDC, ao classificar como abusivas e, portanto, nulas
de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações iníquas,
abusivas e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, encerra
disposição extremamente aberta.
Bem se sabe que as concepções de “abuso de direito” e de “ato abusi-
vo” no Direito Civil e no Direito do Consumidor, apesar de semelhantes, não
se confundem. Guardam uma identidade originária que advém de sua fina-
lidade comum, mas se distinguem, necessariamente, em função das margens
de tolerância que as balizam e do grau de intervenção judicial que propiciam
em cada espécie de relação jurídica.
No CDC, marcado pela premissa da vulnerabilidade do consumidor,
a abusividade ganha contornos muito mais amplos e autoriza intervenções
mais abrangentes no contrato, com vistas a conferir maior efetividade ao
art. 5º, XXXII, da CF (“O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do con-
sumidor”).
Essa maior amplitude do conceito de abusividade não autoriza, porém,
uma atuação interventiva irrestrita. A natureza protetiva das regras consu-
meristas visa a superar a desigualdade material que existe entre consumi-
dores e fornecedores, não a criar um novo desequilíbrio em desfavor dos
fornecedores.
A ideia central é, portanto, promover um reequilíbrio entre as partes,
e isso não se obtém pelo reconhecimento indiscriminado da abusividade de
qualquer cláusula, mesmo quando inserida em um contrato de adesão. O
133
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

juízo de razoabilidade que preside o exame da abusividade das cláusulas


estabelecidas em detrimento do consumidor deve ter sempre em foco a cons-
trução de um reequilíbrio jurídico entre partes materialmente desiguais, em
consequência da quebra do sinalagma.
O próprio CDC auxilia o intérprete a identificar as cláusulas abusi-
vas que conduzem à nulidade do contrato, ao estabelecer no § 1º do mesmo
art. 51 que:
“Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-
-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras
circunstâncias peculiares ao caso.”

No caso dos autos, afigura-se totalmente razoável outorgar ao promi-


tente-vendedor, titular do direito de crédito, a possibilidade de interferir na
cessão do contrato pelo devedor (promitente-comprador) porque, dessa for-
ma, ele pode evitar a cessão para quem não desfrute da mesma solvabilidade
econômica do cedente, resguardando-se, assim, do risco de provável inadim-
plemento.
A exigência não encerra, portanto, nenhum tipo de arbitrariedade nem
coloca o consumidor em posição de desvantagem exagerada. Muito pelo con-
trário, representa para ele uma obrigação que deve ser cumprida de modo
a conferir ao credor legítima proteção contra o inadimplemento contratual.
Registre-se que a cláusula não proíbe a cessão do contrato, não impede
o consumidor de negociar sua posição contratual com terceiros, apenas esta-
belece uma condição para que isso ocorra.
A anuência prévia do credor para a validade da cessão de crédito a
terceiros, inclusive, consta do art. 299 do CC/2002:
“Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o
consentimento expresso do credor, [...].
Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para
que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como
recusa.”
134
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

A razão de ser da norma reflete uma razoabilidade imanente que cre-


dencia sua licitude não apenas nas relações civis, mas também nas relações
de consumo.
A Quarta Turma se posicionou recentemente a propósito do tema:
“DIREITO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – CESSÃO DE POSIÇÃO CON-
TRATUAL – ANUÊNCIA DO CEDIDO – EFEITOS DA CESSÃO EM RE-
LAÇÃO AO CEDENTE – RELEVÂNCIA QUANTO À POSSIBILIDADE
DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
1. A cessão de posição contratual é figura admitida pelo ordenamento ju-
rídico, mormente ante o disposto nos arts. 421 e 425 do CC, consubstan-
ciada na transmissão de obrigações em que uma das partes de um con-
trato (cedente) vê-se substituída por terceiro (cessionário), o qual assume
integralmente o conjunto de direitos e deveres, faculdades, poderes, ônus
e sujeições originariamente pertencentes àquele contratante original; sen-
do certa, portanto, a existência de dois negócios jurídicos distintos: (i) o
contrato-base, em que se insere a posição a ser transferida; e (ii) o contrato-
-instrumento, o qual veicula a transferência propriamente dita.
2. A anuência do cedido é elemento necessário à validade do negócio jurí-
dico, residindo sua finalidade na possibilidade de análise, pelo cedido, da
capacidade econômico-financeira do cessionário, de molde a não correr o
risco de eventual inadimplemento; nesse ponto, assemelhando-se à figura
do assentimento na assunção de dívida.
[...].”
(REsp 1.036.530/SC, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ Ac. Min. Luis Felipe
Salomão, 4ª T., Julgado em 25.03.2014, DJe 15.08.2014)

O mesmo acórdão admitiu uma única exceção: entendeu que a anuên-


cia do credor não seria exigível após a quitação total da dívida. Confira-se, a
propósito, a segunda parte da ementa, suprimida na transcrição acima:
“DIREITO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – CESSÃO DE POSIÇÃO CON-
TRATUAL – ANUÊNCIA DO CEDIDO – EFEITOS DA CESSÃO EM RE-
LAÇÃO AO CEDENTE – RELEVÂNCIA QUANTO À POSSIBILIDADE
DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
[...]
3. Malgrado, portanto, a obrigatoriedade da anuência, esta assume capital
relevância tão somente no que tange aos efeitos da cessão em relação ao ce-
135
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

dente, haja vista que, vislumbrando o cedido a possibilidade de inadimple-


mento do contrato principal pelo cessionário, pode impor como condição
a responsabilidade subsidiária do cedente, não lhe permitindo a completa
exoneração, o que, de regra, deflui da transmissão da posição contratual.
4. No caso concreto, uma vez quitadas as obrigações relativas ao contrato-
-base, a manifestação positiva de vontade do cedido em relação à cessão
contratual torna-se irrelevante, perdendo sua razão de ser, haja vista que
a necessidade de anuência ostenta forte viés de garantia na hipótese de
inadimplemento pelo cessionário. Dessa forma, carece ao cedido o direito
de recusa da entrega da declaração de quitação e dos documentos hábeis à
transferência da propriedade, ante a sua absoluta falta de interesse.
5. Recurso especial provido.”

Também nos contratos de financiamento imobiliário vinculados ao Sis-


tema Financeiro da Habitação – SFH, tem-se reconhecido a validade de tal
exigência:
“SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – CESSÃO DE CONTRATO
– LEI Nº 10.150, DE 2000 (ART. 20)
A cessão do mútuo hipotecário não pode se dar contra a vontade do agente
financeiro; a concordância deste depende de requerimento instruído pela
prova de que o cessionário atende as exigências do Sistema Financeiro da
Habitação.”
(REsp 783.389/RO, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, Julgado em
21.05.2008, DJe 30.10.2008)

Excepcionalmente, confere-se ao cessionário dessa espécie contratual


legitimidade para discutir judicialmente as cláusulas do contrato, mesmo
quando a instituição financeira não tenha anuído com a cessão, mas essa é
uma outra questão:
“RECURSO ESPECIAL – REPETITIVO – RITO DO ART. 543-C DO CPC
– SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – LEGITIMIDADE ATIVA
DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE MÚTUO – LEI Nº 10.150/2000 –
REQUISITOS
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1 Tratando-se de contrato de mútuo
para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25.10.1996
e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário
possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões perti-
136
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

nentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. 1.2 Na hipóte-


se de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até
25.10.1996, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das
condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem le-
gitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo con-
trato. 1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito
do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25.10.1996, a anuência
da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário
adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas,
tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem refe-
rida cobertura.

2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido


e nessa parte provido.

Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da


Resolução STJ nº 8/2008.”

(REsp 1150429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial,
Julgado em 25.04.2013, DJe 10.05.2013)

Os contratos desse tipo estão sujeitos a regramento legal específico,


mas a leitura do acórdão citado e dos muitos que se seguiram no mesmo
sentido evidencia que o tratamento jurídico dispensado nesses casos não se
divorciou da diretriz indicada anteriormente, o que reforça a conclusão de
que a exigência de anuência do credor pode perfeitamente ser estabelecida
como condição para a validade da cessão contratual.
Em resumo, a exigência questionada não pode ser considerada abu-
siva, porque não coloca os consumidores em desvantagem exagerada, não
reforça a vulnerabilidade do consumidor, não restringe direitos e obrigações
fundamentais inerentes à natureza do contrato nem se mostra excessivamen-
te onerosa para o consumidor, considerando-se o objeto do contrato.
Acrescente-se que, no caso, como discutida a legalidade em abstrato da
cláusula contratual, não é necessário esclarecer quais os efeitos da cessão rea-
lizada sem a anuência do promitente-vendedor. Não se discute aqui se a falta
dessa anuência deve implicar nulidade do ato ou apenas sua ineficácia em
relação ao promitente-vendedor. Por ora, importa, tão somente, afastar a ale-
gação de abusividade da cláusula contratual que encerra referida exigência.
137
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Exigência de quitação dos débitos contratuais

A necessidade de quitação prévia dos débitos contratuais vencidos


como condição para o aperfeiçoamento da cessão tampouco pode ser con-
siderada abusiva. Sob determinada ótica, a medida constitui instrumento
legítimo posto à disposição do promitente-vendedor para exortar cedente
e/ou cessionário ao pagamento das prestações vencidas. Inclusive, foi nesse
sentido que caminhou o acórdão recorrido:
“Quanto à obrigação de quitar os débitos, da mesma forma, nada há de
ilegal, pois com isso a Incorporadora efetiva a garantia do pagamento das
parcelas” (e-STJ fl. 414).

Sob outra perspectiva, pode-se considerar que a necessidade de anu-


ência para a cessão do contrato, a respeito de cuja legalidade tratamos acima,
autoriza, implicitamente, que se exija também a quitação prévia dos débitos
contratuais. Com efeito, as prestações vencidas e não pagas constituem dí-
vida em aberto tanto quanto o saldo devedor e, se a obrigação de pagamen-
to desse saldo não pode ser transferida a terceiro sem o consentimento do
credor, da mesma forma não o poderão as prestações vencidas sem referido
consentimento. A cláusula contratual em comento, nessa medida, pode ser
interpretada como manifestação antecipada do credor em sentido contrário à
cessão dessa dívida em específico. Quando o promitente-vendedor faz cons-
tar do contrato que o cedente deve quitar as parcelas vencidas está mani-
festando, antecipadamente, sua vontade no sentido de que essa dívida não
poderá ser objeto de eventual cessão, não havendo, aí, nenhuma ilegalidade.

Exigência de quitação dos débitos fiscais

O contrato padrão impugnado ainda exige, para a cessão do contrato,


a prévia quitação do “imposto municipal”, querendo designar o IPTU como
se pode inferir.
A medida não pode ser considerada abusiva, porque constitui, em ri-
gor, mero reforço contratual de uma obrigação que decorre da lei, qual seja, a
quitação na data do vencimento, dos débitos tributários.
Representa, ademais, iniciativa no sentido de regularizar a situação ju-
rídica do imóvel, evitando desdobramentos indesejáveis e controvérsias jurí-
dicas entre construtora/incorporadora, cedente e cessionário.
138
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Na linha dos precedentes desta Corte, o promitente-vendedor respon-


de solidariamente com o promitente-comprador pelo pagamento do IPTU
(REsp 1.110.551/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., Julgado em
10.06.2009, DJe 18.06.2009). A exigência em questão contribui, inquestiona-
velmente, para o contingenciamento da responsabilidade da construtora/
incorporadora. Não se pode, porém, considerar abusiva a cláusula contratual
estabelecida com esse propósito, porque ela não estabelece uma despropor-
ção exagerada entre as partes que indique quebra do sinalagma, inserindo-se,
pelo contrário, dentro dos limites legítimos da autonomia privada.
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte, nego-
-lhe provimento.
É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0025714-6


Processo Eletrônico REsp 1.027.669/SC
Números Origem: 20060165775 20060165775000200 23010519494
Pauta: 21.10.2014 Julgado: 21.10.2014
Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Hugo Gueiros
Bernardes Filho
Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AUTUAÇÃO

Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina


Recorrido: APL Incorporações e Construções Ltda.
Advogado: Hercílio Emerich Lentz e outro(s)
Assunto: Civil – Direito do consumidor – Aplicação do Código de Defesa
do Consumidor – CDC
139
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epí-


grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0025714-6


Processo Eletrônico REsp 1.027.669/SC
Números Origem: 20060165775 20060165775000200 23010519494
Pauta: 04.11.2014 Julgado: 04.11.2014
Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Durval Tadeu
Guimarães
Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AUTUAÇÃO

Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina


Recorrido: APL Incorporações e Construções Ltda.
Advogado: Hercílio Emerich Lentz e outro(s)
Assunto: Civil – Direito do consumidor – Aplicação do Código de Defesa
do Consumidor – CDC

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epí-


grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
O presente feito foi retirado de pauta por indicação do Sr. Ministro Relator.
140
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0025714-6


Processo Eletrônico REsp 1.027.669/SC
Números Origem: 20060165775 20060165775000200 23010519494
Pauta: 02.12.2014 Julgado: 02.12.2014
Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Pessoa
Lins
Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AUTUAÇÃO

Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina


Recorrido: APL Incorporações e Construções Ltda.
Advogado: Hercílio Emerich Lentz e outro(s)
Assunto: Civil – Direito do consumidor – Aplicação do Código de Defesa
do Consumidor – CDC

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epí-


grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial
e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator.

Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Pre-
sidente) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

141
STJ
S uperior T ribunal de J ustiça

AgRg no Recurso Especial nº 1.264.824 – RS (2011/0160463-6)


Relator: Ministro Sérgio Kukina
Agravante: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Agravado: Victória Cecília Almeida Sequeira e outros
Advogado: Tiago Vieira Silva – Defensoria Pública da União

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO


ESPECIAL – ISENÇÃO DE TAXA RELATIVA AO REGISTRO DE
PRORROGAÇÃO DE VISTO E DE EXPEDIÇÃO DE CÉDULA
DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO – FUNDAMENTAÇÃO
CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA DO STF
1. No caso, o Tribunal de origem decidiu a controvérsia à luz de
fundamentos eminentemente constitucionais (dignidade da pessoa hu-
mana e gratuidade dos atos para o exercício da cidadania), matéria in-
suscetível de ser examinada em sede de recurso especial, cabendo, tão
somente, ao STF o seu exame.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-


meira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provi-
mento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Regina Helena Costa, Marga Tessler (Juíza Federal convocada
do TRF 4ª Região), Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves vota-
ram com o Sr. Ministro Relator.
143
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Brasília (DF), 12 de maio de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Sérgio Kukina


Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de agravo regimental desa-


fiando decisão que negou seguimento ao recurso especial, sob os seguintes
fundamentos: I) a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC foi genérica, incidin-
do a Súmula nº 284/STF, por deficiência na fundamentação; II) incidência
da Súmula nº 211/STJ; e III) a controvérsia relativa à isenção do pagamento
para expedição dos documentos solicitados foi dirimida à luz de fundamen-
tos constitucionais.
Inconformada, a parte agravante, em suas razões, reitera os argumen-
tos apresentados no apelo desprovido, acrescentando que “o próprio art. 5º,
LXXVII, da CF/1988 estabelece que a gratuidade do documento se dará na forma da
lei. Ou seja, a gratuidade da expedição do documento é expressamente condicionada
aos termos de lei ordinária específica, sendo, portanto, incabível invocar-se exclusiva-
mente tal dispositivo constitucional para fundamentar a pretensão autoral” (fl. 290).
Requer a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do feito
à análise do Colegiado.
É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Sérgio Kukina (Relator): A irresignação não merece


acolhimento.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Victória Cecília
Almeida Sequeira e outros objetivando afastar a exigência de pagamento de
taxas, multas e outras despesas para a realização de registro ou prorrogação
de permanência no território nacional e da expedição de Cédula de Identida-
de de Estrangeiro.
A sentença denegou a segurança e, interposta apelação, o Tribunal de
origem deu-lhe provimento, destacando-se do acórdão recorrido o seguinte
excerto (fl. 198):
144
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Há autorização constitucional e legal a excluir a exigibilidade de taxa para


a expedição do documento.
Constitucional, pelo previsto no art. 1º, III c/c art. 3º, IV c/c art. 5º, LXXVII,
que estabelecem que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Di-
reito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, tendo entre
seus objetivos promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, estabelecen-
do, ainda, a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania. Le-
gal, baseado no disposto no art. 1º da Lei nº 9.265/1996 que regulamenta o
inciso LXXVII do art. 5º da Constituição, dispondo sobre a gratuidade dos
atos necessários ao exercício da cidadania.

Assim, observa-se que o Tribunal de origem decidiu a controvérsia à


luz de fundamentos eminentemente constitucionais (dignidade da pessoa
humana e gratuidade dos atos para o exercício da cidadania), matéria insus-
cetível de ser examinada em sede de recurso especial.
Nesse mesmo sentido, corroborou o parecer ofertado pelo Ministério
Público Federal (fls. 273/274):
O recurso também não reúne condições de ser conhecido quanto aos de-
mais dispositivos apontados como violados, porque, apesar de estarem
prequestionados, a leitura do Acórdão recorrido demonstra que a questão
foi decidida pelo Tribunal de origem com fundamento em preceitos cons-
titucionais, dignidade humana e gratuidade dos atos necessários ao exer-
cício da cidadania, matéria cuja competência para análise é do Supremo
Tribunal Federal.

Em face do exposto, nega-se provimento ao agravo regimental.


É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2011/0160463-6 AgRg-REsp 1.264.824/RS


Números Origem: 00164668220084047100 164668220084047100
200871000164668
Em Mesa Julgado: 12.05.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina
145
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina


Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Fonseca
da Silva
Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña

AUTUAÇÃO

Recorrente: Fazenda Nacional


Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Victória Cecília Almeida Sequeira e outros
Advogado: Tiago Vieira Silva – Defensoria Pública da União
Assunto: Direito internacional – Estrangeiro – Admissão/entrada/perma-
nência/saída

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Fazenda Nacional


Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Agravado: Victória Cecília Almeida Sequeira e outros
Advogado: Tiago Vieira Silva – Defensoria Pública da União

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epí-


grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Marga Tessler (Juíza Fede-


ral convocada do TRF 4ª Região), Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito
Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

146
TRF 1ª R.
T ribunal R egional F ederal da 1ª R egião

Apelação/Reexame Necessário nº 2006.36.02.001478-1/MT


Processo na Origem: 200636020014781
Relator(a): Desembargador Federal Reynaldo Fonseca
Relator(a): Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Convocado)
Apelante: Fazenda Nacional
Procurador: Cristina Luisa Hedler
Apelado: Niwton Flavio de Oliveira
Advogado: Marcelo Martins de Oliveira

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – COMPROVAÇÃO


DA TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL – PERDA DE
OBJETO – PAGAMENTO – DEMONSTRAÇÃO
EM SEDE DE APELAÇÃO – HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
1. O contribuinte do ITR é o proprietário do imóvel, o titular de
seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. A atualização do
Cadastro Rural constitui-se em obrigação meramente acessória passível
apenas de ensejar penalidade fiscal própria. O cadastro não é fato gera-
dor do ITR, mas sim a posse do imóvel rural conforme inteligência dos
arts. 29 e 31 do CTN. Precedentes.
2. Não é possível o lançamento em Dívida Ativa por inadimplên-
cia de ITR lastreada no descumprimento e/ou cumprimento parcial da
obrigação acessória de prestação de informações cadastrais.
3. A demonstração, em sede recursal (03/2008), de que o crédito
foi extinto por pagamento antes da prolação da sentença, não afasta a
aplicação do princípio da causalidade para fins de fixação de honorários
de sucumbência em desfavor União/Fazenda Nacional, tendo em vista
que, antes mesmo da propositura da lide, o autor já havia procurado o
147
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Fisco, sem lograr êxito, para dar ciência da transferência do imóvel rural
em novembro e dezembro de 1994 (circunstância que foi devidamente
provada em Juízo pelos registros cartorários de fls. 19-v, 22-v e 24).
4. Portanto, é óbvia a utilidade/necessidade da lide, para fins de
exoneração do tributo e da aplicação do princípio da causalidade para
fixação de honorários advocatícios a serem arcados pela União (Fazen-
da Nacional), haja vista que, mesmo com a comprovação da transferên-
cia da titularidade imóvel sujeito ao ITR, o Fisco manteve-se cobrando
o débito e afirmando a titularidade da cobrança em nome do autor, por
apontada desatualização dos dados cadastrais do imóvel inclusive em
sede de apelação. Deve a apelante, por conseguinte, arcar com os hono-
rários advocatícios, devendo ser mantidos aqueles fixados na sentença.
5. Apelação e remessa oficial não providas. Sentença mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:


Decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos
do voto do Relator convocado.
Brasília/DF, 05 de maio de 2015 (data do Julgamento).

Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto


Relator convocado

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Relator Convo­
cado):
Cuida-se de remessa oficial e apelação da União (Fazenda Nacional)
em desfavor da sentença de fls. 77-80, proferida pelo Juízo da Vara Única
Federal da Subseção Judiciária de Rondonópolis.
Em referida peça decisória, o i. magistrado a quo julgou parcialmente
procedente o pedido de anulação do débito fiscal de ITR, relativo aos anos de
1994, 1995 e 1996 do imóvel denominado Fazenda Novo Horizonte, com área
total de 206 hectares, restringindo o reconhecimento do débito exclusivamen-
te ao montante eventualmente lançado nos exercícios de 1995 e 1996 na área
supérstite de 36,9 hectares, ao fundamento que, quanto à área referenciada,
148
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

não restou comprovada a transferência do imóvel rural sujeito ao tributo.


Considerando a sucumbência mínima do autor, foram arbitrados honorários
em seu favor no importe de R$ 1.000,00 (mil reais).
Em suas razões, a União (Fazenda Nacional) sustenta, basicamente:
a) a perda de objeto da lide, eis que, conforme documentação acostada ao
recurso (fls. 91-93), o débito foi extinto na via administrativa, em face do res-
pectivo pagamento perante a Delegacia da Receita Federal – em 08.06.2001,
antes da prolação da sentença ocorrida em 31.08.2007 – fl. 80; b) a apelante
não deve arcar com honorários advocatícios, tendo em vista que quando a
ação foi proposta (08.11.1999), bem como na época em que a contestação foi
ofertada (02.05.2000) o débito ainda não havia sido extinto; c) o demandante
deu causa ao equívoco fiscal porque, “inobservando a lei, deixou de prestar ao
Fisco as informações que lhe competia, a modo de produzir, a tempo e modo, as altera-
ções cadastrais hábeis a inibir o lançamento do tributo em seu nome, ou a propiciar o
lançamento em nome dos adquirentes do imóvel que dá base ao lançamento do ITR”.
Sem contrarrazões.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Relator Convo­
cado):
A pretensão recursal volta-se, em síntese, à proclamação da perda su-
perveniente de objeto da lide assim como à exoneração da apelante/União
(Fazenda Nacional) nos ônus da sucumbência.
Os fundamentos recursais resumem-se a que, desde antes da sentença,
a Administração já havia anulado o débito fiscal judicializado ensejando a
extinção do feito por perda de objeto. Ademais é indevido arbitramento de
honorários advocatícios em favor do autor, tendo em vista que a cobrança
originou-se da incúria do próprio acionante em informar oportuna e eficaz-
mente a transferência do imóvel rural para fins de lançamento em nome dos
adquirentes.
Forçoso destacar que embora exista, de forma comprovada, a perda
superveniente do objeto da lide resultante do cancelamento administrativo
do débito questionado, não há que se falar, entretanto, em afastamento da
verba honorária devida pela União, notadamente porque o descumprimento
de obrigação acessória de atualização do cadastro do imóvel pelo acionante só pode
ensejar penalidade própria, e não a exigência do tributo.
149
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Impende registrar no ponto que a linha de defesa da União ao lança-


mento do imposto como resultado da não comprovação idônea (documental
e/ou informação nas declarações prestadas) de que a propriedade do imóvel
havia sido regularmente transferida.
Nesse sentido afirma a União em sua peça de resposta: “se as informa-
ções cadastrais (com base nas quais o lançamento do tributo é efetuado) não foram
devidamente prestadas pelo Autor, não pode ser atribuída à União qualquer respon-
sabilidade por eventual incorreção no lançamento do tributo ora em exame – fl. 41”,
ao argumento que, “tendo o Autor vendido, como alega ter feito, o imóvel mencio-
nado, competia a ele comunicar tal fato ao Fisco, através dos meios próprios, antes do
lançamento! – fl. 41”.
Entretanto, a falta de atualização de dados relativos ao imóvel tributa-
do constitui infração administrativa e não ilícito tributário, não sendo, por-
tanto, alcançada pelo lançamento do tributo, cujo fato gerador é o domínio
útil ou a posse do imóvel, ou ser possuidor a qualquer título, nos termos dos
arts. 29 e 31 do CTN.
Esclarecedores, no particular, os seguintes arestos:
TRIBUTÁRIO – IMPOSTO TERRITORIAL RURAL – ITR – RESPONSABI-
LIDADE – LEGITIMIDADE PASSIVA – CADASTRO RURAL – 1. O contri-
buinte do ITR é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil ou o
seu possuidor a qualquer título. 2. A atualização do Cadastro Rural consti-
tui-se em obrigação meramente acessória passível apenas de ensejar pena-
lidade fiscal própria. O cadastro não é fato gerador do ITR, mas sim a posse
do imóvel rural. 3. Admitindo a Receita Federal a possibilidade de os da-
dos do autor terem sido utilizados indevidamente, já que outra pessoa teria
efetuada a declaração do mesmo imóvel, em período diverso, bem como
colocando sérias dúvidas sobre a legitimidade passiva do suposto contri-
buinte, é de ser afastada a exação. (TRF 4ª R., Ap-Reex 2007.70.00.013395-1,
2ª T., Rel. Marcos Roberto Araujo dos Santos, DE 26.01.2011)

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IMPOSTO TERRITORIAL RURAL


– RESPONSABILIDADE – ADQUIRENTE – ILEGITIMIDADE PASSIVA
DO ANTERIOR PROPRIETÁRIO – ATUALIZAÇÃO DO CADASTRO –
Contribuinte do Imposto Territorial Rural é o proprietário do imóvel, o
titular de seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.

Na hipótese de alienação do imóvel, a responsabilidade por tributos não


apenas posteriores, mas também anteriores à aquisição é, em regra, do ad-

150
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

quirente, pois nele, por expressa previsão legal, sub-rogam-se os créditos


tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o do-
mínio útil ou a posse.
Dessa forma, uma vez transferida a posse do imóvel rural mediante com-
promisso de compra e venda, o antigo proprietário não tem mais legiti-
midade para figurar no pólo passivo da execução, independentemente da
atualização dos dados cadastrais ou da efetiva transferência da proprieda-
de no registro de imóveis.
Não há falar que a falta de atualização do cadastro no Incra autorize a exigência do
tributo dos antigos possuidores ou proprietários. A atualização do cadastro Rural
constitui-se em obrigação meramente acessória passível apenas de ensejar penalida-
de fiscal própria. O cadastro não é fato gerador do ITR, mas sim a posse do imóvel
rural. (grifei). (TRF 4ª R., AC 2003.71.05.007369-7/RS, 2ª T., Rel. Des. Fed.
Vilson Darós, DE 10.10.2007)
TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – ITR – PROPRIE-
DADE DE TERRAS REGULARIZADAS PELO INCRA – RECONHECI-
MENTO, NO ANO DE 1979, DE QUE O POLO EXECUTADO NÃO
PODERIA PERMANECER NOS LOTES POR FALTA DE REQUISITOS
LEGAIS – INSUBSISTÊNCIA DE COBRANÇA DE IMPOSTO DO ANO
DE 1986 – CADASTRO DESATUALIZADO A NÃO FAZER PROVA
DE FATO GERADOR DO ITR – SUPERIOR RECONHECIMENTO
PELA PRÓPRIA UNIÃO DE QUE O EXECUTADO NÃO FICOU NO
LOTE – HONORÁRIOS – CAUSALIDADE DA UNIÃO – PROCEDÊN-
CIA AOS EMBARGOS
1. Elementar se recorde sobre a natureza dos embargos à execução, no
sentido de uma ação cognoscitiva desconstitutiva, portanto a visar ao
desfazimento do comando emanado do título exequendo.
2. Tendo por hipótese o ITR o domínio e a posse sobre a coisa (CTN,
art. 29), cobrado nos autos o exercício de 1986, denota-se suficiente a
instrução colhida nos autos, via da qual demonstrada a carecer de fun-
damento a exação, pois, conforme informações da própria União, uma
empresa, denominada “Companhia Itaporanga”, tomou posse ilegal-
mente de terras estatais e comercializou glebas, sendo que, no ano de
1979, o Incra mesmo procedeu às regularizações necessárias, inclusive
com o lote da parte embargante/executada: então, conforme afirma a
própria União, por falta de requisitos legais, não pôde a parte executada
permanecer com qualquer lote de terra.

151
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

3. Evidente, a uma, que se, no ano de 1979 houve a vistoria dos lotes
irregulares e ficou constatado que o pólo embargante/executado não
preenchia os requisitos legais para permanecer com um lote de terra,
não se poderia estar a cobrar ITR do ano de 1986, como decorre de exe-
cutivo em apenso; a duas, apesar de informação de que não houve o
cancelamento de cadastro em nome do executado, esta a ser insuficiente
como sustentáculo para embasamento da cobrança como deseja a Fa-
zenda Nacional, pois superior o reconhecimento do próprio Estado, de
que o sujeito passivo não fazia jus a ficar com o lote de terra. Ora, se
não poderia ficar com as terras por falta de requisitos legais, decisão
esta tomada anos antes (1979), decorre não possuir as qualidades de
proprietário, titular do domínio útil ou ser possuidor do imóvel o polo
executado, ao tempo do fato tributário em tela, 1986.
4. Exprime a honorária sucumbencial, como de sua essência e assim
consagrado, decorrência do exitoso desfecho da causa, em prol de um
dos contendores, de tal sorte a assim se recompensar seu patrono, ante
a energia processual despendida, no bojo do feito.
5. O tema da incidência honorária advocatícia merece seja recordado
deva equivaler o plano sucumbencial, a título de honorária, a um con-
texto no qual, em razão do desgaste profundo causado pelo dispên-
dio de energia processual, torna-se merecedor, o patrono do vencedor,
da destinação de certa verba a si ressarcitória a respeito, a em nada se
confundir (também relembre-se) com os honorários contratuais, pre-
viamente avençados em esfera privada de relação entre constituinte e
constituído.
6. Bem estabelecem os §§ 3º e 4º do art. 20, CPC, os critérios a serem ob-
servados pelo Judiciário, em sua fixação, aquele impondo um mínimo e
um máximo a oscilarem entre 10% e 20%.
7. Procede a sucumbência fixada, pois a decorrer de desorganização do
próprio credor, que alija o polo embargante/apelado de terras e, para-
doxalmente, prossegue a cobrá-lo de fato futuro.
8. Improvimento à apelação e à remessa oficial. Procedência aos em-
bargos. (TRF 3ª R., AC 52544/SP, 95.03.052544-6, Rel. Juiz Conv. Silva
Neto, Data de Julgamento: 24.04.2008, Turma Suplementar da Segunda
Seção)

Portanto, como visto, não é possível o lançamento em Dívida Ativa a


título de inadimplência de ITR com base no descumprimento e/ou cumpri-

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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

mento parcial da obrigação acessória de prestação de informações cadastrais,


tendo em vista, notadamente, que o acionante logrou comprovar a alienação
da maior parte do bem, ou seja, demonstrou a transferência prévia da pro-
priedade de 169,1 hectares dos 206 hectares totais do imóvel rural.
De outro giro, melhor sorte não assiste a União no que tange ao pleito
de exoneração da verba honorária arbitrada.
Com efeito, restou comprovado que o lançamento foi indevido em sua
maior parte (sucumbência mínima do autor, no que toca aos 36,9 hectares
cuja transferência de propriedade não foi comprovada em Juízo).
Não se sustenta, ademais, a alegação de que não cabe à União arcar
com os ônus da sucumbência, porque o débito tributário já tinha sido extinto
muito antes da sentença (pagamento perante a Delegacia da Receita Federal
– em 08.06.2001, sentença ocorrida em 31.08.2007 – fl. 80), ao fundamento que,
antes de manejada a ação (proposta em 08.11.1999 – fl. 05 e PA de fl. 16), o
autor já havia recorrido à Delegacia da Receita Federal de Cuiabá para a re-
tificação cadastral devida, sem lograr êxito – ocasião em que o Fisco afirmou
que “não restou comprovada a venda do imóvel, uma vez que a área total do imóvel
é 206,0 ha e o interessado apresentou a cópia dos registros e averbações constantes
da matrícula de um imóvel com apenas 19,3 há”, quando, de fato, facilmente se
extrai da Certidão Cartorária de fls. 17/17-v e assentamentos de fls. 19-v,
22-v e 24, que o imóvel era tripartido e havia sido, em quase totalidade, com-
provadamente transferido em novembro e dezembro de 1994, antes, pois, do
aviamento da demanda.
De outra parte, a própria União só deu notícia do indigitado pagamen-
to após a prolação da sentença, em março de 2008 – já em sede recursal, quan-
do poderia ter apresentado a aludida prova de pagamento antes da sentença
quando instada a manifestar-se sobre o interesse na produção de provas (oca-
sião em que, aliás, afirmou que não teria outras provas a produzir e postulou
o julgamento antecipado da lide – fls. 69-71, em 23.08.2006).
Portanto, é óbvia a utilidade/necessidade da lide, para fins de exone-
ração do tributo e da aplicação do princípio da causalidade em desfavor da
União (Fazenda Nacional) já que, mesmo com a comprovação da transferên-
cia do imóvel, o Fisco manteve-se cobrando o débito e afirmando a titulari-
dade da cobrança em nome do autor, por apontada desatualização dos dados
cadastrais do imóvel inclusive em sede de apelação. Deve a apelante, por
conseguinte, arcar com os honorários advocatícios, devendo ser mantidos
aqueles fixados na sentença.
153
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Assim, tendo em vista que a linha de intelecção acolhida neste decisum


está em perfeita consonância com a diretriz perfilhada pelo Juízo monocráti-
co, é de ser mantida a sentença recorrida.
Diante do exposto, nego provimento à apelação e a remessa oficial.
É como voto.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO


SECRETARIA JUDICIÁRIA

13ª Sessão Ordinária do(a) Sétima Turma


Pauta de: 05.05.2015 Julgado em: 05.05.2015
ApReeNec 0001476-59.2006.4.01.3602/MT
Relator: Exmo. Sr. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.)
Juiz(a) Convocado(a) conforme Ato Presi nº 746, de 24.04.2015
Revisor: Exmo(a). Sr(a).
Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Jose
Amilcar Machado
Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Andréa Lyrio Ribeiro de
Souza
Secretário(a): Antônio Luiz Carvalho Neto
Apte.: Fazenda Nacional
Procur.: Cristina Luisa Hedler
Apdo.: Niwton Flavio de Oliveira
Adv.: Marcelo Martins de Oliveira
Remte.: Juízo Federal da Subseção Judiciária de Rondonópolis/MT
Nº de Origem: 2006.36.02.001478-1 Vara:
Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MT

SUSTENTAÇÃO ORAL
CERTIDÃO
Certifico que a(o) egrégia(o) Sétima Turma, ao apreciar o processo em
epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
154
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

A Turma, à unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial,


nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal


José Amilcar Machado e Juiz Federal Ávio Mozar José Ferraz de Novaes
(Conv.). Ausentes, por motivo de licença prêmio por assiduidade, o Exmo. Sr.
Desembargador Federal Reynaldo Fonseca e, por motivo de férias, a Exma.
Sra. Desembargadora Federal Ângela Catão.
Brasília, 05 de maio de 2015.

Antônio Luiz Carvalho Neto


Secretário(a)

155
TRF 4ª R.
T ribunal R egional F ederal da 4ª R egião

Apelação Cível nº 5043231-72.2012.404.7000/PR


Relator: Fernando Quadros da Silva
Apelante: Daisy Ferreira Schultz Ciesielski
Advogado: Carolina Fernandes de Paula
Apelado: Caixa Econômica Federal – CEF

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – RESPONSABILIDADE


CIVIL – CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO – DANOS
MATERIAIS – PRINCÍPIO DA RESTITUIÇÃO
INTEGRAL – RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS – DESCABIMENTO
– HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – REDUÇÃO
1. O gasto com advogado da parte vencedora, em ação previden-
ciária ou trabalhista, não induz, por si só, a existência de ilícito gerador
de danos materiais por parte do empregador vencido na demanda la-
boral.
2. Livremente escolhido o profissional e ajustado o percentual a
ser pago, tal responsabilidade não pode ser transferida para terceiro es-
tranho ao contrato, ou seja, não cabe ao réu o pagamento das despesas
com o advogado contratado pela parte autora.
3. Para proceder à fixação dos honorários sucumbenciais, devem
ser ponderados a complexidade da causa e o trabalho desenvolvido
pelo advogado, podendo ser levado em consideração o valor da causa
ou da condenação, ou ainda arbitrada em quantia fixa, dependendo do
caso concreto e de acordo com as circunstâncias previstas no art. 20,
§§ 3º e 4º, do CPC. Hipótese em que a verba honorária fixada em 10%
sobre o valor da causa é muito elevada em consideração à complexidade
da demanda, tempo de tramitação e trabalho desenvolvido, merecendo,
157
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

assim, ser minorada para 2%, tendo em vista os precedentes da Turma


em casos análogos.
4. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-
cide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por una-
nimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de maio de 2015.

Des. Federal Fernando Quadros da Silva


Relator

RELATÓRIO

Daisy Ferreira Schultz Ciesielski ajuizou ação de rito ordinário contra


a Caixa Econômica Federal, a fim de receber indenização pelos honorários
advocatícios contratuais que teve de pagar em razão do ajuizamento de re-
clamatória trabalhista.
Inicialmente, o feito foi extinto sem julgamento do mérito por incom-
petência material do Juízo, o que foi revisto com o provimento do recurso de
apelação da parte autora. Eis o teor da ementa do julgado:
ADMINISTRATIVO – AÇÃO ORDINÁRIA – INDENIZAÇÃO – HONO-
RÁRIOS CONTRATUAIS – RECLAMATÓRIA TRABALHISTA – COMPE-
TÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Não sendo a relação jurídica submetida à análise judicial de natureza tra-
balhista, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Federal,
pois, no caso, ajuizada em face da Caixa Econômica Federal – CEF.

Retornando os autos para análise do mérito, o MM. Juízo a quo julgou


improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas e dos
honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa.
Em suas razões de apelação, sustenta a parte autora que a demanda
tramitou na Justiça do Trabalho, na qual os honorários de sucumbência so-
mente são devidos quando a parte for representada pelo Sindicato, o que não
158
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

foi o caso. Argumenta que, de acordo com o Estatuto da OAB, os honorários


de sucumbência pertencem ao advogado patrono da ação e não ao cliente,
razão porque não serviriam para indenizar a autora. Afirma que a jurispru-
dência estabelece que a reparação do dano deve ser integral e, por isso, a
parte vencida tem o deve legal de arcar com os honorários pagos pela parte
vencedora a seu advogado. Refere que a necessidade de postular em juízo o
direito lesado acaba ensejando novo dano, que deve ser reparado por quem
lhe deu causa (princípio da causalidade). Pugna pela redução do valor dos
honorários advocatícios arbitrados na origem em mais de R$ 10.000,00, eis
que a defesa da demandada limitou-se à apresentação de contestação, sem
realização de audiência ou produção de provas.
Com as contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório. Peço dia.

Des. Federal Fernando Quadros da Silva


Relator

VOTO

A parte apelante sustenta a responsabilidade da CEF ao ressarcimento


dos honorários contratuais pagos ao seu advogado, por conta da anterior
reclamatória trabalhista ajuizada contra a requerida, conforme princípio da
restituição integral. Alega violação aos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil.
Aduz, ainda, o valor excessivo dos honorários de sucumbência, devendo-se
adequá-los ao trabalho desenvolvido no feito e à natureza da causa.
Sem razão, contudo.
Isso porque, eventuais despesas com advogado da parte vencedora,
em ação previdenciária ou trabalhista, não induzem, por si só, a existência de
ilícito gerador de danos materiais e morais por parte do empregador vencido
na demanda laboral, no caso, as regras do Código Civil devem ser interpre-
tadas em conjunto com a disciplina dos honorários advocatícios do CPC e
Estatuto da OAB.
Por sua vez, o art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994 estabelece que a obriga-
ção de pagar a verba honorária contratual é daquele que firma o contrato, de-
vendo as partes envolvidas na contratação ajustarem a quantia devida, verbis:

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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
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Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB


o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento ju-
dicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente
necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da
prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo
tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.
§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por
arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o va-
lor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na
tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
§ 3º Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no
início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante
no final.
§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de
expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que
lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituin-
te, salvo se este provar que já os pagou. (grifei)

Desse modo, livremente escolhido o profissional e ajustado o percen-


tual a ser pago, tal responsabilidade não pode ser transferida para terceiro
estranho ao contrato, ou seja, não cabe ao réu o pagamento das despesas com
o advogado contratado pela parte autora.
Nesse sentido, o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RE-
CURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATE-
RIAIS – HONORÁRIOS CONTRATUAIS – NÃO CABIMENTO – DECI-
SÃO MANTIDA
1. Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que os custos
decorrentes da contratação de advogado para ajuizamento de ação, por si
só, não constituem ilícito capaz de ensejar danos materiais indenizáveis.
Precedentes da Segunda Seção.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg-AREsp 477.296/RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., Julgado
em 16.12.2014, DJe 02.02.2015)

160
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO


CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA – RESPONSABILIDADE CIVIL –
CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO – JUSTIÇA DO TRABALHO – AU-
SÊNCIA DE ILICITUDE – DECISÃO MANTIDA
1. É de ser mantida a decisão monocrática pela qual se nega provimento
a recurso especial se as razões do agravo regimental não se apresentam
robustas o bastante para alterar o convencimento do julgador.
2. A simples contratação de advogado para o ajuizamento de reclamatória
trabalhista não induz, por si só, a existência de ilícito gerador de danos
materiais.
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgREsp 1155527/MG, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJe 03.05.2011)

CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE


DECLARAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO JULGADO – DIVER-
GÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA – DANO MORAL
– NÃO OCORRÊNCIA – PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS – SÚ-
MULA Nº 07/STJ – CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARA CUIDAR
DE AÇÃO TRABALHISTA – DANO MORAL – NÃO CONFIGURADO
1. Prevê o art. 535 do CPC a possibilidade de manejo dos embargos de de-
claração para apontar omissão, contradição ou obscuridade na sentença ou
acórdão, não se prestando este recurso, portanto, para rediscutir a matéria
apreciada.
2. Os embargos de declaração não se prestam a materializar nítido ques-
tionário dirigido ao julgador, pois o processo, enquanto instrumento de
distribuição da justiça, não tem a pretensão de viabilizar verdadeiros diá-
logos entre os litigantes e as magistraturas do Estado. O fato de o julgador
não responder, um a um, os argumentos lançados pelas partes não tem o
condão de atrair a nulidade do julgado.
3. Verificar a suficiência do recibo para a comprovação do pagamento dos
honorários advocatícios demandaria o revolvimento do conjunto fático-
-probatório dos autos, o que é vedado no presente momento processual,
face da incidência do enunciado da Súmula nº 7 desta Corte Superior.
4. A contratação de advogado para ajuizamento de ação trabalhista não
gera ato ilícito, nem se torna apto e capaz de ensejar direito à indenização
por danos morais.

161
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.


(STJ, REsp 915.882/MG, 4ª T., Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro
(Desembargador Convocado do TJ/AP), DJe 12.04.2010)
A matéria também já restou examinada nesta Corte, verbis:
ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – PRESCRIÇÃO
QUINQUENAL – DECRETO Nº 20.910/1932 – RESSARCIMENTO DE
HONORÁRIOS CONTRATUAIS – IMPROCEDENTE – 1. A Primeira Se-
ção do Superior Tribunal Federal, sob o rito do art. 543-C do CPC, no jul-
gamento do Recurso Especial nº 1.251.993/PR, de relatoria do Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 19.12.2012, assentou que os prazos prescricionais
do Código Civil não são aplicados às demandas movidas contra a Fazenda
prazo quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/1932. 2. Não há no orde-
namento jurídico brasileiro qualquer disposição legal determinando que
a parte vencida na ação deva arcar com os valores pagos pelo vencedor
ao seu respectivo advogado a título de honorários contratuais. 3. Aquele
que se socorre à tutela jurisdicional escolhe livremente o causídico que pa-
trocinará seus interesses, negociando também de forma livre o percentual
correspondente aos honorários contratuais, sem que o litigante adversário
participe desse processo de escolha ou da negociação do valor da remu-
neração do advogado. Logo, não seria sequer razoável que terceiro não
integrante da referida relação de direito material (negócio jurídico envol-
vendo contratação de honorários advocatícios) fosse compelido a indeni-
zar o valor estipulado pelos sujeitos contratantes, aderindo à disposição de
vontade deles. (TRF 4ª R., AC 5063293-61.2011.404.7100, 4ª T., Rel. p/ Ac.
Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 11.12.2014)

INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS – RESTITUIÇÃO DE HONO-


RÁRIOS ADVOCATÍCIOS PAGOS AO CAUSÍDICO DO LITIGANTE
VENCEDOR – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – A vingar a tese de-
senvolvida pela parte autora, toda ação judicial proposta em juízo seria
invariavelmente seguida de outra demanda direcionada ao litigante ven-
cido, então destinada ao ressarcimento de honorários contratuais pagos
pelo litigante vencedor ao seu advogado – e isso jamais foi previsto pela
legislação processual. (TRF 4ª R., AC 5052274-58.2011.404.7100, 4ª T., Relª
p/ Ac. Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 27.03.2014)

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – CON-


TRATAÇÃO DE ADVOGADO – DANOS MATERIAIS – PRINCÍPIO DA
RESTITUIÇÃO INTEGRAL – RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS
PAGOS – INOCORRÊNCIA – 1. No caso concreto, a parte-apelante susten-
162
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

tou o Princípio da Restituição Integral, bem como os arts. 389, 395 e 404 do
CC, alegando que tem direito ao ressarcimento dos honorários contratuais
pagos aos seus advogados, por conta da ação anterior. 2. O gasto com advo-
gado da parte vencedora, em ação previdenciária ou trabalhista, não induz
por si só a existência de ilícito gerador de danos materiais por parte do em-
pregador vencido na demanda laboral. 3. Apelação desprovida. (TRF 4ª R.,
AC 5050947-78.2011.404.7100, 3ª T., Rel. p/ Ac. Fernando Quadros da Silva,
juntado aos autos em 28.06.2013)

Quanto ao pedido de redução do quantum arbitrado a título de honorá-


rios sucumbenciais nestes autos, o Juízo a quo fixou a verba em 10% sobre o
valor da causa (R$ 102.141,06).
Contudo, para proceder à fixação dos honorários, devem ser ponde-
rados a complexidade da causa e o trabalho desenvolvido pelo advogado,
podendo ser levado em consideração o valor da causa ou da condenação, ou
ainda arbitrada em quantia fixa, dependendo do caso concreto e de acordo
com as circunstâncias previstas no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.
Esta Corte já decidiu acerca do tema, verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EMBARGOS DE TERCEI-
RO – PENHORA – BEM INDIVISÍVEL EM CONDOMÍNIO COM TERCEI-
RO ALHEIO À EXECUÇÃO – POSSIBILIDADE – HONORÁRIOS ADVO-
CATÍCIOS – PEDIDO DE REDUÇÃO – CABIMENTO – 1. No caso de bem
indivisível deve a penhora ser levada a efeito sobre a totalidade do bem,
garantindo-se, todavia, quando da arrematação, o valor correspondente à
meação do coproprietário, ressalvado o direito de preferência do condômi-
no na aquisição do bem. 2. Nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, a verba
honorária deve ser fixada em parâmetro condizente com a natureza da cau-
sa e o trabalho realizado. A verba honorária fixada em 10% sobre o valor
da causa (R$ 902.250,00) é muito elevada em consideração à complexidade
da causa, merecendo, assim, ser minorada para 1% sobre o valor da causa,
tendo em vista os precedentes da Turma em casos análogos. (TRF 4ª R.,
AC 5004139-72.2012.404.7005, 3ª T., Rel. p/ Ac. Fernando Quadros da Silva,
juntado aos autos em 04.11.2013)

No caso, o arbitramento em 10% sobre o valor da causa (R$ 102.141,06)


é desproporcional, devendo ser reduzido para 2%, tendo em vista as dispo-
sições contidas no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, devidamente atualizado, o que
remunera adequadamente o labor prestado pelo patrono da parte adversa,
estando de acordo com o entendimento desta Turma em feitos símeis.
163
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Por fim, o prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabele-


cido pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que
deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamen-
to jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado, considerando-se aqui
transcritos todos os artigos da Constituição e/ou de lei referidos pelas partes.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação.

Des. Federal Fernando Quadros da Silva


Relator

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13.05.2015

Apelação Cível nº 5043231-72.2012.404.7000/PR


Origem: PR 50432317220124047000
Relator: Des. Federal Fernando Quadros da Silva
Presidente: Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores
Lenz
Procurador: Dr(a). Cláudio Dutra Fontella
Apelante: Daisy Ferreira Schultz Ciesielski
Advogado: Carolina Fernandes de Paula
Apelado: Caixa Econômica Federal – CEF

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13.05.2015, na


sequência 257, disponibilizada no DE de 30.04.2015, da qual foi intimado(a) o
Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.
Certifico que o(a) 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-
grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação.

Relator Acórdão: Des. Federal Fernando Quadros da Silva


Votante(s): D
 es. Federal Fernando Quadros da Silva
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene

Letícia Pereira Carello


Diretora de Secretaria
164
E mentário C ivil

AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS


CONDOMINIAIS – IMPUGNAÇÃO
AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
– GARANTIA DO JUÍZO

33893 – “Agravo de instrumento. Impugnação ao cumprimento da sentença. Ação de


cobrança de cotas condominiais. Decisão que rejeita o bem dado em garantia do juízo.
Imóvel penhorado nos autos principais. Pressuposto necessário à impugnação. Prossegui-
mento. Recurso provido. I – Como é cediço, o meio adequado para se insurgir contra o va-
lor exequendo, em caso de título executivo judicial, é a impugnação à Execução, inserida
no novo procedimento executório. II – O art. 475-J do digesto Código de Processo Civil de-
termina que para oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, deve haver
prévia penhora. III – In casu, não foi efetuado o depósito do débito. No entanto, como se
vê do Auto de Penhora cuja cópia encontra-se acostada aos autos, foi efetivada a penhora
do bem indicado. IV – Nesse caminhar, em que pese a não avaliação do bem pelo Ofi-
cial de Justiça, encontra-se devidamente preenchido o pressuposto processual necessário
ao prosseguimento da impugnação interposta ante a lavratura do Auto de Penhora, não
havendo nenhum prejuízo ao exequente. V – Recurso a que se dá provimento.” (TJES –
AI 24149020471 – 4ª C.Cív. – Rel. Paulo Roberto Luppi – J. 04.05.2015 – DJe 11.05.2015)

AÇÃO DE COBRANÇA DE
COTAS CONDOMINIAIS –
OBRIGAÇÃO PROPTER REM

33894 – “Agravo de instrumento. Condomínio. Ação de cobrança. Despesas condomi-


niais. Quota condominial edilícia. Obrigação propter rem. Legitimidade passiva. A dívida
de quotas em condomínio edilício é propter rem e legitima o proprietário registral à ação
de cobrança. No entanto, transmitido o bem e ciente o condomínio, mesmo sem registro
do título, o adquirente responde inclusive por dívidas pretéritas. Circunstância dos autos
em que o autor fez prova de partilha e não se justifica exigir certidão do registro para fins
de cobrança. Recurso provido.” (TJRS – AI 70064564198 – 18ª C.Cív. – Rel. João Moreno
Pomar – DJe 13.05.2015)
165
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

AÇÃO DE COBRANÇA DO
SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT –
DEFERIMENTO DE PERÍCIA – TEORIA
DA CARGA DINÂMICA DA PROVA

33895 – “Agravo de instrumento. Ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT. Perí-


cia médica requerida por ambas as partes. Beneficiário da gratuidade judiciária. Ônus pe-
riciais. Teoria da carga dinâmica das provas. Recurso desprovido. Mesmo a perícia sendo
determinada de ofício pelo magistrado ou requerida por ambas as partes, é possível a in-
versão do encargo de adiantamento dos honorários de perito, desde que atendidas às con-
dições atinentes à teoria da carga dinâmica da produção probatória, como no caso em que
a parte autora é hipossuficiente técnica e economicamente frente à Seguradora.” (TJMS
– AI 155522/2014 – 1ª C.Cív. – Rel. João Ferreira Filho – J. 05.05.2015 – DJe 08.05.2015)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO – ÔNUS
DA PROVA DA CONTRATAÇÃO

33896 – “Telefonia. Declaratória de inexigibilidade de débito. Telefonia. Ausência de pro-


va da contratação da alteração do plano de minutos. A ré apelante não agiu com cautela
na contratação do serviço, favorecendo a fraude. A fatura do mês seguinte à modificação
do plano demonstra que foram utilizados minutos abrangidos pelo plano anterior à alte-
ração, bem como que não havia motivo para a contratação de plano com maior número de
minutos, preponderando a alegação de o autor não solicitou a modificação de planos. Sen-
tença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap. 3002872-89.2013.8.26.0483 – 12ª C.Ext.
DPriv. – Rel. Alfredo Attié – J. 08.05.2015 – DJe 10.05.2015)

AÇÃO POSSESSÓRIA –
CUMULAÇÃO COM PERDAS E
DANOS – ADMISSIBILIDADE

33897 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Reintegração de posse.


Cumulação com pedido de perdas e danos. Possibilidade. Ofensa ao art. 292 do CPC.
Ausência de prequestionamento. Necessidade de adoção do rito ordinário. Ausência
de interesse recursal. Recurso não provido. 1. É lícito ao autor cumular com pedido
possessório o de condenação em perdas e danos (art. 921, I, do CPC). 2. É inviável o
recurso especial quando ausente o prequestionamento, sequer implícito, da matéria in-
fraconstitucional suscitada. 3. Tendo sido efetivamente adotado o rito ordinário, é irre-
levante a discussão acerca da possibilidade de cumulação dos pedidos de reintegração
166
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

de posse e indenizatórios em ritos distintos. 4. Agravo regimental a que se nega provi-


mento.” (STJ – AgRg-AREsp 538.020/RJ – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – J. 14.04.2015 –
DJe 07.05.2015)

AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO DE


LITERAL DISPOSITIVO DE LEI – ERRO
DE FATO – LIMITES DO CABIMENTO

33898 – “Processual civil. Ação rescisória. Construção e incorporação. Edificação de


apartamentos em condomínio. Quebra do incorporador. Associação formada por adqui-
rentes de unidades autônomas para conclusão da obra. Erro de fato. Violação de literal
dispositivo de lei. 1. Nos termos do art. 485, §§ 1º e 2º, do CPC, ocorre erro de fato quando,
na sentença que se pretende rescindir, afirma-se fato inexistente ou nega-se fato que efeti-
vamente existe. Para que o erro de fato viabilize a rescisão da coisa julgada material, deve
ser relevante para o julgamento da questão, sendo apurável pelo simples exame do feito,
e não ter havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato. 2. Há violação de
lei na hipótese em que, ignorando os arts. 32, 37 e 39 da Lei nº 4.591/1964, o incorporador
imobiliário deixa de registrar hipoteca legalmente constituída sobre o terreno no qual está
sendo edificado prédio de apartamentos, passando a negociar os imóveis sem cientificar
os compradores do ônus que sobre eles pesa. A ofensa que autoriza a rescisão de julga-
do configura-se quando os compradores são obrigados por decisão judicial a honrar, em
solidariedade com o incorporador, a obrigação por este assumida e gravada de garantia
real, mas sem efeito erga omnes na época da realização da compra e venda. 3. Recurso es-
pecial conhecido e desprovido.” (STJ – REsp 1314520/SP – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de
Noronha – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)

ALIMENTOS – DESEMPREGO DO
DEVEDOR – EFEITOS JURÍDICOS

33899 – “Civil e processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Alegado julga-
mento extra petita. Inocorrência. Alimentos. Execução. Rescisão de contrato de trabalho
não retira a liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo. Precedentes. Mudança da
capacidade financeira deve ser discutida em ação revisional. Inovação recursal em agravo
regimental. Impossibilidade. Agravo regimental não provido. 1. O julgamento do pedido
da credora dos alimentos realizado pelo acórdão recorrido dentro dos limites postos na
petição inicial não caracteriza hipótese de julgamento extra petita. 2. Esta egrégia Corte
Superior tem precedentes no sentido de que a rescisão do contrato de trabalho do devedor
de alimentos não tem o condão de retirar a liquidez do título executivo judicial que fixou
o valor da pensão alimentícia em percentual incidente sobre a sua remuneração mensal. A
167
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

mudança da situação financeira do alimentante deverá ser discutida em ação revisional de


alimentos, não em execução. Precedentes. 3. Em agravo regimental não é possível analisar
tese que não tenha sido apresentada anteriormente no recurso especial, por caracterizar
inovação de fundamentos. Precedentes. 4. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-
-REsp 1391531/RS – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 28.04.2015 – DJe 12.05.2015)
Nota:
O caso enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça envolve os efeitos jurídicos do de-
semprego, na relação de alimentos. Segundo o executado, enquanto estava empregado,
descontava um percentual sobre o seu salário. Contudo, após o desemprego, prosse-
guiu pagando os alimentos devidos à sua filha, tomando em conta o que percebia a
título de seguro-desemprego.
A sua filha promovera execução de alimentos contra o devedor, alegando que, no título
executivo, os alimentos foram ajustados em “percentual sobre os rendimentos líquidos
do executado, e que na hipótese de desemprego, o valor da execução deve ser o da
última pensão paga”.
Na origem, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu este teor do título
executivo, de sorte que admitiu que os alimentos incidissem, como acordado no título
judicial, sobre os rendimentos líquidos do executado e que, na hipótese de desemprego,
a execução prosseguisse com o valor pago como última pensão.
Na visão da Corte, que acolheu os argumentos do Tribunal de Origem, “o fato da obri-
gação alimentar estar fixada em percentual sobre os ganhos do alimentante não implica
perda de liquidez quando ocorre o desemprego, pois o valor do encargo alimentar é
certo e corresponde ao último pagamento feito, perdendo-se apenas o referencial de
reajuste das prestações. O valor dos alimentos estabelecido é certo e o percentual é
critério de reajuste. De outra banda, o desemprego do devedor obviamente não é causa
extintiva da obrigação, nem afeta a higidez do título executivo, que permanece sendo
líquido, certo e exigível. E, caso o valor vigente se tornasse excessivamente gravoso,
cabia ao alimentante promover a cabível ação revisional procurando adequar o encargo
alimentar às sua novas condições econômicas. Ou seja, não pode a inércia do devedor
favorecê-lo e prejudicar a alimentanda”.
Portanto, “se os alimentos foram fixados através de acordo judicial, devidamente ho-
mologado, somente novo provimento judicial em sede de ação de revisão de alimentos
é que terá o condão de modificar a obrigação”.
Nesse contexto, considerou o Ministro Moura Ribeiro que o Superior Tribunal de Jus-
tiça “em casos semelhantes, decidiu que a rescisão do contrato de trabalho do devedor
de alimentos não tem o condão de retirar a liquidez do título executivo judicial que
fixa o valor da pensão alimentícia em percentual incidente sobre a sua remuneração
mensal, devendo ser utilizado como base de cálculo dos alimentos o seu último salário
efetivamente recebido”.
Nesse sentido: “PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO AO
ART. 586, § 1º, DO CPC – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 356/
STF – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – PENSÃO FIXADA EM PERCEN-
TUAL INCIDENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO DO EXECUTADO – DESEMPREGO
SUPERVENIENTE – EXTINÇÃO DA AÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – LIQUIDEZ DO
TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – 1. Não enseja interposição de recurso especial ma-
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

téria (art. 586, § 1º, do CPC) não ventilada no v. julgado atacado. Incidência da Súmula
nº 356/STF. 2. Esta Corte de Uniformização já decidiu no sentido de que a rescisão do
contrato de trabalho do devedor de alimentos não retira a liquidez do título executivo
judicial que fixa a pensão alimentícia em percentual incidente sobre a remuneração
mensal do executado. Ocorrendo alteração na situação econômica do alimentante, tal
fato será motivo de defesa ou de ação revisional, mas não de extinção da ação de exe-
cução. O cálculo do valor devido deve se basear na última remuneração efetivamente
percebida. 3. Precedente (REsp 330.011/DF). 4. Recurso parcialmente conhecido e, nes-
ta parte, provido para determinar o processamento da ação de execução de alimen-
tos” (REsp 726.752/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª T., Julgado aos 14.06.2005, DJ de
01.07.2005); “ALIMENTOS – Petição inicial. Inépcia. Desemprego. Calculada a pensão
dos filhos, acordada quando da separação dos pais, em quantitativo sobre a remunera-
ção do alimentante, a rescisão do contrato de trabalho do devedor não retira a liquidez
do título. A mudança na situação econômica, se houve, será motivo de defesa a ser
apresentada pelo devedor, ou de ação de revisão, mas não de extinção do processo. Art.
733 do CPC. A dívida deve ser calculada segundo a última remuneração efetivamente
recebida. Recurso conhecido e provido” (REsp 330.011/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, 4ª T., DJ 25.02.2002).
Desta forma, foi negado provimento ao recurso do executado, admitindo-se o pros-
seguimento da execução, pois “o valor do título executivo permanece líquido e certo,
conforme a jurisprudência desta Corte, até que haja provocação da parte por meio de
ação revisional, caso deseje a alteração da base de cálculo ou a fixação de alimentos de
valor certo. Na execução isso não é possível”.

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
GRATUITA – DESNECESSIDADE
DE RENOVAÇÃO DO PEDIDO

33900 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Deserção. Assistência judi-


ciária gratuita. Renovação do pedido. Desnecessidade. Multa do art. 557, § 2º, do CPC.
Correta aplicação. 1. A assistência judiciária gratuita estende-se a todas as instâncias e a
todos os atos do processo. 2. A renovação do pedido ou a comprovação de que a parte
recorrente é beneficiária da justiça gratuita não é necessária quando da interposição do
recurso especial. 3. Aplica-se a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC à hipótese de in-
terposição de agravo interno contra julgamento notoriamente de acordo com a orientação
pacífica do STJ, não havendo falar em necessidade de esgotamento da instância. 4. Agravo
regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 629.920/MS – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio
de Noronha – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

CÉDULA DE CRÉDITO RURAL


– PRORROGAÇÃO DE DÍVIDA
– REQUISITOS LEGAIS

33901 – “Agravo de instrumento. Ação ordinária. Cédula de crédito rural. Prorrogação


de dívida. Requisitos legais. Não comprovação. Antecipação de tutela. Prova inequívoca.
Ausência. Indeferimento. Em observância da legislação pertinente (Leis nºs 4.829/1965
e 7.843/1989, Decreto-Lei nº 167/1967 e Manual de Crédito Rural – MCR), é possível a
prorrogação de dívida proveniente de contrato de crédito rural, aplicando-se os encargos
específicos para tal empréstimo, desde que comprovada a incapacidade de pagamento do
mutuário, de acordo com as hipóteses previstas no Manual de Crédito Rural – MCR. Deve
ser indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela se não restaram demonstrados
os pressupostos elencados no art. 273 do CPC, mormente a verossimilhança das alega-
ções do autor, fundada em prova inequívoca.” (TJMG – AI-Cv 1.0643.14.001280-5/001 –
17ª C.Cív. – Rel. Leite Praça – J. 07.05.2015 – DJe 12.05.2015)

COMPRA E VENDA – ATRASO NA


ENTREGA DO IMÓVEL – DANO
MORAL NÃO CARACTERIZADO

33902 – “Processo civil. Compra e venda de imóvel. Relação de consumo. Caracterização.


Caso fortuito ou força maior. Abusividade de cláusula de tolerância e despesas cartorá-
rias. Ausência de interesse recursal. Hipoteca sobre o imóvel. Culpa da construtora. Danos
materiais. Ocorrência. Dano moral. Não configuração. 1. A relação jurídica é de consumo
quando as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos
arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, já que a empresa ré comercializa, no
mercado de consumo, bem imóvel adquirido pelo autor como destinatário final. 2. Carece
o apelante de interesse recursal quando não sucumbente na matéria aventada nas razões
recursais. Como no caso, de as partes pactuarem livremente a tolerância de prazo na en-
trega do imóvel e a sentença recorrida não afastou tal cláusula por não ser abusiva. Bem
como falece interesse recursal sobre a devolução de despesas cartorárias, eis que a parte
não foi condenada nessa parcela pela sentença. 3. Comprovado que o comprador possui
carta de crédito para amortização do saldo devedor, a qual não foi liberada em decorrên-
cia de gravame incidente sobre o imóvel, por culpa da vendedora, afasta-se a incidência
de juros remuneratórios e moratórios incidentes sobre o respectivo saldo devedor, uma
vez que a falta de liberação do financiamento decorreu exclusivamente por culpa da ven-
dedora. 4. O atraso na entrega da unidade habitacional obriga o promitente vendedor a
indenizar o promitente comprador pelos danos materiais sofridos, mediante a compro-
vação das respectivas despesas, a título de aluguéis e de despesas com mudanças. 5. É
assente na jurisprudência do TJDFT e na do STJ o entendimento de que o atraso na entrega
de imóvel pela construtora não tem o condão de gerar dano moral. 6. Recurso da parte ré
170
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

parcialmente conhecido, mas não provido e recurso do autor conhecido e não provido.”
(TJDFT – Ac. 865763 – (20110111139226 APC) – 2ª T.Cív. – Relª Gislene Pinheiro – Rev.
J. J. Costa Carvalho – J. 06.05.2015 – DJe 11.05.2015)

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL


NA PLANTA – COBRANÇA
DE TAXAS CONDOMINIAIS –
LEGITIMIDADE PASSIVA

33903 – “Civil e processual civil. Compra e venda de imóvel na planta. Preliminar de


ilegitimidade passiva. Cobrança de taxas condominiais. Efetivadas contra o adquirente.
Imissão na posse do imóvel. Não comprovada. Cobrança indevida. Restituição. Sentença
mantida. 1. O condomínio réu é parte legítima a compor a lide, já que o pedido deduzido
na inicial consiste na restituição de pagamentos feitos em seu favor a título de taxas con-
dominiais. 2. Os adquirentes são responsáveis pelo pagamento das taxas condominiais
somente a partir da efetiva posse direta do imóvel, com a entrega das chaves. 3. No caso
de aquisição de imóvel na planta, nos termos da jurisprudência do c. STJ, admite-se a
modulação dos efeitos da natureza propter rem da obrigação referente às taxas condomi-
niais, de modo que o promitente comprador só será responsabilizado pelo pagamento
das referidas taxas a partir de sua imissão na posse do imóvel em questão. 4. À míngua
de comprovação de que o adquirente tenha sido imitido na posse do imóvel, mostram-se
indevidas as cobranças das taxas condominiais levadas a efeito pelo condomínio. 5. Cor-
reta a sentença que condenou o condomínio a restituir, na forma simples, a autora pelos
valores pagos a título de taxa condominial relativos a período no qual ainda não havia
recebido as chaves do imóvel novo, e, por conseguinte, não havia sido imitida no bem.
6. Recurso conhecido e improvido.” (TJDFT – Ac. 865762 – (20130111540700 APC) –
2ª T.Cív. – Relª Gislene Pinheiro – J. 06.05.2015 – DJe 11.05.2015)

COMPRA E VENDA DE MÓVEIS


PLANEJADOS – DEFEITO NA
INSTALAÇÃO – RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DO FABRICANTE

33904 – “Compra e venda de móveis planejados. Indenização por danos materiais e mo-
rais. Inadimplemento da loja revendedora configurado. Responsabilidade solidária da fa-
bricante, detentora da marca, caracterizada. Aplicação do art. 34 do CDC. Bens entregues
parcialmente e com defeito de instalação. Rescisão e ressarcimento devidos. Dano moral
reconhecido e mantido. Valor fixado adequado à situação vivenciada pelo autor. Sentença
mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 00581132420128260002 – 12ª C.Ext.DPriv. –
Rel. Alfredo Attié – J. 08.05.2015 – Data de Publicação: 10.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

CONSUMIDOR – COMPRA DE CARRO


ZERO-QUILÔMETRO DEFEITUOSO –
DANO MORAL CARACTERIZADO

33905 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Dano moral. Veículo zero-
-quilômetro. Diversas idas à concessionária sem solução de defeito. Súmula nº 83/STJ.
Constatação em laudo pericial de falha na qualidade de serviço. 1. É cabível indenização
por dano moral quando o consumidor de veículo zero-quilômetro necessita, por diversas
vezes, retornar à concessionária para reparos, sem que haja solução. 2. Agravo regimental
desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 533.916/RJ – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha –
J. 05.05.2015 – DJe 11.05.2015)

CONTRATO BANCÁRIO –
JULGAMENTO CITRA PETITA –
SÚMULA Nº 381/STJ – SENTENÇA
ANULADA DE OFÍCIO

33906 – “Apelação cível. Ação revisional de contrato. Julgamento citra petita. Contradição
entre a fundamentação e o dispositivo. Violação à Súmula nº 381 do STJ. Sentença anulada
de ofício. Apelo prejudicado. 1. À luz do que dispõe o art. 128 do CPC, o juiz decidirá a
lide nos limites em que foi proposta. Extrai-se da referida norma processual que a senten-
ça é corolário da inicial e, portanto, imperioso que, entre o pedido e o julgado, haja per-
feita correlação, sob pena de decidir o juiz aquém (citra petita), fora (extra petita), ou além
(ultra petita), do requerido na peça de ingresso. 2. Não obstante a extensa fundamentação
apresentada pelo juízo sentenciante no tocante à ilegalidade dos juros superiores a 12%,
da capitalização de juros, das tarifas de abertura de crédito, despesas com terceiros, tarifa
de cadastro e custo com registro, observo que este deixou de apreciar o pedido de revisão
contratual no que tange à tarifa de avaliação do bem, seguro e restituição em dobro dos
valores tido como indevidos, configurando o julgamento citra petita, que ocorre quando
não se examina em toda a sua amplitude o pedido formulado na inicial. 3. Verificando-se
a existência de conclusão divergente da fundamentação esposada na sentença, ou seja,
contradição entre a fundamentação e o dispositivo, impõe-se a anulação da sentença para
que outra seja proferida corretamente. 4. Há julgamento extra petita quando a apelação
afasta a cobrança de TAC e tarifas de serviços de terceiro e registro de contrato, sem que
tal pedido tenha sido deduzido na inicial. Incidência da Súmula nº 381 do STJ. 5. Sentença
cassada. Apelo prejudicado.” (TJES – Ap 48120219638 – 4ª C.Cív. – Rel. Walace Pandolpho
Kiffer – J. 04.05.2015 – DJe 11.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

CONTRATO BANCÁRIO – LEGALIDADE


DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

33907 – “Processual civil e civil. Apelação. Ação revisional. Legalidade da capitalização


dos juros. Previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal. Inconstitu-
cionalidade da MP 2.170-36/2001 afastada. Apelações improvida e provida. I – A previsão
no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente
para permitir a capitalização dos juros. II – No que concerne à inconstitucionalidade da
MP 2.170-36/2011, inexiste mácula que porventura pudesse afrontar a Carta Magna, eis
que não dispõe sobre o sistema financeiro nacional, porquanto, coaduna, exclusivamente,
sobre a possibilidade de incidência dos juros compostos, posto que inexiste lei comple-
mentar que regulamente o tema. III – Apelação Cível interposta por Abel Araujo de Souza
improvida.” (TJES – Ap. 12120120162 – 4ª C.Cív. – Rel. Paulo Roberto Luppi – J. 04.05.2015
– DJe 11.05.2015)

CONTRATO BANCÁRIO – REVISÃO


CONTRATUAL – ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA – REQUISITOS
LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS

33908 – “Agravo de instrumento. Ação de revisão contratual c/c consignação em paga-


mento. Antecipação dos efeitos da tutela. Depósito dos valores incontroversos. Abstenção
de inscrição nos cadastros de proteção ao crédito. Ausente a verossimilhança das alega-
ções. Valor inferior à parcela ajustada. Recurso provido. I – ‘A jurisprudência é sólida em
afirmar que a consignação de valores incontroversos em contratos bancários não é em
si bastante para descaracterizar a mora do devedor, devendo as alegações apoiar-se na
jurisprudência dos tribunais, de modo a revelar a fumaça do bom direito’ (AgRg-AREsp
280.784/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 27.03.2014, DJe 02.04.2014). II – ‘A
simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora
do autor’ (Súmula nº 380). III – Portanto, pode-se concluir que os efeitos da mora só serão
afastados caso o devedor efetue o depósito integral do montante devido ou nas hipóteses
em que se identifique, de plano, a existência de cláusulas ilegais previstas no contrato ce-
lebrado entre as partes litigantes, consubstanciando, assim, a verossimilhança do direito
alegado, o que não é o caso. IV – Não há que se falar em verossimilhança das alegações
do autor/agravado quando pretende o prosseguimento do contrato pagando contrapres-
tações em valor inferior àquele pelo qual se obrigou. Também não se pode falar em que
o agravado se dispôs a depositar as parcelas incontroversas da dívida, porque assim não
pode ser considerado valor inferior ao contratado, apurado por ele mesmo. V – Recurso a
que se dá provimento.” (TJES – AI 35159000278 – 4ª C.Cív. – Rel. Paulo Roberto Luppi –
J. 04.05.2015 – DJe 11.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

CONTRATO BANCÁRIO – REVISÃO


CONTRATUAL – MITIGAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA PACTA SUNT SERVANDA

33909 – “Apelação cível. Revisão contratual. Possibilidade. Mitigação do princípio da


pacta sunt servanda. Tarifas bancárias. Pagamento de serviços de terceiros e serviços cor-
resp. Não bancários. Abusividade. Repetição do indébito na forma simples. Recurso co-
nhecido e improvido. 1. Tratando-se de contratos bancários, típicos de adesão, os mesmos
estão sujeitos à apreciação pelo Judiciário, sendo permitida a sua revisão visando estabe-
lecer o equilíbrio contratual, expungindo do contrato as disposições que vão de encontro à
lei, restando, portanto, mitigados os princípios da obrigatoriedade e da pacta sunt servanda.
2. É abusiva a cobrança de Tarifa de Serviços de Terceiros no valor de R$ 1.823,31 (hum
mil, oitocentos e vinte e três reais e trinta e um centavos) para se ter o simples acesso às
cotações e simulações de financiamento, o qual representa aproximadamente 10% (dez
por cento) do valor do empréstimo. 3. Abusiva também aos serviços corresp. não bancá-
rios, no valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), onde a instituição bancária não
discriminou ao apelado os serviços prestados/contratados. 4. Reconhecida a abusividade
apontada, deve haver a restituição dos valores pagos indevidamente, na forma simples.
5. Recurso de apelação conhecido e improvido.” (TJES – Ap. 11130110684 – 4ª C.Cív. – Rel.
Walace Pandolpho Kiffer – J. 04.05.2015 – DJe 11.05.2015)

CONTRATO DE COMODATO – AÇÃO


DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE –
DEVER DE DEVOLUÇÃO DO BEM

33910 – “Recurso de agravo de instrumento. Ação de reintegração de posse. Comodato.


Não desocupação ao final do contrato. Dever em devolver. Prazo de 30 dias. Recurso par-
cialmente provido. Comodato é um contrato bilateral, pelo qual alguém (comodante) en-
trega a outrem (comodatário) coisa infungível, para ser usada temporariamente e depois
restituída.” (TJMS – AI 15137/2015 – 2ª C.Cív. – Relª Maria Helena Gargaglione Póvoas –
J. 29.04.2015 – DJe 06.05.2015)

CONTRATO DE CONSÓRCIO – TAXA


DE ADMINISTRAÇÃO – LIVRE
FIXAÇÃO ENTRE AS PARTES

33911 – “Civil e processual. Agravo regimental no recurso especial. Consórcio. Taxa de


administração. Limitação. Ausência. Precedentes. Verba honorária. Redimensionamen-
to. 1. As administradoras de consórcio podem estabelecer o valor da taxa de adminis-
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

tração de consórcios, segundo critérios de livre concorrência de mercado (art. 33, da Lei
nº 8.177/1991 e Circular nº 2.766/1997). Precedentes da 2ª Seção. 2. Como consequência
do provimento do recurso, a verba honorária fica redistribuída em desfavor da parte re-
corrida. 3. Agravo regimental a que se dá provimento.” (STJ – AgRg-REsp 808.994/RS –
4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – J. 05.05.2015 – DJe 12.05.2015)

CONTRATO DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – FALECIMENTO
DO TITULAR DO DIREITO
– LEGITIMIDADE ATIVA
RESTRITA À QUOTA-PARTE

33912 – “Contrato de honorários advocatícios. Indenização por danos materiais e morais.


Ação movida pelo procurador do falecido titular do direito. Legitimidade ativa somente
em relação à cota-parte do procurador por ser filho e co-herdeiro do mandante. Prescri-
ção. Inocorrência. Recebimento. Prova do pagamento dos honorários sem contrapresta-
ção. Dano material relativo ao que o falecido deixou de receber pela desídia da advogada.
Indevida diante da falta de prova relativa à possibilidade de obtenção da procedência da
ação de cobrança, que seria ajuizada pela advogada ré. Dano moral evidenciado. Valor
majorado. Sucumbência mantida. Competia ao mandatário entregar ao mandante o valor
que receberia na presente indenização. Com o falecimento do mandante e a consequente
cessação do mandato (art. 682 do CC), o valor perseguido nesta indenização seria reverti-
do à viúva e herdeiros, de modo que o polo ativo deveria ser constituído do espólio, repre-
sentado pelo inventariante, nos termos do art. 12, V, do CPC, pois o falecimento ocorreu
antes do ajuizamento desta ação e, portanto, a extinção do mandato também se deu antes.
Não sendo o autor o único herdeiro, é parte ilegítima para pleitear o valor devido ao espó-
lio, devendo seu pedido ser restrito ao quinhão que lhe é devido. O recibo assinado pela
advogada e a certidão do cartório distribuidor comprovam que o valor dos honorários ad-
vocatícios contratados foi recebido pela ré sem que houvesse contraprestação, consistente
no ajuizamento das ações pela patrona. O dano moral está evidenciado pelas circunstân-
cias apontadas, e o autor, como representante do falecido, sofreu inúmeros dissabores em
razão da desídia da patrona. Valor majorado para R$ 5.000,00. Sentença reformada em
parte. Recursos providos em parte.” (TJSP – Ap 40003058620128260068 – 12ª C.Ext.DPriv.
– Rel. Alfredo Attié – J. 08.05.2015 – DJe 10.05.2015)

DIREITO DO CONSUMIDOR
– ATRASO NA ENTREGA DO
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

VEÍCULO – AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DE DANOS

33913 – “Processual civil e civil. Apelação. Ação de ressarcimento de dano moral cumu-
lado com dano material. Atraso na entrega de veículo. Dano material não configurado.
Dano moral não demonstrado. I – O recurso interposto por Recreio Vitoria Veículos, afi-
gura-se deserto, eis que ausente de preparo, situação que impõe pelo não conhecimento
da apelação. II – O requerente, Incorpori Serviços Ltda., não concretizou o negócio jurídico
dentro do prazo estabelecido, eis que o negócio jurídico foi entabulado, após quatorze
dias da primeira avaliação, no qual ressai a manifesta improcedência quanto ao pedido de
ressarcimento do valor pago a título de complementação. III – A desvalorização no valor
do automóvel não decorreu por culpa do requerido, vez que a avaliação realizada por este
não se confunde com a venda concretizada com a empresa RP Veículos Ltda. IV – Consi-
derando que, apesar do atraso na entrega do automóvel, o veículo usado permaneceu na
posse do recorrente, Incorpori Serviços Ltda., durante toda a transação do negócio jurídi-
co, insubsistente o pedido de ressarcimento dos valores pagos à empresa terceirizada pelo
serviço de transporte. V – A quantia fixada pela instância singela, a título de reparação
por dano moral, encontra-se justa, proporcional e condizente com a extensão do dano
suportado por Incorpori Serviços Ltda. VI – Recurso interposto por Recreio Vitoria Veí-
culos Ltda. não conhecido e recurso interposto por Incorpori Serviços Ltda. conhecido e
improvido.” (TJES – Ap 4080008248 – 4ª C.Cív. – Rel. Paulo Roberto Luppi – J. 04.05.2015 –
DJe 11.05.2015)

DIREITO DO CONSUMIDOR –
EXEGESE DO ART. 14, CDC – DANO
MORAL NÃO COMPROVADO

33914 – “Direito do consumidor. Agravo de instrumento. Indenizatória. Falha na pres-


tação do serviço. Dever de informação. Responsabilidade civil objetiva. Danos materiais
mantidos. Dano moral não comprovado. Mero aborrecimento. Recurso a que se dá parcial
provimento. I – Em respeito ao art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabi-
lidade civil do fornecedor é objetiva, não se apurando a culpa. Basta para sua configuração
a prova do defeito, do dano causado ao consumidor e do nexo causal entre o dano e o
defeito. II – Restou comprovada no presente caso a falha da operadora em seu dever de
informar ao consumidor acerca das peculiaridades dos serviços, ex vi do art. 6º, III, da Lei
nº 8.078/1990. III – Danos materiais que ficam mantidos, por se referirem ao valor expe-
dindo pelo consumidor para adquirir créditos de forma avulsa no período de tempo em
que não houve disponibilização pela operadora de seus bônus de Vivo para Vivo. IV – No
entanto, os fatos narrados na inicial não são aptos a ensejar danos morais indenizáveis,
pois não afetaram a esfera íntima do apelado, ou seus direitos de personalidade, caracte-
rizando mero aborrecimento. De forma que a condenação da operadora em danos morais
deve ser afastada. V – Recurso a que se dá parcial provimento.” (TJES – Ap. 48110305876 –
4ª C.Cív. – Rel. Paulo Roberto Luppi – J. 04.05.2015 – DJe 11.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

DIREITO DO CONSUMIDOR –
FINANCIAMENTO DE VEÍCULO
– ANÁLISE DA ABUSIVIDADE
DE CLÁUSULAS

33915 – “Apelação cível. Ação revisional de contrato bancário. Financiamento de veículo.


Capitalização de juros e suposta cumulação ilegal de encargos moratórios. Ausência de
interesse recursal neste ponto. Suscitada preliminar ex officio. Juros remuneratórios. Abu-
sividade comprovada. Tarifa de cadastro. Válida. Tarifa de avaliação de bens. Razoável
e proporcional, devida. Ressarcimento de gravame eletrônico. Vedada a sua cobrança.
Recurso conhecido em parte e dado parcial provimento na parte conhecida. I – No que se
refere ao eventual anatocismo, ou seja, a cobrança de juros sobre juros e, ainda, a suposta
cumulação ilegal de encargos moratórios, não restou consignada qualquer condenação ao
apelante em relação a esses pontos, de forma que a ausência de interesse recursal é paten-
te. Suscitada ex officio preliminar de ausência de interesse recursal. Recurso não conheci-
do neste ponto. II – Taxa de juros remuneratórios fixada no contrato consideravelmente
superior à taxa média praticada pelo mercado para aquisição de veículos por pessoa fí-
sica, de forma que a sua revisão, impondo-se a taxa média, torna-se medida necessária.
III – A Tarifa de Cadastro mostra-se válida, porquanto remunera o serviço de realização
de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais,
e tratamento de dados e informações necessários ao início de relacionamento decorrente
da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou contratação de operação
de crédito ou de arrendamento mercantil. Ainda, vale dizer, que a sua contratação não
é obrigatória, valendo-se o consumidor da alternativa de providenciar pessoalmente os
documentos necessários para comprovação de sua idoneidade financeira ou ainda de con-
tratar terceiro (despachante) para tanto. III – Sobre a ‘Tarifa de Avaliação de Bens’, a juris-
prudência é assente quanto à legalidade de sua cobrança, que encontra azo nas Resoluções
CMN nºs 3.518/2007 e 3.919/2010, contudo, seu valor há de guardar correspondência
para com o serviço prestado, ou seja, deve-se mostrar-se condizente para com os parâme-
tros de razoabilidade e proporcionalidade, não podendo se mostrar abusiva. Manutenção
do valor estipulado contratualmente. IV – No que tange à referida cláusula, em que pese
a sua incidência explícita no contrato, como se vê à fl. 35, item 3.15.1, no valor de R$ 46,88
(quarenta e seis reais e oitenta e oito centavos), tal cobrança não possui respaldo regulató-
rio, de forma que após a entrada em vigor da Resolução CMN nº 3.518/2007, vedou-se tal
cobrança nos contratos firmados após 30.04.2008. V – Recurso conhecido em parte e dado
parcial provimento na parte conhecida.” (TJES – Ap. 48120170336 – 4ª C.Cív. – Rel. Paulo
Roberto Luppi – J. 04.05.2015 – DJe 11.05.2015)

EXECUÇÃO CIVIL – PENHORA


ON LINE – ADMISSIBILIDADE

33916 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Execução. Penhora on line.


Deferimento após a entrada em vigor da Lei nº 11.382/2006. Diligências. Esgotamento.
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Desnecessidade. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial


representativo de controvérsia repetitiva, firmou compreensão segundo a qual, após a
entrada em vigor da Lei nº 11.382/2006, não se faz necessário o esgotamento das vias
extrajudiciais dirigidas à localização de bens do devedor para o deferimento da penhora
on line. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 389.401/SP – 3ª T. – Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. 07.05.2015 – DJe 13.05.2015)

EXECUÇÃO CIVIL – TÍTULO


EXTRAJUDICIAL – ASSINATURA
DE TESTEMUNHAS – REQUISITO
EXTRÍNSECO À SUBSTÂNCIA DO ATO

33917 – “Processo civil. Recurso especial. Execução de títulos extrajudiciais. Falta de as-
sinatura nos contratos de abertura de crédito fixo para exportação. Excepcionalidade no
caso concreto. Emenda da inicial. Questão prejudicada. 1. Consoante jurisprudência ite-
rativa da Casa, o documento particular, que não contenha a assinatura de duas testemu-
nhas, não preenche os requisitos do aludido dispositivo legal, não autorizando, portanto,
a utilização da via executiva para a cobrança do crédito nele inscrito (art. 585, II, do CPC).
2. A assinatura das testemunhas é um requisito extrínseco à substância do ato, cujo escopo
é o de aferir a existência e a validade do negócio jurídico; sendo certo que, em caráter abso-
lutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem
ser revelados por outros meios idôneos e pelo próprio contexto dos autos, hipótese em que
tal condição de eficácia executiva poderá ser suprida. Precedentes. 3. Prejudicada a análise
da questão relativa à emenda da petição inicial ante o provimento do REsp 1.268.590/PR,
em que foi autorizado o prosseguimento do segundo feito executivo tendente à cobrança
do crédito remanescente. 4. Recurso especial da Plásticos do Paraná e outros não provido,
prejudicado o recurso da Finame.” (STJ – REsp 1438399/PR – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe
Salomão – J. 10.03.2015 – DJe 05.05.2015)

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS –
EXCEÇÃO DE PRÉ-
-EXECUTIVIDADE – CABIMENTO

33918 – Processual civil. Execução de alimentos. Exceção de pré-executividade. Recurso


especial. Preliminar de ofensa ao art. 535 do CPC. Inexistência. Afirmada ausência de fun-
damentação da decisão que julgou a exceção de pré-executividade. Inocorrência. Nulida-
de da execução. Ausência de título executivo. Configuração. Recurso especial a que se dá
provimento. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são
rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo di-
178
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

rime a controvérsia, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. A decisão


de primeiro grau, ainda que concisa, com apresentação de fundamentação clara e suficien-
te para a solução do litígio, não afronta o disposto nos arts. 165 e 458 do CPC. 3. Se o ex-
-marido pagava, por liberalidade, a título de alimentos para sua filha um plano de saúde,
cujo adimplemento jamais foi negado, não é juridicamente possível a execução anterior de
tal verba porque a pagou no seu tempo, lugar e forma. 4. Por isso, ausente título executivo,
é nula a execução dos alimentos porque não estava amparada em título executivo previsto
no rol dos arts. 475-N e 585 do CPC. 5. Recurso especial a que se dá parcial provimento.”
(STJ – REsp 1454232/DF – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 05.05.2015 – DJe 12.05.2015)

EXECUÇÃO PROVISÓRIA – GARANTIA


DO JUÍZO – OFERECIMENTO POR
TERCEIRO – LEGALIDADE

33919 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Execução provisória. Levan-


tamento de quantia. Oferecimento de caução por terceiro. Possibilidade. Idoneidade. Sú-
mula nº 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que ‘na execução
provisória, admite-se caução prestada por terceiro, não integrante da relação processual
(CPC, art. 828)’ (REsp 33.960/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 22.08.1994).
2. Ante o que dispõe o inciso III do art. 475-O do CPC, a adoção por esta Corte de entendi-
mento diverso do acórdão recorrido quanto à suficiência ou idoneidade da caução presta-
da por terceiro encontra óbice no Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 3. Agravo regimental
a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 676.364/SP – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel
Gallotti – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)

IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA – GARANTIA
INTEGRAL DO JUÍZO – EXIGÊNCIA

33920 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Processual civil. Cumprimen-


to de sentença. Impugnação. Garantia integral do juízo. Exigência. Súmula nº 83 do STJ.
1. A garantia integral do juízo constitui pressuposto para o processamento da impugna-
ção ao cumprimento de sentença. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp
159.022/RJ – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 05.05.2015 – DJe 11.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – REVISÃO


DOS JULGADOS PELO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA – INADMISSIBILIDADE

33921 – “Processual civil. Mandado de segurança. Impetração contra acórdão de turma


recursal. Tribunal de Justiça. Incompetência. Súmula nº 376/STJ. 1. Os Tribunais de Justi-
ça Estaduais não possuem competência para rever decisões de turma recursal de Juizado
Especial. 2. A expressão ‘ato de Juizado Especial’ inserida na Súmula nº 376/STJ alcança
tanto as decisões singulares quanto as colegiadas daquele juizado, sendo, portanto, de-
sinfluente, para enquadramento sumular, o fato de o mandamus atacar ‘acórdão unâni-
me’ de turma recursal. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-RMS 45.388/SC –
3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)

PLANO DE ASSISTÊNCIA
ODONTOLÓGICA – AUSÊNCIA
DE REDE DE PROFISSIONAIS
CREDENCIADOS NO MUNICÍPIO DA
AUTORA – RESCISÃO CONTRATUAL

33922 – “Apelação cível. Ação ordinária. Rescisão contratual. Assistência odontológica.


Rede de profissionais credenciados. Ônus da prova. Restituição das quantias pagas. En-
riquecimento sem causa. Multa rescisória. 1. O ônus da prova incumbe ao réu, quanto à
existência de rede de profissionais da área de odontologia credenciados no município da
autora, apto a caracterizar a disponibilização do serviço aos beneficiários, fato impediti-
vo do direito do autor. 2. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores mo-
netários. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o
enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. 3. Àquele que deu causa à resci-
são antecipada do contrato responde pela multa nele expressamente prevista.” (TJMG –
AC 1.0035.13.005017-8/001 – 12ª C.Cív. – Rel. José Flávio de Almeida – J. 07.05.2015 –
DJe 12.05.2015)

PLANO DE SAÚDE – RECUSA


INJUSTIFICADA – DANO MORAL

33923 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Plano de saúde. Tratamento


médico. Recusa injustificada. Dano moral configurado. 1. Uma vez demonstrada a situa­
ção emergencial do segurado, estando o tratamento médico previsto no rol da ANS e
havendo previsão contratual da cobertura, não se justifica a recusa em autorizar o procedi-
180
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

mento solicitado. 2. Tendo a seguradora negado injustificadamente a cobertura do proce-


dimento solicitado pelo segurado, causando-lhe constrangimento, é cabível a indenização
por danos morais. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 525.473/DF
– 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 05.05.2015 – DJe 08.05.2015)

PLANO DE SAÚDE – REEMBOLSO


DE DESPESAS HOSPITALARES
– PRESCRIÇÃO ÂNUA

33924 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Plano de saúde. Despesas


hospitalares. Reembolso. Prescrição ânua. Art. 206, § 1º, II, do Código Civil. Entendimento
pacificado. Decisão monocrática do relator. Possibilidade. 1. A prescrição nas ações do
segurado contra a seguradora buscando o pagamento de indenização é ânua, consoan-
te previsto no art. 206, § 1º, II, do Código Civil. 2. É possível o relator julgar o mérito
do recurso especial nos autos de agravo nas hipóteses em que o entendimento aplicado
resta pacificado por esta Corte. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp
486.741/SP – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. 05.05.2015 – DJe 12.05.2015)

PRÁTICA DOS ATOS PROCESSUAIS –


HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DO
FORO – EXEGESE DO ART. 172, CPC

33925 – “Agravo regimental no recurso especial. Regulamentação pela lei de organiza-


ção judiciária local do horário de funcionamento do judiciário do Piauí. Art. 172, § 3º, do
CPC. 1. Regulamentada a lei de organização judiciária local, os atos processuais hão de
observar o regramento, na forma do art. 172, § 3º, do CPC. Reconhecimento pela Corte de
origem da interposição do recurso de apelação fora do expediente forense no último dia
do prazo. Impossibilidade de revisão. Enunciado nº 7/STJ. 2. A protocolização de petições
e recursos deve ser efetuada no horário de expediente regulado pela lei local. 3. Refoge
da competência desta Corte, por não se enquadrar como ‘tratado ou lei federal’, para os
fins do art. 105, III, da CF, a análise de resoluções emanadas do Tribunal local. 4. Agravo
regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1385900/PI – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino – J. 05.05.2015 – DJe 12.05.2015)
Nota:
Através deste Agravo Regimental, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema re-
lativo ao horário da prática dos atos processuais. Como é sabido, a despeito de existir
um Código de Processo Civil com vigência em todo o território nacional, usualmente,
são os Tribunais que fixam o horário de funcionamento.
181
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

Esta orientação decorre da interpretação do art. 172, CPC, que assim dispõe: “Os atos
processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas. § 1º Serão, toda-
via, concluídos depois das 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento
prejudicar a diligência ou causar grave dano. § 2º A citação e a penhora poderão, em
casos excepcionais, e mediante autorização expressa do juiz, realizar-se em domingos
e feriados, ou nos dias úteis, fora do horário estabelecido neste artigo, observado o
disposto no art. 5, inciso XI, da Constituição Federal. § 3º Quando o ato tiver que ser
praticado em determinado prazo, por meio de petição, esta deverá ser apresentada no
protocolo, dentro do horário de expediente, nos termos da lei de organização judiciária
local.”
No caso concreto, a parte havia interposto recurso de apelação no último dia do prazo,
porém fora do horário de funcionamento do Judiciário do Estado do Piauí.
De acordo com a decisão monocrática, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino havia
negado seguimento ao recurso, em julgado assim ementado: “RECURSO ESPECIAL
– INEXISTÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO PELA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDI-
CIÁRIA LOCAL QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO – ART. 172, CAPUT,
DO CPC – INCIDÊNCIA – 1. Regulamentada a lei de organização judiciária local, os
atos processuais hão de observar esse novo regramento, na forma do art. 172, § 3º, do
CPC. 2. A protocolização de petições e recursos deve ser efetuada no horário de expe-
diente regulado pela lei local. 3. Completa ausência de prequestionamento às demais
questões ante o não conhecimento do recurso de apelação pela origem. 4. Inadmissi-
bilidade de manejo do recurso especial com base em afronta à norma constitucional.
5. Recurso especial a que se nega seguimento.”
Enfrentando o Agravo, o Relator considerou que a lei federal (art. 172, §3º, do CPC) au-
toriza os Estados, através de organização judiciária local, fixar o horário do expediente.
No caso, “como o horário do funcionamento do Judiciário Piauiense é compreendido
das 7 às 14 horas, e o recurso fora interposto no último dia de prazo fora do horário
normal estabelecido, tem-se por intempestivo o presente recurso”.
O voto indica precedentes em idêntico sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NOS EM-
BARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – APE-
LAÇÃO INTERPOSTA APÓS O TÉRMINO DO EXPEDIENTE FORENSE – NORMA
LOCAL – PLANTÃO JUDICIÁRIO – SUPERAÇÃO DE DISSÍDIO PRETERITAMENTE
VERIFICADO NESTE TRIBUNAL SUPERIOR – INTEMPESTIVIDADE – SÚMULA
Nº 168/STJ – EMBARGOS LIMINARMENTE INDEFERIDOS – AGRAVO REGIMEN-
TAL DESPROVIDO – 1. O fundamento dos Embargos do art. 546 do CPC e do art.
266 do RISTJ é a divergência de entendimento jurídico manifestado em face de uma
mesma situação fática, porque, por óbvio, se forem diversas as circunstâncias concre-
tas da causa, as consequências jurídicas não podem ser idênticas. 2. A Corte Especial
deste Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a protocolização de
petições e recursos deve ser efetuada no horário de expediente regulado pela lei local, a
teor do art. 172, § 3º do CPC (AgRg-EREsp 1.307.036/PI, Rel. Min. João Otávio de Noro-
nha, DJe 29.05.2013). 3. Não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência
do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão recorrido (Súmula nº 168/STJ).
4. Agravo Regimental desprovido.” (AgRg-EREsp 1.341.709/PI, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, Corte Especial, J. 01.10.2014, DJe 16.10.2014); “PROCESSUAL CIVIL
– AGRAVO REGIMENTAL – APELAÇÃO INTERPOSTA APÓS O ENCERRAMENTO
DO EXPEDIENTE FORENSE – NORMA LOCAL – PLANTÃO JUDICIÁRIO – INTEM-
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

PESTIVIDADE – SÚMULA Nº 168/STJ – 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o


entendimento de que é inadmissível o protocolo de petição recursal após o horário do
expediente forense estabelecido pela lei de organização judiciária local. 2. ‘Não cabem
embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo
sentido do acórdão recorrido’ (Súmula nº 168/STJ). 3. Agravo regimental desprovi-
do.” (AgRg-EREsp 1.307.036/PI, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial,
J. 15.05.2013, DJe 29.05.2013)
Desta forma, assentou o Superior Tribunal de Justiça que as partes devem respeitar e
atender o horário de funcionamento do Poder Judiciário, fixado pelos Tribunais Locais.
Nesse quadro, foi negado provimento ao agravo regimental.

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO


COLETIVA – SUSPENSÃO DE AÇÕES
INDIVIDUAIS – ADMISSIBILIDADE

33926 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Dano ambiental. Pedido de


indenização pelos danos morais supostamente sofridos. Possibilidade de suspensão de
ações individuais até o julgamento da ação coletiva. Entendimento firmado pela Segunda
Seção em recurso especial representativo de controvérsia. Agravo regimental não pro-
vido. 1. Ajuizada ação coletiva atinente à macro-lide geradora de processos multitudi-
nários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva
(REsp 1110549/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Segunda Seção, J. 28.10.2009, DJe 14.12.2009).
2. Diante dos fatos narrados no acórdão recorrido, acerca da multiplicidade de ações indi-
viduais existentes e da possibilidade real destas gerarem decisões judiciais contraditórias,
mormente pela existência de uma ação civil pública cuidando da mesma questão jurídi-
ca, mostra-se acertada a decisão do Tribunal local de suspender os processos singulares.
3. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 585.246/PR – 4ª T. – Rel. Min.
Luis Felipe Salomão – J. 05.05.2015 – DJe 12.05.2015)

PROCESSUAL CIVIL – CITAÇÃO


POR EDITAL – REQUISITOS

33927 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Tempestividade do recurso


especial comprovada. Embargos à execução hipotecária. Citação por edital. Esgotamentos
dos meios para localização do executado. Necessidade. Retorno dos autos à origem. 1. É
tempestivo o recurso especial interposto no prazo legal. 2. É necessário o esgotamento de
todos os meios de localização dos réus para que se proceda à citação por edital. Preceden-
tes. 3. Agravo regimental provido.” (STJ – AgRg-AREsp 430.022/BA – 3ª T. – Rel. Min.
João Otávio de Noronha – J. 05.05.2015 – DJe 11.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

PROCESSUAL CIVIL – EXCEÇÃO DE


PRÉ-EXECUTIVIDADE – DILAÇÃO
PROBATÓRIA – NÃO CABIMENTO

33928 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Exceção de pré-executivi-


dade. Revisão do quantum arbitrado. Suposto erro de cálculo. Dilação probatória. Não
cabimento. Súmula nº 7/STJ. 1. A alegação de excesso de execução fundada em suposto
erro de cálculo não possibilita a oposição de exceção de pré-executividade, porquanto
exige demanda probatória. Entendimento contrário exige a incursão no conjunto fático-
-probatório dos autos, procedimento vedado na via do recurso especial, nos termos da
Súmula nº 7 do STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 410.636/MG
– 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 05.05.2015 – DJe 11.05.2015)

PROCESSUAL CIVIL – INTIMAÇÃO


REALIZADA NA PESSOA DE
ADVOGADO SUBSTABELECENTE
– LEGALIDADE

33929 – “Agravo regimental. Processual civil. Agravo em recurso especial. Intimação fei-
ta em nome do advogado substabelecente. Exercício em comarca distinta. Não comprova-
ção. Nulidade. Não ocorrência. Decisão agravada mantida. 1. É válida a intimação efetua-
da em nome de um dos advogados constituídos nos autos quando o substabelecimento foi
feito com reserva de poderes e não constou pedido expresso para a publicação exclusiva
em nome de um advogado específico. Incidência da Súmula nº 83/STJ. 2. Inexiste nos au-
tos a comprovação de que o substabelecimento se deu com o propósito de possibilitar que
o advogado substabelecido acompanhe o processo em uma comarca diferente daquela em
que o substabelecente advogava. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp
330.564/PE – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 05.05.2015 – DJe 08.05.2015)

PROCESSUAL CIVIL –
TEMPESTIVIDADE

33930 – “Processual civil. Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Recurso es-
pecial protocolado após o prazo legal. Intempestividade. Publicação do acórdão. Termo
inicial do prazo. 1. Não se conhece de recurso interposto fora do prazo legal. 2. A posterior
publicação da ata de julgamento não serve para alterar a data de início da contagem do
prazo recursal, uma vez que, nos termos da legislação processual civil, o prazo tem início
da data publicação do acórdão. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp
586.937/DF – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 05.05.2015 – DJe 11.05.2015)
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

RESPONSABILIDADE CIVIL –
ARREMESSO DE PEDRA PARA O
INTERIOR DE TREM – FATO DE
TERCEIRO – RESPONSABILIDADE
CIVIL AFASTADA

33931 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Con-


cessionária de serviço público. Arremesso de pedra para o interior de composição ferro-
viária. Fato de terceiro. Caso fortuito. 1. A jurisprudência do STJ possui entendimento
de que o arremesso de pedra por terceiro que fere passageiro no interior de composição
ferroviária deve ser caracterizado como fortuito externo, por se tratar de fato não relacio-
nado com os riscos inerentes à atividade explorada. Precedentes. 2. Agravo regimental a
que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 638.800/SP – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel
Gallotti – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)

RESPONSABILIDADE CIVIL DE
EMPRESA JORNALÍSTICA – VIOLAÇÃO
DE SEGREDO DE JUSTIÇA – DANO
MORAL CARACTERIZADO

33932 – “Recurso especial. Responsabilidade civil. 1. Reparação por danos morais. Ma-
térias jornalísticas com relatos de fatos contidos em ação de separação judicial. Violação
do segredo de justiça. Notícias fundamentadas apenas na versão de uma das partes en-
volvidas. Juízo de valor negativo sobre o comportamento da recorrida. Perda do contato
entre mãe e filha após a divulgação das reportagens. Abuso no exercício do direito de
informação. Dever de indenizar. Configuração. 2. Valor reparatório. Revisão excepcional.
Montante razoável. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso improvido. 1. A regra geral
é a liberdade de informação. Entrementes, esta não é absoluta, encontrando restrições,
entre outras hipóteses, na proteção dos direitos da personalidade. Daí fazer-se mister a
identificação de limites à livre manifestação da imprensa, a partir da proteção dos direitos
da personalidade, especialmente com fundamento na tutela da dignidade humana. 2. No
caso, concluíram as instâncias ordinárias que o recorrente expôs ao conhecimento público
situações desprovidas de justificativa factual ou documental, além de elementos obtidos
de processos que se encontravam resguardados pelo segredo de justiça. Descreveu o acór-
dão que as notícias aludiram à prática de crime de subtração de incapazes pela recorrida,
por haver supostamente fugido com a menor do País, insinuando o suborno de magis-
trado com o objetivo de alcançar tal desiderato. Narraram que a genitora não prestava a
devida atenção à filha no exterior, expondo, ademais, aspectos inerentes à vida privada da
recorrida, formulando juízo de valor negativo sobre a sua intimidade, o que motivou, por
fim, a perda completa do contato da recorrida com sua filha, sendo necessário que viesse a
se submeter a tratamento terapêutico. Além disso, as notícias tiveram como fonte apenas
185
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

os depoimentos do pai da menor e dados obtidos na Ação de Separação Litigiosa. Dessa


forma, nos moldes traçados no acórdão e na sentença, evidente o abuso no exercício do di-
reito de informar e o consequente dever de indenizar. Precedentes. 3. No tocante ao valor
arbitrado à reparação, as instâncias ordinárias estabeleceram o patamar de 300 (trezentos)
salários mínimos – equivalente à R$ 139.500,00 (cento e trinta e nove mil e quinhentos
reais) à época. A análise dos precedentes desta Casa revela que o valor estipulado não se
distancia dos padrões de razoabilidade, notadamente considerando-se que o recorrente
imputou à recorrida condutas tipificadas como crime, divulgou informações protegidas
pelo segredo de justiça, relativas à intimidade da família, bem assim as consequências
nefastas ocasionadas à vítima, sendo, portanto, caso de aplicação do Enunciado nº 7/STJ.
4. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1380701/PA – 3ª T. – Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO
EMPREGADOR – ROUBO EM ÔNIBUS
– MORTE DE COBRADOR – DEVER
DE INDENIZAR CARACTERIZADO

33933 – “Recurso especial. Acidente do trabalho. Responsabilidade civil do empregador.


Roubo em ônibus. Morte de cobrador. Obrigação de indenizar (CLT, art. 2º). Jurisprudên-
cia do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso desprovido. 1. No caso dos autos, a morte
do empregado ocorreu na vigência do Código Civil de 1916, que previa a responsabilida-
de civil subjetiva, relacionada à culpa do agente. 2. Por outro lado, o art. 7º da Constituição
Federal, como consta de seu caput, constitui tipo aberto, resguardando os direitos mínimos
do trabalhador, mas autorizando, ao mesmo tempo, o reconhecimento de outros direitos
que visem à melhoria de sua condição social. Sob essa perspectiva, nas hipóteses em que
a atividade empresarial expõe o obreiro a risco exacerbado, impondo-lhe um ônus maior
que aos demais trabalhadores, a jurisprudência trabalhista vem reconhecendo a respon-
sabilidade do empregador não sob o enfoque do dolo e da culpa, mas com base no risco
da atividade econômica. 3. Estando a integridade física do empregado exposta a maiores
riscos em prol da obtenção de lucro para a sociedade empresária empregadora, deve esta
arcar com os riscos dessa maior exposição, nos termos do art. 2º da Consolidação das Leis
do Trabalho, respondendo objetivamente pelos danos sofridos pelo operário, passando
o fato de terceiro a se caracterizar como fortuito interno. Precedentes do eg. Tribunal Su-
perior do Trabalho – TST. 4. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp
1083023/MG – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – Rel. p/ Ac. Min. Raul Araújo – J. 03.03.2015
– DJe 08.05.2015)
186
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Civil
Maio/2015

RESPONSABILIDADE CIVIL DO
HOSPITAL – CONTRATAÇÃO DE FALSO
MÉDICO – DEVER DE INDENIZAR

33934 – “Processual civil. Alegação de negativa de prestação jurisdicional. Improcedên-


cia. Conexão. Faculdade do julgador. Súmula nº 235/STJ. Sentença proferida em uma
das demandas. Instâncias criminal e cível. Independência. Condenação criminal. Mate-
rialidade e autoria. Coisa julgada no cível. Inviabilidade de afastamento do nexo causal.
Ausência de cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova. Art. 935 do Código Ci-
vil. Responsabilidade civil do hospital por contratação de falso médico. Culpa in eligendo.
Pensionamento. Divergência jurisprudencial. Bases fáticas distintas. Valor do dano moral.
Redução. Súmula nº 7/STJ. 1. Afasta-se a alegada violação do art. 535 do CPC quando o
acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime,
de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.
2. O juiz tem a faculdade, e não a obrigação, de reconhecer a conexão entre duas ou mais
demandas à luz da matéria controvertida, quando concluir pela necessidade de julga-
mento simultâneo para evitar a prolação de decisões conflitantes em litígios semelhantes.
3. Não se determina a reunião de processos por conexão se um deles já foi julgado. Inci-
dência da Súmula nº 235/STJ. 4. Em virtude da independência entre as instâncias criminal
e cível, a coisa julgada criminal só acarretará efeitos na esfera cível, para aferição de res-
ponsabilidade civil, no que se refere aos aspectos comuns a ambas as jurisdições quanto
à materialidade do fato e à autoria do ilícito (art. 935 do Código Civil). 5. Reconhecidas
por sentença penal transitada em julgado a materialidade e a autoria do crime de homi-
cídio praticado por falso médico contratado por entidade hospitalar, configura-se, assim,
a culpa in eligendo, hipótese em que não é possível afastar a responsabilidade civil do no-
socômio, revelando-se dispensável a produção de prova tendente a demonstrar a supos-
ta ausência de nexo causal. 6. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os
julgados dissidentes tratam de situações fáticas diversas. 7. A revisão de indenização por
danos morais só é viável em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais
for exorbitante ou ínfimo. Salvo essas hipóteses, incide a Súmula nº 7 do STJ, impedindo o
conhecimento do recurso. 8. Tratando-se de danos morais, é incabível a análise do recurso
com base na divergência pretoriana, pois, ainda que haja grande semelhança nas carac-
terísticas externas e objetivas, no aspecto subjetivo, os acórdãos são distintos. 9. Recurso
especial parcialmente conhecido e desprovido.” (STJ – REsp 1496867/RS – 3ª T. – Rel. Min.
João Otávio de Noronha – J. 07.05.2015 – DJe 14.05.2015)

187
Jurisprudência
Penal
stj
S uperior T ribunal de J ustiça

AgRg no Conflito de Competência nº 138.189 – DF (2015/0009137-2)


Relator: Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do
TJ/PE)
Agravante: Ministério Público Federal
Suscitante: Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de Brasília/DF
Suscitado: Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal
Interes.: Justiça Pública
Interes.: em apuração

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO


CONFLITO DE COMPETÊNCIA – 1 CRIME DE APOLOGIA
À TORTURA PRATICADO PELA INTERNET – PÁGINA DO
“FACEBOOK” INTITULADA “POLÍCIA SEM CENSURA”
– NÃO DEMONSTRAÇÃO DE TRANSNACIONALIDADE
DO DELITO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL
– 2 AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO
1. A definição da competência, com base no art. 109, inciso V,
da Constituição Federal, não se perfaz apenas em função de se tra-
tar de crime previsto em tratado ou convenção internacional, sendo
imprescindível que a conduta tenha ao menos potencialidade para
ultrapassar os limites territoriais. Igualmente, tem-se que eventual
utilização da rede mundial de computadores para divulgar mate-
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

rial ilícito não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Assim,
não constatados indícios mínimos de extraterritorialidade, não há se fa-
lar em competência da Justiça Federal. Precedentes da 3ª Seção.
2. Agravo regimental a que se nega provimento, mantendo, dessa
forma, o entendimento esposado na decisão monocrática, que declarou
a competência do Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de Brasília/DF,
o suscitante.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima in-


dicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, a Terceira Seção, por unanimidade, negar provimento ao agravo re-
gimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Felix
Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior, Nefi Cordeiro,
Gurgel de Faria, Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC) e
Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP) votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Brasília, 13 de maio de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Leopoldo de Arruda Raposo


(Desembargador Convocado do TJ/PE)
Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador


Convocado do TJ/PE) (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Fe-
deral contra decisão monocrática, da minha lavra, que conheceu do confli-
to para declarar a competência do Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de
Brasília/DF.
Aduz o recorrente, em síntese, que o entendimento apresentado na
decisão monocrática precisa ser revisto, pois “a Internet é um veículo de co-
municação que torna possível a divulgação de mensagens e imagens de seus
190
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

usuários, em qualquer parte do mundo, podendo ultrapassar as fronteiras de


um país e produzir efeitos de âmbito internacional”.
Entende, assim, estar “constatada a transnacionalidade do fato pratica-
do pela Internet”.
Pugna, assim, pelo provimento do presente agravo, para que seja de-
clarada a competência do Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do
Distrito Federal.
É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador


Convocado do TJ/PE) (Relator):
A insurgência não merece prosperar.
Com efeito, conforme explicitado na decisão agravada, o presente
conflito se estabeleceu em virtude de investigação relacionada à página do
“Facebook” intitulada “Polícia sem censura”, na qual são publicados atos de
tortura praticados por policiais. O Magistrado Federal considerou não es-
tarem presentes circunstâncias aptas a firmar a competência daquele Juízo.
Contudo, o Juízo estadual aduziu que, por se tratar de condutas divulgadas
por meio da internet, estaria devidamente demonstrada a transnacionalida-
de, porquanto acessível em qualquer lugar.
Reitero que a definição da competência, com base no art. 109, inciso V,
da Constituição Federal, não se perfaz apenas em função de se tratar de crime
previsto em tratado ou convenção internacional, sendo imprescindível que a
conduta tenha ao menos potencialidade para ultrapassar os limites territo-
riais. Igualmente, tem-se que eventual utilização da rede mundial de compu-
tadores para divulgar material ilícito não atrai, por si só, a competência da
Justiça Federal, devendo haver a análise do caso concreto.
A propósito, trago lição doutrinária sobre o tema:
Para que a competência da Justiça Federal seja fixada com base no art. 109,
V, da Constituição Federal, deve ficar demonstrado que o início da execu-
ção ocorreu no Brasil e que a consumação da infração tenha ou devesse ter
ocorrido no exterior, ou vice-versa. Tal assertiva não se modifica nas hipó-
teses em que a Internet é utilizada como meio para o cometimento de cri-
191
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

mes: a prova (ou, pelo menos, indícios suficientes de prova) da execução do


delito no Brasil e da sua consumação no exterior, ou vice-versa, mantém-se
como pressuposto para que o feito seja processado e julgado pela Justiça
Federal. Assim, as questões envolvendo a competência para julgar crimes
cometidos via Internet exigem exame casuístico, não se presumindo que a
simples utilização do meio virtual para a prática de delito extrapole, por
si só, os limites do território nacional. Na hipótese do crime tipificado no
art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se evidenciando que
o acesso ao material de pornografia infantil, disponibilizado por período
determinado na Internet, deu-se além das fronteiras nacionais, não há falar
em competência da Justiça Federal. (DE LIMA, Renato Brasileiro. Curso de
Processo Penal. Niterói/RJ: Impetus, 2013. p. 422/423)

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, apesar das oscila-


ções, trilha atualmente a mesma linha de raciocínio. Com efeito, embora se
trate de crime previsto em Tratado Internacional e que tenha sido praticado
por meio da rede mundial de computadores, necessária se faz a existência
de indícios mínimos de extraterritorialidade, para que seja determinada a
competência da Justiça Federal. De fato, a mera utilização da Internet não
caracterizada, por si só, a transnacionalidade do delito, não sendo suficiente
a potencialidade de dano internacional.
Portanto, não constatados indícios mínimos de extraterritorialidade,
não há se falar em competência da Justiça Federal, porquanto não verificada
a hipótese do art. 109, inciso V, da Constituição da República. Dessa forma,
diante do contexto fático delineado nos autos, deve ser definida, em princí-
pio, a competência da Justiça Estadual.
Nesse sentido:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – ARTS. 241-A E 241-B DO
ECA – CRIMES PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET – INDÍCIOS
DE TRANSNACIONALIDADE – INEXISTÊNCIA – COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESTADUAL – 1. Para firmar a competência da Justiça Federal,
nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária
a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em trata-
dos ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano
internacional. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juí-
zo Estadual, o suscitante. (CC 127.419/GO, Rel. Min. Walter de Almeida
Guilherme (Desembargador Convocado do TJ/SP), Relª p/ Ac. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 3ª S., Julgado em 12.11.2014, DJe 02.02.2015)
192
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – PROCESSUAL PENAL –


APURAÇÃO DO DELITO DO ART. 241-A DO ESTATUTO DA CRIAN-
ÇA E DO ADOLESCENTE – SUPOSTA VEICULAÇÃO DE IMAGENS DE
PORNOGRAFIA INFANTIL PELA INTERNET – COMPETÊNCIA FIR-
MADA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO – ART. 70 DO CÓDIGO DE PRO-
CESSO PENAL – COMPETÊNCIA DE TERCEIRO JUÍZO, ESTRANHO
AO CONFLITO – 1. A consumação do delito, que atualmente tem previsão
no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, “ocorre no ato de
publicação das imagens pedófilo-pornográficas, sendo indiferente a loca-
lização do provedor de acesso à rede mundial de computadores onde tais
imagens encontram-se armazenadas, ou a sua efetiva visualização pelos
usuários” (CC 29.886/SP, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª S.,
Julgado em 12.12.2007, DJ 01.02.2008, p. 427). 2. A conduta delituosa a ser
apurada, na hipótese, refere-se à veiculação de imagens de menores alicia-
das para exposição em cenas obscenas, via webcam, por meio do MSN/
Orkut e Twitter, além de hackeamento e utilização do perfil de uma de-
las, fazendo-se o agente passar por esta, para comunicar-se com terceiros.
3. Ausentes indícios de transnacionalidade do crime, a tanto não servindo
o mero meio internet, competente é o juízo estadual do local de indicada
residência do suspeito, em Londrina/PR, na forma do art. 70 do Código
de Processo Penal. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo
de Direito da Vara Criminal da Comarca de Londrina - TJ/PR, juízo estra-
nho ao conflito. (CC 136.257/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 3ª S., Julgado em
11.03.2015, DJe 20.03.2015)

Oportuno ponderar, no entanto, que, acaso sejam descobertos indícios


da efetiva transnacionalidade do delito, que não consistam na mera divulga-
ção das condutas praticadas pela Internet, será possível a remessa dos autos
ao Magistrado Federal.
Em situação semelhante, já se manifestou esta Corte Superior:
PENAL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – TRÁFICO INTERNACIO-
NAL DE ENTORPECENTES – EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS – INQUÉRITO
POLICIAL NÃO CONCLUÍDO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDE-
RAL – 1. Havendo indícios que caracterizem o tráfico internacional de en-
torpecentes, cabe à Justiça federal o processamento e julgamento do feito
(art. 109, V, da CF). 2. A competência para o acompanhamento do inquérito
policial pela Justiça federal deverá ser afastada apenas ao final das inves-
tigações, se não subsistirem os indícios iniciais do tráfico internacional de
entorpecentes. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo
193
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

Federal da 2ª Vara de Araçatuba/SP, ora suscitado. (CC 86.405/SP, Rel.


Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 04.02.2009)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental, mantendo, des-


sa forma, o entendimento esposado na decisão monocrática, que declarou a
competência do Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de Brasília/DF, o sus-
citante.
É como voto.

Ministro Leopoldo de Arruda Raposo


(Desembargador Convocado do TJ/PE)
Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2015/0009137-2


Processo Eletrônico AgRg-CC 138.189/DF
Matéria Criminal
Números Origem: 00388549220144013400 20140111049134
Em mesa Julgado: 13.05.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador
Convocado do TJ/PE)
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Eitel Santiago de Brito
Pereira
Secretário: Bel. Gilberto Ferreira Costa

AUTUAÇÃO

Suscitante: Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de Brasília/DF


Suscitado: Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal
Interes.: Justiça Pública
Interes.: em apuração

194
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

Assunto: Direito Penal

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Ministério Público Federal

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Seção, ao apreciar o processo em epí-


grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimen-
tal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Sebas-


tião Reis Júnior, Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria, Newton Trisotto (Desembar-
gador convocado do TJ/SC) e Ericson Maranho (Desembargador convocado
do TJ/SP) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.

195
TRF 2ª R.
T ribunal R egional F ederal da 2ª R egião

V – Apelação Criminal nº 2003.51.01.513655-2


Nº CNJ: 0513655-08.2003.4.02.5101
Relator: Desembargador Federal Antonio Ivan Athié
Apelante: Wilton Luiz Andrade Reis
Advogado: Fernando Maximo de Almeida Pizarro Drummond e outros
Apelado: Ministério Público Federal
Origem: Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (200351015136552)

EMENTA

PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – LAVAGEM DE


CAPITAIS – ART. 1º, INCISOS V E VII DA LEI Nº 9.613/1998
– MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS –
OCULTAÇÃO DE RECURSOS DESVIADOS – RECURSO DA
DEFESA DESPROVIDO – PRELIMINARES REJEITADAS
1. A denúncia descreve com riqueza de detalhes os fatos, e res-
pectivas tipificações, preenchendo os requisitos do art. 41 do Código de
Processo Penal.
2. Praticado ato decisório pertinente ao processo, e antes da edi-
ção da Resolução Conjunta TRF2 nº 1, de 2005, firma-se a competência
do juízo, conforme seu art. 2º, § 5º.
3. Não comprovação de origem lícita de valores movimentados,
oriundos de empresa da qual participava de administração, e dedicada
à venda de equipamentos eletrônicos, internados no país com supressão
de tributos, mediante ação ilícita do apelante.
4. Negado provimento ao recurso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima


indicadas, acordam os Membros da Primeira Turma Especializada do Tri-
197
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

bunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao


recurso da defesa, nos termos do Voto do Relator.
Rio de Janeiro, 29.04.2015 (data do Julgamento).

Antonio Ivan Athié


Desembargador Federal – Relator

RELATÓRIO (ADITAMENTO)

Às fls. 856/857, lancei o seguinte relatório:


“Trata-se de Apelação Criminal interposta por Wilton Luiz Andrade Reis
(fls. 727/769) em face da sentença (fls. 610/662) da 6ª Vara Federal Crimi-
nal do Rio de Janeiro, que julgou procedente em parte a pretensão punitiva
estatal para absolver Deize Reis Domingo e condenar o ora apelante às pe-
nas de 04 anos de reclusão e 100 dias-multa, no valor unitário de 1/2 salário
mínimo vigente, pela prática do crime tipificado no art. 1º, incisos V e VII,
c/c § 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/1998.
Deferida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas
de direito e decretada, ainda, a interdição do exercício de cargo ou função
pública de qualquer natureza e de diretor, membro de conselho de admi-
nistração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, da Lei
nº 9.613/1998, pelo prazo de 8 (oito) anos, nos termos do art. 7º, II da Lei
nº 9.613/1998.
Segundo a denúncia, Wilton Reis, na qualidade de responsável de fato pela
empresa PCM Cia. Ativa Informática e Tecnologia Ltda., registrada formal-
mente em nome de sua esposa Cláudia e de sua irmã e codenunciada Deize
Reis, ocultou a origem de valores provenientes diretamente da atividade
delituosa que desenvolvia, utilizando-se, para tanto, das contas bancárias
titularizadas por Deize, com o propósito de reintroduzir na economia for-
mal recursos derivados da comercialização de produtos descaminhados.
Ainda nos termos da inicial acusatória, Wilton Reis integrava organização
criminosa voltada ao contrabando e descaminho de mercadorias, razão
pela qual foi denunciado nos autos da Ação Penal nº 2002.51.03.001916-9,
no âmbito da Operação Planador.
Denúncia recebida em 04.08.2009 (fl. 19).
Em suas razões, visa o apelante à absolvição e alega: a) a incompetência da
6ª Vara Federal Criminal para processamento e julgamento do feito, visto

198
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

tratar-se de matéria afeta a uma das Varas Especializadas em crimes contra


o sistema financeiro e lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
b) inépcia da denúncia por ausência de justa causa, visto que, além de não
narrar de forma suficiente a conduta do acusado, não há indícios mínimos
quanto à existência do suposto crime antecedente ao crime de lavagem
de dinheiro; c) ocorrência de bis in idem quanto à denúncia oferecida na
Ação Penal nº 2002.51.03.001916-9; d) nulidade processual decorrente da
inadmissibilidade das provas emprestadas, colhidas no bojo da Ação Penal
nº 2002.51.03.001916-9 e da Medida Cautelar nº 2002.51.01.501746-7, não
dando oportunidade para o contraditório e ampla defesa; e) cerceamento
de defesa e nulidade absoluta decorrente da negativa de vista de documen-
tos imprescindíveis para a defesa; f) nulidade absoluta do termo de degra-
vação da delação premiada do ex-agente da Polícia Federal, réu na Ação
Penal nº 2002.51.01.03001916-9, Heródoto Dorta do Amaral; g) irretroativi-
dade da lei penal, visto que todos os incisos do art. 1º, bem como o § 1º da
Lei nº 9.613/1998 foram revogados pela Lei nº 12.683/2012, que entrou em
vigor em 09.07.2012; h) não configuração do crime de lavagem de dinheiro,
não tendo o apelante se beneficiado dos 19 cheques emitidos por sua irmã
Deize, no valor total de R$90.000,00, uma vez que não tinha nenhuma liga-
ção com a empresa PCM Cia. Ativa Informática e Tecnologia Ltda.
Contrarrazões às fls. 816/836, pelo desprovimento do recurso, afirmando
estar devidamente demonstrado que o apelante ocultava e movimentava
valores provenientes da comercialização de mercadorias descaminhadas.
Parecer da Procuradoria Regional da República, às fls. 841/854, pela manu-
tenção da sentença condenatória por seus próprios fundamentos.
É o relato do necessário. À Douta Revisão.
Rio de Janeiro, 08 de janeiro de 2015.
Antonio Ivan Athié
Desembargador Federal – Relator”

Após a revisão feita pelo Juiz Federal Convocado Antônio Henrique


Correa da Silva, que atuava em substituição ao Exmo. Sr. Desembargador
Federal Paulo Espírito Santo, a apelação foi incluída na Pauta de Julgamento
da Sessão Ordinária do dia 29.10.2014, sendo dela retirada conforme pedido
feito pela defesa à fl. 866.
Às fls. 872/877, o apelante apresentou requerimento, intitulado “recur-
so inominado”, no qual sustenta nulidade absoluta da sentença, aduzindo que
199
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

a Magistrada violou as regras de competência funcional ao fazer integrar às


razões de decidir o conteúdo da denúncia e da sentença exarada no processo
nº 2002.51.03.001916-9, o qual ainda está pendente de julgamento neste Tribu-
nal. Aduz, assim, que houve usurpação da competência do Tribunal, já que
a Magistrada acolheu tal decisão como se transitado em julgado estivesse.
Manifestação da Douta Procuradoria Regional da República às
fls. 937/953, na qual afirma que o recurso sequer deve ser conhecido, posto
que, além da falta de previsão legal da espécie manejada, a questão versada
no requerimento está preclusa, já que não foi alegada nas razões de apelação
de fls. 727/769. Ressalta, outrossim, a inexistência de qualquer ilegalidade, já
que a menção da referida decisão não importa em usurpação de competência
do Tribunal.
É o relato do necessário.
À Douta Revisão.
Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2015.

Antonio Ivan Athié


Desembargador Federal – Relator

VOTO

Conheço da apelação, por presentes seus pressupostos.


Incorporo às razões de apelação os argumentos lançados na peça de
fls. 872/930, nominada de “recurso inominado”, com isso atribuindo total am-
plitude à ampla defesa, considerando que poderiam, e validamente, serem
agitados da Tribuna quando do julgamento pela Turma, e considerando,
também, que sobre eles manifestou-se a acusação, refutando-os.
A preliminar suscitada na referida peça não vinga, eis que não há usur-
pação de competência no caso de numa sentença serem adotadas razões em
outra ou outras expendidas, mesmo que não tenha havido transito em jul-
gado, ou até mesmo tenham havido reforma, eis que pode, perfeitamente,
existir – como de fato existe – coincidência de conclusões sobre determinado
tema. É, referir-se a sentença a alguma outra, o mesmo que referir-se a ensi-
namentos doutrinários, e a eles aderir.
O apelante Wilton Luiz Andrade Reis, policial federal, foi condenado
como incurso no art. 1º, incisos V e VII da Lei nº 9.613/1998 por ter, segundo
200
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

a sentença, utilizado a conta bancária de sua irmã Deize para movimentar e


ocultar recursos financeiros, obtidos com a venda de produtos de informática
descaminhados, comercializados na empresa PCM Cia. Ativa Informática e
Tecnologia Ltda., por ele controlada.
A acusação é de que o apelante integrava organização criminosa que
atuava no âmbito da Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro,
desarticulada na Operação Planador e que, na conta bancária que utilizava
foram movimentados, no ano de 2000, R$ 522.521,07 (quinhentos e vinte e
dois mil, quinhentos e vinte e um reais e sete centavos) e, no ano de 2001,
R$ 508.402,45 (quinhentos e oito mil, quatrocentos e dois reais e quarenta e
cinco centavos), sem comprovação de origem lícita, sendo beneficiado direta-
mente com a emissão de 19 (dezenove) cheques, no montante de R$ 90.000,00
(noventa mil reais), sem qualquer justificativa aparente.
Há preliminares a serem solvidas.
A de incompetência absoluta da 6ª Vara Federal Criminal, alegada
também em 1º grau, foi acertadamente rechaçada pelo Juízo, eis que quando
editada por este Tribunal a Resolução Conjunta nº 001, em 09.06.2005, que
criou varas especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,
já havia sido praticado, em 10.02.2004, ato decisório em feito conexo, qual
seja a Medida Cautelar nº 2003.51.01.513751-9, distribuída ao referido Juízo
por dependência à ação penal ora em julgamento de recurso. Incide, assim, a
exceção posta no art. 2º, § 5º, da citada Resolução.
Rejeito, assim, a preliminar de incompetência.
Improcede também a preliminar de inépcia da denúncia, eis que nela
descreveu-se, de forma clara e objetiva, os fatos e a tipificação deles, e até com
riqueza de detalhes, contendo os requisitos inscritos no art. 41 do Código de
Processo Penal, em nada prejudicando, em nada cerceando a defesa.
Também não há que se falar em bis in idem entre os fatos aqui apura-
dos (lavagem de capitais) com aqueles investigados nos autos da Ação Penal
nº 2002.51.03.001916-9, posto que nesta última, o apelante é acusado, jun-
tamente com outros réus, pela prática de crimes de quadrilha (art. 288 do
Código Penal) e de ter oferecido vantagem indevida ao policial Daury
(art. 333, § 1º, do Código Penal) de modo a possibilitar que produtos desca-
minhados fossem desviados dos trâmites normais, tal como se observa das
fls. 6809/6811 do apenso IV. São, pois, fatos distintos.
201
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

O apelante afirma ainda que a juntada de cópia da denúncia e da sen-


tença proferida nos Autos nº 2002.51.03.001916-9 não podem ser admitidas
como provas emprestadas e que o indeferimento de diligência à fl. 203 cau-
sou grave prejuízo à sua defesa.
Entretanto, não há qualquer ilegalidade na juntada dessas peças, extra-
ídas de feito no qual o apelante e sua defesa técnica participaram ativamente,
indicando provas e contraditando-as, tal como se infere das fls. 6736/6749 do
apenso, não havendo, portanto, qualquer prejuízo à defesa.
Já em relação à decisão de fl. 203 que negou a vinda do HD original
contendo os diálogos interceptados na Medida Cautelar nº 2002.51.01.501746-
7, também em nada prejudicou a defesa do apelante. Como bem observado
pela Magistrada, a presente ação penal visa apurar lavagem de capitais ilíci-
tos e está pautada em provas documentais e nas movimentações bancárias,
sendo os diálogos ali contidos completamente estranhos ao objeto da presen-
te ação penal.
Outra nulidade alegada pela defesa é que são imprestáveis as declara-
ções prestadas pelo agente da polícia federal Heródoto Dorta do Amaral, face
ser o mesmo portador de doença mental grave, interditado em 23.11.2003
pelo MM. Juiz da 5ª Vara de Família do Estado da Paraíba, considerado ab-
solutamente incapaz. Todavia, a presente acusação não foi alicerçada única e
exclusivamente em declarações dessa pessoa, havendo outras provas acerca
da existência de crimes antecedentes, bem como da não comprovação da ori-
gem lícita dos recursos.
No mérito, a defesa afirma que não há indícios do crime antecedente,
e que o apelante não tinha qualquer vínculo com as atividades desenvolvi-
das pela PCM Cia. Ativa e Tecnologia Ltda., administrada por sua sobrinha
Kelly, sua esposa Cláudia e sua irmã Deize. Aduz que somente sacava os
cheques porque sua condição de policial tornava mais seguro o transporte
dos valores, o que fazia a pedido de sua esposa.
Sustenta ainda que os recursos financeiros se referem ao capital de giro
e eram movimentados pela conta pessoal de sua irmã, já que a empresa não
possuía conta bancária à época dos fatos.
Sem razão, mais uma vez, a defesa.
Vê-se dos Autos nº 2002.51.03.001916-9, com sentença condenatória já
proferida, que no bojo da investigação policial denominada Operação Plana-
dor, foi desarticulada quadrilha que atuava no âmbito da Superintendência
202
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

da Polícia Federal no Rio de Janeiro, a qual, além de emitir passaportes ide-


ologicamente falsos, internalizava clandestinamente material de informática
com supressão de tributos. Segundo a sentença, interceptações telefônicas
confirmaram declarações do policial federal Heródoto Dorta do Amaral, de
que o apelante era integrante desse grupo criminoso e se valia da sua con-
dição de policial federal para corromper outros servidores, possibilitando o
descaminho de produtos de informática, que eram vendidos em lojas por ele
administradas.
A partir de então decretou-se o afastamento de sigilo bancário e fiscal
do apelante e dos sócios das empresas supostamente por ele controladas,
sendo identificado que sua irmã Deize, sócia da empresa PCM Cia. Ativa e
Tecnologia Ltda., omitiu rendimentos tributáveis nos anos de 2000 e 2001,
respectivamente de R$ 403.551,78 e R$ 497.528,18, dos quais o apelante foi
beneficiado diretamente com R$ 90.000,00 (noventa mil reais) em cheques.
Vê-se que, embora seja afirmado pela defesa que se tratava de capital
de giro, nenhuma prova concreta acerca da origem lícita desses recursos foi
apresentada pelo apelante ou seus familiares, tanto em sede fiscal ou judicial,
pois como bem destacou a Magistrada, “não trouxeram, assim, documentação
capaz de provar que os valores vertidos à conta-corrente de Deize seriam oriundos de
serviços prestados pela PCM Cia. a clientes, ou mesmo oriundos da venda de equipa-
mentos de informática por parte da empresa. Veja-se que, caso as alegações da defesa
tivessem fundamento, a prova dessas alegações seria de fácil produção, bastando à de-
fesa trazer aos autos as cópias das notas fiscais de vendas de equipamentos e prestação
dos serviços correspondentes a cada depósito” (fl. 653).
Ademais, a codenunciada Deize esclareceu que não praticava atos
de administração e que deixava cheques assinados em branco na posse de
Cláudia Reis, de sua sobrinha Kelly e do apelante Wilton Reis, sendo tais
declarações harmônicas com demais elementos colhidos nos autos, provando
que o apelante administrava, ou no mínimo participava da administração da
referida empresa, com o auxílio de sua esposa e filhos, sobretudo, quando se
observa que sacava elevada quantia em dinheiro.
Nesse compasso, dada a demonstração de relação havida entre o ape-
lante e a prática de descaminho, associada com a ausência de demonstração
da origem lícita dos recursos movimentados por seus familiares e por ele
recebidos, correta a sua condenação como incurso nas penas do art. 1º, incisos
V e VII da Lei nº 9.613/1998, eis que o contexto dos fatos permite concluir
que utilizava a conta pessoal de sua irmã para ocultar os recursos oriundos
203
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

da prática de descaminho e comercializados pela empresa PCM Cia. Ativa e


Tecnologia Ltda.
Anote-se que o art. 2º da Lei nº 9.613/1998 é claro em afirmar que o
processo e julgamento dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direi-
tos ou valores independem do processo e julgamento dos crimes antece-
dentes, sendo desnecessária a demonstração cabal da materialidade desses
crimes, tampouco de discussão aprofundada em relação a eles. E no caso
estão demonstrados, de forma razoável, os indícios de crime antecedente,
que por tratar-se de descaminho, figura como “Crime contra a Administração
Pública”.
Por fim, em relação à dosimetria, não há qualquer reparo a ser feito.
Apesar do inconformismo do apelante, o que se vê é que a Magistrada fixou
a pena base em patamar próximo do mínimo legal, considerando desfavorá-
veis as circunstâncias do crime e a sua conduta social, devendo ser ressaltada
que a utilização de conta pessoal de terceiras pessoas dificulta o rastreamento
dos valores provenientes da atividade ilícita, estando justa a pena fixada.
Isto posto, nego provimento ao recurso da defesa.
É como voto.

Antonio Ivan Athié


Desembargador Federal – Relator

204
E mentário P enal

Atividade clandestina
de comunicação

31205 – “Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Trancamento da ação. Atividade


clandestina de telecomunicação. Rádio transceptor de potência de 5 watts. Insignificância.
Aplicabilidade. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido
de que a atividade clandestina de radiodifusão constitui crime formal, de perigo abstra-
to, sendo irrelevante o fato de o equipamento ser de baixa potência ou pequeno alcance.
2. A Suprema Corte passou a adotar o entendimento de que o princípio da insignificância
pode ser aplicado quando se constatar que o transmissor utilizado não possui capacidade
de causar lesão ao bem jurídico tutelado. 3. A inofensividade do equipamento utilizado
restou demonstrada em razão de sua baixa potência (5 watts). 4. Recurso provido para de-
terminar o trancamento da ação penal movida contra o recorrente.” (STJ – Rec-HC 55.743
– (2015/0009433-0) – 5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 28.04.2015)

Contrabando

31206 – “Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Contrabando e falsifica-


ção, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou me-
dicinais. Trancamento da ação penal. Denúncia. Fatos adequadamente narrados. Ocorrên-
cia. Exercício da ampla defesa. Possibilidade. Falta de justa causa. Fragilidade probatória,
pequena quantidade do produto, ausência do intento de circulação e destinação diversa.
Exame aprofundado do contexto fático-probatório. Necessidade. Matéria incabível na via
eleita. Princípio da insignificância. Matéria não examinada pela Corte de origem. Supres-
são de instância. Recurso desprovido. 1. O trancamento da ação penal em sede de recurso
ordinário em habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando se demonstra-
da, inequivocamente, a ausência de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta,
a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação
dos requisitos legais exigidos para a exordial acusatória, o que não se verificou na espécie.
2. De se notar que a descrição da pretensa conduta delituosa foi feita de forma suficiente
ao exercício do direito de defesa, com a narrativa de todas as circunstâncias relevantes,
permitindo a leitura da peça acusatória a compreensão da acusação, com base no art. 41
do Código de Processo Penal. 3. Demais digressões sobre a justa causa para a ação penal,
imiscuindo-se no exame das teses de fragilidade probatória, da pequena quantidade do
205
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

produto, da ausência do intento de circulação e da destinação diversa, demandam inexo-


ravelmente revolvimento de matéria fático-probatória, não condizente com a via Angusta
do writ, devendo, pois, ser avaliada a quaestio pelo Juízo a quo por ocasião da prolação da
sentença, após a devida e regular instrução criminal, sob o crivo do contraditório. 4. A
alegação de incidência do princípio da insignificância não foi examinada pelo Tribunal
de origem, não podendo, assim, ser apreciada a matéria por este Superior Tribunal, sob
pena de indevida supressão de instância. 5. Recurso a que se nega provimento.” (STJ –
Rec-HC 54.654 – (2014/0326405-4) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura –
DJe 27.04.2015)

Crime contra as relações


de consumo

31207 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra as relações de consumo


(art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990). Denúncia. Crime que deixa vestígios. Materialida-
de delitiva. Necessidade de exame de corpo de delito. Presunção legal de impropriedade
ao consumo. Conceito previsto em norma estadual. Ofensa à regra constitucional de com-
petências legislativas. Impossibilidade. Ausência de justa causa. Trancamento. Insurgên-
cia provida. 1. Da leitura do art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990, percebe-se que se trata
de delito contra as relações de consumo não transeunte, que deixa vestígios materiais,
sendo indispensável, portanto, a realização de perícia para a sua comprovação, nos termos
do art. 158 do Código de Processo Penal. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 2. Na
hipótese dos autos, o recorrente teria exposto à venda gêneros alimentícios em condições
impróprias para consumo, uma vez que foram fracionados em instalações inadequadas
para tal finalidade, sem a devida autorização. 3. O acórdão recorrido reputou suficiente as
informações contidas no auto de infração lavrado pelas autoridades fiscalizadoras, tendo
em vista o conceito de matérias-primas e mercadorias impróprias ao consumo previsto
no art. 18, § 6º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, combinado com o Decre-
to Estadual nº 31.455/1987, o qual estabelece os requisitos da propriedade ao consumo
de alimentos e bebidas para fins de comercialização. 4. A conclusão exarada pela Corte
de origem significaria dar relevância penal a decreto apto a produzir efeitos apenas no
âmbito da referida unidade da federação, em flagrante ofensa à competência privativa
da União para legislar sobre Direito Penal, prevista no art. 22, inciso I, da Constituição
Federal. 5. Em casos como tais, uma persecução criminal condizente com os princípios e
objetivos de um Estado Democrático de Direito deve ser acompanhada de comprovação
idônea da materialidade delitiva, conforme preceitua o art. 158 do Código de Processo
Penal, não sendo admissível a presunção de impropriedade ao consumo de produtos ex-
postos à venda com base exclusivamente no conteúdo de normas locais, circunstância que
revela a flagrante ausência de justa causa na hipótese. 6. Constatando-se que a denúncia
também atribui a referida prática delitiva a Idilor Serafim Teixeira, sem fazer qualquer
diferenciação de cunho subjetivo na sua participação nos fatos narrados, a ordem ora
concedida deve lhe ser estendida, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.
206
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

7. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal deflagrada em desfavor


do recorrente, estendendo-se os efeitos desta decisão ao corréu Idilor Serafim Teixeira, nos
termos do art. 580 do Código de Processo Penal.” (STJ – Rec-HC 49.221 – (2014/0154714-1)
– 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 28.04.2015)

Crime de ameaça no
âmbito doméstico

31208 – “Apelação criminal. Crime de ameaça no âmbito doméstico. Inocorrência da


prescrição. Absolvição por insuficiência de provas. Impossibilidade. Conjunto probatório
robusto e coeso. Redução da pena-base. Reanálise das circunstâncias judiciais. Possibili-
dade. Substituição da pena corpórea. Não cabimento. Suspensão condicional da pena, de
ofício. 1. Não há se falar em prescrição da pretensão punitiva se entre a data do recebimen-
to da denúncia e da publicação da sentença não tiver transcorrido o prazo suficiente para
o reconhecimento da prescrição. 2. Incomportável o acolhimento do pleito absolutório,
por insuficiência de provas, se a sentença sustenta-se em conjunto probatório robusto e
harmonioso, formado na fase inquisitorial e judicial, especialmente na prova oral produ-
zida sob o crivo do contraditório. 3. Demonstrado que o magistrado agiu em desacerto, na
análise da circunstância judicial da personalidade do réu (art. 59, CP), o abrandamento da
pena-base é medida impositiva. 4. Incabível a substituição por restritivas de direitos em
crimes praticados com grave ameaça à pessoa (art. 44, I, do CP). 5. Preenchidos os requi-
sitos contidos no art. 77, do Código Penal, impõe-se a concessão, de ofício, da suspensão
condicional da pena, por ser um direito subjetivo do réu. 6. Apelo conhecido e parcialmen-
te provido.” (TJGO – ACr 201191778649 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Nicomedes Domingos
Borges – DJe 28.04.2015)

Crime eleitoral

31209 – “Habeas corpus. Ação penal. Arts. 299 do Código Eleitoral e 146 do Código Penal.
Trancamento. Falta de justa causa. Não ocorrência. Nulidades. Não configuração. 1. O
trancamento da ação penal por meio do habeas corpus consubstancia medida excepcio-
nal e que apenas é admitida quando se constata, de plano, a imputação de fato atípico,
a ausência de indícios de autoria e de materialidade do delito ou, ainda, a extinção da
punibilidade, o que não se averigua no caso concreto. 2. ‘O sistema processual exclui a
possibilidade de ter-se como testemunha copartícipe da prática criminosa, não conduzin-
do a divisibilidade da ação penal pública o fato de o Ministério Público haver acionado
apenas alguns dos envolvidos a transmudar os demais em testemunhas’ (REsp 1-98, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJe de 31.05.2013). No mesmo sentido: Ap 470-AgR, STF, Rel. Min.
Joaquim Barbosa, DJe de 02.10.2009. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
207
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

é no sentido de que a inversão da oitiva de testemunhas de acusação e de testemunha de


defesa não configura, por si só, nulidade quando a inquirição desta é feita por meio de
carta precatória, cuja expedição não suspende a instrução criminal, tendo em vista as difi-
culdades alusivas à rotina judicial, como, por exemplo, a pauta do Juízo deprecado. Além
disso, não houve alegação, em momento oportuno, sobre eventual prejuízo decorrente
dessa questão. Recurso desprovido.” (TSE – Rec-HC 4831-74.2014.6.26.0000 – Rel. Min.
Admar Gonzaga – DJe 28.04.2015)

Estelionato

31210 – “Penal. Processual penal. Apelação criminal. Estelionato contra ente público.
Art. 171, § 3º, do Código Penal. Materialidade e autoria. Não comprovadas. Ausência de
dolo. In dubio pro reo. Absolvição mantida. 1. Para a configuração do delito de esteliona-
to, é necessário o emprego, pelo agente, de meio fraudulento e a obtenção de vantagem
patrimonial indevida, para si ou para outrem, em prejuízo alheio. 2. Incumbe à acusação
produzir prova robusta e apta a demonstrar, com certeza, a materialidade, a autoria e o
dolo do agente na empreitada criminosa. 3. Considerando a ausência de provas, deve ser
mantida a absolvição, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.” (TRF 4ª R.
– ACr 0000124-80.2010.404.7114/RS – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus –
DJe 28.04.2015)
31211 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Estelionato. Suspensão condicional do pro-
cesso. Lei nº 9.099/1995. Prestação pecuniária imposta como condição especial. Impos-
sibilidade. Pena antecipada. Recurso provido. É inadmissível a imposição de prestação
pecuniária como condição especial da suspensão condicional do processo na forma do
art. 89, § 2º, da Lei nº 9.099/1995, seja porque inexiste previsão legal, seja porque o institu-
to não se coaduna com a estipulação de sanção penal antecipada. Recurso ordinário provi-
do para excluir a prestação pecuniária do rol das condições impostas ao recorrente.” (STJ
– Rec-HC 49.276 – (2014/0159603-7) – 6ª T. – Rel. Min. Ericson Maranho – DJe 27.04.2015)

Estelionato contra a
Previdência Social

31212 – “Penal e processo penal. Estelionato contra a Previdência Social. Concessão de


aposentadoria anteriormente ao término do tempo mínimo de contribuição. Crime instan-
tâneo. Dosimetria da pena. Quantum. Critérios de fixação. Prescrição retroativa. Ocorrên-
cia. 1. O estelionato praticado para a obtenção de prestação de trato sucessivo concedida
no âmbito da Seguridade Social, quando analisado sob o prisma do agente responsável
pela intermediação fraudulenta do benefício, é crime instantâneo, que se consuma com o
pagamento da primeira parcela em que se decompõe o amparo custeado pela Previdência
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

Social. Precedentes do STF. 2. Decorridos mais de quatro anos entre a data do recebimento
da primeira prestação previdenciária e o recebimento da denúncia, opera-se a prescrição
retroativa da pretensão punitiva estatal, impondo-se a declaração da extinção da punibi-
lidade dos réus.” (TRF 4ª R. – ACr 2004.71.02.000332-6/RS – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Victor
Luiz dos Santos Laus – DJe 28.04.2015)

Estupro

31213 – “Penal. Processo penal. Apelação criminal. Estupro de vulnerável. Violência real.
Materialidade e autoria comprovadas. Especial valor probante das palavras da vítima,
corroboradas pelas demais provas produzidas na instrução do processo. Pleito de absolvi-
ção improcedente. Suficiência das provas para sustentar o édito condenatório. Menorida-
de relativa. Redimensionamento da pena. Regime fechado mantido. Reparação de danos
afastada de ofício. Ausência de instrução com esse fim. Recurso conhecido e parcialmente
provido. I – A narrativa coerente e verossímil da vítima se reveste da qualidade de im-
portante elemento de prova, sobretudo quando corroborada por outros elementos de con-
vicção produzidos na instrução criminal. II – No caso dos autos, restando comprovadas
a materialidade e a autoria do crime diante da palavra da vítima, corroborada pela prova
testemunhal e pericial, a condenação do apelante se impõe. III – A pena foi exasperada
somente na primeira etapa da dosimetria, pela valoração desfavorável e justificada de três
circunstâncias judiciais, não havendo mudança a ser alterada em favor do réu nem quanto
à avaliação desses vetores, nem quanto ao cálculo da pena-base. IV – Na segunda fase da
dosagem, impõe-se a aplicação da circunstância atenuante prevista no art. 65, I, do Códi-
go Penal (menoridade relativa), uma vez que o agente era menor de 21 anos à época do
fato, o que leva ao redimensionamento da pena, mantendo-se o regime fechado consoante
art. 33, § 2º, do Código Penal. V – Na ausência de instrução prévia do feito para a fixação
da reparação civil prevista no art. 387, IV, do CPP impossível aferir a condição financeira
do agente para tal fim. Precedentes do STJ e desta Câmara Criminal. Exclusão de ofício.
VI – Apelação conhecida e parcialmente provido, afastando, de ofício, a condenação à
indenização por dano.” (TJAL – Ap 0023363-02.2011.8.02.0001 – Rel. Des. Sebastião Costa
Filho – DJe 28.04.2015)
31214 – “Penal e processo penal. Recurso especial. Estupro. Deficiência de fundamen-
tação. Súmula nº 284/STF. Férias não impedem o exercício da jurisdição pelo relator.
Usurpação da atribuição do Ministério Público. Não ocorrência. Existência de justa cau-
sa para o oferecimento da denúncia. Inadmissível reexame de provas. Súmula nº 7/STJ.
Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Agravo em recurso especial. Não cabimento em
caso de recebimento parcial do apelo nobre. Súmulas nºs 292 e 528/STF. 1. A ausência
de delimitação quanto à omissão em que teria incorrido a Corte a quo torna inadmissí-
vel o recurso especial no ponto questionado, uma vez que a deficiência na sua funda-
mentação não permite a exata compreensão da controvérsia, conforme dicção da Súmula
nº 284/STF, aplicável por analogia. 2. Quanto ao exercício da jurisdição pelo relator du-
rante o período de férias, observa-se que, por força da falta de delimitação da controvér-
209
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
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sia, decorrente da não indicação de artigo de lei federal cuja interpretação seja capaz de
modificar a conclusão do julgado, tem aplicação a Súmula nº 284/STF. Ademais, nada
impede Desembargador de participar de sessão de julgamento durante o gozo de férias
(REsp 1.292.000/GO, Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 05.12.2012), sobretudo, no caso,
diante da permissão concedida pelo Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Paraíba.
3. Uma vez que o Ministério Público, exercendo a opinio delicti que lhe é constitucional-
mente atribuída, optou por oferecer a denúncia antes da juntada dos dados decorrentes
da quebra do sigilo telefônico, não há falar em usurpação de atribuição do Parquet. Além
disso, o oferecimento de denúncia depende de lastro probatório mínimo indicativo da
autoria e da materialidade da infração penal, mas independe da apresentação de provas
robustas nesse sentido. A oportunidade para a efetiva comprovação da prática do crime
é a instrução criminal, momento que, aí sim, já deverão estar presentes nos autos os refe-
ridos dados telefônicos. Precedentes. 4. Se não se deve anular a decisão de recebimento
da denúncia por força da ausência, nos autos, dos dados resultantes da quebra de sigilo
telefônico, igual conclusão deve ocorrer em relação à decisão que apenas julga os embar-
gos de declaração opostos contra tal recebimento. E mais: se antes não se vislumbrava
a ocorrência de prejuízo para o réu, com mais razão se deve afirmar a inexistência de
cerceamento de defesa se tais dados, muito antes de iniciada a instrução, são juntados aos
autos e é oportunizado pela Corte de origem pleno acesso ao seu conteúdo. 5. Tendo a
Corte a quo afirmado a presença da justa causa para o início da persecução penal, não há
como desconstituir o julgado na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do ma-
terial probante, procedimento de análise exclusiva das instâncias ordinárias e vedado ao
Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula nº 7/STJ (AgRg-AREsp 70.431/MG, Min.
Jorge Mussi, 5ª T., DJe 07.03.2013). 6. Não cabe agravo contra decisão que admite parcial-
mente o recurso especial. Precedentes. Súmulas nºs 292 e 528/STF aplicáveis por analogia.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. Agravo em re-
curso especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.397.236 – (2013/0265744-0) – 6ª T. – Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior – DJe 28.04.2015)

Execução penal

31215 – “Execução penal. Habeas corpus (1) falta grave. Homologação fundamentada após
regular procedimento administrativo disciplinar. Incabível reexame. Análise aprofunda-
da do conjunto fático-probatório. Via inadequada (2) falta grave. Caracterização. Possibi-
lidade de regressão de regime, perda dos dias remidos e interrupção do lapso temporal
para obtenção de benefícios, exceto livramento condicional, comutação e indulto. Exis-
tência de manifesta ilegalidade no ponto (3) writ não conhecido. Ordem concedida de ofí-
cio. 1. A aplicação da falta grave deu-se mediante regular Procedimento Administrativo
Disciplinar – PAD, com rito próprio previsto na Lei de Execução Penal, sendo reconhe-
cida a sua prática fundamentadamente, conforme entenderam as instâncias ordinárias.
O reexame da questão é incabível na via estreita do habeas corpus, dada a necessidade de
incursão na seara fático-probatória do caso. Precedente. 2. A caracterização da falta grave
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
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justifica a regressão de regime prisional, a interrupção do lapso temporal para obtenção


de benefícios, exceto para o livramento condicional, o indulto e a comutação de pena, bem
como a perda dos dias remidos. Precedentes. Hipótese em que há flagrante constrangi-
mento ilegal no ponto. O acórdão combatido contraria entendimento desta Corte pois
não é possível interromper-se o lapso temporal para concessão de livramento condicional,
do indulto e da comutação de pena, em razão do cometimento de falta grave. 3. Writ não
conhecido. Ordem concedida, de ofício, apenas para afastar a interrupção da contagem do
lapso temporal para concessão do livramento condicional, do indulto e da comutação.”
(STJ – HC 316.681 – (2015/0033704-9) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura –
DJe 27.04.2015)
31216 – “Habeas corpus crime. Execução penal. Falta grave. Apuração mediante processo
administrativo disciplinar. Contraditório e ampla defesa. Participação do defensor. Audi-
ência de justificação prévia. Desnecessidade de audiência na esfera judicial. Homologação
da falta grave. Ausência de prejuízo ao paciente. Ordem denegada.” (TJPR – HC 1308665-0
– 3ª C.Crim. – Rel. Des. João Domingos Kuster Puppi – DJe 28.04.2015)

Furto

31217 – “Apelação criminal. Crime contra o patrimônio. Furto qualificado pelo rompi-
mento de obstáculo e concurso de agentes (art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal). Re-
curso da defesa. Pleito pelo afastamento das qualificadoras. Impossibilidade. Concurso
de agentes demonstrado pelas declarações da vítima, testemunhas e da própria ré. Ar-
rombamento atestado mediante laudo pericial, em consonância com a prova testemunhal.
Qualificadoras que devem ser mantidas. Dosimetria. Pleito de minoração da pena não
acolhido. Circunstâncias judiciais analisadas corretamente. Compensação, em primeiro
grau, da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência. Entendi-
mento de que, na forma do art. 67 do Código Penal, deve prevalecer a agravante da rein-
cidência que não pode ser aplicada. Reformatio in pejus. Pena mantida. Pleito pela fixação
de regime aberto. Reincidência específica que autoriza regime mais gravoso. Substituição
da pena igualmente inviável. Recurso conhecido e desprovido. 1. Constatada a ocorrência
do crime em concurso de agentes, circunstância que vem comprovada pelas declarações
da vítima, testemunhas e da própria ré, inviável o afastamento da qualificadora elencada
no art. 155, § 4º, IV, do Código Penal. 2. Mostra-se impossível o afastamento da quali-
ficadora prevista no art. 155, § 4º, I, do Código Penal quando os elementos constantes
dos autos demonstram, com segurança, que a subtração da res furtiva ocorreu mediante o
arrombamento de obstáculo. 3. ‘[...] Na hipótese de concurso entre a agravante da reinci-
dência e a atenuante da confissão, a primeira deve preponderar sobre a segunda, de sorte
a não se admitir uma exata compensação entre ambas [...]’ (TJSC – Apelação Criminal
nº 2011.043083-6, de Chapecó, Relª Desª Salete Silva Sommariva, J. em 18.10.2011), con-
clusão que não pode ser aplicada no caso, diante do princípio da non reformatio in pejus.
4. Constatada a reincidência específica da acusada, não se mostra possível a fixação de
regime aberto, este que, fixado na anterior condenação, não foi suficiente para conter as
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
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ações da ré, que permaneceu atentando contra o patrimônio alheio. 5. Também por con-
ta da reincidência específica não deve ser substituída a pena privativa de liberdade por
restritivas de direitos, uma vez que mencionada benesse já foi anteriormente concedida à
acusada, que, reiterando a conduta, não fez jus ao benefício.” (TJSC – ACr 2015.001454-8 –
Rel. Des. Paulo Roberto Sartorato – DJe 28.04.2015)
31218 – “Habeas corpus. Furto duplamente qualificado. Writ substitutivo. Dosimetria.
Pena-base. Valoração negativa da culpabilidade. Elemento inerente ao crime consumado.
Ilegalidade. Maus antecedentes. Consideração de processo em curso e atos infracionais.
Impossibilidade. Circunstâncias do crime. Expressivo prejuízo à vítima. Fundamento vá-
lido. Regime prisional. Circunstância judicial desfavorável. Semiaberto. Constrangimento
ilegal evidenciado em parte. Concessão de ofício. 1. É ilegal a exasperação da pena-base na
parte em que o julgador considerou ‘expressivo o grau de culpabilidade’ – o qual se refere
à maior ou menor reprovabilidade da conduta delituosa – porque os pacientes percorre-
ram longo iter, elemento inerente à forma consumada do furto, já analisado na tipificação
da conduta dos agentes. 2. A ‘reprovável conduta social’ dos pacientes diante da notícia
da prática de atos infracionais e de processo em curso também não configura fundamento
válido para o agravamento da pena-base, consoante reiterada jurisprudência desta Corte.
3. Inquéritos e ações penais em curso não podem evidenciar maus antecedentes, conduta
social inadequada ou personalidade desfavorável do agente, sob pena de malferimento ao
princípio da não culpabilidade. Súmula nº 444 do STJ. 4. A jurisprudência desta Corte Su-
perior é uníssona no sentido de que ‘atos infracionais não podem ser considerados maus
antecedentes para a elevação da pena-base, tampouco para a reincidência’ (HC 289.098/SP,
Rel. Min. Moura Ribeiro, 5ª T., DJe 23.05.2014). 5. A valoração negativa das circunstâncias
do crime com base no expressivo prejuízo sofrido pela vítima (R$ 4.000,00) é justificativa
idônea para a majoração da pena-base. 6. Desfavorável uma das circunstâncias do art. 59
do CP, é cabível a fixação do regime semiaberto para o início do cumprimento da pena
reclusiva aos réus, primários, condenados à pena inferior a 4 anos, art. 33, §§ 2º e 3º do
Código Penal. 7.Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para reduzir a
pena dos pacientes a 2 anos e 6 meses de reclusão.” (STJ – HC 224.037 – (2011/0264388-3)
– 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 27.04.2015)
31219 – “Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Inadequação da via elei-
ta. Furto simples. Princípio da insignificância. Maus antecedentes. Inaplicabilidade. 1. A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não
pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade
dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipóte-
se em que se concede a ordem de ofício. 2. Na aplicação do princípio da insignificância, de-
vem ser utilizados os seguintes parâmetros: a) conduta minimamente ofensiva; b) ausên-
cia de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
e d) lesão jurídica inexpressiva, os quais devem estar presentes, concomitantemente, para
a incidência do referido instituto. 3. Em razão da existência de notícia de outra ação penal
em desfavor da paciente pela suposta prática de crime de homicídio qualificado, eviden-
ciada na folha de antecedentes criminais, deve ser afastada a aplicação do princípio da
insignificância. 4. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 201.641 – (2011/0067170-2) –
5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 28.04.2015)
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Jurisprudência Penal
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Investigação pré-processual

31220 – “Processo penal. Habeas corpus. Operação Segurança Pública S/A. Investigação
pré-processual. Feito apreciado por colegiado composto, no TRF 2ª R., majoritariamente
por juízes convocados. Nulidade. Não ocorrência. Ordem denegada. 1. Por determinação
do Supremo Tribunal Federal, aprecia-se o mérito desta impetração. In casu, tal qual assen-
tado pelo Pretório Excelso, no seio do RHC 122.002, que contemplou a realidade em liça,
não há violação ao princípio do juiz natural, em razão da condução da investigação pré-
-processual, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por colegiado composto majorita-
riamente por juízes convocados. 2. Ordem denegada.” (STJ – HC 278.115 – (2013/0325071-0)
– 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 28.04.2015 –p. 1964)

Latrocínio

31221 – “Processo penal. Habeas corpus. Latrocínio. Prisão cautelar. Fundamentação da


custódia. Periculosidade do agente. Ameaça a testemunha. Elementos concretos a justifi-
car a medida quanto a um dos pacientes. Art. 313, I, do Código de Processo Penal. Moti-
vação inidônea. Flagrante ilegalidade na custódia da ré. Existência. Ordem parcialmente
concedida. 1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em
meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo
da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. 2. A necessidade da custódia
cautelar em relação ao paciente Paulo Rogério foi demonstrada, com espeque em dados
concretos dos autos, conforme recomenda a jurisprudência desta Corte. 3. Na hipótese, o
decisum proferido na origem está alicerçado na conveniência da instrução criminal, tendo
em vista a notícia de que o paciente proferiu ameaças contra testemunha. 4. Por outro
viés, existe manifesta ilegalidade na custódia da paciente Aline Lopes, porque decretada
valendo-se apenas do fato da pena imposta ser superior a quatro anos, sem apresentar
qualquer outra motivação concreta apta a justificar a aplicação da medida extrema. Es-
tando desvinculada de qualquer elemento de cautelaridade a prisão não se sustenta neste
caso. 5. Habeas corpus denegado em relação ao paciente Paulo Rogerio Silveira Faria e
ordem concedida em relação à paciente Aline Lopes Valias Borges, para deferir liberdade
provisória, sem prejuízo de que as instâncias precedentes, de maneira fundamentada, exa-
minem se é caso de aplicar uma ou mais dentre as medidas cautelares implementadas pela
Lei nº 12.403/2011, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão,
caso demonstrada sua necessidade.” (STJ – HC 311.538 – (2014/0328634-6) – 6ª T. – Relª
Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 27.04.2015)

Pena

31222 – “Habeas corpus. Substitutivo de recurso especial. Não cabimento. Corrupção ati-
va. Dosimetria da pena. Culpabilidade exacerbada. Aumento idôneo. Maus antecedentes

213
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
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criminais com base em ações em andamento. Ofensa à Súmula nº 444/STJ. Circunstância


judicial da personalidade do réu. Consideração de ausência de arrependimento. Impossi-
bilidade. Substituição de penas. Possibilidade. Constrangimento ilegal evidenciado. 1. O
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões, não ad-
mitem mais a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado,
seja o recurso próprio ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2. O Superior
Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido da impossibilidade de mensurar ma-
tematicamente o aumento da pena-base, de forma a se atribuir igual acréscimo de pena
para cada circunstância judicial considerada negativa, pois a lei confere ao julgador certo
grau de discricionariedade na análise das circunstâncias judiciais, de modo que o que
deve ser avaliado é se a fundamentação exposta é proporcional e autoriza a fixação da
pena-base no patamar escolhido. 3. Há motivação idônea na sentença para o aumento da
pena-base, decorrente da culpabilidade exacerbada, pois a paciente praticou o crime de
corrupção ativa com a finalidade encobrir outros delitos. Várias razões podem levar uma
pessoa a praticar o crime de corrupção ativa, sendo mais reprovável a conduta de quem
o faz para se livrar de crimes pelos quais está sendo investigado. 4. As instâncias ordiná-
rias consideraram ações penais em andamento para valorar negativamente a circunstância
judicial dos antecedentes criminais, em dissonância ao disposto na Súmula nº 444/STJ.
5. Dentre os fundamentos que explicam a reprovabilidade do fato em âmbito penal, já se
encontra incluída a ausência de arrependimento pelo cometimento do crime, pois é o que
ordinariamente acontece. Assim, o simples fato de a paciente não se mostrar arrependi-
da não conduz à mensuração negativa de sua personalidade. 6. Afastado o fundamento
que determinou a negativa de substituição de penas (presença de antecedentes criminais),
deve ser deferido à paciente tal benefício. 7. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus
concedida de ofício, para reduzir a reprimenda-base da paciente, resultando a pena defini-
tiva em 2 anos e 8 meses de reclusão, mais 14 dias-multa, à razão mínima, sendo substitu-
ída a pena corporal por duas restritivas de direitos, a serem escolhidas pelo Juízo da Vara
de Execuções Penais.” (STJ – HC 280.294 – (2013/0353262-1) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior – DJe 28.04.2015)
31223 – “Habeas corpus. Writ substitutivo. Arts. 157, § 2º, I, II e V, e 158, § 1º, ambos do CP.
Dosimetria. Pena-base. Culpabilidade e motivos do crime. Ausência de fundamentação
concreta. Ilegalidade evidenciada. Reincidência e confissão espontânea. Compensação.
Ordem concedida de ofício. 1. A mera alegação de que a ‘culpabilidade restou devida-
mente comprovada, tendo em vista que o acusado tinha plena consciência que a conduta
a qual praticava era ilícita’, não é apta a ensejar a exasperação da pena-base, por não evi-
denciar o maior grau de reprovabilidade da conduta. 2. Em relação aos motivos do crime,
registrou-se que o paciente manifestou ‘vontade consciente de subtrair bens da vítima,
mediante grave ameaça, em proveito próprio’ e, quanto à extorsão, ‘vontade consciente
em extorquir a vítima, com o fim de obter vantagem econômica indevida’, razões ineren-
tes aos tipos penais imputados ao paciente e que não justificam a exasperação da repri-
menda na primeira etapa da dosimetria, porquanto já consideradas pelo legislador na co-
minação da pena em abstrato. 3. No julgamento dos EREsp 1.154.752/RS (DJe 04.09.2012),
a Terceira Seção deste Superior Tribunal pacificou o entendimento de que, observadas as
peculiaridades de cada caso, é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compen-
sação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

igualmente preponderantes, de acordo com o art. 67 do Código Penal. 4. Ordem não co-
nhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para reconhecer a ilegalidade na exasperação
da pena-base e compensar a confissão espontânea com a reincidência, redimensionando
a pena final do paciente para 13 anos de reclusão e 31 dias-multa.” (STJ – HC 214.096 –
(2011/0172291-0) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 27.04.2015)

Posse irregular de arma de fogo

31224 – “Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Tráfico de drogas e posse
irregular de arma de fogo de uso permitido. Pena-base acima do mínimo legal. Possibi-
lidade. Bis in idem. Inocorrência. Confissão espontânea. Atenuante genérica não configu-
rada. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação
da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas
corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso provisório, sob pena de desvir-
tuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada for
flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Não há violação ao princípio
do non bis in idem, visto que elementos diversos levam ao aumento da reprimenda: o fato
de o paciente ter cometido o crime sob livramento condicional e a existência de duas con-
denações transitadas em julgado, sendo uma considerada como agravante e a outra como
maus antecedentes. 3. Ademais, a atuação dissimulada do agente também foi considerada
para a culpabilidade desfavorável do paciente, imprimindo maior reprovabilidade a sua
conduta. 4. A autoria do delito restou configurada pelo quadro fático apresentado, não
havendo o magistrado se utilizado das manifestações do paciente para firmar seu con-
vencimento quanto ao crime tipificado no art. 12 da Lei nº 10.826/2003. 5. Habeas corpus
não conhecido.” (STJ – HC 274.078 – (2013/0235965-0) – 5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria –
DJe 28.04.2015)

Princípio

31225 – “Agravo regimental em habeas corpus. Trancamento da ação penal. Falta de justa
causa. Princípio da isonomia. Art. 580, CPP. Superveniência de sentença condenatória.
Novo título judicial. Juízo de cognição mais amplo. Writ prejudicado. Agravo regimental
improvido. 1. A conclusão da ação penal, com prolação da decisão condenatória, faz su-
perar os fundamentos de atipia e falta de justa causa. 2. Há de ser julgado prejudicado o
writ objetivando a extensão dos efeitos da decisão que determinou o trancamento da ação
penal por falta de justa causa, ante a prolação de sentença condenatória, confirmada em
sede de recurso de apelação, que constitui novo título a justificar a manutenção da medi-
da. 3. A decisão agravada, que julgou prejudicado o habeas corpus, por perda de objeto, não
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

merece reparos, porquanto proferida em consonância com a jurisprudência desta Corte


Superior. 4. Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg-HC 60.777 – (2006/0125075-4) –
6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 24.04.2015)

Princípio da insignificância

31226 – “Penal e processual penal. Contrabando de cigarros. Desnecessidade do lança-


mento definitivo. Súmula Vinculante nº 24/STF. Princípio da insignificância. Inaplicabi-
lidade. 1. Pela sua natureza, o descaminho prescinde da apuração do débito tributário
para sua consumação, não há necessidade, para o respectivo processo, do lançamen-
to definitivo do débito tributário, como ocorre nos crimes tipificados no art. 1º da Lei
nº 8.137/1990. O perdimento da mercadoria não afasta a persecução penal pelo descami-
nho. 2. A Súmula Vinculante nº 24/STF (‘Não se tipifica crime material contra a ordem
tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento
definitivo do tributo.’) não alude ao crime de descaminho. 3. O princípio da insignificância
não deve, em princípio, ser aplicado ao contrabando de cigarros. ‘Em se tratando de ci-
garro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao Erário
e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a
atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho.’ (STF, HC
100.367). 4. Apelação provida.” (TRF 1ª R. – ACr 2008.36.00.012888-4 – 4ª T. – Juiz Federal
Alderico Rocha Santos – J 10.03.2015)
Nota:
Discutiu-se no presente caso a aplicação do princípio da insignificância, que, em princí-
pio, não deve ser aplicado ao contrabando de cigarros.
Consta dos autos, que ao analisar a ação, o Juízo da 5ª Vara Federal de Mato Grosso
considerou que, por se tratar de crime de descaminho, e não contrabando, não existiu o
lançamento definitivo do crédito tributário, razão pela qual deve ser aplicado à hipóte-
se o mesmo entendimento dos crimes contra a ordem tributária.
Foi considerado também a incidência do princípio da insignificância ante a pequena
lesão ao Erário.
O Ministério Público Federal recorreu da sentença alegando que se trata de caso de
contrabando de cigarros, não de descaminho, conforme entendeu o Juízo.
O relator considerou que o Ministério Público Federal tem razão.
Pela sua natureza, o descaminho prescinde da apuração do débito tributário para sua
consumação, não há necessidade, para o respectivo processo, do lançamento definitivo
do débito tributário, como ocorre nos crimes tipificados no art. 1º da Lei nº 8.137/1990.
O perdimento da mercadoria não afasta a persecução penal pelo descaminho.
Vale trazer trecho do voto do relator:
“Em se tratando de cigarro, a mercadoria importada com elisão de impostos, há não
apenas uma lesão ao Erário e à atividade arrecadatória do Estado mas a outros interes-
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

ses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contraban-


do e não descaminho.
Com essa fundamentação, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região re-
formou sentença que extinguiu o processo por falta de procedibilidade da ação penal.
Lembre-se, neste passo, da lição de Mohamad Ale Hasan Mahmoud:
‘O princípio da insignificância foi cunhado com o fim de prestigiar o Direito Penal como
ultima ratio, tendo como foco não o agente, mas, antes, o bem jurídico, categoria funda-
mental para a perspectiva material da antijuridicidade. [...] Logo, o aspecto subjetivo
contemplado pelo injusto refere-se apenas ao dolo, se presente ou não. [...] A prosperar
entendimento distinto, estar-se-ia a fixar o limite da ilicitude em aspectos anteriores ao
cometimento do fato, solapando-se o Direito Penal do fato, ancorado no princípio da
culpabilidade.’ (O princípio da insignificância e o crime continuado sob uma angulação
processual. Boletim do IBCCrim, a. 15, nº 182, jan. 2008, p. 14-15)”
Fernando Capez, sobre o assunto, assim mencionou: “Segundo tal preceito, não cabe ao
Direito Penal preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admiti-
dos tipos incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas ou incapazes
de lesar o bem jurídico.”
Para esse princípio ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais
como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade
social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor).
Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas
que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens
jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titu-
lar do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Prisão preventiva

31227 – “Habeas corpus. Tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo e receptação. Fra-
gilidade de provas e alegação de que o flagrante foi forjado. Inviabilidade de exame no
habeas corpus. Negativa de recorrer em liberdade. Réu solto durante a instrução criminal.
Prisão preventiva decretada na apelação criminal para a aplicação da lei penal. Paciente
foragido do sistema prisional. Periculum libertatis. Fundamentação suficiente. Ordem de-
negada. 1. As teses de fragilidade de provas e de flagrante forjado por policiais não podem
ser analisadas na via estreita do habeas corpus, por demandarem exame aprofundado de
fatos e provas, vedado na via eleita. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em
assinalar que a determinação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condena-
ção, deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da
cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 3. Ainda que o paciente
tenha respondido solto ao julgamento da apelação criminal, é válida sua prisão preventiva
para garantir a aplicação da lei penal, pois evidenciada a necessidade de proteção dos fins
do processo penal, à vista do registro de que ‘é foragido ante outra condenação’. Diante da
superveniência de novo Decreto condenatório, está presente a cautelaridade da medida,
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

máxime porque a defesa não comprovou – mediante simples certidão cartorária – a situa-
ção da execução penal referente ao crime anterior de homicídio, pelo qual foi condenado
a 14 anos de reclusão, por sentença proferida em 2007. 4. Ordem denegada.” (STJ – HC
308.661 – (2014/0292813-4) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 27.04.2015)
31228 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Estupro e atentado violento ao pudor.
Art. 213 do CP. Prisão preventiva. Condenação. Proibição de recorrer em liberdade. Réu
que permaneceu solto durante a instrução criminal. Segregação fundada no art. 312 do
CPP. Circunstâncias do delito. Gravidade concreta. Evasão do distrito da culpa. Neces-
sidade de garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal. Custódia fundamentada.
Coação ilegal não demonstrada. Reclamo improvido. 1. Embora o recorrente tenha perma-
necido em liberdade durante a instrução criminal, a preventiva ordenada na sentença en-
contra-se devidamente justificada, mostrando-se devida a bem da ordem pública e como
garantia de aplicação da lei penal. 2. Não há coação na negativa de recorrer em liberdade
quando demonstrado, com base em fatores concretos, a imprescindibilidade da custódia
para acautelar o meio social, diante da reprovabilidade efetiva da conduta imputada ao
recorrente e pela qual inclusive já foi condenado, bem retratada pelas circunstâncias em
que se deram os fatos criminosos. 3. Trata-se de réu condenado ao cumprimento de 10
anos de reclusão, no regime inicial fechado, pela prática de estupro e atentado violento
ao pudor contra vítima que, no mesmo evento delituoso, foi abusada também pelo com-
parsa do recorrente, tendo sido submetida, sequencialmente, a todos os tipos de violência
sexual pelos dois agentes, sendo abandonada após os fatos, ferida e infectada por doença,
particularidades que evidenciam a gravidade efetiva do delito, autorizando a constrição
cautelar. 4. A evasão do distrito da culpa, comprovadamente demonstrada –, uma vez
que, expedido o mandado de prisão em novembro de 2013, não há notícias nos autos de
que o réu tenha sido encontrado para ser recolhido ao cárcere – é fundamentação a mais
para embasar a ordenação da custódia preventiva na espécie, como garantia de aplica-
ção da lei penal. 5. Condições pessoais favoráveis não teriam, em princípio, o condão de,
isoladamente, revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demons-
trar a necessidade da custódia. 6. Recurso ordinário improvido.” (STJ – Rec-HC 53.963 –
(2014/0311928-0) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 27.04.2015)

Roubo

31229 – “Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Descabimento. Roubo duplamen-


te circunstanciado. 1. Utilização de arma de fogo. Ausência de apreensão e perícia. Com-
provação por outros meios de prova. Possibilidade. 2. Critério matemático de aumento
de pena na terceira fase da dosimetria. Fundamentação inidônea. Enunciado nº 443 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça – STJ. 3. Regime prisional fechado. Pena-base
no mínimo legal. Ausência de motivação concreta. Súmulas nºs 440/STJ, 718 e 719/STF.
Constrangimento ilegal evidenciado. Impetração não conhecida. Ordem concedida de
ofício. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal – STF, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos


de flagrante ilegalidade. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a inci-
dência da majorante pela utilização de arma prescinde da apreensão e perícia do objeto,
uma vez comprovada sua utilização por outros meios de prova, como o testemunho da ví-
tima, como ocorreu no caso dos autos. A fundamentação utilizada para elevação da pena
na terceira fase de sua aplicação foi unicamente matemática, em razão apenas do número
de causas de aumento de pena, ofendendo o Enunciado nº 443 da Súmula do STJ. Ressal-
vado o entendimento pessoal do Relator quanto à questão, dispõe o Enunciado nº 440 da
Súmula desta Corte que ‘fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento
de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base
apenas na gravidade abstrata do delito’. No mesmo sentido, são os Enunciados nºs 718 e
719 das Súmulas do STF. Ressalva do entendimento deste Relator. Ordem concedida, de
ofício, para reduzir ao mínimo legal (1/3) o aumento referente às majorantes do § 2º do
art. 157 do Código Penal, redimensionando a pena para 5 anos e 4 meses de reclusão, a ser
cumprida inicialmente no regime prisional semiaberto, mais o pagamento de 13 (treze)
dias-multa.” (STJ – HC 280.038 – (2013/0350773-3) – 6ª T. – Rel. Min. Ericson Maranho –
DJe 24.04.2015 – p. 817)
31230 – “Penal e processual. Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Roubo tenta-
do. Emprego de faca. Art. 33, §§ 2º e 3º, do código penal. Regime mais gravoso. Ausência
de fundamentação idônea. Súmulas nºs 440 do STJ e 718 e 719 da suprema corte. Cons-
trangimento ilegal evidenciado. Fixação do regime aberto. 1. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substi-
tuto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional,
exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipótese em que se concede a ordem
de ofício. 2. Esta Corte de Justiça, considerando as diretrizes dos arts. 33, §§ 2º e 3º, e 59
do Código Penal, firmou compreensão no sentido de que, tratando-se de réu primário e
fixada a pena-base no mínimo legal, mostra-se defesa a estipulação de regime prisional
mais rigoroso do que aquele previsto para a sanção corporal aplicada, com base em con-
siderações abstratas sobre a gravidade do delito (Súmulas nºs 440 do STJ e 718 e 719 do
STF). 3. No caso, o constrangimento ilegal é evidente, visto que o paciente preenche os
requisitos para o cumprimento da pena no regime aberto, considerando sua primarieda-
de, a quantidade de pena imposta, bem como o fato de todas as circunstâncias judiciais
terem sido consideradas favoráveis. 4. O crime de roubo, quando cometido mediante o
emprego de arma branca ou de brinquedo, ‘merece ser diferenciado daquele praticado
com a utilização da arma de fogo, por se tratar de instrumento com maior capacidade
de intimidação e de destruição, em que a gravidade concreta se mostra apta a ensejar a
aplicação do regime mais severo’ (REsp 1431819, Relator Ministro Marco Aurélio Belli-
zze, DJe 11.04.2014). 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.” (STJ –
HC 317.750 – (2015/0043798-0) – 5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 27.04.2015)
31231 – “Penal e processual penal. Agravo regimental em agravo em recurso especial.
Roubo majorado. Uso de arma. Art. 157, § 2º, I, do CP. Atenuante da confissão espontânea.
Agravante da reincidência. Possibilidade de compensação. 1. A Terceira Seção do Supe-
rior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.341.370/MS (DJe 17.04.2013),
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Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, pacificou o entendimento


de que é possível, na segunda fase do cálculo da pena, a compensação da agravante da
reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponde-
rantes, de acordo com o art. 67 do Código Penal. 2. No presente caso, consta dos autos que
apenas uma condenação foi considerada a título de reincidência. Logo, cabível a compen-
sação integral da atenuante com a agravante. 3. Constatado equívoco na decisão agravada
quanto ao cálculo final da pena fixada pela Presidência desta Corte, cabível a reparação de
ofício da ilegalidade. 4. Agravo regimental improvido. Habeas corpus concedido de ofício.”
(STJ – AgRg-REsp 1.486.393 – (2014/0264795-2) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior –
DJe 27.04.2015)

Tortura

31232 – “Penal e processo penal. Embargos de declaração em agravo regimental em


agravo em recurso especial. Tortura. Arts. 1º, § 1º, e 4º, I, da Lei nº 9.455/1997. Alega-
ção de negativa de vigência ao art. 535, II, do CPC, omissão à inconstitucionalidade de
lei estadual e fixação do regime inicial fechado. Inovação de argumentos. Inadequação
da capitulação da conduta. Tese jurídica não prequestionada. Razões recursais dissocia-
das dos fundamentos da decisão agravada. Inexistência de vícios no acórdão embargado.
1. Os embargos de declaração somente são cabíveis quando presente, ao menos, uma das
hipóteses previstas no art. 535 do Código de Processo Civil. 2. O acórdão embargado foi
claro ao apreciar as razões defensivas e ao afirmar os motivos pelos quais o recurso não
foi provido, de maneira que o não acatamento das teses recursais não configura nenhuma
omissão nem mesmo negativa de prestação jurisdicional. 3. Embargos de declaração rejei-
tados.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag-REsp 198.172 – (2012/0138536-0) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior – DJe 27.04.2015)

Tráfico de drogas

31233 – “Habeas corpus. Tráfico de drogas. Impetração substitutiva de recurso próprio.


Impropriedade da via eleita. Regime fechado fixado sem concreta fundamentação. Pena-
-base no mínimo legal. Primariedade. Constrangimento ilegal. Substituição por medidas
restritivas de direitos. Possibilidade. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício.
1. Tratando-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, inviável o seu conheci-
mento. 2. Hipótese em que as instâncias de origem não lograram motivar de maneira
idônea o estabelecimento do regime inicial fechado, porquanto não declinaram funda-
mentos suficientes a justificar a eleição do regime mais gravoso, deixando de apreciar
o caso concreto de acordo com os parâmetros estabelecidos pelos arts. 33 e parágrafos,
do Código Penal, em patente inobservância ao princípio da individualização da pena e
ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988. Para a imposição de regime inicial
220
Revista Jurídica 451
Jurisprudência Penal
Maio/2015

de cumprimento de pena mais severo que o fixado em lei é necessária motivação idônea.
Inteligência das Súmulas nºs 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal e nº 440 deste Supe-
rior Tribunal de Justiça. 3. A substituição da pena foi negada sob o genérico fundamento
de não ser suficiente, sem qualquer explicação concreta, em manifesta contrariedade ao
hodierno entendimento nos tribunais superiores. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem
concedida, de ofício, a fim de fixar o regime aberto para o início do cumprimento da re-
primenda imposta ao paciente, bem como possibilitar a substituição da pena privativa de
liberdade por medidas restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo das Execuções.”
(STJ – HC 317.277 – (2015/0039819-0) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura –
DJe 27.04.2015)
31234 – “Penal. Processo penal. Apelação criminal. Narcotráfico (art. 33, caput, da Lei
nº 11.343/2006). Sentença condenatória. Recurso da defesa. Inconformismo com a carga
penal imposta. 1. Dosimetria. Segunda fase. Alteração do percentual aplicado em virtu-
de da menoridade relativa, porquanto aquém daquele recomendado pela jurisprudência
(1/6 – um sexto) a casos análogos. Pena diminuída ex officio para o mínimo legal, em
atenção ao disposto na Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Modificação do
regime prisional para modalidade mais branda. Viabilidade. Alta quantidade de entorpe-
cente apreendido que recomenda, todavia, a fixação de regime semiaberto. Recurso co-
nhecido e provido em parte, com deliberação ex officio. Apelação Criminal nº 1.303.955-9.”
(TJPR – ACr 1303955-9 – 3ª C.Crim. – Relª Juíza Substª Simone Cherem Fabrício de Melo –
DJe 28.04.2015)
31235 – “Processo penal. Recurso em habeas corpus. Tráfico interestadual de drogas e res-
pectiva associação. Prisão cautelar. Gravidade concreta. Motivação idônea. Ocorrência.
Recurso a que se nega provimento. 1. Não é ilegal o encarceramento provisório decretado
para o resguardo da ordem pública, em razão da gravidade in concreto dos fatos: trata-se,
na dicção do juízo de primeiro grau, de associação criminosa estruturada, composta por
pelo menos 12 pessoas, que atua no tráfico interestadual de drogas e movimenta gran-
des carregamentos de substância entorpecente (o decisum faz referência à apreensão de
20 quilos de crack). Destacou-se que a recorrente seria ‘esposa e gerente do líder do nú-
cleo Rondônia’ e ‘atua gerenciando o núcleo Rondônia no preparo da droga para viagem
e também nas cobranças e pagamentos relativos ao tráfico de drogas’, tudo a conferir
lastro de legitimidade à medida extrema. 2. Recurso a que se nega provimento.” (STJ –
Rec-HC 55.581 – (2015/0003782-3) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura –
DJe 27.04.2015)

221
Í ndice A lfabético e R emissivo C ível e P enal

Doutrinas Ricardo Lupion Garcia


• Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e
Civil, Processual Civil e Comercial
Responsabilidade Social ................................................................ 53

Assunto
Penal e Processual Penal
Abandono afetivo
• Abandono Afetivo: Os Limites do Direito na Coerção de Ma- Assunto
nifestações Emocionais Humanas (Arthur M. Ferreira Neto
e Luciana Gemelli Eick)...................................................................... 9 Maioridade penal

Função social • A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Depu-


tados Aprova a Redução da Maioridade Penal (Rômulo de
• Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva Andrade Moreira).............................................................................. 99
e Responsabilidade Social (Graziela Maria Rigo Ferrari e
Ricardo Lupion Garcia)..................................................................... 53
Autor
Honorários de advogado
Rômulo de Andrade Moreira
• Honorários Advocatícios e Novo Código de Processo Civil:
Primeiras Impressões (Felipe Cunha de Almeida)........................... 73 • A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Depu-
tados Aprova a Redução da Maioridade Penal................................ 99
Reprodução assistida
• A Adoção de Embriões Humanos na Lei de Reprodução As- Acórdãos na íntegra
sistida Espanhola (Dora García Fernández).................................... 85
Civil, Processual Civil e Comercial
Autor
Direito autoral
Arthur M. Ferreira Neto
• Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo – Di-
• Abandono Afetivo: Os Limites do Direito na Coerção de Ma- reito autoral – Reprodução de obra sem autorização do autor –
nifestações Emocionais Humanas...................................................... 9 Indenização – Impossibilidade de reexame de provas e da legis-
lação infraconstitucional – Súmula nº 279 do Supremo Tribunal
Dora García Fernández Federal – Agravo regimental ao qual se nega provimento (STF)....119
• A Adoção de Embriões Humanos na Lei de Reprodução As-
sistida Espanhola ............................................................................. 85 Honorários de advogado

Felipe Cunha de Almeida • Processual civil e tributário – Comprovação da transferência


do imóvel – Perda de objeto – Pagamento – Demonstração
• Honorários Advocatícios e Novo Código de Processo Civil: em sede de apelação – Honorários advocatícios – Princípio da
Primeiras Impressões....................................................................... 73 causalidade (TRF 1ª R.)................................................................. 147

Graziela Maria Rigo Ferrari Promessa de compra e venda


• Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e • Direito civil – Direito do consumidor – contrato padrão para
Responsabilidade Social ................................................................. 53 aquisição de imóveis – Promessa de compra e venda – Ces-
são da posição contratual – Necessidade de prévia anuência
Luciana Gemelli Eick
do promitente-vendedor – Exigência de quitação das dívidas
• Abandono Afetivo: Os Limites do Direito na Coerção de Ma- contratuais e do imposto municipal – Desvantagem excessiva
nifestações Emocionais Humanas...................................................... 9 para o consumidor não caracterizada (STJ)................................... 127

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Revista Jurídica 451
Índice Cível e Penal
Maio/2015

Registro Ação declaratória de inexigibilidade do débito – Ônus da pro-


va da contratação
• Processual civil – Agravo regimental em recurso especial –
Isenção de taxa relativa ao registro de prorrogação de visto e • Telefonia. Declaratória de inexigibilidade de débito. Telefonia.
de expedição de cédula de identidade de estrangeiro – Fun- Ausência de prova da contratação da alteração do plano de
damentação constitucional – Competência do STF (STJ)............. 143 minutos............................................................................... 33896, 166

Responsabilidade civil Ação possessória – Cumulação com perdas e danos – Ad-


missibilidade
• Processual civil e civil – Responsabilidade civil – Contratação
de advogado – Danos materiais – Princípio da restituição in- • Agravo regimental no agravo em recurso especial. Reintegração
tegral – Ressarcimento dos honorários advocatícios contra- de posse. Cumulação com pedido de perdas e danos. Possibi-
tuais – Descabimento – Honorários sucumbenciais – Redução lidade. Ofensa ao art. 292 do CPC. Ausência de prequestiona-
(TRF 4ª R.)..................................................................................... 157 mento. Necessidade de adoção do rito ordinário. Ausência de
interesse recursal. Recurso não provido............................ 33897, 166
Penal, Processual Penal
Ação rescisória – Violação de literal dispositivo de lei –
Erro de fato – Limites do cabimento
Assunto
• Processual civil. Ação rescisória. Construção e incorporação.
Apelação criminal Edificação de apartamentos em condomínio. Quebra do in-
corporador. Associação formada por adquirentes de unidades
• Penal – Apelação criminal – Lavagem de capitais – Art. 1º, autônomas para conclusão da obra. Erro de fato. Violação de
Incisos V e VII da Lei nº 9.613/1998 – Materialidade e autoria literal dispositivo de lei........................................................ 33898, 167
comprovadas – Ocultação de recursos desviados – Recurso
da defesa desprovido – Preliminares rejeitadas (TRF 2ª R.)......... 197 Alimentos – Desemprego do devedor – Efeitos jurídicos

Tortura • Civil e processual civil. Agravo regimental no recurso espe-


cial. Alegado julgamento extra petita. Inocorrência. Alimentos.
• Penal e processo penal – Agravo regimental no conflito de Execução. Rescisão de contrato de trabalho não retira a liqui-
competência – 1 Crime de apologia à tortura praticado pela dez, certeza e exigibilidade do título executivo. Precedentes.
Internet – Página do “facebook” intitulada “polícia sem censura” Mudança da capacidade financeira deve ser discutida em ação
– Não demonstração de transnacionalidade do delito – Com- revisional. Inovação recursal em agravo regimental. Impossi-
petência da justiça estadual – 2 Agravo regimental improvido bilidade. Agravo regimental não provido............................. 33899, 167
(stj)............................................................................................... 189
Assistência judiciária gratuita – Desnecessidade de renova-
ção do pedido
Ementário
• Agravo regimental no agravo em recurso especial. Deserção.
Assistência judiciária gratuita. Renovação do pedido. Desne-
Civil, Processual Civil e Comercial
cessidade. Multa do art. 557, § 2º, do CPC. Correta aplicação.
............................................................................................ 33900, 169
Assunto
Cédula de crédito rural – Prorrogação de dívida – Requi-
Ação de cobrança de cotas condominiais – Impugnação ao sitos legais
cumprimento de sentença – Garantia do juízo
• Agravo de instrumento. Ação ordinária. Cédula de crédito rural.
• Agravo de instrumento. Impugnação ao cumprimento da sen- Prorrogação de dívida. Requisitos legais. Não comprovação.
tença. Ação de cobrança de cotas condominiais. Decisão que Antecipação de tutela. Prova inequívoca. Ausência. Inde-
rejeita o bem dado em garantia do juízo. Imóvel penhorado nos ferimento............................................................................. 33901, 170
autos principais. Pressuposto necessário à impugnação. Pros-
seguimento. Recurso provido............................................. 33893, 165 Compra e venda – Atraso na entrega do imóvel – Dano moral
não caracterizado
Ação de cobrança de cotas condominiais – Obrigação propter
• Processo civil. Compra e venda de imóvel. Relação de consu-
rem
mo. Caracterização. Caso fortuito ou força maior. Abusividade
• Agravo de instrumento. Condomínio. Ação de cobrança. Des- de cláusula de tolerância e despesas cartorárias. Ausência
pesas condominiais. Quota condominial edilícia. Obrigação de interesse recursal. Hipoteca sobre o imóvel. Culpa da
propter rem. Legitimidade passiva...................................... 33894, 165 construtora. Danos materiais. Ocorrência. Dano moral. Não
configuração....................................................................... 33902, 170
Ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT – Deferi-
mento de perícia – Teoria da carga dinâmica da prova Compra e venda de imóvel na planta – Cobrança de taxas con-
dominiais – Legitimidade passiva
• Agravo de instrumento. Ação de cobrança do seguro obriga-
tório DPVAT. Perícia médica requerida por ambas as partes. • Civil e processual civil. Compra e venda de imóvel na planta.
Beneficiário da gratuidade judiciária. Ônus periciais. Teoria da Preliminar de ilegitimidade passiva. Cobrança de taxas con-
dinâmica das provas. Recurso desprovido......................... 33895, 166 dominiais. Efetivadas contra o adquirente. Imissão na posse

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Revista Jurídica 451
Índice Cível e Penal
Maio/2015

do imóvel. Não comprovada. Cobrança indevida. Restituição. Contrato de honorários advocatícios – Falecimento do ti-
Sentença mantida............................................................... 33903, 171 tular do direito – Legitimidade ativa restrita à quota-parte

Compra e venda de móveis planejados – Defeito na instalação • Contrato de honorários advocatícios. Indenização por danos ma-
– Responsabilidade solidária do fabricante teriais e morais. Ação movida pelo procurador do falecido titular
do direito. Legitimidade ativa somente em relação à cota-parte
• Compra e venda de móveis planejados. Indenização por da- do procurador por ser filho e co-herdeiro do mandante. Pres-
nos materiais e morais. Inadimplemento da loja revendedora crição. Inocorrência............................................................ 33912, 175
configurado......................................................................... 33904, 171
Direito do consumidor – Atraso na entrega do veículo – Au-
Consumidor – Compra de carro zero-quilômetro defeituoso sência de demonstração de danos
– Dano moral caracterizado
• Processual civil e civil. Apelação. Ação de ressarcimento de
• Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Dano moral.
dano moral cumulado com dano material. Atraso na entrega
Veículo zero-quilômetro. Diversas idas à concessionária sem
de veículo. Dano material não configurado. Dano moral não
solução de defeito. Súmula nº 83/STJ. Constatação em laudo
demonstrado....................................................................... 33913, 176
pericial de falha na qualidade de serviço............................ 33905, 172

Contrato bancário – Julgamento citra petita – Súmula Direito do consumidor – Exegese do art. 14, CDC – Dano
nº 381/STJ – Sentença anulada de ofício moral não comprovado

• Apelação cível. Ação revisional de contrato. Julgamento ci- • Direito do consumidor. Agravo de instrumento. Indenizatória.
tra petita. Contradição entre a fundamentação e o dispositi- Falha na prestação do serviço. Dever de informação. Respon-
vo. Violação à Súmula nº 381 do STJ. Sentença anulada de sabilidade civil objetiva. Danos materiais mantidos. Dano moral
ofício. Apelo prejudicado..................................................... 33906, 172 não comprovado. Mero aborrecimento. Recurso a que se dá
parcial provimento.............................................................. 33914, 176
Contrato bancário – Legalidade da capitalização de juros
Direito do consumidor – Financiamento de veículo – Análise
• Processual civil e civil. Apelação. Ação revisional. Legali-
da abusividade de cláusulas
dade da capitalização dos juros. Previsão de taxa de juros
anual superior ao duodécuplo da mensal. Inconstitucionali- • Apelação cível. Ação revisional de contrato bancário. Finan-
dade da MP 2.170-36/2001 afastada. Apelações improvida e ciamento de veículo. Capitalização de juros e suposta cumu-
provida................................................................................ 33907, 173 lação ilegal de encargos moratórios. Ausência de interesse
recursal neste ponto. Suscitada preliminar ex officio. Juros
Contrato bancário – Revisão contratual – Antecipação de remuneratórios. Abusividade comprovada. Tarifa de cadastro.
tutela – Requisitos legais e jurisprudenciais Válida. Tarifa de avaliação de bens. Razoável e proporcional,
• Agravo de instrumento. Ação de revisão contratual c/c con- devida. Ressarcimento de gravame eletrônico. Vedada a sua
signação em pagamento. Antecipação dos efeitos da tutela. cobrança. Recurso conhecido em parte e dado parcial pro-
Depósito dos valores incontroversos. Abstenção de inscrição vimento na parte conhecida................................................ 33915, 177
nos cadastros de proteção ao crédito. Ausente a verossimi-
lhança das alegações. Valor inferior à parcela ajustada. Re- Execução civil – Penhora on line – Admissibilidade
curso provido...................................................................... 33908, 173
• Agravo regimental no agravo em recurso especial. Execu-
Contrato bancário – Revisão contratual – Mitigação do prin- ção. Penhora on line. Deferimento após a entrada em vigor
cípio da pacta sunt servanda
da Lei nº 11.382/2006. Diligências. Esgotamento. Desneces-
sidade................................................................................. 33916, 177
• Apelação cível. Revisão contratual. Possibilidade. Mitigação do
princípio da pacta sunt servanda. Tarifas bancárias. Pagamen- Execução civil – Título extrajudicial – Assinatura de teste-
to de serviços de terceiros e serviços corresp. Não bancários.
munhas – Requisito extrínseco à substância do ato
Abusividade. Repetição do indébito na forma simples. Re-
curso conhecido e improvido.............................................. 33909, 174 • Processo civil. Recurso especial. Execução de títulos extraju-
diciais. Falta de assinatura nos contratos de abertura de cré-
Contrato de comodato – Ação de reintegração de posse – dito fixo para exportação. Excepcionalidade no caso concreto.
Dever de devolução do bem Emenda da inicial. Questão prejudicada............................ 33917, 178
• Recurso de agravo de instrumento. Ação de reintegração
de posse. Comodato. Não desocupação ao final do contra- Execução de alimentos – Exceção de pré-executividade – Ca-
to. Dever em devolver. Prazo de 30 dias. Recurso parcial- bimento
mente provido..................................................................... 33910, 174
• Processual civil. Execução de alimentos. Exceção de pré-
-executividade. Recurso especial. Preliminar de ofensa ao art.
Contrato de consórcio – Taxa de administração – Livre fixa- 535 do CPC. Inexistência. Afirmada ausência de fundamen-
ção entre as partes
tação da decisão que julgou a exceção de pré-executividade.
• Civil e processual. Agravo regimental no recurso especial. Inocorrência. Nulidade da execução. Ausência de título execu-
Consórcio. Taxa de administração. Limitação. Ausência. Prece- tivo. Configuração. Recurso especial a que se dá provimento
dentes. Verba honorária. Redimensionamento...................33911, 174 ............................................................................................ 33918, 178

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Revista Jurídica 451
Índice Cível e Penal
Maio/2015

Execução provisória – Garantia do juízo – Oferecimento por localização do executado. Necessidade. Retorno dos autos à
terceiro – Legalidade origem................................................................................. 33927, 183

• Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Execução


Processual civil – Exceção de pré-executividade – Dilação
provisória. Levantamento de quantia. Oferecimento de cau-
probatória – Não cabimento
ção por terceiro. Possibilidade. Idoneidade. Súmula nº 7/STJ
............................................................................................ 33919, 179 • Agravo regimental no agravo em recurso especial. Exceção
de pré-executividade. Revisão do quantum arbitrado. Su-
Impugnação ao cumprimento de sentença – Garantia integral posto erro de cálculo. Dilação probatória. Não cabimento.
do juízo – Exigência Súmula nº 7/STJ................................................................. 33928, 184
• Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Processual
civil. Cumprimento de sentença. Impugnação. Garantia inte-
Processual civil – Intimação realizada na pessoa de advogado
substabelecente – Legalidade
gral do juízo. Exigência. Súmula nº 83 do STJ. ................. 33920, 179
• Agravo regimental. Processual civil. Agravo em recurso espe-
Juizado especial cível – Revisão dos julgados pelo tribunal cial. Intimação feita em nome do advogado substabelecente.
de justiça – Inadmissibilidade Exercício em comarca distinta. Não comprovação. Nulidade.
Não ocorrência. Decisão agravada mantida....................... 33929, 184
• Processual civil. Mandado de segurança. Impetração con-
tra acórdão de turma recursal. Tribunal de Justiça. Incom-
petência. Súmula nº 376/STJ............................................. 33921, 180 Processual civil – Tempestividade
• Processual civil. Agravo regimental. Agravo em recurso espe-
Plano de assistência odontológica – Ausência de rede de cial. Recurso especial protocolado após o prazo legal. Intem-
profissionais credenciados no município da autora – Rescisão pestividade. Publicação do acórdão. Termo inicial do prazo
contratual ............................................................................................ 33930, 184
• Apelação cível. Ação ordinária. Rescisão contratual. Assistên-
Responsabilidade civil – Arremesso de pedra para o interior
cia odontológica. Rede de profissionais credenciados. Ônus
de trem – Fato de terceiro – Responsabilidade civil afastada
da prova. Restituição das quantias pagas. Enriquecimento
sem causa. Multa rescisória............................................... 33922, 180 • Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Responsa-
bilidade civil. Concessionária de serviço público. Arremesso
Plano de saúde – Recusa injustificada – Dano moral de pedra para o interior de composição ferroviária. Fato de
terceiro. Caso fortuito......................................................... 33931, 185
• Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Plano de
saúde. Tratamento médico. Recusa injustificada. Dano moral
configurado......................................................................... 33923, 180 Responsabilidade civil de empresa jornalística – Violação de
segredo de justiça – Dano moral caracterizado

Plano de saúde – Reembolso de despesas hospitalares – • Recurso especial. Responsabilidade civil. 1. Reparação por
Prescrição ânua danos morais. Matérias jornalísticas com relatos de fatos con-
tidos em ação de separação judicial. Violação do segredo de
• Agravo regimental no agravo em recurso especial. Plano de
justiça. Notícias fundamentadas apenas na versão de uma das
saúde. Despesas hospitalares. Reembolso. Prescrição ânua.
partes envolvidas. Juízo de valor negativo sobre o comporta-
Art. 206, § 1º, II, do Código Civil. Entendimento pacificado. Deci-
mento da recorrida. Perda do contato entre mãe e filha após a
são monocrática do relator. Possibilidade.......................... 33924, 181
divulgação das reportagens. Abuso no exercício do direito de in-
formação. Dever de indenizar. Configuração..................... 33932, 185
Prática dos atos processuais – Horário de funcionamento do
foro – Exegese do art. 172, CPC
Responsabilidade civil do empregador – Roubo em ônibus –
• Agravo regimental no recurso especial. Regulamentação pela Morte de cobrador – Dever de indenizar caracterizado
lei de organização judiciária local do horário de funciona-
• Recurso especial. Acidente do trabalho. Responsabilidade civil
mento do judiciário do Piauí. Art. 172, § 3º, do CPC.......... 33925, 181
do empregador. Roubo em ônibus. Morte de cobrador. Obri-
gação de indenizar (CLT, art. 2º). Jurisprudência do Tribunal
Processual civil – Ação coletiva – Suspensão de ações indi-
Superior do Trabalho. Recurso desprovido........................ 33933, 186
viduais – Admissibilidade

• Agravo regimental no agravo em recurso especial. Dano am- Responsabilidade civil do hospital – Contratação de falso
biental. Pedido de indenização pelos danos morais suposta- médico – Dever de indenizar
mente sofridos. Possibilidade de suspensão de ações indivi-
duais até o julgamento da ação coletiva. Entendimento firmado • Processual civil. Alegação de negativa de prestação jurisdicio-
pela Segunda Seção em recurso especial representativo de nal. Improcedência. Conexão. Faculdade do julgador. Súmula
controvérsia. Agravo regimental não provido..................... 33926, 183 nº 235/STJ. Sentença proferida em uma das demandas. Ins-
tâncias criminal e cível. Independência. Condenação criminal.
Materialidade e autoria. Coisa julgada no cível. Inviabilidade
Processual civil – Citação por edital – Requisitos
de afastamento do nexo causal. Ausência de cerceamento
• Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Tempestivi- de defesa pelo indeferimento de prova. Art. 935 do Código
dade do recurso especial comprovada. Embargos à execução Civil. Responsabilidade civil do hospital por contratação de
hipotecária. Citação por edital. Esgotamentos dos meios para falso médico. Culpa in eligendo. Pensionamento. Divergência

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Revista Jurídica 451
Índice Cível e Penal
Maio/2015

jurisprudencial. Bases fáticas distintas. Valor do dano moral. Estelionato contra a Previdência Social
Redução. Súmula nº 7/STJ................................................ 33934, 187
• Penal e processo penal. Estelionato contra a Previdência So-
cial. Concessão de aposentadoria anteriormente ao término
Ementário Penal do tempo mínimo de contribuição. Crime instantâneo. Dosi-
metria da pena. Quantum. Critérios de fixação. Prescrição
retroativa. Ocorrência......................................................... 31212, 208
Assunto
Estupro
Atividade clandestina de comunicação
• Penal. Processo penal. Apelação criminal. Estupro de vulnerá-
• Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Trancamento vel. Violência real. Materialidade e autoria comprovadas. Espe-
da ação. Atividade clandestina de telecomunicação. Rádio cial valor probante das palavras da vítima, corroboradas pelas
transceptor de potência de 5 watts. Insignificância. Aplicabili- demais provas produzidas na instrução do processo. Pleito de
dade.................................................................................... 31205, 205 absolvição improcedente. Suficiência das provas para sustentar
o édito condenatório. Menoridade relativa. Redimensionamento
Contrabando da pena. Regime fechado mantido. Reparação de danos afas-
tada de ofício. Ausência de instrução com esse fim. Recurso
• Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Con- conhecido e parcialmente provido...................................... 31213, 209
trabando e falsificação, corrupção, adulteração ou alteração
• Penal e processo penal. Recurso especial. Estupro. Deficiên-
de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Tran-
cia de fundamentação. Súmula nº 284/STF. Férias não im-
camento da ação penal. Denúncia. Fatos adequadamente nar-
pedem o exercício da jurisdição pelo relator. Usurpação da
rados. Ocorrência. Exercício da ampla defesa. Possibilidade.
atribuição do Ministério Público. Não ocorrência. Existência
Falta de justa causa. Fragilidade probatória, pequena quantida- de justa causa para o oferecimento da denúncia. Inadmis-
de do produto, ausência do intento de circulação e destinação sível reexame de provas. Súmula nº 7/STJ. Cerceamento de
diversa. Exame aprofundado do contexto fático-probatório. Ne- defesa. Não ocorrência. Agravo em recurso especial. Não
cessidade. Matéria incabível na via eleita. Princípio da insignifi- cabimento em caso de recebimento parcial do apelo nobre.
cância. Matéria não examinada pela Corte de origem. Supres- Súmulas nºs 292 e 528/STF............................................... 31214, 209
são de instância. Recurso desprovido................................ 31206, 205
Execução penal
Crime contra as relações de consumo • Execução penal. Habeas corpus (1) falta grave. Homologação
• Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra as re- fundamentada após regular procedimento administrativo dis-
lações de consumo (art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990). ciplinar. Incabível reexame. Análise aprofundada do conjunto
Denúncia. Crime que deixa vestígios. Materialidade delitiva. fático-probatório. Via inadequada (2) falta grave. Caracteri-
Necessidade de exame de corpo de delito. Presunção legal zação. Possibilidade de regressão de regime, perda dos dias
de impropriedade ao consumo. Conceito previsto em norma remidos e interrupção do lapso temporal para obtenção de
estadual. Ofensa à regra constitucional de competências le- benefícios, exceto livramento condicional, comutação e indulto.
gislativas. Impossibilidade. Ausência de justa causa. Tranca- Existência de manifesta ilegalidade no ponto (3) writ não conhe-
mento. Insurgência provida................................................ 31207, 206 cido. Ordem concedida de ofício........................................ 31215, 210
• Habeas corpus crime. Execução penal. Falta grave. Apuração
Crime de ameaça no âmbito doméstico mediante processo administrativo disciplinar. Contraditório e
ampla defesa. Participação do defensor. Audiência de justifi-
• Apelação criminal. Crime de ameaça no âmbito doméstico. cação prévia. Desnecessidade de audiência na esfera judicial.
Inocorrência da prescrição. Absolvição por insuficiência de Homologação da falta grave. Ausência de prejuízo ao pa-
provas. Impossibilidade. Conjunto probatório robusto e coeso. ciente. Ordem denegada.....................................................31216, 211
Redução da pena-base. Reanálise das circunstâncias judiciais.
Possibilidade. Substituição da pena corpórea. Não cabimento. Furto
Suspensão condicional da pena, de ofício......................... 31208, 207
• Apelação criminal. Crime contra o patrimônio. Furto qualifi-
cado pelo rompimento de obstáculo e concurso de agentes
Crime eleitoral (art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal). Recurso da defesa. Plei-
• Habeas corpus. Ação penal. Arts. 299 do Código Eleitoral e 146 to pelo afastamento das qualificadoras. Impossibilidade. Con-
do Código Penal. Trancamento. Falta de justa causa. Não ocor- curso de agentes demonstrado pelas declarações da vítima,
rência. Nulidades. Não configuração.................................. 31209, 207 testemunhas e da própria ré................................................31217, 211
• Habeas corpus. Furto duplamente qualificado. Writ substitutivo.
Estelionato Dosimetria. Pena-base. Valoração negativa da culpabilidade.
Elemento inerente ao crime consumado. Ilegalidade. Maus
• Penal. Processual penal. Apelação criminal. Estelionato con- antecedentes. Consideração de processo em curso e atos in-
tra ente público. Art. 171, § 3º, do Código Penal. Materialida- fracionais. Impossibilidade. Circunstâncias do crime. Expressivo
de e autoria. Não comprovadas. Ausência de dolo. In dubio prejuízo à vítima. Fundamento válido. Regime prisional. Cir-
pro reo. Absolvição mantida............................................... 31210, 208 cunstância judicial desfavorável. Semiaberto. Constrangimento
• Recurso ordinário em habeas corpus. Estelionato. Suspensão ilegal evidenciado em parte. Concessão de ofício............. 31218, 212
condicional do processo. Lei nº 9.099/1995. Prestação pecu- • Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Inade-
niária imposta como condição especial. Impossibilidade. Pena quação da via eleita. Furto simples. Princípio da insignificância.
antecipada. Recurso provido...............................................31211, 208 Maus antecedentes. Inaplicabilidade.................................. 31219, 212

227
Revista Jurídica 451
Índice Cível e Penal
Maio/2015

Investigação pré-processual ção criminal. Prisão preventiva decretada na apelação criminal


para a aplicação da lei penal. Paciente foragido do sistema pri-
• Processo penal. Habeas corpus. Operação Segurança Pú-
sional. Periculum libertatis. Fundamentação suficiente. Ordem
blica S/A. Investigação pré-processual. Feito apreciado por
denegada............................................................................ 31227, 217
colegiado composto, no TRF 2ª R., majoritariamente por juí-
zes convocados. Nulidade. Não ocorrência. Ordem denegada • Recurso ordinário em habeas corpus. Estupro e atentado vio-
............................................................................................ 31220, 213 lento ao pudor. Art. 213 do CP. Prisão preventiva. Condenação.
Proibição de recorrer em liberdade. Réu que permaneceu solto
Latrocínio durante a instrução criminal. Segregação fundada no art. 312
do CPP. Circunstâncias do delito. Gravidade concreta. Evasão
• Processo penal. Habeas corpus. Latrocínio. Prisão cautelar.
do distrito da culpa. Necessidade de garantir a ordem pública e
Fundamentação da custódia. Periculosidade do agente. Ame-
a aplicação da lei penal. Custódia fundamentada. Coação ilegal
aça a testemunha. Elementos concretos a justificar a medida
quanto a um dos pacientes. Art. 313, I, do Código de Processo não demonstrada. Reclamo improvido............................... 31228, 218
Penal. Motivação inidônea. Flagrante ilegalidade na custódia da
ré. Existência. Ordem parcialmente concedida.................. 31221, 213 Roubo
• Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Descabimento.
Pena Roubo duplamente circunstanciado................................... 31229, 218
• Habeas corpus. Substitutivo de recurso especial. Não cabimen- • Penal e processual. Habeas corpus substitutivo de recurso
to. Corrupção ativa. Dosimetria da pena. Culpabilidade exa- próprio. Roubo tentado. Emprego de faca. Art. 33, §§ 2º e 3º,
cerbada. Aumento idôneo. Maus antecedentes criminais com do código penal. Regime mais gravoso. Ausência de funda-
base em ações em andamento. Ofensa à Súmula nº 444/STJ. mentação idônea. Súmulas nºs 440 do STJ e 718 e 719 da
Circunstância judicial da personalidade do réu. Consideração suprema corte. Constrangimento ilegal evidenciado. Fixação
de ausência de arrependimento. Impossibilidade. Substitui- do regime aberto................................................................ 31230, 219
ção de penas. Possibilidade. Constrangimento ilegal eviden-
ciado................................................................................... 31222, 213 • Penal e processual penal. Agravo regimental em agravo em re-
curso especial. Roubo majorado. Uso de arma. Art. 157, § 2º, I,
• Habeas corpus. Writ substitutivo. Arts. 157, § 2º, I, II e V, e 158,
do CP. Atenuante da confissão espontânea. Agravante da rein-
§ 1º, ambos do CP. Dosimetria. Pena-base. Culpabilidade e
cidência. Possibilidade de compensação........................... 31231, 219
motivos do crime. Ausência de fundamentação concreta. Ilegali-
dade evidenciada. Reincidência e confissão espontânea. Com-
pensação. Ordem concedida de ofício............................... 31223, 214 Tortura
• Penal e processo penal. Embargos de declaração em agravo
Posse irregular de arma de fogo regimental em agravo em recurso especial. Tortura. Arts. 1º,
• Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Trá- § 1º, e 4º, I, da Lei nº 9.455/1997. Alegação de negativa de vi-
fico de drogas e posse irregular de arma de fogo de uso gência ao art. 535, II, do CPC, omissão à inconstitucionalidade
permitido. Pena-base acima do mínimo legal. Possibilidade. de lei estadual e fixação do regime inicial fechado. Inovação
Bis in idem. Inocorrência. Confissão espontânea. Atenuante de argumentos. Inadequação da capitulação da conduta. Tese
genérica não configurada.................................................. 31224, 215 jurídica não prequestionada. Razões recursais dissociadas
dos fundamentos da decisão agravada. Inexistência de ví-
Princípio cios no acórdão embargado............................................... 31232, 220

• Agravo regimental em habeas corpus. Trancamento da ação Tráfico de drogas


penal. Falta de justa causa. Princípio da isonomia. Art. 580,
CPP. Superveniência de sentença condenatória. Novo títu- • Habeas corpus. Tráfico de drogas. Impetração substitutiva de
lo judicial. Juízo de cognição mais amplo. Writ prejudicado. recurso próprio. Impropriedade da via eleita. Regime fechado
Agravo regimental improvido.............................................. 31225, 215 fixado sem concreta fundamentação. Pena-base no mínimo
legal. Primariedade. Constrangimento ilegal. Substituição por
Princípio da insignificância medidas restritivas de direitos. Possibilidade. Writ não conhe-
cido. Ordem concedida de ofício........................................ 31233, 220
• Penal e processual penal. Contrabando de cigarros. Des-
necessidade do lançamento definitivo. Súmula Vinculante • Penal. Processo penal. Apelação criminal. Narcotráfico (art. 33,
nº 24/STF. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade..... 31226, 216 caput, da Lei nº 11.343/2006). Sentença condenatória. Re-
curso da defesa. Inconformismo com a carga penal imposta
Prisão preventiva ............................................................................................ 31234, 221
• Habeas corpus. Tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo • Processo penal. Recurso em habeas corpus. Tráfico interes-
e receptação. Fragilidade de provas e alegação de que o fla- tadual de drogas e respectiva associação. Prisão cautelar.
grante foi forjado. Inviabilidade de exame no habeas corpus. Gravidade concreta. Motivação idônea. Ocorrência. Recurso a
Negativa de recorrer em liberdade. Réu solto durante a instru- que se nega provimento..................................................... 31235, 221

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