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Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – Nº 93
Dez-Jan 2020
Classificação Qualis/Capes: B1
Editores
Fábio Paixão
Walter Diab
Coordenador
Aury Lopes Júnior
Conselho Científico
Damásio E. de Jesus – Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva
Conselho Editorial
Adeildo Nunes – Amadeu de Almeida Weinmann
Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Haroldo Caetano da Silva
José Carlos Teixeira Giorgis – Luiz Flávio Gomes – Marcelo Roberto Ribeiro
Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti – Roberto Victor Pereira Ribeiro
Rômulo de Andrade Moreira – Sergio Demoro Hamilton
Umberto Luiz Borges D’Urso
A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores.
As íntegras dos acórdãos aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto ao
órgão competente do respectivo Tribunal.
A editoração eletrônica foi realizada pela LexMagister, para uma tiragem de 3.100 exemplares.
CDU 343(05)
LexMagister
Diretor Executivo: Fábio Paixão
Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Sonegação Fiscal. Responsabilidade Penal
Subjetiva. Art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/90. Condição de Contribuinte.
Prescindibilidade. A Responsabilidade Penal É Subjetiva e Independente
da Tributária
Rel. Min. Marco Aurélio........................................................................................ 122
2. Superior Tribunal de Justiça – Homicídio Qualificado. Ocultação de
Cadáver. Fraude Processual. Conexão. Art. 366 do CPP. Produção
Antecipada de Provas. Urgência da Medida Não Demonstrada.
Constrangimento Ilegal. Nulidade
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz............................................................................. 126
3. Superior Tribunal de Justiça – Feminicídio. Prisão Preventiva. Garantia
da Ordem Pública. Gravidade Concreta. Modus Operandi. Feminicídio
Premeditado. Motivo Fútil. Ameaças a Parentes das Vítimas
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro...................................................................... 131
4. Superior Tribunal de Justiça – Denúncia. Organização Criminosa e
Fraude à Licitação. Atipicidade da Conduta. Nulidade da Decisão que
Recebeu a Denúncia. Desnecessidade de Motivação Extensa do Ato que
Acolhe a Inicial. Inocorrência de Ilegalidade
Rel. Min. Ribeiro Dantas....................................................................................... 137
5. Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Descaminho. Natureza Formal.
Desnecessidade de Constituição Definitiva do Crédito Tributário.
Indícios de Autoria e Materialidade. Recebimento da Denúncia
Relª Desª Fed. Simone Schreiber............................................................................. 146
6. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Receptação. Art. 180, Caput,
do CP. Ausentes os Pressupostos da Prisão Preventiva. Fiança Afastada.
Substituição por Medidas Cautelares Diversas. Ratificação da Liminar
Rel. Des. Rogério Gesta Leal.................................................................................. 152
7. Tribunal de Justiça de São Paulo – Violência Doméstica. Lesão
Corporal Leve. Pena-Base Fixada no Mínimo Legal a Míngua de
Maus Antecedentes. Regime Aberto e Suspensão Condicional da
Pena. Afastada a Prestação de Serviços à Comunidade como Condição
Obrigatória ao Sursis
Rel. Des. Cesar Augusto Andrade de Castro............................................................ 156
8. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 161
9. Ementário............................................................................................................ 162
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 189
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 190
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 191
Doutrina
1 Introdução
Hodiernamente, o Brasil passa por um momento de efervescência
jurídica, política e social em decorrência das constantes alterações de enten-
dimento do Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade de prisão após
condenação em segunda instância. Há intensa mobilização social envolvendo
cidadãos, parlamentares, juízes, promotores, Ordem dos Advogados do Brasil,
juristas, associações, militância digital, entre outros, no exercício da expressão
máxima da cidadania inerente ao regime democrático.
Essa agitação decorre das inúmeras consequências que o direcionamen-
to legislativo e judicial pode ocasionar, como, por exemplo, a insegurança da
sociedade, convivendo com criminosos impunes, megalotação do sistema
prisional, mitigação do direito fundamental à liberdade, isonomia de garantia
legal aos criminosos pobres e ricos, prisão e/ou soltura do ex-Presidente da
República Luiz Inácio Lula da Silva e demais políticos que são processados
criminalmente pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que assolam
o país. Discursos de que a “justiça no Brasil somente se efetiva para os ricos” e,
“prisão se concretiza para os pobres”, são reiteradamente difundidos pela mídia.
A recente decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal (07.11.2019)
nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 45 foi acirrada e, por
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1 “A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente.
(...) Embora a constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se
em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta
segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de
conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Cons-
tituição converter-se-á em força ativa se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência
dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (wille zur macht), mas também
a vontade de constituição (wille zur Verfassung). Essa vontade de constituição origina-se de três vertentes diversas.
Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado
contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais
do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação).
Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não
logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.” (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar
Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 19).
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2 “Se as regras sobre a representação e sobre o princípio da maioria são normas formais sobre aquilo que podemos
chamar de a esfera do indecidível: do não decidível que, ou seja, das proibições correspondentes aos direitos de
liberdade, e do não decidível que não, das obrigações públicas correspondentes aos direitos sociais.” (FERRAJOLI,
Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais. Trad. Alexandre Salim et al. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001.)
3 “(...) Aliás, a nada se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que alguém viesse a ser considerado culpado e
ser culpado equivale a suportar execução imediata da pena anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei,
nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao
que dispõe o inciso LVII do seu art. 5º. Apenas um desafeto da Constituição – lembro-me aqui de uma expressão de
Geraldo Ataliba, exemplo de dignidade, jurista maior, maior, muito maior do que pequenos arremedos de juristas
poderiam supor – apenas um desafeto da Constituição admitiria que ela permite seja alguém considerado culpado
anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Apenas um desafeto da Constituição admitiria
que alguém fique sujeito a execução antecipada da pena de que se trate. Apenas um desafeto da Constituição.” (STF,
HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, 2009)
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Nesse contexto, extrai-se que ser cidadão é ter direito à liberdade, igual-
dade e justiça. É viver em democracia. É ter direito de participar ativamente do
futuro da sociedade, seja pelo voto, pela participação em debates, indo às ruas,
pela rede mundial de computadores, aplicativos de celular, como WhatsApp –
demais sistemas de interação com o mundo – Instagram, Facebook, etc., pela
televisão ou rádio. É a cidadania pluralista em um sistema republicano, como
é o caso do Brasil.
Contudo, a cidadania multicultural, pluralista, de integração entre
indivíduos e grupos não sobrepõem ao direito individual à liberdade. Não
por menos, o preâmbulo da Constituição Federal, ao instituir o Estado De-
mocrático, assegurou o exercício do direito à liberdade, à igualdade e à justiça
como valores supremos.
Dessa forma, o direito à cidadania está acima dos direitos políticos e
sociais, cabendo ao Estado, utilizando-se de meios capazes de assegurar a efe-
tividade da justiça e a segurança da sociedade em face dos criminosos, tornar
o sistema penal eficaz, sem mitigar a liberdade do cidadão.
Dessa forma, a Emenda à Constituição nº 199/2019 e o Projeto de Lei
nº 166/2018 são inconstitucionais por violar a cidadania, valor supremo do
Estado Democrático de Direito.
afirmando que “na verdade, a tramitação penal ficaria inviável apenas para
que tem dinheiro”.
Nesse diapasão, a pesquisa cinge-se em buscar a essência do princípio
da igualdade, suas origens, conceitos e aplicabilidade, para aferir se a prisão em
segunda instância é um instrumento de efetivação do princípio da igualdade,
ou lado oposto, trata-se de violação à isonomia.
A ideia de igualdade como mandamento constitucional deu-se, inicial-
mente, por Hobbes, no século XVII e, posteriormente, por Locke, os quais
defendiam que todos os homens eram livres e iguais na natureza, acarretando a
desigualação apenas quando da passagem para o estado civil, a fim de obter-se
a paz, segurança, liberdade e propriedade (TABORDA, 1999, p. 251).
Rousseau teorizou a igualdade, considerando, para tanto, as desigual-
dades naturais ou físicas (saúde, física, espírito) e desigualdades morais ou
política, que são as estabelecidas pela lei4.
No século XVIII, Kant desenvolveu o conceito de igualdade atrelado
à liberdade, segundo o qual, o direito é o conjunto das condições em que a
vontade de um deve estar de acordo com a do outro, segundo uma lei geral
da liberdade limitada pelo critério da igualdade (TABORDA, 1998, p. 252).
As garantias dos direitos de liberdade garantem a igualdade formal ou
política. Trata-se do direito à diferença, ou seja, do direito de ser si mesmo e
permanecer diferente dos outros. Já as garantias dos direitos sociais permitem
uma igualdade substancial ou social, que são os direitos à compensação de de-
sigualdades e, portanto, tornam-se iguais aos outros nas condições mínimas de
vida e sobrevivência. Em todos os casos, a igualdade legal, formal e substancial
pode ser definida como igualdade nos direitos fundamentais (AÑÓN, 2008).
De acordo com Neves (2008, p. 167), pelo conceito de Estado Demo-
crático de Direito, o princípio da igualdade é jurídico-política, destacando que
a “homogeneidade estratificada” é incompatível com o princípio constitucio-
nal da igualdade, posto que é justamente na heterogeneidade e pluralidade
da sociedade com diversidade de valores, interesses, crenças e etnias, que se
tornará possível a implantação do princípio da isonomia.
4 “Eu concebo na espécie humana duas espécies de desigualdades: uma, que chamo natural ou física, porque foi
estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças corporais e das qualidades
do espírito e da alma; outra, a que se pode chamar de desigualdade moral ou política, pois que depende de uma
espécie de convenção e foi estabelecida, ou ao menos autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos
diferentes privilégios desfrutados por alguns em prejuízo dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados,
mais poderosos que estes, ou mesmo mais obedecidos.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos.
São Paulo: Cultrix, 2004. p. 143)
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5 “Embora se trate de um paradoxo, pois a presença de setores discriminados importa limites à construção de uma
esfera pública pluralista, as discriminações legais afirmativas ou inversas justificam-se com base no princípio da
igualdade enquanto reagem proporcionalmente às discriminações sociais negativas contra os membros desses grupos
e desde que objetivem à integração jurídico-política igualitária de todos os cidadãos no estado e, abrangentemente,
na sociedade, servindo, portanto, à construção e ampliação da cidadania.” (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã:
uma relação difícil. O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins,
2008. p. 174)
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micas, devem ser analisadas pelo critério desenvolvido por Mello (2017, p.
25) denominado de “isonomia e fator de discriminação”, pelo qual a igualdade
deve visar, de um lado, dar garantia aos direitos fundamentais e, de outro,
tolher favoritismo”. Isso significa que não se pode editar leis e Emendas à
Constituição que tenha por finalidade sujeitos determináveis de modo que
se ficar comprovado que o objeto de fundo seja a prisão desses políticos, não
somente estará violando o princípio da isonomia, como também caminhando
ao totalitarismo.
O princípio da igualdade é, assim, o núcleo da cidadania (NEVES, 2008,
p. 175), sob dois vieses: de um lado, a perspectiva interna de um tratamento
jurídico-político igual, pautado na neutralização de direitos; de outro, a pers-
pectiva externa da esfera pública pluralista, que é o direito de ser tratado igual.
Isso, porque se os sistemas – político e jurídico – não estiverem assegurando
sistematicamente o tratamento igual, sucumbiu-se o direito à igualdade e,
portanto, abalou-se a democracia (NEVES, 2008, p. 167).
6 “O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das coisas e independentemente das convenções humanas. Toda
justiça vem de Deus; só ele é sua fonte, mas se soubéssemos recebê-la de tão alto, não teríamos necessidade nem de
governo nem de lei. Está fora de dúvida a existência de uma justiça universal, só da razão emanada; tal justiça, porém,
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para ser admitida entre nós, deve ser recíproca. Considerando humanamente as coisas à falta da sanção natural, são
vãs as leis da justiça entre os homens; fazem o bem do perverso e o mal do justo, quando este observa com todos,
sem que ninguém as observe consigo. É necessário, pois, haja convenções e leis para unir os direitos aos deveres e
encaminhar a justiça a seu objetivo.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix,
2004. p. 47)
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Contudo, não é qualquer lei injusta que está sob o manto da invalidade
como direito, mas tão somente aquelas injustiças extremas e evidentes que
põe em risco a própria segurança jurídica (ALEXY, 2008, p. 7).
Bobbio (2011, p. 38) descreve o embaraço da lei injusta como “pro-
blema da deontologia do direito”, que se trata da correspondência, ou não,
da norma aos valores últimos que inspiram o ordenamento jurídico, ou seja,
se são aptas, ou não, para realizar esses valores, posto que entre o ideal de
justiça e a realidade do direito há sempre uma distância. E, como afirmado
por King Júnior (SEN, 2019), a “injustiça em qualquer lugar, é uma ameaça
à justiça em todo lugar”.
Assim, a justiça é “a virtude primeira das instituições sociais” (RAWS,
2008, p. 4), de modo que todos os poderes – legislativo, executivo e judiciá-
rio – devem a ela inclinar-se. E, por consectário, não se é permissivo criar
leis injustas, ainda que venham a ser eficientes. De igual forma, leis injustas
vigentes devem ser rechaçadas/revogadas.
Dessa maneira, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se
justifique por um bem maior desfrutado por outros, tampouco permite que
os sacrifícios impostos a poucos sejam contrabalançados pelo número maior
de vantagens de que desfrutam muitos (RAWS, 2008, p. 4).
Explica Raws (2008, p. 4): “Na sociedade justa as liberdades da cidada-
nia igual são consideradas irrevogáveis; os direitos garantidos pela justiça não
estão sujeitos a negociações políticas nem ao cálculo de interesses sociais”.
Se a liberdade e a igualdade são consectários da justiça, e, se prisão
antes do trânsito em julgado é, por si só, injusta, na medida em que impe-
de o direito à liberdade, fere o princípio da presunção de inocência, ampla
defesa e devido processo legal, máxime em decisões teratológicas, que admi-
tem reversão do resultado do julgado nas instâncias superiores (SOARES;
RORATO, 2018, p. 366). Por consectário, o Projeto de Lei nº 166/2018 e
Emenda à Constituição nº 199/2019 que ora se propõe, é inconstitucional
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desde o seu nascedouro, uma vez que lei injusta, como defendido por Raws
e Alexy, são inconstitucionais.
6 Conclusões
A Nação brasileira está insegura diante dos conflitos de decisões do
Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de prisão em segunda ins-
tância e divergências de opiniões dos Parlamentares que, sorrateiramente,
propuseram três Emendas à Constituição, mais um projeto de lei, tudo com
o desiderato direto e/ou imiscuído de legitimar a prisão após acórdão conde-
natório penal de 2º grau.
Após análise da controvérsia no plano das casas legislativas, perpas-
sando no âmbito da Câmara dos Deputados pelas Emendas à Constituição
ns. 410/2018 e 411/2018 que pretenderam alterar o inciso LVII do art. 5º da
Constituição Federal e da Emenda à Constituição nº 199/2019 que visa extir-
par os recursos extraordinário e especial; e, ato contínuo, na esfera do Senado
Federal, através do Projeto de Lei nº 166/2018, que tem o intuito de alterar
o art. 283 do Código de Processo Penal, não se pode ignorar a importância
da força normativa da Constituição Federal para o Estado Democrático de
Direito, ressaltando que a proposição da alteração do art. 283 do Código de
Processo Penal (projeto de Lei nº 166/2018) viola o princípio da presunção de
inocência (cláusula pétrea). Portanto, se aprovado e convolado em lei, tratar-
se-á de lei inconstitucional, cuja inconstitucionalidade deverá ser declarada
pelo Supremo Tribunal Federal logo que invocado por algum legitimado.
Ademais, ao se pretender legitimar a prisão em segunda instância, há
flagrante violação do princípio de que o poder emana do povo e por ele será
exercido, considerando que a finalidade da criação dos referidos institutos
legais, como anunciado pela mídia, tem ideário político. Corre-se o risco de
noticiar o crime ou não, denunciar ou não, prender ou não, a depender de
fatores políticos e eleitoreiros. Será que o Poder Judiciário, entre idas e vindas,
não serviu a esse desiderato casuístico? Talvez nunca saberemos, mas o Poder
Legislativo não pode legitimar a prisão em segunda instância, como sendo
automática, para todos os casos.
Ao final, conclui-se que, sendo a liberdade a garantia máxima da per-
sonalidade do cidadão, é inadmissível a sua curvatura aos interesses políticos
e sociais. Portanto, considerando que a prisão antes do trânsito em julgado é
injusta e que o núcleo duro da constituição (cláusulas pétreas) não pode ser
alterado, valendo-se que a lei injusta não gera validade como direito, o projeto
de Lei nº 166/2018, em se tornando lei e, da mesma maneira, a proposta de
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TITLE: Justice as freedom and maximum guarantee of personality by the presumption of innocence.
ABSTRACT: In 2009, the Federal Supreme Court decided that arrest is only possible after the final judg-
ment. In 2016 the Supreme Court pronounces judgment allowing for a 2nd instance arrest. In 2018 the
ex-president of the Republic Luiz Inácio Lula da Silva was arrested after a criminal conviction confirmed
by the Federal Regional Court of the 4th Region. In 2019 the judiciary summit again prohibits arrest in the
second instance and the ex-president is released. At the same time, two amendments to the Constitution
are proposed in the Chamber of Deputies to amend the presumption of innocence provision, which were
filed by the constitution and justice and citizenship committee because it is a stone clause. Subsequently,
the Amendment to the Constitution for the extinction of extraordinary and special appeals was presented so
that the decision of the second instance becomes final and, consequently, the execution of the condemnatory
criminal sentence becomes legitimate. In the Federal Senate, a bill is being discussed to amend article 283
of the Criminal Procedure Code in order to admit prison in the second instance. Discourses spread that
the current model of prison only applies to the poor and, conversely, impunity to the rich. The winds of
disruption of the democratic base are blowing, and therefore of equality, citizenship and freedom. Using
the deductive method, this article initially searches to analyze the normative force of the constitution in
a democratic society. Then it goes through the origins, concepts and applicability of citizenship and the
isonomic principle. In the end, justice is contextualized as freedom to guarantee personality.
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Quarto=217831&nuOrador=3&nuInsercao=3&dtHorarioQuarto=00:04&sgFaseSessao=OD%20%20
%20%20%20%20%20%20&data=01/01/1970&txApelido=CAPIT%C3O+ALBERTO+NETO+REPU
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A Constitucionalidade do Confisco
Alargado e da Ação de Extinção de
Domínio
1 Introdução
Atualmente, no Brasil, são noticiados inúmeros casos de corrupção. Em
decorrência desse fato, há um empenho cessante para combatê-la e o meio
utilizado são os mecanismos legais.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 27
Aqueles que são a favor da inclusão dos institutos alegam que estes são
medidas eficazes para a redução da criminalidade econômica e transnacional,
além de contribuírem com suas diretrizes e recuperar os prejuízos causados
pelos crimes, sem ferir o princípio da presunção de inocência, uma vez que a
prisão dos corruptores só poderia ser efetivada em segunda instância.
Em contrapartida, aqueles que entendem ser os institutos inconstitu-
cionais defendem que tanto o confisco alargado quanto a ação de extinção
de domínio ferem a presunção da inocência e a não culpabilidade, conforme
previstos na CF, sendo estes institutos preceitos basilares do direito penal.
Por fim, somado a isso, a existência da inversão do ônus da prova pos-
sibilita uma presunção temerária, podendo propiciar, como consequência,
um enriquecimento ilícito do Estado.
2 Aspectos Gerais
O Brasil é signatário de várias convenções que sugerem a adoção de
medidas no combate da corrupção, como as Convenções das Nações Unidas
Contra a Criminalidade Transnacional e a Contra a Corrupção.
O crime organizado, por movimentar vastos recursos ilícitos, neces-
sita ser combatido. O combate irá afetar o patrimônio, o qual é utilizado por
muitos grupos e facções para aumentar seu prestígio e poder de influência
em determinada aérea.
Diante desse contexto, os institutos do confisco alargado e da ação de
extinção de domínio ganham destaque, pois, apesar de a legislação brasileira
possuir mecanismos de combate à corrupção, como a Lei nº 12.846/2013
(Lei Anticorrupção), a inclusão desses institutos aumenta a possibilidade de
combate e propicia a diminuição da corrupção por ter como foco os aspectos
patrimoniais, resultantes de crimes.
Dessa estratégia surge a ideia de construção de uma rede de controle
para que nenhum autor desse tipo de infração possa escapar. Para tanto, se
faz necessário uma atuação coordenada, com vistas a atingir a criminalidade
organizada, em especial o patrimônio, já que existem zonas de distanciamento
do confisco alargado e da ação de extinção de domínio.
As medidas anticorrupção buscam ir além do que está previsto e pro-
curam romper com a ideia de necessidade de haver a equivalência entre o
proveito do crime e o que será confiscado, uma vez que será apropriada a
diferença dos bens patrimoniais do agente e aquilo que ele possa comprovar
licitamente. Nesse diapasão, haverá um rompimento da relação de causa e
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 29
(...)
(...)
8 Conclusão
Diante desse contexto, para nós restou claro que a intenção do legis-
lador é a criação de uma rede de controle da corrupção, com apoio popular,
consubstanciada na proposta das 10 medidas contra a corrupção. Dentre as
medidas encontram-se os institutos do confisco alargado e o da ação de ex-
tinção de domínio.
O confisco alargado soma-se ao confisco clássico por equivalência,
ambos previstos no Código Penal. O primeiro, previsto no art. 91, II, b, recai
sobre os instrumentos ou proveitos de um crime, enquanto o segundo, previsto
no § 1º do mesmo artigo, abrange bens e valores que sejam equivalentes aos
auferidos pelo agente com o cometimento do crime.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
34
ABSTRACT: The purpose of this article is to address the institutes of the expanded confiscation and the
action of extinction of dominion under the aspect of constitutionality in the Brazilian legal system. Both
are foreseen in the proposal of the ten measures against corruption. In this sense, it is important to clarify
the types of confiscation already existing and their scope in Brazilian legislation. In addition to clarifying
what comes to be the extended confiscation, its legal nature, the existing controversy, as well as explaining
the action of extinction, and how its procedure occurs.
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bibli_inf_2006/Cad-MP-CE_v.01_n.02.01.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2019.
RESUMO: O ������������������������������������������������������������������
presente artigo tem por fim fazer uma análise a respeito da vio-
lência de gênero no ordenamento jurídico atual, realizando uma análise conjunta
da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.343/06) e da Lei nº 13.104/2015, que alterou
o art. 121 do Código Penal para inclusão do crime de feminicídio no rol dos
crimes qualificados. A abordagem se mostra relevante, em face do aumento do
número de casos de feminicídio perpetrados em face de mulheres em todo o
Brasil, mesmo com a alteração legislativa, impondo penas mais severas para os
autores desses crimes. Foram correlacionadas as relações de desigualdade de gê-
nero com a ocorrência de violência contra a mulher no decorrer dos anos. Nesse
ponto, a necessidade de imposição de penas mais severas para erradicação desse
tipo de violência contradiz o fundamento alegado da estrutura patriarcal. Para
a realização deste estudo, foi utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica.
Introdução
Com o passar dos anos, inúmeras foram as conquistas da mulher,
deixando ela de ser aquela responsável pelos afazeres domésticos. A mulher
tornou-se independente e participativa das atividades sociais e profissionais.
No entanto, mesmo com o protagonismo feminino, ou talvez por causa
dele, as estatísticas sobre a violência de gênero mantêm o padrão do início
do século passado.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 37
1 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
2 MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos de. Violência e saúde como um campo interdisciplinar
e de ação coletiva. História, Ciência, Saúde, v. IV, n. 3, p. 513-531, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
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3 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 19.
4 MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos de. Violência e saúde como um campo interdisciplinar
e de ação coletiva. História, Ciência, Saúde, v. IV, n. 3, p. 513-531, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0104-59701997000300006&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 10 abr. 2019.
5 DAHLBERG, Linda L.; KRUG, Etienne G. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11 (Sup), p. 1.163-1.178, 2007. Disponível
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6 PACHECO, Leonora Rezende; MEDEIROS, Marcelo; GUILHEM, Dirce. Intimate partner violence: cultural,
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8 PACHECO, Leonora Rezende; MEDEIROS, Marcelo; GUILHEM, Dirce. Intimate partner violence: cultural,
social and health correlations. Nursing & Care Open Acces Journal, v. 2, n. 4, p. 46, 2017. Disponível em: <https://
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9 FLORES, Alany Caroline; LUIZ, Gleicyan Regiane Nunes. Distinção normativa abordada pela Lei nº 13.718/18: o
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Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 39
10 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
11 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1995. p. 75.
12 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1995. p. 75-76.
13 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
14 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 37.
15 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
40
sendo utilizada, nas últimas décadas pela literatura feminista, acabou por
adquirir características diferentes. Assim, usa-se gênero para enfatizar o con-
ceito de cultura, divergindo do conceito de sexo, situado no plano biológico,
assumindo as posições de feminino e masculino16.
As ciências humanas usam a expressão gênero para demonstrar desi-
gualdades socioculturais existentes entre homens e mulheres, que repercu-
tem nas esferas pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis
sociais diferenciados, que foram construídos historicamente, criando polos
de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino, subordinando-se a
mulher às necessidades do homem, tornando-as dependentes17.
Quando se fala em função patriarcal, o homem é o ser que detém o
poder de determinação da conduta dos demais membros familiares, recebendo
uma espécie de autorização da sociedade para punir o que ele entender como
desvio. Mesmo que não exista qualquer tentativa, por parte das vítimas po-
tenciais, de se desviar das normas sociais, a execução do projeto de dominação
exige que o homem exercite sua capacidade de mando, com o emprego da
violência18.
O conceito de gênero não, necessariamente, traz de forma explícita a
diferença entre homens e mulheres. Ocorre que, nesse caso, a hierarquia é
somente presumida. Em um passado remoto, havia grande primazia masculina,
o que significa que as desigualdades entre homens e mulheres são resquícios de
um patriarcado não mais existente ou em seus últimos suspiros. Assim, como
inúmeros fenômenos sociais, o patriarcado está em constante transformação19.
A violência de gênero pode ser entendida como um vínculo de auto-
ridade do homem em relação à mulher. Nesse caso, os papéis de homens
e mulheres estão consolidados por muitas décadas e são confirmados pelo
patriarcado, o que leva à existência de relações violentas, as quais conduzem
a uma espécie de fúria que não é fruto da natureza, mas, sim, do processo
de socialização pelo qual os indivíduos passaram. Assim, além dos meios de
comunicação, os costumes e a educação criam modelos que confirmam a
16 ARAÚJO, Maria de Fátima. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psic. Clin., v. 17, n.
2, p. 41-52, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pc/v17n2/v17n2a04.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2018.
17 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
18 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos
PAGU, Campinas, v. 16, p. 115-116. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n16/n16a07.pdf>. Acesso em:
26 jul. 2019.
19 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 45.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 41
20 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
21 GOMES, Nadielene Pereira; DINIZ, Normélia Maria Freire; ARAÚJO, Anne Jacob de Souza; COELHO, Tâmara
Maria de Freitas. Compreendendo a violência doméstica a partir das categorias gênero e geração. Acta. Paul. Enferm.,
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22 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 46.
23 KARAM, Maria Lúcia. Os paradoxais desejos punitivos de ativistas e movimentos feministas. Justificando. 2015.
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24 MATOS, Myllena Calazans de; CORTES, Iáris. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha.
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Acesso em: 10 ago. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
42
25 MATOS, Myllena Calazans de; CORTES, Iáris. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha.
Disponível em: <www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/02/1_3_criacao-e-aprovacao.pdf>.
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26 STRECK, Lenio Luiz. Lei Maria da Penha no Contexto do Estado Constitucional: desigualando a desigualdade
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28 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
29 OLIVEIRA, Guilherme; OLIVEIRA, Nelson. Três anos depois de aprovada, Lei do Feminicídio tem avanços e desa-
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30 ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. Número de feminicídios aumenta em
2019. Disponível em: <https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/numero-de-feminicidios-aumenta-em-20191>.
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31 BRASIL. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Meta 8: Tribunais se movimentam para enfrentar a violência doméstica.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87245-meta-8-tribunais-se-movimentam-para-enfrentar-a-
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32 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
33 PAES, Fabiana. Criminalização do feminicídio não é suficiente para coibi-lo. Conjur. Disponível em: <https://www.
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2019.
34 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
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35 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
36 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
37 BRASIL. Senado Federal. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório Final. Brasília, jul. 2013.
38 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
46
39 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
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40 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
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41 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 73.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 47
42 PAES, Fabiana. Criminalização do feminicídio não é suficiente para coibi-lo. Conjur. Disponível em: <https://www.
conjur.com.br/2019-mar-18/mp-debate-criminalizacao-feminicidio-nao-suficiente-coibi-lo>. Acesso em: 30 set.
2019.
43 “Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado.
Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de determinação, posto que a sociedade – por
melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades.
Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por
causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da
reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘coculpabilidade’, com a qual a própria sociedade
deve arcar. Tem-se afirmado que este conceito de coculpabilidade é uma ideia introduzida pelo direito penal socialista.
Cremos que a coculpabilidade é herdeira do pensamento de Marat (ver n. 118) e, hoje, faz parte da ordem jurídica de
todo Estado Social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem cabimento no Código
Penal mediante a disposição genérica do art. 66.” (ZAFFARONI, E. R. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.
8. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 525)
44 BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Uma mulher é morta a cada hora no Brasil. CNJ – Conselho Nacional
de Justiça. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87245-meta-8-tribunais-se-movimentam-para-
enfrentar-a-violencia-domestica>. Acesso em: 11 set. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
48
Conclusão
A violência contra a mulher, conforme discurso predominante, encon-
tra-se enraizada na cultura de nossa sociedade. Essa nota desabonadora deriva
da base patriarcal na qual nossa sociedade estaria estruturada, fortemente li-
gada ao conceito de gênero, e aos papéis que cada um tem que desempenhar.
Tenha essa constatação acertado, ou não, na causa da violência de gênero, o
certo é que se pode servir de inspiração para a criação do acervo de leis ins-
trumentalizadas para coibir qualquer tipo de violência de gênero, uma vez
que identifica um comportamento endêmico, não pode servir para majorar
a medida da culpabilidade, já que postula um contexto determinista, em que
a conduta do agressor ressai do sistema, como uma subproduto inevitável.
Ao contrário, a justificativa da majoração de pena para a violência de
gênero (diferença física entre os sexos e diminuição da vigília no ambiente
doméstico) deve demonstrar de modo inequívoco que o ato em si é, antes de
mais nada, um ato livre, apartado de supostas amarras sociais que autorizam
ou exigem que o homem se comporte como descrito no arquétipo patriarcal.
Ainda que irrefletido, o ato violento contra pessoa mais fraca, e que desfruta
de convívio com o agressor, é sempre uma escolha livre e consciente, não
podendo se justificar em tal ou qual padrão cultural, predominante ou não.
45 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
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Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 49
ABSTRACT: This article aims at analyzing gender violence in the contemporary legal system by jointly
examining the Maria da Penha Law (Law no. 11,343/06) and Law no. 13,104/2015, which amended Article
121 of the Penal Code in order to establish femicide as an aggravated crime. Such analysis is relevant,
considering the increase of femicide cases throughout Brazil, even after the changes carried out in leg-
islation, which institute harsher punishment for perpetrators of this type of crime. This text correlates
the relations of gender inequality with the infliction of violence against women over the years. In this
respect, the need for harsher punishment to eradicate this type of violence contradicts the alleged basis of
patriarchal structure. Literature review was the methodology used in this study.
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Introdução
Tentamos demonstrar neste estudo uma possível incoerência interna
e ausência de proporcionalidade na legislação penal vigente entre a duração
da pena privativa de liberdade e o regime inicial de seu cumprimento, ao
permitir que o juiz aplique regime inicial mais gravoso, com base no art. 59
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 53
1 Do Cálculo da Pena
Pela regra do art. 68 da legislação penal vigente, foi adotado o sistema
trifásico do cálculo da pena. Na primeira etapa, a pena será fixada com base
nas circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código, dentro dos limites
previstos no preceito sancionador do tipo fundamental ou de eventual qua-
lificadora. Na segunda etapa, serão consideradas as circunstâncias agravantes
e atenuantes e, por último, incidirão as causas de diminuição e de aumento
de pena. Somadas essas etapas, constatamos ser exaustivo verificar os fatores
a serem considerados na quantidade da sanção penal.
A escolha dessas fases não é aleatória. Na primeira delas, são mensura-
das as chamadas circunstâncias judiciais, cuja denominação advém da ampla
margem de arbítrio do julgador ao estabelecer seu sentido: a compreensão
do que pode ser uma boa ou má conduta social exige intenso – e prudente –
arbítrio, como, por exemplo, no caso da embriaguez frequente aos finais de
semana, passível de ser interpretada como hábito degenerado, imoral e nocivo,
ou como comportamento neutro. De fato, a circulação de bebidas alcoólicas
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
54
3 Ne Bis In Idem
O princípio do ne bis in idem nasce na Antiguidade, proibindo a dupla
persecução pelo mesmo fato, ou seja, com índole processual. É aperfeiçoado
e passa a irradiar efeitos que transcendem o aspecto processual, tomando
um efeito transversal no controle da multiplicidade de sanções de diversas
naturezas pelo mesmo fato (como a civil e a penal), e ainda no duplo desvalor
sobre a mesma circunstância de fato, foco do presente estudo.
A proibição de duplo desvalor sobre a mesma circunstância de fato
é usualmente admitida na consideração de um mesmo objeto de valoração
para o reconhecimento da prática do crime e, em momento posterior, para
o incremento da pena, na individualização (CHOCLÁN MONTALVO,
1997). Determinado dado já previsto como elementar do tipo não pode ser
considerado também como circunstância capaz de majorar a pena, como no
caso da condenação por homicídio – cuja morte da vítima constitui elementar
do tipo penal.
O nefasto duplo desvalor da mesma circunstância de fato também pode
se concretizar no repetido uso da mesma circunstância para incrementar a
pena, ainda que em diferentes fases da dosimetria. A Súmula nº 241 do STJ
busca coibir que uma mesma condenação criminal possa ser usada como
circunstância judicial desfavorável na fixação da pena-base e, depois, como
agravante na determinação da pena intermediária. O fundamento encontrado
nos precedentes da súmula é exatamente a vedação do bis in idem.
Diante de tão sólida construção sobre o ne bis in idem na fixação da pena,
parece inevitável questionar se seria permitida a dupla valoração das circuns-
tâncias objetivas e subjetivas do art. 59 do Código Penal, com o objetivo de
fixar a quantidade da pena e, em seguida, a qualidade do regime inicial de
cumprimento de pena, mormente quando, nos termos do art. 33 do Código
Penal, a quantidade da pena é o principal critério para determinar a qualidade
do referido regime inicial. Ora, se a premissa é que a fixação da quantidade da
pena realiza análise exauriente sobre as circunstâncias, e mesmo com o reco-
nhecimento de circunstâncias desfavoráveis a quantidade da pena não alcançou
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 59
o patamar fixado em lei para determinar regime mais grave, o novo desvalor
da mesma circunstância para incrementar o sofrimento do condenado com
a imposição direta do regime mais grave – apesar da pena insuficientemente
alta diante dos parâmetros legais – viola, inegavelmente, o ne bis in idem.
Conclusões
Do exposto, podemos extrair as seguintes conclusões:
1. O cálculo da pena é regulamentado na lei de forma a efetivar o
princípio constitucional da individualização da pena em todos os seus as-
pectos, ou seja, quer na quantidade ou qualidade, com adoção do sistema
trifásico. São vários os sistemas de aplicação da pena, mas não se admite, no
Direito Penal de um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade
da pessoa humana, que a pena ultrapasse, na quantidade ou qualidade, o
limite da culpabilidade.
2. O princípio do ne bis in idem, direito humano previsto em diversos
tratados internacionais e aplicável no Brasil por conta da Convenção Ame-
ricana de Direitos Humanos, proíbe o duplo desvalor sobre o mesmo fato,
vedando a repetição de julgamentos, a pluralidade de sanções e também a dupla
consideração das mesmas circunstâncias para agravar a pena do condenado.
3. O Código Penal aponta a quantidade da sanção como critério obje-
tivo para fixar o regime inicial de cumprimento de pena. Se a quantidade da
pena foi fixada no limite da culpabilidade do autor, a imposição de regime
mais grave que o indicado pelo legislador como adequado à quantidade da
pena traduz punição superior ao limite da culpabilidade, que não pode ser
admitida. Além de extravasar o limite da culpabilidade, a dupla consideração
das mesmas circunstâncias para agravar a quantidade da pena e, em momento
posterior, agravar o regime, revela bis in idem que viola tratados internacionais
de proteção aos direitos humanos.
4. A legislação brasileira deve ser alterada para serem revogados o inci-
so III do art. 59, e o § 3º do art. 33, ambos do Código Penal, que preveem a
fixação do regime inicial de cumprimento de pena com base nas circunstân-
cias judiciais do referido art. 59, já consideradas no cálculo da pena. Como
consequência dessa providência legislativa, o regime inicial de cumprimento
de pena será determinado pelo quantum da pena, nos termos do § 2º do art. 33
do Código, em perfeita consonância com o princípio da proporcionalidade e
da equidade, que devem nortear a individualização da pena.
5. Para evitar qualquer dúvida por parte do intérprete e para maior se-
gurança jurídica, sugerimos sejam alteradas as alíneas b e c do § 2º do art. 33
do Código Penal, que passariam a ter a seguinte redação: b) O condenado não
reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito),
deverá, desde o início, cumpri-la em regime semiaberto; c) O condenado não
reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, deverá, desde o
início, cumpri-la em regime aberto.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 63
ABSTRACT: In this article, we seek to demonstrate internal inconsistency and absence of proportio-
nality in the criminal law in force between the duration of the custodial sentence and the initial regime
of its compliance, by allowing the judge to apply the more severe initial regime, based on Article 59 of
the Penal Code, even when it is appropriate to establish a milder prison for the duration of the sentence
imposed. Given the impossibility of ne bis in idem in criminal matter, we have shown that there is a double
assessment of the judicial circumstances of that setting the penalty and defining the initial regime of its
enforcement. In the end, we present a suggestion of legislative change, proving to be more consistent
with the individualization of the penalty the fixing of the initial prison regime based exclusively on the
duration punishment established according to Article 68 of the Code.
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Criminalização Objetiva do
Inadimplemento Tributário: Abordagem
Dogmática Penal
1 Introdução
Pode-se abordar a criminalização objetiva do inadimplemento tributário
com base em diferentes cortes de conhecimento, como:
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 65
1 STJ. O inadimplemento de ICMS tipifica crime de apropriação indébita tributária (art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90). Min. Rogério
Schietti Cruz, 22 ago. 2018. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=39910
9&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>.
2 No texto do acórdão, o argumento é elíptico.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
66
Com base nessa situação ótima, o Internal Revenue Service (IRS) men-
sura regularmente o tax gap, correspondente à diferença entre o “verdadeiro”
passivo tributário e as quantias recolhidas (Internal Revenue Service 2016).
Conforme observou Slemrod (2007, p. 26), é complexo definir alguns
fenômenos do fluxo de positivação do crédito tributário. Como calcular o
“verdadeiro” passivo tributário (true taxliability)?
No contexto brasileiro, talvez fosse possível substituir “verdadeiro”
por “devido”, no sentido de “conforme a legislação”. Mas o problema persis-
te. Num quadro típico de tributo sujeito ao lançamento por homologação,
compete ao sujeito passivo interpretar a legislação tributária, verificar a ocor-
rência do fato gerador, calcular o montante devido e recolher o valor antes de
qualquer atividade fiscal (art. 150 do CTN). Mesmo nas demais modalidades
de lançamento, é necessário interpretar a legislação de regência. Se houver
divergência entre as interpretações do agente fiscal e do sujeito passivo, deve-
mos incluir o respectivo valor no cálculo do “verdadeiro” passivo tributário?
Há outros problemas de conceituação. Segundo a metodologia do IRS,
calcula-se o valor do tax gap pela somatória de três variáveis: valores decorrentes
da falta de declaração pelo sujeito passivo; valores decorrentes de declarações
insuficientes, e valores decorrentes do não recolhimento. Cada um desses
fenômenos pode ter causas cuja resistência ao tratamento varie conforme a
solução apresentada.
Ademais, argumentos nos mais variados espectros, do iluminismo
racionalista às teologias abraâmicas, vinculam a atribuição geral de responsa-
bilidade ao conhecimento da ilicitude e à intenção (dolo) ou à culpa do agente
(AGAMBEN, 2018, p. 11; DEIN, 2013).
Em algumas culturas, impor ao indivíduo uma pena sem que fique de-
monstrado o nexo volitivo soa desumano ou sacrílego. A ideia de retribuição
social ou divina ou mal supostamente praticado exige mais do que a isolada
prática de um ato ilícito ou profano. Noutras culturas, os elementos psíquicos
e volitivos são desnecessários para justificar uma consequência nefasta, pois
basta que o sujeito pratique o ato tido por ilícito ou profano.
Na quadra atual do sistema jurídico brasileiro, os elementos psíquicos
ou volitivos perderam a relevância, conquanto ainda apareçam ostensivamente
como estratagemas para justificar a aplicação de responsabilidade independente
de culpa. Esse fenômeno da “objetivização” da culpa revela-se nos âmbitos
civil, penal e tributário, indistintamente.
Nominalmente, o sistema jurídico brasileiro de referência utiliza as
palavras “inadimplemento” e “sonegação” para designar o fenômeno da falta
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 67
3 “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do
lançamento definitivo do tributo.” (STF, Súmula Vinculante de 12.11.09)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 69
4 Para os argumentos que preferem tomar o sujeito passivo como consumidor dos serviços e dos bens públicos for-
necidos em regime de monopólio pelo Estado, a conclusão permanece a mesma.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
70
5 Cf. o RE 582.525, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 07.02.2014, em comparação ao RE 574.706, Relª Minª
Cármen Lúcia, Pleno, DJe 02.10.2017.
6 Lê-se no voto do Ministro-Relator: “Nos quadrantes do sistema constitucional tributário, auferir renda é pressu-
posto da tributação pela incidência do imposto sobre a renda, critério material que deve ser confirmado pela base
de cálculo homônima. Não se paga tributo calculado sobre o lucro para auferir renda, mas se aufere renda para que
o tributo possa incidir. A incidência do IRPJ ou da CSLL não antecede as operações empresariais que servirão de
base aos fatos jurídicos tributários, mas, pelo contrário, toma-as como pressuposto. Logo, as obrigações tributárias
resultantes da incidência de tributos calculados com base no lucro real ou grandezas semelhantes não são despesas
essenciais à manutenção das atividades econômicas. São, na verdade, consequências dessas atividades. Vale dizer, o
tributo não é insumo da cadeia produtiva”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
72
atenção para notar que essa imposição legal serve apenas para escamotear o
aumento da carga tributária, ao manter a alíquota nominal (COELHO, 2013).
No melhor dos universos possíveis a que aludia Leibniz, o texto legal
é ambíguo e vago o suficiente para permitir duas interpretações possíveis,
isto é, válidas num contexto específico de linguagem. Embora esse “melhor
dos universos possíveis” não tenha o embasamento mais consistente, vamos
assumi-lo como premissa para indagar se a escolha pela solução penal é ade-
quada segundo o sistema jurídico positivo.
7 Frise-se que há entendimento divergente sobre a aplicação do princípio da insignificância para débitos acima de
R$ 10.000,00 ou de R$ 20.000,00. Apesar disso, igualmente careceria de razoabilidade admitir-se que todas as dívidas
tributárias superiores a R$ 20.000,00 seriam penalmente relevantes, sobretudo se considerarmos os elevados gastos
que são necessários à persecução penal (polícia judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário, por exemplo), além
da (in)expressividade do dano trilionário causado ao Erário.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
74
8 “O direito penal moderno é o direito penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intoleráveis a respon-
sabilidade objetiva e a responsabilidade pelo fato de outrem. (...) Fato não se presume. Existe ou não existe. O direito
penal da culpa é inconciliável com presunções de fato. (...) Inconstitucionalidade de qualquer lei penal que despreze
a responsabilidade subjetiva.” (STJ, REsp 154.137/PB [1997/0079803-8], Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j.
06.10.98)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
76
5 Conclusões
1. Para caracterizar-se o crime de apropriação indébita tributária, os
valores inadimplidos deveriam pertencer originariamente a um terceiro que
não se confundisse com o contribuinte nem com o Estado, pois ambos são
parte da relação jurídica tributária.
2. Os valores inadimplidos não pertencem ao adquirente da mercadoria
nem do serviço, pois:
a) O adquirente da mercadoria ou do serviço não é sujeito passivo do
tributo, isto é, não está numa relação jurídica tributária com o Estado, de modo
a colocar o vendedor-contribuinte na condição de mero retentor;
i) Inexiste norma jurídica que coloque o adquirente como sujeito
passivo;
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 77
ABSTRACT: Part of a multidisciplinary effort, this research analyses the criminal punishment of tax
liabilities independent of intent or guilt on the part of the taxpayer, approaching the matter according the
canon of criminal dogmatic. It describes the solution given by the Superior Tribunal de Justiça to the ques-
tion, during the judgment of HC 399.109, in order to submit it to the analysis of the reconstruction of
the punishment norm and its validity parameters. The main tool used to rebuild the punishment norm is
the Analytic Theory of Law and, as necessary, Hermeneutics. We conclude that the Brazilian legal system
does not allow the rebuilding of a norm that punishes the mere tax default and that the amounts due as
ICMS Próprio may not be a part of tax embezzlement crime.
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caso dos transportes aéreos configura nova hipótese de incidência tributária, dependente de norma
complementar à própria carta, e insuscetível, à luz de princípios e garantias essenciais daquela, de ser
inventada, mediante convênio, por um colegiado de demissíveis ad nutum. ADI 1.089. Min. Francisco
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Introdução
Por quase 10 anos o Judiciário brasileiro admitiu a condenação de ci-
dadãos pelo crime de organização criminosa sem que houvesse lei federal em
sentido estrito prevendo a existência do tipo penal correspondente. Trata-se
do período que vai desde 12.03.04, com a edição do Decreto nº 5.015 – que
ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Trans-
nacional (Convenção de Palermo) – até 02.08.2013, com a promulgação da
Lei nº 12.850 – que finalmente definiu o delito de organização criminosa.
Durante esses anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a
Recomendação nº 3, de 30.05.06, cujo item 2, a, estabeleceu:
1 Por exemplo: RHC 29.126/MS, Relª Minª Alderita Ramos de Oliveira, DJe 12.03.2013; HC 162.957/MG, Rel. Min.
Og Fernandes, DJe 18.02.2013; HC 171.912/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 28.09.2011; HC 129.035/PE, Rel. Min.
Celso Limongi, Rel. p/ o Acórdão Min. Aroldo Rodrigues, DJe 03.11.2011.
2 Por exemplo: HC 95270 MC, Relª Minª Cármen Lúcia, DJe 05.08.08; HC 112.277 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe
13.06.2013.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 83
3 DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta. Ausência do tipo penal de organização criminosa na legislação
brasileira. In: PRADO, Luiz Regis (Coord.). Ciências Penais – Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências
Penais, São Paulo, RT, ano 7, n. 13, jul./dez. 2010, p. 333-349. O presente texto corresponde a um excurso do quanto
pesquisado no texto aqui referenciado.
4 Trata-se da internalização de ato internacional por decreto, dispensando-se lei em sentido estrito.
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84
5 O crime ou delito (palavras sinônimas no sistema jurídico brasileiro) tem vários conceitos referidos pela doutrina:
a) analítico; b) formal; c) material; d) jurídico-legal; e) natural; f) radical; e g) sociológico. A doutrina, de modo geral,
tem adotado o primeiro deles, segundo o qual o crime (delito) é a conduta (ação ou omissão), típica, ilícita e culpável.
6 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 10. ed. Atual. por Achilles Beviláqua. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves, 1953. v. I. p. 70.
7 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva; Instituto Brasileiro de Direito Público – IBDP, 2008. p. 584 e s.
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8 CF: “Art. 5º (...) XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortu-
ra, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem. XLIV – constitui crime inafiançável e
imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
9 “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de
ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou ações criminosas de qualquer tipo.”
10 “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.”
11 PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Organização criminosa: nova perspectiva do tipo legal. São Paulo: RT,
2007. p. 100 e s.
12 FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime organizado e organizações criminosas mundiais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 619.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 87
13 O disegno di legge está publicado em: D’URSO, Luiz Flávio Borges. Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
14 Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3516414>. Acesso em: 5 dez. 2018.
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88
15 Idem, ibidem. O Deputado Luiz Carlos Hauly, autor desse projeto, fez constar, ao final da Justificativa, que se valeu,
para formulá-la, dos “estudos sobre o tema desenvolvidos pelos renomados juristas Luiz Flávio Gomes e Raúl
Cervini”.
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16 A propósito das origens históricas da tipificação da quadrilha ou bando, que remontam ao século XV, com as Ordenações
do Reino de Portugal (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) e com a indicação do Code Pénal napoleônico (1810) e de
Portugal (1852), por exemplo, vide: PITOMBO, ob. cit., p. 55 e s.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
90
17 STF, Pleno, ADIn 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.05.01. (Grifos nossos)
18 Ibidem.
19 Ibidem.
20 Registre-se que, cfe. o art. 5º, § 2º, da CF, os direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais dos quais o
Brasil seja parte não serão excluídos pelos princípios de direito interno (desde que estejam de acordo com a Cons-
tituição).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 91
21 Grifos nossos.
22 Grifos nossos.
23 Grifos nossos.
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92
24 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 403.
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11 Conclusão
A criminalização de condutas por decreto executivo e não por lei ordinária
em sentido estrito resultante do devido processo legislativo afronta o Estado
Democrático de Direito, que constitui fundamento da República Federativa
do Brasil, juntamente com a união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal – como declara o primeiro artigo da CF. Caso se entenda que
o Decreto nº 5.015/04 (Convenção de Palermo) – o qual está integralmente
27 Problema semelhante já foi notado também na Itália, como se vê na pesquisa de Antonio Cavaliere, em: A influência
do direito penal europeu das organizações criminais sobre o ordenamento italiano. In: GRECO, Luís; MARTINS,
Antonio (Org.). Direito penal como crítica da pena: estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70º aniversário
em 2 de setembro de 2012. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 53-74.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 95
TITLE: Critical analysis of the insertion of incriminating criminal norm, in the Brazilian legal system,
by an international act: the example of the Palermo Convention and the criminal organization figure.
ABSTRACT: In Brazil, since 12.03.2004, with the edition of the Decree nº 5.015 – that ratified the United
Nations Convention against Transnational Organized Crime (Palermo Convention) – up to 02.08.2013,
with the promulgation of Act no. 12.850 – which defined the crime of criminal organization – jurisprudence
admitted as valid the creation, in Brazil, directly by an international norm, of the criminal organization
figure. During this period, Act no. 9.034/95 did not contain any definition of criminal organization and
the text of article 288 of the Criminal Code incriminated only conducts that did not correspond to the
material interest of punishment (more complex structures of international scope). This text demonstrates
the reasons why, however, the Palermo Convention could not have validly entered a criminal figure in
Brazil. In addition to refer only to transnational crimes, its application in Brazilian territory violated the
principle of legality, constitutional rules of competence and denied the democratic character as one of the
fundaments of the Brazilian Republic.
KEYWORDS: United Nations Convention Against Transnational Organized Crime. Criminal Organi-
zation. Incrimination by an International Act. Principle of Legality. Constitutional Norms.
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1 Introdução
Os dias que correm trazem, para tudo, urgência. Há escassez de tempo,
as redes sociais conspiram contra a verticalidade do conhecimento, a dinâmi-
ca universitária não dá conta da extensão das disciplinas possíveis, os alunos
sobrecarregam-se de não fazeres, os livros encantam pouco, de modo que,
em síntese, para o mais das coisas, as explicações surgem das parcialidades,
afastadas de uma contemplação integral; as árvores importam mais do que as
florestas, razão pela qual as “teorias gerais” são desafiadas. Os grandes pen-
sadores, passem as exceções, são aqueles que direcionam suas reflexões às
partículas, e a sua somatória muitas vezes resulta em moléculas incongruentes,
deformadas e carentes de uma global significação.
* Dedico este texto a meu Professor Augusto Silva Dias, precocemente falecido, em testemunho de minha gratidão
pelas lições e pelo convívio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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1 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Lehrbuch des strafrechts: allgemeiner teil. 5. ed. Berlin: Duncker
& Humblot, 1996. p. 194-195.
2 FLETCHER, George P. Basic concepts of criminal law. Oxford: Oxford University Press, 1998 passim; DRESSLER,
Joshua. Understanding criminal law. New York-San Francisco: LexisNexis, 2001, passim.
3 JESCHECK; WEIGEND, Lehrbuch..., p. 196.
4 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Na síntese de Hassemer, com a teoria do crime pretende-se oferecer um procedimento para a verificação da pu-
nibilidade, o qual se situa antes de todas as sistemáticas, e que não as descuida, reclamando validade para todas as
formas de delito. Nesse sentido, a teoria do fato punível, para além de geral e esquemática, envolve as etapas de sua
estrutura, que se afiguram como critérios de justiça – “Kriterien der Gerechtigkeit” (HASSEMER, Winfried. Einführung
in die grundlagendes strafrechts. München: C.H. Beck´sche Verlagsbuchhandlung, 1981. p. 190).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 99
5 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime.
Coimbra: Coimbra Editora, 2012. p. 23.
6 DIAS, Direito Penal..., p. 27.
7 DIAS, Direito penal..., p. 33-4.
8 COSTA, José de Faria. Linhas de direito penal e de filosofia: alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra Editora,
2005. p. 11-13.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
100
nhecem certos efeitos no sistema e através dele, dado esse relevo “e aptidão
sistémicos, certos fins (objectivos) e de que se esperam certos resultados ou
efeitos”9. De modo que haveria uma inversão, dado que não seria a “estrutura/
sistema a determinar a função ou funções”, mas a funcionalidade reflexiva
de um ponto de vista de referência e de “objectiva relevância a determinar a
estrutura/sistema que seria correlativamente adequada”10.
E essa é a razão por que o funcionalismo jurídico não responde à per-
gunta básica sobre a concepção do Direito, convertendo-a numa outra, que é:
para que serve?11. Destarte, o Direito se “compreenderá segundo uma função e
não segundo objectivos materiais ou intenções teleologicamente orientadas”12.
Ficará, assim, sempre por explicar a relatividade e dependência impli-
cadas numa possível variação dos fins ou objetivos a realizarem-se a partir de
sua instrumentalidade. Agora, é o clamor em favor da prevenção, da eficiência,
dos números, e amanhã sabe-se lá qual o desiderato em que se refundarão
as premissas dogmáticas, ao sabor ou dissabor de contingências nem sempre
controláveis.
Roxin, cumpre dizer, está correto ao apontar que a estruturação de uma
teoria do crime, ou, como diz, a configuração, nesse ponto, de um sistema,
é elemento irrenunciável de um Direito Penal próprio do Estado de Direito,
bem como que a este sistema deve-se aliar uma orientação valorativa (Wer-
tungsorientieren). Sucede que, se um moderno sistema de Direito Penal há de
estar estruturado teleologicamente e ser construído atendendo a finalidades
valorativas13, essas, quando vocacionadas ao escopo preventivo ou eficientista,
revelarão diversos problemas, sendo certo, ademais, que não deixa de ser um
critério aleatório o alvitre que almeja direcionar a leitura das categorias que
confirmam a teoria do crime em favor de direcionamentos político-criminais.
No limite, poder-se-ia aduzir que não há, desse modo, apelo a uma
legitimação exterior ao sistema, como um conjunto de valores superiores, mas
apenas à necessidade pressuposta, e não demonstrada, de sua preservação14,
o que significa que, mais radicalmente, o vício do funcionalismo é apagar a
“necessidade de fundamentação extrínseca do sistema e da sua lógica, como
9 CASTANHEIRA NEVES, António. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia
e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. v. 3. p. 217.
10 CASTANHEIRA NEVES, Digesta..., p. 218.
11 CASTANHEIRA NEVES, Digesta..., p. 224.
12 CASTANHEIRA NEVES, Digesta..., p. 260.
13 ROXIN, Claus. Strafrecht allgemeiner teil. Band I. Grundlagen. Der aufbau der verbrechenslehre. 4. Auflage. München:
Verlag C. H. Beck, 2006. p. 221.
14 PALMA, Maria Fernanda. Direito penal: parte geral. A teoria geral da infracção como teoria da decisão penal. Lisboa:
Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2013. p. 41.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 101
18 RUGA RIVA, Carlo. Il premio per la collaborazione processuale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 2002. p. 9-10.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 103
19 DIAS, Augusto Silva. Delicta in se e delicta mere prohibita: uma análise das descontinuidades do ilícito penal moderno
à luz da reconstrução de uma distinção clássica. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 616.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
104
Importa algum destemor para avançar nesse ponto: como leciona Schü-
nemann, não se pode negar que o comportamento típico das classes sociais
mais baixas, desde o nascimento do Direito Penal moderno, constituiu-se no
modelo básico de tipificação, tanto na configuração da descrição dos crimes
como também na prática da Justiça criminal. O centro do processo de cri-
minalização, poder-se-ia dizer, aludia à propriedade. A mudança de tendência
mais recentemente verificada, contudo, com a inclusão dos crimes contra a
ordem econômica, ambientais e mesmo a incidência penal sobre a corrupção
e a lavagem de dinheiro, revela, por sua vez, o atendimento a uma perspectiva
moral, fulcrada no princípio da igualdade, e não chega a surpreender o alarde
das reações, propugnando a manutenção do Direito Penal no seu estágio
de proteção meramente individual, o que, noutros termos, é o mesmo que
defender a restrição de sua incidência apenas sobre os menos favorecidos20.
O ponto a destacar, porém, seja lá qual for o modelo explicativo ado-
tado – de um Direito Penal secundário, de mere prohibita ou abrangente de
condutas perpetradas por uma outra classe social –, aponta para releituras
das categorias consagradas, na medida em que tratar de crimes ambientais
sob o pálio da teoria da causalidade tradicional é írrito, discutir o concurso
de pessoas em casos de organizações empresariais voltadas à corrupção é uma
vanidade, e mesmo tratar de omissões ou deveres normativos, do modo como
anteriormente concebidos, nos casos de infração contra a ordem econômica,
ou lavagem de dinheiro, produziria quimeras e decepções. Ou seja, para esse
novo setor do Direito Penal, a Teoria Geral do Crime falhou, no sentido de
dar-lhe as respostas necessárias para a resolução de casos, liberando, de todo
constrangimento epistemológico, a própria jurisprudência.
Vale explicar: para tais tipos de infrações, a doutrina, pouco consistente
e de limitada abrangência, acabou sendo praticamente desprezada pelos Tribu-
nais e pela jurisprudência, exonerando-os, por assim dizer, do dever de prestar
contas àquilo que haveria de ter forjado um conjunto estável de parâmetros,
a tal ponto que, com olhos de ver, notamos uma vastidão de autorreferências
nas decisões judiciais, que se fundamentam em si próprias, deixando de lado
o arcabouço teórico que, de sua parte, também não se apresentou.
Ademais, embora as miragens turvem o pensamento, a verdade é
que tal subsistema tem-se notabilizado pela substituição das sanções penais
efetivas, por negociações calcadas em parâmetros muitas vezes heterodoxos,
que deslocam a punição para um sistema inequivocamente brando de acordos.
20 ����������������������������������������������������������������������������������������������������
SCHÜNEMANN, Bernd. Vom unterschichts – zum oberschichtsstrafrecht. Ein paradigma wechsel im moralis-
chen anspruch? In: Alte strafrechts strukturen und neue gesellschaftliche herausforderungen in Japan und Deutschland. Hans-
HeinerKühneundMiyazawa (Hrsg.). Berlin: Duncker&Humblot, 2000. p. 15-36.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 105
21 HUNGRIA, Nélson. Os pandectistas do direito penal. In: Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense,
1955. v. I. t. 2. p. 435.
22 HUNGRIA, Os pandectistas..., p. 438.
23 HUNGRIA, Os pandectistas..., p. 440-441.
24 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters,
2018. p. 307.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
106
25 Qualificando tais modelos de sanções, à margem da lei, como “penas inventadas”, e criticando-as, cf. CORDEIRO,
Nefi. Colaboração premiada: caracteres, limites e controles. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 62-65. Do mesmo modo,
asseverando que “não podem as partes ampliar os prêmios para além daqueles indicados em lei”, cf. ZILLI, Marcos.
Transplantes, traduções e cavalos de Troia. O papel do juiz no acordo de colaboração premiada. Leituras à luz da
Operação Lava Jato. In: AMBOS, Kai; ZILLI, Marcos; MENDES, Paulo de Sousa (Coord.). Corrupção: ensaios sobre
a Operação Lava Jato. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 121.
26 A este respeito, cf. FACCINI NETO, Orlando. Contribuição para o estudo da delação premiada. In: ESPIÑERA,
Bruno; CALDEIRA, Felipe (Org.). Delação premiada: estudos em homenagem ao Ministro Marco Aurélio de Mello.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 647-665.
27 MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a autonomia
da vontade. In: MOURA, Maria Thereza de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Org.). Colaboração premiada. São
Paulo: RT, 2017. p. 53-104.
28 Há muito tempo, advertia Jardim que: “não há nada de liberal na autorização do membro do Ministério Público para
decidir, no caso concreto, se invoca ou não a aplicação do Direito Penal: não faz qualquer sentido, em uma sociedade
democrática, outorgar tal poder a um órgão público. A aplicação inarredável da norma penal cogente, realizado o seu
suporte fático, não pode ser afastada pelo agente público à luz de critérios pessoais ou políticos” (Ação penal pública:
princípio da obrigatoriedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 56).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 107
29 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 200-201.
30 Nas palavras candentes do Ministro Luís Roberto Barroso, o “sistema punitivo brasileiro, historicamente, só foi capaz
de punir gente pobre, por delitos violentos ou envolvendo drogas ilícitas”, de maneira que “um direito penal seletivo
e absolutamente ineficiente em relação à criminalidade de colarinho branco criou um país de ricos delinquentes”
(Empurrando a história: combate à corrupção, mudança de paradigmas e refundação do Brasil. In: PINOTTI, Maria
Cristina [Org.]. Corrupção: lava-jato e mãos limpas. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2019. p. 11-18).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
108
31 SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio de proteção de bens jurídicos! – Sobre os limites invioláveis
do direito penal em um Estado de Direito liberal. Trad. Luis Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
RT, v. 53, mar./abr. 2005. p. 9-37.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 109
32 HEFENDEHL, Roland. Uma teoria social do bem jurídico. Trad. Luís Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo, RT, v. 87, nov. 2010, p. 104-105.
33 HEFENDEHL, Uma teoria social..., p. 109-110.
34 FISHER, George. Plea bargaining’s triumph: a history of plea bargaining in America. Stanford: Stanford University
Press, 2003. p. 223.
35 HEUMANN, Milton. Plea bargaining: the experiences of prosecutors, judges and defense attorneys. Chicago: The
University Chicago Press, 1981. p. 1.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
110
36 PALMA, Maria Fernanda. Direito constitucional penal. Coimbra: Almedina, 2006. p. 13.
37 PALMA, Direito constitucional..., p. 42-43.
38 PALMA, Direito constitucional..., p. 49.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 111
sorte que a legitimidade dos preceitos penais tenha, como condição, que estes
tutelem algo que pueda ser considerado desde la perspectiva constitucional un bien44.
O incremento constitucional da Teoria do Crime traz, além disso, o
revigoramento do ponto de vista da vítima, como critério a ser levado em
conta no momento da reprovação. Claro, porque, como indica Hörnle, a
atribuição de culpa enseja um juízo de desaprovação, o qual se apresenta
como uma mensagem para a vítima: a condenação contém um juízo sobre a
extensão dos direitos da vítima e sobre a demarcação de sua esfera, frente à ação
do criminoso, e isso denota que a vítima não necessita aceitar a conduta que
violou um seu direito45. Hörnle, por isso, é crítica de modelos de concepção
da pena pautados exclusivamente num cálculo instrumental de eficiência,
na medida em que estes olvidam um cogitável direito da vítima em relação à
punição do delinquente46.
Cabe aqui referir que a vítima, num modelo amplo ou restrito de
acordos, permanece relegada ao olvido, na medida em que destituída da pos-
sibilidade de se manifestar acerca da avença. A falta de consideração frente aos
interesses da vítima representa a subjugação de sua perspectiva em benefício
da maximização de resultados. Ora, os sentimentos decorrentes da própria
condição de vítima podem mobilizar o ofendido à suplantação de qualquer
benefício para aquele que violou seus interesses, e a exaltação dos acordos
propende à sua frustração.
Em termos de abrangência para com os bens jurídicos coletivos, uma
Teoria Geral do Crime que esteja fundamentada em termos constitucionais
observará que a idônea arrecadação de receitas públicas, e a sua manutenção
escorreita, afigura-se como um interesse de natureza abrangente, dada a sua
característica elementar de não distributividade, pela razão de que não é possível
dizer qual a parte cabível a cada indivíduo; isso, todavia, não afasta a sua propen-
são de afetar a qualidade de vida de outras pessoas, particularmente aquelas que,
por suas condições pessoais, têm o seu destino mais atrelado ao desenvolvimento
das prestações estatais, bem como de assinalar uma dimensão de desrespeito e
desconsideração, de quem age, em desfavor daquilo que lhe não seja próprio47.
44 VIVES ANTÓN, Tomás S. Fundamentos del sistema penal: acción significativa y derechos constitucionales. 2. ed.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 832.
45 HÖRNLE, Tatjana. Determinación de la pena: el papel de una perspectiva de la víctima. Trad. Luis Miguel Reyna
Alfaro. In: Determinación de la pena y culpabilidad: notas sobre la teoría de la determinación de la pena en Alemania.
Buenos Aires: FD, 2003. p. 88.
46 HÖRNLE, Tatjana. Subsidiarität als begrenzungsprinzip – selbstschutz. In: Mediating principles: begrenzungsprinzipien
bei der strafbegründung. Baden-Baden: Nomos Verlaggesellschaft, 2006. p. 36-37.
47 Marx, nesse aspecto, reconhece ser a ordem econômica merecedora de proteção, porque, tanto quanto a ordem
pública permitem que se apresentem as condições para o livre desenvolvimento de cada um. (MARX, Michael. Zur
definition des begriffs rechtsgut: prolegomena einer materialen verbrechenslehre. Köln: Carl Heymanns, 1972. p. 79-81)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 113
5 Conclusão
Entre a manutenção de um quadro dualista, em que o Direito Penal seja
aplicado de modo diferente, conforme o tipo de lesão individual ou coletiva
produzidos, o que se poderia vislumbrar como uma distinção dos corolários
penais consoante o tipo de autor do crime e a sua condição ou classe social;
entre fazer surgir um novo Direito Penal, ampliado em seu modelo de acor-
dos e negociações, qual sucede entre contratantes numa mesa regulada pelo
Direito Civil; entre essas alternativas há, ainda, a retomada da Teoria Geral do
Crime, fundamentada na axiologia de uma ordem constitucional vinculante
e evidentemente democrática.
É, provavelmente, a mais difícil e a menos sedutora das alternativas.
Mas apenas nela continuaremos, deveras, situados no campo da igualdade, da
proporção, da culpa e daquilo que designamos como Direito Penal.
ABSTRACT: The present text seeks to enumerate some of the causes of weakening of the General Theory
of Crime, and, consequently, of the bases of Criminal Law, as well as to point out ways that Criminal
Law does not become mere practice of formulating criminal agreements, in complete disharmony with
their postulates.
KEYWORDS: Criminal Law. Criminal Policy. Plea Bargain. General Theory of Crime.
48 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Piketty não olvida o papel central desenvolvido pelos impostos na redução das desigualdades, e coerentemente des-
taca que tal questão, concernente aos impostos, não é apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, pela
simples razão de que sem impostos a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva se torna impossível
(PIKETTY, Thomas. O capital no século xxi. Trad. Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p.
480).
49 ARAÚJO, Marisa Almeida. No percurso do discurso legitimador do direito penal tributário: o crime de fraude fiscal – refle-
xões. Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Porto: não publicada,
2010. p. 67-68.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
114
6 Referências
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Sousa (Coord.). Corrupção: ensaios sobre a Operação Lava Jato. São Paulo: Marcial Pons, 2019.
Ante ao que foi exposto, e para fins conclusivos, tendo em vista os inú-
meros casos que são veiculados na mídia, além de situações não apresentadas
ao público, pela falta de informação ou comunicação dos fatos em um país
com dimensões continentais, o filtro do Direito Penal ainda parece certo,
quando corretamente desenhado e aplicado, especialmente nesses casos de
abuso de autoridade.
Apesar do fato de que algumas vozes tenham se insurgido contra a edi-
ção dessa nova lei, percebemos que a norma, na verdade, terá difícil aplicação
prática, situação que pode manter o atual estado de coisas, embora os abusos
manifestos passaram a ter algum freio.
As autoridades que exercem adequadamente as suas atividades não têm
o que temer.
O tempo nos dirá!
TITLE: Comments about the new Abuse of Power Act (Law no. 13,869/2019).
ABSTRACT: Despite the fact that some opinions have been voiced against the new Abuse of Power Act, it
is possible to realize that such rule will actually be faced with difficulties in terms of practical enforcement,
a situation that may preserve the current state of affairs, even if more explicit abuses have been somewhat
been prevented from happening.
Referências
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO Rogério. Abuso de autoridade: Lei 13.869/2019 comentada artigo por
artigo, Salvador: Juspodivm, 2019.
NUCCI, Guilherme de Souza. A nova Lei de Abuso de Autoridade. Migalhas, 03.10.2019. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI312282,31047->. Acesso em: 23 nov. 2019.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em indeferir a ordem, nos
termos do voto do Relator e por unanimidade, em sessão presidida pelo
Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas
notas taquigráficas.
Brasília, 26 de novembro de 2019.
Ministro Marco Aurélio – Relator
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 123
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Marco Aurélio – O assessor Gustavo Mascarenhas
Lacerda Pedrina assim revelou os contornos da impetração:
“Eis o informado quando da análise do pedido de liminar:
‘(...)
1. O assessor Dr. Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina prestou as seguintes
informações:
‘O Ministério Público Federal ofereceu denúncia, na qual imputou à pacien-
te a suposta prática da infração descrita no art. 1º, incisos I a IV (sonegação
fiscal mediante omissão de informação, fraude a fiscalização tributária, falsi-
dade na operação tributária e utilização de documento fraudado), c/c o art.
12, inciso I (agravante decorrente do dano à coletividade), da Lei nº 8.137/90,
na forma do art. 71 do Código Penal. Destacou a existência de interceptações
telefônicas a demonstrarem a participação da paciente a qual, na condição de
gerente do Rio Preto Abatedouro Ltda., negociava a emissão de notas falsas
da Distribuidora de Carnes e Derivados São Paulo Ltda., empresa de fachada,
em nome de ‘laranjas’, utilizada para a supressão e redução da contribuição ao
Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social – Cofins, por meio de fraude a fiscalização e simulação
de operações comerciais.
O Juízo da Terceira Vara Federal da Subseção Judiciária de São José do Rio
Preto/SP rejeitou a denúncia em relação à paciente, aludindo à ausência de
provas de participação nos delitos apurados.
A Primeira Câmara do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao prover o
recurso em sentido estrito, recebeu a denúncia, asseverando bem individua-
lizada a conduta de cada acusado. Frisou o enquadramento da acusação ao art.
41 do Código de Processo Penal. Ressaltou a gravidade dos fatos e a necessi-
dade de que fossem devidamente averiguados. O processo foi autuado sob o
nº 0004998-55.2010.4.03.6106.
Chegou-se ao Superior Tribunal de Justiça com o Habeas Corpus 381.825/
SP, o qual teve a ordem indeferida pela Sexta Turma.
O impetrante alega que os autos de infração ensejadores do processo-crime
foram constituídos exclusivamente em nome de pessoa jurídica – a Distribui-
dora de Carnes e Derivados São Paulo Ltda. –, a retirar da paciente a quali-
dade de sujeito passivo do delito. Sustenta a falta de justa causa no prossegui-
mento da ação penal. Diz haver sido designado o interrogatório da paciente,
previsto para o próximo dia 14 de novembro.’
(...)’
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
124
VOTO
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) – Rejeito a preliminar sus-
citada pela Procuradoria-Geral da República. Em jogo a liberdade de ir e vir,
não se tem como deixar de adentrar a matéria versada no habeas corpus, pouco
importando os contornos de substitutivo de recurso ordinário constitucional.
Cumpre reiterar o assentado, em 13 de novembro de 2018, quando do
não implemento da medida acauteladora:
“(...)
3. A suspensão de ato processual pela via do habeas corpus é medida a sinalizar
exceção, admissível quando constatada, de forma inequívoca, a ausência de
autoria, a atipicidade da conduta ou a incidência de causa extintiva da puni-
bilidade.
O Ministério Público narrou que, na condição de gerente do Rio Preto Aba-
tedouro Ltda., por meio do uso de notas falsas da Distribuidora de Carnes
e Derivados São Paulo Ltda., a paciente fraudou fiscalizações com o fim de
suprimir ou reduzir o pagamento de contribuições obrigatórias. A responsa-
bilidade da pessoa jurídica, no âmbito tributário, não implica, ante a materia-
lidade e indícios suficientes de autoria, na inviabilidade da responsabilização
penal das pessoas naturais envolvidas nos supostos crimes. As alegações do
impetrante não são aptas a infirmarem a denúncia. A confirmação, ou não,
dos argumentos veiculados pressupõe dilação probatória, razão pela qual, no
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 125
EXTRATO DE ATA
Habeas Corpus 164.415
Proced.: São Paulo
Relator: Min. Marco Aurélio
Pacte.: Renata Cristina Motta Tofolo
Impte.: Antonio Correa Junior (16286/DF)
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Decisão: A Turma, por unanimidade, indeferiu a ordem, nos termos do
voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra
Rosa Weber. Presidência do Ministro Luiz Fux. Primeira Turma, 26.11.2019.
Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à Sessão os Senho-
res Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre
de Moraes.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Alcides Martins.
João Paulo Oliveira Barros – Secretário da Turma
J u r i sp r u d ê n c i a
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento
ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião
Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de dezembro de 2019.
Ministro Rogerio Schietti Cruz – Relator
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 127
O Ministério Público Federal agrava de decisão por meio da qual deu pro-
vimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para anular a decisão que deferiu
a produção antecipada da prova, bem como os atos subsequentes a ela relacionados, sem
prejuízo de que o Juízo de primeiro grau analise a eventual necessidade da
providência, desde que em decisão concretamente fundamentada.
Nas razões deste recurso, o Parquet relata que a agravada foi, posterior-
mente, localizada e passou a participar dos demais atos processuais, especial-
mente de audiência de instrução probatória, sendo, inclusive, interrogada.
Alega, então, que a agravada não participou apenas de um ato processual
de produção de prova: audiência de oitiva das testemunhas arroladas pela
acusação Geronilda Vieira, Gil Carla Vieira Oliveira e Marinete Ribeiro, que
se realizou em 03.11.2016.
Sustenta que não houve prejuízo à ré – diante da inocuidade probatória
do que ali foi produzido –, de maneira que deve ser relativizada a aplicação da
Súmula nº 455 do STJ e que a prova considerada nula, porque produzida sem
a presença da agravada, não contaminou as provas produzidas posteriormente,
mesmo porque tais testemunhos poderão ser reproduzidos em Plenário.
Pretende a reconsideração da decisão ou a submissão do recurso à Sexta
Turma e, ultrapassada a questão pertinente à nulidade da produção antecipada
de prova, requer seja submetida à Terceira Seção deste Tribunal Superior,
nos termos do art. 12, parágrafo único, III, do RISTJ, a presente proposta de
revisão/alteração da Súmula nº 455/STJ.
VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
Não obstante os esforços perpetrados pelo ora agravante, não constato
fundamentos suficientes a infirmar a decisão agravada, cuja conclusão man-
tenho, na íntegra (fls. 106-109):
“Ao determinar a produção antecipada de provas, o Juízo singular ressaltou
(fl. 42, destaquei):
‘Com efeito, estabelece o art. 366 do Código de Processo Penal que, se acu-
sado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz deter-
minar a produção antecipada das provas consideradas urgentes.
Desde logo, verifica-se que existe previsão legal para a realização de medi-
da de produção antecipada de provas na hipótese de suspensão processual,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
128
ofensa à garantia do devido processo legal. É que, muito embora esse esquecimento
seja passível de concretização, não poderia ser utilizado como mera conjectura, desvincu-
lado de elementos objetivamente deduzidos, como no caso.
O Juízo de primeira instância lastreou sua decisão tão somente no mero de-
curso do tempo, sem destacar os contornos específicos da hipótese que eventual-
mente demandassem a antecipação da produção de provas, em ofensa ao que
preceitua a Súmula nº 455 do STJ. Ilustrativamente:
‘RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. ART. 366 DO CPP. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE
PROVAS. URGÊNCIA DA MEDIDA NÃO DEMONSTRADA. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL. NULIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.
366 do Código de Processo Penal deve ser concretamente fundamentada; não
a justifica unicamente o mero decurso do tempo (Súmula nº 455 do STJ).
2. O caso dos autos não se amolda à hipótese do RHC 64.086, em que a Ter-
ceira Seção temperou a aplicação da Súmula nº 455 do STJ, na hipótese em
que as testemunhas, em decorrência de peculiaridades ‘de sua atuação pro-
fissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos que apresentam
semelhanças em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência’,
visto que a fundamentação da Juíza de primeiro grau foi unicamente baseada
no ‘lapso temporal havido desde a época dos fatos – 25.11.08’.
3. Recurso provido para, confirmando a liminar, anular a decisão que deter-
minou a produção antecipada de provas e os atos subsequentes relacionados
a esse decisum (RHC 68.747/ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., DJe
23.03.2017)
(...)
5. A decisão cautelar que determina a produção antecipada da prova testemu-
nhal deve ser motivada, levando-se em consideração os requisitos previstos
no art. 225 do Código de Processo Penal.
6. Embora não se desconheça o efeito deletério que o transcurso do tem-
po pode causar à memória dos depoentes, forçoso reconhecer que a simples
menção de que a prova ‘não pereça com o tempo’, na hipótese em apreço, não constitui
fundamento idôneo a justificar a ouvida antecipada das testemunhas, não tendo o temor
de esvaziamento da prova sido efetivamente comprovado.
7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de cassar,
em parte, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e anular parcialmente a
decisão de 1º grau que determinou a colheita antecipada de provas, desentra-
nhando-se dos autos os elementos produzidos por antecipação (HC 324.166/
PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 08.11.2016, destaquei).’
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
130
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, denegar o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti
Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de dezembro de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
132
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de
Paulo Sérgio Fabiane no qual se aponta como autoridade coatora o Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (HC 0139975-66.2019.8.21.7000).
Depreende-se dos autos que a autoridade policial representou pela pri-
são preventiva do paciente pelo suposto cometimento do crime de homicídio
qualificado. O pedido foi deferido, tendo sido o paciente preso em 21.05.2019.
Posteriormente, o paciente foi denunciado pelo referido delito.
Formulado pedido de revogação da custódia cautelar, o Juízo de pri-
meiro grau o indeferiu.
O Tribunal de origem denegou habeas corpus que visava a revogação da
prisão cautelar. Eis a respectiva ementa (e-STJ, fl. 31):
“HABEAS CORPUS. FEMINICÍDIO. SEGREGAÇÃO MANTIDA.
Paciente preso em 21 de maio de 2019, por ter, em tese, matado a vítima, com
quem manteria relacionamento amoroso extraconjugal, mediante disparos
de arma de fogo. Gravidade concreta do fato supostamente praticado. Decre-
to de prisão preventiva suficientemente fundamentado. Menção a elementos
do caso concreto que justificam a segregação cautelar.
Legalidade da prisão preventiva do paciente reconhecida pela Câmara no jul-
gamento do Habeas Corpus 70081680662, em junho de 2019.
Eventuais condições pessoais favoráveis que, nos termos do entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, não ensejam, por si só, a concessão da liberdade.
Inocorrência do excesso de prazo. Paciente preso há pouco mais de quatro
meses, tendo sido realizada a audiência de interrogatório em 12 de setembro
de 2019. Feito em vias de ter a instrução encerrada.
Efetiva presença dos requisitos necessários à prisão preventiva previstos no
art. 312 do Código de Processo Penal verificada.
Substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas que não se
mostra suficiente e adequada ao caso concreto.
Ordem denegada.”
No presente habeas corpus, o impetrante defende que a manutenção da
prisão preventiva carece de fundamentação idônea. Ao final, requer a revo-
gação da custódia cautelar.
O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 260/262).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 133
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento
do writ (e-STJ, fls. 311/316).
É, em síntese, o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento
jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão
somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi
delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis,
nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso
senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente
(art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva
esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão
preventiva, in verbis (e-STJ, fls. 59/61):
“Pelo que se extrai da representação policial, que vem a esmiuçar com previ-
são os elementos probatórios constantes no expediente:
‘No dia 18.05.2019, por volta das 8h30min, Clarice Aparecida da Silva saiu de
sua residência e não retornou. Em razão dela estar recebendo ameaças, os familiares
entraram em contato com a Brigada Militar relatando o fato. Posteriormente, o corpo
da vítima foi localizado, há cerca de 2 km na estrada da comunidade Linha Bela Vista,
interior de Ronda Alta, dentro da camionete VW/Amarok, placas IWA-3838, cadastra-
da em nome de Marines Alves de Anhaia, aparentemente ferida por disparo de arma de
fogo e já em óbito. No outro lado da camionete, lado do motorista, haviam três estojos de
revólver calibre.38 deflagrados. Conforme relatos, a vítima estava mantendo um relacio-
namento fora do casamento com Paulo Sérgio Fabiane, e era ele quem vinha ameaçando
a vítima e seus familiares. Conforme relatado, o advogado Artemio Arthur Beuther este-
ve no local do crime representando Paulo Fabiani e disse que Paulo assumiu a autoria do
crime para ele e que estava vendo a possibilidade de apresentá-lo na delegacia de polícia.
Conforme consulta aos sistemas, Marines Alves de Anhaia, proprietária da
camionete, é a companheira de Paulo Sérgio Fabiane e possuem um filho
(...)’
As pessoas ouvidas pela autoridade policial confirmaram que a vítima, de fato,
estava sendo ameaçada por Paulo, o que o coloca, dado o contexto probatório,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
134
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Joel Ilan
Paciornik, Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJPE),
Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de dezembro de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Ribeiro Dantas – Relator
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por S. F. P.,
apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro.
Consta nos autos que o recorrente restou denunciado pela prática,
em tese, das condutas descritas nos arts. 288 do Código Penal e 90 da Lei nº
8.666/83.
Inconformada com o recebimento da denúncia, a defesa impetrou
habeas corpus no Tribunal de origem. A ordem restou parcialmente concedida
para “revogar as medidas cautelares impostas ao paciente, consistentes em
proibição de se ausentar da Comarca de residência por qualquer período e
comparecimento mensal ao Juízo para justificar suas atividades” (e-STJ, fl.
41), nestes termos:
“HABEAS CORPUS. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL E ART. 90 DA
LEI Nº 8.666/93. IMPETRAÇÃO OBJETIVANDO A ANULAÇÃO DA
DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E O RECONHECI-
MENTO DA INÉPCIA DA EXORDIAL. EM CARÁTER SUBSIDIÁRIO,
REQUER O RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDU-
TA E A REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 139
à referida ONG. Todavia, tal conduta carece do elemento tipicidade, uma vez
que “é um dever funcional do Procurador atender à solicitação do órgão ao
qual assessor, elaborando pareceres, orientações e pontos de vista jurídicos,
que de resto, não vinculam o ato administrativo a ser editado pela Autoridade
Competente” (e-STJ, fl. 67).
Afirma, outrossim, que: Da análise da decisão que recebeu a denúncia,
não há qualquer tipo de fundamentação que demonstre existir materialidade
na conduta do acusado. O juízo se limitou apenas a dizer “recebo a denúncia
eis que presente a justa causa necessária à deflagração da ação penal, o que se
verifica da leitura dos autos (...)”. Dos autos não se verifica qualquer materia-
lidade apta a ensejar o recebimento da denúncia, uma vez que só existe um
parecer de uma folha emitido pelo paciente e não mais do que isso. Não há
nenhum elemento que pareça, ainda que indiciariamente, ter havido qualquer
tipo de acerto, liame subjetivo ou conluio entre os acusados. Assim, não há
na denúncia qualquer tipo de conduta criminosa pormenorizada do paciente
que poderia, eventualmente, ensejar o recebimento da denúncia pelo magis-
trado a quo. O Ministério Público, de forma puramente unilateral, atribui aos
acusados verbos que denotem algum tipo de acerto, mas não demonstra haver
um e-mail, um encontro, uma ligação, uma citação, nada que possa ensejar
desconfiança sobre a conduta do paciente, pois tão somente emitiu seu pare-
cer de forma célere e em conformidade com a independência que se espera
dos advogados. Há de se frisar, assim, que a decisão que recebeu a denúncia
viola, mortalmente, o que dispõe o art. 93, IX, da CR/88 eis que carece de
fundamentação. Logo, a ausência de indicação dos elementos analisados pelo
Juízo para o recebimento da denúncia afronta, sobremaneira, a ampla defesa
na medida em que impede o seu combate em outras instâncias” (e-STJ, fl. 80).
Pugna, assim, pela concessão da ordem, para trancar a ação penal por
atipicidade da conduta (e-STJ, fl. 94).
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso
ordinário (e-STJ, fls. 237-242).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento
da ação penal e do inquérito por meio do habeas corpus é medida excepcional,
que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 141
não apenas a conduta delituosa atribuída ao paciente – dado como incurso nas penas
do art. 288 do Código Penal e do art. 90 da Lei nº 8.666/93 –, mas, ainda, as
suas características, como data, local, viabilizando, com isso, o exercício da ampla defesa e
do contraditório, encontrando-se preenchidos os requisitos previstos no art. 41 do Código
de Processo Penal.
Presente também a justa causa para a deflagração da ação penal, demonstrada através
dos elementos colhidos em sede inquisitorial, não sendo possível concluir pela ati-
picidade da conduta, sendo oportuno mencionar, por outro lado, que não foi
colecionado a presente impetração a cópia integral do inquérito policial. (...)” (e-STJ,
fls. 41-50; grifou-se)
Nesse passo, se as instâncias ordinárias reconheceram, de forma motiva-
da, que existem elementos de convicção a demonstrar a materialidade delitiva
e autoria delitiva quanto à conduta descrita na peça acusatória, para infirmar tal
conclusão, inclusive quanto a eventual atipicidade, seria necessário revolver o
contexto fático-probatório dos autos, o que não se coaduna com a via do writ.
Por certo, embora não se admita a instauração de processos temerá-
rios e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase
processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual
modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da
acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifesta-
mente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal.
Em verdade, a denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos
exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/88. Portanto, a peça acusatória
deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas
as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta
imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução pe-
nal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu (Nesse sentido:
RHC 56.111/PA, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 01.10.2015;
RHC 58.872/PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 01.10.2015;
RHC 28.236/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 01.10.2015).
No caso em exame, tendo havido a narração de fato típico, antijurídi-
co e culpável, com a devida acuidade, suas circunstâncias, a qualificação do
acusado, a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas,
viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador e o exercício da am-
pla defesa pela denúncia, forçoso reconhecer que a peça acusatória permite a
deflagração da ação penal.
Por fim, importante gizar também que a decisão que recebe a denún-
cia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (CPP,
art. 397) não demandam motivação profunda ou exauriente, considerando a
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
144
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos
termos do Relatório e Voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2019 (Data do Julgamento).
Desembargadora Federal Simone Schreiber – Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público
Federal contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal Criminal
do Espírito Santo que, com fundamento no art. 395, II, do CPP, rejeitou a
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 147
denúncia oferecida em face de Carlos Alberto Pujol da Rocha Frota Filho, Ana
Célia Oliveira Guedes, Alexandre da Cunha Dias e Lyss Bezerra e Melo Zangaro
pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, § 1º, III, 299 e 304, todos do
Código Penal, na forma de seu art. 71, em concurso material (art. 69 do CP).
Decidiu o julgador, equiparando o delito de descaminho aos crimes
tributários da Lei nº 8.137/90, pela atipicidade das condutas dos recorridos,
ante a ausência da constituição definitiva do crédito tributário, consoante
determina a Súmula Vinculante nº 24 do STF.
No tocante aos delitos de falsidade ideológica (art. 299 do CP) e de uso
de documento falso (art. 304 do CP), decidiu não haver crime “(...) no fato
de uma empresa interessada na aquisição de parte da mercadoria diligenciar
a busca de um importador (...)”, acrescentando não haver provas da inobser-
vância dos procedimentos concernentes à importação própria e da fraude nas
notas fiscais alusivas à transação em questão.
Em suas razões recursais (fls. 14/29), o MPF sustenta, em síntese, que
a inicial acusatória deve ser recebida, afastando-se a extensão indevida da Sú-
mula Vinculante nº 24 do STF, e a analogia com o crime tributário, dando-se
prosseguimento à ação penal pelo delito de descaminho, independentemente
da constituição definitiva do crédito tributário.
Pugna também que “(...) seja recebida a denúncia quanto ao crime de
falsidade ideológica, tendo em vista a interposição fraudulenta na importação
e a ocultação da real adquirente/encomendante das mercadorias”.
Contrarrazões de Alexandre e Lyss às fls. 1.841/1.863, pugnando pela ma-
nutenção da decisão em sua integralidade.
Contrarrazões de Carlos Alberto e Ana Célia à fl. 2.003, pugnando pela
manutenção da decisão por seus próprios fundamentos.
O MPF apresentou parecer na condição de custos legis (fls. 2.022/2.034),
opinando pelo provimento do recurso.
É o relatório. Peço dia para julgamento.
Desembargadora Federal Simone Schreiber – Relatora
VOTO
Como relatado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo
Ministério Público Federal contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara
Federal Criminal do Espírito Santo que, com fundamento no art. 395, II, do
CPP, rejeitou a denúncia oferecida em face de Carlos Alberto Pujol da Rocha Frota
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
148
Filho, Ana Célia Oliveira Guedes, Alexandre da Cunha Dias e Lyss Bezerra e Melo
Zangaro pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, § 1º, III, 299 e 304,
todos do Código Penal, na forma de seu art. 71, em concurso material (art.
69 do CP), por atipicidade quanto ao descaminho e insuficiência probatória
quanto aos demais.
Com bem relatado nas razões ministeriais,
“trata-se de ação penal ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de
Carlos Alberto Pujol da Rocha Frota Filho, Ana Célia Oliveira Guedes, Alexandre da
Cunha Dias e Lyss Bezerra e Melo Zangaro, imputando-lhes a prática dos delitos
previstos nos arts. 299, 304 e 334, § 1º, II, c/c o art. 71, todos do Código Penal.
Após fiscalização realizada pela Alfândega do Porto de Vitória/ES, verificou-
se que os sócios-administradores das empresas HB Importação e Exportação
Ltda. e Squitter Equipamentos Profissionais do Brasil Ltda. promoveram,
entre 2010 e 2011, importações fraudulentas de mercadorias provenientes
dos EUA, valendo-se de declarações e documentos falsos e iludindo o paga-
mento de tributos.
Conforme Representação Fiscal para Fins Penais, os denunciados apresenta-
ram à Receita Federal declarações de importação e faturas internacionais ide-
ologicamente falsas, nas quais constavam que as importações eram registradas
como ‘por conta e risco’ da HB Importação e Exportação Ltda., embora esta
não possuísse capital para operar no comércio exterior e não tenha demons-
trado a origem dos recursos necessários à importação das mercadorias objeto
das declarações de importação, além de não possuir estrutura comercial e de
distribuição para desempenhar tais atividades.
Na verdade, no bojo da ação fiscal, verificou-se que a Squitter Equipamentos
Profissionais do Brasil, embora tivesse permanecido oculta na Declaração de
Importação, foi a real compradora das mercadorias no exterior e, como real
adquirente no mercado nacional, foi quem assumiu financeiramente todos
os custos, enquanto a HB Importação e Exportação revestiu-se da qualidade
de importadora por conta própria, servindo de blindagem à real adquirente.
A fraude teve como objetivo principal a sonegação de tributos e resultou, de
fato, na eliminação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) inci-
dente sobre a diferença entre o preço de compra e de venda das mercado-
rias quando comercializadas em território nacional. Desse modo, foi lavrado
Auto de Infração no valor de R$ 442.670,97 (quatrocentos e quarenta e dois
mil, seiscentos e setenta reais e noventa e sete centavos) referente à multa
equivalente ao valor aduaneiro das mercadorias apreendidas.”
Nesse cenário, sobreveio decisão rejeitando a inicial acusatória, e o
MPF, inconformado, recorreu sustentando que a denúncia deve ser recebida,
porquanto satisfeitos todos os requisitos previstos no art. 395 do CPP.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 149
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conceder parcialmente
a ordem para revogar a prisão preventiva do paciente, afastando a fiança e
aplicando, em substituição, as seguintes medidas cautelares menos gravo-
sas: a) comparecimento a todos os atos processuais; b) manter atualizados
os endereços e telefones; c) apresentação mensal em juízo para informar e
justificar atividades.
Custas na forma da lei.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 153
RELATÓRIO
Desembargador Rogério Gesta Leal (Relator)
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de
Mateus Gabriel Silva dos Santos, visando a revogação de sua prisão preventiva.
Nas razões, a Defensoria Pública alegou que o paciente se encontra reco-
lhido há dias por não ter condições de realizar o pagamento da fiança arbitrada.
Ressaltou que o paciente é primário e sequer possui antecedentes criminais, sen-
do que eventual condenação se daria em regime diverso do fechado. Asseverou
que a condição de hipossuficiência não deve impedir o exercício da liberdade,
de modo que a segregação configura constrangimento ilegal.
A liminar foi parcialmente deferida.
Prestadas as informações, sobreveio parecer ministerial, sob a lavra
da Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, opinando pela concessão da
ordem.
É o relatório.
VOTOS
Desembargador Rogério Gesta Leal (Relator)
O pedido liminar foi parcialmente deferido, o qual ratifico no mérito,
ao efeito de afastar a fiança arbitrada, ficando o paciente obrigado a comparecer
a todos os atos processuais, manter os endereços e telefones atualizados e se
apresentar mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades,
conforme decisão proferida:
“O paciente foi preso em flagrante em 11.10.2019, pela prática, em tese, do
crime de receptação de veículo automotor, juntamente com Antônio Carlos
Assis da Silva, para o qual foi imputado o delito porte ilegal de arma de fogo
com numeração suprimida.
Homologado o auto de prisão em flagrante, o juízo a quo concedeu a liberda-
de provisória mediante o pagamento fiança:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
154
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal 1500832-
27.2018.8.26.0228, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Francisco
Jorge de Amorim, é apelado Ministério Público do Estado de São Paulo.
Acordam, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Cri-
minal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em proferir a seguinte decisão:
deram provimento ao recurso da defesa, para afastar a prestação de serviços à comunidade
como condição obrigatória ao “sursis”, substituindo-a por limitação de final de semana,
mantidos os demais termos da r. sentença. v.u., de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Ruy Alberto
Leme Cavalheiro (Presidente sem voto), Álvaro Castello e Luiz Antonio
Cardoso.
São Paulo, 8 de janeiro de 2020.
Desembargador César Augusto Andrade de Castro – Relator
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 157
Voto nº 13549
Vistos.
Francisco Jorge de Amorim foi condenado a cumprir a pena de três
meses de detenção, em regime inicial aberto, por infração ao art. 129, § 9º, do
Código Penal, obtendo a suspensão condicional da pena pelo prazo de dois
anos; foi absolvido da conduta descrita no art. 147, caput, do Código Penal,
com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Inconformado, o réu apela, pretendendo a modificação das condições
impostas no sursis.
Recurso bem processado, com resposta.
A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo.
Decorrido o prazo para que as partes se manifestassem acerca de even-
tual oposição ao julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução nº
549/2011, com redação estabelecida pela Resolução nº 772/2017, ambas do
Colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, não houve oposição a essa forma de julgamento.
É o relatório.
Consta da denúncia que no dia 4 de novembro de 2018, por volta das
11:20 horas, na Rua Eusimio da Cruz Batista nº 18, cidade de São Paulo, Fran-
cisco Jorge de Amorim, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares,
ofendeu a integridade corporal de seu enteado Ives Santos Lima Pereira de
Sousa, causando-lhe lesões corporais de natureza leve.
Consta, ainda, que nas mesmas circunstâncias o réu ameaçou sua
companheira Gilvanete dos Santos Lima, por palavras, de causar-lhe mal
injusto e grave.
Segundo o apurado, o réu e a vítima Gilvanete conviveram maritalmente
por oito anos, advindo dois filhos do relacionamento, e com a família vivia o
ofendido Ives, filho da vítima Gilvanete, fruto de relacionamento anterior, até
que na data dos fatos, durante discussão de menor importância, o réu tomou
um aparelho de telefone celular das mãos do menor e o agrediu, valendo-se
do tal aparelho, atingindo-a na cabeça e causando-lhe lesões corporais de
natureza leve.
Posteriormente, a vítima Gilvanete indagou ao acusado acerca da agres-
são, e então ele a ameaçou de morte.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
158
de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese,
impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de
flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A individualização da pena é submetida
aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes
Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados,
a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Assim, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das
circunstâncias judiciais e dos critérios concretos de individualização da pena mostram-se
inadequados à estreita via do habeas corpus, por exigirem revolvimento probatório. 3. No caso,
reconhecidas como desfavoráveis a conduta social do paciente e as consequências do crime, e
considerando o aumento ideal em 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada,
a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo
penal incriminador, que corresponde a 5 meses, chega-se ao incremento de cerca de 7 dias
por cada vetorial desabonadora. Tendo sido desfavoravelmente valoradas duas circunstâncias
judiciais, deveria a reprimenda ter sido aumentada em 14 dias, perfazendo um mês e 14 dias
de detenção. Entretanto, como a pena dosada pelo Juízo sentenciante foi majorada em apenas
12 dias, deve ser esta mantida, sob pena de violação da regra non reformatio in pejus. 4. O Código
Penal olvidou-se de estabelecer limites mínimo e máximo de aumento ou redução de pena a
serem aplicados em razão das agravantes e das atenuantes genéricas. Assim, a jurisprudência
reconhece que compete ao julgador, dentro do seu livre convencimento e de acordo com as
peculiaridades do caso, escolher a fração de aumento ou redução de pena, em observância aos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Todavia, a aplicação de fração diversa de
1/6 exige motivação concreta e idônea. Precedentes. 4. Evidenciado que foi aplicado o índice
de 1/4 para reduzir a pena em razão do reconhecimento da confissão espontânea, sendo que
pelas agravantes do motivo fútil e das relações domésticas foi utilizado o índice de 1/3, sem
a indicação de qualquer motivação concreta, o paciente faz jus à aplicação do índice de 1/6
pela presença das agravantes, o qual, do mesmo modo, deve ser aplicado em razão da atenu-
ante da confissão espontânea. 5. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de
reduzir a reprimenda da paciente para um mês e 22 dias de detenção. (STJ; HC 546.131; Proc.
2019/0344523-7; DF; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 19/12/2019)
disciplinar e/ou penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos
nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da con-
cernente persecução, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal
em relação às peças apócrifas. Reveste-se de legitimidade jurídica a recusa do órgão estatal em
não receber peças apócrifas ou “reclamações ou denúncias anônimas”, para efeito de instauração
de procedimento de índole administrativo-disciplinar e/ou de caráter penal (Resolução CNJ
nº 103/2010, art. 7º, inciso III), quando ausentes as condições mínimas de sua admissibilidade.
(STF; RE-AgR 1.193.343; SE; 2ª T.; Rel. Min. Celso de Mello; DJE 12/12/2019; p. 140)
renda juntadas. IV – Sentença absolutória mantida com fulcro no art. 386, VII, do CPP. (TRF
2ª R.; ACR 0000703-81.2004.4.02.5113; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Juiz Conv. Gustavo Arruda Macedo;
DEJF 15/01/2020)
corpus em segredo de justiça. Segundo determina o art. 234-B do Código Penal, os processos
em que se apuram crimes definidos no Título VI – Dos Crimes contra a Dignidade Sexual –
no qual se encontram inseridos os arts. 215-A e 216-A, imputados ao Paciente, correrão em
segredo de justiça. Por certo que tal norma visa resguardar a vítima de possíveis exposições de
sua intimidade e neutralizar os efeitos negativos decorrentes da instauração da persecutio criminis.
VIII – Habeas corpus conhecido. Ordem denegada. Decisão unânime. (STM; HC 7001261-
24.2019.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de Queiroz; DJSTM 19/12/2019; p. 16)
do réu) afirmou que comprou, sem realizar a transferência, o carro de seu irmão e, após três
anos, o revendeu a outra pessoa. Asseverou que o réu registrou comunicação de crime (furto),
com vistas a recuperar o veículo para cessar o recebimento de multas contraídas por terceiros.
Informou que, após a comunicação do suposto crime, o automóvel foi apreendido em posse
da testemunha E. C., o qual, por sua vez, esclareceu que o adquiriu (também sem realizar a
transferência) de um vizinho. Nesse passo, após um ano de posse do carro, a testemunha E. C.
foi chamada à delegacia, local onde um policial informou que o réu teria registrado ocorrência
policial de furto. B) Com efeito, inexiste contradição relevante entre declarações prestadas na
fase instrutória: Tanto a testemunha quanto o informante foram uníssonos em afirmar que o
denunciado realizou comunicação de crime com conhecimento da falsidade dessa informação.
De outro lado, o réu trouxe nova versão para os fatos (o automóvel não foi vendido, e sim
emprestado a seu irmão), a qual, diante da patente assimetria às informações prestadas na fase
inquisitória (teria vendido seu veículo a seu irmão, que teria recomendado, em razão das multas,
a realização de boletim de ocorrência por furto – fl. 11), encontra-se inconsistente e destoante
do conjunto probatório. C) Resulta, pois, ilhada a tese recursal de insuficiência probatória.
Autoria e existência do tipo penal objetivo e subjetivo (dolo genérico) irrefutáveis: Tipicida-
de da conduta ao art. 340 do Código Penal. III – Recurso conhecido e improvido. Sentença
confirmada por seus próprios fundamentos (Lei nº 9.099/95, art. 86, § 5º). Sem custas nem
honorários. (TJDF; APR 2017.08.1.002461-9; Ac. 122.1523; 3ª T.R.J.Esp.; Rel. Des. Fernando
Antônio Tavernard Lima; DJDFTE 17/12/2019)
público, por ser tratar de crime de natureza formal ou de mera conduta, sem a necessidade
de resultado naturalístico. 6. As circunstâncias que circundam o caso não permitem, com um
grau de certeza pelo menos razoável, aferir a conduta criminosa do acusado em relação ao tipo
do art. 333 do CP. Não havendo segurança a respeito da existência de prova suficiente para a
condenação do acusado pela prática do crime de corrupção ativa, incide o princípio in dubio
pro reo. 7. Apelações desprovidas. (TRF 1ª R.; ACR 0021922-54.2013.4.01.3500; GO; 4ª T.; Rel.
Des. Fed. Olindo Menezes; DJF1 15/01/2020)
93/27 – DENÚNCIA. Decisão que rejeitou parcialmente a denúncia. Art. 288, pa-
rágrafo único, do CP. Prescrição com base na pena máxima cominada em abstrato suscitada
pela Procuradoria de Justiça. Acolhimento. Lapso temporal transcorrido. Prescrição, também,
quanto ao crime tipificado no art. 14 da Lei nº 10.826/03. Extinção da punibilidade que se
impõe. (TJRN; RSE 2016.016130-7; C.Crim.; Rel. Des. Gilson Barbosa; DJRN 14/01/2020; p. 9)
quando não houver previsão contrária no ordenamento jurídico castrense. Recurso defensivo
desprovido. Decisão por maioria. (STM; EI 7000390-91.2019.7.00.0000; Rel. Min. Alvaro Luiz
Pinto; DJSTM 16/12/2019; p. 12)
fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do CPP, revelando-se indispensável a de-
monstração de em que consiste o periculum libertatis. 5. Na hipótese, a recorrente foi presa em
flagrante, tendo-lhe sido concedida a liberdade provisória na audiência de custódia, mediante
o cumprimento de medidas cautelares alternativas. No entanto, a acusada mudou-se para
lugar incerto e não sabido, o que ensejou a citação por edital e a suspensão do processo. Tal o
contexto, a prisão preventiva encontra-se justificada para assegurar a aplicação da Lei Penal e
garantir a instrução criminal, em razão de a recorrente, mesmo com a inequívoca ciência da
ação penal, ter descumprido as medidas cautelares então impostas e se encontrar foragida desde
a concessão da liberdade provisória. 6. Recurso ordinário desprovido. (STJ; RHC 97.893; Proc.
2018/0104374-7; RR; 6ª T.; Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro; DJE 19/12/2019)
alteração de circunstâncias nas etapas de fixação da pena, desde que limitada ao total da sanção
aplicada na sentença. No presente caso, ainda que utilizado o emprego de arma para valorar
negativamente as circunstâncias do crime, a pena restou estabelecida em patamar menor em
relação à fixada no processo de conhecimento. 3. Recurso conhecido e não provido, manten-
do a sentença do Juízo das Execuções que determinou a retificação da conta de liquidação
para excluir da incidência legal a menção ao inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, e
considerou o emprego de arma branca como circunstância judicial desfavorável na primeira
fase da dosimetria da pena, reduzindo a reprimenda de 6 (seis) anos de reclusão e 26 (vinte e
seis) dias-multa para 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, e 22 (vinte e dois) dias-multa.
(TJDF; RAG 07221.81-21.2019.8.07.0000; Ac. 122.4214; 2ª T.Crim.; Rel. Des. Roberval Casemiro
Belinati; DJDFTE 13/01/2020)
peças processuais, tampouco que a instrução seja feita por outros meios, como links ou consulta
ao processo na página eletrônica do Tribunal de origem. Precedentes. 5. Pacificou-se neste
sodalício o entendimento de que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é
válida como prova no processo penal, independentemente de autorização judicial. 6. Da mesma
forma, a gravação de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita,
não se confundindo com interceptação telefônica. Precedentes. 7. Ao magistrado é facultado
o indeferimento, de forma fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar
protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente
justificada pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 8. Na hipótese em apreço, foram
declinadas justificativas plausíveis para a negativa para a negativa de produção da perícia postu-
lada pela defesa, especialmente ante a sua irrelevância para o deslinde da controvérsia. 9. Para
se concluir que tal providência seria indispensável para a comprovação das teses suscitadas em
favor do agravante, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência
incompatível com a via eleita. Precedentes. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CONDENAÇÃO
TRANSITADA EM JULGADO HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. POSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO PARA A CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. ILEGALI-
DADE NÃO CARACTERIZADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. É pacífico
neste Sodalício o entendimento de que as condenações anteriores transitadas em julgado há
mais de 5 (cinco) anos, embora não caracterizem reincidência, podem ser consideradas como
maus antecedentes. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC 549.821;
Proc. 2019/0363236-4; MG; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 19/12/2019)
fruto de convicção íntima, haurida de elementos probatórios indiretos (HC 40.609, Rel. Min.
Evandro Lins, Tribunal Pleno, DJ 03.09.64). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF; HC-AgR 176.422; SP; 1ª T.; Rel. Min. Alexandre de Moraes; DJE 04/12/2019; p. 75)
tanto, configura constrangimento ilegal. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de
ofício, para afastar a alteração da data-base para a concessão de novos benefícios da execução
em decorrência da unificação das penas. (STJ; HC 549.884; Proc. 2019/0363633-1; MG; 5ª T.;
Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo; DJE 19/12/2019)
Destaques do Volume nº 92
– Da Localização Dogmática da Atividade de Compliance no Ambiente Corporativo sob o Ponto de
Vista da Responsabilização Criminal da Pessoa Coletiva
por Flavio Rodrigues Calil Daher, Mestre e Doutor, e Roberta Cordeiro de Melo Magalhães,
Professora e Mestre
– Análise Crítica de Laudos Utilizados como Argumentos Retóricos Estratégicos: o Ideal de
Neutralidade na Função das Perícias no Âmbito Criminal
por Carla Cordeiro Verly, Graduanda em Direito, e João Maurício Adeodato, Mestre e Doutor
– Regularização Fiscal e Cambiária: a Desregulamentação Legislativa e o Desmantelamento da
Punibilidade no Direito Penal Econômico
por Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira, Mestre e Doutor
– Do Concurso de Agentes no Crime Previsto no Art. 89, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93
por Oswaldo Henrique Duek Marques, Professor e Doutor, e Paulo Henrique Aranda Fuller,
Professor e Mestre
– O Ativismo do Supremo Tribunal Federal e o Surgimento da Norma Supralegal
por Silmar Fernandes, Professor e Desembargador, e José Renato Nalini, Mestre e Doutor
– Ações Neutras em Direito Penal
por Antônio Carlos da Ponte, Mestre e Doutor, e Guilherme Lopes Felicio, Professor e Especialista
Destaques do Volume nº 91
– Júri: Prisão e Vedação de Apelação para a Acusação – a Decisão do STF
por Lenio Luiz Streck, Pós-Doutor e Professor
– A Releitura do Princípio In Dubio Pro Societate no Rito Especial do Júri
por Rafael Estrela Nóbrega, Juiz e Especialista
– Ensaio sobre uma Segurança Jurídica Metamórfica
por Rogério Filippetto, Mestre e Doutor
– O Papel Transformativo das Corporações no Processo Penal: Ideias sobre Compliance e Vitimização
Corporativa
por Eduardo Saad-Diniz, Professor e Doutor
– O Combate à Pornografia de Vingança e a Tutela Penal da Imagem no Brasil
por Leonardo Estevam de Assis Zanini, Mestre e Doutor, e Silvio Luiz Maciel, Professor e Mestre
– Metacognição: Ofensa à Imparcialidade do Juiz Criminal na Fase de Investigação
por Luiz Fernando Kazmierczak, Mestre e Doutor, e Gustavo Carvalho Kichileski, Advogado e
Mestrando
para processar e julgar, considerada a imputa- luntariamente a Res, esperando tê-la de volta
ção de crime comum, pressupõe a existência ou receber o pagamento pela sua aquisição.
de conexão entre os delitos. Sigilo. Acordo de TJDF (Em. 93/66).......................................... 183
colaboração premiada. Art. 7º, § 3º, da Lei
- Tóxicos. Tráfico. Desclassificação para o cri-
nº 12.850/2013. Afastamento. Inviabilidade.
me de posse de drogas para consumo pessoal.
Homologação. Acordo. Eficácia. STF. Com-
A pequena quantidade de maconha apreen-
petência. Subsistência. STF (Em. 93/19)...... 168
dida (6 g) e as circunstâncias e condições em
DENÚNCIA que se desenvolveu a ação indicam, sem pre-
cisar examinar a fundo a matéria fática, que a
- Acórdão do STJ – Organização criminosa e
solução adequada ao caso é a desclassificação
fraude à licitação. Desnecessidade de mo-
da conduta para aquela prevista no art. 28 da
tivação extensa do ato que acolhe a inicial.
Lei 11.343/06, nos termos da sentença de
Inocorrência de ilegalidade............................ 137
primeira instância. STF (Em. 93/72)............. 186
- Acórdão do TRF 2ª R. – Descaminho. Natu-
reza formal. Desnecessidade de constituição DETRAÇÃO
definitiva do crédito tributário. Indícios de - Abatimento de parcela da sanção pecuniária
autoria e materialidade................................... 146 em razão do cumprimento de tempo de
- Caso Rubens Paiva. Homicídio e ocultação prisão superior ao da condenação definitiva.
de cadáver praticado durante o regime militar. Inadmissibilidade. Sanções penais de natu-
Incidência da Lei da Anistia. ADPF 153. STJ rezas distintas, sendo a pena de multa dívida
(Em. 93/18)..................................................... 168 de valor executada pela Fazenda Pública (art.
51 do CP), pelo que não é admitida a com-
DENÚNCIA ANÔNIMA pensação entre esta punição e a privação de
- Vedação imposta pelo próprio texto constitu- liberdade. TJSP (Em. 93/30).......................... 172
cional (CF, art. 5º, IV, in fine). Compreensão
do direito à livre manifestação do pensa- E
mento. Reveste-se de legitimidade jurídica
a recusa do órgão estatal em não receber EMBARGOS INFRINGENTES
peças apócrifas ou “reclamações ou denún-
- Apelação criminal. Crime de roubo cir-
cias anônimas”, para efeito de instauração
cunstanciado pelo uso de arma e concurso
de procedimento de índole administrativo-
de pessoas. Confissão espontânea e multir-
disciplinar e/ou de caráter penal (Resolução
reincidência. Compensação parcial. Corréu
CNJ 103/2010, art. 7º, III), quando ausentes
que confessou o crime. Idêntica majoração.
as condições mínimas de sua admissibilidade.
Critérios não equânimes. EI providos. TJDF
STF (Em. 93/9).............................................. 163
(Em. 93/33)..................................................... 173
DESCAMINHO - Preliminares de nulidade e não cabimento
- Acórdão do TRF 2ª R. – Natureza formal. rejeitadas. Dispensa ilegal de licitação. Art.
Desnecessidade de constituição definitiva 89 da Lei 8.666/93. Secretária de Educação e
do crédito tributário. Indícios de autoria e Cultura do Estado de Tocantins. Compra de
materialidade. Recebimento da denúncia..... 146 livros didáticos. Ausência de demonstração
do elemento subjetivo do tipo. Dolo especí-
- Extinção da punibilidade. Perdimento de
fico não evidenciado na espécie. Precedentes
bens. Deve ser anulada a sentença que decre-
do STF. EI acolhidos para cassar o acórdão
tou a extinção da punibilidade da denunciada
embargado e absolver a embargante. STF
com o consequente prosseguimento da ação
(Em. 93/32)..................................................... 173
penal. TRF 1ª R. (Em. 93/28)........................ 172
- Revelam-se manifestamente incabíveis os EI
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME opostos contra julgado de Turma ou de Ple-
- Estelionato. Pedido de desclassificação para nário em sede de HC, tendo em vista a falta
furto qualificado pela fraude. Procedência. de previsão regimental STF (Em. 93/7)........ 162
Comete crime de furto qualificado pela
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
fraude réu que se passa por falso comprador
de bicicleta anunciada a venda por vítima - Lesão corporal culposa. Substituição da pena
em internet, pedindo-lhe para realizar um privativa de liberdade por restritivas de direi-
teste, vítima que, iludida, entrega-lhe vo- tos. Possibilidade. Suspensão do direito de
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 195
absoluta. Anulação do julgamento. STJ (Em. - Estupro de vulnerável. Regime inicial fe-
93/46).............................................................. 177 chado. Fundamentação idônea. Desde que
o faça em decisão motivada, o magistrado
O sentenciante está autorizado a impor ao
condenado regime mais gravoso do que o
ORLANDO FACCINI NETO recomendado nas alíneas do § 2º do art. 33
do CP. Inexistência de ilegalidade. STF (Em.
- Artigo: “A Teoria Geral do Crime na Encru- 93/38).............................................................. 175
zilhada”........................................................... 97
- Execução provisória. Esgotamento da segun-
da instância. Impossibilidade. Entendimento
P pacificado pelo STF no julgamento das
ADCs 43, 44 e 54. Execução da pena após o
PENA
trânsito em julgado da condenação. Paciente
- Acórdão do TJSP – Violência doméstica. Le- respondeu ao processo em liberdade. Parecer
são corporal leve. Regime aberto e suspensão favorável do MPF. STJ (Em. 93/37).............. 174
condicional da pena. Afastada a prestação
- Execução provisória. Inconstitucionalidade.
de serviços à comunidade como condição
Violação da garantia constitucional da pre-
obrigatória ao sursis, eis que a pena corporal
sunção de inocência. Declaração de consti-
imposta é inferior a 6 meses. Interpretação
tucionalidade do art. 283 do CPP. ADCs 43/
do art. 46 do CP............................................. 156
DF, 44/DF e 54/DF. Réu que respondeu ao
- Condenação por fato anterior com trânsito processo em liberdade. Ausência de decre-
em julgado posterior não enseja reincidência, tação da prisão preventiva pelas instâncias
mas justifica o aumento da pena-base a título ordinárias. STF (Em. 93/39).......................... 175
de maus antecedentes. TJDF (Em. 93/34).... 173
- Execução provisória. Suspensão. Possi-
- Condenação transitada em julgado há mais bilidade. Arma de fogo. Porte ilegal. Uso
de 5 anos. Possibilidade de utilização para a permitido. Substituição da pena privativa de
configuração de maus antecedentes. Ilegali- liberdade por restritiva de direitos negada.
dade não caracterizada. STJ (Em. 93/63)...... 182 Reincidência não específica. Condenação an-
- Contrabando. Cigarros. Produto de im- terior por crime de menor potencial ofensivo.
portação proibida. Autoria e materialidade Circunstâncias judiciais favoráveis. STF (Em.
comprovadas. Princípio da insignificância. 93/58).............................................................. 181
Inaplicabilidade. Na hipótese, a exasperação - Falso testemunho. Obtenção de prova des-
da pena-base em 6 meses mostra-se bem tinada a produzir efeito em processo penal.
fundamentada, e justifica-se pela grande Art. 342, § 1º, do CP. Alegada atipicidade da
quantidade de cigarros contrabandeados – conduta. Namoro. Compromisso prestado.
13.000 maços, cada um contendo 20 cigarros. Art. 203 do CPP. Materialidade e autoria do
TRF 1ª R. (Em. 93/22)................................... 169 crime devidamente comprovadas. Pedido de
- Detração analógica aplicada em 1º grau. Aba- redução da pena. Possibilidade. Exclusão da
timento de parcela da sanção pecuniária em avaliação negativa da personalidade. Regime
razão do cumprimento de tempo de prisão de cumprimento de pena da apelante. Ma-
superior ao da condenação definitiva. Inad- nutenção do regime inicial fechado. TJDF
missibilidade. Sanções penais de naturezas (Em. 93/41)..................................................... 175
distintas, sendo a pena de multa dívida de - Furto qualificado. Maus antecedentes.
valor executada pela Fazenda Pública (art. Condenações anteriores ao período depu-
51 do CP), pelo que não é admitida a com- rador. Enquanto pendente de julgamento o
pensação entre esta punição e a privação de recurso paradigmático, a 1ª Turma deste STF
liberdade. TJSP (Em. 93/30).......................... 172 firmara jurisprudência no sentido de que a
- Dosimetria. Aumento. Continuidade deli- decisão que opta por uma das correntes não
tiva. A definição da percentagem referente se qualifica como ilegal ou abusiva, âmbito
ao aumento da pena considerado o art. 71, normativo destinado à concessão de HC de
parágrafo único, do CP faz-se no campo do ofício. STF (Em. 93/43)................................. 176
justo ou injusto, não encerrando ilegalidade. - Homicídio qualificado tentado. Motivo torpe
STF (Em. 93/55)............................................ 181 e pelo recurso que dificultou ou impediu a
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 199
oportunamente avaliado pelo Juiz natural da motivo fútil, meio insidioso que resultou
causa, o Tribunal do Júri. STF (Em. 93/74).. 187 em perigo comum e recurso que dificultou
a defesa da vítima). Materialidade confir-
- Gravação ambiental e gravação de conversa
mada. Autoria duvidosa. Manutenção da
realizadas por um dos interlocutores. Coação
sentença de improcedência da representação.
ilegal não configurada. Pacificou-se neste
Aplicação do princípio do in dubio pro reo e a
sodalício o entendimento de que a gravação
improcedência da representação. TJRS (Em.
ambiental realizada por um dos interlocuto-
93/15).............................................................. 167
res é válida como prova no processo penal,
independentemente de autorização judicial. REVISÃO CRIMINAL
STJ (Em. 93/63)............................................. 182
- Crime previsto no art. 273, § 1º-B, do CP.
- Produção antecipada. Homicídio qualificado Preceito secundário. Inconstitucionalidade.
tentado. Prisão em flagrante. Descumpri- Reconhecimento. STJ. Posição jurispruden-
mento das medidas cautelares impostas na cial firmada. Julgamento pela Corte Especial.
audiência de custódia. Citação por edital. Sentença transitada em julgado antes aplica-
Prisão preventiva. Ré foragida. Produção ção do caput do art. 33 da LAD. Possibilidade.
antecipada de provas. Nulidade. Inexistência. Novo posicionamento anterior ao trânsito
Art. 366 do CPP. STJ (Em. 93/47)................. 177 em julgado da sentença. TJDF (Em. 93/67). 184
ROUBO
R
- Emprego de arma branca. Novatio legis in
RECEPTAÇÃO mellius. Exclusão da causa de aumento, com
a valoração negativa das circunstâncias do
- Acórdão do TJRS – Prisão preventiva.
crime. Pena reduzida. Alegação de reformatio
Ausentes os pressupostos. Fiança afastada.
in pejus. Inocorrência. TJDF (Em. 93/53)..... 179
Substituição por medidas cautelares diversas.
Ratificação da liminar.................................... 152 ROUBO QUALIFICADO
RECEPTAÇÃO DOLOSA - Uso de arma e concurso de pessoas. Con-
fissão espontânea e multirreincidência.
- Motocicleta. Art. 180, caput, do CP. Dolo Compensação parcial. Corréu que confessou
demonstrado. Condenação mantida. Sufi- o crime. Idêntica majoração. Critérios não
ciência probatória. Palavra da vítima e dos equânimes. Embargos providos. TJDF (Em.
policiais. Validade. Pena parcialmente redi- 93/33).............................................................. 173
mensionada em relação aos réus. Regimes
mantidos. Multa redimensionada. Pena de
multa. Redimensionada para ambos os réus. S
TJRS (Em. 93/64)........................................... 183
SIGILO FISCAL E BANCÁRIO
REFLEXÕES SOBRE O REGIME
- Quebra. Mandado de segurança. Investigado.
INICIAL DE CUMPRIMENTO DE
Excepcionalidade da quebra. Autorizada no
PENA caso concreto. Imprescindibilidade. Ha-
- Artigo de Gustavo Octaviano Diniz Junquei- bilitação dos advogados no procedimento
ra e Oswaldo Henrique Duek Marques....... 52 investigatório. Descabimento. Não conclu-
são. Decisão de indeferimento. STM (Em.
REPARAÇÃO DE DANOS
93/51).............................................................. 179
- Violência doméstica e violação de domicílio.
SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA E
Fixação de indenização mínima à vítima.
DANIELA MARINHO MORGANTI
Requerimento do ministério público na de-
núncia. Alegação de impossibilidade de arcar - Artigo: “A Constitucionalidade do Confisco
com o valor fixado na sentença. Ausência de Alargado e da Ação de Extinção de Domí-
provas. Possibilidade de parcelamento. TJAP nio”................................................................. 26
(Em. 93/77)..................................................... 188
SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO
REPRESENTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
- Ato infracional. Tentativa de homicídio qua- - Controle de constitucionalidade. Alegação de
lificado (concurso de agentes, motivo torpe, inconstitucionalidade material do art. 337-A,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
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