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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – Nº 93
Dez-Jan 2020

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006

Classificação Qualis/Capes: B1

Editores
Fábio Paixão
Walter Diab

Coordenador
Aury Lopes Júnior

Conselho Científico
Damásio E. de Jesus – Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva

Conselho Editorial
Adeildo Nunes – Amadeu de Almeida Weinmann
Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Haroldo Caetano da Silva
José Carlos Teixeira Giorgis – Luiz Flávio Gomes – Marcelo Roberto Ribeiro
Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti – Roberto Victor Pereira Ribeiro
Rômulo de Andrade Moreira – Sergio Demoro Hamilton
Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Alneir Fernando S. Maia – Cesar Luiz de Oliveira Janoti – Daniela Marinho Morganti
Flavio Rodrigues Calil Daher – Gustavo Britta Scandelari
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira – Marcelo Negri Soares – Maurício Ávila Prazak
Orlando Faccini Neto – Oswaldo Henrique Duek Marques
Patrícia Jorge da Cunha Viana Dantas – Roberta Cordeiro de Melo Magalhães
Silvio Luís Ferreira da Rocha – Thiago Buschinelli Sorrentino
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Aury Lopes Júnior.
v. 93 (dez./jan. 2020)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

LexMagister
Diretor Executivo: Fábio Paixão

Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040


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Sumário
Doutrina
1. Prisão em Segunda Instância Versus Justiça como Liberdade e a Garantia
Máxima da Personalidade pela Presunção da Inocência
Marcelo Negri Soares, Maurício Ávila Prazak e Patrícia Jorge da Cunha Viana Dantas.... 5
2. A Constitucionalidade do Confisco Alargado e da Ação de Extinção de
Domínio
Silvio Luís Ferreira da Rocha e Daniela Marinho Morganti....................................... 26
3. Feminicídio: Fundamento da Pena Qualificada
Flavio Rodrigues Calil Daher e Roberta Cordeiro de Melo Magalhães......................... 36
4. Reflexões sobre o Regime Inicial de Cumprimento de Pena
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Oswaldo Henrique Duek Marques................. 52
5. Criminalização Objetiva do Inadimplemento Tributário: Abordagem
Dogmática Penal
Thiago Buschinelli Sorrentino e Cesar Luiz de Oliveira Janoti................................... 64
6. Análise Crítica da Inserção de Norma Penal Incriminadora, no
Ordenamento Jurídico Brasileiro, por Ato Internacional: o Exemplo da
Convenção de Palermo e a Figura da Organização Criminosa
Gustavo Britta Scandelari......................................................................................... 81
7. A Teoria Geral do Crime na Encruzilhada
Orlando Faccini Neto............................................................................................... 97
8. Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019)
Alneir Fernando S. Maia....................................................................................... 116

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Sonegação Fiscal. Responsabilidade Penal
Subjetiva. Art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/90. Condição de Contribuinte.
Prescindibilidade. A Responsabilidade Penal É Subjetiva e Independente
da Tributária
Rel. Min. Marco Aurélio........................................................................................ 122
2. Superior Tribunal de Justiça – Homicídio Qualificado. Ocultação de
Cadáver. Fraude Processual. Conexão. Art. 366 do CPP. Produção
Antecipada de Provas. Urgência da Medida Não Demonstrada.
Constrangimento Ilegal. Nulidade
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz............................................................................. 126
3. Superior Tribunal de Justiça – Feminicídio. Prisão Preventiva. Garantia
da Ordem Pública. Gravidade Concreta. Modus Operandi. Feminicídio
Premeditado. Motivo Fútil. Ameaças a Parentes das Vítimas
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro...................................................................... 131
4. Superior Tribunal de Justiça – Denúncia. Organização Criminosa e
Fraude à Licitação. Atipicidade da Conduta. Nulidade da Decisão que
Recebeu a Denúncia. Desnecessidade de Motivação Extensa do Ato que
Acolhe a Inicial. Inocorrência de Ilegalidade
Rel. Min. Ribeiro Dantas....................................................................................... 137
5. Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Descaminho. Natureza Formal.
Desnecessidade de Constituição Definitiva do Crédito Tributário.
Indícios de Autoria e Materialidade. Recebimento da Denúncia
Relª Desª Fed. Simone Schreiber............................................................................. 146
6. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Receptação. Art. 180, Caput,
do CP. Ausentes os Pressupostos da Prisão Preventiva. Fiança Afastada.
Substituição por Medidas Cautelares Diversas. Ratificação da Liminar
Rel. Des. Rogério Gesta Leal.................................................................................. 152
7. Tribunal de Justiça de São Paulo – Violência Doméstica. Lesão
Corporal Leve. Pena-Base Fixada no Mínimo Legal a Míngua de
Maus Antecedentes. Regime Aberto e Suspensão Condicional da
Pena. Afastada a Prestação de Serviços à Comunidade como Condição
Obrigatória ao Sursis
Rel. Des. Cesar Augusto Andrade de Castro............................................................ 156
8. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 161
9. Ementário............................................................................................................ 162
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 189
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 190
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 191
Doutrina

Prisão em Segunda Instância Versus


Justiça como Liberdade e a Garantia
Máxima da Personalidade pela Presunção
da Inocência

Marcelo Negri Soares


Advogado; Orientador e Pesquisador do ICETI, Next Seti e
FAPESP; Professor do Programa de Mestrado e Doutorado
em Direito UniCesumar; Pós-Doutorado pela Uninove/SP
(2017); Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (2013); Mestre pela PUC-SP (2005); Graduado pela
Universidade Estadual de Maringá/PR (1997); Especialista
em Direito Processual pela Universidade Paulista (1998), em
Direito Comercial pelo Mackenzie (2006), em Direito Público
pela Escola Federal de Direito (2008). Professor Visitante da
Coventry University (UK), no Programa de Doutorado em
Direito, Administração e Negócios; Membro do IBDC e IBCJ.

Maurício Ávila Prazak


Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade Autônoma de
Direito do Estado de São Paulo (FADISP); Pós-Graduado
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC),
bem como pela Faculdade Autônoma de Direito do Estado de
São Paulo (FADISP); Graduado pela Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (USP); Professor e Orientador
nas áreas de Direito Empresarial, Direito Societário e Direito
Comercial; Coordenador e Professor nos Cursos de Pós-
Graduação na Escola Paulista de Direito.

Patrícia Jorge da Cunha Viana Dantas


Graduação em Direito pela Universidade do Estado de Mato
Grosso (2002); Pós-Graduada Lato Sensu em Direito
Público e Privado pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de
Jesus (2005), em Direito Processual Civil pala Universidade
do Sul de Santa Catarina (2008) e em Direito Público pela
Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Gerente
Jurídico do Grupo Empresarial Cometa, desde fevereiro/2004.

RESUMO: O Supremo Tribunal Federal, em 2009, decidiu que prisão somente


é possível após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em 2016,
a Suprema Corte profere julgamento permitindo prisão em segunda instância.
Em 2018, o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva é preso após
condenação criminal confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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Em 2019, a cúpula do Judiciário volta a proibir prisão em segunda instância e


o ex-Presidente é solto. Paralelamente, é proposta na Câmara dos Deputados
duas Emendas à Constituição para alteração do dispositivo da presunção de
inocência, as quais foram arquivadas pela comissão de constituição e justiça e
cidadania por tratar-se de cláusula pétrea. Em seguida, foi apresentada Emenda
à Constituição para extinção dos recursos extraordinário e especial, a fim de
que a decisão de segunda instância transite em julgado e, por consequência, se
torne legítima a execução da sentença penal condenatória. No Senado Federal,
discute-se projeto de lei para alteração do art. 283 do Código de Processo Penal
visando admitir prisão em segunda instância. Disseminam-se discursos de que
o atual modelo de prisão somente se aplica aos pobres e, via inversa, impunidade
aos ricos. Sopram os ventos de desestruturação da base democrática e, portanto,
da isonomia, cidadania e liberdade. Nesse ambiente, utilizando-se do método
dedutivo, busca-se no presente artigo, inicialmente, analisar a força normativa
da constituição em uma sociedade democrática. Em seguida, percorre-se pelas
origens, conceitos e aplicabilidade da cidadania e do princípio isonômico. Ao
final, contextualiza-se a justiça como liberdade para garantia da personalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Personalidade. Democracia. Igualdade. Cidadania. Prisão.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Democracia e a Força Normativa da Constituição.


3 Cidadania: Origens, Conceitos e seus Enlaces com a Igualdade. 4 A Igualdade
no Estado Democrático de Direito. 5 Justiça como Liberdade e a Garantia da
Expressão Máxima da Personalidade. 6 Conclusões. 7 Referências Bibliográficas.

1 Introdução
Hodiernamente, o Brasil passa por um momento de efervescência
jurídica, política e social em decorrência das constantes alterações de enten-
dimento do Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade de prisão após
condenação em segunda instância. Há intensa mobilização social envolvendo
cidadãos, parlamentares, juízes, promotores, Ordem dos Advogados do Brasil,
juristas, associações, militância digital, entre outros, no exercício da expressão
máxima da cidadania inerente ao regime democrático.
Essa agitação decorre das inúmeras consequências que o direcionamen-
to legislativo e judicial pode ocasionar, como, por exemplo, a insegurança da
sociedade, convivendo com criminosos impunes, megalotação do sistema
prisional, mitigação do direito fundamental à liberdade, isonomia de garantia
legal aos criminosos pobres e ricos, prisão e/ou soltura do ex-Presidente da
República Luiz Inácio Lula da Silva e demais políticos que são processados
criminalmente pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que assolam
o país. Discursos de que a “justiça no Brasil somente se efetiva para os ricos” e,
“prisão se concretiza para os pobres”, são reiteradamente difundidos pela mídia.
A recente decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal (07.11.2019)
nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 45 foi acirrada e, por
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 7

6 votos a 5, declarou-se a constitucionalidade da regra do Código de Processo


Penal que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso para o
início da execução da pena.
Na Câmara dos Deputados, por sua vez, tramitaram os projetos de
Emenda à Constituição ns. 410/2018 e 411/2018, que visavam alterar o inciso
LVII do art. 5º da Constituição Federal, que prevê a presunção de inocência até
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Os referidos projetos
foram arquivados pela comissão de constituição e justiça e cidadania, pois o
dispositivo constitucional que se visava alterar trata-se de cláusula pétrea e,
portanto, insuscetível de alteração pelo Poder Constituinte Derivado.
Diante disso, foi proposta a Emenda à Constituição nº 199/2019, que
visa extinguir os recursos extraordinário e especial, transformando-os em
ação revisional, de modo a operar-se o trânsito em julgado com o acórdão
em segunda instância, possibilitando, por conseguinte, a imediata execução
da pena. No Senado Federal tramita o Projeto de Lei nº 166/2018, visando
alterar o art. 283 do Código de Processo Penal, a fim de que seja possível a
prisão em segunda instância.
As convicções, juízos e julgamentos tanto na Suprema Corte quanto
na Câmara dos Deputados e Senado Federal divergem. Juristas e experts tam-
bém. Alguns cidadãos são manobrados pela mídia, outros são vítimas de fake
news, o que ocasiona insegurança nas tomadas de decisões pela via ortodoxa
democrática.
De outro turno, a verdadeira cidadania se dá com a participação do
povo em busca de liberdade e de seus direitos, visando um futuro melhor. O
povo grita, os interesses de grupos também, o poder legislativo os ouve e a
opinião pública eclode. Isso é garantia de Estado Democrático de Direito ou
verdadeiro abalo das estruturas democráticas?
Nesse contexto, a presente pesquisa tem por finalidade indagar: Em
que medida o exercício da cidadania, consubstanciada na opinião pública, é
instrumento de efetivação da igualdade? A forma de expressão democrática
defendida por Perter Häberle e a influência da opinião pública sobre o Poder
Público abala a eficácia normativa da Constituição Federal? É possível assegurar
igualdade legislativa para cidadãos que não possuem as mesmas oportunidades?
O presente estudo realiza abordagem sobre a democracia e a força nor-
mativa da constituição. Ato contínuo, trata das origens e conceito de cidadania
e seus enlaces com a igualdade. Prossegue cavalgando na essência do princípio
da isonomia, suas origens, conceitos e aplicabilidade. Finaliza com explanação
sobre igualdade e liberdade como consectários da justiça.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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Partindo-se da importância da força normativa da Constituição Federal


e utilizando-se do método dedutivo e referências bibliográficas, esta pesquisa
busca demonstrar que a prisão após o esgotamento das possibilidades de re-
curso trata-se de garantia dos valores supremos declarados pela Constituição
Federal de 1988, consubstanciados no direito do exercício pleno de cidadania,
isonomia, liberdade e justiça como expressão máxima da personalidade.

2 A Democracia e a Força Normativa da Constituição


O Brasil vive turbulência jurídica e política. Não obstante a Constituição
Federal elencar em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado
culpado, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, o que
denominou-se, doutrinariamente, de princípio da presunção de inocência e,
mesmo sendo considerado o referido direito fundamental cláusula petrificada,
em apenas uma década (2009-2019) ocorreram três decisões do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema, ora decidindo ser possível a prisão em segunda
instância, ora pelo contrário.
A última decisão da Suprema Corte proferida em novembro/2019, após
extenso debate, acompanhado em tempo real por milhões de brasileiros pela
mídia nacional e também pela mídia internacional, após longos debates em
todos os meios de comunicação, por juristas, políticos, grupos em geral e ci-
dadãos, por decisão acirrada de 6 votos a 5, foi declarada a constitucionalidade
do art. 283 do Código de Processo Penal.
Como a referida decisão repercute na soltura do ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, os debates sobre o tema são intensos e ecléticos, por vezes
defendem a isonomia de tratamento, tendo em vista que no Brasil muitos
criminosos não são presos em decorrência da interposição de recursos que
acabam culminando com a prescrição punitiva dos que contratam advogados;
outros, defendem que deve-se garantir a segurança jurídica.
Paralelamente às acirradas discussões na Suprema Corte, também os
Parlamentares, no Congresso Nacional, buscam meios legais para legitimar a
prisão em segunda instância. Os debates em ambas as casas legislativas foram e
têm sido intensos, com a participação de juristas e experts, tudo acompanhado
em tempo real através da mídia e da rede mundial de computadores.
Em 27.03.2018, o Deputado Federal Alex Manente (2018) realizou a
proposta de Emenda à Constituição nº 410/2018, a fim de alterar o inciso
LVII do art. 5º da Constituição Federal sob a seguinte redação: “ninguém
será considerado culpado até a confirmação da sentença penal condenatória
em grau de recurso”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 9

Logo em seguida, na data de 03.04.2018, o Deputado Federal Onyx


Lorenzoni (2018) apresenta Emenda à Constituição nº 411/2018, visando
também alterar o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, no sentido
de inverter a presunção de inocência se mantida a sentença de 1º grau pelo
Tribunal, devendo o réu iniciar imediatamente o cumprimento da pena.
Ocorre que a Constituição Cidadã de 1988 ressaltou a “vontade de
constituição” (HESSE, 1991, p. 19) e sua força normativa inquebrantável nas
cláusulas pétreas. Os direitos que foram petrificados, como é o caso dos direitos
e garantias individuais, não podem ser objeto de deliberação à proposta de
Emenda que tenha por finalidade aboli-los (FACHIN, 2019, p. 238), como é
o caso do art. 5º, inciso LVII, o qual preceitua que: “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Diante disso, a comissão de constituição e justiça e cidadania da Câmara
dos Deputados reconheceu que o inciso LVII do art. 5º da Constituição Fede-
ral, inserido no rol dos Direitos e Garantias individuais, trata-se de cláusula
pétrea – art. 60, § 4º, inciso IV, da CF, não podendo ser alterado pelo Poder
Constituinte Derivado, sendo, por conseguinte, arquivadas.
Consequentemente, o Deputado Federal Alex Manente (2018), em
19.11.2019, exibiu nova proposta de Emenda à Constituição de nº 199/2019,
agora, visando extinguir os recursos extraordinário e especial, transformando-
os em ação revisional, de modo que o acórdão proferido em 2º grau será
transitado em julgado e, por consectário, a execução da pena se torna imediata.
No Senado Federal, o Senador Lasier Martins (2018) enunciou Projeto
de Lei nº 166/2018, visando alterar o art. 283 do Código de Processo Penal, a
fim de disciplinar a prisão após a condenação em segunda instância.
Dessa forma, atualmente, tramitam dois projetos, sendo um na Câmara
dos Deputados, que visa extirpar os recursos extraordinário e especial, acarre-
tando, em consequência, o trânsito em julgado do acórdão penal condenatório
de 2º grau, com execução imediata da pena. E o projeto de lei que tramita no
Senado Federal, visando alterar o art. 283 do Código de Processo Penal para
permitir a execução provisória da sentença penal condenatória.
Ambos mitigam os direitos de cidadania plena e restringem a liberdade.
A Emenda à Constituição nº 199/2019 mutila o direito de recorrer às instân-
cias extraordinárias. O Projeto de Lei nº 166/2018, que permite a execução
provisória da pena, viola o princípio constitucional da presunção de inocência.
Nesse contexto, propõe-se através da presente pesquisa perquirir se
as referidas proposições estão abalando as estruturas do Estado Democrá-
tico de Direito, na medida em que estar-se-á ceifando a força normativa da
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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Constituição Federal; ou, se é a mais pura essência da democracia, pela qual


o Congresso Nacional, recepcionando parte da opinião pública, com oitivas
de juristas e grupos de interesses socais e políticos, concluiu-se por realizar
as referidas propostas legislativas.
Para validação da democracia, imprescindível que se garanta a força nor-
mativa da Constituição Federal. Um Estado de Direito Democrático somente
se legitima se a lei maior do Estado for inquebrantável, não se sujeitando aos
interesses políticos. Nesse sentido, a doutrina aponta1:

“Todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram


compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Cons-
tituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se
incômoda. Como anotado por Water Burckhardt, aquilo que é identificado
como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo
que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas
vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em
favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à
Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado,
mormente ao Estado Democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe
a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito
mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais
será recuperado.” (HESSE, 1991, p. 19-22)

A especialização de interesses menores e individuais, privilegiados


com status constitucional, acaba por produzir um esforço muito maior na
atualização do texto constitucional, que deve ser constante, mas que, com
força avassaladora, acaba por desvalorizar a normatividade da constituição,
que se mistura e se confunde entre matérias típicas de legislação infraconsti-
tucional, como vem ocorrendo no Brasil que, em apenas uma década, houve
três decisões conflitantes pelo Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em
segunda instância.

1 “A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente.
(...) Embora a constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se
em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta
segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de
conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Cons-
tituição converter-se-á em força ativa se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência
dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (wille zur macht), mas também
a vontade de constituição (wille zur Verfassung). Essa vontade de constituição origina-se de três vertentes diversas.
Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado
contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais
do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação).
Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não
logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.” (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar
Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 19).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 11

Ocorre que a Constituição Federal não significa simples pedaço de


papel (LASSALE, 2007, p. 17). Ao contrário, a sua força normativa lhe garante
a eficácia mesmo em situações de confronto.
Insere-se, ainda, a interpretação como fator decisivo para a preservação
da força normativa da Constituição, posto que as transformações das relações
fáticas provocam mudanças na interpretação das normas constitucionais. Con-
tudo, há limite na interpretação, não sendo permitido usurpar parcialmente
precedente normativo ou lhe dar interpretação que colida com a “vontade de
constituição” (HESSE, 1991, p. 21-25).
Porém, atualmente, tem-se adotado a interpretação constitucional de-
senvolvida por Peter Häberle, segundo o qual a hermenêutica constitucional
adequada à sociedade pluralista, como é o caso do Brasil, deve ser realizada
não somente pelos juízes e tribunais, como também pelos cidadãos, grupos de
interesses, opinião pública, todos atuando, ao menos, como pré-intérpretes do
complexo normativo constitucional, pois quem vive a normatividade não pode se
esquivar de uma interpretação ou, ao menos, beber de uma boa interpretação
e apor suas críticas. Oportuno também destacar:

“No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vincu-


lados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos
e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado
com numerus clausus de intérpretes da Constituição. (...) os critérios de
interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais
pluralista for a sociedade.” (HÄBERLE, 2002, p. 13)

Ressalta, ainda, que a opinião pública democrática e pluralista e o


processo político são grandes estimuladores, como, por exemplo, a mídia –
imprensa, rádio, televisão, WhatsApp, Facebook, Instagram e os demais meios
de comunicação cibernéticos demonstram as opiniões de leitores por cartas e
pelos próprios canais de comunicação.
Os cidadãos e os grupos em geral não possuem, em regra, legitimação
democrática para a interpretação da constituição em sentido estrito. Ocorre
que a democracia não se exercita apenas pelas eleições, mas também por todas
as formas de “mediação do processo público e pluralista da política e das práxis
cotidiana” (HÄBERLE, 2002, p. 36).
A interpretação democrática, como a influência da mídia, transforma e
dá atualização da norma constitucional sem que seja necessária a alteração do
texto. Nesse sentir, os interesses políticos dominantes, apesar de válidos, não
têm a legitimação para retirar e tampouco para diminuir a força normativa
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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da Constituição Federal, a qual é mais ainda consistente, quando se trata de


cláusula petrificada.
Nenhum interesse particular ou interesse de grupos políticos justifica
a violação da cláusula pétrea. Se um pequeno grupo não quer condenados
provisórios soltos, deve prevalecer o texto constitucional. Então, como
destaca Ferrajoli (2001, p. 9)2, os Direitos fundamentais são substanciais ao
Estado de Direito e à democracia constitucional, denominando-os de esfera do
indecidível, pelo qual a disposição da liberdade (bem como os demais direitos
fundamentais) não pode ser ditada por nenhuma maioria política; sendo nula
a decisão que ordenar o recolhimento do cidadão, fruto de condenação sem
prova. Sobreleva, por consequência, que esses direitos não se legitimam pelo
Estado (ou para o Estado), mas para os cidadãos ou jurisdicionados, que pode
se voltar contra o próprio Estado. Os Direitos Fundamentais são consectários
da “dimensão substancial da democracia”, uma vez que correspondendo aos
interesses e expectativas de todos, tornam-se parâmetro de igualdade jurídi-
ca. Tais direitos têm por objetivo garantir as necessidades vitais como vida,
liberdade e sobrevivência, e, para serem garantidos, não podem subsumir-se
ao Estado, tampouco às decisões das maiorias (FERRAJOLI, 2004, p. 51).
O ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal – Eros Grau3, em seu
voto no Habeas Corpus 84.078, destaca a importância da força normativa
da Constituição Federal, exarando em tom de trocadilhos que “somente um
desafeto da constituição admitiria que alguém fosse considerado culpado antes
do trânsito em julgado”.
A importância da força normativa da constituição fica evidente no exer-
cício da cidadania, classificando-a em três momentos jurídico-políticos. No
primeiro, encontram-se os direitos humanos nos aspectos moral e valorativos
do reconhecimento normativo imprescindível à integração dos indivíduos e

2 “Se as regras sobre a representação e sobre o princípio da maioria são normas formais sobre aquilo que podemos
chamar de a esfera do indecidível: do não decidível que, ou seja, das proibições correspondentes aos direitos de
liberdade, e do não decidível que não, das obrigações públicas correspondentes aos direitos sociais.” (FERRAJOLI,
Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais. Trad. Alexandre Salim et al. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001.)
3 “(...) Aliás, a nada se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que alguém viesse a ser considerado culpado e
ser culpado equivale a suportar execução imediata da pena anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei,
nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao
que dispõe o inciso LVII do seu art. 5º. Apenas um desafeto da Constituição – lembro-me aqui de uma expressão de
Geraldo Ataliba, exemplo de dignidade, jurista maior, maior, muito maior do que pequenos arremedos de juristas
poderiam supor – apenas um desafeto da Constituição admitiria que ela permite seja alguém considerado culpado
anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Apenas um desafeto da Constituição admitiria
que alguém fique sujeito a execução antecipada da pena de que se trate. Apenas um desafeto da Constituição.” (STF,
HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, 2009)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 13

grupos. Em seguida, a incorporação dos referidos direitos ao texto constitucio-


nal como direitos fundamentais. Por fim, a força normativa da Constituição.
O exercício da cidadania tem ligação íntima com a realização, no
plano fático, das normas constitucionais, especialmente quanto aos direitos
fundamentais, posto que “havendo bloqueios do processo de concretização
constitucional por fatores políticos, econômicos e culturais, a reprodução
autônoma do direito não se realiza” (NEVES, 2008, p. 182).
Assim, a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição não tem
legitimidade para retirar a força normativa do art. 5º, caput (igualdade e li-
berdade) e inciso LVII (princípio da inocência), art. 1º, inciso II (cidadania),
todos da Constituição Federal, elencados em seu preâmbulo como valores
supremos e, se assim o fosse, abalar-se-ia a democracia no Brasil, posto que a
Constituição cidadã, que veio após luta contra o totalitarismo, correria sérios
riscos, na linha de Lassale, de se tornar mera folha de papel.

3 Cidadania: Origens, Conceitos e seus Enlaces com a Igualdade


O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 126.292
(2016), declarou a possibilidade de execução provisória, no âmbito penal,
de acórdão condenatório em grau de apelação, o qual vem repercutindo nas
decisões do sistema judiciário brasileiro. O cidadão, a partir de então, passa
ter seu direito fundamental à liberdade ceifado, mesmo que ainda não tenha
ultimado o seu direito de recorrer às instâncias extraordinárias.
Não obstante a alteração do entendimento pelo Supremo Tribunal
Federal, que na condição de última trincheira da cidadania passou a legitimar
a prisão somente com o trânsito em julgado, o Congresso Nacional pretende
alterar a legislação processual penal e a própria Constituição Federal para
conceder a prisão após decisão em segunda instância.
Como afirmado pelo ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros
Grau (2009, p. 2), no julgamento do Habeas Corpus 84.078, “nas democracias
mesmo os criminosos são sujeitos de direito”. Isso, porque todo cidadão tem
direito de ter direitos, sendo “inadmissível a sua exclusão social, sem que
sejam consideradas as singularidades de cada infração, o que somente se pode
apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual”.
Assim, tolhendo o direito do cidadão de viver em liberdade sem que
seja declarado culpado e/ou impedi-lo de recorrer às instâncias extraordinárias,
estar-se-á retirando o seu direito de ser cidadão, na medida em que para ser
cidadão deve “ter o direito de ter direitos”, sendo necessário, nesse diapasão,
buscar as origens e conceitos de cidadania.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
14

Assim como a democracia, também a cidadania, a igualdade e a liberdade


são conceitos que vêm sendo construídos ao longo de um processo histórico
em permanente evolução, todos entrelaçados.
Segundo Marshall (1967, p. 67 e 79), o conceito de cidadania é dividido,
historicamente, em três fases: a civil, nela incluindo o direito à liberdade indi-
vidual (direito de ir e vir) e o direito à justiça, enfatizando para este último, o
direito à igualdade e ao devido processo legal; o político, consistindo no direito
de participar do poder político, seja como membro ou como eleitor; e, por
fim, o social, espesso no direito ao mínimo do bem-estar econômico. Assim,
a cidadania desde a sua forma inicial constitui um princípio de igualdade.
A concepção de cidadania remonta a antiguidade. Na Grécia clássica,
a partir do século VIII a.C., houve o reconhecimento a um pequeno nú-
mero de habitantes (cidadão varões com progenitores cidadão) de expressar
ideias políticas, votar e participar dos tribunais, com exclusão das mulheres,
demais filhos varões, escravos e estrangeiros. Em Roma, no ano 509 a.C.,
com a alteração do regime monarca para República, o conceito de cidadania
estava ligado ao direito de participação restrita aos homens livres – patrícios
e, depois de lutas por direitos, ampliada para os plebeus. A seu turno, no que
tange à modernidade surge a figura do cidadão liberal pelo qual a cidadania
é estabelecida na igualdade e no exercício da liberdade religiosa, política,
econômica, livre de qualquer intervenção. O cidadão é o principal destina-
tário e usufrutuário dos direitos decorrentes dos supraprincípios liberdade e
democracia. Modernamente, há outros modelos de cidadania, como é o caso
do republicano defendido por Habermas, o qual tem o cidadão como alguém
que participa ativamente da configuração da direção futura de sua sociedade
através do debate e da elaboração de decisões políticas e, o modelo de cida-
dão comunitário, que compreendem crenças morais publicizadas perante o
grupo a que pertence, legitimando a interpretação do ordenamento jurídico
(GORCZEVSKI, 2011, p. 40-52).
Há, ainda, o modelo multicultural ou cosmopolita de cidadania cons-
truído em torno da ideia do pluralismo, englobando diferentes formas de
vida, concepções de mundo, identidades culturais, códigos avaliativos, entre
outros. A história da cidadania, assim, é a luta dos movimentos sociais visando
alcançar a inclusão de todos no status da cidadania plena, sob igual proteção
da lei, refletindo as necessidades sociais tanto das classes mais baixas como
também da segurança das classes dominantes (AÑÓN, 2008, p. 10). Assim,
importante lembrar, como defende Silva (2007, p. 35), que o conceito de
cidadania está diretamente vinculado ao princípio democrático, motivo pelo
qual se diz que a cidadania é atributo oriundo da própria soberania popular.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 15

Nesse contexto, extrai-se que ser cidadão é ter direito à liberdade, igual-
dade e justiça. É viver em democracia. É ter direito de participar ativamente do
futuro da sociedade, seja pelo voto, pela participação em debates, indo às ruas,
pela rede mundial de computadores, aplicativos de celular, como WhatsApp –
demais sistemas de interação com o mundo – Instagram, Facebook, etc., pela
televisão ou rádio. É a cidadania pluralista em um sistema republicano, como
é o caso do Brasil.
Contudo, a cidadania multicultural, pluralista, de integração entre
indivíduos e grupos não sobrepõem ao direito individual à liberdade. Não
por menos, o preâmbulo da Constituição Federal, ao instituir o Estado De-
mocrático, assegurou o exercício do direito à liberdade, à igualdade e à justiça
como valores supremos.
Dessa forma, o direito à cidadania está acima dos direitos políticos e
sociais, cabendo ao Estado, utilizando-se de meios capazes de assegurar a efe-
tividade da justiça e a segurança da sociedade em face dos criminosos, tornar
o sistema penal eficaz, sem mitigar a liberdade do cidadão.
Dessa forma, a Emenda à Constituição nº 199/2019 e o Projeto de Lei
nº 166/2018 são inconstitucionais por violar a cidadania, valor supremo do
Estado Democrático de Direito.

4 A Igualdade no Estado Democrático de Direito


Um dos argumentos dos defensores da legitimação da execução provisó-
ria da pena de prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condena-
tória cinge-se no fato de que o sistema prisional brasileiro não tem funcionado
adequadamente, fazendo com que a sociedade perdesse a confiança na justiça
criminal. Então, a impossibilidade da execução da pena antes do trânsito em
julgado é um incentivo à interposição de recursos protelatórios que, muitas
vezes, culminam com a prescrição punitiva, acarretando, por consequência,
impunidade, o que é aproveitado pelos réus ricos, que dispõem das melhores
bancas de advogados para elaborar defesas sucessivas, até com excesso de acesso
à via recursal. Enquanto o réu pobre, por óbvio, não tem dinheiro e não pode
contar com a defensoria pública para encampar estratégias de procrastinação
do processo. O fundamento para execução provisória da condenação penal
após a decisão de segunda instância tornaria o sistema punitivo brasileiro mais
igualitário (BARROSO, 2019, p. 79, 89 e 92).
Em discurso na Câmara dos Deputados, o Deputado Capitão Alberto
Neto (2019) prolata opinião sobre a prisão apenas com o trânsito em julgado,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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afirmando que “na verdade, a tramitação penal ficaria inviável apenas para
que tem dinheiro”.
Nesse diapasão, a pesquisa cinge-se em buscar a essência do princípio
da igualdade, suas origens, conceitos e aplicabilidade, para aferir se a prisão em
segunda instância é um instrumento de efetivação do princípio da igualdade,
ou lado oposto, trata-se de violação à isonomia.
A ideia de igualdade como mandamento constitucional deu-se, inicial-
mente, por Hobbes, no século XVII e, posteriormente, por Locke, os quais
defendiam que todos os homens eram livres e iguais na natureza, acarretando a
desigualação apenas quando da passagem para o estado civil, a fim de obter-se
a paz, segurança, liberdade e propriedade (TABORDA, 1999, p. 251).
Rousseau teorizou a igualdade, considerando, para tanto, as desigual-
dades naturais ou físicas (saúde, física, espírito) e desigualdades morais ou
política, que são as estabelecidas pela lei4.
No século XVIII, Kant desenvolveu o conceito de igualdade atrelado
à liberdade, segundo o qual, o direito é o conjunto das condições em que a
vontade de um deve estar de acordo com a do outro, segundo uma lei geral
da liberdade limitada pelo critério da igualdade (TABORDA, 1998, p. 252).
As garantias dos direitos de liberdade garantem a igualdade formal ou
política. Trata-se do direito à diferença, ou seja, do direito de ser si mesmo e
permanecer diferente dos outros. Já as garantias dos direitos sociais permitem
uma igualdade substancial ou social, que são os direitos à compensação de de-
sigualdades e, portanto, tornam-se iguais aos outros nas condições mínimas de
vida e sobrevivência. Em todos os casos, a igualdade legal, formal e substancial
pode ser definida como igualdade nos direitos fundamentais (AÑÓN, 2008).
De acordo com Neves (2008, p. 167), pelo conceito de Estado Demo-
crático de Direito, o princípio da igualdade é jurídico-política, destacando que
a “homogeneidade estratificada” é incompatível com o princípio constitucio-
nal da igualdade, posto que é justamente na heterogeneidade e pluralidade
da sociedade com diversidade de valores, interesses, crenças e etnias, que se
tornará possível a implantação do princípio da isonomia.

4 “Eu concebo na espécie humana duas espécies de desigualdades: uma, que chamo natural ou física, porque foi
estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças corporais e das qualidades
do espírito e da alma; outra, a que se pode chamar de desigualdade moral ou política, pois que depende de uma
espécie de convenção e foi estabelecida, ou ao menos autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos
diferentes privilégios desfrutados por alguns em prejuízo dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados,
mais poderosos que estes, ou mesmo mais obedecidos.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos.
São Paulo: Cultrix, 2004. p. 143)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 17

Ferrajoli (2001) descreve quatro modelos explicativos de tratamento de


diferenças que geram desigualdades: o primeiro, refere-se à indiferença legal
à diferença. As diferenças não são valorizadas, nem protegidas; não protegi-
das, elas são simplesmente ignoradas; o segundo, regula as diferenças como
privilégios ou como discriminações, transformando-as em desigualdades; o
terceiro, trata-se da homologação legal das diferenças, pelo qual todos são
tratados de forma igualitária, ainda que sejam diferentes; pelo quarto mo-
delo, há o reconhecimento de que, de fato, as pessoas não são iguais e que
estão em diferentes situações e condições, de modo que a identidade de cada
pessoa é dada por sua diferença. As diferenças não são ignoradas tampouco
discriminadas.
O destinatário primeiro do princípio isonômico é o legislador, posto
que nenhuma lei pode ser editada em desconformidade com a isonomia.
Destina-se, ainda, ao aplicador da lei, bem como nivela os cidadãos diante da
norma legal posta. Disso emerge que os indivíduos devem receber paridade
de tratamento, sendo proibido em situações equivalentes decidir de forma
diversa (MELLO, 2017, p. 9).
Assim, pelo dever de igualdade na criação do direito, mister se faz que
todas as pessoas sejam tratadas de forma igual pelo legislador. Isso não quer
dizer, contudo, que o legislador esteja obrigado a inserir todos os indivíduos
na mesma posição jurídica, tampouco que tenham as mesmas características
e estejam nas mesmas condições fáticas (ALEXY, 2006, p. 396).
A igualdade formal proíbe fazer diferenciações, enquanto que a igual-
dade material tem um conteúdo positivo, consistente em dar relevância aos
fatores de diferenciação. Surgindo, assim, a necessidade de equalização do
princípio da igualdade (AÑÓN, 2008).
Podemos destacar alguns critérios de identificação do desrespeito à
isonomia pelo legislador, quais sejam: a) correlação lógica entre o fator de
discrímen e a desequiparação procedida; b) isonomia e fator de discriminação
e; c) consonância da discriminação com os interesses protegidos na Cons-
tituição. Pelo primeiro critério, as discriminações serão compatíveis com o
princípio da igualdade apenas quando existir um vínculo de correlação lógica
entre o fator de discrímen e a desigualdade de tratamento e desde que não
esteja incompatível com a Constituição Federal, sendo vedada desequiparações
arbitrárias. Exemplifica Neves (2008, p. 174) que a “discriminação social nega-
tiva com obstáculos reais ao exercício de direitos, justifica-se a discriminação
jurídica afirmativa em favor de determinados indivíduos e grupos”, havendo
correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida
(MELLO, 2017, p. 17 e 25).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
18

O denominado fator de discrímen desenvolvido por Mello é designado por


Alexy (2006, p. 396) como “problema de valoração”, no sentido de que uma
“diferenciação é arbitrária, e, por isso, proibida, se não for possível encontrar
fundamento para ela”. Dessa maneira, se não existir uma justificativa que se
admita a diferenciação, ou seja, se não existir uma razão, o tratamento igual
é obrigatório. Por outro lado, havendo “razão suficiente para o dever de um
tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório” (ALEXY,
2006, p. 410).
As diferenças dizem respeito à identidade das pessoas, enquanto que
as desigualdades são atinentes às disparidades das condições sociais. As desi-
gualdades sobrevivem em decorrência da neutralização das diferenças. Assim,
não se é permitido toda e qualquer diferenciação, mas, sim, um meio termo
que encontra-se no conceito aristotélico de tratar igualmente os iguais e de-
sigualmente os desiguais (AÑÓN, 2008).
Assim, considerando que o destinatário primeiro do princípio da iso-
nomia é o legislador, mister se faz perquirir se o atual art. 283 do Código de
Processo Penal, que autoriza a prisão somente em flagrante delito, cautelar e
por sentença penal condenatória transitada em julgado, é contrário à isonomia,
levando-se em consideração que o cidadão pobre não possui recursos para
contratar advogado e, conforme relatado por Barroso (2019), a Defensoria
Pública não recorre às instâncias extraordinárias por falta de estrutura.
O art. 283 do Código de Processo Penal não descreve nenhuma desi-
gualdade de tratamento para a execução de pena de sentença penal condena-
tória, seja pobre ou rico, a consequência legal é a mesma. Trata-se, portanto,
de um dispositivo de lei que consagra a igualdade de tratamento sem qualquer
diferenciação em decorrência da ausência de fator de discrímen ou de dife-
renciação. Contudo, o Estado fornece advogado público ao pobre. Portanto,
a desigualdade de tratamento não se dá no art. 283 do Código de Processo
Penal, mas, sim, no art. 24, inciso XIII, da Constituição Federal, que concede
ao pobre advogado público.
O Defensor Público que é concedido aos menos afortunados deve
utilizar-se de todos os meios de defesa legítimos, comprovando-se, assim,
a correlação lógica entre fator de discrímen – pobreza e a desigualdade de
tratamento consubstanciada no advogado público gratuito. Assim, o preceito
constitucional que fornece defensor público ao pobre, não foi indiferen-
te à diferença. Ao contrário, as diferenças foram valorizadas e protegidas,
equalizando-as.
Dessa forma, o direito à igualdade tão utilizado nos discursos dos
adeptos da execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 19

segunda instância, inclusive para justificar o Projeto de Lei nº 166/2018, que


visa alterar o art. 283 do Código de Processo Penal, não tem amparo consti-
tucional.
Quanto ao critério isonomia e fator de discriminação, Mello (2017, p. 25)
aclara que se deve avaliar que a igualdade visa, de um lado, dar vasão à aplica-
ção dos direitos fundamentais e, de outro, inibir o favoritismo. Destaca que as
regras gerais nunca ofendem a igualdade em razão da individualização abstrata
do destinatário; já a lei individual poderá, ou não, se compatibilizar com o prin-
cípio da igualdade. Será compatível no caso de “evento futuro, indeterminado
e indeterminável e será violadora da igualdade se referir a sujeito único atual,
determinado ou determinável. Além do mais, as situações ou pessoas desequi-
paradas pela lei devem ser distintas entre si” (MELLO, 2017, p. 25).
O terceiro critério desenvolvido por Mello (2017, p. 42) é o de que não
basta a “correlação lógica entre o critério desigualador – desigualdade de tra-
tamento” e inexistência de favoritismo, mas também que o vínculo seja cons-
titucionalmente pertinente. Cita-se, por exemplo, a introdução de vantagens
competitivas em grupos desfavorecidos, com fundamento constitucional de
integração igualitária de todos os cidadãos no Estado e na sociedade em geral5.
Nessa turbulência jurídica, política e social que encontra-se o Brasil
atualmente, vê-se frentes políticas interessadas em aprovar o Projeto de Lei
nº 166/2018, que tem por fim alterar o art. 283 do Código de Processo Penal
para que haja execução provisória da pena em segunda instância e a Emenda
Constitucional nº 199/2019, que visa extirpar o recurso extraordinário e es-
pecial com a finalidade precípua de obter o trânsito em julgado em segunda
instância e com isso iniciar a execução da pena.
Com isso, avalanches de notícias (2019) são vinculadas pelos diversos
meios de comunicação de que a decisão da Suprema Corte privilegia o ex-
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e outros presos ligados à
operação da Lava-Jato, que levou políticos à prisão no Brasil e, lado oposto,
a Lei nº 166/2018 e Emenda à Constituição nº 199/2019 devolveria o ex-
Presidente à prisão e demais políticos presos.
Não obstante o Projeto de Lei nº 166/2018 e a Emenda Constitucional
nº 199/2019 tratarem-se de lei geral o que, em tese, presumiria serem isonô-

5 “Embora se trate de um paradoxo, pois a presença de setores discriminados importa limites à construção de uma
esfera pública pluralista, as discriminações legais afirmativas ou inversas justificam-se com base no princípio da
igualdade enquanto reagem proporcionalmente às discriminações sociais negativas contra os membros desses grupos
e desde que objetivem à integração jurídico-política igualitária de todos os cidadãos no estado e, abrangentemente,
na sociedade, servindo, portanto, à construção e ampliação da cidadania.” (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã:
uma relação difícil. O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins,
2008. p. 174)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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micas, devem ser analisadas pelo critério desenvolvido por Mello (2017, p.
25) denominado de “isonomia e fator de discriminação”, pelo qual a igualdade
deve visar, de um lado, dar garantia aos direitos fundamentais e, de outro,
tolher favoritismo”. Isso significa que não se pode editar leis e Emendas à
Constituição que tenha por finalidade sujeitos determináveis de modo que
se ficar comprovado que o objeto de fundo seja a prisão desses políticos, não
somente estará violando o princípio da isonomia, como também caminhando
ao totalitarismo.
O princípio da igualdade é, assim, o núcleo da cidadania (NEVES, 2008,
p. 175), sob dois vieses: de um lado, a perspectiva interna de um tratamento
jurídico-político igual, pautado na neutralização de direitos; de outro, a pers-
pectiva externa da esfera pública pluralista, que é o direito de ser tratado igual.
Isso, porque se os sistemas – político e jurídico – não estiverem assegurando
sistematicamente o tratamento igual, sucumbiu-se o direito à igualdade e,
portanto, abalou-se a democracia (NEVES, 2008, p. 167).

5 Justiça como Liberdade e a Garantia da Expressão Máxima da


Personalidade
Segundo Barroso (2019, p. 99), a necessidade de se aguardar o julgamen-
to dos recursos extraordinário e especial para a execução da pena proveniente
de sentença penal condenatória representa afronta à efetividade da justiça
criminal, mormente, porque o “percentual médio de recursos extraordinários
criminais providos em favor do réu foi de 1,12% no período de 01.01.2019
a 19.04.2016, enquanto que os recursos especiais criminais em favor do réu
no mesmo período é de 10,29%”.
Na concepção mais ampla e antiga, advinda de Aristóteles, tem-se que
a Justiça é igualdade (BOBBIO, 1997, p. 72). Isso quer dizer que as leis que
disciplinam as condutas dos homens em sociedade têm por fim garantir a
igualdade tanto nas relações entre os indivíduos quanto entre os indivíduos
e o Estado. Para essa teoria, a lei tem que ser justa, e “por justa entende-se, de
fato, fundada no respeito à igualdade”. Bobbio (1997, p. 72) explica que “se
imaginar a justiça tendo a espada e a balança, a teoria do direito como ordem
visa ressaltar a espada; a do direito como igualdade, a balança”.
Rousseau (2004, p. 47)6, teórico mais consequente do Estado Demo-
crático, define justiça como liberdade, teorizando-a pela fórmula do contrato

6 “O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das coisas e independentemente das convenções humanas. Toda
justiça vem de Deus; só ele é sua fonte, mas se soubéssemos recebê-la de tão alto, não teríamos necessidade nem de
governo nem de lei. Está fora de dúvida a existência de uma justiça universal, só da razão emanada; tal justiça, porém,
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 21

social, pela qual há a renúncia à liberdade natural e ao direito ilimitado – es-


tando isento de lei, ganhando, por outro lado, a liberdade civil, que tem o
sentido de “submissão às leis que dá a si mesmo”. Como afirma Bobbio (1997,
p. 46-47), o “homem é livre porque é autônomo”.
Para Kant, a justiça como liberdade é a garantia da expressão máxima da
própria personalidade, o que somente é possível por regras que garanta a cada
pessoa um conjunto de liberdade, a fim de obstar violações por outros. A injus-
tiça consiste em colocar obstáculos contra a liberdade. (BOBBIO, 1997, p. 73).
As liberdades fundamentais devem, contudo, ser analisadas conjunta-
mente, como um sistema único, cabendo ao legislador especificar as diversas
liberdades, levando em conta que haverá desigualdade na liberdade quando
uma classe de pessoas tem mais liberdade que a outra, ou quando é menos
extensa do que deveria ser. Isso, porque não obstante a liberdade ser igual
para todos, “o valor da liberdade para indivíduos e grupos depende de sua
capacidade de promover seus objetivos dentro da estrutura definida pelo
sistema” (RAWS, 2008, p. 291). Cita-se, por exemplo, a situação de cidadãos
incapazes de gozar de seus direitos muitas vezes por ignorância, outras por
falta de recursos, fatores estes, que restringem a liberdade.
Segundo Raws (2008, p. 291), o “império da lei tem conexão estreita
com a liberdade”. Quando as leis são justas, estabelecem uma base para expec-
tativas legítimas, inclusive, para se opor quando as expectativas são frustradas.
Por outro lado, quando as bases da lei são incertas, “incertos também serão
os limites das liberdades dos indivíduos”.
Alexy (2008, p. 7) defende que a liberdade legal de fazer ou não fazer
algo sem liberdade real ou factual, sem a possibilidade de escolha, é inútil. Os
direitos fundamentais devem garantir todas as coisas que para o indivíduo são
especialmente importantes e que podem ser garantidas legalmente.
A lei injusta não gera validade como direito, o que Alexy (2008, p. 7)
denominou de “injustiça Legal”, demonstrada na jurisprudência alemã sobre
um caso de cidadania:

“O direito e a justiça não estão à disposição do legislador. A ideia de que um


legislador constitucional tudo pode ordenar a seu bel-prazer significaria um
retrocesso à mentalidade de um positivismo legal desprovido de valoração,
há muito superado na ciência e na prática jurídicas. Foi justamente a época

para ser admitida entre nós, deve ser recíproca. Considerando humanamente as coisas à falta da sanção natural, são
vãs as leis da justiça entre os homens; fazem o bem do perverso e o mal do justo, quando este observa com todos,
sem que ninguém as observe consigo. É necessário, pois, haja convenções e leis para unir os direitos aos deveres e
encaminhar a justiça a seu objetivo.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix,
2004. p. 47)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
22

do regime nacional-socialista na Alemanha que ensinou que o legislador


também pode estabelecer a injustiça (BverfGE [Bundesverfassungsgericht,
Tribunal Constitucional Federal] 3,225 (232)). Por conseguinte, o Tribunal
Constitucional federal afirmou a possibilidade de negar aos dispositivos
jurídicos nacional-socialistas sua validade como direito, uma vez que eles
contrariam os princípios fundamentais da justiça de maneira tão evidente
que o juiz que pretendesse aplicá-los ou reconhecer seus efeitos jurídicos
estaria pronunciando a injustiça, e não o direito (BVerfGE 3,58 (119);
6,132 (198)).”

Contudo, não é qualquer lei injusta que está sob o manto da invalidade
como direito, mas tão somente aquelas injustiças extremas e evidentes que
põe em risco a própria segurança jurídica (ALEXY, 2008, p. 7).
Bobbio (2011, p. 38) descreve o embaraço da lei injusta como “pro-
blema da deontologia do direito”, que se trata da correspondência, ou não,
da norma aos valores últimos que inspiram o ordenamento jurídico, ou seja,
se são aptas, ou não, para realizar esses valores, posto que entre o ideal de
justiça e a realidade do direito há sempre uma distância. E, como afirmado
por King Júnior (SEN, 2019), a “injustiça em qualquer lugar, é uma ameaça
à justiça em todo lugar”.
Assim, a justiça é “a virtude primeira das instituições sociais” (RAWS,
2008, p. 4), de modo que todos os poderes – legislativo, executivo e judiciá-
rio – devem a ela inclinar-se. E, por consectário, não se é permissivo criar
leis injustas, ainda que venham a ser eficientes. De igual forma, leis injustas
vigentes devem ser rechaçadas/revogadas.
Dessa maneira, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se
justifique por um bem maior desfrutado por outros, tampouco permite que
os sacrifícios impostos a poucos sejam contrabalançados pelo número maior
de vantagens de que desfrutam muitos (RAWS, 2008, p. 4).
Explica Raws (2008, p. 4): “Na sociedade justa as liberdades da cidada-
nia igual são consideradas irrevogáveis; os direitos garantidos pela justiça não
estão sujeitos a negociações políticas nem ao cálculo de interesses sociais”.
Se a liberdade e a igualdade são consectários da justiça, e, se prisão
antes do trânsito em julgado é, por si só, injusta, na medida em que impe-
de o direito à liberdade, fere o princípio da presunção de inocência, ampla
defesa e devido processo legal, máxime em decisões teratológicas, que admi-
tem reversão do resultado do julgado nas instâncias superiores (SOARES;
RORATO, 2018, p. 366). Por consectário, o Projeto de Lei nº 166/2018 e
Emenda à Constituição nº 199/2019 que ora se propõe, é inconstitucional
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 23

desde o seu nascedouro, uma vez que lei injusta, como defendido por Raws
e Alexy, são inconstitucionais.

6 Conclusões
A Nação brasileira está insegura diante dos conflitos de decisões do
Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de prisão em segunda ins-
tância e divergências de opiniões dos Parlamentares que, sorrateiramente,
propuseram três Emendas à Constituição, mais um projeto de lei, tudo com
o desiderato direto e/ou imiscuído de legitimar a prisão após acórdão conde-
natório penal de 2º grau.
Após análise da controvérsia no plano das casas legislativas, perpas-
sando no âmbito da Câmara dos Deputados pelas Emendas à Constituição
ns. 410/2018 e 411/2018 que pretenderam alterar o inciso LVII do art. 5º da
Constituição Federal e da Emenda à Constituição nº 199/2019 que visa extir-
par os recursos extraordinário e especial; e, ato contínuo, na esfera do Senado
Federal, através do Projeto de Lei nº 166/2018, que tem o intuito de alterar
o art. 283 do Código de Processo Penal, não se pode ignorar a importância
da força normativa da Constituição Federal para o Estado Democrático de
Direito, ressaltando que a proposição da alteração do art. 283 do Código de
Processo Penal (projeto de Lei nº 166/2018) viola o princípio da presunção de
inocência (cláusula pétrea). Portanto, se aprovado e convolado em lei, tratar-
se-á de lei inconstitucional, cuja inconstitucionalidade deverá ser declarada
pelo Supremo Tribunal Federal logo que invocado por algum legitimado.
Ademais, ao se pretender legitimar a prisão em segunda instância, há
flagrante violação do princípio de que o poder emana do povo e por ele será
exercido, considerando que a finalidade da criação dos referidos institutos
legais, como anunciado pela mídia, tem ideário político. Corre-se o risco de
noticiar o crime ou não, denunciar ou não, prender ou não, a depender de
fatores políticos e eleitoreiros. Será que o Poder Judiciário, entre idas e vindas,
não serviu a esse desiderato casuístico? Talvez nunca saberemos, mas o Poder
Legislativo não pode legitimar a prisão em segunda instância, como sendo
automática, para todos os casos.
Ao final, conclui-se que, sendo a liberdade a garantia máxima da per-
sonalidade do cidadão, é inadmissível a sua curvatura aos interesses políticos
e sociais. Portanto, considerando que a prisão antes do trânsito em julgado é
injusta e que o núcleo duro da constituição (cláusulas pétreas) não pode ser
alterado, valendo-se que a lei injusta não gera validade como direito, o projeto
de Lei nº 166/2018, em se tornando lei e, da mesma maneira, a proposta de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
24

Emenda à Constituição nº 199/2019, se aprovada, não terão validade como


direito, por contrariar os princípios fundamentais da Justiça.

TITLE: Justice as freedom and maximum guarantee of personality by the presumption of innocence.

ABSTRACT: In 2009, the Federal Supreme Court decided that arrest is only possible after the final judg-
ment. In 2016 the Supreme Court pronounces judgment allowing for a 2nd instance arrest. In 2018 the
ex-president of the Republic Luiz Inácio Lula da Silva was arrested after a criminal conviction confirmed
by the Federal Regional Court of the 4th Region. In 2019 the judiciary summit again prohibits arrest in the
second instance and the ex-president is released. At the same time, two amendments to the Constitution
are proposed in the Chamber of Deputies to amend the presumption of innocence provision, which were
filed by the constitution and justice and citizenship committee because it is a stone clause. Subsequently,
the Amendment to the Constitution for the extinction of extraordinary and special appeals was presented so
that the decision of the second instance becomes final and, consequently, the execution of the condemnatory
criminal sentence becomes legitimate. In the Federal Senate, a bill is being discussed to amend article 283
of the Criminal Procedure Code in order to admit prison in the second instance. Discourses spread that
the current model of prison only applies to the poor and, conversely, impunity to the rich. The winds of
disruption of the democratic base are blowing, and therefore of equality, citizenship and freedom. Using
the deductive method, this article initially searches to analyze the normative force of the constitution in
a democratic society. Then it goes through the origins, concepts and applicability of citizenship and the
isonomic principle. In the end, justice is contextualized as freedom to guarantee personality.

KEYWORDS: Personality. Democracy. Equality. Citizenship. Prison.

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Recebido em: 19.12.2019


Aprovado em: 09.01.2020
Doutrina

A Constitucionalidade do Confisco
Alargado e da Ação de Extinção de
Domínio

Silvio Luís Ferreira da Rocha


Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP; Doutor
e Livre-Docente em Direito Administrativo pela PUC-
SP; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação
em Direito; Juiz Federal Titular da 10ª Vara Criminal
Especializada em Lavagem de Dinheiro e Crimes Financeiros.

Daniela Marinho Morganti


Mestranda em Direito Administrativo na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP; Pós-
Graduada Lato Sensu pela Universidade Candido Mendes
em Direito Administrativo; Graduada pela Universidade
Tiradentes; Advogada.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo abordar os institutos do confisco


alargado e da ação de extinção de domínio sob o aspecto da constitucionalidade
no sistema legal brasileiro. Ambos estão previstos na proposta das 10 medidas
contra a corrupção. Nesse sentido, é importante esclarecer os tipos de confisco
já existentes e o alcance deles na legislação brasileira. Além de esclarecer o que
vem a ser o confisco alargado, a sua natureza jurídica, a controvérsia existente,
bem como explanar sobre a ação de extinção, e como se dá seu procedimento.

PALAVRAS-CHAVE: Confisco Alargado. Extinção de Domínio. Corrupção.


Constitucionalidade.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Aspectos Gerais. 3 Tipos de Confisco Previstos na


Legislação Brasileira. 4 O Instituto do Confisco Alargado. 5 Natureza Jurídica
do Confisco Alargado. 6 Ação de Extinção de Domínio. 7 Constitucionalida-
de do Confisco Alargado e da Ação de Extinção de Domínio. 8 Conclusão.
9 Referências.

1 Introdução
Atualmente, no Brasil, são noticiados inúmeros casos de corrupção. Em
decorrência desse fato, há um empenho cessante para combatê-la e o meio
utilizado são os mecanismos legais.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 27

Diante dessa realidade, em 2015, o MPF apresentou 10 medidas contra


a corrupção com o propósito de punir esse tipo de crime. Dentro desse pacote
de medidas, a décima tem como finalidade recuperar o lucro derivado desse
crime. Nela se encontram os institutos do confisco alargado e da ação de
extinção de domínio, por meio dos quais se fará a recuperação.
Ao se estabelecer no país o instituto do confisco alargado, buscou-se
inspiração em países que possuem institutos similares, como Portugal, Itália,
Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido, seguindo diretrizes de tratados em
que o Brasil é signatário. Além disso, tribunais de outros países reconheceram o
confisco alargado como compatível com os princípios basilares da democracia.
Já a ação de extinção do domínio proposta segue o modelo da Estratégia
Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Ativos – ENCCLA.
Assim, se faz necessário esclarecer o objetivo, a importância, as pecu-
liaridades e a forma como os institutos mencionados ingressaram no sistema
jurídico brasileiro, bem como o reconhecimento de sua constitucionalidade,
na Constituição Federal de 88.
Igualmente, é importante consignar que na legislação penal brasileira
há previsão de dois institutos: o confisco claro e o confisco por equivalência.
Assim, aspectos gerais desses institutos precisam ser esclarecidos.
O confisco clássico recai sobre instrumentos e/ou proveitos do crime;
já o confisco por equivalência incide sobre os bens e os valores equivalentes
aos auferidos pelo agente em proveito do crime. Ambos são efeitos da con-
denação criminal.
Logo depois, serão abordados os pormenores do confisco alargado, que
objetiva o perdimento da diferença entre o patrimônio que possa ser com-
provada a origem lícita e o patrimônio total do indivíduo que for condenado
pela prática de crimes graves e que gerem lucros patrimoniais.
Nesse viés, a ação de extinção de domínio é uma ação civil que visa
impedir que os frutos do crime sejam proveitosos para os agentes que pra-
ticaram o ilícito, impedindo, ainda, que os bens e valores decorrentes dessa
atuação ilícita entrem na economia formal do país.
Por fim, discute-se a temática em torno da constitucionalidade dos
institutos, apresentando-se os argumentos de quem é a favor e de quem é
contra a inclusão dos institutos no ordenamento jurídico mencionado, diante
do entendimento contemporâneo de que tanto o confisco alargado quanto a
ação de extinção de domínio são inconstitucionais.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
28

Aqueles que são a favor da inclusão dos institutos alegam que estes são
medidas eficazes para a redução da criminalidade econômica e transnacional,
além de contribuírem com suas diretrizes e recuperar os prejuízos causados
pelos crimes, sem ferir o princípio da presunção de inocência, uma vez que a
prisão dos corruptores só poderia ser efetivada em segunda instância.
Em contrapartida, aqueles que entendem ser os institutos inconstitu-
cionais defendem que tanto o confisco alargado quanto a ação de extinção
de domínio ferem a presunção da inocência e a não culpabilidade, conforme
previstos na CF, sendo estes institutos preceitos basilares do direito penal.
Por fim, somado a isso, a existência da inversão do ônus da prova pos-
sibilita uma presunção temerária, podendo propiciar, como consequência,
um enriquecimento ilícito do Estado.

2 Aspectos Gerais
O Brasil é signatário de várias convenções que sugerem a adoção de
medidas no combate da corrupção, como as Convenções das Nações Unidas
Contra a Criminalidade Transnacional e a Contra a Corrupção.
O crime organizado, por movimentar vastos recursos ilícitos, neces-
sita ser combatido. O combate irá afetar o patrimônio, o qual é utilizado por
muitos grupos e facções para aumentar seu prestígio e poder de influência
em determinada aérea.
Diante desse contexto, os institutos do confisco alargado e da ação de
extinção de domínio ganham destaque, pois, apesar de a legislação brasileira
possuir mecanismos de combate à corrupção, como a Lei nº 12.846/2013
(Lei Anticorrupção), a inclusão desses institutos aumenta a possibilidade de
combate e propicia a diminuição da corrupção por ter como foco os aspectos
patrimoniais, resultantes de crimes.
Dessa estratégia surge a ideia de construção de uma rede de controle
para que nenhum autor desse tipo de infração possa escapar. Para tanto, se
faz necessário uma atuação coordenada, com vistas a atingir a criminalidade
organizada, em especial o patrimônio, já que existem zonas de distanciamento
do confisco alargado e da ação de extinção de domínio.
As medidas anticorrupção buscam ir além do que está previsto e pro-
curam romper com a ideia de necessidade de haver a equivalência entre o
proveito do crime e o que será confiscado, uma vez que será apropriada a
diferença dos bens patrimoniais do agente e aquilo que ele possa comprovar
licitamente. Nesse diapasão, haverá um rompimento da relação de causa e
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 29

efeito, subsistindo a ideia de patrimônio lícito e ilícito, comprovado e não


comprovado, além de possibilitar juízo de presunção, pela origem ilícita do
patrimônio, se o particular não pode comprovar sua origem lícita.

3 Tipos de Confisco Previstos na Legislação Brasileira


Existem, na legislação penal brasileira, dois tipos de confisco: o chama-
do confisco clássico e o confisco por equivalência. Ambos são considerados
efeitos secundários da sentença penal condenatória.
O confisco clássico está previsto no art. 91, II, b, do Código Penal e recai
sobre os instrumentos e/ou proveitos de um crime, como a arma utilizada no
cometimento do delito. Realizada a apreensão dos instrumentos ou proveitos
do crime e proferida a sentença penal condenatória, haveria a decretação de
perda dos bens em favor da União.
Contudo, muitos consideravam essa medida insuficiente por limitar-se
a confiscar apenas aquilo que era usado para a prática do crime. Surge, então,
em 2012, o confisco por equivalência (Lei nº 12.694), incluindo o § 1º no
art. 91 do Código Penal, como um procedimento facilitador para o Estado.
Nesse sentido, o art. 91 do Código Penal estabelece:

“Art. 91. São efeitos da condenação:

(...)

II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de ter-


ceiro de boa-fé:

(...)

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito


auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.”

Ainda determina o § 1º do mesmo artigo: “Poderá ser decretada a perda


de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes
não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior”.
Cunha (2018, p. 283) ressalta: “O § 1º estabelece que se o produto ou
o proveito do crime não for encontrado ou estiver localizado no exterior, a
decretação da perda pode ocorrer sobre bens e valores equivalentes”. Trata-se
de providência estabelecida para que se torne possível a aplicação do efeito
obrigatório da condenação ainda que não seja encontrado o produto ou o
proveito específico do crime praticado, evitando, dessa forma, que apesar
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
30

da condenação o agente continue usufruindo do que angariou com a ação


criminosa.
Todos os tipos de confisco, inclusive o alargado, devem estar relacio-
nados com a atividade criminosa, que deverá ser provada no processo penal,
por existir uma relação de necessidade.

4 O Instituto do Confisco Alargado


O confisco alargado, chamado também de confisco ampliado, é um
instituto assentado na constrição de valores equivalentes aos bens patrimoniais
totais do agente e ao patrimônio que seja comprovadamente lícito, ou aqueles
decorrentes de fontes lícitas. Esse instituto se encontra inserido na décima me-
dida contra a corrupção, nomeada de recuperação do lucro derivado de crime.
A proposta prevê a introdução do art. 91-A no Código Penal, visando
a perda da diferença entre o patrimônio de origem lícita, que possa ser com-
provado, e o patrimônio total do indivíduo que for condenado pela prática de
crimes graves e que geram lucros patrimoniais, como o tráfico de drogas. Dessa
forma, será atingido o patrimônio cuja origem lícita não possa ser comprovada.
Nesse sentido, a redação do artigo em comento será: “Art. 91-A. Em
caso de condenação pelos crimes abaixo indicados, a sentença ensejará a perda,
em favor da União, da diferença entre o valor total do patrimônio do agente
e o patrimônio cuja origem possa ser demonstrada como rendimentos lícitos
ou por outras fontes legítimas”, seguido de um rol com 16 incisos, os quais
preveem os crimes em que seria aplicável o confisco alargado, como o tráfico
de influência, o enriquecimento ilícito, a lavagem de dinheiro, dentre outros.
Nessa linha, o § 1º do referido artigo esclarece o que se entende por
patrimônio do condenado, in verbis:

“§ 1º Para os efeitos deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado


o conjunto de bens, direitos e valores:

I – que, na data da instauração de procedimento de investigação criminal


ou civil referente aos fatos que ensejaram a condenação, estejam sob o
domínio do condenado, bem como os que, mesmo estando em nome de
terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, sejam controlados ou usufruídos pelo
condenado com poderes similares ao domínio;

II – transferidos pelo condenado a terceiros a título gratuito ou mediante


contraprestação irrisória, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da instauração
do procedimento de investigação;
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 31

III – recebidos pelo condenado nos 5 (cinco) anos anteriores à instauração


do procedimento de investigação, ainda que não se consiga determinar
seu destino.”

Logo, os bens de condenados pelos crimes previstos, bem como aque-


les transferidos a terceiros ou recebidos pelo agente, no prazo de cinco anos,
antes da instauração do processo, sem a devida comprovação da licitude, serão
perdidos em favor da União.
O propósito do confisco alargado é ampliar os confiscos previstos no
Código Penal e facilitar o acesso do Estado aos bens e valores que decorram
de crimes. Assim, cabe ao agente comprovar a origem do patrimônio; do con-
trário, se presumirá que a origem é decorrente de ilicitude, o que ocasionará
a perda do patrimônio em favor da União.

5 Natureza Jurídica do Confisco Alargado


Não há na doutrina um consenso sobre a natureza jurídica do confisco
alargado. Existem os que defendem a natureza jurídica penal do instituto,
aplicando-se a ele os princípios e normas penais. Em contrapartida, outros
defendem a natureza extrapenal administrativa decorrente de uma condenação
penal. Ainda existem os que defendem a natureza jurídica civil do confisco
alargado.
No Brasil, poucos autores abordam o tema; prevalece a ideia de que o
confisco alargado teria um caráter penal, mas com efeitos civis.

6 Ação de Extinção de Domínio


Outro instituto previsto no pacote de medidas anticorrupção é a ação de
extinção de domínio, que junto com o confisco alargado faz parte da décima
medida, como mencionado anteriormente. A ação de extinção de domínio
tem por objetivo impedir que os frutos de atividades ilícitas sejam proveitosos
para os agentes dos crimes, eliminando ao máximo o incentivo à prática de
crimes, garantindo os efeitos das políticas de anticorrupção.
Ademais, a ação em comento visa impedir que os produtos do crime
ingressem na economia formal do país. Nesse intento, esse instituto tem
como medida anticorrupção permitir que os bens, frutos desse crime, sejam
perdidos em favor da União, dos Estados ou do Distrito Federal, sem que haja
direito à indenização quando não comprovada a origem lícita do patrimônio,
independente de responsabilização do autor pelos atos ilícitos cometidos.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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Com esse propósito, há anteprojeto de lei que disciplina a ação, a


apuração de origem lícita dos bens e o curso processual. Logo no art. 1º está
prevista a perda de bens e valores que sejam produtos ou proveitos de crimes,
obtidos direta ou indiretamente, e nessa linha é que o § 1º do art. 2º prevê um
rol de crimes relacionados a esta ação, como a extorsão mediante sequestro,
a corrupção ativa e passiva, dentre outros.
Ainda o § 2º do mesmo artigo determina que a ação de extinção de
domínio pode alcançar os sucessores em caso de transmissão de herança,
legado ou doação.
Além disso, essa ação abrange os crimes cometidos fora do Brasil, con-
forme prevê o art. 3º do anteprojeto. O art. 6º do anteprojeto determina que
a perda dos bens independe de condenação civil ou criminal; ou seja, não há
necessidade de prévia condenação penal para instauração da ação de extinção
de domínio. Veda-se, no entanto, o ingresso da ação quando houver sentença
penal absolutória que reconheça a inexistência do fato ou a negativa da autoria.
Essa ação torna o particular vulnerável diante do Estado, já que há a
inversão do ônus da prova, cabendo ao agente provar a origem lícita do seu
patrimônio, sem que haja necessidade de prévia condenação penal. O resultado
será a possibilidade da perda do patrimônio em proveito do Poder Público se
o particular não conseguir provar a licitude patrimonial.

7 Constitucionalidade do Confisco Alargado e da Ação de Extinção


de Domínio
O confisco alargado e a ação de extinção de domínio são institutos que
visam combater a corrupção. Ambos, como visto, focam nos produtos ou nos
proveitos obtidos através de atos criminosos, ou seja, atacam patrimônio sem
prova de origem lícita.
Restou esclarecido que o legislador tem como propósito remover os
obstáculos e facilitar a persecução do Estado com relação aos bens auferidos
em decorrência de crimes.
Quem defende a adoção dos institutos alega que são medidas eficazes
para a redução da criminalidade econômica e transnacional, mas, principal-
mente, para recuperar os prejuízos causados pelos crimes. Além disso, susten-
tam que o confisco alargado não fere o princípio da presunção da inocência,
porque a prisão só ocorre em segunda instância.
Em contrapartida, os que defendem a inconstitucionalidade dessas me-
didas questionam dois princípios básicos que seriam violados: o da presunção
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 33

de inocência e o da não culpabilidade. Segundo o art. 5º, LVII: “ninguém será


considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenató-
ria”. A ação de extinção de domínio feriria tal princípio, porque o ingresso da
ação não precisa de prévia condenação criminal, e o confisco alargado o feriria
também, porque o agente teria que provar a origem lícita do seu patrimônio.
Logo, há uma inversão do ônus da prova, pois cabe ao réu comprovar a origem
lícita dos bens e valores, ou seja, deve comprovar que não foram auferidos
decorrentes de atividades ilícitas. Então, há uma presunção legal que rompe
com um princípio fundamental do direito penal, o de que cabe à acusação a
prova dos fatos constitutivos da denúncia, obrigando a defesa a criar uma dú-
vida razoável na tese acusatória, violando, com isso, mais uma vez o princípio
da inocência, expressão do in dubio pro reo. Portanto, a inclusão do confisco
alargado é contrária à presunção de que os bens e valores dos particulares são
lícitos, até que o Estado prove o contrário.
No Brasil, há um crescimento do mercado de trabalho informal e tam-
bém a transferência de propriedade de bens móveis pela simples tradição, de
modo que essa inversão do ônus da prova criaria grandes dificuldades para
o cidadão. Portanto, a presunção de ilicitude, caso o agente não comprove a
origem lícita do patrimônio, fere princípios basilares constitucionais.
O mesmo ocorre em relação à ação de extinção de domínio porque,
nesse caso, não há necessidade de que exista uma prévia condenação criminal.
Há também uma presunção temerosa, pois o Estado pode ingressar com essa
ação contra um cidadão que não tenha cometido um ilícito, mas que não
consiga comprovar a origem lícita de tudo o que possui, e, assim, perderia
os bens para o Poder Público. Logo, fica claro que ambos os institutos são
inconstitucionais por abrigarem presunção temerária que permitiria ao Estado
enriquecer ilicitamente.

8 Conclusão
Diante desse contexto, para nós restou claro que a intenção do legis-
lador é a criação de uma rede de controle da corrupção, com apoio popular,
consubstanciada na proposta das 10 medidas contra a corrupção. Dentre as
medidas encontram-se os institutos do confisco alargado e o da ação de ex-
tinção de domínio.
O confisco alargado soma-se ao confisco clássico por equivalência,
ambos previstos no Código Penal. O primeiro, previsto no art. 91, II, b, recai
sobre os instrumentos ou proveitos de um crime, enquanto o segundo, previsto
no § 1º do mesmo artigo, abrange bens e valores que sejam equivalentes aos
auferidos pelo agente com o cometimento do crime.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
34

O confisco alargado, previsto na proposta, propõe a constrição de


valores equivalentes aos bens patrimoniais totais do agente e ao patrimônio
comprovadamente lícito ou que decorra de fontes lícitas.
Contudo, a doutrina diverge em relação à natureza jurídica desse
instituto, se de natureza penal ou administrativa e se a sanção de constrição
de valores equivalentes configura uma pena ou uma sanção administrativa.
A ação de extinção de domínio é uma ação civil que objetiva impedir
o proveito dos frutos das atividades ilícitas e que ingressem no mercado for-
mal. Todavia, sua proposta dispensa prévia condenação criminal e impõe ao
particular a comprovação que seu patrimônio foi obtido licitamente.
Tanto o confisco alargado quanto a ação de extinção de domínio são
incompatíveis com a Constituição Federal por ferir os princípios da presun-
ção de inocência e da não culpabilidade. Nesse sentido, também contrariam
premissas do direito penal, como o princípio do in dubio pro reo. Além disso, o
confisco alargado e a ação de extinção de domínio invertem o ônus da prova.

TITLE: Constitutionality of enlarged confiscation and field extinction action.

ABSTRACT: The purpose of this article is to address the institutes of the expanded confiscation and the
action of extinction of dominion under the aspect of constitutionality in the Brazilian legal system. Both
are foreseen in the proposal of the ten measures against corruption. In this sense, it is important to clarify
the types of confiscation already existing and their scope in Brazilian legislation. In addition to clarifying
what comes to be the extended confiscation, its legal nature, the existing controversy, as well as explaining
the action of extinction, and how its procedure occurs.

KEYWORDS: Extended Confiscation. Extinction of Domain. Corruption. Constitutionality.

9 Referências
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Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 35

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bibli_inf_2006/Cad-MP-CE_v.01_n.02.01.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2019.

Recebido em: 08.10.2019


Aprovado em: 24.10.2019
Doutrina

Feminicídio: Fundamento da Pena Qualificada

Flavio Rodrigues Calil Daher


Doutor em Direito e Políticas Públicas pelo Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB); Mestre em Direito
pela Universidade de Franca; Professor de Direito Penal e
Processo Penal; Delegado da Polícia Federal.

Roberta Cordeiro de Melo Magalhães


Doutoranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB); Mestre em Direito
pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Professora
de Direito Penal e Processo Penal; Juíza de Direito do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

RESUMO: O ������������������������������������������������������������������
presente artigo tem por fim fazer uma análise a respeito da vio-
lência de gênero no ordenamento jurídico atual, realizando uma análise conjunta
da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.343/06) e da Lei nº 13.104/2015, que alterou
o art. 121 do Código Penal para inclusão do crime de feminicídio no rol dos
crimes qualificados. A abordagem se mostra relevante, em face do aumento do
número de casos de feminicídio perpetrados em face de mulheres em todo o
Brasil, mesmo com a alteração legislativa, impondo penas mais severas para os
autores desses crimes. Foram correlacionadas as relações de desigualdade de gê-
nero com a ocorrência de violência contra a mulher no decorrer dos anos. Nesse
ponto, a necessidade de imposição de penas mais severas para erradicação desse
tipo de violência contradiz o fundamento alegado da estrutura patriarcal. Para
a realização deste estudo, foi utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Violência Contra a Mulher. Gênero. Feminicídio.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A Violência de Gênero e a Sociedade Patriarcal.


2 Dados Sobre a Violência de Gênero. 3 Aspectos Jurídicos do Feminicídio.
Conclusão. Referências.

Introdução
Com o passar dos anos, inúmeras foram as conquistas da mulher,
deixando ela de ser aquela responsável pelos afazeres domésticos. A mulher
tornou-se independente e participativa das atividades sociais e profissionais.
No entanto, mesmo com o protagonismo feminino, ou talvez por causa
dele, as estatísticas sobre a violência de gênero mantêm o padrão do início
do século passado.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 37

A violência contra a mulher não é algo novo, o que é novo é a respon-


sabilidade de vencer a violência, como forma de construir uma humanidade
mais justa. Intitula-se feminicídio a expressão máxima de violência contra a
mulher por questão de gênero.
Atualmente, essa preocupação do extermínio de mulheres em razão do
gênero provocou o aperfeiçoamento da legislação que trata do assunto, criando
mecanismos para a proteção de mulheres e para penalização de seus agressores.
A Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha,
constitui um marco na proteção de direitos contra mulheres, tendo como
finalidade proibir e prevenir todas as formas de violência doméstica e intra-
familiar. Mais recentemente, no ano de 2015, sancionou-se a Lei nº 13.104,
tipificando o feminicídio como forma qualificada específica de homicídio.
O homicídio contra mulheres sempre foi punido, como é punida a
morte de qualquer pessoa. O que muda com a introdução da figura do femi-
nicídio é tornar o evento objetivamente qualificado, com tratamento reservado
aos delitos hediondos pela Lei nº 8.072/90. O feminicídio se caracteriza pela
morte de mulher por questões de gênero, praticado por discriminação à con-
dição do sexo feminino ou quando decorre de violência doméstica e familiar.
Pode-se argumentar que tal situação já seria qualificada antes da lei que trouxe
a novidade debatida, já que é inequívoca a torpeza enquanto motivação para
o ato de ocisão da vida extrauterina de terceiro quando fundeada na discri-
minação de gênero; no entanto, a previsão com descrição factual do que se
considera feminicídio imprime índole objetiva à qualificadora, impedindo o
seu afastamento quando no Júri é reconhecida a situação privilegiadora da
violenta emoção após a injusta provocação da vítima.
O objetivo geral deste artigo é verificar a relação entre a cultura do
patriarcado e a violência contra a mulher. A tese da violência de gênero
como consequência do sistema patriarcalista aponta um viés determinista da
estrutura da sociedade o que, assim como ocorre na coculpabilidade, seria o
fundamento para o abrandamento da pena, e não a sua exacerbação no contexto
da violência de gênero, expediente contraindicado para minorar as estatísticas
dessa modalidade danosa de ilícitos.

1 A Violência de Gênero e a Sociedade Patriarcal


O termo Gewalt em alemão significa violência, força, autoridade, poder,
podendo, ainda, designar uma característica das instituições sociais, Geistliche
Gewalt, o poder espiritual da Igreja, e Staatgewalt, o poder do Estado.
Violência pode ser conceituada como o uso da força física, psicológica
ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo sem sua permissão. É o
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
38

mesmo que constranger, tolher alguém de sua liberdade, impedir terceiro de


manifestar seu desejo e sua vontade. É a violência um meio de coagir, com
violação dos direitos essenciais do ser humano1.
Pode-se conceituar violência como um conjunto de condutas humanas
positivas de indivíduos, grupos, classes, ou mesmo nações que acarretem a morte
de outros seres humanos ou que afetem sua integridade física, moral, mental
ou espiritual. Desse modo, correto é usar o termo violências, pois se trata de uma
realidade plural, diferenciada, com especificidades e características próprias2.
A violência é a ruptura de qualquer forma de integridade da vítima, e
não necessariamente se manifesta por meio de uma ação contundente, po-
dendo assumir feição omissiva, como se dá, por exemplo, no cárcere privado,
isolando-se a vítima de qualquer comunicação ou contato humano3.
A violência historicamente atinge as sociedades como um todo, desde o início
da existência humana, sendo considerado um fenômeno magnânimo e complexo4-5.
A violência é um fenômeno que sempre existiu e se expressa de diversas formas,
podendo ser urbana, de gênero, física, sexual, dentre outras, sendo uma construção
da sociedade e seu significado está em constante mutação, conforme as transfor-
mações sociais, sofrendo influência da cultura local, da história e da realidade6.
Com relação ao tema violência, tem-se que esta, quando realizada con-
tra mulher, é um problema social, inclusive de saúde pública, uma vez que
é uma das principais causas de mortalidade existentes, podendo ser, ainda,
tido como uma das transgressões mais frequentes dos direitos humanos. Seus
custos sociais e econômicos são muito altos7,8,9.

1 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
2 MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos de. Violência e saúde como um campo interdisciplinar
e de ação coletiva. História, Ciência, Saúde, v. IV, n. 3, p. 513-531, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0104-59701997000300006&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 10 abr. 2019.
3 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 19.
4 MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos de. Violência e saúde como um campo interdisciplinar
e de ação coletiva. História, Ciência, Saúde, v. IV, n. 3, p. 513-531, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0104-59701997000300006&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 10 abr. 2019.
5 DAHLBERG, Linda L.; KRUG, Etienne G. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11 (Sup), p. 1.163-1.178, 2007. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0.pdf>. Acesso em: 9 set. 2019.
6 PACHECO, Leonora Rezende; MEDEIROS, Marcelo; GUILHEM, Dirce. Intimate partner violence: cultural,
social and health correlations. Nursing & Care Open Acces Journal, v. 2, n. 4, p. 46, 2017. Disponível em: <https://
medcraveonline.com/NCOAJ/NCOAJ-02-00046.php>. Acesso em: 5 set. 2019.
7 FANEITE, Josmery; FEO, Alejandra; MERLO, Judith Toro. Grado de conocimiento de violencia obstétrica por el
personal de salud. Rev. Obstet. Ginecol. Venez., v. 72, n. 1, p. 4-12, 2012. Disponível em: <http://ve.scielo.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0048-77322012000100002&lng=es&nrm=iso&tlng=es>. Acesso em: 10 ago. 2019.
8 PACHECO, Leonora Rezende; MEDEIROS, Marcelo; GUILHEM, Dirce. Intimate partner violence: cultural,
social and health correlations. Nursing & Care Open Acces Journal, v. 2, n. 4, p. 46, 2017. Disponível em: <https://
medcraveonline.com/NCOAJ/NCOAJ-02-00046.php>. Acesso em: 5 set. 2019.
9 FLORES, Alany Caroline; LUIZ, Gleicyan Regiane Nunes. Distinção normativa abordada pela Lei nº 13.718/18: o
avanço do direito brasileiro no âmbito da violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.uel.br/nucleos/
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Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 39

O termo gênero é muito amplo, sendo empregado em muitos sentidos.


Pode significar espécie, como quando se refere a gênero humano. De outro
lado, pode ser empregado com o sentido de tipo, como quando se refere,
por exemplo, a gênero de música. Usada na gramática, o termo gênero é uma
categoria que permite flexionar palavras, agrupando-as conforme os sexos,
como masculino ou feminino10.
Assim, gênero enfatiza a noção de cultura, situando-se na esfera social,
e indicaria, assim, uma construção cultural. A violência de gênero surge de
uma série de valores, de costumes e de práticas que são culturalmente im-
postos sobre corpos sexuados, assim identificados para que se especifiquem
papéis adequados aos homens e às mulheres com base, principalmente, em
suas diferenças biológicas11.
Com a evolução dos estudos sobre sexo e sexualidade, gênero tornou-
se uma palavra de utilidade, porque estabelece uma maneira de diferenciar a
prática sexual dos papéis atribuídos tanto a homens quanto a mulheres. Assim,
gênero dá destaque a todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas
não necessariamente é determinado pelo sexo, nem determina diretamente
a sexualidade12.
Gênero pode ser entendido como um instrumento, uma lente de au-
mento que facilita a percepção de desigualdades sociais e econômicas entre
homens e mulheres, levando em conta o papel atribuído historicamente à
mulher13. As representações sociais, ainda hoje, geram relações de poder
assimétricas entre homens e mulheres, estabelecendo-se, assim, a submissão
da mulher na sociedade14.
Gênero e sexo são expressões diferentes. Este descreve caraterísticas e
diferenças biológicas, enfatiza aspectos da anatomia e fisiologia dos organis-
mos pertencentes aos homens e mulheres. As diferenças sexuais são dadas
pela natureza. Já o gênero refere-se a diferenças socioculturais existentes entre
sexos masculino e feminino, que se verificam por desigualdades econômicas
e políticas, colocando as mulheres em posição inferior à dos homens15.
Quando se fala em gênero, quer-se significar indivíduos de sexos dife-
rentes (masculino e feminino). Ocorre que o modo como a expressão vem

10 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
11 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1995. p. 75.
12 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1995. p. 75-76.
13 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
14 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 37.
15 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
40

sendo utilizada, nas últimas décadas pela literatura feminista, acabou por
adquirir características diferentes. Assim, usa-se gênero para enfatizar o con-
ceito de cultura, divergindo do conceito de sexo, situado no plano biológico,
assumindo as posições de feminino e masculino16.
As ciências humanas usam a expressão gênero para demonstrar desi-
gualdades socioculturais existentes entre homens e mulheres, que repercu-
tem nas esferas pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis
sociais diferenciados, que foram construídos historicamente, criando polos
de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino, subordinando-se a
mulher às necessidades do homem, tornando-as dependentes17.
Quando se fala em função patriarcal, o homem é o ser que detém o
poder de determinação da conduta dos demais membros familiares, recebendo
uma espécie de autorização da sociedade para punir o que ele entender como
desvio. Mesmo que não exista qualquer tentativa, por parte das vítimas po-
tenciais, de se desviar das normas sociais, a execução do projeto de dominação
exige que o homem exercite sua capacidade de mando, com o emprego da
violência18.
O conceito de gênero não, necessariamente, traz de forma explícita a
diferença entre homens e mulheres. Ocorre que, nesse caso, a hierarquia é
somente presumida. Em um passado remoto, havia grande primazia masculina,
o que significa que as desigualdades entre homens e mulheres são resquícios de
um patriarcado não mais existente ou em seus últimos suspiros. Assim, como
inúmeros fenômenos sociais, o patriarcado está em constante transformação19.
A violência de gênero pode ser entendida como um vínculo de auto-
ridade do homem em relação à mulher. Nesse caso, os papéis de homens
e mulheres estão consolidados por muitas décadas e são confirmados pelo
patriarcado, o que leva à existência de relações violentas, as quais conduzem
a uma espécie de fúria que não é fruto da natureza, mas, sim, do processo
de socialização pelo qual os indivíduos passaram. Assim, além dos meios de
comunicação, os costumes e a educação criam modelos que confirmam a

16 ARAÚJO, Maria de Fátima. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psic. Clin., v. 17, n.
2, p. 41-52, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pc/v17n2/v17n2a04.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2018.
17 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
18 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos
PAGU, Campinas, v. 16, p. 115-116. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n16/n16a07.pdf>. Acesso em:
26 jul. 2019.
19 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 45.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 41

tese de que o sexo masculino tem o poder de controlar a vida de pessoas do


sexo feminino20.
Nas relações familiares normalmente há relações de poder, nas quais
mulheres e crianças obedecem ao homem, e este é tido como a autoridade
máxima da família. Dessa forma, esse poder torna-se legitimado, o que gera
situações de medo, de forma que qualquer desvio dos padrões de família pode
causar conflitos. A maior parte dos casos de violência, tanto contra mulheres
quanto contra crianças e adolescentes têm como marco relações desiguais e
de hierarquia21.
Já na Roma antiga, o patriarca detinha o poder para decidir sobre a vida
e a morte de pessoas de sua família, como sua esposa e seus filhos. Hoje em
dia, homens continuam praticando violência contra suas parceiras, com base
na divergência entre o padrão de comportamento esperado e aquele efetiva-
mente realizado, sendo este último considerado diverso do papel que deveria
ter sido absorvido pela mulher22.
Ainda existem resquícios de ideologia patriarcal no mundo como um
todo, advindos da histórica posição de discriminação da mulher, o que acaba
por refletir nas relações individualizadas. Mesmo em lugares onde são re-
gistrados avanços na relação entre os gêneros, o índice de mulheres vítimas
de violência enquanto desdobramento das relações estruturadas de modo
hierárquico ainda está acima do que pode ser considerado aceitável23.
O processo para criação de uma lei para o combate à violência contra
mulheres no Brasil foi muito longo e antecedido de muitas manifestações e
debates. Na década de 1970, grupos de mulheres foram às ruas usando o slogan
“quem ama não mata”, levantando a bandeira contra a violência. Já no início
da década de 1980, foram feitas as primeiras ações governamentais no sentido
de incluir em sua agenda a temática da violência contra mulheres e, em 1985,
foi criada a primeira delegacia especializada de atendimento às mulheres24.

20 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.
21 GOMES, Nadielene Pereira; DINIZ, Normélia Maria Freire; ARAÚJO, Anne Jacob de Souza; COELHO, Tâmara
Maria de Freitas. Compreendendo a violência doméstica a partir das categorias gênero e geração. Acta. Paul. Enferm.,
v. 20, n. 4, p. 504-508, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ape/v20n4/19.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019.
22 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 46.
23 KARAM, Maria Lúcia. Os paradoxais desejos punitivos de ativistas e movimentos feministas. Justificando. 2015.
Disponível em: <http://justificando.com/2015/03/13/os-paradoxais--desejos-punitivos-de-ativistas-e-movimentos-
feministas/>. Acesso em 30 set. 2019.
24 MATOS, Myllena Calazans de; CORTES, Iáris. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha.
Disponível em: <www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/02/1_3_criacao-e-aprovacao.pdf>.
Acesso em: 10 ago. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
42

Na década de 1990, as feministas se organizaram e se mobilizaram


de forma mais eficaz, organizando seminários e reuniões em que a questão
da violência de gênero era o ponto mais importante. Ocorre que não havia
proteção específica no Brasil para as mulheres vítimas de violência de gênero,
principalmente quando esse tipo de violência ocorria no seio da família25.
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, aprovada
pela ONU, em 1993, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Er-
radicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), aprovada
pela OEA, em 1994, reconheceram que a violência contra a mulher, no âmbito
público e privado, constitui grave violação aos direitos humanos e limita total
ou parcialmente o exercício de todos os seus direitos fundamentais. Definem
violência contra a mulher como sendo uma conduta, baseada no gênero, que
ocasione morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na área
pública como na área privada, nos termos do seu art. 1º. Ademais, a violência
baseada em gênero reflete relações de poder historicamente desiguais e sem
simetria entre homens e mulheres26.
A Convenção de Belém do Pará, ainda em seu art. 4º, menciona que
toda mulher tem direito a que se respeite sua vida, integridade física, mental e
moral, liberdade e segurança pessoais e de não ser submetida à tortura, dentre
outros direitos. Assim, a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.343/06 – caracteriza-se
como um marco na proteção dos direitos das mulheres, uma vez que parte do
princípio de proteção e prevenção de todas as formas de violência doméstica
e familiar, nos termos do que dispõe o art. 226 da Constituição Federal. Essa
Lei criou mecanismos com o fim de prevenir e reprimir a violência doméstica
e familiar contra mulheres, para a garantia de seus direitos fundamentais.
A violência contra as mulheres, particularmente por parte de parcei-
ros, é um problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos das
mulheres. Estimativas indicam que, aproximadamente, uma em cada três
mulheres (35%) em todo o mundo sofreram violência física ou sexual por
parte do parceiro ou de terceiros durante a sua vida, sendo que a maior parte
dos casos é de violência por parte de parceiros27.

25 MATOS, Myllena Calazans de; CORTES, Iáris. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha.
Disponível em: <www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/02/1_3_criacao-e-aprovacao.pdf>.
Acesso em: 10 ago. 2019.
26 STRECK, Lenio Luiz. Lei Maria da Penha no Contexto do Estado Constitucional: desigualando a desigualdade
histórica. In: CAMPOS, Carmem Hein de (Org.). Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-
feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 123.
27 OMS – Organização Mundial da Saúde. Folha Informativa Violência contra as mulheres, 2017. Disponível em: <https://
www.paho.org/bra/index.php?option=com_joomlabook&view=topic&id=496>. Acesso em: 12 set. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 43

2 Dados Sobre a Violência de Gênero


Uma das pesquisas nacionais que fundamentou a criação e sanção da
Lei Maria da Penha foi realizada em 2001, pela Fundação Perseu Abramo. Na
época, o levantamento constatou que a cada 15 segundos uma mulher sofria
violência doméstica e familiar no Brasil. Após dez anos, nova pesquisa foi
feita, chegando-se ao patamar de que a cada 24 segundos uma mulher ainda
sofria violência doméstica e familiar no país. No ano de 2012, o Brasil passou a
contar com um mapa para o fim de contabilizar os homicídios de mulheres28.
Nos termos do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 449 casos de
feminicídio no ano de 2015. Em 2016, as ocorrências passaram a 621. Segundo
especialistas, o aumento de 38,3% pode ser explicado pelo aumento da violên-
cia e por um maior número de registros de ocorrências policiais. De acordo
com a Organização Mundial de Saúde, a taxa de feminicídios no Brasil, de
4,8 para 100 mil mulheres, é a quinta maior do mundo29.
Para que se possa entender a dimensão do problema, dados apontam que
apenas em janeiro de 2019, 119 mulheres morreram e 60 sofreram tentativas
de feminicídio no Brasil. Considerando, ainda, os casos noticiados em feve-
reiro, o número de feminicídios ultrapassa 200 vítimas. Segundo o apurado,
71% dos crimes foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros das mulheres
assassinadas. Armas brancas foram utilizadas em 41% dos crimes, enquanto
armas de fogo representam 23% dos casos. Desse total, 47% ocorreram dentro
da casa das vítimas30.
Dentre as metas nacionais do Poder Judiciário estabelecidas anualmente
pelos Tribunais junto ao Conselho Nacional de Justiça, foi instituída para o ano
de 2019 a Meta 8, com o fim de identificar e julgar, até 31.12.2019, cinquenta
por cento dos casos pendentes de julgamento, relacionados a feminicídios,
distribuídos até 31.12.2018, e cinquenta por cento dos casos pendentes de
julgamento, relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher,
também distribuídos até 31.12.201831.

28 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
29 OLIVEIRA, Guilherme; OLIVEIRA, Nelson. Três anos depois de aprovada, Lei do Feminicídio tem avanços e desa-
fios. Agência Senado. 27.03.2018. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/
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feminicidio-tem-avancos-e-desafios>. Acesso em: 12 set. 2019.
30 ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. Número de feminicídios aumenta em
2019. Disponível em: <https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/numero-de-feminicidios-aumenta-em-20191>.
Acesso em: 11 set. 2019.
31 BRASIL. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Meta 8: Tribunais se movimentam para enfrentar a violência doméstica.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87245-meta-8-tribunais-se-movimentam-para-enfrentar-a-
violencia-domestica>. Acesso em: 11 set. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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3 Aspectos Jurídicos do Feminicídio


A Lei nº 13.104/2015 entrou em vigor no mês de março de 2015, alterando
o art. 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como qualificadora do
homicídio. Logo, por ser crime qualificado, já encontra-se no rol dos crimes he-
diondos, nos termos do que dispõe o art. 1º da Lei nº 8.072/90. Logo em seguida
à sanção da referida lei, a ONU (Organização das Nações Unidas) parabenizou
o Brasil pelo que denominou expressamente como um ato político que fortaleceu
a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres32.
Nos termos do agora previsto no Código Penal, considera-se femini-
cídio o homicídio praticado contra mulher por razões da condição do sexo
feminino, o que, nos termos do § 2º-A envolve o homicídio praticado quando
o crime envolve violência doméstica e familiar, ou quando ocorre menospre-
zo ou discriminação à condição de mulher. Ainda, a lei acrescentou o § 7º
ao mesmo art. 121, estabelecendo aumento de pena caso o feminicídio seja
praticado durante a gestação ou nos três primeiros meses após o parto; contra
pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; e na presença
de descendente ou ascendente da vítima.
A expressão, constante atualmente do Código Penal, por razões do sexo
feminino, alterou o projeto original que continha o vocábulo “gênero” no
texto da lei. Ainda assim, a intepretação que parte da doutrina dá à lei é a de
que a qualificadora do feminicídio não faz referência a uma questão de sexo,
que é uma categoria pertencente à biologia, mas relaciona-se a uma questão
de gênero, a qual refere-se à sociologia, que são os padrões sociais do papel
que cada sexo desempenha33.
A Lei nº 13.104/2015 originou-se do Projeto de Lei nº 8.305/2014, ela-
borado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência
contra a Mulher, e trouxe a justificativa da necessidade de uma lei específica
para os crimes contra o gênero feminino pelo aumento no número de assas-
sinato de mulheres, cometidos no próprio lar e por seus companheiros ou
ex-companheiros. Destacou-se que no período de 2000 até 2010, 43,7 mil
mulheres foram mortas no Brasil, vítimas de homicídio, sendo que mais de
40% delas foram assassinadas dentro de suas casas34.

32 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
33 PAES, Fabiana. Criminalização do feminicídio não é suficiente para coibi-lo. Conjur. Disponível em: <https://www.
conjur.com.br/2019-mar-18/mp-debate-criminalizacao-feminicidio-nao-suficiente-coibi-lo>. Acesso em: 30 set.
2019.
34 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
fadisma.com.br/entrementes/anais/wp-content/uploads/2015/08/o-feminicido-como-tentativa-de-coibir-a-violencia-
de-genero-.pdf>. Acesso em: 11 set. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 45

O feminicídio seria, então, um crime de poder, uma vez que mantém,


ou mesmo reproduz, uma lógica de poder a que se submetem as pessoas do
sexo feminino. Ele revela uma ocupação depredadora dos corpos femininos,
fixada em um sistema que não apenas o tolera, mas também a promove, na
medida em que subalterniza o feminino35.
Assim, a conduta toma proporções políticas, uma vez que se compre-
ende a verdadeira natureza do delito, que implica na despersonificação das
mulheres, que seriam mortas, não pelo que são biologicamente, mas pelo que
são forçadas socialmente a serem36.
O Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre
Violência contra a Mulher do Congresso Nacional define feminicídio como:

“É a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da


vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igua-
lando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro;
como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da
violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da
mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento
da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou
degradante.”37

O feminicídio pode ser classificado em três situações, quais sejam: i)


feminicídio íntimo: ocorre quando existe uma relação de afeto ou de paren-
tesco entre a vítima e o agressor; ii) feminicídio não íntimo: existe quando
há uma relação de afeto ou parentesco entre agressor e vítima, mas o crime
se caracteriza pela violência ou abuso sexual; e iii) feminicídio por conexão:
quando uma mulher é assassinada pela mera intervenção na conduta de um
homem que desejava matar outra mulher38.
O crime de feminicídio tem características próprias, quais sejam: é
praticado com o fim de destruição do corpo feminino, com o uso de exces-
siva crueldade, chegando a causar a desfiguração do mesmo; normalmente
é feito com meios sexuais, mesmo que não se manifesto o intento sexual; é
perpetrado no contexto das relações íntimas com o agressor ou por alguma

35 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
36 MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0283.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019.
37 BRASIL. Senado Federal. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório Final. Brasília, jul. 2013.
38 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
fadisma.com.br/entrementes/anais/wp-content/uploads/2015/08/o-feminicido-como-tentativa-de-coibir-a-violencia-
de-genero-.pdf>. Acesso em: 11 set. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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razão pessoal do agressor, podendo ter conexão com a violência doméstica; a


violência utilizada tem predominância das relações de gênero e de desigual-
dade; pode haver situações de terror durante a prática do delito, como, por
exemplo, as vítimas podem ser estupradas, queimadas, asfixiadas, decapitadas,
entre outras; é um crime de apropriação do corpo feminino pelo agressor,
como se fosse um território para uso e comercialização de tudo o que esse
corpo pode oferecer; ocorre como o ápice de um processo de terror, pelo qual
passou a mulher nas mãos do agressor39.
Quanto à última característica, cabe observar que o feminicídio, na
maior parte das vezes, é o término de uma relação conturbada, em que houve
situações anteriores de ameaças, assédios, lesões corporais, além de tantos
outros tipos de violência40.
O feminicídio, na maior parte das vezes cometido pelo parceiro, aconte-
ce, quase sempre, sem premeditação, diferentemente de boa parte das demais
hipóteses de homicídio, em que normalmente existe o planejamento. É o
feminicídio o ponto final de uma derrota da mulher para o homem. Nesses
casos, as penas devem ser maiores em virtude da hipossuficiência física da
mulher frente ao homem41. É sob este aspecto de magnitude do injusto, sob
o ponto de vista da inevitabilidade do resultado morte quando os envolvidos
possuem discrepância física que não permite defesa ao mais fraco, e também
sob a intensificação da medida da culpabilidade, pela covardia do ato, que
se sustenta incremento de reprimenda penal. Um terceiro alicerce para o
tratamento mais gravoso é a natural diminuição da vigília dispensada em
ambientes domésticos, o que dificulta ou impossibilita a defesa da vítima.
Fazendo um corte de gênero, e outro situacional, tem-se que o ato violento
contra um homem enquanto ele trafega na rua é o que teria menos chance de
se concretizar, pois é praticado contra o fisicamente mais habilitado a reagir e
num contexto de máxima vigília. A situação muda quando se muda o gênero
e o local do ataque, sendo que o ataque à mulher no ambiente doméstico (ou
então realizado por aquele que já captou sua confiança) é o que tem maior
chance de êxito em seu desiderato danoso. Tais fundamentos são evidentes,

39 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
fadisma.com.br/entrementes/anais/wp-content/uploads/2015/08/o-feminicido-como-tentativa-de-coibir-a-violencia-
de-genero-.pdf>. Acesso em: 11 set. 2019.
40 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
fadisma.com.br/entrementes/anais/wp-content/uploads/2015/08/o-feminicido-como-tentativa-de-coibir-a-violencia-
de-genero-.pdf>. Acesso em: 11 set. 2019.
41 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
p. 73.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 47

e até mesmo intuitivos, no sentido de demandar uma resposta penal mais


enérgica no feminicídio.
Conforme o discurso prevalente, o feminicídio atinge mulheres pelo
simples fato de serem mulheres, apenas pelo fato de serem do gênero femi-
nino. É um crime de ódio ao feminino. Constituiria o ponto máximo de uma
sequência de atos violentos originados por uma relação desigual, oriunda de
uma sociedade patriarcal42.
É nesse ponto que se torna necessária avaliar se essa “estrutura patriar-
cal”, sociologicamente defendida como verdadeira, teria o condão de aumentar
a pena. A questão é relativamente simples, trata-se da observação do fenôme-
no, sob o ponto de vista do embate entre determinismo e livre arbítrio. Se as
pessoas estão imersas num ambiente cultural que replica de forma incessante
o discurso da superioridade masculina, com a contrapartida da obediência
feminina a ser obtida com o recurso da violência se preciso for, aquele que
assim agir estará agindo conforme os valores introjetados ao longo da vida.
Alicerçar o necessário repertório de medidas para debelar a violência contra a
mulher na existência de um entorno cultural que prega a naturalidade dessa
mesma violência é dogmaticamente contraditório. É, por exemplo, inverter
a lógica da coculpabilidade43.
A violência contra a mulher com base na misoginia se opera com o fe-
nômeno da desumanização que se desenvolve nas seguintes etapas: de início
ocorre o distanciamento ou a indiferença diante de tais vítimas; após, vêm as
diferenças, que concebem as vítimas como distintas e estranhas; posteriormen-
te, em um terceiro momento, elas são vistas como inimigas ou indesejáveis;
e, finalmente, são tidas como não humanas, ou seja, seres não dotados de
direitos, sendo que disso advém a mutilação, a tortura e o extermínio, sem
qualquer sentimento de culpa44. Para que esse processo, que atua nitidamente

42 PAES, Fabiana. Criminalização do feminicídio não é suficiente para coibi-lo. Conjur. Disponível em: <https://www.
conjur.com.br/2019-mar-18/mp-debate-criminalizacao-feminicidio-nao-suficiente-coibi-lo>. Acesso em: 30 set.
2019.
43 “Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado.
Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de determinação, posto que a sociedade – por
melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades.
Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por
causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da
reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘coculpabilidade’, com a qual a própria sociedade
deve arcar. Tem-se afirmado que este conceito de coculpabilidade é uma ideia introduzida pelo direito penal socialista.
Cremos que a coculpabilidade é herdeira do pensamento de Marat (ver n. 118) e, hoje, faz parte da ordem jurídica de
todo Estado Social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem cabimento no Código
Penal mediante a disposição genérica do art. 66.” (ZAFFARONI, E. R. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.
8. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 525)
44 BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Uma mulher é morta a cada hora no Brasil. CNJ – Conselho Nacional
de Justiça. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87245-meta-8-tribunais-se-movimentam-para-
enfrentar-a-violencia-domestica>. Acesso em: 11 set. 2019.
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como uma patologia, se instale é necessário que o infrator tenha assimilado um


arsenal de justificativas, pseudomorais ou pseudocientíficas, para validar cada
etapa, e se existe uma conjuntura sociológica propiciando e alimentando tais
pretextos o infrator misógino, de alguma forma, agiu conforme as expectativas.
É por isso que o discurso da violência sistematizada pelo patriarcado se pode
servir para ações preventivas e para instruir um projeto de lei, não deve ser
utilizada dogmaticamente para fundamentar sanções penais mais severas para
o feminicídio. Essa constatação está na própria elaboração de quem vincula a
violência de gênero à questão patriarcal, quando se reconhece que os abusos
físicos e psicológicos, que normalmente precedem o feminicídio, têm por
fim submeter a mulher a uma situação de dominação patriarcal masculina e
a um padrão cultural de subordinação, que vem de várias gerações45. Tão só
o fato de identificar a transcendência geracional do padrão cultural já reforça
o status de determinismo sociológico imanente no discurso que correlaciona
o patriarcado e a violência de gênero.

Conclusão
A violência contra a mulher, conforme discurso predominante, encon-
tra-se enraizada na cultura de nossa sociedade. Essa nota desabonadora deriva
da base patriarcal na qual nossa sociedade estaria estruturada, fortemente li-
gada ao conceito de gênero, e aos papéis que cada um tem que desempenhar.
Tenha essa constatação acertado, ou não, na causa da violência de gênero, o
certo é que se pode servir de inspiração para a criação do acervo de leis ins-
trumentalizadas para coibir qualquer tipo de violência de gênero, uma vez
que identifica um comportamento endêmico, não pode servir para majorar
a medida da culpabilidade, já que postula um contexto determinista, em que
a conduta do agressor ressai do sistema, como uma subproduto inevitável.
Ao contrário, a justificativa da majoração de pena para a violência de
gênero (diferença física entre os sexos e diminuição da vigília no ambiente
doméstico) deve demonstrar de modo inequívoco que o ato em si é, antes de
mais nada, um ato livre, apartado de supostas amarras sociais que autorizam
ou exigem que o homem se comporte como descrito no arquétipo patriarcal.
Ainda que irrefletido, o ato violento contra pessoa mais fraca, e que desfruta
de convívio com o agressor, é sempre uma escolha livre e consciente, não
podendo se justificar em tal ou qual padrão cultural, predominante ou não.

45 AQUINO, Quelen Brondani de; KONTZE, Karine Brondani. O feminicídio como tentativa de coibir a violência
de gênero. Anais da semana acadêmica Fadisma Entrementes, Santa Maria, v. 12, 2015. Disponível em: <http://sites.
fadisma.com.br/entrementes/anais/wp-content/uploads/2015/08/o-feminicido-como-tentativa-de-coibir-a-violencia-
de-genero-.pdf>. Acesso em: 11 set. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 49

Se o legislador tem a real intenção de prevenir os casos de mortes de


mulheres por parceiros ou ex-parceiros, elevar o delito à hediondez é, sim,
um passo necessário para inflar o potencial intimidativo da norma, atendendo
às demandas da prevenção geral negativa. Mas a prevenção geral positiva, via
infusão de valores pela previsão e imposição da pena, também é expediente
central para reduzir a estatística macabra. E a infusão de valores é a consagração
da relevância do bem jurídico tutelado (intangibilidade da mulher), e não a
demonstração (ou demonização) da suposta figura que seria o arquétipo do
infrator. Ao fundar o lastro da maior reprimenda penal no discurso da estru-
tura patriarcal se incorre, então, em dois equívocos: a um, se cria um roteiro
determinístico que dogmaticamente tem o condão de temperar a sanção
penal do ente masculino (e não majorá-la), a dois, se perde a sinalização da
importância da salvaguarda da figura feminina (cabeça da maioria esmagadora
das famílias monoparentais).
O grau de reprovação como dosador da pena, baseado no fundamento
material da culpabilidade (“poder agir de outro modo”) perde intensidade
quando se normaliza o desvio, e todo cabedal de ideias deterministas acaba
por remeter a pena para a ideia de periculosidade, em que a neutralização do
inevitável acontecimento ilícito acaba por ser sua solitária função.
Em sede criminal, os estudos sobre o arranjo e os papéis que os gê-
neros assumem no cotidiano tem melhor colocação em sede criminológica,
ciência etiológica, que se ocupa em explicar a origem do delito considerado
como fenômeno individual, mas também sob a ótica coletiva. Identificar que
existem agressores cujo catalisador é a incompreensão do papel da mulher
na sociedade atual, ou mesmo a sua total despersonificação, em sede crimi-
nológica, sinaliza para uma necessidade de maior proteção aos bens jurídicos
personalíssimos da mulher. Já em sede de dogmática penal tem o condão de
equipará-los a pessoas desprovidas de autodeterminação, e quiçá de discerni-
mento. A mesma razão subjacente cria efeitos práticos distintos, a depender
de onde se encaixa o discurso.
Desse modo, justifica-se a tipificação do feminicídio como delito
homicídio qualificado e crime hediondo, aumentando-se as sanções penais,
prevendo um maior tempo de prisão temporária, considerando-se o direito
de progressão de regime de cumprimento de pena de forma mais gravosa do
que de um crime comum, não considerado hediondo, pelas já expostas razões
de distância física entre homens e mulheres e pela diminuição da vigília no
ambiente doméstico.
A tipificação penal do feminicídio contribui, sim, para uma mudança
de cultura, na medida em que reforça o princípio da dignidade humana, ga-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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rantindo que as mulheres tenham seus direitos humanos preservados, mas


na medida em que enaltece estes mesmos direitos, e não na medida em que
encapsula a relação entre os gêneros em campos segmentados, num desenho
reducionista de uma relação complexa. Se essa visão serve de anteparo a ini-
ciativas pretéritas à lei, não deve, e não pode, avançar para o momento em que
esta é aplicada, sob pena de, na prática, inverter seu escopo.

TITLE: Femicide: grounds for aggravated punishment.

ABSTRACT: This article aims at analyzing gender violence in the contemporary legal system by jointly
examining the Maria da Penha Law (Law no. 11,343/06) and Law no. 13,104/2015, which amended Article
121 of the Penal Code in order to establish femicide as an aggravated crime. Such analysis is relevant,
considering the increase of femicide cases throughout Brazil, even after the changes carried out in leg-
islation, which institute harsher punishment for perpetrators of this type of crime. This text correlates
the relations of gender inequality with the infliction of violence against women over the years. In this
respect, the need for harsher punishment to eradicate this type of violence contradicts the alleged basis of
patriarchal structure. Literature review was the methodology used in this study.

KEYWORDS: Violence against Women. Gender. Femicide.

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Recebido em: 21.10.2019


Aprovado em: 20.11.2019
Doutrina

Reflexões sobre o Regime Inicial de


Cumprimento de Pena

Gustavo Octaviano Diniz Junqueira


Mestre e Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUC-SP; Professor de Direito Penal
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Defensor
Público em São Paulo.

Oswaldo Henrique Duek Marques


Livre-Docente em Direito Penal e Doutor em Psicologia
Clínica pela PUC-SP; Professor Titular em Direito Penal
da PUC-SP; Procurador de Justiça aposentado do Ministério
Público de São Paulo; Consultor e Parecerista Jurídico.

RESUMO: No presente artigo, procuramos demonstrar a incoerência interna


e a ausência de proporcionalidade na legislação penal vigente entre a duração da
pena privativa de liberdade e o regime inicial de seu cumprimento, ao permitir
que o juiz aplique regime inicial mais gravoso, com base no art. 59 do Código
Penal, mesmo quando cabível a fixação de regime prisional mais brando pela
duração da pena imposta. Diante da impossibilidade do ne bis in idem em matéria
penal, mostramos existir dupla valoração das circunstâncias judiciais do referido
artigo, na fixação da pena e na definição do regime inicial de seu cumprimento.
Ao final, apresentamos uma sugestão de alteração legislativa, por ser mais coe-
rente com a individualização da pena fixar o regime inicial prisional com base
exclusivamente na duração da pena, estabelecida nos termos do art. 68 do Código.

PALAVRAS-CHAVE: Pena de Prisão. Regime Inicial. Dupla Valoração. Proposta


Legislativa.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Do Cálculo da Pena. 2 Dos Sistemas de Individuali-


zação Judicial da Pena. 3 Ne Bis In Idem. 4 Do Regime Inicial de Cumprimento
da Pena. Conclusões. Referências.

Introdução
Tentamos demonstrar neste estudo uma possível incoerência interna
e ausência de proporcionalidade na legislação penal vigente entre a duração
da pena privativa de liberdade e o regime inicial de seu cumprimento, ao
permitir que o juiz aplique regime inicial mais gravoso, com base no art. 59
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 53

do Código Penal, mesmo quando cabível a fixação de regime prisional mais


brando pela duração da pena imposta.
Para tanto, analisamos, em sua primeira parte, o cálculo da pena privativa
de liberdade, nos termos do art. 68 do Código Penal, com exame das circuns-
tâncias judiciais previstas no art. 59 desse Código. Em seguida, apreciamos
os principais sistemas de fixação da pena, com o objetivo de estabelecer uma
crítica sobre a viabilidade de critérios distintos para a quantidade e qualidade
da pena. O princípio do ne bis in idem é objeto de estudo no item subsequente,
com destaque para seu reconhecimento como direito humano e premissa
lógica para o procedimento de imposição de pena. Na sequência, discorremos
a respeito dos critérios atuais para fixar o regime inicial de cumprimento da
sanção penal.
Com base nessa pesquisa, procuramos confirmar a necessidade de
mudança na legislação penal, a fim de que o regime inicial de cumprimento
da pena tenha como parâmetro exclusivo a duração da pena privativa de liber-
dade, evitando-se a dupla valoração do citado art. 59, vedada na órbita penal.
Ao final, apresentamos uma proposta de alteração legislativa, com o
objetivo de tornar o regime inicial de cumprimento da pena proporcional
à gravidade intrínseca do crime e às circunstâncias que o envolvem, tanto
em relação aos aspectos objetivos quanto no tocante aos critérios subjetivos,
voltados a prevenir e reprovar a infração penal.

1 Do Cálculo da Pena
Pela regra do art. 68 da legislação penal vigente, foi adotado o sistema
trifásico do cálculo da pena. Na primeira etapa, a pena será fixada com base
nas circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código, dentro dos limites
previstos no preceito sancionador do tipo fundamental ou de eventual qua-
lificadora. Na segunda etapa, serão consideradas as circunstâncias agravantes
e atenuantes e, por último, incidirão as causas de diminuição e de aumento
de pena. Somadas essas etapas, constatamos ser exaustivo verificar os fatores
a serem considerados na quantidade da sanção penal.
A escolha dessas fases não é aleatória. Na primeira delas, são mensura-
das as chamadas circunstâncias judiciais, cuja denominação advém da ampla
margem de arbítrio do julgador ao estabelecer seu sentido: a compreensão
do que pode ser uma boa ou má conduta social exige intenso – e prudente –
arbítrio, como, por exemplo, no caso da embriaguez frequente aos finais de
semana, passível de ser interpretada como hábito degenerado, imoral e nocivo,
ou como comportamento neutro. De fato, a circulação de bebidas alcoólicas
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
54

é permitida e até mesmo incentivada em propagandas, e a embriaguez em si


não é tida como ilícita. Além do arbítrio na atribuição de sentido às circuns-
tâncias judiciais, o principal critério para incrementar ou diminuir a pena em
razão de alguma dessas circunstâncias é o prudente arbítrio do juiz, ainda que
determinadas regras pretorianas sejam adotadas (BOSCHI, 2006, p. 219).
Na segunda fase, incidem as agravantes e atenuantes, classificadas como
circunstâncias legais, pois seus sentidos teriam definição legal, limitando o
arbítrio judicial. Se o sentido é definido na lei, a interferência da circuns-
tância, ou seja, o quantum de gravame ou atenuação da pena ainda depende
do prudente arbítrio do juiz. Apenas na terceira fase é que o arbítrio judicial
seria efetivamente minimizado, pois as causas de aumento ou diminuição são
circunstâncias legais, ou seja, têm sentido definido em lei, e também a inter-
ferência na sanção é clara na legislação, que caracteriza tais circunstâncias pelo
uso de frações expressas de interferência na pena, como no caso da tentativa
(art. 14, parágrafo único, do Código Penal, com aumento de um sexto a dois
terços) ou de participação de menor importância (art. 29, § 2º, do Código
Penal, com diminuição de um sexto a um terço). Possível concluir, portanto,
que o sistema trifásico é um mecanismo de controle do arbítrio, que parte da
grande margem de escolha para a mínima, incrementando segurança jurídica.
As circunstâncias judiciais previstas no referido art. 59, que servem
de parâmetro para fixar a pena-base, são a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e
consequências do crime, bem como o comportamento da vítima. Elas são
chamadas de judiciais em razão do maior arbítrio do magistrado ao valorá-las,
o que não significa atalho para a arbitrariedade, uma vez que a ponderação
deve ser detalhadamente fundamentada (GIL GIL et al., 2018, p. 266).
Em relação à culpabilidade,

“afastados da doutrina penal os sentidos originários de intensidade do dolo


e da culpa, e com a ausência de outro sentido que possa ser considerado
paradigma na construção dogmática atual, a culpabilidade só pode ser
entendida com grau de reprovabilidade social da conduta concretamente
considerada, levados em conta elementos não expressamente tratados
como circunstâncias judiciais ou legais, para que se evite o bis in idem.”
(JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2019, p. 599)

Antecedentes referem-se aos fatos de natureza penal ocorridos antes da


prática do crime. De acordo com a Súmula nº 444 do STJ, “é vedada a utilização
de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. Para
evitar o bis in idem, quando o fato anterior gerar a agravante da reincidência,
que incide na segunda etapa do cálculo da pena, não poderá ser considerado
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 55

como antecedente – circunstância judicial – na primeira etapa desse cálculo.


É nesse sentido a Súmula nº 241 do STJ. Já a conduta social refere-se ao
comportamento do indivíduo na comunidade e no ambiente familiar.
A personalidade do agente, por sua vez, corresponde à característica
psíquica do sujeito ativo diante da coletividade. Ela deve guardar relação de
causa e efeito com a infração penal cometida. Segundo Guilherme de Souza
Nucci (2015, p. 171-172), são exemplos de aspectos positivos da personalidade:

“bondade, alegria, persistência, responsabilidade nos afazeres, franqueza,


honestidade, coragem, calma, paciência, amabilidade, maturidade, sensi-
bilidade, bom-humor, compreensão, simpatia; tolerância, especialmente à
liberdade de ação, expressão e opinião alheias; aspectos negativos: agressi-
vidade, preguiça, frieza emocional, insensibilidade acentuada, emotividade
desequilibrada, passionalidade exacerbada, maldade, irresponsabilidade no
cumprimento das obrigações, distração, inquietude, esnobismo, ambição
desenfreada, insinceridade, covardia, desonestidade, imaturidade, impa-
ciência, individualismo exagerado, hostilidade no trato, soberba, inveja,
intolerância, xenofobia, racismo, homofobia, perversidade.”

Como acrescenta o autor, para a fixação majorada da pena-base, um


desses aspectos negativos deve ser o móvel propulsor na prática do crime
(NUCCI, 2015, p. 172).
Os motivos dizem respeito às razões que levaram o agente a cometer
o crime. Na visão de Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini (2019, p. 609),
“são compreendidos como motivos todos os fatores que levam à prática da
conduta penalmente relevante”. Como concluem, “deve influir na operação
judicial a valoração social dos motivos que determinaram a prática delitiva.
Assim, o sujeito que age para saciar a fome ou dor de sua família tem motivo
menos socialmente reprovável que aquele que age por pura cobiça ou pre-
conceito” (2019, p. 609).
Já as circunstâncias referem-se às características do crime, como local,
horário e outros fatores que circundam o delito, não especificadas na legislação.
As consequências do crime, por seu turno, dizem respeito ao prejuízo provo-
cado pela ação delitiva, que não seja inerente à tipicidade. Finalmente, deve
ser avaliado o comportamento da vítima, considerado pelo legislador como
eventual provocação da vítima, a ponto de justificar maior reprovabilidade
do infrator. Conforme ressaltado em estudo anterior, “o comportamento da
vítima não deveria ser considerado como circunstância judicial desfavorável
na individualização da pena do infrator, se tal comportamento não chega a
ofender ou por em perigo bens jurídicos de terceiros, permanecendo dentro
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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da esfera de liberdade conferida constitucionalmente às pessoas, sob pena de


ofensa aos Direitos e Garantias Fundamentais” (MARQUES, 2001, p. 382).
Conforme mencionado, após a fixação da pena-base, com a verificação
das circunstâncias judiciais previstas no referido art. 59, incidirão, na segunda
etapa do cálculo da pena, as agravantes (arts. 61 e 62 do CP) e atenuantes (art.
65 do CP). Por último, completando o sistema trifásico, serão consideradas
as causas de aumento e de diminuição de pena.
Estipulada a quantidade de pena, deverá, então, ser fixado o regime
inicial de cumprimento de pena. Ato contínuo, o juiz apreciará a possibilidade
de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa
e, por fim, avaliará se é possível conceder sursis.
O longo e técnico procedimento de determinação judicial da pena
deve receber a devida importância. Os mesmos parâmetros de racionalidade,
precisão dogmática e obediência aos princípios constitucionais e direitos
fundamentais reconhecidos na análise da teoria do crime devem ser repetidos
na atribuição da pena, momento culminante para se legitimar a dor imposta
ao condenado pela perda temporária da liberdade. Na advertência de Hörnle
(2003), é necessária análise crítica do processo de fixação da pena que trans-
cenda a mera repetição de conclusões indutivas consagradas nos tribunais, pois
a marginalização do tema contribui para a repetição de fórmulas tradicionais
sem que se reflita sobre sua legitimidade ou rendimento.

2 Dos Sistemas de Individualização Judicial da Pena


Embora consagrado o sistema trifásico como procedimento para a
fixação da pena no Brasil, são muitas as questões relacionadas com os obje-
tivos envolvidos na ponderação das mencionadas circunstâncias e, por isso,
merecedoras de maior reflexão. Entre elas, podemos indagar: existe uma pena
exata a ser identificada pelo julgador, ou apenas limites dentro dos quais sua
discricionariedade é maximizada? O limite da culpabilidade é máximo ou
também mínimo, como em uma moldura? São várias as respostas e os cor-
respondentes sistemas de determinação da pena. Entre os sistemas de deter-
minação da pena merecem destaque a busca de uma pena exata, a proibição
de exceder a culpabilidade, a teoria da margem de liberdade, a teoria do valor
de emprego e a teoria da proporcionalidade com o fato.
A teoria da pena exata parte da premissa de que existe uma única pena
totalmente adequada ao crime e ao seu autor, e é função do julgador encontrá-
la, por meio do sistema de aplicação da pena, ao cotejar as circunstâncias que
permitirão determinar quantidade e qualidade da sanção. A proibição de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 57

exceder a culpabilidade traça o limite máximo da pena como o grande marco


a ser considerado, e não haveria problema na pena inferior ao limite da cul-
pabilidade, mormente em busca de objetivos de prevenção especial. A teoria
da margem de liberdade traça uma moldura de culpabilidade, no âmbito da
qual finalidades preventivas seriam manejadas em busca de objetivos político-
criminais. Na teoria da proporcionalidade do fato são afastadas as demandas
preventivas na fixação da pena, e assim o procedimento de individualização
teria como únicos critérios a gravidade do fato de acordo com a nocividade
do comportamento no caso concreto e a culpabilidade do autor, que permiti-
riam maior igualdade na atribuição das sanções (CRESPO, 1999, p. 203). Na
teoria do valor de emprego ou posição, a quantidade da pena seria indicada
pela medida da culpabilidade, mas na qualidade ou espécie de pena devem
preponderar finalidades preventivas. Possível perceber, na lição de Figueredo
Dias, que a teoria do valor emprego ou posição busca exatamente impedir o
bis in idem no cotejo dos vetores, impedindo, por exemplo, que as circuns-
tâncias que buscam orientar finalidades preventivas (e o autor as relaciona
com a personalidade do autor) sejam duplamente valoradas, em primeiro na
quantidade e então na espécie da pena (DIAS, 2005).
Em todos os sistemas de individualização judicial da pena indicados,
a medida da culpabilidade é limite peremptório: não pode ser ultrapassada
por finalidades preventivas. Ao contrário, as finalidades preventivas poderiam
recomendar pena aquém do limite da culpabilidade, ou mesmo na mínima
culpabilidade considerada, na teoria do espaço de jogo. Em outras palavras,
conclui-se que nem a quantidade nem a espécie de pena ou o regime de
cumprimento de pena podem ultrapassar a medida da culpabilidade em prol
de carências preventivas, mas nada obsta que permitam fixar quantidade, qua-
lidade ou regime mais ameno para maximizar a prevenção especial positiva,
por exemplo. Por todos, é a lição encontrada na consagrada prevenção integral
de Roxin, na qual a prevenção especial negativa prepondera na fixação da pena
pelo julgador (segundo momento na individualização da pena, antecedida pela
cominação legislativa e sucedida pela execução da pena), mas a sanção não
poderá ultrapassar o limite da culpabilidade, podendo restar aquém do teto
para viabilizar a integração social do condenado (preventiva especial positiva),
desde que não inviabilize, no piso, a prevenção geral positiva.
O limite da culpabilidade está diretamente relacionado com a dignidade
da pessoa humana: punir além do desvalor imposto ao sujeito pela prática do
fato significa coisificar o condenado, submetendo-o à condição de meio para
alcançar fins preventivos, o que não se pode admitir, mormente diante do
fundamento do Estado brasileiro de respeito à dignidade da pessoa humana,
previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
58

Ausente na legislação brasileira adoção expressa de um ou outro mode-


lo, o importante é perceber que os parâmetros de racionalidade impõem, de
um lado, a obediência ao limite da culpabilidade no caso concreto em todas
as facetas da pena, incluídas a espécie de sanção e, no caso da pena privativa
de liberdade, o regime inicial de cumprimento. Além disso, é indiscutível a
necessária obediência ao ne bis in idem, princípio geral positivado na Convenção
Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8.4.

3 Ne Bis In Idem
O princípio do ne bis in idem nasce na Antiguidade, proibindo a dupla
persecução pelo mesmo fato, ou seja, com índole processual. É aperfeiçoado
e passa a irradiar efeitos que transcendem o aspecto processual, tomando
um efeito transversal no controle da multiplicidade de sanções de diversas
naturezas pelo mesmo fato (como a civil e a penal), e ainda no duplo desvalor
sobre a mesma circunstância de fato, foco do presente estudo.
A proibição de duplo desvalor sobre a mesma circunstância de fato
é usualmente admitida na consideração de um mesmo objeto de valoração
para o reconhecimento da prática do crime e, em momento posterior, para
o incremento da pena, na individualização (CHOCLÁN MONTALVO,
1997). Determinado dado já previsto como elementar do tipo não pode ser
considerado também como circunstância capaz de majorar a pena, como no
caso da condenação por homicídio – cuja morte da vítima constitui elementar
do tipo penal.
O nefasto duplo desvalor da mesma circunstância de fato também pode
se concretizar no repetido uso da mesma circunstância para incrementar a
pena, ainda que em diferentes fases da dosimetria. A Súmula nº 241 do STJ
busca coibir que uma mesma condenação criminal possa ser usada como
circunstância judicial desfavorável na fixação da pena-base e, depois, como
agravante na determinação da pena intermediária. O fundamento encontrado
nos precedentes da súmula é exatamente a vedação do bis in idem.
Diante de tão sólida construção sobre o ne bis in idem na fixação da pena,
parece inevitável questionar se seria permitida a dupla valoração das circuns-
tâncias objetivas e subjetivas do art. 59 do Código Penal, com o objetivo de
fixar a quantidade da pena e, em seguida, a qualidade do regime inicial de
cumprimento de pena, mormente quando, nos termos do art. 33 do Código
Penal, a quantidade da pena é o principal critério para determinar a qualidade
do referido regime inicial. Ora, se a premissa é que a fixação da quantidade da
pena realiza análise exauriente sobre as circunstâncias, e mesmo com o reco-
nhecimento de circunstâncias desfavoráveis a quantidade da pena não alcançou
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 59

o patamar fixado em lei para determinar regime mais grave, o novo desvalor
da mesma circunstância para incrementar o sofrimento do condenado com
a imposição direta do regime mais grave – apesar da pena insuficientemente
alta diante dos parâmetros legais – viola, inegavelmente, o ne bis in idem.

4 Do Regime Inicial de Cumprimento da Pena


De acordo com a legislação penal em vigor, três são os regimes de cum-
primento da pena privativa de liberdade: aberto, semiaberto e fechado. Pela
regra do art. 33 do Código Penal, a pena de reclusão pode ser cumprida em um
dos três regimes referidos. Já a de detenção, somente no regime semiaberto
ou aberto. Em se tratando de regime fechado, a execução da pena privativa de
liberdade ocorre em estabelecimento de segurança média ou máxima (art. 33,
§ 1º, a, do CP), e o condenado está sujeito a trabalho no período diurno e iso-
lamento no noturno (art. 34, § 1º, do CP). O trabalho externo só é admissível
em serviços ou obras públicas (art. 34, § 2º, do CP). No regime semiaberto,
a pena é cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar
(art. 33, § 1º, b, do CP), e o trabalho externo é admissível, além de o apenado
poder frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segun-
do grau ou superior (art. 34, § 3º, do CP). No regime aberto, por sua vez,
baseado na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (art. 36
do CP), a execução da pena se dá em casa de albergado ou estabelecimento
adequado (art. 33, § 1º, c, do CP). Nesse regime, o condenado só deve perma-
necer recolhido durante o repouso noturno e nos dias de folga, devendo, fora
do estabelecimento prisional e sem qualquer vigilância, trabalhar, frequentar
curso ou exercer atividade autorizada (art. 36, § 1º).
Pela redação do § 2º do art. 33 do Código Penal, a fixação do regime
inicial fechado será sempre obrigatória, quando a pena for superior a oito anos
de reclusão. Se for superior a quatro anos e não exceder oito anos de reclusão,
o condenado poderá iniciá-la em regime semiaberto, caso não seja reincidente.
Já o condenado a pena não superior a quatro anos poderá iniciá-la em regime
aberto, se não for reincidente.
Entretanto, de acordo com o Código vigente, a quantidade da pena, por
si só, afigura-se insuficiente para a fixação do regime inicial de cumprimento
de pena não superior a oito anos de reclusão, diante do estabelecido no § 3º do
citado art. 33, que estabelece a possibilidade de o juiz fixar regime inicial mais
grave, mesmo quando a quantidade da pena, por si só, permite regime mais
brando. De fato, segundo esse dispositivo, “a determinação do regime inicial
de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no
art. 59 deste Código”. Sobre esse dispositivo, como constou na Exposição
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
60

de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (Lei nº 7.209/84), em seu


item 34, “a opção pelo regime inicial da execução cabe, pois, ao juiz, que o
estabelecerá no momento da fixação da pena, de acordo com os critérios es-
tabelecidos no art. 59, relativos à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social e à personalidade do agente, bem como aos motivos e circunstâncias do
crime”. Nessa linha de raciocínio, a Súmula nº 719 do STF: “A imposição do
regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige
motivação idônea”.
Conforme ressaltado em outro estudo, embora a legislação atual permita
ao magistrado fixar o regime inicial com observância aos critérios previstos
no art. 59 do Código, afigura-se mais coerente com a individualização da
pena fixar do regime inicial com base exclusiva no cálculo da sanção, nos
termos do art. 68 do Código (MARQUES, 2006). De fato, considerada a
pena prevista no receito secundário do tipo penal, bem como o conjunto de
todas as circunstâncias capazes de influir na sua dosagem, a quantidade maior
ou menor da sanção imposta é que irá determinar o maior ou menor grau de
reprovabilidade e a necessidade maior ou menor de prevenção e, por via de
consequência, o regime inicial mais brando ou mais gravoso. Dessa ótica, em
face dessa sugestão, a Súmula nº 719 perderia sua eficácia.
Com efeito, a gravidade do crime guarda estreita relação com a duração
da pena privativa de liberdade, nos termos do cálculo estabelecido no art. 68
do Código, com base na sanção abstratamente prevista no preceito secundário
para cada infração penal. Sem dúvida, o tempo é o verdadeiro significante da
pena, razão pela qual se deve buscar, com certo equilíbrio, uma medida pro-
porcional entre o crime cometido, com todas as suas circunstâncias objetivas
e subjetivas, e a duração da sanção penal. Como ressalta Ana Messuti (2003,
p. 37), “sendo o tempo o principal elemento da pena, não pode ficar à mercê
da imprecisão. A determinação temporal da pena adquire uma importância
fundamental”.
Para a autora, “a pena de prisão, que veio para humanizar o direito, para
substituir a barbárie dos castigos corporais, afeta o sujeito em seu ponto mais
vulnerável: esse pouco tempo de vida que lhe corresponde, e que é a própria
vida” (MESSUTI, 2003, p. 62). Como conclui, “a constante insatisfação na
busca da justa proporção entre delito e pena deve-se à concepção de um sujeito-
habitante da prisão que não devém do tempo individual, o tempo entre seu
nascimento e sua morte, mas no tempo de todos” (MESSUTI, 2003, p. 62).
É importante ressaltar que, na fixação da pena-base (art. 59 do CP),
todas as circunstâncias subjetivas e objetivas do crime foram consideradas – em
especial a culpabilidade do agente –, com vistas a prevenir e reprovar o crime, não
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 61

se justificando um bis in idem ou dupla valoração – vedada em matéria penal – na


aferição das mesmas circunstâncias previstas no art. 59 do Código, por ocasião
da fixação do regime inicial de cumprimento da pena.
A esse respeito, como sustenta Anabela Miranda Rodrigues, “no âmbito
da valoração dos fatores de medida da pena vigora o princípio – comumente
conhecido por princípio da proibição de dupla valoração – de que não de-
vem ser apreciados para efeitos de determinação de medida da pena aqueles
fatores que se referem a aspectos já tidos em consideração pelo legislador ao
estatuir as molduras penais” (RODRIGUES, 1995, p. 594). Evidente que
não só a duração da privação de liberdade, como também o regime inicial de
seu cumprimento integram a medida e a determinação da pena, a confirmar,
nesse caso, a impossibilidade de dupla valoração das circunstâncias judiciais
(art. 59 do CP).
Por esses motivos, parece-nos que o regime inicial de cumprimento
deve ter como parâmetro exclusivo a quantidade final da pena, com base no
seu cálculo trifásico, previsto no art. 68 do Código Penal. Esse critério nos
parece mais racional, seguro e uniforme para o estabelecimento do regime
inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, além de proporcional
à gravidade inerente ao crime em sua totalidade, tanto em relação aos seus
requisitos objetivos quanto no tocante aos critérios subjetivos, em especial,
aos relativos à culpabilidade do infrator, sem esquecer que a pena imposta, em
quantidade e qualidade, deve ser sempre a menor possível nas circunstâncias
dadas (BECCARIA, 2002). A obediência a um critério objetivo, descrito na
lei, maximiza o princípio da legalidade na fixação da pena e restringe o arbítrio
judicial, reforçando as bases de um Direito Penal compatível com um Estado
de Direito (ROIG, 2013).
Reforça o argumento a percepção de que a dinâmica do sistema trifásico
esgota a análise da reprovação do autor no caso concreto, estabelecendo o limite
da culpabilidade na quantidade da pena, que, por sua vez, guarda, desde logo,
relação com determinado regime de cumprimento de pena, conforme tabela
já transcrita no art. 33 do Código Penal. Fixar regime prisional mais grave do
que o recomendado pela quantidade da pena seria, enfim, desobediência ao
limite da culpabilidade na qualidade da pena, em evidente abuso das carências
preventivas, e em um Estado Democrático de Direito não se pode admitir
que a pena supere o limite da culpabilidade (ROXIN, 2019). Ao contrário,
como foi possível perceber na análise dos sistemas de determinação da pena,
seria possível ao julgador fixar pena em regime mais ameno que o imposto
pela quantidade da pena, mas jamais mais grave que aquele.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
62

Conclusões
Do exposto, podemos extrair as seguintes conclusões:
1. O cálculo da pena é regulamentado na lei de forma a efetivar o
princípio constitucional da individualização da pena em todos os seus as-
pectos, ou seja, quer na quantidade ou qualidade, com adoção do sistema
trifásico. São vários os sistemas de aplicação da pena, mas não se admite, no
Direito Penal de um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade
da pessoa humana, que a pena ultrapasse, na quantidade ou qualidade, o
limite da culpabilidade.
2. O princípio do ne bis in idem, direito humano previsto em diversos
tratados internacionais e aplicável no Brasil por conta da Convenção Ame-
ricana de Direitos Humanos, proíbe o duplo desvalor sobre o mesmo fato,
vedando a repetição de julgamentos, a pluralidade de sanções e também a dupla
consideração das mesmas circunstâncias para agravar a pena do condenado.
3. O Código Penal aponta a quantidade da sanção como critério obje-
tivo para fixar o regime inicial de cumprimento de pena. Se a quantidade da
pena foi fixada no limite da culpabilidade do autor, a imposição de regime
mais grave que o indicado pelo legislador como adequado à quantidade da
pena traduz punição superior ao limite da culpabilidade, que não pode ser
admitida. Além de extravasar o limite da culpabilidade, a dupla consideração
das mesmas circunstâncias para agravar a quantidade da pena e, em momento
posterior, agravar o regime, revela bis in idem que viola tratados internacionais
de proteção aos direitos humanos.
4. A legislação brasileira deve ser alterada para serem revogados o inci-
so III do art. 59, e o § 3º do art. 33, ambos do Código Penal, que preveem a
fixação do regime inicial de cumprimento de pena com base nas circunstân-
cias judiciais do referido art. 59, já consideradas no cálculo da pena. Como
consequência dessa providência legislativa, o regime inicial de cumprimento
de pena será determinado pelo quantum da pena, nos termos do § 2º do art. 33
do Código, em perfeita consonância com o princípio da proporcionalidade e
da equidade, que devem nortear a individualização da pena.
5. Para evitar qualquer dúvida por parte do intérprete e para maior se-
gurança jurídica, sugerimos sejam alteradas as alíneas b e c do § 2º do art. 33
do Código Penal, que passariam a ter a seguinte redação: b) O condenado não
reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito),
deverá, desde o início, cumpri-la em regime semiaberto; c) O condenado não
reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, deverá, desde o
início, cumpri-la em regime aberto.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 63

TITLE: Reflections on the initial penalty compliance scheme.

ABSTRACT: In this article, we seek to demonstrate internal inconsistency and absence of proportio-
nality in the criminal law in force between the duration of the custodial sentence and the initial regime
of its compliance, by allowing the judge to apply the more severe initial regime, based on Article 59 of
the Penal Code, even when it is appropriate to establish a milder prison for the duration of the sentence
imposed. Given the impossibility of ne bis in idem in criminal matter, we have shown that there is a double
assessment of the judicial circumstances of that setting the penalty and defining the initial regime of its
enforcement. In the end, we present a suggestion of legislative change, proving to be more consistent
with the individualization of the penalty the fixing of the initial prison regime based exclusively on the
duration punishment established according to Article 68 of the Code.

KEYWORDS: Prison Sentence. Initial Regime. Double Valuation. Legislative Proposal.

Referências
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ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevenciónen derecho penal. Trad. Francisco Munoz Conde. Buenos Aires:
Editorial B de F, 2019.

Recebido em: 13.12.2019


Aprovado em: 14.01.2020
Doutrina

Criminalização Objetiva do
Inadimplemento Tributário: Abordagem
Dogmática Penal

Thiago Buschinelli Sorrentino


Doutorando em Ciências Jurídicas; Mestre em Direito do
Estado; Advogado e Professor Universitário.

Cesar Luiz de Oliveira Janoti


Mestrando em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito e
Processo Penal; Advogado e Professor Universitário.

RESUMO: Parte modular de um esforço multidisciplinar, esta pesquisa examina


a criminalização objetiva do inadimplemento tributário, abordando-o segundo os
cânones da dogmática penal. Descreve-se a solução dada pelo STJ à questão, no
julgamento do HC 399.109, para submetê-la à análise da reconstrução da norma
punitiva e dos respectivos fundamentos de validade. A principal ferramenta uti-
lizada para reconstruir a norma penal é a Teoria Analítica do Direito e, quando
necessário, a Hermenêutica. Conclui-se que o sistema jurídico brasileiro não
comporta a construção lógico-semântica de norma que puna objetivamente o
mero inadimplemento tributário e que os valores devidos a título do chamado
“ICMS Próprio” não podem fazer parte do tipo de apropriação indébita tributária.

PALAVRAS-CHAVE: Crime. Inadimplemento. ICMS. Apropriação.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Distinção Fundamental entre Inadimplência


e Sonegação. 3 A Importância da Validade do Tributo. 4 Modelo Penal da
Criminalização Objetiva do Inadimplemento Tributário; 4.1 Estrutura do HC
399.109 (STJ); 4.2 Estrutura da Argumentação; 4.3 Análise Lógico-Semântica
para Reconstrução do Tipo; 4.4 O Simples Inadimplemento Tributário É (ou
Poderia Ser), de Fato, Crime? 5 Conclusões. 6 Bibliografia.

1 Introdução
Pode-se abordar a criminalização objetiva do inadimplemento tributário
com base em diferentes cortes de conhecimento, como:
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 65

a) Econômico (incentivos à orientação racional da conduta humana,


frente à quantidade finita de recursos monetários e do recurso à liberdade
individual) (SORRENTINO, 2019);
b) Dogmática penal (o Direito Penal permite ou obriga a prisão por
dívida fiscal pura e simples?);
c) Dogmática tributária (o valor que deveria ser pago a título de tributo
próprio pertence ao sujeito passivo, à União ou ao adquirente do bem ou do
serviço?) (SANTIAGO; BOTTINI, 2018);
d) Ético (quais valores e visões de mundo animam um Estado que utiliza
o risco de encarceramento e de torturas física e psicológica como indutor para
o recolhimento de tributos? Quais valores animam inadimplentes ordinários,
estratégicos, criminosos e políticos nesse mesmo ambiente?).
Esta pesquisa específica lança mão da dogmática penal para examinar
o quadro.
O interesse pelo tema surgiu durante a leitura do acórdão prolatado
pelo STJ no julgamento do HC 399.1091.
A solução construída naquela decisão detecta a sonegação de valores
equivalentes a quase 10% do PIB como obstáculo ao custeio de serviços e bens
essenciais à população, e o resolve criminalizando o inadimplemento tributá-
rio. O argumento assume que o risco de punição criminal dissuadiria o não
pagamento ou, noutras palavras, incentivaria o recolhimento do valor devido2.

2 A Distinção Fundamental entre Inadimplência e Sonegação


Os agentes estatais possuem uma série de incentivos para maximizar
a carga tributária e a efetividade do crédito tributário. Para os fins desta in-
vestigação, a efetividade do crédito tributário corresponde ao recolhimento
do valor do tributo devido, isto é, à aderência do sujeito passivo à regra que
prevê a obrigação principal.
Numa situação ótima, essa aderência é voluntária e o recolhimento
ocorre até a data limite prevista pela legislação de regência.

1 STJ. O inadimplemento de ICMS tipifica crime de apropriação indébita tributária (art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90). Min. Rogério
Schietti Cruz, 22 ago. 2018. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=39910
9&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>.
2 No texto do acórdão, o argumento é elíptico.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
66

Com base nessa situação ótima, o Internal Revenue Service (IRS) men-
sura regularmente o tax gap, correspondente à diferença entre o “verdadeiro”
passivo tributário e as quantias recolhidas (Internal Revenue Service 2016).
Conforme observou Slemrod (2007, p. 26), é complexo definir alguns
fenômenos do fluxo de positivação do crédito tributário. Como calcular o
“verdadeiro” passivo tributário (true taxliability)?
No contexto brasileiro, talvez fosse possível substituir “verdadeiro”
por “devido”, no sentido de “conforme a legislação”. Mas o problema persis-
te. Num quadro típico de tributo sujeito ao lançamento por homologação,
compete ao sujeito passivo interpretar a legislação tributária, verificar a ocor-
rência do fato gerador, calcular o montante devido e recolher o valor antes de
qualquer atividade fiscal (art. 150 do CTN). Mesmo nas demais modalidades
de lançamento, é necessário interpretar a legislação de regência. Se houver
divergência entre as interpretações do agente fiscal e do sujeito passivo, deve-
mos incluir o respectivo valor no cálculo do “verdadeiro” passivo tributário?
Há outros problemas de conceituação. Segundo a metodologia do IRS,
calcula-se o valor do tax gap pela somatória de três variáveis: valores decorrentes
da falta de declaração pelo sujeito passivo; valores decorrentes de declarações
insuficientes, e valores decorrentes do não recolhimento. Cada um desses
fenômenos pode ter causas cuja resistência ao tratamento varie conforme a
solução apresentada.
Ademais, argumentos nos mais variados espectros, do iluminismo
racionalista às teologias abraâmicas, vinculam a atribuição geral de responsa-
bilidade ao conhecimento da ilicitude e à intenção (dolo) ou à culpa do agente
(AGAMBEN, 2018, p. 11; DEIN, 2013).
Em algumas culturas, impor ao indivíduo uma pena sem que fique de-
monstrado o nexo volitivo soa desumano ou sacrílego. A ideia de retribuição
social ou divina ou mal supostamente praticado exige mais do que a isolada
prática de um ato ilícito ou profano. Noutras culturas, os elementos psíquicos
e volitivos são desnecessários para justificar uma consequência nefasta, pois
basta que o sujeito pratique o ato tido por ilícito ou profano.
Na quadra atual do sistema jurídico brasileiro, os elementos psíquicos
ou volitivos perderam a relevância, conquanto ainda apareçam ostensivamente
como estratagemas para justificar a aplicação de responsabilidade independente
de culpa. Esse fenômeno da “objetivização” da culpa revela-se nos âmbitos
civil, penal e tributário, indistintamente.
Nominalmente, o sistema jurídico brasileiro de referência utiliza as
palavras “inadimplemento” e “sonegação” para designar o fenômeno da falta
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 67

de recolhimento do valor do tributo devido no prazo assinalado, conforme


a presença ou a ausência do índice que presumiria a intenção de não pagar
a despeito do conhecimento da potencial ilicitude (penal e/ou tributária) de
tal conduta.
No “inadimplemento”, o sujeito passivo deixa de pagar o valor devido,
sem qualquer adjetivação nem circunstanciação. Quem usa “inadimplemento”
não quer presumir que havia intenção delitiva de deixar de pagar o tributo devido.
Em complemento, “sonegação” liga-se à ideia de crime. “Sonegar”
significa deixar de recolher o valor do tributo mediante algum ardil ou ato
fraudulento destinado a escamotear, esconder, dissimular o próprio fato ju-
rídico tributário ou a sua extensão econômica.
A prática de ato que acarrete supressão ou redução de tributo presume
necessariamente a intenção criminosa (conhecimento + vontade), isto é,
tem papel vicário do estado mental ainda inescrutável pela tecnologia atual.
As concepções mais modernas de Estado têm um ônus maior para
justificar as consequências prejudiciais impostas aos súditos que deixam de
pagar seus tributos. Ao Estado primitivo bastava a sujeição dos derrotados
à força dos vencedores, vae victis! (OPPENHEIMER, 1922). Inexiste dife-
rença entre Estado e o crime organizado em seus denominadores comuns
(TILLY, 2009). São as forças antagônicas da oposição, cuja expressão jurídica
abarca as regras da legalidade e o sufrágio, e a busca por modos mais sutis de
sujeição, que incentivam o Estado a sofisticar a tributação. É a coexistência
entre a violência fundadora do direito e a violência preservadora do direito
(BENJAMIN, 1986).
Por exemplo, os Estados componentes da antiga União Soviética
apelavam ao interesse coletivo para justificar a aplicação de penas graves aos
inadimplentes, cuja falta de pagamento de tributo constituiria um crime contra
o Povo. Para alcançar resultados semelhantes, os Estados ocidentais lembram
como a garantia dos direitos é custosa (HOLMES et al., 2011) e que toda
tributação tem autorização popular. Há maior probabilidade de aceitação nas
hipóteses em que o mal é feito ao alienígena, ao estranho, ao heterogêneo que
pertence aos outros, e não a nós, os iguais.
Em ambos os casos, os argumentos sofrem da mesma dificuldade das
tentativas de justificar a aplicação de uma pena desumana a quem cometeu
um crime contra a Humanidade. Força-se uma análise mais detida das con-
sequências, e elas tendem a revelar quais são os objetivos pretendidos e os
reais valores em jogo.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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3 A Importância da Validade do Tributo


Juntamente com “inadimplência” e “sonegação”, o valor “devido”
assume relevância. A jurisprudência dominante do STF vincula a prática de
crime material contra a ordem tributária à existência e à validade do tributo,
ambas dependentes da respectiva constituição (SV nº 243). Segundo o sistema
tributário brasileiro, durante o “lançamento definitivo” as autoridades fiscais
realizam o controle de validade do crédito tributário, por ação (arts. 145, II e
III, do CTN e art. 1º, § 3º, da LEF) ou por reação (art. 145 do CTN).
Os efeitos da “validade” na responsabilização criminal auxiliarão a
identificar o que se está a realmente a considerar um crime. Dificuldades
adicionais surgem em razão da possibilidade de discussão da validade do
crédito tributário pela via judicial. É possível que o crédito constituído seja
cobrado na pendência da discussão sobre a respectiva validade, se não houver
a suspensão da respectiva exigibilidade (art. 151 do CTN).
Ademais, a circunstância de autoridades administrativa e judicial reco-
nhecerem a validade de um dado crédito tributário não implica reconhecer
que o sujeito passivo estava ou está proibido de considerar inconstitucional
ou ilegal a cobrança. As decisões administrativa e judicial impassíveis de mo-
dificação por preclusão ou trânsito em julgado, respectivamente, permitem
que o crédito seja cobrado livremente, mas não obrigam o sujeito de direitos
a concordar com o acerto do juízo.
No modelo proposto, o deslocamento da autoridade para firmar a va-
lidade do crédito tributário para fins penais indica a consequência almejada
com a criminalização.
Para garantir a liberdade de pensamento e o direito substantivo de
oposição, o mecanismo não deve tomar a decisão estatal sobre a validade do
tributo como pressuposto da criminalização. O monopólio do direito à in-
terpretação torna simples a construção de justificativas, dado que a verdade é
definida exclusivamente pelo órgão de enunciação (“argumento de autorida-
de”). A existência de dissenso ou a fraqueza da argumentação são irrelevantes,
na medida em que o Estado será o juiz da causa, quer para errar na avaliação,
quer para justificar a solução que lhe for mais conveniente.
Quando o sujeito tem a liberdade de discordar da validade da tributa-
ção, e essa discordância impede a aplicação de penas típicas da sanção penal,
o tributo pode ser cobrado livremente, com a aplicação de todos os mecanis-

3 “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do
lançamento definitivo do tributo.” (STF, Súmula Vinculante de 12.11.09)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 69

mos de dissuasão do tipo patrimonial (juros, multas, correção monetária). A


posição do sujeito passivo como cidadão mantém-se, sem redução ao lugar
de súdito4. Liberdade e direito à posição antagônica assumem valor maior do
que o aumento do Erário.

4 Modelo Penal da Criminalização Objetiva do Inadimplemento


Tributário

4.1 Estrutura do HC 399.109 (STJ)


O primeiro ponto que deve ser fixado consiste em descrever a solução
adotada pela Terceira Turma do STJ no julgamento do HC 399.109 e compará-
la ao sistema jurídico de referência, para que se possa constatar se há ou não
há a criminalização objetiva do inadimplemento tributário.
Segundo se lê no relatório e no voto do Ministro-Relator, uma deter-
minada empresa-contribuinte deixou de recolher valores a título de ICMS,
não obstante ter declarado a existência do débito mediante as obrigações
acessórias adequadas.
O MPE denunciou duas pessoas pelo crime tipificado no art. 2º, II, da
Lei nº 8.137/90. O relatório e o voto não qualificam esses indivíduos, mas
pressupor-se-á serem administradores da empresa-contribuinte. Como os
valores cobrados a título de ICMS compõem o preço da operação e, recur-
sivamente, a própria base de cálculo do tributo, a quantia não pertenceria
à empresa-contribuinte, mas ao adquirente. Nesse contexto, a empresa-
contribuinte seria simples detentora do valor, que, uma vez retido, deve ser
repassado ao sujeito ativo.
Fixadas essas premissas, a retenção sem o repasse dos valores implicaria
apropriação indébita.
Dada a devida licença acadêmica, com o rótulo “apropriação indébita
tributária”, o argumento constrói uma hipótese de criminalização objetiva da
mera inadimplência tributária.
Embora o objetivo dessa análise não seja demonstrar como a argu-
mentação transcrita no acórdão oculta o tipo penal da mera inadimplência, é
importante sumarizar a premissa, na medida em que o incentivo determinante
à criação desse tipo penal não induz ao aumento de arrecadação.

4 Para os argumentos que preferem tomar o sujeito passivo como consumidor dos serviços e dos bens públicos for-
necidos em regime de monopólio pelo Estado, a conclusão permanece a mesma.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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4.2 Estrutura da Argumentação


O acórdão utiliza três argumentos para afirmar a existência da tipificação
do que ostensivamente chama de “apropriação indébita tributária”:
1. A necessidade de garantir a máxima arrecadação, frente à importância
geral e abstrata dos gastos públicos e o quadro concreto de sonegação generali-
zada no Brasil – ou seja, a eficácia da medida como incentivo ao recolhimento
tempestivo e combate à inadimplência;
2. A estrutura semântica do tipo, decorrente da interpretação das pala-
vras “cobrado” e “retido”;
3. A intenção do legislador, anuviada pela má técnica de redação legislativa.
O argumento determinante para a conclusão a que chegou o Tribunal
é o papel da criminalização como instrumento de incentivo ao recolhimento
tempestivo do valor devido, cuja negação é a situação de inadimplência. Nes-
se contexto, a construção lógico-semântica de um tipo para a “apropriação
indébita do ICMS” subordina-se à intenção de incentivar o recolhimento,
independentemente de quaisquer outras condicionantes.

4.3 Análise Lógico-Semântica para Reconstrução do Tipo


O texto do acórdão atribui ao art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 o rótulo
“apropriação indébita tributária”. Essa expressão é inédita no texto legal inter-
pretado. Esse ineditismo justifica o que parece ser a invocação da autoridade do
próprio STJ (recursividade) e de “boa parte da doutrina”, pois é válido pres-
supor a resistência à proposta para a criação de tipo penal por decisão judicial.
Aprioristicamente, ter-se-iam dois universos possíveis: (1) texto legal
de direito positivo pouco ambíguo ou vago, no qual a existência ou inexis-
tência do tipo pressuponha a invocação da Constituição ou da preferência do
intérprete; (2) texto legal de direito positivo ambíguo ou vago o suficiente
para justificar validamente tanto a existência como a não existência do tipo,
de modo a deferir a solução à preferência do intérprete.
Como visto, eis o argumento:
1. O tipo penal considera crime “deixar de recolher (...) na qualidade
de sujeito passivo da obrigação (...) valor de tributo ou de contribuição social,
descontado ou cobrado”;
2. “O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele
que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme
claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90” (sic);
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 71

3. Os valores cobrados a título de ICMS pertencem ao adquirente, na


medida em que a respectiva quantia integra a base de cálculo do tributo, via
inclusão no preço;
4. Ao deixar de repassar o valor retido, o sujeito passivo da obrigação
tributária executa a conduta prevista no tipo penal (rectius: a pessoa responsável
pelo repasse).
Essa interpretação tem por suporte fático o texto do art. 2º, II, da Lei
nº 8.137/90, assim redigido:
“Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:
(...)
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição
social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação
e que deveria recolher aos cofres públicos.”

Para que o argumento se sustente, é necessário alçar o adquirente à


condição de sujeito passivo da categoria contribuinte, com o abandono da
metonímia “contribuinte de fato”. Parte do valor recebido pelo “contribuinte
de direito” a título de preço já seria tributo, e não preço.
Essa distinção não é tão óbvia, nem exata. O próprio STF tem deci-
sões divergentes sobre a classificação de elementos componentes dos fatos
contábeis-econômicos, isto é, como tratar valores que correspondem ao
mesmo tempo a tributos e a outros fenômenos como lucro, receita ou preço5.
Aliás, a mesma racionalidade subjacente à decisão tomada no RE
582.5256 é validamente aplicável ao caso do ICMS.
Uma empresa realiza a operação tributável e recebe o preço como pressuposto
da incidência do ICMS, e não o contrário. A incidência do ICMS não antecede a
própria operação, nem a cobrança da contraprestação. A quantia recebida é preço,
que comporá aritmeticamente a base de cálculo do tributo no momento oportuno.
Talvez a recursividade do cálculo “por dentro” dificulte um pouco o exame
inicial. Por ser contraintuitiva, ela causa alguma confusão. Mas basta alguma

5 Cf. o RE 582.525, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 07.02.2014, em comparação ao RE 574.706, Relª Minª
Cármen Lúcia, Pleno, DJe 02.10.2017.
6 Lê-se no voto do Ministro-Relator: “Nos quadrantes do sistema constitucional tributário, auferir renda é pressu-
posto da tributação pela incidência do imposto sobre a renda, critério material que deve ser confirmado pela base
de cálculo homônima. Não se paga tributo calculado sobre o lucro para auferir renda, mas se aufere renda para que
o tributo possa incidir. A incidência do IRPJ ou da CSLL não antecede as operações empresariais que servirão de
base aos fatos jurídicos tributários, mas, pelo contrário, toma-as como pressuposto. Logo, as obrigações tributárias
resultantes da incidência de tributos calculados com base no lucro real ou grandezas semelhantes não são despesas
essenciais à manutenção das atividades econômicas. São, na verdade, consequências dessas atividades. Vale dizer, o
tributo não é insumo da cadeia produtiva”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
72

atenção para notar que essa imposição legal serve apenas para escamotear o
aumento da carga tributária, ao manter a alíquota nominal (COELHO, 2013).
No melhor dos universos possíveis a que aludia Leibniz, o texto legal
é ambíguo e vago o suficiente para permitir duas interpretações possíveis,
isto é, válidas num contexto específico de linguagem. Embora esse “melhor
dos universos possíveis” não tenha o embasamento mais consistente, vamos
assumi-lo como premissa para indagar se a escolha pela solução penal é ade-
quada segundo o sistema jurídico positivo.

4.4 O Simples Inadimplemento Tributário É (ou Poderia Ser), de


Fato, Crime?
Partindo-se de uma ótica estritamente positivista, a conduta de “deixar
de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descon-
tado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria
recolher aos cofres públicos” é aprioristicamente reconhecida como um crime
contra a ordem tributária (art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90).
Simplificadamente, o princípio da legalidade teria sido formalmente
atendido para admitir o mero inadimplemento tributário, em determinadas
circunstâncias, como ilícito penal, o que, para muitos, já seria bastante ao
imperativo incriminador.
Contudo, antes de encerrarmos ingênua e prematuramente a resposta ao
questionamento epigrafado, faz-se necessário enfrentar uma outra relevantís-
sima indagação, agora sob a ótica da legalidade em sua dimensão material: será
que o legislador tem a prerrogativa de definir como crime o que bem entender
ainda que em manifesta subversão a preceitos constitucionais imprescindíveis
à harmonização sistêmica do ordenamento jurídico vigente? Decerto que não,
e tomemos um exemplo argumentativo para respaldar a resposta.
A CF obsta a prisão civil por dívida, conforme o seu art. 5º, LXVII. Ora,
se o legislador ordinário não devesse obediência ao ordenamento adotado pelo
Estado brasileiro ao exercer o seu múnus, bastaria a ele simplesmente contor-
nar as limitações constitucionais mediante a definição de que o não pagamento
de determinada dívida cível no prazo ou na forma legal ou contratualmente
estabelecidos seria crime. Por conseguinte, a garantia constitucional impeditiva
de prisões civis estaria absolutamente anulada, ou melhor, burlada.
E mais, o positivismo desregrado e irrestrito poderia ser empregado
absurdamente para estabelecer a prisão perpétua como pena àqueles que não
adimplissem suas obrigações tributárias, ludibriando novamente um óbice de
índole constitucional (CF, art. 5º, XLVII, b)? Obviamente não.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 73

A tolerar-se uma irracional admissão da ilimitação da atividade legiferan-


te, toda e qualquer salvaguarda de índole constitucional poderia ser superada
e escorchada por uma trivial lei penal incriminadora.
A vedação genérica constitucional à prisão por dívida deve igualmente
incidir sobre os débitos tributários, haja vista que não há qualquer razão para
presumir-se má-fé ou dolo do contribuinte e tampouco a privilegiar o Esta-
do a valer-se de meios coercitivos penais não postos à disposição de todo e
qualquer credor para cobrar seus devedores. À Fazenda pública já bastam os
privilégios compatíveis com as relações creditórias em geral e com os meios
executórios fiscais, imiscíveis com o direito penal.
Frise-se que o STF, ao apreciar genericamente a constitucionalidade
dos tipos penais previstos na Lei nº 8.137/90, asseverou que não há violação
ao disposto no art. 5º, LXVII, da Lei Maior, pois a conduta punível consistiria
na prática de ardis e não no mero inadimplemento (ARE 999.425 RG, voto
do Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02.03.2017, Pleno, DJe 16.03.2017,
RG, Tema nº 937).
Não obstante tal entendimento, a Corte Suprema não enfrentou espe-
cificamente o tipo penal previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, cuja
literalidade não exige e tampouco presume a ocorrência de fraudes ou ardis,
o que nos levaria a crer que o referido delito não se enquadraria na distinção
entre crime e prisão civil sedimentada pelo STF. Toda e qualquer lei penal, para
legitimar-se, exige um fundamento sociológico, um bem jurídico relevante
a ser protegido, uma previsão elementar subjetiva do propósito deliberada-
mente violador da norma e a incidência apenas depois do exaurimento das
vias resolutivas disponibilizadas pelos demais ramos do direito.
No caso da incriminação meramente por dívida tributária, tal como
disposto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, difícil seria extrair um
fundamento sociológico razoável e compatível com o ordenamento jurídico.
O bem jurídico supostamente tutelado (criativamente classificado como a
integridade do Erário (TRF da 4ª R., AC 19997100013749-2), a arrecadação
(STJ, CC 96.497), a ordem tributária, ou, ainda, a própria Administração
Pública) não necessariamente seria significativamente violado por qualquer
dívida tributária ao ponto de justificar o uso de gravosos mecanismos penais7.

7 Frise-se que há entendimento divergente sobre a aplicação do princípio da insignificância para débitos acima de
R$ 10.000,00 ou de R$ 20.000,00. Apesar disso, igualmente careceria de razoabilidade admitir-se que todas as dívidas
tributárias superiores a R$ 20.000,00 seriam penalmente relevantes, sobretudo se considerarmos os elevados gastos
que são necessários à persecução penal (polícia judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário, por exemplo), além
da (in)expressividade do dano trilionário causado ao Erário.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
74

O simples dolo genérico exigido no tipo penal, compreendido como a


simples vontade de não pagar, poderia ocultar irremediavelmente – alicerça-
do em presunções infundadas – a verdadeira razão do não pagamento, como
situações de insolvência ou até mesmo de miserabilidade, de modo que não
haveria qualquer vontade delitiva, mas, sim, uma impossibilidade absoluta do
cumprimento da obrigação tributária. Assim, em última análise, concebería-
mos teratologicamente uma modalidade delitiva verdadeiramente desprovida
de elemento volitivo.
E sobre o direito penal como ultima ratio, há muito tempo este pres-
suposto tem sido abandonado em matéria penal-tributária, de modo que os
mecanismos penais hodiernamente são aplicados muito antes do exaurimento
das vias repressivas e reparadoras admitidas por outros ramos do direito. O
expansionismo exacerbado da política criminal acaba por travestir o direito
penal em solo ou prima ratio, avocando ilusoriamente a função arrecadatória
estatal em afronta a direitos e garantias constitucionalmente assegurados
(HASSEMER, 1999).
Os argumentos até então aduzidos já seriam suficientes para responder
a indagação inicial. No entanto, ainda há outras justificativas relevantes.
A simples dívida tributária não pode ser equiparada à apropriação indé-
bita. Dever um tributo corresponde ao descumprimento de uma obrigação, o que
jamais pode ser confundido com o assenhoramento ilegítimo e criminoso de
coisa alheia. Na hipótese, dever somente assume a acepção de ter dívidas, estar em
débito, estar em défice, estar em falta, ao passo que apropriar-se significa apoderar-se,
tomar para si, açambarcar. Lembremo-nos de que a lei penal incriminadora deve
ser estrita e precisa, não admitindo divagações hermenêuticas que elasteçam
o seu alcance punitivo.
Além da distinção nuclear entre dever e apropriar-se, a diferenciação
quanto ao dolo também é imprescindível. A simples conduta de deixar de pagar
não é suficiente ao reconhecimento presumido da existência da vontade de
tornar próprio recursos pertencentes ao Fisco. A aspiração de ter algo para si é
inconfundível com o não fazer – motivado ou não – que consubstancia o deixar
de pagar. Em muitos casos (repita-se, como a insolvência e a miserabilidade),
sequer haverá possibilidade de escolha entre o pagar, o não pagar e o apropriar-
se, inexistindo, portanto, qualquer vontade (dolo) por parte do agente para
uma ou outra ação.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 75

Ignorar o elemento volitivo acarreta uma repugnante responsabilidade


penal objetiva que é vedada no ordenamento jurídico pátrio8, sobretudo por,
dentre muitas cruéis consequências, antever uma culpabilidade em manifesto
repúdio à presunção constitucional de inocência.
A desconsideração do dolo ou da culpa na análise da tipicidade supri-
miriam a própria caracterização dos elementos integradores do tipo penal,
deixando de fora até mesmo a aferição da potencial consciência da ilicitude
do fato, de modo que, em última análise, poder-se-ia avançar diretamente à
dosimetria e aplicação da pena, posto que a certeza da prática delitiva derivaria
das ilações objetificadas sobre a responsabilidade.
Noutro giro, partindo-se da premissa de que a consumação do crime
ocorre no exato momento em que o tributo deixa de ser “recolhido”, um
estado de flagrância poderá ser iniciado, por exemplo, instantaneamente com
o encerramento do expediente bancário no dia do vencimento da prestação
tributária, ou seja, se ocorrer um imprevisto com o funcionário designado para
efetuar o pagamento do tributo e a prestação vencer, o responsável tributário
estará sujeito à prisão ante a presunção de ocorrência delitiva. Certamente
essa não é a ratio legis e não podemos admitir essa possibilidade interpretativa.
Por fim, a bem da verdade o crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº
8.137/90 sequer deveria existir, pois a justificativa e a exposição de motivos
da aludida Lei indicam que a sua ratio essendi é definir condutas delitivas que
têm como consequência (resultado, decorrência) o não pagamento de tributos,
e não a criminalização pura e simples do não pagamento de tributos de per se
tal como equivocadamente compreendido pela 3ª Seção do STJ no julgamento
do Habeas Corpus 399.109.
Deveras, a melhor compreensão sobre a (não) criminalização da conduta
de deixar de recolher tributo “descontado ou cobrado” é aquela firmada pelo
próprio STJ e consignada no acórdão do REsp 1.543.485, muito anterior ao
julgamento do HC 399.109, no sentido de que:
“[aquele] que não recolhe o ICMS, dentro dos prazos que a lei lhe assinala,
não comete delito algum. Muito menos o capitulado no art. 2º, II, da Lei nº
8.137/90. De fato, ele não está deixando de recolher, no prazo legal, tributo
descontado de terceiro. O tributo é devido por ele (em nome próprio). Ele
está, simplesmente, incidindo em inadimplemento. Inadimplemento que

8 “O direito penal moderno é o direito penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intoleráveis a respon-
sabilidade objetiva e a responsabilidade pelo fato de outrem. (...) Fato não se presume. Existe ou não existe. O direito
penal da culpa é inconciliável com presunções de fato. (...) Inconstitucionalidade de qualquer lei penal que despreze
a responsabilidade subjetiva.” (STJ, REsp 154.137/PB [1997/0079803-8], Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j.
06.10.98)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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poderá acarretar-lhe o dever de pagar, além do tributo, a multa, os juros e


a correção monetária. A Fazenda Pública, neste caso, poderá – e, ousamos
dizer, deverá – executá-lo, nos termos da Lei nº 6.830/80 (Lei das Execuções
Fiscais). Demais disso, tampouco incorre em sonegação fiscal o comer-
ciante que deixa de recolher, no prazo legal, o valor do ICMS referente às
operações próprias, se estas foram corretamente declaradas em DIME, sem
qualquer notícia de fraude, omissão ou prestação de informações falsas às
autoridades fazendárias.”

No mesmíssimo sentido, nunca será demasiado repetir o seguinte


entendimento observado na jurisprudência do STF:

“as condutas tipificadas na Lei nº 8.137/91 não se referem simplesmente ao


não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com
o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão,
prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis.
Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a
dívida com o Fisco.” (ARE 999.425, Repercussão Geral, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, j. 02.03.2017)

Portanto, o mero inadimplemento tributário não é e nem poderia


ser crime: não há dolo delitivo, acarreta responsabilidade objetiva, não há
fraude, não há subterfúgios ao cumprimento da obrigação tributária, não
tutela efetivamente um bem jurídico, não cumpre a legalidade material, não
é compatível com o ordenamento jurídico em sua inteireza e viola direitos e
garantias constitucionais.

5 Conclusões
1. Para caracterizar-se o crime de apropriação indébita tributária, os
valores inadimplidos deveriam pertencer originariamente a um terceiro que
não se confundisse com o contribuinte nem com o Estado, pois ambos são
parte da relação jurídica tributária.
2. Os valores inadimplidos não pertencem ao adquirente da mercadoria
nem do serviço, pois:
a) O adquirente da mercadoria ou do serviço não é sujeito passivo do
tributo, isto é, não está numa relação jurídica tributária com o Estado, de modo
a colocar o vendedor-contribuinte na condição de mero retentor;
i) Inexiste norma jurídica que coloque o adquirente como sujeito
passivo;
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 77

ii) De fato, o Judiciário já definiu que o “contribuinte de fato” não


faz jus às garantias e às prerrogativas dos sujeitos passivos, como o direito
à repetição de indébito e à imunidade tributária, porquanto não se trata de
“contribuinte de direito”.
b) O equivalente ao valor do tributo faz parte do cálculo do preço como
custo, e essa abstração não altera a homogeneidade da quantia paga pelo ad-
quirente, que continua a ser a contraprestação paga ao vendedor-contribuinte;
c) A circunstância de a legislação obrigar a retroalimentação do cálculo
do tributo com a própria quantia (“base de cálculo por dentro”) não muda
o quadro, na medida em que a relação comercial-empresarial formada entre
vendedor e adquirente tem por contraprestação o pagamento do preço, inde-
pendentemente de seus fatores de custo;
i) A propósito, a única função da “base de cálculo por dentro” é esca-
motear o aumento da carga tributária, sem modificação da alíquota;
3. A falta de pagamento do ICMS devido em razão das próprias opera-
ções realizadas pelo sujeito passivo não equivale à apropriação indébita, pois
tais valores não pertencem ao adquirente da mercadoria nem do serviço;
4. O adquirente do bem ou do serviço não é sujeito passivo do tributo
a qualquer título, e, portanto, a quantia paga permanece sendo preço, e não
“tributo”.
5. O valor devido pelo sujeito passivo ao Estado a título de ICMS inci-
dente sobre as operações não pertence a terceiros, mas tão somente ao próprio
credor, isto é, o sujeito ativo.
6. O mero inadimplemento tributário não é e nem poderia ser crime.

TITLE: Objective criminalization of tax default: criminal dogmatic approach.

ABSTRACT: Part of a multidisciplinary effort, this research analyses the criminal punishment of tax
liabilities independent of intent or guilt on the part of the taxpayer, approaching the matter according the
canon of criminal dogmatic. It describes the solution given by the Superior Tribunal de Justiça to the ques-
tion, during the judgment of HC 399.109, in order to submit it to the analysis of the reconstruction of
the punishment norm and its validity parameters. The main tool used to rebuild the punishment norm is
the Analytic Theory of Law and, as necessary, Hermeneutics. We conclude that the Brazilian legal system
does not allow the rebuilding of a norm that punishes the mere tax default and that the amounts due as
ICMS Próprio may not be a part of tax embezzlement crime.

KEYWORDS: Crime. Debt. ICMS. Embezzlement.


Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
78

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Recebido em: 27.11.2019


Aprovado em: 10.12.2019
Doutrina

Análise Crítica da Inserção de Norma


Penal Incriminadora, no Ordenamento
Jurídico Brasileiro, por Ato Internacional:
o Exemplo da Convenção de Palermo e a
Figura da Organização Criminosa

Gustavo Britta Scandelari


Doutorando em Direito na UFPR; Mestre em Direito
pela UFPR (2011); Professor de Direito Penal no
UNICURITIBA e em Cursos de Pós-Graduação; Advogado
em Curitiba/PR.

RESUMO: No Brasil, desde 12.03.04, com a edição do Decreto nº 5.015 –


que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (Convenção de Palermo) – até 02.08.2013, com a promulgação
da Lei nº 12.850 – que definiu o crime de organização criminosa – vigeu, na
jurisprudência pátria, a orientação de que era válida a recepção, diretamente pelo
ato internacional citado, da norma incriminadora da organização criminosa no
ordenamento brasileiro. Nesse período, a Lei nº 9.034/95 não continha definição
de organização criminosa e a redação do art. 288 do CP se prestava a incriminar
condutas de quadrilha ou bando que não correspondiam ao interesse material
de punição (mais voltado a estruturas complexas de alcance potencialmente
internacional). O presente texto demonstra as razões pelas quais, no entanto,
a Convenção de Palermo não poderia ter, validamente, inserido norma penal
incriminadora no ordenamento nacional. Além de se referir apenas aos crimes
transnacionais, sua aplicação direta em território doméstico violava o princípio
da legalidade, regras constitucionais de competência e negava o caráter demo-
crático do Estado de Direito.

PALAVRAS-CHAVE: Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organiza-


do Transnacional. Organização Criminosa. Incriminação por Ato Internacional.
Princípio da Legalidade. Normas Constitucionais.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Os Princípios Fundamentais do Direito Penal.


3 O Princípio da Legalidade dos Crimes e das Reações Penais; 3.1 Definição de
Lei para Efeitos Penais. 4 Ausência de Lei Definindo a Organização Criminosa
Antes da Lei nº 12.850/2013; 4.1 Anteprojetos de Reforma do Código Penal;
4.2 Os Projetos de Lei que Estiveram em Tramitação no Período. 5 O Crime de
Quadrilha ou Bando e a Organização Criminosa Antes da Lei nº 12.850/2013. 6 A
Organização Criminosa na Convenção de Palermo. 7 A Criminalidade Trans-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
82

nacional como Objeto: Aplicabilidade Restrita. 8 A Superioridade Hierárquica


da Constituição Federal Brasileira; 8.1 Violação do Princípio da Legalidade;
8.2 Violação às Normas Constitucionais de Competência Legislativa. 9 Desres-
peito ao Processo Legislativo: o Princípio da Legalidade como Fundamento do
Estado Democrático de Direito. 10 O Estatuto de Roma e a Perspectiva Futura:
a História se Repetirá?. 11 Conclusão. 12 Bibliografia.

Introdução
Por quase 10 anos o Judiciário brasileiro admitiu a condenação de ci-
dadãos pelo crime de organização criminosa sem que houvesse lei federal em
sentido estrito prevendo a existência do tipo penal correspondente. Trata-se
do período que vai desde 12.03.04, com a edição do Decreto nº 5.015 – que
ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Trans-
nacional (Convenção de Palermo) – até 02.08.2013, com a promulgação da
Lei nº 12.850 – que finalmente definiu o delito de organização criminosa.
Durante esses anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a
Recomendação nº 3, de 30.05.06, cujo item 2, a, estabeleceu:

“para os fins desta recomendação, sugere-se: a adoção do conceito de crime


organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime
Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de
Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003
e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ou seja,
considerando o ‘grupo criminoso organizado’ aquele estruturado, de três
ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente
com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas
na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional,
com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico
ou outro benefício material.”

A norma reproduz fielmente a definição de “grupo criminoso organi-


zado” constante do art. 2, a, da Convenção de Palermo.
Provocado a se manifestar sobre a validade dessa técnica de incrimi-
nação, o STJ, sem maiores discussões, não via problema algum1; no mesmo
sentido, o STF2. Ocorre que, nesse intervalo de tempo, a Lei nº 9.034/95 não
continha definição de organização criminosa e a redação do art. 288 do CP se

1 Por exemplo: RHC 29.126/MS, Relª Minª Alderita Ramos de Oliveira, DJe 12.03.2013; HC 162.957/MG, Rel. Min.
Og Fernandes, DJe 18.02.2013; HC 171.912/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 28.09.2011; HC 129.035/PE, Rel. Min.
Celso Limongi, Rel. p/ o Acórdão Min. Aroldo Rodrigues, DJe 03.11.2011.
2 Por exemplo: HC 95270 MC, Relª Minª Cármen Lúcia, DJe 05.08.08; HC 112.277 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe
13.06.2013.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 83

prestava a incriminar condutas de quadrilha ou bando que não correspondiam


ao interesse material de punição da organização criminosa (mais voltado a
estruturas complexas de alcance potencialmente internacional)3. Tanto é as-
sim, que o Congresso Nacional brasileiro promulgou, em 02.08.2013, a Lei
nº 12.850, que tipificou a conduta de organização criminosa em seu art. 1º,
§ 1º, em redação diferente daquela antes divulgada pela aludida Convenção.
Trata, então, o presente texto, de examinar criticamente a validade da
técnica incriminadora que levou as autoridades brasileiras a admitir, durante
longo período de tempo, que norma internacional inserisse diretamente
norma penal no ordenamento pátrio. Questões ligadas ao exame de conven-
cionalidade, a legitimidade da atuação do CNJ quando recomenda a inserção
de norma internacional no direito doméstico, a possibilidade de que tal fe-
nômeno tenha ocorrido também em relação a outros atos internacionais são,
evidentemente, pertinentes ao tema ora analisado. Todavia, opta-se, aqui, por
um recorte mais dogmático na área penal, permitindo análise mais objetiva
do seguinte problema: é válida a técnica4 que levou as autoridades brasileiras
a admitir, durante longo período de tempo, que ato internacional inserisse
norma penal incriminadora no ordenamento jurídico brasileiro? A hipótese
é a de que as acusações e condenações pelo crime de organização criminosa
ocorridos durante o período de 12.03.04 (edição do Decreto nº 5.015) a
02.08.2013 (promulgação da Lei nº 12.850) violaram o processo legislativo
brasileiro e o princípio da legalidade, haja vista a inexistência, à época, de lei
prévia em sentido estrito que tipificasse tal delito.
Ao final, a pesquisa chama a atenção para o risco de que as autoridades
públicas recorram novamente, no futuro, a essa mesma técnica de incriminação
e repressão, já que há outros tratados internacionais, como, p.ex., o Estatuto de
Roma (internalizado pelo Decreto nº 4.388, de 25.09.02), que tipifica crimes
ainda sem correspondência no ordenamento jurídico brasileiro.
Para tal desiderato, alguns conceitos básicos serão revisitados. O método
é o indutivo. As referências serão preponderantemente bibliográficas na área
do Direito penal e do Direito constitucional. Projetos de lei que tramitavam
à época, para a promulgação de lei que tipificasse o crime de organização
criminosa, também serão analisados.

3 DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta. Ausência do tipo penal de organização criminosa na legislação
brasileira. In: PRADO, Luiz Regis (Coord.). Ciências Penais – Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências
Penais, São Paulo, RT, ano 7, n. 13, jul./dez. 2010, p. 333-349. O presente texto corresponde a um excurso do quanto
pesquisado no texto aqui referenciado.
4 Trata-se da internalização de ato internacional por decreto, dispensando-se lei em sentido estrito.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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2 Os Princípios Fundamentais do Direito Penal


O sistema constitucional-legal brasileiro contém princípios funda-
mentais ao Direito Penal. O primeiro deles é o princípio de humanidade das
sanções (penas e medidas de segurança). A Constituição o reconhece em várias
disposições: a) dignidade da pessoa humana; b) proibição das penas de morte,
de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e quaisquer outras
de natureza cruel (CF, arts. 1º, III, e 5º, XLVII). Esse princípio se manifesta
na cominação, na aplicação e na execução das penas, considerando a idade
do réu ou condenado (menor de 21 e maior de 70 anos) e o sexo (execução
diferenciada da pena de prisão para a mulher).
Entre os demais princípios adotados pelo sistema, podem ser referidos:
a) o princípio da anterioridade da lei penal (legalidade dos crimes e das pe-
nas); b) o princípio da taxatividade da norma incriminadora; c) o princípio da
aplicação da lei mais favorável; d) o princípio da proteção dos bens jurídicos
(lesividade ou ofensividade); e) o princípio da culpabilidade; f) o princípio
da proporcionalidade da pena; g) o princípio da individualização da pena; h)
o princípio da intervenção mínima; i) o princípio da necessidade das reações
penais; j) o princípio da utilidade social; k) o princípio de inocência.

3 O Princípio da Legalidade dos Crimes e das Reações Penais


O princípio da legalidade é um dos pilares universais dos sistemas penais
democráticos. Está positivado no art. 5º, XXXIX, da vigente CB (1988), que
diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia comi-
nação legal”, e também no art. 1º do Código Penal, com a mesma redação.
Essa norma de garantia individual confirma a tradição legislativa desde a Carta
Política do Império (1824, art. 179, § 11) e das Constituições da República:
1891, art. 72, § 15; 1934, art. 113, §§ 26 e 27; 1937, art. 122, § 13; 1946, art.
141, § 29; 1967, art. 150, § 16; 1969, art. 153, § 16. A primeira leitura do
dispositivo pode indicar que seu significado importa apenas ao legislador, na
sua atividade de criminalização primária. Mas essa seria uma noção equivocada.
Além de ser resultado do reconhecimento da soberania popular e da
separação dos poderes, essa garantia está perpetuada, desde 26.08.1789, na
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (arts. 4º, 5º, 6º e 7º),
motivo pelo qual sua substância normativa, hoje, influencia desde a fonte do
Direito Penal até o modo como se pode interpretar a lei.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 85

Nesse ponto, a Constituição consagra o dogma nullum crimen sine lege


praevia, scripta, stricta e certa. Em outras palavras, para que o crime5 exista, ele
deve estar, respectivamente: definido em lei; essa lei deve ser anterior ao fato
(abstrato) nela previsto; essa lei deve ser escrita – ou seja, não se admite crimi-
nalização ou agravação com base em costume; essa lei apenas será considerada
como tal se for lei em sentido estrito, o que significa a vedação da analogia como
fonte de criminalização; essa lei deve conter redação precisa e clara, de modo
que seja compreensível por todos (essa variante também é conhecida como
o princípio da taxatividade). E a promulgação deve suceder o devido processo
legislativo constitucionalmente previsto.

3.1 Definição de Lei para Efeitos Penais


Em um Estado Democrático de Direito, a lei é a regra jurídica escrita,
instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato outorgado pela
comunidade de cidadãos6. Em matéria jurídico-penal, a eficácia da norma
legislativa depende da satisfação das exigências do processo legislativo in-
dicadas pelo art. 61 da CF, observada a reserva de competência privativa de
União, estabelecida pelo art. 22, I, da mesma Carta. É expressamente vedada
a elaboração de lei penal por medida provisória (art. 62, § 1º, I, b).
A CF/88 prevê o que a doutrina chama de mandatos constitucionais de
criminalização7, valendo como exemplos os seguintes casos: a) discriminação
atentatória dos direitos e das liberdades fundamentais; b) prática do racismo;
c) tortura; d) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; e) terrorismo; f)
os crimes definidos como hediondos; g) a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; h) a retenção
dolosa do salário do trabalhador; i) o abuso do poder econômico; j) o abuso,
violência e exploração sexual da criança e do adolescente; e k) as condutas
e atividades lesivas ao meio ambiente (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV;
art. 7º, X; art. 173, § 4º; art. 224, § 4º e art. 225, § 3º). Mas os mandatos de
criminalização não constituem tipos de crimes, apenas determinações para que a
lei assim o faça, prevendo especificamente a conduta humana e a respectiva
sanção penal.

5 O crime ou delito (palavras sinônimas no sistema jurídico brasileiro) tem vários conceitos referidos pela doutrina:
a) analítico; b) formal; c) material; d) jurídico-legal; e) natural; f) radical; e g) sociológico. A doutrina, de modo geral,
tem adotado o primeiro deles, segundo o qual o crime (delito) é a conduta (ação ou omissão), típica, ilícita e culpável.
6 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 10. ed. Atual. por Achilles Beviláqua. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves, 1953. v. I. p. 70.
7 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva; Instituto Brasileiro de Direito Público – IBDP, 2008. p. 584 e s.
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4 Ausência de Lei Definindo a Organização Criminosa Antes da Lei


nº 12.850/2013
Nenhuma lei brasileira previa como crime a organização criminosa antes da
Lei nº 12.850/2013. Essa omissão fora determinada pela própria lei fundamental,
que, embora prevendo hipóteses criminais de coautoria ou de participação8,
não se refere, direta ou indiretamente, à organização criminosa como enti-
dade penal autônoma. A Lei nº 9.034, de 03.05.95 (atualmente revogada pela
Lei nº 12.850/2013), dispunha sobre a utilização de meios operacionais para
a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, mas
não previa nenhuma espécie típica que pudesse merecer essa qualificação.
Tal omissão não foi suprida pela Lei nº 10.217, de 11.04.01, que se
limitou a produzir algumas alterações na Lei nº 9.034/95, quanto aos pro-
cedimentos de investigação e de formação de prova. No entanto, o seu art.
1º9 oferece uma base inquestionável para se concluir que: a) a quadrilha ou
bando (CP, art. 28810 – com redação anterior à que foi determinada pela Lei
nº 12.850/2013, que alterou seu nomen iuris para “associação criminosa”) se
distinguia das organizações ou associações criminosas; b) ao se referir (no
art. 1º) às “organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”, admitia a
inexistência de um tipo legal próprio e específico para definir o que se entende
por organização criminosa.
A omissão legislativa havia sido apontada por Pitombo11. Essa é também
a conclusão textual de Almeida Ferro, referindo-se à legislação brasileira da
época: “41. No Código Penal pátrio, não há uma figura típica especificamente
reservada à organização criminosa, mas, sim, o tipo genérico da ‘quadrilha ou
bando’, ínsito no art. 288”12.

4.1 Anteprojetos de Reforma do Código Penal


O Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal elaborado por Co-
missão de Juristas nomeados pelo Ministro da Justiça conforme a Portaria nº
518, de 06.09.83 e publicado pela Portaria nº 790, de 27.10.87, não prevê o

8 CF: “Art. 5º (...) XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortu-
ra, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem. XLIV – constitui crime inafiançável e
imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
9 “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de
ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou ações criminosas de qualquer tipo.”
10 “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.”
11 PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Organização criminosa: nova perspectiva do tipo legal. São Paulo: RT,
2007. p. 100 e s.
12 FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime organizado e organizações criminosas mundiais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 619.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 87

crime autônomo de organização criminosa entre os delitos contra a paz pública


(arts. 294 a 297) ou em nenhum outro título ou capítulo.
Outro Anteprojeto, também da Parte Especial do Código Penal, re-
digido por comissão de especialistas no âmbito do Ministério da Justiça e
publicado em 1999, previu, ao lado da quadrilha ou bando, a suposta figura
da organização criminosa, com a seguinte redação: “Art. 290. Constituírem
duas ou mais pessoas, grupo ou associação, com o fim de cometer crimes e,
mediante grave ameaça à pessoa, violência, corrupção ou fraude, neutralizar
a eficácia da atuação de funcionários públicos: Pena – reclusão, de quatro a
oito anos”13. Mas esse “conceito” legal é absolutamente precário e não aten-
de às múltiplas e mutantes características da organização criminosa, motivo
pelo qual não poderia ter o fim exclusivo como pretendia o texto. Nenhum
dos anteprojetos chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional antes do
advento da Lei nº 12.850/2013.
O PLS nº 236/2012 – agora para a reforma global do Código Penal –
também trouxe proposta de tipo de organização criminosa. Em seu Parecer
de 2013, o Relator, Senador Pedro Taques, registrou:
“com o advento da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que trata dos
meios de obtenção de prova contra o crime organizado, fizemos os devidos
ajustes, com a incorporação dos novos tipos penais lá previstos que por-
ventura ocorram durante a investigação criminal ou a instrução processual.
Essa Lei trouxe definição de organização criminosa que entra em conflito
frontal com a definição que já vigia com a Lei nº 12.694, de 2012 (art.
2º). Optamos por revogar ambas as definições e preservar a trazida pelo
Projeto de Código, que, por estar mais próxima à Convenção de Palermo,
nos parece mais apropriada.”14

4.2 Os Projetos de Lei que Estiveram em Tramitação no Período


Em 30.06.99, foi apresentado o PL (ordinário) nº 1.353/99, que visava
a definição legal da organização criminosa para efeitos penais. Com o passar dos
anos, várias outras propostas com o mesmo objetivo foram apensadas a ela:
PLs ns. 2.751/00, 2.858/00, 7.223/02, 7.622/06, 140/07 e 1.655/07.
Já o PLS nº 150/06 deu origem ao PL nº 6.578/09 – o qual foi finalmente
convertido na Lei nº 12.850/2013. Veja-se que os parlamentares brasileiros
estavam cientes de que havia um problema de lacuna legislativa quanto ao
tipo penal em questão. Tanto que a colmataram.

13 O disegno di legge está publicado em: D’URSO, Luiz Flávio Borges. Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
14 Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3516414>. Acesso em: 5 dez. 2018.
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As imensas e tortuosas dificuldades para se apresentar uma fórmula


racional sintética e aceitável para definir esse fenômeno parecem ter sido a
causa da demora. A existência de vários projetos de lei visando a definição
legal do crime de organização criminosa indicava a impossibilidade que havia
de se admitir acusação pelo crime de organização criminosa diante da ausência
de previsão legal que é exigência do princípio da legalidade dos delitos e das
reações penais.

5 O Crime de Quadrilha ou Bando e a Organização Criminosa Antes


da Lei nº 12.850/2013
A diferença entre a quadrilha ou bando – com a redação que o art. 288
do Código Penal tinha antes da Lei nº 12.850/2013 – e a organização criminosa
– que não tinha previsão em lei federal ordinária antes de 2013 – havia sido,
inclusive, reafirmada, na época, por parlamentares brasileiros. O Parecer da
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, formulado pelo
relator Deputado Alexandre Silveira e publicado em 01.10.09, explicava:

“outro ponto de relevância e tratado nas proposições em análise é a neces-


sária diferenciação entre as ações de uma organização criminosa e das ações
de uma quadrilha ou bando, sob o ponto de vista da dimensão do dano
que tais associações de pessoas podem causar à sociedade. Quanto maior
o nível de organização das pessoas que se associam para cometer crimes e
quanto mais são sofisticados os meios por ela utilizados, maior pode ser
o dano à sociedade.”

A Justificação do PL nº 7.223/02, do Deputado Luiz Carlos Hauly, rei-


terava: “e se nos valermos – como manda seu art. 1º [da Lei nº 9.034/95] –
exclusivamente da estrutura típica do delito de quadrilha ou bando (art. 288
do Código Penal) para dar sentido a tais dispositivos, poderemos vir a cometer
injustiças rematadas: a maioria das ‘quadrilhas ou bando’ não se identificam
em nada com as organizações criminosas”15. A Justificação do PL nº 140/07, do
Deputado Neucimar Fraga, foi no mesmo sentido: “é preciso explicitar na
Lei Penal, dando-lhe tratamento diferenciado (...), que beneficiar-se da ação
de Organizações Criminosas é muito diferente do que simples quadrilha ou
bando”.

15 Idem, ibidem. O Deputado Luiz Carlos Hauly, autor desse projeto, fez constar, ao final da Justificativa, que se valeu,
para formulá-la, dos “estudos sobre o tema desenvolvidos pelos renomados juristas Luiz Flávio Gomes e Raúl
Cervini”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 89

Efetivamente, o crime de quadrilha ou bando era previsão legal bastante


antiga – constava da redação original do CP de 194016 – e a razão de sua exis-
tência fora a repressão dos street crimes, ou seja, da criminalidade comum, como
furto, roubo, estelionato, etc. Sabe-se que, naquela época, não se falava em
globalização, terrorismo, crimes econômicos, lavagem de dinheiro, sociedade
de risco e outros detalhes que identificam a contemporaneidade.
Por outro lado, a criminalidade organizada é fenômeno atual. Essa alcunha
suscita uma forma sofisticada dos white collar crimes na qual pessoas geralmente
intelectualmente aptas e com alto grau de conhecimento técnico em uma ou
mais áreas de aptidão humanas empregam suas habilidades e experiências de
forma planificada para a obtenção ilícita, geralmente, de vantagem econômica.
Essa não é uma definição rígida. Mas deixa claro que a organização criminosa é
muito diferente, por exemplo, de um grupo de jovens (geralmente violentos)
dados à prática de ilícitos mais comuns e que, por exemplo, roubam estabe-
lecimento comercial para obter dinheiro para a compra de drogas ou outros
itens de imediata satisfação pessoal.
Além disso, a análise técnica da revogada Lei nº 9.034/95 convence de
que sua finalidade era, precisamente, diferenciar os dois conceitos. Esse diploma,
com as alterações de 2001, prestou-se, definitivamente, ao oferecimento de
meios especiais para a investigação de uma organização criminosa (que não era,
contudo, tipificada em lei) e não de uma quadrilha ou bando.

6 A Organização Criminosa na Convenção de Palermo


Convenção de Palermo é o nome mais divulgado do documento normativo
da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, ado-
tada em Nova Iorque, em 15.11.00, e que está em vigor internacionalmente
desde 29.09.03. O Brasil é signatário desse Tratado. No Decreto nº 5.015, de
12.03.04, o Presidente da República determinou a execução e cumprimento, no
Brasil, do inteiro teor da Convenção (art. 1º).
O art. 2, a, da Convenção, define organização criminosa, na realidade,
como “grupo criminoso organizado”, que é o “grupo estruturado de três ou
mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente
Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material”.

16 A propósito das origens históricas da tipificação da quadrilha ou bando, que remontam ao século XV, com as Ordenações
do Reino de Portugal (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) e com a indicação do Code Pénal napoleônico (1810) e de
Portugal (1852), por exemplo, vide: PITOMBO, ob. cit., p. 55 e s.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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7 A Criminalidade Transnacional como Objeto: Aplicabilidade Restrita


O art. 1º do citado Decreto estabelece que a Convenção de Palermo,
“apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteira-
mente como nela se contém”. E o art. 1º da Convenção explica que “o objetivo
da presente Convenção consiste em promover a cooperação para prevenir e
combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional”.
O art. 2º, a, do Tratado, ao esclarecer o significado de que “grupo
criminoso organizado”, vincula-o expressamente ao “propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção”. É por isso
que o art. 3º da Convenção delimita seu âmbito de aplicação às “infrações”
nela previstas, mas “sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional”.
Ou seja, fica evidente, após análise dos propósitos declarados da Convenção de
Palermo, que ela não objetiva a repressão à organização criminosa no direito
interno de cada Estado Parte. Ainda que fosse válida para incriminar condutas
no Brasil, a norma internacional seria aplicável apenas a organizações crimi-
nosas internacionais.

8 A Superioridade Hierárquica da Constituição Federal Brasileira


O STF já decidiu que, “no sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais
não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno”17. Ainda de
acordo com o STF, “nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais,
que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal
ou materialmente, o texto da Carta Política”18.
Consequentemente, “o Poder Judiciário – fundado na supremacia da
Constituição da República – dispõe de competência, para, quer em sede de
fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de
constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorpora-
dos ao sistema de direito positivo interno”19. Por isso é que, a partir de sua
internalização, o tratado pode ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade20.

17 STF, Pleno, ADIn 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.05.01. (Grifos nossos)
18 Ibidem.
19 Ibidem.
20 Registre-se que, cfe. o art. 5º, § 2º, da CF, os direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais dos quais o
Brasil seja parte não serão excluídos pelos princípios de direito interno (desde que estejam de acordo com a Cons-
tituição).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 91

8.1 Violação do Princípio da Legalidade


As aplicações feitas, no direito interno brasileiro, da definição de or-
ganização criminosa prevista na Convenção de Palermo ofenderam o art. 5º,
XXXIX, da CF, pelo fato de que, no Brasil, ainda não havia lei, no sentido
antes exposto, que definisse, para fins penais, a organização criminosa, tampouco
que tipificasse tal conduta. O próprio tratado, em seu art. 5º, 1, a, i e ii, cuja
rubrica é criminalização da participação em um grupo criminoso organizado, deter-
mina: “cada Estado-Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam
necessárias para caracterizar [a organização criminosa] como infração penal,
quando praticado intencionalmente”. E é fato que o Brasil, como Estado-Parte,
somente veio a adotar tais medidas com a promulgação da Lei nº 12.850/2013.
É óbvio que a sugestão contida na Recomendação do CNJ nº 3, de 30.05.06,
ainda que bem intencionada, não supre a exigência constitucional de um
devido processo legislativo.
Desde antes do advento de tal lei a realidade da necessidade de correção
dessa omissão era reiterada e expressamente reconhecida por parlamentares
brasileiros. Vejam-se alguns exemplos: a) no Parecer da Comissão de Segurança
Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO), apresentado no PL nº
1.353/99, em 19.08.09, pelo relator Deputado Alexandre Silveira, constava a
seguinte conclusão (a qual incluía todos os outros projetos nele apensados):
“(...) a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995, já contempla o necessário para a condução
das investigações, faltando apenas a tipificação penal das organizações criminosas para
que os dispositivos ali previstos possam ter a sua aplicação efetiva”21; b) Justificação do
PL nº 2.751/00, de autoria do Deputado Alberto Fraga: “o projeto tipifica o crime
organizado (...)”22; c) Justificação do PL nº 7.223/02, de autoria do Deputado Luiz
Carlos Hauly: “uma das mais clamorosas omissões da Lei nº 9.034/95 reside em não
ter explicitado o conceito autônomo de ‘crime organizado’ ou de ‘organização criminosa’.
Foi elaborada uma lei de combate ao crime organizado sem identificá-lo inteiramente, isto
é, continuamos legislativamente sem saber o que devemos entender por crime organizado,
dentro da extensa realidade fenomenológica criminal”23.
Portanto, a Constituição vedava (como ainda veda) terminantemente a
utilização da Convenção de Palermo para a repressão da organização criminosa
no Brasil, haja vista que: a) não existia lei, no Brasil, que definisse organização
criminosa para fins penais; b) como Estado-Parte, o Brasil ainda não havia
cumprido a obrigação do art. 5º da Convenção de Palermo.

21 Grifos nossos.
22 Grifos nossos.
23 Grifos nossos.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
92

8.2 Violação às Normas Constitucionais de Competência Legislativa


O procedimento de ratificação e de internalização de um tratado inter-
nacional, no Brasil, pode ser assim resumido: 1º) O Presidente da República
celebra o tratado, cf. o art. 84, VIII, da CF; 2º) O Congresso Nacional referenda
o tratado, cf. o art. 49, I, da CF; 3º) O Presidente da República determina,
através de um decreto, a execução do tratado.
Segundo o art. 61 da CF, o Presidente da República pode propor leis
ordinárias sobre Direito Penal, as quais deverão ser submetidas ao processo
legislativo próprio, que compreende ampla discussão pública do conteúdo da
proposta, comportando emendas e vetos. O Presidente da República ainda
pode adotar medidas provisórias, em casos de “relevância e urgência”, as quais
serão submetidas ao Congresso Nacional para discussão e votação. Porém, o
art. 62, § 1º, I, b, veda expressamente a proposição de medida provisória que
verse sobre Direito Penal.
Nesse contexto, admitir que a Convenção de Palermo pode criar, no
Brasil, o crime de organização criminosa equivale a admitir, indiretamente, que
o Presidente da República pode adotar medida provisória sobre Direito Penal.
Uma vez que é o Presidente da República quem celebra o tratado e é ele
quem determina sua execução, por decreto – e não por lei – caberia a ele, em
última análise, o poder de criminalizar condutas – o que, além de afrontar à
Constituição, seria fonte de grave insegurança jurídica.
O fato de o tratado ter que ser referendado pelo Congresso Nacional
não afasta essa violação, pois a medida provisória também será submetida ao
Congresso, e mais: o conteúdo da medida provisória está sujeito a emenda
parlamentar, ou seja, será avaliado e votado pelos parlamentares, ao passo em
que o tratado é apenas referendado, ou não, exatamente da maneira como for
celebrado pelo Brasil.

9 Desrespeito ao Processo Legislativo: o Princípio da Legalidade


como Fundamento do Estado Democrático de Direito
Como se sabe, o tratado internacional, para ser internalizado no Brasil,
dispensa debate público e não pode sofrer emendas, ou seja, ou ele é apro-
vado, ou não. Se for aprovado, o será exatamente como foi celebrado pelo
Presidente da República24, sem qualquer possibilidade de participação ampla
(ainda que em tese) do povo.

24 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 403.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 93

A lei ordinária (e eventualmente a lei complementar e a lei delegada),


por sua vez, é o instrumento normativo que, de acordo com o princípio da
legalidade, pode criminalizar condutas. Seu processo legislativo é completamente
diverso daquele que regula a internalização de um tratado (que não passa, a
rigor, por um processo legislativo). Com efeito, apresentado o projeto de
lei ordinária ao Congresso Nacional, a matéria poderá ser exaustivamente
debatida em ambas as Casas.
O projeto de lei pode vir a sofrer emendas dos parlamentares que
significarão profunda alteração de seu sentido e conteúdo. Caso aprovado
pelo Congresso, o chefe do Poder Executivo participará, exercendo o veto
ou a sanção.
A deliberação parlamentar é exigência da CF (art. 58, § 2º, I), que faculta
ao Congresso, ainda, a promoção de audiências públicas (CF, art. 58, § 2º, II) e
a solicitação do depoimento de qualquer cidadão ou autoridade sobre o projeto
(CF, art. 58, § 2º, V). Como se vê, previamente à aprovação de projeto de lei
ordinária há participação da sociedade. E isso é assim, porque, logo no art.
1º da CF, está consagrado, como “princípio fundamental, que a República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”.
No parágrafo único, reconhece-se que “todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”. Essas garantias ganham especial importância para a limitação
do poder estatal quando se trata de criminalizar condutas.
O povo brasileiro não abriu mão de uma garantia de cidadania estatuída
na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo a qual “a Lei
é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente
ou através dos seus representantes, para a sua formação”25. Por outro lado, conforme
lembram Luiz Regis Prado e Bruna Azevedo de Castro, é “possível endurecer
o sistema punitivo para as ações provenientes de organizações criminosas sem
que isso implique um menoscabo ao quadro axiológico constitucional”26.

10 O Estatuto de Roma e a Perspectiva Futura: a História se Repetirá?


O Estatuto de Roma foi adotado em 17.07.98, em Roma, para criar o
Tribunal Penal Internacional (TPI), por iniciativa da ONU. Em 25.09.02, o
Brasil internalizou o ato internacional por força do Decreto nº 4.388, para

25 Art. 6º (os destaques em itálico são nossos).


26 PRADO, Luiz Régis; CASTRO, Bruna Azevedo de. Crime organizado e sistema jurídico brasileiro: a questão da
conformação típica. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 98, v. 890, dez. 2009, p. 438-439.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
94

que o tratado “executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”


(art. 1º). O presente tópico visa apenas advertir para o risco de que ocorra
com o Estatuto de Roma o que já ocorreu com a Convenção de Palermo. Isso
porque o Estatuto contém previsões típicas em profusão, mas que igualmente
não estão contempladas no ordenamento jurídico brasileiro.
O art. 5º dispõe que o TPI tem competência para julgar, além do
genocídio (já tipificado internamente na Lei nº 2.889/56), os crimes contra
a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão. Os três últimos são
definidos por uma série de condutas e requisitos previstos nos arts. 6º a
9º do Estatuto, as quais não encontram correspondência no Direito Penal
pátrio. Considerando-se que “qualquer Estado-Parte poderá denunciar ao
Procurador uma situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de
um ou vários crimes da competência do Tribunal e solicitar ao Procurador
que a investigue, com vista a determinar se uma ou mais pessoas identificadas
deverão ser acusadas da prática desses crimes” (art. 14, 1) e levando em conta
que “quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado
individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente
Estatuto” (art. 25, 2), parece que o Brasil já aceitou, ao menos tacitamente, a
possibilidade de que seus cidadãos estejam sujeitos à punição pela prática de
condutas descritas em vários tipos penais que não foram criados conforme
os princípios e as regras estatuídas democraticamente pela nação brasileira27.
Assim, o risco de que se repita a inconstitucionalidade levada a cabo
com a Convenção de Palermo e a figura organização criminosa existe, é alto
e depende apenas da hipótese de um delito previsto no Estatuto se consumar
no Brasil. Como não há sequer regras de dosimetria em tal diploma interna-
cional (aqui em vigor) e todos os crimes nele previstos são imprescritíveis, as
consequências de sua aplicação irrestrita tendem a ser gravíssimas aos acusados.

11 Conclusão
A criminalização de condutas por decreto executivo e não por lei ordinária
em sentido estrito resultante do devido processo legislativo afronta o Estado
Democrático de Direito, que constitui fundamento da República Federativa
do Brasil, juntamente com a união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal – como declara o primeiro artigo da CF. Caso se entenda que
o Decreto nº 5.015/04 (Convenção de Palermo) – o qual está integralmente

27 Problema semelhante já foi notado também na Itália, como se vê na pesquisa de Antonio Cavaliere, em: A influência
do direito penal europeu das organizações criminais sobre o ordenamento italiano. In: GRECO, Luís; MARTINS,
Antonio (Org.). Direito penal como crítica da pena: estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70º aniversário
em 2 de setembro de 2012. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 53-74.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 95

em vigor – efetivamente determinou a incriminação em território nacional


(embora ele não o diga de modo expresso), então a solução será clara: no ponto,
ele padece de inconstitucionalidade, por violação ao princípio da legalidade
em matéria penal.

TITLE: Critical analysis of the insertion of incriminating criminal norm, in the Brazilian legal system,
by an international act: the example of the Palermo Convention and the criminal organization figure.

ABSTRACT: In Brazil, since 12.03.2004, with the edition of the Decree nº 5.015 – that ratified the United
Nations Convention against Transnational Organized Crime (Palermo Convention) – up to 02.08.2013,
with the promulgation of Act no. 12.850 – which defined the crime of criminal organization – jurisprudence
admitted as valid the creation, in Brazil, directly by an international norm, of the criminal organization
figure. During this period, Act no. 9.034/95 did not contain any definition of criminal organization and
the text of article 288 of the Criminal Code incriminated only conducts that did not correspond to the
material interest of punishment (more complex structures of international scope). This text demonstrates
the reasons why, however, the Palermo Convention could not have validly entered a criminal figure in
Brazil. In addition to refer only to transnational crimes, its application in Brazilian territory violated the
principle of legality, constitutional rules of competence and denied the democratic character as one of the
fundaments of the Brazilian Republic.

KEYWORDS: United Nations Convention Against Transnational Organized Crime. Criminal Organi-
zation. Incrimination by an International Act. Principle of Legality. Constitutional Norms.

12 Bibliografia
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 10. ed. Atual. por Achilles Beviláqua. Rio
de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1953. v. I.
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WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general. Trad. Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. 11.
ed. Santiago: Jurídica de Chile, 1997.

Recebido em: 01.10.2019


Aprovado em: 02.12.2019
Doutrina

A Teoria Geral do Crime na Encruzilhada*

Orlando Faccini Neto


Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa; Mestre em Direito
Público pela Unisinos/RS; Professor do Curso de Mestrado do
IDP-Brasília, da Pós-Graduação em Direito Penal e Política
Criminal da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul e da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do
Sul; Juiz de Direito no Rio Grande do Sul.

RESUMO: O presente texto procura enumerar algumas das causas de fragi-


lização da Teoria Geral do Crime, e, consequentemente, das bases do Direito
Penal, bem como pretende apontar caminhos para que o Direito Penal não se
converta em mera prática de formulação de acordos, em completa desarmonia
com os seus postulados essenciais.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal. Política Criminal. Soluções Negociadas.


Teoria Geral do Crime.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Problemas Intrínsecos à Teoria do Crime: a Política


Criminal. 3 Corrosão Externa da Teoria do Crime: as Soluções Negociadas e a
Delação. 4 O Eterno Retorno do Direito Penal, ou a Maldição de Lampedusa.
5 Conclusão. 6 Referências.

1 Introdução
Os dias que correm trazem, para tudo, urgência. Há escassez de tempo,
as redes sociais conspiram contra a verticalidade do conhecimento, a dinâmi-
ca universitária não dá conta da extensão das disciplinas possíveis, os alunos
sobrecarregam-se de não fazeres, os livros encantam pouco, de modo que,
em síntese, para o mais das coisas, as explicações surgem das parcialidades,
afastadas de uma contemplação integral; as árvores importam mais do que as
florestas, razão pela qual as “teorias gerais” são desafiadas. Os grandes pen-
sadores, passem as exceções, são aqueles que direcionam suas reflexões às
partículas, e a sua somatória muitas vezes resulta em moléculas incongruentes,
deformadas e carentes de uma global significação.

* Dedico este texto a meu Professor Augusto Silva Dias, precocemente falecido, em testemunho de minha gratidão
pelas lições e pelo convívio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
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Num tal quadro, é de indagar-se se há, ainda, algum sentido em falar-


mos na “Teoria Geral do Crime”; e, se tal sentido há, cumpre identificá-lo.

2 Problemas Intrínsecos à Teoria do Crime: a Política Criminal


Ao formular a pergunta sobre o sentido da Teoria Geral do Crime, Jes-
check aduzia que não lhe competia estudar cada um dos tipos de delito, senão
que deveria direcionar-se aos componentes do conceito de crime, comuns a
todos os fatos puníveis. Seria, portanto, a possibilidade de uma linha comum,
entre os diversos modos como se apresentam os injustos, o que lhe daria
fundamento. Esse modo de compreender a Teoria do Crime, cabe avençar,
com o desiderato de apreender a ação punível como um todo, requer, porém,
alguma justificação, porque em princípio seria mais natural começar pelo
exame dos distintos tipos de delito e de seus requisitos1.
Sabidamente, com efeito, os sistemas de common law já por si dão conta
da dispensabilidade de uma teoria do crime forjada a partir da abstração de
conceitos ou com estruturação prévia aos problemas que propende a resolver2.
Nesse vasto universo jurídico, o empirismo e a concretude dos casos sobre-
pujam as construções alargadas, e o particular enseja muito mais interesse do
que qualquer nível de concepção geral.
Se é verdade, para Jescheck, que os pressupostos da punibilidade não
se esgotam nos elementos próprios de cada tipo particular, há razões de (i)
segurança jurídica, tendentes a (ii) propiciar uma jurisprudência racional e
igualitária, que se apresentam como fundamentadores de uma perspectiva
que parta de elementos gerais do conceito de crime, reunidos em uma teoria
geral. Assim, se é a segurança jurídica o que no fundo sustenta o desenvolvi-
mento de uma teoria geral, enquanto método da Teoria Geral do Crime (Die
Methodik der allgemeinen Verbrechenslehre), não será de olvidar que, consoante
preconizava o autor, essa deduzia-se, por exclusivo, da lei3.
É certo que os avanços teóricos obtidos pela teoria do crime4 não dei-
xavam de revestir uma certa perspectiva ideológica, na linha de uma concepção

1 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Lehrbuch des strafrechts: allgemeiner teil. 5. ed. Berlin: Duncker
& Humblot, 1996. p. 194-195.
2 FLETCHER, George P. Basic concepts of criminal law. Oxford: Oxford University Press, 1998 passim; DRESSLER,
Joshua. Understanding criminal law. New York-San Francisco: LexisNexis, 2001, passim.
3 JESCHECK; WEIGEND, Lehrbuch..., p. 196.
4 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Na síntese de Hassemer, com a teoria do crime pretende-se oferecer um procedimento para a verificação da pu-
nibilidade, o qual se situa antes de todas as sistemáticas, e que não as descuida, reclamando validade para todas as
formas de delito. Nesse sentido, a teoria do fato punível, para além de geral e esquemática, envolve as etapas de sua
estrutura, que se afiguram como critérios de justiça – “Kriterien der Gerechtigkeit” (HASSEMER, Winfried. Einführung
in die grundlagendes strafrechts. München: C.H. Beck´sche Verlagsbuchhandlung, 1981. p. 190).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 99

de “Estado subordinado a esquemas rígidos de legalidade formal, mas alheio à


valoração das conexões de sentido, dos fundamentos axiológicos e das inten-
ções de justiça material”, de modo que a competência para definir o sentido
e os limites, ou seja, o “‘quê’, o ‘se’ e o ‘como’” da punibilidade pareceria
pertencer restritivamente ao âmbito “das normas legais do direito penal e da
vontade do legislador histórico”5. Contudo, conforme Figueiredo Dias, no
contexto do Estado de Direito, a “função e a tarefa da dogmática jurídico-penal
transformam-se profundamente”, e isso, entre tantas razões, porque também
o jurista deixa de ser considerado um simples fazedor de silogismos, que se
limita a deduzir da lei as soluções dos concretos problemas jurídicos, tudo
a revelar que “a questão metodológica volta a adquirir particular ressonância”6.
Ocorre que a segurança jurídica deve propiciar uma jurisprudência
racional e igualitária. O seu escopo, destarte, diz menos ao particular, no sen-
tido de conferir-lhe critérios para atuar afastado do universo do torto, exceto se
supusermos que as pessoas propendem à leitura dos manuais de Direito Penal
à guisa de orientarem as suas condutas, e mais à formação de um conjunto de
decisões, aí sim, absorvidas pelo espaço público, com critérios minimamente
uniformes, para o balizamento de nosso campo de ação.
Difícil, entretanto, fazê-lo, num quadro em que se confere à política
criminal uma posição de domínio e mesmo de transcendência face à própria
dogmática. Quando se passa a argumentar que as categorias e os conceitos
básicos da dogmática jurídico-penal devam ser “determinados e cunhados a partir
de proposições político-criminais e das funções que por estas lhes é assinalada
no sistema”, ou seja, devem ser construídos “como unidades funcionalizadas
à consecução dos propósitos, das finalidades, do thelos político-criminal que o
sistema jurídico-penal lhes assinala”7, passa-se a almejar, como argutamente
depreendeu Faria Costa, que o inteligir jurídico se feche, de forma exclusiva e
única, em um sistema que pretende “amarrar com fios de seda uma entidade
movente que nunca ninguém conseguiu suster”; e isso acaba por revelar uma
fragilidade enorme, na medida em que representa “cegueira às informações,
aos chamamentos e às irredutíveis complexidades que o pré-jurídico engendra
para determinar, sem apelo nem agravo, o jurídico”8.
Ora, a ideia de função se exprime num conceito operatório, que refere
um elemento de um sistema com uma particular atividade e a que se reco-

5 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime.
Coimbra: Coimbra Editora, 2012. p. 23.
6 DIAS, Direito Penal..., p. 27.
7 DIAS, Direito penal..., p. 33-4.
8 COSTA, José de Faria. Linhas de direito penal e de filosofia: alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra Editora,
2005. p. 11-13.
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100

nhecem certos efeitos no sistema e através dele, dado esse relevo “e aptidão
sistémicos, certos fins (objectivos) e de que se esperam certos resultados ou
efeitos”9. De modo que haveria uma inversão, dado que não seria a “estrutura/
sistema a determinar a função ou funções”, mas a funcionalidade reflexiva
de um ponto de vista de referência e de “objectiva relevância a determinar a
estrutura/sistema que seria correlativamente adequada”10.
E essa é a razão por que o funcionalismo jurídico não responde à per-
gunta básica sobre a concepção do Direito, convertendo-a numa outra, que é:
para que serve?11. Destarte, o Direito se “compreenderá segundo uma função e
não segundo objectivos materiais ou intenções teleologicamente orientadas”12.
Ficará, assim, sempre por explicar a relatividade e dependência impli-
cadas numa possível variação dos fins ou objetivos a realizarem-se a partir de
sua instrumentalidade. Agora, é o clamor em favor da prevenção, da eficiência,
dos números, e amanhã sabe-se lá qual o desiderato em que se refundarão
as premissas dogmáticas, ao sabor ou dissabor de contingências nem sempre
controláveis.
Roxin, cumpre dizer, está correto ao apontar que a estruturação de uma
teoria do crime, ou, como diz, a configuração, nesse ponto, de um sistema,
é elemento irrenunciável de um Direito Penal próprio do Estado de Direito,
bem como que a este sistema deve-se aliar uma orientação valorativa (Wer-
tungsorientieren). Sucede que, se um moderno sistema de Direito Penal há de
estar estruturado teleologicamente e ser construído atendendo a finalidades
valorativas13, essas, quando vocacionadas ao escopo preventivo ou eficientista,
revelarão diversos problemas, sendo certo, ademais, que não deixa de ser um
critério aleatório o alvitre que almeja direcionar a leitura das categorias que
confirmam a teoria do crime em favor de direcionamentos político-criminais.
No limite, poder-se-ia aduzir que não há, desse modo, apelo a uma
legitimação exterior ao sistema, como um conjunto de valores superiores, mas
apenas à necessidade pressuposta, e não demonstrada, de sua preservação14,
o que significa que, mais radicalmente, o vício do funcionalismo é apagar a
“necessidade de fundamentação extrínseca do sistema e da sua lógica, como

9 CASTANHEIRA NEVES, António. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia
e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. v. 3. p. 217.
10 CASTANHEIRA NEVES, Digesta..., p. 218.
11 CASTANHEIRA NEVES, Digesta..., p. 224.
12 CASTANHEIRA NEVES, Digesta..., p. 260.
13 ROXIN, Claus. Strafrecht allgemeiner teil. Band I. Grundlagen. Der aufbau der verbrechenslehre. 4. Auflage. München:
Verlag C. H. Beck, 2006. p. 221.
14 PALMA, Maria Fernanda. Direito penal: parte geral. A teoria geral da infracção como teoria da decisão penal. Lisboa:
Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2013. p. 41.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 101

se a ética não fosse uma necessidade humana e social e uma condição de


aceitabilidade do sistema”15. Especificamente a propósito da elaboração de
Roxin, ressalta Palma o risco de implicar numa autoconstrução dos valores
do sistema penal, no “solipsismo valorativo”, perdendo, por conseguinte, a
possibilidade de “integrar no nível ético-jurídico a contribuição de outras
experiências de pensamento”16.
A absorção de critérios de política criminal, ao nível da jurisprudência,
máxime no caso brasileiro, forneceu, por sua vez, o combustível necessário para
o aguçamento da discricionariedade, sendo entendimento corrente, embora
equivocado, que cumpriria aos Tribunais o seu desenvolvimento. Enumerar
decisões e casos, ainda que concentrássemos nosso olhar no Supremo Tribunal
Federal, parece despiciendo. A repetição incessante de julgamentos definidos
por um voto, a discrepância conteudística no monocratismo de nossas decisões,
as divergências explícitas, com considerações de ordem sociológica, política,
ou de meras opiniões, feitas por nossos Ministros, dentro e fora dos autos,
revela a percepção de que as amarras da teoria fragilizaram-se17.
Fosse, ou não, a intenção do que convencionamos designar como
funcionalismo, o certo é que é na medição das consequências, no cálculo, na
boa ou má intencionalidade individual, que se movem um conjunto imenso
de nossas decisões. A resposta sobre qual seria o caminho adequado passa a
depender do pensamento político criminal de cada um, e cada um decide
como quer.
Logo, o primeiro fator de corrosão da teoria do crime lhe é intrínseco,
e concerne à introdução, em seus parâmetros, de uma discutível, e nunca
densificada, política criminal, que, como consectário, faz aguçar os ímpetos
discricionários da jurisprudência, contradizendo exatamente a razão justifican-
te da existência da própria teoria, qual seja a segurança jurídica, a estabilidade
e o atendimento da igualdade.

3 Corrosão Externa da Teoria do Crime: as Soluções Negociadas e a


Delação
Qualificada como meio de obtenção de prova, a colaboração premiada, no
quadro do Direito brasileiro, assumiu grande importância, por conta de sua

15 PALMA, Direito penal..., p. 42.


16 PALMA, Direito penal..., p. 45.
17 Nas palavras de Pargendler e Salama, o “tipo de argumentação aceitável em um debate jurídico se amplia, e a fronteira
entre o jurídico e o não jurídico se torna mais porosa” (PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof.
Direito e consequência no Brasil: em busca de um discurso sobre o método. RDA, Rio de Janeiro, v. 262, 2013, p.
102).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
102

capacidade de abalar governos, ferir reputações e introduzir no sistema penal


integrantes da elite política e empresarial, antes infensos à normativa criminal.
A relevância da colaboração premiada não esconde, entretanto, a ne-
cessidade de balizas, que evitem o desvirtuamento do instituto. Há questões
não resolvidas, para aquém e para além da previsão legal que a consagra, cujas
respostas, em virtude de uma situação fática terrível, de corrupção sistêmica,
desvendada pela Operação “Lava-Jato”, não são apresentadas satisfatoriamente,
e que devem ser alcançadas com isenção de sentimentos e com tratamento
científico. Cumpre sempre evitar a teratológica contradição de, pela bana-
lização da colaboração premiada, produzir-se o incremento da impunidade
justamente daqueles crimes que almejava abranger.
De qualquer modo, importa destacar que a delação premiada, e os me-
canismos que trazem a negociação para o Direito Penal, somente encontram
a sua legitimidade enquanto coerentes com uma racionalidade do Direito
Penal orientado a fins, e, portanto, consequencialista, e é essa Zweckgedanke,
hoje preponderante, como vimos anteriormente, o que permite avaliar o
comportamento do acusado e fixar, legislativamente, benefícios, para aqueles
que, depois da prática do crime, propendem a colaborar com o sistema de Justiça.
Noutras palavras, conforme a lição de Ruga Riva, mostra-se, assim,
evidente, que os defensores de uma teoria retributiva da pena, calcada no prin-
cípio da culpabilidade, e numa razão de Justiça, terão boas razões para refutar
o instituto da delação premiada, razões essas, saliente-se, que faltarão àqueles
que, na exaltação das consequências e das razões de política criminal que a cercam,
olvidaram o corolário que é o de conceber-se um Direito Penal que venha
a ser, destarte, qualificado como eficiente. De ver-se, nesse sentido, que é il
relativismo etico e giuridico che sta alla base del premio nel diritto penale18.
Tanto o princípio da culpabilidade quanto uma ideia de pena calcada na
proporcionalidade da sanção frente à lesão cometida, são intuitivos no âmbito
do pensamento penal, e a ruptura de tais critérios, em benefício da celeridade e
da eficiência, para além de instituir um corpo estranho em nosso sistema penal,
rompe com toda tradição fulcrada, em termos de Direito Penal, na elaboração
de uma Teoria Geral. É que, a partir dos mecanismos de negociação, perde
sentido o estudo acerca das categorias fundamentais da disciplina penal, na
medida em que a sua inserção no bojo de processos fica minimizada, ante a
construção de narrativas tendentes à celebração de acordos.
No fundo, cuida-se do advento de um subsistema de Direito Penal,
com linguagem e características muito específicas, desafiando, assim, a neces-

18 RUGA RIVA, Carlo. Il premio per la collaborazione processuale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 2002. p. 9-10.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 103

sidade, e a manutenção, de elaborações ampliadas, tal qual sucede com a assim


designada Teoria Geral. Numa palavra, se a teoria já não fornece respostas
universalizáveis, porquanto não pertinentes a determinado setor específico,
já não mais se pode adjetivá-la de teoria geral.
Quando se aponta a importância de configurar-se um sistema de Direito
Penal, é de ser compreendido que na própria ideia de sistema estão implicadas
algumas características, como, por exemplo, a existência de uma linguagem
específica, a adoção de códigos e ritos próprios, bem como a conformação de
particularidades a uma unidade maior e, portanto, generalizadora. O escopo,
no âmbito do sistema, é inescondivelmente a redução de complexidades e,
como consequência, a evitação de que certas expectativas sejam defraudadas,
o que demanda tratamento isonômico e previsibilidade, no deslinde de va-
riadas situações.
A constatação de que o sistema do Direito Penal ostentava uma tal
estabilidade é evidente, na medida em que, a par das divergências cediças,
temas muito particulares, como o dolo, a relação de causalidade, o concurso de
pessoas, a omissão, encontravam abrangente apreciação doutrinária e, no mais
das vezes, apontavam para decisões jurisprudenciais propiciadoras de alguma
previsibilidade. De uns tempos a esta parte, todavia, novos âmbitos invadiram
o Direito Penal. Sob uma determinada perspectiva, poderíamos falar de um
tipo de Direito Penal secundário, no sentido de que alusivo a bens jurídicos
coletivos, não individuais, e que reformaram fortemente o modo como se há de
empreender a proteção penal; outros, caracterizariam esse mesmo movimento
como concernente a um tipo de delicta de mere prohibita19, a significar casos em
que a carga do injusto não fosse alcançada em um nível meramente profano,
porquanto necessitada da inclusão de conhecimentos específicos, muitas vezes
oriundos de normas administrativas, tudo conduzindo a uma cobertura penal
agora referida a casos como de lesões ao meio ambiente, à ordem econômica,
à própria probidade da Administração Pública, entre outros. A nominalística,
aqui, ostenta menor importância.
Por isso que, de um modo meramente especulativo, poder-se-ia mesmo
falar que exsurgiu, nesse quadro narrado, um Direito Penal incidente sobre
comportamentos praticados pelas elites, desgarrado, assim, de violações jurí-
dicas mais estreitamente pertencentes a um âmbito de pessoas de uma classe
social mais vulnerável.

19 DIAS, Augusto Silva. Delicta in se e delicta mere prohibita: uma análise das descontinuidades do ilícito penal moderno
à luz da reconstrução de uma distinção clássica. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 616.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
104

Importa algum destemor para avançar nesse ponto: como leciona Schü-
nemann, não se pode negar que o comportamento típico das classes sociais
mais baixas, desde o nascimento do Direito Penal moderno, constituiu-se no
modelo básico de tipificação, tanto na configuração da descrição dos crimes
como também na prática da Justiça criminal. O centro do processo de cri-
minalização, poder-se-ia dizer, aludia à propriedade. A mudança de tendência
mais recentemente verificada, contudo, com a inclusão dos crimes contra a
ordem econômica, ambientais e mesmo a incidência penal sobre a corrupção
e a lavagem de dinheiro, revela, por sua vez, o atendimento a uma perspectiva
moral, fulcrada no princípio da igualdade, e não chega a surpreender o alarde
das reações, propugnando a manutenção do Direito Penal no seu estágio
de proteção meramente individual, o que, noutros termos, é o mesmo que
defender a restrição de sua incidência apenas sobre os menos favorecidos20.
O ponto a destacar, porém, seja lá qual for o modelo explicativo ado-
tado – de um Direito Penal secundário, de mere prohibita ou abrangente de
condutas perpetradas por uma outra classe social –, aponta para releituras
das categorias consagradas, na medida em que tratar de crimes ambientais
sob o pálio da teoria da causalidade tradicional é írrito, discutir o concurso
de pessoas em casos de organizações empresariais voltadas à corrupção é uma
vanidade, e mesmo tratar de omissões ou deveres normativos, do modo como
anteriormente concebidos, nos casos de infração contra a ordem econômica,
ou lavagem de dinheiro, produziria quimeras e decepções. Ou seja, para esse
novo setor do Direito Penal, a Teoria Geral do Crime falhou, no sentido de
dar-lhe as respostas necessárias para a resolução de casos, liberando, de todo
constrangimento epistemológico, a própria jurisprudência.
Vale explicar: para tais tipos de infrações, a doutrina, pouco consistente
e de limitada abrangência, acabou sendo praticamente desprezada pelos Tribu-
nais e pela jurisprudência, exonerando-os, por assim dizer, do dever de prestar
contas àquilo que haveria de ter forjado um conjunto estável de parâmetros,
a tal ponto que, com olhos de ver, notamos uma vastidão de autorreferências
nas decisões judiciais, que se fundamentam em si próprias, deixando de lado
o arcabouço teórico que, de sua parte, também não se apresentou.
Ademais, embora as miragens turvem o pensamento, a verdade é
que tal subsistema tem-se notabilizado pela substituição das sanções penais
efetivas, por negociações calcadas em parâmetros muitas vezes heterodoxos,
que deslocam a punição para um sistema inequivocamente brando de acordos.

20 ����������������������������������������������������������������������������������������������������
SCHÜNEMANN, Bernd. Vom unterschichts – zum oberschichtsstrafrecht. Ein paradigma wechsel im moralis-
chen anspruch? In: Alte strafrechts strukturen und neue gesellschaftliche herausforderungen in Japan und Deutschland. Hans-
HeinerKühneundMiyazawa (Hrsg.). Berlin: Duncker&Humblot, 2000. p. 15-36.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 105

Há muito tempo, com o brilho peculiar, Hungria advertia que a dou-


trina penal esterilizara-se numa miúda dissecação de conceitos, num logismo
abstrato e na tarefa inglória de uma dialética tão profusa quanto infecunda21.
Isso derivava, antes de tudo, de uma designada pandectização do Direito Penal,
no sentido de que a sua teoria estava assimilando-se a um tipo de teoria das
obrigações, de cunho civilístico, em ordem a que retrocedêssemos a uma época
em que o Direito Penal nada mais era do que um capítulo do Direito Civil22.
Ora, o ramo do Direito concebido “para refrear o anjo rebelde que vive
no homem e ajustá-lo aos imperativos éticos da vida social” não poderia aliar-
se àquele que se limita à solução de litígios patrimoniais de ordem privada;
em isso sucedendo, os critérios civilísticos aplicados à elaboração científica
do Direito Penal exsurgem quais “gafanhotos em campo cultivado”, dando
na anemia profunda do Direito Penal23.
Que haveria Hungria de dizer sobre o modo como estamos a exaltar
as soluções negociadas em Direito Penal? Se a resposta constituir-se-ia em
especulação vã, podemos, contudo, apontar o modo como se tem, hoje em
dia, dado acabamento a esse tipo de modelo.
Vasconcellos, por exemplo, acaba por defender a instituição de um par-
ticular subsistema, tendente a restringir a delação premiada somente a casos
excepcionais, assim entendidos aqueles em que haja “elementos objetivos que
demonstrem a complexidade da investigação”24, o que, mesmo não sendo a
intenção manifesta do autor, conduz à restrição dos benefícios da colaboração
premiada àqueles tipos de crimes praticados pelas altas classes empresariais
e políticas, de modo que, somente a este grupo peculiar é que se dariam os
benefícios de uma negociação minimizadora dos corolários penais.
No cediço julgamento do HC 127.483, o STF, de sua parte, deu con-
tornos evidentemente civilísticos à delação premiada, acoimando-a de negócio
jurídico processual, deixando de lado os aspectos do Direito Penal material que,
se reconhecidos, no mínimo balizariam o instituto a partir da estrita legali-
dade. Sim, pois a exaltação do acordo de vontades, na prática, viabilizou uma
multiplicidade de negociações feitas à margem da lei.
Parece evidente que as normas legais que, no Brasil, definem a colabo-
ração premiada, permitem ao juiz, apenas e tão somente: (i) conceder o perdão
judicial, (ii) reduzir a pena privativa de liberdade em até dois terços (2/3) ou

21 HUNGRIA, Nélson. Os pandectistas do direito penal. In: Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense,
1955. v. I. t. 2. p. 435.
22 HUNGRIA, Os pandectistas..., p. 438.
23 HUNGRIA, Os pandectistas..., p. 440-441.
24 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters,
2018. p. 307.
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106

(iii) a substituir a prisão por medidas alternativas, nomeadamente penas res-


tritivas de direitos, e isso se o criminoso auxiliar na identificação dos demais
autores dos fatos, revelar a estrutura hierárquica da organização criminosa ou
contribuir para a recuperação total ou parcial do produto das infrações penais.
Este, resumidamente, é o teor expresso na Lei nº 12.850/2013.
São, porém, cediços os casos em que, não obstante, designadamente
na Operação “Lava-Jato”, fixaram-se penas que serão cumpridas inicialmente
no regime fechado e, a partir daí, em progressões de regime indistintas, na
situação de um tipo de regime semiaberto diferenciado, muitas vezes com a
adoção de prisão domiciliar, saltando-se, ao depois de certo interregno, para o
regime aberto ou para a mera prestação de serviços comunitários25. A própria
liberação de bens ou mesmo, pasmemos todos, do produto de ilícitos, já foi
objeto de negociação, de resto homologada judicialmente.
Sem que seja necessário esmiuçar a casuística, a verdade é que, em
algumas situações, a pena privativa de liberdade superior a mais de cem anos
de reclusão não implicou nem mesmo em quatro anos de segregação; e a pen-
dência de acordos, para figuras ilustres, nunca deixa de indicar uma barganha
quanto à punição de extensão muitas vezes chocante, incluindo-se aí fatos
sequer ainda descobertos e que, se o fossem, não acarretariam nenhum tipo
de punição, diante dos limites heterodoxos traçados pelo acordo26.
Os esforços interpretativos de alguma doutrina27, sobre a admissão de
analogias e a indicação de lógica simplista do quem pode o mais pode o menos,
confrontam com a legalidade estrita, e é a legalidade que rege a atividade, mor-
mente dos órgãos de persecução28, bem como com o sentido do axioma in eo
quod plus est semper in est et minus, vale dizer, a argumentação a maiori ad minus,
não se compraz com situações definidas pelo próprio legislador, sob pena de se
consentir com o exercício de poderes, pelas autoridades estatais, que não lhe

25 Qualificando tais modelos de sanções, à margem da lei, como “penas inventadas”, e criticando-as, cf. CORDEIRO,
Nefi. Colaboração premiada: caracteres, limites e controles. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 62-65. Do mesmo modo,
asseverando que “não podem as partes ampliar os prêmios para além daqueles indicados em lei”, cf. ZILLI, Marcos.
Transplantes, traduções e cavalos de Troia. O papel do juiz no acordo de colaboração premiada. Leituras à luz da
Operação Lava Jato. In: AMBOS, Kai; ZILLI, Marcos; MENDES, Paulo de Sousa (Coord.). Corrupção: ensaios sobre
a Operação Lava Jato. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 121.
26 A este respeito, cf. FACCINI NETO, Orlando. Contribuição para o estudo da delação premiada. In: ESPIÑERA,
Bruno; CALDEIRA, Felipe (Org.). Delação premiada: estudos em homenagem ao Ministro Marco Aurélio de Mello.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 647-665.
27 MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a autonomia
da vontade. In: MOURA, Maria Thereza de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Org.). Colaboração premiada. São
Paulo: RT, 2017. p. 53-104.
28 Há muito tempo, advertia Jardim que: “não há nada de liberal na autorização do membro do Ministério Público para
decidir, no caso concreto, se invoca ou não a aplicação do Direito Penal: não faz qualquer sentido, em uma sociedade
democrática, outorgar tal poder a um órgão público. A aplicação inarredável da norma penal cogente, realizado o seu
suporte fático, não pode ser afastada pelo agente público à luz de critérios pessoais ou políticos” (Ação penal pública:
princípio da obrigatoriedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 56).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 107

foram conferidos ou foram-lhe mesmo negados. A regra, no processo penal, é


a obrigatoriedade da ação penal, valendo assinalar que, na lição de Maximiliano,
a conclusão do “a minori ad majus nem sempre será lógica e verdadeira”, e, para
tanto, basta lembrar que os textos proibitivos e os que impõem condições, os
quais são “sujeitos a exegese estrita e incompatível com o processo analógico, ao
qual pertencem os três argumentos – a pari, a majori ad minus, a minori ad majus”29.

4 O Eterno Retorno do Direito Penal, ou a Maldição de Lampedusa


No clássico O Leopardo, todos se recordam da célebre frase de Tancredi,
segundo a qual é preciso que tudo mude, para que tudo permaneça como antes. Enca-
rada a asserção como um tipo de malquerência, seu enquadramento ao nível
de nosso modo de operar com o Direito Penal parece inequívoco.
Ao lograr o sistema penal a capacidade de abranger delitos outrora mas-
carados pela imensidão da cifra negra, a que os leigos comumente chamam
de pura impunidade, ao revés de desenvolvermos os institutos, refinarmos os
argumentos e tornarmos compreensiva deste novo universo as categorias do
Direito Penal, deslocamos, para um subsistema autonomizado, essa crimina-
lidade secundária, confrontadora de bens jurídicos coletivos, e, no mais das
vezes, cometida por agentes públicos, políticos e parte do grande empresariado
nacional. Certo que, de início, foi estimulante, aos olhos da opinião pública,
o desbravar, pelo Estado, desse campo vasto do que alguns chamaram de atos
praticados por uma elite delinquente30. Mas onde o caminho trilhado nos levou?
O demasiado uso da colaboração premiada, o descumprimento das re-
gras limitadoras dos benefícios, os projetos de lei instituidores do plea bargain,
a projeção civilística para o Direito Penal, tudo isso fez escapar um setor de
ilícitos e ilicitudes do campo estável da Teoria Geral do Crime, lançando-nos
num vazio teórico, que, destarte, passou a ser ocupado pela jurisprudência
e pelos termos de negociações entabuladas entre órgãos de acusação e réus.
Nesse subsistema, então, a busca probatória já não tem muito sentido,
porquanto a verdade do processo é mera construção narrativa encetada pelas
partes, de acordo com as vantagens obtidas. Eventuais nulidades são suplan-
tadas, pois arriscar afirmá-las é, para o acusado, muitas vezes mais oneroso e
imprevisível do que aceitar uma negociação e, obviamente, isso propende a
uma liberação para certos abusos investigatórios que acabarão por não serem

29 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 200-201.
30 Nas palavras candentes do Ministro Luís Roberto Barroso, o “sistema punitivo brasileiro, historicamente, só foi capaz
de punir gente pobre, por delitos violentos ou envolvendo drogas ilícitas”, de maneira que “um direito penal seletivo
e absolutamente ineficiente em relação à criminalidade de colarinho branco criou um país de ricos delinquentes”
(Empurrando a história: combate à corrupção, mudança de paradigmas e refundação do Brasil. In: PINOTTI, Maria
Cristina [Org.]. Corrupção: lava-jato e mãos limpas. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2019. p. 11-18).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
108

reconhecidos. E, fundamentalmente, a punição já não mais se adstringe a um


juízo de culpabilidade, de merecimento e de consequente proporção, frente
ao dano e lesão cometidos; ao contrário, será o conjunto de informações
prestadas pelo acusado o que, no fim, indicará o consectário de seu injusto,
independentemente de sua gradação. Casos muito mais graves do que outros
serão punidos mais brandamente, visto que o seu autor era sabedor de coisas
virtualmente interessantes para os órgãos de persecução.
É um mundo novo, admirável para uns, desastroso para outros, e do
qual surgem algumas perspectivas de futuro. A primeira delas, consistente
na cristalização daquilo que está a suceder, e que precisa ser visto de frente:
uma dualidade de sistemas penais, com idiomas próprios, sendo certo que num
dos quais se apresenta a prisão como solução inquestionável, direcionada a
um público limitado e específico, e outro com a benevolência e a placidez dos
acordos, o olvido à normatividade e a fraude de milhões sancionada com menos
tempo de encarceramento do que o roubo de um aparelho de telefone celular.
Nessa dualidade sistêmica, ademais, convivem a prisão preventiva
exacerbada para os chamados street crimes, e a vedação da execução da pena
confirmada em segunda instância para as infrações confrontadoras dos bens
jurídicos coletivos, sabido seja que, aqui, é muito menos intensa a força da
segregação cautelar. Para os crimes da classe baixa, a prisão à mingua de jul-
gamento é fartamente admitida, ao passo que a criminalidade elitista exigirá o
esgotamento de todas as vias recursais para encontrar alguma resposta penal.
Essa perspectiva, cumpre perceber, não difere em demasia do ponto
de vista segundo o qual a afetação dos bens jurídicos de caráter coletivo ou
difuso haveria de pertencer a outro ramo do Direito, em ordem a que tais
comportamentos ficassem de fora do campo penal, pois as consequências que
são estabelecidas, deveras, num negócio jurídico processual, já são discutíveis sob o
ângulo das características das penas criminais. Temos, porém, e vale isso realçar,
como correta a crítica de Schünemann, particularmente à concepção atribuída
à Escola de Frankfurt, que, como cediço, vai, num viés crítico, no limite a apontar
no sentido de uma abolição do Direito Penal econômico, e também do ambien-
tal, em favor de um denominado “direito de intervenção”. E a razão é que se
mostraria insensata a exigência de que a necessária proteção de bens jurídicos
da contemporaneidade se fizesse efetiva com institutos jurídicos arcaicos31.
Além disso, a questão não esconde uma razão situada em nível políti-
co. Na crítica que faz à teoria pessoal do bem jurídico, consistente em uma

31 SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio de proteção de bens jurídicos! – Sobre os limites invioláveis
do direito penal em um Estado de Direito liberal. Trad. Luis Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
RT, v. 53, mar./abr. 2005. p. 9-37.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 109

restrição do Direito Penal às lesões individuais, assinala Hefendehl que, se


a teoria pessoal do bem jurídico formula a pretensão de manter um Direito
Penal reduzido a um certo âmbito, ela o faz de uma maneira que é reacionária,
porque, no fundo, assume a perspectiva da classe dominante, cujas posses, em
sentido amplo, quer proteger por meio do Direito Penal32. Seria problemático,
do ponto de vista do acolhimento constitucional de determinação do princípio
da igualdade, considerar de forma induvidosa a lesão à propriedade como algo
socialmente danoso e, com isso, merecedor de pena, ao mesmo tempo em
que se quer deixar fora do Direito Penal ataques, por exemplo, à confiança no
mercado de capitais e a outros pontos de dispersão coletivos, como a ordem
econômica, o meio ambiente e a probidade da Administração, essenciais para
a sociedade e para seus membros33.
A segunda vertente possível, derivada de nosso quadro atual, é a rendi-
ção, o ceder passo o Direito Penal tal qual o conhecemos, para a equalização
de situações ao nível desse subsistema abrangente das soluções negociadas e
que abdica da reconstrução histórica dos fatos no processo em benefício de
narrativas surgidas do acordo. Já não haveria dualidade sistêmica, mas, sim,
unidade em torno desse novo modelo que surgiu. Nesse caso, observada a possibi-
lidade de que tais diretrizes apresentar-se-iam para todos, e não apenas para
os autores de crimes de um determinado setor, deveremos conviver com a
circunstância de que as penas não mais se darão consoante o merecimento,
e sim conforme o nível de disposição colaborativa daquele que delinquiu.
Importante é saber que, seguida essa linha, em que floresceram as solu-
ções negociadas, mais de noventa por cento dos casos criminais alcançam o seu
desfecho a partir de algum tipo de acordo34, tanto que há aqueles que aduzem
não ser o plea bargain uma parte acessória do sistema de justiça criminal ame-
ricana, mas, sim, que o plea bargain é o próprio sistema criminal americano35.
Conforme dito anteriormente, quando a consequência do acordo
proposto é de demasiada benignidade, até mesmo quem tenha em seu favor
teses de nulidade, excludentes ou fragilidades probatórias, move-se para sua
celebração, afastando riscos e custos do processo; demais disso, a acumulação
de acusações, imputando-se variados fatos em concurso, para que a ameaça
de uma pena elevada favoreça o ânimo do increpado para a negociação, não

32 HEFENDEHL, Roland. Uma teoria social do bem jurídico. Trad. Luís Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo, RT, v. 87, nov. 2010, p. 104-105.
33 HEFENDEHL, Uma teoria social..., p. 109-110.
34 FISHER, George. Plea bargaining’s triumph: a history of plea bargaining in America. Stanford: Stanford University
Press, 2003. p. 223.
35 HEUMANN, Milton. Plea bargaining: the experiences of prosecutors, judges and defense attorneys. Chicago: The
University Chicago Press, 1981. p. 1.
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110

exclui que, visando a escapar de riscos, surja a ignóbil hipótese de responsa-


bilização de inocentes.
De um modo ou de outro, entrementes, nas perspectivas por ora aven-
çadas o que se colhe é o descortinamento do fim da Teoria Geral do Crime,
como a conhecemos. É que, na primeira vertente, a dualidade de sistemas
penais abala o caráter Geral da Teoria, que, portanto, se não é capaz de fornecer
respostas válidas à diversidade de situações verificáveis no sistema, simples-
mente não mais há de ser tomada como uma Teoria Geral.
Na segunda vertente, de transposição de todo o Direito Penal para um
modelo menos regulado de acordos e consensos, o que não mais teríamos é
a própria Teoria, na medida em que substituída, ao contrário, por pura prática,
por pragmatismo fundado em lógica eficientista, e já aí não haverá razão para
estudarmos ou escrevermos sobre legítima defesa, coação moral, erros de
tipo e de proibição, pois o interesse dogmático terá falecido e, em seu lugar,
terá surgido o relevo de estudos sobre como obter maiores vantagens na ce-
lebração de avenças e acordos. Sai de cena o arcabouço filosófico do Direito
Penal e vem ao palco a limitada técnica de como se levar maior vantagem na
realização de bons contratos.
Um terceiro caminho, entretanto, ainda é possível. A antecedência dos
profundos entendimentos sobre a Teoria do Crime, em relação ao advento
do constitucionalismo, não permitem dizer que é, a teoria, tributária, em suas
origens, da normatividade constitucional. O que ocorre, todavia, é que, já com
essa normatividade constitucional, impor-se-ia uma revisão das categorias,
que agora assentarão sobre outras bases, na perspectiva dos “valores e critérios
constitucionais que limitam e conformam o Direito Penal”36.
Palma, com efeito, assinala desenvolvimentos interpretativos da Cons-
tituição que “vão para além de uma leitura formal”, pois, embora o texto de
uma Constituição democrática continue a ser o ponto de partida irrenunciável
na definição de seu conteúdo, ademais disso haverá lugar para a “investigação
de valores e o desenvolvimento de princípios e normas constitucionais, tendo
em vista a determinação da juridicidade da própria Constituição”37. Daí que o
conceito material de crime, enquanto conteúdo admissível do criminalizável,
bem como o conceito material de pena, como conteúdo e fim possíveis da
sanção correspondente, fazem parte da Constituição Penal38.

36 PALMA, Maria Fernanda. Direito constitucional penal. Coimbra: Almedina, 2006. p. 13.
37 PALMA, Direito constitucional..., p. 42-43.
38 PALMA, Direito constitucional..., p. 49.
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A Teoria Geral do Crime não surge, nas suas formulações tradicionais,


conforme ensina Palma, como uma teoria da decisão penal, mas antes como uma
teoria sobre a definição do crime39. Era, como vimos no início, anteriormente
lastreada exclusivamente na lei; é hora de dar-lhe um novo fundamento de
validade, sobretudo, porque a decisão de casos concretos não corresponde
apenas a uma técnica e a uma linguagem indiferente a juízos éticos, posição
que a “teoria geral da infracção, nas suas piores vulgarizações dogmáticas,
permitia”40.
A Teoria Geral do Crime, com efeito, tem de “funcionar com critérios
imediatamente aptos para uma justificação aceitável (e compreensível) da
decisão do caso”, devendo tais critérios dar contributo à conformação de uma
verdadeira teoria da decisão penal41, que, portanto, não se subordina à mera
vontade das partes e, menos ainda, a uma lógica de pura eficiência ou apego
ao pragmatismo.
Repensar as bases da Teoria Geral do Crime, sob os auspícios de uma
principiologia constitucional inexcedível, gera inescapáveis consequências,
como a obediência irrestrita (i) ao princípio da igualdade, no que é expressi-
vo o balizamento das sanções penais realizado abstratamente pelo legislador,
(ii) ao princípio da individualização da pena, como apanágio da reserva de
jurisdição, de maneira que não é a vontade das partes que há de determinar o
corolário possível dos ilícitos, (iii) ao princípio da culpabilidade, segundo o
qual a imposição particularizada da pena há de guardar um juízo de propor-
ção relacionado com o merecimento do agente, em vista do grau de violação
jurídica causada, e não à conveniência de elementos investigativos que venha
a trazer para a solução, quiçá também negociada, de outros casos.
Será, ainda, lícito aludir à existência de um dever de proteção dos bens e
valores constitucionais frente a ataques de entidades privadas e pessoas singu-
lares, o que estabelece para o legislador uma imposição de criação de sistemas
preventivos e sancionatórios, na medida em que a sanção seja necessária para
a evitação, sempre em caráter prévio, dessas agressões42. Segundo Cunha,
como parece evidente, um dos sistemas preventivos de que o Estado dispõe,
o sistema mais forte, é o sistema penal43. Nessa linha, refere-se Vives Antón
ao bem jurídico como intermediário entre a norma constitucional e a penal, de

39 PALMA, Direito penal..., p. 9.


40 PALMA, Direito penal..., p. 32.
41 PALMA, Direito penal..., p. 37.
42 Mais amplamente, a este respeito, cf. FACCINI NETO, Orlando. Teoria geral do crime. Curitiba: Juruá, 2017. p.
393-402.
43 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descrimina-
lização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995. p. 287.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
112

sorte que a legitimidade dos preceitos penais tenha, como condição, que estes
tutelem algo que pueda ser considerado desde la perspectiva constitucional un bien44.
O incremento constitucional da Teoria do Crime traz, além disso, o
revigoramento do ponto de vista da vítima, como critério a ser levado em
conta no momento da reprovação. Claro, porque, como indica Hörnle, a
atribuição de culpa enseja um juízo de desaprovação, o qual se apresenta
como uma mensagem para a vítima: a condenação contém um juízo sobre a
extensão dos direitos da vítima e sobre a demarcação de sua esfera, frente à ação
do criminoso, e isso denota que a vítima não necessita aceitar a conduta que
violou um seu direito45. Hörnle, por isso, é crítica de modelos de concepção
da pena pautados exclusivamente num cálculo instrumental de eficiência,
na medida em que estes olvidam um cogitável direito da vítima em relação à
punição do delinquente46.
Cabe aqui referir que a vítima, num modelo amplo ou restrito de
acordos, permanece relegada ao olvido, na medida em que destituída da pos-
sibilidade de se manifestar acerca da avença. A falta de consideração frente aos
interesses da vítima representa a subjugação de sua perspectiva em benefício
da maximização de resultados. Ora, os sentimentos decorrentes da própria
condição de vítima podem mobilizar o ofendido à suplantação de qualquer
benefício para aquele que violou seus interesses, e a exaltação dos acordos
propende à sua frustração.
Em termos de abrangência para com os bens jurídicos coletivos, uma
Teoria Geral do Crime que esteja fundamentada em termos constitucionais
observará que a idônea arrecadação de receitas públicas, e a sua manutenção
escorreita, afigura-se como um interesse de natureza abrangente, dada a sua
característica elementar de não distributividade, pela razão de que não é possível
dizer qual a parte cabível a cada indivíduo; isso, todavia, não afasta a sua propen-
são de afetar a qualidade de vida de outras pessoas, particularmente aquelas que,
por suas condições pessoais, têm o seu destino mais atrelado ao desenvolvimento
das prestações estatais, bem como de assinalar uma dimensão de desrespeito e
desconsideração, de quem age, em desfavor daquilo que lhe não seja próprio47.

44 VIVES ANTÓN, Tomás S. Fundamentos del sistema penal: acción significativa y derechos constitucionales. 2. ed.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 832.
45 HÖRNLE, Tatjana. Determinación de la pena: el papel de una perspectiva de la víctima. Trad. Luis Miguel Reyna
Alfaro. In: Determinación de la pena y culpabilidad: notas sobre la teoría de la determinación de la pena en Alemania.
Buenos Aires: FD, 2003. p. 88.
46 HÖRNLE, Tatjana. Subsidiarität als begrenzungsprinzip – selbstschutz. In: Mediating principles: begrenzungsprinzipien
bei der strafbegründung. Baden-Baden: Nomos Verlaggesellschaft, 2006. p. 36-37.
47 Marx, nesse aspecto, reconhece ser a ordem econômica merecedora de proteção, porque, tanto quanto a ordem
pública permitem que se apresentem as condições para o livre desenvolvimento de cada um. (MARX, Michael. Zur
definition des begriffs rechtsgut: prolegomena einer materialen verbrechenslehre. Köln: Carl Heymanns, 1972. p. 79-81)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 113

Numa tal perspectiva, observa-se que uma ordem de incriminação re-


ferenciada ao âmbito econômico ou fiscal não está envolvida por algum tipo
de neutralidade, senão que é manifestação de preocupações de justiça social,
atribuindo-lhe ressonância ética48. E isso é assim exatamente porquanto os
interesses protegidos não são unicamente os propriamente estatais, sendo
certa a necessidade do “financiamento do Estado com o escopo de satisfazer
necessidades sociais”, a convocar uma “diminuição de desigualdades”, que
não deixa de apontar ao fato de que “o dever de pagar imposto apresenta
fundamentação ética (...) concretamente na necessidade de recolha de receitas
para a prossecução de fins sociais”49.

5 Conclusão
Entre a manutenção de um quadro dualista, em que o Direito Penal seja
aplicado de modo diferente, conforme o tipo de lesão individual ou coletiva
produzidos, o que se poderia vislumbrar como uma distinção dos corolários
penais consoante o tipo de autor do crime e a sua condição ou classe social;
entre fazer surgir um novo Direito Penal, ampliado em seu modelo de acor-
dos e negociações, qual sucede entre contratantes numa mesa regulada pelo
Direito Civil; entre essas alternativas há, ainda, a retomada da Teoria Geral do
Crime, fundamentada na axiologia de uma ordem constitucional vinculante
e evidentemente democrática.
É, provavelmente, a mais difícil e a menos sedutora das alternativas.
Mas apenas nela continuaremos, deveras, situados no campo da igualdade, da
proporção, da culpa e daquilo que designamos como Direito Penal.

TITLE: The crisis of general crime theory.

ABSTRACT: The present text seeks to enumerate some of the causes of weakening of the General Theory
of Crime, and, consequently, of the bases of Criminal Law, as well as to point out ways that Criminal
Law does not become mere practice of formulating criminal agreements, in complete disharmony with
their postulates.

KEYWORDS: Criminal Law. Criminal Policy. Plea Bargain. General Theory of Crime.

48 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Piketty não olvida o papel central desenvolvido pelos impostos na redução das desigualdades, e coerentemente des-
taca que tal questão, concernente aos impostos, não é apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, pela
simples razão de que sem impostos a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva se torna impossível
(PIKETTY, Thomas. O capital no século xxi. Trad. Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p.
480).
49 ARAÚJO, Marisa Almeida. No percurso do discurso legitimador do direito penal tributário: o crime de fraude fiscal – refle-
xões. Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Porto: não publicada,
2010. p. 67-68.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
114

6 Referências
ARAÚJO, Marisa Almeida. No percurso do discurso legitimador do direito penal tributário: o crime de fraude
fiscal – reflexões. Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
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Recebido em: 05.12.2019


Aprovado em: 10.12.2019
Doutrina

Comentários à Nova Lei de Abuso de


Autoridade (Lei nº 13.869/2019)

Alneir Fernando S. Maia


Advogado; Mestre em Direito pela UFMG; Professor da
Universidade FUMEC; Professor de Direito Penal da Escola
Superior de Advocacia da OAB/MG; Membro da Comissão
de Direito Penal Econômico da OAB/MG; Sócio do Escritório
Andrada Sociedade de Advogados.

RESUMO: Apesar do fato de que algumas vozes tenham se insurgido contra a


edição da nova lei de abuso de autoridade, percebemos que a norma, na verdade,
terá difícil aplicação prática, situação que pode manter o atual estado de coisas,
embora os abusos manifestos passaram a ter algum freio.

PALAVRAS-CHAVE: Lei de Abuso de Autoridade.

A Lei Federal nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, que trata do abuso


de autoridade, gerou certa polêmica no meio jurídico e político.
Seria essa nova lei uma resposta do legislativo às ações das autoridades
estatais, em especial devido às operações levadas a efeito atualmente, ou real-
mente havia a necessidade de uma nova lei de abuso de autoridade, já que a
lei existente é da década de 1960?
Deve ser ponderado, que sob esse prisma do controle de condutas
abusivas a tutela penal mostra-se necessária para devolver à coletividade a
segurança de somente pessoas serem abordadas pelos agentes da área criminal
após a prática de algum injusto penal e por força da prática desse ato, evitando-
se ações e prisões arbitrárias/exageradas.
A antiga lei que tutelava o assunto (Lei nº 4.898/65) foi editada no pe-
ríodo em que as liberdades no Brasil estavam cerceadas, refletindo a situação
do momento e demandando realmente uma renovação.
Nesse contexto surgiu a nova lei de abuso de autoridade.
O destinatário da norma é o agente descrito na lei, assim definido:
“reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce,
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 117

ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,


designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo
caput deste artigo”.
Portanto, o espectro de aplicação da lei é bastante extenso, havendo dis-
cussões no sentido de que a norma poderia ser aplicada até mesmo aos jurados
do Tribunal do Júri, pois poderiam ser, dentro do conceito de agente público
acima transcrito, sujeito ativo de algumas condutas legalmente previstas.
Ainda dentro das disposições gerais da nova lei, para a sua incidência
exige-se o dolo com finalidade específica (especial fim de agir), quando a regra
estabelece que constitui crime de abuso de autoridade condutas praticadas
pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a
si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
O elemento subjetivo descrito no parágrafo acima é de difícil de-
monstração, principalmente se considerado o fato de que a interpretação da
norma beneficia o agente, conforme descreve o art. 1º, § 2º: “A divergência
na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso
de autoridade”.
Sobre essa questão já se posicionou o STJ, debatendo a lei anterior:

“AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. ABUSO DE AUTORIDADE. ART.


4º, A, DA LEI Nº 4.898/65. DESEMBARGADOR. DECISÃO JUDI-
CIAL. CONFRONTO COM DECISÃO DE RELATOR DO STF.
CONDUÇÃO COMPULSÓRIA PARA LAVRATURA DE TERMO
CIRCUNSTANCIADO. QUESTÕES ATINENTES À ATIVIDADE
JUDICANTE. ATRIBUTOS DA FUNÇÃO JURISDICIONAL. 1. Faz
parte da atividade jurisdicional proferir decisões com o vício in judicando
e in procedendo, razão por que, para a configuração do delito de abuso de
autoridade, há necessidade da demonstração de um mínimo de ‘má-fé’ e
de ‘maldade’ por parte do julgador, que proferiu a decisão com a evidente
intenção de causar dano à pessoa. 2. Por essa razão, não se pode acolher
denúncia oferecida contra a atuação do magistrado sem a configuração
mínima do dolo exigido pelo tipo do injusto, que, no caso presente, não
restou demonstrado na própria descrição da peça inicial de acusação para
se caracterizar o abuso de autoridade. 3. Ademais, de todo o contexto, o
que se conclui é que houve uma verdadeira guerra de autoridades no plano
jurídico, cada qual com suas armas e poderes, que, ao final, bem ou mal,
conseguiram garantir a proteção das instituições e dos seus representantes,
não possibilitando a esta Corte a inferência da prática de conduta penal-
mente relevante. 4. Denúncia rejeitada.” (APn 858/DF).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
118

Portanto, como exposto alhures, não será fácil o enquadramento do


elemento subjetivo do tipo e a consequente adequação típica.
As condutas tipificadas como crimes são de ação penal pública incon-
dicionada. Resta saber como ficará a persecução penal quando os agentes do
Ministério Público, que também podem praticar a conduta abusiva, forem os
imputados. Nesse caso, a questão somente se resolverá através de ação penal
privada subsidiária, salvo melhor juízo.
Diferentemente do que diz o CPP (art. 387) acerca da reparação civil
dos danos decorrentes da condenação penal que, em tese, constitui efeito
automático da sentença, no caso da lei de abuso de autoridade essa reparação
somente se dará mediante requerimento do ofendido, nos moldes do art. 4º
da nova Lei.
Há a previsão de duas situações no que diz respeito aos efeitos da con-
denação sobre o cargo ou função ocupados pelo agente, caso haja procedência
do pedido. São efeitos: a) a inabilitação do agente para o exercício de cargo,
mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; b) ou
a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Na primeira situação, o
agente terá a possibilidade de retornar às suas atividades, mesmo tendo sido
condenado por abuso, o que parece ser desarrazoado. A segunda situação já re-
flete a lei penal atual, como efeito secundário da sentença. De qualquer forma,
para que sejam aplicados ambos os efeitos, exige-se a reincidência específica,
situação muito difícil de ocorrer, tendo em vista as dificuldades de aplicação
dessa lei, diante do elemento subjetivo mencionado nos parágrafos acima.
Sobre as condutas penais propriamente ditas, há várias situações de
difícil ou quase impossível adequação típica, sobretudo se levado em conta a
amplitude dos termos descritos na norma incriminadora.
Diz a lei que é crime decretar medida de privação da liberdade em
manifesta desconformidade com as hipóteses legais. Termos extremamente vagos
para possibilitar que o agente seja responsabilizado. O que seria manifesta
desconformidade? Poderia ser o caso de crimes punidos com detenção em que
o agente se encontra preso preventivamente, talvez. A situação em concreto
vai nos elucidar melhor.
Continua a lei dizendo que incorre na mesma pena a autoridade judiciá-
ria que, dentro de prazo razoável, deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal;
substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder
liberdade provisória, quando manifestamente cabível; deferir liminar ou ordem
de habeas corpus, quando manifestamente cabível.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 119

Primeiramente, qual seria esse prazo razoável, tendo em vista o fato de


que os prazos para as autoridades descritas na norma como sujeitos do delito
são impróprios? Ademais, a lei exagera no uso da expressão manifestamente.
Quase nada no Direito é manifestamente.
Temos vários casos que são levados às últimas instâncias judiciais para
que sejam esclarecidos, o que afasta completamente o enquadramento da
conduta como manifestamente. Vejamos o vaivém e a divergência de opiniões
sobre, por exemplo, a prisão por condenação em segunda instância.
Manifesto é aquilo que salta aos olhos, evidente, ostensivo. Poucas são
situações dessa natureza no trato jurídico.
No caso das prisões em flagrante, cuja não comunicação dentro do
prazo legal constitui crime, poderá ser usado como defesa do agente o fato
de que a situação das delegacias justifica a demora na lavratura de autos e co-
municações, e várias vezes o prazo legal será suplantado, o que poderá gerar,
via de consequência, crime.
A demanda pelo clamor midiático de determinados crimes poderá ense-
jar enquadramento penal do agente público, que não pode expor fisicamente
e ou vexatoriamente o detido.
Nesse ponto, pode entrar em choque a liberdade de imprensa e o direito
de noticiar condutas delituosas, até mesmo pelo seu caráter preventivo e para
que novas denúncias surjam, com o direito do detido de não ser exposto.
Situação complexa e paradoxal.
Praticamente inócua a descrição típica do art. 16 da Lei: “deixar de
identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura
ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão”. Será muito difícil
ou quase impossível à vítima fazer prova dessa conduta, particularmente no
caso em que o agente deixar de identificar-se.
Normalmente, as capturas são feitas sem testemunhas ou, se houver
testemunha, esta não se atentará para o fato da não identificação do condutor
da prisão, em especial pela tensão do momento.
Merece atenção o art. 25 da Lei nº 13.869/2019, que diz ser crime: “pro-
ceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização,
por meio manifestamente ilícito”.
Atualmente, estamos vivenciando a obtenção de provas ao arrepio da
lei a todo o momento. Até mesmo autoridades públicas estão sendo vítima
de provas obtidas de forma manifestamente ilícita.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Doutrina
120

Tais provas, além de envenenar toda a instrução, podem gerar ao agente


público a responsabilização penal.
Arroubos intimidatórios serão coibidos pelas condutas penais descritas
nos arts. 27 e 30 da Lei, que pontuam ser crime requisitar instauração ou
instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa,
em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de
ilícito funcional ou de infração administrativa ou dar início ou proceder à
persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou
contra quem sabe inocente.
Aquela expressão “eu te processo”, hoje, pode ser crime de abuso de
autoridade, caso não haja indícios da conduta do suposto criminoso.
Os agentes que gostam de redes sociais e exposição midiática devem
estar atentos para a conduta penal de divulgar gravação ou trecho de gravação
sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou
a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado.
Assistimos nos últimos tempos investigados sendo expostos ao público
por agentes buscando holofote, sem maiores critérios, com fins meramente
pessoais, políticos, etc.
A cada dia surgem mitos e heróis da imprensa e das redes sociais mon-
tados em exposição indevida de supostos criminosos.
A função do agente público é a manifestação nos autos da investigação,
sem exposição desnecessária e indevida.
Pela nova lei é crime negar ao interessado, seu defensor ou advogado
acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao
inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal,
civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado
o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização
de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível (expressão que pode gerar
prejuízo para a ampla defesa constitucional). Logo, toda persecução penal
ou condenação que derive da situação acima descrita, em que a defesa não
tenha acesso aos autos de investigação, deverá ser automaticamente nula,
salvo melhor juízo.
Não pode haver decisão condenatória com base em provas que na sua
origem deram ensejo ao crime de abuso de autoridade.
Como as penas são de detenção e muitas são baixas, o procedimento
atrai as normas da Lei nº 9.099/95, ressalvadas as situações de foro especial
por prerrogativa de função.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 121

Ante ao que foi exposto, e para fins conclusivos, tendo em vista os inú-
meros casos que são veiculados na mídia, além de situações não apresentadas
ao público, pela falta de informação ou comunicação dos fatos em um país
com dimensões continentais, o filtro do Direito Penal ainda parece certo,
quando corretamente desenhado e aplicado, especialmente nesses casos de
abuso de autoridade.
Apesar do fato de que algumas vozes tenham se insurgido contra a edi-
ção dessa nova lei, percebemos que a norma, na verdade, terá difícil aplicação
prática, situação que pode manter o atual estado de coisas, embora os abusos
manifestos passaram a ter algum freio.
As autoridades que exercem adequadamente as suas atividades não têm
o que temer.
O tempo nos dirá!

TITLE: Comments about the new Abuse of Power Act (Law no. 13,869/2019).

ABSTRACT: Despite the fact that some opinions have been voiced against the new Abuse of Power Act, it
is possible to realize that such rule will actually be faced with difficulties in terms of practical enforcement,
a situation that may preserve the current state of affairs, even if more explicit abuses have been somewhat
been prevented from happening.

KEYWORDS: Abuse of Power Act.

Referências
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO Rogério. Abuso de autoridade: Lei 13.869/2019 comentada artigo por
artigo, Salvador: Juspodivm, 2019.
NUCCI, Guilherme de Souza. A nova Lei de Abuso de Autoridade. Migalhas, 03.10.2019. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI312282,31047->. Acesso em: 23 nov. 2019.

Recebido em: 11.12.2019


Aprovado em: 03.01.2020
J u r i sp r u d ê n c i a

Supremo Tribunal Federal


HABEAS CORPUS Nº 164.415 SÃO PAULO
RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO

Recurso Ordinário. Substituição


Em jogo, na via direta, a liberdade de ir e vir do cidadão, cabível é o
habeas corpus, ainda que substitutivo de recurso ordinário constitucional.

Crimes Materiais. Art. 1º da Lei nº 8.137/90.


Verbete Vinculante nº 24 da Súmula do Supremo
O Verbete Vinculante nº 24 da Súmula do Supremo, ao versar a na-
tureza material dos crimes previstos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº
8.137/90, exige, para fins de configuração da materialidade delitiva, a
superveniência do resultado naturalístico, consistente na consolidação
definitiva dos créditos tributários.

Responsabilidade Penal Subjetiva. Art. 1º, Incisos I


a IV, da Lei nº 8.137/90. Condição de Contribuinte.
Prescindibilidade
A responsabilidade penal é subjetiva e independente da tributária.
(STF; HC 164.415; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 06/12/2019;
p. 43)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em indeferir a ordem, nos
termos do voto do Relator e por unanimidade, em sessão presidida pelo
Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas
notas taquigráficas.
Brasília, 26 de novembro de 2019.
Ministro Marco Aurélio – Relator
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 123

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Marco Aurélio – O assessor Gustavo Mascarenhas
Lacerda Pedrina assim revelou os contornos da impetração:
“Eis o informado quando da análise do pedido de liminar:
‘(...)
1. O assessor Dr. Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina prestou as seguintes
informações:
‘O Ministério Público Federal ofereceu denúncia, na qual imputou à pacien-
te a suposta prática da infração descrita no art. 1º, incisos I a IV (sonegação
fiscal mediante omissão de informação, fraude a fiscalização tributária, falsi-
dade na operação tributária e utilização de documento fraudado), c/c o art.
12, inciso I (agravante decorrente do dano à coletividade), da Lei nº 8.137/90,
na forma do art. 71 do Código Penal. Destacou a existência de interceptações
telefônicas a demonstrarem a participação da paciente a qual, na condição de
gerente do Rio Preto Abatedouro Ltda., negociava a emissão de notas falsas
da Distribuidora de Carnes e Derivados São Paulo Ltda., empresa de fachada,
em nome de ‘laranjas’, utilizada para a supressão e redução da contribuição ao
Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social – Cofins, por meio de fraude a fiscalização e simulação
de operações comerciais.
O Juízo da Terceira Vara Federal da Subseção Judiciária de São José do Rio
Preto/SP rejeitou a denúncia em relação à paciente, aludindo à ausência de
provas de participação nos delitos apurados.
A Primeira Câmara do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao prover o
recurso em sentido estrito, recebeu a denúncia, asseverando bem individua-
lizada a conduta de cada acusado. Frisou o enquadramento da acusação ao art.
41 do Código de Processo Penal. Ressaltou a gravidade dos fatos e a necessi-
dade de que fossem devidamente averiguados. O processo foi autuado sob o
nº 0004998-55.2010.4.03.6106.
Chegou-se ao Superior Tribunal de Justiça com o Habeas Corpus 381.825/
SP, o qual teve a ordem indeferida pela Sexta Turma.
O impetrante alega que os autos de infração ensejadores do processo-crime
foram constituídos exclusivamente em nome de pessoa jurídica – a Distribui-
dora de Carnes e Derivados São Paulo Ltda. –, a retirar da paciente a quali-
dade de sujeito passivo do delito. Sustenta a falta de justa causa no prossegui-
mento da ação penal. Diz haver sido designado o interrogatório da paciente,
previsto para o próximo dia 14 de novembro.’
(...)’
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
124

Requereu, no campo precário e efêmero, a suspensão do interrogatório e


dos atos subsequentes, até o julgamento definitivo deste habeas corpus. Busca,
alfim, o trancamento do processo-crime, aduzindo vício formal, decorrente
da ausência de lançamento definitivo do tributo em nome da paciente – e não
da pessoa jurídica.
Em 13 de novembro de 2018, Vossa Excelência deixou de implementar a
medida acauteladora.
A Procuradoria-Geral da República manifesta-se, preliminarmente, pela
inadmissão da impetração, afirmando-a substitutiva de recurso ordinário. No
mérito, assevera inexistir ilegalidade a ser reconhecida.
Consulta ao sítio do Tribunal Regional Federal, em 17 de agosto de 2019,
revelou encontrar-se o processo-crime concluso para sentença.”
Lancei visto no processo em 31 de agosto de 2019, liberando-o para ser
examinado na Turma a partir de 17 de setembro seguinte, isso objetivando a
ciência do impetrante.
É o relatório.

VOTO
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) – Rejeito a preliminar sus-
citada pela Procuradoria-Geral da República. Em jogo a liberdade de ir e vir,
não se tem como deixar de adentrar a matéria versada no habeas corpus, pouco
importando os contornos de substitutivo de recurso ordinário constitucional.
Cumpre reiterar o assentado, em 13 de novembro de 2018, quando do
não implemento da medida acauteladora:
“(...)
3. A suspensão de ato processual pela via do habeas corpus é medida a sinalizar
exceção, admissível quando constatada, de forma inequívoca, a ausência de
autoria, a atipicidade da conduta ou a incidência de causa extintiva da puni-
bilidade.
O Ministério Público narrou que, na condição de gerente do Rio Preto Aba-
tedouro Ltda., por meio do uso de notas falsas da Distribuidora de Carnes
e Derivados São Paulo Ltda., a paciente fraudou fiscalizações com o fim de
suprimir ou reduzir o pagamento de contribuições obrigatórias. A responsa-
bilidade da pessoa jurídica, no âmbito tributário, não implica, ante a materia-
lidade e indícios suficientes de autoria, na inviabilidade da responsabilização
penal das pessoas naturais envolvidas nos supostos crimes. As alegações do
impetrante não são aptas a infirmarem a denúncia. A confirmação, ou não,
dos argumentos veiculados pressupõe dilação probatória, razão pela qual, no
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 125

caso, tem-se como conveniente e adequado que a controvérsia seja dirimida


em sede própria, ou seja, no processo-crime. Cumpre viabilizar o interroga-
tório da acusada.
(...)”
O Verbete Vinculante nº 24 da Súmula do Supremo, ao versar a natu-
reza material dos crimes previstos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90,
revela, para fins de configuração da materialidade delitiva, a superveniência
do resultado naturalístico, consistente na consolidação definitiva dos créditos
tributários para fins de configuração da materialidade delitiva. O entendi-
mento não vincula a definição da autoria da infração penal com a condição
de responsável tributário.
A responsabilidade penal é subjetiva e independente da tributária. O
fato de a paciente não guardar a condição de contribuinte dos tributos defini-
tivamente lançados não afasta a possibilidade de prática dos delitos descritos
no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, os quais não se qualificam como
próprios, mas comuns.
Indefiro a ordem.
É como voto.

EXTRATO DE ATA
Habeas Corpus 164.415
Proced.: São Paulo
Relator: Min. Marco Aurélio
Pacte.: Renata Cristina Motta Tofolo
Impte.: Antonio Correa Junior (16286/DF)
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Decisão: A Turma, por unanimidade, indeferiu a ordem, nos termos do
voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra
Rosa Weber. Presidência do Ministro Luiz Fux. Primeira Turma, 26.11.2019.
Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à Sessão os Senho-
res Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre
de Moraes.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Alcides Martins.
João Paulo Oliveira Barros – Secretário da Turma
J u r i sp r u d ê n c i a

Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 80.868 ESPÍRITO SANTO
RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Ocultação de Cadáver. Fraude Processual. Conexão.


Homicídio Qualificado. Art. 366 do CPP. Produção
Antecipada de Provas. Urgência da Medida Não
Demonstrada. Constrangimento Ilegal. Nulidade.
Agravo Regimental Não Provido
1. A decisão que determina a produção antecipada de provas com
base no art. 366 do Código de Processo Penal deve ser concretamente
fundamentada; não a justifica unicamente o mero decurso do tempo
(Súmula nº 455 do STJ).
2. Na hipótese, não foi determinada a nulidade do processo, mas, sim,
a nulidade da decisão que deferiu a produção antecipada da prova, bem
como os atos subsequentes a ela relacionados, sem prejuízo de que o
Juízo de primeiro grau renovasse o ato, desde que em decisão concre-
tamente fundamentada.
3. Agravo regimental não provido.
(STJ; AgRg-RHC 80.868; Proc. 2017/0029425-2; ES; 6ª T.; Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz; DJE 19/12/2019)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento
ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião
Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de dezembro de 2019.
Ministro Rogerio Schietti Cruz – Relator

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 127

O Ministério Público Federal agrava de decisão por meio da qual deu pro-
vimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para anular a decisão que deferiu
a produção antecipada da prova, bem como os atos subsequentes a ela relacionados, sem
prejuízo de que o Juízo de primeiro grau analise a eventual necessidade da
providência, desde que em decisão concretamente fundamentada.
Nas razões deste recurso, o Parquet relata que a agravada foi, posterior-
mente, localizada e passou a participar dos demais atos processuais, especial-
mente de audiência de instrução probatória, sendo, inclusive, interrogada.
Alega, então, que a agravada não participou apenas de um ato processual
de produção de prova: audiência de oitiva das testemunhas arroladas pela
acusação Geronilda Vieira, Gil Carla Vieira Oliveira e Marinete Ribeiro, que
se realizou em 03.11.2016.
Sustenta que não houve prejuízo à ré – diante da inocuidade probatória
do que ali foi produzido –, de maneira que deve ser relativizada a aplicação da
Súmula nº 455 do STJ e que a prova considerada nula, porque produzida sem
a presença da agravada, não contaminou as provas produzidas posteriormente,
mesmo porque tais testemunhos poderão ser reproduzidos em Plenário.
Pretende a reconsideração da decisão ou a submissão do recurso à Sexta
Turma e, ultrapassada a questão pertinente à nulidade da produção antecipada
de prova, requer seja submetida à Terceira Seção deste Tribunal Superior,
nos termos do art. 12, parágrafo único, III, do RISTJ, a presente proposta de
revisão/alteração da Súmula nº 455/STJ.

VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
Não obstante os esforços perpetrados pelo ora agravante, não constato
fundamentos suficientes a infirmar a decisão agravada, cuja conclusão man-
tenho, na íntegra (fls. 106-109):
“Ao determinar a produção antecipada de provas, o Juízo singular ressaltou
(fl. 42, destaquei):
‘Com efeito, estabelece o art. 366 do Código de Processo Penal que, se acu-
sado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz deter-
minar a produção antecipada das provas consideradas urgentes.
Desde logo, verifica-se que existe previsão legal para a realização de medi-
da de produção antecipada de provas na hipótese de suspensão processual,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
128

quando o acusado, citado por edital, não comparecer ou constituir advogado


nos autos.
A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 455,
a qual ordena que a decisão que determinar a produção antecipada de provas
com base no art. 366 do Código de Processo Penal deverá ser concretamente
fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.
Portanto, conclui-se que, sempre que houver suspensão processual na forma
do art. 366 do Código de Processo Penal e a decisão que determinar a realiza-
ção de medida cautelar de produção antecipada de provas for concretamente
fundamentada, não haverá falar em ofensa ao princípio do devido processo
legal.
Deduz-se, então, que nessas hipóteses a legislação privilegia a colheita da pro-
va para a apuração da responsabilidade criminal em detrimento do exercício
do contraditório por parte do acusado não encontrado, em razão de ser a
primeira matéria de interesse público.
No caso vertente, este juízo encetará diligências visando à localização, intimação e inqui-
rição das testemunhas arroladas pelas partes, com o fito de realizar a instrução processual
no que diz respeito à acusada.
Uma vez presentes, as testemunhas, diante do juiz de direito, do promotor
de justiça, dos advogados e do defensor público, prestarão seus depoimentos
e relatarão o que sabem sobre os fatos em apuração, urgindo a participação da
acusada através de defensor capacitado, já que o próprio decurso do tempo acarreta
em diversos outros fatores – tais como mudança de endereço, falecimento, esquecimento,
enfermidades etc., ainda que remotos, que impedem a produção da prova em oportuni-
dade futura.
Nesse sentido, o sucesso do juízo em conseguir trazer a prova dos autos do
inquérito policial para dentro do procedimento judicial, com assistência de
defensor público para promoção da defesa da acusada não encontrada, desde
já homenageia a apuração da responsabilidade criminal e, portanto, o interes-
se público.’
O Tribunal de origem, por sua vez, consignou que ‘a produção antecipada de
provas se deu, em síntese, por estar o Paciente em local incerto e não sabido,
não tendo atendido a citação por edital nem mesmo constituído Advogado,
restando demonstrado que o decurso do tempo poderia acarretar em diver-
sos fatores que impedem a produção da prova em oportunidade futura, tais
como mudança de endereço, falecimento, esquecimento, enfermidades, etc.’
(fl. 59).
No entanto, urge consignar que o Superior Tribunal de Justiça firmou o en-
tendimento segundo o qual o simples argumento de que as testemunhas poderiam
esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo não autorizaria, por si só, a produção
antecipada de provas, sendo mister fundamentá-la concretamente, sob pena de
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 129

ofensa à garantia do devido processo legal. É que, muito embora esse esquecimento
seja passível de concretização, não poderia ser utilizado como mera conjectura, desvincu-
lado de elementos objetivamente deduzidos, como no caso.
O Juízo de primeira instância lastreou sua decisão tão somente no mero de-
curso do tempo, sem destacar os contornos específicos da hipótese que eventual-
mente demandassem a antecipação da produção de provas, em ofensa ao que
preceitua a Súmula nº 455 do STJ. Ilustrativamente:
‘RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. ART. 366 DO CPP. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE
PROVAS. URGÊNCIA DA MEDIDA NÃO DEMONSTRADA. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL. NULIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.
366 do Código de Processo Penal deve ser concretamente fundamentada; não
a justifica unicamente o mero decurso do tempo (Súmula nº 455 do STJ).
2. O caso dos autos não se amolda à hipótese do RHC 64.086, em que a Ter-
ceira Seção temperou a aplicação da Súmula nº 455 do STJ, na hipótese em
que as testemunhas, em decorrência de peculiaridades ‘de sua atuação pro-
fissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos que apresentam
semelhanças em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência’,
visto que a fundamentação da Juíza de primeiro grau foi unicamente baseada
no ‘lapso temporal havido desde a época dos fatos – 25.11.08’.
3. Recurso provido para, confirmando a liminar, anular a decisão que deter-
minou a produção antecipada de provas e os atos subsequentes relacionados
a esse decisum (RHC 68.747/ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., DJe
23.03.2017)
(...)
5. A decisão cautelar que determina a produção antecipada da prova testemu-
nhal deve ser motivada, levando-se em consideração os requisitos previstos
no art. 225 do Código de Processo Penal.
6. Embora não se desconheça o efeito deletério que o transcurso do tem-
po pode causar à memória dos depoentes, forçoso reconhecer que a simples
menção de que a prova ‘não pereça com o tempo’, na hipótese em apreço, não constitui
fundamento idôneo a justificar a ouvida antecipada das testemunhas, não tendo o temor
de esvaziamento da prova sido efetivamente comprovado.
7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de cassar,
em parte, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e anular parcialmente a
decisão de 1º grau que determinou a colheita antecipada de provas, desentra-
nhando-se dos autos os elementos produzidos por antecipação (HC 324.166/
PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 08.11.2016, destaquei).’
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
130

À vista do exposto, dou provimento ao recurso, a fim de anular a decisão que


deferiu a produção antecipada da prova, bem como os atos subsequentes
a ela relacionados, sem prejuízo de que o Juízo de primeiro grau analise a
eventual necessidade da providência, desde que em decisão concretamente
fundamentada.”
Na espécie, a decisão que determinou a medida excepcional não apontou, concreta-
mente, as razões pelas quais a providência se mostra urgente; limitou-se a dizer que as
testemunhas poderiam esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo.
Dessa forma, incide, no caso, o Enunciado nº 455 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça, in verbis: “A decisão que determina a produção antecipada de
provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada,
não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.
Ressalto que não foi determinada a nulidade do processo, mas, sim,
a nulidade da decisão que deferiu a produção antecipada da prova, bem como os atos
subsequentes a ela relacionados, sem prejuízo de que o Juízo de primeiro grau renovasse
o ato, desde que em decisão concretamente fundamentada.
Ademais, se a ré foi encontrada, interrogada e outras testemunhas foram
ouvidas na sua presença, não há porque entender que tais atos seriam nulos.
Observo, ainda, que se a audiência do dia 03.11.2016 – em que se ouviu
antecipadamente as testemunhas arroladas pela acusação Geronilda Vieira, Gil
Carla Vieira Oliveira e Marinete Ribeiro, em decisão silente de fundamentação
concreta – foi anulada, nada impede seja ela realizada novamente, haja vista
que agora a ré não é mais revel nos autos.
Por fim, não há razões para submeter à Terceira Seção deste Tribunal
Superior a revisão/alteração da Súmula nº 455 do STJ, uma vez que a juris-
prudência ali firmada espelha o atual entendimento das duas Turmas que
compõem aquele colegiado.
À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
J u r i sp r u d ê n c i a

Superior Tribunal de Justiça


HABEAS CORPUS Nº 545.782 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR: MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Feminicídio. Prisão Preventiva. Garantia da Ordem


Pública. Gravidade Concreta. Modus Operandi.
Feminicídio Premeditado. Motivo Fútil. Ameaças a
Parentes das Vítimas
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância,
em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no
art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a
demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. No caso, a prisão preventiva está justificada, pois a decisão que a
impôs delineou o modus operandi empregado pelo paciente, consistente
na prática, em tese, de feminicídio premeditado contra mulher que se
recusou a manter relacionamento extraconjugal com o agente, além
de haver ameaçado os familiares da vítima pelas redes sociais. Tais cir-
cunstâncias denotam sua periculosidade e a necessidade da segregação
como forma de acautelar a ordem pública.
3. Ordem denegada.
(STJ; HC 545.782; Proc. 2019/0341831-7; RS; 6ª T.; Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro; DJE 19/12/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, denegar o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti
Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de dezembro de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
132

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de
Paulo Sérgio Fabiane no qual se aponta como autoridade coatora o Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (HC 0139975-66.2019.8.21.7000).
Depreende-se dos autos que a autoridade policial representou pela pri-
são preventiva do paciente pelo suposto cometimento do crime de homicídio
qualificado. O pedido foi deferido, tendo sido o paciente preso em 21.05.2019.
Posteriormente, o paciente foi denunciado pelo referido delito.
Formulado pedido de revogação da custódia cautelar, o Juízo de pri-
meiro grau o indeferiu.
O Tribunal de origem denegou habeas corpus que visava a revogação da
prisão cautelar. Eis a respectiva ementa (e-STJ, fl. 31):
“HABEAS CORPUS. FEMINICÍDIO. SEGREGAÇÃO MANTIDA.
Paciente preso em 21 de maio de 2019, por ter, em tese, matado a vítima, com
quem manteria relacionamento amoroso extraconjugal, mediante disparos
de arma de fogo. Gravidade concreta do fato supostamente praticado. Decre-
to de prisão preventiva suficientemente fundamentado. Menção a elementos
do caso concreto que justificam a segregação cautelar.
Legalidade da prisão preventiva do paciente reconhecida pela Câmara no jul-
gamento do Habeas Corpus 70081680662, em junho de 2019.
Eventuais condições pessoais favoráveis que, nos termos do entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, não ensejam, por si só, a concessão da liberdade.
Inocorrência do excesso de prazo. Paciente preso há pouco mais de quatro
meses, tendo sido realizada a audiência de interrogatório em 12 de setembro
de 2019. Feito em vias de ter a instrução encerrada.
Efetiva presença dos requisitos necessários à prisão preventiva previstos no
art. 312 do Código de Processo Penal verificada.
Substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas que não se
mostra suficiente e adequada ao caso concreto.
Ordem denegada.”
No presente habeas corpus, o impetrante defende que a manutenção da
prisão preventiva carece de fundamentação idônea. Ao final, requer a revo-
gação da custódia cautelar.
O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 260/262).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 133

Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento
do writ (e-STJ, fls. 311/316).
É, em síntese, o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento
jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão
somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi
delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis,
nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso
senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente
(art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva
esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão
preventiva, in verbis (e-STJ, fls. 59/61):
“Pelo que se extrai da representação policial, que vem a esmiuçar com previ-
são os elementos probatórios constantes no expediente:
‘No dia 18.05.2019, por volta das 8h30min, Clarice Aparecida da Silva saiu de
sua residência e não retornou. Em razão dela estar recebendo ameaças, os familiares
entraram em contato com a Brigada Militar relatando o fato. Posteriormente, o corpo
da vítima foi localizado, há cerca de 2 km na estrada da comunidade Linha Bela Vista,
interior de Ronda Alta, dentro da camionete VW/Amarok, placas IWA-3838, cadastra-
da em nome de Marines Alves de Anhaia, aparentemente ferida por disparo de arma de
fogo e já em óbito. No outro lado da camionete, lado do motorista, haviam três estojos de
revólver calibre.38 deflagrados. Conforme relatos, a vítima estava mantendo um relacio-
namento fora do casamento com Paulo Sérgio Fabiane, e era ele quem vinha ameaçando
a vítima e seus familiares. Conforme relatado, o advogado Artemio Arthur Beuther este-
ve no local do crime representando Paulo Fabiani e disse que Paulo assumiu a autoria do
crime para ele e que estava vendo a possibilidade de apresentá-lo na delegacia de polícia.
Conforme consulta aos sistemas, Marines Alves de Anhaia, proprietária da
camionete, é a companheira de Paulo Sérgio Fabiane e possuem um filho
(...)’
As pessoas ouvidas pela autoridade policial confirmaram que a vítima, de fato,
estava sendo ameaçada por Paulo, o que o coloca, dado o contexto probatório,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
134

como o principal suspeito do crime, salientando que, após a constatação do


homicídio, o investigado não foi localizado.
Comungando com os fortes indícios de autoria a recaírem sobre a pessoa de
Paulo, o crime em questão veio certamente a chocar a população local, não
habituada a crimes dessa natureza, tratando-se, aparentemente, de um femini-
cídio, a vitimar pessoa quista na comunidade, sendo noticiado, ainda, nas mídias sociais,
que a ofendida laborava como segurança em uma agência bancária local.
Ainda, considerando que o suspeito, embora, por meio de advogado (fl. 9),
tenha noticiado a possibilidade de se entregar, até o momento isso não veio a
acontecer, surgindo, assim, a necessidade de segregação como forma também
de garantir a aplicação da lei penal.
Em suma, presentes os requisitos legais, tenho que o acolhimento da repre-
sentação e a decretação da prisão preventiva do investigado é medida a se
impor.
Cabível, igualmente, a expedição de mandado de busca e apreensão, conside-
rando tratar-se de diligência indispensável à apuração delitiva.
Com base no exposto, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal,
decreto a prisão preventiva de Paulo Sérgio Fabiane, fulcro nos arts. 312 e 313
do CPP, e deferido a expedição de mandado de busca e apreensão, nos moldes
da representação.”
Posteriormente, ao indeferir o pleito de revogação da prisão preventiva,
assim se manifestou o Magistrado processante, in verbis (e-STJ, fls. 74/75):
“Com efeito, o acusado encontra-se preso preventivamente há pouco mais
de dois meses, por conveniência da instrução criminal e para a assegurar a
aplicação da lei penal, estando o processo em plena fase de formação da culpa
de um crime que, se houver condenação nos moldes em que denunciado,
implicará fixação de pena privativa de liberdade em patamar mínimo e 12
(doze) anos de reclusão (feminicídio).
Não há, nesse passo, viés para relativizar, com alegações puramente técnicas
atinentes ao curso formal do processo, a gravidade concreta da conduta que
se atribui ao réu e a repercussão social do fato na comunidade local, como
ressaltado na decisão de decreto da prisão.
A duas, porque, como bem ponderado pelo Ministério Público em sua pro-
moção de fls. 257/258, ‘há indícios que o réu premeditou o crime, tendo em vista que
atraiu a vítima para o veículo automotor munido de uma arma e a executou no interior
dele, de onde ela não poderia fugir ou esboçar reação. Apurou-se que o réu exigia a
submissão da vítima a sua vontade e, quando essa não quis manter o relacionamento
extraconjugal, deu cabo da vida dela. A conduta do réu em utilizar redes sociais para ate-
morizar os familiares da vítima, também justifica sua segregação cautelar por perturbação
da ordem pública. Como se denota, ameaçava contratar um assassino para dar cabo da
vida do companheiro da vítima, demonstrando que intimida pessoas’.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 135

Nessas conjunturas, a segregação cautelar não se justifica apenas pela ne-


cessidade de se assegurar o cumprimento da lei penal, mas para garantir a
integridade física e psicológica das testemunhas, que poderão ser arroladas
pela acusação em eventual sessão plenária do Tribunal do Júri a se realizar,
oportunamente, caso o réu seja pronunciado.
Nessa linha de raciocínio foi a decisão proferida pela Colenda Terceira Câ-
mara Criminal, em sede de Habeas Corpus 700.51680662 (fls. 42/42 do Ex-
pediente 148/2.19.0000233-6), proferida há apenas 13 dias, ocasião em que
foi mantido, por unanimidade, o decreto prisional do réu.
Isso posto, indefiro o pedido de liberdade formulado pela defesa do acusado.”
(grifei)
Vê-se que a prisão foi decretada em decorrência do modus operandi
empregado na conduta delitiva, revelador da periculosidade do paciente,
consistente na prática, em tese, de feminicídio premeditado contra mulher
que se recusou a manter relacionamento extraconjugal com o agente, além
de haver ameaçado os familiares da vítima pelas redes sociais.
Tais circunstâncias, como já destacado, evidenciam a gravidade concreta
da conduta, porquanto extrapolam a mera descrição dos elementos próprios
do tipo de feminicídio. Assim, por conseguinte, a segregação cautelar faz-se
necessária como forma de acautelar a ordem pública.
Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FEMINICÍDIO TENTA-
DO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PRONÚNCIA. INEXISTÊN-
CIA DE NOVO TÍTULO PRISIONAL. GRAVIDADE DO DELITO.
CRIME PRATICADO COM VIOLÊNCIA. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGA-
DO.
(...)
2. Consta do decreto prisional fundamentação concreta evidenciada na peri-
culosidade social do paciente que atacou a golpes de faca, por diversas vezes,
a vítima Camila, que se encontra em estado grave no hospital, a revelar a con-
cretude da gravidade delituosa, de modo que não há que falar em ilegalidade.
3. Habeas corpus denegado.” (HC 508.177/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
Sexta Turma, j. 01.10.2019, DJe 08.10.2019)
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FEMINICÍDIO.
NEGATIVA DE AUTORIA. INOVAÇÃO RECURSAL. PRISÃO EM
FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GRAVIDADE CON-
CRETA DA CONDUTA DELITUOSA. MODUS OPERANDI. REI-
TERAÇÃO DELITIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONS-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
136

TRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO


REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTEN-
SÃO, NÃO PROVIDO.
(...)
2. Na hipótese, a custódia provisória está adequadamente motivada em ele-
mentos extraídos dos autos, tendo em vista a gravidade concreta da conduta
delitiva, que evidencia a periculosidade do agente ao meio social. Segundo se
verifica, o paciente é acusado de ter colaborado com o feminicídio cometido
pelo corréu porque teria lhe dado carona em um veículo automotivo até o
local do crime e aguardado o final da ação delitiva para lhe ajudar a fugir do
local do crime.
(...)
5. Agravo parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.” (AgRg no
HC 535.067/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 07.11.2019, DJe
19.11.2019)
Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator
J u r i sp r u d ê n c i a

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 98.754 RIO DE JANEIRO
RELATOR: MINISTRO RIBEIRO DANTAS

Denúncia. Organização Criminosa e Fraude à


Licitação. Trancamento do Processo-Crime.
Excepcionalidade. Justa Causa para a Persecução
Penal. Atipicidade da Conduta. Necessidade de
Revolvimento Fático-Probatório. Impropriedade
da Via Eleita. Nulidade da Decisão que Recebeu a
Denúncia. Desnecessidade de Motivação Extensa
do Ato que Acolhe a Inicial. Inocorrência de
Ilegalidade. Recurso Desprovido
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o tranca-
mento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional,
que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprova-
ção da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da
punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a
materialidade do delito.
2. Na hipótese, foi reconhecida a existência de indícios, colhidos na
fase inquisitorial, de que o recorrente, em conluio com outros agentes,
fraudava licitações.
3. Assim, se as instâncias ordinárias reconheceram, de forma motiva-
da, que existem elementos de convicção a demonstrar a materialidade
delitiva e autoria delitiva quanto à conduta descrita na peça acusatória,
para infirmar tal conclusão, inclusive quanto a eventual atipicidade,
seria necessário revolver o contexto fático-probatório dos autos, o que
não se coaduna com a via do writ.
4. A decisão que recebe a denúncia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita
o pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397) não demandam moti-
vação profunda ou exauriente, considerando a natureza interlocutória
de tais manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do
juízo de mérito, que somente poderá ser proferido após o desfecho da
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
138

instrução criminal, com a devida observância das regras processuais e


das garantias da ampla defesa e do contraditório.
5. Recurso ordinário desprovido.
(STJ; RHC 98.754; Proc. 2018/0128217-0; RJ; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro
Dantas; DJE 19/12/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Joel Ilan
Paciornik, Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJPE),
Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de dezembro de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Ribeiro Dantas – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por S. F. P.,
apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro.
Consta nos autos que o recorrente restou denunciado pela prática,
em tese, das condutas descritas nos arts. 288 do Código Penal e 90 da Lei nº
8.666/83.
Inconformada com o recebimento da denúncia, a defesa impetrou
habeas corpus no Tribunal de origem. A ordem restou parcialmente concedida
para “revogar as medidas cautelares impostas ao paciente, consistentes em
proibição de se ausentar da Comarca de residência por qualquer período e
comparecimento mensal ao Juízo para justificar suas atividades” (e-STJ, fl.
41), nestes termos:
“HABEAS CORPUS. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL E ART. 90 DA
LEI Nº 8.666/93. IMPETRAÇÃO OBJETIVANDO A ANULAÇÃO DA
DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E O RECONHECI-
MENTO DA INÉPCIA DA EXORDIAL. EM CARÁTER SUBSIDIÁRIO,
REQUER O RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDU-
TA E A REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 139

À PRISÃO. ALEGAÇÕES DE CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO


IDÔNEA DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA; INÉPCIA
DA INICIAL, SOB A AFIRMATIVA DE QUE O MINISTÉRIO PÚBLI-
CO DEIXOU DE DESCREVER, DE FORMA PORMENORIZADA, AS
CONDUTAS ATRIBUÍDAS AO PACIENTE; ATIPICIDADE DA CON-
DUTA E DESNECESSIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO DAS CAUTE-
LARES ALTERNATIVAS.
1. Paciente denunciado por infração ao art. 288 do Código Penal e ao art. 90
da Lei nº 8.666/93, tendo sido recebida a denúncia em 05.09.2017. Deferi-
mento de medidas cautelares diversas da prisão.
2. Decisão de recebimento da denúncia que se revela devidamente funda-
mentada, na forma do art. art. 93, IX, da Constituição da República, mani-
festando-se suficientemente acerca da presença de indícios de autoria e prova
da materialidade, consignando-se, ainda, a presença da justa causa necessária
à deflagração da ação penal.
3. Encontra-se pacificado pela jurisprudência das Cortes Superiores, o enten-
dimento segundo o qual a utilização de habeas corpus para trancamento da ação
penal somente se admite em hipóteses excepcionais, tais como a manifesta
atipicidade da conduta, a inexistência de prova da materialidade do delito, a
presença de causa extintiva da punibilidade e a ausência de indícios da autoria.
4. No caso dos autos, não se verifica nenhuma das situações excepcionais que
justificam o trancamento de plano da ação. A denúncia descreve a conduta
imputada de forma suficiente, permitindo o exercício do contraditório e da
ampla defesa, encontrando-se preenchidos os requisitos previstos no art. 41
do Código de Processo Penal. Presente também a justa causa para a defla-
gração da ação penal, demonstrada através dos elementos colhidos em sede
inquisitorial.
5. Inexistência, no entanto, de qualquer elemento concreto e apto a demons-
trar a necessidade de implementação das cautelares consistentes em proibição
de se ausentar da Comarca de residência por qualquer período e compareci-
mento mensal ao Juízo para justificar suas atividades, mormente consideran-
do que o paciente é advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advoga-
dos do Brasil, o que destoa do art. 282 do Código de Processo Penal.
Conhecimento e concessão parcial da ordem.” (e-STJ, fls. 41-50)
Neste recurso ordinário, sustenta o recorrente atipicidade da conduta
denunciada, pois: que da leitura da exordial e do exame dos elementos in-
diciários colhidos extrai-se que a conduta do paciente resumiu-se a emanar
“parecer jurídico” de forma “célere”. Observa-se que o paciente, na quali-
dade de advogado do Município, foi denunciado por emitir parecer jurídico
favorável à instauração de procedimento licitatório, em unidade de desígnios
com os demais denunciados, e, consequentemente, direcionar a contratação
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
140

à referida ONG. Todavia, tal conduta carece do elemento tipicidade, uma vez
que “é um dever funcional do Procurador atender à solicitação do órgão ao
qual assessor, elaborando pareceres, orientações e pontos de vista jurídicos,
que de resto, não vinculam o ato administrativo a ser editado pela Autoridade
Competente” (e-STJ, fl. 67).
Afirma, outrossim, que: Da análise da decisão que recebeu a denúncia,
não há qualquer tipo de fundamentação que demonstre existir materialidade
na conduta do acusado. O juízo se limitou apenas a dizer “recebo a denúncia
eis que presente a justa causa necessária à deflagração da ação penal, o que se
verifica da leitura dos autos (...)”. Dos autos não se verifica qualquer materia-
lidade apta a ensejar o recebimento da denúncia, uma vez que só existe um
parecer de uma folha emitido pelo paciente e não mais do que isso. Não há
nenhum elemento que pareça, ainda que indiciariamente, ter havido qualquer
tipo de acerto, liame subjetivo ou conluio entre os acusados. Assim, não há
na denúncia qualquer tipo de conduta criminosa pormenorizada do paciente
que poderia, eventualmente, ensejar o recebimento da denúncia pelo magis-
trado a quo. O Ministério Público, de forma puramente unilateral, atribui aos
acusados verbos que denotem algum tipo de acerto, mas não demonstra haver
um e-mail, um encontro, uma ligação, uma citação, nada que possa ensejar
desconfiança sobre a conduta do paciente, pois tão somente emitiu seu pare-
cer de forma célere e em conformidade com a independência que se espera
dos advogados. Há de se frisar, assim, que a decisão que recebeu a denúncia
viola, mortalmente, o que dispõe o art. 93, IX, da CR/88 eis que carece de
fundamentação. Logo, a ausência de indicação dos elementos analisados pelo
Juízo para o recebimento da denúncia afronta, sobremaneira, a ampla defesa
na medida em que impede o seu combate em outras instâncias” (e-STJ, fl. 80).
Pugna, assim, pela concessão da ordem, para trancar a ação penal por
atipicidade da conduta (e-STJ, fl. 94).
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso
ordinário (e-STJ, fls. 237-242).
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento
da ação penal e do inquérito por meio do habeas corpus é medida excepcional,
que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 141

atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou


da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.
Quanto ao tema, os seguintes julgados de ambas as Turmas que com-
põem a Terceira Seção desta Corte:
“PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. SONEGAÇÃO FISCAL. CRIME
SOCIETÁRIO. AUTORIA COLETIVA. EMPRESA FAMILIAR. RECOR-
RENTES ESPOSAS DE SÓCIOS. DESCRIÇÃO FÁTICA GENÉRICA.
SUFICIÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA.
INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE.
1. Nos crimes de autoria coletiva admite-se a descrição genérica dos fatos, se
não for possível, como na espécie, esmiuçar e especificar a conduta de cada
um dos denunciados.
2. Indícios de autoria demonstrados, tanto mais que se trata de uma empresa
familiar, sendo as recorrentes, sócias e gerentes, segundo a própria defesa,
esposas de outros sócios do grupo empresarial.
3. Tese de inexistência de liame da sua atuação com os fatos narrados que não
se reveste de credibilidade na via eleita.
Plausibilidade da acusação.
4. Direito de defesa assegurado, em face do cumprimento dos requisitos do
art. 41 do Código de Processo Penal.
5. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação
penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de suporte probatório
mínimo à acusação), não relevada, primo oculi. Intento, em tal caso, que demanda
revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ.
6. Recurso não provido.” (RHC 66.363/RJ, Relª Minª Maria Thereza de Assis
Moura, Sexta Turma, DJe 10.03.2016, grifou-se).
“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 89
DA LEI Nº 8.666/93. FRAUDE À LICITAÇÃO. DESVIOS DE VERBAS
PÚBLICAS FEDERAIS. CESSÃO ILEGAL DE CONTRATOS. ACU-
SADO MERO PROCURADOR DA EMPRESA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL PELO TRIBUNAL A QUO. INDÍCIOS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NS. 7 E 83 DO STJ.
1. Esta Corte de Justiça admite o trancamento de ação penal em sede de habeas
corpus quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da
punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de
indícios de autoria.
2. É certo que, para o oferecimento da denúncia, não se exige prova conclu-
siva acerca da autoria delitiva, mas apenas indícios desta. Entretanto, deve ha-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
142

ver lastro probatório mínimo para a instauração da persecutio criminis in iudicio


em desfavor do acusado, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da
ampla defesa e do contraditório.
3. No caso, diante do quadro delineado pela instância ordinária, não resta dú-
vida que a análise da tese de que o recorrido tinha ciência das irregularidades
nas licitações, estando configurada a coautoria delitiva e que, dessa forma,
haveria justa causa para a propositura da ação penal, demandaria o reexame
de matéria fática, inviável em recurso especial, por força da Súmula nº 7 desta
Corte, mormente considerando que o acusado não integrava o quadro socie-
tário da empresa, tendo assinado o contrato na qualidade de mero procura-
dor, nos estritos limites dos poderes a ele outorgados.
4. De notar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando o en-
tendimento do Supremo Tribunal Federal manifestado no julgamento do
Inquérito 2.482/MG, em 15.09.2011, tem firme o posicionamento de que
a consumação do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 exige a de-
monstração do dolo específico do agente de causar dano ao erário e a efetiva
ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Incidência da Súmula nº 83 deste
Tribunal.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 1.430.842/
PB, Rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 03.08.2015)
No caso, o Colegiado de origem denegou a ordem pelos seguintes
fundamentos:
“(...) In casu, verifica-se que a decisão que recebeu a exordial se apresenta devidamente
fundamentada, na forma do art. art. 93, IX, da Constituição da República, ma-
nifestando-se o juízo de origem suficientemente acerca da presença de indícios
de autoria e prova da materialidade, consignando, ainda, a presença da justa causa
necessária à deflagração da ação penal.
Desse modo, inexiste, no ponto, constrangimento ilegal a ser sanado.
Igualmente, não assiste razão ao impetrante em sustentar a inépcia da inicial
e a atipicidade da conduta.
De fato, encontra-se pacificado nas Cortes Superiores que o trancamento
da ação penal através do writ somente se admite em hipóteses excepcionais,
nas quais se verifique de plano a ausência de justa causa para a deflagração e
prosseguimento da ação, tais como a manifesta atipicidade da conduta, ine-
xistência de prova da materialidade do delito e ausência de indícios da autoria,
ou presença de causa extintiva da punibilidade.
(...)
No caso dos autos, todavia, não se verifica nenhuma das situações excepcio-
nais que justificam o trancamento de plano da ação. Com efeito, a acusação
expôs de forma satisfatória o fato imputado, em todas as suas circunstâncias, descrevendo
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 143

não apenas a conduta delituosa atribuída ao paciente – dado como incurso nas penas
do art. 288 do Código Penal e do art. 90 da Lei nº 8.666/93 –, mas, ainda, as
suas características, como data, local, viabilizando, com isso, o exercício da ampla defesa e
do contraditório, encontrando-se preenchidos os requisitos previstos no art. 41 do Código
de Processo Penal.
Presente também a justa causa para a deflagração da ação penal, demonstrada através
dos elementos colhidos em sede inquisitorial, não sendo possível concluir pela ati-
picidade da conduta, sendo oportuno mencionar, por outro lado, que não foi
colecionado a presente impetração a cópia integral do inquérito policial. (...)” (e-STJ,
fls. 41-50; grifou-se)
Nesse passo, se as instâncias ordinárias reconheceram, de forma motiva-
da, que existem elementos de convicção a demonstrar a materialidade delitiva
e autoria delitiva quanto à conduta descrita na peça acusatória, para infirmar tal
conclusão, inclusive quanto a eventual atipicidade, seria necessário revolver o
contexto fático-probatório dos autos, o que não se coaduna com a via do writ.
Por certo, embora não se admita a instauração de processos temerá-
rios e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase
processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual
modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da
acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifesta-
mente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal.
Em verdade, a denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos
exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/88. Portanto, a peça acusatória
deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas
as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta
imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução pe-
nal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu (Nesse sentido:
RHC 56.111/PA, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 01.10.2015;
RHC 58.872/PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 01.10.2015;
RHC 28.236/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 01.10.2015).
No caso em exame, tendo havido a narração de fato típico, antijurídi-
co e culpável, com a devida acuidade, suas circunstâncias, a qualificação do
acusado, a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas,
viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador e o exercício da am-
pla defesa pela denúncia, forçoso reconhecer que a peça acusatória permite a
deflagração da ação penal.
Por fim, importante gizar também que a decisão que recebe a denún-
cia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (CPP,
art. 397) não demandam motivação profunda ou exauriente, considerando a
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
144

natureza interlocutória de tais manifestações judiciais, sob pena de indevida


antecipação do juízo de mérito, que somente poderá ser proferido após o des-
fecho da instrução criminal, com a devida observância das regras processuais
e das garantias da ampla defesa e do contraditório.
Conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
e na esteira do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal,
consagrou-se o entendimento de inexigibilidade de fundamentação complexa
no recebimento da denúncia, em virtude de sua natureza interlocutória, não
se equiparando à decisão judicial a que se refere o art. 93, IX, da Constituição
Federal.
Nesse sentido, destaco:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DISPAROS DE
ARMA DE FOGO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO
PERMITIDO, RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA, E DANO, AMEA-
ÇA E VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO PRATICADOS COM VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA OU FAMILIAR. NULIDADE DA DECISÃO QUE RE-
CEBEU A DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO EX-
TENSA DO ATO QUE ACOLHE A INICIAL. MÁCULA NÃO CARAC-
TERIZADA. RECLAMO IMPROVIDO.
1. De acordo com entendimento já consolidado nesta Corte Superior de Justiça e no
Supremo Tribunal Federal, em regra, a decisão que recebe a denúncia prescinde de fun-
damentação complexa, justamente em razão da sua natureza interlocutória.
2. Na espécie, ainda que de forma sucinta, o magistrado singular explicitou as razões
pelas quais admitiu a deflagração da ação penal, valendo destacar, outrossim, que já foi
apreciada a resposta à acusação ofertada pela defesa, ocasião em que o conteúdo da peça
vestibular foi novamente examinado pelo juiz, o que revela a inexistência de prejuízos
ao paciente.”
“FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PRE-
VENTIVA. REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA PELO MAGISTRADO SIN-
GULAR. MANDAMUS PREJUDICADO NO PONTO.
1. Sobrevindo decisão que revogou a segregação antecipada do acusado, cons-
tata-se a perda do objeto do writ no tocante à alegada falta de fundamentação
da decisão que manteve a medida extrema.
2. Habeas corpus não conhecido.” (HC 357.196/SC, Rel. Min. Jorge Mussi,
Quinta Turma, DJe 01.08.2016, grifou-se)
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO
CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 302,
PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº 9.503/97. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. REJEIÇÃO DA DEFESA PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 145

FUNDAMENTAÇÃO. ILEGALIDADE. NÃO EXISTÊNCIA. RECUR-


SO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme em assinalar que ‘não sendo
a hipótese de absolvição sumária do acusado, a decisão do Juízo processante que recebe a
denúncia não demanda fundamentação complexa, sob pena de antecipação prematura de
um juízo meritório que deve ser naturalmente realizado ao término da instrução crimi-
nal, em estrita observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório’ (AgRg no
AREsp 440.087/SC, Relª Minª Laurita Vaz, 5ª T., DJe 17.06.2014).
2. A decisão que rejeita a resposta à acusação, apresentada na fase do art. 396-A do
Código de Processo Penal, consubstancia mero juízo de admissibilidade da imputação,
em que se trabalha com verossimilhança e não com certeza. A motivação do ato decisório
neste momento da persecução penal deve, portanto, ater-se à admissibilidade da imputa-
ção, de modo a evitar o prematuro julgamento do mérito.
3. Não ocorreu a apontada ilegalidade a ensejar o provimento deste recurso,
pois o Juiz de primeiro grau fundamentou, minimamente, a admissibilida-
de da imputação, ao rejeitar a defesa preliminar, dizendo que, pela natureza
meritória, deixava o exame das teses defensivas para momento posterior e
oportuno. Embora a defesa tenha feito alusão à ‘falta de justa causa’ e à ‘ati-
picidade subjetiva da conduta’ – matérias então aventadas –, na verdade, pos-
tulou a absolvição sumária e aduziu razões que dizem respeito ao mérito da
impetração (que demanda dilação probatória para a formação da convicção),
o que foi afastado pelo magistrado.4. Recurso não provido.” (RHC 42.668/
SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 26.08.2015, grifou-se)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
É o voto.
J u r i sp r u d ê n c i a

Tribunal Regional Federal da 2ª Região


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0001666-85.2014.4.02.5001
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL SIMONE SCHREIBER

Descaminho. Natureza Formal. Desnecessidade de


Constituição Definitiva do Crédito Tributário. Indícios
de Autoria e Materialidade. Recebimento da Denúncia

1. O descaminho é crime tributário de natureza formal, que dispensa,


para sua consumação, a prévia constituição definitiva do crédito tri-
butário. Assim, deve ser recebida a denúncia pela prática do delito de
descaminho, independentemente da constituição definitiva do crédito
tributário, sendo indevida, deste modo, a extensão da Súmula Vincu-
lante nº 24 do STF.
2. Quando, pela documentação acostada aos autos, extraírem-se indícios
suficientes de autoria e materialidade delitiva e não havendo a demons-
tração cabal da atipicidade da conduta, deve ser recebida a denúncia.
3. Recurso em sentido estrito provido.
(TRF 2ª R.; RSE 0001666-85.2014.4.02.5001; RJ; 2ª T.Esp.; Relª Desª
Fed. Simone Schreiber; DEJF 19/12/2019)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos
termos do Relatório e Voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2019 (Data do Julgamento).
Desembargadora Federal Simone Schreiber – Relatora

RELATÓRIO
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público
Federal contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal Criminal
do Espírito Santo que, com fundamento no art. 395, II, do CPP, rejeitou a
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 147

denúncia oferecida em face de Carlos Alberto Pujol da Rocha Frota Filho, Ana
Célia Oliveira Guedes, Alexandre da Cunha Dias e Lyss Bezerra e Melo Zangaro
pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, § 1º, III, 299 e 304, todos do
Código Penal, na forma de seu art. 71, em concurso material (art. 69 do CP).
Decidiu o julgador, equiparando o delito de descaminho aos crimes
tributários da Lei nº 8.137/90, pela atipicidade das condutas dos recorridos,
ante a ausência da constituição definitiva do crédito tributário, consoante
determina a Súmula Vinculante nº 24 do STF.
No tocante aos delitos de falsidade ideológica (art. 299 do CP) e de uso
de documento falso (art. 304 do CP), decidiu não haver crime “(...) no fato
de uma empresa interessada na aquisição de parte da mercadoria diligenciar
a busca de um importador (...)”, acrescentando não haver provas da inobser-
vância dos procedimentos concernentes à importação própria e da fraude nas
notas fiscais alusivas à transação em questão.
Em suas razões recursais (fls. 14/29), o MPF sustenta, em síntese, que
a inicial acusatória deve ser recebida, afastando-se a extensão indevida da Sú-
mula Vinculante nº 24 do STF, e a analogia com o crime tributário, dando-se
prosseguimento à ação penal pelo delito de descaminho, independentemente
da constituição definitiva do crédito tributário.
Pugna também que “(...) seja recebida a denúncia quanto ao crime de
falsidade ideológica, tendo em vista a interposição fraudulenta na importação
e a ocultação da real adquirente/encomendante das mercadorias”.
Contrarrazões de Alexandre e Lyss às fls. 1.841/1.863, pugnando pela ma-
nutenção da decisão em sua integralidade.
Contrarrazões de Carlos Alberto e Ana Célia à fl. 2.003, pugnando pela
manutenção da decisão por seus próprios fundamentos.
O MPF apresentou parecer na condição de custos legis (fls. 2.022/2.034),
opinando pelo provimento do recurso.
É o relatório. Peço dia para julgamento.
Desembargadora Federal Simone Schreiber – Relatora

VOTO
Como relatado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo
Ministério Público Federal contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara
Federal Criminal do Espírito Santo que, com fundamento no art. 395, II, do
CPP, rejeitou a denúncia oferecida em face de Carlos Alberto Pujol da Rocha Frota
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
148

Filho, Ana Célia Oliveira Guedes, Alexandre da Cunha Dias e Lyss Bezerra e Melo
Zangaro pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, § 1º, III, 299 e 304,
todos do Código Penal, na forma de seu art. 71, em concurso material (art.
69 do CP), por atipicidade quanto ao descaminho e insuficiência probatória
quanto aos demais.
Com bem relatado nas razões ministeriais,
“trata-se de ação penal ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de
Carlos Alberto Pujol da Rocha Frota Filho, Ana Célia Oliveira Guedes, Alexandre da
Cunha Dias e Lyss Bezerra e Melo Zangaro, imputando-lhes a prática dos delitos
previstos nos arts. 299, 304 e 334, § 1º, II, c/c o art. 71, todos do Código Penal.
Após fiscalização realizada pela Alfândega do Porto de Vitória/ES, verificou-
se que os sócios-administradores das empresas HB Importação e Exportação
Ltda. e Squitter Equipamentos Profissionais do Brasil Ltda. promoveram,
entre 2010 e 2011, importações fraudulentas de mercadorias provenientes
dos EUA, valendo-se de declarações e documentos falsos e iludindo o paga-
mento de tributos.
Conforme Representação Fiscal para Fins Penais, os denunciados apresenta-
ram à Receita Federal declarações de importação e faturas internacionais ide-
ologicamente falsas, nas quais constavam que as importações eram registradas
como ‘por conta e risco’ da HB Importação e Exportação Ltda., embora esta
não possuísse capital para operar no comércio exterior e não tenha demons-
trado a origem dos recursos necessários à importação das mercadorias objeto
das declarações de importação, além de não possuir estrutura comercial e de
distribuição para desempenhar tais atividades.
Na verdade, no bojo da ação fiscal, verificou-se que a Squitter Equipamentos
Profissionais do Brasil, embora tivesse permanecido oculta na Declaração de
Importação, foi a real compradora das mercadorias no exterior e, como real
adquirente no mercado nacional, foi quem assumiu financeiramente todos
os custos, enquanto a HB Importação e Exportação revestiu-se da qualidade
de importadora por conta própria, servindo de blindagem à real adquirente.
A fraude teve como objetivo principal a sonegação de tributos e resultou, de
fato, na eliminação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) inci-
dente sobre a diferença entre o preço de compra e de venda das mercado-
rias quando comercializadas em território nacional. Desse modo, foi lavrado
Auto de Infração no valor de R$ 442.670,97 (quatrocentos e quarenta e dois
mil, seiscentos e setenta reais e noventa e sete centavos) referente à multa
equivalente ao valor aduaneiro das mercadorias apreendidas.”
Nesse cenário, sobreveio decisão rejeitando a inicial acusatória, e o
MPF, inconformado, recorreu sustentando que a denúncia deve ser recebida,
porquanto satisfeitos todos os requisitos previstos no art. 395 do CPP.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 149

De saída, assiste razão ao MPF quando sustenta ser indevida a extensão,


ao caso, da Súmula Vinculante nº 24 do STF, porquanto já há muito conso-
lidado, na jurisprudência dos Tribunais Superiores, o entendimento de que
o descaminho é crime tributário formal, sendo desnecessária, pois, a prévia
constituição definitiva do crédito tributário para a consumação do delito e o
início da persecução penal. Por todos, confira-se:
“HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS
DE INFORMÁTICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. SIMULAÇÃO
DE OPERAÇÕES COMERCIAIS. MERCADORIAS IMPORTADAS DE
FORMA IRREGULAR. DESNECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO
DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. ORDEM DENEGADA.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em considerar ex-
cepcional o trancamento da ação penal pela via processualmente acanhada
do habeas corpus (HC 86.786, da minha relatoria; HC 84.841, da relatoria do
Ministro Marco Aurélio). Habeas corpus que se revela como trilha de verda-
deiro atalho, somente admitida quando de logo avulta o desatendimento das
coordenadas objetivas dos arts. 41 e 395 do CPP.
2. Quanto aos delitos tributários materiais, esta nossa Corte dá pela necessi-
dade do lançamento definitivo do tributo devido, como condição de carac-
terização do crime. Tal direção interpretativa está assentada na ideia-força de
que, para a consumação dos crimes tributários descritos nos cinco incisos do
art. 1º da Lei nº 8.137/90, é imprescindível a ocorrência do resultado supres-
são ou redução de tributo. Resultado aferido tão somente após a constituição
definitiva do crédito tributário (Súmula Vinculante nº 24).
3. Por outra volta, a consumação do delito de descaminho e a posterior aber-
tura de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa
do débito fiscal. Primeiro, porque o delito de descaminho é rigorosamen-
te formal, de modo a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico.
Segundo, porque a conduta materializadora desse crime é ‘iludir’ o Estado
quanto ao pagamento do imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo con-
sumo de mercadoria. E iludir não significa outra coisa senão fraudar, burlar,
escamotear. Condutas, essas, minuciosamente narradas na inicial acusatória.
4. Acresce que, na concreta situação dos autos, o paciente se acha denunciado
pelo descaminho, na forma da alínea c do § 1º do art. 334 do Código Penal.
Delito que tem como elementos nucleares as seguintes condutas: vender,
expor à venda, manter em depósito e utilizar mercadoria estrangeira intro-
duzida clandestinamente no país ou importada fraudulentamente. Pelo que
não há necessidade de uma definitiva constituição administrativa do imposto
devido para, e só então, ter-se por consumado o delito.
5. Ordem denegada.” (STF, Segunda Turma, HC 99.740, Rel. Min. Ayres
Britto, DJe 01.02.2011)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
150

Em outras palavras, o delito de descaminho se consuma com o mero


ingresso da mercadoria no território nacional sem o pagamento dos tribu-
tos devidos, sendo despicienda, para a configuração do delito, a apuração
administrativo-fiscal do montante que deixou de ser recolhido.
No HC 122.325, o STF, inclusive, deixou claro, através do voto de
relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que “o descaminho não se confunde
com os crimes de sonegação fiscal, muito menos com aqueles praticados emi-
nentemente em detrimento da ordem tributária, pois seu conceito abrange,
ainda, a proteção à regularidade da economia nacional e à integridade da própria
Administração Pública, bens jurídicos mais amplos que o mero interesse da
Fazenda Pública em ver o seu tributo recolhido”.
Nesse passo, não andou bem o julgador ao rejeitar a denúncia por
atipicidade, aplicando, equivocadamente, o teor da Súmula Vinculante nº 24
do STF, ao delito de descaminho imputado aos recorridos.
No que diz respeito às imputações remanescentes, quais sejam a prática
dos delitos descritos nos arts. 299 e 304 ambos do CP, como bem observou
o MPF, em seu parecer,
“(...) há na Representação Fiscal para Fins Penais 12466.722325/2012-09 (fls.
754/765), bem como no Auto de Infração 0727600/00589/12 (fls. 766/821),
farta documentação que indica vigorosos indícios de que a HB Importação
não promoveu as operações ‘por conta e risco próprio’, tal como declarado
às autoridades alfandegárias. Antes, omitiu a informação de que tais impor-
tações foram sacramentadas em favor e com recursos da real adquirente das
mercadorias, a empresa Squitter, cuja participação, por óbvio, não foi decla-
rada nos documentos aduaneiros.
Portanto, a presença de sólidos indícios acerca da inobservância dos procedi-
mentos legais necessários à importação e da fraude documental empreendida
pelos recorridos afasta por completo o entendimento de que os fatos em tela
traduzem tão somente estratégia empresarial voltada ao estabelecimento de
adequada formatação para a importação de mercadorias.”
Neste cenário, considerando que a denúncia preencheu os requisitos
do art. 41 do CPP, pois descreveu, satisfatoriamente, os fatos imputados aos
réus, viabilizando-se, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa,
inexistindo, por conseguinte, motivo para sua rejeição com base no art. 395,
I, do CPP, bem como não demonstrada, cabalmente, a atipicidade da con-
duta, não é prudente, neste momento inicial da persecução penal, sepultar a
pretensão punitiva estatal, sendo certo que é a instrução criminal o momento
oportuno para se examinar eventuais responsabilidades dos recorridos.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 151

Avançando, da documentação acostada aos autos, especificamente, as


cópias dos estatutos sociais da HB Importação e Exportação Ltda. e da Squit-
ter Equipamentos Profissionais do Brasil Ltda. e suas alterações, infere-se a
presença de indícios suficientes de autoria dos recorridos.
Por tudo isso, concluo haver indícios suficientes de autoria e materia-
lidade delitiva, a ensejar a deflagração da ação penal.
Isso posto, dou provimento ao Recurso em Sentido Estrito do Ministério
Público Federal para receber a denúncia, nos termos da Súmula nº 709 do
STF, dando prosseguimento ao feito. É como voto.
Desembargadora Federal Simone Schreiber – Relatora
J u r i sp r u d ê n c i a

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


HABEAS CORPUS Nº 0295577-50.2019.8.21.7000
RELATOR: DESEMBARGADOR ROGÉRIO GESTA LEAL

Receptação. Art. 180, Caput, do CP. Ausentes os


Pressupostos da Prisão Preventiva. Fiança Afastada.
Substituição por Medidas Cautelares Diversas.
Ratificação da Liminar
O crime em tese cometido pelo paciente não envolve violência ou
grave ameaça à pessoa e, além disso, não possui antecedentes crimi-
nais, conforme certidão obtida da consulta processual deste Tribunal.
Dessa forma, permanecendo preso por este processo tão somente pelo
não pagamento da fiança, configura constrangimento ilegal, visto que
a condição financeira não pode balizar o sujeito que ficará segregado
ou não. Não pode a lei premiar o mais abastado em detrimento do
pobre. Nesses termos, demonstrada a impossibilidade da paciente em
efetuar o pagamento, vai autorizada sua soltura, independentemente
do pagamento da fiança.
Ordem parcialmente concedida.
(TJRS; HC 0295577-50.2019.8.21.7000; Proc. 70083236687; 4ª C.Crim.;
Rel. Des. Rogério Gesta Leal; DJERS 19/12/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conceder parcialmente
a ordem para revogar a prisão preventiva do paciente, afastando a fiança e
aplicando, em substituição, as seguintes medidas cautelares menos gravo-
sas: a) comparecimento a todos os atos processuais; b) manter atualizados
os endereços e telefones; c) apresentação mensal em juízo para informar e
justificar atividades.
Custas na forma da lei.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 153

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores


Desembargador Newton Brasil de Leão (Presidente) e Desembargador Julio
Cesar Finger.
Porto Alegre, 28 de novembro de 2019.
Desembargador Rogério Gesta Leal – Relator

RELATÓRIO
Desembargador Rogério Gesta Leal (Relator)
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de
Mateus Gabriel Silva dos Santos, visando a revogação de sua prisão preventiva.
Nas razões, a Defensoria Pública alegou que o paciente se encontra reco-
lhido há dias por não ter condições de realizar o pagamento da fiança arbitrada.
Ressaltou que o paciente é primário e sequer possui antecedentes criminais, sen-
do que eventual condenação se daria em regime diverso do fechado. Asseverou
que a condição de hipossuficiência não deve impedir o exercício da liberdade,
de modo que a segregação configura constrangimento ilegal.
A liminar foi parcialmente deferida.
Prestadas as informações, sobreveio parecer ministerial, sob a lavra
da Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, opinando pela concessão da
ordem.
É o relatório.

VOTOS
Desembargador Rogério Gesta Leal (Relator)
O pedido liminar foi parcialmente deferido, o qual ratifico no mérito,
ao efeito de afastar a fiança arbitrada, ficando o paciente obrigado a comparecer
a todos os atos processuais, manter os endereços e telefones atualizados e se
apresentar mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades,
conforme decisão proferida:
“O paciente foi preso em flagrante em 11.10.2019, pela prática, em tese, do
crime de receptação de veículo automotor, juntamente com Antônio Carlos
Assis da Silva, para o qual foi imputado o delito porte ilegal de arma de fogo
com numeração suprimida.
Homologado o auto de prisão em flagrante, o juízo a quo concedeu a liberda-
de provisória mediante o pagamento fiança:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
154

A decretação da prisão preventiva tem como pressupostos a garantia da or-


dem pública, da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal, ou
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do cri-
me e indício suficiente de autoria, consoante a norma insculpida na cabeça do
art. 312 do Estatuto Processual Penal. De outra banda, o art. 313 do mesmo
Diploma Legal estabelece as hipóteses em que essa sorte de segregação é ad-
mitida, nos seguintes termos:
(...)
Outrossim, compulsando o expediente, verifico que há prova suficiente da
existência do crime e indícios suficientes de autoria, consoante já declinado.
Por outro lado, da análise da Certidão Judicial Criminal, observo que não
há nenhuma sentença penal condenatória transitada em julgado contra os
flagrados, sendo que, inclusive, a autoridade policial arbitrou fiança para o
flagrado Matheus.
Assim sendo, com base no art. 319, VIII c/c os arts. 322, parágrafo único, e
325, II, ambos do CPP, arbitro a fiança no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil
reais). Do mesmo modo, deverão os flagrados prestarem compromisso de
comparecer a todos os atos do inquérito e do processo, bem como de não se
mudarem sem comunicar o novo endereço, sob pena de revogação.
(...)
A fiança é medida cautelar que está prevista no art. 319, inciso VIII, do CPP,
como forma de assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obs-
trução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial. Pode a fiança ser aplicada, inclusive, quando não estiverem presentes
os requisitos que autorizem a decretação da prisão preventiva, na forma dis-
posta no art. 321 do CPP.
Ocorre que o crime em tese cometido pelo paciente não envolve violência
ou grave ameaça à pessoa e, além disso, não possui antecedentes criminais,
conforme certidão obtida da consulta processual, deste Tribunal.
Dessa forma, permanecendo preso por este processo tão somente pelo não
pagamento da fiança, configura constrangimento ilegal, visto que a condição
financeira não pode balizar o sujeito que ficará segregado ou não. Não pode
a lei premiar o mais abastado em detrimento do pobre.
Nesses termos, demonstrada a impossibilidade da paciente em efetuar o pa-
gamento, autorizo sua soltura, independentemente do pagamento da fiança,
notadamente porque não possui condenação e os crimes em tese praticados
não espelham violência. Nesse sentido, colaciono julgado do colendo STJ:
‘PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO
QUE INDEFERE LIMINAR. SÚMULA Nº 691 DO STF. SUPERAÇÃO.
PORTE ILEGAL DE ARMA E FALSA IDENTIDADE. PRISÃO PRE-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 155

VENTIVA. SEGREGAÇÃO PELO NÃO PAGAMENTO DA FIANÇA


ARBITRADA PELA AUTORIDADE POLICIAL. ILEGALIDADE. AÇÃO
PENAL. TRANCAMENTO. DESCABIMENTO. TIPICIDADE DAS
CONDUTAS. RECONHECIMENTO.
1. (...)
3. Este Tribunal é firme em considerar que ‘o inadimplemento da fiança ar-
bitrada, por si só, não é capaz de fundamentar a manutenção da custódia cau-
telar, nos termos do art. 350 do Código de Processo Penal’ (HC 313.135/DF,
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 30.06.2015, DJe 04.08.2015).
(...)
7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, ratificando
a liminar deferida, conferir liberdade provisória ao paciente, dispensando-o
do pagamento de fiança, salvo se por outro motivo estiver preso, facultado
ao juízo a quo a aplicação de outras medidas cautelares diversas da prisão que
entender necessárias e adequadas ao caso.’ (HC 328.697/SP, Rel. Min. Gurgel
de Faria, Quinta Turma, j. 15.09.2015, DJe 01.10.2015)” (Grifei)
No mesmo diapasão, o parecer ministerial: “(...) não estão presentes os
requisitos da prisão preventiva, não havendo notícias ou fundado receio de
que em liberdade o acusado poderá se evadir do distrito da culpa ou frustrar
a instrução criminal. A situação de pobreza alegada pelo paciente é bastante
verossímil, notadamente porque o valor da fiança, por ser excessivo, torna-se
apenas uma hipótese ilegítima de segregação”.
Pelo exposto, concedo parcialmente a ordem para revogar a prisão preventiva
do paciente, afastando a fiança e aplicando, em substituição, as seguintes medi-
das cautelares menos gravosas: a) comparecimento a todos os atos processuais;
b) manter atualizados os endereços e telefones; c) apresentação mensal em
juízo para informar e justificar atividades.
Desembargador Julio Cesar Finger – De acordo com o Relator.
Desembargador Newton Brasil de Leão (Presidente) – De acordo com
o Relator.
Desembargador Newton Brasil de Leão – Presidente – Habeas Corpus
70083236687, Comarca de Viamão: “À unanimidade, concederam parcial-
mente a ordem para revogar a prisão preventiva do paciente, afastando a
fiança e aplicando, em substituição, as seguintes medidas cautelares menos
gravosas: a) comparecimento a todos os atos processuais; b) manter atualiza-
dos os endereços e telefones; c) apresentação mensal em juízo para informar
e justificar atividades”.
J u r i sp r u d ê n c i a

Tribunal de Justiça de São Paulo


APELAÇÃO Nº 1500832-27.2018.8.26.0228
RELATOR: DESEMBARGADOR CESAR AUGUSTO ANDRADE DE CASTRO

Apelação da Defesa. Violência Doméstica. Lesão


Corporal Leve
Confissão do réu em Juízo. Consistentes declarações da vítima. De-
poimento da testemunha e laudo pericial a robustecerem o conjunto
probatório. Exame de corpo de delito que deixou certa a existência da
lesão corporal. Condenação de rigor. Pena-base fixada no mínimo legal
a míngua de maus antecedentes. Regime aberto e suspensão condicional
da pena. Afastada a prestação de serviços à comunidade como condição
obrigatória ao sursis, eis que a pena corporal imposta é inferior a seis
meses. Interpretação do art. 46 do Código Penal. Recurso de apelação
provido.
(TJSP; ACr 1500832-27.2018.8.26.0228; Ac. 13222003; 3ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Cesar Augusto Andrade de Castro; DJESP 14/01/2020; p. 132)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal 1500832-
27.2018.8.26.0228, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Francisco
Jorge de Amorim, é apelado Ministério Público do Estado de São Paulo.
Acordam, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Cri-
minal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em proferir a seguinte decisão:
deram provimento ao recurso da defesa, para afastar a prestação de serviços à comunidade
como condição obrigatória ao “sursis”, substituindo-a por limitação de final de semana,
mantidos os demais termos da r. sentença. v.u., de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Ruy Alberto
Leme Cavalheiro (Presidente sem voto), Álvaro Castello e Luiz Antonio
Cardoso.
São Paulo, 8 de janeiro de 2020.
Desembargador César Augusto Andrade de Castro – Relator
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 157

Voto nº 13549
Vistos.
Francisco Jorge de Amorim foi condenado a cumprir a pena de três
meses de detenção, em regime inicial aberto, por infração ao art. 129, § 9º, do
Código Penal, obtendo a suspensão condicional da pena pelo prazo de dois
anos; foi absolvido da conduta descrita no art. 147, caput, do Código Penal,
com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Inconformado, o réu apela, pretendendo a modificação das condições
impostas no sursis.
Recurso bem processado, com resposta.
A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo.
Decorrido o prazo para que as partes se manifestassem acerca de even-
tual oposição ao julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução nº
549/2011, com redação estabelecida pela Resolução nº 772/2017, ambas do
Colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, não houve oposição a essa forma de julgamento.
É o relatório.
Consta da denúncia que no dia 4 de novembro de 2018, por volta das
11:20 horas, na Rua Eusimio da Cruz Batista nº 18, cidade de São Paulo, Fran-
cisco Jorge de Amorim, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares,
ofendeu a integridade corporal de seu enteado Ives Santos Lima Pereira de
Sousa, causando-lhe lesões corporais de natureza leve.
Consta, ainda, que nas mesmas circunstâncias o réu ameaçou sua
companheira Gilvanete dos Santos Lima, por palavras, de causar-lhe mal
injusto e grave.
Segundo o apurado, o réu e a vítima Gilvanete conviveram maritalmente
por oito anos, advindo dois filhos do relacionamento, e com a família vivia o
ofendido Ives, filho da vítima Gilvanete, fruto de relacionamento anterior, até
que na data dos fatos, durante discussão de menor importância, o réu tomou
um aparelho de telefone celular das mãos do menor e o agrediu, valendo-se
do tal aparelho, atingindo-a na cabeça e causando-lhe lesões corporais de
natureza leve.
Posteriormente, a vítima Gilvanete indagou ao acusado acerca da agres-
são, e então ele a ameaçou de morte.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
158

Ocorre que a vítima Gilvanete não se resignou com as agressões contra


o filho, comparecendo ao distrito policial, ocasião em que relatou o ocorrido
à autoridade policial, representou contra o acusado e solicitou a concessão de
medidas protetivas em seu favor.
Interrogado pela autoridade policial o acusado permaneceu silente, mas
interrogado em Juízo ele admitiu parcialmente os fatos, afirmando que agrediu
a vítima Ives, contudo, negou que houvesse ameaçado a ofendida Gilvanete.
Entretanto, ouvido na fase administrativa da investigação o ofendido
Ives confirmou as agressões indicadas na denúncia, esclarecendo que o réu o
golpeou com um aparelho de telefone celular, atingindo-o na cabeça.
As vítimas não foram ouvidas em Juízo, eis que não localizadas a tanto.
Por sua vez, o policial militar Claudemir Lino da Silva, ouvido nas
duas fases da persecução penal, deu conta de que foi acionado para atender
ocorrência de desinteligência familiar, constatando que o menor Ives havia
sido agredido, o que foi confirmado por sua genitora.
Por fim, o laudo pericial acostado aos autos foi bastante a demonstrar
que a vítima Ives sofreu lesões corporais de natureza leve “ferimento lacero
contuso com fios de sutura”.
Destarte, a meu ver, os elementos de convicção trazidos aos autos
tornam inquestionável a responsabilidade penal do apelante, até mesmo em
razão de sua confissão em relação ao crime de lesão corporal praticado contra
o menor Ives.
É incontroverso que nos crimes praticados em ambiente familiar, nos
quais normalmente não há testemunhas, a palavra da vítima ganha especial
relevância, não podendo ser desconsiderada, notadamente se em consonância
com os demais elementos de prova existentes nos autos.
“PENAL E PROCESSO PENAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. JUSTA CAUSA.
REGISTROS FOTOGRÁFICOS E DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. AU-
SÊNCIA DE CORPO DE DELITO. IRRELEVÂNCIA PARA A DEFLA-
GRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE DE JUNTADA POS-
TERIOR. AUSÊNCIA DE NULIDADE. 1. As declarações da vítima e
os registros fotográficos realizados na delegacia de polícia especializada no
atendimento à mulher formam, segundo a instância ordinária, a justa causa
para a deflagração da ação penal em desfavor do recorrente. 2. Consoante
entendimento desta Corte Superior, nos crimes praticados em ambiente do-
méstico ou familiar, onde normalmente inexiste testemunha, a palavra da
vítima ganha especial relevo e, por isso, não pode sofrer menoscabo, ainda
mais se guardar sintonia com outros elementos de convicção disponíveis nos
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 159

autos. Precedentes. 3. Ademais, cumpre acrescentar que a falta do exame de


corpo de delito não pode obstar a persecutio crimine in iudicio. Ela não retira,
aí, a admissibilidade da demanda, podendo, inclusive, ser realizado no curso
do processo (STF, HC 78719, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Perten-
ce, DJ 25.06.99). Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no
AREsp 962.903/DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j.
15.09.2016, DJe 23.09.2016)
E o relato do ofendido foi corroborado pelo depoimento do policial
militar, bem como pelo laudo pericial.
Aliás, a defesa sequer se insurgiu contra este aspecto da decisão conde-
natória, pleiteando apenas a modificação das condições impostas na suspensão
condicional da pena.
Quanto ao crime de ameaça, ante a inexistência de provas a tanto, o
MM. Juiz houve por bem em absolver o réu.
No que diz respeito ao crime de lesão corporal, a pena-base foi imposta
em seu patamar mínimo a míngua de maus antecedentes, vale dizer, em três
meses de detenção.
Na segunda etapa da dosimetria, a pena permaneceu inalterada, e de
forma definitiva, a despeito do reconhecimento da circunstância atenuante
da confissão espontânea, ante a impossibilidade da fixação da pena aquém do
mínimo legal, a teor da Súmula nº 231 do STJ.
Foi estabelecido o regime prisional aberto, havendo óbice à substitui-
ção da pena corporal por pena alternativa por se tratar de crime cometido em
situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art.
41 da Lei nº 11.340/06.
De outra face, preenchidos os requisitos legais objetivos e subjetivos, o
cumprimento da pena corporal foi suspenso pelo período de dois anos, com
a imposição de obrigação de prestação de serviços à comunidade durante o
primeiro ano do período de prova.
Entretanto, entendo que a condição imposta afronta a previsão legal
contida no art. 46 do Código Penal, que estabelece que a prestação de serviços
à comunidade é aplicável em substituição às condenações superiores a seis
meses.
O réu foi condenado à pena de três meses de detenção, e levando em
conta o teor do art. 78, § 1º, do Código Penal, que faz menção expressa ao
art. 46, entendo que tal ressalva deve ser observada também quando a pres-
tação de serviços à comunidade é imposta como condição para a suspensão
condicional da pena.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Jurisprudência
160

Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:


“A suspensão condicional da pena, prevista no art. 76 do Código Penal, tem
como condições a prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim
de semana, consoante se depreende do art. 78 do mesmo Diploma Legal, que,
por sua vez, remete ao art. 46 do Estatuto Repressivo, que estabelece que a
prestação de serviços à comunidade ‘é aplicável às condenações superiores
a seis meses de privação de liberdade’.” (HC 307.103/MG, Rel. Min. Jorge
Mussi, Quinta Turma, j. 17.03.2015, DJe 25.03.2015)
Desse modo, promovo a substituição da prestação de serviços à comu-
nidade por limitação de final de semana, como condição da suspensão da pena.
Assim, pelo meu voto, dou provimento ao recurso da defesa, para afastar a pres-
tação de serviços à comunidade como condição obrigatória ao “sursis”, substituindo-a por
limitação de final de semana, mantidos os demais termos da r. sentença.
Desembargador Andrade de Castro – Relator
Divergência Jurisprudencial

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Munição – Posse Ilegal – Absolvição – Princípio da


Insignificância – Aplicação – Possibilidade/Impossibilidade
93/1 → POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. CRIME DE PE-
RIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ONZE CARTUCHOS. AU-
SÊNCIA DE ARMAS APTAS PARA DISPARAR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DA
SEXTA TURMA. 1. A Sexta Turma do STJ, alinhando-se ao STF, tem entendido pela incidência
do princípio da insignificância aos crimes previstos na Lei nº 10.826/03, afastando a tipicidade
material da conduta, quando evidenciada flagrante desproporcionalidade da resposta penal. 2.
Ainda que formalmente típica, a apreensão de 11 cartuchos não é capaz de lesionar ou mesmo
ameaçar o bem jurídico tutelado, mormente porque ausente armamento capaz de deflagrar
o projétil encontrado em poder do agente. 3. Agravo regimental improvido. (STJ; AgRg-HC
496.066; Proc. 2019/0060718-9; SC; 6ª T.; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 26/04/2019)
93/2 → POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. APREENSÃO
DE 5 CARTUCHOS INTACTOS DESACOMPANHADOS DE ARTEFATO CAPAZ DE
DEFLAGRÁ-LOS. MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRIN-
CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Recurso não
provido. Afigura-se possível a incidência do princípio da insignificância, a afastar a tipicidade
material da conduta, na hipótese de apreensão de cinco munições calibre 7.62 desacompanhadas
da respectiva arma de fogo, em razão da mínima ofensividade ao bem jurídico tutelado pela
norma. Precedentes do STJ. (TJMG; APCR 0336685-72.2011.8.13.0433; 2ª C.Crim.; Rel. Des.
Matheus Chaves Jardim; DJEMG 22/04/2019)
93/3 ← POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO. ART. 12 DA LEI Nº 10.826/03. SETE
MUNIÇÕES DESACOMPANHADAS DE ARMAMENTO. TIPICIDADE FORMAL E
MATERIAL. 1. A posse ilegal de munição, por si só, configura o crime do art. 12 da Lei nº
10.826/03, delito de perigo abstrato que presume a ocorrência de risco à segurança pública e
prescinde de resultado naturalístico à integridade de outrem para ficar caracterizado. 2. A Sexta
Turma deste STJ alinhou-se ao entendimento da Segunda Turma do STF e passou a aplicar
o princípio da insignificância em situações excepcionais, de posse de ínfima quantidade de
munições e de ausência do artefato capaz de dispará-las, aliadas a elementos acidentais da ação
que evidenciem a total inexistência de perigo à incolumidade pública. 3. Embora possível, a
aplicação do “princípio da insignificância não pode levar à situação de proteção deficiente ao
bem jurídico tutelado. Portanto, não se deve abrir muito o espectro de sua incidência, que deve
se dar apenas quando efetivamente mínima a quantidade de munição apreendida, em conjunto
com as circunstâncias do caso concreto, a denotar a inexpressividade da lesão” (HC 458.189/
MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 28.09.2018). 4. In casu, como a polícia
apreendeu as sete munições durante cumprimento de mandado de prisão e o paciente ostenta
condenação por crime de latrocínio perpetrado com arma de fogo não localizada, compatível
com o calibre das munições encontradas, é forçoso reconhecer que não está evidenciado o
diminuto grau de reprovabilidade do comportamento, a atrair a aplicação do princípio da insig-
nificância. A ação praticada por agente de alta periculosidade reduz de forma relevante o nível
de segurança pública, bem tutelado pelo art. 12 da Lei de Armas, razão pela qual não há falar
em atipicidade material da conduta. 5. HC denegado. (STJ; HC 493.192; Proc. 2019/0041091-0;
SC; 6ª T.; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 25/04/2019)
Ementário

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93/4 – ABANDONO DE INCAPAZ. RÉ QUE SAIU DE CASA À NOITE, DEI-


XANDO SEU FILHO DE TRÊS ANOS DORMINDO, SOZINHO, POR CERCA DE
UMA HORA, ATÉ A CHEGADA DA AVÓ. Condenação. Insurgência defensiva. Necessi-
dade de absolvição. Ausência de comprovação da tipificação do delito em questão. Crime de
perigo concreto. Ainda que a conduta seja moralmente reprovável e possa ter consequências
na seara civil, o fato de deixar a criança sozinha, dormindo, no interior de residência fechada,
pelo período aproximado de uma hora, não denota relevância para o direito penal, inexistindo
situação de efetivo risco ao menor para fins de tipificação do crime de abandono de incapaz.
Reforma da sentença condenatória. Recurso provido. (TJSP; ACr 0006036-34.2016.8.26.0637;
Ac. 13195983; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Guilherme de Souza Nucci; DJESP 08/01/2020; p. 239)

93/5 – ABANDONO DE INCAPAZES, EM FORMA QUALIFICADA (ART. 133,


§ 3º, II, DO CP). INSURGÊNCIA CONTRA O NÃO OFERECIMENTO DE PRO-
POSTA. Ausência de ilegalidade. Prerrogativa ministerial. Acusada que não preenche os
pressupostos para a concessão da benesse. Ordem excepcionalmente conhecida e denegada.
(TJSP; HC 2253197-85.2019.8.26.0000; Ac. 13199309; 4ª C.D.Crim.; Relª Desª Ivana David;
DJESP 13/01/2020; p. 129)

93/6 – ABANDONO MATERIAL. Recurso defensivo. Absolvição. Cabimento. Não


pagamento de pensão alimentícia. Agente que não possui bens materiais, estava desempregado
e efetuou os pagamentos devidos, enquanto estava trabalhando. Não evidenciado que o réu
possuía condições financeiras para honrar o pagamento da pensão. Falta de pagamento que,
por si só, não tipifica o crime de abandono material. Elemento subjetivo do tipo não demons-
trado. Absolvição que se impõe. Recurso provido. (TJSP; ACr 0005657-09.2017.8.26.0201; Ac.
13187398; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Leme Garcia; DJESP 08/01/2020; p. 231)

93/7 – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS INFRINGENTES NO


HABEAS CORPUS. ART. 333 DO REGIMENTO INTERNO DESTE STF. NÃO CA-
BIMENTO. 1. Na dicção do art. 333 do Regimento Interno desta Suprema Corte, “Cabem
embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar pro-
cedente a ação penal; II – que julgar improcedente a revisão criminal; III – que julgar a ação
rescisória; IV – que julgar a representação de inconstitucionalidade; e V – que, em recurso
criminal ordinário, for desfavorável ao acusado”. 2. Na esteira da jurisprudência consolidada
por esta Suprema Corte, “Revelam-se manifestamente incabíveis os embargos infringentes
opostos contra julgado de Turma ou de Plenário em sede de habeas corpus, tendo em vista a
falta de previsão regimental” (HC 108.261-EI-AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe
13.04.2012). 3. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; HC-EI-AgR 163.569; MT;
T.P.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 18/12/2019; p. 170)

93/8 – AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MU-


LHER. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDUTA SOCIAL
E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. DESPROPORCIONALIDADE DO AUMENTO.
INOCORRÊNCIA. MAJORAÇÃO BENEVOLENTE MANTIDA. CONFISSÃO ES-
PONTÂNEA, MOTIVO FÚTIL E RELAÇÕES DOMÉSTICAS. APLICAÇÃO DE ÍN-
DICE DIVERSO DE 1/6. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. FLAGRANTE
ILEGALIDADE EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 163

de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese,
impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de
flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A individualização da pena é submetida
aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes
Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados,
a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Assim, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das
circunstâncias judiciais e dos critérios concretos de individualização da pena mostram-se
inadequados à estreita via do habeas corpus, por exigirem revolvimento probatório. 3. No caso,
reconhecidas como desfavoráveis a conduta social do paciente e as consequências do crime, e
considerando o aumento ideal em 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada,
a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo
penal incriminador, que corresponde a 5 meses, chega-se ao incremento de cerca de 7 dias
por cada vetorial desabonadora. Tendo sido desfavoravelmente valoradas duas circunstâncias
judiciais, deveria a reprimenda ter sido aumentada em 14 dias, perfazendo um mês e 14 dias
de detenção. Entretanto, como a pena dosada pelo Juízo sentenciante foi majorada em apenas
12 dias, deve ser esta mantida, sob pena de violação da regra non reformatio in pejus. 4. O Código
Penal olvidou-se de estabelecer limites mínimo e máximo de aumento ou redução de pena a
serem aplicados em razão das agravantes e das atenuantes genéricas. Assim, a jurisprudência
reconhece que compete ao julgador, dentro do seu livre convencimento e de acordo com as
peculiaridades do caso, escolher a fração de aumento ou redução de pena, em observância aos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Todavia, a aplicação de fração diversa de
1/6 exige motivação concreta e idônea. Precedentes. 4. Evidenciado que foi aplicado o índice
de 1/4 para reduzir a pena em razão do reconhecimento da confissão espontânea, sendo que
pelas agravantes do motivo fútil e das relações domésticas foi utilizado o índice de 1/3, sem
a indicação de qualquer motivação concreta, o paciente faz jus à aplicação do índice de 1/6
pela presença das agravantes, o qual, do mesmo modo, deve ser aplicado em razão da atenu-
ante da confissão espontânea. 5. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de
reduzir a reprimenda da paciente para um mês e 22 dias de detenção. (STJ; HC 546.131; Proc.
2019/0344523-7; DF; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 19/12/2019)

93/9 – ANONIMATO. VEDAÇÃO IMPOSTA PELO PRÓPRIO TEXTO CONS-


TITUCIONAL (CF, ART. 5º, IV, IN FINE). COMPREENSÃO DO DIREITO À LIVRE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. DELAÇÃO ANÔNIMA. POSSIBILIDADE,
DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS QUE A AUTORIZAM. DOUTRINA.
PRECEDENTES. RECUSA ESTATAL EM RECEBER PEÇAS CONSUBSTANCIADO-
RAS DE DENÚNCIA ANÔNIMA, PORQUE AUSENTES AS CONDIÇÕES DE SUA
ADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE DESSE PROCEDIMENTO. RESOLUÇÃO
CNJ Nº 103/2010 (ART. 7º, III). DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA
PREVALECENTE NO STF. CONSEQUENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE
A IMPUGNA. SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À
DECISÃO RECORRIDA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. MAJORAÇÃO DA VERBA
HONORÁRIA. PRECEDENTE (PLENO). NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DOS LIMITES
ESTABELECIDOS NO ART. 85, §§ 2º E 3º, DO CPC. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
PERSECUÇÃO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR E DELAÇÃO ANÔNIMA. As auto-
ridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução administrativo-disciplinar
(ou mesmo de natureza penal) cujo único suporte informativo apoie-se em peças apócrifas
ou em escritos anônimos. É por essa razão que escritos anônimos não autorizam, desde que
isoladamente considerados, a imediata instauração de persecutio criminis ou de procedimentos de
caráter administrativo-disciplinar. Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por
delação anônima, adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação
sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
164

disciplinar e/ou penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos
nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da con-
cernente persecução, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal
em relação às peças apócrifas. Reveste-se de legitimidade jurídica a recusa do órgão estatal em
não receber peças apócrifas ou “reclamações ou denúncias anônimas”, para efeito de instauração
de procedimento de índole administrativo-disciplinar e/ou de caráter penal (Resolução CNJ
nº 103/2010, art. 7º, inciso III), quando ausentes as condições mínimas de sua admissibilidade.
(STF; RE-AgR 1.193.343; SE; 2ª T.; Rel. Min. Celso de Mello; DJE 12/12/2019; p. 140)

93/10 – APELAÇÃO CRIME. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO MANI-


FESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. RECURSO À DISPOSIÇÃO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO MESMO EM FACE DO QUESITO GENÉRICO DE
ABSOLVIÇÃO. As inovações introduzidas na quesitação e votação no Tribunal do Júri pela
Lei nº 11.689/08 ainda são, mais de uma década depois, objeto de debate. Um dos pontos é a
(im)possibilidade de reconhecimento de decisão manifestamente contrária à prova dos autos,
em recurso de apelação do Ministério Público, quando absolvido o réu no quesito genérico,
argumento específico do apelado. O juízo de valor nuclear dos casos que vão a Plenário, é certo,
pertence ao Tribunal do Júri, que é soberano, no sentido de proferir a última palavra sobre o
mérito da causa (absolvição ou condenação). Os jurados são chamados a concretizar uma pauta
normativa (baseados nos textos legais) que carece de preenchimento valorativo, e o fazem, por
íntima convicção, apreciando uma situação de fato. Neste contexto, a garantia institucional do
Tribunal do Júri harmoniza-se com o quesito de absolvição genérico previsto no § 2º do art. 483
do CPP, inclusive quando a tese defensiva consistir em argumento supralegal, nomeadamente
a clemência, reforçando-se a plenitude de defesa. Todavia, tal assertiva não implica retirar-se
do Ministério Público a possibilidade de recorrer quando considerar a decisão manifestamente
contrária à prova dos autos, na exata dicção do art. 593, III, d, do CPP. Decisão soberana que
não é, necessariamente, única, tampouco, no programa normativo, irracional, pois submete-se,
previamente, ao filtro da pronúncia; e delimita-se, posteriormente, pelo controle exercido em
sede de apelação, que se vocaciona a escoimar o que é manifestamente contrário à prova dos
autos, ao apresentar-se irracional, pois, independente da fundamentação concreta de quem a
tomou, não passa no crivo de um sujeito razoável com capacidade de argumentação intersub-
jetiva. Se o juízo, da magistratura técnica, for negativo, vale dizer, não encontrar razoabilidade
empírico-normativa na decisão, a Corte devolverá o caso ao Tribunal do Júri, que, agora sim,
advertido, poderá, soberano que é, errar por último. Discussão de precedentes do STJ e de
decisões monocráticas do STF, bem como de aportes doutrinários. Sendo essencial a consignação
em ata de alegações e fundamentos das partes (CPP, art. 495, XIV), possível à instância recursal
avaliar a razoabilidade empírico-normativa da tese defensiva, mesmo que supralegal. MÉRITO.
INOCORRÊNCIA DE DECISÃO MANIFESTAMENTE DESGARRADA DE VERTENTE
PROBATÓRIA. TESES DE LEGÍTIMA DEFESA E DESCLASSIFICAÇÃO QUE NÃO
CONFIGURAM, NA INTERPRETAÇÃO NARRATIVA DO CASO, RESPOSTA IRRA-
CIONAL. Tecnicamente, consabido, não basta demonstrar o animus necandi do acusado para
afastar qualquer tese de excludente de ilicitude. Do primeiro, dogmaticamente, não decorre
o segundo; do contrário borrar-se-ia ainda mais a fronteira do injusto penal, pois o fato típico
matar alguém (com vontade livre e consciente, isto é, dolosamente) independe de dirigir-se
contra vítima inocente ou agressor injusto. Com todas as letras, animus necandi (não confun-
dir com o antigo dolus malus) não afasta a legítima defesa; antes, é pressuposto da justificação
(agregado ao conhecimento situação justificante); ao passo que a ausência de dolo significaria
desclassificação. Tudo isso para afirmar que, da leitura global da prova, não se encontra versão
unívoca, tampouco testemunho presencial que, por si, resolva as controvérsias. Há incongru-
ências ou pontos fracos em vários trechos e não parece desarrazoado que os Jurados tenham
interpretado, neste contexto, a prova de modo a acolher seja a legítima defesa ou, até, eventual
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 165

desclassificação. Recurso desprovido. Por maioria. (TJRS; APL 0236040-26.2019.8.21.7000;


Proc. 70082641317; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Jayme Weingartner Neto; DJERS 12/12/2019)

93/11 – APROPRIAÇÃO DE COISA HAVIDA POR ERRO (ART. 169 DO CP).


CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95). COM-
PETÊNCIA DA TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. INCOM-
PETÊNCIA DO TRF DA 5ª R. RECONHECIMENTO. 1. Apelação criminal interposta por
L. C. P. em face de sentença com que o Juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará
condenou a recorrente pela prática do crime previsto no art. 168, § 1º, I, do Código Penal
(apropriação indébita). 2. Segundo a denúncia, em razão de uma operação de financiamento
habitacional, no dia 06.12.2013, por equívoco da Caixa Econômica Federal (CEF), a recorrente
teve creditado, na conta bancária de sua titularidade junto à referida instituição financeira, o
valor de R$ 108.990,92, quando, na verdade, o valor correto deveria ser R$ 19.117,74, tendo se
apropriado e não devolvido a diferença de R$ 89.873,18. Por tal motivo, convencido da existência
de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria, o Parquet ofereceu a peça acusatória
imputando à denunciada a conduta delituosa descrita no tipo previsto no art. 169, caput, do CP
(apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza). 3. De seu turno, o
Juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, reclassificando a conduta, condenou
a recorrente, pela prática do crime previsto no art. 168, § 1º, I, do Código Penal (apropriação
indébita), à pena de dois anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, além
de 60 dias-multa à razão de 1/4 (um quarto) do salário mínimo. 4. Nas razões do recurso, a
defesa pretende, entre outros, a desclassificação da conduta para o tipo penal do art. 169 do CP
(apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza), como indicado na
denúncia, com o consequente encaminhamento do recurso para julgamento perante a Turma
Recursal do Juizado Especial Criminal da Seção Judiciária do Ceará. 5. Inexistindo prova de
que a recorrente aderira à conduta que provocou o engano da CEF, mesmo que apenas assen-
tido com a sua prática, não poderá ser ela punida pelo crime de apropriação indébita (art. 168,
§ 1º, I, do CP), mas pelo de apropriação indébita de coisa havida por erro (art. 169 do CP),
cujo dolo surge apenas após a descoberta do erro pelo agente, quando decide se apropriar do
bem alheio. Reclassificação da conduta que se impõe. 6. O crime tipificado no art. 169 do
CP, possui cominação máxima de um ano de detenção, não superando o limite de dois anos,
estabelecido no art. 61 da Lei nº 9.099/95, para definir as infrações penais de menor potencial
ofensivo. 7. Reconhecimento da competência da Turma Recursal constituída no âmbito da
Seção judiciária do Ceará para, em grau de recurso, apreciar a apelação interposta pela recor-
rente. Precedente do TRF da 5ª R. 8. Incompetência do TRF da 5ª Região reconhecida. (TRF
5ª R.; ACR 0009119-31.2015.4.05.8100; CE; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto
Neto; DEJF 16/12/2019; p. 65)

93/12 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE


E AUTORIA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. MANUTENÇÃO DA
SENTENÇA. RECURSO NÃO PROVIDO. I – O art. 168-A do CP é delito omissivo pró-
prio, sendo certo, em tais casos, como é da essência dessa classe de delitos, que a tipicidade fica
condicionada a um não fazer algo que o agente devia e podia fazer, contrariando, assim, a norma
jurídica. II – Para a demonstração da inexigibilidade de conduta diversa, é preciso considerar
que o recolhimento das contribuições previdenciárias aos cofres do INSS seria possível porque
o agente possui numerário para tal. Contudo, se o fizesse, comprometeria outros pagamentos
imprescindíveis à sobrevivência da própria empresa que, em não ocorrendo, poderiam afetar
a percepção de verbas imprescindíveis à alimentação do agente ou de seus funcionários. III –
Prova testemunhal uníssona acerca das dificuldades financeiras. Empresa que encerrou suas
atividades e registra dezenas de execuções fiscais em período convergente com a alegação de
crise financeira. Patrimônio pessoal do réu que não indica acréscimos à luz das declarações de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
166

renda juntadas. IV – Sentença absolutória mantida com fulcro no art. 386, VII, do CPP. (TRF
2ª R.; ACR 0000703-81.2004.4.02.5113; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Juiz Conv. Gustavo Arruda Macedo;
DEJF 15/01/2020)

93/13 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E DE SONEGAÇÃO


PREVIDENCIÁRIA. EX-PREFEITO. CONDENAÇÃO. APELAÇÕES. I – Apelações
interpostas à sentença proferida nos autos de ação criminal, que condenou o réu em face da
prática do crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do Código Penal), quando
exerceu o cargo de prefeito, à pena de dois anos de reclusão e multa de 10 (dez) dias-multa, e
substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação
de serviços a entidade pública e prestação pecuniária, e o absolveu da imputação alusiva ao
crime de sonegação previdenciária (art. 337-A, III, do Código Penal), por insuficiência pro-
batória. II – A orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a falta
de recolhimento de contribuição previdenciária, descontada dos servidores da edilidade, não
qualifica, por si só, o prefeito como sujeito ativo do crime de apropriação indébita previdenciária,
uma vez inexistente responsabilidade objetiva criminal no ordenamento jurídico brasileiro.
III – A responsabilidade criminal do gestor apenas configurar-se-ia se comprovado desvio
dos recursos para proveito pessoal, com outra Tipificação que não a de Apropriação Indébita
Previdenciária, circunstância, todavia, que não é objeto da presente Ação. Precedente do TRF
da 5ª Região. IV – A referência à representação fiscal para fins penais, que instrui a denúncia,
sem outros elementos de prova produzidos em Juízo, não se revela condição suficiente para
a caracterização da Conduta de Sonegação Previdenciária e respectiva autoria, a teor do art.
156 do CPP. V – Desprovimento da apelação do Ministério Público Federal e provimento da
apelação do réu para decretar a absolvição relativamente à imputação de apropriação indébita
previdenciária. (TRF 5ª R.; ACR 0007357-59.2015.4.05.8300; PE; 1ª T.; Rel. Des. Fed. Alexandre
Luna Freire; DEJF 05/11/2019; p. 126)

93/14 – ASSÉDIO SEXUAL. ART. 216-A DO CÓDIGO PENAL (CP). IMPOR-


TUNAÇÃO SEXUAL. ART. 215-A DO CP. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA
E MATERIALIDADE DELITIVA. HIPÓTESE DE NÃO TRANCAMENTO. ORDEM
DENEGADA. I – O processo se iniciou a partir de investigação direta do MPM, denominado
Procedimento de Investigação Criminal (PIC), que tem como finalidade apurar a ocorrência
de infrações penais de natureza pública e serve como preparação e embasamento para o juízo
de propositura da ação penal. II – O referido procedimento tem seu fundamento jurídico
na Constituição Federal de 1988 (CF/88), art. 127, caput, e art. 129, I, II, VIII e IX; na Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público, de 12.02.93; e na LC nº 75, de 20.05.93. Atual-
mente é regulamentado pela Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, de
07.08.2017; posteriormente alterada pela Resolução nº 183, de 24.01.2018; e Resolução nº 201,
de 04.11.2019. III – Durante o PIC, a ofendida foi ouvida na presença de dois Promotores de
Justiça e relatou, além de possíveis perseguições pessoais relacionadas ao trabalho, situações
de assédio sexual e importunação sexual. IV – Alguns dos fatos foram confirmados por teste-
munhas ouvidas durante o procedimento de investigação criminal. Assim, infere-se dos autos
indícios suficientes de autoria e materialidade. A justa causa necessária à deflagração da ação é
o suporte probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal. V – Eventuais
contradições e incongruências nos depoimentos da ofendida e das testemunhas serão analisadas
no decorrer do processo criminal, garantidos todos os meios de defesa e a possibilidade de
contraditório. Qualquer juízo de valor das oitivas em sede de habeas corpus seria temerário e
contrário à ritualística processual. VI – Além disso, suposta nulidade de depoimento colhido
na fase investigatória, como a oitiva de uma testemunha em alegada violação ao sigilo profissio-
nal, não conduz à invalidade da instrução processual, haja vista a completa independência dos
procedimentos. VII – Ao final, salienta-se a necessidade de classificação do processo de habeas
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 167

corpus em segredo de justiça. Segundo determina o art. 234-B do Código Penal, os processos
em que se apuram crimes definidos no Título VI – Dos Crimes contra a Dignidade Sexual –
no qual se encontram inseridos os arts. 215-A e 216-A, imputados ao Paciente, correrão em
segredo de justiça. Por certo que tal norma visa resguardar a vítima de possíveis exposições de
sua intimidade e neutralizar os efeitos negativos decorrentes da instauração da persecutio criminis.
VIII – Habeas corpus conhecido. Ordem denegada. Decisão unânime. (STM; HC 7001261-
24.2019.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de Queiroz; DJSTM 19/12/2019; p. 16)

93/15 – ATO INFRACIONAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO


(CONCURSO DE AGENTES, MOTIVO TORPE, MOTIVO FÚTIL, MEIO INSIDIO-
SO QUE RESULTOU EM PERIGO COMUM E RECURSO QUE DIFICULTOU A
DEFESA DA VÍTIMA). MATERIALIDADE CONFIRMADA. AUTORIA DUVIDOSA.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. Fato.
Tentativa de homicídio qualificado mediante concurso de agentes, motivo torpe, motivo fútil,
meio insidioso que resultou em perigo comum recurso que dificultou a defesa da vítima (art.
121, § 2º, I, II, III e IV, combinado com o art. 14, II, ambos do Código Penal). Materialidade.
Boletim de ocorrência, laudo pericial de lesão corporal e prova oral colhida em juízo que provam
a respeito da materialidade do fato praticado. Autoria. A autoria que não restou comprovada.
Adequada análise judicial de primeiro grau suficientemente convincente para, pelo menos, pôr
dúvida, na efetiva participação do representado no fato. Em caso de dúvida quanto à autoria
do ato infracional, inclusive pela ausência de reconhecimento judicial do adolescente, impe-
riosa a aplicação do princípio do in dubio pro reo e a improcedência da representação. Negaram
provimento. (TJRS; APL 0293520-59.2019.8.21.7000; Proc. 70083216119; 8ª C.Cív.; Rel. Des.
Rui Portanova; DJERS 19/12/2019)

93/16 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE TRÁFICO DE DRO-


GAS. Falta de interesse de agir do Estado. Inocorrência. Ausência de laudo social realizado
por equipe interdisciplinar. Nulidade inexistente. Procedimento facultativo e auxiliar do juízo.
Materialidade e autoria suficientemente comprovadas. Confissão do adolescente confortada
pelo depoimento de um dos policiais militares responsáveis pela apreensão em flagrante. Vali-
dade. Medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas. Adequada
e em observância ao princípio da proporcionalidade. Abrandamento. Descabimento. Apelo
desprovido. (TJRS; APL 0320986-28.2019.8.21.7000; Proc. 70083490771; 7ª C.Cív.; Relª Desª
Sandra Brisolara Medeiros; DJERS 19/12/2019)

93/17 – CAÇA ILEGAL DE PÁSSAROS. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA DE-


NÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA REJEITADAS, BEM COMO ALEGAÇÃO
DE ESTADO DE NECESSIDADE. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO DEMONSTRADO.
ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL AMPLAMENTE CONHECIDA DA POPULAÇÃO
E BEM SINALIZADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
PARCIAL PROVIMENTO DOS RECURSOS. 1. Com a prolação da sentença penal conde-
natória restaram preclusas as preliminares de inépcia da denúncia e ausência de justa causa. 2. O
apelante Adriano Manoel da Silva não ostentava, à época, estado de necessidade, eis que consta
ter trabalho e residir em imóvel de familiar, não possuindo dependentes, praticando a caça em
fins de semana. 3. Erro de proibição não ocorreu, sendo o local bem sinalizado, e com proibição
de caça do conhecimento da população em geral. 4. Princípio da insignificância não incidente,
acusado preso dentro da área protegida, com material venatório e portando pássaros ameaçados
de extinção. 5. Penas privativas de liberdade, e número de dias-multa mantidos para ambos
os réus, reduzido apenas valor unitário. 6. Acrescentada prestação pecuniária à substituição
da pena detentiva. 7. Recursos dos réus e do MPF parcialmente providos. (TRF 2ª R.; ACR
0490252-63.2010.4.02.5101; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Antonio Ivan Athié; DEJF 10/01/2020)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
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93/18 – CASO RUBENS PAIVA. HOMICÍDIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER


PRATICADO DURANTE O REGIME MILITAR. INCIDÊNCIA DA LEI DA ANISTIA.
ADPF 153. RECURSO PROVIDO. 1. Pela leitura da denúncia, é nítido que os crimes imputa-
dos aos pacientes se adequavam aos crimes abrangidos pela Lei da Anistia, uma vez que teriam
sido “cometidos por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado
em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do
regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de
cadáver”. 2. Ainda que pendente a análise de embargos de declaração no julgamento da citada
ADPF 153 pelo STF, o conteúdo do decisum tem efeito erga omnes. Assim, de rigor, afirmar a
incidência da Lei da Anistia ao presente caso. 3. O voto condutor do acórdão da ADPF 153,
proferido pelo Ministro Eros Grau, afasta a possibilidade de aplicação retroativa de tratado
internacional internalizado após a entrada em vigor da Lei de Anistia que vise a desconstituir
o caráter bilateral da anistia. 4. “A admissão da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos
Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade como jus cogens não pode violar prin-
cípios constitucionais, devendo, portanto, se harmonizar com o regramento pátrio. Referida
conclusão não revela desatenção aos Direitos Humanos, mas antes observância às normas
máximas do nosso ordenamento jurídico, consagradas como princípios constitucionais, que
visam igualmente resguardar a dignidade da pessoa humana, finalidade principal dos direitos
humanos. Nesse contexto, em observância aos princípios constitucionais penais, não é possível
tipificar uma conduta praticada no Brasil como crime contra humanidade, sem prévia lei que
o defina, nem é possível retirar a eficácia das normas que disciplinam a prescrição, sob pena
de se violar os princípios da legalidade e da irretroatividade, tão caros ao direito penal” (REsp
1.798.903/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 30.10.2019). 5. RHC
provido para, reconhecendo a incidência e validade da causa extintiva da punibilidade prevista
no art. 107, II, do Código de Processo Penal – CPP, determinar o trancamento da Ação Penal
0023005-91.2014.4.025101, da 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
(STJ; RHC 57.799; Proc. 2015/0068683-1; RJ; 5ª T.; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; DJE 19/12/2019)

93/19 – COMPETÊNCIA. COLABORAÇÃO PREMIADA. CRIME ELEITORAL.


CONEXÃO. AUSÊNCIA. A competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar, conside-
rada a imputação de crime comum, pressupõe a existência de conexão entre os delitos. SIGILO.
ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. ART. 7º, § 3º, DA LEI Nº 12.850/2013.
AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. Ausente situação a autorizar o afastamento do sigilo,
subsiste o fenômeno, no que voltado à efetividade da colaboração firmada. COLABORAÇÃO
PREMIADA. HOMOLOGAÇÃO. ACORDO. EFICÁCIA. SUPREMO TRIBUNAL FEDE-
RAL. COMPETÊNCIA. SUBSISTÊNCIA. Uma vez homologado, pelo Supremo, acordo de
colaboração premiada, persiste a competência do Tribunal para exame de controvérsia referente
à respectiva eficácia, sem prejuízo da declinação quanto aos procedimentos investigatórios ou
processos decorrentes de elementos revelados pelo delator. (STF; Pet-AgR 7.149; DF; 1ª T.;
Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 19/12/2019; p. 154)

93/20 – COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME. CP, ART. 340. AUTORIA E MATE-


RIALIDADE COMPROVADAS. TIPICIDADE. RECURSO IMPROVIDO. I – Preliminar:
O procedimento de arrazoamento na instância superior (CPP, art. 600, § 4º) não é aplicável ao
microssistema dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95, art. 82, § 1º). No entanto, não se pode
desconsiderar, diante do primado da ampla defesa, o termo de apelação tempestivamente apre-
sentado, o qual passa a nortear a extensão (genérica) da matéria devolvida à Turma Recursal, para
efeito de acolhimento do recurso (fl. 161). II – Mérito. A) Contexto probatório: Contundência
da prova subjetiva fundamentada no depoimento da testemunha e do informante, e nos demais
elementos indiciários (Ocorrências Policiais ns. 6.084/2015 – fls. 8/12 e 4.975/2015 – fls. 15/16;
auto de apresentação e apreensão – fl. 14). No caso concreto, o informante M. P. S. (irmão
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 169

do réu) afirmou que comprou, sem realizar a transferência, o carro de seu irmão e, após três
anos, o revendeu a outra pessoa. Asseverou que o réu registrou comunicação de crime (furto),
com vistas a recuperar o veículo para cessar o recebimento de multas contraídas por terceiros.
Informou que, após a comunicação do suposto crime, o automóvel foi apreendido em posse
da testemunha E. C., o qual, por sua vez, esclareceu que o adquiriu (também sem realizar a
transferência) de um vizinho. Nesse passo, após um ano de posse do carro, a testemunha E. C.
foi chamada à delegacia, local onde um policial informou que o réu teria registrado ocorrência
policial de furto. B) Com efeito, inexiste contradição relevante entre declarações prestadas na
fase instrutória: Tanto a testemunha quanto o informante foram uníssonos em afirmar que o
denunciado realizou comunicação de crime com conhecimento da falsidade dessa informação.
De outro lado, o réu trouxe nova versão para os fatos (o automóvel não foi vendido, e sim
emprestado a seu irmão), a qual, diante da patente assimetria às informações prestadas na fase
inquisitória (teria vendido seu veículo a seu irmão, que teria recomendado, em razão das multas,
a realização de boletim de ocorrência por furto – fl. 11), encontra-se inconsistente e destoante
do conjunto probatório. C) Resulta, pois, ilhada a tese recursal de insuficiência probatória.
Autoria e existência do tipo penal objetivo e subjetivo (dolo genérico) irrefutáveis: Tipicida-
de da conduta ao art. 340 do Código Penal. III – Recurso conhecido e improvido. Sentença
confirmada por seus próprios fundamentos (Lei nº 9.099/95, art. 86, § 5º). Sem custas nem
honorários. (TJDF; APR 2017.08.1.002461-9; Ac. 122.1523; 3ª T.R.J.Esp.; Rel. Des. Fernando
Antônio Tavernard Lima; DJDFTE 17/12/2019)

93/21 – CONDENAÇÃO ALCANÇADA PELO PERÍODO DEPURADOR DE 5


ANOS AFASTA OS EFEITOS DA REINCIDÊNCIA, MAS NÃO IMPEDE A CONFIGU-
RAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. INSTITUTOS DIVERSOS. POSSIBILIDADE.
1. A legislação penal é muito clara em diferenciar os maus antecedentes da reincidência. O
art. 64 do CP, ao afastar os efeitos da reincidência, o faz para fins da circunstância agravante
do art. 61, I, não para a fixação da pena-base do art. 59, que trata dos antecedentes. 2. Não se
pretende induzir ao raciocínio de que a pessoa que já sofreu condenação penal terá registros
criminais valorados pelo resto da vida, mas que, havendo reiteração delitiva, a depender do
caso concreto, o juiz poderá avaliar essa sentença condenatória anterior. 3. Agravo regimental
a que se nega provimento. (STF; RE-AgR 1.242.441; PR; 1ª T.; Rel. Min. Alexandre de Moraes;
DJE 19/12/2019; p. 162)

93/22 – CONTRABANDO DE CIGARROS. PRODUTO DE IMPORTAÇÃO


PROIBIDA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA IN-
SIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CORRUPÇÃO ATIVA. JUÍZO DE CERTEZA
AUSENTE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. APELAÇÕES IMPROVIDAS. 1. A conduta
praticada pelo acusado configura o delito de contrabando, uma vez que se trata de produto
(cigarro), comprovadamente de origem estrangeira, cuja importação e comercialização são
proibidas pelo ordenamento jurídico, nos termos do art. 334, § 1º, c, do Código Penal. 2. O
princípio da insignificância não deve, em princípio, ser aplicado ao contrabando de cigarros.
“Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma
lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como
a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho”
(STF, HC 100.367). 3. No exame da culpabilidade, para a fixação da pena-base (art. 59 do
CP), deve a sentença aferir o grau de censurabilidade da conduta do agente (maior ou menor
reprovabilidade), em razão das suas condições pessoais e da situação de fato em que ocorreu
a conduta criminosa. 4. Na hipótese, a exasperação da pena-base em 6 (seis) meses mostra-se
bem fundamentada, e justifica-se pela grande quantidade de cigarros contrabandeados – 13.000
(treze mil) maços, cada um contendo 20 (vinte) cigarros. 5. Consuma-se a corrupção ativa
(art. 333 do CP) no momento do oferecimento da propina, mesmo rechaçada pelo servidor
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
170

público, por ser tratar de crime de natureza formal ou de mera conduta, sem a necessidade
de resultado naturalístico. 6. As circunstâncias que circundam o caso não permitem, com um
grau de certeza pelo menos razoável, aferir a conduta criminosa do acusado em relação ao tipo
do art. 333 do CP. Não havendo segurança a respeito da existência de prova suficiente para a
condenação do acusado pela prática do crime de corrupção ativa, incide o princípio in dubio
pro reo. 7. Apelações desprovidas. (TRF 1ª R.; ACR 0021922-54.2013.4.01.3500; GO; 4ª T.; Rel.
Des. Fed. Olindo Menezes; DJF1 15/01/2020)

93/23 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE IN-


CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 337-A, CAPUT, DO CÓDIGO
PENAL. CRIME DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, POR
VIOLAÇÃO DOS ARTS. 3º, 5º, CAPUT E I, 194, CAPUT E V, E 195 DA CF, BEM COMO
DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. IMPROCEDÊNCIA. 1. Alegação de in-
constitucionalidade material por violação dos arts. 3º, 5º, caput e I, 194, caput e V, e 195 da CF,
bem como do princípio da proporcionalidade. Inexistência de afronta aos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil (art. 3º). A extinção da punibilidade em completa harmonia
com ordem constitucional brasileira, com os objetivos fundamentais da República e com a
finalidade do Direito Penal. 2. A norma impugnada não fragiliza o princípio constitucional da
igualdade. Ausência de concessão de vantagens a um grupo da sociedade em detrimento de
outro. A possibilidade de colaboração espontânea é ofertada a todos os sujeitos ativos do crime
de sonegação de contribuição previdenciária. 3. A natureza funcional do bem jurídico tutelado
pelo art. 337-A do Código Penal é atingida por meio da incidência do seu § 1º por via reflexa.
A capacidade arrecadadora pode ser plenamente exercida após a declaração, a confissão e a
prestação das informações imprescindíveis para o exercício do procedimento fiscal. A norma
impugnada prestigia a espontaneidade e a honestidade do agente contribuinte, estimulando
no seio social o fortalecimento dos deveres concernentes à cidadania, princípio fundamental
da República (art. 1º, II, da CF), por meio de normas despenalizadoras que estimulam a regu-
laridade fiscal e concretizam a eficiência como vetor de atuação do Estado. 4. A manutenção
da causa extintiva da punibilidade observa o princípio da proporcionalidade ao se inserir na
proibição do excesso. Proporcional, uma vez adequada, necessária e porque atendida proporção
entre meio e fim (proporcionalidade em sentido estrito), a diferença legislativa no tratamento
da extinção da punibilidade entre o crime de sonegação de contribuição previdenciária e os
demais tipos penais elencados pelo requerente na petição inicial da presente ação direta. 5.
Pedido da ação direta de inconstitucionalidade julgado improcedente. (STF; ADI 4.974; DF;
T.P.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 04/11/2019; p. 137)

93/24 – CORRUPÇÃO ATIVA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. SUPOSTA


ILEGALIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPRO-
VADAS. SENTENÇA MANTIDA. DOSIMETRIA ACERTADA. APELAÇÃO DESPRO-
VIDA. 1. O acervo probatório constante dos autos, examinado pela sentença, nas perspectivas
da autoria e da materialidade, demonstra que o réu, ora apelante, ofereceu/prometeu vantagens
indevidas ao então servidor do INCRA/MT para realizar atos administrativos de ofício, impondo
a confirmação da condenação do apelante pelo crime tipificado no art. 333 do CP. 2. A apenação,
devidamente individualizada (art. 5º, XLVI, da CF), foi estabelecida com razoabilidade, dentro
das circunstâncias objetivas e subjetivas do processo, em patamar suficiente para a reprovação.
3. Não há que se falar em redução do valor da multa fixada em substituição à pena privativa de
liberdade, uma vez devidamente fundamentada, em valor próximo às condições econômicas
do acusado. 4. Apelação desprovida. (TRF 1ª R.; ACR 0001082-19.2010.4.01.3600; MT; 4ª T.;
Rel. Des. Fed. Olindo Menezes; DJF1 15/01/2020)

93/25 – CRIME AMBIENTAL. ART. 50-A DA LEI Nº 9.605/98. AUTORIA NÃO


DEMONSTRADA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVI-
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 171

DA. 1. As razões recursais do MPF, compreensíveis e naturais na dialética processual penal, na


tentativa de reverter a absolvição do acusado, não têm aptidão para desautorizar os fundamentos
da sentença, que, de forma persuasiva, deu pela improcedência da ação penal, rejeitando a im-
putação. 2. A decisão, na sua plenitude, e pelos seus próprios fundamentos, deve ser mantida,
uma vez que a prova analisada não concluiu pela certeza da existência de autoria do delito,
não sendo suficientes meras imagens de satélites, e, conforme já positivado pela sentença, as
alegações da defesa não implicam confissão pela acusada. 3. Apelação desprovida. (TRF 1ª R.;
ACR 0001641-69.2012.4.01.3902; PA; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Olindo Menezes; DJF1 15/01/2020)

93/26 – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº


8.137/90. DECLARAÇÃO FALSA À AUTORIDADE FAZENDÁRIA. SUPRESSÃO IN-
DEVIDA DE TRIBUTO FEDERAL (IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA) DECOR-
RENTE DE RECIBOS DE SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS CUJA PRESTAÇÃO NÃO
RESTOU COMPROVADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.
VALOR DO TRIBUTO DEVIDO INFERIOR AO PATAMAR PREVISTO NO ART. 22
DA LEI Nº 10.522/02, ATUALIZADO PELA PORTARIA Nº 75/02, DO MINISTÉRIO DA
FAZENDA. EXCLUDENTE DE TIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Cuida-se de apelação interposta contra sentença de que julgou procedente a denúncia para
condenar Leonardo Galvão de Oliveira, pelo capitulado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 c/c o
art. 71 do Código Penal, ao final, às penas de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em
regime de cumprimento inicialmente aberto, e de 24 (vinte e quatro) dias- multa, cada qual
valorado em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado quando
da efetiva execução, substituída a primeira por duas restritivas de direitos. 2. Noticia a denúncia
que o acusado inseriu dados falsos sobre despesas odontológicas em sua Declaração de Imposto
de Renda Pessoa Física com o intuito de reduzir a correspondente tributação relativa aos anos-
calendário 2002 a 2003. 3. Em suas razões recursais aduz a defesa, em preliminar, ser aplicável
o princípio da insignificância e, no mérito, a ausência de prova suficiente à condenação. 4. A
par da representação fiscal para fins penais em apenso, observa-se haver sido apurada, como
diferença de imposto a pagar, os importes de R$ 3.881,44 (três mil, oitocentos e oitenta e um
reais e quarenta e quatro centavos), referente ao ano-calendário 2002, e de R$ 4.489,76 (qua-
tro mil, quatrocentos e oitenta e nove reais e setenta e seis centavos), ao ano-calendário 2003,
perfazendo, a título de imposto, o montante de R$ 8.371,19 (oito mil, trezentos e setenta e um
reais e dezenove centavos), como aponta o demonstrativo consolidado do crédito tributário
do processo, no mesmo apenso. 5. Sobre a questão da pretendida aplicabilidade do princípio
da insignificância, que entendeu o órgão acusador, com assento no juízo de origem, pelo sua
possibilidade, e, em sede de custos legis nesta instância, em sentido diverso, contudo, consoante
precedentes deste eg. Regional, é de se considerar a atualização do valor consignado no art.
22 da Lei nº 10.522/02 pela Portaria nº 75/2012, do Ministério da Fazenda, trazendo como
reporte o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como patamar para a aplicação do princípio
da insignificância, enquanto que, para ser o mesmo aferido, considerar tão somente o valor
do tributo reduzido, sem a incidência de juros e multa, pelo que, no caso concreto, somando
os tributos devidos o montante de R$ 8.371,19 (oito mil, trezentos e setenta e um reais e
dezenove centavos), tem-se por aplicável o princípio da insignificância, com a exclusão da
tipicidade. Precedentes: ACR 14.777/PE, Rel. Des. Fed. Edílson Nobre, 4ª T., j. 23.05.2017,
DJe 02.06.2017, p. 88; HC-0800868-70.2017.4.05.0000, Rel. Des. Fed. Alexandre Costa de
Luna Freire, 1ª T., j. 10.04.2017; e ACR-10.579/RN, Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, 1ª T.,
j. 23.04.2015, DJe 30.04.2015, p. 107. 6. Absolvição do réu, ora apelante, a teor do art. 386, VI,
do CPP. 7. Apelação provida. (TRF 5ª R.; ACR 2008.85.00.004245-9; SE; 2ª T.; Rel. Des. Fed.
Leonardo Carvalho; DEJF 10/01/2020; p. 25)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
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93/27 – DENÚNCIA. Decisão que rejeitou parcialmente a denúncia. Art. 288, pa-
rágrafo único, do CP. Prescrição com base na pena máxima cominada em abstrato suscitada
pela Procuradoria de Justiça. Acolhimento. Lapso temporal transcorrido. Prescrição, também,
quanto ao crime tipificado no art. 14 da Lei nº 10.826/03. Extinção da punibilidade que se
impõe. (TJRN; RSE 2016.016130-7; C.Crim.; Rel. Des. Gilson Barbosa; DJRN 14/01/2020; p. 9)

93/28 – DESCAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PERDIMENTO DE


BENS. RECURSO EM SENTIDO PROVIDO. 1. Recurso em sentido estrito interposto
pelo réu Ministério Público Federal contra sentença que declarou extinta a sua punibilidade
da ré Rosália Miranda Cruz, da prática do crime tipificado no art. 334, caput, do CP, em razão
da apreensão da mercadoria. 2. Assim decidiu o juízo de origem por entender que “não deve
incidir a norma penal para punir aquele que pratica o descaminho quando for aplicada a pena-
lidade administrativa do perdimento das mercadorias, pois tal medida já se mostra plenamente
satisfatória e apta a tutelar os interesses sociais violados”. 3. Consoante a jurisprudência do STJ
“a decretação do perdimento do bem na esfera administrativa não constitui óbice ao prosse-
guimento da persecução penal” (RHC 47.893/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma,
j. 14.02.2017, DJe 17.02.2017). 4. Além disso, a teor da jurisprudência do STJ, a exigência
da prévia constituição definitiva do crédito tributário para o início da ação penal, conforme
preconiza a Súmula Vinculante nº 24/STF, aplica-se apenas aos crimes tributários de natureza
material, previstos no art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/90. 5. Deve ser anulada a sentença que
decretou a extinção da punibilidade da denunciada com o consequente prosseguimento da
ação penal. 6. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. (TRF 1ª R.; RSE 0002434-
38.2012.4.01.3601; MT; 4ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. Roberto Carlos de Oliveira; DJF1 14/01/2020)

93/29 – DESCUMPRIMENTO DE CONDIÇÕES DA PRISÃO DOMICILIAR


SEM MONITORAMENTO ELETRÔNICO. FALTA GRAVE NÃO CONFIGURADA.
Revogação do benefício. A violação das condições impostas à prisão domiciliar, sem moni-
toramento eletrônico, não caracteriza falta grave, estando o apenado que a praticar sujeito à
revogação do benefício, tão somente. A alteração da data-base deve operar efeitos apenas para
futura progressão de regime. Decisão por maioria. Decisão reformada. Agravo parcialmente
provido. (TJRS; AgExPen 0290328-21.2019.8.21.7000; Proc. 70083184192; 1ª C.Crim.; Rel. Des.
Honório Gonçalves da Silva Neto; DJERS 19/12/2019)

93/30 – DETRAÇÃO ANALÓGICA APLICADA EM 1º GRAU. ABATIMENTO


DE PARCELA DA SANÇÃO PECUNIÁRIA EM RAZÃO DO CUMPRIMENTO DE
TEMPO DE PRISÃO SUPERIOR AO DA CONDENAÇÃO DEFINITIVA. Inadmissibi-
lidade. Sanções penais de naturezas distintas, sendo a pena de multa dívida de valor executada
pela Fazenda Pública (art. 51 do CP), pelo que não é admitida a compensação entre esta pu-
nição e a privação de liberdade. Precedentes. Agravo ministerial provido. (TJSP; AG-ExPen
9002506-73.2019.8.26.0050; Ac. 13212477; 1ª C.D.Crim.; Rel. Des. Diniz Fernando Ferreira da
Cruz; DJESP 14/01/2020; p. 117)

93/31 – EMBARGOS INFRINGENTES. DEFESA. ESCRITO OU OBJETO


OBSCENO. CRIME CONTINUADO. AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA OU DE GRAVE
AMEAÇA. APLICAÇÃO DA REGRA PREVISTA NO ART. 71 DO CP. CRIME CONTRA
A PESSOA. VÍTIMAS DIFERENTES. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIA-
LIDADE. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. DECISÃO POR MAIORIA. Nos
termos do parágrafo único do art. 80 do CPM, independentemente do emprego da violência
ou da grave ameaça, os delitos praticados, de forma sucessiva, contra bens jurídicos inerentes
à pessoa, não será crime continuado quando atingir vítimas diferentes, o que aconteceu na
lide em apreço. Em observância ao princípio da especialidade, prevalece, na Justiça Militar da
União, a máxima de que o magistrado somente deve se socorrer dos institutos da Lei geral
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 173

quando não houver previsão contrária no ordenamento jurídico castrense. Recurso defensivo
desprovido. Decisão por maioria. (STM; EI 7000390-91.2019.7.00.0000; Rel. Min. Alvaro Luiz
Pinto; DJSTM 16/12/2019; p. 12)

93/32 – EMBARGOS INFRINGENTES. PRELIMINARES DE NULIDADE E


NÃO CABIMENTO REJEITADAS. DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO. ART. 89 DA
LEI Nº 8.666/93. SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO ESTADO DE TO-
CANTINS. COMPRA DE LIVROS DIDÁTICOS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO
DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO NÃO EVIDENCIADO
NA ESPÉCIE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMBARGOS
INFRINGENTES ACOLHIDOS PARA CASSAR O ACÓRDÃO EMBARGADO E
ABSOLVER A EMBARGANTE. I – Para a consumação do delito previsto no art. 89 da Lei
nº 8.666/93, faz-se imprescindível a demonstração do elemento subjetivo do tipo. II – Tal
hipótese compreende o ato de vontade livre e consciente do agente de frustrar a concorrência,
beneficiando terceiro e produzindo resultado danoso ao erário. III – Para a responsabilização
penal do administrador, com base no art. 89 da Lei de Licitações e Contratos, cumpre aferir se
foram violados os pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstos nos arts.
24 e 25 do mesmo diploma, bem como se houve vontade livre e consciente de violar a com-
petição e produzir resultado lesivo ao patrimônio público. IV – No caso concreto, não ficou
comprovado o dolo específico da conduta imputada à ré. V – Embargos infringentes acolhidos
para absolver a embargante. (STF; AP-ED-EI 946; DF; T.P.; Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
DJE 11/12/2019; p. 36)

93/33 – EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE


ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO USO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS.
CONFISSÃO ESPONTÂNEA E MULTIRREINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO PAR-
CIAL. CORRÉU QUE CONFESSOU O CRIME. IDÊNTICA MAJORAÇÃO. CRITÉRIOS
NÃO EQUÂNIMES. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Segundo a jurisprudência consolidada
do STJ, na hipótese de o réu ser multirreincidente, é cabível a compensação parcial entre a
agravante da reincidência e a atenuante da confissão. 2. Se em relação aos acusados foi aplicada,
na segunda fase da dosimetria, idêntica majoração da pena, sendo que ambos são reincidentes
e apenas um deles confessou a prática do crime, impõe-se a reforma da sentença para que a
reprimenda deste último seja aumentada em menor grau, em atenção aos princípios da indi-
vidualização da pena, razoabilidade e proporcionalidade. 3. Embargos infringentes conhecidos
e providos. (TJDF; EIR 00000.36-43.2018.8.07.0001; Ac. 122.2752; C.Crim.; Rel. Des. Jesuíno
Rissato; DJDFTE 19/12/2019)

93/34 – ESTELIONATO. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AU-


TORIA. PRETENSÃO DE ABSOLVER POR ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AU-
SÊNCIA DO DOLO OU POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPROCEDÊNCIA.
SENTENÇA MANTIDA. 1. Réu condenado por infringir o art. 171 do Código Penal depois
de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima mediante ardil, celebrando um contrato de
aluguel usando documentos de terceiro e se fazendo passar por funcionário público, usufruindo
o imóvel alugado durante seis meses sem pagar um tostão de aluguel. 2. A materialidade e
a autoria do crime de estelionato se reputam provadas quando presente o dolo preordenado
na ação inicial, objetivando locupletar-se à custa da vítima incauta. 3. A condenação por fato
anterior com trânsito em julgado posterior não enseja reincidência, mas justifica o aumento
da pena-base a título de maus antecedentes. 4. Apelação não provida. (TJDF; APR 07135.41-
26.2019.8.07.0001; Ac. 122.4185; 1ª T.Crim.; Rel. Des. George Lopes; DJDFTE 26/12/2019)

93/35 – ESTELIONATO NA MODALIDADE DE EMISSÃO DE CHEQUE.


ATIPICIDADE. NATUREZA JURÍDICA DO CHEQUE PÓS-DATADO. EMENDATIO
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
174

LIBELLI. POSSIBILIDADE. PENA. MANUTENÇÃO. 1. Comprovada a prévia intenção


do processado em obter vantagem patrimonial indevida com emissão dos cheques pós-datados,
previamente sustados por ele próprio, resta caracterizado o crime de estelionato, não podendo se
falar em atipicidade da conduta. 2. Mister a reforma da sentença, de ofício, para, sem modificar
a descrição do fato contida na denúncia, atribuir-lhe definição jurídica diversa, nos termos do
art. 383 do Código de Processo Penal. De modo que fica o apelante incurso nas sanções do art.
171, caput, do Código Penal, desclassificando-se para o tipo penal simples o fato anteriormente
descrito sob o § 2º do referido artigo. 3. A Lei não estabelece parâmetros específicos para o
aumento da pena-base pela incidência de alguma circunstância negativa, mas, respeitados os
limites mínimo e máximo abstratamente cominados ao delito, cabe ao Juiz, dentro do seu livre
convencimento e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, escolher o mais adequado
para o caso. Apelo conhecido e desprovido. De ofício, aplicada a emendatio libelli alterando a
capitulação do delito para o art. 171 do CP. (TJGO; ACr 452510-05.2015.8.09.0120; 1ª C.Crim.;
Relª Juíza Camila Nina Erbetta Nascimento; DJEGO 13/01/2020; p. 168)

93/36 – ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. AUTORIA DELITIVA. COMPRO-


VAÇÃO. DOLO. 1. Os elementos de prova constantes nos autos evidenciam que a ré, de forma
livre e consciente, por meio de interposta pessoa, requereu e obteve benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição de modo fraudulento, mediante utilização de vínculos empregatí-
cios falsos em CTPS igualmente objeto de adulteração, incorrendo, assim, no tipo do art. 171,
§ 3º, do Código Penal. 2. Materialidade e autoria comprovados, inclusive o dolo da acusada,
que aceitou proposta de obtenção de benefício previdenciário realizada por despachante, em
agência da Previdência Social localizada em município distante do seu domicílio, sem saber se
fazia ou não jus ao benefício pleiteado. 3. Perdão judicial inaplicável na hipótese por ausência
de previsão legal expressa. 4. Suspensão condicional da pena, igualmente, inaplicável uma vez
que a pena privativa de liberdade foi substituída por pena restritiva de direitos. 5. Apelação
criminal desprovida. (TRF 2ª R.; ACR 0002060-62.2014.4.02.5108; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed.
Antonio Ivan Athié; DEJF 15/01/2020)

93/37 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA


APÓS ESGOTAMENTO DA SEGUNDA INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ENTEN-
DIMENTO PACIFICADO PELO STF NO JULGAMENTO DAS ADCS 43, 44 E 54.
EXECUÇÃO DA PENA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO.
PACIENTE RESPONDEU AO PROCESSO EM LIBERDADE. PARECER FAVORÁVEL
DO MPF. HC NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I – A Terceira
Seção desta Corte, nos termos do entendimento firmado pela Primeira Turma do col. pretório
excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao
recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos
excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja
possível a concessão da ordem de ofício. II – O Plenário do col. STF evoluiu em seu enten-
dimento por ocasião do julgamento das ADCs 43, 44 e 54, realizado em 07.11.2019, as quais
foram julgadas procedentes para assentar a constitucionalidade do art. 283 do CPP, segundo o
qual “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamen-
tada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada
em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou
prisão preventiva”. III – Dessarte, consoante novo entendimento firmado em sede de controle
concentrado de constitucionalidade, o qual possui efeito vinculante e eficácia contra todos,
nos termos do art. 102, § 2º, da CF, a prisão para execução da pena somente é possível após o
trânsito em julgado da ação penal, ou seja, com o esgotamento de todos os recursos cabíveis.
Portanto, a prisão antes do trânsito em julgado da condenação só poderá ocorrer por decisão
individualizada e fundamentada com a demonstração da existência dos requisitos legais para a
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 175

decretação da prisão temporária ou prisão preventiva. IV – Na hipótese, por ocasião da sentença


condenatória, foi concedido-lhe o direito de recorrer em liberdade e, após o julgamento do
recurso de apelação da defesa, o eg. Tribunal de origem determinou a expedição de mandado
de prisão assim que esgotada a jurisdição perante aquela Corte. Habeas corpus não conhecido.
Ordem concedida de ofício para suspender a determinação de execução da pena até o trânsito
em julgado da condenação. (STJ; HC 548.568; Proc. 2019/0356892-7; PR; 5ª T.; Rel. Min.
Leopoldo de Arruda Raposo; DJE 19/12/2019)

93/38 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. REGIME INICIAL FECHADO. FUN-


DAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não
está atrelada, de modo absoluto, ao quantum da sanção corporal aplicada. Desde que o faça em
decisão motivada, o magistrado sentenciante está autorizado a impor ao condenado regime mais
gravoso do que o recomendado nas alíneas do § 2º do art. 33 do Código Penal. Inexistência de
ilegalidade. 2. Habeas corpus indeferido. (STF; HC 168.803; SP; 1ª T.; Red. p/o Ac. Min. Alexandre
de Moraes; DJE 18/12/2019; p. 203)

93/39 – EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE.


VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊN-
CIA. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 283 DO CPP. (ADCS
43/DF, 44/DF E 54/DF). RÉU QUE RESPONDEU AO PROCESSO EM LIBERDADE.
AUSÊNCIA DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. I – A execução antecipada da pena, antes do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, viola a garantia constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da
CF/88). II – O art. 283 do CPP foi declarado constitucional pelo Plenário do Supremo Tri-
bunal Federal no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, de relatoria do Ministro Marco Aurélio.
III – A decretação de prisão antes do trânsito em julgado somente se justifica na modalidade
cautelar, quando preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP. IV – O réu que respondeu
ao processo em liberdade e que não teve prisão preventiva decretada em seu desfavor, deve
iniciar a execução da pena após o trânsito em julgado da condenação. V – Agravo regimental
a que se nega provimento. (STF; HC-AgR 157.985; SP; 2ª T.; Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
DJE 18/12/2019; p. 223)

93/40 – EXPLORAÇÃO CLANDESTINA DE ROCHAS. RECURSO MINERAL


PERTENCENTE À UNIÃO. CRIME AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO AU-
TORIZATIVO QUANDO DOS DOIS FLAGRANTES. AUTORIA E MATERIALIDADE
DEMONSTRADAS. PRESENÇA DE DOLO. REDUÇÃO DO NÚMERO DE DIAS-
MULTA E DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA FIXADOS NA SENTENÇA.
RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A autoria e a materialidade
delitivas, quanto aos crimes ambiental e de usurpação, nas duas oportunidades, restaram com-
provadas pelo conjunto probatório, assim como o dolo. Condenação mantida. 2. Número de
dias-multa reduzidos, ante o fato de só ter sido considerada negativa uma das circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal. 3. Prestação pecuniária diminuída para valor adequado às
condições financeiras do apelante. 4. Recurso defensivo parcialmente provido. (TRF 2ª R.; ACR
0500020-04.2015.4.02.5112; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Antonio Ivan Athié; DEJF 12/12/2019)

93/41 – FALSO TESTEMUNHO COMETIDO COM O FIM DE OBTER PROVA


DESTINADA A PRODUZIR EFEITO EM PROCESSO PENAL. SENTENÇA CON-
DENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGADA ATIPI-
CIDADE DA CONDUTA. NAMORO. COMPROMISSO PRESTADO. ART. 203 DO
CPP. MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME DEVIDAMENTE COMPROVADAS.
PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DA AVALIAÇÃO
NEGATIVA DA PERSONALIDADE. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA DA
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
176

APELANTE. MANUTENÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. RECURSO CO-


NHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Deve ser mantida a condenação da recorrente
pelo crime de falso testemunho se a prova dos autos não deixa dúvidas de que ela, ao prestar
declarações como testemunha em processo penal, faltou com a verdade, para favorecer o
acusado daquele processo. 2. Rejeita-se a alegação de atipicidade da conduta se a testemunha,
que já havia sido namorada do réu, prestou o compromisso de dizer a verdade, nos termos do
art. 203 do CPP, e não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nos arts. 208 e 206
do CPP. 3. A Terceira Seção do STJ, recentemente, firmou entendimento no sentido de que
as condenações criminais transitadas em julgado constantes da folha de antecedentes penais
de acusados somente podem ser utilizadas para a caracterização de maus antecedentes e de
reincidência, se o caso, não sendo aptas, pois, a ensejar a valoração negativa da circunstância
judicial da personalidade. 4. Deve ser mantido o regime inicial fechado para o cumprimento
da pena imposta à apelante, tendo em vista o quantum de pena aplicado, a reincidência da
acusada e a análise desfavorável da circunstância judicial dos antecedentes criminais, em face
de várias condenações transitadas em julgado. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido
para, mantida a condenação da apelante nas sanções do art. 342, § 1º, do Código Penal (falso
testemunho cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo
penal), excluir a avaliação negativa da personalidade, reduzindo a pena de 2 (dois) anos e 11
(onze) meses de reclusão, e 35 (trinta e cinco) dias-multa para 2 (dois) anos, 7 (sete) meses
e 15 (quinze) dias de reclusão, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário mínimo, mantido o
regime inicial fechado. (TJDF; APR 2017.08.1.001227-6; Ac. 122.2245; 2ª T.Crim.; Rel. Des.
Roberval Casemiro Belinati; DJDFTE 17/12/2019)

93/42 – FEMINICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚ-


BLICA. MODUS OPERANDI DA CONDUTA CRIMINOSA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA.
PRECEDENTES. 1. A decisão que determinou a segregação cautelar apresenta fundamentação
jurídica idônea, já que lastreada nas circunstâncias do caso para resguardar a ordem pública.
Sobressai, no caso, a gravidade concreta da conduta imputada ao paciente, “pessoa violenta
e que agrediu, diversas vezes, a vítima, além de ser mandante do crime, no qual a vítima foi
executada com requintes de tortura”. 2. Habeas corpus indeferido. (STF; HC 163.583; PE; 1ª
T.; Red. p/o Ac. Min. Alexandre de Moraes; DJE 27/11/2019; p. 97)

93/43 – FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECE-


DENTES. CONDENAÇÕES ANTERIORES AO PERÍODO DEPURADOR. PENDÊN-
CIA DE JULGAMENTO DO RECURSO COM REPERCUSSÃO GERAL (TEMA Nº
150). AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. 1. A matéria relativa à consideração,
como maus antecedentes, de condenações anteriores ao período depurador de cinco anos de
que trata o inciso I do art. 64 do Código Penal, está pendente de julgamento sob a sistemática
da repercussão geral nesta Corte (Tema nº 150, RE 593.818, Rel. Min. Roberto Barroso). 2.
Enquanto pendente de julgamento o recurso paradigmático, a Primeira Turma deste Supremo
Tribunal Federal firmara jurisprudência no sentido de que a decisão que opta por uma das
correntes não se qualifica como ilegal ou abusiva, âmbito normativo destinado à concessão de
habeas corpus de ofício (HC 132.120 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe-041
06.03.2017). 3. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; HC-AgR 159.645; SP; 1ª
T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 04/12/2019; p. 73)

93/44 – FURTO QUALIFICADO. SUBTRAÇÃO DE SACOS DE CIMENTO.


Insignificância inaplicável, admitindo-se, somente, o reconhecimento do furto privilegiado
em razão da primariedade e pequeno valor da coisa. Provimento parcial do recurso. Puni-
bilidade reconhecida extinta, pela prescrição retroativa da pretensão punitiva. (TJSP; ACr
3008184-06.2013.8.26.0270; Ac. 13212413; 1ª C.D.Crim.; Rel. Des. Diniz Fernando Ferreira da
Cruz; DJESP 14/01/2020; p. 116)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 177

93/45 – FURTO SIMPLES (ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). Bens


alimentícios de pequeno valor. Princípio da insignificância. Incidência. Absolvição. Ordem
concedida. (STF; HC 173.801; MG; 1ª T.; Red. p/o Ac. Min. Alexandre de Moraes; DJE 12/12/2019;
p. 128)

93/46 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE. PLENÁRIO DO JÚRI.


PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE EM SUSTENTAÇÃO ORAL AFIRMA HAVER SIDO
PROCURADO POR TESTEMUNHA EM SEU GABINETE COM A INFORMAÇÃO
DE QUE ESTAVA SENDO AMEAÇADA. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, AM-
PLA DEFESA E COMUNHÃO DAS PROVAS. CONTRADIÇÃO ENTRE RESPOSTAS
DADAS A QUESITOS. NULIDADE ABSOLUTA. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO. 1.
Viola os princípios do contraditório, ampla defesa e comunhão das provas o procedimento do
promotor de justiça que, sem submeter a dita alegação à ciência da defesa ou do Juízo, durante
sua sustentação oral no Plenário do Júri, afirma haver sido diretamente procurado em seu
gabinete por testemunha do processo, ato em que esta afirmou estar recebendo ameaças. 2. O
prejuízo consignado pelo Tribunal de origem não pode ser considerado remediado com a simples
advertência do Juiz-presidente no sentido de que o Conselho de Sentença desconsiderasse,
naquele ponto, a fala do órgão ministerial. Há que se ponderar, nesse sentido, que, no plenário
Tribunal do Júri e quanto aos jurados, em exceção ao sistema da persuasão racional do juiz
(art. 155 do Código Penal), adotou-se o sistema da íntima convicção, por meio do qual o órgão
julgador decide (intimamente) sem a necessidade de exteriorizar as razões de sua convicção. 3.
A contradição entre as respostas aos quesitos apresentados ao Conselho de Sentença, quando
não sanada por ocasião da votação realizada, diante do que se depreende do art. 490 do CPP,
justifica a anulação do julgamento, dada a nulidade absoluta acarretada. Precedentes. 4. No
caso em apreço, há que se reconhecer a contradição entre as respostas dadas aos quesitos ante-
riores (da mesma série) e aquela proferida em relação ao quesito 17 (no qual, como salientado
pelo Tribunal de origem, negou-se, em relação a um dos recorridos, a própria existência do
fato). Deveria o Juízo presidente, de ofício ou mesmo mediante requerimento de quaisquer
das partes, em atenção ao disposto no art. 489 do CPP (redação então vigente – atual art. 490
do CPP), declarar a contradição e proceder à nova votação, o que, no entanto, não foi feito. 5.
Recurso especial parcialmente provido. (STJ; REsp 846.999; Proc. 2006/0090760-4; DF; 6ª T.;
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro; DJE 19/12/2019)

93/47 – HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. PRISÃO EM FLAGRANTE.


DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES IMPOSTAS NA AUDIÊNCIA
DE CUSTÓDIA. CITAÇÃO POR EDITAL. PRISÃO PREVENTIVA. RÉ FORAGIDA.
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ART. 366 DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. Nos termos da Súmula nº 455 do Superior Tribunal
de Justiça, “a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do
CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do
tempo”. 2. No caso, as instâncias de origem salientaram a necessidade da oitiva antecipada das
testemunhas, que são agentes policiais, tendo em vista a possibilidade de as provas se fragiliza-
rem com o esquecimento dos fatos pela própria natureza do ofício de quem atua diariamente
no combate à criminalidade. 3. Logo, a decisão de origem se encontra em consonância com o
entendimento da Terceira Seção desta Corte, segundo o qual “a fundamentação da decisão que
determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a destacar a probabilidade de que,
não havendo outros meios de prova disponíveis, as testemunhas, pela natureza de sua atuação
profissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos que apresentam semelhanças
em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência” (RHC 64.086/DF, Rel. Min.
Nefi Cordeiro, Rel. p/ o Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 09.12.2016).
4. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
178

fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do CPP, revelando-se indispensável a de-
monstração de em que consiste o periculum libertatis. 5. Na hipótese, a recorrente foi presa em
flagrante, tendo-lhe sido concedida a liberdade provisória na audiência de custódia, mediante
o cumprimento de medidas cautelares alternativas. No entanto, a acusada mudou-se para
lugar incerto e não sabido, o que ensejou a citação por edital e a suspensão do processo. Tal o
contexto, a prisão preventiva encontra-se justificada para assegurar a aplicação da Lei Penal e
garantir a instrução criminal, em razão de a recorrente, mesmo com a inequívoca ciência da
ação penal, ter descumprido as medidas cautelares então impostas e se encontrar foragida desde
a concessão da liberdade provisória. 6. Recurso ordinário desprovido. (STJ; RHC 97.893; Proc.
2018/0104374-7; RR; 6ª T.; Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro; DJE 19/12/2019)

93/48 – INCÊNDIO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL.


INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO. Verificado no caso concreto que a processada ao
atear fogo no veículo do companheiro após discussão do casal objetivava apenas danificar o
bem, sem o intuito de causar perigo efetivo a um número indeterminado de pessoas ou bens, e
considerando que as chamas foram prontamente controladas, impõe-se a manutenção do édito
absolutório pelo crime previsto no art. 250 do Código Penal. Recurso conhecido e desprovido.
(TJGO; ACr 462705-84.2015.8.09.0076; 1ª C.Crim.; Relª Juíza Camila Nina Erbetta Nascimento;
DJEGO 13/01/2020; p. 160)

93/49 – JÚRI. RECURSO MINISTERIAL. PRELIMINARES DE NULIDADE


POSTERIOR À PRONÚNCIA. TESTEMUNHAS DE DEFESA ARROLADAS EXTEM-
PORANEAMENTE. AQUIESCÊNCIA EXPRESSA DO APELANTE QUANTO À OITIVA
DAS MESMAS. PRECLUSÃO LÓGICA E TEMPORAL. PROVAS APRESENTADAS EM
PLENÁRIO NÃO SUBMETIDAS AO CONTRADITÓRIO. MATÉRIA JORNALÍSTICA
DIVULGADA NA IMPRESSA LOCAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À ACUSAÇÃO.
REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. MÉRITO. DECISÃO ABSOLUTÓRIA MANIFES-
TAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. QUESITO
GENÉRICO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO A NOVO JÚRI.
1. Não há porque se acolher a nulidade do julgamento arguida por quem, ouvido a respeito
da oitiva de testemunhas extemporaneamente arroladas, nenhuma impugnação faz no mo-
mento oportuno, aquiescendo expressamente com a realização do ato. 2. A vedação de leitura
de documento novo em Plenário prevista no art. 479 do CPP, é limitada pelo parágrafo único
do mesmo dispositivo tão somente aos documentos cujo conteúdo versar sobre a matéria de
fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados e, ainda, que tal ato configure manifesto
prejuízo à parte contrária. Inteligência do art. 563 do CPP. 3. A decisão do Conselho de Sen-
tença é soberana, insuscetível de anulação ou reforma a pretexto de haver sido manifestamente
contrária à prova dos autos, quando os jurados optaram pela versão que lhes pareceu mais
coerente e verossímil dentre as apresentadas em Plenário. 4. Recurso improvido. (TJAP; RSE
0044547-84.2011.8.03.0001; T.P.; Rel. Des. Rommel Araújo; DJEAP 08/11/2019; p. 111)

93/50 – LESÃO CORPORAL CULPOSA E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE AU-


TORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MAN-
TIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS
DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR VEÍCULO
AUTOMOTOR. PROPORCIONALIDADE À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.
DETRAÇÃO DO PERÍODO SUSPENSO VIA CAUTELAR. CABIMENTO. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Considerando que a materialidade e autoria dos delitos de
lesão corporal culposa e embriaguez ao volante se encontram categoricamente comprovadas
nos autos, inclusive pelos depoimentos das vítimas e de policiais, a condenação deve ser man-
tida. 2. De acordo com a jurisprudência do STJ, não há impedimento para a substituição da
pena privativa de liberdade nos delitos culposos por restritivas de direito, condicionando-se
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 179

apenas ao preenchimento dos requisitos do art. 44 do Código Penal. 3. A pena de suspensão


ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor deve ser
fixado consoante as peculiaridades do caso concreto, porém, sem a obrigatoriedade de equivaler
com a reprimenda corporal, mas apenas com ela guardar proporcionalidade, observados os
limites mínimo e máximo prescritos no art. 293 do CTB. 4. Conforme jurisprudência desta
Corte, deferida a suspensão cautelar da carteira nacional de habilitação, na sentença caberá,
por analogia, a detração prevista no art. 42 do Código Penal. 5. Apelação conhecida e provida
parcialmente. (TJAP; APL 0035422-87.2014.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. Agostino Silvério;
DJEAP 14/01/2020; p. 21)

93/51 – MANDADO DE SEGURANÇA. INVESTIGADO. QUEBRA DOS SIGI-


LOS FISCAL E BANCÁRIO. WRIT CABÍVEL. EXCEPCIONALIDADE DA QUEBRA.
AUTORIZADA NO CASO CONCRETO. IMPRESCINDIBILIDADE. HABILITAÇÃO
DOS ADVOGADOS NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. DESCABIMENTO.
NÃO CONCLUSÃO. DECISÃO DE INDEFERIMENTO. I – A pretensão veiculada mostra-
se adequada à hipótese de cabimento do writ, pois tem por intento proteger direito líquido e
certo (art. 5º, XII, da CR/88), não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ato decisório
capaz de gerar injusta violação, caso ilegalmente produzido. II – O direito ao sigilo de dados do
indivíduo, embora constitucionalmente garantido, não é absoluto, sendo possível ser afastado
por meio de ordem judicial com o fim de instruir procedimento investigatório criminal ou
processo penal. Não o suficiente, o CTN e a LC nº 105/01 operacionalizam a excepcional
medida investigatória. III – No caso concreto, as condutas da investigada, enquanto pregoeira
em expediente licitatório, lançaram dúvida concreta acerca da lisura do procedimento. Com o
somatório de possível enriquecimento sem causa em período próximo à realização da licitação,
forçosa a manutenção da Decisão que deferiu a quebra dos sigilos bancários e fiscais, uma vez
que a medida resta indispensável para a apuração de eventuais crimes contra a Administração
Pública. IV – Consoante prevê a Súmula Vinculante nº 14 do STF, o defensor possui, no
interesse de seu representado, o direito de acesso aos elementos de prova já documentados.
Nessa linha, tal prerrogativa não é absoluta, pois não se estende às apurações ainda não con-
cluídas. Na situação analisada, uma vez que pende retorno de diligência expedida, descabida
a habilitação dos advogados da Impetrante. V – Decisão de indeferimento do mandamus por
unanimidade. (STM; MS 7001313-20.2019.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de Queiroz;
DJSTM 23/12/2019; p. 8)

93/52 – MEIO AMBIENTE. PARECER E DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE FATO


TÍPICO. 1. Declaração de que determinado terreno situa-se em área de preservação perma-
nente, e informando condições para ocupação, não é autorização de coisa alguma. Opinião,
manifestada por funcionário municipal sobre situação de determinado imóvel, não tipifica
crime ambiental, tampouco incentiva seja praticado. Absolvição decretada do signatário da
declaração emitida, e mantida a de signatário de consulta. 2. Provimento da apelação de P. J. F.
Improvimento do recurso do Ministério Público Federal, mantida absolvição de Luiz Roberto
Andrade e Souza. (TRF 2ª R.; ACR 0000219-29.2014.4.02.5109; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed.
Antonio Ivan Athié; DEJF 13/12/2019)

93/53 – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. LEI Nº 13.654/2018. EMPREGO DE


ARMA BRANCA. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO, COM A VALORAÇÃO
NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. PENA REDUZIDA. ALEGAÇÃO DE
REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ,
no caso de inovação legislativa em favor do sentenciado após o trânsito em julgado da sentença,
a dosimetria da pena deverá ser refeita por completo pelo Juízo das Execuções, estabelecendo-
se como limite para a nova dosimetria a totalidade da pena anteriormente imposta, de forma a
se evitar a reformatio in pejus. 2. Nesses termos, não há reforma em prejuízo do réu quando da
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
180

alteração de circunstâncias nas etapas de fixação da pena, desde que limitada ao total da sanção
aplicada na sentença. No presente caso, ainda que utilizado o emprego de arma para valorar
negativamente as circunstâncias do crime, a pena restou estabelecida em patamar menor em
relação à fixada no processo de conhecimento. 3. Recurso conhecido e não provido, manten-
do a sentença do Juízo das Execuções que determinou a retificação da conta de liquidação
para excluir da incidência legal a menção ao inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, e
considerou o emprego de arma branca como circunstância judicial desfavorável na primeira
fase da dosimetria da pena, reduzindo a reprimenda de 6 (seis) anos de reclusão e 26 (vinte e
seis) dias-multa para 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, e 22 (vinte e dois) dias-multa.
(TJDF; RAG 07221.81-21.2019.8.07.0000; Ac. 122.4214; 2ª T.Crim.; Rel. Des. Roberval Casemiro
Belinati; DJDFTE 13/01/2020)

93/54 – OPERAÇÃO BOCA DE LOBO. ILICITUDE DAS INTERCEPTAÇÕES


TELEFÔNICAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. AUTORIDADE
COM PRERROGATIVA DE FORO INVESTIGADA PERANTE JUÍZO DE PRIMEIRO
GRAU. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA, NOS LIMITES COGNITIVOS DO HA-
BEAS CORPUS. RECURSO DESPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal por ausência
de justa causa exige comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da ocorrência de causa
de extinção da punibilidade, da ausência de lastro probatório mínimo de autoria ou de ma-
terialidade, o que não se verifica na presente hipótese. 2. O foro por prerrogativa de função
foi instituído pelo constituinte originário a ocupantes de determinados cargos em razão de
sua relevância e para proteção da consecução de suas finalidades intrínsecas no âmbito da
organização estatal. Desse modo, verificada a existência de conexão ratione personae, deverá ser
observada a competência privilegiada para todos os atos investigatórios e instrutórios, sem
que tal desiderato importe ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal. 3.
“A simples menção do nome de autoridades, em conversas captadas mediante interceptação
telefônica, não tem o condão de firmar a competência por prerrogativa de foro, sendo indis-
pensável aferir se há indícios efetivos de participação de autoridades em condutas criminosas.
(...) A captação fortuita de diálogos mantidos por autoridade com prerrogativa de foro não
impõe, por si só, a remessa imediata dos autos ao Tribunal competente para processar e julgar
a referida autoridade, sem que antes se avalie a idoneidade e a suficiência dos dados colhidos
para se firmar o convencimento acerca do possível envolvimento do detentor de prerrogativa
de foro com a prática de crime (HC 307.152/GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ o
Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 19.11.2015, DJe 15.12.2015 – Informativo n. 575/STJ)”
(HC 422.642/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 25.09.2018, DJe
02.10.2018). 4. Na hipótese vertente, ainda que não se permita uma incursão fático-probatória
nos elementos dos autos, ante a estreita e angusta via cognitiva do writ – e, a fortiori, do seu
correspectivo recurso –, dessume-se, da moldura do acórdão ora recorrido, que todas as cautelas
foram tomadas para que o Juízo de piso não usurpasse a competência da Corte Regional, e
assim que a então menção ao nome do recorrente transmudou-se em indícios veementes de
participação na empreitada criminosa – indícios esses revelados pelos relatórios produzidos
pela Controladoria-Geral da União –, a remessa dos autos ao TTF da 1ª Região foi efetivada,
retornando ao primeiro grau apenas quando o mandato de prefeito findou-se. 5. “Não induz
à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz
Federal – aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao
tempo da decisão – que, posteriormente, se haja declarado incompetente, à vista do andamento
delas” (STF, HC 81.260/ES, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 14.11.01, DJ
19.04.02). 6. Recurso desprovido. (STJ; RHC 69.618; Proc. 2016/0093993-3; BA; 6ª T.; Rel.
Min. Antonio Saldanha Palheiro; DJE 19/12/2019)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 181

93/55 – PENA. DOSIMETRIA. AUMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA. A


definição da percentagem referente ao aumento da pena considerado o art. 71, parágrafo único,
do Código Penal faz-se no campo do justo ou injusto, não encerrando ilegalidade. (STF; HC
150.846; SC; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 06/12/2019; p. 42)

93/56 – PENA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. ART. 112 DA LEP. RE-


QUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO. SÚMULA Nº 439/STJ. COMPLE-
MENTAÇÃO COM PARECER PSIQUIÁTRICO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
ADEQUADA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte e o STF pacificaram orientação
no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a
hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência
de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O art. 112 da LEP dispõe que, para a
concessão da progressão de regime, é necessário o preenchimento dos requisitos de natureza
objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário). 3. Destaque-se que
não é vedado ao órgão julgador determinar a submissão do apenado ao exame criminológico,
desde que o faça de maneira fundamentada, em estrita observância à garantia constitucional de
motivação das decisões judiciais, expressa no art. 93, IX, bem como à própria previsão do art.
112, § 1º, da LEP: “A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério
Público e do defensor”. Entendimento esse que restou sedimentado neste STJ por meio do
Enunciado Sumular nº 439: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso,
desde que em decisão motivada”. 4. Na hipótese, o Juízo da execução penal, de forma funda-
mentada, deferiu a progressão de regime prisional ao paciente, não tendo o Tribunal de origem
trazido elementos concretos que justificassem a complementação do exame criminológico,
mormente porque existe parecer favorável de dois profissionais habilitados à verificação do
mérito do apenado (assistente social e psicólogo). 5. Agravo regimental não provido. (STJ;
AgRg-HC 546.307; Proc. 2019/0345798-6; SP; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 19/12/2019)

93/57 – PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CUMPRIDA INTEGRALMENTE.


PENA DE MULTA PENDENTE. Decisão que declara extinta a punibilidade da pena de multa.
Irresignação ministerial. Procedência. Nova redação do art. 51 do Código Penal que não retirou
da multa seu caráter penal. Precedentes vinculantes do c. STF. ADI 3.150. Inaplicabilidade
da Tese nº 931, firmada em recurso repetitivo do c. STJ. Decisão de origem cassada. Agravo
provido. (TJSP; AG-ExPen 9001039-44.2019.8.26.0637; Ac. 13199404; 4ª C.D.Crim.; Rel. Des.
Luis Soares de Mello; DJESP 13/01/2020; p. 117)

93/58 – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. Substituição


da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos negada. Reincidência não específica.
Condenação anterior por crime de menor potencial ofensivo. Circunstâncias judiciais favo-
ráveis. Plausibilidade jurídica do recurso especial. Suspensão da execução provisória da pena.
Possibilidade. Precedente. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (STF; HC-AgR
174.876; SP; 2ª T.; Relª Minª Cármen Lúcia; DJE 05/11/2019; p. 66)

93/59 – PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NO CURSO DE AÇÃO PENAL.


DESCUMPRIMENTO DE PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. 1. O descumpri-
mento de prisão domiciliar enseja, no caso concreto, a decretação de prisão preventiva. 2. A
pretensão acerca da adequação do regime deve ser formulada perante o Juízo da Execução,
com a unificação das penas, pois o paciente tem outras condenações transitadas em julgado.
Ordem denegada. (TJRS; HC 0293766-55.2019.8.21.7000; Proc. 70083218578; 4ª C.Crim.; Rel.
Des. Julio Cesar Finger; DJERS 19/12/2019)

93/60 – PROGRESSÃO DE REGIME. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA DE


CARÁTER PESSOAL. APLICAÇÃO EM TODAS AS CONDENAÇÕES DO APENADO.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
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DECISÃO CASSADA. Como vem decidindo este Colegiado, a condição de reincidente em


crime doloso deve incidir sobre todas as penas impostas ao condenado, ainda que a agravante da
reincidência não tenha sido reconhecida pelo juízo sentenciante em algumas das condenações.
Isso porque a reincidência é circunstância pessoal que interfere na execução como um todo, e
não somente nas penas em que ela foi reconhecida. Assim, cassa-se a decisão que concedeu ao
apenado a progressão de regime por ausência do requisito objetivo. Ela foi dada sem considerar
a condição de reincidente em todos os delitos hediondos ou equiparados pelos quais cumpre
pena. Agravo ministerial provido, por maioria. (TJRS; AgExPen 0287095-16.2019.8.21.7000;
Proc. 70083151860; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Sylvio Baptista Neto; DJERS 19/12/2019)

93/61 – PRONÚNCIA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA MATERIALIDADE,


AUTORIA. SENTENÇA PARCIALMENTE MANTIDA. É pacífico o entendimento ju-
risprudencial que a impronúncia só pode ocorrer quando não existir nenhuma prova da ma-
terialidade do delito ou da sua autoria. Não é a situação dos autos, razão pela qual se mantém
parcialmente a sentença de pronúncia. A prova, seja ela apurada no inquérito policial seja ela
parcialmente em juízo, mostrou, de forma adequada porque trouxe elementos mínimos para
o convencimento sobre a atuação da pronunciada na ocasião, que a recorrente teria matado a
vítima. Como se vê dela (prova), era fato notório que a acusada estava se relacionando com a
vítima, usava álcool e talvez drogas, seria violenta e uma discussão, que teria tido com Fernando,
foi ouvida por vizinhos. Deste modo, ainda que quase toda a prova tenha sido colhida durante o
inquérito policial, ela convence, para efeitos de pronúncia, que Ester foi a autora do homicídio.
PRONÚNCIA. QUALIFICADORAS. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS. AGRAVANTES
AFASTADAS DA DECISÃO. Afasta-se da pronúncia as qualificadoras. Não houve testemunha
presencial e, portanto, como se pode afirmar, com um mínimo de indício, que a agressão foi
desmotivada, motivo fútil, ou que a recorrente tenha agido de forma a impedir ou diminuir a
defesa da vítima. Aceitá-las, sem nada a ampará-las, é presumir fatos, o que é vedado. Recurso
parcialmente provido. (TJRS; RSE 0291626-48.2019.8.21.7000; Proc. 70083197178; 1ª C.Crim.;
Rel. Des. Sylvio Baptista Neto; DJERS 19/12/2019)

93/62 – PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. EXCLUDENTE DE


ILICITUDE. LEGÍTIMA DEFESA COMPROVADA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. 1. Evi-
denciado, pelo conjunto probatório, que a recorrente agiu sob o manto da causa excludente de
ilicitude, qual seja, a legítima defesa, é cabível a sua absolvição sumária, com fundamento no art.
415, IV, do CPP. 2. Recurso em sentido estrito provido. (TJAP; RSE 0002818-31.2018.8.03.0002;
C.Un.; Relª Desª Sueli Pini; DJEAP 18/12/2019; p. 40)

93/63 – PROVA. ILICITUDE DAS PROVAS DECORRENTES DA GRAVAÇÃO


AMBIENTAL E DA GRAVAÇÃO DE CONVERSA REALIZADAS POR UM DOS IN-
TERLOCUTORES. ILEGALIDADE DO INDEFERIMENTO DE PROVA REQUERIDA
PELA DEFESA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. COAÇÃO ILEGAL NÃO
CONFIGURADA. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado
como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância
que impede o seu formal conhecimento. 2. O mandamus não foi instruído com a íntegra da ação
penal, peça processual indispensável para que se pudesse analisar a alegada ilicitude das gravações
realizadas pela vítima e do aventado cerceamento do direito de defesa ante o indeferimento
da produção de prova requerida pelo réu. 3. O rito do habeas corpus e do recurso ordinário em
habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar,
de maneira tempestiva e inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão
aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal, ônus do qual não se desincumbiu a
defesa, exercida por profissional da advocacia. Precedentes. 4. A documentação necessária ao
exame do constrangimento ilegal a que estaria sendo submetido o paciente deve estar presente
nos autos no momento da impetração do habeas corpus, não se admitindo a juntada posterior de
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 183

peças processuais, tampouco que a instrução seja feita por outros meios, como links ou consulta
ao processo na página eletrônica do Tribunal de origem. Precedentes. 5. Pacificou-se neste
sodalício o entendimento de que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é
válida como prova no processo penal, independentemente de autorização judicial. 6. Da mesma
forma, a gravação de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita,
não se confundindo com interceptação telefônica. Precedentes. 7. Ao magistrado é facultado
o indeferimento, de forma fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar
protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente
justificada pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 8. Na hipótese em apreço, foram
declinadas justificativas plausíveis para a negativa para a negativa de produção da perícia postu-
lada pela defesa, especialmente ante a sua irrelevância para o deslinde da controvérsia. 9. Para
se concluir que tal providência seria indispensável para a comprovação das teses suscitadas em
favor do agravante, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência
incompatível com a via eleita. Precedentes. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CONDENAÇÃO
TRANSITADA EM JULGADO HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. POSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO PARA A CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. ILEGALI-
DADE NÃO CARACTERIZADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. É pacífico
neste Sodalício o entendimento de que as condenações anteriores transitadas em julgado há
mais de 5 (cinco) anos, embora não caracterizem reincidência, podem ser consideradas como
maus antecedentes. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC 549.821;
Proc. 2019/0363236-4; MG; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 19/12/2019)

93/64 – RECEPTAÇÃO DOLOSA DE MOTOCICLETA. ART. 180, CAPUT, DO


CP. DOLO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. SUFICIÊNCIA PRO-
BATÓRIA. PALAVRA DA VÍTIMA E DOS POLICIAIS. VALIDADE. PENA PARCIAL-
MENTE REDIMENSIONADA EM RELAÇÃO AOS RÉUS. REGIMES MANTIDOS.
MULTA REDIMENSIONADA. I – O crime de receptação reclama o dolo direto, exigindo-se
a demonstração de que o agente tinha consciência da origem ilícita do bem que conduzia. A
motocicleta foi apreendida em poder dos réus, logo, incumbia-lhes demonstrar razoavelmente
os elementos circunstanciais envolvendo o seu recebimento e a condução em proveito próprio.
Todavia, não lograram êxito em justificar a posse lícita do veículo, o que não piora sua situação,
mas tampouco minora a presunção tácita acerca da ciência criminosa do bem. A jurisprudência
pacificou entendimento de que uma vez identificado o bem na posse do acusado, cabe a este
a apresentação de prova apta a demonstrar a licitude do bem ou a ignorância em relação à
ilicitude, o que não restou demonstrado pela defesa. Desse modo, a condenação vai mantida.
II – Os depoimentos da vítima e dos policiais são válidos como prova, colhidos sob o crivo do
contraditório e do devido processo legal, confirmando seus relatos na fase administrativa. III –
Penas redimensionadas para ambos os réus. IV – Pena de multa. Redimensionada para ambos os
réus. Apelos defensivos parcialmente providos, por maioria. Vencido o relator que dava parcial
provimento aos apelos defensivos em menor extensão. (TJRS; APL 0378646-14.2018.8.21.7000;
Proc. 70080134349; 6ª C.Crim.; Rel. Des. Felipe Keunecke de Oliveira; DJERS 19/12/2019)

93/65 – REMIÇÃO POR LEITURA DE OBRA LITERÁRIA. NEGADO O PE-


DIDO POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL. Inaplicabilidade da Recomendação do CNJ
nº 44/2013. Inteligência do art. 126, § 1º, I, da LEP. Recurso desprovido. (TJSP; AG-ExPen
7003672-42.2019.8.26.0482; Ac. 13223218; 4ª C.D.Crim.; Rel. Des. Euvaldo Chaib; DJESP
14/01/2020; p. 140)

93/66 – RÉU CONDENADO PELA PRÁTICA DE ESTELIONATO. APELAÇÕES


DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA DEFESA. PARCIAL CONHECIMENTO DO RE-
CURSO DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRIN-
CÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA INSIGNIFICÂNCIA. INSUBSISTÊNCIA.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
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PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO QUALIFICADO PELA FRAUDE.


PROCEDÊNCIA. RÉU PRIMÁRIO E PEQUENO VALOR DA COISA FURTADA.
PRIVILÉGIO RECONHECIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO.
RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PRO-
VIDO. 1. Definido regime aberto como o inicial, não se conhece de parte do recurso no ponto
específico. 2. Comete crime de furto qualificado pela fraude réu que se passa por falso compra-
dor de bicicleta anunciada a venda por vítima em internet, pedindo-lhe para realizar um teste,
vítima que, iludida, entrega-lhe voluntariamente a Res, esperando tê-la de volta ou receber o
pagamento pela sua aquisição. Réu que, fingindo que fazia tal teste, aproveitou-se para subtrair
a bicicleta depois de diminuída a esfera de vigilância da vítima sobre o bem. E como admitido
pelo próprio acusado em juízo, ele já tinha a intenção de subtraí-la (animus rem sibi habendi)
desde o início. 3. Atipicidade material, na perspectiva do princípio da insignificância, pressu-
põe a configuração concomitante dos seguintes pressupostos objetivos: Mínima ofensividade
da conduta, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, nenhuma periculosidade
social da ação e inexpressividade da lesão jurídica provocada. No caso dos autos, a bicicleta da
vítima custava cerca de R$ 900,00 (novecentos reais), não podendo tal valor ser considerado
irrisório porque quase o mesmo valor do salário mínimo vigente à época, que era de R$ 937,00
(novecentos e trinta e sete reais). 4. O princípio da intervenção mínima define que o Direito
Penal deve atuar na defesa de bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica das pes-
soas, Lei Penal que somente deve incidir quando absolutamente necessária à sobrevivência da
comunidade, ultima ratio legis. O crime de furto faz parte do direito penal nuclear, que protege
bens jurídicos de caráter individual, no caso, o patrimônio das pessoas, direito fundamental
mencionado em diversas passagens pela CF/88, base de uma sociedade democrática que se
pretende livre, crime no qual a dogmática penal se direciona a atender a uma política criminal
de necessário controle sobre a propriedade alheia, cada vez mais difícil em um país que ostenta
elevado índice de desigualdade social. 5. Faz jus ao privilégio do art. 155, § 2º, do CPB, réu
primário que furta coisa de pequeno valor, mesmo que crime qualificado pela fraude, uma vez
que, sendo modo de execução, a fraude no furto tem natureza objetiva, portanto, compatível
com a Súmula nº 511 do STJ. 6. Recurso do Ministério Público conhecido e provido. Recurso
da Defesa parcialmente conhecido e parcialmente provido. (TJDF; APR 2018.07.1.000935-4;
Ac. 122.4379; 2ª T.Crim.; Relª Desª Maria Ivatônia; DJDFTE 09/01/2020)

93/67 – REVISÃO CRIMINAL. CRIME PREVISTO NO ART. 273, § 1º-B, DO CP.


PRECEITO SECUNDÁRIO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO.
STJ. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL FIRMADA. JULGAMENTO PELA CORTE ESPE-
CIAL. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO ANTES APLICAÇÃO DO CAPUT
DO ART. 33 DA LAD. POSSIBILIDADE. NOVO POSICIONAMENTO ANTERIOR AO
TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. I – A jurisprudência permite o ajuizamento
de revisão criminal fundada em mudança de entendimento jurisprudencial, desde que firme
e anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. II – Face ao reco-
nhecimento de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do CP, pela
Corte Especial do STJ, deve ser aplicada a pena cominada ao delito previsto no art. 33, caput,
da Lei nº 11.343/06. III – A causa de redução prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, no
entanto, não pode ser aplicada no caso, sob pena de inovação legislativa. IV – Não se trata de
declaração, por este Colegiado, da inconstitucionalidade do preceito, mas apenas de aplicar-se
orientação jurisprudencial firmada pela Corte Especial do eg. STJ, que tem a competência
constitucional para uniformizar a interpretação da Lei Federal no Brasil. V – Revisão criminal
julgada parcialmente procedente. (TJDF; RVC 07189.18-78.2019.8.07.0000; Ac. 122.2623;
C.Crim.; Relª Desª Nilsoni de Freitas; DJDFTE 14/01/2020)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 185

93/68 – SUBMISSÃO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE A VEXAME OU


CONSTRANGIMENTO. ART. 232 DO ECA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. HC NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA,
DE OFÍCIO. 1. O STF e o STJ, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus,
passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela
via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de
flagrante ilegalidade. 2. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente
é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia,
a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência
de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 3. Neste caso, imputa-se ao
paciente a conduta descrita no art. 232 do ECA, porque ele teria causado constrangimento a
um adolescente, durante uma aula de História. 4. A conduta narrada, embora possa, até certo
ponto, ser considerada reprovável, não é suficiente para justificar seu enquadramento no tipo
penal em discussão. De fato, não se consegue extrair dos autos a prática de atos que expressam
a submissão da vítima à situação evidente de vexame e humilhação. A controvérsia girou em
torno de questionamentos sobre a análise histórico-política de determinada época nos EUA
(ideologias e opiniões pessoais). Exame da jurisprudência do STJ a respeito do art. 232 do
ECA. Distanciamento da hipótese vertente. 5. Por mais que se vislumbre eventual excesso na
conduta acadêmica do docente, não parece razoável a atribuição de responsabilidade criminal
pelos fatos aqui narrados. Não se ignora a possibilidade de sancionamento da conduta por
outros ramos do Direito. Porém, não se pode perder de vista que a Lei Penal não deve ser
invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social-criminal, razão pela qual o
princípio da intervenção mínima surge para atuar como instrumento de interpretação restrita
do tipo penal. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar
o trancamento da Ação Penal 0133059-42.2018.8.05.0001, ajuizada em desfavor do paciente,
confirmando a liminar. (STJ; HC 548.875; Proc. 2019/0358246-5; BA; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca; DJE 19/12/2019)

93/69 – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE


E PELO RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPEDIU A DEFESA DA VÍTIMA. ART.
121, § 2º, I E IV, NA FORMA DO ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL. ERRO NA EXE-
CUÇÃO DO CRIME. ABERRATIO ICTUS EM SENTIDO ESTRITO. REDUÇÃO DA
TENTATIVA PELO GRAU MÍNIMO. 1. O art. 73 do Código Penal, ao disciplinar o erro
sobre a execução do crime, estabelece que o agente responde como se tivesse praticado o crime
contra a vítima pretendida, fazendo referência expressa ao art. 20, § 3º, do Código Penal, que
determina que se deve levar em consideração as condições ou qualidades da vítima contra quem
o agente queria praticar o crime. 2. Assim, mesmo que a vítima virtual, ou pretendida pelo
agente do crime, não tenha sofrido lesões decorrentes dos disparos de arma de fogo, o agente
responde pela tentativa de homicídio, devendo ser consideradas as lesões da vítima ferida, que foi
atingida por erro na execução do delito. Ou seja, a pessoa atingida equivale à pessoa pretendida
e a punição deve ocorrer como se tratasse da vítima realmente almejada (STJ, REsp 1.492.921/
DF). 3. O réu disparou seis tiros contra a vítima virtual, mas nenhum dos projéteis chegou a
atingi-la. Dois deles, contudo, lograram ferir a segunda vítima, cujas lesões devem ser tidas
como se fossem da vítima pretendida. 4. Neste aspecto, o laudo de exame de corpo de delito
atestou que os ferimentos decorrentes dos disparos de arma de fogo atingiram os membros
inferiores da vítima, provocando lesão exposta de fêmur direito que causaram incapacidade
para as ocupações habituais por mais de 30 dias, mas não ocasionaram risco para a sua vida. 5.
Se o critério usualmente adotado para se estabelecer a quantidade da diminuição é aferir o iter
criminis percorrido e a proximidade com a consumação do crime, tenho que o fato de a vítima
pretendida ter sido atingida pelos disparos e ter ficado mais de trinta dias incapacitada para as
suas ocupações habituais evidenciou que os atos executórios foram expressivos o suficiente para
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
186

aproximar o agente do resultado típico pretendido. Adequada, portanto, a redução na fração


mínima de 1/3, conforme autoriza o parágrafo único do inciso II do art. 14 do Código Penal.
6. Recurso de apelação a que se nega provimento. (TJDF; APR 00012.46-11.2018.8.07.0008;
Ac. 122.4223; 2ª T.Crim.; Rel. Des. João Timóteo de Oliveira; DJDFTE 14/01/2020)

93/70 – TRÁFICO DE DROGAS. PACIENTE PRIMÁRIO PRESO COM APRO-


XIMADAMENTE 3 G DE CRACK E 35 G DE COCAÍNA. Prognóstico favorável ao pa-
ciente primário, de bons antecedentes. Ordem concedida para deferir a liberdade provisória
mediante a imposição das medidas cautelares previstas no art. 319, I e IV, do CPP. (TJSP; HC
2268091-66.2019.8.26.0000; Ac. 13206391; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Otávio de Almeida Toledo;
DJESP 08/01/2020; p. 244)

93/71 – TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO


INIDÔNEA. ARGUMENTOS GENÉRICOS. GRAVIDADE ABSTRATA. REVOGAÇÃO
DO DECRETO PRISIONAL. MEDIDAS CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUA-
ÇÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. VALORAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo STF,
passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. No
entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se
conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. O exame de
ofício do constrangimento ilegal indica que o Decreto prisional carece de fundamentação
idônea. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter
excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial
fundamentada (art. 93, IX, da CF) que demonstre a existência da prova da materialidade do
crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais
pressupostos do art. 312 do CPP. 3. Caso em que o Decreto que impôs a prisão preventiva
ao paciente não apresentou qualquer motivação concreta e individualizada apta a justificar
a necessidade e a imprescindibilidade da segregação. 4. A necessidade de garantia da ordem
pública e a gravidade abstrata do delito, dissociadas de quaisquer elementos concretos que
indicassem a necessidade da rigorosa providência cautelar, não constituem fundamentação
idônea para justificar a medida extrema, ainda mais diante da primariedade do paciente e do
tempo de prisão cautelar (4 meses). Constrangimento ilegal configurado. 5. As condições sub-
jetivas favoráveis ao paciente, conquanto não sejam garantidoras de eventual direito à soltura,
merecem ser devidamente valoradas, quando não for demonstrada a real indispensabilidade da
medida constritiva, como ocorre no caso em apreço. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem
concedida de ofício para revogar o Decreto prisional do paciente, salvo se por outro motivo
estiver preso, sob a imposição das medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319,
I e VI, do CPP, cuja regulamentação será feita pelo Juízo local, sem prejuízo da fixação de
outras medidas cautelares, bem como da decretação de nova custódia, desde que devidamente
fundamentada. (STJ; HC 548.957; Proc. 2019/0358498-0; SP; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca; DJE 19/12/2019)

93/72 – TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRI-


ME DE POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL VERIFICADO. ORDEM CONCEDIDA PARA RESTABELECIMENTO DA
SENTENÇA. 1. Verificada excepcionalidade apta a autorizar a intervenção antecipada desta
Corte, supera-se o óbice da Súmula nº 691 do STF. 2. A pequena quantidade de maconha
apreendida (6 g) e as circunstâncias e condições em que se desenvolveu a ação indicam, sem
precisar examinar a fundo a matéria fática, que a solução adequada ao caso é a desclassificação
da conduta para aquela prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/06, nos termos da sentença de pri-
meira instância. 3. Consoante antigo julgado desta Corte, é questão de direito definir o campo
da livre apreciação das provas, para anular decisão calcada em dados meramente subjetivos,
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 187

fruto de convicção íntima, haurida de elementos probatórios indiretos (HC 40.609, Rel. Min.
Evandro Lins, Tribunal Pleno, DJ 03.09.64). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF; HC-AgR 176.422; SP; 1ª T.; Rel. Min. Alexandre de Moraes; DJE 04/12/2019; p. 75)

93/73 – TRÁFICO PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. SUFICIÊNCIA DE PRO-


VAS. ART. 40, III, DO ESTATUTO ANTIDROGAS. Demonstração de interesse em propagar
o uso de tóxicos entre aqueles que circulam pelos lugares enumerados. Necessidade. Mera
proximidade das instituições. Não incidência. Redutor do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
Manutenção do desconto máximo. Pouca quantidade de cocaína. Natureza e volume devem ser
considerados cumulativamente. Art. 42. Regime aberto e substituição da corporal. Possibilidade.
Tráfico privilegiado. Hediondez afastada pelo STF no HC 118.533. Declaração de perdimento
de bens. Impossibilidade. Falta de provas da origem ilícita do dinheiro encontrado em poder
do réu. Não apreensão de celular, nem demonstração de que consistia em instrumento do
crime. Não provimento ao recurso ministerial e parcial acolhimento do defensivo. (TJSP;
ACr 1500275-26.2018.8.26.0362; Ac. 13198974; 12ª C.D.Crim.; Rel. Des. Carlos Vico Mañas;
DJESP 13/01/2020; p. 143)

93/74 – TRIPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO E FURTO QUALIFICADO.


LAUDO SUBSCRITO POR PAPILOSCOPISTA. VALIDADE DA PRONÚNCIA. 1. As
instâncias de origem, soberanas na análise da prova, convergiram quanto à presença de indícios
suficientes de autoria, a partir dos laudos produzidos pelas partes, assim como por outros ele-
mentos idôneos de prova colhidos no curso da instrução criminal. Inexistência de ilegalidade
ou abuso de poder que autorize a anulação da pronúncia. 2. Embora a manifestação técnica
produzida pelo Instituto de Identificação da Polícia Civil do DF tenha sido subscrita apenas
por peritos papiloscopistas, que não são considerados peritos oficiais pelo art. 5º da Lei nº
12.030/09, não se trata de prova ilícita, devendo ser mantida no conjunto probatório da causa
como elemento indiciário a ser oportunamente avaliado pelo Juiz natural da causa, o Tribunal
do Júri. 3. O esclarecimento a ser feito ao corpo de jurados prestigia a soberania dos veredic-
tos do Tribunal do Júri para examinar, como lhe aprouver, a prova técnica produzida pelos
papiloscopistas mediante contraditório judicial. 4. Os argumentos desenvolvidos pela defesa
não infirmam os fundamentos da decisão agravada. Passada mais de uma década dos fatos, já
tarda a hora de um julgamento final do caso, adiado seguidamente por recursos sucessivos,
todos desprovidos. 5. Agravo regimental desprovido. (STF; HC-AgR-Seg 174.400; DF; 1ª T.;
Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 12/12/2019; p. 114)

93/75 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. NOVA DATA-BASE PARA A CONCESSÃO


DE BENEFÍCIOS. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL CONFIGURADO. HC NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE
OFÍCIO. I – Firmou-se nesta Corte, nos termos do entendimento do col. pretório excelso,
orientação no sentido de não se admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado,
situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em
que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a con-
cessão da ordem de ofício. II – Este STJ se posicionava no sentido de que a superveniência de
nova condenação, no curso da execução da pena, determinava a unificação das reprimendas
e a fixação de nova data-base para a progressão de regime. III – A Terceira Seção desta Corte
Superior de Justiça, em 22.02.2018, ao julgar o REsp 1.557.461/SC, de relatoria do Ministro
Rogério Schietti Cruz, e o Habeas Corpus 381.248/MG, com Relator para o acórdão o Mi-
nistro Sebastião Reis Júnior, sedimentou o entendimento de que a alteração da data-base para
a concessão de novos benefícios executórios, em razão da unificação das penas, não encontra
respaldo legal. IV – O v. acórdão do eg. Tribunal de origem, que modificou o termo a quo para
a obtenção de novos benefícios em face da unificação de penas, está em confronto com a nova
orientação jurisprudencial firmada pela Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça e, por-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Ementário
188

tanto, configura constrangimento ilegal. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de
ofício, para afastar a alteração da data-base para a concessão de novos benefícios da execução
em decorrência da unificação das penas. (STJ; HC 549.884; Proc. 2019/0363633-1; MG; 5ª T.;
Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo; DJE 19/12/2019)

93/76 – VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. EXPOSIÇÃO À VENDA DE


CÓPIA DE OBRA INTELECTUAL OU FONOGRAMA REPRODUZIDO COM VIO-
LAÇÃO DO DIREITO DO AUTOR. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA.
SENTENÇA MANTIDA. 1. É reprovável a conduta do agente que comercializa CDs e DVDs
falsificados, usurpando o direito autoral de terceiros com a finalidade lucrativa. 2. Consideran-
do que o prejuízo atinge a sociedade em geral, não só para os autores das obras, mas também
para produtores, gravadoras e inclusive para o Fisco, não há como acatar a alegada inexpressiva
lesão jurídica provocada pela conduta. 3. Materialidade e a autoria se encontram suficiente-
mente demonstradas nos autos, apontando seguramente para a responsabilidade dos acusados
pela prática do crime de violação de direito autoral. 4. Sentença mantida em todos os seus
termos, descabendo-se proceder a qualquer reparo na dosimetria penal. 5. Apelo conhecido e
não provido. (TJAP; APL 0000892-40.2017.8.03.0005; C.Un.; Rel. Des. Manoel Brito; DJEAP
18/11/2019; p. 57)

93/77 – VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. FIXAÇÃO


DE INDENIZAÇÃO MÍNIMA À VÍTIMA. REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚ-
BLICO NA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM O
VALOR FIXADO NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE DE PAR-
CELAMENTO. 1. Correta é a decisão que condena o réu, em razão de requerimento expresso
na denúncia e após oportunizar, no curso da ação penal, o exercício do contraditório e ampla
defesa, ao pagamento de indenização mínima em favor da vítima. 2. Inexistem impedimentos
para o montante indenizatório seja quitado de forma parcelada, observando-se as condições
financeiras do réu e o princípio da razoabilidade. 3. Apelo parcialmente provido. (TJAP; APL
0045111-19.2018.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. Gilberto Pinheiro; DJEAP 14/01/2020; p. 20)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.

Norma Data Publicação Ementa/Apelido


Medida 31/12/2019
Provisória nº 31/12/2019 - Edição Salário Mínimo - Valor - Alteração.
916 Extra-B
Código Penal - Crime de Incitação ao Sui-
cídio - Modificação - Condutas de Indução
Lei nº 13.968 26/12/2019 27/12/2019 ou Instigação à Automutilação ou Auxílio a
Quem a Pratique - Inclusão - Alteração do
Decreto-Lei nº 2.848/40.
24/12/2019
Legislação Penal e Processual Penal - Aper-
Lei nº 13.964 24/12/2019 - Edição
feiçoamento.
Extra-A
Caso de Violência Contra a Mulher que for
Atendida em Serviços de Saúde Públicos ou
Lei nº 13.931 10/12/2019 11/12/2019
Privados - Notificação Compulsória - Altera-
ção da Lei nº 10.778/03.
Decreto nº
23/12/2019 24/12/2019 Indulto Natalino - Concessão.
10.189
Destaques dos Volumes Anteriores

Destaques do Volume nº 92
– Da Localização Dogmática da Atividade de Compliance no Ambiente Corporativo sob o Ponto de
Vista da Responsabilização Criminal da Pessoa Coletiva
por Flavio Rodrigues Calil Daher, Mestre e Doutor, e Roberta Cordeiro de Melo Magalhães,
Professora e Mestre
– Análise Crítica de Laudos Utilizados como Argumentos Retóricos Estratégicos: o Ideal de
Neutralidade na Função das Perícias no Âmbito Criminal
por Carla Cordeiro Verly, Graduanda em Direito, e João Maurício Adeodato, Mestre e Doutor
– Regularização Fiscal e Cambiária: a Desregulamentação Legislativa e o Desmantelamento da
Punibilidade no Direito Penal Econômico
por Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira, Mestre e Doutor
– Do Concurso de Agentes no Crime Previsto no Art. 89, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93
por Oswaldo Henrique Duek Marques, Professor e Doutor, e Paulo Henrique Aranda Fuller,
Professor e Mestre
– O Ativismo do Supremo Tribunal Federal e o Surgimento da Norma Supralegal
por Silmar Fernandes, Professor e Desembargador, e José Renato Nalini, Mestre e Doutor
– Ações Neutras em Direito Penal
por Antônio Carlos da Ponte, Mestre e Doutor, e Guilherme Lopes Felicio, Professor e Especialista

Destaques do Volume nº 91
– Júri: Prisão e Vedação de Apelação para a Acusação – a Decisão do STF
por Lenio Luiz Streck, Pós-Doutor e Professor
– A Releitura do Princípio In Dubio Pro Societate no Rito Especial do Júri
por Rafael Estrela Nóbrega, Juiz e Especialista
– Ensaio sobre uma Segurança Jurídica Metamórfica
por Rogério Filippetto, Mestre e Doutor
– O Papel Transformativo das Corporações no Processo Penal: Ideias sobre Compliance e Vitimização
Corporativa
por Eduardo Saad-Diniz, Professor e Doutor
– O Combate à Pornografia de Vingança e a Tutela Penal da Imagem no Brasil
por Leonardo Estevam de Assis Zanini, Mestre e Doutor, e Silvio Luiz Maciel, Professor e Mestre
– Metacognição: Ofensa à Imparcialidade do Juiz Criminal na Fase de Investigação
por Luiz Fernando Kazmierczak, Mestre e Doutor, e Gustavo Carvalho Kichileski, Advogado e
Mestrando

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Í n d i c e A l f a b é t i c o - R e m i ss i v o

A imagens de satélites, e, conforme já positiva-


do pela sentença, as alegações da defesa não
A CONSTITUCIONALIDADE DO implicam confissão pela acusada. TRF 1ª R.
CONFISCO ALARGADO E DA AÇÃO (Em. 93/25)..................................................... 170
DE EXTINÇÃO DE DOMÍNIO
- Crime ambiental. Parecer e declaração. Au-
- Artigo de Silvio Luís Ferreira da Rocha e sência de fato típico. Opinião, manifestada
Daniela Marinho Morganti........................... 26 por funcionário municipal sobre situação
de determinado imóvel, não tipifica crime
A TEORIA GERAL DO CRIME NA
ambiental, tampouco incentiva seja praticado.
ENCRUZILHADA
TRF 2ª R. (Em. 93/52)................................... 179
- Artigo de Orlando Faccini Neto.................... 97
- Dispensa ilegal de licitação. Art. 89 da Lei
ABANDONO DE INCAPAZ 8.666/93. Secretária de Educação e Cultura
- Forma qualificada (art. 133, § 3º, II, do CP). do Estado de Tocantins. Compra de livros
Insurgência contra o não oferecimento de didáticos. Ausência de demonstração do
proposta. Ausência de ilegalidade. Prerroga- elemento subjetivo do tipo. Dolo específico
tiva ministerial. Acusada que não preenche não evidenciado na espécie. EI acolhidos
os pressupostos para a concessão da benesse. para cassar o acórdão embargado e absolver
TJSP (Em. 93/5)............................................. 162 a embargante. STF (Em. 93/32).................... 173
- Ré que saiu de casa à noite, deixando seu - Incêndio. Caso concreto: ao atear fogo no
filho de 3 anos dormindo, sozinho, por cerca veículo do companheiro após discussão do
de 1 hora, até a chegada da avó. Ausência de casal objetivava apenas danificar o bem, sem o
comprovação da tipificação do delito em intuito de causar perigo efetivo a um número
questão. Crime de perigo concreto. TJSP indeterminado de pessoas ou bens, e consi-
(Em. 93/4)....................................................... 162 derando que as chamas foram prontamente
controladas. TJGO (Em. 93/48).................... 178
ABANDONO MATERIAL
- Sonegação fiscal. Art. 1º, I, da Lei 8.137/90.
- Absolvição. Cabimento. Não pagamento de
Declaração falsa à autoridade fazendária.
pensão alimentícia. Agente que não possui
Supressão indevida de tributo federal (IRPF)
bens materiais, estava desempregado e efe-
decorrente de recibos de serviços odontoló-
tuou os pagamentos devidos, enquanto estava
trabalhando. TJSP (Em. 93/6)....................... 162 gicos cuja prestação não restou comprovada.
Princípio da insignificância. Aplicabilidade.
ABSOLVIÇÃO Valor do tributo devido inferior ao patamar
- Apropriação indébita previdenciária. Inexigi- previsto no art. 22 da Lei 10.522/02, atu-
bilidade de conduta diversa. Manutenção da alizado pela Portaria 75/02, do Ministério
sentença. Prova testemunhal uníssona acerca da Fazenda. R$ 20.000,00. Excludente de
das dificuldades financeiras. Empresa que tipicidade. TRF 5ª R. (Em. 93/26)................. 171
encerrou suas atividades e registra dezenas ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
de execuções fiscais em período convergente
com a alegação de crise financeira. Patrimô- - Pronúncia. Homicídio. Tentativa. Excludente
nio pessoal do réu que não indica acréscimos de ilicitude. Legítima defesa comprovada.
à luz das declarações de renda juntadas. TRF TJAP (Em. 93/62)........................................... 182
2ª R. (Em. 93/12)............................................ 165
ALNEIR FERNANDO S. MAIA
- Corrupção ativa. Juízo de certeza ausente.
- Artigo: “Comentários à Nova Lei de Abuso
Princípio in dubio pro reo. Não havendo
de Autoridade (Lei nº 13.869/2019)”............ 116
segurança a respeito da existência de prova
suficiente para a condenação do acusado pela ANÁLISE CRÍTICA DA
prática do crime de corrupção ativa. TRF 1ª INSERÇÃO DE NORMA
R. (Em. 93/22)................................................ 169 PENAL INCRIMINADORA, NO
- Crime ambiental. Art. 50-A da Lei 9.605/98. ORDENAMENTO JURÍDICO
Autoria não demonstrada. A prova analisada BRASILEIRO, POR ATO
não concluiu pela certeza da existência de INTERNACIONAL: O EXEMPLO
autoria do delito, não sendo suficientes meras DA CONVENÇÃO DE PALERMO
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
192

E A FIGURA DA ORGANIZAÇÃO APROPRIAÇÃO INDÉBITA


CRIMINOSA PREVIDENCIÁRIA/SONEGAÇÃO
PREVIDENCIÁRIA
- Artigo de Gustavo Britta Scandelari.............. 81
- Absolvição. Ex-prefeito. A orientação fixada
ANTECEDENTES CRIMINAIS pelo STJ é no sentido de que a falta de re-
- A condenação alcançada pelo período depura- colhimento de contribuição previdenciária,
dor de 5 anos afasta os efeitos da reincidência, descontada dos servidores da edilidade, não
qualifica, por si só, o prefeito como sujeito
mas não impede a configuração de maus an-
ativo do crime de apropriação indébita
tecedentes. Institutos diversos. Possibilidade.
previdenciária, uma vez inexistente respon-
STF (Em. 93/21)............................................ 169
sabilidade objetiva criminal no ordenamento
- A condenação por fato anterior com trânsito jurídico brasileiro. A referência à represen-
em julgado posterior não enseja reincidência, tação fiscal para fins penais, que instrui a
mas justifica o aumento da pena-base a título denúncia, sem outros elementos de prova
de maus antecedentes. TJDF (Em. 93/34).... 173 produzidos em Juízo, não se revela condição
suficiente para a caracterização da Conduta
- Furto qualificado. Pena. Maus antecedentes. de Sonegação Previdenciária e respectiva
Condenações anteriores ao período depura- autoria, a teor do art. 156 do CPP. TRF 5ª R.
dor. Enquanto pendente de julgamento o (Em. 93/13)..................................................... 166
recurso paradigmático, a 1ª, Turma deste STF
ARMA BRANCA
firmara jurisprudência no sentido de que a
decisão que opta por uma das correntes não - Emprego. Roubo. Novatio legis in mellius.
se qualifica como ilegal ou abusiva, âmbito Exclusão da causa de aumento, com a valo-
ração negativa das circunstâncias do crime.
normativo destinado à concessão de HC de
Pena reduzida. Alegação de reformatio in pejus.
ofício. STF (Em. 93/43)................................. 176
Inocorrência. TJDF (Em. 93/53)................... 179
APROPRIAÇÃO DE COISA HAVIDA
ARMA DE FOGO
POR ERRO
- Porte ilegal. Uso permitido. Reincidência não
- Crime de menor potencial ofensivo (art. 61 específica. Condenação anterior por crime
da Lei 9.099/95). Competência da Turma de menor potencial ofensivo. Suspensão da
Recursal do JEF. Inexistindo prova de que a execução provisória da pena. Possibilidade.
recorrente aderira à conduta que provocou o STF (Em. 93/58)............................................ 181
engano da CEF, mesmo que apenas assentido
ASSÉDIO SEXUAL/IMPORTUNAÇÃO
com a sua prática, não poderá ser ela punida SEXUAL
pelo crime de apropriação indébita (art. 168,
§ 1º, I, do CP), mas pelo de apropriação indé- - Arts. 216-A e 215-A do CP. Indícios suficien-
tes de autoria e materialidade delitiva. Hipó-
bita de coisa havida por erro (art. 169 do CP),
tese de não trancamento. Ao final, salienta-se
cujo dolo surge apenas após a descoberta do
a necessidade de classificação do processo de
erro pelo agente, quando decide se apropriar HC em segredo de justiça. Por certo que tal
do bem alheio. Reclassificação da conduta norma visa resguardar a vítima de possíveis
que se impõe. TRF 5ª R. (Em. 93/11)........... 165 exposições de sua intimidade e neutralizar os
APROPRIAÇÃO INDÉBITA efeitos negativos decorrentes da instauração
da persecutio criminis. STM (Em. 93/14)......... 166
PREVIDENCIÁRIA
- Absolvição. Inexigibilidade de conduta C
diversa. Prova testemunhal uníssona acerca
das dificuldades financeiras. Empresa que CHEQUE SEM FUNDOS
encerrou suas atividades e registra dezenas - Emissão. Sustação posterior. Natureza jurí-
de execuções fiscais em período convergente dica do cheque pós-datado. Emendatio libelli.
com a alegação de crise financeira. Patrimô- Possibilidade. Pena. Manutenção. De ofício,
nio pessoal do réu que não indica acréscimos aplicada a emendatio libelli alterando a capitu-
à luz das declarações de renda juntadas. TRF lação do delito para o art. 171 do CP. TJGO
2ª R. (Em. 93/12)............................................ 165 (Em. 93/35)..................................................... 173
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 193

COMENTÁRIOS À NOVA LEI DE do acusado em relação ao tipo do art. 333 do


ABUSO DE AUTORIDADE (LEI Nº CP. TRF 1ª R. (Em. 93/22)............................ 169
13.869/2019)
CRIME AMBIENTAL
- Artigo de Alneir Fernando S. Maia............... 116
- Absolvição. Art. 50-A da Lei 9.605/98. Autoria
COMPETÊNCIA não demonstrada. A prova analisada não con-
cluiu pela certeza da existência de autoria do
- Autoridade com prerrogativa de foro investi-
delito, não sendo suficientes meras imagens
gada perante juízo de primeiro grau. Ilicitude
de satélites, e, conforme já positivado pela
das interceptações telefônicas. Trancamento
sentença, as alegações da defesa não impli-
da ação penal. Justa causa. Nulidade. Não
cam confissão pela acusada. TRF 1ª R. (Em.
ocorrência, nos limites cognitivos do HC.
93/25).............................................................. 170
Não induz à ilicitude da prova resultante da
interceptação telefônica que a autorização - Absolvição. Parecer e declaração. Ausência
provenha de Juiz Federal – aparentemente de fato típico. Opinião, manifestada por
competente, à vista do objeto das investiga- funcionário municipal sobre situação de
ções policiais em curso, ao tempo da decisão determinado imóvel, não tipifica crime am-
– que, posteriormente, se haja declarado biental, tampouco incentiva seja praticado.
incompetente, à vista do andamento delas. TRF 2ª R. (Em. 93/52)................................... 179
STJ (Em. 93/54)............................................. 180 - Caça ilegal de pássaros. Erro de proibição não
COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME demonstrado. APA amplamente conhecida da
população e bem sinalizada. Inaplicabilidade
- Contexto probatório: Contundência da prova do princípio da insignificância. Penas priva-
subjetiva fundamentada no depoimento da tivas de liberdade, e número de dias-multa
testemunha e do informante, e nos demais mantidos para ambos os réus, reduzido ape-
elementos indiciários (Ocorrências Policiais nas valor unitário. Acrescentada prestação
6.084/2015 – fls. 8/12 e 4.975/2015 – fls. pecuniária à substituição da pena detentiva.
15/16; auto de apresentação e apreensão – fl. TRF 2ª R. (Em. 93/17)................................... 167
14). Autoria e existência do tipo penal obje-
- Exploração clandestina de rochas. Recurso
tivo e subjetivo (dolo genérico) irrefutáveis:
mineral pertencente à União. Inexistência de
Tipicidade da conduta ao art. 340 do CP.
título autorizativo quando dos dois flagran-
TJDF (Em. 93/20).......................................... 168
tes. Autoria e materialidade demonstradas.
CONFISSÃO ESPONTÂNEA Presença de dolo. Redução do número de
dias-multa e do valor da prestação pecuniária
- Crime de roubo circunstanciado pelo uso
fixados na sentença. TRF 2ª R. (Em. 93/40). 175
de arma e concurso de pessoas. Confissão
espontânea e multirreincidência. Compen- CRIME MILITAR
sação parcial. Corréu que confessou o crime.
- Escrito ou objeto obsceno. Crime continua-
Idêntica majoração. Critérios não equânimes.
do. Ausência de violência ou de grave ameaça.
Embargos providos. TJDF (Em. 93/33)........ 173 Aplicação da regra prevista no art. 71 do CP.
CONTRABANDO Crime contra a pessoa. Vítimas diferentes.
Prevalência do princípio da especialidade.
- Cigarros. Produto de importação proibida.
Impossibilidade. STM (Em. 93/31).............. 172
Princípio da insignificância. Inaplicabilidade.
Na hipótese, a exasperação da pena-base em CRIMINALIZAÇÃO OBJETIVA DO
6 meses mostra-se bem fundamentada, e INADIMPLEMENTO TRIBUTÁRIO:
justifica-se pela grande quantidade de cigar- ABORDAGEM DOGMÁTICA PENAL
ros contrabandeados – 13.000 maços, cada - Artigo de Thiago Buschinelli Sorrentino e
um contendo 20 cigarros. TRF 1ª R. (Em. Cesar Luiz de Oliveira Janoti........................ 64
93/22).............................................................. 169
CORRUPÇÃO ATIVA D
- Juízo de certeza ausente. Princípio in dubio pro
reo. As circunstâncias que circundam o caso DELAÇÃO PREMIADA
não permitem, com um grau de certeza pelo - Competência. Crime eleitoral. Conexão.
menos razoável, aferir a conduta criminosa Ausência. A competência da Justiça Eleitoral
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
194

para processar e julgar, considerada a imputa- luntariamente a Res, esperando tê-la de volta
ção de crime comum, pressupõe a existência ou receber o pagamento pela sua aquisição.
de conexão entre os delitos. Sigilo. Acordo de TJDF (Em. 93/66).......................................... 183
colaboração premiada. Art. 7º, § 3º, da Lei
- Tóxicos. Tráfico. Desclassificação para o cri-
nº 12.850/2013. Afastamento. Inviabilidade.
me de posse de drogas para consumo pessoal.
Homologação. Acordo. Eficácia. STF. Com-
A pequena quantidade de maconha apreen-
petência. Subsistência. STF (Em. 93/19)...... 168
dida (6 g) e as circunstâncias e condições em
DENÚNCIA que se desenvolveu a ação indicam, sem pre-
cisar examinar a fundo a matéria fática, que a
- Acórdão do STJ – Organização criminosa e
solução adequada ao caso é a desclassificação
fraude à licitação. Desnecessidade de mo-
da conduta para aquela prevista no art. 28 da
tivação extensa do ato que acolhe a inicial.
Lei 11.343/06, nos termos da sentença de
Inocorrência de ilegalidade............................ 137
primeira instância. STF (Em. 93/72)............. 186
- Acórdão do TRF 2ª R. – Descaminho. Natu-
reza formal. Desnecessidade de constituição DETRAÇÃO
definitiva do crédito tributário. Indícios de - Abatimento de parcela da sanção pecuniária
autoria e materialidade................................... 146 em razão do cumprimento de tempo de
- Caso Rubens Paiva. Homicídio e ocultação prisão superior ao da condenação definitiva.
de cadáver praticado durante o regime militar. Inadmissibilidade. Sanções penais de natu-
Incidência da Lei da Anistia. ADPF 153. STJ rezas distintas, sendo a pena de multa dívida
(Em. 93/18)..................................................... 168 de valor executada pela Fazenda Pública (art.
51 do CP), pelo que não é admitida a com-
DENÚNCIA ANÔNIMA pensação entre esta punição e a privação de
- Vedação imposta pelo próprio texto constitu- liberdade. TJSP (Em. 93/30).......................... 172
cional (CF, art. 5º, IV, in fine). Compreensão
do direito à livre manifestação do pensa- E
mento. Reveste-se de legitimidade jurídica
a recusa do órgão estatal em não receber EMBARGOS INFRINGENTES
peças apócrifas ou “reclamações ou denún-
- Apelação criminal. Crime de roubo cir-
cias anônimas”, para efeito de instauração
cunstanciado pelo uso de arma e concurso
de procedimento de índole administrativo-
de pessoas. Confissão espontânea e multir-
disciplinar e/ou de caráter penal (Resolução
reincidência. Compensação parcial. Corréu
CNJ 103/2010, art. 7º, III), quando ausentes
que confessou o crime. Idêntica majoração.
as condições mínimas de sua admissibilidade.
Critérios não equânimes. EI providos. TJDF
STF (Em. 93/9).............................................. 163
(Em. 93/33)..................................................... 173
DESCAMINHO - Preliminares de nulidade e não cabimento
- Acórdão do TRF 2ª R. – Natureza formal. rejeitadas. Dispensa ilegal de licitação. Art.
Desnecessidade de constituição definitiva 89 da Lei 8.666/93. Secretária de Educação e
do crédito tributário. Indícios de autoria e Cultura do Estado de Tocantins. Compra de
materialidade. Recebimento da denúncia..... 146 livros didáticos. Ausência de demonstração
do elemento subjetivo do tipo. Dolo especí-
- Extinção da punibilidade. Perdimento de
fico não evidenciado na espécie. Precedentes
bens. Deve ser anulada a sentença que decre-
do STF. EI acolhidos para cassar o acórdão
tou a extinção da punibilidade da denunciada
embargado e absolver a embargante. STF
com o consequente prosseguimento da ação
(Em. 93/32)..................................................... 173
penal. TRF 1ª R. (Em. 93/28)........................ 172
- Revelam-se manifestamente incabíveis os EI
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME opostos contra julgado de Turma ou de Ple-
- Estelionato. Pedido de desclassificação para nário em sede de HC, tendo em vista a falta
furto qualificado pela fraude. Procedência. de previsão regimental STF (Em. 93/7)........ 162
Comete crime de furto qualificado pela
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
fraude réu que se passa por falso comprador
de bicicleta anunciada a venda por vítima - Lesão corporal culposa. Substituição da pena
em internet, pedindo-lhe para realizar um privativa de liberdade por restritivas de direi-
teste, vítima que, iludida, entrega-lhe vo- tos. Possibilidade. Suspensão do direito de
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 195

dirigir veículo automotor. Proporcionalidade o magistrado sentenciante está autorizado a


à pena privativa de liberdade. Detração do impor ao condenado regime mais gravoso do
período suspenso via cautelar. Cabimento. que o recomendado nas alíneas do § 2º do art.
TJAP (Em. 93/50)........................................... 178 33 do CP. STF (Em. 93/38)........................... 175
ESCRITO OU OBJETO OBSCENO EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
- Crime militar. Crime continuado. Ausência - Vide Denúncia. Caso Rubens Paiva. Incidên-
de violência ou de grave ameaça. Aplicação da cia da Lei da Anistia.
regra prevista no art. 71 do CP. Crime contra
a pessoa. Vítimas diferentes. Prevalência do
princípio da especialidade. Impossibilidade.
F
STM (Em. 93/31)........................................... 172 FALSO TESTEMUNHO
ESTELIONATO - Obtenção de prova destinada a produzir
- Emissão de cheque. Sustação posterior. efeito em processo penal. Art. 342, § 1º, do
Natureza jurídica do cheque pós-datado. CP. Alegada atipicidade da conduta. Namoro.
Emendatio libelli. Possibilidade. De ofício, apli- Compromisso prestado. Art. 203 do CPP.
cada a emendatio libelli alterando a capitulação Materialidade e autoria do crime devidamen-
do delito para o art. 171 do CP. TJGO (Em. te comprovadas. Pedido de redução da pena.
93/35).............................................................. 173 Possibilidade. Exclusão da avaliação negativa
da personalidade. Regime de cumprimento
- Pedido de desclassificação para furto quali-
de pena da apelante. Manutenção do regime
ficado pela fraude. Comete crime de furto
inicial fechado. TJDF (Em. 93/41)................ 175
qualificado pela fraude réu que se passa por
falso comprador de bicicleta anunciada a FALTA GRAVE
venda por vítima em internet, pedindo-lhe
- Descumprimento de condições da prisão
para realizar um teste, vítima que, iludida,
domiciliar sem monitoramento eletrônico.
entrega-lhe voluntariamente a Res, esperando
tê-la de volta ou receber o pagamento pela sua Falta grave não configurada. Revogação do
aquisição. TJDF (Em. 93/66)......................... 183 benefício. TJRS (Em. 93/29)......................... 172

- Vantagem ilícita em detrimento da vítima FEMINICÍDIO


mediante ardil, celebrando um contrato de - Acórdão do STJ – Prisão preventiva. Garantia
aluguel usando documentos de terceiro e da ordem pública. Gravidade concreta. Modus
se fazendo passar por funcionário público, operandi. Motivo fútil. Ameaças a parentes das
usufruindo o imóvel alugado durante 6 vítimas............................................................. 131
meses sem pagar um tostão de aluguel. A
condenação por fato anterior com trânsito - Prisão preventiva. Garantia da ordem pública.
em julgado posterior não enseja reincidência, Modus operandi da conduta criminosa. Moti-
mas justifica o aumento da pena-base a título vação idônea. STF (Em. 93/42)..................... 176
de maus antecedentes. TJDF (Em. 93/34).... 173 FEMINICÍDIO: FUNDAMENTO DA
ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO PENA QUALIFICADA
- Materialidade e autoria comprovados, inclu- - Artigo de Flavio Rodrigues Calil Daher e
sive o dolo da acusada, que aceitou proposta Roberta Cordeiro de Melo Magalhães.......... 36
de obtenção de benefício previdenciário FIANÇA
realizada por despachante, em agência da
Previdência Social localizada em município - Acórdão do TJRS – Receptação. Prisão pre-
distante do seu domicílio, sem saber se fazia ventiva. Ausentes os pressupostos. Fiança
ou não jus ao benefício pleiteado. Perdão afastada. Substituição por medidas cautelares
judicial inaplicável na hipótese por ausência diversas. Ratificação da liminar..................... 152
de previsão legal expressa. TRF 2ª R. (Em.
FLAVIO RODRIGUES CALIL DAHER
93/36).............................................................. 174
E ROBERTA CORDEIRO DE MELO
ESTUPRO DE VULNERÁVEL MAGALHÃES
- Regime inicial fechado. Fundamentação idô- - Artigo: “Feminicídio: Fundamento da Pena
nea. Desde que o faça em decisão motivada, Qualificada”.................................................... 36
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
196

FURTO - Constrangimento ilegal configurado. HC


não conhecido. Ordem concedida de ofício.
- Bens alimentícios de pequeno valor. Princí-
Firmou-se nesta Corte, nos termos do enten-
pio da insignificância. Incidência. Absolvição.
dimento do pretório excelso, orientação no
Ordem concedida. STF (Em. 93/45)............ 177
sentido de não se admitir HC em substituição
FURTO PRIVILEGIADO ao recurso adequado, situação que implica o
não conhecimento da impetração, ressalva-
- Subtração de sacos de cimento. Insignifi-
dos casos excepcionais em que, configurada
cância inaplicável, admitindo-se, somente,
flagrante ilegalidade apta a gerar constran-
o reconhecimento do furto privilegiado em
gimento ilegal, seja possível a concessão da
razão da primariedade e pequeno valor da
ordem de ofício. STJ (Em. 93/75)................. 187
coisa. TJSP (Em. 93/44)................................. 176
HOMICÍDIO QUALIFICADO
FURTO QUALIFICADO
TENTADO
- Comete crime de furto qualificado pela - Motivo torpe e pelo recurso que dificultou
fraude réu que se passa por falso comprador ou impediu a defesa da vítima. Art. 121, § 2º,
de bicicleta anunciada a venda por vítima I e IV, na forma do art. 14, II, do CP. Erro na
em internet, pedindo-lhe para realizar um execução do crime. Aberratio ictus em senti-
teste, vítima que, iludida, entrega-lhe vo- do estrito. Redução da tentativa pelo grau
luntariamente a Res, esperando tê-la de volta mínimo. Adequada, portanto, a redução na
ou receber o pagamento pela sua aquisição. fração mínima de 1/3, conforme autoriza o
TJDF (Em. 93/66).......................................... 183 parágrafo único do inciso II do art. 14 do CP.
- Pena. Maus antecedentes. Condenações TJDF (Em. 93/69).......................................... 185
anteriores ao período depurador. Enquanto - Prisão em flagrante. Descumprimento das
pendente de julgamento o recurso paradig- medidas cautelares impostas na audiência
mático, a 1ª, Turma deste STF firmara juris- de custódia. Citação por edital. Prisão pre-
prudência no sentido de que a decisão que ventiva. Ré foragida. Produção antecipada
opta por uma das correntes não se qualifica de provas. Nulidade. Inexistência. Art. 366
como ilegal ou abusiva, âmbito normativo do CPP. STJ (Em. 93/47)............................... 177
destinado à concessão de HC de ofício. STF
(Em. 93/43)..................................................... 176
I
G INCÊNDIO
- Absolvição. Caso concreto: ao atear fogo no
GUSTAVO BRITTA SCANDELARI veículo do companheiro após discussão do
- Artigo: “Análise Crítica da Inserção de Nor- casal objetivava apenas danificar o bem, sem o
ma Penal Incriminadora, no Ordenamento intuito de causar perigo efetivo a um número
Jurídico Brasileiro, por Ato Internacional: indeterminado de pessoas ou bens, e consi-
o Exemplo da Convenção de Palermo e a derando que as chamas foram prontamente
Figura da Organização Criminosa”............... 81 controladas. TJGO (Em. 93/48).................... 178

GUSTAVO OCTAVIANO DINIZ


JUNQUEIRA E OSWALDO J
HENRIQUE DUEK MARQUES
JÚRI
- Artigo: “Reflexões sobre o Regime Inicial de
- Decisão absolutória manifestamente contrá-
Cumprimento de Pena”................................. 52 ria à prova dos autos. Inocorrência. Quesito
genérico de absolvição. Impossibilidade de
H submissão a novo Júri. TJAP (Em. 93/49).... 178
- Homicídio qualificado. Decisão manifesta-
HABEAS CORPUS
mente contrária à prova dos autos. Recurso
- Acórdão do STF – Em jogo, na via direta, à disposição do MP mesmo em face do
a liberdade de ir e vir do cidadão, cabível quesito genérico de absolvição. Inocorrência
é o HC, ainda que substitutivo de recurso de decisão manifestamente desgarrada de
ordinário constitucional................................. 122 vertente probatória. Teses de legítima defesa
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 197

e desclassificação que não configuram, na acolhidos para cassar o acórdão embargado e


interpretação narrativa do caso, resposta ir- absolver a embargante. STF (Em. 93/32)...... 173
racional. Há incongruências ou pontos fracos
em vários trechos e não parece desarrazoado
M
que os Jurados tenham interpretado, neste
contexto, a prova de modo a acolher seja a MARCELO NEGRI SOARES,
legítima defesa ou, até, eventual desclassifi- MAURÍCIO ÁVILA PRAZAK E
cação. TJRS (Em. 93/10)................................ 164 PATRÍCIA JORGE DA CUNHA VIANA
- Homicídio qualificado. Nulidade. Promotor DANTAS
de justiça que em sustentação oral afirma
- Artigo: “Prisão em Segunda Instância Versus
haver sido procurado por testemunha em
Justiça como Liberdade e a Garantia Máxima
seu gabinete com a informação de que estava
da Personalidade pela Presunção da Inocên-
sendo ameaçada. Princípios do contraditório,
cia”.................................................................. 5
ampla defesa e comunhão das provas. Con-
tradição entre respostas dadas a quesitos. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
Nulidade absoluta. Anulação do julgamento.
- Ato infracional análogo ao crime de tráfico de
STJ (Em. 93/46)............................................. 177
drogas. Ausência de laudo social realizado por
- Recurso ministerial. Preliminares de nuli- equipe interdisciplinar. Nulidade inexistente.
dade posterior à pronúncia. Testemunhas Procedimento facultativo e auxiliar do juízo.
de defesa arroladas extemporaneamente. Confissão do adolescente confortada pelo
Aquiescência expressa do apelante quanto depoimento de um dos policiais militares
à oitiva das mesmas. Preclusão lógica e responsáveis pela apreensão em flagrante.
temporal. Provas apresentadas em Plenário Validade. Medida socioeducativa de interna-
não submetidas ao contraditório. Matéria ção sem possibilidade de atividades externas.
jornalística divulgada na impressa local. Au- TJRS (Em. 93/16)........................................... 167
sência de prejuízo à acusação. Rejeição das
preliminares. TJAP (Em. 93/49).................... 178 MUNIÇÃO
- Posse ilegal. Uso restrito. Apreensão de 5 car-
L tuchos intactos desacompanhados de artefato
capaz de deflagrá-los. Mínima ofensividade
LIBERDADE PROVISÓRIA ao bem jurídico tutelado. Princípio da insig-
- Tóxicos. Tráfico. Paciente primário preso nificância. Incidência. Absolvição. TJMG
com aproximadamente 3 g de crack e 35 g de (Em. 93/2)....................................................... 161
cocaína. Prognóstico favorável ao paciente - Posse ilegal. Uso restrito. Art. 12 da Lei
primário, de bons antecedentes. Ordem 10.826/03. 7 munições desacompanhadas de
concedida para deferir a liberdade provisória armamento. Tipicidade formal e material.
mediante a imposição das medidas cautelares Princípio da insignificância. Impossibilidade.
previstas no art. 319, I e IV, do CPP. TJSP STJ (Em. 93/3)............................................... 161
(Em. 93/70)..................................................... 186
- Posse ilegal. Uso restrito. Crime de perigo
- Tóxicos. Tráfico. Prisão preventiva. Funda- abstrato. Princípio da insignificância. 11 car-
mentação inidônea. Argumentos genéricos. tuchos. Ausência de armas aptas para disparar.
Gravidade abstrata. Revogação do decreto Possibilidade. STJ (Em. 93/1)........................ 161
prisional. Medidas cautelares. Necessidade
e adequação. Condições pessoais favoráveis.
Valoração. Ordem concedida de ofício. STJ
N
(Em. 93/71)..................................................... 186
NULIDADE
LICITAÇÃO - Júri. Homicídio qualificado. Promotor de
- Dispensa ilegal. Art. 89 da Lei 8.666/93. justiça que em sustentação oral afirma haver
Secretária de Educação e Cultura do Estado sido procurado por testemunha em seu gabi-
de Tocantins. Compra de livros didáticos. nete com a informação de que estava sendo
Ausência de demonstração do elemento ameaçada. Princípios do contraditório, ampla
subjetivo do tipo. Dolo específico não evi- defesa e comunhão das provas. Contradição
denciado na espécie. Precedentes do STF. EI entre respostas dadas a quesitos. Nulidade
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
198

absoluta. Anulação do julgamento. STJ (Em. - Estupro de vulnerável. Regime inicial fe-
93/46).............................................................. 177 chado. Fundamentação idônea. Desde que
o faça em decisão motivada, o magistrado
O sentenciante está autorizado a impor ao
condenado regime mais gravoso do que o
ORLANDO FACCINI NETO recomendado nas alíneas do § 2º do art. 33
do CP. Inexistência de ilegalidade. STF (Em.
- Artigo: “A Teoria Geral do Crime na Encru- 93/38).............................................................. 175
zilhada”........................................................... 97
- Execução provisória. Esgotamento da segun-
da instância. Impossibilidade. Entendimento
P pacificado pelo STF no julgamento das
ADCs 43, 44 e 54. Execução da pena após o
PENA
trânsito em julgado da condenação. Paciente
- Acórdão do TJSP – Violência doméstica. Le- respondeu ao processo em liberdade. Parecer
são corporal leve. Regime aberto e suspensão favorável do MPF. STJ (Em. 93/37).............. 174
condicional da pena. Afastada a prestação
- Execução provisória. Inconstitucionalidade.
de serviços à comunidade como condição
Violação da garantia constitucional da pre-
obrigatória ao sursis, eis que a pena corporal
sunção de inocência. Declaração de consti-
imposta é inferior a 6 meses. Interpretação
tucionalidade do art. 283 do CPP. ADCs 43/
do art. 46 do CP............................................. 156
DF, 44/DF e 54/DF. Réu que respondeu ao
- Condenação por fato anterior com trânsito processo em liberdade. Ausência de decre-
em julgado posterior não enseja reincidência, tação da prisão preventiva pelas instâncias
mas justifica o aumento da pena-base a título ordinárias. STF (Em. 93/39).......................... 175
de maus antecedentes. TJDF (Em. 93/34).... 173
- Execução provisória. Suspensão. Possi-
- Condenação transitada em julgado há mais bilidade. Arma de fogo. Porte ilegal. Uso
de 5 anos. Possibilidade de utilização para a permitido. Substituição da pena privativa de
configuração de maus antecedentes. Ilegali- liberdade por restritiva de direitos negada.
dade não caracterizada. STJ (Em. 93/63)...... 182 Reincidência não específica. Condenação an-
- Contrabando. Cigarros. Produto de im- terior por crime de menor potencial ofensivo.
portação proibida. Autoria e materialidade Circunstâncias judiciais favoráveis. STF (Em.
comprovadas. Princípio da insignificância. 93/58).............................................................. 181
Inaplicabilidade. Na hipótese, a exasperação - Falso testemunho. Obtenção de prova des-
da pena-base em 6 meses mostra-se bem tinada a produzir efeito em processo penal.
fundamentada, e justifica-se pela grande Art. 342, § 1º, do CP. Alegada atipicidade da
quantidade de cigarros contrabandeados – conduta. Namoro. Compromisso prestado.
13.000 maços, cada um contendo 20 cigarros. Art. 203 do CPP. Materialidade e autoria do
TRF 1ª R. (Em. 93/22)................................... 169 crime devidamente comprovadas. Pedido de
- Detração analógica aplicada em 1º grau. Aba- redução da pena. Possibilidade. Exclusão da
timento de parcela da sanção pecuniária em avaliação negativa da personalidade. Regime
razão do cumprimento de tempo de prisão de cumprimento de pena da apelante. Ma-
superior ao da condenação definitiva. Inad- nutenção do regime inicial fechado. TJDF
missibilidade. Sanções penais de naturezas (Em. 93/41)..................................................... 175
distintas, sendo a pena de multa dívida de - Furto qualificado. Maus antecedentes.
valor executada pela Fazenda Pública (art. Condenações anteriores ao período depu-
51 do CP), pelo que não é admitida a com- rador. Enquanto pendente de julgamento o
pensação entre esta punição e a privação de recurso paradigmático, a 1ª Turma deste STF
liberdade. TJSP (Em. 93/30).......................... 172 firmara jurisprudência no sentido de que a
- Dosimetria. Aumento. Continuidade deli- decisão que opta por uma das correntes não
tiva. A definição da percentagem referente se qualifica como ilegal ou abusiva, âmbito
ao aumento da pena considerado o art. 71, normativo destinado à concessão de HC de
parágrafo único, do CP faz-se no campo do ofício. STF (Em. 93/43)................................. 176
justo ou injusto, não encerrando ilegalidade. - Homicídio qualificado tentado. Motivo torpe
STF (Em. 93/55)............................................ 181 e pelo recurso que dificultou ou impediu a
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 199

defesa da vítima. Art. 121, § 2º, I e IV, na Antidrogas. Demonstração de interesse em


forma do art. 14, II, do CP. Erro na execução propagar o uso de tóxicos entre aqueles que
do crime. Aberratio ictus em sentido estrito. circulam pelos lugares enumerados. Neces-
Redução da tentativa pelo grau mínimo. Ade- sidade. Mera proximidade das instituições.
quada, portanto, a redução na fração mínima Não incidência. Redutor do art. 33, § 4º,
de 1/3, conforme autoriza o parágrafo único da Lei 11.343/06. Manutenção do desconto
do inciso II do art. 14 do CP. TJDF (Em. máximo. Pouca quantidade de cocaína.
93/69).............................................................. 185 Natureza e volume devem ser considerados
cumulativamente. Art. 42. Regime aberto e
- Lesão corporal culposa e embriaguez ao
substituição da corporal. Possibilidade. He-
volante. Substituição da pena privativa de
diondez afastada pelo STF no HC 118.533.
liberdade por restritivas de direitos. Pos-
Declaração de perdimento de bens. Impos-
sibilidade. Suspensão do direito de dirigir
sibilidade. TJSP (Em. 93/73)......................... 187
veículo automotor. Proporcionalidade à pena
privativa de liberdade. Detração do período - Violência doméstica. Ameaça. Dosimetria.
suspenso via cautelar. Cabimento. TJAP (Em. Pena-base acima do mínimo legal. Conduta
93/50).............................................................. 178 social e consequências do crime. Despro-
porcionalidade do aumento. Inocorrência.
- Privativa de liberdade cumprida integral-
Majoração benevolente mantida. Confissão
mente. Pena de multa pendente. Decisão
espontânea, motivo fútil e relações domés-
que declara extinta a punibilidade da pena
ticas. Aplicação de índice diverso de 1/6.
de multa. Irresignação ministerial. Procedên-
Ausência de motivação concreta. Flagrante
cia. Decisão de origem cassada. TJSP (Em.
ilegalidade evidenciada. Ordem concedida
93/57).............................................................. 181
de ofício. STJ (Em. 93/8)............................... 162
- Progressão de regime. Art. 112 da LEP.
PENA DE MULTA
Requisito subjetivo. Exame criminológico.
Súmula 439/STJ. Complementação com - Corrupção ativa. Interceptação telefônica.
parecer psiquiátrico. Ausência de fundamen- Suposta ilegalidade. Autoria e materialidade
tação adequada. STJ (Em. 93/56).................. 181 comprovadas. Dosimetria acertada. Não há
que se falar em redução do valor da multa fi-
- Progressão de regime. Reincidência. Cir-
xada em substituição à pena privativa de liber-
cunstância de caráter pessoal. Aplicação em
dade, uma vez devidamente fundamentada,
todas as condenações do apenado. Ela foi dada
em valor próximo às condições econômicas
sem considerar a condição de reincidente
do acusado. TRF 1ª R. (Em. 93/24).............. 170
em todos os delitos hediondos ou equipa-
rados pelos quais cumpre pena. TJRS (Em. PRESCRIÇÃO
93/60).............................................................. 181
- Acolhimento. Denúncia. Decisão que re-
- Remição por leitura. Obra literária. Negado jeitou parcialmente a denúncia. Art. 288,
o pedido por falta de previsão legal. Inaplica- parágrafo único, do CP. Prescrição com
bilidade da Recomendação do CNJ 44/2013. base na pena máxima cominada em abstrato
Inteligência do art. 126, § 1º, I, da LEP. TJSP suscitada pela Procuradoria de Justiça. Lapso
(Em. 93/65)..................................................... 183 temporal transcorrido. Prescrição, também,
quanto ao crime tipificado no art. 14 da Lei
- Roubo. Circunstanciado pelo uso de arma e
10.826/03. Extinção da punibilidade que se
concurso de pessoas. Confissão espontânea
impõe. TJRN (Em. 93/27)............................. 172
e multirreincidência. Compensação parcial.
Corréu que confessou o crime. Idêntica ma- PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
joração. Critérios não equânimes. Embargos
- Aplicabilidade. Sonegação fiscal. Valor do
providos. TJDF (Em. 93/33)......................... 173
tributo devido inferior ao patamar previsto
- Roubo. Emprego de arma branca. Novatio legis no art. 22 da Lei 10.522/02, atualizado pela
in mellius. Exclusão da causa de aumento, com Portaria 75/02, do Ministério da Fazenda. R$
a valoração negativa das circunstâncias do 20.000,00. Excludente de tipicidade. TRF 5ª
crime. Pena reduzida. Alegação de reformatio R. (Em. 93/26)................................................ 171
in pejus. Inocorrência. TJDF (Em. 93/53)..... 179
- Furto. Bens alimentícios de pequeno valor.
- Tóxicos. Tráfico privilegiado. Condenação. Incidência. Absolvição. Ordem concedida.
Suficiência de provas. Art. 40, III, do Estatuto STF (Em. 93/45)............................................ 177
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
200

PRISÃO DOMICILIAR Ester foi a autora do homicídio. TJRS (Em.


- Descumprimento. Prisão preventiva. Decre- 93/61).............................................................. 182
tada no curso de ação penal. Possibilidade. - Homicídio. Qualificadoras. Inexistência de
A pretensão acerca da adequação do regime indícios. Agravantes afastadas da decisão. Não
deve ser formulada perante o Juízo da Exe- houve testemunha presencial e, portanto,
cução, com a unificação das penas, pois o como se pode afirmar, com um mínimo
paciente tem outras condenações transitadas de indício, que a agressão foi desmotivada,
em julgado. TJRS (Em. 93/59)...................... 181 motivo fútil, ou que a recorrente tenha agido
- Sem monitoramento eletrônico. Descum- de forma a impedir ou diminuir a defesa da
primento de condições. Falta grave não vítima. Aceitá-las, sem nada a ampará-las, é
configurada. Revogação do benefício. TJRS presumir fatos, o que é vedado. TJRS (Em.
(Em. 93/29)..................................................... 172 93/61).............................................................. 182
- Homicídio. Tentativa. Excludente de ilicitu-
PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
de. Legítima defesa comprovada. TJAP (Em.
VERSUS JUSTIÇA COMO
93/62).............................................................. 182
LIBERDADE E A GARANTIA
MÁXIMA DA PERSONALIDADE - Homicídio qualificado triplo. Furto quali-
PELA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA ficado. Laudo subscrito por papiloscopista.
Validade da pronúncia. Embora a manifes-
- Artigo de Marcelo Negri Soares, Maurício tação técnica produzida pelo Instituto de
Ávila Prazak e Patrícia Jorge da Cunha Viana Identificação da Polícia Civil do DF tenha
Dantas............................................................. 5 sido subscrita apenas por peritos papilos-
PRISÃO PREVENTIVA copistas, que não são considerados peritos
oficiais pelo art. 5º da Lei 12.030/09, não se
- Acórdão do STJ – Feminicídio. Garantia da trata de prova ilícita, devendo ser mantida no
ordem pública. Gravidade concreta. Modus conjunto probatório da causa como elemento
operandi. Motivo fútil. Ameaças a parentes indiciário a ser oportunamente avaliado pelo
das vítimas...................................................... 131 Juiz natural da causa, o Tribunal do Júri. STF
- Acórdão do TJRS – Receptação. Ausentes os (Em. 93/74)..................................................... 187
pressupostos. Fiança afastada. Substituição
PROVA
por medidas cautelares diversas. Ratificação
da liminar........................................................ 152 - Acórdão do STJ – Produção antecipada.
Homicídio qualificado. Ocultação de cadáver.
- Decretada no curso de ação penal. Descum-
Fraude processual. Conexão. Art. 366 do
primento de prisão domiciliar. Possibilidade.
CPP. Urgência da medida não demonstrada.
A pretensão acerca da adequação do regime
Constrangimento ilegal. Nulidade................ 126
deve ser formulada perante o Juízo da Exe-
cução, com a unificação das penas, pois o - Interceptações telefônicas. Trancamento da
paciente tem outras condenações transitadas ação penal. Justa causa. Nulidade. Não induz
em julgado. TJRS (Em. 93/59)...................... 181 à ilicitude da prova resultante da intercepta-
ção telefônica que a autorização provenha de
- Feminicídio. Garantia da ordem pública. Mo-
Juiz Federal – aparentemente competente,
dus operandi da conduta criminosa. Motivação
à vista do objeto das investigações policiais
idônea. STF (Em. 93/42)............................... 176
em curso, ao tempo da decisão – que, poste-
PRONÚNCIA riormente, se haja declarado incompetente, à
- Existência de indícios da materialidade, vista do andamento delas. STJ (Em. 93/54).. 180
autoria. A prova, seja ela apurada no inqué- - Laudo subscrito por papiloscopista. Validade
rito policial seja ela parcialmente em juízo, da pronúncia. Embora a manifestação técnica
mostrou, de forma adequada porque trouxe produzida pelo Instituto de Identificação
elementos mínimos para o convencimento da Polícia Civil do DF tenha sido subscrita
sobre a atuação da pronunciada na ocasião, apenas por peritos papiloscopistas, que não
que a recorrente teria matado a vítima. Deste são considerados peritos oficiais pelo art. 5º
modo, ainda que quase toda a prova tenha da Lei 12.030/09, não se trata de prova ilícita,
sido colhida durante o inquérito policial, devendo ser mantida no conjunto probatório
ela convence, para efeitos de pronúncia, que da causa como elemento indiciário a ser
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 201

oportunamente avaliado pelo Juiz natural da motivo fútil, meio insidioso que resultou
causa, o Tribunal do Júri. STF (Em. 93/74).. 187 em perigo comum e recurso que dificultou
a defesa da vítima). Materialidade confir-
- Gravação ambiental e gravação de conversa
mada. Autoria duvidosa. Manutenção da
realizadas por um dos interlocutores. Coação
sentença de improcedência da representação.
ilegal não configurada. Pacificou-se neste
Aplicação do princípio do in dubio pro reo e a
sodalício o entendimento de que a gravação
improcedência da representação. TJRS (Em.
ambiental realizada por um dos interlocuto-
93/15).............................................................. 167
res é válida como prova no processo penal,
independentemente de autorização judicial. REVISÃO CRIMINAL
STJ (Em. 93/63)............................................. 182
- Crime previsto no art. 273, § 1º-B, do CP.
- Produção antecipada. Homicídio qualificado Preceito secundário. Inconstitucionalidade.
tentado. Prisão em flagrante. Descumpri- Reconhecimento. STJ. Posição jurispruden-
mento das medidas cautelares impostas na cial firmada. Julgamento pela Corte Especial.
audiência de custódia. Citação por edital. Sentença transitada em julgado antes aplica-
Prisão preventiva. Ré foragida. Produção ção do caput do art. 33 da LAD. Possibilidade.
antecipada de provas. Nulidade. Inexistência. Novo posicionamento anterior ao trânsito
Art. 366 do CPP. STJ (Em. 93/47)................. 177 em julgado da sentença. TJDF (Em. 93/67). 184
ROUBO
R
- Emprego de arma branca. Novatio legis in
RECEPTAÇÃO mellius. Exclusão da causa de aumento, com
a valoração negativa das circunstâncias do
- Acórdão do TJRS – Prisão preventiva.
crime. Pena reduzida. Alegação de reformatio
Ausentes os pressupostos. Fiança afastada.
in pejus. Inocorrência. TJDF (Em. 93/53)..... 179
Substituição por medidas cautelares diversas.
Ratificação da liminar.................................... 152 ROUBO QUALIFICADO
RECEPTAÇÃO DOLOSA - Uso de arma e concurso de pessoas. Con-
fissão espontânea e multirreincidência.
- Motocicleta. Art. 180, caput, do CP. Dolo Compensação parcial. Corréu que confessou
demonstrado. Condenação mantida. Sufi- o crime. Idêntica majoração. Critérios não
ciência probatória. Palavra da vítima e dos equânimes. Embargos providos. TJDF (Em.
policiais. Validade. Pena parcialmente redi- 93/33).............................................................. 173
mensionada em relação aos réus. Regimes
mantidos. Multa redimensionada. Pena de
multa. Redimensionada para ambos os réus. S
TJRS (Em. 93/64)........................................... 183
SIGILO FISCAL E BANCÁRIO
REFLEXÕES SOBRE O REGIME
- Quebra. Mandado de segurança. Investigado.
INICIAL DE CUMPRIMENTO DE
Excepcionalidade da quebra. Autorizada no
PENA caso concreto. Imprescindibilidade. Ha-
- Artigo de Gustavo Octaviano Diniz Junquei- bilitação dos advogados no procedimento
ra e Oswaldo Henrique Duek Marques....... 52 investigatório. Descabimento. Não conclu-
são. Decisão de indeferimento. STM (Em.
REPARAÇÃO DE DANOS
93/51).............................................................. 179
- Violência doméstica e violação de domicílio.
SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA E
Fixação de indenização mínima à vítima.
DANIELA MARINHO MORGANTI
Requerimento do ministério público na de-
núncia. Alegação de impossibilidade de arcar - Artigo: “A Constitucionalidade do Confisco
com o valor fixado na sentença. Ausência de Alargado e da Ação de Extinção de Domí-
provas. Possibilidade de parcelamento. TJAP nio”................................................................. 26
(Em. 93/77)..................................................... 188
SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO
REPRESENTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
- Ato infracional. Tentativa de homicídio qua- - Controle de constitucionalidade. Alegação de
lificado (concurso de agentes, motivo torpe, inconstitucionalidade material do art. 337-A,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 – Índice Alfabético
202

caput, do CP. A norma impugnada não fragi- T


liza o princípio constitucional da igualdade.
Ausência de concessão de vantagens a um THIAGO BUSCHINELLI
grupo da sociedade em detrimento de outro. SORRENTINO E CESAR LUIZ DE
A possibilidade de colaboração espontânea é OLIVEIRA JANOTI
ofertada a todos os sujeitos ativos do crime - Artigo: “Criminalização Objetiva do Inadim-
de sonegação de contribuição previdenciária. plemento Tributário: Abordagem Dogmática
STF (Em. 93/23)............................................ 170 Penal”.............................................................. 64

SONEGAÇÃO FISCAL TÓXICOS


- Absolvição. Art. 1º, I, da Lei 8.137/90. - Tráfico. Desclassificação para o crime de
Declaração falsa à autoridade fazendária. posse de drogas para consumo pessoal.
Supressão indevida de tributo federal (Im- Constrangimento ilegal verificado. Ordem
posto de Renda Pessoa Física) decorrente concedida para restabelecimento da sentença.
de recibos de serviços odontológicos cuja A pequena quantidade de maconha apreen-
prestação não restou comprovada. Princípio dida (6 g) e as circunstâncias e condições
da insignificância. Aplicabilidade. Valor do em que se desenvolveu a ação indicam, sem
precisar examinar a fundo a matéria fática,
tributo devido inferior ao patamar previsto
que a solução adequada ao caso é a desclassi-
no art. 22 da Lei 10.522/02, atualizado pela
ficação da conduta para aquela prevista no art.
Portaria 75/02 do Ministério da Fazenda. R$
28 da Lei 11.343/06, nos termos da sentença
20.000,00. Excludente de tipicidade. TRF 5ª
de primeira instância. STF (Em. 93/72)........ 186
R. (Em. 93/26)................................................ 171
- Tráfico. Paciente primário preso com apro-
- Acórdão do STF – Responsabilidade penal ximadamente 3 g de crack e 35 g de cocaína.
subjetiva. Art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/90. Prognóstico favorável ao paciente primário,
Condição de contribuinte. Prescindibilida- de bons antecedentes. Ordem concedida
de. A responsabilidade penal é subjetiva e para deferir a liberdade provisória mediante a
independente da tributária............................. 122 imposição das medidas cautelares previstas no
art. 319, I e IV, do CPP. TJSP (Em. 93/70).... 186
SUBMISSÃO DE CRIANÇA OU
ADOLESCENTE A VEXAME OU - Tráfico. Prisão preventiva. Fundamentação
CONSTRANGIMENTO inidônea. Argumentos genéricos. Gravidade
abstrata. Revogação do decreto prisional.
- No caso, imputa-se ao paciente a conduta Medidas cautelares. Necessidade e adequa-
descrita no art. 232 do ECA, porque ele teria ção. Condições pessoais favoráveis. Valora-
causado constrangimento a um adolescente, ção. Ordem concedida de ofício. STJ (Em.
durante uma aula de História. Por mais que 93/71).............................................................. 186
se vislumbre eventual excesso na conduta
- Tráfico privilegiado. Condenação. Suficiência
acadêmica do docente, não parece razoável
de provas. Art. 40, III, do Estatuto Antidrogas.
a atribuição de responsabilidade criminal
Demonstração de interesse em propagar o
pelos fatos aqui narrados. Ordem concedida
uso de tóxicos entre aqueles que circulam pe-
de ofício para determinar o trancamento da los lugares enumerados. Necessidade. Mera
ação penal. STJ (Em. 93/68).......................... 185 proximidade das instituições. Não incidência.
SURSIS Redutor do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.
Manutenção do desconto máximo. Pouca
- Acórdão do TJSP – Violência doméstica. Le- quantidade de cocaína. Natureza e volume
são corporal leve. Regime aberto e suspensão devem ser considerados cumulativamente.
condicional da pena. Afastada a prestação Art. 42. Regime aberto e substituição da
de serviços à comunidade como condição corporal. Possibilidade. Hediondez afastada
obrigatória ao sursis, eis que a pena corporal pelo STF no HC 118.533. Declaração de
imposta é inferior a 6 meses. Interpretação perdimento de bens. Impossibilidade. TJSP
do art. 46 do CP............................................. 156 (Em. 93/73)..................................................... 187
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 93 – Dez-Jan/2020 203

U com o valor fixado na sentença. Ausência de


provas. Possibilidade de parcelamento. TJAP
UNIFICAÇÃO DE PENAS (Em. 93/77)..................................................... 188
- Nova data-base para a concessão de be- VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
nefícios. Inexistência de previsão legal.
- Acórdão do TJSP – Lesão corporal leve.
Constrangimento ilegal configurado. HC
Pena-base fixada no mínimo legal a míngua
não conhecido. Ordem concedida de ofício.
de maus antecedentes. Regime aberto e
Este STJ se posicionava no sentido de que
suspensão condicional da pena. Afastada a
a superveniência de nova condenação, no
prestação de serviços à comunidade como
curso da execução da pena, determinava a
condição obrigatória ao sursis, eis que a pena
unificação das reprimendas e a fixação de
corporal imposta é inferior a 6 meses. Inter-
nova data-base para a progressão de regime.
pretação do art. 46 do CP.............................. 156
STJ (Em. 93/75)............................................. 187
- Ameaça. Dosimetria. Pena-base acima do mí-
nimo legal. Conduta social e consequências
V do crime. Desproporcionalidade do aumento.
Inocorrência. Majoração benevolente man-
VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL
tida. Confissão espontânea, motivo fútil e
- Exposição à venda de cópia de obra intelectual relações domésticas. Aplicação de índice di-
ou fonograma reproduzido com violação do verso de 1/6. Ausência de motivação concreta.
direito do autor. Materialidade e autoria com- Flagrante ilegalidade evidenciada. Ordem
provada. É reprovável a conduta do agente concedida de ofício. STJ (Em. 93/8)............. 162
que comercializa CDs e DVDs falsificados,
usurpando o direito autoral de terceiros com VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
a finalidade lucrativa. TJAP (Em. 93/76)...... 188 VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
- Fixação de indenização mínima à vítima.
VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E
Requerimento do ministério público na de-
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
núncia. Alegação de impossibilidade de arcar
- Fixação de indenização mínima à vítima. com o valor fixado na sentença. Ausência de
Requerimento do ministério público na de- provas. Possibilidade de parcelamento. TJAP
núncia. Alegação de impossibilidade de arcar (Em. 93/77)..................................................... 188
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