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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – Nº 91
Ago-Set 2019

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006

Classificação Qualis/Capes: B1

Editores
Fábio Paixão
Walter Diab

Coordenador
Aury Lopes Júnior

Conselho Científico
Damásio E. de Jesus – Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva

Conselho Editorial
Adeildo Nunes – Amadeu de Almeida Weinmann
Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Haroldo Caetano da Silva
José Carlos Teixeira Giorgis – Luiz Flávio Gomes – Marcelo Roberto Ribeiro
Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti – Roberto Victor Pereira Ribeiro
Rômulo de Andrade Moreira – Sergio Demoro Hamilton
Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Eduardo Saad-Diniz – Gustavo Carvalho Kichileski – Lenio Luiz Streck
Leonardo Estevam de Assis Zanini – Luiz Fernando Kazmierczak
Rafael Estrela Nóbrega – Rogério Filippetto – Silvio Luiz Maciel
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Aury Lopes Júnior.
v. 91 (ago./set. 2019)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

LexMagister
Diretor Executivo: Fábio Paixão

Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040


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Sumário
Em Evidência
1. Júri: Prisão e Vedação de Apelação para a Acusação – a Decisão do STF
Lenio Luiz Streck...................................................................................................... 5

Doutrina
1. A Releitura do Princípio In Dubio Pro Societate no Rito Especial do Júri
Rafael Estrela Nóbrega............................................................................................. 10
2. Ensaio sobre uma Segurança Jurídica Metamórfica
Rogério Filippetto..................................................................................................... 38
3. O Papel Transformativo das Corporações no Processo Penal: Ideias sobre
Compliance e Vitimização Corporativa
Eduardo Saad-Diniz............................................................................................... 57
4. O Combate à Pornografia de Vingança e a Tutela Penal da Imagem no
Brasil
Leonardo Estevam de Assis Zanini e Silvio Luiz Maciel............................................ 72
5. Metacognição: Ofensa à Imparcialidade do Juiz Criminal na Fase de
Investigação
Luiz Fernando Kazmierczak e Gustavo Carvalho Kichileski..................................... 94

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Preconceito Religioso. Lei nº 7.716/89.
Limites Excedidos na Liberdade de Manifestação Religiosa. Diferença
entre Discurso Religioso e Discurso sobre a Crença Alheia
Relª Minª Cármen Lúcia....................................................................................... 111
2. Superior Tribunal de Justiça – Pena Restritiva de Direitos. Execução
Provisória. Impossibilidade. Art. 147 da LEP
Rel. Min. Ribeiro Dantas....................................................................................... 119
3. Superior Tribunal de Justiça – Prescrição. Réu que Completou 70 Anos
Depois da Sentença Condenatória. Redução do Prazo Prescricional.
Impossibilidade de Aplicação do Art. 115 do CP
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz............................................................................. 123
4. Superior Tribunal de Justiça – Inquérito Policial. Investigação Deflagrada
com Base em Notitia Criminis de Cognição Imediata. Notícia Veiculada
em Imprensa. Reportagem Jornalística. Possibilidade. Outros Elementos
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro...................................................................... 129
5. Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Crime Ambiental.
Desmatamento. Art. 50-A da Lei nº 9.605/98. Estado de Necessidade e
Inexigibilidade de Conduta Diversa Não Comprovados
Rel. Des. Fed. Néviton Guedes............................................................................... 145
6. Tribunal de Justiça do Amapá – Embriaguez ao Volante. Paciente que
Dormia no Carro. É Atípica a Conduta do Acusado que, Apesar da
Comprovação da Embriaguez, não Pratica a Elementar “Conduzir Veículo
Automotor” Inscrita no Art. 306 da Lei nº 9.503/97
Rel. Des. Carmo Antônio....................................................................................... 153
7. Tribunal de Justiça de São Paulo – Apelação em Liberdade. Sentença
Condenatória. Tomar Refeição em Restaurante sem Dispor de Recursos
para Efetuar o Pagamento. Deferimento. Impossibilidade. Condições
Pessoais Desfavoráveis
Relª Desª Claudia Fonseca Fanucchi....................................................................... 157
8. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 161
9. Ementário............................................................................................................ 164
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 192
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 193
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 194
Em Evidência

Júri: Prisão e Vedação de Apelação para a


Acusação – a Decisão do STF

Lenio Luiz Streck


Jurista; Professor de Direito Constitucional; Pós-Doutorado
em Direito; Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados
Associados.

RESUMO: Urge que o Júri passe por uma reformulação. É preciso extirpar a
íntima convicção. Ela é incompatível com a exigência de fundamentação (art.
93, IX, da CF). Sendo bem simples: ninguém pode perder a liberdade por um
detalhe. Um sim ou um não, dados às escuras, sem o dever de dizer o porquê, é
absolutamente incompatível com a democracia. É incrível como a comunidade
jurídica não se insurge contra isso.

PALAVRAS-CHAVE: Tribunal do Júri. Íntima Convicção.

A discussão sobre a soberania dos veredictos no Tribunal do Júri recebeu


três novos inputs:
– a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no HC 313.251, dizendo
que não ofende a soberania dos veredictos a anulação da decisão em segundo grau, após
apelação interposta pelo Ministério Público, quando a sentença se mostrar diametralmente
oposta à prova dos autos;
– com as posições dos Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ale-
xandre de Morais (e, no caso Bruno, a posição dos Ministros Rosa Weber
e Luiz Fux), tem-se a tendência de o STF, face à nova posição em relação à
presunção da inocência, considerar a decisão do Júri como instância equivalente ao
esgotamento da prova; e
– o voto recentíssimo do Ministro Celso de Mello, que decidiu, em sede
do RHC 117.076/PR, que não cabe apelação ao Ministério Público, fundada
em alegado conflito da deliberação absolutória com a prova dos autos.
Vamos destrinchar isso. Com efeito:
Caso 1. No HC 313.251, do STJ, segundo o voto condutor (Ministro
Joel Paciornik), “a absolvição do réu pelos jurados, com base no art. 483, III,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Em Evidência
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do CPP, ainda que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável,
podendo o Tribunal cassá-la quando ficar demonstrada a total dissociação da
conclusão dos jurados com as provas apresentadas em Plenário. Assim, resta
plenamente possível o controle excepcional da decisão absolutória do Júri, com
o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo grau de jurisdição”.
Essa discussão e esse aspecto polêmico do Júri estão ligados à própria
fragilidade da instituição. De um lado, tem-se que a soberania dos veredictos
não é absoluta; de outro, a previsão de íntima convicção que ganhou um
reforço a partir do quesito genérico previsto no art. 483, III, do CPP, isto é,
a admissão pelo legislador de que, mesmo que se admita a autoria e a ma-
terialidade e, independentemente da tese anunciada pela defesa, os jurados
podem entender, por íntima convicção, que o acusado deva ser absolvido (por
exemplo, por clemência).
Afinal, ao que consta da lei, não se perguntam as razões da decisão. Daí
a pergunta: o segundo grau (ou o STJ) pode dizer que o Júri não pode ab-
solver alguém por clemência? Como saber (d)isso, se a votação é por “íntima
convicção e secreta”? Eis o busílis. Trata-se de uma aporia. Um dilema sem
saída. Aliás, como não há justificativa e nem quesitação jurídica propriamente
dita, indaga-se apenas se o réu deve ser absolvido. E, veja-se, a absolvição deve
estar fundada na prova? A lei apenas diz “por íntima convicção”. Assim, como
dizer que a absolvição é contraria à prova dos autos, se o quesito apenas fala
“se o réu deve ser absolvido”? A resposta é: isso é impossível. Resposta em
contrário é contrariar a lei.
Explico: o quesito genérico é feito, nitidamente, em favor do réu. E isso se deduz
de uma coisa singela: não se pergunta se o réu deve ser condenado. Disso
deflui a pergunta: o recurso previsto na letra d do inciso III do art. 593 é também um
recurso que pode ser manejado pela acusação? Como aferir a contrariedade à prova
dos autos se os jurados podem absolver o acusado sem necessidade de dizer
por quê?
No caso acima analisado pelo STJ, o Ministro destacou que, para con-
cluir que a decisão do Conselho de Sentença foi contrária à prova dos autos,
a Corte fluminense se baseou nos depoimentos colhidos durante a instrução
probatória, assim como na causa mortis descrita no exame de corpo de delito.
Daí:
a) Júri esgota a matéria de fato? Como diferenciar fato e direito?
O inusitado é que o segundo grau pode examinar o contexto probatório
do modo que melhor entender, sendo que, face à Súmula nº 7, o STJ não
Em Evidência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 7

pode dizer se o que o Tribunal de piso disse confere com a realidade. Não
parece estranho e paradoxal isso tudo?
Ademais, há uma contradição e uma ilogicidade nessa decisão do STJ.
Se o Júri não tem soberania para absolver por íntima convicção contra a prova
dos autos, esse exame acerca do acerto ou erro do Júri a ser realizado pelo
Tribunal de Justiça cabe apenas a este? Segundo essa tese, fica transferida a
soberania do Júri para uma absoluta soberania do segundo grau. Logo, como
dizer que esgota em primeiro grau, a ponto de o STF afirmar a possibilidade de prisão
imediata? Sim, porque se o motivo do apelo do Ministério Público é reexame
da prova que teria sido mal examinada pelo Júri e desse julgamento do segundo
grau não cabe recurso porque será reexame de prova vedado pela Súmula nº
7, então, de fato, faz sentido afirmar que o apelo de decisão do Júri somente pode ser
feito pela defesa, porque se trata de um quesito defensivo, genérico, vitaminado pela íntima
convicção, sindicável apenas quando for a favor da defesa. À acusação restaria apenas
uma apelação quando se tratar de nulidade (já discuto isso na sequência). E
isso por uma razão singela: decidindo o jurado por íntima convicção, não há
fundamentação; é como se fosse feito por sorteio ou par ou ímpar. Ou como
fazem na tribo Azembe, na África, envenenando um pintinho. Eis a extrema
fragilidade do Tribunal do Júri.
b) Como saber que a decisão é contra a prova dos autos com esse modelo de quesitos?
Insisto: de que modo o Tribunal de segundo grau vai saber que a deci-
são foi contrária à prova dos autos? Buscando a ficção da “verdade real” (sic)?
Mas, atenção, se o Júri não é indagado sobre legítima defesa ou outra tese
defensiva, como saber que o jurado não decidiu por que acha injusta a condenação?
Como saber? Ou está proibida a absolvição por injustiça? Se sim, então não
será mais íntima convicção. Tertius non datur.
c) Fato: a íntima convicção é insustentável na democracia – esse é o ponto
De todo modo, reforça-se, com isso, a extrema inadequação de o Júri poder
decidir por íntima convicção. Isso contraria a Constituição, que exige fundamen-
tação. E, como já dito, a Constituição garante a instituição do Júri e o sigilo
das votações, mas não garante a íntima convicção (farei um artigo sobre as
necessárias alterações no Júri – já no início dos anos 1990 escrevi sobre isso).
No livro Comentários à Constituição do Brasil, da Saraiva (Canotilho, Mendes,
Sarlet e Streck), já adianto algumas posições no comentário ao Júri.
d) Resumindo as três posições sobre absolvição e a apelação
No âmbito do STJ existem três posições: (I) não é permitida a ab-
solvição por qualquer motivo fora da prova dos autos, o que torna possível
o recurso do MP diante da absolvição que não tenha amparo no conjunto
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Em Evidência
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probatório (HC 288.054/SP); (II) os jurados podem absolver por qualquer


motivo, mesmo de forma desvinculada da prova dos autos, sendo incabível
recurso do MP tendo em vista a soberania das decisões do Júri (HC 350.895/
RJ); (III) o Tribunal de Apelação pode fazer o controle acerca do respaldo
fático-probatório da decisão de clemência (ou injustiça), para mandar o réu
a novo Júri quando a decisão absolutória for desprovida de elementos fáticos
que a autorizem (HC 350.895/RJ)1.
Já o Supremo Tribunal Federal, pelo voto recentíssimo do Ministro
Celso de Mello, decidiu, em sede do RHC 117.076/PR, que não cabe apelação
ao Ministério Público, fundada em alegado conflito da deliberação absolu-
tória com a prova dos autos. Vingasse a tese, “implicaria frontal transgressão
aos princípios constitucionais da soberania dos veredictos do Conselho de
Sentença”.
Como a posição do Ministro Celso não representa a posição full bench
do STF, a questão parece que vai continuar aberta.
Caso 2. Para piorar a situação do Júri, vem se desenhando no STF a tese
de que, findo o julgamento, o réu deve ser recolhido à prisão.
Permito-me discordar. Afinal, se da decisão do Júri que condena cabe
recurso por nulidade e manifesta contrariedade à prova dos autos, por qual
razão o Júri esgota a facticidade? No caso do STJ acima relatado, o segundo
grau reexaminou totalmente a prova e mandou o réu a novo Júri. Então, como
afirmar que a decisão dos jurados significa trânsito em julgado e determina a prisão?
Outra aporia. Disso se tem:
(I) Decisão de jurado equivale a “trânsito em julgado”? Não. Não
equivale.
Tenho que é inconstitucional tal posição que justifica a imediata exe-
cução da pena. Sob nenhuma hipótese a soberania do Júri implica cumpri-
mento imediato da pena. Júri é primeiro grau. Se a soberania do Júri é direito
fundamental (garantia), como pode se virar (ou ser usada) contra o réu? Não
esqueçamos que cada tese tem uma antítese: se a decisão do Júri “prende” de ime-
diato, então não cabe recurso da absolvição. Simples assim. Salvo se existir nulidade.
Mesmo assim, essa nulidade não pode prejudicar o acusado.
É impressionante como o próprio Supremo resolveu usar as garantias
contra os próprios beneficiários dessas garantias. No Brasil, o in dubio pro reo,
consagrado já na mitologia grega, agora virou in dubio contra o réu.

1 Nesse sentido, ver: LOPES Jr., Aury. Tribunal do Júri: a problemática apelação do artigo 593, III, ‘d’, do CPP. Consultor
Jurídico. 18 ago. 2017.
Em Evidência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 9

(II) Ao fim e ao cabo, voltamos à fraude da íntima convicção – a paixão


brasileira por esse dogma antidemocrático.
Urge que o Júri passe por uma reformulação. Minha tese é que teremos
que extirpar a íntima convicção. Urgente. Ela é incompatível com a exigência
de fundamentação (art. 93, IX, da CF).
Sendo bem simples: ninguém pode perder a liberdade por um detalhe.
Um sim ou um não, dados às escuras, sem o dever de dizer o porquê, é ab-
solutamente incompatível com a democracia. É incrível como a comunidade
jurídica não se insurge contra isso.
Mas há como consertar isso. Sem violar a CF. Na verdade, é até fácil
tornar o Júri compatível com a CF. Falarei disso em outra oportunidade.
Ah, é claro que se somarmos íntima convicção com a soberania plena
dos veredictos (a ponto de significar “trânsito em julgado” e levar à prisão do
condenado), temos uma tempestade perfeita.
De todo modo, a decisão do Ministro Celso abre caminho para discutir
a matéria. Mesmo firmada a soberania, esta é extremamente dúctil. Líquida.
Íntima convicção é incompatível com a democracia. Totalmente incompatível.
E é incompatível com a democracia sustentar que a decisão dos jurados, por
íntima convicção, pode tirar a liberdade de uma pessoa, antes mesmo de o
Tribunal apreciar a apelação. Não se pode exagerar.
Numa frase: sem consertar a excrescência da íntima convicção, o Júri
não tem qualquer sentido.

TITLE: Jury trial: imprisonment and prohibition of appeal from final judgment by the prosecution – the
decision of the Federal Supreme Court.

ABSTRACT: It is necessary that the Jury Trial undergoes some reformulation. The breast of judge needs
to be completely removed. It is incompatible with the requirement for grounds (Article 93, item IX, of the
Federal Constitution). To put it simply: no one should lose its freedom for a detail. A yes or no, delivered
unclearly, with no obligation of explaining why, is absolutely incompatible with democracy. It is amazing
to see that the legal community does not object to this.

KEYWORDS: Jury Trial. Breast of Judge.

Recebido em: 25.08.2019


Aprovado em: 03.09.2019
Doutrina

A Releitura do Princípio In Dubio Pro


Societate no Rito Especial do Júri
Rafael Estrela Nóbrega
Graduado em Direito pela Universidade Santa Úrsula;
Pós-Graduado em Direito; Juiz de Direito Titular da Vara de
Execuções Penais (VEP) do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO: O presente artigo pretende analisar o contemporâneo entendimento


da decisão de pronúncia com a aplicação do standard de prova acima da dúvida
razoável, originário do sistema norte-americano, conhecido como proof beyond a
reasonable doubt. Para tanto, será realizada uma introdução acerca do instituto da
prova com uma digressão sobre a verdade e suas diferentes nuances abordadas
pelos doutrinadores e acolhidas pelo ordenamento jurídico. Nessa lógica, se-
guimos com uma rápida abordagem acerca dos sistemas processuais existentes
com a consequente apresentação das regras necessárias para que o procedimento
seja considerado legítimo, ou seja, o devido processo penal. A partir de então,
faremos a apresentação do instituto americano do standard da dúvida razoável,
com a sua conceituação, origem histórica e análise doutrinária a seu respeito,
demonstrando as divergências que o mesmo ainda traz nos ordenamentos em
que é aplicado. Por fim, após destaques sucintos a respeito do funcionamento do
Tribunal do Júri, será mais profundamente comentada a decisão de pronúncia
e os entendimentos atuais e contrastantes a respeito da aplicação dos princípios
do in dubio pro societate e do in dubio pro reo, decorrentes da inserção em nossos
Tribunais do standard da dúvida para além do razoável.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Penal. Prova Além da Dúvida Razo-


ável. Princípio do In Dubio Pro Reo. Princípio do In Dubio Pro Societate. Decisão
de Pronúncia.

SUMÁRIO: 1 A Prova. 2 A Busca da Verdade. 3 O Devido Processo Legal; 3.1


Os Sistemas Processuais; 3.2 O Devido Processo Penal. 4 O Standard da Dúvida
Razoável no Sistema Norte-Americano; 4.1 Aplicação do Parâmetro em Casos
pelo Mundo. 5 O Procedimento do Tribunal do Júri; 5.1 A Decisão de Pronúncia;
5.1.1 Princípio do In Dubio Pro Societate; 5.1.2 Princípio do In Dubio Pro Reo. 6
Considerações Acerca da Aplicação do Padrão da Dúvida Razoável no Brasil. 7
Conclusão. 8 Referências Bibliográficas.

1 A Prova
A prova, no curso do processo, é o instrumento utilizado pelos sujeitos
processuais para comprovar os fatos que deram ensejo à demanda. As partes,
através da instrução probatória, buscarão o convencimento do magistrado de
que os fatos decorreram da forma como lhe são apresentados por cada uma.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 11

No processo penal, a prova nada mais é do que o seu elemento instru-


mental, permitindo que as partes influenciem na convicção do juiz acerca de
suas alegações1,2,3.
Todas as partes do processo são destinatárias das provas podendo partici-
par da sua colheita de forma ativa e desacreditá-las por meio de outras provas4.
Assim, mesmo que o réu confesse o crime, a sua condenação não poderá
ser fundamentada única e exclusivamente na confissão apresentada, devendo
o magistrado embasar a sua decisão também em outros elementos do processo
que corroborem o que foi dito pelo acusado.
De acordo com a distribuição do ônus da prova, caberá a cada parte
provar os fatos que trouxer ao processo, bem como caberá ao juiz, caso en-
tenda necessário, a complementação através de outros meios de prova para
que possa formar o seu convencimento.
Diante dessa possibilidade, surge uma grande discussão doutrinária a
respeito do papel do juiz no processo e se o mesmo estaria agindo de forma
parcial ou não ao determinar provas não requeridas pelas partes, o que feriria
a sua posição processual5.

1 “(...) a demonstração dos fatos em que assenta a acusação e daquilo que o réu alega em sua defesa é o que constitui
a prova.” (MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1998. v. II. p. 253)
2 “It is therefore only after the hearing of the evidence is concluded and both parties have had an opportunity to present
their arguments and to comment freely on the evidence, that the judge’s power to follow his own personal ‘intime
conviction’ can come into play.” (KUNERT, Karl H. Some observations on the origin and structure of evidence rules
under the common law system and the civil law system of free proof in the German Code of Criminal Procedure.
Buffalo Law Review, v. 122, 1966-1967, p. 162)
3 “es importante hacer referencia a las diferentes corrientes que procuran dar respuesta previamente a la pregunta:
¿cuál es la finalidad de la prueba?, pues bien ellas son: la primera, que considera que la prueba tiene por finalidad la
fijación formal de los hechos; la segunda, según la cual la prueba tiene por finalidad la obtención del convencimiento
del juez y la tercera que sostiene que la prueba tiene como propósito central la obtención de la verdade.” (RUA,
Monica Maria Bustamante. La relación del estándar de prueba de la duda razonable y la presunción de inocencia
desde el garantismo procesal en el Proceso Penal Colombiano. Opinión Jurídica, Medellín, v. 9, n. 17, p. 71-91, ISSN
1692-2530, ene./jun. 2010, p. 75. Disponível em <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3294142>.
Acesso em: 10 jul. 2019)
4 “First, the fact (or facts) to be proved are normally related to an event or state of affairs in the past or, if in the present,
not otherwise the object of the fact-finder’s immediate perception. This fact must therefore be reconstructed for
and befor the fact-finder. This construction of the replica of the fact in issue is the first phase of the proof process
as a whole. As a matter of fact, several conflicting replicas will normally emerge in a controversial case. Secondly, to
have this replica or model of the fact in issue – or a variety of replicas, for that matter – set up in the courtroom does
not yet create the workable certainty that is needed do arrive at a decision. To reach such a decision, the replica, or
one of the various replicas presented, or a combination of parts thereof, has to be accepted as truly representing the
original fact (...) The second phase of the process consists of the evaluation of the replica with a view to its judicial
acceptance as a true reconstruction of the original fact. If the evaluation results in an affirmative answer as to on
of the replicas, the fact it represents is considered proved… if the answer is a negative one with respect to all the
replicas, the determinative fact has not been established. The basis for the decision is the artificially supplied by the
rules concerning the burden of proof.” (Ibid. p. 123)
5 “In order to secure the desirable accuracy and comprehensiveness of the reproduction, the common law and the civil
law systems have developed two entirely different devices: the adversary system on the one hand and the clarifying
duty of the judge on the other hand (...) The active clarifying function of the judge under the Continental procedural
system is often labeled as the typical ‘inquisitorial’ feature as opposed to the ‘accusatorial’ nature of the proceedings
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
12

Barbosa Moreira destaca com propriedade, que não apenas um juiz


ativo pode ter sua imparcialidade violada, mas também a omissão judicial
igualmente não goza, em si, necessariamente, de neutralidade.
Nesse sentido, não se pode perder de vista que a não produção de provas
também acarreta consequências jurídicas benéficas a uma das partes e maléficas
a outra. Não satisfeito o ônus de provar, o julgamento se dará de acordo com
a distribuição da carga probatória, muitas vezes podendo ocorrer em sentido
favorável àquela parte que se prejudicaria pelo esclarecimento dos fatos.
Concluindo seu posicionamento, o ilustre professor destaca que o poder
instrutório tem o valor de promover uma reconstrução mais fidedigna da ver-
dade dos fatos6. Ainda que a completude do conhecimento seja uma utopia, os
ordenamentos buscam assegurar que ela seja alcançada no maior grau possível7.
O papel da jurisdição enquanto responsável por promover a paz social
exige o afastamento da dúvida e a perpetuação dos conflitos, acaso as soluções
fiquem adstritas, exclusivamente, às partes no processo8.
A sentença é ato exclusivo do juiz. Ela instrumentaliza a função mais
importante do juiz enquanto condutor do processo. Negar ao juiz o poder de
requisitar prova que entende necessária à solução do litígio é transformá-lo em
mero gestor processual, sem a preocupação com o resultado justo do processo.

2 A Busca da Verdade
O processo, seja civil ou penal, quando analisado como procedimen-
to, possui sempre o intuito de chegar à verdade dos fatos que ocorreram e
o originaram. Contudo, nem sempre é fácil ou possível montar as peças do
quebra-cabeças e chegar ao que efetivamente ocorreu.

under the adversary system (...) The main function of section 244(2), CCP, is now to make sure that where the par-
ties failed to indicate – in the charge sheet, in formal motions to receive evidence, or in informal suggestions to the
court – or to themselves adduce, all pertinent evidence, the trial judge has to step in and to assume the role of defense
o state counsel, respectively.” (KUNERT, Karl H. Some observations on the origin and structure of evidence rules
under the common law system and the civil law system of free proof in the German Code of Criminal Procedure.
Buffalo Law Review, v. 122, 1966-1967, p. 125)
6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O neoprivatismo no processo civil. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas
de direito processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 97.
7 “Com base no conhecimento difundido de que somente a atividade instrutória das partes não assegura de maneira
alguma a descoberta da verdade, andou-se afirmando a tendência de atribuir-se ao juiz um papel ativo na produção
das provas que as partes não tenham requerido por iniciativa própria, com a evidente finalidade de fazer com que a
verdade, ainda assim, possa ser apurada.” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos.
Trad. Vitor de Paula Ramos. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2016. p. 201)
8 “Por ello, desde el punto de vista iuspublicista, la abstención judicial debe ser siempre rechazada. No tiene sentido que
el mismo Derecho que en mayor medida tiene como finalidad la preservación de la paz social, acabe por desautorizar
a uno de sus principales agentes: el juez.” (FENOLL, Jordi Nieva. La duda en el proceso penal. Madrid: Marcial Pons,
2013. p. 43)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 13

O conceito de “verdade” para o direito é algo subjetivo e sua análise é


válida, porque “a eficácia dos direitos dos cidadãos somente será real se a justiça
for capaz de revelar com segurança a verdade dos fatos dos quais eles resultam”9.
Essa conceituação pode ser buscada a partir de uma perspectiva objetiva
quando independente do sujeito que a julga, ou subjetiva quando se foca no
destinatário das informações. Se, por um lado, existem certas correções neces-
sárias entre as provas e os fatos; por outro, não se pode olvidar que fenômenos
externos atuam na convicção10 e intimidade do juiz11.
Por isso, o estabelecimento da verdade dos fatos no juízo criminal seria,
em verdade, a preponderância de razões afirmativas para se acreditar, com
certo grau de certeza, em determinada versão, que leve a um juízo de certeza12.
Taruffo afirma que o contraditório processual gera a dúvida, mostran-
do soluções diferentes do conflito entre as partes, mas o processo não pode
terminar deixando de resolver essa dúvida13.
A doutrina afirma existir diferença entre o processo civil e o processo pe-
nal, pois enquanto no processo civil há mecanismos para obstar a realização de
determinadas provas, do que decorre o conhecimento de apenas parte da verdade;
no processo penal, a instrução probatória deve ser a mais ampla e abrangente
possível para que se obtenha a descrição mais próxima da verdade real14,15,16.

9 GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, RT, ano 33, n. 164,
out. 2008, p. 45-46.
10 “En efecto, por convicción pareciera referirse a un modelo de libre valoración de la prueba por parte del juez, de
carácter eminentemente subjetivo, en virtud del cual el adjudicador adquiere el íntimo convencimiento acerca
de los hechos ocurridos. Sin embargo, este razonamiento es inconsistente para quienes compartimos un modelo
garantista, que permita el control de esa justificación por parte de un tribunal superior o de un tercero, incluida,
obviamente, la comunidade.” (RODRÍGUEZ, Raúl Carnevali; VAL, Ignacio Castillo. El estándar de convicción
de la duda razonable en el proceso penal chileno, en particular la relevancia del voto disidente. Revista Ius et Praxis,
año 17, n. 2, 2011, p. 77-118, p. 79. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4096091>.
Acesso em: 10 jul. 2019)
11 MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. 3. ed. Campinas: Bookseller, 1996. p. 60-62.
12 MALATESTA, Nicola Flamarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. 6. ed. Campinas: Bookseller, 2005.
p. 87-88 e 107.
13 TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Trad. Vitor de Paula Ramos. 1. ed. São
Paulo: Marcial Pons, 2016. p. 223.
14 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Processo civil e processo penal: mão e contramão?. In: MOREIRA, José Carlos
Barbosa. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 207.
15 Para Eugenio Florian, “(...) dado que está dominado por un interés público, es necesario que la verdad resplandezca
en su totalidad sin ninguna clase de limitaciones. En él se averigua la llamada verdad material” (apud LINHARES,
Raul Marques. O juiz e a gestão da prova no processo penal: entre a imparcialidade, a presunção de inocência e a
busca pela verdade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 119, p. 201-240, mar./abr. 2016, p. 16).
16 “Quanto às regras que concernem à admissão, à produção – e, por vezes, até mesmo à valoração das provas – pode-se
observar que essas podem limitar ou condicionar de modos diferentes a busca da verdade; isso não implica, entretanto,
que essas determinem a descoberta de uma verdade diferente daquela que se poderia descobrir fora do processo. Pode-
se somente dizer que essas produzem um déficit na apuração da verdade que se dá no processo, já que, por exemplo,
obstam a produção de provas relevantes à apuração dos fatos cujo conhecimento é importante para a decisão. Esse déficit
não implica que haja uma verdade processual: implica somente que, em um processo em que vigem normas limitadoras
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
14

Com relação, especificamente, à verdade, ressalta Barbosa Moreira,


que no processo civil o magistrado contentava-se com a “verdade formal”,
enquanto que no processo penal era necessária a busca da “verdade material
ou real”17,18,19,20,21,22,23,24,25,26.
No mesmo sentido, Afrânio Silva Jardim defende o poder instrutório
do juiz como condizente com o princípio da verdade real ou da busca pela

da possibilidade de servir-se de todas as provas relevantes, apura-se somente uma verdade limitada e incompleta, ou
– nos casos mais graves – não se apura verdade alguma. O problema, então, não concerne à verdade, mas aos limites
em que a disciplina do processo consente que essa seja apurada.” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e
a construção dos fatos. Trad. Vitor de Paula Ramos. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2016. p. 107)
17 “Conquanto as denominações de verdade real e verdade formal não ‘apunten a conceptos diferentes de lo que se
entiende por verdad’, o direito processual penal ‘objetiva más la averiguación de la verdade que otras regulaciones
jurídico-procesales, por la transcendencia que en el tiene el interes público (estatal), el cual desplaza al interés
provado por la averiguación de la verdade’.” (MAIER, Julio apud MOREIRA, José Carlos Barbosa. Processo civil e
processo penal: mão e contramão?. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: sétima série. São
Paulo: Saraiva, 2001. p. 204-205)
18 “Evidente que não se trata daquela verdade real de outrora, a que se dedicou o período inquisitorial da Idade Média.
Mas da busca da verdade como forma de realização de um direito da parte, o direito à prova dos fatos que alega,
e de um dever do juiz, ainda que de caráter subsidiário, de tentar reconstruir os fatos o mais próximo que puder
chegar da realidade, a fim de que sua sentença possa tornar vencedor aquele que tem efetivamente o melhor direito.”
(BASTOS, Marcelo Lessa. O processo penal e a gestão da prova: a questão da iniciativa instrutória do juiz em face do
sistema acusatório e da natureza da ação penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 1)
19 “Lá, na esfera civil, se o réu acionado por Cr$ 100,00, diz, mentirosamente, que já pagou 50 e o autor aceita a afirma-
ção, não cabe ao juiz averiguar se o fato é verdadeiro ou falso. No juízo criminal, acontece exatamente o contrário.
Não importa que o réu confesse ou que o Ministério Público aceite a alegação de uma causa de exclusão do crime
ou que haja sido arguido um fato extintivo da punibilidade. O juiz procura colher a prova de tudo quanto possa
levar a conhecer os fatos reais, verdadeiros.” (TORNAGHI, Helio. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
1990. v. 1. p. 267)
20 Para Gustavo Badaró, “não há diferença entre processo civil e penal quanto à finalidade de alcance da verdade; o
que existe são limites distintos para a obtenção da verdade, o que não quer dizer que, do ponto de vista da teoria do
conhecimento, haja ‘verdades’ distintas” (apud GUEDES, Clarissa Diniz. Persuasão racional e limitações probatórias:
enfoque comparativo entre os processos civil e penal. Tese [Doutorado em Direito]. São Paulo: Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, 2013. p. 78-79).
21 “Ambos os processos buscam equilibrar a busca da verdade e o risco de equívocos em conformidade com a espécie
de relação material analisada; mas é, justamente, a diversidade da natureza das relações em jogo no processo penal
e no processo civil que determina métodos diversos para a consecução da igualdade material no processo através da
distribuição dos erros.
A exigência de um modelo de constatação fundado, via de regra, na preponderância de uma das teses fáticas pressupõe
uma relação jurídica estruturalmente igualitária, ao passo que a exigência de um modelo de constatação mais rigoroso
para a condenação penal pressupõe uma desigualdade estrutural a ser compensada juridicamente. No processo penal,
a desigualdade na distribuição dos erros desvenda uma disparidade apenas aparente de armas e visa, tanto quanto no
processo civil, à igualdade material. Em ambos os casos, há distribuição de riscos de equívocos judiciais.
Entretanto, não há como afirmar, a priori, que no processo civil esta distribuição dos riscos de equívoco privilegie
mais ou menos a busca da verdade que no processo penal. Tudo o que se pode inferir é que a exigência de níveis
de certeza mais ou menos elevados para se decidir em favor de uma ou de outra parte é orientada por princípios
totalmente diversos no processo civil e no processo penal, justamente pela disparidade das questões substanciais
tratadas em cada seara.
Portanto, os métodos de busca da verdade e os paradigmas para assegurar a igualdade material em cada processo
divergem a ponto de afastá-los consideravelmente no que concerne ao tratamento da admissão, produção e valoração
da prova, mas não o suficiente para se concluir que um destes processos esteja menos preocupado, em todos os
aspectos, com a busca da verdade como finalidade da prova.” (Ibid., p. 88-89)
22 “O princípio da verdade material possui uma clara vinculação com o princípio inquisitivo. Jorge de Figueiredo Dias
aponta, como objetivo do princípio da investigação (ou princípio inquisitório), a obtenção das bases de decisão pelo
juiz, permitindo-se a ele a busca por provas além dos limites estabelecidos pelas partes, por isso também o nome-
ando de princípio da verdade material.” (WEDY, Miguel Tedesco; LINHARES, Raul Marques. O juiz e a gestão da
prova no processo penal: entre a imparcialidade, a presunção de inocência e a busca pela verdade. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, v. 119, p. 201-240, mar./abr. 2016, p. 13)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 15
23,24,25,26
.
verdade real. De fato, mesmo que não se possa alcançar uma verdade plena
e absoluta pelo processo, o magistrado não pode se eximir de tentar afastar a
dúvida antes de formar seu convencimento para o julgamento27-28.
A sentença é um ato judicial. É o resultado da cognição do juiz com
base nas provas apresentadas pelas partes e, eventualmente, complementadas
pelo julgador, cuja missão é demonstrar fundamentadamente a sua conclusão
acerca da avaliação dos fatos29-30.

23 “A grande maioria da doutrina brasileira insiste em dizer que o processo penal é regido pelo princípio da verdade
material. Contudo, não se dá conta que esta ideia vem legitimar o sistema inquisitório e toda a barbárie que o acom-
panha, na medida em que tem o processo como meio capaz de dar conta ‘da verdade’; e não de ‘ uma verdade’, não
poucas vezes completamente diferente daquela que ali estar-se-ia a buscar.
Assim, é preciso admitir que no processo penal jamais se vai apreender a verdade como um todo – porque ela é inal-
cançável – e, portanto, como se viu, o que se pode – e deve – buscar nos julgamentos é um juízo de certeza, pautado
nos princípios e regras que asseguram o Estado Democrático de Direito.” (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda.
Introdução aos princípios gerais do direito processual penal brasileiro. Separata ITEC, ano 1, n. 4, jan./mar. 2000)
24 “La contraposición entre verdad real y verdad formal, mediante la cual algún procesalista ha creído expresar en
fórmula sintética una diversidad esencial de objeto entre la instructoria penal y la instructoria civil (de suerte que, si
tuviese fundamento tal contraposición, solamente sería verdadera historiografía la que se realiza en las aulas penales),
no corresponde en modo alguno a la verdadera naturaleza de los procesos, los cuales, aun sirviéndose de diferentes
métodos de investigación, sedirigne al mismo y único fin, que es la busca de la verdad simple y una, sin añadidos y
sin calificativos.” (CALAMANDREI apud FARIA, André Luiz Chaves Gaspar de Morais. Os poderes instrutórios do
juiz no processo penal: uma análise a partir do modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: Arraes, 2011. p. 57)
25 Para Magalhães Noronha, “dois são os sistemas quanto à colheita de provas: o da verdade legal e o da verdade real.
O primeiro, também chamado de verdade formal, existe quando a lei estabelece o valor das provas; há hierarquia
entre elas; seu valor é fixado aprioristicamente, consideradas, então, as provas em semiplenas, plenas e pleníssimas.
O juiz está vinculado a sua classificação. Já no outro sistema, o magistrado não fica adstrito a critérios valorativos
e apriorísticos da prova, mas é livre na sua escolha e aceitação. Não há regras predeterminadas a sua crítica. Assim,
v.g., pode ele aceitar o testemunho de um homem de bem contra o de dois de má fama, de vida escusa e condenável”
(Curso de direito processual penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 91).
26 “La ley bajo ciertas circunstancias pone límites al esfuerzo de investigación: de esta manera afirma indirectamente
que en todos los otros casos está permitido practicar cualquier prueba que sea pertinente. Así, el proceso penal
está reconocidamente dominado por el principio de la investigación de la verdad material: únicamente la ‘verdad
real’ puede ser fundamento de una decisión, pero el juez no puede encontrarla si la busca por caminos marcados
obligatoriamente de antemano.” (BELING, Ernst; AMBOS, Kai; GUERRERO, Orcas Julian. Las prohibiciones
probatorias. Bogotá: Temis, 2009. p. 4)
27 JARDIM, Afrânio Silva. Garantismo no processo penal: breve e parcial reflexão. Revista Eletrônica de Direito Processual,
p. 6-10, vol. 14, 2014, p. 8. Disponível em <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/14523>.
Acesso em: 8 set. 2016.
28 Como afirma Montero Aroca: “a função da jurisdição deve se centrar em que o juiz é o último garante dos direitos
que o ordenamento reconhece ao indivíduo, notadamente os direitos fundamentais. Ora, afigura-se óbvio que,
como garante de direitos fundamentais – seja de que ramo forem tais direitos –, o juiz deve cuidar de resguardá-los
da melhor forma possível, o que traz à tona a relação entre prova e verdade no processo. Logo, a busca da verdade
como objetivo do processo também se coaduna com esta concepção, na justa medida em que a verdade não está
excluída como premissa relevante à garantia, pela via judicial, dos direitos fundamentais” (apud GUEDES, Clarissa
Diniz. Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os processos civil e penal. Tese [Doutorado
em Direito]. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2013. 471 f.).
29 “Em verdade, o juiz de um estado constitucional não pode firmar premissas fáticas e considerá-las provadas com base
apenas em sua íntima e solipsista convicção, nem motivá-la de forma meramente formal. É preciso que se argumente
e justifique adequadamente como os fatos foram trazidos para a sentença. Um juiz que não se faz entender não é um
juiz democrático e, para que possamos entendê-lo, é necessário que sua sentença exponha os argumentos de prova
que tenham influído em seu veredito e discorra de forma comprometida acerca dos aspectos que poderiam influenciar
no resultado da valoração probatória.” (SANTOS, Pedro Alves; ROESLER, Claudia Rosane. Argumentação, fatos e
verdade no processo penal em estados constitucionais. REDP, Rio de Janeiro, ano 13, v. 20, n. 1, jan./abr. 2019, p. 423)
30 “O convencimento do juiz precisa ter ligação umbilical com a demonstração desses fatos. Ou seja, a prova, que deve
retratar o mais fielmente possível a realidade, busca convencer o juiz, para que o mesmo profira uma decisão racional.”
(MIRZA, Flávio. Reflexões sobre a avaliação da prova pericial. In: Org. BASTOS, Marcelo Lessa; AMORIM, Pierre
Souto Maior Coutinho de. Tributo a Afrânio Silva Jardim: escritos e estudos. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 349)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
16

Para Alexandre Morais da Rosa, a busca pela verdade real visa apenas
acalentar a consciência de acusadores e julgadores, pois durante todo o tramite
de produção das provas, vários detalhes se perdem, inviabilizando, portanto,
o conhecimento dos fatos exatamente como se deram31.

3 O Devido Processo Legal


3.1 Os Sistemas Processuais
O Código de Processo Penal de 1941, utilizado até os dias de hoje, foi
cunhado em um período em que predominava o totalitarismo, a ditadura, em
que não se pensava na construção de um Estado de Direito, o que fez com
que o Código em si absorvesse tal atmosfera em seus artigos, gerando a sub-
missão do acusado ao Estado através do poder acusatório e punitivo. Também
colaborou para o viés inquisitivo do CPP o fato de que os documentos que
lhe serviram de inspiração foram redigidos em países que viviam a mesma
situação político-ideológica, como a Itália, por exemplo.
Foi em tal contexto que surgiu a posição de superioridade do magistra-
do32. Nesse ponto, a sua função se torna mista entre acusação, investigação e
julgamento, o que nos leva à análise dos sistemas processuais penais utilizados
durante o curso da história.
O sistema adversarial tem como fundamento o princípio da oportu-
nidade no exercício da ação penal, que vale para qualquer das partes, seja o
órgão acusador com a sua disponibilidade de atuação, seja para a defesa que
pode deixar de ocorrer ou mesmo renunciar direitos fundamentais. Nesse
sistema, apresenta-se a diferenciação firme entre o órgão julgador e acusador,
bem como é ressaltada a imparcialidade do juiz.
No sistema acusatório, o Estado assume a função de acusador e a
investigação, oficial e com respeito ao princípio da legalidade, praticamente
fundamentava a imputação. Tem-se, em tal sistema, a separação precisa das
funções de acusar, defender e julgar.
O acusatório puro é o sistema desejado pela doutrina mais garantista,
já que a completa separação de funções propicia um processo penal mais

31 “Daí que a informação no campo do processo penal adentra por meio da prova, cujo regime possui quatro momentos
(requerimento, deferimento, produção e valoração). Em todos esses momentos há possibilidade de perda (gaps). A
testemunha pode não comparecer, morrer, a filmagem não funcionar, o laudo não ter sido feito, etc., enfim, todas
as possibilidades processuais atinentes à prova, por definição, impedem a informação perfeita.” (ROSA, Alexandre
de Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 94)
32 “Verifica-se um ‘donismo’ processual sem precedente, endo e extraprocessuais: o processo é meu, o promotor é
meu, o estagiário é meu, o servidor é meu, o carro é meu, eu sou eu, eu e eu. Então, eu posso investigar, eu posso
acusar, eu posso julgar, recorrer e executar a sanção.” (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo legal: abordagem
conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 90)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 17

justo, não comprometendo a função julgadora com eventual contaminação


probatória realizada de ofício.
Por fim, o sistema inquisitivo caracteriza-se por tomar o acusado como
objeto de prova, a turva separação entre as funções de acusar e julgar e um
grande papel de atuação do magistrado33,34,35.
No Brasil, a opção foi pela supremacia dos direitos fundamentais, sendo
inviável a aplicação do sistema inquisitorial puro. Verifica-se que a Consti-
tuição pende para o sistema acusatório, em que há a separação das funções
de julgar e acusar, com a estrita observância do devido processo legal e seus
princípios decorrentes36-37.

3.2 O Devido Processo Penal


Para que o processo penal transcorra regularmente, respeitando todos
os princípios fundamentais e garantias, foi necessário estabelecer um procedi-

33 “Segundo Illuminati, duas características básicas diferenciam o acusatório do inquisitivo: a legitimação para acusar
e os poderes do juiz para atuar de ofício. As dimensões do contraditório são outra marca do modelo acusatório.
Contraditório formal e material com submissão da prova ao confronto no espaço público do processo, cuja po-
tencialidade há de superar a fase preparatória da imputação.” (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo legal:
abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 95)
34 “El antiguo proceso inquisitivo general trataba bastante mal la persona del imputado. Él era objeto de investigación
y aun cuando su situación procesal con frecuencia ha sido esbozada con demasiados colores lúgubres, es con segu-
ridad cierto que el respeto por su dignidad humana y en general por la esfera de su personalidad era un concepto
desconocido de tal manera que en cualquier caso una práctica probatoria no requería hacer un alto frente a esta
limitación. No siquiera el cuerpo y la vida del investigado estaban seguros ante las injerencias del proceso penal, pues
la práctica de prueba por medio de la coacción de la tristemente recordada tortura era la prueba reina.” (BELING,
Ernst; AMBOS, Kai; GUERRERO, Orcas Julian. Las prohibiciones probatorias. Bogotá: Temis, 2009. p.16)
35 “En ese sentido, el sistema inquisitivo pareciera buscar una verdad objetiva (material) que, en realidad, se aproxima
a un ideal de verdad ontológica, basada en la creencia de que la búsqueda de una verdad objetiva no solamente es
posible, sino que, además, deseable. En base a ese presupuesto, entonces, el juez, como responsable de la averigua-
ción de la verdad, y la determinación de la inocencia o culpabilidad del imputado, debe desarrollar la actividad de la
prueba orientado hacia esa verdad material. Por ello, la justicia en el sistema inquisitivo se entiende alcanzada cuando
se logra objetiva, sustancial y ontológicamente la verdad material.” (RODRÍGUEZ, Raúl Carnevali; VAL, Ignacio
Castillo. El estándar de convicción de la duda razonable en el proceso penal chileno, en particular la relevancia del
voto disidente. Revista Ius et Praxis, año 17, n. 2, 2011, p. 77-118, p. 89. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/
servlet/articulo?codigo=4096091>. Acesso em: 10 jul. 2019.
36 “En ese sentido, el proceso penal no es un procedimiento libre, sino formalizado de averiguación de la verdad.
Cuando la Constitución establece que nadie puede ser penado sin juicio previo fundado en la ley, no está protegiendo
al imputado que ha sido coaccionado para incriminarse, ni el domicilio a la correspondencia violadas, pues la lesión
ya se ha consumado, lo que pretende es establecer que un juicio fundado en elementos de prueba así obtenidos no
puede fundamentar una condena penal por la propia ilicitud del procedimiento en el cual se basa.” (ROXIN, Claus.
La prohibición de autoincriminación y de las escuchas domiciliares. Dir. por Francisco Munoz Conde y Marcela de Langhe.
1. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2008. p. 25)
37 “While courts will inevitably engage in balancing, I do not think that determining the material truth in a criminal
proceeding should be considered to be a higher goal than the respect for the international and constitutional protec-
tion of the right to human dignity and related guarantees respecting the right to silence and privacy (...) In order to
provide an effective remedy for violations of rights during criminal investigations, evidence obtained in violation
of fundamental constitutional rights should presumptively be excluded, subject only to narrowly-drawn exceptions
for good-faith errors and emergencies. Exclusion of such evidence should not depend on the balancing of interests;
otherwise, fundamental human rights will be lost in the balance.” (THAMAN, Stephen C. Exclusionary rules in
comparative law. Ius gentium: comparative perspectives on law and justice, v. 20, Springer Ed., p. 408-409)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
18

mento, conhecido como o devido processo penal, regrado conforme o Código


de Processo Penal de 1941 estabelece38-39. Diante de todas as transformações
mundiais ocorridas durante esse período histórico, todos os ordenamentos
passaram a ser estabelecidos com base na dignidade da pessoa humana e no
respeito a princípios fundamentais, aqui encartados na CRFB. Dessa forma,
para que o processo penal seja efetivamente chamado de “devido” a sua obe-
diência a tais máximas deve ser completa e absoluta40.
Com a evolução do sistema penal no Brasil e com a redemocratização,
entendeu-se a necessidade da constitucionalização do processo através da ado-
ção do Estado de Direito nas três esferas de Poder, quais sejam, a de elaborar
as leis, a de interpretá-las e a de aplicá-las41.
Sendo assim, o processo penal deve se desenvolver com base nos debates
propostos entre acusação e defesa, sempre com observância dos princípios
e garantias fundamentais, o que traz legitimidade para qualquer decisão que
for tomada no processo. O juiz, no caso, passa a ser o garantidor do respeito
a tais fundamentos constitucionais, realizando uma prestação jurisdicional
efetiva e uma decisão justa.
O devido processo penal nada mais é do que a vertente no processo penal
do princípio do devido processo legal inserto em nossa Constituição42. Há

38 “Do iter procedimental dos atores jurídicos se extrai um modus operandi programático acerca de um objeto, direcio-
nado a um fim, uma metodologia de aplicação e hermenêutica, motivo por que admite uma metodologia acusatória,
ou uma técnica acusatória, mas esta, assim como o estilo ou princípio, não representa a totalidade do conteúdo do
sistema. Embora não padronizado, historicamente houve uma estrutura processual objetiva (atos, atividades...) e
subjetiva (atores jurídicos, sujeitos...) estruturada ideologicamente a partir de norma escritas, princípios, valores e
práticas costumeiras, formando um verdadeiro sistema de processamento criminal, produzindo um determinado
resultado.” (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo legal: abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da
Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 92)
39 “como é cediço, o devido processo legal, em seus aspectos formal e material, constitui uma das mais importantes
garantias para a defesa dos direitos e liberdades das pessoas, configurando um dos pilares do constitucionalismo
contemporâneo (...) Desde a sua concepção, o devido processo legal passou a constituir a ‘garantia das garantias’,
essencial para assegurar a concreção dos direitos e liberdades plasmados ao longo de séculos por renhidas lutas
travadas contra a autocracia e o absolutismo.” (STF, AgRg no HC 156.583/RS)
40 “Todavia, entende-se que não é possível falar em restrição – mínima que seja – do mandado constitucional de proteção
ao devido processo. Tem-se o devido processo penal como garantia constitucional irrestringível, pois o resultado
da mínima restrição que seja a este, o tornará impossível de ser chamado ‘devido’ processo, pois somente assim o
será quando observado em completude. O respeito ao devido processo (penal) equivale ao respeito ao ordenamento
jurídico constitucional do Estado de Direito.” (MENDES, Carlos Helder Carvalho Furtado; OLIVEIRA, Daniel
Kessler de. A ilicitude probatória resultante da vulneração do devido processo penal e a constante busca pela “efici-
ência” processual. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, ano 13, v. 20, n. 1, jan./abr. 2019, p. 66)
41 “Assim, o devido processo é o constitucional e convencional, o justo processo, muito além da normatividade ordinária. É
aquele capaz de assegurar a proteção dos direitos humanos no plano concreto, por meio de uma teia de garantias forjadas
em sua historicidade, na complexidade normativa doméstica e internacional.” (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido
processo legal: abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 99)
42 “O filtro da validade constitucional possui uma dupla face: formal e substancial, ou seja, da vinculação da regra ao
conteúdo material da Constituição, na perspectiva de proteção dos direitos fundamentais, consubstanciados na CF.
Portanto, na contemporaneidade, o acoplamento da potestatividade punitiva, na perspectiva de limite e controle de
sua atividade e incidência, ultrapassa a mera justificação e suficiência do plano ordinário, da objetivação das regras,
mas atinge outras dimensões, universais, migrando do ente legislativo, legal (ser), para o ente constitucional, subs-
tancial, deontológico (dever ser).” (Ibidem, p. 101-102)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 19

diversas garantias decorrentes do devido processo aplicáveis tanto no âmbito


cível quanto no âmbito penal, como, por exemplo, o acesso à justiça, o juiz
natural, a plenitude de defesa, a publicidade dos atos, entre outros43. Contudo,
no âmbito do processo penal, o devido processo possui três postulados essen-
ciais: a impossibilidade da pretensão persecutória, caso não tenha ocorrido um
fato típico, antijurídico e culpável; a prévia existência da previsão da sanção
criminal para o fato específico; e a impossibilidade de uma medida satisfativa
de punição antes do trânsito em julgado da sentença condenatória44-45.
Em se tratando de garantias, afirma Rogério Tucci que são essas as
abrangidas pelo devido processo penal:

“a) do acesso à justiça penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de


tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da pleni-
tude de defesa do indiciado, acusado ou condenado, com todos os meios
e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f)
da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação do prazo razoável de
duração do processo penal; h) da legalidade da execução penal.”46

Deve, portanto, o devido processo penal respeitar a garantias tanto de


um lado como de outro, ou seja, deve se atentar para as garantias do coletivo
com a repressão justa ao condenado pelo fato delituoso, contudo, deve se ater
também às garantias do cidadão como ser em si mesmo, não sendo possível
a determinação e aplicação de penas que levem o condenado à situação de
penúria e insubsistência digna, ainda que dentro do cárcere47,48,49.

43 “(...) o procedimento criminal apresenta-se atualmente como verdadeiro instrumento democrático de proteção do
cidadão, a impedir o arbítrio, limitar o poder punitivo estatal e tutelar as garantias constitucionais de investigados
ou denunciados.” (STF, AgRg no HC 156.583/RS)
44 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 4. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 66.
45 “Assim, a jurisdição penal só seria válida num processo em que o conjunto de atos fosse executado de acordo com
a forma e a ordem pré-estabelecidas.” (SOUZA NETTO, José Laurindo de. Processo penal: sistemas e princípios. 5.
ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 116)
46 TUCCI, Rogério Lauria. Op cit., nota 44, p. 66.
47 “Contudo, quando se tenta o esboço de um sistema processual penal de garantias conforme a constituição, não pode
esconder-se que o devido processo tem que tutelar tanto o interesse individual pelas garantias como o interesse
coletivo pela repressão justa dos delitos cometidos, porque tanto afeta a justiça um inocente preso que um culpável
impune.” (BAÑOS, Javier Ignácio; MIRANDA Jr., Joaquim José. Sistema de garantias constitucionais no direito
processual penal. 1. ed. Belo Horizonte: Edições Superiores, 2017. p. 77)
48 “Cuida-se, como é sabido, de uma garantia de caráter dúplice. De um lado, indica a indispensabilidade da instauração
de um processo antes da restrição de quaisquer direitos. De outro, significa que o processo precisa ser adequado,
ou seja, não pode ser um simulacro de procedimento, devendo assegurar, no mínimo, a imparcialidade do juiz, a
publicidade do julgamento, a igualdade entre as partes, o efetivo contraditório, a ampla defesa e a motivação das
decisões.” (STF, AgRg no HC 156.583/RS).
49 “De este modo, lo importante, desde el punto de vista constitucional debe ser el considerar si el juez con las actua-
ciones que le permite la ley y la jurisprudencia es suficientemente imparcial, y no ve amenazada su independencia:
si la obtención y práctica de la prueba respeta las garantías fundamentales; si rige con todas las consecuencias la
presunción de inocencia y el derecho a guardar silencio y a no confesarse culpables; si hay garantías suficientes para
defender la posición del imputado – sea como sea que el legislador decida llamarle – y si a la víctima se le coloca
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
20

Ainda está também abarcada pelo devido processo legal a ideia da


conclusão do procedimento em um prazo razoável sem que seja por demais
alongado injustificadamente50, o que ocorre comumente, inclusive, por estra-
tégia das partes, ferindo, contudo, a boa-fé processual, dever este das partes
que compõem o processo.

4 O Standard da Dúvida Razoável no Sistema Norte-Americano


O instituto, que não consta expressamente da Constituição Americana,
passou a ser aplicado nos EUA a partir de 1798 e foi adotado publicamente
pela Suprema Corte Americana em 1970.
Originalmente a expressão reasonable doubt não tinha qualquer relação
com o acusado do crime, e sim com os jurados. Isso, porque, segundo a antiga
tradição cristã, condenar um inocente era um pecado mortal, o que levaria a
alma do jurado diretamente para o inferno51. Portanto, a aplicação da dúvida
razoável tranquilizava os jurados, uma vez que quando a condenação ocorria
não restava qualquer dúvida razoável sobre o crime analisado52.
Assim, o instituto da dúvida razoável passou a ser aplicado pelo common
law americano a partir de 1770 com o intuito de aliviar a consciência dos
jurados.
Acerca do tema, Susan Haack afirma que o procedimento probatório
durante o curso do processo não objetiva uma investigação científica, uma
vez que não se dispõe do tempo necessário para análise pormenorizada de

en una posición en la que pueda salvaguardar convenientemente sus intereses, sin que ello deba suponer, por lo
menos en la mayoría de los casos, un desconocimiento del carácter público de la infracción criminal cometida.”
(FENOLL, Jordi Nieva; VADELL, Lorenzo Bujosa. Nociones preliminares de derecho procesal penal. Barcelona: Atelier
Libros Jurídicos, 2016. p. 19)
50 “O devido processo legal consubstancia-se, sobretudo, como igualmente visto, uma garantia conferida pela Magna
Carta, objetivando a consecução dos direitos denominados fundamentais, através da efetivação do direito ao processo,
com imprescindível concretização de todos os seus respectivos corolários, e num prazo razoável.” (TUCCI, Rogério
Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: RT, 1993. p. 19)
51 “En efecto, el estándar de prueba no pretendía proteger al imputado – como hoy lo sostenemos –, sino que la duda
razonable fue originalmente concebida para proteger – de su condena – el alma de los integrantes del jurado. Se
creía, en esos tiempos, que el destino de quienes juzgaban estaba también en juego en cada juicio, porque condenar
a un inocente era considerado en la antigua tradición cristiana potencialmente como un pecado capital. Por ende,
la duda razonable fue en un inicio creación de la doctrina teológica, que procuraba asegurar – o reafirmar – en el
jurado la idea de que ellos podían condenar al imputado sin poner en riesgo su propia salvación, siempre y cuando
las dudas de la responsabilidad del acusado no fueran razonables.” (RODRÍGUEZ, Raúl Carnevali; VAL, Ignacio
Castillo. El estándar de convicción de la duda razonable en el proceso penal chileno, en particular la relevancia del
voto disidente. Revista Ius et Praxis, año 17, n. 2, 2011, p. 77-118, p. 81. Disponível em <https://dialnet.unirioja.es/
servlet/articulo?codigo=4096091>. Acesso em: 10 jul. 2019)
52 POZZOBON, Thayse Cristine. Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Preparação à Magis-
tratura em nível de Especialização. Escola da Magistratura do Paraná. Curitiba, jul. 2015. Disponível em: <https://www.
monografias.com/pt/trabalhos3/duvida-razoavel-aplicabilidade-tribunais-brasileiros/duvida-razoavel-aplicabilidade-
tribunais-brasileiros2.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2018.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 21

cada detalhe, de cada prova. Portanto, não se pode exigir do julgador uma
certeza absoluta em termos técnicos, e sim que decida se, dentro das provas
produzidas de acordo com o que o rito processual permite, o acusado é cul-
pado. Esse quantum de prova necessária é chamado de “prova mais além da
dúvida razoável”53.
O sistema inglês possui como parâmetro de um julgamento justo a
prova beyond a reasonable doubt, segundo o qual havendo essa prova além da
dúvida razoável já é o bastante para que esteja caracterizada a culpabilidade
do réu54-55. Deve ser considerado também que não há uma determinação de
critérios objetivos para aferição desse parâmetro que varia de caso a caso em
decorrência das possibilidades ou não da produção probatória.
De acordo com Larry Laudan, o conceito da expressão pode assim ser
explicado:

“A dúvida razoável trata, portanto, desse estado do caso que deixa a mente
do julgador em uma condição tal que não possa dizer que experimenta uma
convicção perdurável, que produz certeza moral, sobre a verdade buscada.
Se subsiste uma dúvida razoável em relação à prova da culpabilidade, o
acusado tem direito de se beneficiar da presunção de inocência e ser absol-
vido. Assim, as provas hão de estabelecer a verdade dos fatos no sentido de
produzir uma certeza que convence, dirige o entendimento e que satisfaz
a razão e o juízo dos julgadores. Isso, conclui, é o que se considera prova
mais além de toda a dúvida razoável.”56-57

53 REIS, André Wagner Melgaço. Standard de prova além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt). Conjur. Dis-
ponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago-14/andre-melgaco-reis-standard-prova-alem-duvida-razoavel>.
Acesso em: 10 abr. 2019.
54 “Siguiendo la misma línea, pero sin identificar en absoluto donde estaría el grado de certeza, el Tribunal Constitucional
español creó un concepto muy ambiguo: el de ‘mínima actividad probatoria de cargo’. Según el mismo – aunque
cambiando un poco da formulación del Tribunal Constitucional que no la sustancia –, para conseguir destruir la
presunción de inocencia y, para tanto, eliminar toda duda razonable, el tribunal a quo tenía que haber realizado una
actividad probatoria que permitiera a ese tribunal a quo inferir la existencia de una atribución delictiva. De ese modo,
habiéndose practicado esa actividad probatoria sobre la acusación y habiendo quedado demostrada, la presunción de
inocencia habría sido legítimamente destruida (...) Pero lo más relevante que finalmente se ha aportado en ese terreno
es la necesidad de motivación. La ‘duda razonable’ casi siempre ha prescindido de la misma, pero no así la ‘certeza
moral’, ni tampoco numerosos autores que han tratado de construir sus ideas basándose em la duda razonable y en
la posibilidad preponderante.” (FENOLL, Jordi Nieva. La duda en el proceso penal. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 80)
55 “Es por ello, que en estos casos también se habla de Burden of Proof, es decir carga de la prueba – onus probando. Si las
evidencias aportadas por el órgano persecutor no alcanzan la medida o el estándar de más allá de toda duda razona-
ble, no es posible condenar. En consecuencia, es una exigencia dirigida también a quien persigue, y no sólo a quien
juzga.” (RODRÍGUEZ, Raúl Carnevali; VAL, Ignacio Castillo. El estándar de convicción de la duda razonable en el
proceso penal chileno, en particular la relevancia del voto disidente. Revista Ius et Praxis, año 17, n. 2, 2011, p. 77-118,
p. 84. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4096091>. Acesso em: 10 jul. 2019.
56 FENOLL, Jordi Nieva. Op. cit., nota 54, p. 80.
57 “En esta perspectiva, Laudan, en la fijación del estándar de prueba de ‘conocimiento más allá de toda duda razonable’,
a través de la lógica inductiva, presenta dos formas alternativas o equivalentes que son comúnmente presentadas a
los jurados a través de las instrucciones de las deliberaciones: 1. Si es creíble la prueba acusatoria, o un testimonio
que resulta difícil de explicar si el acusado fuese inocente, y no es creíble la prueba exculpatoria, o un testimonio
que sería muy difícil de explicar si el acusado fuese culpable, entonces condénelo. De otro lado, absuélvalo. 2. Si la
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
22

De acordo com o conceito acima mencionado, algumas conclusões


podem ser apresentadas. A primeira delas é que deve prevalecer sempre o
princípio do in dubio pro reo, ou seja, havendo qualquer mínima dúvida na
mente do julgador acerca da culpabilidade do acusado, deve preferir pela sua
absolvição58. Somente quando, apesar de poder não haver certeza acerca da
culpabilidade, não restar dúvida além daquela que seria considerada razoável,
de acordo com o conteúdo probatório acostado ao processo e aos meios de
prova que foram utilizados para a solução do caso, é que se poderia determinar
a culpabilidade59.
Outra conclusão é que o conceito ressalta o nosso princípio do conven-
cimento motivado do magistrado quando determina que a dúvida razoável é
aquela que impede que o magistrado se convença acerca da culpabilidade do
acusado no caso. Havendo nos autos uma prova, por menor que seja, a que
o juiz atribua o seu convencimento, estará estabelecida a ausência de dúvida
razoável no caso, que possibilita a condenação do acusado.
Por fim, trata-se de standard subjetivo que, apesar de ser considerado
como método para estabelecimento de decisões mais justas, como dito antes,
dependerá das circunstâncias da condução probatória no caso e do poder de
convencimento que as provas produzidas tenham sobre o magistrado, não
podendo ser replicado ainda que em casos análogos em virtude da presidência
do feito por outro julgador.
O doutrinador Jordi Nieva Fenoll ressalta que há uma exigência muito
maior no standard de prova no processo penal do que no processo civil, eis que
no primeiro deve ser demonstrada a culpabilidade para “mais além de toda a

historia de la acusación acerca del delito es plausible y usted no puede imaginar una historia plausible que muestre al
acusado como inocente, entonces condénelo. De otro modo, absuélvalo.” (RUA, Monica Maria Bustamante; VELEZ,
Diego Palomo. La presunción de inocencia como regla de juicio y el estándar de prueba de la duda razonable en
el proceso penal: Una lectura desde Colombia y Chile. Revista Ius et Praxis, ano 24, n. 3, 2018, p. 651-692, p. 684.
Disponível em <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6891053>. Acesso em: 10 jul. 2019.
58 “Ese mismo elemento de la duda inspira el beyond any reasonable doubt, que como há recordado acertadamente la
jurisprudencia del Tribunal Europeo de Derechos Humanos, tampoco se distingue de la presunción de inocencia.
El contenido es el mismo, y cuando se creó esa frase para instruir a los jurados anglosajones, simplemente se estaba
buscando que entendieran que solamente podían condenar si no tenían dudas razonables, porque si las albergaban,
tenían que absolver. Exactamente lo mismo que se pretende con el in dubio pro reo, que, como ya se ha dicho, coincide
en contenido con la presunción de inocencia.” (FENOLL, Jordi Nieva. Fundamentos de derecho procesal penal. Buenos
Aires: Euros, 2012. p. 284)
59 “Este estándar de prueba tiene su antecedente en el proceso penal inglés y es la regla fundamental en el proceso penal
norteamericano; asimismo, existe la tendencia de su aplicación en ordenamientos propios del derecho continental
como en el derecho italiano y ahora en el colombiano. La razón de la adopción del estándar de conocimiento, más
allá de toda duda razonable, es de naturaleza ético-política, para procurar que el juez penal pueda condenar al acusado
solamente cuando se haya conseguido, por lo menos tendencialmente, la certeza de su culpabilidad; ello significa
que el acusado tendrá que ser absuelto todas las veces que sobre su culpabilidad resulte una duda razonable.” (RUA,
Monica Maria Bustamante. La relación del estándar de prueba de la duda razonable y la presunción de inocencia
desde el garantismo procesal en el Proceso Penal Colombiano. Opinión Jurídica, Medellín, v. 9, n. 17, p. 71-91, ISSN
1692-2530, ene./jun. 2010, p. 76. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3294142>.
Acesso em: 10 jul. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 23

dúvida razoável”60-61. O que se busca é a certeza, como mencionado quando


tratamos da busca pela verdade real, porém quase nunca é possível se chegar
à certeza absoluta, pelo que cabe ao magistrado trilhar o caminho para estar
o mais próximo da forma efetiva em que os fatos ocorreram.
Essa maior exigência diminui a probabilidade de condenações de acusa-
dos inocentes, porém, por outro lado, aumenta a probabilidade de absolvições
errôneas.
O sistema da dúvida razoável vem sendo adotado em diversos tribu-
nais, como o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos, ressaltando a importância do novo instituto.

4.1 Aplicação do Parâmetro em Casos pelo Mundo


Um dos casos mais emblemáticos e que demonstra a diferenciação
dos parâmetros probatórios entre o processo civil e o processo penal foi o do
famoso jogador O. J. Simpson, em que o mesmo foi acusado de matar sua
ex-mulher e um amigo62.
O caso em questão chegou às páginas principais, pois, além de o acu-
sado ser uma pessoa pública, gerou consequências diversas no âmbito civil
e penal. Perante o Júri, O. J. foi inocentado do duplo homicídio a que era
acusado, enquanto que na esfera cível foi condenado a arcar com compensatory
e punitive damages.
Essa diferença decorreu dos parâmetros probatórios utilizados em cada
esfera do direito, tendo em vista que no âmbito penal os jurados consideraram
haver dúvida além do razoável, o que gerou a não condenação do acusado,
enquanto que no âmbito cível o magistrado entendeu que eram preponderan-
tes as provas de que O. J. havia assassinado as duas pessoas. Esse caso retrata
a diversificação dos parâmetros probatórios utilizados e como, no processo
penal, a exigência da comprovação é maior do que no âmbito do processo civil.

60 REIS, André Wagner Melgaço. Standard de prova além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt). Conjur. Dis-
ponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago-14/andre-melgaco-reis-standard-prova-alem-duvida-razoavel>.
Acesso em: 10 abr. 2019.
61 Para corroborar a necessidade de um parâmetro, o doutrinador afirma que: “Nadie es capaz de determinar qué nivel
de duda es exigible para declarar la inocencia en un proceso, habida cuenta de que las sentencias son absolutamente
variopintas en este punto. Tampoco existe unidad, en absoluto, acerca de qué nivel de suficiencia probatoria de cargo
debe alcanzarse para poder dictar una sentencia de condena. Todo ello demuestra que la presunción de inocencia
es, sin duda, un criterio altamente inseguro en la práctica, e imperfecto científicamente hablando” (FENOLL, Jordi
Nieva. Fundamentos de derecho procesal penal. Buenos Aires: Euros, 2012, p. 279).
62 CARDOSO, Luiz Eduardo Dias. A condenação e a absolvição de OJ Simpson à luz dos standards probatórios.
Consultor Penal. Disponível em: <https://consultorpenal.com.br/a-condenacao-e-a-absolvicao-de-oj-simpson-a-
luz-dos-standards-probatorios>. Acesso em: 20 abr. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
24

Ainda como parâmetro a ser utilizado, a dúvida além do razoável tam-


bém gera dúvidas acerca da sua interpretação.
Por exemplo, no caso Lukić & Lukić (IT-98-32/1-A)63, restou afirmado
pela Suprema Corte que a apresentação do cadáver da vítima não era requisito
essencial para a decisão ser acima da dúvida razoável, uma vez que a morte da
vítima poderia ser comprovada através de outras formas, como testemunhas.
No Brasil, um caso de grande repercussão foi a condenação do ex-
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, referente ao recebimento do Triplex no
Guarujá, tendo sido o mesmo condenado pelos juízes do TRF da 4ª Região64
e a condenação confirmada em sede dos Tribunais Superiores.
Para determinar a condenação os juízes embasaram-se em casos anterio-
res em que foi dada grande valia a uma determinada prova em decorrência da
impossibilidade de atingimento de provas cabais sobre o caso65 e na aplicação,
pelo juiz Sérgio Moro de uma flexibilização do livre convencimento motivado
dentro dos limites do modelo beyond a reasonable doubt.
Nas alegações finais do MPF no caso, foi afirmado que “o que se deve
esperar no processo penal é que a prova gere uma convicção para além de
uma dúvida que é razoável, e não uma convicção para além de uma dúvida
meramente possível”66.

5 O Procedimento do Tribunal do Júri


O tema resta ainda mais complicado quando se trata do procedimento
que deve ser respeitado nos casos que vão a júri popular, uma vez que o mesmo
se trata de um sistema bifásico.

63 Disponível em: <http://cld.irmct.org/notions/show/899/standard-of-proof>. Acesso em: 7 jun. 2019.


64 “Segundo acatou esse tribunal, o standard da dúvida razoável é ‘o melhor standard de prova que existe’, decorrente
‘da constatação, pelas cortes inglesas no século XVII, de que a certeza é impossível, e de que, caso exigida certeza, os
jurados absolveriam mesmo aqueles réus em relação aos quais há abundante prova’.” (MIRANDA, Mariana Alvares
de et al. Entre a dúvida razoável e o livre convencimento do juiz: o sistema de provas do processo penal em foco
no STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5543, 4 set. 2018. Disponível em: <https://jus.
com.br/artigos/68756>. Acesso em: 12 jul. 2019)
65 Como afirma o artigo: “A Ministra bem diagnosticou a situação: em crimes graves e que não deixam provas diretas,
ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e se confere o devido valor à prova indiciária, ou tais
crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências” (ALVES, Cíntia.
Sem “provas cabais”, Lava Jato pede condenação de Lula por “dúvida razoável”. GGN. Disponível em: <https://
jornalggn.com.br/justica/na-ausencia-de-provas-cabais-lava-jato-quer-lula-preso-por-duvida-razoavel/>. Acesso
em: 12 jul. 2019).
66 MIRANDA, Mariana Alvares de et al. Entre a dúvida razoável e o livre convencimento do juiz: o sistema de provas
do processo penal em foco no STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5543, 4 set. 2018.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/68756>. Acesso em: 12 jul. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 25

Com relação à origem de tal procedimento, os doutrinadores divergem,


não havendo um consenso acerca de seu marco inicial, porém todos concor-
dam que o mesmo remonta aos primórdios da vida organizada em sociedade,
originado das decisões emanadas pelo povo, sendo, portanto, essencialmente
democrático, em que os acusados são julgados por seus pares, freando os
julgamentos arbitrários e déspotas a que a população estava acostumada.
O Júri nasceu na Europa e chegou ao Brasil com a vinda da Coroa
Portuguesa, tendo a sua primeira menção em uma Lei de 18.07.1822, cujo
procedimento sofria forte influência inglesa, porém era restrito a crimes de
imprensa e os jurados eram eleitos. Com o Código de Processo Criminal foi
instituído o júri com competência para julgamento da maioria dos crimes,
contudo, para ser jurado havia a necessidade de comprovação de renda, o que
afastava os jurados dos acusados.
Em 1871, a atribuição de pronunciar os acusados e decidir sobre a
formação da culpa passa dos chefes de polícia e delegados para os juízes de
direito das comarcas. Em 1938, foi determinada a permanência do Tribunal
do Júri, porém suas decisões não eram mais soberanas podendo ser contesta-
das perante o Tribunal de Apelação, conforme o Decreto nº 167, de 1938, e
durante o Estado Novo os jurados passaram a não mais poder se comunicar
antes de manifestar sua decisão.
O CPP de 1941, que permanece em vigor até os dias de hoje, manteve
a mesma estrutura com relação ao Tribunal do Júri. Com o retorno da demo-
cracia no mundo e a entrada em vigor da Constituição de 1946, a soberania
dos vereditos foi retomada e foi determinada a sua competência para o julga-
mento dos crimes dolosos contra a vida. Durante a ditadura, a instituição do
júri foi mantida no texto constitucional, porém sua aplicação não era efetiva.
Com a Constituição de 1988, o Tribunal do Júri recebe novos contornos
decorrentes da redemocratização do país, conforme os arts. 5º, XXXVIII67,
e 93, IX68.
Diante de denúncia do MP acerca de crime doloso contra a vida, a
competência do Júri é absoluta como determina a CF no artigo anteriormente

67 “XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”
68 “IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob
pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
26

mencionado. Recebida a demanda pelo juiz, o mesmo deverá citar o réu para
que apresente defesa prévia no prazo de 10 dias em que deve constar toda a
defesa a que o réu entender de direito, incluindo preliminares. Apresentada
a defesa prévia, abre-se prazo para o MP ou querelante, dependendo do tipo
de ação, para se manifestar.
O magistrado, então, designa a audiência de instrução, bem como de-
termina a realização das diligências cabíveis. A audiência será, de preferência
una, como determina a Lei nº 11.689/08, em que serão ouvidas as testemunhas,
peritos, realizadas acareações e interrogatório do réu. Sempre que possível, o
juiz deverá ouvir a vítima, devendo a mesma ser intimada para a audiência.
Finda a instrução, seguem-se aos debates orais, e, a partir de então, inicia-se
o prazo para o juiz prolatar a sentença69.
Nessa decisão, apresentam-se ao magistrado algumas opções: absolver
sumariamente o acusado nas hipóteses previstas no art. 415 do CPP; prolatar
sentença de pronúncia do acusado se restar convencido da existência de in-
dícios mínimos de autoria e comprovação da materialidade do fato; prolatar
sentença de impronúncia, caso não se convença de tais requisitos; ou remeter
os autos ao MP, no caso de necessárias retificações, inclusões ou alterações.
Portanto, observa-se que, nesse procedimento há um julgamento com-
plexo, partindo de duas decisões, inicialmente a decisão da admissibilidade da
denúncia, proferida pelo magistrado com a pronúncia do acusado, requisito
essencial para a continuidade do procedimento e que será analisada a seguir, e
a decisão tomada pelos jurados, pelos pares do acusado, que definem, efetiva-
mente, a sua responsabilidade ou não pelo fato que lhe vem sendo imputado.

5.1 A Decisão de Pronúncia


De acordo com o art. 413 do CPP, o juiz, convencido da materialidade do
fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação pelo acusa-
do, informará o dispositivo em que entende enquadrado o acusado, bem como
os fatores que dariam ensejo a qualificadoras ou causas de aumento de pena.
Trata-se de decisão de cunho interlocutório misto não terminativa em
que o juiz declara a admissibilidade da denúncia proferida pelo Ministério
Público, encerrando a primeira fase do procedimento do Júri, mas não se

69 “Entra no juízo, que sobre a tese das provas o juiz deve formular, a determinação de tal valor, pelo que se fala, além
da inspeção, de valoração das provas; o uso que o juiz faz das provas, para formular o juízo, consiste precisamente
em tal valoração, de maneira que depois de haver escutado uma testemunha, ou, de qualquer maneira, observado
um indício, o juiz o valora para julgar e este valorar se assemelha precisamente ao ato de quem, pondo-lhe sobre a
balança, procede a pesá-lo.” (CARNELUTTI, Francesco. Das provas no processo penal. Trad. Vera Lúcia Bison. 1. ed.
Campinas: Impactus, 2005. p. 22)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 27

imiscuindo em questões de mérito para evitar a antecipação de sua decisão


e influência sobre os jurados70,71,72, porém trazendo indicação do crime para
que o réu possa preparar a sua defesa. Isso, porque a decisão de pronúncia
determina os limites do julgamento do acusado.
Com relação às qualificadoras e causas de aumento de pena, para que
o juiz as informe na decisão de pronúncia, deve estar convencido sobre a
aplicação das mesmas no caso concreto. Havendo dúvida acerca do tema,
deverá o magistrado deixar para que o Conselho de Sentença, formado pelos
jurados, decida sobre a matéria, por ser o juiz natural do caso73.

5.1.1 Princípio do In Dubio Pro Societate


Segundo a doutrina tradicional, para a análise realizada na decisão de
pronúncia deve ser aplicado o princípio in dubio pro societate, ou seja, havendo
dúvida acerca da imputação ao agente do fato ensejador da acusação, deve o
magistrado decidir em prol da sociedade, pronunciando o acusado e o levando
ao júri popular.
Reitera-se que, nesse momento, o juiz não adentra o mérito da acusação,
limitando-se a verificar a presença dos requisitos de admissibilidade no caso,
e se os mesmos estiverem caracterizados, deverá determinar o seguimento da
ação com o julgamento do acusado.
Apesar de ser esse o entendimento tradicional e majoritário, há quem
entenda de forma diferente, como Paulo Rangel, que afirma que a possibi-
lidade de haver dúvida decorreria da ineficiência do Ministério Público que
não comprovou os aspectos necessários para a pronúncia, pelo que o acusado

70 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millennium, 2009. v. III. p. 176.
71 “Caso contenha termos injuriosos ao acusado, frases de efeito contra a defesa ou acusação, ingressos inoportunos
no contexto probatório ou qualquer outro ponto que seja contundente na inserção do mérito, deve provocar, como
consequência, a sua anulação. Não se pode conceber que a decisão, nesses termos proferida, seja lida pelos jurados,
de modo a influir na formação do seu convencimento.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual
penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 971)
72 No mesmo sentido: LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 793. “Com isso,
pretende-se, essencialmente, evitar os excessos do juiz na pronúncia e, principalmente, o uso abusivo dessa decisão,
no plenário, por parte do acusador. Essa prática, tão disseminada até então, gerava gravíssimos para a defesa, pois
a decisão de pronúncia e, principalmente, o acórdão confirmatório dela, eram utilizados pelos acusadores como
‘argumentos de autoridade’, induzindo os jurados a afirmarem a autoria e a materialidade e, por consequência,
condenarem o réu”.
73 “O magistrado que prolata a sentença de pronúncia deve exarar a sua decisão em termos sóbrios e comedidos, a fim
de não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados. É aconselhável, por outro lado, que dê a entender, sempre
que surja controvérsia a propósito das elementares do crime, que sua decisão, acolhendo circunstância contrária ao
réu ou repelindo as que lhe sejam favoráveis, foi inspirada no desejo de deixar aos jurados o veredicto definitivo
sobre a questão, a fim de não subtrair do Júri o julgamento do litígio em todos os seus aspectos.” (MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millennium, 2009. v. III. p. 175)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
28

não deveria ser prejudicado74-75. Havendo dúvida, por parte do membro do


Parquet, quanto à autoria e materialidade, deve o mesmo postular pela absol-
vição do acusado.
Aury Lopes Júnior, que também discorda da aplicação de tal princípio,
ressalta não haver qualquer embasamento constitucional para sua aplicação,
não podendo a competência absoluta do Júri, essa prevista no texto cons-
titucional, sopesar o princípio da presunção de inocência. Isso, porque o
julgamento efetivo do acusado acontecerá em plenário após a exposição dos
dois lados, não podendo a dúvida conduzir a pronúncia quando não houve
verossimilhança suficiente76. Ressalta o autor, ainda, que “o ônus da prova é
do Estado e não do investigado”77.
Gustavo Badaró também faz parte da corrente doutrinária que entende
que deva ser aplicado o princípio do in dubio pro reu. Sustenta que ao final da
primeira fase do procedimento do Júri não há trânsito em julgado, sendo a
presunção de inocência afastada apenas quando a decisão tomada pelo conse-
lho de Sentença tiver transitado em julgado78. Afirma o autor que a exigência
apenas da probabilidade da autoria não se confunde com o princípio in dubio
pro societate79, justamente porque se exigem apenas indícios de autoria e não a
certeza da mesma, o que caracteriza o in dubio pro reu80.
Apesar dos entendimentos contrários, a grande maioria dos doutrina-
dores e a jurisprudência dos Tribunais Superiores81 continuam aplicando tal
princípio no momento da decisão de pronúncia.

74 “Se há dúvida, é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o
aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do
acusado, mandando-o ao júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção.” (RANGEL,
Paulo. Direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 653)
75 No mesmo sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2018. p. 971.
76 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 796.
77 Ibidem.
78 BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 390.
79 “A experiência demonstra que a aplicação desse princípio in dubio pro societate, aliado à recomendação de que a
linguagem judiciária, na pronúncia, deve ser moderada, decorre apenas de mera praxe judicial e conta com certa
conveniência, funcionando até como desculpa, pois é inegavelmente mais cômodo remeter a dúvida ao Júri do que
ter que resolvê-la, penetrando mais profundamente no conjunto de provas existente no processo.” (BÁRTOLI,
Márcio apud Ibid, p. 391)
80 BADARÓ, Gustavo Henrique. Op. cit., nota 78, p. 391.
81 “Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos pro-
batórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são neces-
sárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos
temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o
princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da
acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa
causa para o exercício da ação penal.” (STJ, RHC 92.649/RS).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 29

Entretanto, em decisão recente, no ARE 1.067.392/CE, j. 26.03.2019,


houve um sinal de mudança do entendimento no STF. No caso, a primeira
instância havia impronunciado os dois acusados em virtude da inexistência
de indícios suficientes de autoria. Houve recurso por parte do MP, tendo o
Tribunal dado provimento ao mesmo sob a alegação da existência de dúvida
acerca da autoria do fato, pelo que os acusados deveriam ser submetidos ao
Júri. A defesa, por sua vez, utilizou-se, também, da argumentação da exis-
tência de dúvida para ratificar a correção da decisão de impronúncia. O STF,
apesar de negar seguimento ao recurso, concedeu, de ofício, habeas corpus para
restabelecer a decisão de impronúncia, manifestando-se no seguinte sentido:

“É certo que, para a pronúncia, não se exige certeza além da dúvida razoável, di-
ferentemente do que necessário para a condenação. Contudo, a submissão de um
acusado a julgamento pelo tribunal do júri pressupõe a existência de lastro
probatório consistente no sentido da tese acusatória, ou seja, requer-se um standard
probatório um pouco inferior, mas, ainda assim, dependente da preponderância de
provas incriminatórias.

No caso em comento, conforme reconhecido pelo juízo de primeiro grau


e também em conformidade com os argumentos aportados pelo tribunal,
verifica-se a existência de preponderância de provas no sentido da não participação
dos imputados nas agressões que ocasionaram o falecimento da vítima.

Ainda que se considerem os elementos indicados para justificar a pronúncia


em segundo grau e se reconheça a existência de estado de dúvida diante
de lastro probatório que contenha elementos incriminatórios e absolutó-
rios, igualmente a impronúncia se impõe. Isso porque, se houver dúvida sobre a
preponderância de provas, deve ser aplicado o in dubio pro reo: CF, art. 5º, LVII.

(...)

A sistemática descrita não implica violação ao princípio da soberania dos veredictos


(CF, art. 5º, XXXVIII, c). Ainda que a Constituição preveja a existência do
tribunal do júri e busque assegurar a efetividade de suas decisões, a lógica

“Segundo pacífica jurisprudência desta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a prova da
materialidade e a presença de indícios mínimos de autoria. Prevalece, na fase de oferecimento da denúncia, o princípio
do in dubio pro societate.” (RHC 109.737/PR).
“Na fase de deliberação quanto à possibilidade de recebimento da denúncia, na qual vigora o princípio do in dubio
pro societate, afigura-se como suficiente para que se autorize a instauração da ação penal tão somente a existência de
indícios suficientes de autoria e materialidade. A inicial acusatória, portanto, deve alicerçar-se em elementos pro-
batórios mínimos que demonstrem a materialidade do fato delituoso e indícios suficientes de autoria, em respeito
aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da
Constituição Federal).” (AO 2.275/RN)
“O acórdão recorrido se encontra consentâneo com o entendimento desta Corte, no sentido de que na sentença de
pronúncia deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, não existindo nesse ato qualquer ofensa ao princípio da
presunção de inocência, porquanto tem por objetivo a garantia da competência constitucional do Tribunal do Júri.”
(ARE 986.566 AgR/SE)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
30

do sistema bifásico é inerente à estruturação de um procedimento de júri


compatível com o respeito aos direitos fundamentais e a um processo penal
adequado às premissas do Estado Democrático de Direito.

Por fim, o colegiado registrou que a decisão de impronúncia não impede o


oferecimento de nova denúncia, se surgirem novas provas (CPP, art. 414,
parágrafo único).”82 (grifos nossos)

Contudo, o doutrinador Rogério Sanches Cunha permite-se discordar


da fundamentação apresentada e reiterar a validade da aplicação do princípio
do in dubio pro societate na decisão de pronúncia, afirmando que os requisitos
dessa fase embasam a sua aplicação, uma vez que, para tanto, há necessidade
apenas de indícios de autoria, e ainda que “haja uma parcela razoável de dúvida
que, não obstante, é incapaz de impedir o prosseguimento do processo para
julgamento pelo órgão competente”83.
Ressalta o autor que a exigência de prova, além da dúvida razoável nessa
fase do procedimento, seria conceder um peso indevido à fase preliminar,
quando nesse momento o que se objetiva é apenas a confirmação dos requi-
sitos mínimos que deram ensejo à acusação perpetrada seguir adiante, com a
aplicação dos princípios do contraditório. Reitera, também, que o princípio
do in dubio pro societate visa o respeito à soberania dos veredictos de índole
constitucional, porque a mesma deve ser entendida como a “impossibilidade
de os juízes togados se substituírem aos jurados na decisão da causa”84.

5.1.2 Princípio do In Dubio Pro Reo85


O início da aplicação do princípio da presunção de inocência encon-
trou embasamento na Declaração de Direitos do Homem de 1789, segundo

82 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo935.htm>. Acesso em: 7 jun.


2019.
83 CUNHA, Rogério Sanches. O in dubio pro societate no rito especial do Júri. Meu Site Jurídico. Disponível em <https://
meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/03/29/o-dubio-pro-societate-no-rito-especial-juri/>. Acesso em: 7
jun. 2019.
84 MARQUES, Frederico Jose apud CUNHA, Rogério Sanches. O in dubio pro societate no rito especial do Júri. Meu
Site Jurídico. Disponível em <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/03/29/o-dubio-pro-societate-
no-rito-especial-juri/>. Acesso em: 7 jun. 2019.
85 “Aunque para algunos autores el principio de in dubio pro reo es la expresión del derecho continental de la presunción
de inocencia, otra parte de la doctrina (FERNÁNDEZ, 2005) ressalta que son diferentes – ello si se observa desde
la perspectiva de la presunción de inocencia como regla de juicio: a) la presunción de inocencia es aplicable a los
supuestos de ausencia de prueba de cargo o cuando las pruebas practicadas no cumplieron las garantías procesales;
b) el in dubio pro reo constituye una regla de valoración dirigida al juez y aplicable cuando, llevada a cabo la actividad
probatoria de cargo, al juez le surgen dudas sobre la ocurrencia del hecho y/o la culpabilidad del acusado; es decir,
que el principio del in dubio pro reo tiene aplicación cuando, una vez se practica la prueba, la misma no desvirtuó la
presunción de inocencia.” (RUA, Monica Maria Bustamante. La relación del estándar de prueba de la duda razo-
nable y la presunción de inocencia desde el garantismo procesal en el Proceso Penal Colombiano. Opinión Jurídica,
Medellín, v. 9, n. 17, p. 71-91, ISSN 1692-2530, ene./jun. 2010, p. 85. Disponível em <https://dialnet.unirioja.es/
servlet/articulo?codigo=3294142>. Acesso em: 10 jul. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 31

a qual a inocência seria presumida até prova em contrário reconhecida em


sentença condenatória definitiva, da mesma forma que dispõe a CRFB em
seu art. 5º, LVII86.
Tal princípio possui, deste então, como objetivo principal, a garantia ao
cidadão de proteção ao arbítrio do Estado, bem como que a acusação é quem
detém o ônus de provar suas alegações. Através de tal princípio, havendo
dúvidas acerca da culpabilidade do suposto agente do crime, sem que o con-
vencimento do magistrado esteja estabelecido, a condenação não é possível87-88.
Para a Ministra Rosa Weber, “a presunção de inocência, princípio cardeal
no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a
punição prematura”89-90.
Por conta desse princípio que a aplicação de medidas coercitivas mais
severas, como a prisão temporária e a preventiva, somente possuem guarida
em determinadas situações previamente previstas pela legislação e quando
encontrados seus requisitos no âmbito do caso concreto analisado.
Como visto anteriormente, muitos doutrinadores vêm entendendo que
esse deve ser o princípio aplicável para determinar a decisão do magistrado
sobre a pronúncia ou impronúncia do acusado, uma vez que trata-se de um
juízo de probabilidade e não de certeza, quando a dúvida deve pender para o
lado do acusado, sob pena de ferimento do princípio do in dubio pro reu, ao se
determinar que o acusado passe por todo o procedimento sem que se tenha
certeza de sua participação no fato delituoso.

86 CF: “Art. 5º (...) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.
87 “Segundo nos parece, o princípio da não culpabilidade (ou inocência) encontra sua mais radical fundamentação na
incerteza, enquanto ponto de partida. Praticado um fato lesivo e com aparência de tipicidade penal, cumpre ao Estado
promover a descoberta de sua autoria e também adequá-lo a um modelo sancionatório regularmente previsto em
lei. Mas, e isso é decisivo, deve-se partir da incerteza e não da possibilidade de certeza, a ser aferida pelas conclusões
da autoridade investigante ou daquela com atribuição para a postulação junto à jurisdição.” (OLIVEIRA, Eugênio
Pacelli de. O processo penal como dialética da incerteza. In: BASTOS, Marcelo Lessa; AMORIM, Pierre Souto Maior
Coutinho de [Org.]. Tributo a Afranio Silva Jardim: escritos e estudos. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 271)
88 “Así, finalmente, la presunción de inocencia actúa como regla de juicio para aquellos casos en los que el juez no ha
alcanzado el convencimiento suficiente para dictar una sentencia, ni en sentido absolutorio, ni en sentido conde-
natorio, esto es, ‘cuando se encuentra en estado de duda irresoluble’.” (RUA, Monica Maria Bustamante; VELEZ,
Diego Palomo. La presunción de inocencia como regla de juicio y el estándar de prueba de la duda razonable en
el proceso penal: Una lectura desde Colombia y Chile. Revista Ius et Praxis, ano 24, n. 3, 2018, p. 651-692, p. 658.
Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6891053>. Acesso em: 10 jul. 2019.
89 “Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo-saxônico no sentido de que a responsabilidade
criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt).” (AP 580/SP, DJe
26.06.2017)
90 Da mesma forma entende Gustavo Badaró informando que “a norma, prevista no art. 5º, LVII, da Constituição da
República, traz ao réu uma garantia política do estado de inocência, uma regra de tratamento durante o processo
e, no que mais importa no momento, uma regra de julgamento em caso de dúvida (in dubio pro reo)” (BADARÓ,
Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 280).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
32

6 Considerações Acerca da Aplicação do Padrão da Dúvida


Razoável no Brasil
No Brasil, não há que se falar em qualquer contrariedade ao ordena-
mento jurídico brasileiro com a aplicação do instituto, tendo em vista que o
mesmo é plenamente compatível com o CPP, que, em seu art. 386, VI, afirma
que o réu será absolvido quando houver fundadas dúvidas sobre a existência
de circunstâncias que excluam o crime ou que o isentem de pena. Ainda, em
seu inciso VII, consigna que o réu deve ser absolvido quando não existir prova
suficiente para a condenação, ou seja, quando não for produzida prova além
da dúvida razoável deve o acusado ser absolvido91.
Um dos momentos em que tal questionamento é relevante é no ato da
decisão de pronúncia emitida pelo magistrado, uma vez que, para tanto, são
necessários indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime,
como analisado anteriormente. Ocorre que não há determinação acerca da
suficiência requerida pelo texto legal, ficando a interpretação a cargo dos juízes
aplicadores do mesmo, o que gera, por vezes, decisões arbitrárias.
Somente há legitimidade nessa decisão se o juiz, ao determiná-la,
trouxer o parâmetro de prova utilizado, porém, em muitos casos, o princípio
do in dubio pro societate, que vigora nessa fase do procedimento, é trazido para
permitir a pronúncia mesmo sem grandes elementos probatórios.
O padrão da dúvida razoável já é adotado no âmbito do STF desde 1996,
tendo tido aplicação relevante no caso do Mensalão, trazido no voto de Luiz
Fux92, além de outras demandas, como se pode observar a seguir:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO SANGUESSUGA.
DEPUTADO FEDERAL. QUADRILHA, CORRUPÇÃO PASSIVA E
CRIME LICITATÓRIO DO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93. COLABORA-
ÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE CORROBORAÇÃO. INSUFICI-
ÊNCIA DE PROVA ACIMA DE DÚVIDA RAZOÁVEL. PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. 1. A colaboração premiada é meio de
obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/2013). Não se placita, antes
ou depois da Lei nº 12.850/2013, condenação fundada exclusivamente nas

91 “Pero creo que el ‘más allá de toda duda razonable’ y, en consecuencia, la presunción de inocencia, van, valga la redundancia,
más allá. En mi opinión, la finalidad de la presunción de inocencia es tratar de hacer al juez más imparcial, alejándolo del
impacto que haya generado el daño que hayan podido provocar los hechos, a fin de que no quiera ver con precipitación
a un culpable donde no lo hay, que es lo más frecuente entre la sociedad. En consecuencia exigirle al juez que tenga una
duda razonable supone, principalmente, hacerle consciente de sus emociones negativas, a fin de que pueda conseguir
alejarse de ellas.” (FENOLL, Jordi Nieva. La duda en el proceso penal. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 50)
92 Assim apresentou o Ministro: “o critério de que a condenação tenha que provir de uma convicção formada para
‘além da dúvida do razoável’ não impõe que qualquer mínima ou remota possibilidade aventada pelo acusado já
impeça que se chegue a um juízo condenatório. Toda vez que as dúvidas que surjam das alegações de defesa e das
provas favoráveis à versão dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante das demais provas, pode haver
condenação” (STF, APN 470/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 22.04.2013).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 33

declarações do agente colaborador. 2. A presunção de inocência, princípio


cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo
contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o
standard anglo saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada
acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), o qual
foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Interna-
cional. 2.1. Na espécie, ausente prova para além de dúvida razoável da participação
do acusado, Deputado Federal, nos crimes licitatórios praticados com verbas
decorrentes de emendas orçamentárias de sua autoria, do recebimento de
vantagem indevida em decorrência das emendas orçamentárias, ou de asso-
ciação perene a grupo dedicado à prática de crimes contra a administração
pública, particularmente no que diz quanto à aquisição superfaturada de
ambulâncias com recursos federais. 3. Ação penal julgada improcedente.” (AP
676/MT, j. 17.10.2017, Primeira Turma – grifos nossos)

“Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sis-


tema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (nullum crimen
sine culpa), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval
do versari in re illicita, banida do domínio do direito penal da culpa. Prece-
dentes. AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS:
O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM
ACUSA. Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu,
demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar,
de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do
acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em
dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o
réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o
acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20.12.1937, art.
20, n. 5). Precedentes. Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do
contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de
modo preciso, os elementos estruturais (essentialia delicti) que compõem o
tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que
sobre ele não incide) de provar que é inocente. Em matéria de responsabi-
lidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer
possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento
em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos
que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal
que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem
responsabilidade criminal por mera suspeita.” (HC 88.875/AM, Rel. Min.
Celso de Mello, j. 07.12.2010, Segunda Turma – grifos nossos)

7 Conclusão
Diante das informações apresentadas no presente trabalho, resta clara
a intenção, ao menos, de alteração de parâmetro que vem se delineando com
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
34

relação à decisão de pronúncia, tomada pelo juiz-presidente nos casos sub-


metidos ao Tribunal do Júri.
Trata-se de reanalise e adequação do nosso sistema brasileiro ao que vem
sendo entendimento mundialmente sobre a aplicação do princípio do in dubio
pro reu em detrimento do princípio do in dubio pro societate, ao considerar a fra-
gilidade dos elementos probatórios existentes quando da tomada de tal decisão.
Isso, porque a decisão de pronúncia, como repetido durante todo o
trabalho, é embasada em comprovação da materialidade, o que necessita do
juízo de certeza, mais próximo da verdade real que se pode chegar durante
um procedimento criminal, porém apenas indícios de autoria, fazendo com
que o acusado tenha que passar pelo trauma de ser acusado em processo cri-
minal e submetido a júri popular quando não há qualquer certeza acerca de,
ao menos, sua participação no crime ali discutido.
Dessa forma, percebe-se a necessidade da reanalise da praxe que existe
dentro do nosso ordenamento para fazer com que essa decisão seja tomada
com alguma convicção e não apenas para “repassar” a dúvida sobre o caso que
acabará sendo decidido por outrem.
É nesse sentido que entra o parâmetro americano da prova mais além
da dúvida razoável, pois conquanto não seja possível determinar certeza acerca
da autoria do crime pelo acusado, não deve ser qualquer dúvida a determinar
que o mesmo venha a ser submetido ao julgamento popular, mas apenas
aquela que não possa ser dirimida com a instrução probatória realizada na
audiência preliminar, nem com as demais diligências a que o ordenamento
permite ao juiz determinar.
Não pode o juiz se eximir de analisar, com uma certa profundidade, a
situação sob a alegação de que a inocência do acusado poderá ser comprovada
em plenário, devendo o mesmo utilizar de todos os mecanismos que lhe são
concedidos para que não se coloque um cidadão em uma situação traumática
de forma desnecessária.
Portanto, apenas quando permanecer a dúvida além do razoável após
toda a instrução probatória que cabe no momento, é que seria correta a pronún-
cia do acusado para uma parte da doutrina, tendo em vista que outros autores,
mencionados no decorrer do trabalho, se mostram contrários à pronúncia
quando houve dúvida, em geral, sobre a autoria do fato pelo acusado, pois,
nesse caso, a dúvida decorreria de falha do acusador ao produzir a denúncia
e em seu ônus probatório.
Ressalte-se que o presente trabalho visa apenas a estabelecer a discussão
acerca dos princípios aplicáveis à decisão de pronúncia com base em decisões
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 35

recentes do país, bem como do parâmetro mais objetivo que pode vir a auxiliar
o magistrado em sua função, apesar de o mesmo não ser isento de falhas ou
de gerar discussões acerca de sua interpretação.

TITLE: The reinterpretation of the in dubio pro societate principle in the special proceeding of the jury.

ABSTRACT: This article aims at analyzing the current interpretation of indictment decision with the
application of the “proof beyond a reasonable doubt” standard. To this end, there will be an introduction
about the concept of evidence and truth in its various aspects as understood by jurists and the legal system.
Following this logic, this text briefly addresses the procedural systems in existence with the consequent
presentation of the necessary rules for the proceeding to be deemed legitimate, i.e., the due process of
criminal law. Based on that, this article presents the American concept of the reasonable doubt standard,
including its origin and analysis by jurists, while showing the divergences that it brings in the legal systems
where it is applicable. Finally, after brief highlights about the functioning of the Jury Trial, the indictment
decision and the current and contrasting understandings on the application of the in dubio pro societate and
in dubio pro reo principles, arising from the insertion in our Courts of the “beyond a reasonable doubt”
standard, will be more deeply commented.

KEYWORDS: Criminal Procedural Law. Proof Beyond A Reasonable Doubt. In Dubio Pro Reo Principle.
In Dubio Pro Societate Principle. Indictment Decision.

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Recebido em: 16.07.2019


Aprovado em: 21.08.2019
Doutrina

Ensaio sobre uma Segurança Jurídica


Metamórfica

Rogério Filippetto
Doutor em Direito e Mestre em Ciências Penais pela Faculdade
de Direito da UFMG; Professor de Direito Processual Penal
da PUC Minas; Procurador de Justiça.

RESUMO: Tomando como marco teórico os estudos de Savigny, faz-se a busca


pela existência de segurança jurídica e seus contornos, considerando o Direito
que nasce da lei e do costume. O debate é atualizado, a partir dos problemas
que o juiz enfrenta na interpretação da lei e da prova, em função do sentimento
social que busca a previsibilidade. Enfim, o objetivo do estudo é verificar a
possibilidade de real existência de segurança jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança Jurídica. Origem. Interpretação. Prova. Pro-


cesso Penal.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Raízes: a Busca da Segurança Jurídica. 3 Uma


Contribuição do Direito Romano. 4 O Direito Civil na Alemanha. 5 A Vocação
para a Legislação. 6 O Código Francês. 7 Considerações: Prova e (In)Segurança.
8 Conclusão. 9 Referências Bibliográficas.

1 Introdução
O presente ensaio é resultado de iniciais reflexões sobre a aspiração
humana quanto à segurança, segurança essa que assume nuance peculiar
quando se invoca as regras básicas de convivência que ganharam a complexi-
dade tratada pelo Direito. Volta-se o enfoque especialmente para as questões
atinentes ao Direito Criminal, embora se parta de uma perspectiva histórica
e de teoria geral.
A partir disso, faz-se uma abordagem comparativa sobre o desenvol-
vimento do Direito na Alemanha, através da contribuição de Savigny, con-
siderando o duelo entre as práticas consuetudinárias e a existência de regras
positivadas. O embate representa a segurança da previsibilidade do Direito
escrito e a mobilidade e propriedade das regras aplicáveis, segundo a tradição e
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 39

cultura dos povos. Mas é preciso frisar a dificuldade de fazer uma opção ou de
se buscar o tempero entre as vertentes, de modo que esse desafio de satisfazer
o espírito que busca a segurança jurídica, com a previsibilidade, permanece em
contínuo processo de aperfeiçoamento. Essa química ganha paulatino aumento
de complexidade, já que ingredientes como a mutabilidade dos fenômenos e
a influência de aspectos políticos e econômicos interagem, produzindo um
cenário cada vez mais imprevisível e não genérico. Tudo isso é muito próprio
de uma era de incertezas, representada pelo pós-modernismo que precisa
buscar convivência com pilares do Direito, notadamente com a segurança que
se espera seja proporcionada pela implementação e interpretação das regras.
Estabelecido o paralelo e um panorama em que as coisas se apresentam,
insere-se a discussão acerca dos meios de prova e sua interpretação, sempre
considerando o Direito Processual como instrumento de contenção de abu-
sos punitivos, buscando um espaço de convivência entre essa finalidade, que
representa foros de segurança e a busca de eficiência na produção probatória.
A variante que surge, de maneira não acessória, é a transformação do fenô-
meno criminal, informado por ingredientes de violência e de criminalidade.
Há, também, a necessidade de se considerar o sentimento social de insegu-
rança, decorrente do alarma ou do terror que o crime pode produzir num
mundo globalizado, associado ao risco de perecimento dos estados, diante
do terrorismo. Cresce o clamor de fortalecimento da feição policialesca do
estado, amenizando o rigor de liberdades, ao tempo que também cresce um
sentimento de busca da segurança, como forma de afastar riscos democráticos.
Este ensaio é, então, permeado pelo constante antagonismo que surge
entre o público e o privado; a segurança como previsibilidade e a flexibilidade
como efetividade; e práticas ditatoriais e democráticas. Enfim, entre a força
dos extremos e a possibilidade de se buscar um caminho do meio, como
forma de não se fazer opções excludentes, mas que resultem de um diálogo
entre opostos.

2 Raízes: a Busca da Segurança Jurídica


Como ciência social aplicada, o Direito reverbera nos outros campos do
conhecimento e se justifica como instrumento viabilizador da vida gregária,
muito graças à sua possibilidade de projetar para a sociedade uma previsi-
bilidade quanto ao juízo a ser feito sobre os comportamentos individuais,
permitindo juízos de prognose que orientam a vida do corpo social. Esse fe-
nômeno orientador da esfera do Direito e objeto de expectativa da sociedade,
de um modo geral, pode ser reconhecido como a busca por se implementar
uma segurança jurídica.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
40

Um tema atormentador é o que versa sobre a necessidade da existência


de uma segurança jurídica, de uma previsibilidade sobre as normas aplicá-
veis, como instrumento viabilizador da vida em sociedade, ao mesmo tempo
em que constitui elemento de proteção individual contra abusos do Estado,
diante da necessidade de aprimoramento do Direito que não se pode prender
a comportamentos prévia e rigidamente antevistos.
A partir de um corte de abordagem histórica, é possível vislumbrar al-
gumas nuances que o tema desperta. No ano de 1814, Savigny publica estudo
no qual discute o movimento pela codificação do Direito Civil na Alemanha
e consegue distinguir dois movimentos nesse sentido. O primeiro quer o
restabelecimento de uma situação antiga, lastreado em conceitos e critérios
jurídicos acumulados de geração em geração (Rehberg). O segundo movi-
mento procura um código comum para os estados alemães (R. C. Schimidt e
Thibaut). A segunda vertente merece dele um enfoque mais acurado, inclusive
sob a perspectiva histórica1.
A partir do século XVIII surge na Europa um anseio em busca da or-
ganização. Sentimento, amor pela grandeza, pela evolução natural dos povos
e das constituições, pela evolução da história em confronto com a confiança
ilimitada naquela época. A codificação das regras aparece como instrumento
que reflete previsibilidade e segurança. Eram exigidos novos códigos que,
em virtude de sua integridade, deviam conferir uma segurança mecânica à
administração da Justiça. Essa previsibilidade derivava da limitação que se
impunha ao juiz através da restrição ao literal texto legal. Devia ser aplicada
a interpretação literal ou gramatical. O abandono da historicidade nesse con-
texto permitia a confecção de uma regulamentação aplicável a todos os povos
em qualquer tempo, uma universalização do Direito, acentuando o caráter
de impessoalidade da regra.
É possível dizer que a movimentação pela codificação foi influenciada
sobremaneira pelo Código Civil francês, imbuído, por sua vez, dos ideais
revolucionários de igualdade, liberdade e fraternidade, resultantes da mani-
festação do ideal liberal-burguês de resistência à hegemonia do poder de até
então. Não se pode desconsiderar que esses ideais vieram também banhados
no sangue daqueles que tiveram que sucumbir, para que se pudesse postular
a previsibilidade e a estabilidade, ainda que não de forma absoluta.

1 SAVIGNY, Friedrich Carl von. Trad. José Díaz García. De la vocación de nuestra época para la legislación y la ciencia del
derecho. Universidad Carlos III de Madrid, 2015. p. 70-71.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 41

A codificação e a exigência da interpretação literal são as peias que


limitam o Estado, encarnado na pessoa do juiz, orientado pelo brocardo in
claris cessat interpretatio.

“A falta de ampla sintonia poderia ser traduzida pela impossibilidade real


de um sistema em que não coubesse ao juiz qualquer forma de ilação
interpretativa. Se as normas não são completas em sua composição e se os
fatos são do mesmo modo e sempre imprevisíveis, a noção-slogan de dura
lex sed lex reveste-se de algo além do que ela poderia significar no campo
de atuação real. Ela é mais uma imagem que se quer vista do que o cenário
que se ofereça à visão.”2

Interessante perceber o movimento cíclico e pendular da história, na


medida em que os romanos também experimentaram algo semelhante no
sentido de se buscar a restrição da exegese judicial pela letra da lei. Isso, porque
a escolástica procurava reduzir a hermenêutica, apelando para o argumento de
autoridade, os pareceres dos doutores substituíam os textos, predominando
a retórica. A magistratura guiava-se por critérios próprios de exegese. Houve
a sistematização das normas e limitação do campo da hermenêutica, criando
o contexto para o surgimento de movimento radicalmente contrário, que se
espelhou em aforismos conservadores: in claris non fit interpretatito; lex clara
non indiget interpretatione; in claris non admittitur voluntatis quaestio; e talvez o que
tenha ganhado maior dimensão: in claris cessat interpretatio3.
Procurando mitigar esse entendimento na Alemanha, Savigny sustenta
a necessidade de uma perspectiva científica para o Direito, que não pode des-
prezar fatores culturais na formação da regra. O Direito Civil tem um caráter
determinado, peculiar do povo, como acontece com a língua, os costumes e
sua constituição. A lei deve ter uma ligação visceral com o espírito do povo
(volksgeist). O Direito se relaciona intimamente com o modo de ser do povo,
assim como a língua, sendo que seu desenvolvimento lhe dá uma direção cien-
tífica. O desenvolvimento do Direito permite aparecer um estamento novo,
o dos juristas que passam a ter como missão interpretar aquele sentimento
popular, mais revelador e importante que interpretar a vontade do legislador,
que, na realidade, reflete a vontade do Estado.

2 LOPES, Mônica Sette. Uma charada: a ciência, os métodos, a lei e o conflito. Revista do Tribunal Regional do Trabalho
da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 40, n. 70, p. 190, jul./dez. 2004. Suplemento especial. Disponível em: <https://hdl.
handle.net/20.500.12178/73438>. Acesso em: 14 ago. 2019.
3 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 33-35. Curio-
samente, segundo esclarece Maximiliano, apesar de o brocardo in claris cessat interpretatio vir expresso em latim, não
tem ele origem romana, sendo que Ulpiano professava o contrário, isto é, que embora claríssimo, o édito do pretor
não se deve descurar da interpretação respectiva (op. cit., p. 33).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
42

O discurso de garantia da voz do povo (volksgeist) já serviu para sustentar


regimes despóticos e autoritários, com graves prejuízos à dignidade da pessoa
humana. Talvez, também por isso, notadamente na esfera penal, a doutrina
do garantismo tenha ganhado terreno, sob o argumento de que em sua co-
munhão com a Constituição não permite a ofensa aos direitos fundamentais,
ainda que exista uma manifestação majoritária em sentido contrário. Como
justificativa, toma-se a definição de democracia não como a manifestação da
vontade da maioria, extraída do pensamento político dominante, porque esta
justifica um Direito orientado no sentido da repressão, desprovido de limites
e garantias. Esse seria um Direito voltado para o interesse das maiorias, com
prejuízo dos indivíduos, refletindo um estado de defesa social. A democracia
política precisa ser complementada por uma outra dimensão, que seria a de-
mocracia constitucional, segundo a qual existiriam garantias delineadas pelos
direitos fundamentais, que gozariam de uma blindagem, inclusive contra
a vontade da maioria. Como pontua Luigi Ferrajoli4, o sentido da frase de
Bertold Brecht “há de haver um juiz em Berlim” é o de que se faz preciso
que o juiz seja capaz de absolver ou condenar um arguido contra a vontade
de todos, quando faltarem ou existirem as provas de sua culpabilidade, o que
se aplica, também, no que diz respeito à interpretação legal, quando for esta
destoante de uma vontade popular.
De retorno aos relatos históricos, tem-se que as dificuldades resultantes
do reconhecimento da validez e da aplicação do Direito se resolvem com um
Direito único, mas se deve reconhecer que um mesmo povo se ramifica em
diversas tribos. Assim, o Direito deve ter traços fundamentais, entretanto,
também se deve atentar para as peculiaridades de cada povo. Há, assim, a
viabilidade de existir um Direito para vários estados, referindo-se Savigny ao
contexto de unificação da Alemanha5.
A segurança há de ser reconhecida através da lei, que afastaria dúvidas
quanto a certos preceitos jurídicos, segurança essa necessária para a admi-
nistração da Justiça. Todavia, os códigos modernos deveriam ser providos de
um duplo conteúdo: o Direito vigente e leis novas, sendo que não se falaria,
a rigor, de um Direito novo, mas de uma atualização nas fronteiras de sua
aplicação. Percebe-se que Savigny sustenta a necessidade de existência de um
mínimo de segurança através da norma escrita, mas não defende um rigor de
imobilidade ou interpretação, que encontra espaço na interpretação do Direito.
A codificação se destina a dar certeza jurídica e maior segurança na aplicação

4 FERRAJOLI, Luigi. Garantismo e direito penal. Trad. Pedro Vaz Patto. Revista Julgar, número especial, 2008, p. 55-57.
Disponível em: <https://sites.google.com/site/julgaronline/Home/numeros-publicados/julgar-especial---setembro-
dezembro---2008>. Acesso em: 14 ago. 2019.
5 SAVIGNY, op. cit., p. 59.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 43

uniforme do Direito. Ainda segundo Savigny, devem desaparecer os diversos


Direitos locais em prol de um Direito nacional geral que, no entanto, respeita
as peculiaridades locais.

“Los requisitos de un código semejante y los efectos que se esperan del


mismo son de dos clases. Por propia naturaleza, el Derecho debe dar origen
a la más elevada certeza jurídica y, con ella, a la más elevada seguridad de
una aplicación uniforme. Según esto, es preciso corregir y rectificar los
límites externos de la validez del Derecho, puesto que, en lugar de distintos
Derechos locales, debe aparecer un Derecho nacional general.”6

Nesse ambiente, o Direito é feito de um encadeamento de seus ramos,


de modo que esses elos podem ser deduzidos e reduzidos a princípios reito-
res que garantem a coerência interna. A aplicação do Direito se dá através do
código, mas a administração da justiça se faz através de outra coisa alheia ao
código, que será de fato a fonte do Direito e que aparece sob os nomes mais
diversos: Direito natural, jurisprudência ou analogia jurídica. O importante
não é a simples compilação de regras em um código, mas a interpretação,
a doutrina que surge como instrumento de unificação, porque respeita as
diversidades locais da Alemanha e o Direito romano.
A lição se projeta aos dias de hoje, em que ainda não há um movimento
restritivo do poder dos magistrados7, mas já se experimenta uma busca pela
unificação hermenêutica, quer seja pela missão outorgada pela Constituição
Federal ao Superior Tribunal de Justiça quanto a velar pela unidade na inter-
pretação da lei federal, quer seja pela possibilidade de edição de súmulas com
caráter vinculante e, mais recentemente, com a possibilidade da repercussão
geral e da invocabilidade de precedentes. Mas um fenômeno que singulariza
o caso brasileiro, parece ser o de que a jurisprudência tem se voltado à inter-
pretação do sentimento popular, e com isso influenciado a doutrina, quando
o fenômeno ordinário seria que ela, a jurisprudência, é que se valesse da fonte
doutrinária, para temperar a exegese legal com as demais fontes de direito
para o caso concreto.
Já no plano global, a diversidade cultural dos povos, que poderia ser
objeto de elogio pela riqueza que toda diversidade representa, culmina por
constituir um óbice ao desenvolvimento de um Direito geral, aplicável a todo

6 SAVIGNY, op. cit., p. 24.


7 São recorrentes, na política, as propostas de limitação dos integrantes do Sistema de Justiça, quer seja por iniciativas
de lei, que propõem espécies de mordaças, com restrição à publicidade própria do processo, quer seja com a tipi-
ficação de condutas criminosas, constitutivas de abuso de autoridade, como a decretação de prisão provisória em
desconformidade com a lei, ainda que não se estabeleça bem o que significa essa desconformidade. As limitações,
de qualquer forma, vão perdendo a inicial forma sutil.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
44

o planeta. Nesse contexto de pluralidade, às vezes adversa, fica difícil construir


uma Justiça universal, aplicável independente das fronteiras políticas, o que,
de certa forma, explica a fragilidade das Cortes de Direitos Humanos. Para
esse cenário internacional ainda prevalece a posição do mais forte, a atropelar
aquele mínimo regramento tido como necessário a todos os povos, mas que
carece do instrumento da coercibilidade. Então, também nesse plano fica em
xeque a previsibilidade proporcionadora da segurança jurídica.

3 Uma Contribuição do Direito Romano


Savigny busca alicerce no Direito romano e o chama de um Direito
natural sancionado, lastreado essencialmente no Direito consuetudinário,
com a colaboração de juristas que detinham condições para ter lançado um
código, mas preferiram não o fazer. O êxito da ciência jurídica repousa sobre
os princípios reitores, que são a base dos juristas romanos. Torna-se nítida
a opção por princípios em face da possibilidade de se esgotar a previsão de
situações no código.
A teoria e a prática não estão separadas, já que a teoria é aperfeiçoada
para sua aplicação mais imediata e a prática é constantemente enobrecida pelo
tratamento científico. Em cada preceito fundamental vem ao mesmo tempo
um caso de aplicação, e em cada caso litigioso a regra que o determina, não
podendo se deixar de reconhecer a facilidade com que passam do geral ao
particular e vice-versa8.
A tendência de redução principiológica é garantia de não esgotamento
dos casos na anterior previsão codificada, elastecendo a aplicação do Direito
ao impedir um engessamento pelo rigor da lei. Além disso, proporciona-se
longevidade ao texto legal, embora se permita certa redução de previsibilida-
de. É possível extrair princípios dos textos positivados, inclusive de natureza
supralegal.

4 O Direito Civil na Alemanha


Havia um Direito comum aplicado em toda Europa, tendo como fon-
tes os livros de direito de Justiniano, que por si só já provocaram alterações
na Alemanha e sobre essa fonte se debruçaram os juristas alemães. Como os
fatores culturais são importantes, parece a Savigny antinatural ter um Direito
Civil externo e comum, porque a religião se mostra privativa de um povo,
como também a literatura, embora possa ter influência externa.

8 SAVIGNY, op. cit., p. 70.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 45

“O conhecimento do direito para Savigny estava impregnado do invólucro


histórico. Não de uma história que se projetasse no tempo, mas, principal-
mente, dos canais pelos quais a tradição poderia ser digerida e apreendida
no universo das questões jurídicas. Esta apreensão envolvia, certamente,
uma assimilação ordenada e sistematizada.”9

A aplicação do Direito encontra algumas queixas. A primeira diz respeito


à demora dos processos nos países alemães. A segunda se relaciona à existência
de diversidade entre os direitos dos países. Dentro da própria Alemanha, as
províncias e as cidades contam com um Direito especial, não existindo uma
unidade, que seria ideal.
O Direito Civil se apresenta como instrumento integrador, na me-
dida em que se coloca como um ordenamento de natureza geral, vinculado
ao sentimento patriótico de unidade e sem prejuízo ao Direito especial das
províncias e cidades. O Direito Civil aparece como capaz de promover o
sentimento e a consciência do povo, mas, de outro lado, nasce como algo
estranho e arbitrário, sem a intervenção do povo.
Esse conteúdo democrático é um requisito buscado ainda nos dias de
hoje, de modo a ser conjugado com a previsão legal. Apresenta-se como desafio
demonstrar essa legitimidade democrática na lei, já que as especificidades de
uma real ou pretensa vontade popular pode destoar da letra legal. Há o desa-
fio de integração do operador do Direito e de se estabelecer seus limites de
atuação, para que não comprometa o sentido da lei sob o escudo democrático,
de modo a converter discricionariedade em arbitrariedade.

5 A vocação para a Legislação


A essa altura histórica, chega-se à conclusão da necessidade de um có-
digo para a Alemanha, que parece um instrumento de condução à unificação.
A produção legislativa sofre uma dupla influência: o trabalho dos juristas (ci-
ência) e da técnica jurídica. O trabalho dos juristas aparece, por exemplo, no
direito de família, que é metade direito, metade costume. A técnica jurídica
se manifesta no direito patrimonial.
Naquela época não seria possível falar em um bom código. Assentando-
se que há uma distância entre a produção doutrinária alemã e a formação
literária dos alemães, se comparada com a produção e formação dos juristas
romanos. Percebe-se uma dificuldade de analisar a época em perspectiva
temporal.

9 LOPES, op. cit.


Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
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O código é um instrumento de unificação e, nesse aspecto, o latim foi


uma língua de tal força, que foi suficiente para garantir essa união. Tal poder
que não tinha a língua alemã naquela oportunidade e por isso estariam eles
atrasados. Ressalta Savigny a importância do direito romano na sua perfeição
de linguagem: “No conozco ninguna ley del siglo XVIII que pudiera ser
comparada en rigor y fuerza de expresión con la ordenanza de los tribunales
penales de Carlos V”10.
É possível perceber essa dificuldade em relacionar a questão cultural
com a produção legal, com vistas a assegurar uma segurança jurídica. Isso se
manifesta como nítido reflexo na questão de ser possível que os costumes
configurem oposição ao texto normativo legal, configurando uma espécie de
incongruência e que a atividade deve voltar-se para a conciliação entre ambos,
como Savigny já havia sinalizado. Mas como usual, o desafio é justamente
encontrar esse ponto médio.

6 O Código Francês
Savigny tece críticas à codificação da época, partindo da afirmação de
que a crítica extravasa o próprio texto codificado. Começa com o Código de
Napoleão, dizendo que sua maior influência foram os elementos políticos
que se sobrepuseram aos técnicos. Manifesta, assim, seu desprezo pela con-
tribuição dos exegetas.
Os aspectos técnicos codificados levaram em conta o reconhecimento
de um Direito já existente: em parte, o Direito romano e, em parte, o Direi-
to francês, que se expressava pelo costume. O Direito novo introduzido na
França foi mal acolhido nas localidades. O mesmo fenômeno teria se repetido
na Alemanha11.
O valor do código está na sua parte técnica e teórica, que não se chegou
a discutir com propriedade, porque o estudo se submeteu a um corpo cole-
giado numeroso e heterogêneo, que se perdia discutindo questões pontuais
e específicas, em detrimento de um debate teórico geral. A teoria geral do
direito das coisas e das obrigações não se pode entender sem uma preparação
científica. As questões específicas analisadas no Código de Napoleão são
insignificantes diante das teorias gerais.
A dificuldade está na eleição das disposições efetivamente a serem trata-
das e das respectivas regras. Para isso é preciso dominar os princípios reitores
sobre os quais descansa a segurança e a eficácia do trabalho do jurista. Nesse

10 SAVIGNY, op. cit., p. 40.


11 SAVIGNY, op. cit. p. 42.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 47

aspecto, os romanos aparecem como modelo, diante do grande desenvolvi-


mento, mas os franceses apresentam um trabalho de muito pouca expressão,
na crítica aguda de Savigny12.
Uma legislação desnecessária e incompetente é um risco. Conceitos
impróprios podem não proporcionar problemas, porque a prática pode equili-
brar sua aplicação. Mas, reduzidos a texto legal, podem se tornar instrumentos
para defraudar outros conceitos. Essa seria uma interpretação política da regra,
algo a ser evitado.
O Código se torna incompleto quando não contém uma unidade
orgânica material e formal, que não existe, porque o Código de Napoleão
mesclou de modo mecânico os resultados da Revolução e o Direito anterior,
marcado pela transição entre o Direito romano e os costumes. Não houve
um trabalho dos juristas no sentido da produção de ciência, que garantiria
esse todo lógico. Assim, o código fica incompleto, havendo de se buscar seu
complemento fora do ordenamento. Essa deficiência é a lacuna surgida da
omissão legal e que deve ser completada pelo juiz, adequando a lei ao caso
concreto, de modo a conceber a lei do caso concreto. O complemento seria
o Direito natural.
Criticando a codificação francesa, diz que se poderia considerá-la
como uma Instituta, prestando-se aos mesmos fins das Pandectas e o Codex de
Justiniano, atuando como regra geral em determinados pontos singulares,
introduzindo um direito novo e uniforme para a França, não instituindo
nenhum código.
Após analisar também o código prussiano e o código austríaco, Savigny
reafirma sua conclusão no sentido de que aquela época era desprovida de
vocação para empreender um código e que as influências estrangeiras não se
aplicavam à Alemanha. Por outro lado, reconhece a importância da codificação.

“Y si fuera cuestión de comparar la formación actual de la ciencia del Dere-


cho con aquella de la que han salido los códigos existentes, tras un examen
de conciencia imparcial tendríamos que confesar que ambas difieren tal
vez en grado, pero no en sustancia.”13

Na comparação que Savigny faz entre a formação da ciência do Direito


com a que sai dos códigos, reconhece que há uma diferença de grau, mas
não de substância. Assim, ainda que importante a redução do direito à forma
escrita, buscando unidade e previsibilidade, há um espaço largo para o que

12 SAVIGNY, op. cit. p. 53-54.


13 SAVIGNY, op. cit. p. 68.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
48

não se pode antever, mas que pode ser submetido a regras gerais, decorrentes
da lei ou do costume, de modo que o código não poderia ser algo blindado.

7 Considerações: Prova e (In)Segurança


O que a discussão de Savigny, particularmente, nos traz é a reflexão que
se projeta sobre os dias de hoje, no sentido da necessidade da previsibilidade
das condutas, isto é, de um tratamento normativo, essencialmente legal, para
as ações praticadas em sociedade. As pessoas não podem viver reféns de uma
interpretação judicial, devem poder se orientar anteriormente. Essa necessi-
dade de previsão se estende à elaboração de leis e na reiterada manifestação
judicial, através de precedentes e súmulas. Por outro lado, sempre haverá uma
lacuna, algo que a lei por completo não preencheu, algo que dependerá da
ação criadora do Estado, personificada no juiz, e dada sua natureza humana,
abre-se ensanchas à insegurança, à imprevisibilidade.
No Direito criminal essa discussão assume proporções ainda maiores,
porque se está a tratar de interesses de suma importância para o homem, como
a liberdade. Somente se admite a intervenção penal envolvida em absoluta
segurança, constituindo-se axioma a necessidade de lei anterior, definindo o
crime e prevendo a respectiva pena.
O Direito Penal, enfocado como instrumento de controle social, infor-
mado pelo princípio da intervenção mínima, é o meio excepcional invocado
pela sociedade se não para a resolução dos problemas atinentes à criminali-
dade, pelo menos para minorar sua repercussão e favorecer a vida gregária.
Os aspectos preventivos de sua aplicação ficam ressaltados, porque permitem
retirar-lhe o conteúdo de mera vingança, que deixa de ser privada para ser
pública, conferindo-lhe uma missão mais nobre, qual seja, a de emenda e de
prevenção geral, atuando no indivíduo infrator e na sociedade como um todo.
A missão do Direito Penal, no sentido de garantir uma harmonia no corpo
social, passa pela intimidação da pena cominada e pela restrição de direitos
fundamentais, quando essa pena é executada. Diante desses interesses em
jogo e o risco de indevida ou injusta constrição de direito, é que o Direito
Penal sempre encontrou limites em sua realização, tendo sido concebido o
princípio da legalidade e o seu consectário, o da anterioridade, como condição
da realização da aplicação da pena, o que se reflete na seara processual sob a
forma do princípio do devido processo legal, como garantia de o indivíduo
conhecer o procedimento a que será submetido com a possibilidade última de
lhe constranger a liberdade, assegurando-lhe plena capacidade de se defender.
Tal como propunha Savigny, o domínio dos princípios reitores se torna
fundamental para guiar o intérprete na aplicação da lei.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 49

O Direito Processual aparece como o instrumento essencial à realiza-


ção do Direito Penal, instrumento, então, de segurança, individual e social,
credenciador da violação do direito à liberdade, porque enseja uma certeza
quanto à culpabilidade. Então, se a lei penal, de certa forma, busca a paz social
pela ameaça e aplicação da pena, a lei processual protege os acusados, impondo
ritos que garantem a segurança na aplicação da lei penal e afasta o arbítrio do
Estado. Ao tempo em que contém a violência do Estado contra o indivíduo,
pela imposição do rito da forma, empresta à aplicação dessa violência, os con-
tornos da segurança para tal. No sentido de estabelecer os aspectos teleológicos
do Processo Penal, é bem feliz a síntese de Lauria Tucci:
“De qualquer modo, não se pode deixar de ter na devida conta que, estrei-
tamente ligado ao Direito Penal, e atendendo às diretrizes estabelecidas pelo
escopo de suas respectivas normas – de consecução do bem comum e correlata
pacificação social, assecuratória da segurança pública –, o processo penal
objetiva, concomitantemente, dupla finalidade, a saber:
a) por um lado, a tutela da liberdade jurídica do indivíduo, membro da comu-
nidade; e,
b) de outra banda, o de garantia da sociedade, contra a prática de atos penal-
mente relevantes, pelo ser humano, em detrimento de sua estrutura.”14

É possível perceber, nitidamente, que tanto o Direito Penal como o


Direito Processual Penal são concebidos como instrumentos de garantia do
indivíduo. Num grosseiro retrocesso histórico, esse posicionamento se justi-
fica como um movimento reacionário ao estado absolutista, que concentrava a
função jurisdicional e acusadora e que sob a inspiração da encarnação divina,
tudo podia. Esse contexto condiz com o movimento pela codificação, ao que
se somam os ideais da Revolução Francesa, resumidos na proposição de se
impedir o arbítrio, sobretudo do julgador, com o que concordava Savigny, na
perspectiva já mencionada.
Em tempos mais recentes, o posicionamento também encontra expli-
cação na modernidade, com o aparecimento de estados fortes, totalitários,
que em nome da realização do bem comum recobriram-se com o manto
da segurança e culminaram por suprimir as liberdades individuais, o que
proporcionou terreno fértil ao aparecimento de sátrapas. As explicações são
ilustradas por Ferrajoli:
“Se a história das penas é uma história dos horrores, a história dos julgamen-
tos é uma história de erros; e não só de erros, mas também de sofrimentos e
abusos, todas as vezes em que no processo se fez uso de medidas instrutórias

14 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal. São Paulo: RT, 2002. p. 172-173.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
50

diretamente aflitivas, da tortura até o moderno abuso da prisão preventiva.


Alii civs lastronum telis, alii judicum sententia pereunt, lamentava Carrara com as
palavras de Paolo Risi, advertindo que ‘a justiça penal’, na falta de garantias,
gera para os cidadãos ‘perigos talvez maiores que os suscitados pelas paixões
dos culpados’. Por outro lado, o processo como de resto a pena, justifica-
se precisamente enquanto técnica de minimizar a reação social ao delito:
minimizar a violência, mas, também, o arbítrio que de outro modo seria
produzido de forma ainda mais selvagem e desenfreada.”15

De uma direção contrária aos postulados dogmáticos garantistas, surgem


reclamos funcionalistas ou utilitaristas, buscando enxergar nas ciências crimi-
nais uma solução prática e urgente para as mazelas oriundas da criminalidade,
como se o Direito, de forma estanque, pudesse debelar o problema do crime.
Sobretudo, entre nós, houve notável influência do movimento da Lei
e da Ordem (Law and Order), com discurso que lembra os postulados do
positivismo de Augusto Comte. Esse movimento foi a reação exercida por
uma parcela social que até então não sentia os efeitos da proximidade da cri-
minalidade. Esses extratos sociais até então incólumes passaram a se sujeitar
ao fenômeno criminal, graças ao desenvolvimento do crime lastreado não só
no incremento de atos criminosos, na sua expressão numérica, mas também
sob o seu aspecto qualitativo, na variação dos tipos penais vulnerados e não
raro nas características de desmesurada crueldade utilizada. O movimento
também encontra raízes no aparecimento e desenvolvimento do terrorismo
político; do tráfico de entorpecentes; do crime organizado; da criminalidade
massificada; na equiparação entre criminalidade e violência; e no desenvol-
vimento dos meios de comunicação.
Há, portanto, uma triste simetria pendular, como num movimento de
ação e reação, de modo que para uma maior liberdade exegética ou decisória
apresenta-se uma diminuição dessas liberdades, que se apresenta como amarra,
decorrente do discurso de segurança jurídica. E o ambiente para o desenvol-
vimento da abstrata busca pela segurança também se apresenta como resul-
tado de um receio coletivo, de um verdadeiro medo líquido16, espraiado pela
sociedade, próprio de um momento histórico no qual imperam as incertezas.
Esses fatos em conjunto, mas principalmente a equiparação da crimina-
lidade à violência, de forma genérica e não como uma das formas de expres-
são da violência que a sociedade moderna experimenta, contribuíram para o
nascimento de um forte sentimento de insegurança na sociedade. Isso tomou

15 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002. p. 482-483.


16 Sobre medo líquido: BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 51

grandes proporções por intermédio da influência dos meios de comunicação,


que ganharam notável desenvolvimento com o fenômeno da globalização,
proporcionando uma rápida transmissão da informação, principalmente da
imagem, que permite uma virtual transposição do expectador até o local de um
crime, multiplicando em quantidade e intensidade o sentimento de impuni-
dade e de insegurança. Os indivíduos passam a compartilhar a experiência da
vítima como se fossem eles próprios, numa comunhão da vitimização, com
a consequente difusão do sentimento subjetivo de insegurança. Há, então,
uma pressão da sociedade, constituída por aquela parcela alvo tradicional do
crime e de manipulação política, em busca de segurança contra a violência,
reduzida indevidamente a apenas expressão do crime. De outro lado, também
há pressão daquela outra parcela, até então imune ao fenômeno criminal,
mas detentora do poder econômico e político, no sentido de transformação
da legislação, em busca de respostas utilitaristas, ainda que com prejuízo de
garantias individuais17.
Paradoxalmente, esses mesmos extratos sociais privilegiados passam
a ser alcançados pela atuação dos órgãos de controle social, na medida em
que seus representantes são os sujeitos ativos dos crimes decorrentes do
desenvolvimento da atividade capitalista e que fogem do tradicional perfil da
criminalidade, dirigida aos crimes contra a vida e patrimoniais. Trata-se da
generalizada criminalidade de colarinho branco, marcada pelo exercício do
poder econômico e político. Como são agentes que tiveram normal acesso à
informação, cultura e educação, não se amoldam à concepção rigorosa de mar-
ginalizados. Resistem, então, em todas as esferas de poder ao reconhecimento
da validade de novos meios de prova e da modernização dos já concebidos. O
Direito Processual Penal é utilizado na sua acepção instrumental quase que
como um meio político de manutenção de uma estrutura de dominação social
e como um escudo ao enfrentamento do crime. Ao mesmo tempo em que se
quer um Estado forte, utiliza-se da capa da segurança para impedir avanços
legais quanto aos meios de produção de provas, ficando nítida a utilização do
controle social apenas para as castas sociais menos abastadas.
Situação que se presta como exemplar foi a ocorrida em relação às
interceptações telefônicas, que eram executadas sem critério ou controle
de segurança jurídica até a regulamentação de lei própria em 1996. O texto
produzido não teve o condão de fazer cessar as discussões sobre o meio de
prova que viola genericamente o direito à intimidade, porque muitas foram
as lacunas deixadas, já em muito amenizadas pela experiência decorrente do
passar do tempo. Assim, quando aquele que vem a ser processado tem parcos

17 Conferir: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 81-86.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
52

recursos econômicos, o Direito Processual Penal e mais especificamente o


meio de prova mitigador de garantias se mostra eficiente, com ele concor-
dando maciçamente a sociedade. Por outro lado, se o agente pode se valer de
quem seja hábil a atravessar os meandros do Direito, invocando o escudo da
segurança jurídica, incapaz de tudo prever, será tarefa difícil a eficaz utilização
dos meios de prova, notadamente os que se referem a garantias individuais.
Episódios assim vão se renovando com o tempo, mas curiosamente
ganham notoriedade em se tratando de criminalidade diversa da tradicional,
como mais contemporaneamente tem sucedido com a colaboração premiada,
que embora esteja experimentando aperfeiçoamentos, já suscita movimentos
de contenção, muito provavelmente em função dos agentes criminosos que
com ela se relacionam.
O fenômeno criminal ganha contornos cada vez mais impressionantes,
quer seja através da denominada criminalidade massificada, representada pelos
delitos ordinários que aumentam em ocorrência, quer seja pelo aparecimento
de novas expressões do crime: o terrorismo e o crime organizado.

“Criminalidade de massas em nosso meio compreende, há muito tempo,


arrombamento de apartamentos, roubo e outros tipos de violência contra os
mais fracos nas ruas, furto de automóveis e bicicletas, nas grandes cidades o
abuso de drogas. Ultimamente surgiu também a violência contra minorias
politicamente mascarada (...)

Propondo, portanto, usar a expressão ‘criminalidade organizada’ somente


quando o braço com o qual pretendemos combater toda e qualquer forma
de criminalidade seja tolhido ou paralisado: quando Legislativo, Executivo
ou Judiciário se tornem extorquíveis ou venais.”18

Essas modalidades, em particular, contribuem para que um Estado


policialesco tome vulto, resultado do fortalecimento dos órgãos de segurança
e de mitigação das liberdades públicas.
Esse contexto parece apropriado ao desenvolvimento de regimes ditato-
riais, em que a sobrevivência do Estado se impõe à preservação do indivíduo,
porque se caracteriza por uma situação excepcional e momentânea.

“En el sentido más general, puede llamarse dictadura a toda excepción


de una situación considerada como justa, por lo que esta palabra designa
ya una excepción de la democracia, ya una excepción de los derechos de
libertad garantizados por la Constitución, ya una excepción de la separación

18 HASSEMER, Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre: AMP/Escola Superior do Ministério Público, 1993.
p. 65-66.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 53

de los poderes o bien (como en la filosofía de la historia del siglo XIX) una
excepción del desarrollo orgánico de las cosas.”19

No âmbito internacional, e em relação ao terrorismo, chamam a atenção


as providências de restrição da liberdade experimentadas nos Estados Unidos
após o 11 de setembro e do tombamento do World Trade Center. Em face tam-
bém do terrorismo, mas não do terrorismo político, e sim da imposição do
terror como instrumento de intimidação do crime, utilizado pela máfia italiana,
não se pode olvidar do que se denominou operazione mani pulite, com restrições
momentâneas ao direito de liberdade, já que não mais necessárias medidas tão
excepcionais, bem como porque se percebeu exagero e abusos ocasionais.20
Nota-se, então, o surgimento de um ambiente próprio ao desenvolvimento
de regimes de exceção, ainda que sob o discurso da excepcionalidade, no qual
as liberdades são mitigadas em prol de um interesse maior, do interesse de
punir o terrorismo ou o crime, que pode ser generalizado como o interesse
na manutenção da organização social sob a forma de Estado, tudo a justificar
afastar as previsões sedimentadas na expectativa de segurança jurídica.

“El parte de la coexistencia de los hombres y del pacto estatal, el cual no


puede valer frente a aquellos que quieren rescindirlo. De ahí se sigue enton-
ces una ponderación de intereses que exige que al interés más valioso, que
es la existencia de contrato estatal, se de mayor coeficiente de ponderación
que a los derechos humanos.”21

O Brasil ainda não enfrenta o mesmo problema que outros países, posto
que muito embora o incremento da criminalidade de massa e organizada se
manifeste cada vez mais, não se tem o Estado ameaçado em sua existência,
talvez porque esse status do crime se mantenha exatamente graças à estrutura
estatal brasileira, não havendo razão, sob a perspectiva criminal, para a promo-
ção de alterações. Portanto, haverá quem diga não existir ambiente propício ao
desenvolvimento de um Direito Penal de Exceção, como paradigmaticamente
se vislumbra nos Estados Unidos e na Itália. Todavia, as bases dogmáticas estão
presentes e renovadas em autores contemporâneos:

“Certamente são possíveis situações, que talvez ocorram inclusive neste


momento, em que normas imprescindíveis para um Estado de liberdades
perdem seu poder de vigências se se espera com a repressão até que o autor

19 SCHMITT, Carl. La dictadura: desde los comienzos del pensamiento moderno de la soberanía hasta la lucha de
clases proletaria. Trad. José Díaz García. Madrid: Alianza, 1999. p. 194.
20 GRINOVER, Ada Pellegrini. O crime organizado no sistema italiano. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, n. 12, p. 85-86, out./dez. 1995.
21 SCHMITT, op. cit. p. 195.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
54

saia de sua esfera privada. Mas então o direito penal de inimigos também
só pode ser legitimado como um direito penal de emergência que vige
excepcionalmente.”22

Nessa discussão se insere a possibilidade de se refletir sobre os limites


do direito à intimidade, como projeção do interesse privado, que carece de
resguardo quanto a abusos, mas que, ao mesmo tempo, depende de uma
flexibilização para a viabilização do interesse público, representado pela ne-
cessidade de produção probatória para fins criminais.
O que parece clarear, é que a irresignação diante do sentimento de
impunidade e de insegurança quanto à violência criminal, não se coloca
suficientemente como justificativa de afastamento de garantias individuais,
estabelecendo-se uma ditadura do Estado. Isso se deve à curial razão da exis-
tência de insegurança e imprevisibilidade quanto a quem irá emitir juízo de valor
sobre essas situações. Numa situação ditatorial, nos moldes do que concebia
Carl Schmitt, o modelo liberal lastreado no sistema de pesos e contrapesos se
mostra fundado na desconfiança, proporcionando uma burocracia que não se
coaduna com momentos de emergência. A exceção legitima a decisão, que é
embalada pelo espírito de se preservar o Estado, e já que toda decisão legal tem
um lado político, o chefe supremo deve ser também o supremo magistrado.

“Mas num Führerstaat, no qual a legislação, o governo e o Judiciário não se


controlam reciprocamente com desconfiança, como ocorre num Estado
Liberal de Direito, aquilo que normalmente é de direito para um ‘ato do
governo’ deve valer em medida incomparavelmente mais elevada para
um ato por meio do qual o Führer comprovou a sua liderança e judicatura
supremas.”23

8 Conclusão
Como esclarecido de início, o presente escrito é apenas um ensaio sobre
uma diversidade de questões oriundas dessa constante busca humana pela
segurança. Segurança que na perspectiva jurídica se modifica à medida em
que se realiza, bem como guarda necessidade mutante conforme o contexto
social também se transforma.
Parece ser possível dizer que para a satisfação dos anseios humanos, a
segurança, e mais especialmente falando, a segurança jurídica, é muito mais
um ideal, uma meta, que não se atinge, mas cuja busca se faz essencial para

22 JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2003. p. 143.
23 SCHMITT, Carl. O führer protege o direito. Trad. Ronaldo Porto Macedo Júnior. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 223.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 55

a vida em sociedade. Na história do Direito a segurança jurídica encontrou


fonte na lei, na interpretação reiterada e foi contrastada pela imobilidade
diante das transformações sociais, carecendo de uma atualização, que a vida
cotidiana exigia e exige. Então, se é possível falar em segurança jurídica, há
de se admitir seu caráter metamórfico.
A questão não é nova, como se sabe, havendo perene necessidade de se
dosar, no âmbito do Direito, a previsibilidade decorrente do texto legal, com a
multifacetada realidade. Assim, hoje como antes, o papel humano do julgador
se faz importante, para suprir as especificidades que não conseguem ser ante-
vistas na necessária previsão legal, que deve mesmo primar pela generalidade.
Não se pode evitar eventuais desvios cognitivos e talvez nunca se poderá, nem
mesmo em terreno de inteligência artificial. A perfeita previsibilidade nesse
aspecto é muito mais um ideal do que uma realidade.
Tudo isso ganha um vulto considerável, em função do tempo em que
se vive, quando as próprias relações humanas são marcadas pela efemeridade,
pela incerteza, pela dúvida. Na produção legal e na exegese haverá esse objetivo
a ser vencido, o de proporcionar um mínimo de previsibilidade para orientar
as relações sociais, com a modulação das regras nos casos concretos, assim
como sempre sucedeu, apenas com uma atualizada roupagem.
Os limites são muitos frágeis e colocam em risco garantias e a própria
leitura democrática do processo, o que recomenda cuidado exacerbado para
não se perder as conquistas já alcançadas.
A segurança e a necessidade de aprimoramento do Direito devem ser
temperadas de modo a, por exemplo, ser possível a revisão de um julgamento
por outro juiz ou juízes, garantindo-se segurança à decisão tomada. Ao mesmo
tempo, não se pode eternizar uma pendenga judicial, permitindo-se indeter-
minados recursos, ao argumento de que ainda incerta, ou insegura a decisão. É
preciso buscar e se convencer do acerto de uma modulação da segurança, pois
se é imprescindível garantir a possibilidade de revisão do que veio exclusiva-
mente do monocrático, também não se pode macular de dúvidas as questões
por sucessivas e infindáveis revisões. É tudo muito grave e sensível, porque a
brusca interrupção da busca da verdade, podando-se o direito à prova, pode
expressar uma manifestação ditatorial dentro do processo.
O nó górdio, então, está na solução desse conflito de interesses público
e privado, que deixa o âmbito do Direito Processual Penal como ciência, para
se refletir nos seus institutos práticos, mas sem deixar de ser o reflexo de sua
inspiração inicial, no sentido de constituir uma restrição ao abuso, um limite
da excessiva intervenção estatal. Constitui um desafio a ser vencido, conciliar
demandas processuais modernas e restrição ao direito de acusar, mas também
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
56

estabelecer uma principiologia nessa atuação, de modo a garantir uniformidade


no enfoque da questão, mesmo na incidência de múltiplas variáveis. Talvez
a busca por essa posição intermediária e conciliatória seja impossível de ser
atingida, constituindo essa mais uma daquelas questões insolúveis do Direito.
No entanto, o pessimismo quanto ao resultado negativo deve ser sobrepu-
jado pela determinação do ânimo de se buscá-lo, que é o que deve animar a
atividade do operador do Direito.

TITLE: Essay on metamorphic legal stability.

ABSTRACT: Taking Savigny’s studies as a theoretical framework, the search is made for the existence
of legal stability and its contours, considering the Law that is born from positive law and the custom.
The debate is updated based on the problems that the judge faces in interpreting the law and proof, due
to the social sentiment that seeks predictability. Finally, the aim of the study is to verify the possibility of
real legal stability.

KEYWORDS: Legal Stability. Source. Interpretation. Proof. Criminal Proceedings.

9 Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002.
______. Garantismo e direito penal. Trad. Pedro Vaz Patto. Revista Julgar, número especial, 2008. Disponível
em: <https://sites.google.com/site/julgaronline/Home/numeros-publicados/julgar-especial---setembro-
dezembro---2008>. Acesso em: 14 ago. 2019.
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: RT, 2000.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O crime organizado no sistema italiano. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo, n. 12, p. 76-86, out./dez. 1995.
HASSEMER, Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre: AMP/Escola Superior do Ministério
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JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2003.
LOPES, Mônica Sette. Uma charada: a ciência, os métodos, a lei e o conflito. Revista do Tribunal Regional
do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 40, n. 70, p. 185-212, jul./dez. 2004. Suplemento especial.
Disponível em: <https://hdl.handle.net/20.500.12178/73438>. Acesso em: 14 ago. 2019.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
SAVIGNY, Friedrich Carl von. Trad. José Díaz García. De la vocación de nuestra época para la legislación y la
ciencia del derecho. Universidad Carlos III de Madrid, 2015.
SCHMITT, Carl. La dictadura: desde los comienzos del pensamiento moderno de la soberanía hasta la
lucha de clases proletaria. Trad. José Díaz García. Madrid: Alianza, 1999.
______. O führer protege o direito. Trad. Ronaldo Porto Macedo Jr. São Paulo: Max Limonad, 2001.
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal. São Paulo: RT, 2002.

Recebido em: 19.08.2019


Aprovado em: 11.09.2019
Doutrina

O Papel Transformativo das Corporações


no Processo Penal: Ideias sobre
Compliance e Vitimização Corporativa*
Eduardo Saad-Diniz
Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e do Programa
de Integração da América Latina da Universidade de São Paulo.

RESUMO: Sugere-se que o processo penal transformativo deve empregar


mais narrativas do que descrições, uma vez que as narrativas introduzem o
valor trágico de vidas humanas reais no processo de tomada de decisões. Serão
exploradas as possibilidades da vitimologia corporativa, campo originalmente
concebido por Laufer, com propósito principal de acentuar que o estudo da
vitimização corporativa poderia informar algumas possibilidades estratégicas
para o reconhecimento dos processos de vitimização, como uma peça central das
sanções jurídicas em face de comportamento corporativo socialmente danoso.
Após, pretende-se encapsular este impulso transformativo em uma sugestão bem
clara: justiça restaurativa integrada à tecnologia de compliance e combinada com
a função retributiva da pena, concebida como possível referencial teórico para
endereçar as necessidades das vítimas de forma mais apropriada. Em conclusão,
bastante próximo ao que Laufer propõe como sendo a linha progressista da res-
ponsabilidade penal da pessoa jurídica, sugere-se que os recursos de compliance
possam ser utilizados como uma poderosa estratégia transformativa.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Penal. Papel das Corporações. Vitimização


Corporativa. Compliance.

SUMÁRIO: 1 Em Busca de Ideias Inovadoras sobre o Papel das Corporações


no Processo Penal. 2 Um Processo Penal Transformativo Deveria Utilizar
Narrativas mais do que Descrições. 3 Os Desafios da Vitimização Corporativa,
Emoções e Restauração. 4 Conclusões: Explorando Compliance como Impulso
Transformativo.

1 Em Busca de Ideias Inovadoras sobre o Papel das Corporações no


Processo Penal
Assumindo a necessidade de provocar o senso comum existente na
matéria, neste artigo serão elaboradas algumas explorações iniciais sobre a
* Artigo originalmente publicado em inglês em: BRODOWSKI, Dominik et al. (Org.) The role of corporations in
criminal proceedings (RIDP, 2019). Agradecimentos aos professores Fauzi Hassan Choukr e Carlos Eduardo Japiassu
pelo distinto convite para participar do “Encontro Internacional – Responsabilidade Empresarial em Graves Violações
de Direitos Humanos”, na FACAMP/AIDP/IBRASPP/UNESA, em 26.04.2019. Dedico este ensaio ao Prof. Alaôr
Caffé Alves, pela introdução “transformativa” ao direito e por nos ensinar, desde os primeiros passos, a arrostar os
“efeitos deletérios do óbvio e do senso comum”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
58

aproximação centrada na vítima, como um possível impulso no sentido de


um processo penal transformativo (transformative). O propósito principal aqui
será analisar alguns conceitos centrais que poderiam informar melhor os
caminhos para a realização de direitos humanos, articulados com estratégias
de autorregulação. Ao mesmo tempo, a ideia é iniciar um diálogo crítico em
relação ao senso comum, envolvendo o emprego das estratégias de compliance
no processo penal. A pesquisa em compliance geralmente se refere à “autor-
regulação regulada”, a “estruturas de incentivo”, a “escolhas racionais”, ou à
“efetividade” sem uma imersão apropriada na análise das suas insuficiências.
Como se compliance houvesse se tornado indiscriminadamente um termo
válido para qualquer situação, alcançando quase todo processo em que o Es-
tado já não é mais identificado como provedor do controle da criminalidade.
Nas ciências criminais, há, ainda, muito espaço para a revisão das
funções primárias do controle social do negócio. Particularmente, a questão
central parece ser o debate sobre como seria possível desenvolver a noção de
“Justiça criminal corporativa”, proposta originalmente por William Laufer,
incorporando tanto as novas perspectivas sobre o sistema de justiça criminal
quanto as iniciativas corporativas inovadoras para reduzir a criminalidade.
Sempre que cabível, neste ensaio serão prestigiadas as posturas progressistas a
respeito da Justiça criminal corporativa, trazendo questionamentos que possam
inspirar futura pesquisa e que possam evidenciar mudanças significativas de
comportamento ético nas empresas1.
É claro que estou ciente das armadilhas. O desenvolvimento desta pers-
pectiva transformativa no processo penal poderia levar anos, ou uma geração
inteira de jovens penalistas, para se consolidar. Por agora, no entanto, limito-
me a este ensaio sobre alguns poucos tópicos a respeito dos quais gostaria de
suscitar algumas hipóteses básicas de pesquisa. Levando-se em consideração
que a pesquisa em ciências transformativas (transformatives sciences) remontam
a um campo altamente interdisciplinar, e sem desconsiderar a necessidade de
ser o mais realista possível, que dizer, menos normativo nas recomendações
de pesquisa, este ensaio deliberadamente dialogará com distintas perspectivas
ao longo de vários discursos disciplinares.
Na primeira parte, sugere-se que o processo penal transformativo deve
empregar mais narrativas do que descrições, uma vez que as narrativas introdu-
zem o valor trágico de vidas humanas reais no processo de tomada de decisões.
Aqui será criticada a cisão entre obrigações morais e deveres jurídicos, além

1 Para um conceito de “justiça criminal corporativa” e reflexões críticas sobre a métrica da criminalidade corporativa:
LAUFER, William. The missing account of progressive corporate criminal law, University Journal of Law and Business,
New York, n. 14, 2017, p. 1-63.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 59

da alienação causada pela “juridificação” (Verrechtlichung, como detalhado infra,


é a construção social dos conflitos por meio do processo penal). Na segunda
parte, serão exploradas as possibilidades da vitimologia corporativa, campo
originalmente concebido por Laufer. O propósito principal é acentuar que o
estudo da vitimização corporativa poderia informar algumas possibilidades
estratégicas para o reconhecimento dos processos de vitimização, como uma
peça central das sanções jurídicas em face de comportamento corporativo
socialmente danoso. Na terceira parte, após brevemente reposicionar o “giro
emocional” na justiça criminal, pretende-se encapsular este impulso trans-
formativo em uma sugestão bem clara: justiça restaurativa integrada à tecno-
logia de compliance e combinada com a função retributiva da pena, concebida
como possível referencial teórico para endereçar as necessidades das vítimas
de forma mais apropriada. Em conclusão, bastante próximo ao que Laufer
propõe como sendo a linha progressista da responsabilidade penal da pessoa
jurídica, sugere-se que os recursos de compliance possam ser utilizados como
uma poderosa estratégia transformativa.

2 Um Processo Penal Transformativo Deveria Utilizar Narrativas


mais do que Descrições
Há muitas ideias interessantes que poderiam reforçar a noção de que o
processo penal deveria utilizar narrativas no lugar de descrições. Não posso
desenvolvê-lo em mais detalhes aqui, mas se trata de uma questão filosófica
profunda a cisão entre obrigações morais e deveres jurídicos. Assumo aqui
que o legado da doutrina kantiana torna bastante difícil a percepção da moral
por força do direito. Posicionando este problema de forma simplificada, esta
cisão obstrui a justificação da pena como uma reprovação moral no trâmite
do processo penal. Na doutrina kantiana, os princípios práticos são mera-
mente formais, e suprimem a dimensão subjetiva – material. A formalização
dos deveres jurídicos apartada da subjetividade material é condicional para
assegurar a universalidade abstrata das normas jurídicas2. Pelo contrário, as
obrigações morais requerem o senso de vontade autônoma para se orientar o
comportamento conforme as normas jurídicas.
A cisão moral da doutrina jurídica poderia também ser entendida no
plano sociológico, especialmente no que diz respeito à “juridificação” (a
expressão original em alemão é Verrechtlichung), a condução do conflito que
veicula a interpretação jurídica por meio do processo. Essa necessária reflexão
sobre a juridificação pode ser encontrada no modelo sociológico proposto

2 KANT, Imannuel. Grundlegungzur Metaphysik der Sitten. Suhrkamp, 2007. p. 45.


Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
60

por Niklas Luhmann. Segundo ele, a essência do processo encontra-se na


descrição. Isso dá fundamento à ideia de que a tomada de decisão jurídica está
baseada na observação das estruturas descritivas, a partir das quais o sistema
realiza sua função (em Luhmann: a “generalização congruente de expectativas
normativas”3). A ideia parece até bastante razoável. O pensamento tradicional
indica que o processo penal é baseado em construções sociais de sentido que
não representam o conflito em si, mas apenas uma reconstrução fenomênica
dele. Eis a razão pela qual o sistema jurídico poderia ser aplicado operacio-
nalmente sem qualquer preocupação com justificações morais (não importa
se orientado ou não por valoração moral), justiça social, reconhecimento,
fairness, ou qualquer outra análise dos custos sociais decorrentes da tomada
de decisão. Ainda em relação a Niklas Luhmann, a questão da legitimidade se
refere a haver operado ou não um procedimento legítimo (a expressão alemã
para isso é Legitimationdurch Verfahren)4. Por conseguinte, isso reduz o alcance
regulatório do direito à organização do processo, à indiferença da distribuição
das liberdades pessoais na sociedade ou do reconhecimento das vítimas.
Em relação a isso, Gunther Teubner observa que o processo aliena o
conflito: “na subsunção jurídica, os procedimentos burocráticos sujeitam
os problemas concretos da vida a uma ‘violenta abstração’”5. Precisamente a
isso se atribui o nome de juridificação, processo responsável por obstruir o
juízo moral por meio das formalidades processuais. Assim como o sociólogo
põe claramente, a ‘juridificação suscita a questão fundamental sobre o quê
realmente constitui o problema. Um problema não é um artefato científico:
é antes um constructo sociológico, a percepção por um grupo que ameaça
os interesses de outro grupo”6. De fato, a cisão kantiana mencionada supra
permanece irresoluta, porque os constructos sociais no processo acabam por
“mutilar os conflitos sociais”, adstringindo a construção da verdade ao que está
internalizado no processo. Assim como Teubner já havia apontado, a juridi-
ficação não resolve o conflito, ela simplesmente o “aliena”7, mutila as experi-
ências sociais, afastando, por conseguinte, respostas socialmente adequadas8.

3 LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Suhrkamp, 1993; LUHMANN, Niklas. Die soziologische Beobachtung
des Rechts. Hermann Luchterhand, 1986.
4 LUHMANN, Niklas. Legitimation durch Verfahren. Suhrkamp, 1983.
5 TEUBNER, Gunther. Juridification of social spheres: a comparative analysis in the areas of labor, corporate, antitrust
and social welfare law. ������������������������������������������������������������������������������������������
De Gruyter, 1987. p. 24. Originalmente, a ideia foi incorporada ao processo penal em: FER-
NANDES, Fernando. O processo penal como instrumento de política criminal. Almedina, 2001. p. 94.
6 Op. cit., p. 51.
7 Debatendo o modelo de Luhmann, e com referências à clássica ideia de Nils Christie sobre a “expropriação do
conflito vitimal”: BILLIS, Emmanouil; KNUST, Nandor. Alternative types of procedure: aspects of social legitimacy.
In: SIEBER, Ulrich et al. (Ed.). Alternative systems of crime control. Duncker & Humblot, 2018. p. 39-58 (“the lack of
normative integration of the victims and the community affected by the original conflict into the criminal process
make them almost disappear in this transposed state-conflict-resolution mechanism”, p. 51).
8 Op. cit., p. 51.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 61

Assumindo que o processo causa alienação dos aspectos morais no


processo penal, algumas questões tornam a ser suscitadas: 1) que tipo de fun-
dação teórica poderia desafiar o legado kantiano?; 2) as narrativas poderiam ser
mais apelativas do que as descrições no processo?; 3) que tipo de contribuição
qualitativa poderia ser trazida pelas narrativas para assegurar a dimensão moral
no processo de tomada de decisão?; especialmente se considerarmos o âmbito
corporativo, 4) as iniciativas corporativas poderiam prover constructos sociais
para a cognição do processo penal mais significativas do que as tradicionais
estruturas descritivas?; e 5) as corporações poderiam assumir a liderança na
busca de alternativas estratégicas para se atingir a fairness no processo penal?
Por agora, pretende-se discutir apenas o papel transformativo das narra-
tivas como alternativa à natureza essencialmente descritiva do processo penal.
À diferença das descrições, as narrativas podem introduzir a representação
das tragédias humanas e dar voz às vítimas, trazendo valores concretos aos
processos de tomada de decisão. As narrativas evitam a alienação. Narrativas
são mais poderosas do que as descrições, porque expõem os conflitos com
base na vida social, para além da mera estrutura rígida e formalista do processo
penal. Talvez por isso, contar a história das vítimas seja uma alternativa pro-
missora para recobrar o senso moral perdido sobre as vidas humanas – e são
essas vidas humanas que deveriam conduzir o sentido do processo penal!9. Em
suma, a ideia central é que as ciências sociais transformativas, inspiradas pelo
uso crítico das narrativas, poderiam impactar a construção social do processo
penal, desde o comportamento desviante primário até a decisão nos tribunais.
Narrativas poderiam elevar o nível de conhecimento qualitativo, as
lembranças e os processos de aprendizagem. É muito provável que o uso de
narrativas poderia mesmo estimular uma consciência mais crítica a respeito
dos papéis sociais dos ofensores e vítimas. Como Mark Findlay e Ralph
Henham analisaram extensamente, “os julgamentos (...) oferecem o funda-
mento linguístico e pragmático para a expansão do acesso e participação da
vítima. Certamente, podem oferecer um mecanismo de accountability, a partir
do qual os direitos podem ser verificados”10. O argumento aqui é que o uso

9 Por exemplo, há muitas vantagens no emprego das ciências sociais para reduzir a criminalidade violenta: “The focus is
on a ‘bad behavior, good person’ approach in which those present seek to reconnect the offender to his or her values,
with the goal of motivating the offender to want to follow the rules in the future. The restorative justice approach
seeks ways to heighten the offender’s future motivation to engage psychologically and behaviorally in society. This
engagement includes developing or becoming more committed to social values that promote self-regulation, and
consequently adhering more closely to laws and social regulations in the future, that is, to lower levels of rearrest.
In other words, one important goal is being able to create better community members” (TYLER, Tom; RANKIN,
Lindsay. Public attitudes and punitive policies. In: DVOSKIN, Joel et al. (Ed.). Using social science to reduce violent
offending. Oxford Press, 2012. p. 118.
10 FINDLAY, Mark; HENHAM, Ralph. Transforming international criminal justice: retributive and restorative practice in
the trial process. Willan Publishing, 2005. p. 292-294.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
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das narrativas das vítimas poderia ser uma estratégia bastante inspiradora para
recobrar o juízo moral no processo decisório do sistema jurídico. Isso não
é tão distinto da dinâmica do reconhecimento, tratamento da vítima com
especial consideração à relação que ela estabelece com o ofensor e o sistema
de justiça criminal11.
Isso implica um espectro mais amplo de práticas transformativas, ini-
ciando com o reconhecimento das vítimas do crime corporativo e conferindo-
lhes o papel de protagonista no sistema de justiça criminal. É claro que estas
ideias demandam pesquisa muito mais profunda, mas deixando por agora
de lado a rejeição da agência moral das empresas (corporate moral agency) por
parte de certos doutrinadores, o reconhecimento da vítima poderia prover
uma identificação da culpabilidade muito mais acurada. Para que essa emprei-
tada tenha algum sucesso, há algumas questões-chave de pesquisa: como as
empresas poderiam ajudar as vítimas a endereçar suas narrativas no processo
penal? Os códigos de conduta corporativos e os procedimentos internos po-
deriam reconectar as obrigações morais e os deveres jurídicos? Ou para que
a empresa seja somada como parte no processo, sobretudo como interessada
na “reconciliação” com a infração? Qual poderia ser o valor de novas perspec-
tivas normativas na obrigação moral das corporações? Ou, mais diretamente,
estendendo-se o alcance da personalidade de vítima (victimhood) às corporações,
é possível estabelecer com clareza o reconhecimento delas como vítimas?
Mais empiricismo12 e experimentação a respeito poderia demonstrar como
as coisas poderiam funcionar na prática.
Ao redor do mundo, os criminalistas estão intensivamente engajados
em pesquisa comparada, na maioria das vezes delimitada a incrementar a
qualidade da responsabilidade penal empresarial. No momento, a pesquisa
em direito penal parece ainda negligenciar aspectos empíricos centrais sobre
a extensão do comportamento corporativo socialmente danoso13, deixando de
reconhecer as insuficiências na comparação dos sistemas de justiça criminal

11 “This withdrawal of respect or recognition is our most basic response to wrongdoing and thus can correctly be
described as the expressive form of blame. It is the most basic response to wrongdoing because it essentially involves
the recognition that our relationship has changed in some way as a result of wrongdoing. Perhaps we can eve say
that wrongdoing – that is, the failure to do what it is one has a moral obligation to do – is just whatever properly
motivates us to this withdrawal of recognition. What blame express, through its symbolic withdrawal of recogni-
tion, is a deterioration in relationships: it expresses the view that things have changed for the worse between ‘us’. A
natural metaphor to reach for in explaining this is to talk about distance, or a rupture in relationships; we might even
talk in more grandiose fashion about the alienation of the wrongdoer from the moral community.” (BENNETT,
Christopher. The apology ritual: a philosophical theory of punishment. Cambridge Press, 2008. p. 107)
12 FORTI, Gabrio et al. (Org.). Victims & corporations: implementation of Directive 2012-29-EU. Justice Programme
of the European Union, 2017.
13 Literatura empírica é escassa. Veja-se mais sobre em: SIEBER, Ulrich; ENGELHART, Marc (Ed.). Compliance
programs for the prevention of economic crimes: an empirical survey of German companies. Duncker & Humblot, 2014.
p. 96-98, quantifying victimization of companies and third parties.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 63

ou desafios interculturais14 a uma linha mais coerente quanto às estratégias


punitivas. Com sutis variações entre si, os debates geralmente consistem na
captura de diferentes tipos de comportamento organizacional com o míni-
mo de relevância para justificar o emprego das sanções penais, conflitos de
jurisdições, baixa qualidade das instituições domésticas, e algum ceticismo
sobre o potencial intimidatório das sanções administrativas. Há algumas ques-
tões ainda inexploradas, como a suposta autonomia moral das corporações
como ofensoras ou como vítimas, sua consequente aceitação das normas ou
compromisso com padrões éticos, seu papel em estruturar uma arquitetura
regulatória, resistência às investigações criminais, ou, por fim, para mencionar
uma tese sociológica mais controvertida, também se ignora que a vítima da
criminalidade corporativa é, na maioria dos casos, altamente dependente dos
recursos da própria empresa. Em uma palavra, os sistemas jurídicos interna-
cionais fracassam em endereçar com maior propriedade a reprovação social
por meio da responsabilidade penal da pessoa jurídica15, e o crime corporativo
é raramente concebido como uma falha moral.
Se a falha moral reflete a ideia de falta de indignação moral em relação
ao comportamento corporativo socialmente danoso (LAUFER, supra nota
4), destaca-se o aspecto normativo nesta tentativa de conectá-la com a suges-
tão transformativa: trata-se de uma falha moral objetiva, combinada com a
indiferença subjetiva no processo de tomada de decisão, a qual, em últimas
consequências, leva à confusão moral na sociedade sobre os propósitos do
processo penal e da punição. Outras pesquisas nas ciências sociais discutiram
a necessidade de “restaurar a balança moral” na reação às infrações econômi-
cas16, porém avaliando de forma bastante tímida quem e como é afetado pelo
comportamento corporativo socialmente danoso. Daí porque, assumindo que
as bases sociais da moral são alienadas pelo processo penal, o desafio mais de-
licado parece ser o de identificar as formas de legitimação coletiva do sistema
de justiça criminal. Um passo além disso, talvez haja um espaço significativo
para a pesquisa científica valer-se das ideias transformativas e começar a avaliar
a legitimação moral da justiça criminal corporativa.

14 A analítica de Malcolm Feeley tem ainda muito valor: “The logic of comparative analysis – concomitant variation – has
rarely been exploited effectively in the field since using the legal system or legal culture as the unit of analysis, like
much of social science generally, is ‘negative’ or ‘corrective’, in that it is most successful in marshalling evidence to
challenge or ‘disprove’ the accuracy of received wisdom or generalization put forward by others. However valuable
this may be, it does little to advance explanatory analysis” (Comparative criminal law for criminologists: comparing
for what purpose? In: NELKEN, David [Ed.]. Comparing legal cultures. Dartmouth, 1997. p. 103)
15 Para uma análise mais profunda sobre a insuficiência da responsabilidade penal empresarial na experiência norte-
americana: LAUFER, William. Corporate bodies and guilty minds. Chicago Press, 2006. p. 60.
16 Eg MILLER, Dale; VIDMAR, Neil. The social psychology of punishment reactions. Law and Society Review, n. 14,
1980, p. 565-602.
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3 Os Desafios da Vitimização Corporativa, Emoções e Restauração


Ao menos desde o assim chamado “efeito Arthur Andersen”, há muitas
análises críticas oscilando entre a redução do dano colateral e a priorização
de estratégias de enforcement – é muito curioso como os memoranda do DOJ
despertam tantos debates no mundo todo17. É frustrante, no entanto, dar-se
conta de que não há dados suficientes sobre como a vitimização corporativa
teria sentido na construção social do processo penal18. Nesse caso, constelações
explanatórias colocariam mistificações sobre a escolha racional no lugar de
um empiricismo mais significativo.
O conceito de vitimologia corporativa, um novo campo de pesquisa ori-
ginalmente proposto por William Laufer19, poderia ser melhor explorado. Assim
como Laufer expõe no seu trabalho mais recente: “(…) a vitimologia corporativa
poderia revelar os níveis de vitimização nas várias dimensões em que os stakehol-
ders estariam engajados; poderia rever nossa percepção sobre a culpabilidade
corporativa em relação a possíveis sanções; e poderia corrigir a falsa percepção de
que as infrações corporativas seriam, de alguma forma, vulnerações irrelevantes
contra o Estado, contra a comunidade ou contra nós mesmos”. Consequência
disso, a vitimização corporativa negligenciada mina a legitimação do processo
penal empresarial. E, tão logo, sem que haja uma mais adequada apreensão da
vitimização, os processos acabam condenados a reproduzir um senso deletério
de “vácuo normativo” (normlessness) e desconfiança nas instituições.
Há algumas tentativas de seguir desenvolvendo a vitimologia corpora-
tiva. Pode-se, por exemplo, explorar a ideia de empresa como vítima (corporate
victimhood). Se as corporações podem ser concebidas como vítimas, e não
exclusivamente como ofensoras, logo a vitimologia corporativa tem muito
a dizer ao sistema de justiça criminal. Uma primeira observação remonta
ao estado geral de desinformação sobre as vítimas do crime corporativo.
Elas normalmente sequer se sentem vitimizadas ou têm apenas uma ideia
fragmentada das dimensões da vitimização. Uma segunda, diz respeito ao
dinamismo encontrado entre as organizações: em alguns casos, com o risco
operacional tão alto no mercado de capitais, ofensores poderiam se converter
instantaneamente em vítima, e, em um ciclo vicioso, retornar à posição de

17 Impressiona que o uso de guidelines para auxílio de reguladores e de enforcers a articular suas estratégias reguladoras
seja uma tendência global. Por exemplo, o Grupo Crimint, na Argentina, preparou um consistente protocolo e
abriu o debate ao crivo de especialistas internacionais. (PABLO MONTIEL, Juan; AYESTARÁN, Nicolás [Ed.].
Lineamientos de integridad. Crimint, 2018).
18 JOHNSON, K. Federal court processing of corporate, white collar, and common crime economic offenders over
the past three decades. Mid-American Review of Sociology, n. 11, 1986, p. 25-44; mais específico sobre o papel das
corporações e vitimização no processo penal: HAGAN, John. Victims before the law: a study of victim involvement
in the criminal justice process. Journal of Criminal Law and Criminology, n. 73, 1982, p. 317-330.
19 LAUFER, William. A very special regulatory milestone. University of Pennsylvania Journal of Business Law, 2018, 413 ff.
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ofensor. Os escalões tradicionais da vitimização, quando aplicados no âmbito


corporativo, são muito dinâmicos, em contexto bem similar ao que se conhece
como “poli-vitimização”20. De qualquer forma, o propósito de uma catego-
rização diferente da vitimização provê um referencial teórico mais atrativo
para atribuir responsabilidade: 1) corporações como ofensoras; 2) corpora-
ções como vítimas; e 3) vitimização no âmbito interno da corporação21. No
entanto, ainda é muito frustrante a ausência de fundamentação empírica mais
representativa ou algum tipo de escala sobre a seriedade do dano, ou mesmo a
extensão dos processos de vitimização que poderiam oferecer uma base mais
sólida às tentativas de sistematização do campo da vitimologia corporativa.
Na prática, há ao menos duas estratégias possíveis para enfrentar o de-
safio da vitimização corporativa. Em primeiro lugar, parece bem convincente
que a vitimologia corporativa poderia se valer do emprego dos direitos hu-
manos, dando vida às necessidades das vítimas nos Tribunais. É uma sugestão
razoável que os esforços internacionais de responsabilizar as multinacionais
por graves violações de direitos humanos poderiam explorar as lições da vi-
timologia corporativa, incrementando o impacto na redução da vitimização.
Em um segundo momento, o “giro emocional” (emotionalturn) da justiça
criminal corporativa22 desperta uma série de questões desafiadoras sobre as pos-
sibilidades de realização concreta da vitimologia corporativa, que certamente
deve provocar revisões no discurso normativo sobre as emoções e as expres-
sões. A proposta de Lawrence Sherman sobre uma ‘justiça emocionalmente
inteligente’ (emotionally intelligent justice)23 poderia ser uma alternativa mais do
que bem-vinda para a justificação dos limites morais do papel das corporações
no processo penal. Há uma série de argumentos razoáveis que reforçam o
caráter transformativo das emoções: 1) vítimas querem expressar suas emo-
ções e uma demanda justa (fair claim) por justiça24, e não desejo de vingança;
2) vítimas têm o direito de não serem expropriadas do próprio conflito; e 3)

20 Na vitimologia: FINKELHÖR, David. Developmental victimology. In: R. Davis et al. (Ed.) Victims of crime. Sage,
2007. p. 28.
21 Todos os comentários são discutidos em maiores detalhes em: SAAD-DINIZ, Eduardo. Vitimologia corporativa: um
novo campo de pesquisa nas ciências criminais (forthcoming, 2019).
22 Assim como mencionado por William Laufer, durante o 5º Simpósio dos Jovens Penalistas em Freiburg, Alemanha.
23 SHERMAN, Lawrence. Reason for emotion: reinventing justice with theories, innovations, and research’ Criminol-
ogy, n. 41, 2003, p. 1-37.
24 “Victimhood produces grieving relatives, dominated by their hurt and loss, and survivors, maimed physically or
psychologically, who take their victimhood into the future as a burden of grief and pain. Managing these emotions
is foundational to peacemaking. These emotions are particularly divisive when all groups can claim themselves
victims. The emotions around victimhood therefore need to be managed in such a way as to permit victimhood to
be recognized as an issue, and the victims honoured, while moving them and the rest of society beyond the memory.
This requires as a starting point a plural approach to victimhood by recognizing that all have suffered in different
ways.” (BREWER, John. Dealing with emotions in peacemaking. In: KARSTEDT, Susanne et al. (Ed.). Emotions,
crime and justice. Hart, 2014. p. 309.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
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vítimas merecem empoderamento no processo, a necessidade de sentir que


efetivamente tiveram escolha – e que estas escolhas são levadas a sério.
Dentre todas as alternativas de controle da criminalidade corporativa –
sem mencionar o emprego de novas e promissoras tecnologias emergentes, que
deveriam ser tratadas com maior propriedade em futuras pesquisas científicas
e de implementação de políticas públicas –, a justiça restaurativa25 parece ser
uma luz no fim do túnel. É verdade que as evidências sobre a efetividade das
práticas restaurativas na redução da criminalidade são, com poucas palavras,
limitadas26. Entretanto, seguem sendo uma promessa alternativa para “reco-
nhecer os direitos daqueles esquecidos nos processos judiciais”27, ao menos
com estratégias inovadoras mais promissoras justamente pelo uso de processos
menos formalizados e mediante participação mais efetiva no caso28. Heather
Strang, com bastante acuidade, conectou estas peças, afirmando que “é o
trabalho da justiça restaurativa que poderia despertar emoções de remorso e
perdão que beneficiam a todos os participantes. Quando isso se concretiza,
então a agenda da justiça restaurativa se preenche de sentido”29.
Para além da inclusão daqueles que são ordinariamente negligenciados
pela justiça criminal, as práticas restaurativas dão muito mais espaço para nar-
rativas transformativas e para suscitar questões morais no processo decisório, e
esta é uma razão suficientemente convincente a partir da qual se argumenta em
favor de estratégias alternativas: a cisão moral (obrigações morais vs. deveres
jurídicos), o uso preferencial de narrativas na inclusão do aspecto subjetivo da
vítima e de suas emoções. Além disso, Lawrence Sherman e Heather Strang
apresentam uma explicação que conecta teorias da emoção baseadas no status
e no poder. Teoricamente, justiça restaurativa facilita a “transferência do poder
do ofensor à vítima”, abrindo oportunidade para, no lugar disso, apologias e

25 STRANG, Heather; BRAITHWAITE, John. Restorative justice and civil society. Cambridge, 2001. p. 1-13. Conceitual-
mente, Strang e Braithwaite dividem a justiça restaurativa em três diferentes categorias: 1) procedimental, engajando
todos os stakeholders; 2) valorativa (mecanismos alternativos à perspectiva tradicional de justiça); e 3) integrada,
idealmente concebida como um continuum entre o engajamento de stakeholders e formas alternativas de justiça.
26 SHERMAN, Lawrence; STRANG, Heather. Restorative justice: the evidence. The Smith Institute, 2007. p. 88.
27 FINDLAY, Mark; HENHAM, Ralph. Op. cit., p. 292-294.
28 Participação, neste caso, significa, “not only participating directly, they should be encouraged to do so to generate
the emotional power upon which the ‘success’ of restorative justice depends” (STRANGER, Heather. Is restorative
justice imposing its agenda on victims? In: ZEHR, Howard et al. [Ed.]. Critical issues in restorative justice. New York:
Monsey, 2004. p. 95-106.
29 De fato, as práticas restaurativas podem prover “means by which victim’s harms and needs are addressed, then the central
role played by victims means that they are integral to the process. To be sure, victims may arrive at their conference full
of retributive and bitter emotions, but this is usually no more than a normal reaction to the harm they have experienced.
Only by acknowledging the legitimacy of these retributive emotions and permitting their expression can restorative
justice be perceived as a mainstream alternative to the exclusive and impersonal punitive focus of the formal justice
system. Without such an acknowledgment, restorative justice will remain limited to trivail disputes between people little
affected by the crime or its treatment” (STRANG, Heather. Is restorative justice imposing its agenda on victims? In:
ZEHR, Howard et al. [Ed.]. Critical issues in restorative justice. New York: Monsey, 2004. p. 95-106.
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perdão30. Tomando por base esta questão, por agora é possível apenas somar
alguns comentários ao papel das emoções no âmbito corporativo. Este “giro
emocional” trazido pelas práticas restaurativas nos leva ao desafio da restau-
ração, um desafio bastante promissor ao setor privado.
Desde uma perspectiva normativa, o processo penal transformativo,
ao combinar práticas restaurativas com a punição retributiva, acaba forjando
a noção de justiça transformativa31. A questão particular sobre a reprovação
moral do comportamento corporativo socialmente danoso implica desafiar as
teorias jurídicas tradicionais e o juízo moral centrado na figura da autoridade
competente – o juiz. O deslocamento parcial ao âmbito corporativo permite
questionar se há de fato valores e práticas sociais que possam ser combinadas
com enforcement mais inteligente e punição prioritária à severidade da conduta.
Também levanta problemas a respeito da carga simbólica que deve
expressar uma condenação, notadamente no que diz respeito às emoções
mais impactadas pelo comportamento corporativo socialmente danoso32. Tal
qual Fisse e Braithwaite já o afirmavam, o processo penal deveria tomar por
foco atribuir valor e reconhecimento público às estratégias corporativas33.
Em minha opinião, a “autorregulação regulada” (ou mais próximo de sua
formulação original, a “autorregulação submetida a enforcement” – enforced self-
regulation) não deveria ser tomada como mais um dogma que nos forçamos
a reproduzir na pesquisa científica latino-americana. O próprio Braithwaite
avaliou criticamente esta ideia em uma série de oportunidades. Ele sugere, por
exemplo, algumas alternativas bastante criativas à falta da “arma benigna” (big
benigngun) nos países em desenvolvimento34, sobretudo, porque estes países
sequer dispõem de sanções jurídicas mais consistentes em seus ordenamentos.
Espera-se que as ciências criminais encontrem a oportunidade para
encorajar a experimentação científica e introduzir práticas sociais mais ino-

30 SHERMAN, Lawrence; STRANG, Heather. Empathy for the devil: the nature and nurture of revenge. In:
KARSTEDT, Susanne et al. (Ed.). Emotions, crime and justice. Hart, 2014. p. 145-168.
31 “Transformative justice is about dealing with both the injustice of being victimized and with the injustice of distribu-
tive justice. Transformative justice departs from the adversarialism of repressive, retributive, vengeful, and even
restorative justice on the ground that these forms of justice serve to perpetuate and reproduce the marginal and
disempowering conditions of the victimized and the enraged. Instead, policies of nonviolence are called for that seek
to transform the dominant practices of our penal-justice systems and of the larger systems of distributive injustice
throughout society. At the same time, transformative justice seeks to move victims from vengeance to forgiveness,
from defensive hatred and alienation to altruistic empathy and protectiveness, as it seeks to respond to the needs of
the most vulnerable and harmed in our society who require at a minimum four things: (a) answers to why they were
victimized; (b) recognition of the wrongs they incurred; (c) restitution for the injuries they received, and (d) the
restoration or establishment of peace and security lost or never obtained.” (BARAK, Gregg. Violence and nonviolence:
pathways to understanding. Sage, 2003. p. 323.
32 BENNETT, Christopher. The apology ritual: a philosophical theory of punishment. Cambridge Press, 2008. p. 145.
33 FISSE, Brent; BRAITHWAITE, John. Corporations, crime and accountability. Cambridge Press, 1993. p. 218-238.
34 BRAITHWAITE, John. Responsive regulation and developing economies. World Development, n. 34, 2006, p. 884-898.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
68

vadoras no epicentro do processo penal. A teoria social poderia ser de toda


relevância aqui, ao menos em minha opinião, para nos auxiliar a definir como
a responsabilidade penal empresarial pode assumir diferentes significados em
distintas redes sociais (social networks). Parece ser matéria de alta indagação
revelar em que condições sociais, que tipo de sociedade e que qualidade de
valores humanos poderiam referenciar nossas perspectivas teóricas. Talvez já
baste com reconhecer que as corporações estão fortemente interconectadas
com as interações sociais e que as companhias impactam as modernas formas
de solidariedade e coesão social. Talvez a única questão essencial seja articular
com mais consistência os argumentos, evitando o caráter excessiva ou exclu-
sivamente normativo das especulações teóricas sobre a matéria.
Não é sem razão que muitos criminólogos já desgastados pelo ceticismo
em relação ao papel das ciências criminais vejam apenas fachada nos programas de
compliance e tenham tão reduzida expectativa quanto ao rendimento nas práticas
restaurativas. Em relação à vitimização corporativa, a justiça restaurativa se depara
com desafios ainda mais delicados, tal qual Richard Young já o prenunciava: natu-
reza excludente da maior parte do controle da criminalidade corporativa, rigidez
das respostas corporativas, “vitimização repetida” e rotinização da participação das
empresas em práticas restaurativas, além de questões envolvendo representativi-
dade35. Para além disso, não raro se depara com distorções em referência à restau-
ração como mera questão de substituição da punição por práticas restaurativas36.
Neste ensaio, não é possível investigar em mais detalhes nem a função
retributiva da punição nem a falta de efeito intimidatório na criminalidade
corporativa37, mas, mesmo apesar de suas limitações, há muitas vantagens na
orientação restaurativa centrada na figura da vítima e isso poderia ser bem
mais apelativo para uma perspectiva transformativa. Por agora, poderia elencar
alguns benefícios teóricos e outros um tanto mais práticos.Teoreticamente,
práticas restaurativas orientadas às vítimas acarretam consequências normativas
mais profundas: a universalidade da justiça oferecida em processos regulares
se preenche com um sentido mais sólido de justiça sensível ao contexto e
intersubjetivo – deliberativo38 –, melhor acomodando um campo mais amplo
de expectativas legítimas no âmbito corporativo.

35 YOUNG, Richard. Testing the limits of restorative justice: the case of corporate victims. In: HOYLE, Carolyn;
YOUNG, Richard (Ed.). New visions of crime victims. Hart, 2002. p. 133-172.
36 VOGT, David. The aims of restorative justice: some philosophical remarks on the challenges of integrating restorative
justice into the criminal justice system. Reconciling the irreconcilable? In: GRÖNING, Linda; JACOBSEN, Jorn
(Ed.). Restorative justice and criminal justice: exploring the relationship. Santerus, 2012. p. 21-40.
37 SIMPSON, Sally Seminal. Corporate crime, law, and social control. Cambridge Press, 2002. 180 f.
38 Op. cit.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 69

Na prática, Findlay e Henham mencionam: “tem-se, crescentemente,


conferido voz à vítima e seus representantes. Não tardaria muito em ampliar
o alcance desta voz na linha dos interesses restaurativos articulados com penas
retributivas”39. Nesse sentido, pesquisas futuras poderiam aprender com a vitimo-
logia corporativa e apresentar soluções inovadoras sobre como utilizar recursos
de compliance para dar voz às vítimas e aplicar justiça restaurativa de acordo com
tecnologia própria de compliance. Para ficar apenas com as questões mais inevitáveis:
O que e por que aconteceu? As companhias precipitaram a própria vitimização ao
assumir riscos? E se acontecer novamente? O que isso diz a respeito de minhas
estruturas de compliance? Quanta dor e sofrimento as corporações causaram a
seus stakeholders? Bastaria com reparar o dano? As empresas têm capacidade para
restaurar? E, finalmente, o que as iniciativas corporativas nos dizem a respeito de
possíveis melhorias nas estratégias de enforcement e na política regulatória?

4 Conclusões: Explorando Compliance como Impulso Transformativo


Impressiona como faltam elementos empíricos sobre quem foi lesio-
nado, que tipo de necessidade eles têm, quem está obrigado a ampará-los,
quais são as causas, quem detém um stake no conflito, como ele poderia ser
restaurado? Há uma lista de questões complementares, tais como: As vítimas
são suficientemente amparadas? Emocionalmente? Protegidas contra violações
subsequentes? Elas têm voz nos processos? São suficientemente informadas?
Curiosamente, há escassa literatura debatendo a reorientação normativa do
papel das corporações no processo penal. É ainda mais difícil encontrar refe-
rências que conduzam a novas estratégias de argumentação moral. Pode ser
que esta nova rationale não necessite mais tanto esforço especulativo ou inter-
mináveis discussões metafísicas sobre valores ou cultura. Talvez Laufer tenha
razão, e esta rationale possa encontrar fundamento em experimentações mais
claras sobre como conectar as peças que informam a reação penal ao compor-
tamento corporativo socialmente danoso. E isso não apenas evidenciando o
que funciona (what works), mas endereçando o que realmente importa (what
really matters): as necessidades das vítimas, a redução das causas do crime e do
sofrimento na sociedade mundial.

39 Findlay e Henham apontam outros resultados possíveis para esta combinação entre práticas restaurativas e punição
retributiva: “disestablishing the professional monopoly over trial communication; deconstructing legal language to
open up meaning to lay participants; reframing judicial discretion to facilitate more flexible and spontaneous levels
of trial conversation; allowing the determination of truth to divert trial outcomes from the determination of indi-
vidual liability through determinations of guilty; staging trial outcomes where RJ can precede and perhaps defuse
the need for findings of guilt, and sentence to follow; softening the entry and exit stages in the trial and making
the accountability of the process serve more than the satisfaction of professional participants” (FINDLAY, Mark;
HENHAM, Ralph. Op. cit., p. 292-294).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
70

Culpabilidade e agência moral persistem como elemento central neste


campo de pesquisa40. Este debate teórico, no entanto, deveria evitar o pedestal
filosófico ou armadilhas semânticas. Talvez seja hora de se dar conta de que
estamos excessivamente agrilhoados em solilóquios acadêmicos, falando apenas
para nós mesmos a partir de teorias elegantes e autoemulatórias, vivendo isolados
em nossos próprios pensamentos ao evitar o enfrentamento de nossas qualidades
humanas mais essenciais que nos levam à justiça social. Na propositura de novas
teorias neste campo, a partir das mediações da construção social da culpabilidade
corporativa (social construction of corporate fault)41, há o risco de se empenhar em
novas teorias que, na verdade, não passam de reciclagem de teorias velhas.
A mim me parece que a responsabilidade penal empresarial possa ser
concebida de acordo com uma compreensão clara e objetiva de suas dimen-
sões estruturais e poder. O que poderia ser mais simples – e justo – do que
avaliar o dano, identificar as vítimas e endereçar uma resposta adequada às
empresas? Não gostaria de fazer mais um apelo ingênuo à compaixão com as
vítimas da criminalidade corporativa, apenas me posiciono sobre o fato de que
as teorias não devem ter preocupação maior do que articular a justiça social,
seguindo concepções democráticas mais intensas. O corpus theoricus que falta
neste campo deveria ser menos voltado a novas teorias sobre a personalidade
das empresas e mais fértil na articulação de estratégias realistas de regulação
e controle do comportamento corporativo.
Parece que a centralidade do Estado, como lócus privilegiado de atri-
buição de responsabilidade, tem sido atualmente desafiada por significativas
mobilizações em torno da “privatização” do sistema de justiça criminal. Se
este deslocamento para o setor privado é cada vez mais frequente, o papel das
corporações no processo penal não poderia simplesmente reproduzir o papel
“regular” de ofensores e vítimas no processo penal. A sua vez, esforços no
sentido de uma “autorregulação regulada”, de “estruturas de incentivo”, de
“escolhas racionais”, ou de “efetividade”, apesar de sua recorrente citação na
literatura, ainda merecem muito mais atenção da pesquisa científica. Esta leitura
transformativa sobre o papel das corporações no processo penal poderia sugerir
uma revisão do próprio sistema de justiça criminal. A seu modo, a densidade da
pesquisa é extremamente desproporcional e mal distribuída nas várias partes do
mundo. Os esforços científicos colaborativos deveriam interrogar as condições
sociais e as relações entre as partes do processo, assumindo que o crime não
é uma pressuposição fenomênica, mas, sim, decorrente de construção social.

40 Veja-se, por exemplo: SEPINWALL, Amy. Blame, emotion and the corporation. In: ORTS, Eric et al (Ed.). The
moral responsibility of firms. Oxford Press, 2016. p. 143-168.
41 William Laufer (nota 24).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 71

As ciências criminais deveriam olhar para as iniciativas corporativas como


impulso transformativo. Isso implica o engajamento em novas práticas sociais
e experimentações com as práticas de compliance. Uma vez mais com Laufer, as
estratégias de autorregulação corporativa constituem elemento central para se
alcançar a “convergência de compliance” (compliance convergence)42 e novas arenas
de expressão do comportamento ético43. É a chave, tal qual pensamos, para li-
berar os padrões tradicionais do processo penal em torno de uma mais inclusiva
construção social da verdade. O processo penal é o mais robusto instrumento à
disposição do sistema de justiça criminal, mas irá alcançar ainda maior proemi-
nência se estiver construtivamente aberto a novas narrativas de autorregulação,
explicando com maior profundidade os processos de vitimização corporativa,
crime e atribuição de responsabilidade. Dessa forma, as corporações poderiam
representar o papel de atores transformativos no processo penal.

TITLE: The transformative role of corporations in criminal procedure: ideas about compliance and
corporate victimization.

ABSTRACT: It is suggested that the transformative criminal procedure should use more narratives than
descriptions, since narratives introduce the tragic value of real human lives in the decision-making process.
The possibilities of corporate victimology, originally conceived by Laufer, will be explored, with the primary
purpose of emphasizing that the study of corporate victimization could support some strategic possibili-
ties for the acknowledgment of victimization processes, as a centerpiece of legal sanctions in relation to
socially harmful corporate behavior. This text intends to summarize this transformative impulse in a clear
suggestion: restorative justice integrated with compliance technology and combined with the retributive
function of punishment, conceived as a possible theoretical framework to better address victims’ needs.
In conclusion, pretty similarly to what Laufer proposes to be the progressive line of criminal liability of
legal entities, it is suggested that compliance resources may be used as a powerful transformative strategy.

KEYWORDS: Criminal Procedure. Role of Corporations. Corporate Victimization. Compliance.

Recebido em: 15.08.2019


Aprovado em: 13.09.2019

42 Compliance convergence consiste em iniciativas corporativas mensuráveis, que proveem a “convergence of informal
corporate social controls” (LAUFER, William. The missing account... op. cit., p. 63). As ciências criminais deveriam se
empenhar em maior experimentação neste campo. Transformar o papel das corporações no processo penal talvez seja
alinhar-se à flexibilidade do âmbito corporativo. Por um lado, conceder mais espaço para atores não estatais poderia
ser uma estratégia muito promissora para ajudar a priorizar as estratégias de enforcement aos casos mais danosos. Por
outro, é bastante razoável empregar mecanismos de verificação intensiva de direitos fundamentais para controlar os
abusos sob a “forma” (shape) ou os “valores partilhados” (shared values) advindos das expectativas corporativas. Este
primado da regulação privada tem sido amplamente debatido no campo da violação de direitos humanos no âmbito
corporativo, veja-se, por exemplo: Darian-Smith; C. Scott. Regulation and human rights in socio-legal scholarship.
Law and Policy, n. 31, 2009, p. 271-276. Ver também: CHOUDHURY, Barnali. Hardening soft law initiatives in
business and human rights. In: PLESSIS, Jean Du et al (Ed.). Corporate governance codes for the 21st Century. Springer,
2017. p. 189-208 (“growing nonstate regulatory power requires either an acceptance of diminished rights or the
elaboration of a new rights narrative which more effectively embraces private power”).
43 Longamente sobre: SAAD-DINIZ, Eduardo. Ética negocial e compliance: entre a educação executiva e a interpretação
judicial. RT, 2019.
Doutrina

O Combate à Pornografia de Vingança e a


Tutela Penal da Imagem no Brasil

Leonardo Estevam de Assis Zanini


Livre-Docente e Doutor em Direito Civil pela USP; Pós-
Doutorado em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für
Ausländisches und Internationales Privatrecht (Alemanha);
Pós-Doutorado em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut
für Ausländisches und Internationales Strafrecht (Alemanha);
Doutorando em Direito Civil na Albert-Ludwigs-Universität
Freiburg (Alemanha); Mestre em Direito Civil pela PUC-
SP; Bacharel em Direito pela USP; Juiz Federal; Professor
Universitário; Pesquisador do Grupo “Novos Direitos”
CNPq/UFSCar. Autor de livros e artigos publicados nas
áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais e Direito do
Consumidor; ex-Bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da
CAPES; ex-Delegado da Polícia Federal; ex-Procurador do
Banco Central do Brasil; ex-Defensor Público Federal; ex-
Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato
Grosso do Sul; ex-Diretor Acadêmico da Escola de Formação e
Aperfeiçoamento de Servidores da Justiça Federal em São Paulo.

Silvio Luiz Maciel


Mestre em Direito pela PUC-SP; Professor de Direito Penal
e Processo Penal da Universidade de Araraquara (UNIARA);
Professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Jaú;
Autor de obras jurídicas; Advogado; ex-Delegado de Polícia do
Estado de São Paulo.

RESUMO: O presente artigo analisa a necessidade de proteção da imagem pelo


direito penal. Destaca que a defesa da imagem pelo direito penal é um tema
que passa pela compreensão da teoria do bem jurídico como instrumento para
limitação da intervenção penal. Apresenta reflexões acerca da importância do
consentimento, expresso ou presumido, no que toca à atipicidade ou à exclusão
de ilicitude das condutas envolvendo o direito à imagem. Feita uma análise geral
quanto à legitimidade e necessidade da tutela penal, o texto estuda as normas do
direito brasileiro que oferecem, ainda que de forma indireta, proteção à imagem,
como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei Carolina Dieck-
mann e da Lei de Proteção das Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais. Por
fim, são analisados os crimes de registro não autorizado da intimidade sexual e
de divulgação de cena de estupro, de sexo, de nudez ou de pornografia.

PALAVRAS-CHAVE: Proteção Penal da Imagem. Direito à Vida Privada. Di-


���
reitos da Personalidade. Pornografia de Vingança.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 73

SUMÁRIO: Introdução. 1 Legitimidade e Necessidade da Intervenção Penal


para a Proteção do Direito à Imagem. 2 O Consentimento do Ofendido e o
Direito à Imagem. 3 O Consentimento Presumido. 4 Tutela Penal da Imagem
e o Direito Positivo Brasileiro; 4.1 A Tutela Penal da Imagem da Criança e do
Adolescente; 4.2 Invasão de Dispositivo Informático; 4.3 Tutela Penal da Imagem
das Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais; 4.4 Registro Não Autorizado
da Intimidade Sexual; 4.5 A Divulgação de Cena de Estupro, de Sexo, de Nudez
ou de Pornografia. 5 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Introdução
No direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre na legislação
de muitos países europeus, não há um tipo que cuide especificamente da
tutela penal da imagem. Não há que se falar na existência, no direito pátrio,
de uma disposição penal que salvaguarde amplamente a imagem, ainda que
em associação com a proteção da privacidade e da intimidade.
A despeito da ausência de tal previsão legal, é bastante corriqueira a
ocorrência de situações que dão enfoque a essa problemática. Isso se deve
principalmente ao desenvolvimento tecnológico, que permitiu a digitalização
de imagens e a miniaturização de equipamentos, facilitando a captação de
imagens1. Além disso, o surgimento da internet permitiu a distribuição dessas
imagens de forma praticamente sem controle, até mesmo instantaneamente
(em tempo real) e em escala global, o que gerou grandes transformações na
dinâmica das relações sociais e dos meios de comunicação2.
Tudo isso leva ao questionamento acerca da necessidade ou não da tu-
tela penal em defesa da imagem. É praticamente indiscutível a necessidade da
intervenção penal em relação aos tipos previstos na grande maioria das legisla-
ções, como é o caso do homicídio, da lesão corporal, do furto, do estelionato,
etc. A punição dessas condutas é fundamental para a convivência humana3.
Mas o mesmo pode ser dito em relação à violação da imagem? É necessária a
tutela da imagem pelo direito penal? Em quais circunstâncias seria justificável
tal proteção? Tais indagações são inicialmente objeto de análise do presente
artigo, cuja investigação se pautará pelo estudo da doutrina e jurisprudência.
Respondidos os questionamentos supra, passa-se à análise dos dispo-
sitivos penais que permitem, a partir do direito positivo brasileiro, algum
tipo de tutela penal da imagem, ainda que de forma indireta, por via reflexa.
Ademais, juntamente com o estudo do direito positivo, serão propostos novos
paradigmas para a tutela penal da imagem.

1 FISCHER, Thomas. Strafgesetzbuch und Nebengesetze, p. 1.349.


2 WESSELS, Johannes; HETTINGER, Michael. Strafrecht besonderer teil, v. 1, p. 174.
3 ROXIN, Claus. Strafrecht: allgemeiner teil, v. 1, p. 17.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
74

1 Legitimidade e Necessidade da Intervenção Penal para a Proteção


do Direito à Imagem
A propósito da tutela penal da imagem, a questão que se coloca antes
de qualquer outra diz respeito justamente à sua pertinência ou não. De fato,
dado o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal, a temática atinente
à legitimidade da intervenção jurídico-criminal é sempre uma premissa para
a análise da tipicidade de determinado comportamento.
A intervenção do direito penal existe para garantir ao cidadão uma
convivência livre e pacífica, bem como para a manutenção dos direitos fun-
damentais previstos constitucionalmente. É dizer: o direito penal não pode
proibir nada além daquilo que seja estritamente necessário para que se atinja
uma coexistência livre e pacífica. Assim sendo, para justificar a intervenção
do direito penal, é muito defendida a teoria do bem jurídico4.
Todavia, há quem negue que a função do direito penal é a proteção de
bens jurídicos ou mesmo que possa existir um conceito seguro do que eles
sejam. De fato, conforme assevera Figueiredo Dias, a noção de bem jurídico
“não pôde, até o momento presente, ser determinada – e talvez jamais o venha
a ser – com uma nitidez e segurança que permita convertê-la em conceito fe-
chado e apto à subsunção, capaz de traçar, para além de toda a dúvida possível,
a fronteira entre o que legitimamente pode e não pode ser criminalizado”5.
Na Alemanha, igualmente, sustenta Hirsch que há uma imprecisão con-
ceitual sobre o que seja bem jurídico, razão pela qual ele não pode funcionar
como critério limitador do direito penal. Stratenwerth, por sua vez, observa que,
dada a multiplicidade conceitual do bem jurídico, há insegurança jurídica na
sua utilização como valor norteador da atividade legiferante repressiva. Jackobs,
um dos mais conhecidos opositores da teoria do bem jurídico, defende que
a função do direito penal não é proteger bens jurídicos, mas, sim, garantir o
império do sistema normativo desafiado pelo cometimento da infração penal6.
A despeito da respeitável oposição à ideia de bem jurídico, é certo que
a teoria do bem jurídico como instrumento para restringir a intervenção do
direito penal encontrou eco na doutrina moderna7. De fato, o conceito de
bem jurídico, conforme posicionamento prevalente na Alemanha, designa os
valores ideais que justificam a existência do tipo penal8.

4 ROXIN, Claus. Strafrecht: allgemeiner teil, v. 1, p. 16.


5 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral, t. I, p. 114.
6 ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal, p. 14-15.
7 RENGIER, Rudolf. Strafrecht allgemeiner teil, p. 14-15.
8 KINDHÄUSER, Urs. Strafrecht: allgemeiner teil, p. 37.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 75

Nesse contexto, as teorias constitucionais têm significativo reconhe-


cimento dentre as teorias do bem jurídico, considerando que o próprio
conceito de bem jurídico deve ser extraído da ordenação axiológica jurídico-
constitucional. É então certo que a Constituição funciona como norteadora da
política criminal, de modo que as teorias constitucionais estabelecem critérios
limitadores da atividade legislativa de produção do direito9.
Com isso, o legislador não é livre para criar tipos penais, visto que os
bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem considerar-se concretiza-
ções dos valores constitucionais ligados aos direitos e deveres fundamentais,
bem como à ordem social, política e econômica10. Realmente, pelo critério
jurídico-constitucional a Constituição representa a “projecção e expressão
jurídica fundamental da concepção ético-social da comunidade sobre os
princípios que devem estruturar o sistema social”, de forma que é nela que
se deve procurar a expressão e fundamento jurídico-constitucionais da defi-
nição do bem jurídico-penal11. Isso significa que o legislador está vinculado
às diretrizes estabelecidas na Constituição, não podendo criminalizar, sem
qualquer critério ou parâmetro, toda e qualquer conduta humana.
Assim sendo, certos bens jurídicos são inegavelmente carecedores de
proteção penal, haja vista a explicitude do texto constitucional. De fato, na CF
existem as denominadas normas constitucionais incriminadoras, que impõem
ao legislador ordinário a tipificação de condutas ofensivas a determinadas
categorias de bens. Nesses casos, aliás, o legislador ordinário não goza de
discricionariedade política para avaliar se o direito penal deve ou não intervir,
cabendo a ele apenas tipificar a conduta em obediência ao mandamento cons-
titucional. É o que ocorre com os delitos ambientais, cuja norma do art. 225,
§ 3º, da CF determina a punição criminal dos detratores do meio ambiente.
Pois bem, embora não exista uma determinação constitucional expressa
de criminalização das condutas atentatórias à imagem, temos que é claramen-
te legítima e necessária a proteção penal desse bem jurídico. Isso, porque o
direito à imagem é inegavelmente um direito fundamental e também um
direito da personalidade12.
Realmente, a imagem é um direito autônomo, cuja proteção está ex-
plicitada destacadamente na CF (art. 5º, X). A partir da inclusão da imagem
no texto constitucional fica evidente que ela ganhou autonomia, merecendo

9 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p. 62.


10 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral, t. I, p. 120.
11 CARVALHO, Américo Taipa de. Direito penal: parte geral, p. 50.
12 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direito à imagem, passim.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
76

proteção, por si só, independentemente da violação a qualquer outro direito


fundamental ou da personalidade. É desnecessário, por exemplo, a ocorrência
de qualquer dano conjunto à honra ou à privacidade para que surja o dever
de indenizar o lesado13.
A despeito de ser necessária a existência de um bem jurídico, não se
deve esquecer que a proteção penal da imagem, ou de qualquer outro bem
jurídico, está inegavelmente inserida no âmbito de discricionariedade política
do legislador infraconstitucional (salvo nos casos dos mandados de crimina-
lização). Desse modo, na hipótese do legislador optar pela punição criminal
dos ataques a esse bem jurídico, a tipificação será indiscutivelmente legítima,
desde que respeitados, logicamente, os princípios constitucionais limita-
dores do direito de punir, como, por exemplo, o princípio da taxatividade
(Bestimmtheitsgebot), que exige a descrição clara e precisa do comportamento
incriminado, o princípio da proporcionalidade (Verhältnismäβigkeit), que re-
clama cominação de pena adequada ao grau de reprovabilidade da conduta
e do resultado, ou, ainda, o princípio da fragmentariedade (fragmentarischer
Charakter des Strafrechts), pelo qual nem todo ataque ao bem jurídico deve ser
criminalizado, mas tão somente aqueles reputados de especial gravidade14.
Ora, respeitados os princípios constitucionais, é concedida então uma
ampla liberdade ao legislador para a definição dos bens jurídicos que merecem
tutela penal. E partindo dessa possibilidade, tem sido tendência nos países eu-
ropeus a punição da violação do direito à imagem na medida de sua relevância
como atentado à reserva da vida privada e da intimidade15.
Ao contrário do que ocorre na Europa, no Brasil a matéria não encontra
ainda uma disposição que garanta uma proteção penal suficientemente am-
pla. Isso reflete, sem dúvida nenhuma, um atraso em nosso sistema jurídico,
especialmente em função das violações, cada vez mais frequentes, desse bem
jurídico, cujos números têm sido incrementados pela utilização de aplicativos
de smartphones ou de outros meios tecnológicos. Não há mais que se falar
somente no armazenamento das imagens na web, em páginas pornográficas,
pois hoje essas imagens têm sido distribuídas muito rapidamente pelos mais
variados tipos de aparatos tecnológicos16.
Outrossim, não é demasiado lembrar que a proteção penal também se
justifica em razão da suscetibilidade de ofensa ao bem jurídico, sendo certo

13 FACHIN, Zulmar. A proteção jurídica da imagem, p. 67.


14 RENGIER, Rudolf. Strafrecht allgemeiner teil, p. 9-10 e 20-21.
15 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direito à imagem, p. 357.
16 WESSELS, Johannes; HETTINGER, Michael. Strafrecht besonderer teil, v. 1, p. 174.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 77

que nos dias atuais é inegável a exposição da imagem a ofensas das mais va-
riadas. Em outras palavras, a necessidade de intervenção penal no âmbito da
proteção da imagem se justifica exatamente pela facilidade de ataque a esse
bem jurídico, particularmente em virtude da constante evolução tecnológica17.
É bem verdade que o legislador brasileiro, especialmente no que toca
ao direito penal, não tem elaborado legislação que possa ser considerada con-
veniente. Normalmente parte de problemas pontuais, surgidos em situações
concretas, propondo a criação de novos tipos penais em toque de caixa, sem
um estudo aprofundado e sistematizado acerca do bem jurídico a ser tutelado
penalmente. Para piorar, muitas vezes, os próprios parlamentares se vanglo-
riam pelo fato de terem aprovado um projeto em tempo recorde, o que acaba
demonstrando justamente a imaturidade com que nossas leis são criadas.
Seja como for, essa problemática não afeta a necessidade de criação de
normas penais que possam responder aos inúmeros ataques à imagem das
pessoas. Desse modo, é evidente a existência de dignidade constitucional
em relação ao bem jurídico em questão, bem como há necessidade da pena
para sua proteção, pressupostos fundamentais para a tutela penal18. Por isso,
a legislação penal pátria não pode ficar a reboque dessa nova realidade, dei-
xando sem resposta adequada essa atual modalidade de ilícito, que é própria
dos tempos modernos19.

2 O Consentimento do Ofendido e o Direito à Imagem


O direito à imagem se reveste de todas as características comuns aos
direitos da personalidade. Contudo, apesar de ser um direito indisponível, no
sentido de que uma pessoa não pode se despojar de sua imagem, é certo que
é possível a sua exploração econômica. Isso significa que o seu titular pode
abrir mão tão somente do exercício de uma pequena parcela desse direito em
favor de terceiro, o qual poderá usar a imagem para finalidades determinadas20.
No âmbito penal, o consentimento do ofendido na divulgação da sua
imagem também apresenta efeitos jurídicos. De fato, considerando a possi-
bilidade de utilização da imagem até mesmo para fins econômicos, esse bem

17 BEXIGA, Vanessa Vicente. O direito à imagem e o direito à palavra no âmbito do Processo Penal, p. 11.
18 Como esclarece Carvalho, “não é pelo facto de determinado valor ter uma essencial dignidade constitucional (‘dig-
nidade penal’) que, necessariamente, terá de ser criminalizada a sua lesão; exige-se, complementarmente, que haja
‘necessidade penal’” (CARVALHO, Américo Taipa de. Direito penal: parte geral, p. 53).
19 Lamentavelmente, como aponta Costa Junior, o que ocorre até os presentes dias é que “o legislador caminha sem-
pre com o passo trôpego. Avança com vagar. Mais lentamente que os fatos sociais, que evoluem vertiginosamente,
reivindicando normas e providências” (O direito de estar só. São Paulo: RT, 2007. p. 9).
20 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direitos da personalidade: aspectos essenciais, passim.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
78

jurídico, para efeitos penais, deve ser enquadrado fundamentalmente como


um bem jurídico individual disponível (disponibles Individualrechtsgut)21. Essa
disponibilidade é um requisito para a eficácia penal do consentimento, tor-
nando a conduta atípica, uma vez que eventual prática criminosa somente
teria relevância nos casos de uso desautorizada da imagem da vítima.
Assim sendo, não há que se falar em tutela penal nos casos em que a
vítima autoriza expressa ou tacitamente a conduta (volenti non fit iniuria), pois
que nessas situações não há violação ao bem jurídico tutelado. Em havendo
autorização no que toca à captação, fixação e utilização da imagem, não há
qualquer violação desse bem jurídico22.
Realmente, o consentimento do ofendido exclui a tipicidade da conduta
quando o dissentimento compõe o tipo penal expressa ou implicitamente. Se
o tipo penal pune somente a conduta desautorizada, obviamente a conduta
praticada com consentimento do titular do bem jurídico não se subsume à
norma incriminadora, restando então atípica. Como afirma Kindhäuser, com
o consentimento o titular do bem jurídico torna sua a conduta do agressor23.
Aliás, mesmo se o dissentimento não estiver como elemento expresso
no tipo e mesmo que não se admita que esse dissentimento esteja implícito
na norma incriminadora, é preciso lembrar que o consentimento do ofendido
funciona ainda como causa supralegal de exclusão da ilicitude. A doutrina
pacificamente reconhece essa outra natureza jurídica do consentimento do
ofendido. Embora não exista no ordenamento jurídico brasileiro norma
legal expressa prevendo o consentimento do ofendido como excludente de
ilicitude24, doutrina e jurisprudência o reconhecem como causa dirimente
supralegal, o denominado consentimento justificante.
Nesse contexto, o consentimento do ofendido pode servir de exclu-
dente de ilicitude (se a ausência de consentimento não é elementar do tipo
incriminador), ou servir de causa afastadora de tipicidade, quando a norma
incriminadora narra como típica uma conduta desautorizada25.
Outrossim, embora não exista absoluto consenso na doutrina sobre os
requisitos necessários para a configuração dessa causa excludente de ilicitude
do consentimento justificante, pode-se dizer, em linhas gerais, que ela está
presente sempre que haja um consentimento livre e válido, dado por agente

21 KINDHÄUSER, Urs. Strafrecht: allgemeiner teil, p. 112.


22 BEXIGA, Vanessa Vicente. O direito à imagem e o direito à palavra no âmbito do processo penal, p. 21.
23 KINDHÄUSER, Urs. Strafrecht: allgemeiner teil, p. 111.
24 No direito italiano, por exemplo, o art. 50 do Código Penal estabelece não ser “punível quem ofende ou põe em
perigo um direito, com o consentimento da pessoa que dele pode validamente dispor”.
25 COSTA Jr., Paulo José. Curso de direito penal, p. 179.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 79

capaz, relacionado com um bem jurídico disponível e individual (não se ad-


mite essa causa justificante nos bens transindividuais, já que seria necessário
um consentimento de toda a coletividade, o que é impossível)26.
Por conseguinte, havendo consentimento da vítima na manipulação
de suas imagens por terceiros, não haverá espaço para discussão acerca da
tutela penal da imagem. Contudo, vale aqui antecipar que apesar da discussão
acerca do consentimento, o ponto de vista defendido neste artigo vai além.
Considera-se que não basta simplesmente a tomada da imagem e a sua eventual
distribuição para que a conduta seja criminalizada. Como será visto, para que
a conduta seja passível de punição criminal é necessário mais do que a mera
utilização desautorizada da imagem27.

3 O Consentimento Presumido
O problema atinente ao consentimento presumido é bastante comum
em relação à utilização da imagem. Discute-se se somente o consentimento
expresso afastaria eventual conduta típica ou se outras formas de consenti-
mento também seriam admitidas com essa finalidade.
Na Alemanha, a doutrina admite o consentimento presumido em
casos, como, por exemplo, o de intervenções cirúrgicas. Entretanto, é certo
que esse problema pode ser solucionado com excludentes expressamente
previstas na legislação penal, como a do estado de necessidade de terceiro ou
do exercício regular do direito, o que tornaria desnecessária a utilização da
figura supralegal28.
O Código Penal português, por sua vez, equipara o consentimento
presumido ao consentimento efetivo, estabelecendo os pressupostos para a
sua validade29. Trata-se de causa excludente de crime, a qual está prevista no
artigo 39º do referido código: “1 – Ao consentimento efectivo é equiparado
o consentimento presumido. 2 – Há consentimento presumido quando a
situação em que o agente actua permitir razoavelmente supor que o titular
do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto,
se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado”. Assim sendo, o
mencionado dispositivo cuida de “situações em que o titular do bem jurídico

26 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal, p. 215.


27 Sobre o tema, vale a citação de Wessels e Hettinger: “Eine Bildaufnahme ohne Einwilligung der Person herzustellen
und auch die Weitergabe na Dritte war nicht strafbar. Das 36. StÄG von 2004 hat es unternommen, mit § 201a
die Strafbarkeitslücke in gebotenem Maβe zu schlieβen” (WESSELS, Johannes; HETTINGER, Michael. Strafrecht
besonderer teil, v. 1, p. 174).
28 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal, p. 215.
29 CARVALHO, Américo Taipa de. Direito penal: parte geral, p. 455.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
80

lesado não consentiu na ofensa, mas nela teria presumivelmente consentido


se lhe tivesse sido possível pôr a questão”30, como sucede muitas vezes, como
já mencionado, no âmbito das intervenções médico-cirúrgicas31.
Paulo Pinto de Albuquerque, em comentários ao Código Penal portu-
guês, esclarece que “o acordo (expresso ou presumido) do portador do bem
jurídico afasta a tipicidade da conduta do agente. Há acordo presumido quando
o portador do bem jurídico sabe que as suas palavras estão a ser gravadas e
não se opõe à gravação. O mesmo vale para a fotografia ou filmagem”32. Ana
Vicente Bexiga acrescenta que as fotografias captadas “em lugares públicos,
enquadradas na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publi-
camente, assim como quando releve a notoriedade ou o cargo desempenhado
do fotografado dispensam o consentimento da pessoa exposta por se entender
haver um acordo implícito”33.
Nesse contexto, o consentimento presumido funciona como causa exclu-
dente de tipicidade (ou de ilicitude), não havendo nenhum impedimento
jurídico para tanto. Se há o consentimento, expresso ou presumido, não há
enquadramento da conduta ao tipo penal (ou não há ilicitude da conduta).
Outrossim, a verificação da ocorrência ou não do consentimento é thema
probandum a ser apurado na investigação e certamente não desnatura a causa
afastadora do delito. Em outras palavras, a apuração sobre ter ocorrido ou não
o consentimento não tem qualquer relação com a teoria do crime, é dizer,
com a verificação dos elementos estruturais da infração penal, tratando-se,
inegavelmente, de questão probatória.
Esse problema, aliás, pode ser resolvido com relativa facilidade no campo
processual, bastando o legislador indicar ação condicionada à representação
ou mesmo ação privada para apuração dos crimes atentatórios ao direito à
imagem. Assim sendo, se a vítima autorizar tacitamente a divulgação de suas
imagens, por certo que não existirão providências criminais em face do res-
ponsável por essa publicidade.
Aliás, as ações penais mencionadas são compatíveis com as características
do direito de imagem, uma vez que a necessidade de autorização do titular
da imagem para a deflagração da persecutio criminis evita o constrangimento da

30 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral, t. I, p. 489-490.


31 Acerca dos tratamentos e intervenções médico-cirúrgicas observa Carvalho que “quando estes são realizados com base
no consentimento presumido, este não funciona como causa de ‘justificação’, mas, sim, tal como o consentimento
efectivo, como causa de exclusão da tipicidade” (CARVALHO, Américo Taipa de. Direito penal: parte geral, p. 456).
32 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, p. 615.
33 BEXIGA, Vanessa Vicente. O direito à imagem e o direito à palavra no âmbito do processo penal, p. 21.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 81

vítima afirmar, em audiência de ação pública incondicionada, que autorizou


a divulgação das imagens, tornando inexequível o jus puniendi.
Por derradeiro, vale notar que no âmbito do direito civil, tanto a doutrina
como a jurisprudência aceitam o consentimento presumido como excludente
da responsabilidade civil34, sendo perfeitamente possível a autorização implícita
e informal do uso da imagem, o que, aliás, é muito comum ocorrer35.

4 Tutela Penal da Imagem e o Direito Positivo Brasileiro


Demonstrada a legitimidade e a necessidade da intervenção penal para
a proteção da imagem, mister se faz agora uma análise das disposições legais
em vigor, as quais podem respaldar a tutela penal da imagem. Trata-se de
matéria que não apresenta a evolução desejada, visto que a imagem carece de
proteção com a abrangência esperada, demandando do operador do direito
a utilização de um vasto arcabouço de normas para, diante das mais diversas
situações, tentar, de algum modo, garantir a proteção penal da imagem, o que
será visto a seguir.

4.1 A Tutela Penal da Imagem da Criança e do Adolescente


A imagem da criança e do adolescente é protegida no art. 17 do ECA
(Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que cuida do direito ao respeito, ex-
pressamente estabelecendo que esse direito abrange a preservação da imagem36.
Com isso, há uma proteção específica do ius imaginis pelo microssistema
da Lei nº 8.069/90, que abarca a criança, considerada a pessoa até 12 anos de
idade incompletos, e o adolescente, ou seja, aquele que possui idade entre 12
e 18 anos (art. 2º do ECA)37.
Ao lado da possibilidade de tutelar civilmente a imagem, o ECA apre-
senta, em seu art. 232, uma norma que permite, ainda que indiretamente, haja
vista que não foi criada com essa finalidade específica, a proteção da imagem.
E vale aqui a sua transcrição: “Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob
sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena –
detenção de seis meses a dois anos”.

34 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direitos da personalidade: aspectos essenciais, passim.


35 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB, p. 253-254.
36 FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Direitos da criança e do adolescente, p. 60.
37 Lei nº 8.069: “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
82

Ora, ainda que se trate de delito próprio, que exige condição especial
do sujeito ativo, essa norma penal inegavelmente também permite a tutela da
imagem dos infantes. E o tipo pode, inclusive, alcançar coautores ou partícipes,
que não detêm a autoridade, guarda ou vigilância do menor, mas podem atuar
em conjunto com quem detém essa condição.
Parece óbvio que uma das formas de constrangimento ou humilhação
de alguém é justamente por meio da divulgação de imagens em situações
que expõem a pessoa à vergonha ou à execração pública. Aliás, a razão de
se tutelar a imagem é exatamente para proteger as pessoas de tais situações
vexatórias, uma vez que a divulgação de imagens que retratam a pessoa em
situações comuns ou até honrosas não configuram ilícito penal. Se alguém
é filmado socorrendo uma pessoa ferida e sua imagem é postada nas redes
sociais com texto elogioso sobre sua conduta, é certo que isso não pode ser
punido criminalmente.
Como o art. 232 do ECA constitui delito de ação livre, ou seja, não
exige uma forma de execução específica, é certo que o constrangimento ou
vexame do menor pode ocorrer pela divulgação de suas imagens. É o caso, por
exemplo, da divulgação de imagens de menores acusados de ato infracional,
sem que isso tenha qualquer utilidade para o processo, o que pode ensejar não
somente a responsabilização da autoridade responsável pela vigilância do me-
nor, mas também do executor da captação da imagem ou de quem a divulgou.
Outrossim, o art. 143 do ECA determina que na divulgação de atos
judiciais, policiais ou administrativos, que digam respeito a crianças e ado-
lescentes a que se atribua autoria de ato infracional, são vedadas fotografias.
Pode a Polícia manter a fotografia do menor em seus cadastros para atuação
investigativa, mas obviamente não pode publicar essa imagem.
Além das normas acima, o ECA garantiu, nas situações previstas nos
arts. 240 a 241-C, a proteção penal da imagem da criança e do adolescente.
Tais disposições criminalizam, em linhas gerais, a realização de foto ou de
filme pornográfico com criança ou adolescente, a venda de foto ou filme
pornográfico envolvendo criança ou adolescente, a divulgação pela internet de
foto ou vídeo pornográfico de criança ou adolescente38, a guarda de material
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou

38 No que toca à competência, o Plenário do STF já firmou posicionamento no sentido de que compete à Justiça
Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo
criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/90) quando praticados por meio da rede mundial
de computadores. Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o crime previsto no art. 241-A da Lei nº
8.069/90, relativo à divulgação de imagens pornográficas de crianças e adolescentes, quando praticado pela internet,
é da competência da Justiça Federal, pois as imagens são colocadas à disposição de um número indefinido de pessoas
e, ao menos potencialmente, para usuários residentes fora do território nacional.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 83

adolescente, bem como a montagem de foto ou vídeo pornográfico de criança


ou adolescente39.
Da análise das disposições penais, fica evidente que a preocupação do
legislador foi o combate à pornografia infantil e à pedofilia. Essas condutas
perniciosas devem ser afastadas, a todo custo, da vida da criança e do adoles-
cente, para que se preserve o desenvolvimento íntegro de sua personalidade40,
pelo que a proteção da imagem foi apenas secundária ou reflexa.
De fato, não há no ECA nenhum tipo penal voltado especificamente
para a tutela da imagem da criança e do adolescente. Assim sendo, uma ampla
gama de condutas passíveis de criminalização fica sem a necessária salvaguarda,
como é o caso da tutela da imagem em associação com a honra, a intimidade
ou a vida privada.
Nesse contexto, pode-se dizer que há uma parcial proteção penal da
imagem da criança e do adolescente, que é voltada especificamente para cenas
pornográficas ou de sexo explícito. Essa tutela compreende, conforme o art.
241-E do ECA, qualquer situação que envolva criança ou adolescente em ati-
vidades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais
de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. Ademais,
vale notar que ao dispositivo legal não é dada interpretação meramente literal,
mas, sim, extensiva, pelo que abrange, por exemplo, casos de fotografias ou
filmes em que crianças ou adolescentes apenas estão despidos ou que dizem
respeito a “zonas erógenas”41.
De qualquer forma, sem pretendermos fazer uma análise aprofundada
dos tipos penais em questão, é certo que o ECA não procurou tutelar direta-
mente a imagem, pois nos crimes mencionados os bens jurídicos protegidos
são a integridade física, psíquica e moral.
Por conseguinte, ao cotejarmos a legislação nacional com a proteção da
imagem em outros países, não resta dúvida que no exterior existem leis penais
que protegem de forma mais ampla a imagem da criança e do adolescente,
visto que não resguardam apenas as situações que envolvem pornografia ou
cenas de sexo explícito, mas igualmente os casos em que há violação conjunta
da imagem e da vida privada ou intimidade, como é o caso da legislação da
Alemanha42.

39 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 540-556.


40 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, passim.
41 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 542.
42 MAURACH, Reinhart; SCHROEDER, Friedrich-Christian; MAIWALD, Manfred. Strafrecht besonderer teil, v. 1, p.
338-339.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
84

4.2 Invasão de Dispositivo Informático


A Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, dispõe sobre a tipificação
criminal de delitos informáticos, inserindo o art. 154-A ao Código Penal, que
criou o delito de invasão de dispositivo informático43.
Tal diploma legal foi elaborado depois da divulgação na internet, por um
site pornográfico hospedado em Londres, de fotos íntimas da atriz Carolina
Dieckmann. As imagens, que se espalharam rapidamente pelas redes sociais,
foram feitas pela atriz e seu marido em momentos íntimos, e estavam guarda-
das em seu computador pessoal, pelo que teriam sido copiadas por terceiros
sem autorização. Posteriormente, os autores da invasão do computador pessoal
da atriz foram identificados e responsabilizados pelos crimes de extorsão,
difamação e furto, mas não propriamente pela invasão do computador, ante
a ausência de previsão de um tipo penal específico44.
Dessa forma, como reação à exposição das mencionadas fotos íntimas,
foi elaborada a Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann.
Essa lei incluiu no Código Penal, no capítulo dos crimes contra a liberdade
individual, na seção dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos45, o de-
lito de invasão de dispositivo informático, também conhecido como intrusão
informática (arts. 154-A e 154-B).
O Código Penal passou então a tipificar a conduta daquele que invade
dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores,
mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de ob-
ter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou
tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vanta-
gem ilícita46. A lei também criminalizou a ação daquele que produz, oferece,
distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o
intuito de permitir a prática de invasão de dispositivo informático, pelo que
se deu relevo penal ao ato preparatório (art. 154-A, § 1º, do Código Penal)47.
Pelo que se pode notar, a lei tem como bem jurídico mediato a proteção
da liberdade individual, outorgando tutela, de forma imediata, “à intimidade,
à vida privada, à honra, à inviolabilidade de comunicação e correspondência,
enfim, à livre manifestação do pensamento, sem qualquer intromissão de

43 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, v. II, p. 606.


44 MASSON, Cleber. Código Penal comentado, p. 680.
45 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 774.
46 GRECO, Rogério. Comentários sobre o crime de invasão de dispositivo informático – art. 154-A do Código Penal.
Impetus. Disponível em: <https://www.impetus.com.br/artigo/143/comentarios-sobre-o-crime-de-invasao-de-
dispositivo-informatico-art-154-a-do-codigo-penal>. Acesso em: 14 jun. 2019.
47 REALE Jr., Miguel. Arts. 146 a 154-B. In: REALE Jr., Miguel (Coord.). Código Penal comentado, p. 468.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 85

terceiros”48. No mesmo sentido, destaca Rogério Greco que os bens juridica-


mente protegidos pelo tipo são “a liberdade individual e o direito à intimidade,
configurados na proteção da inviolabilidade dos dados e informações existentes
em dispositivo informático”49.
No que toca especificamente ao direito à imagem, a norma tipifica a
conduta daquele que obtiver fotografias ou vídeos por meio da invasão de
dispositivo informático alheio, sendo irrelevante se o dispositivo se encontra
ou não conectado à rede de computadores50.
Trata-se, como lamentavelmente é costume no direito pátrio, de um
“casuísmo”, de uma lei criada às pressas, sem maiores reflexões, cheia de im-
precisões técnicas, bem como com excessivo recurso a elementos normativos51.
Nada mais é do que uma forma de dar resposta rápida aos anseios da opinião
pública, que foi sensibilizada por um caso envolvendo uma celebridade52.
Realmente, como no caso envolvendo a atriz as imagens foram retiradas
de um computador, o legislador brasileiro preocupou-se com a proteção de
dados digitais, voltando-se precipuamente para o instrumento utilizado na
prática da conduta lesiva. Dessa maneira, deixou de dar uma solução efetiva,
racional e abrangente para o verdadeiro problema, ou seja, a utilização cri-
minosa de fotos e vídeos que expõem situações relacionadas à privacidade e
intimidade. É que a Lei nº 12.737/2012 não trata propriamente da divulgação
do conteúdo, mas, sim, de situações que envolvem a invasão de dispositivos
informáticos, como, por exemplo, o computador de mesa (desktop), o notebook,
o tablet, bem como os smartphones53.
Assim sendo, se as mesmas fotos fossem novamente publicadas na in-
ternet, porém não tivessem sido retiradas do computador da atriz, mas, sim,
realizadas, por exemplo, por um fotógrafo com auxílio de lentes teleobjeti-
vas, a conduta não seria incriminada pela Lei nº 12.737/2012, não obstante a
ocorrência do mesmo resultado danoso para a vítima.
O mesmo poderia ser dito se as imagens tivessem sido obtidas: a) por
uma câmera digital ocultada em um quarto de hotel; b) se a atriz tivesse im-
primido as fotos e estas tivessem sido furtadas durante uma invasão de sua

48 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 774.


49 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, v. II, p. 613.
50 MASSON, Cleber. Código Penal comentado, p. 681.
51 REALE Jr., Miguel. Arts. 146 a 154-B. In: REALE Jr., Miguel (Coord.). Código Penal comentado, p. 467.
52 ISHIDA, Válter Kenji. As modificações promovidas pela Lei Carolina Dieckmann no Código Penal. Disponível em: <http://
www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/as-modificacoes-promovidas-pela-lei-carolina-dieckmann-no-codigo-
penal/9986>. Acesso em: 16 jan. 2016.
53 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 775.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
86

residência; ou c) se as fotos tivessem sido realizadas, de forma consentida, por


seu marido, que após eventual separação as lançasse na internet (pornografia
de vingança).
Todavia, os problemas da Lei nº 12.737/2012 não se resumem ao exposto
acima. É que mesmo na hipótese de invasão de dispositivo informático, exige
a lei, para que haja violação do tipo previsto no art. 154-A do Código Penal,
que o equipamento tenha algum mecanismo de segurança, o que pode ser
compreendido como todo tipo de meio que objetive garantir que somente
determinadas pessoas terão acesso ao dispositivo informático, como uma
senha, um firewall, um antimalware, um antispyware ou mesmo um programa
antivírus54.
Com isso, somente vai ocorrer o crime se a invasão do dispositivo
informático se der por meio de violação de mecanismo de segurança, o que
constitui, nas palavras de Nucci, o calcanhar de Aquiles do tipo55. De fato, a
norma incriminadora em questão não será aplicável se imaginarmos que as
fotos foram retiradas do computador ou do celular da atriz, que não eram
dotados de tal aparato de segurança56.
Outrossim, vale notar que a lei exige, como elemento subjetivo do
tipo, a especial finalidade do agente de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações57. Sem este fim especial, tradicionalmente chamado de dolo
específico, o delito não se aperfeiçoa. Desse modo, se o sujeito ativo invadir
um computador sem nenhuma finalidade específica, apenas e tão somente
para se entreter, para visualizar as fotografias ou as imagens nele contidas, não
incorrerá nesse delito.
Destarte, da análise das situações supramencionadas, fica claro que a
legislação deixou de dar proteção penal à imagem, bem jurídico passível de
tutela penal, pelo menos quando em associação com a violação da intimida-
de58. Por isso, chega-se à conclusão de que a Lei nº 12.737/2012, em mais um
espetáculo de incompetência do legislador, não foi adequada para a resolução
do problema da divulgação indevida de imagens com conteúdo íntimo. A
referida lei é mais uma tentativa de satisfação da opinião pública, que ficou

54 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, v. II, p. 610.


55 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 776.
56 MASSON, Cleber. Código Penal comentado, p. 681.
57 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, v. II, p. 610.
58 MAURACH, Reinhart; SCHROEDER, Friedrich-Christian; MAIWALD, Manfred. Strafrecht besonderer teil, v. 1, p.
319.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 87

chocada com o ocorrido com a atriz59. E justamente pela insuficiência da Lei


Carolina Dieckmann, no que toca à proteção da imagem, que se fez necessária,
como será visto adiante, a inclusão de outros dispositivos no Código Penal.

4.3 Tutela Penal da Imagem das Pessoas Portadoras de


Necessidades Especiais
No Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) encontra-
se outra previsão penal que pode ser utilizada para a tutela da imagem. Trata-se
do art. 88 do referido estatuto, que exige, entretanto, que o sujeito passivo
seja pessoa com deficiência.
Dispõe o art. 88 da Lei nº 13.146/2015:
“Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de
sua deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob
cuidado e responsabilidade do agente.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por
intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer
natureza:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o
Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial,
sob pena de desobediência:
I – recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material dis-
criminatório;
II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na
internet.”

Assim sendo, pela norma em comento, é possível a punição da utiliza-


ção de imagens de pessoas portadoras de necessidades especiais, mas para que
isso ocorra é fundamental que exista o objetivo de discriminar essas pessoas.
E a pena ainda é maior se o crime for praticado por intermédio de meios de
comunicação social ou de publicação de qualquer natureza que menospreze
a pessoa com deficiência.

59 Sobre o problema na construção das leis penais assevera Carvalho que “atribuir ao direito penal um papel simbólico
é abrir as portas à aceitação de ‘bodes expiatórios’, o que o direito em geral, e o direito penal em especial, deve evitar
a todo custo” (Direito penal: parte geral, p. 50).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
88

Com efeito, só existe esse crime se houver a finalidade específica de


discriminação. É dizer: o bem jurídico protegido é o direito de não ser dis-
criminado e não propriamente a imagem. Todavia, quando a discriminação
envolve a utilização de imagens da vítima, por via transversa também se tutela
a imagem.
Ademais, é interessante notar que entre as normas não penais do Es-
tatuto da Pessoa com Deficiência não há previsão expressa da proteção da
imagem dessas pessoas. A despeito disso, é certo que a norma anunciativa do
art. 1º estabelece que o Estatuto da Pessoa com Deficiência objetiva garantir
o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas portadoras
de necessidades especiais.

4.4 Registro Não Autorizado da Intimidade Sexual


A Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018, criminalizou o registro
não autorizado da intimidade sexual, incluindo no Código Penal, no âmbito
dos crimes contra a liberdade sexual, o art. 216-B, que dispõe: “Produzir,
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de
nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização
dos participantes: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.
O objetivo do registro previsto pelo tipo diz respeito ao “conteúdo com
cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado”. Em
sendo assim, o bem jurídico protegido não é propriamente a imagem, mas,
sim, a dignidade sexual, envolvendo a intimidade e a privacidade da pessoa60.
Ainda, vale observar que a limitação do conteúdo das cenas descritas no
tipo penal constitui um ponto passível de reflexão, visto que a dignidade da
proteção penal da imagem não deveria se resumir apenas a tais cenas, ficando
então de fora do tipo a captação de imagens que não se amoldam ao referido
conteúdo, mas que podem ser tão prejudiciais quanto o registro de cenas de
nudez ou de ato libidinoso.
O modo pelo qual as imagens serão captadas é livre, ou seja, “por
qualquer meio”. Com isso, o crime já se consuma quando a captação é feita,
constituindo a sua publicidade, por qualquer meio, meramente esgotamento
do delito.
Ademais, na descrição típica há um elemento normativo, referente à não
autorização dos participantes. Assim sendo, se houver autorização, que pode
ser verbal ou por escrito, expressa ou presumida, a conduta se torna atípica.

60 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 1.197.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 89

Por outro lado, em se tratando de registro não autorizado de cenas de


nudez ou sexo explícito ou pornográfico envolvendo menores de 18 anos, a
tipificação da conduta, como já foi visto, está prevista no ECA61.
Outrossim, no parágrafo único do art. 216-B é punida a conduta daquele
que “realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro
com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de
caráter íntimo”. Nesse caso, diferentemente do caput, em que o agente capta
imagens e/ou sons autênticos da vítima, no art. 216-B o sujeito ativo monta
quadros envolvendo a vítima, valendo-se de peças separadas, sendo bastante
comum a utilização de montagens falsas. E aqui, mais uma vez, o bem jurídico
protegido é a dignidade sexual, que se concentra na intimidade e privacidade,
ficando a tutela da imagem em segundo plano.

4.5 A Divulgação de Cena de Estupro, de Sexo, de Nudez ou de


Pornografia
A Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, alterou o Código Penal e
atendeu ao anseio social, criminalizando a conduta daquele que expõe, sem
consentimento, fotos e vídeos íntimos alheios. A nova lei, que incluiu o art.
218-C ao Código Penal, tem como objetivo precípuo evitar a prática de crimes
de divulgação, especialmente pela internet, de cena de estupro, de estupro de
vulnerável, de sexo, de nudez ou de pornografia.
Como foi visto, não havia legislação penal adequada para o enfrentamen-
to das condutas tipificadas no art. 218-C do Código Penal. O enquadramento
em crimes não específicos era bastante difícil e muitas vezes extremamente
polêmico. Na tentativa de oferecer respaldo às vítimas, normalmente mulhe-
res e adolescentes, as autoridades, quando não era possível a aplicação da Lei
Carolina Dieckmann ou do ECA, procuravam enquadrar a conduta no âmbito
dos crimes contra a honra ou como contravenção penal de importunação
ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP)62. Outra forma de lidar com o problema
era a analogia ao crime de estupro, com o uso do conceito de estupro virtual,
cuja pena acabava sendo desproporcional, isso sem falar na natureza hedionda
desse crime. Ora, tais medidas se mostravam inadequadas, pois muitas vezes
não era possível a subsunção das condutas aos mencionados tipos.
Com a entrada em vigor da Lei nº 13.718/2018, a conduta daquele
que divulga vídeos e fotos íntimas, sem o consentimento da vítima, passou

61 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 1.197.


62 LCP (DL nº 3.688/1941): “Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo
ao pudor: Pena – multa”. Vale notar que a Lei nº 13.718/2018 revogou expressamente o art. 61 da LCP, que previa
a figura da importunação ofensiva ao pudor.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
90

a ser tipificada, seguindo tendência das legislações penais de diversos países


desenvolvidos, nos seguintes termos:

“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à


venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por
meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –,
fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro
ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática,
ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime


mais grave.”

Assim sendo, é certo que o tipo também alcança a conduta popular-


mente conhecida como pornografia de vingança, cuja maioria das vítimas são
pessoas do sexo feminino.
Outrossim, como se pode notar, o consentimento foi inserido direta-
mente no tipo penal, de maneira que ganhou especial relevância a ausência
de consentimento da vítima. Assim sendo, somente serão consideradas ilícitas
aquelas condutas praticadas sem o consentimento de um dos envolvidos63.
A norma penal prevê ainda causa de aumento de 1/3 a 2/3 se o crime for
praticado por agente que mantenha ou tenha mantido relação íntima de afeto
com a vítima, ou com o fim de vingança (revenge porn) ou humilhação (art.
218-C, § 1º, do CP). A previsão leva em conta que frequentemente a pessoa
que mantém ou manteve relacionamento com a vítima tem acesso facilitado
a fotografias e vídeos de conteúdo íntimo, havendo então uma quebra de
confiança, a qual justifica uma pena maior.
Além disso, no § 2º do art. 218-C está prevista a exclusão da ilicitude,
não havendo que se falar em crime quando o agente pratica as condutas
descritas no caput em publicação de natureza jornalística, científica, cultural
ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da
vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 anos. Nesse
caso, é relevante ressaltar a necessidade de adoção de recurso que preserve
a identificação da vítima. E outra exceção consiste justamente na prévia au-
torização da pessoa ofendida, desde que maior de 18 anos, para a divulgação
de sua imagem64.
Por conseguinte, vê-se que a Lei nº 13.718/2018 procura adequar o
ordenamento jurídico à evolução tecnológica, afastando a dificuldade de en-

63 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 1.218.


64 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. p. 1.219.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 91

quadramento penal de determinados comportamentos, que agora contam com


normas penais com penas compatíveis com a gravidade desses casos. Em todo
caso, além das previsões da Lei nº 13.718/2018, também é necessário que o
Estado implemente políticas públicas para a prevenção desse tipo de violência.

5 Considerações Finais
No panorama atual, não resta dúvida que o direito penal brasileiro
considera ser necessária a tutela penal contra determinados ataques graves e
intoleráveis à imagem da pessoa. A violação decorrente da captação e utilização
da imagem sem maiores consequências para seu titular, por outro lado, em
função da subsidiariedade, deve ficar fora da esfera de proteção penal.
No ordenamento jurídico brasileiro não existe um tipo penal voltado
especificamente para a tutela da imagem. Apesar disso, embora não exista
tutela penal própria e autônoma do direito de imagem, é certo que existem
algumas disposições, como foi visto, que permitem sua defesa mediata, uma
vez que cuidam precipuamente da lesão a outros bens jurídicos.
Nesse contexto, pode-se afirmar que o combate à prática de divulgação
indevida de imagens atinentes a material íntimo vem ganhando muita força
no direito brasileiro, visto que a criação de novos tipos penais tem permitido
a criminalização de uma ampla gama de condutas. Assim sendo, não resta
dúvida que o legislador brasileiro considerou existir, como regra, dignidade
penal na proteção da imagem que contenha cenas de nudez, ato sexual ou ato
obsceno. Ademais, o legislador também reconheceu a existência de necessi-
dade de proteção penal nessas situações, constituindo o direito penal a forma
adequada e eficaz para tanto.
Todavia, vale questionar se seriam somente as hipóteses de cenas de
nudez, de ato sexual ou de ato obsceno que deveriam ser tipificadas. Em rea-
lidade, as normas examinadas ainda deixaram em aberto um vasto campo de
imagens relacionadas com a intimidade da pessoa, que nada tem a ver com
cenas de nudez, de ato sexual ou de ato obsceno, mas que certamente têm
legitimidade e necessidade de proteção pelo direito penal. Esse é o caso, por
exemplo, de fotografias tiradas de uma pessoa em um leito de um hospital ou
de um vídeo feito quando uma pessoa estava agonizando após um acidente
automobilístico. Em tais situações, a despeito da legitimidade e da necessidade,
não há que se falar na salvaguarda penal da imagem.
Outrossim, a existência de inúmeros tipos penais, inseridos no Códi-
go Penal e em leis especiais, também dificulta a defesa penal da imagem. É
bastante complexo interpretar harmonicamente, sem cometer injustiças, as
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
92

diferentes normas penais que guardam relação com a imagem. Dessa forma,
seria melhor a unificação de alguns tipos, o que pode ser notado em alguns
países europeus, como na Suíça, na Alemanha, na França e em Portugal.
Por conseguinte, não obstante ser evidente que houve um avanço
considerável em relação ao quadro deficitário até então existente, acredita-se
que o direito penal brasileiro deveria contar com um tipo dotado de maior
alcance, levando em conta a proteção da imagem em associação com a in-
timidade, não se restringindo apenas e tão somente ao campo da liberdade
sexual. Assim, deveria abranger, no mínimo, a salvaguarda contra a violação
da intimidade, que também vem sendo diuturnamente vulnerada pelos novos
avanços tecnológicos.

TITLE: The fight against the revenge pornography and the criminal protection of the image in Brazil.

ABSTRACT: This Article analyses the need for protection of the image by criminal law. It emphasizes
that the defense of the image by the criminal law is a subject that passes for the understanding of the
theory of the legal good as instrument for limitation of the criminal intervention. It presents reflections
on the importance of consent, expressed or presumed, with regard to the atypicality or the exclusion of
illegality of conduct involving the right to image. After a general analysis of the legitimacy and necessity of
criminal protection, the text studies the norms of Brazilian law that offer, even if indirectly, protection to
the image, as is the case of the Statute of the Child and Adolescent, the Carolina Dieckmann Law and the
Law of protection of people with special needs. Finally, the crimes of unauthorized registration of sexual
intimacy and dissemination of the scene of rape, sex, nudity or pornography are analyzed.

KEYWORDS: Criminal Protection of the Image. Right to Privacy. Personality Rights. Porn Revenge.

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Recebido em: 02.07.2019


Aprovado em: 15.08.2019
Doutrina

Metacognição: Ofensa à Imparcialidade do


Juiz Criminal na Fase de Investigação
Luiz Fernando Kazmierczak
Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Ciência Jurídica
pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP);
Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP) na Faculdade Estadual de Direito do Norte
Pioneiro (2004); Professor Adjunto na Universidade Estadual
do Norte do Paraná (UENP), na Graduação e no Programa
de Pós-Graduação em Ciência Jurídica (Mestrado).

Gustavo Carvalho Kichileski


Advogado; Mestrando na Universidade Estadual do Norte
do Paraná (UENP); Graduado em Direito pela Faculdade
de Direito de Curitiba (UNICURITIBA); Pesquisador
Integrante do NEC-UFPR.

RESUMO: A presente pesquisa aborda o tema sobre a metacognição e o


sistema de investigação criminal brasileiro e chileno. A metodologia utilizada
nessa pesquisa foi a qualitativa e o método de pesquisa indutivo. Realizou-se
uma revisão bibliográfica sobre o tema, com enfoque na legislação, doutrina e
jurisprudência brasileira e estrangeira. Na sequência, é realizado um estudo sobre
as interferências da metacognição na imparcialidade do juiz criminal na fase de
investigação e julgamento junto à análise da teoria do véu da ignorância. Em
conclusão, a presente pesquisa ressaltou o problema existente na imparcialidade
do juiz criminal no processo penal brasileiro, quando o mesmo atua na fase de
investigação e depois julga o mesmo processo.

PALAVRAS-CHAVE: Metacognição. Imparcialidade. Juiz. Investigação.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Metacognição; 2.1 Processo de Autoconhecimento;


2.2 O Véu da Ignorância e a Relação com a Metacognição. 3 Problemática da
Falta de um Juiz Instrutor na Fase de Investigação Criminal; 3.1 Experiência do
Processo Penal Chileno. 4 Ofensa à Imparcialidade do Juiz Criminal na Fase
de Investigação; 4.1 Caso Lava Jato: Ofensa da Imparcialidade, Divulgação das
Mensagens entre Juiz e Ministério Público. 5 Conclusão. 6 Referências.

1 Introdução
A presente pesquisa aborda o tema de metacognição e sua relação com
a teoria do véu da ignorância de John Rawls, junto à análise do sistema de
justiça criminal brasileiro e chileno.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 95

Ao longo da pesquisa, foi abordado como a metacognição se relaciona


com a imparcialidade do juiz criminal brasileiro no controle dos atos de ges-
tação de prova durante a fase de investigação criminal.
Um dos objetivos da presente pesquisa não é esgotar o tema sobre os
problemas da imparcialidade do magistrado no sistema de justiça criminal bra-
sileiro na fase de investigação e julgamento do processo, mas demonstrar como
o nosso sistema apresenta erros que possui apoio à própria natureza humana
(interligada à metacognição) como a dificuldade de proferir um julgamento
justo, sem que o magistrado leve em consideração suas convicções pessoais.
Na sequência, realizamos uma pequena observação sobre o processo
penal chileno em relação ao brasileiro, em que naquele caso possui um juiz de
garantia que atua na fase de investigação e outro que atua na fase do processo.
Para realização desta pesquisa a metodologia utilizada foi a qualitativa e o
método de pesquisa indutivo. Realizou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema,
com enfoque na legislação, doutrina e jurisprudência brasileira e estrangeira.

2 Metacognição
A metacognição consiste no processo de conhecimento, correspon-
dendo a compreensão do autoconhecimento. O autoconhecimento em si,
nada mais é que a noção de saber como e quanto estamos aprendendo sobre
determinado assunto, objeto de estudo, saber como o processo de informação
é gerido no nosso pensamento.
Segundo John Hurley Flavell, a metacognição está ligada ao processo
de aprendizagem.
“A metacognição refere-se aos conhecimentos do sujeito relativos aos seus
próprios processos e produtos cognitivos (...) refere-se, também, ao moni-
toramento ativo e consequente regulação e orquestração desses processos
em relação aos objetos cognitivos ou dados sobre os quais eles incidem.”1
O processo de conhecimento está ligado ao processo cognitivo, sendo este
um conjunto de fatores e acontecimento que, reunidos, pode extrair uma inter-
pretação e racionalizar as informações coletadas para extração do conhecimento.
“(...) a metacognição é todo o movimento que a pessoa realiza para tomar
consciência e controle de seus processos cognitivos. Ela diz respeito, entre
outras coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à
regulação e à organização dos próprios processos cognitivos.”2

1 FLAVELL, J. H. Metacognitive aspects of problem solving. In: RESNIK, L. B. (Ed.). The nature of intelligence. Hillsdale,
NJ: Lawrence Erlbaum, 1976. p. 231-236.
2 PORTILHO, Evelise M. L.; DREHER, Simone A. S. Categorias metacognitivas como subsídio à prática pedagógica.
Educação e pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 181-196, 2012.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
96

Os processos cognitivos possuem níveis de detecção e extração a infor-


mação, como é o caso dos processos cognitivos de nível inferior, que se referem
apenas à decodificação; por outro lado, os de nível superior, estão ligados à
compreensão, sendo organizados em módulos, sintático ou semântico3.

2.1 Processo de Autoconhecimento


Segundo Marilena Chaui, o conhecimento se dá em razão da frequên-
cia, da repetição e da sucessão dos estímulos externos e de nossos hábitos4.
O processo de autoconhecimento é subjetivo, envolve a figura de o
sujeito olhar para dentro de si, e perceber se está aprendendo ou já aprendeu
algo. O fato de se autoconhecer, não precisa de uma análise externa de um
terceiro, é, na verdade, um espelho interno da pessoa, em que ela aprende
olhar para dentro e perceber o que está acontecendo.
Segundo Carla Sewald Vieira, através do autoconhecimento (saber
quem se é) é possível sair da mira dos estereótipos, interesses sociais e culturais
que não nos fazem mais ser5.
Quando estamos de frente a uma investigação, vamos extraindo inter-
pretação de determinados fatos que correspondem ao conhecimento sobre
o que de fato ocorreu, se aparecem provas que fundamentam a acusação, o
entendimento que fica para o magistrado é que acusação vai ganhando espaço,
e sua imparcialidade, ainda mais na fase de investigação, fica prejudicada pelas
próprias diligências investigatórias.
O autoconhecimento é uma tarefa que todo juiz criminal deve fazer
durante a fase de investigação, para verificar se, de fato, as diligências feitas
naquela fase não consumiram sua imparcialidade.

2.2 O Véu da Ignorância e a Relação com a Metacognição


O véu da ignorância, inicialmente trazido à discussão por John Rawls6,
consiste em um mecanismo de controle que possibilita às partes não levar
em consideração o conhecimento das contingências para a determinação dos
princípios7.

3 CRUZ, V. Dificuldades de aprendizagem: fundamentos. São Paulo: Porto, 2007.


4 CHAUI, M. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Editora Afiliada, 2012. p. 173.
5 VIEIRA, Carla Sewald. Perceber-se e aprender-se: caminho para o autoconhecimento. Saber Humano, Restinga Seca,
ISSN 2446-6298, edição especial: Cadernos de Ontopsicologia. p. 57, fev. 2017.
6 RAWLS, John. Justice as fairness. In: FREEMAN, S.; RAWLS, John. Collected papers. Cambridge: Harvard University
Press, 1999. p. 47-62.
7 SILVEIRA, Denis Coitinho. Posição original e equilíbrio reflexivo em John Rawls: o problema da justificação. Trans/
Form/Ação, São Paulo, 2009, v. 32, n. 1, p. 139-157.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 97

John Rawls explica categoricamente como o véu da ignorância é utili-


zado na realidade prática:

“(...) Exclui-se o conhecimento destas contingências que estabelecem


disparidades entre os homens e permitem, então, que eles sejam guiados
por seus preconceitos. Dessa forma, se alcança o véu da ignorância de
maneira natura (...)”8

Para que um sujeito analise determinada situação, deve-se escusar de


seus “pré”-conceitos sobre determinados assuntos, convicções pessoais, sub-
jetivas, para que seja analisado de forma natural, objetiva, e imparcial, o que
só poderá ser atingindo por meio do véu da ignorância.
Michael Sandel cita o exemplo da compreensão do véu da ignorância
de John Rawls nas nossas decisões mais comuns, que está ligado à essência
da noção de equidade e uma decisão realmente imparcial.
“(...) Pessoas diferentes têm princípios diferentes, que refletem seus diversos
interesses, crenças morais e religiosas e posições sociais. Algumas pessoas
são ricas, outras são pobres; algumas têm poder e bons relacionamentos,
outras, nem tanto. Algumas fazem parte de minorias raciais, étnicas ou
religiosas, outras não (...) Analisamos agora uma experiência mental:
suponhamos que, ao nos reunir para definir os princípios, não saibamos
a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos por
um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem
realmente somos. Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos
e desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças
religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens, se
somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se aban-
donamos a escolha, se nascemos em uma família estruturada ou em uma
família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos
realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade.
Já que ninguém estaria em uma posição superior de barganha, os princípios
escolhidos seriam justos.”9

O ato de escusar da utilização das suas convicções pessoais e experi-


ências anteriores é algo que, até mesmo inconscientemente, é difícil, quanto
mais conscientemente.
Portanto, quando mencionamos que o ato de julgar é solitário, subjeti-
vo, é claro que o mesmo é carregado de um conjunto de convicções que são
levadas em consideração pelo julgador na hora do ato em si.

8 RAWLS, John. Op. cit., p. 17.


9 SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 178.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
98

Desse modo, ainda que o magistrado preserve-se da utilização da tenta-


tiva do véu da ignorância, humanamente, seu julgamento não será exatamente
imparcial, seja pelo fato das convicções pessoais ligadas à sua metacognição
adquirida durante anos de profissão, que, infelizmente, diante seu contato na
fase de investigação e, posteriormente, sua utilização na fase de julgamento,
torna-se hercúleo o atingimento da imparcialidade exata.
A imparcialidade do magistrado que atuou tanto na fase de investigação
criminal quanto na fase de julgamento é prejudicada, ele acaba formando
durante a investigação convicções que há culpabilidade do investigado, esse
exemplo é o responsável parcial pela significativa quantidade de presos pro-
visórios no sistema carcerário atual.
A relação existente entre metacognição e o véu da ignorância é justamente
a busca pela resposta de como podemos saber que até que ponto no juízo de
valor está imune as nossas convicções pessoais e nossas experiências anteriores?
A pergunta acima demonstra como o nosso autoconhecimento está
ligado a nossa impossibilidade humana de possuirmos aplicação da certeza
concreta do véu da ignorância nos nossos juízos de valores.

3 Problemática da Falta de um Juiz Instrutor na Fase de


Investigação Criminal
Segundo Eugênio Pacelli Oliveira10, no sistema inquisitorial, ou inqui-
sitório, o juiz atua também na fase de investigação, o processo se iniciaria com
a notitia criminis, seguindo-se a investigação, acusação e julgamento.
Na interpretação de Antônio Machado11, o sistema inquisitório tem
várias características, dentre as principais estão:
“a) ausência de contraditório; b) pela concentração no órgão judicial das
funções de acusar, defender e julgar; c) pelo sigilo; d) pela desigualdade
entre as partes; e) pelas acusações difusas; f) pelas provas aleatórias ou
obtidas por meios violentos, como a tortura e a devassa.”

O sistema acusatório em si constitui um imperativo do moderno pro-


cesso penal, em face à atual estrutura social e política do Estado12.
Aury Lopes Jr.13 destaca as principais características do sistema acusa-
tório, dentre elas estão:

10 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 9.
11 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 8-9.
12 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.140.
13 Ibid., p. 43.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 99

“(...) a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa


probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as
atividades); c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a
labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de
imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igual-
dade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou
predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de
sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);
h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre
convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo
a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade
de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.”

Segundo Aury Lopes Jr., enquanto a gestão da prova estiver na mão do


magistrado na esfera investigativa, e sendo este o mesmo magistrado na fase
processual, o processo penal será essencialmente inquisitório ou neoinqui-
sitório14.
Atualmente, não são poucos os autores de processo penal que conside-
ram que o juiz participar de forma ativa, inclusive apenas no plano comple-
mentar, do momento de produção das provas é “inquisitório”15.
Ademais, a doutrina brasileira, de forma majoritária, destaca que o
sistema brasileiro contemporâneo é misto, embora predomina-se o inquisi-
tório na fase pré-processual (com a investigação criminal) e o acusatório, já
na fase processual16.
Esse suposto entendimento de sistema de processo misto é questio-
nado pela doutrina, conforme a lição de Jacinto Coutinho17: “(...) o sistema
inquisitorial não pode coexistir com o sistema acusatório, não só porque o
contaminatio é razoável em um nível lógico, mas também porque a prática não

14 LOPES Jr., Aury, 2014. p. 47.


15 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza (Org.). Reformas do processo penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 123;
FIORI, Ariane Trevisan. O desafio do novo. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis
Gustavo Grandinetti Castanho de (Org.). O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica do Projeto de Lei nº
156/2009, do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 74; HARTMANN, Helen. Alguns apontamentos
sobre o Projeto de Lei 156/2009-PLS e o interrogatório do acusado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda;
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de (Org.). O novo processo penal à luz da Constituição: análise crítica
do Projeto de Lei nº 156/2009, do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 35; GIACOMOLLI, Nereu
José. Atividade do juiz criminal frente à Constituição: deveres e limites em face do princípio acusatório. In: GAUER,
Ruth Maria Chittó (Coord.). Sistema penal e violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 209-230.
16 LOPES Jr., Aury. Op. cit., p. 47.
17 Original: “il sistema inquisitorio non può convivere con il sistema accusatorio, non solo perché la ‘contaminatio’ è
irragionevole sul piano logico, ma anche perché la pratica sconsiglia una commistione del genere” (COUTINHO,
Jacinto Miranda. Conclusão n. 3 de sua Tese Doutoral, conforme correspondência eletrônica de maio/2003. Curitiba: Univer-
sidade Federal do Paraná, 2003).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
100

recomenda uma mistura de gênero”; ou seja, uma mistura de tal natureza


(inquisitório e acusatório) é irracional, e a prática desaconselha tal mescla18.
Por outro lado, embora a doutrina mencione que o sistema processual
penal brasileiro pode ser inquisitório ou acusatório, a visão de Aury Lopes
Jr.19 a respeito mostra uma nomenclatura de um novo modelo inquisitório,
ou denominado “neoinquisitório”.
Nosso processo penal possui apenas um juiz, sendo o mesmo que
atua na fase de investigação, é o mesmo que julga, o que de forma clara fica
demonstrado que a participação do magistrado na fase de investigação con-
tamina sua imparcialidade na fase de julgamento, impedindo-o de proferir
um julgamento imparcial, sem levar em consideração as convicções pessoais,
obtidas pela metacognição na fase de investigação.

3.1 Experiência do Processo Penal Chileno


No Brasil, o sistema processual penal apresenta uma linha que o juiz
criminal que faz atividade investigativa também julga – tudo é feito pelo mes-
mo juiz. As atividades investigatórias do magistrado estão ligadas aos fatos que,
posteriormente, viram a denúncia e desencadeiam o processo criminal em si.
No atual Projeto de Lei nº 8.040/2010, sobre o novo Código de Pro-
cesso Penal, em trâmite no Congresso Nacional, no seu Capítulo II, arts. 14
e seguintes, estabelece o Juiz de garantias, como responsável pelo controle de
legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais20.
Nesse caso, haverá dois juízes criminais, um que atua somente na investigação
criminal e outro que atua na fase do processo em si, como ocorre no Chile.
É totalmente razoável a existência de um juiz que lide com controle
externo e arbitrariedades na fase de investigação e outro na fase de julgamento.
No Chile, após recente reforma do processo penal chileno, da Lei nº
19.696 de 2018, houve a instituição de um juiz de garantias na fase de inves-
tigação criminal e outro na fase de julgamento da ação penal.
Com a reforma do processo penal chileno, é possível verificar que
existe um juiz que controla os atos de investigação durante toda fase pré-
processual, de modo a garantir o respeito aos direitos fundamentais dos

18 LOPES Jr., Aury. Op. cit., p. 155.


19 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 137-138.
20 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 8.045/2010. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/pro-
posicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490263>. Acesso em: 19 jul. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 101

acusados e, também, que as provas produzidas durante a investigação sejam


feitas conforme à lei.

“(...) Artículo 9º.- Autorización judicial previa. Toda actuación del procedi-
miento que privare al imputado o a un tercero del ejercicio de los derechos
que la Constitución asegura, o lo restringiere o perturbare, requerirá de
autorización judicial previa. En consecuencia, cuando una diligencia de
investigación pudiere producir alguno de tales efectos, el fiscal deberá
solicitar previamente autorización al juez de garantía.”21

Na sequência, após a fase de investigação, um juiz processual assume


o processo, e toca o processo, sendo outro magistrado, não é o mesmo que
participou de toda investigação, o que, de fato, beneficia o julgamento mais
justo ao processo, pois o mesmo juiz que investiga não é o mesmo que julga,
o que é totalmente diferente no Brasil, pois o mesmo juiz que coordena atos
de investigação criminal é o mesmo que julga.

4 Ofensa à Imparcialidade do Juiz Criminal na Fase de Investigação


Para que uma decisão seja considerada justa, é necessário que ela seja
proferida por um juiz imparcial. De acordo com Renato Brasileiro, o consec-
tário lógico do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), e consequência mais
importante do advento do sistema acusatório (CF, art. 129, I), a garantia da
imparcialidade encontra-se prevista expressamente na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Decreto nº 678/92, artigo 8º, nº 1)22.
Os atos de investigação criminal do magistrado na fase de investigação
previamente ao recebimento da denúncia comprometem sua imparcialidade,
fato este, que já foi considerado como afronta ao devido processo penal legal
pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.570/DF, em que entendeu como
inconstitucional o art. 3º da Lei nº 9.034/95, dispondo sobre autorização da
quebra do sigilo fiscal, bancário, financeiro e eleitoral, realizado pessoalmente
pelo magistrado, na fase de investigação criminal.

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº


9.034/95. LEI COMPLEMENTAR Nº 105/01. SUPERVENIENTE.
HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PRE-
JUDICADA, EM PARTE. ‘JUIZ DE INSTRUÇÃO’. REALIZAÇÃO
DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA IN-

21 CHILE. Biblioteca del Congresso Nacional de Chile. Codigo Procesal Penal. Disponível em: <https://www.leychile.
cl/Navegar?idNorma=176595>. Acesso em: 20 maio 2019.
22 BRASILEIRO, Renato. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 1.213.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
102

VESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.


IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE
INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO
MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei
nº 9.034/95. Superveniência da Lei Complementar nº 105/01. Revogação da
disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário
e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas.
Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso
a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e
apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo rea-
lizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da
imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. 3. Funções
de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público
e às Polícias Federal e Civil (CF, arts. 129, I e VIII e § 2º; e 144, § 1º, I e
IV, e § 4º). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva
à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.” (STF, ADI
1.570, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. 12.02.04, DJ 22.10.04)

Na sequência, nos itens 11 e 12 do Voto vencedor pela procedência


da ADI 1.570/DF, o Ministro Maurício Corrêa destacou que a atividade do
magistrado como produtor de provas na fase de investigação, e depois julga
os mesmos autos, coloca o juiz na figura como parte, o que representa clara
afronta ao sistema acusatória e as funções consagradas na Constituição Federal.

“(...) 11. A propósito, o § 2º do art. 3º dispõe que o magistrado relatará as


informações colhidas e promoverá a anexação de cópias autenticadas dos
documentos que tiverem relevância probatória. Ora, exige-se do julgador,
desde logo, juízo quanto aos meios probantes, vinculando, por óbvio, sua
apreciação subjetiva no momento futuro da sentença. Claro está que a
incumbência do juiz não é apenas a de avaliar a prova preexistente, a cargo
das partes, como ocorre regularmente, mas efetivamente produzir provas,
seja em favor da acusação ou da defesa. A lei acaba por promover uma
equiparação do juiz às partes, o que se afigura inadmissível no sistema ju-
diciário vigente no país. 12. Para Walter Nunes da Silva Júnior, ‘a psicologia
judiciária logrou demonstrar que o inconveniente do juízo de instrução
é a vinculação, inconsciente, do Juiz, às descobertas angariadas com as
investigações feitas por ele, diminuindo-lhe a capacidade de enxergar com
maior acuidade e isenção todas as provas pertinentes à elucidação do caso
(...) Nesse passo, entendo o art. 3º da Lei nº 9.034/95 é inconstitucional,
pois o sistema acusatório puro, tendo como uma de suas características
a atribuição da atividade investigatória preparatória à polícia judiciária e
ao Ministério Público, está expressamente catalogado na Constituição da
República (...)” (STF, ADI 1.570, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal
Pleno, j. 12.02.04, DJ 22.10.04)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 103

Como se pode observar, a gestão da prova de maneira ativa pelo juiz


na fase de investigação criminal é considerada uma conduta inconstitucional
pelo STF.
Conforme demonstramos acima, um julgamento justo, de acordo com
a teoria de John Rawls, seria um julgamento que poderia ser aplicado o véu
da ignorância, em que deixaríamos de lado todas nossas convicções pessoais
(ligadas a nossa metacognição) e julgar apenas com base na lei, nos fatos, e
nas provas, um julgamento sem pré-concepções, ou pré-conceitos, o que,
de acordo com a realidade do nosso código processual penal, é impossível.
A lição do processo penal chileno nos ensina que por meio da institui-
ção de um juiz de garantia na fase de investigação colabora com a emissão de
julgamento com menos parcialidade, até que pelo fato do magistrado atuar
na fase de investigação, suas convicções estão ligadas às teorias investigatórias,
o que contamina seu julgamento na fase processual posterior, como ocorre
no Brasil.
A experiência chilena nos mostra que, de fato, há alternativa para so-
luções de constantes imparcialidades no nosso sistema de justiça criminal
brasileiro.
Segundo Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa, não existe impar-
cialidade no juiz do mundo:

“O Estado-juiz deve ser terceiro justamente para não ter parcialidade (in-
teresse/pré-julgamento) na resolução do caso penal em favor de qualquer
uma das partes. A imparcialidade é uma construção técnica artificial do
processo, que não se confunde com ‘neutralidade’. O julgador ignora os
fatos, mas não é neutro, já que possui suas conotações políticas, religiosas,
ideológicas, etc., mas deve ser imparcial cognitivamente: afastamento
subjetivo dos jogadores e objetivo do caso penal. Não há neutralidade
porque se trata de um juiz-no-mundo. Mas deve haver imparcialidade,
um afastamento estrutural, um estranhamento em relação ao caso penal
em julgamento, aquilo que os italianos chamam de terzietà (alheamento, ser
um terceiro desinteressado). A imparcialidade é um princípio supremo do
processo, como ensina Werner Goldschmdit, fundante da própria estrutura
dialética (actum trium personarum – Búlgaro).”23

A lição dos autores acima, nos mostra como a imparcialidade do ma-


gistrado é afetada pelas suas convicções pessoais, e como o ato de julgar se

23 LOPES Jr., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Quando o juiz já sabia: a importância da originalidade cognitiva
no processo penal. Conjur. 29 abr. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-abr-29/limite-penal-
quando-juiz-sabia-importancia-originalidade-cognitiva-processo-penal>. Acesso em: 23 maio 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
104

torna algo hercúleo sobre a perspectiva da dificuldade de dividir as convicções


pessoais.
Existe um precedente no Supremo Tribunal Federal, no HC 94.641,
em que o Ministro Cézar Peluso, na época do julgamento, destacou a ofensa
da imparcialidade do magistrado em que atuou em um caso investigação de
paternidade e depois na ação penal relacionada aos fatos.

“(...) Pelo conteúdo da decisão do juiz, restara evidenciado que ele teria sido
influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar. Dessa
forma, considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada
imparcialidade objetiva do magistrado, cuja falta, incapacita-o, de todo,
para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida. Esclareceu
que a imparcialidade denomina-se objetiva, uma vez que não provém de
ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos
interessados jurídicos na causa, sejam partes ou não (imparcialidade dita
subjetiva), mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição
que irá o juiz desenvolver na causa, no sentido de que não haja ainda, de
modo consciente ou inconsciente, formado nenhuma convicção ou juízo
prévio, no mesmo ou em outro processo, sobre os fatos por apurar ou sobre
a sorte jurídica da lide por decidir. Assim, sua perda significa falta da isenção
inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional.”24

Com interpretação ao caso acima, destaca-se que, é muito importante o


magistrado ter um grau de imparcialidade e inércia ao receber as provas para
julgamento no processo, isso não impede que ele escuse de utilizar suas convic-
ções pessoais, mas, em contrapartida, minimiza sua contaminação prévia sobre
o caso e o fortalecimento das suas convicções a respeito (culpado ou inocente).
A instituição de um juiz de garantias seria totalmente viável ao nosso
código de processo penal brasileiro, o que traria um julgamento mais justo e
um pouco mais imparcial do juiz criminal, em que não seria o mesmo juiz
que atuasse na investigação que proferirá a sentença.

4.1 Caso Lava Jato: Ofensa da Imparcialidade, Divulgação das


Mensagens entre Juiz e Ministério Público
A imparcialidade de um magistrado em um processo criminal é um
fato indispensável para um julgamento justo, respeitando o devido processo
legal transcrito em nossa Carta Política.

24 ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Florianópolis: Empório do
Direito, 2016. p. 329-330.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 105

Sem a imparcialidade, o juiz deixa de ocupar a posição neutra dentro


do processo, e, infelizmente, acaba escolhendo um lado, seja da acusação ou
da defesa, o que, de fato, e de modo consequencial, implica em julgamento
antecipado, na medida em que este escolhe um lado para sua atuação.
Na essência do devido processo legal, o juiz deve ocupar o centro
do processo, filtrando as informações trazidas pela acusação e pela defesa, e
analisando o processo de acordo com a lei, o fato e as provas, proferindo seu
juízo de valor, imparcial e fundamentado em sua decisão.
Todavia, conforme já pontuamos na presente pesquisa, o nosso Códi-
go de Processo Penal possui raízes do Código Rocco25, italiano, de origem
inquisitorial, em que é nítida a concepção que o juiz que realiza da gestação
da prova durante a investigação criminal não é imparcial.
Contudo, a raiz inquisitorial do sistema processual penal não está no
Código Rocco, mas, sim, no Direito Canônico, em que é possível identificar
na obra Malleus Maleficarum26 ou mais conhecido como Martelo das Feiticeiras,
que foi escrito durante os anos de 1486 a 1487, por Heinrich Kraemer e James
Sprenger, em função da determinação da Igreja Católica, na época, para que
fosse criado um código, manual de inquisição, ou guia para os inquisidores de
pessoas que descumpriam a lei devida, ou mais conhecidos como “hereges”27.
Na realidade, o Martelo das Feiticeiras era um manual de tortura, para
extração da “suposta verdade”, utilizando de instrumentos causadores de dor,
para que os investigados, praticamente coagidos mediante dor, confessassem
aquilo que os inquisidores já suspeitavam.
O foco da criação do Malleus Maleficarum era a perseguição das bruxas,
milhares foram mortas utilizando fogueiras para sua execução.

25 O sistema processual penal brasileiro atual, assentado no CPP de 1941 (cópia do Codice Rocco, da Itália, de 1930,
o fascista Vincenzo Manzini na dianteira), tem por base – e sempre teve – a estrutura inquisitorial. Por trás de todos
estava o Code Napoleón, de 17.11.1808 (em vigor desde 01.01.1811), pilotado por Jean-Jacques-Regis de Cambacérès,
homem de habilidades políticas conhecidas, mas, sobretudo, conhecedor das maneiras de como dobrar o Imperador.
Foi dele (depois arquichanceler do Império) a ideia de mesclar a investigação preliminar colhida nos mecanismos
inquisitoriais das Ordonnance Criminelle de 1760, de Luís XIV, com uma fase processual no melhor estilo do Júri
inglês, então adotado pelos franceses, mutatis mutandis, por um Decreto de 16-29.09.1791 e combatido desde a adoção.
Salvava-se, retoricamente, pela fase processual, a democracia dos julgamentos, dando-lhes uma aparência acusatória
e, assim, um espetáculo com partes, acusação e defesa, debates orais e, de certa forma, tão só a intervenção do juiz
para o controle da sessão. Tudo era, contudo, só retórica de um chamado processo misto. (COUTINHO, Jacinto
Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009, p. 110)
26 KRAMER, Heinrich; SPRENGER, Jacobus. Malleus malleficarum: manual da caça às bruxas. São Paulo: Ed. Três, 1976.
27 O herege não é designado “herege” senão porque alguém, investido de poder eclesiástico e institucional classificou a
sua prática ou as suas ideias como destoantes e contrárias a uma ortodoxia oficial que se autopostula como o caminho
correto. (BARROS, José D’Assunção. Heresias entre os séculos XI e XV: uma revisitação das fontes e da discussão
historiográfica – notas de leitura. In: Arquipélago. Ponta Delgada [Açores]: Universidade dos Açores, 2007-2008. p. 125)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
106

Na sua essência, a lição do Malleus Maleficarum nos mostra que a in-


quisição, na sua própria naturalidade, é ato imparcial de questionamento e
esclarecimento de dúvidas, as perguntas são direcionadas para respostas que
os próprios inquisidores querem ouvir.
Há época medieval, a inquisição era prévia ao julgamento da sentença
de morte, no entanto, a mesma era determinante para o juízo final.
Por isso, quando mencionamos hoje, que sistema processual penal bra-
sileiro que possui um juiz que atua na fase de investigação criminal e depois
julga, não é imparcial.
Um exemplo recente, infelizmente, que apresenta a realidade da im-
parcialidade do nosso sistema de investigação criminal, é caso da revelação
das conversas no site The Intercept28 entre o então Juiz Federal da 13ª Vara
Federal de Curitiba-PR, responsável pela Operação Lava Jato, e membro do
Ministério Público Federal.
Todavia, em que pese ter gerado muita polêmica a respeito, ambos os
sujeitos, em declarações públicas (Sérgio Moro e Deltan Dallagnol)29, não
negaram ter havido conversas a respeito dos atos de investigação na Operação
Lava Jato.
As conversas mostram o Juiz aconselhando os atos de investigação,
o que não é admitido pelo nosso Código de Processo Penal30, e muito pela
Constituição, em que, posteriormente, é o mesmo juiz que julga o caso.
Na síntese, as ponderações feitas de Lenio Streck são pertinentes, quan-
do temos que observar as consequências destas declarações frente ao sistema
de investigação criminal brasileiro.

“(...) Passadas 48 horas da divulgação dos diálogos entre procuradores


da ‘Lava Jato’ e o ex-juiz Sérgio Moro, algumas questões parecem estar
consensuadas:
– Primeiro, que as conversas configuram relações promíscuas e ilegais entre
juiz e membros do Ministério Público;

28 DEMORI, Leandro et al. Como e por que o Intercept está publicando chats privados sobre a Lava Jato e Sérgio Moro.
The Intercept Brasil. Disponível em: <https://theintercept.com/2019/06/09/editorial-chats-telegram-lava-jato-moro/>.
Acesso em: 16 jun. 2019.
29 Cf. MACEDO, Fausto. Moro desafia: “Se quiserem publicar tudo, publiquem. Não tem problema”. Estadão.
Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/se-quiserem-publicar-tudo-publiquem-nao-
tem-problema/>. Acesso em: 16 jun. 2019; e DALLAGNOL, Deltan. Esclarecimento. Ataques à Lava Jato. YouTube.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wrBxmwv8qUE>. Acesso em: 16 jun. 2019.
30 CPP: “Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: (...) IV
– se tiver aconselhado qualquer das partes;”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 107

– Segundo, houve a violação de comezinhos princípios éticos e jurídicos


acerca do devido processo legal;
– Terceiro, ficou claro que a defesa foi feita de trouxa pelo juiz e pelo MP,
porque combinaram esquema tático sem que essa imaginasse o que estava
ocorrendo (a defesa pediu várias vezes a suspeição do juiz);
– Quarto, o juiz visivelmente atuou na acusação, violando o princípio
acusatório; o juiz chegou a sugerir a oitiva de uma testemunha e cobrou
mais operações policiais; como diz o jornalista Ranier Bragon, as conversas
não dão margem à dúvida: o juiz tomou lado (aqui).
– Quinto, o conteúdo dos diálogos não foi negado [falarei abaixo sobre sua
[i]licitude]. (...)”31

As consequências deste fato, como explica Juarez Tavares, é que e o


combate à corrupção que destrói direitos fundamentais; não combatemos a
corrupção, destruímos a democracia32.
Outra consequência disso, será as revisões criminais “que virão” das sen-
tenças proferidas pelo referido magistrado da 13ª Vara Criminal, tendo em vista
que as provas, ainda que ilícitas, podem ser utilizadas para beneficiar os réus.
O caso listado acima serve de exemplo para identificar o problema gi-
gantesco que afeta a imparcialidade do juiz criminal no Código de Processo
Penal brasileiro. Quando há uma condução de um direito penal que afronta dos
direitos humanos construídos a partir de um “pós-crise humanitária”33, como
foi a Segunda Guerra Mundial, representa uma afronta às normas imperativas
jus cogens, e como adverte a lição do ilustre Zaffaroni34, é necessário pensar
para o século XXI um “direito penal humano”, um “processo penal humano”,
e não “desumano”, este ligado as constantes violações de direitos humanos.

31 STRECK, Lenio Luiz. Lavajatogate: Com hackers ou X9, o direito nunca mais será o mesmo. Conjur. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2019-jun-11/lenio-hackers-ou-x9-direito-nunca-mesmo>. Acesso em: 16 jun. 2019.
32 CANÁRIO, Pedro. Combate à corrupção que desrespeita direitos fundamentais destrói democracia. Conjur. Dis-
ponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jun-16/entrevista-juarez-tavares-professor-advogado>. Acesso em:
16 jun. 2019.
33 Crise humanitária é uma situação de emergência, em que a vida de um grande número de pessoas se encontra
ameaçada e na qual recursos extraordinários de ajuda humanitária são necessários para evitar uma catástrofe ou pelo
menos limitar as suas consequências. Crises humanitárias geralmente caracterizam-se pela privação de alimentação,
abrigo, riscos à saúde, à segurança ou ao bem-estar de uma comunidade ou de um grande grupo de pessoas, em
uma área quase sempre extensa. Conflitos armados (guerras entre países ou guerras civis), epidemias, crise alimen-
tar (decorrente de secas ou pragas) ou desastres naturais (terremotos, inundações, tsunamis) podem levar a crises
humanitárias (RUFIN, Jean-Christophe. O império e os novos bárbaros. Rio de Janeiro: Record, 1991). Cf. JEAN,
François. The plight of the world’s refugees: at the crossroads of protection in Médecins Sans Frontières. World in crisis:
the politics of survival at the end of the 20th century. Londres/N. Iorque: Routledge, 1997; e ALBUQUERQUE,
Fernando Mourão de. Fatores internos e externos da crise em dossiê África/Brasil. Revista USP, n. 18, 1993.
34 ZAFFARONI, E. Raúl. Derecho penal humano y poder en siglo XXI. Nicaragua: INEJ e Facultad de Derecho del Uni-
versidad de Chile, 2016. p. 88.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
108

5 Conclusão
A presente pesquisa buscou trabalhar com o tema da metacognição e
sua relação com a teoria do véu da ignorância de John Rawls, para aplicação de
um julgamento justo, imparcial, evitando, por assim, que convicções pessoais,
obtidas pela metacognição, interfiram no julgamento.
Ao longo da pesquisa mostrou-se como o véu da ignorância pode ser
usado no julgamento que evite a utilização das convicções pessoais que podem
interferir na imparcialidade de um magistrado.
A metacognição como processo de conhecimento e de autoconhecimen-
to das suas aprendizagens obtidas ao longo da vivência de cada um, mostra-se
praticamente inalienável à nossa essência humana.
No plano ideal, a aplicação do véu da ignorância seria a medida mais
adequada para proferir um julgamento justo, imparcial, não contaminado
pelas pré-concepções anteriores, ligadas à metacognição.
As pré-concepções de um juiz que atua na fase de investigação criminal
e, após, realiza o julgamento do mesmo caso, ofendem de modo claro, como
a luz do dia, a sua imparcialidade.
O caso de exemplo, de grande repercussão da Operação Lava Jato,
nos mostra a falha do sistema de investigação criminal brasileiro, e, como
colocamos nesta pesquisa, a alternativa de solução com o processo penal
chileno, nos demonstrando um meio de minimizar o problema da impar-
cialidade na investigação criminal, tendo em vista, as limitações humanas
que possui com a metacognição, e dificuldade de aplicar o véu da ignorância
na nossa realidade.
A presente pesquisa mostrou o funcionamento do processo penal
do Chile, em que no sistema de investigação criminal há dois magistrados,
um conhecido como juiz de garantia, que atua na fase de investigação e
faz o controle de legalidade dos atos investigatórios, e o outro, que após o
término da investigação, dá início à ação penal em que outro magistrado
assume o caso.
A experiência chilena nos mostra um sistema de justiça criminal que
preserva a imparcialidade do magistrado, diferentemente do Brasil, que o
mesmo juiz que coordena os atos de investigação, é o mesmo que julga, o que
de acordo com a lição de Zaffaroni, a experiência chilena estaria de acordo
com a construção de um “direito penal humano” para o século XXI, enquanto
a brasileira segue o “direito penal desumano”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 109

TITLE: Metacognition: offenses the impartiality of the criminal judge in the investigation phase.

ABSTRACT: This research deals with the topic of metacognition and the Brazilian and Chilean criminal
investigation system. The methodology used in this research was the qualitative and the inductive research
method. A bibliographical review was done on the subject, with a focus on Brazilian and foreign legislation,
doctrine and jurisprudence. In the sequence, a study is made on the interferences of metacognition in the
impartiality of the criminal judge in the phase of investigation and judgment together with the analysis
of the theory of the veil of ignorance. In conclusion, the present research emphasized the problem of
the impartiality of the criminal judge in the Brazilian criminal process, when he acts in the investigation
phase and then judges the same process.

KEYWORDS: Metacognition. Impartiality. Judge. Research.

6 Referências
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Doutrina
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ZAFFARONI, E. Raúl. Derecho penal humano y poder en siglo XXI. Nicaragua: INEJ e Facultad de Derecho
del Universidad de Chile, 2016.

Recebido em: 26.07.2019


Aprovado em: 22.08.2019
Jurisprudência

Supremo Tribunal Federal


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HC Nº 168.353 DISTRITO FEDERAL
RELATORA: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

Preconceito Religioso. Lei nº 7.716/89


Dupla supressão de instância. Precedentes. Limites excedidos na li-
berdade de manifestação religiosa. Diferença entre discurso religioso
e discurso sobre a crença alheia. Agravo regimental ao qual se nega
provimento.
(STF; RHC-AgR 168.353; DF; 2ª T.; Relª Minª Cármen Lúcia; DJE
19/08/2019; p. 30)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-
premo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência da Ministra
Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento, por unanimidade, em
negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Sessão
Virtual de 28.06.2019 a 05.08.2019.
Brasília, 6 de agosto de 2019.
Ministra Cármen Lúcia – Relatora

RELATÓRIO
A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):
1. Em 15.03.2019, neguei seguimento ao recurso ordinário em habeas
corpus, com requerimento de medida liminar, interposto por Afonso Henri-
que Alves Lobato contra julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça pelo qual, em 04.10.2018, negado provimento ao Agravo Regimental
no Habeas Corpus 424.402, Relator o Ministro Joel Ilan Paciornik. A decisão
agravada tem o seguinte teor:
“6. Razão jurídica não assiste ao recorrente.
7. O exame dos pedidos formulados pelo recorrente neste momento tradu-
ziria dupla supressão de instância, pois essa questão não foi apreciada na se-
gunda instância estadual.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
112

Este Supremo Tribunal não admite sequer o conhecimento de habeas corpus


em casos como o presente, por incabível o exame per saltum de fundamentos
não apreciados pelo órgão judiciário apontado como coator, especialmente
quando não se comprovam requisitos para o acolhimento, como flagrante
constrangimento, manifesta ilegalidade ou abuso de poder. Confiram-se os
julgados a seguir: (...)
8. Ao julgar o caso do corréu Tuparani da Hora Lopes, no RHC 146.303, Re-
lator o Ministro Dias Toffoli, este Supremo Tribunal firmou entendimento
que ‘o direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à existência
de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se vinculam e se
harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade de fés protegi-
da constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa’ e que ‘há que se
distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas
razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando
se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus segui-
dores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença
religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo
direito’.
Tem-se na ementa do julgado:
‘Recurso ordinário em habeas corpus. Denúncia. Princípio da correlação. Ob-
servância. Trancamento da ação penal. Descabimento. Liberdade de manifes-
tação religiosa. Limites excedidos. Recurso ordinário não provido. 1. Inexiste
violação do princípio da correlação quando há relação entre os fatos impu-
tados na denúncia e os motivos que levaram ao provimento do pedido da
condenação. 2. O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito
à existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se
vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade
de fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa. 3. Há
que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria cren-
ça e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente
quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a
seus seguidores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade
de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque
ao mesmo direito. 4. Como apontado pelo Superior Tribunal de Justiça no
julgado recorrido, a conduta do paciente não consiste apenas na ‘defesa da
própria religião, culto, crença ou ideologia, mas, sim, de um ataque ao culto
alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé dife-
rente [d]a do paciente’. 5. Recurso ordinário não provido.’
Extrai-se o seguinte excerto do voto do Relator:
‘Tenho, portanto, que a liberdade de crença e de culto pode ser visualizada
sob seu aspecto positivo – liberdade de se expressar e de viver de acordo com
a própria fé – e sob seu aspecto negativo: sintetizado na tolerância religiosa (e,
nesse passo, na abstenção de conduta) para com fé distinta, igualmente prote-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 113

gida. A forma de o Estado coibir eventual descompasso com o ordenamento


– dada a essencialidade da liberdade religiosa para o Estado Democrático de
Direito – é a ultima ratio de sua atuação: a legislação penal.
Assim, entendo que o conceito positivo de liberdade religiosa (direito à ma-
nifestação e vivência da fé) não pode ser amplificado a ponto de reduzir ao
mínimo seu viés negativo (abstenção de conduta frente a outra fé), sob pena
de redução do espectro de punitividade da norma penal em contrassenso à
proteção que se quis promover com sua edição. Surgindo a intolerância re-
ligiosa, portanto, e havendo congruência com fatos tipificados como delito,
cabe ao Estado, sim, agir: poderá condenar ou absolver seu eventual autor nas
instâncias ordinárias.
No caso dos autos, a sentença transcreve uma série de fatos publicados em ví-
deos, na internet, de maneira permanente, com palavras de incitação ao ódio,
alimento base da intolerância religiosa. Cito, apenas a título de exemplo, tre-
cho do parecer ministerial que faz referência à frase do paciente, utilizada
para abordar o islamismo: ‘Diz, por fim, tratar-se de pilantragem e hipocrisia,
e que é uma religião assassina’.
Compreendo que este tipo de agir não se enquadra no direito à liberdade de
expressão; não se enquadra, com a devida vênia, na ideia de liberdade religio-
sa; muito pelo contrário. Trata-se de manifestação que atinge diretamente o
direito de crença do outro e a própria integridade de conduta de seus fiéis.
Saliento, nesse instante, que não vislumbro como se possa atribuir à liberda-
de de crença religiosa conotação volátil que se relacione à natureza da crença
professada, de modo a assegurar legitimação máxima aos propósitos de ex-
pansão que muitas delas possuem.
Entendo que os limites ao direito à liberdade de crença (e de professá-la, por
natural) são os mesmos, qualquer que seja a fé considerada, não se admitindo
que o propósito de conquistar fiéis assegure, ou em qualquer medida legiti-
me, a desqualificação de qualquer outra crença (ou descrença). Concepção
dessa ordem transita, em meu entender, na linha limítrofe entre a profecia da
religiosidade e o deliberado propósito de aniquilamento ou desmerecimento
de outra religião, com as arbitrariedades já ocorridas ao longo da história. (...)
Tenho, nesse passo, que cabe ao Judiciário dedicar especial atenção ao exercí-
cio da hermenêutica jurídica, para que o direito se faça em consonância com
as necessidades da sociedade contemporânea, ainda sobremaneira marcada
pela utilização da religião como elemento de legitimação de discursos seg-
mentadores que ultrapassam as fronteiras da fé, e mesmo da razão.
Por isso, apontei, ainda em sessão, que, sendo o Judiciário o meio de pacifi-
cação social por excelência e o Brasil um país de tolerância religiosa, é dever
deste Poder promover a aplicação do princípio da liberdade religiosa em ab-
soluta sintonia com a inspiração que promove essa tradição.’
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
114

9. Este Supremo Tribunal firmou jurisprudência no sentido de que ‘pode


o Relator, com fundamento no art. 21, § 1º, do Regimento Interno, negar
seguimento ao habeas corpus manifestamente inadmissível, improcedente ou
contrário à jurisprudência dominante, embora sujeita a decisão a agravo regi-
mental’ (HC 96.883-AgR, de minha relatoria, DJe 01.02.2011). (...)
10. Pelo exposto, nego seguimento ao presente recurso ordinário em habeas
corpus (§ 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal),
prejudicada a medida liminar requerida.”
2. A decisão agravada foi publicada no DJe de 19.03.2019 e o presente
agravo regimental foi interposto, tempestivamente, em 21.03.2019.
3. O agravante alega que “deve ser reconhecida a transnacionalidade
da conduta supostamente delituosa de divulgação de mensagem denunciada
como preconceituosa se sua divulgação eletrônica se deu em ambiente sujeito
à livre acesso por alguém no estrangeiro” (fl. 8, doc. 8).
Sustenta ser “forçoso reconhecer também o requisito da transnaciona-
lidade para a fixação da competência da Justiça Federal com fundamento no
inciso V do art. 109 da CRFB” (fl. 9, doc. 8).
Este o teor dos pedidos:
“Assim, sem maiores delongas, a fim de não tornar prolixo este agravo regi-
mental, requer a total reformulação do entendimento firmado pelo eminente
Ministro Relator, para que o recurso em habeas corpus seja provido, com a
concessão da ordem à paciente, reconhecendo-se a incompetência da Justiça
Estadual para processar e julgar o paciente, fixando a competência da Vara
Federal do Rio de Janeiro para processá-lo e julgá-lo, anulando-se ab initio o
Processo 0153479-93.2009.8.19.0001, distribuído na Justiça Estadual do RJ,
com espeque nos arts. 648, incisos I e III, e 652 do Código de Processo Penal
e no art. 5º, incisos XXXVII, LIII e LXVIII, da Constituição Federal, resta-
belecendo-se o direito de ir e vir do paciente com medida de lídima justiça.”
(fl. 15, doc. 8)
É o relatório.

VOTO
A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):
1. Razão jurídica não assiste ao agravante.
2. Como afirmado na decisão agravada, o exame dos pedidos formulados
pelo agravante neste momento traduziria dupla supressão de instância, pois
essa questão não foi apreciada na segunda instância estadual.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 115

Este Supremo Tribunal não admite sequer o conhecimento de habeas


corpus em casos como o presente, por incabível o exame per saltum de funda-
mentos não apreciados pelo órgão judiciário apontado como coator, em espe-
cial quando não se comprovam requisitos para o acolhimento, como flagrante
constrangimento, manifesta ilegalidade ou abuso de poder. Confiram-se os
julgados a seguir:
“Agravo regimental em habeas corpus. Prisão preventiva. Impetração dirigi-
da contra decisão monocrática. Não exaurimento da instância antecedente.
Apreciação per saltum. Impossibilidade. Dupla supressão de instância. Prece-
dentes. Regimental não provido. 1. Os fundamentos adotados pelo Superior
Tribunal de Justiça para indeferir liminarmente a inicial do habeas corpus
permitem concluir que o tema ora submetido à analise da Corte não foi ana-
lisado no bojo da impetração. Logo, sua apreciação, de forma originária, pelo
STF configuraria inadmissível dupla supressão de instância. 2. Como se não
bastasse, é inadmissível o habeas corpus que se volte contra decisão monocráti-
ca do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo
do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da
instância antecedente. Precedentes. 3. Agravo regimental ao qual se nega pro-
vimento.” (HC 158.755-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe
17.10.2018)
“(...) as alegações suscitadas nesta impetração não foram apreciadas sequer
pela Corte Estadual. Isso porque o habeas corpus impetrado no Superior Tri-
bunal de Justiça apontava como ato coator a decisão de Desembargador do
TJSP que indeferiu medida liminar em idêntica via processual. A apreciação
da matéria por esta Corte consubstanciaria dupla supressão de instância. 5.
A competência desta Corte para a apreciação de habeas corpus contra ato do
Superior Tribunal de Justiça (CRFB, art. 102, inciso I, alínea i) somente se
inaugura com a prolação de decisão do colegiado, salvo as hipóteses de exce-
ção à Súmula nº 691 do STF, sendo descabida a flexibilização desta norma,
máxime por tratar-se de matéria de direito estrito, que não pode ser ampliada
via interpretação para alcançar autoridades – no caso, membros de Tribunais
Superiores – cujos atos não estão submetidos à apreciação do Supremo. 6. In
casu, o habeas corpus foi impetrado contra decisão monocrática de Relator do
STJ que indeferiu liminarmente a impetração lá formalizada. 7. Inexiste, in
casu, excepcionalidade que justifique a concessão da ordem ex officio. 8. Agravo
regimental a que se nega provimento.” (HC 119.554-AgR, Rel. Min. Luiz
Fux, Primeira Turma, DJe 25.11.2013)
“Habeas corpus. Questão de ordem. Inadmissibilidade de habeas corpus em que
se pretenda seja concedida liminar por esta Corte substitutiva de duas dene-
gações sucessivas dessa liminar pelos relatores de dois tribunais inferiores a
ela, mas dos quais um é superior hierarquicamente ao outro. A admitir-se
essa sucessividade de habeas corpus, sem que o anterior tenha sido julgado
definitivamente para a concessão de liminar per saltum –, ter-se-ão de admitir
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
116

consequências que ferem princípios processuais fundamentais, como o da


hierarquia dos graus de jurisdição e o da competência deles. Habeas corpus não
conhecido.” (HC 76.347-QO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 08.05.98).
3. Ao julgar o caso do corréu Tuparani da Hora Lopes, no RHC 146.303,
Relator o Ministro Dias Toffoli, este Supremo Tribunal firmou o entendi-
mento de que “o direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito
à existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se
vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade de
fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa” e “há que
se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas
razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se
faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores).
Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença religiosa;
outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo direito”.
Tem-se na ementa do julgado:
“Recurso ordinário em habeas corpus. Denúncia. Princípio da correlação. Ob-
servância. Trancamento da ação penal. Descabimento. Liberdade de manifes-
tação religiosa. Limites excedidos. Recurso ordinário não provido. 1. Inexiste
violação do princípio da correlação quando há relação entre os fatos impu-
tados na denúncia e os motivos que levaram ao provimento do pedido da
condenação. 2. O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito
à existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se
vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade
de fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa. 3. Há
que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria cren-
ça e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente
quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a
seus seguidores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade
de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque
ao mesmo direito. 4. Como apontado pelo Superior Tribunal de Justiça no
julgado recorrido, a conduta do paciente não consiste apenas na ‘defesa da
própria religião, culto, crença ou ideologia, mas, sim, de um ataque ao culto
alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé dife-
rente [d]a do paciente’. 5. Recurso ordinário não provido.”
Transcrevo parte do voto do Relator:
“Tenho, portanto, que a liberdade de crença e de culto pode ser visualizada
sob seu aspecto positivo – liberdade de se expressar e de viver de acordo com
a própria fé – e sob seu aspecto negativo: sintetizado na tolerância religiosa (e,
nesse passo, na abstenção de conduta) para com fé distinta, igualmente prote-
gida. A forma de o Estado coibir eventual descompasso com o ordenamento
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 117

– dada a essencialidade da liberdade religiosa para o Estado Democrático de


Direito – é a ultima ratio de sua atuação: a legislação penal.
Assim, entendo que o conceito positivo de liberdade religiosa (direito à ma-
nifestação e vivência da fé) não pode ser amplificado a ponto de reduzir ao
mínimo seu viés negativo (abstenção de conduta frente a outra fé), sob pena
de redução do espectro de punitividade da norma penal em contrassenso à
proteção que se quis promover com sua edição. Surgindo a intolerância re-
ligiosa, portanto, e havendo congruência com fatos tipificados como delito,
cabe ao Estado, sim, agir: poderá condenar ou absolver seu eventual autor nas
instâncias ordinárias.
No caso dos autos, a sentença transcreve uma série de fatos publicados em ví-
deos, na internet, de maneira permanente, com palavras de incitação ao ódio,
alimento base da intolerância religiosa. Cito, apenas a título de exemplo, tre-
cho do parecer ministerial que faz referência à frase do paciente, utilizada
para abordar o islamismo: ‘Diz, por fim, tratar-se de pilantragem e hipocrisia,
e que é uma religião assassina’.
Compreendo que este tipo de agir não se enquadra no direito à liberdade de
expressão; não se enquadra, com a devida vênia, na ideia de liberdade religio-
sa; muito pelo contrário. Trata-se de manifestação que atinge diretamente o
direito de crença do outro e a própria integridade de conduta de seus fiéis.
Saliento, nesse instante, que não vislumbro como se possa atribuir à liberda-
de de crença religiosa conotação volátil que se relacione à natureza da crença
professada, de modo a assegurar legitimação máxima aos propósitos de ex-
pansão que muitas delas possuem.
Entendo que os limites ao direito à liberdade de crença (e de professá-la, por
natural) são os mesmos, qualquer que seja a fé considerada, não se admitindo
que o propósito de conquistar fiéis assegure, ou em qualquer medida legiti-
me, a desqualificação de qualquer outra crença (ou descrença). Concepção
dessa ordem transita, em meu entender, na linha limítrofe entre a profecia da
religiosidade e o deliberado propósito de aniquilamento ou desmerecimento
de outra religião, com as arbitrariedades já ocorridas ao longo da história. (...)
Tenho, nesse passo, que cabe ao Judiciário dedicar especial atenção ao exercí-
cio da hermenêutica jurídica, para que o direito se faça em consonância com
as necessidades da sociedade contemporânea, ainda sobremaneira marcada
pela utilização da religião como elemento de legitimação de discursos seg-
mentadores que ultrapassam as fronteiras da fé, e mesmo da razão.
Por isso, apontei, ainda em sessão, que, sendo o Judiciário o meio de pacifi-
cação social por excelência e o Brasil um País de tolerância religiosa, é dever
deste Poder promover a aplicação do princípio da liberdade religiosa em ab-
soluta sintonia com a inspiração que promove essa tradição.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
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Os argumentos do agravante, insuficientes para modificar a decisão


agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência em pôr termo a
processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional.
4. Pelo exposto, mantenho a decisão agravada e nego provimento ao agravo
regimental.

VOTO-VOGAL
Pelo princípio da colegialidade, acompanho o voto da Relatora, com a
ressalva de entendimento.

EXTRATO DE ATA
Ag. Reg. no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 168.353
Proced.: Distrito Federal
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Agte.: Afonso Henrique Alves Lobato
Adv.: Roberto Flavio Cavalcanti (163183/RJ)
Agdo.: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Proc.: Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Agdo.: Ministério Público Federal
Proc.: Procurador-Geral da República
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-
gimental, nos termos do voto da Relatora, com ressalva do Ministro Edson
Fachin. Segunda Turma, Sessão Virtual de 28.06.2019 a 05.08.2019.
Composição: Ministros Cármen Lúcia (Presidente), Celso de Mello,
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.
Ravena Siqueira – Secretária
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS Nº 511.077 SANTA CATARINA
RELATOR: MINISTRO RIBEIRO DANTAS

Execução Provisória da Pena Restritiva de Direitos.


Impossibilidade. Art. 147 da Lei de Execução Penal.
Entendimento Ratificado pela Terceira Seção Desta
Corte (AgRg no HC 435.092/SP). Agravo Não Provido
1. Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos
do HC 126.292/SP, ficou assente que, esgotadas as instâncias ordinárias,
a interposição de recurso especial não obsta a execução da decisão penal
condenatória. E, ainda, em julgamento colegiado do pedido de liminar
das ADCs 43 e 44, o referido entendimento foi confirmado.
2. A Suprema Corte, ao tempo em que vigorava o entendimento de ser
possível a execução provisória da pena, como agora, não a autorizava
para as penas restritivas de direito. Precedentes.
3. Hipótese em que se encontra em pleno vigor o disposto no art. 147
da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11.07.84) e não há notícia de
que o STF ou a Corte Especial do STJ, no âmbito de suas respectivas
competências, tenham declarado a inconstitucionalidade de aludida
norma. Nem mesmo no já referido HC 126.292/SP fez-se menção a
tal possibilidade. Por conseguinte, este órgão colegiado não poderia
recusar a aplicação do art. 147 da LEP sem ferir a CF ou desconsiderar
a orientação da Súmula Vinculante nº 10.
4. Entendimento ratificado pela Terceira Seção, em 24.10.2018, nos
autos do AgRg no HC 435.092/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti, Rel. p/
o Acordão Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 26.11.2018.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ; AgRg-HC 511.077; Proc. 2019/0142405-5; SC; 5ª T.; Rel. Min.
Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
120

Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jorge Mussi e Reynaldo Soares


da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 13 de agosto de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Ribeiro Dantas – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal
contra decisão que concedeu a ordem para suspender a execução das penas
restritivas de direitos até o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Alega o agravante a existência de precedentes do Supremo Tribunal
Federal que entende pela possibilidade de execução provisória das penas
restritivas, tal qual ocorre com as privativas de liberdade.
Requer a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do agravo
ao crivo deste órgão colegiado para que seja determinada a execução provisória
da pena restritiva de direitos imposta ao agravado.
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):
O agravante não apresentou argumentação apta à alteração do posicio-
namento anteriormente firmado.
Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos
do HC 126.292/SP, ficou assente que, esgotadas as instâncias ordinárias, a
interposição de recurso especial não obsta a execução da decisão penal con-
denatória. E, ainda, em julgamento colegiado do pedido de liminar das ADCs
43 e 44, confirmou-se esse entendimento.
No entanto, ao agravado foi imposta pena restritiva de direitos.
A Suprema Corte, ao tempo em que vigorava o entendimento de ser
possível a execução provisória da pena, como agora, não a autorizava para as
penas restritivas de direito.
A propósito:
“HABEAS CORPUS. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. EXECU-
ÇÃO PROVISÓRIA. VEDAÇÃO.
O entendimento desta Corte é no sentido de que a execução da pena restriti-
va de direitos só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença conde-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 121

natória. Ordem concedida.” (HC 88.741/PR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda
Turma, DJ 04.08.06)
“HABEAS CORPUS. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSI-
BILIDADE DE SUA EXECUÇÃO DEFINITIVA ANTES DO TRÂNSI-
TO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PE-
DIDO DEFERIDO.
As penas restritivas de direitos somente podem sofrer execução definitiva,
não se legitimando, quanto a elas, a possibilidade de execução provisória, eis
que tais sanções penais alternativas dependem, para efeito de sua efetivação,
do trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Lei de Execução Penal
(art. 147). Precedentes.” (HC 89.435/PR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda
Turma, DJe 22.03.2013)
Ademais, encontra-se em pleno vigor o disposto no art. 147 da Lei das
Execuções Penais (Lei nº 7.210, de 11.07.84), que assim dispõe:
“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direi-
tos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público,
promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário,
a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.” (grifou-se)
Não há notícia de que o STF ou a Corte Especial do STJ, no âmbito de
suas respectivas competências, tenham declarado a inconstitucionalidade de
aludida norma. Nem mesmo no já referido HC 126.292/SP fez-se menção
a tal possibilidade.
Por conseguinte, este órgão colegiado não poderia recusar a aplicação
do art. 147 da LEP sem ferir a CF ou desconsiderar a orientação da Súmula
Vinculante nº 10, verbis:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fra-
cionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucio-
nalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no
todo ou em parte.”
Nesse sentido, além do julgado da Suprema Corte – HC 89.435/PR –,
da relatoria do Ministro Celso de Melo, têm-se decisões da 5ª Turma do STJ:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COR-
PUS. CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. EXECUÇÃO
PROVISÓRIA DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILI-
DADE. RECURSO PROVIDO.
I – ‘A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau
de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não com-
promete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo
art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal’ (HC 126.292/SP, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 17.05.2016).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
122

II – Antes da guinada jurisprudencial que o HC 84.078/MG, não permitindo


execução provisória de pena privativa de liberdade, hoje superada pelo HC
126.292/SP, o pretório Excelso, bem como este Tribunal Superior, já entendia
que, no caso das penas restritivas de direitos, não cabia execução provisória
antes do trânsito em julgado, nos termos do art. 147 da Lei de Execução Penal
(precedentes).
III – Assim, segundo entendimento assente na Quinta Turma deste Tribunal
(AgRg no REsp 1.618.434/MG, AREsp 971.249/SP), é inadmissível a execu-
ção provisória de penas restritivas de direito.
Recurso provido para, reformando o v. acórdão recorrido, suspender a execução
provisória das penas restritivas de direitos impostas ao paciente.” (RHC 80.384/
SC, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 28.03.2017, DJe 07.04.2017)
“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPE-
CIAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREI-
TOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. O Supremo Tribunal Federal, ao tratar sobre a execução provisória da pena,
decidiu apenas acerca da privativa de liberdade, nada dispondo sobre as penas
restritivas de direito.
2. Ademais, a Suprema Corte, ao tempo em que vigorava o entendimento
de ser possível a execução provisória da pena, como agora, não a autorizava
para as penas restritivas de direito (EDcl no AgRg no AREsp 688.225/SP, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 22.09.2016, DJe 28.09.2016).
3. Em suma, nos termos do art. 147 da Lei de Execução Penal, as penas res-
tritivas de direitos só podem ser executadas após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória. Precedentes do STF e do STJ.
4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1.618.434/MG, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 01.02.2017)
A Terceira Seção do STJ, aplacando divergência que existia entre a 5ª e
a 6ª Turmas acerca da matéria, pacificou o tema no âmbito desta Corte Supe-
rior, decidindo que não se procede à execução provisória de penas restritivas
de direitos (EREsp 1.619.087/SC, Rel. p/ o Acórdão Min. Jorge Mussi, j.
14.06.2017, DJe 24.08.2017). Tal entendimento foi ratificado, em 24.10.2018,
nos autos do AgRg no HC 435.092/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti, Rel. p/ o
Acordão Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 26.11.2018.
Desse modo, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios
fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


HABEAS CORPUS Nº 316.110 SÃO PAULO
RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Prescrição. Réu que Completou 70 Anos Depois


da Sentença Condenatória. Redução do Prazo
Prescricional. Impossibilidade de Aplicação do Art.
115 do CP. Ordem Denegada
1. É inadequado confundir as circunstâncias de redução dos prazos
prescricionais com as causas interruptivas da prescrição, porquanto se
trata de fenômenos distintos e que repercutem de maneira diversa, em-
bora o reconhecimento de um possa influenciar na admissão do outro.
2. Os prazos prescricionais se relacionam com os pilares que sustentam
o instituto da prescrição, isto é, com o decurso do tempo, que pode
levar ao esquecimento do fato, e a circunstância de que eventual inércia
deve ser suportada pelo Estado, mercê de sua atuação basear-se no ius
puniendi. Já a redução dos prazos prescricionais pela idade avançada
do agente orienta-se pelo vetor constitucional da dignidade da pessoa
humana, representada pela necessidade de proteção à velhice, a qual
merece tratamento especial, à vista dos efeitos deletérios decorrentes
da longa duração do processo.
3. Por expressa previsão do art. 115 do CP, são reduzidos pela metade
os prazos de prescrição quando o criminoso era, na data da sentença,
maior de 70 anos. O termo sentença deve ser compreendido como a
primeira decisão condenatória, seja sentença ou acórdão proferido em
apelação. Precedentes.
4. Ordem denegada.
(STJ; HC 316.110; Proc. 2015/0029770-5; SP; 6ª T.; Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz; DJE 01/07/2019)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, denegar a ordem,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
124

Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 25 de junho de 2019.
Ministro Rogerio Schietti Cruz – Relator

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz:
Nelson Almeida Taboada alega sofrer constrangimento ilegal em decor-
rência de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que
deu parcial provimento ao recurso de apelação da defesa para reduzir a pena
imposta pela prática de gestão fraudulenta e apropriação indébita financeira
e, em embargos de declaração, reconheceu a ocorrência da prescrição em
relação a esse último delito.
Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado como incurso
nos arts. 4º, caput e parágrafo único, e 5º, caput, ambos c/c o art. 25, todos da
Lei nº 7.492/86, na forma dos arts. 29 e 71 do Código Penal. A denúncia foi
recebida em 19.09.95 (fl. 13).
Ao término da instrução criminal, sobreveio condenação às penas de
13 anos e 6 meses de reclusão, pelo crime previsto no art. 4º, caput, da Lei nº
7.492/86, e 8 anos e 3 meses de reclusão, pelo crime do art. 5º do mesmo Di-
ploma Normativo. A sentença foi publicada em 14.03.07 (fl. 108) e transitou
em julgado para o Ministério Público em 30.03.07 (fl. 110).
Irresignada, a defesa interpôs apelação, à qual, por maioria de votos, foi
dado parcial provimento, a fim de redimensionar a reprimenda para 4 anos
e 6 meses de reclusão, pelo crime do art. 4º, e 4 anos de reclusão, pelo delito
do art. 5º, ambos da Lei nº 7.492/86.
Opostos embargos declaratórios, estes não foram acolhidos. Todavia, foi
declarada extinta a punibilidade, de ofício, relativamente aos fatos que deram
ensejo à imputação da prática do delito previsto no art. 5º da Lei nº 7.492/86. Em
seguida, foram opostos novos aclaratórios, os quais não vieram a ser acolhidos.
Neste mandamus, pugnam os impetrantes, resumidamente, que “seja
reconhecida a extinção da punibilidade pela prescrição, com base nos [sic] art.
107, IV, c/c ao art. 110, § 1º, em decorrência da aplicação do art. 115 ao prazo
previsto no art. 109, III, com incidência do art. 114, II, todos do Código Penal
em relação a pena imposta por violação ao art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86,
nos autos do Processo 0101114-25.1992.4.03.6181” (fl. 9).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 125

Sustentam, nesse sentido, que os prazos prescricionais foram reduzidos


pela metade, haja vista que o réu completou 70 anos antes do acórdão proferido
pelo Tribunal de origem.
Indeferida a liminar e prestadas as informações, foram os autos ao Mi-
nistério Público Federal que, em parecer subscrito pelo Subprocurador-Geral
da República Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho, se manifestou pelo
não conhecimento do writ.

VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):

I – Contextualização
O paciente foi condenado, em primeiro grau, por gestão fraudulenta e apro-
priação indébita financeira. Em apelação, houve a confirmação dessa condenação,
embora as penas hajam sido reduzidas de 13 anos e 6 meses e 8 anos e 3 meses
de reclusão para 4 anos e 6 meses e 3 anos e 6 meses de reclusão, respectivamente.
Os embargos de declaração opostos acabaram por resultar na extinção
da punibilidade, pela prescrição, do fato relacionado à apropriação indébita
financeira. Portanto, ainda pesa sobre o paciente a condenação por gestão
fraudulenta, cuja reprimenda ficou estabelecida em 4 anos e 6 meses de reclusão,
a ser inicialmente cumprida em regime semiaberto.
A argumentação dos impetrantes é a de que o acórdão, ao confirmar a
sentença, constituiu-se novo édito condenatório, sobretudo porque reformou par-
cialmente a sentença, circunstância que repercutiria na redução do prazo pres-
cricional. Em reforço a toda argumentação desenvolvida, foram colacionados
alguns precedentes desta Corte, os quais se alinham à tese defendida no writ.

II – Exame do Caso
De início, convém salientar que a incidência da prescrição, na hipótese
dos autos, somente ocorrerá em caso de reconhecimento da procedência das
alegações dos impetrantes. Caso contrário, o prazo prescricional, que é de 12
anos (ex vi do art. 109, III, do CP), não haverá transcorrido.
Outro aspecto que merece ser frisado é que, de fato, alguns preceden-
tes desta 6ª Turma têm se inclinado para o reconhecimento, nos casos em que
há modificação substancial da condenação pelo Tribunal, de novo marco interruptivo
da prescrição e, também, a possibilidade de aplicação do benefício previsto no art. 115
do Código Penal, esse último pleiteado pelos impetrantes. Em um deles, no
qual fiquei vencido juntamente com a Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
decidiu-se consoante esta ementa:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
126

“1. Havendo substancial modificação da sentença pelo acórdão, que não ape-
nas aumentou o quantum de pena, mas também o próprio lapso prescricional,
além de modificar a tipificação conferida ao fato, deve o acórdão ser considerado
como novo marco interruptivo da prescrição, inclusive para fins de aplicação do benefício
do art. 115 do Código Penal.” (AgRg no REsp 1.481.022/RS, Rel. p/ o Acórdão
Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 22.10.2018, destaquei)
No ponto, apenas como registro, assinalo que em alguns casos recen-
tes cheguei a afirmar que mesmo a simples confirmação da condenação em
segundo grau constituiria novo marco interruptivo da prescrição (v.g. EDcl no
AgRg no AREsp 1.167.106/SP, DJe 26.04.2019). Tal constatação foi motivada
pela existência de precedentes do STF nesse sentido e foi acompanhada pela
6ª Turma na oportunidade.
Devo reconhecer, contudo, que essa questão ainda não está pacificada no
âmbito da Suprema Corte e, por isso mesmo, é necessária cautela. Além disso,
a Corte Especial deste Tribunal Superior, no julgamento do EDcl no AgRg no
RE nos EREsp 1.619.087/SC (Rel. Min. Humberto Martins, DJe 22.03.2019),
reafirmou a compreensão de que o acórdão confirmatório da condenação não cons-
titui novo marco interruptivo prescricional, ainda que modifique a pena fixada, nos
termos descritos no art. 117, IV, do Código Penal.
Entretanto, uma coisa é a redução do prazo prescricional e outra são os
marcos interruptivos da prescrição. Em minha compreensão não relaciono a
redução dos prazos, conforme art. 115 do CP, com as causas interruptivas da
prescrição, previstas no art. 117 do mesmo Diploma Legal, porquanto se trata
de fenômenos distintos e que repercutem de maneira diversa. Além disso, há ainda
a própria disposição legal (art. 115 do CP), que apenas alude a necessidade
de sentença como marco temporal para a redução, por razão etária, do prazo
prescricional.
Ao afirmar que são fenômenos distintos e que repercutem de maneira
distinta, o faço com base na seguinte premissa: a interrupção do prazo pres-
cricional, pela ocorrência de algum dos diversos fatores concernentes no art.
117, se relaciona com os pilares que sustentam o instituto da prescrição, isto
é, com o decurso do tempo, que pode levar ao esquecimento do fato, e a
circunstância de que eventual inércia deve ser suportada pelo Estado, mercê
de sua atuação basear-se no ius puniendi.
Já a redução do prazo prescricional pela idade avançada do agente se
orienta pelo vetor constitucional da dignidade da pessoa humana, representada
pela necessidade de proteção à velhice, a qual merece tratamento especial à
vista dos efeitos deletérios da longa duração do processo. Ambos os institu-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 127

tos, portanto, não se confundem, embora o reconhecimento de um possa


influenciar na admissão do outro.
Sob o aspecto da descrição legal, extrai-se do art. 115 do CP a seguinte
redação: “São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso
era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença,
maior de 70 (setenta) anos”. Veja-se que a redução ocorrerá se o agente foi
maior que 70 anos na data da sentença.
Segundo a orientação desta Corte e do STF, o termo sentença deve ser
compreendido como a primeira decisão condenatória, ou seja, a redução deve operar
quando o agente completar 70 anos antes da primeira decisão condenatória, somente.
Por oportuno, cito, apenas para ilustrar, precedentes do Supremo Tribunal
Federal que se aplicam ao caso:
“1. Segundo a jurisprudência majoritária da Corte, a regra do art. 115 do
Código Penal somente é aplicada ao agente com 70 (setenta) anos na data da sentença
condenatória.
2. O entendimento jurisprudencial provém da interpretação literal do art.
115 do Código Penal.
3. O acórdão confirmatório da condenação não substitui a sentença para fins
de redução do prazo prescricional (v.g. ARE 839.680/SC-AgR, Segunda Tur-
ma, de minha relatoria, DJe 27.09.2016).
4. Agravo regimental ao qual se nega provimento (ARE 1.033.206 AgR-AgR,
Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., DJe 14.12.2017)
5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em sede de habeas corpus é
no sentido da ‘inviabilidade de redução do prazo prescricional quando a idade limite é
completada na época do acórdão ratificador da condenação fixada pelo juízo de origem’
(HC 117.386, Relª Minª Rosa Weber). Precedentes.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 915.543 AgR, Rel.
Min. Roberto Barroso, 1ª T., DJe 14.12.2015, destaquei)
Deste STJ, destaco os seguintes arestos proferidos pela Corte Especial:
“A jurisprudência desta Casa se assenta na orientação de que a redução do
prazo prescricional à metade, com base no art. 115 do Código Penal, aplica-se
aos réus que atingirem a idade de 70 anos até a primeva condenação, tenha ela se dado na
sentença ou no acórdão, situação que não ocorreu na hipótese” (AgRg nos EDcl
no AREsp 491.258/TO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma,
j. 07.02.2019, DJe 26.02.2019).” (AgInt no AREsp 1.361.717/SP, Relª Minª
Laurita Vaz, DJe 29.03.2019, destaquei)
“A orientação jurisprudencial majoritária do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a redução do prazo prescri-
cional estabelecida no art. 115 do Código Penal apenas beneficia o agente que já
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
128

tenha 70 anos de idade na data da condenação (e não na data em que o título condenató-
rio se torna imutável ou é confirmado em grau de recurso). Precedentes.
(...)” (EDcl nos EDcl nos EDcl na APn n. 300/ES, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, CE, DJe 19.12.2017, destaquei)
Não descuro que há precedentes deste Superior Tribunal, segundo os quais a
redução pode acontecer quando o réu, embora complete 70 anos após a pri-
meira decisão condenatória, obtenha, da Corte ad quem em apelação, substancial
modificação da decisão que o condenou. É o que se extrai, por exemplo, do voto
condutor do acórdão relativo ao precedente citado (AgRg no REsp 1.481.022/
RS, Rel. p/ o Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 22.10.2018, grifei):
“Assim, analisando o caso concreto, é fácil perceber que o agravante com-
pletou 70 anos antes do acórdão que confirmou a sentença condenatória, no
entanto, a meu ver, alterando-a de forma substancial, o acórdão não só readequou
a capitulação jurídica da condenação (do art. 22, caput, da Lei nº 7.492/86 para o
delito previsto no parágrafo único do mesmo artigo) como também majorou a
pena de 3 anos, 10 meses e 20 dias para 5 anos e 10 meses, de modo a alterar
o prazo prescricional e o regime, além de impedir a substituição da pena. A
hipótese se enquadra, portanto, nos precedentes acima citados.
Acrescento, ainda, que a situação do caso concreto é diferente da que foi
analisada no precedente apresentado pela Eminente Relatora – lá se entendeu
que não houve alteração substancial, tendo em vista ter ocorrido apenas majoração das
penas fixadas (...)”
No particular, importante dizer que a concepção de modificação
substancial da condenação, conforme diretrizes estabelecidas pelos próprios
precedentes, pressupõe que ocorra uma nova capitulação jurídica do crime e o redi-
mensionamento substancial da pena, suficiente para alterar os prazos prescricionais.
Ainda que considerássemos essa compreensão como acertada – o que
faço apenas para argumentar, visto que a redução do prazo pela idade não se
confunde com marco interruptivo, como visto linhas atrás –, observo que não
atingiria a hipótese sub examine. Deveras, o paciente, que somente completou
70 anos de idade após o édito de primeiro grau, teve somente reduzida a pena
imposta em primeiro grau, sem que houvesse a modificação da capitulação jurídica do
crime.
Por isso, mesmo que adotado esse entendimento, não haveria ocorrido
alteração substancial que justificasse considerar o acórdão confirmatório da
condenação como referência para a redução do prazo prescricional.

III – Dispositivo
À vista do exposto, denego a ordem.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 98.056 CEARÁ
RELATOR: MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Gestão Fraudulenta. Alegação de Nulidades no


Inquérito Policial. Não Ocorrência. Incompetência
Ratione Loci. Não ocorrência. Atos de Gestão. Atos
Decisórios. Foro por Prerrogativa de Função. Não
Caracterização. Participação do Suposto Detentor
do Foro como Testemunha e Não como Investigado.
Investigação Deflagrada com Base em Notitia
Criminis de Cognição Imediata. Notícia Veiculada em
Imprensa. Reportagem Jornalística. Possibilidade.
Outros Elementos. Recurso Desprovido
1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o
trancamento de inquérito policial, por meio de habeas corpus ou de re-
curso em habeas corpus, é medida de exceção, sendo cabível, tão somente,
quando inequívoca a ausência de justa causa, v.g., a atipicidade do fato
ou a inexistência de autoria por parte do indiciado.
2. A fraude, para a caracterização do crime de gestão fraudulenta, ante
a intelecção do indigitado preceito de regência, “compreende a ação
realizada de má-fé, com intuito de enganar, iludir, produzindo resul-
tado não amparado pelo ordenamento jurídico através de expedientes
ardilosos”. A gestão fraudulenta, portanto, “se configura pela ação do
agente mediante o emprego de ardis e artifícios, com o intuito de obter
vantagem indevida” (HC 95.515/RJ, Relª Minª Ellen Gracie, Primeira
Turma, DJe 30.09.08).
3. Na linha do que já decidiu esta Corte Superior, “Os delitos dos arts.
4º, 6º e 10 da Lei nº 7.492/86 são formais, ou seja, não exigem resultados
decorrentes das condutas, e consumam-se com a prática dos atos de
gestão (art. 4º) (...)” (CC 91.162/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
Terceira Seção, j. 12.08.09, DJe 02.09.09).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
130

4. Na hipótese vertente, não obstante as tratativas iniciais terem sido


traçadas na Bahia, verifica-se que os atos decisórios, ou seja, as con-
cessões dos créditos – “atos decisórios de seu deferimento” – teriam
sido realizadas em Fortaleza/CE, Juízo este, portanto, competente,
primo ictu oculi.
5. O foro por prerrogativa de função foi instituído pelo constituinte
originário a ocupantes de determinados cargos em razão de sua rele-
vância e para proteção da consecução de suas finalidades intrínsecas no
âmbito da organização estatal. Desse modo, verificada a existência de
conexão ratione personae, deverá ser observada a competência privilegiada
para todos os atos investigatórios e instrutórios, sem que tal desiderato
importe ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal.
6. No entanto, na hipótese vertente, consignou a instância ordinária
que o então Ministro do Planejamento (e ex-Presidente do Conselho
de Administração do Banco do Nordeste) – o qual alude a defesa que
estaria sob investigação –, figurou, deveras, como testemunha e não
como possível investigado. Tal conclusão, portanto, não possui o condão
de autorizar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.
7. Ademais, perquirir eventual participação do então detentor do foro
por prerrogativa de função, no âmbito do habeas corpus, é expediente não
admitido, porquanto a via eleita, ante seu angusto espectro cognitivo
e pelas peculiaridades do caso vertente, não permite tal aferição para
infirmar a conclusão obtida pela Corte de origem.
8. É possível que a investigação criminal seja perscrutada pautando-se
pelas atividades diuturnas da autoridade policial, verbi gratia, o conhe-
cimento da prática de determinada conduta delitiva a partir de veículo
midiático, no caso, a imprensa. É o que se convencionou a denominar,
em doutrina, de notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea),
terminologia obtida a partir da exegese do art. 5º, inciso I, do CPP, do
qual se extrai que “nos crimes de ação pública o inquérito policial será
iniciado de ofício”.
9. In casu, “uma reportagem jornalística pode ter o condão de provocar
a autoridade encarregada da investigação, a qual, no desempenho das
funções inerentes a seu cargo, tendo notícia de crime de ação penal pú-
blica incondicionada, deve agir inclusive ex officio (a licitude das provas
apresentadas na reportagem não é tema que possa, no escopo exíguo de
cognição do writ, ser aferida com mínima segurança, não sendo ocioso
lembrar o sigilo da fonte, constitucionalmente assegurado)”, sem olvidar
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 131

a “farta documentação que foi acostada pela autoridade policial e pelo


próprio Parquet Federal”.
10. Recurso desprovido.
(STJ; RHC 98.056; Proc. 2018/0108428-7; CE; 6ª T.; Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro; DJE 21/06/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior
e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz.
Sustentou oralmente o Adv. Patrick Berriel, pela parte recorrente: W.F.
Brasília, 4 de junho de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus com pedido liminar in-
terposto por W.F. contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
Consta dos autos que o recorrente está sendo investigado pela suposta
prática do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, cujo inquérito
tramita perante a 11ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará.
Na ação originária, alegou a defesa os seguintes pontos – os quais cons-
tam do acórdão recorrido –, a seguir transcritos (e-STJ, fl. 849):
“i – Investigação penal de contratos de financiamento celebrados com o Ban-
co do Nordeste na cidade de Salvador, onde os respectivos recursos foram
pagos pela instituição financeira. Supostas irregularidades consumadas na
Bahia. Incompetência manifesta da Seção Judiciária do Ceará, onde a investi-
gação atualmente tramita. Inteligência do art. 70 do CPP.
ii – Investigação ilegalmente promovida em primeira instância, versando so-
bre imaginária vinculação entre doações em favor da chapa eleitoral integrada
pelo atual Presidente da República e ato de gestão do Banco do Nordeste
realizado pelo atual Ministro de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Violação à norma do foro por prerrogativa de função.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
132

iii – Arquivamento de investigação idêntica promovido anteriormente pela


Procuradoria-Geral da República, deliberadamente desrespeitado em pri-
meira instância pelo Ministério Público Federal e pela autoridade policial,
que prosseguem a investigar os mesmos fatos, com o beneplácito da douta
autoridade coatora, como se aquele desfecho simplesmente jamais tivesse
ocorrido. Violação ao devido processo legal.
iv – Investigação iniciada apenas com base em matéria jornalística, elabora-
da a partir do acesso a dados bancários sigilosos, vazados clandestinamente
para a Imprensa, mas que depois aportaram aos autos mediante autorização
judicial. Expediente manifestamente ilegal, empregado para tentar legitimar
provas ilícitas. Subversão do devido processo legal.
v – Constrangimento ilegal caracterizado, a ser coarctado pela via heroica.”
No entanto, a Corte de origem denegou a ordem, nos termos da se-
guinte ementa (e-STJ, fls. 855/856):
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE
RECONHECIMENTO DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO PERAN-
TE O QUAL FLUI INQUÉRITO POLICIAL OU, A SER DE OUTRO
MODO, DE QUE SE PRONUNCIE A AUSÊNCIA DE JUSTA CAU-
SA PARA A INVESTIGAÇÃO, A BEM DE SE TRANCÁ-LA. DESCABI-
MENTO DE AMBOS OS PROPÓSITOS. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
1. Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de (...) (empresário que ad-
ministra o Grupo Cervejaria Petrópolis S/A), investigado no Inquérito Po-
licial 0001613-04.2015.4.05.8100 pelo pretenso cometimento do crime de
gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei nº 7.492/86, art. 4º), cuja
tramitação estaria em curso perante a 11ª Vara da Seção Judiciária do Ceará.
2. O modus operandi, a partir do que se alude no momento, estaria consubstan-
ciado na fragilização de garantias contratuais oferecidas pelo Grupo Cerveja-
ria Petrópolis S/A ao Banco do Nordeste do Brasil (substituição de carta de
fiança bancária pela hipoteca de um parque fabril localizado na Bahia), geran-
do vantagem supostamente indevida à empresa tomadora do financiamento
(em razão dela, aliás, alude-se ao fato de ter existido doação de campanha
destinada à chapa vitoriosa na eleição presidencial de 2014).
3. São quatro os pontos em que se funda a impetração:
‘i. Investigação penal de contratos de financiamento celebrados com o Banco
do Nordeste na cidade de Salvador, onde os respectivos recursos foram pagos
pela instituição financeira. Supostas irregularidades consumadas na Bahia.
Incompetência manifesta da Seção Judiciária do Ceará, onde a investigação
atualmente tramita. Inteligência do art. 70 do CPP;
ii. Investigação ilegalmente promovida em primeira instância, versando sobre
imaginária vinculação entre doações em favor da chapa eleitoral integrada
pelo atual Presidente da República e ato de gestão do Banco do Nordeste
realizado pelo atual Ministro de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Violação à norma do foro por prerrogativa de função;
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 133

iii. Arquivamento de investigação idêntica promovido anteriormente pela


Procuradoria-Geral da República, deliberadamente desrespeitado em pri-
meira instância pelo Ministério Público Federal e pela autoridade policial,
que prosseguem a investigar os mesmos fatos, com o beneplácito da douta
autoridade coatora, como se aquele desfecho simplesmente jamais tivesse
ocorrido. Violação ao devido processo legal;
iv. Investigação iniciada apenas com base em matéria jornalística, elaborada a
partir do acesso a dados bancários sigilosos, vazados clandestinamente para a
Imprensa, mas que depois aportaram aos autos mediante autorização judicial.
Expediente manifestamente ilegal, empregado para tentar legitimar provas
ilícitas. Subversão do devido processo legal;
v. Constrangimento ilegal caracterizado, a ser coarctado pela via heroica.
4. A pretensão de reconhecimento de incompetência da autoridade coatora
em prol da competência da Suprema Corte não tem cabimento. A autoridade
cujo foro por prerrogativa de função justificaria tal medida (o ex-presidente
do Conselho de Administração do banco, hoje ministro do Planejamento)
não se noticia investigada, tendo prestado depoimento na inconfundível con-
dição de testemunha.
5. Também não colhe a alegação de ser competente a Seção Judiciária da
Bahia ou mesmo do Distrito Federal. O crime de gestão fraudulenta de ins-
tituição financeira (Lei nº 7.492/86, art. 4º) não se realiza num átimo, porque
o núcleo da norma de incriminação (gerir) pressupõe comportamento reite-
rado no tempo. Neste sentido, o fato de a troca de garantias ter sido ultimada
por deliberação realizada em assembleia fortuitamente realizada em Brasília,
pela hipoteca de um parque fabril localizado na Bahia, em nada interfere(m)
na certeza de a gestão do Banco do Nordeste do Brasil ser empreendida pre-
cipuamente na cidade Fortaleza/CE, onde se localiza sua sede.
6. A justa causa para a investigação demonstra-se presente. Uma reportagem
jornalística pode ter o condão de provocar a autoridade encarregada da in-
vestigação, a qual, no desempenho das funções inerentes a seu cargo, tendo
notícia de crime de ação penal pública incondicionada, deve agir inclusive
ex (a licitude das provas apresentadas na reportagem não é tema que possa,
no escopo exíguo de officio cognição do, ser aferida com mínima segurança,
não sendo ocioso lembrar o sigilo da fonte, writ constitucionalmente assegu-
rado). Com efeito, a busca das informações que faltam, quiçá para infirmar
ou validar os fatos objeto da reportagem, é justamente uma das funções da
investigação. De outro lado, o arquivamento perpetrado no STF, também
utilizado como argumento para o trancamento ora pretendido, teve escopo
limitado à doação eleitoral, não envolvendo outros possíveis crimes, a serem
investigados em outras instâncias, perante juízos diversos.
7. A despeito, então, da aparente fragilidade da apuração inquisitorial (suge-
rida por seu tempo de existência, tendo sido iniciada há quase quatro anos,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
134

sem reunir elementos que permitissem a denúncia de quem quer que fosse
até o presente momento), deve-se, com o que se tem por agora, mantê-la; e
mantê-la com as autoridades dela encarregadas.
8. Ordem denegada.”
Nas razões do presente recurso ordinário, a defesa reafirma as alegações
originárias.
Diante disso, pleiteia, liminarmente, a “imediata paralisação da tra-
mitação do Inquérito Policial 0198/2015 SR/DPF/CE (Processo 0001613-
04.2015.4.05.8100), bem como das medidas cautelares que lhe são correlatas”
(e-STJ, fl. 898).
O pleito liminar é fundado nas seguintes razões (e-STJ, fls. 918/919):
“a) investigação em primeira instância versa sobre fatos objeto de procedimen-
to anteriormente arquivado pela Procuradoria-Geral da República, sem que o
órgão de cúpula do Ministério Público Federal tivesse autorizado a retomada
da apuração, de modo a ocasionar a nulidade da íntegra do inquérito policial
que tem ostensivamente desrespeitado aquela deliberação irretratável;
b) a investigação em primeira instância versa sobre contratos celebrados em
Salvador, na Bahia onde os respectivos recursos foram disponibilizados pelo
BNB, o que afasta a competência da Seção Judiciária do Ceará para o proces-
samento do feito;
c) o inquérito em primeira instância investigou ato de gestão de instituição
financeira realizado com a participação decisória do atual Ministro de Plane-
jamento, Desenvolvimento e Gestão, à época em que ainda gozava de foro
por prerrogativa de função, o que afastava a competência da Seção Judiciária
do Ceará para o processamento do feito;
d) a investigação em primeira instância foi iniciada exclusivamente com base
em matéria jornalística produzida a partir do vazamento clandestino de infor-
mações sigilosas, servindo de instrumento para chancelar esta prática ilícita,
em manifesta subversão do devido processo legal para a implementação da
medida extrema, o que ocasiona a nulidade da íntegra do inquérito policial.”
No mérito, postula o provimento do recurso, nos seguintes termos
(e-STJ, fls. 919/920):
“a) tendo em vista que a investigação em primeira instância apura fatos objeto
de procedimento de investigação anteriormente arquivado pela Procurado-
ria-Geral da República, sem que este órgão de cúpula tivesse provocado o seu
desarquivamento, pugna o ora recorrente pelo conhecimento e provimento
do presente recurso, a fim de que seja integralmente anulado o inquérito
policial em primeira instância, bem como as medidas cautelares que lhe são
correlatas, em respeito ao devido processo legal confirmado pelo Plenário
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 135

do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Inquérito 2.041/DF e do


Inquérito 2.028/BA;
b) subsidiariamente, considerando que os contratos de financiamento das fá-
bricas da Cervejaria Petrópolis de Alagoinhas e Itapissuma foram celebrados
em Salvador, na Bahia, onde os respectivos recursos foram disponibilizados,
da mesma forma que o instrumento de substituição da garantia originária
daquele primeiro contrato, requer-se seja o presente recurso conhecido e
provido. determinando-se a remessa dos autos do inquérito policial e das
medidas cautelares correlatas à Seção Judiciária da Bahia, para fins de livre
distribuição a uma das vara federais ali existentes, em respeito ao art. 70 do
Código de Processo Penal;
c) também subsidiariamente, considerando que o inquérito policial investiga
ato de gestão financeira realizado com a participação do ex-Ministro do Pla-
nejamento, Desenvolvimento e Gestão, à época em que ainda ocupava este
cargo, requer-se conhecido e provido o presente recurso, a fim de que seja
determinada a remessa dos autos do procedimento e das medidas cautelares
correlatas ao Supremo Tribunal Federal, em respeito ao foro por prerrogativa
de função daquela ilustre autoridade, na forma do art. 102, inciso I, alínea c,
da Constituição Federal;
d) alternativamente, dado que a investigação em primeira instância foi ini-
ciada exclusivamente com base em matéria jornalística produzida a partir do
vazamento clandestino de informações sigilosas, servindo de instrumento
para chancelar esta prática ilícita, em manifesta subversão do devido processo
legal para a implementação da medida extrema, requer-se conhecido e pro-
vido o presente recurso, a fim de que seja integralmente anulado o inquérito
policial em primeira instância, bem como as medidas cautelares que lhe são
correlatas, em respeito ao devido processo legal e à garantia inserta no art. 5º,
inciso X, da Constituição Federal, bem como aos princípios da legalidade e
moralidade, consagrados no art. 37, caput, da Lei Maior.”
Liminar indeferida às e-STJ, fls. 1.031/1.036.
Informações prestadas às e-STJ, fls. 1.040/1.327.
Ao se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo improvi-
mento do recurso, em parecer a seguir ementado (e-STJ, fl. 1.330):
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS.
CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA. ART. 4º DA LEI Nº 7.492/86.
TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE.
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ DEVIDAMENTE COMPETENTE.
ATOS DECISÓRIOS QUE AFRONTARAM A LEI OCORRIDOS EM
FORTALEZA/CE. VIOLAÇÃO AO INSTITUTO DA PRERROGATIVA
DE FORO POR FUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. DETENTOR DO FORO
OUVIDO NA CONDIÇÃO DE TESTEMUNHA E NÃO DE INVESTI-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
136

GADO. IDONEIDADE DO INQUÉRITO INSTAURADO APÓS FATOS


VINCULADOS EM MATÉRIA JORNALÍSTICA. AUTORIDADE RES-
PONSÁVEL DEVE AGIR DE OFÍCIO AO SABER DE SUPOSTO CO-
METIMENTO DE ILÍCITO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO DO TRI-
BUNAL A QUO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. PARECER PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO.”
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Como relatado, busca a defesa a reforma do acórdão vergastado ante
a suposta ocorrência de vícios no inquérito policial, eivas essas que teriam o
condão de anulá-lo.
Pois bem. Consoante entendimento jurisprudencial desta Casa, o
trancamento de inquérito policial é medida excepcional, só admitida quando,
de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto
fático ou probatório, constate-se a atipicidade da conduta ou a inexistência
de indicativos mínimos de autoria.
Com efeito, é cediço, no âmbito da jurisprudência dos Tribunais Su-
periores, que “o trancamento de inquérito policial pela via do habeas corpus,
segundo pacífica jurisprudência desta Suprema Corte, constitui medida
excepcional, só admissível quando evidente a falta de justa causa para o seu
prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja
pela não comprovação de sua materialidade, seja ainda pela atipicidade da con-
duta do investigado” (HC 165.781 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda
Turma, j. 22.02.2019, publ. 28.02.2019).
Nesse contexto, a jurisprudência desta Casa não aceita, em regra,
discussões fundadas na ausência de comprovação do elemento subjetivo do
tipo ou na carência de indícios suficientes de autoria do delito, porquanto tais
esclarecimentos demandam, na maior parte das vezes, apreciação detalhada dos
elementos de convicção constantes do processo, providência manifestamente
inconciliável com o rito célere e sumário deste remédio constitucional.
De mais a mais, é assente na jurisprudência desta Corte Superior de
Justiça que “Eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, cuja natureza é
inquisitiva, não contaminam, necessariamente, o processo criminal, onde as provas serão
renovadas” (HC 250.321/SP, Relª Minª Marilza Maynard, Desª Conv. do TJSE,
Quinta Turma, j. 23.04.2013, DJe 02.05.2013, grifei).
Entretanto, feitas essas considerações, passo à apreciação dos pedidos
a fim de verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade apta a nulificar o in-
quérito policial.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 137

Inicialmente, não merece guarida a alegação defensiva de que “a in-


vestigação penal sobre as doações eleitorais realizadas pelo grupo empresarial
presidido pelo ora paciente em 2014, notadamente a que favoreceu a chapa
vencedora do pleito à Presidência e Vice-Presidência da República, restou
arquivada pela Procuradoria-Geral da República (...)” – e-STJ, fl. 890 –,
arquivamento esse que teria implicação direta na investigação que ora se
conspurca, porquanto o Ministério Público Federal continuou “investigan-
do aquele mesmo fato objeto da investigação arquivada anteriormente pela
Procuradoria-Geral da República, à falta de qualquer ato formal para justificar
esta excepcional providência” (e-STJ, fl. 892).Isso porque, como pontuou a
Corte a quo, o arquivamento a que alude a defesa cingiu-se à doação eleitoral,
não abrangendo outros possíveis delitos perpetrados (e-STJ, fl. 890).
Com efeito, como bem consignou o Subprocurador-Geral da República
João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, excerto ao qual adoto como
razões de decidir (e-STJ, fls. 1.340/1.342), in verbis:
“Noutro ponto, quanto ao pleito de anulação do Inquérito Policial 198/2015-4
na primeira instância, por supostamente este apurar fatos que já foram objeto
de procedimento de investigação anteriormente arquivado pela Procuradoria-
Geral da República, razão também não lhe assiste, cabendo destacar aqui a ma-
nifestação da Procuradoria Regional da República da 5ª Região de fls. 825/833:
‘(...) Para que não restem dúvidas sobre a competência, in casu, da SJCE, in-
clusive em prejuízo da competência da SJDF, cumpre dizer que, em função
de representação do Deputado Federal Rubens Bueno foi instaurada a Notícia de Fato
1.00.000.002308/2015-29 perante a Procuradoria-Geral da República, para apurar
a responsabilidade da ex-Presidente Dilma Rousseff, do Presidente do BNB, Nelson de
Souza, e do empresário Walter Faria, ora paciente, pela prática dos mesmos crimes inves-
tigados no IPL tombado perante a PRCE. Nada obstante, analisando os elementos
colacionados à Notícia de Fato, o Procurador-Geral da República, Rodrigo
Janot, determinou o arquivamento daquele procedimento investigativo por
reconhecer, a uma, a inexistência de irregularidades que comprometessem a
ex-Presidente e, a duas, por verificar que os atos de gestão fraudulenta discu-
tidos naquela notícia de fato já eram alvo de investigação pela Procuradoria
da República do Ceará, pelo que declinou para esse último órgão a atribuição
investigativa. Confira-se o que disse o então PGR, litteris: (grifei)
‘Dessa forma, as doações da Cervejaria Petrópolis S/A a então candidata Dil-
ma Roussef, em princípio, constituem operações regulares.
De resto, os fatos noticiados pela Revista Época já estão sendo investigados pelo Minis-
tério Público Federal. Na esfera criminal, apura-se a possível prática do delito de gestão
fraudulenta, no que tange à dispensa da Cervejaria Itaipava da fiança que servia como
garantia ao referido empréstimo. A apuração em curso foi recentemente noticiada pela
Procuradoria da República do Ceará.’ id. 4050000.10385201 (destacamos). (...)’
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
138

Ademais corroborado tal entendimento pelo firmado no v. arresto combatido


de fls. 837/847:
‘(...) Com efeito, a busca das informações que faltam, quiçá para infirmar
ou validar os fatos objeto da reportagem, é justamente uma das funções da
investigação. De outro lado, o arquivamento perpetrado no STF, também utilizado
como argumento para o trancamento ora pretendido, teve escopo limitado à doação elei-
toral, não envolvendo outros possíveis crimes, a serem investigados em outras instâncias,
perante juízos diversos; (...)’
Por conseguinte, pelo consta nos r. autos, em especial o exposto no teor do
Parecer da PRR da 5ª Região e do fundamento do v. arresto, nota-se clara-
mente que o arquivamento se deu somente quanto as condutas voltadas as práticas do
âmbito eleitoral (referente a irregularidade ou não da doação eleitoral), constando de
forma evidente a manifestação de as condutas passíveis de sanções no âmbito criminal já
estavam sendo apuradas pela Procuradoria da Regional da República do Ceará,
portanto não haveria necessidade de interferir no procedimento já em curso.” (Grifos
no original)
Mostra-se temerário, portanto, o acolhimento da tese defensiva, no
particular, máxime por tratar de procedimento investigativo, ainda incipiente,
porquanto inquisitorial.
Passo à análise referente à alegação de incompetência do Juízo Federal da Seção
Judiciária do Estado do Ceará para “processar o feito” (e-STJ, fl. 851).
Trago à colação o que foi consignado pela Corte de origem:
“Gizo, em primeiro lugar, que a pretensão de reconhecimento de incompe-
tência da autoridade coatora em prol da competência da Suprema Corte não
tem cabimento.
A autoridade cujo foro por prerrogativa de função justificaria tal medida (o
ex-presidente do Conselho de Administração do banco, hoje ministro do
Planejamento, Sr. Dyogo Henrique de Oliveira) não se noticia investigada,
tendo prestado depoimento na inconfundível condição de testemunha.
Também não colhe a alegação de ser competente a Seção Judiciária da Bahia
ou mesmo do Distrito Federal. O crime de gestão fraudulenta de instituição
financeira (Lei nº 7.492/86, art. 4º) não se realiza num átimo, porque o nú-
cleo da norma de incriminação (gerir) pressupõe comportamento reiterado
no tempo.
Neste sentido, o fato de a troca de garantias ter sido ultimada por deliberação
realizada em assembleia fortuitamente realizada em Brasília, pela hipoteca de
um parque fabril localizado na Bahia, em nada interfere(m) na certeza de a
gestão do Banco do Nordeste do Brasil ser empreendida precipuamente na
cidade Fortaleza/CE, onde se localiza sua sede.”
Pois bem. Diz o art. 4º da Lei nº 7.492/86:
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 139

“Gerir fraudulentamente instituição financeira:


Pena – Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.”
A fraude, para a caracterização do crime de gestão fraudulenta, ante a
intelecção do indigitado preceito de regência, “compreende a ação realizada
de má-fé, com intuito de enganar, iludir, produzindo resultado não ampa-
rado pelo ordenamento jurídico através de expedientes ardilosos”. A gestão
fraudulenta, portanto, “se configura pela ação do agente de praticar atos de dire-
ção, administração ou gerência, mediante o emprego de ardis e artifícios, com o
intuito de obter vantagem indevida” (HC 95.515/RJ, Relª Minª Ellen Gracie,
Primeira Turma, DJe 30.09.08, grifei).
O art. 70 do Código de Processo Penal, por sua vez, dispõe que a com-
petência para julgamento das infrações penais é determinada, em regra, pelo
lugar em que se consumou o delito:
“A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar
a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último
ato de execução.”
Com efeito, na linha do que já decidiu esta Corte Superior, “os delitos
dos arts. 4º, 6º e 10 da Lei nº 7.492/86 são formais, ou seja, não exigem re-
sultados decorrentes das condutas, e consumam-se com a prática dos atos de gestão
(art. 4º) (...)” (CC 91.162/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção,
j. 12.08.09, DJe 02.09.09, grifei).
Nesse sentido:
“PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA O SIS-
TEMA FINANCEIRO NACIONAL. GARANTIA DA SOLVÊNCIA DA
INSTITUIÇÃO E CREDIBILIDADE DOS AGENTES DO SISTEMA.
CRIMES DOS ARTS. 4º, 6º E 10 DA LEI Nº 7.492/86. APLICAÇÃO DO
ART. 70 DO CPP. LOCAL ONDE ARTICULADAS AS OPERAÇÕES
FRAUDULENTAS NAS BOLSAS DE VALORES. COMPETÊNCIA DO
JUÍZO FEDERAL PAULISTA.
1. A Lei nº 7.492/86 busca a preservação das instituições públicas e privadas
que compõem o sistema financeiro, de modo a viabilizar a transparência, a
licitude, a boa-fé, a segurança e a veracidade, que devem reger as relações
entre estas e aplicadores, poupadores, investidores, segurados e consorciados.
2. Os delitos dos arts. 4º, 6º e 10 da Lei nº 7.492/86 são formais, ou seja, não exigem
resultados decorrentes das condutas, e consumam-se com a prática dos atos de gestão (art.
4º), no momento em que se presta a falsa informação ou a oculta (art. 6º) e
quando é formalizado o demonstrativo contábil falso (art. 10).
3. Os eventuais crimes previstos nos arts. 4º, 6º e 10 da Lei nº 7.492/86 con-
sumam-se onde articuladas as possíveis operações fraudulentas praticadas nas
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
140

Bolsas de Valores, independentemente do local onde as transações são reali-


zadas, consoante o art. 70 do CPP.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 6ª Vara
Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e
Lavagem de Valores da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, o suscitante.”
(CC 91.162/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, j. 12.08.09,
DJe 02.09.09, grifei)
“CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO. GESTÃO FRAUDULENTA E DISTRIBUI-
ÇÃO DISFARÇADA DE LUCROS. BANCO ECONÔMICO S/A. LO-
CAL DA CONSUMAÇÃO. ART. 70/CPP. COMPETÊNCIA DA JUSTI-
ÇA FEDERAL DO ESTADO DA BAHIA.
Se os autos revelam que a consumação do delito se deu, em princípio no
Estado da Bahia, onde foi iniciada e concluída a operação, local em se en-
contravam os documentos a ela relativos, bem como onde se localizava a sede do
referido Banco e onde foi desenvolvida a investigação policial, sobressai a competência da
Justiça Federal local.
O simples fato de grande parte dos atos da operação de empréstimo ter sido
realizada na cidade do Rio de Janeiro, não é hábil, por si só, para a determi-
nação da competência daquela Justiça Federal, em razão do disposto no art.
70 do CPP.
Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara
Criminal da Seção Judiciária do Estado da Bahia, o suscitado.” (CC 30.986/
RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, Terceira Seção, j. 28.03.01, DJ 23.04.01, grifei)
Portanto, não obstante “o fato de a troca de garantias ter sido ultimada
por deliberação realizada em assembleia fortuitamente realizada em Brasília,
pela hipoteca de um parque fabril localizado na Bahia”, ou seja, os locais onde
as tratativas iniciais teriam sido traçadas, verifica-se que os atos decisórios, ou seja,
as concessões dos créditos – “atos decisórios de seu deferimento” (e-STJ, fl. 851,
grifei) – teriam sido realizadas em Fortaleza/CE. É dizer, “embora os atos negociais
referentes à solicitação dos empréstimos objeto dos autos tenham se iniciado
em Salvador (BA), o ato que decidiu pelas respectivas concessões veio a ser
praticado na cidade de Fortaleza (CE)” – e-STJ, fl. 828 –, não havendo falar,
portanto, em competência do Juízo Federal da Bahia ou do Distrito Federal.
Dessarte, razão não assiste à defesa.
Passo à análise atinente à suposta ofensa à norma que versa sobre a prerro-
gativa de foro.
Pois bem. Sustenta a defesa que, “se a competência deve ser fixada de
acordo com a prática de atos decisórios que, como asseverou o Tribunal local
na decisão ora impugnada, ocorreram em Fortaleza e em Brasília, daí deflui,
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 141

como consequência lógica e necessária, que os responsáveis pela prática destes


mesmos atos decisórios estão sob investigação, dentre os quais o então Ministro
de Planejamento, que presidiu a reunião do Conselho de Administração do BNB por meio
da Desenvolvimento e Gestão qual se decidiu pela aprovação da operação de substituição
de garantia tida como suspeita em primeira instância (ID 4050000.10385236). (...)
Se o Conselho de Administração decidiu, o seu presidente, por elementar
raciocínio lógico, teve ato de gestão e por isso não é mera testemunha, mas
investigado” (e-STJ, fl. 909, grifei).
É cediço que o foro por prerrogativa de função foi instituído pelo
constituinte originário a ocupantes de determinados cargos em razão de sua
relevância e para proteção da consecução de suas finalidades intrínsecas no
âmbito da organização estatal.
Desse modo, verificada a existência de conexão ratione personae, deverá
ser observada a competência privilegiada para todos os atos investigatórios
e instrutórios, sem que tal desiderato importe ofensa aos princípios do juiz
natural e do devido processo legal, a teor do que determina o Verbete nº 704
da Súmula do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo
legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.”
No entanto, na hipótese vertente, consignou-se que o então Ministro
do Planejamento (e ex-Presidente do Conselho de Administração do Banco
do Nordeste) – o qual alude a defesa que estaria sob investigação –, figurou,
deveras, como testemunha, para que ele pudesse relatar o que eventualmente
se lembrava acerca do estava sendo apurado, e não como possível investiga-
do. Tal conclusão, portanto, não possui o condão de autorizar a remessa dos
autos ao Supremo Tribunal Federal. Eis o excerto do acórdão vergastado que
justifica tal assertiva (e-STJ, fl. 843):
“Gizo, em primeiro lugar, que a pretensão de reconhecimento de incompe-
tência da autoridade coatora em prol da competência da Suprema Corte não
tem cabimento.
A autoridade cujo foro por prerrogativa de função justificaria tal medida (o ex-presidente
do Conselho de Administração do banco, hoje ministro do Planejamento, Sr. Dyogo
Henrique de Oliveira) não se noticia investigada, tendo prestado depoimento na incon-
fundível condição de testemunha.” (grifei)
Perfilhando da mesma conclusão foi o parecer ministerial, o qual foi
ofertado em segundo grau de jurisdição (e-STJ, fl. 830):
“Carece de plausibilidade, ademais, o pleito que visa a remessa dos autos ao
Supremo Tribunal Federal tendo em vista a existência de suposto privilégio
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
142

de foro do Presidente do Conselho de Administração do Banco do Nordes-


te, posto que, como cediço, o privilégio apenas se aplica aos casos em que o
investigado detém a prerrogativa de função, não quando quem detém essa
prerrogativa é mera testemunha.
No caso reportado nos presentes autos, Dyogo Henrique de Oliveira, presidente
daquele Conselho e Ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, não integra
o rol de investigados no IPL 198/2015. Em verdade, ele apenas foi instado a depor na
condição de testemunha, tal como claramente expôs a autoridade policial que
proferiu despacho determinando a expedição de carta precatória justamente
com o fim de ouvi-lo naquela condição.
Confira-se, verbis:
‘DESPACHO
1. Expeça-se carta precatória para a SR/PF/DF, fazendo breve resumo dos
fatos narrados no presente inquérito policial, e juntando-se cópia das princi-
pais peças dos autos, solicitando as inquirições, em termos de depoimento,
das seguintes autoridades, destacando-se que estes não estão sendo inquiri-
dos na condição de investigados, mas de testemunhas dos fatos narrados na
investigação:
1.1. Dyogo Henrique de Oliveira – Ministro do Planejamento, Desenvolvi-
mento e Gestão
Endereço: Esplanada dos Ministérios – Bloco K, 6º andar, Gabinete. Brasília-
DF – CEP: 70.040-906. Tel: 55 (61) 2020-4300/4301 – FAX: 55 (61) 2020-
7745.’ id. 4050000.10385216 (destacamos)
Assim é que, uma vez que o Ministro do Planejamento não figura como investigado do
IPL nº 198/2015 é desarrazoada a alegação do impetrante, pelo que a ordem deve ser
denegada também quanto a esse ponto.” (grifei)
Ademais, perquirir eventual participação do então detentor do foro por
prerrogativa de função, no âmbito do habeas corpus, é expediente não admitido,
ante as peculiaridades do caso vertente, porquanto a via eleita, ante seu angusto
espectro cognitivo, não permite tal aferição para infirmar a conclusão obtida
pela Corte de origem. Nesse sentido:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INCOM-
PETÊNCIA DO TRF. MATÉRIA NÃO LEVANTADA NA DEFESA PRE-
LIMINAR APRESENTADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SÚMULA
Nº 704 DO STF. CONEXÃO. DISCUSSÃO. INVIABILIDADE.
I – A alegação de incompetência do eg. Tribunal Regional Federal da Primeira
Região para processar e julgar o paciente, nos moldes em que formulada no
presente writ, não foi levantada perante a eg. Corte de origem por ocasião do
oferecimento de defesa preliminar, o que caracteriza indevida supressão de
instância.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 143

II – De acordo com a Súmula nº 704 do STF: ‘Não viola as garantias do juiz


natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência
ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um
dos denunciados’.
III – Inviável desconstituir em habeas corpus a conexão entre os fatos narrados
na denúncia, eis que para tanto seria necessário amplo revolvimento de ma-
terial fático-probatório, procedimento vedado na via eleita.
Ordem não conhecida.” (HC 295.592/DF, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta
Turma, j. 06.08.2015, DJe 25.08.2015)
Passo, por fim, à análise do pleito referente à impossibilidade de deflagração
da investigação com base em matéria jornalística, porquanto esta teria sido obtida a
partir de vazamento ilegal de informações. Sustenta a defesa que “o inquérito
policial foi instaurado com base em matéria jornalística elaborada com apenas
dados obtidos a partir do vazamento clandestino de informações sigilosas,
servindo de instrumento para chancelar esta prática ilícita, em manifesta
subversão do devido processo legal” (e-STJ, fl. 916).
Com efeito, para a configuração de justa causa, seguindo o escólio de
Afrânio Silva Jardim, “torna-se necessário (...) a demonstração, prima facie,
de que a acusação não [seja] temerária ou leviana, por isso que lastreada em
um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os
indícios da autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova
de que sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este con-
junto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade
da ação penal pública” (JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 97).
Diante desse cenário, concluiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região
que “a justa causa para a investigação, por outro lado, demonstra-se presente.
Uma reportagem jornalística pode ter o condão de provocar a autoridade
encarregada da investigação, a qual, no desempenho das funções inerentes
a seu cargo, tendo notícia de crime de ação penal pública incondicionada,
deve agir inclusive ex officio (a licitude das provas apresentadas na reportagem
não é tema que possa, no escopo exíguo de cognição do writ, ser aferida com
mínima segurança, não sendo ocioso lembrar o sigilo da fonte, constitucio-
nalmente assegurado). Com efeito, a busca das informações que faltam, quiçá
para infirmar ou validar os fatos objeto da reportagem, é justamente uma das
funções da investigação” (e-STJ, fl. 851).
Consigne-se, inicialmente, que é possível que a investigação criminal
seja perscrutada pautando-se pelas atividades diuturnas da autoridade poli-
cial, verbi gratia, o conhecimento da prática de determinada conduta delitiva
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
144

a partir de veículo midiático, no caso, a imprensa, como de fato ocorreu na


hipótese vertente.
É o que se convencionou a denominar, em doutrina, de notitia criminis
de cognição imediata (ou espontânea) (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo
penal. Volume único. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 132), terminologia
obtida a partir da exegese do art. 5º, inciso I, do CPP, do qual se extrai que
“nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício”.
Há previsão, de jaez equivalente, no art. 3º da Resolução nº 181, de
2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, in verbis:
“Art. 3º O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de
ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições
criminais, ao tomar conhecimento de infração penal de iniciativa pública, por
qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação. (Redação dada
pela Resolução nº 183, de 24 de janeiro de 2018)”
Ademais, como bem elucidou a Procuradoria Regional da República,
“ainda que assim não o fosse, e tal como bem fundamentou o Juízo impetrado,
além disso, o procedimento investigativo não tomou por base meras ilações,
nele existindo farta documentação que foi acostada pela autoridade policial e
pelo próprio Parquet Federal, tais como: (1) ofício do Banco do Nordeste por
meio do qual se encaminharam informações sobre os procedimentos adotados
para troca de garantias contratuais; (2) cópia de notícia de fato instaurada na
Procuradoria da República do Distrito Federal para apuração dos mesmos fatos,
em cujo âmbito houvera a declinação de competência em favor da PRCE; (3)
cópia do Processo TC-001.976/2015-0, conduzido pelo Tribunal de Contas da
União para apurar possíveis irregularidades no empréstimo referente à fábrica
baiana; e (4) relatório de auditoria realizada pela CGU” (e-STJ, fl. 832). Não
há falar, portanto, em nulidade, no particular.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus.
É como voto.
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator
Jurisprudência

Tribunal Regional Federal da 1ª Região


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001819-66.2016.4.01.3000 ACRE
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES

Crime Ambiental. Desmatamento. Art. 50-A da Lei nº


9.605/98. Materialidade e Autoria Demonstradas.
Estado de Necessidade e Inexigibilidade de Conduta
Diversa Não Comprovados. Sentença Mantida
1. Os réus apelam da sentença que os condenou pela prática dos deli-
tos previstos no art. 50-A da Lei nº 9.605/98 à pena de 1 (um) ano de
reclusão e 10 (dez) dias-multa, substituída por uma pena restritiva de
direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade.
2. Os réus, entre 04.10.2010 e 08.07.2013, causaram dano direto,
desmatando e provocando incêndio sem autorização do órgão compe-
tente numa área de 47,9 ha (quarenta e sete hectares e noventa ares),
localizada no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Nova
Esperança, criada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA).
3. A materialidade e autoria do delito ficaram comprovadas nos autos
pelo laudo pericial, auto de infração e relatório de fiscalização, bem
como pelo interrogatório dos réus, tanto no inquérito policial, quanto
em juízo.
4. Não ficou configurada a excludente do estado de necessidade, ou seja,
os réus não demonstraram que desmataram a área em questão apenas
o necessário para a sua subsistência e porque não havia outra forma de
prover seu sustento e de sua família.
5. Não se pode falar em inexigibilidade de conduta diversa como
causa supralegal de exclusão de culpabilidade. Os réus são imputáveis
e, assim, possuíam compreensão do caráter ilícito de seu comporta-
mento. Ademais, não há qualquer outra circunstância fática nos autos
que evidencie a situação de “perigo atual” que justificasse a prática da
infração penal em questão.
6. Na fixação da dosimetria das penas, o magistrado fixou a pena-base
no mínimo legal – 1 (um) ano de reclusão –, em razão de serem favorá-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
146

veis as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, a qual restou definitiva


neste montante. Houve a substituição da pena privativa de liberdade
por uma pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços
à comunidade.
7. Apelação desprovida.
(TRF 1ª R.; ACR 0001819-66.2016.4.01.3000; AC; 4ª T.; Rel. Des. Fed.
Néviton Guedes; DJF1 03/05/2019)

ACÓRDÃO
Decide a Quarta Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, negar
provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 22 de abril de 2019.
Desembargador Federal Néviton Guedes – Relator

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela Defensoria Pública da União em
favor de Elias de Souza Lima e Hellem da Rocha de Souza (fls. 165/168) contra
sentença, de fls. 152/160, que os condenou pela prática do delito previstos
no art. 50-A da Lei nº 9.605/98, à pena de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez)
dias-multa, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente na
prestação de serviços à comunidade.
Narra a denúncia que:
“Entre os anos de 2010 e 2012, os denunciados Hellen da Rocha de Souza e Elias
de Souza Lima desmataram, mediante uso de motosserra e de queimadas, área
total de 26,1 ha (vinte e seis hectares e um décimo) de floresta e vegetação
primária em área de domínio público, localizada no Projeto de Desenvolvi-
mento Sustentável (PDS) Nova Esperança, criado pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), sem autorização do órgão com-
petente.
(...)
Foi realizada perícia in loco nas coordenadas referenciadas no auto de infra-
ção emitido pelo Ibama, resultando no Laudo de Perícia Criminal Federal nº
234/2014-SETEC/SR/DPF/AC (fls. 68/79), o qual constatou que, ao todo,
foram desmatados 47,9 ha no lote ocupado pelos denunciados. Cumpre ano-
tar que a área total do lote, conforme as declarações dos denunciados (fls. 94
e 96), é de 50 ha.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 147

(...)
Desse modo, Hellen da Rocha de Souza e Elias de Souza Lima incidiram no
delito tipificado no art. 50-A da Lei nº 9.605/98, combinado com as causas de
aumento de pena previstas no art. 53, incisos I e II, c, da Lei nº 9.605/98.”
Os apelantes asseveraram, em síntese, que:
“Não se pretende discutir o tipo penal, o que se questiona é que a conduta
praticada pelos acusados, visto que a mesma fora motivada pela necessidade
de subsistência pessoal e de sua família.
O juízo a quo, ao proferir a sentença, afastou a existência do estado de neces-
sidade baseando-se na declaração do réu Elias de que 30 ha (trinta hectares)
de terra seriam suficientes para a sua subsistência e de sua família. Cumpre
esclarecer que a declaração foi citada, na decisão, de forma descontextualiza-
da, pois nem toda a área desmatada é produtiva.
Ademais o réu afirmou que a área de 30 ha seria suficiente levando em con-
sideração apenas a criação bovina e o arrendamento de terra, nesse sentido
é importante lembrar que, no presente caso, o arrendamento é vedado pelo
ordenamento jurídico e a condição financeira da família não deixa dúvidas da
impossibilidade de os réus adquirirem 100 cabeças de gado para extrair renda
deles, restando apenas a agricultura.
Além disso, cabe acrescentar que o escoamento da produção na região estava
impossibilitado, uma vez que as vias de acesso eram intrafegáveis. Nesse sen-
tido, o réu Elias, em sede de interrogatório, também afirma que, ao contrário
do disposto na denúncia e na sentença, dos 50 ha de sua propriedade, 6 ha não
foram desmatados, além de que grande parte das árvores derrubadas estavam
secas e mortas há muito tempo, de forma que não houve efetiva lesividade
na extração destas.
Nesse contexto, as imagens de satélite presentes no processo são capazes ape-
nas de demonstrar que antes haviam árvores em determinado espaço e depois
estas foram retiradas, mas não consegue expor em que estado encontravam-
se as espécimes desmatadas.
Pelo exposto, mostra-se inviável afastar a existência de estado de necessidade
apenas pelos fundamentos presentes na sentença condenatória.
É cediço que a diminuição no quanto foi desmatado não é capaz, por si só,
de causar a diminuição da pena dos acusados, porém a assunção das falsas
premissas elencadas impossibilitou o douto julgador de primeiro grau de re-
conhecer a excludente de ilicitude pleiteada.
Assim, houve clara falha na apuração da situação fática objeto dos autos, de maneira que
resta claro que o caso em apreço se amolda perfeitamente ao previsto na dicção legal sobre
o estado de necessidade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
148

Com efeito, no caso, é inevitável o reconhecimento da excludente de ilicitude em comento,


mais ainda pelo fato do legislador não ter previsto nenhum critério objetivo para apurar o
quanto seria razoável admitir desmatar para a subsistência dos ocupantes da terra.
(...)”

Ante o exposto requer a reforma da sentença para reconhecer o estado


de necessidade e, subsidiariamente, para aplicar, para ambos os réus, as atenu-
antes de baixo grau de escolaridade, prevista no art. 14, I, da Lei nº 9.605/98 e
da confissão espontânea, para fixar a pena abaixo do mínimo legal.
As contrarrazões foram apresentadas às fls. 178/183.
O Ministério Público Federal, no parecer de fls. 186/191, opinou pelo
não provimento do recurso.
É o relatório.

VOTO
Trata-se de apelação interposta pela Defensoria Pública da União em
favor de Elias de Souza Lima e Hellem da Rocha de Souza (fls. 165/168) contra
sentença, de fls. 152/160, que os condenou pela prática do delito previstos
no art. 50-A da Lei nº 9.605/98, à pena de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez)
dias-multa, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente na
prestação de serviços à comunidade.
Presentes os pressupostos de recorribilidade, conheço da apelação
criminal.
Os acusados foram condenados pela prática do crime previsto no art.
50-A da Lei nº 9.605/98, que dispõe:
“Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, planta-
da ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do
órgão competente: (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.”

Consta nos autos que os réus, entre 04.10.2010 e 08.07.2013, causaram


dano, desmatando e provocando incêndio sem autorização do órgão compe-
tente numa área de 47,9 ha (quarenta e sete hectares e noventa ares), localizada
no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Nova Esperança, criada
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), (fl. 155).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 149

Materialidade e Autoria
Materialidade e autoria comprovada pelo laudo pericial de fls. 68-79,
Auto de Infração 631.053 e relatório de fiscalização de fls. 10/18, bem como
pelo interrogatório dos réus, tanto no inquérito policial, quanto em juízo.
Portanto, não há que se falar na ausência ou insuficiência de provas a
embasar um decreto condenatório.

Estado de Necessidade
Em seu apelo, os réus alegam que suas condutas não constituem crime
porque desmataram a área para agricultura, com finalidade de subsistência de
sua família, devendo ser aplicada a causa de não punibilidade descrita no art.
50-A, § 1º, da Lei nº 9.605/98.
Nos termos descritos no art. 24 do Código Penal, “Considera-se em
estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio
ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.
O juízo a quo, ao proferir a sentença apelada, entendeu que não está
comprovado que o réu agiu em estado de necessidade para afastar o decreto
condenatório, haja vista que o réu disse que seria suficiente trinta hectares para
ele sobreviver, enquanto que há aproximadamente 48 hectares desmatados,
situação diferente de outras ações penais, nas quais reconheceu a inexigibili-
dade de conduta diversa de colonos que desmatam áreas pequenas para plantio
destinado a prover a subsistência da família. Vejamos:
“Logo, há prova de que ambos os réus estavam na terra desde o ano de 2010,
bem como que foi identificado o desmate pelo laudo pericial nos seguintes
anos: entre 04.10.2010 e 01.06.2011 desmatamento de 4,1 ha; entre 01.06.2011
e 11.09.2012, desmatamento de 9,0 ha; entre 11.09.2012 e 08.07.2013, des-
matamento de 17,4 ha, sendo que o total da área desmatada é de 47,9 ha, ou
seja, quase sua totalidade, como destacou o réu Elias em seu interrogatório.
Nesse sentido, tanto a ré Hellem quanto Elias assumiram que desmataram
a área, com foice e motosserra, por ambos os réus, assim como tem prova
pericial nos autos.
Contudo, embora os réus tenham afumado desconhecer que era crime a prá-
tica do desmate de toda a área, para arrendar a terra para criação de gado, tal
versão é isolada nos autos e oposta a toda a documentação amealhada aos
autos.
Vê-se que o réu Elias disse trabalhar no campo, desde oito anos de idade, de
sorte que, acostumado com a relação com a natureza, jovem, bem como, pela
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
150

maneira que expôs sua história, conhecendo que castanheira é espécie em


extinção, bem como que se deve respeitar nascentes, não permite ser crivei a
tese do desconhecimento da ilicitude da conduta, seja evitável ou inevitável.
O mesmo pode ser dito em relação a ré Hellen, cuja mãe, inclusive, é pro-
fessora, de maneira que a postura da ré, com desenvoltura para se expressar,
demonstra que possuía intelecção suficiente para entender o caráter ilícito de
sua conduta.
Pelo interrogatório dos réus, aliado a documentação (laudo pericial – fl. 79 –
e documento de ocupante do imóvel, com data de ocupação em 07.04.2010
– fl. 113), observa-se que, quando a terra foi ocupada pelos réus, já estava
desmatada, sendo que os réus foram responsáveis pelo posterior desmate
em maior proporção. Logo, como pontuado pelo Ministério Público Fede-
ral, não há como admitir a tese defensiva de estado de necessidade, quando,
em verdade, os réus acabaram por continuar o desmatamento já precedente,
acarretando no desmate de quase a totalidade da fazenda, arrendando-a para
criação de gado, o que não caracteriza a subsistência imediata. De qualquer
forma, inclusive, o réu possui uma saveiro e uma moto, de sorte que, embora
em condições econômicas humildes, não há como admitir que a utilização
de toda a área para arrendamento de gado, seja na medida estrita de sua so-
brevivência. O próprio réu disse que seria suficiente trinta hectares para ele sobreviver,
enquanto que há aproximadamente 48 hectares desmatados.
Em razão disso, também entendo inaplicável o princípio da insignificância,
considerando que os réus foram responsáveis pelo término do desmate de
quase a totalidade do imóvel, já que, durante o tempo da ocupação, desma-
taram cerca de 26,1 ha, enquanto a outra parte já tinha sido desmatada por
possuidores antecessores, o que demonstra a ofensividade da conduta ou
inexpressiva lesão jurídica provocada, considerando os impactos ambientais
negativos resultantes do crime, conforme o laudo pericial de fls. 76-77. Não
se pode desconsiderar também a utilização das queimadas, assumida pelo réu.
Tendo por norte as condições pessoais dos réus, relatadas, bem como do pró-
prio fato delituoso, também afasto a tese de desnecessidade da pena, sem des-
prezar, conduto sua ponderação quando da dosimetria da pena.” (fls. 155/156)
Nesse mesmo sentido, o Ministério Público Federal, em parecer, disse
que “ademais, o ônus de provar pretenso estado de necessidade não foi de-
sincumbido nessa ação. Razão que impossibilita seu reconhecimento, pois a
sentença baseia-se em meras ilações de que os réus encontravam-se amparados
pela referida causa excludente de ilicitude, quando há provas nos autos que
não praticou agricultura de subsistência e sim desmate para pasto de gado,
conforme dito alhures” (fl. 189).
Diante do acima exposto, deve ser mantida a sentença condenatória,
eis que não ficou configurada a excludente do estado de necessidade, ou seja,
de que os réus desmataram a área em questão apenas o necessário para a sua
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 151

subsistência e porque não havia outra forma de prover seu sustento e de sua
família.
Nessa esteira, manifesta-se o Superior Tribunal de Justiça e esta Corte:
“(...) 2. Inaplicável o princípio da insignificância in casu, uma vez que a quanti-
dade do pescado apreendido (25 kg de peixes de espécies variadas), bem como
o fato de a atividade ter sido praticada em período de defeso e com petrechos
proibidos para pesca, demonstra tanto a lesividade ao bem jurídico tutelado
quanto o elevado grau de reprovabilidade do comportamento delitivo.
3. O estado de necessidade não está caracterizado se não esteve presente, em
nenhum momento, o perigo atual e iminente para o réu, condição essencial
ao reconhecimento da excludente de ilicitude, nos termos do art. 24 do Có-
digo Penal. A mera alegação de dificuldade financeira não justifica a prática
delitiva. (...)” (STJ, AgRg no REsp 1.591.408/PR, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, j. 24.05.2016, DJe 17.06.2016)
“(...) 4. Não há falar em inexigibilidade de conduta diversa como causa suprale-
gal de exclusão da culpabilidade quando o acusado não comprova nos autos que
não poderia agir de modo diferente. O ônus de provar inexigibilidade de condu-
ta diversa é da defesa, nos termos do art. 156 do CPP, o que não foi feito, in casu.
5. Não cabe, na espécie, a aplicação dos princípios do favor rei e in dubio pro
reo. Dolo específico caracterizado pela intenção de obter vantagem ilícita.
Materialidade e autoria do delito de estelionato comprovadas pelos docu-
mentos acostados aos autos.
6. Aplicada na sentença a hipótese do § 1º do art. 171 do Código Penal. Re-
dução da pena de multa.
7. Apelação a que se dá parcial provimento.” (ACR 0002560-34.2011.4.01.3307/
BA, Rel. Des. Fed. Ney Bello, Rel. Conv. Juiz Fed. Marcio Sá Araújo, Tercei-
ra Turma, e-DJF1 17.02.2017)

Dosimetria
Na fixação da dosimetria das penas, o magistrado fixou a pena-base no
mínimo legal, em 1 (um) ano de reclusão, em razão de serem favoráveis as cir-
cunstancias judiciais do art. 59 do CP, a qual restou definitiva neste montante.
Houve a sua substituição por uma pena restritiva de direitos, consistente na
prestação de serviços à comunidade.
Não merece, assim, ser reformada a sentença apelada.
Diante do exposto, nego provimento à apelação criminal.
É o voto.
Desembargador Federal Néviton Guedes – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
152

VOTO-REVISOR
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Olindo Menezes (Revisor): Os
autos do processo foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia
para julgamento.
Elias de Souza Lima e Hellem da Rocha de Souza apelam de sentença
da 2ª Vara Federal/AC (fls. 152-160), que os condenou, individualmente, a
1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pela prática do delito previsto
no art. 50-A da Lei nº 9.605/98.
Argui, preliminarmente, a excludente do estado de necessidade, por
terem desmatado a área para agricultura, com intuito de viabilizar a sobre-
vivência familiar. Subsidiariamente, pugna pela aplicação das atenuantes de
baixo grau de escolaridade e da confissão espontânea, fixando a pena abaixo
do mínimo legal.
As razões recursais, compreensíveis e naturais na dialética processual pe-
nal, na tentativa de reverter a condenação, não têm, com a devida vênia, aptidão
para desautorizar os fundamentos da sentença, que, passo a passo, de forma
persuasiva, louvou-se nos elementos informativos dos autos, documentais e
orais, dando pela procedência da ação penal. Ademais, tal versão de estado de
necessidade encontra-se isolada nos autos, não tendo sido suficientemente
demonstrada pela defesa.
Os mesmos fatos, como é natural no mundo do Direito, nem sempre
se submetem às mesmas leituras e/ou consequências jurídicas, mas, na reali-
dade, o decreto condenatório, com arrimo no conjunto da prova, produzida
sob as luzes do contraditório e da ampla defesa, e na linha dos precedentes,
demonstra com suficiência a autoria e a materialidade da imputação da de-
núncia, não devendo ser alterado.
A apenação, devidamente individualizada (art. 5º, XLVI, da CF) foi es-
tabelecida com razoabilidade, dentro das circunstâncias objetivas e subjetivas
do processo, no mínimo legal para ambos, o suficiente para a reprovação e
prevenção do crime (art. 59 do Código Penal), obedecida a legislação.
Incabível reconhecer a incidência das atenuantes pleiteadas pela defesa,
vez que a pena já foi estabelecida no mínimo legal, conforme Súmula nº 231
do STJ.
Nesse contexto, nego provimento à apelação, confirmando o decreto con-
denatório na sua plenitude, pelos seus próprios fundamentos.
É o voto.
Jurisprudência

Tribunal de Justiça do Amapá


APELAÇÃO Nº 0004442-52.2017.8.03.0002
RELATOR: DESEMBARGADOR CARMO ANTÔNIO

Crime de Trânsito. Embriaguez ao Volante. Condução


de Veículo. Ausência de Comprovação

1. É atípica a conduta do acusado que, apesar da comprovação do estado


de embriaguez, não pratica a elementar “conduzir veículo automotor”
inscrita no art. 306 da Lei nº 9.503/97. 2. Recurso provido.
(TJAP; APL 0004442-52.2017.8.03.0002; C.Un.; Rel. Des. ���������
Carmo An-
tônio; DJEAP 28/06/2019; p. 40)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, a Câmara Única do
egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, à unanimidade, conheceu
do recurso e, pelo mesmo quórum, deu-lhe provimento, tudo nos termos do
voto proferido pelo Relator.
Tomaram parte no referido julgamento os Excelentíssimos Senhores:
Desembargador Carmo Antônio (Relator), Desembargador Agostino Silvério
(1º Vogal) e a Desembargadora Sueli Pini (Presidente e 2ª Vogal).
Macapá (AP), 18 de junho de 2019.

RELATÓRIO
Marlúcio Viegas da Silva, por seu advogado, interpôs apelação contra a
sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de
Santana, nos autos da presente ação penal.
Segundo a denúncia, no dia 19 de fevereiro de 2017, por volta de
18h30min, o apelante foi flagrado conduzindo veículo automotor com a
capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool.
Na sentença, a Juíza a quo condenou o recorrente à pena de 7 (sete)
meses e 26 (vinte e seis) dias de detenção, em regime semiaberto em razão
da reincidência, bem como ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, pela
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
154

prática do crime previsto no art. 306, caput, da Lei nº 9.503/97 (CTB). Deter-
minou, ainda, a suspensão do direito de dirigir veículo automotor pelo prazo
de 3 (três) meses. A pena privativa não foi substituída por restritiva de direito
em razão da ausência dos requisitos autorizadores (mov. 44).
Em suas razões, o recorrente afirmou que não há elementos proba-
tórios suficientes para condená-lo. Alegou que, apesar de embriagado, não
conduzia o veículo, apenas dormia em seu interior. Apontou que o policial
que efetuou a abordagem não afirmou que ele estava conduzindo o veículo.
Esclareceu que a chave do automóvel estava com terceiro, que saiu para ad-
quirir combustível. Ao final, requereu a absolvição por ausência de provas da
autoria delitiva (mov. 166).
Em contrarrazões, o MP relatou que as provas não estão plenamente
aptas a fundamentar o decreto condenatório. Informou que, não obstante a
comprovação do estado alcoólico do apelante, não há comprovação de que
ele dirigia o veículo. Assim, requereu a reforma da sentença a fim de absolver
o recorrente (mov. 103).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento do recurso e, no
mérito, pelo provimento do apelo. Considerou que as provas indicam que
o acusado não conduzia o veículo no dia dos fatos. Recomendou, por fim, o
provimento do apelo (mov. 84).

VOTOS

ADMISSIBILIDADE
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Carmo Antônio (Relator)
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Agostino Silvério (1º Vogal)
Também conheço.
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Sueli Pini (2º Vogal)
Conheço.

MÉRITO
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Carmo Antônio (Relator)
No presente caso, constam nos autos provas suficientes para demonstrar
a alteração da capacidade psicomotora do apelante para a condução de veículo
automotor, decorrente do consumo de bebida alcoólica.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 155

Contudo, não há elementos que indiquem que o recorrente estava, de


fato, conduzindo o automóvel. Confiram-se os depoimentos do Sub Ten PM
Josué de Souza Gomes e do Sgt PM José Maria da Silva e Silva:
“Em seu depoimento, a testemunha Sub Ten/PM Josué de Souza Gomes re-
latou: que, estava de serviço nesse dia, sendo que estava trabalhando em uma
operação pelas vias da Área Portuária; que, o réu estava tentando conduzir
um veículo de cor vermelha e foi observado que ele estava com sintomas de
embriaguez; que, na abordagem o réu foi submetido ao teste do etilômetro
e deu positivo (...).
A testemunha Sgt/PM José Maria da Silva e Silva disse: que, não recorda di-
reito dos fatos; que, lembra vagamente do réu; que, não conhecia o réu; que,
é comum a abordagem a veículos na Área Portuária; que, não lembra se o réu
fez o teste do bafômetro, mas que nas abordagens é feito com habitualidade
(...)”
Tais depoimentos, aliados ao testemunho das pessoas que estavam com
o apelante no dia dos fatos, são suficientes para demonstrar que o fato apurado
não constitui o crime de embriaguez ao volante. Veja-se:
“Gean de Sousa Cardoso que esclareceu: (...), o réu estava bebendo desde
cedo na casa de Socorro; que, o réu havia lhe pedido para dirigir o veículo;
que, já havia dirigido o veículo do réu outras vezes; que, estavam no veículo
o depoente, o réu e a Socorro; que, em determinado momento parou o veí-
culo, pois estava sem gasolina; que, desligou o carro, abaixou o vidro e foi até
a sua casa; que, quando retornou de sua casa visualizou o réu sendo abordado
por uma viatura; que, o réu não saiu no carro, pois as chaves estavam com
o depoente; que, tentou falar com os policiais, porém estes pediram para o
depoente se afastar; que, deixou o carro próximo à igreja; que, o réu estava
muito bêbado e não tinha condições de dirigir; que, os policiais perguntaram
quem iria conduzir o veículo, ocasião em que o depoente disse que era ele
quem estava com as chaves (...).
Já a informante da defesa Raimunda do Socorro Nazaré Gomes informou:
(...) chamou o Gean, momento em que o réu entregou as chaves para Gean;
que, o réu tomou umas cervejas na sua casa; que, viu quando a polícia abor-
dou o veículo em que o réu estava dentro; que, o réu não estava dirigindo;
que, quem estava dirigindo era o Gean; que, Gean estava com as chaves do
carro; (...) que, o réu não tinha condições de dirigir nesse dia; que, no exato
momento em que os policiais abordaram o réu, nem Gean e nem a infor-
mante estavam no veículo; que, Gean havia descido na ponte para ir até a sua
casa pegar dinheiro; que, a informante estava a 40 metros do veículo conver-
sando com umas amigas.”
Analisando a prova testemunhal produzida, em sentido contrário ao que
concluiu o sentenciante, entendo que não há demonstração cabal de que o
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
156

recorrente, apesar do comprovado estado de embriaguez, estivesse conduzindo


o veículo automotor. Ressalto que o próprio Ministério Público e, também,
a Procuradoria de Justiça entendem que não há segurança e convicção sobre
a existência do delito narrado na inicial.
Destarte, diante da fragilidade probatória quanto à ocorrência da ele-
mentar “conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada
em razão da influência de álcool”, prevista no art. 306 da Lei nº 9.503/97, a
sentença merece ser reformada.
Por tais razões, dou provimento ao recurso para reformar a sentença e,
dessa forma, absolver o apelante nos termos do art. 386, III, do CPP.
É como voto.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Agostino Silvério (1º Vogal)
Acompanho.
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Sueli Pini (2º Vogal)
Também acompanho.

DECISÃO
A Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá,
à unanimidade, conheceu do recurso e, pelo mesmo quórum, deu-lhe pro-
vimento, tudo nos termos do voto proferido pelo Relator.
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de São Paulo


HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 2159397-03.2019.8.26.0000
RELATORA: DESEMBARGADORA CLAUDIA FONSECA FANUCCHI

Tomar Refeição em Restaurante sem Dispor de


Recursos para Efetuar o Pagamento. Recurso em
Liberdade
Deferimento. Impossibilidade. Condições pessoais desfavoráveis. De-
negatória fundamentada na demonstração dos pressupostos e requisitos
autorizadores da prisão preventiva. Medida justificada pela necessidade
de se assegurar a aplicação da lei penal. Reconhecimento. Alegação de
constrangimento ilegal não evidenciada. Ordem denegada.
(TJSP; HC 2159397-03.2019.8.26.0000; Ac. 12764036; 5ª C.D.Crim.;
Relª Desª Claudia Fonseca Fanucchi; DJESP 21/08/2019; p. 2.835)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Criminal
nº 2159397-03.2019.8.26.0000, da Comarca de Santos, em que é impetrante
a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e paciente Tiago Vieira de Jesus.
Acordam, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito
Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Denegaram a ordem de habeas corpus. V.U.”, de conformidade com o voto
da Relatora, que integra este v. Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Excelentíssimos Desembargadores
Damião Cogan (Presidente) e Tristão Ribeiro.
São Paulo, 13 de agosto de 2019.
Desembargadora Claudia Fonseca Fanucchi – Relatora

Voto nº 21547 – CFF/D


Vistos...
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
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Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor


do paciente, sob a alegação de estar sofrendo constrangimento ilegal por
parte da digna autoridade apontada como coatora, no qual se insurge contra
o indeferimento do direito de apelar em liberdade.
Apresenta, para tanto, rol de pertinentes razões, postulando a concessão
da ordem para “(...) autorizar ao paciente o direito de recorrer em liberdade,
confirmando-se a tutela de urgência reclamada”.
O pedido liminar foi indeferido e as informações judiciais dispensadas
(fls. 26/28).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem
(fls. 35/37).
É o relatório.
Inviável a concessão da ordem.
Os autos dão conta de que o paciente foi processado e condenado, como
incurso no art. 176 do Código Penal, ao cumprimento de 2 (dois) meses de
detenção, em regime inicial semiaberto.
A respeitável sentença não padece de manifesta nulidade, flagrante
ilegalidade ou, ainda, qualquer defeito teratológico, porquanto a reclamada
vedação do direito de apelar em liberdade impugnada está suficientemente
fundamentada, podendo-se recolher, sem qualquer esforço interpretativo, as
razões utilizadas para a conclusão adotada.
Confira-se:
“A ausência do réu, depois de inúmeras tentativas de encontro, com êxi-
to apenas em sua citação, em conjunto com a folha de antecedentes de fls.
136/139 demonstram a personalidade voltada a não colaborar com a escorrei-
ta aplicação da lei penal e com os relatos das testemunhas de que o acusado é
vezeiro na prática de crimes que demandem ardil para o resultado criminoso.
Deveras, o réu responde a quatro processos por estelionato na cidade de Ita-
petininga, foi preso em flagrante em fevereiro de 2017 na cidade de Santos,
onde também responde a processo pela suposta prática do delito previsto no
art. 28 da Lei nº 11.343/06, sendo que este processo está suspenso por força
do art. 366 do Código de Processo Penal, mais uma vez indicando que o réu
não é afeito a responder pelos seus atos. Continuando, também foi preso em
flagrante na cidade de São Vicente, responde a processo por estelionato na
cidade de Sorocaba, onde também o processo foi suspenso pela sua ausên-
cia. Tem condenação naquela mesma cidade pelo delito de roubo e esta é a
personalidade da pessoa ora julgada. Logo, todos os elementos do processo
indicam para a necessidade de estimação do pedido ministerial e condenação
do acusado. Passo a dosar a pena. Forte no art. 59 do Código Penal, noto que
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 159

os antecedentes do réu são péssimos, sua conduta social totalmente volta-


da para a prática de delitos patrimoniais e sua personalidade transversa ao
que a segurança pública espera do homem médio. Deveras, as testemunhas
deixaram claro que o réu ensejou com sua conduta uma onda de fraudes
no comércio local, ora no sentido de tomar refeições gratuitamente, ora no
sentido de comprar quase R$ 800,00 em marmitas no estabelecimento vítima
para revender (leia-se depoimento da testemunha Telma Alves da Silva), o
que se denota pela apreensão de cartão de crédito sem nome quando de sua
pilhagem. Os antecedentes indicados nas folhas 136/139 denotam que o réu é
mesmo suspeito de inúmeras práticas de delitos perpetrados com fraude. Os
mesmos documentos de folhas 136/139 demonstram que sua personalidade
é francamente avessa a responder pelas acusações que lhe pesam nos ombros
e a testemunha Kelly Renata deixou claro que o tamanho do estabelecimento
vítima não é daquele que permitisse relevar os golpes praticados contra a
vítima, o que demonstra a consequência extraordinária do crime. Assim, fixo
a pena base no dobro do mínimo legal, chegando a um mês de detenção. Em
segunda fase de aplicação da pena, noto que o acusado é reincidente confor-
me condenação advinda da 4ª Vara Criminal de Sorocaba, por delito tam-
bém praticado com fraude, de modo que dobro novamente a pena, chegando
ao máximo de dois meses de detenção. Não havendo atenuantes, causas de
aumento ou diminuição de pena, torno-a definitiva. Dada as circunstâncias
desabonadoras do art. 59 e a reincidência, forte no art. 33, § 3º, do Código
Penal, fixo o regime semiaberto para cumprimento da reprimenda. Consi-
derando que o réu não respondeu ao chamado deste juízo, não manteve en-
dereço atualizado e há indicativos nas folhas 136/139 que processos contra si
também estão suspenso pela sua evasão, entendo não ser o caso de autorizar
o réu a recorrer em liberdade. Com efeito, se procurou se esquivar da justiça
antes de sua condenação, evidente que não seria agora que voluntariamente
compareceria em juízo, de modo que sua busca coercitiva se faz totalmente
necessária.” (fls. 19/20)
Evidenciada a prova da existência do crime e da autoria, assim como
os requisitos e pressupostos da preventiva, estes essencialmente calcados nos
maus antecedentes, na reincidência e na necessidade efetiva de se assegurar a
aplicação da lei penal, não há como se afastar a imprescindibilidade da adoção
da medida extrema, ainda que o paciente tenha “respondido” o processo solto.
Enfim, demonstrada e fundamentada a preexistência do perigo de
dano, legitimada está, de forma objetiva e concreta, a indispensabilidade da
segregação.
Como bem assentado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, “(...)
evidente, portanto, a necessidade da decretação da custódia cautelar, para
garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, estando a
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Jurisprudência
160

decisão em perfeita consonância com o disposto nos arts. 312 e 387, parágrafo
único, do Código de Processo Penal (...)” (fl. 37).
Anote-se, ainda, a inexistência de afronta ao princípio da não culpabili-
dade inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, pois a presunção
constitucional não desautoriza as diversas espécies de prisões processuais, que
visam a garantir o cumprimento da lei processual ou a efetividade da ação penal.
Em outras palavras, qualquer outro posicionamento ou interpretação
de prevalência da presunção de inocência seria uma contradição, vez que a
própria Constituição Federal estabelece expressamente a prisão em flagrante
e a por ordem judicial fundamentada.
Por conseguinte, inexistindo manifesta nulidade, flagrante ilegalidade
ou, ainda, qualquer defeito teratológico, inarredável reconhecer a inexistência
do acenado constrangimento ilegal.
Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
Desembargadora Claudia Fonseca Fanucchi – Relatora
Divergência Jurisprudencial

Prezado Assinante: consulte os acórdãos na íntegra das respectivas ementas publicadas


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dedicado a esta publicação.

Júri – Absolvição – Apelação do MP – Art. 593, III, D,


do CPP – Alegado Conflito da Deliberação – Cassação do
Veredicto – Possibilidade/Impossibilidade
91/1 → TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO. AUTORIA E MATERIALIDADE.
RECONHECIMENTO. QUESITO ABSOLUTÓRIO GENÉRICO. ACOLHIMENTO.
POSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO. CLEMÊNCIA. CABIMENTO. CONTRARIEDADE À
PROVA DOS AUTOS. DEMONSTRAÇÃO CONCRETA. NECESSIDADE. ANULAÇÃO.
PRESUNÇÃO DE JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. ILEGALI-
DADE CONFIGURADA. 1. O entendimento de que o Júri não poderia absolver o acusado,
quando reconhecesse a materialidade e autoria, é diretamente contrário às determinações do
art. 483 do CPP, pois, conforme seus §§ 1º e 2º, a votação do quesito absolutório genérico
somente ocorre quando há resposta afirmativa em relação aos quesitos referentes à materiali-
dade e à autoria. 2. O STJ tem jurisprudência firme no sentido de que o quesito absolutório é
genérico, ou seja, deve ser formulado independentemente das teses apresentadas em Plenário,
em observância ao princípio da plenitude da defesa e soberania dos veredictos. 3. É possível ao
Tribunal de Apelação, por uma única vez, anular o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri
que absolve o acusado, apesar de reconhecer a autoria e a materialidade, sob o argumento de
ser contrário à prova dos autos, desde que o faça a partir de fundamentação idônea, lastreada
em elementos probatórios concretos colhidos ao longo da instrução processual e não em mera
presunção. 4. A viabilidade da absolvição por clemência ou qualquer outro motivo de foro
íntimo dos jurados é decorrência lógica da própria previsão legal de formulação de quesito
absolutório genérico, ou seja, não está vinculado a qualquer tese defensiva específica, sendo
votado obrigatoriamente mesmo quando o Júri já reconheceu a materialidade e a autoria. 5. A
possibilidade de absolvição por clemência traz um diferencial a mais quando se trata de anular
o veredicto por suposta contrariedade à provas dos autos, quando aquela for postulada pela
defesa. Nessa hipótese, deverá o Tribunal de Apelação, além de evidenciar concretamente que o
veredicto absolutório não encontra nenhum respaldo nas provas dos autos, também demonstrar
que a aplicação da clemência está desprovida de qualquer elemento fático que autorize a sua
concessão. 6. O Tribunal de origem, no caso, ao anular o julgamento do Tribunal do Júri, não
evidenciou concretamente que a absolvição estaria divorciada das provas colhidas na instrução
processual e, tampouco, demonstrou que o pedido de clemência e seu acolhimento estariam
desamparados de lastro fático mínimo. Na verdade, concluiu que o julgamento seria contrário
à prova dos autos a partir de mera presunção decorrente da absolvição após o reconhecimento
da materialidade e da autoria, o que constitui ilegalidade. 7. Ordem concedida para cassar o
acórdão da apelação e restabelecer a absolvição proferida pelo Tribunal do Júri. (STJ; HC
350.895; Proc. 2016/0061223-6; RJ; 6ª T.; Rel. p/o Ac. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 17/05/2017)

91/2 → TRIBUNAL DO JÚRI. QUESITO GENÉRICO DE ABSOLVIÇÃO (ART.


483, III, E RESPECTIVO § 2º, DO CPP). INTERPOSIÇÃO, PELO MP, DO RECURSO DE
APELAÇÃO PREVISTO NO ART. 593, III, D, DO CPP. DESCABIMENTO. DOUTRINA.
JURISPRUDÊNCIA. RO PROVIDO. A previsão normativa do quesito genérico de absolvição
no procedimento penal do júri (CPP, art. 483, III, e respectivo § 2º), formulada com o objetivo
de conferir preeminência à plenitude de defesa, à soberania do pronunciamento do Conselho de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Divergência
162

Sentença e ao postulado da liberdade de íntima convicção dos jurados, legitima a possibilidade


de os jurados – que não estão vinculados a critérios de legalidade estrita – absolverem o réu
segundo razões de índole eminentemente subjetiva ou de natureza destacadamente metajurí-
dica, como, p.ex., o juízo de clemência, ou de equidade, ou de caráter humanitário, eis que o
sistema de íntima convicção dos jurados não os submete STF ao acervo probatório produzido
ao longo do processo penal de conhecimento, inclusive à prova testemunhal realizada perante
o próprio plenário do júri. Doutrina e jurisprudência. Isso significa, portanto, que a apelação do
MP, fundada em alegado conflito da deliberação absolutória com a prova dos autos (CPP, art.
593, III, d), caso admitida fosse, implicaria frontal transgressão aos princípios constitucionais
da soberania dos veredictos do Conselho de Sentença, da plenitude de defesa do acusado e
do modelo de íntima convicção dos jurados, que não estão obrigados – ao contrário do que se
impõe aos magistrados togados (CF, art. 93, IX) – a decidir de forma necessariamente moti-
vada, mesmo porque lhes é assegurado, como expressiva garantia de ordem constitucional, “o
sigilo das votações” (CF, art. 5º, XXXVIII, b), daí resultando a incognoscibilidade da apelação
interposta pelo Parquet. Magistério doutrinário e jurisprudencial. (STF; RHC 117.076; PR;
Min. Celso de Mello; DJE 05/08/2019)

91/3 ← JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO DA


ACUSAÇÃO PROVIDA. ART. 593, III, D, DO CPP. SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO
JULGAMENTO. O JUÍZO ABSOLUTÓRIO PREVISTO NO ART. 483, III, DO CPP NÃO
É ABSOLUTO. POSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO PELO TRIBUNAL DE APELAÇÃO.
EXIGÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DE DECISÃO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA ÀS PROVAS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS PRESERVADA. DUPLO
GRAU DE JURISDIÇÃO. MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS
RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO QUE DEMANDA REVOL-
VIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE EM HC.
PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. 1. Diante da
hipótese de HC substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo
orientação jurisprudencial do STF e do próprio STJ. Contudo, considerando as alegações expos-
tas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento
ilegal. 2. As decisões proferidas pelo conselho de sentença não são irrecorríveis ou imutáveis,
podendo o Tribunal ad quem, nos termos do art. 593, III, d, do CPP, quando verificar a existência
de decisão manifestamente contrária às provas dos autos, cassar a decisão proferida, uma única
vez, determinando a realização de novo julgamento, sendo vedada, todavia, a análise do mérito
da demanda. 3. A absolvição do réu pelos jurados, com base no art. 483, III, do CPP, ainda
que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável, podendo o Tribunal cassar tal
decisão quando ficar demonstrada a total dissociação da conclusão dos jurados com as provas
apresentadas em plenário. Assim, resta plenamente possível o controle excepcional da decisão
absolutória do Júri, com o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo grau de
jurisdição. Entender em sentido contrário exigiria a aceitação de que o conselho de sentença
disporia de poder absoluto e peremptório quanto à absolvição do acusado, o que, a meu ver,
não foi o objetivo do legislador ao introduzir a obrigatoriedade do quesito absolutório genérico,
previsto no art. 483, III, do CPP. 4. O Tribunal de Justiça local, eximindo-se de emitir qualquer
juízo de valor quanto ao mérito da acusação, demonstrou a existência de julgamento mani-
festamente contrário à prova dos autos amparado por depoimento de testemunha e exame de
corpo de delito. Verifica-se que a decisão do conselho de sentença foi cassada, com fundamento
de que as provas dos autos não deram respaldo para a absolvição, ante a inexistência de causas
excludentes de ilicitude ou culpabilidade, não prevalecendo, a tese defensiva da acidentalidade,
tendo em vista a demonstração de que o acusado continuou a desferir golpes à vítima já caída
ao chão, sendo a causa da sua morte, traumatismos no crânio, pescoço e tórax. 5. Havendo o
Divergência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 163

acórdão impugnado afirmado, com base em elementos concretos demonstrados nos autos, que
a decisão dos jurados proferida em primeiro julgamento encontra-se manifestamente contrária
à prova dos autos, é defeso a esta Corte Superior manifestar-se de forma diversa, sob pena de
proceder indevido revolvimento fático-probatório, incabível na via estreita do writ. HC não
conhecido. (STJ; HC 313.251; Proc. 2014/0345586-7; RJ; 3ª S.; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik;
DJE 27/03/2018; p. 768)

91/4 ← JÚRI. HOMICÍDIO TENTADO, HOMICÍDIO QUALIFICADO E CRI-


ME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 121 C/C O ART. 14, II; ART. 121, § 2º, IV,
TODOS DO CP; E ART. 32 DA LEI Nº 9.605/98. ABSOLVIÇÃO DO PACIENTE PELO
TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO DE APELAÇÃO MINISTERIAL. VEREDICTO MANI-
FESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS. PROVIMENTO.
FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO
DA SOBERANIA DO VEREDICTO POPULAR E AO PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CON-
VICÇÃO DOS JURADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Não há violação ao princípio da soberania dos veredictos, inserto no art. 5º, XXXVIII, c, da
CF, nos casos em que, com espeque na alínea d do inciso III do art. 593 do CPP, o Tribunal
de origem, procedendo a exame dos elementos contidos no feito, entende que a decisão dos
jurados não se coaduna com a prova produzida no caderno processual. 2. Não há como esta
Corte Superior de Justiça avaliar se as provas indicadas pelo acórdão objurgado são aptas a
absolver o paciente, porquanto a verificação do conteúdo dos testemunhos prestados em Juízo
implicaria o aprofundado revolvimento de matéria fático-probatória, providência que é vedada
na via eleita. Precedentes. 3. Ordem denegada. (STJ; HC 235.651; Proc. 2012/0048936-3; PR;
5ª T.; Rel. Min. Ministro Jorge Mussi; DJE 03/12/2012)
Ementário

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91/5 – ABSOLVIÇÃO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E LE-


SÃO CORPORAL CULPOSA. RECURSO DO MP. ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA.
NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE O JULGADO FOI CONTRÁRIO
À PROVA DOS AUTOS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DOS
VEREDITOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
1. Mesmo que a soberania dos vereditos seja um direito fundamental, este não é absoluto,
sendo plenamente admitido o recurso do Ministério Público que, acima de discutir o mérito
da decisão, aponta que o julgamento foi manifestamente contrário às provas dos autos. 2. O
mero fato de ter sido acolhido o quesito genérico de absolvição, após os jurados terem reco-
nhecido a materialidade e a autoria, não configura contradição suficiente para, por si só, anular
o julgamento, mesmo que a tese da defesa esteja centrada unicamente na negativa de autoria.
3. Independentemente de a absolvição ter decorrido do acolhimento do quesito da absolvição
genérica ou da negativa de autoria, o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas poderá ser
anulado caso tenha sido contrário à prova dos autos. 4. Toda a argumentação da acusação em
plenário se deu por meio de provas produzidas na primeira fase do procedimento do júri, as
quais, apesar de conterem indícios de que o apelado entregou a arma à Everton para tentativa de
homicídio de Gilvan, não provam cabalmente a participação do apelado no crime. 5. Não cabe
a este Órgão Colegiado, ao julgar apelação, reinterpretar provas ou sequer revalorá-las, mas sim
verificar, diante do conjunto probatório existente e exibido aos jurados no momento da sessão,
se a decisão absolutória do Tribunal do Júri se encontra amparada em interpretação razoável
dos elementos probatórios, cujo veredito, constitucionalmente albergado, deverá prevalecer. 6.
Recuso conhecido e não provido. Decisão unânime. (TJAL; APL 0724128-58.2013.8.02.0001;
C.Crim.; Rel. Des. Washington Luiz Damasceno Freitas; DJAL 19/08/2019; p. 217)

91/6 – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL Nº


13.060/2014. NORMA QUE DISCIPLINA O USO DOS INSTRUMENTOS DE MENOR
POTENCIAL OFENSIVO PELOS AGENTES DE SEGURANÇA. INEXISTÊNCIA DE
OFENSA À AUTONOMIA ESTADUAL, À INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO OU À RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. AÇÃO DIRETA JUL-
GADA IMPROCEDENTE. 1. Lei Federal que disciplina o uso dos instrumentos de menor
potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública e que visa proteger o direito à vida não
ofende a autonomia estadual. 2. A proporcionalidade no uso da força por parte dos agentes de
segurança decorre diretamente do texto constitucional e dos tratados de direitos humanos que
a República Federal do Brasil aderiu. 3. Nenhuma pessoa pode ser arbitrariamente privada de
sua vida. A arbitrariedade é aferida de forma objetiva, por meio de padrões mínimos de razoa-
bilidade e proporcionalidade, como os estabelecidos pelos Princípios Básicos sobre o Uso da
Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados em 7
de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção
do Crime e o Tratamento dos Delinquentes. 4. A Lei Federal nº 13.060/2014 dá respaldo aos
Princípios Básicos, adotando critérios mínimos de razoabilidade e objetividade, e, como tal,
nada mais faz do que concretizar o direito à vida. (STF; ADI 5.243; DF; T.P.; Rel. Min. Alexandre
de Moraes; DJE 05/08/2019; p. 278)

91/7 – AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA


CONDENAÇÃO. CONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO EM PRIVATIVA
DE LIBERDADE. Suportada nova condenação em regime incompatível com o resgate das
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 165

sanções restritivas de direito em cumprimento, cuja execução não foi suspensa, sua reconver-
são em privativa de liberdade se torna obrigatória por impossibilidade de expiação simultânea
ou posterior. Inaplicabilidade do art. 76 do CP. Inteligência do art. 44 do CP e arts. 111 e 181
da LEP. (TJGO; AgExPen 9799-40.2019.8.09.0175; 1ª C.Crim.; Rel. Juiz Aureliano Albuquerque
Amorim; DJEGO 21/08/2019; p. 77)

91/8 – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGU-


RANÇA. PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO REGIMENTAL. ART. 258 DO
RISTJ. CINCO DIAS. FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO. PRAZO EM DOBRO. DEZ
DIAS. APLICAÇÃO DE REGRA DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. INTEMPESTIVIDADE
MANTIDA. 1. O agravo regimental deve ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias, conforme
estabelecido no art. 258 do RISTJ, e, tratando-se da Fazendo Pública em juízo, tem-se o prazo
em dobro, resultando no máximo de 10 (dez) dias (Súmula nº 116/STJ). 2. A entrada em vigor
do CPC de 2015 em nada alterou o prazo para interposição de agravo das decisões do Relator
em matéria penal, estando mantida a disposição contida no art. 39 da Lei nº 8.038/90, repli-
cada no art. 258 do RISTJ, sendo inviável a adoção da regra do art. 1.070 do CPC, tal como
pleiteia o agravante. 3. O art. 798, caput, do CPP estabelece que os prazos “serão contínuos e
peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado”, ou seja, nesse caso
não será aplicada a norma do art. 219 do novo CPC, segundo a qual na contagem dos prazos
processuais devem ser computados somente os dias úteis. 4. No caso, a decisão recorrida foi
publicada em 13.06.2019, entretanto, o presente agravo foi interposto somente em 31.07.2019,
constatando-se sua intempestividade. 5. Agravo regimental não conhecido. (STJ; AgRg-RMS
55.068; Proc. 2017/0209198-8; AM; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/9 – AMEAÇAS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DOMÉSTICAS E DESCUM-


PRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE
DO AGENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO CARACTERIZADO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o STF pacificaram
orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso
legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo
quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a
concessão da ordem, de ofício. 2. Havendo prova da existência do crime e indícios suficientes
de autoria, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, poderá ser decretada para ga-
rantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da Lei Penal. 3. A prisão preventiva está adequadamente motivada com
base em elementos concretos extraídos dos autos, para garantia da ordem pública, em razão do
evidente risco à integridade física da vítima, uma vez que, mesmo aplicadas medidas protetivas,
o paciente as descumpriu, agredindo a ex-esposa fisicamente e destruindo seu veículo. 4. A
defesa não logrou demonstrar a impossibilidade de continuidade de tratamento da enfermidade
do paciente, carecendo a impetração, no ponto, de documentos aptos à comprovar o alegado
constrangimento ilegal. 5. Writ não conhecido. (STJ; HC 523.324; Proc. 2019/0216994-8; PR;
5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/10 – APELAÇÃO. ART. 216 DO CÓDIGO PENAL MILITAR (CPM). INJÚRIA.


MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR (MPM). DOLO ESPECÍFICO DO TIPO. ANIMUS
INJURIANDI NÃO CONFIGURADO. ANIMUS DISCIPLINANDI. CONDUTA ATÍ-
PICA. NÃO PROVIMENTO. I – A inexistência do elemento subjetivo pertinente ao delito
de injúria – animus injuriandi – afasta a caracterização formal do crime, que exige a presença do
dolo específico, o propósito de ofender, sem o qual não se aperfeiçoa a figura típica em questão.
II – As denominadas excludentes anímicas desempenham papel de grande relevo, pelo fato da
sua ocorrência implicarem descaracterização do elemento subjetivo inerente ao crime, pois
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
166

o dolo jamais resulta da própria expressão considerada ofensiva e não pode ser presumido. A
determinação finalística do agir deve necessariamente ser analisada para a realização do juízo
de tipicidade penal. III – Da análise das provas acostadas aos autos e ao considerar contexto
em que se deram os diálogos, verifica-se que a conduta do Apelado possuía a clara intenção
de disciplinar, o denominado animus corrigendi vel disciplinandi. IV – Não restou comprovada a
vontade livre e consciente do Acusado de ofender, de modo a atingir a honra do Ofendido, o
que afasta a configuração do crime do art. 216 do CPM, por absoluta falta de dolo específico
do tipo – animus injuriandi. Diante da inexistência de elemento subjetivo essencial à caracteri-
zação da infração penal em causa, a conduta será atípica. V – Recurso conhecido e desprovido.
Decisão unânime. (STM; APL 7000176-03.2019.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de
Queiroz; DJSTM 13/08/2019; p. 6)

91/11 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA. Configuração. Autoria e materialidade demons-


tradas. Confissão do réu corroborada com as declarações da vítima, tudo em harmonia com o
conjunto probatório. Condenação mantida. PENAS E REGIME DE CUMPRIMENTO. Bases
acima dos mínimos. Dolo acima da média. Culpabilidade e reprovabilidade. Mau antecedente
(uma condenação por fato posterior ao crime em análise). Súmula nº 444 do STJ. Personali-
dade voltada à prática de crimes não evidenciada (ausência de estudo psicossocial específico).
Coeficiente alterado (triplo). Confissão. Redução em 1/6. Inaplicável a atenuante do art. 65, III,
b, do CP. Ausência de espontaneidade à reparação do dano ou demonstração da concretização
do gozo benefício. Financeiro pela vítima. Estado de necessidade não configurado (CPP, art.
156). Causa de aumento (CP, art. 68, § 1º, III). Elevação em 1/3. Regime inicial semiaberto.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a concessão
de sursis (CP, arts. 44, III, e 77, II). Apelo provido em parte para reduzir as penas. Expedição
de mandado de prisão. (TJSP; ACr 0088795-12.2012.8.26.0050; Ac. 12781680; 15ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Gilberto Ferreira da Cruz; DJESP 21/08/2019; p. 2.902)

91/12 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA. Configuração. Materialidade e autoria de-


monstradas. Confissão judicial corroborada pelas declarações da vítima. Atipicidade por ser
hipótese de ilícito civil. Inocorrência. Condenação mantida. PENAS E REGIME DE CUM-
PRIMENTO. Bases nos mínimos. Atenuante da confissão inócua. Súmula nº 231 do STJ.
Causa de aumento do art. 168, § 1º, III, do Código Penal (1/3). Regime aberto. Substituição da
sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e
prestação pecuniária). Suficiência. Apelo desprovido. (TJSP; ACr 0098584-64.2014.8.26.0050;
Ac. 12781615; 15ª C.D.Crim.; Rel. Des. Gilberto Ferreira da Cruz; DJESP 21/08/2019; p. 2.902)

91/13 – APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. RECURSO DEFENSIVO REQUEREN-


DO SEJA RECONHECIDA A OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. No mérito, pleito a
redução da perda dos dias remidos ao mínimo legal de um dia e o afastamento da interrupção
do lapso para quaisquer fins, inclusive para progressão de regime. Prescrição. Preliminar aco-
lhida. Superado o menor prazo prescricional previsto no art. 114, inciso I, do Código Penal,
qual seja, o de dois anos, a contar da prática da falta disciplinar. Falta grave supostamente
cometida em 05.10.2016 que foi reconhecida por r. decisão datada de 29.03.2019. De rigor,
portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição. Prejudicada a apreciação das demais
teses defensivas. Preliminar acolhida para reconhecer a prescrição da falta disciplinar de na-
tureza grave, supostamente praticada em 05.10.2016, pelo sentenciado, ora agravante. (TJSP;
AG-ExPen 9000575-20.2019.8.26.0637; Ac. 12778545; 8ª C.D.Crim.; Relª Desª Ely Amioka;
DJESP 21/08/2019; p. 2.865)

91/14 – ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, COMÉRCIO E TRÁFICO INTERNA-


CIONAL DE ARMAS DE FOGO. CONDENAÇÃO À PENA DE MAIS DE 20 ANOS
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 167

DE RECLUSÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA JULGAMENTO DO RECURSO DE


APELAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔ-
NEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei Processual não estabelece um prazo
para o julgamento do recurso de apelação criminal, que deve ser analisado à luz do princípio
da razoabilidade, a fim de se verificar a ocorrência ou não de constrangimento ilegal. Sabe-se
que eventual atraso no andamento do feito, por si só, não caracteriza excesso de prazo. 2. No
caso, os autos foram distribuídos por sorteio em 22.07.2016, de modo que, desta data até o
atual estágio do processo, não há falar em desídia por parte do Poder Judiciário ou em demora
injustificada no andamento do feito, estando, inclusive, concluso ao revisor. 3. “É cediço que
eventual excesso de prazo no julgamento da apelação deve ser aferido em face da quantidade de
pena imposta na sentença condenatória” (HC 407.415/CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta
Turma, j. 19.03.2019, DJe 28.03.2019). 4. Havendo prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal,
poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência
da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da Lei Penal. 5. No caso dos autos, a prisão
cautelar foi devidamente fundamentada na necessidade de se resguardar a ordem pública, diante
da periculosidade social da agente, integrante de organização criminosa atuante em comércio
e tráfico internacional de armas de fogo, fazendo do crime o seu meio de vida. 6. O Supremo
Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que “a custódia cautelar visando a garantia da
ordem pública legitima-se quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a
atuação de integrantes de organização criminosa” (RHC 122.182, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira
Turma, j. 19.08.2014). 7. Habeas corpus denegado, com recomendação. (STJ; HC 511.102; Proc.
2019/0142465-0; AP; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/15 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE HOMICÍDIO. PE-


DIDOS DE ABSOLVIÇÃO E MEDIDA EM MEIO ABERTO. IMPROCEDÊNCIA.
MANTÉM SE A CONDENAÇÃO ANTE A ROBUSTEZ PROBANTE. INTERNAÇÃO
DEVIDA ANTE A PREVISÃO LEGAL. DESPROVIMENTO. 1. Justificada a procedência à
representação em face das confissões nos autos e depoimentos, além da comprovação pericial
dos detalhes revelados em depoimentos. Conjunto probante presente. 2. Internação adequada
ao caso concreto com permissão legal expressa. 3. Desprovimento. (TJAC; APL 0000570-
40.2017.8.01.0081; Ac. 20.829; 1ª C.Cív.; Relª Desª Denise Bonfim; DJAC 20/08/2019; p. 2)

91/16 – AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. REALIZADA SEM O


COMPARECIMENTO DA TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO. DESISTÊNCIA DA OI-
TIVA DA TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO E DA VÍTIMA PELA DEFESA. AUSÊNCIA
DE REQUERIMENTO. NULIDADE ABSOLUTA. PREJUÍZO CARACTERIZADO.
FRAGILIZAÇÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA COMO
CONSEQUÊNCIA. ANULAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS DESDE A AUDIÊNCIA
DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A legiti-
midade para se desistir de uma testemunha é de quem a arrolou (art. 401, § 2º, do CPP: “a parte
poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas”), pois cabe a este realizar
um exame sobre a prescindibilidade ou não deste meio de prova para a formação do substrato
probatório, o que não ocorreu nos autos. Recurso conhecido e provido. (TJAM; ACr 0204379-
59.2017.8.04.0020; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Sabino da Silva Marques; DJAM 30/07/2019; p. 18)

91/17 – COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ELEITORAL. CRIMES CONEXOS. Compete


à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. Inteligência
dos arts. 109, IV, e 121 da Constituição Federal, 35, II, do Código Eleitoral e 78, IV, do CPP.
(STF; Pet-AgR-ED 4.435; DF; T.P.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 21/08/2019; p. 15)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
168

91/18 – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LAVAGEM DE DI-


NHEIRO E CRIME AMBIENTAL. CONEXÃO PROBATÓRIA OU INSTRUMENTAL.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. I – Em que pese a especialização da compe-
tência trazida pela Portaria PRESI/CENAG nº 248, a referida norma deve ser lida de forma
compatível com a regra de competência por conexão probatória ou instrumental, disposta no
Código Processual Penal, sob pena de ilicitude da norma infralegal II – A apuração instaurada
pelo inquérito decorrente deriva de provas colhidas a partir da investigação original, havendo
relação direta entre as práticas ilícitas investigadas. III – A solução para o presente conflito dá-
se pela aplicação da regra de conexão instrumental ou probatória, prevista no citado art. 76,
inciso III, do CPP (“A competência será determinada pela conexão: (...) III – quando a prova
de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra
infração”). IV – Competência do Juízo suscitado. (TRF 1ª R.; CC 0001597-72.2019.4.01.0000;
MA; 2ª S.; Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro; DJF1 19/08/2019)

91/19 – CONTRABANDO. ART. 56 DA LEI Nº 9.605/98. CRIME AMBIEN-


TAL. AGROTÓXICOS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS.
CONDENAÇÃO MANTIDA PARA AMBOS OS CRIMES. DOSIMETRIA DA PENA.
PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA AFASTADA
DE OFÍCIO. TERCEIRA FASE. TRANSPORTE FLUVIAL. CAUSA DE AUMENTO DA
PENA CARACTERIZADA. RECONHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO
POR PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. ART. 29, § 1º, DO CÓDIGO PE-
NAL. IMPOSSIBILIDADE. CONCURSO FORMAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
PENA. SÚMULA Nº 122 DO TRF DA 4ª REGIÃO. COMUNICAÇÃO AO JUÍZO DE
ORIGEM. 1. Os cigarros estrangeiros são mercadoria relativamente proibida, conforme a Lei
nº 9.532/97 (arts. 44 a 47) e o DL nº 1.593/77, normas nas quais constam que apenas podem
ser importados cigarros cujas marcas sejam comercializadas nos territórios de origem e que
a importação somente pode ser feita por pessoas inscritas no registro especial. Configuração
do contrabando. Precedentes do STF e do STJ. 2. Realizar o transbordo de produto ou subs-
tância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as
exigências legais e regulamentares, está previsto no tipo penal do art. 56 da Lei nº 9.605/98. 3.
Presente prova da materialidade, da autoria e do dolo no agir, bem como inexistentes causas
excludentes da culpabilidade ou da ilicitude, impõe-se manter a condenação do réu nos crimes
previstos no art. 334-A do Código Penal e art. 56 da Lei nº 9.605/98. 4. A quantidade de cigarros
apreendidos pelo delito de contrabando é apta a valorar negativamente a vetorial circunstância
do crime, na primeira fase da dosimetria, visto que está diretamente relacionada ao grau de
profissionalismo da empreitada criminosa. 5. Entretanto, a quantidade de maços que foram
apreendidos em poder do réu não confere circunstâncias especiais ao crime, envolvendo apenas
transporte simplificado ou depósito em qualquer compartimento doméstico. 6. Afastada, de
ofício, a valoração negativa da vetorial circunstância do crime para o delito de contrabando. 7.
Apesar do réu não ter pessoalmente pilotado a embarcação que trouxe as caixas de cigarros, a
função de retirá-las dos barcos e distribuí-las em via terrestre faz parte do crime de contrabando
praticado por meio de transporte fluvial. 8. Presente a causa de aumento da pena estabelecida
no § 3º do art. 334-A do Código Penal, deve a pena ser elevada pelo dobro, visto que o delito
foi praticado em transporte fluvial. 9. Nos termos do art. 29, § 1º, do Código Penal, quando
há concurso de pessoas cada agente deve ser responsabilizado na medida de sua culpabilidade,
sendo possível a diminuição da pena quando a participação for de menor importância, o que
não restou demonstrado. 10. De acordo com o disposto no art. 70 do Código Penal, quando
o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não,
aplica-se a mais grave das penas cabíveis, mas aumentada de um sexto até a metade, devendo a
conduta do réu, no caso dos autos, ser enquadrada neste dispositivo legal. 11. Execução provi-
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 169

sória da pena autorizada, conforme entendimento firmado pelo STF (HC 126.292). Súmula
nº 122 do TRF da 4ª Região. (TRF 4ª R.; ACR 5006447-51.2016.4.04.7002; PR; 7ª T.; Relª Desª
Fed. Salise Monteiro Sanchotene; DEJF 15/08/2019)

91/20 – CONTRABANDO. ART. 334, § 1º, DO CP. ORGANIZAÇÃO CRIMINO-


SA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA (ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP).
CORRUPÇÃO ATIVA (ART. 333 DO CP). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPRO-
VADAS. CRIME CONTINUADO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. I – Associação
criminosa organizada e armada, em estrutura empresarial com o objetivo de controlar e explorar
máquinas eletrônicas programáveis (objeto material de contrabando) nos municípios de Niterói
e São Gonçalo. Fragmentação em níveis e grupos com estrutura complexa propiciando tanto
exploração direta como indireta mediante contraprestação concretizada via selos autorizado-
res vendidos pelo núcleo da associação criminosa a coautores que exploravam diretamente
as máquinas. II – Competência da Justiça Federal. Apreensão de dezenas de máquinas “caça
níqueis” com componentes eletrônicos de origem estrangeira de importação proibida segundo
laudos periciais colacionados e portarias da secretaria de comércio exterior. Enquadramento
no art. 334 e seus parágrafos do CP. III – Materialidade e autoria comprovada para os crimes
de contrabando por assimilação, associação criminosa armada e corrupção ativa. Condenação
amparada em farta prova documental e pericial, sobretudo apreensões e monitoramentos que
confrontadas com teor das interceptações telefônicas atestaram a atuação do acusado em núcleo
destacado da organização criminosa. IV – Dosimetria proporcional. Os pressupostos neces-
sários à configuração da continuidade delitiva foram preenchidos. V – Recursos ministerial e
defensivos não providos. (TRF 2ª R.; ACR 0002400-63.2010.4.02.5102; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des.
Fed. Antonio Ivan Athié; DEJF 15/07/2019)

91/21 – CONTRABANDO DE CIGARROS. ART. 334-A, § 1º, I, DO CÓDIGO


PENAL C/C O ART. 3º DO DL Nº 399/68. ELEMENTOS DO DELITO CARACTERIZA-
DOS. DOSIMETRIA. PERDIMENTO DA FIANÇA. AFASTAMENTO. INABILITAÇÃO
PARA DIRIGIR. CARONA. AFASTAMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS PENAS.
POSSIBILIDADE. 1. Comprovado que os réus, de forma livre e consciente, concorreram para
a prática do delito, impõe-se a manutenção da condenação. 2. O julgado mostra-se irretocável,
porquanto o ilustre magistrado devidamente fundamentou e individualizou todas as etapas da
dosimetria, em estrita obediência ao disposto no art. 68 do Código Penal. 3. A fiança está sujeita
à penalidade de perdimento, no total ou na sua metade, por força do não comparecimento para
o início da execução (art. 344 do CPP) e do quebramento da fiança (art. 345 do CPP). 4. Muito
embora os elementos dos autos indiquem haver possibilidade de o dinheiro utilizado para o
pagamento da fiança ser proveniente de meios ilícitos, não há qualquer prova que demonstre
de modo inequívoco tal hipótese, impondo-se o afastamento do perdimento. 5. Tendo em
conta que um dos réus, na ocasião dos fatos, era somente o carona do veículo, não há razões
que justifiquem a aplicação do efeito da condenação consistente na inabilitação para dirigir
veículo, previsto no art. 92, III, do Código Penal, devendo ser afastada. 6. Com o esgotamento
da jurisdição ordinária desta Corte, deve haver a imediata comunicação ao juízo de origem
para o início da execução provisória das penas. (TRF 4ª R.; ACR 5000675-04.2016.4.04.7004;
PR; 7ª T.; Relª Desª Fed. Salise Monteiro Sanchotene; DEJF 21/08/2019)

91/22 – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. PESCA PROIBIDA. ART. 34,


III, DA LEI Nº 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA DOLOSA. COMPROVAÇÃO.
DOSIMETRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. I – Autoria e materialidade lastreadas pelos
documentos constantes no Inquérito Policial 0025/2010-13, auto de prisão em flagrante, auto
de apreensão, laudo técnico de apreensão de pescado da Polícia Militar, laudo de exame de local
e laudo de exame animal, que, se analisados e conciliados com os demais elementos de prova,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
170

atestam que as sardinhas-verdadeiras apreendidas na embarcação Salmo 31, liderada pelo réu,
são frutos de pesca em período proibido, constituindo infração penal prevista no art. 34, III, da
Lei nº 9.605/96. II – A única explicação plausível para a inexistência de nota fiscal da compra
e venda das sardinhas e de declaração de estoque do pescado, documentos deveriam estar na
embarcação, é o fato de os peixes terem sido capturados de maneira irregular. III – Após sope-
sadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, restaram aplicadas adequadamente as sanções
ao réu, de forma individualizada e proporcional, revelando-se ao final necessárias e suficientes
para a reprovação e prevenção do delito. IV – Apelação da defesa não provida. (TRF 2ª R.; ACR
0812268-35.2010.4.02.5101; RJ; 2ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Marcello Granado; DEJF 15/07/2019)

91/23 – CRIME DESCRITO NO ART. 240 DO CPM. ALTERAÇÃO DA TIPICIDA-


DE DA CONDUTA PARA O CRIME TIPIFICADO NO ART. 345 DO CPP. IMPOSSIBI-
LIDADE. INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO.
DESPROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. I – A simples alegação de que o ofendido tinha
uma dívida com o acusado não desnatura a conduta delituosa tipificada no art. 240 do CPM,
ante a comprovação de que o agente subtraiu valores em espécie do colega de caserna, mediante
arrombamento de armário no interior da Unidade Militar. Assim, não há possibilidade jurídica
de o delito ser desclassificado para o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345
do CPP). II – É firme a jurisprudência da Suprema Corte e do STM sobre a não aplicação do
princípio da insignificância, afastando o caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal,
quando se está diante da prática do crime de furto por militar dentro do quartel, uma vez que
há violação de princípios e de valores adotados como pilares das Forças Armadas. Nesse caso,
avalia-se não só o valor do dano decorrente da prática delituosa, mas também outros aspectos
relevantes da conduta imputada ao agente, de quem se espera conduta exemplar dentro da
caserna. III – Apelação desprovida. Decisão unânime. (STM; APL 7000272-18.2019.7.00.0000;
Rel. Min. José Coêlho Ferreira; DJSTM 14/08/2019; p. 9)

91/24 – CRIME POR FILMAR OU REGISTRAR CENA DE SEXO COM ADOLES-


CENTE. ART. 240 DO ECA. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE CULPABILIDADE, DE
DOLO E DE VULNERABILIDADE DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE
E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELAS PROVAS TESTEMUNHAIS E
CONFISSÃO DO APELANTE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. É impossível a absolvição
do crime por filmar ou registrar cenas de sexo explícito com adolescente (art. 240 do ECA),
quando os elementos contidos nos autos e corroborados pelos depoimentos da vítima, da teste-
munha e da confissão parcial do próprio acusado, formam um conjunto sólido, dando segurança
ao juízo para a condenação. 2. Não há que se falar em ausência de vulnerabilidade da vítima,
quando a mesma à época dos fatos tinha apenas quatorze anos de idade e sequer respondia
por seus atos da vida civil. 3. Apelo desprovido (TJAC; APL 0000841-31.2018.8.01.0011; Ac.
29.130; C.Crim.; Rel. Des. Pedro Ranzi; DJAC 14/08/2019; p. 9)

91/25 – DESCAMINHO. CP, ART. 334. DENÚNCIA REJEITADA COM FUN-


DAMENTO NA INSIGNIFICÂNCIA. AGENTE QUE TEVE LAVRADOS CONTRA SI
DOIS AUTOS DE INFRAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-
CÂNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso no sentido estrito interposto pelo MPF da deci-
são pela qual o Juízo, na ação penal proposta contra Elsa Lino Morales de Ortega, imputando-lhe
a prática do crime de descaminho (mercadorias no valor de R$ 3.244,13), rejeitou a denúncia
com fundamento na atipicidade da conduta em virtude da aplicação à espécie do princípio da
insignificância. CP, art. 334. CPP, art. 395, III. 2. Recorrente sustenta, em suma, que o princípio
da insignificância é inaplicável nas hipóteses de reiteração criminosa; que, na espécie, existe
outro auto de infração lavrado contra a recorrida pela ilusão de tributos, mediante a prática de
descaminho, envolvendo mercadorias no importe de R$ 7.297,69. Requer o provimento do
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 171

recurso para receber a denúncia e determinar o prosseguimento do feito. Parecer da PRR1 pelo
provimento do recurso. 3. Descaminho. CP, art. 334. Denúncia rejeitada com fundamento
na insignificância. Agente que teve lavrados contra si dois autos de infração. Inaplicabilidade
do princípio da insignificância. (A) “A reiteração delitiva afasta a aplicação do princípio da
insignificância nos crimes de descaminho” (STJ, AgRg no AREsp 1.277.201/MT; AgRg no
REsp 1.780.308/RS; STF, HC 109.739/SP; HC 108.696/MS; HC 120.438). Assim sendo, o
STF tem afastado o “princípio da bagatela em razão da maior reprovabilidade da conduta”, no
caso de “[r]eiteração delitiva” (STF, HC 115.331; HC 107.067; HC 96.684/MS; HC 100.367).
No mesmo sentido, o entendimento desta Corte: ACR 0004302-22.2010.4.01.3601; ACR
0002514-56.2009.4.01.3811; RSE 0002399-05.2017.4.01.3601. (B) Hipótese em que a Receita
Federal lavrou outro Auto de Infração contra a recorrida pela prática, em tese, do mesmo delito
de descaminho. (C) Ofensa ao Enunciado nº 444 da Súmula do STJ. Não ocorrência. (D) “A
jurisprudência [do] Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a existência de
outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos administrativos fiscais,
apesar de não configurar reincidência, é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e,
por consequência, afastar a incidência do princípio da insignificância, não podendo ser conside-
rada atípica a conduta” (STJ, AgRg no REsp 1.790.748/SC; AgRg no REsp 1.686.897/PR; REsp
1.750.739/RS). Também o STF decidiu que a “[e]xistência de outros processos administrativos
fiscais instaurados (...) em razão de práticas de descaminho” justifica o reconhecimento do
“[e]levado grau de reprovabilidade da conduta imputada evidenciado pela reiteração delitiva,
o que afasta a aplicação do princípio da insignificância” (STF, HC 112.597). 4. “Salvo quando
nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia
vale, desde logo, pelo recebimento dela” (STF, Súmula nº 709). Hipótese em que inexiste
nulidade na decisão recorrida. Em consequência, impõe-se o provimento do recurso a fim
de receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal. 5. Recurso no sentido
estrito provido. (TRF 1ª R.; RSE 0002406-94.2017.4.01.3601; MT; 4ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv.
Leão Aparecido Alves; DJF1 12/08/2019)

91/26 – DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECO-


MUNICAÇÕES (ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97). OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO POR
FALTA DE PROVAS. COMPROVADA MATERIALIDADE E AUTORIA. DANO. CRIME
FORMAL. PENA DE MULTA NO VALOR DE R$ 10.000,00. INCONSTITUCIONALI-
DADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Demonstrada e comprovada a materia-
lidade e autoria. 2. Tratando-se de crime formal e de perigo abstrato, não se exige a ocorrência
de um dano concreto para a sua consumação. 3. O Órgão Especial do TRF da 3ª Região, em
arguição de inconstitucionalidade criminal, declarou a inconstitucionalidade da expressão
“R$ 10.000,00” contida no preceito secundário do art. 183 da Lei nº 9.472/97, por entender
violado o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição da
República. Afastada a pena pecuniária prevista no art. 183 da Lei nº 9.472/97, aplicam-se as
disposições do Código Penal. Precedentes. 4. Recurso da defesa provido em parte. (TRF 3ª
R.; ACR 0005884-52.2012.4.03.6181; SP; 5ª T.; Rel. Des. Fed. Maurício Kato; DEJF 21/08/2019)

91/27 – DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELE-


COMUNICAÇÃO. RÁDIO COMUNITÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
PRECEDENTES INAPLICÁVEIS AO CASO CONCRETO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrá-
tico conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. A potência do equipamento utilizado na
prática delitiva (50 W) excede à máxima prevista pela Lei nº 9.612/98, que instituiu o Serviço
de Radiodifusão Comunitária. 3. Agravo regimental desprovido. (STF; HC-AgR 152.151; SP;
2ª T.; Rel. Min. Edson Fachin; DJE 14/08/2019; p. 34)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
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91/28 – DESERÇÃO. PRELIMINAR DE FALTA DE CONDIÇÃO DE PROS-


SEGUIBILIDADE. ARGUIÇÃO DE OFÍCIO POR MINISTRO VOGAL. REJEIÇÃO.
DECISÃO POR MAIORIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 88, II, ALÍNEA
A, DO CPM. IMPOSSIBILIDADE. RECEPÇÃO PELA CF. PRECEDENTES DO STF E
DESTA CORTE. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE SURSIS. APLICAÇÃO DO ART. 59
DO CPM. SENTENÇA INALTERADA. DESPROVIMENTO. DECISÃO POR MAIO-
RIA. O Apelante ostentava a condição de militar ao tempo do cometimento do crime e do
oferecimento da denúncia. O posterior licenciamento não afeta a continuidade da ação penal.
Rejeição da preliminar por maioria de votos. Autoria e materialidade comprovadas por meio
da documentação acostada aos autos e em face da confissão do acusado, inclusive ratificando
ter recebido instrução acerca do crime de deserção. No tocante ao argumento de inconstitu-
cionalidade do art. 88, inciso II, alínea a, do CPM, referente à vedação do sursis aos apenados
por deserção, destaca-se que existem precedentes desta Corte Castrense e do STF sobre a
recepção do referido artigo pela CF. Impõe-se a conversão da pena em prisão, nos termos do
art. 59 do CPM, tendo em vista o sentenciado ostentar a condição de militar da ativa, além de
não ser merecedor do sursis. Sentença inalterada. Decisão por maioria. (STM; APL 7001008-
70.2018.7.00.0000; Relª Minª Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha; DJSTM 20/08/2019; p. 6)

91/29 – DESÍDIA DO ADVOGADO EM RECORRER. DESRESPEITO AOS


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE OU DE FIXAÇÃO DE PRAZO
PARA REGULARIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. PREJUÍZO RECONHECIDO.
APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 523/STF. RECURSO PROVIDO PARA RECEBER AS
RAZÕES DE APELAÇÃO. 1. Constatada a ausência de intimação pessoal do recorrente e
inércia dos patronos constituídos em oferecer a apelação no prazo, restou demonstrado o
prejuízo sofrido pelo recorrente. 2. Não há como engendrar entendimento no sentido de
se exigir o acompanhamento atento dos causídicos antes constituídos das publicações feitas
em seus nomes em relação aos atos do processo. 3. Houve dispêndio de tempo considerável
entre o oferecimento da denúncia e o término da instrução criminal – o que, por si só, é apto
a demonstrar a ocorrência do prejuízo. 4. O reconhecimento de nulidades no curso do pro-
cesso penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o
princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans
grief). Recurso conhecido e provido. (TJAM; RSE 0045584-66.2004.8.04.0001; 1ª C.Crim.; Relª
Desª Carla Maria Santos dos Reis; DJAM 01/08/2019; p. 34)

91/30 – DISTRIBUIÇÃO CLANDESTINA DE SINAL DE TV A CABO. AUTORIA


E MATERIALIDADE COMPROVADAS. REINCIDÊNCIA. 2ª FASE DA DOSIMETRIA
DA PENA. READEQUAÇÃO. ART. 333 DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA. MANTIDA A
ABSOLVIÇÃO. 1. Os serviços de TV a cabo sujeitam-se à disciplina da Lei nº 9.472/97, uma
vez que se enquadram no termo “serviço de telecomunicação”, de modo que o delito previsto
no art. 183 do citado diploma abrange não só a transmissão clandestina de rádio, mas também
a transmissão clandestina de sinal de TV por assinatura. Precedente do STJ. 2. O conjunto
probatório dos autos, nele incluído o material apreendido, os depoimentos colhidos, o laudo
de exame em equipamentos e em local, indicam que a ocorrência de distribuição clandestina
de sinal de telecomunicação, que se amolda, perfeitamente, à conduta descrita no art. 183 da
Lei nº 9.472/97. 3. A autoria igualmente comprovada. As provas carreadas aos autos demos-
tram que o réu era o responsável pela conduta delitiva. 4. A condenação retratada na FAC do
réu não pode servir para, ao mesmo tempo, majorar a pena por maus antecedentes criminais
e por reincidência, sob pena de bis in idem. 5. A reincidência deve ser analisada no momento
da 2ª fase da dosimetria da pena, quando verificada a existência de circunstâncias agravantes.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 173

Readequação da pena do réu. 6. O conjunto probatório dos autos, especialmente a prova oral
produzida, não se revelou suficiente para embasar a censura penal pelo crime de corrupção ativa
imputado ao réu. Absolvição mantida. 7. Recurso do Ministério Público Federal não provido.
Recurso do réu parcialmente provido. (TRF 2ª R.; ACR 0501337-36.2016.4.02.5101; RJ; 1ª
T.Esp.; Rel. Juiz Conv. Andrea Daquer Barsotti; DEJF 16/08/2019)

91/31 – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PENA DE SUSPENSÃO DA CARTEIRA


DE HABILITAÇÃO. FIXAÇÃO COM FUNDAMENTO NOS MESMOS CRITÉRIOS DA
PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE. PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO
DO RECURSO. 1. A valoração negativa da circunstância judicial relativa aos antecedentes jus-
tificou a majoração da pena-base para 9 (nove) meses de detenção, tornada concreta e definitiva
em vista da ausência de atenuantes e agravantes. Com efeito, esta penalidade equivale à quase
1/8 (um oitavo) da pena mínima abstrata, prevista no art. 306 do CTB. Partindo do mesmo
raciocínio, o Juízo a quo aplicou pena restritiva de direito (suspensão da carteira de habilitação)
pelo prazo de 9 (nove) meses, ou seja, um pouco inferior a 1/8 (um oitavo) da pena mínima
abstrata, positivada no art. 293 do CTB. Dessume-se, então, a proporcionalidade entre as penas
restritiva de liberdade e de suspensão da carteira de habilitação, visto que foram estabelecidas
com fundamento nos mesmos critérios. 2. Não provimento. (TJAC; EI-ENul 0001363-
59.2016.8.01.0001/50000; Ac. 11.074; T.P.; Rel. Des. Luís Camolez; DJAC 19/08/2019; p. 2)

91/32 – ESTELIONATO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA. ACO-


LHIMENTO. PENA IN CONCRETO FIXADA EM PATAMAR INFERIOR A 2 ANOS.
DECURSO DE TEMPO SUPERIOR A 4 ANOS ENTRE A DATA DO RECEBIMENTO
DA DENÚNCIA E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. OCORRÊNCIA DA PRESCRI-
ÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MODALIDADE RETROATIVA. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE RECONHECIDA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. ATIPICI-
DADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. PALAVRA DAS VÍTIMAS. ESPECIAL VALOR
PROBATÓRIO. DOSIMETRIA. QUANTUM DE AUMENTO DA CONTINUIDADE
DELITIVA. MAJORAÇÃO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. DESPROVIMENTO DO APELO. 1. Condenada a ré à pena inferior a 2 (dois)
anos de reclusão pelos crimes de estelionato, em continuidade delitiva, e inexistindo recur-
so da acusação, tem-se que o prazo para a verificação da prescrição regula-se em 4 (quatro)
anos, conforme art. 109, V, do Código Penal. 2. Constatado que entre a data do recebimento
da denúncia e a da publicação da sentença decorreu lapso temporal mais que suficiente para
o reconhecimento da prescrição, cabe ao Tribunal de Justiça, o acolhimento da preliminar e
declarar extinta a punibilidade. 3. Deve ser mantida a condenação do apelante, nos crimes de
estelionato, em continuidade delitiva e concurso material, vez que comprovado nos autos
que ele e a corré, previamente ajustados, sabedores de que não teriam dinheiro para cobrir
os cheques, emitiram-nos, valendo-se de artimanhas, obtiveram vantagens ilícitas em detri-
mento das vítimas, portanto, devidamente configurado o crime de estelionato. 4. É consabido
e reiteradamente decidido que em crimes patrimoniais a palavra da vítima assume especial
valor probatório, sobretudo diante do fato de que os réus sabiam que não tinham dinheiro
em conta, para o pagamento dos cheques e mesmo assim emitiram os cheques e repassaram
as vítimas, e dias depois da emissão sustaram os cheques. 5. Estando o quantum de majoração
em razão da continuidade delitiva (1/3 – um terço) no patamar razoável e proporcional, ante
a quantidade de crimes praticados pelo réu em continuidade delitiva e em concurso material,
deve ser mantida a pena aplicada. (TJAC; APL 0013555-29.2013.8.01.0001; Ac. 29.175; C.Crim.;
Des. Pedro Ranzi; DJAC 21/08/2019; p. 13)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
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91/33 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. BEIJO EM PÚBLICO. CRIME NÃO


CONFIGURADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DO ART.
65 DO DL Nº 3.688/1941. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. RECONHECIMENTO
DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA NOVEL PENA. 1. O ato libidinoso
capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A do Código Penal
deve ter reprovabilidade semelhante à conjunção carnal, o que nem de longe se constata com o
beijo em público dado na vítima. 2. Opera-se a desclassificação do crime de estupro de vulnerável
para a contravenção penal prevista no art. 65 do DL nº 3.688/1941, quando demonstrado que o
comportamento reprovável do réu consistiu apenas em beijar a vítima em público, sem qualquer
prova de conjunção carnal ou prática de ato libidinoso. Precedente desta Corte. 3. Constatado
que entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória decorreu mais
de três anos, reconhece-se a prescrição da pretensão punitiva retroativa da novel pena de 15
(quinze) dias de prisão simples resultante da desclassificação. 4. Apelo parcialmente provido.
(TJAP; APL 0010714-07.2013.8.03.0001; T.P.; Relª Desª Sueli Pini; DJEAP 01/07/2019; p. 58)

91/34 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL E EXPLORAÇÃO SEXUAL. PRISÃO


PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DELITUOSA. AMEAÇA À
VÍTIMA E À SUA FAMÍLIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMEN-
TO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. Esta Corte e
o STF pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão
criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento
da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial
impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. Havendo prova da existência do
crime e indícios suficientes de autoria, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP,
poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência
da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da Lei Penal. 3. A prisão preventiva está
adequadamente motivada para garantia da ordem pública diante da necessidade de salvaguar-
dar a integridade física da vítima e de sua família, que vem recebendo ameaças do paciente. 4.
Ordem não conhecida. (STJ; HC 514.491; Proc. 2019/0164253-7; SP; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro
Dantas; DJE 20/08/2019)

91/35 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL QUE RESULTOU EM GRAVIDEZ.


CONTINUIDADE DELITIVA. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RELATI-
VIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. UNIÃO
ESTÁVEL COM O ACUSADO. FILHA EM COMUM. RECONHECIMENTO. PENA.
REDUÇÃO. PREJUDICADO. 1. Se as provas dos autos atestam que a suposta vítima do
estupro de vulnerável, desde os fatos, está em união estável com o acusado, criando a filha em
comum, oriunda dos atos sexuais consentidos, por vontade própria, constitui um verdadeiro
contrassenso a manutenção da condenação, que acarretará na desaglutinação de uma entidade
familiar, protegida pela Carta Magna no art. 226, por ofensa aos postulados da proporcionalidade
e razoabilidade, além dos demais princípios formadores da base legal pátria que norteiam a
regência da vida em sociedade e da proteção à família. Não há que se falar, in casu, na incidência
do Tema nº 918 e da Súmula nº 593 do STJ, sendo imperiosa a absolvição por atipicidade da
conduta, nos termos do art. 386, III, do CPP, em especial porque o sentenciante reconheceu
tais circunstâncias no momento da fixação do regime de cumprimento, definindo-o no aberto,
porque o sentenciado e a vítima continuaram mantendo o relacionamento amoroso após a sua
prisão, prejudicado o pedido de redução da pena imposta. 2. Apelação conhecida e provida.
Sentença reformada. (TJGO; ACr 15354-88.2018.8.09.0105; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Nicomedes
Domingos Borges; DJEGO 21/08/2019; p. 89)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 175

91/36 – EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE PRIORITÁRIA


DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO APRECIADO EM
SEDE DE QUESTÃO DE ORDEM. 1. A Lei nº 9.268/96, ao considerar a multa penal como
dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do
art. 5º, XLVI, c, da CF. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da
multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também
dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela
Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em
prazo razoável (90 dias). 4. Questão de ordem que se resolve no sentido de manter a decisão
impugnada por seus próprios fundamentos. (STF; APen-QO-DS 470; MG; T.P.; Rel. Min.
Roberto Barroso; DJE 06/08/2019; p. 68)

91/37 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE SEM O PAGAMENTO DA MULTA.


PRELIMINAR DE RECONHECIMENTO DO OVERRULING. REJEIÇÃO. TÉCNI-
CA DE SUPERAÇÃO DE PRECEDENTES JUDICIAIS INAPLICÁVEL NA ESPÉCIE.
EXISTÊNCIA DE ENTENDIMENTO SOBRE O TEMA DO PRESENTE AGRAVO EM
SEDE DE SISTEMÁTICA DE RECURSOS REPETITIVOS, VINCULANTE E AINDA
NÃO SUPERADO. POSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO APENAS PELO TRIBUNAL
COMPETENTE RESPONSÁVEL PELO FIRMAMENTO DA ORIENTAÇÃO, IN CASU,
O COLENDO STJ. No mérito, recurso ministerial objetivando a cassação do decisum a quo.
Inadmissibilidade. Malgrado se possa classificar como dívida de valor, a multa não perdeu
sua natureza penal. Interpretação decorrente do princípio constitucional da individualização
da pena, que considera, dentre as sanções penais cabíveis, a multa (art. 5º, XLVI, c, da CF).
Comando normativo superior que há de guiar e orientar a interpretação e aplicação da norma
infraconstitucional. Corolário dessa orientação seria a possibilidade do Estado-Juiz proclamar
a extinção da punibilidade, pelo integral cumprimento da pena, somente depois do recolhi-
mento da multa. Precedentes. Todavia, existência de entendimento atual, pacificado no DTJ,
dentro do sistema de recursos repetitivos (REsp 1.519.777/SP, Tema nº 931), reconhecendo a
possibilidade de extinção da punibilidade, após cumprida a pena privativa de liberdade, inde-
pendentemente do adimplemento da multa. Preliminar rejeitada, agravo não provido. (TJSP;
AG-ExPen 9005200-49.2018.8.26.0050; Ac. 12782374; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva;
DJESP 21/08/2019; p. 2.889)

91/38 – EXTRADIÇÃO PASSIVA. RECIPROCIDADE. DUPLA TIPICIDADE. DU-


PLA PUNIBILIDADE. PRINCÍPIO DA CONTENCIOSIDADE LIMITADA. PRESENÇA
DOS DEMAIS REQUISITOS. LEI DE MIGRAÇÃO. DEFERIMENTO CONDICIONA-
DO À ASSUNÇÃO DE COMPROMISSOS PELO ESTADO REQUERENTE. 1. Admite-se
pedido de extradição formulado por Estado soberano fundado na promessa de reciprocidade,
dispensando-se, nesses casos, a existência de tratado de extradição previamente celebrado com
o Brasil. 2. É competente o Estado requerente para processar e julgar atos tipificados na Lei
Penal estrangeira e brasileira que tenham ocorrido na área de abrangência do Reino Unido,
sobretudo porque guardam correlação com os fatos delituosos praticados, em tese, no território
da Escócia. 3. Presentes os requisitos da dupla tipicidade e dupla punibilidade. 4. É firme o
entendimento desta Corte no sentido de que “o sistema da common law não contempla o ins-
tituto da prescrição, por isso, in casu, deve ser aferida com base na legislação brasileira” (EXT
1.365, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 11.03.2015). 5. Diante da adoção pelo ordenamento jurídico
pátrio do princípio da contenciosidade limitada, ao Supremo Tribunal Federal não é dado
analisar o mérito da acusação ou condenação em que se funda o pedido de extradição, exceto
se constituir requisito previsto na Lei nº 13.445/2017, ou no respectivo acordo de extradição,
se o caso. 6. Nesse âmbito do controle da legalidade externa, tampouco cabe perscrutar as
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
176

inconsistências aventadas pela defesa, porquanto ressuma da instrução deste feito a presença
dos requisitos formais indispensáveis ao deferimento da extradição. Precedentes: EXT 669,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ 29.03.96; EXT 575, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 06.05.94; EXT
1.030, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJ 03.08.2017; EXT 1.013, Rel. Min. Marco
Aurélio; DJ 23.03.07. 7. Pedido de extradição deferido e condicionado à assunção prévia pelo
Estado requerente dos compromissos previstos no art. 96 da Lei nº 13.445/2017, dentre eles
o de detração da pena, a qual deve levar em conta apenas o período de prisão preventiva por
força da extradição. (STF; Ext 1.562; DF; 2ª T.; Rel. Min. Edson Fachin; DJE 06/08/2019; p. 127)

91/39 – FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO (ART. 318 DO CÓDIGO PENAL).


Descumprimento do art. 514 do Código de Processo Penal. Alegada ilegalidade nas inter-
ceptações telefônicas. Matéria infraconstitucional. Ofensa reflexa à Constituição Federal.
Necessidade de reexame do acervo probatório. Súmula nº 279 do STF. Discussão quanto à
possibilidade de prorrogações sucessivas do prazo de autorização judicial para interceptação te-
lefônica. Complexidade da investigação. Repercussão geral reconhecida no processo-paradigma
RE-RG 625.263/PR, de minha relatoria. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão
agravada. Agravo regimental desprovido. (STF; ARE-AgR 1.162.384; SP; 2ª T.; Rel. Min. Gilmar
Mendes; DJE 01/08/2019; p. 537)

91/40 – FALTA GRAVE. DESOBEDIÊNCIA. PENALIDADES. PERDA DE 1/3 DOS


DIAS REMIDOS E A REMIR, BEM COMO A INTERRUPÇÃO DO LAPSO TEMPORAL
PARA FINS DE BENESSES. Requer a defesa, em preliminar, o reconhecimento da prescrição
e da imputação coletiva; no mérito a absolvição diante da precariedade das provas, alegando im-
putação coletiva, e ainda a desclassificação para falta média. Preliminares rejeitadas. Não ocorreu
prescrição. Sindicância não concluída no prazo regimental é mera irregularidade, incapaz de
gerar o vício nulificante almejado. Não se há falar em imputação coletiva. Ação do sentenciado
foi individualizada. Prova cabal e incontroversa. Relatos consonantes e insuspeitos dos agentes
penitenciários. Cabível a desclassificação para falta de natureza média, descrita no art. 45, I,
do Regimento Interno Padrão. Conduta não ultrapassou as regras de urbanidade. Não causou
desordem ou tumulto na unidade prisional. Rejeitadas as preliminares. No mérito, agravo
provido em parte para o fim de desclassificar a falta disciplinar para falta de natureza média,
cancelando os efeitos decorrentes da falta grave. (TJSP; AG-ExPen 9004596-88.2018.8.26.0050;
Ac. 12776940; 1ª C.D.Crim.; Rel. Des. Péricles Piza; DJESP 21/08/2019; p. 2.783)

91/41 – FALTA GRAVE. Recurso defensivo. Absolvição por atipicidade da conduta


ou desclassificação para falta leve. Viável a desclassificação da falta grave para falta disciplinar
de natureza leve. Conduta do agravante que não caracterizou. Desobediência. Reeducando
que entrou em cela alheia sem autorização. Falta disciplinar de natureza leve prevista no art.
44, V, do Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo.
Recurso parcialmente provido. (TJSP; AG-ExPen 9000596-93.2019.8.26.0637; Ac. 12779720;
16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Leme Garcia; DJESP 21/08/2019; p. 2.906)

91/42 – FALTA GRAVE RECONHECIDA PELO COMETIMENTO DE NOVO


CRIME DURANTE O LIVRAMENTO CONDICIONAL E REVOGAÇÃO DO BENE-
FÍCIO PELO DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS. REFORMA DA
DECISÃO. NECESSIDADE. Não há como manter o reconhecimento da falta grave no caso
de o reeducando cometer novo crime durante o período de prova sob pena de caracterizar o
vedado bis in idem, pois o Código Penal e a Lei de Execução Penal já preveem a suspensão e a
revogação do livramento condicional. A despeito do descumprimento de uma das condições
impostas quando da concessão do livramento condicional, mostra-se desproporcional e de-
sarrazoada a revogação do benefício, pois, além de se tratar de revogação facultativa (art. 87 do
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 177

Código Penal), o apenado cumpriu, durante anos, todas as demais condições impostas para o
livramento condicional. (TJMG; Ag-ExcPen 0366773-53.2019.8.13.0000; 1ª C.Crim.; Rel. Des.
Flávio Leite; DJEMG 21/08/2019)

91/43 – FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE AGENTES. PROVIMENTO


PARCIAL DO RECURSO DA APELANTE. NÃO ACOLHIMENTO DO INCON-
FORMISMO DO RECORRENTE. Materialidade delitiva, autoria e qualificadora estão
comprovadas pela prova oral e documentos existentes nos autos. Conduta típica. Princípio
da insignificância, inaplicável na hipótese. Valor do bem subtraído, que embora não seja de
grande monta, não basta, por si só, para o reconhecimento do crime de bagatela. A lesividade
individual e pública, no caso em apreço, é marcante, não se podendo desprezar o reflexo à
insegurança pública. Apelantes que respondem a outros processos pela prática de delitos contra
o patrimônio. Dosimetria. Penas bem fixadas. Necessidade de aplicação do privilégio (CP, art.
155, § 2º), com relação à apelante, ante a presença de seus requisitos. Primariedade e pequeno
valor da coisa (R$ 30,00). Pena de reclusão substituída por detenção, medida adequada à hi-
pótese. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, fixado o regime
aberto para o caso de descumprimento e conversão. (TJSP; ACr 3002670-96.2013.8.26.0165;
Ac. 12780835; 8ª C.D.Crim.; Rel. Des. Tetsuzo Namba; DJESP 21/08/2019; p. 2.862)

91/44 – FURTO QUALIFICADO. EMPREGO DE CHAVE FALSA (CHAPOLIN) E


CONCURSO DE AGENTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMA-
ÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTOS. PREJUÍZO À DEFESA NÃO DEMONSTRADO.
RÉU E ADVOGADO PRESENTES NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMEN-
TO. CONDENAÇÃO. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A
análise das nulidades processuais deve ser feita sob a luz da prejudicialidade. É a consagração
da instrumentalidade das formas. No caso, embora não tenha sido intimado do despacho que
determinou a disponibilização de mídia física às partes (Ordem nº 108, de 08.11.2017), relativa
ao vídeo juntado posteriormente à denúncia, o apelante encontrava-se presente e acompanhado
de seu advogado na audiência de instrução e julgamento na qual deferida a juntada da refe-
rida mídia, conforme registrado em ata (Ordem nº 56, de 02.08.2017). 2. Não se verificando
quadro de fragilidade probatória quanto à autoria, mostra-se correta a sentença que imputou
aos apelantes a prática de furto qualificado mediante concurso de agentes e com a utilização
de chave falsa (dispositivo bloqueador de trava de veículos). 3. Recursos não providos. (TJAP;
APL 0004443-37.2017.8.03.0002; C.Un.; Rel. Des. Rommel Araújo; DJEAP 20/08/2019; p. 79)

91/45 – FURTO QUALIFICADO. FIANÇA ARBITRADA. Impossibilidade de


pagamento do valor estabelecido pela hipossuficiência do paciente. Liberdade do paciente
que não pode depender de sua capacidade financeira. Revogação da prisão preventiva, com a
imposição de medidas cautelares. Ordem concedida, confirmando-se a liminar. (TJSP; HC
2162895-10.2019.8.26.0000; Ac. 12779849; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Leme Garcia; DJESP
21/08/2019; p. 2.906)

91/46 – FURTO QUALIFICADO TENTADO. PRISÃO EM FLAGRANTE


CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENI-
ÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONS-
TRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o STF pacificaram orientação no sentido de
que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto
para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a
existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem,
de ofício. 2. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, poderá ser decretada para
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
178

garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou


para assegurar a aplicação da Lei Penal, desde que presentes prova da existência do crime e
indícios suficientes de autoria. 3. No caso dos autos, a custódia provisória foi decretada com
base no fato de o paciente viver em situação de rua, ser desempregado e usuário de substância
ilícita, sem a observância do disposto no art. 312 do CPP, relacionando o caso concreto aos
requisitos legais. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para revogar a prisão
preventiva imposta ao paciente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas no art.
319 do CPP, a critério do Juízo de primeiro grau. (STJ; HC 520.427; Proc. 2019/0199053-6;
SC; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/47 – HABEAS CORPUS. RECURSO ORDINÁRIO. SUBSTITUIÇÃO. Em jogo,


na via direta, a liberdade de ir e vir do cidadão, cabível é o habeas corpus ainda que substitutivo
de recurso ordinário constitucional. Pena. Regime de cumprimento. A teor do disposto no § 2º
do art. 387 do CPP, o período de custódia provisória repercute na fixação do regime de cumpri-
mento da pena. (STF; HC 153.087; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 15/08/2019; p. 65)

91/48 – HOMICÍDIO. NULIDADE DO JULGAMENTO EM RAZÃO DE FA-


TOS NOVOS TRAZIDOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DURANTE A SESSÃO DE
JULGAMENTO. ALEGAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO. SOBERANIA
DOS VEREDICTOS. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS
AUTOS. INEXISTÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO
AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 1. Nos processos de competência do
júri o momento processual adequado para arguição de nulidades ocorridas durante o julgamento
é a própria sessão plenária, devendo a parte requerer que conste na ata de julgamento seu in-
conformismo, sob pena de preclusão, ex vi do art. 571, VIII, do CPP. 2. Por força do princípio
constitucional da soberania dos veredictos, deve prevalecer a decisão do Conselho de Sentença
que, diante de duas versões bem definidas no processo, opta por aquela que mais lhe pareceu
verossímil perante o que restou apurado no processo. 3. O julgamento manifestamente con-
trário à prova dos autos somente se configura quando a deliberação do júri se revela arbitrária,
não encontrando mínimo respaldo em qualquer parcela do conjunto das provas produzidas
no contexto do devido processo legal. 4. Correta é a sentença monocrática que fixa sanção em
patamar necessário à prevenção e repressão ao delito praticado. 5. Ausente vedação para que
seja determinada a prisão do réu logo após julgamento pelo júri popular quando demonstrada
sua necessidade, não tendo que se falar em ofensa ao princípio da presunção de inocência.
Precedentes do STJ. 6. Apelo não provido. (TJAP; APL 0018018-52.2016.8.03.0001; C.Un.;
Rel. Des. Gilberto Pinheiro; DJEAP 21/08/2019; p. 14)

91/49 – HOMICÍDIO CULPOSO. OMISSÃO DE SOCORRO. FUGA DO LO-


CAL DO ACIDENTE. DUPLA PUNIÇÃO. 1. A majorante prevista no art. 302, § 1º, III,
do CTB, deve incidir mesmo que o acusado venha a responder pelo crime do art. 305 do
mesmo diploma legal, não se sujeitando à vedação imposta pelo princípio do ne bis in idem. 2.
Recurso provido. (TJAP; APL 0037680-31.2018.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. Carmo Antônio;
DJEAP 19/08/2019; p. 24)

91/50 – HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR.


DECISÃO DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR INÉPCIA. MERA DESCRIÇÃO DE
QUE O AGENTE CONDUZIA O VEÍCULO E NÃO SOCORREU A VÍTIMA. NECES-
SIDADE DE A DENÚNCIA INDICAR INOBSERVÂNCIA DE DEVER DE CUIDADO.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Para o recebimento de denúncia impu-
tando a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, majorado pela omissão
de socorro, é indispensável que seja indicada uma atitude temorosa do agente na direção do
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 179

veículo que configure inobservância do dever objetivo de cuidado, sob pena de violação ao
princípio da ampla defesa. 2. Apesar de não ser necessária a existência de prova irrefutável de
autoria para o início da persecução criminal, a denúncia que se limita a descrever que o denun-
ciado conduzia o veículo sequer cumpre os requisitos do art. 41 do CPP, devendo ser rejeitada
pela inépcia. 3. Recurso conhecido e não provido. (TJAL; RSE 0849682-61.2017.8.02.0001; 1ª
C.Cív.; Rel. Des. Washington Luiz Damasceno Freitas; DJAL 12/08/2019; p. 127)

91/51 – HOMICÍDIO DOLOSO. ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CON-


DUTA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE FALTA DE
DEVER DE CUIDADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Restando evidente que uma arma de fogo
e munições não se encontravam em local seguro e inacessível, tendo em vista que a simples
busca de um objeto de uso corriqueiro (barbeador) possibilitou que os mencionados artefatos
fossem encontrados por duas crianças, demonstrada está a inobservância do dever objetivo de
cuidado, própria dos crimes culposos. 2. No mesmo sentido, é perfeitamente possível antever
um resultado quando se tem arma de fogo e munições, em perfeito estado de uso, armaze-
nadas de forma irregular e sem qualquer registro, em sua residência, mormente quando não
se toma as devidas cautelas para ocultá-las em local a que uma criança não pudesse ter fácil
acesso. REDUÇÃO DA SANÇÃO CORPÓREA. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO
DA AGRAVANTE DO CRIME PRATICADO CONTRA CRIANÇA. Como é cediço nos
entendimentos doutrinários e jurisprudencial pátrios, as hipóteses previstas no inciso II do
art. 61 do Código Penal, como no caso da alínea h, deverão ser aplicadas exclusivamente aos
crimes dolosos, uma vez que o resultado naturalístico produzido nas condutas culposas é
involuntário. EXCLUSÃO OU REDUÇÃO DO VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO.
PROCEDÊNCIA. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a fixação do
valor mínimo para a indenização dos prejuízos suportados pelo ofendido depende de pedido
expresso e formal, de modo a oportunizar a ampla defesa e o contraditório. Sendo assim, tendo
em vista que o Ministério Público, tampouco os representantes legais da vítima, efetuaram o
mencionado pedido expresso, deverá o valor mínimo indenizatório ser afastado, sem preju-
ízo de se pleitear possíveis danos na esfera cível. Recurso conhecido e parcialmente provido.
(TJGO; ACr 16631-28.2018.8.09.0142; 2ª C.Crim.; Relª Desª Carmecy Rosa Maria Alves de Oliveira;
DJEGO 20/08/2019; p. 123)

91/52 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. ATUAÇÃO EM LEGÍTIMA DEFESA.


ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. TESES REJEITADAS PELA
ANÁLISE DA PROVA TÉCNICA. QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL. AUSÊNCIA
TOTAL DE PROVA JUDICIALIZADA. DECOTE. NECESSIDADE. A prova que sustenta
a pronúncia deve ser aquela produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (prova
judicializada), não se admitindo que elemento inquisitorial a fundamente, salvo provas caute-
lares, não repetíveis (a prova técnica) ou antecipadas. V. V. Não se exclui qualificadora que não
seja manifestamente contrária às provas dos autos, porque na fase sumariante eventual dúvida
reverte-se em favor da sociedade. (TJMG; RSE 0011400-15.2017.8.13.0701; 5ª C.Crim.; Rel.
Des. Alexandre Victor de Carvalho; DJEMG 21/08/2019)

91/53 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO


DE REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. NECESSIDADE DE OBEDIÊNCIA AO
REQUISITO OBJETIVO PREVISTO NO ART. 2º, § 2º, DA LEI Nº 8.072/90. CONSTI-
TUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO LEGAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO PELO MA-
GISTRADO A QUO. DECISÃO EQUIVOCADA. NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO
DE 2/5 A 3/5 DA PENA. AGRAVO EM EXECUÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. 1. No
caso em tela, tem-se que o Juízo de Execuções concedeu ao requerido à progressão de regime
baseado no cumprimento da pena em 1/6, apesar de tratar-se de crime hediondo, onde requer
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
180

obediência ao requisito objetivo estabelecido no art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90. 2. Em que
pese a fundamentação apresentada pelo magistrado, tenho, na oportunidade, por discordar da
decisão apontada, tendo em vista que o STF, já firmou o entendimento de que o referido artigo
é constitucional, ou seja, que para a concessão da progressão de regime aos condenados por
crimes hediondos ou equiparados, é necessário o cumprimento de 2/5 da pena, se primário
ou 3/5 se reincidente. 3. Agravo em execução penal conhecido e provido, em harmonia com o
parecer ministerial. (TJAM; AgExPen 0642132-08.2018.8.04.0001; 2ª C.Crim.; Relª Desª Onilza
Abreu Gerth; DJAM 29/07/2019; p. 80)

91/54 – IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS. PEQUENA


QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. Na importação irregular de
pequena quantidade de medicamentos de origem estrangeira, incide a norma geral de puni-
ção à importação de produto proibido (contrabando), prevista no art. 334 do Código Penal,
admitindo-se a aplicação do princípio da insignificância, em face da ausência de potencial lesivo
à saúde pública, quando não há indícios de que o produto se destinasse ao comércio irregular.
Embargos infringentes providos. (TRF 4ª R.; EI 5004389-75.2016.4.04.7002; PR; 4ª S.; Rel.
Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz; DEJF 20/08/2019)

91/55 – INDEFERIMENTO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. CONDE-


NAÇÃO ANTERIOR POR TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO. CRIME EQUI-
PARADO A HEDIONDO. Decisão no HC 118.533 que não possui eficácia erga omnes e efeito
vinculante. Reconhecida a reincidência específica. Impossibilidade de concessão do livramento
condicional. Inteligência do disposto no art. 83, V, do CP. Decisão mantida. Recurso não pro-
vido. (TJSP; AG-ExPen 9001470-93.2019.8.26.0050; Ac. 12782561; 15ª C.D.Crim.; Rel. Des.
Cláudio Marques; DJESP 21/08/2019; p. 2.904)

91/56 – INSCRIÇÃO DEFINITIVA NOS QUADROS DA ORDEM DOS ADVO-


GADOS DO BRASIL (OAB). EXISTÊNCIA DE REGISTROS CRIMINAIS. Procedimentos
penais de que não resultou condenação criminal transitada em julgado. Indeferimento de
pedido. Impossibilidade. Transgressão ao postulado constitucional da presunção de inocência
(CF, art. 5º, LVII). Sucumbência recursal (CPC, art. 85, § 11). Não decretação, no caso, ante a
inadmissibilidade de condenação em verba honorária, por tratar-se de processo de mandado de
segurança (Súmula nº 512/STF e Lei nº 12.016/09, art. 25). Agravo interno improvido. (STF;
ARE-AgR-AgR 1.160.400; SP; 2ª T.; Rel. Min. Celso de Mello; DJE 28/06/2019)

91/57 – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. LEGALIDADE. PRISÃO PRE-


VENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E RESGUARDO DA APLICAÇÃO
DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Sobejam fundamentos a respaldar a
legalidade do decreto prisional preventivo, apoiado em elementos concretos para resguardo
da ordem pública e eventual aplicação da lei penal (CPP, art. 312). 2. A acusação, formulada
em três processos distintos, envolve o elaborado modus operandi de uma quadrilha organizada
com atuação no tráfico internacional de entorpecentes, tendo sido realizada a apreensão –
tema tratado em outro processo – de 4,5 toneladas de drogas, dentre elas, 2 de cocaína; e na
lavagem de capitais. 3. O juiz, tanto no caso da apreensão, quanto na lavagem de capitais, bem
fundamentou a necessidade da segregação cautelar de quem é apontado como um dos líderes
de relevante organização criminosa, e que evadiu-se na Bolívia, quando teve oportunidade. 4.
A jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido de que “a custódia cautelar visando a
garantia da ordem pública legitima-se quando evidenciada a necessidade de se interromper ou
diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, bem como quando evidenciada a
periculosidade do agente pelo modus operandi empregado na prática criminosa” (RHC 122.094,
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 181

Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 04.06.2014). 5. Habeas corpus indeferido. (STF; HC
154.438; Rel. p/o Ac. Min. Alexandre de Moraes; DJE 01/07/2019)

91/58 – JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SUBMISSÃO A NOVO JULGA-


MENTO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO NÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA
À PROVA DOS AUTOS. REDUÇÃO DA PENA-BASE. VIABILIDADE. FRAÇÃO DE
REDUÇÃO DA PENA PELA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REVI-
SÃO. INCIDÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA EM MAIOR
GRAU. NÃO CABIMENTO. 1. Somente a decisão que não encontra o menor respaldo nos
elementos de convicção carreados aos autos pode ser tida como manifestamente contrária às
provas, a ponto de ensejar a submissão dos réus a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. 2.
Verificado que a pena-base dos réus foi fixada em dissonância dos elementos extraídos dos
autos, necessário proceder à sua redução. 3. A despeito da ausência de previsão legal do quantum
de aumento ou redução da pena em razão das agravantes e atenuantes genéricas, a doutrina e
a jurisprudência majoritárias entendem que tal variação não deve ultrapassar o limite mínimo
das majorantes e minorantes, de 1/6 (um sexto), sob pena de se equipararem a elas. 4. No que
se refere ao quantum de diminuição em razão da participação de menor importância, a fração
adotada na sentença deve ser mantida, eis que devidamente justificada. (TJMG; APCR 2366657-
14.2014.8.13.0024; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Eduardo Machado; DJEMG 21/08/2019)

91/59 – LESÃO CORPORAL CULPOSA. INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNI-


CA DE PROFISSÃO. DISPARO ACIDENTAL. RESERVA DE ARMAMENTO. ARMEIRO.
AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. TESES DEFENSIVAS.
CULPA CONCORRENTE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. ATIPICIDADE DA
CONDUTA. DESCLASSIFICAÇÃO. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR. NÃO ACO-
LHIMENTO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. REFORMA. RECURSO PROVIDO. UNA-
NIMIDADE DE VOTOS. 1. Constitui lesão corporal culposa, agravada pela inobservância
de regra técnica de profissão, a conduta incauta do graduado investido na função de armeiro,
o qual despreza as normas administrativas relativas aos procedimentos no interior da Reserva
de Armamento, dando causa a disparo acidental e a consequente ofensa à integridade física de
outrem. 2. No direito penal comum e militar, cada um dos agentes responde segundo o seu
grau de culpa, inexistindo a compensação entre as respectivas negligências. 3. Inexiste culpa
exclusiva da vítima quando fica caracterizada, pela prova colhida durante a instrução criminal,
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que a conduta negligente do agente produziu
o resultado naturalístico de lesão corporal. 4. A conduta do agente que se achega a uma ilha
de tipicidade e se insere nas ações proibidas pelo direito penal, caracterizando a ocorrência de
crime militar, não pode ser analisada sob a restrita ótica de transgressão disciplinar. 5. Recurso
conhecido e provido. Decisão unânime. (STM; APL 7000085-10.2019.7.00.0000; Rel. Min.
Marco Antônio de Farias; DJSTM 19/08/2019; p. 7)

91/60 – LIVRAMENTO CONDICIONAL INDEFERIDO COM BASE NA AU-


SÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. PUNIÇÃO DA FALTA GRAVE ANTERIOR
COM A REGRESSÃO DE REGIME. BIS IN IDEM. I – Se o reeducando já foi penalizado pela
prática de falta grave pretérita, ao ter o seu regime de expiação regredido no curso da execução,
não poderia ter o pleito de livramento condicional negado em razão da mesma falta, sob pena
de se incorrer em bis in idem, mormente quando inexiste notícia superveniente de qualquer
conduta configuradora de mau comportamento, evidenciando o desiderato ressocializante.
Agravo conhecido e provido. (TJGO; AgExPen 5841-14.2018.8.09.0003; 1ª C.Crim.; Rel. Juiz
Aureliano Albuquerque Amorim; DJEGO 21/08/2019; p. 75)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
182

91/61 – MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA, MA-
TERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. INCABÍVEL A DESCLASSIFICAÇÃO PARA
O TIPO DESCRITO NO § 2º DO ART. 289 DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA COR-
RETAMENTE APLICADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Recurso de apelação interposto
pelo réu, em face da sentença que o condenou pela prática do crime de moeda falsa, previsto
no art. 289, § 1º, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão e
10 (dez) dias-multa, a ser cumprida em regime inicialmente aberto. 2. Nara a denúncia que,
no dia 13 de abril de 2014, o réu consciente e voluntariamente, teria introduzido em circulação
duas cédulas de Real falsas, uma de R$ 50,00 (cinquenta reais) e outra de R$ 20,00 (vinte reais),
quando efetuou o pagamento de bebidas alcoólicas na banca do Sr. Fábio Júlio Rodrigues, na
festa denominada “Esquenta Junino”, festejo de São João fora de época, que acontece no bairro
Caimbé. 3. A materialidade e a autoria delitiva ficaram comprovadaa pelo Laudo de Exame de
Moeda (Cédula) nº 131/2014-SETEC/SR/DPF/RR, que teve por objeto as notas apreendidas
e concluiu positivamente acerca da falsificação, esclarecendo, ademais, que “a falsificação é de
boa qualidade” (não grosseira), bem como pela testemunhal produzida. 4. O dolo ficou evi-
denciado pela conduta do réu que demonstra claramente que ele tinha ciência da falsidade das
cédulas e mesmo assim tentou introduzir as notas em circulação. Nota-se aqui o modus operandi
comum no crime de moeda falsa consistente, no caso, em repassar uma nota de valor maior
para comprar produto de valor bem inferior (o réu fez compras de bebidas em várias barracas).
5. A pretensão à desclassificação para o tipo descrito no § 2º do art. 289 é improcedente. A
incidência desse tipo penal demanda prova de que o agente recebeu as cédulas de boa-fé, o que
não se verifica nos presentes autos. Ao contrário, os elementos probatórios constantes dos autos,
vistos em conjunto, são suficientes à conclusão, em nível acima de dúvida razoável, de que o
acusado tinha ciência prévia da falsidade das cédulas. 6. No que tange à dosimetria da pena, o
direito penal brasileiro adota o critério trifásico, elaborado por Nélson Hungria, conforme se
extrai do art. 68 do CP. Nesse sistema, há de se observar três etapas. Na primeira, calcula-se
a pena base conforme as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Na segunda, o magistrado
aplica as atenuantes e agravantes que porventura venham a existir. Por fim, na terceira fase,
verifica-se a existência de eventuais majorantes e minorantes. Não merece reforma a sentença,
não havendo alterações a serem feitas na pena, notadamente por ter sido fixada no mínimo
legal. 7. Apelação a que se nega provimento. (TRF 1ª R.; ACR 0002357-07.2014.4.01.4200;
RO; 4ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. Leão Aparecido Alves; DJF1 14/08/2019)

91/62 – MOEDA FALSA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPRO-


VADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA-BASE REDIMENSIONADA. APENAS
MAUS ANTECEDENTES. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA ATENUANTE DA
CONFISSÃO. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO CONFORME ENTENDIMENTO
DO STJ. REGIME SEMIABERTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A prova
acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria delitiva e o dolo, devendo
ser mantida a condenação do acusado pela prática do crime previsto no art. 289, § 1º, do Código
Penal, nos termos da sentença. 2. Dosimetria da pena. Fixação da pena-base acima do mínimo
legal em 1/3 em razão dos maus antecedentes. Reconhecimento, de ofício, da atenuante da
confissão, em razão de o acusado ter admitido a prática delitiva ainda que de forma parcial,
nos termos da Súmula nº 545 do STJ. Agravante da reincidência presente, mas resta cabida a
compensação da atenuante da confissão com a agravante da reincidência, em consonância com
a jurisprudência do STJ, por entenderem ambas preponderantes (EREsp 1.154.752/RS, de
relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 04.09.2012). 3. A pena de multa do tipo deve
seguir aos mesmos parâmetros da pena privativa de liberdade, em obediência aos princípios
da proporcionalidade e razoabilidade. 4. Fixação do regime inicial semiaberto, termos do art.
33, § 3º, do Código Penal. Mantida, no mais, a r. sentença. 5. Recurso da defesa parcialmente
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 183

provido. (TRF 3ª R.; ACR 0003914-92.2016.4.03.6143; 5ª T.; Rel. Des. Fed. Maurício Kato;
DEJF 21/08/2019)

91/63 – ORDEM EM HABEAS CORPUS CONCEDIDA. DETERMINAÇÃO


DO STF PARA AFASTAR O RECONHECIMENTO DE MAUS ANTECEDENTES
DECORRENTES DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO ALCANÇADA
PELO PERÍODO DEPURADOR DE CINCO ANOS. DOSIMETRIA DA PENA RETIFI-
CADA. 1. Concedida a ordem em recurso de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública
da União em favor do réu, retornaram os autos para cumprimento do quanto determinado
pelo Pretório Excelso. 2. No caso dos autos, o réu foi condenado como incurso nas sanções do
crime previsto no art. 157, § 2º, I, II e V, do Código Penal. 3. O réu ostenta condenação com
trânsito em julgado e extinção da punibilidade verificados há cerca de oito anos, conforme
documentação acostada no Apenso de Antecedentes. 4. O STF firmou o entendimento de que,
atingido o prazo depurador, a condenação definitiva não mais pode influenciar o quantum da
pena em qualquer de seus desdobramentos. Reassenta assim a inadmissibilidade de status de
perpetuidade das penas (art. 5º, XLVII, b, da CF), bem como a desproporcionalidade em relação
aos seus efeitos para além da reprimenda corporal. Conclui que, inexistindo previsão legal ou
constitucional, o agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas
em julgado há mais de cincos seria analogia in malam partem, método de integração vedado em
nosso ordenamento (HC 126.315/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 15.09.2015). 5. Afastados os
maus antecedentes e não subsistindo outras circunstâncias judiciais desabonadoras em face
do acusado, deve a pena-base ser fixada no mínimo legal. 6. Inalterados demais aspectos da
dosimetria, a pena foi então redimensionada para 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez)
dias de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. 7. O regime inicial mantém-se
no semiaberto, suficiente em razão do quantum de pena aplicada, nos termos do art. 33, § 2º,
b, do Código Penal. 8. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
não se mostra possível, dada a condenação por crime cometido com grave ameaça à pessoa,
nos termos do art. 44, I, do Código Penal. (TRF 3ª R.; ACR 0015488-66.2015.4.03.6105; SP;
5ª T.; Rel. Des. Fed. Paulo Fontes; DEJF 21/08/2019)

91/64 – PECULATO NO EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO. RÉU


CONDENADO A 6 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO NO REGIME FECHADO.
EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. EXECUÇÃO ANTECIPADA DA
PENA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA, ILEGALIDADE FLAGRANTE OU ABUSO DE
PODER. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA FIXAR O REGIME SEMIA-
BERTO ATÉ O JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL PELO STJ. 1. A execução
provisória de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, ainda que
sujeita a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presun-
ção de inocência ou não culpabilidade. Precedentes. 2. Primeiro grau e segundo grau foram
convergentes em condenar o paciente a 6 anos e 8 meses de reclusão, no regime inicialmente
fechado, por peculato no exercício de cargo em comissão. As peculiaridades da causa, contudo,
autorizam a concessão parcial da ordem para fixar o regime prisional semiaberto até o julgamento
do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça. 3. Habeas corpus parcialmente concedido
apenas para fixar o regime semiaberto até o julgamento do recurso especial pelo STJ. (STF;
HC 161.224; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 08/08/2019; p. 55)

91/65 – PENA. ATENUANTE. IDADE. INCIDÊNCIA. Contando o acusado com


mais de 70 anos à época da sentença, incide a atenuante prevista no art. 65, I, segunda parte,
do Código Penal. (STF; HC 159.171; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 15/08/2019; p. 66)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
184

91/66 – PENA RESTRITIVA DE DIREITOS CONVERTIDA EM PRIVATIVA DE


LIBERDADE. DECISÃO QUE NÃO RECONHECEU A PRESCRIÇÃO DA PRETEN-
SÃO EXECUTÓRIA. Pretendido o reconhecimento dessa causa extintiva da punibilidade.
Admissibilidade. Decurso do lapso prescricional a partir da interrupção da execução. Inteligência
do art. 112 do Código Penal e da Súmula nº 497 do STF. Recurso provido. (TJSP; AG-ExPen
7000719-43.2019.8.26.0050; Ac. 12781993; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva; DJESP
21/08/2019; p. 2.887)

91/67 – POLUIÇÃO SONORA. AFERIÇÃO DO NÍVEL DE RUÍDO. INSUFICI-


ÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. 1. Para caracterização do crime de poluição sonora é
essencial a prova de que os ruídos produzidos ultrapassaram os limites permitidos na legislação
correlata. 2. Não se desincumbindo a acusação do ônus de comprovar a materialidade ou a
autoria delitiva, remanescendo dúvidas, inviável a condenação, pelo que deve ser mantida a
sentença absolutória, em respeito ao princípio do in dubio pro reo. 3. Recurso não provido. (TJAP;
APL 0053473-44.2017.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des. Carmo Antônio; DJEAP 19/08/2019; p. 28)

91/68 – POSSE DE ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRA-


ÇÃO MILITAR. 1. Autoria e materialidade. Comprovação. Laudo pericial. Validade. 2. Art.
290 do CPM. Constitucionalidade. 3. Princípios da insignificância e da proporcionalidade.
Ínfima quantidade de maconha. Ausência de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Crime de
perigo abstrato. Inaplicabilidade. 4. Aplicação de norma mais benigna. Conduta descrita no
CPM. Princípio da especialidade. 5. Não provimento. Decisão por unanimidade. A autoria e
a materialidade são incontestes, encontrando-se plenamente comprovadas nos autos. O laudo
pericial, expedido pelo núcleo de toxicologia forense da perícia forense do Estado do Ceará,
foi redigido por perita oficial, nele constando todas as informações aptas a conferir grau de
certeza absoluta quanto à natureza da substância apreendida, segundo os critérios essenciais,
a atestar a presença do tetrahidrocanabinol. O art. 290 do CPM está em perfeita consonância
com o texto constitucional de 1988, considerando-se que a posse de substância entorpecente
por militar em lugar sujeito à administração militar, como ocorreu no presente caso, afronta
a hierarquia e a disciplina inerentes às instituições militares. Em precedentes do STF e desta
Superior Corte castrense tem sido consagrada a inaplicabilidade do princípio da insignificância
à posse de substância entorpecente por militar em lugar sujeito à administração militar, mesmo
em se tratando de quantidade reduzida, posto que o crime tipificado no art. 290 do CPM é de
perigo abstrato, não se exigindo, para a sua configuração, que efetivamente ocorra lesão ao bem
jurídico tutelado. Aliás, a questão da posse de substância entorpecente dentro da caserna não se
relaciona com a quantidade ou com a espécie da droga apreendida, mas sim com a qualidade
da relação jurídica entre o militar e a força armada que integra. Ademais, tendo em vista o bem
jurídico tutelado pelo Código Penal Militar, não há que se falar em aplicação alternativa de lei
supostamente mais benigna, uma vez que a especialidade da Justiça Militar confere à legislação
penal castrense regras particulares, que não podem ser revogadas por leis ordinárias, como é o
caso da Lei nº 11.343/06, que se revela norma penal comum e que possui caráter geral. Apelo
defensivo a que se nega provimento. Decisão unânime. (STM; APL 7000638-91.2018.7.00.0000;
Rel. Min. Alvaro Luiz Pinto; DJSTM 20/08/2019; p. 5)

91/69 – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL.


DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA PARA A
ACUSAÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. De acordo com a literalidade do
art. 112, I, do CP, o termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória
é o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação. Precedentes do STJ. 2. A
existência de precedente recente do STF em sentido contrário não tem o condão de alterar o
posicionamento pacífico deste Sodalício, a quem compete a uniformização da interpretação
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 185

da legislação infraconstitucional, uma vez que se trata de decisão proferida pela maioria dos
integrantes de apenas um dos órgãos fracionários do pretório Excelso, que, embora tenha
reconhecido a repercussão geral do tema no ARE 848.107 RG/DF, ainda não fixou seu en-
tendimento sobre a questão. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC 516.214; Proc.
2019/0174684-0; SP; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 20/08/2019)

91/70 – PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. DEFERIMENTO. Parquet


busca a cassação da decisão, ante o não preenchimento do requisito subjetivo, por se tratar de
crime grave. Pleiteia a realização de exame criminológico e que a data base para benefícios seja a
partir da concessão do benefício. Inviabilidade. A gravidade abstrata do delito foi sopesada pelo
legislador, ao cominar a pena ao tipo; as circunstâncias concretas das infrações praticadas pelo
sentenciado foram examinadas nos processos de conhecimento, nas individualizações de suas
penas. Exame criminológico cabível em caráter excepcional, a critério do Juiz. Desnecessário na
espécie. Condições legais atendidas. Data base para a concessão de benefício é a data do preenchi-
mento dos requisitos legais. Precedentes jurisprudenciais: STF e STJ. Progressão corretamente
deferida. Agravo ministerial não provido. (TJSP; AG-ExPen 9000635-64.2018.8.26.0269; Ac.
12777534; 1ª C.D.Crim.; Rel. Des. Péricles Piza; DJESP 21/08/2019; p. 2.780)

91/71 – PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. INDEFERIMENTO. Preten-


dida a concessão do benefício. Admissibilidade. Longa pena a cumprir e gravidade das condutas
praticadas pelo sentenciado inaptas a fundamentar a decisão indeferitória, ante a inexistência de
previsão legal a respeito. Criação judicial de requisitos para a progressão que viola a separação
de poderes. Exame criminológico atual favorável. Bom comportamento durante a execução da
pena. Ausência de falta disciplinar recente. Indícios de absorção da terapêutica penal. Requisitos
preenchidos. Benesse cabível. Recurso provido. (TJSP; AG-ExPen 9000557-33.2018.8.26.0637;
Ac. 12782372; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva; DJESP 21/08/2019; p. 2.889)

91/72 – PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. JUSTIFICA-


ÇÃO ADEQUADA. POSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. As instâncias ordi-
nárias apenas determinaram a renovação do exame criminológico anteriormente determinado,
haja vista o considerável lapso temporal em relação ao primeiro. Destaque-se que o paciente,
além de ter cometido crimes gravíssimos com violência à pessoa, foi reprovado no primeiro
exame criminológico, o que torna imperativa a nova avaliação para que seja aferido o requisito
subjetivo e a capacidade do paciente de gozar do menor rigor do regime semiaberto. 2. Agravo
regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC 518.465; Proc. 2019/0186811-6; SP; 5ª T.; Rel. Min.
Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/73 – PROVA INDICIÁRIA. ROUBO IMPRÓPRIO. ART. 157, § 1º, DO CP.


DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DE OFÍCIO. EMENDATIO LIBELLI. ART. 383
DO CPP. FURTO E LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA GRAVE. ART. 155, § 4º, III,
DO CP E ART. 129, § 1º, I, DO CP. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. ART. 69 DO
CP. RESISTÊNCIA. ART. 329 DO CP. A conduta descrita na denúncia não se amolda, de
fato, ao disposto no art. 157, § 1º, do Código Penal, impondo-se a desclassificação para crime
de furto qualificado, na forma consumada (art. 155, § 4º, III, do Código Penal), em concurso
material com o crime de lesão corporal grave (art. 129, § 1º, I, do Código Penal), pelo que
procedo, de ofício, à emendatio libelli (art. 383 do CPP). A emendatio libelli é perfeitamente
possível na fase recursal, ressalvada a hipótese de reformatio in pejus, quando apenas a defesa
tiver recorrido, nos termos do art. 617 do CPP. É cabível a condenação criminal, devidamente
fundamentada, ante a presença de indícios veementes da prática delituosa. Ainda que não seja
suficiente a presença de um indício isolado, é reconhecida a validade jurídica da prova indiciária,
quando verificada a coexistência de vários vestígios concretos que se apresentem coesos com
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
186

aquela realidade que se propõe evidenciar. Sob pena de violação ao ne bis in idem, afasta-se a
condenação pelo art. 329 do Código Penal. Embargos infringentes desprovidos. (TRF 4ª R.;
ENUL 5001592-58.2018.4.04.7002; PR; 4ª S.; Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores
Lenz; DEJF 20/08/2019)

91/74 – QUEBRA DE SIGILO DE DADOS PELA RECEITA FEDERAL. SONE-


GAÇÃO DE TRIBUTOS. IMPOSTO DE RENDA. MATERIALIDADE E AUTORIA.
DOSIMETRIA PENAL. I – Materialidade e autoria demonstradas com relação ao crime des-
crito no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90. Movimentação de conta bancária superior a R$ 22
milhões de reais em ano calendário no qual a empresa firmou declaração de inativa perante a
Receita Federal. II – A transferência de dados sigilosos entre bancos e o Fisco é permitida pelo
art. 6º da Lei Complementar nº 105/01, cuja constitucionalidade já foi reafirmada pelo STF
com repercussão geral (RE 601.314). III – Dosimetria mantida. Inviável a fixação de pena base
no mínimo legal em se tratando de fatos cujo crédito tributário sonegado atingiu valor superior
a R$ 5 milhões. IV – Recurso não provido. Sentença mantida. (TRF 2ª R.; ACR 0001914-
10.2012.4.02.5102; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Abel Gomes; DEJF 14/08/2019)

91/75 – REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. SUPRESSÃO


DA LIBERDADE DA VÍTIMA NÃO COMPROVADA. I – Para que se configure o tipo penal
do art. 149 do CP, é imprescindível a supressão da liberdade da vítima. II – Não havendo provas
suficientes para condenação, mantém-se a sentença absolutória. III – Apelação desprovida.
(TRF 1ª R.; ACR 0030606-70.2010.4.01.3500; PA; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro; DJF1
21/08/2019)

91/76 – REMIÇÃO PELO ESTUDO A DISTÂNCIA. Impossibilidade. Não preen-


chimento dos requisitos legais. Ausência de certificação por autoridade escolar, além da falta
de descrição da carga horária diária de estudo, impedindo o cálculo dos dias a remir. Decisão
mantida. Recurso não provido. (TJSP; AG-ExPen 9000174-57.2019.8.26.0625; Ac. 12774977;
11ª C.D.Crim.; Rel. Des. Salles Abreu; DJESP 21/08/2019; p. 2.868)

91/77 – REMIÇÃO POR TEMPO DE ESTUDO E TRABALHO. DEFERIMENTO


PARCIAL, COM EXCLUSÃO DAS HORAS EXCEDENTES ESTUDADAS. Pleito de
consideração do tempo extrapolado. Inadmissibilidade. Remição escorreitamente concedida,
nos exatos termos do art. 126, § 1º, inciso I, e § 3º, da Lei de Execução Penal e em consonân-
cia com a Súmula nº 341 do STJ. Clara vedação à carga horária de estudo superior a 4 horas
diárias. Cumulação das horas diárias de estudo e trabalho respeitada no caso concreto. Agravo
não provido. (TJSP; AG-ExPen 9000612-54.2017.8.26.0625; Ac. 12782367; 13ª C.D.Crim.; Rel.
Des. Moreira da Silva; DJESP 21/08/2019; p. 2.889)

91/78 – REPRESENTAÇÃO. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE


HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. EXTORSÃO. INCÊNDIO. DANO. AMEAÇA.
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. REPRESENTAÇÃO. ART. 182 DO
ECA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
DE INTERNAÇÃO. 1. O conjunto fático probatório não deixa dúvidas quanto à materia-
lidade e a autoria dos atos infracionais de homicídio na forma tentada, extorsão, incêndio,
dano e ameaça. Imputado ao Representado, logo não há que se falar em improcedência da
Representação ministerial, porquanto ao revés do alegado por aquele, fortes são as provas para
embasar o Decreto sentencial pela prática do ato infracional. 2. Estando a representação em
conformidade com o art. 182 do ECA não há razão para a improcedência dos pedidos desta. 3.
Sentença mantida. Apelação conhecida e desprovida. (TJAC; APL 0800083-19.2018.8.01.0011;
Ac. 7.723; 2ª C.Cív.; Relª Desª Waldirene Cordeiro; DJAC 21/08/2019; p. 10)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 187

91/79 – SONEGAÇÃO FISCAL. LEI Nº 8.137/90, ART. 1º. SENTENÇA CONDE-


NATÓRIA MANTIDA. APLICÁVEL A CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO PREVISTA
NO ART. 12, I, DA LEI Nº 8.137/90. I – O elemento subjetivo do crime contra a ordem tri-
butária, previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, é o dolo genérico, consistente na redução ou
supressão do tributo, sendo desnecessária a demonstração de qualquer outra finalidade almejada
pelo agente. II – In casu, a autoria e a materialidade delitivas estão suficientemente comprovadas
quanto ao crime de sonegação fiscal, ficando demonstrado no caderno probatório que o réu
sonegou vultosa quantia aos cofres públicos. Também correta a aplicação da causa especial de
aumento prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, uma vez que o montante sonegado foi su-
perior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). IV – Dosimetria em obediência aos parâmetros
legais. V – Apelação do réu desprovida. (TRF 1ª R.; ACR 0004576-97.2012.4.01.3800; RO; 4ª
T.; Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro; DJF1 21/08/2019)

91/80 – TELEFONE CELULAR. AQUISIÇÃO NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE


COMERCIAL. FORTÍSSIMOS INDÍCIOS DE O BEM ADQUIRIDO SER PRODUTO
DE CRIME. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (§ 1º DO ART. 180 DO CP). DELITO CON-
FIGURADO. COISA DE ELEVADO VALOR. RECEPTAÇÃO PRIVILEGIADA. INOCOR-
RÊNCIA. RESTITUIÇÃO VOLUNTÁRIA À VÍTIMA ANTES DO OFERECIMENTO
DA DENÚNCIA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. INCIDÊNCIA. CRITÉRIO PARA
DIMINUIÇÃO DA PENA. MAIOR OU MENOR CELERIDADE DA RESTITUIÇÃO
DA COISA. 1. Pratica o delito de receptação qualificada (§ 1º do art. 180 do CP) o agente que,
no exercício de atividade comercial (assistência técnica de celular) e alertado sobre o furto de
um telefone, adquire um aparelho com as mesmas características e cujo valor e circunstâncias
indicavam fortíssimos indícios de ser produto de crime. 2. Na receptação dolosa, se a coisa
adquirida pelo receptador é de valor elevado, não há como reconhecer a figura privilegiada
prevista na parte final do § 5º do art. 180 do Código Penal. 3. Tratando-se de crime praticado
sem violência ou grave ameaça à pessoa, se o agente, voluntariamente, restitui a coisa à vítima
antes do oferecimento da denúncia, aplica-se a causa geral de diminuição de pena prevista no
art. 16 da lei substantiva penal (arrependimento posterior). 4. Nesses casos, o critério para a
diminuição da pena é a menor ou maior celeridade na restituição da coisa ou do ressarcimento
do prejuízo. 5. Apelo parcialmente provido. (TJAP; APL 0000568-92.2018.8.03.0012; C.un.;
Relª Desª Sueli Pini; DJEAP 21/08/2019; p. 16)

91/81 – TENTATIVA DE FEMINICÍDIO. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DA


MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO ANTE A AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECES-
SÁRIOS A JUSTIFICAR A MEDIDA EXTREMA. DECISÃO JUDICIAL QUE APONTA
CONCRETAMENTE A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR. Gravidade da
conduta. Risco à ordem pública caracterizado. Pedido de substituição da prisão preventiva por
outra medida cautelar. Impossibilidade. Providência não recomendável na espécie. Necessi-
dade da custódia. Restrição da liberdade mantida. Conformidade com parecer da pgj. Ordem
denegada. Unanimidade. I – A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal
medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar
a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da Lei Penal, ex vi do art. 312 do CPP. II –
Na hipótese, a prisão encontra-se devidamente fundada em elementos concretos. Ao manter
a custódia, o magistrado singular consignou que se trata de crime grave e há indícios de que
o delito em comento foi cometido por vingança. III – A manutenção da medida constritiva,
encontra fundamento na necessidade de se acautelar a ordem pública, em razão da gravidade
concreta do delito, bem como da reincidência do paciente. Pela mesma razão, não há que se
falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. IV – Habeas corpus
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
188

denegado. (TJAL; HC 0803610-48.2019.8.02.0000; C.Crim.; Rel. Des. João Luiz Azevedo Lessa;
DJAL 20/08/2019; p. 141)

91/82 – TORTURA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. Inconformismo com a


decisão que indeferiu o requerimento de decretação da prisão preventiva. Pleito de aplicação
da medida extrema. Impossibilidade. Ausência dos requisitos do art. 312 do CPP. Decisão do
magistrado singular mantida em sua integralidade. Recurso improvido. Unânime. (TJAL; RSE
0850284-52.2017.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. José Carlos Malta Marques; DJAL 20/08/2019;
p. 145)

91/83 – TORTURA, CONSTRANGIMENTO ILEGAL E VIOLAÇÃO DE DOMI-


CÍLIO. TESES PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CRIMINAL PARA
JULGAR O FEITO. NÃO VERIFICADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊN-
CIA. MÉRITO. RECURSO DEFENSIVO. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE UNICA-
MENTE PARA UM DELITO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ABRANDAMENTO
DO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO OU SUSPENSÃO DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INVIABILIDADE. RECURSO MINISTERIAL.
CONDENAÇÃO DOS CORRÉUS PELO DELITO DE TORTURA. NECESSIDADE.
EXASPERAÇÃO DAS PENAS. POSSIBILIDADE. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCES-
SUAIS. INVIABILIDADE. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. Se o policial
militar não tiver praticado o crime em serviço ou atuado em razão da função, em comissão
de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar
contra militar da reserva, ou reformado, ou civil, não há que se falar em competência da Justiça
Militar. Não há que se falar em inépcia da denúncia quando ela narrar, de forma satisfatória,
os atos concretamente imputados ao acusado, possibilitando-lhe exercer plenamente o direito
de defesa, e preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do CPP. Demonstradas a autoria e a
materialidade do crime do art. 1º, I, a, da Lei nº 9.455/97, é impossível absolver os acusados.
Aquele que concorre para a prática do crime do art. 1º, I, a, da Lei nº 9.455/97 deve ser con-
denado por esse delito nos termos do art. 29 do Código Penal. A prática de crime por policial
militar mostra-se mais reprovável diante da sua função de garantir a segurança pública e reprimir
a criminalidade. O concurso de pessoas e o emprego de arma de fogo são circunstâncias que
tornam mais reprováveis os delitos praticados. Em respeito ao princípio da individualização da
pena, não é impositiva a fixação do regime inicial fechado previsto no § 7º do art. 1º da Lei nº
9.455/97. A análise desfavorável das circunstâncias do crime e a utilização de violência e grave
ameaça contra a pessoa obstam a substituição e a suspensão da pena privativa de liberdade. As
custas processuais são efeito da condenação, nos termos do art. 804 do CPP, e a isenção ou a
suspensão da exigibilidade do pagamento delas é matéria afeta ao Juízo da Execução. (TJMG;
APCR 0442529-64.2017.8.13.0024; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Flávio Leite; DJEMG 21/08/2019)

91/84 – TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART.


33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. REDUÇÃO EM 1/3. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA
DE ENTORPECENTE. RÉU PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES. NECESSIDA-
DE DE READEQUAÇÃO DA PENA. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, III, DA LEI
DE DROGAS EM PATAMAR SUPERIOR A 1/6. MOTIVAÇÃO CONCRETA. FRAÇÃO
DESPROPORCIONAL. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS.
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. MODO ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. POSSIBILIDA-
DE. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o STF pacificaram orientação no sentido de que
não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o
não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 189

no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. A teor do disposto no


§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena
reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem
bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações
criminosas. 3. Na falta de parâmetros legais para se fixar o quantum dessa redução, os Tribunais
Superiores decidiram que a quantidade e a natureza da droga apreendida, além das demais cir-
cunstâncias do delito, podem servir para a modulação de tal índice ou até mesmo para impedir
a sua aplicação, quando evidenciarem o envolvimento habitual do agente no comércio ilícito
de entorpecentes. Precedentes. 4. Hipótese em que, embora o Tribunal a quo tenha se valido
da quantidade e da natureza da droga para fixar o patamar de redução em 1/3, à míngua de
elementos probatórios que indiquem a habitualidade delitiva do paciente e considerando a sua
primariedade e seus bons antecedentes, impõe-se a aplicação do redutor do art. 33, § 4º, da Lei
nº 11.343/06 no máximo legal, sobretudo quando não expressiva a quantia dos entorpecentes
apreendidos – 30 porções de crack (12 g). Precedentes. 5. Segundo a jurisprudência desta Corte
Superior, a aplicação da causa de aumento prevista no art. 40 da Lei de Drogas exige motivação
concreta, quando estabelecida acima da fração mínima, como ocorreu na hipótese. No entanto,
mostra-se desproporcional a elevação em 2/3, sendo suficiente o aumento em 1/3. 6. Aplicada a
pena final em 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, verificada a primariedade do agente e sendo
favoráveis as circunstâncias do art. 59 do CP, o regime inicial aberto é o adequado à prevenção e à
reparação do delito, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal. 7. Preenchidos os requisitos
legais do art. 44 do Código Penal, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para fazer
incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no grau máximo e
alterar a fração da causa aumento do art. 40, II, da referida norma para 1/3, redimensionando
a pena do paciente para 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão mais 221 dias-multa, bem como
para estabelecer o regime aberto e substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de
direito, a ser definida pelo Juízo de Execução. (STJ; HC 513.245; Proc. 2019/0158158-0; SP;
5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/85 – TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUN-


DAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. HABEAS
CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o
STF pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso
legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo
quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A prisão
preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, poderá ser decretada para garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da
Lei Penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
3. No caso dos autos, a custódia provisória foi decretada com base em fundamentos genéricos
relacionados à gravidade abstrata do delito de tráfico de drogas e em elementos inerentes ao
próprio tipo penal, sem a observância do disposto no art. 312 do CPP. Nem mesmo a quanti-
dade de entorpecente apreendida – 10,15 gramas de crack e 23,31 gramas de cocaína – pode ser
considerada relevante a ponto de autorizar, por si só, a custódia cautelar do paciente, sobretudo
quando consideradas suas condições pessoais favoráveis. 4. HC não conhecido. Ordem conce-
dida, de ofício, para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, mediante a aplicação das
medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a critério do Juízo de primeiro grau. (STJ; HC
521.001; Proc. 2019/0203839-5; SP; 5ª T.; Rel. Min. Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/86 – TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE


ENTORPECENTE APREENDIDA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Ementário
190

PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. WRIT NÃO


CONHECIDO. 1. Esta Corte e o STF pacificaram orientação no sentido de que não cabe
habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não
conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade
no ato judicial impugnado. 2. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, poderá ser
decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da Lei Penal, desde que presentes prova da existência
do crime e indícios suficientes de autoria. 3. No caso dos autos, a custódia cautelar está su-
ficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, tendo em vista a
gravidade concreta da conduta delituosa, eis que, quando da prisão em flagrante do paciente,
foram apreendidos 284 (duzentos e oitenta e quatro) quilos de maconha, o que justifica seu
encarceramento cautelar, consoante pacífico entendimento desta Corte, no sentido de que
a quantidade, a natureza ou a diversidade dos entorpecentes apreendidos podem servir de
fundamento ao Decreto de prisão preventiva. 4. É inviável a aplicação de medidas cautelares
diversas da prisão, pois a gravidade concreta da conduta delituosa indica que a ordem pública
não estaria acautelada com a soltura do paciente. 5. O fato de o paciente possuir condições
pessoais favoráveis, por si só, não impede a decretação de sua prisão preventiva. 6. Apenas a
conclusão do processo será capaz de revelar se o acusado será beneficiado com a fixação de
regime prisional diverso do fechado, sendo inviável tal discussão neste momento preliminar.
7. Habeas corpus não conhecido. (STJ; HC 520.158; Proc. 2019/0196888-1; SP; 5ª T.; Rel. Min.
Ribeiro Dantas; DJE 20/08/2019)

91/87 – TRANSFERÊNCIA DE REEDUCANDO EM REGIME FECHADO PARA


A APAC. INCOMPATIBILIDADE. INOCORRÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE AJUSTE
ÀS REGRAS DO SISTEMA ALTERNATIVO. REVOGAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA.
INVIABILIDADE. O preso condenado a pena privativa de liberdade, nos regimes fechado,
semiaberto e aberto, independentemente da duração da reprimenda e do crime da condenação,
poderá ser transferido para os Centros de Reintegração Social (CRS), geridos pelas Associações
de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), consoante a Portaria-Conjunta nº 84/06
deste Tribunal. Satisfeitas as condições para a admissão da transferência de preso oriundo do
sistema prisional para os Centros de Reintegração Social (CRS), geridos pelas Associações de
Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), não há que se falar em revogação. (TJMG; Ag-
ExcPen 0542844-07.2019.8.13.0000; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Edison Feital Leite; DJEMG 21/08/2019)

91/88 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. CONVERSÃO DAS PENAS RESTRITIVAS


DE DIREITOS EM PRIVATIVA DE LIBERDADE E FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL
FECHADO. Recurso objetivando a manutenção das restritivas. Inadmissibilidade. Legítima
a unificação. Penas de reclusão em regime fechado. Previsão expressa do art. 111 da LEP. Cor-
reto o entendimento externado na decisão guerreada. Recurso não provido. (TJSP; AG-ExPen
9000040-18.2019.8.26.0047; Ac. 12782375; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva; DJESP
21/08/2019; p. 2.888)

91/89 – UNIFICAÇÃO DE PENAS. Roubos. Crimes praticados em condições se-


melhantes. Atendimento dos requisitos objetivos. Provimento para reconhecer a continuidade
delitiva. (TJSP; AG-ExPen 9000504-18.2019.8.26.0637; Ac. 12780176; 12ª C.D.Crim.; Rel. Des.
Carlos Vico Mañas; DJESP 21/08/2019; p. 2.881)

91/90 – VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325, § 2º, DO CÓDIGO


PENAL). CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA REDUZIDA. MATERIALIDADE E
AUTORIA COMPROVADAS. A denúncia descreveu o prejuízo sofrido pelo investigado
decorrente da entrega do relatório policial, uma vez que o documento foi usado para instruir
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 191

processo contra o investigado, na esfera cível, do que se extrai o efetivo prejuízo sofrido pela
vítima, mesmo que não tenha sobrevindo condenação. O dano à vítima do vazamento da
informação é causa de aumento e não elementar do crime de Violação de Sigilo Funcional,
não sendo necessária a ocorrência do dano para que ocorra a subsunção da ação do réu ao tipo
penal. Ainda, o delito tipificado no art. 325 do Código Penal é de natureza formal, de modo que
não exige resultado naturalístico, consistente em prejuízo para a Administração ou para outra
pessoa com a revelação. Alegação de nulidade decorrente da ausência de autorização judicial
para a quebra do sigilo bancário do acusado afastada. Consoante afirma o próprio recorrente,
nenhuma incompatibilidade foi apurada na movimentação financeira ou patrimônio do acusado
e o sentenciante salientou que as informações obtidas diretamente pelo Ministério Público
Federal são irrelevantes para o deslinde do feito. Relatório de Missão Policial bem como as
informações nele constantes possuem, por sua própria natureza, caráter sigiloso. Assim, tam-
bém não há falar em atipicidade tendo em conta o teor do documento não revelar fato que
desabone o investigado. As alegações de erro causado por terceiro por ter a advogada provo-
cado o acusado para fornecer cópia do RMP 380/04, ausência de dolo e estrito cumprimento
de dever legal não procedem. O apelante agiu com consciência de que realizava a violação do
sigilo funcional, mediante a entrega do relatório de missão policial à advogada, ainda que a
pedido desta, uma vez que o relatório de missão policial possui caráter sigiloso, tanto é assim
que o réu orientou a advogada a requerer a entrega do documento aos seus superiores, isto
é, diretamente na Superintendência da Polícia Federal, no entanto, optou por fornecer o do-
cumento à advogada. Tampouco se há falar em estrito cumprimento do dever legal, uma vez
que não há dever legal a ser cumprido pelo apelante no sentido de disponibilizar o relatório de
missão policial para a advogada, pelo contrário, na condição de agente policial, tinha o dever de
resguardar o sigilo das informações constantes do documento, cujo afastamento só poderia se
dar mediante autorização da autoridade competente. Pena reduzida ao mínimo legal. Apelação
parcialmente provida. (TRF 3ª R.; ACR 0007881-07.2011.4.03.6181; SP; 5ª T.; Rel. Des. Fed.
Maurício Kato; DEJF 20/08/2019)

91/91 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Lesão corporal (art. 129, § 9º, do CP). Prisão
em flagrante. Concessão da liberdade provisória mediante o pagamento de fiança. Constrangi-
mento ilegal configurado. Paciente hipossuficiente (assistido pela Defensoria Pública). Ordem
concedida. (TJSP; HC 0026291-76.2019.8.26.0000; Ac. 12781786; 15ª C.D.Crim.; Rel. Des.
Gilberto Ferreira da Cruz; DJESP 21/08/2019; p. 2.903)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.

Norma Data Publicação Ementa/Apelido


Lei Maria da Penha - Responsabilidade do
Agressor pelo Ressarcimento dos Custos Re-
lacionados aos Serviços de Saúde Prestados
Lei nº 13.871 17/9/2019 18/9/2019
pelo Sistema Único de Saúde às Vítimas de
Violência Doméstica e Familiar - Alteração
da Lei nº 11.340/06.
Estatuto do Desarmamento - Posse de Arma
Lei nº 13.870 17/9/2019 18/9/2019 de Fogo em Área Rural - Alteração da Lei
nº 10.826/03.
Crimes de Abuso de Autoridade - Alteração
5/9/2019 das Leis nºs 7.960/89, 9.296/96 e 8.069/90
Lei nº 13.869 5/9/2019 - Edição (Estatuto da Criança e do Adolescente) - Re-
Extra-A vogação da Lei nº 4.898/65 e de Dispositivos
do Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal).
Estatuto do Desarmamento - Armas de Fogo
e Munição - Aquisição, Cadastro, Registro,
Decreto nº Porte e Comercialização - Sistema Nacional
20/8/2019 21/8/2019
9.981 de Armas e o Sistema de Gerenciamento Mi-
litar de Armas - Regulamentação - Alteração
do Decreto nº 9.847/2019.
Tratados e Acordos Internacionais - Conven-
Decreto nº
8/8/2019 9/8/2019 ção Internacional para a Supressão de Atos
9.967
de Terrorismo Nuclear - Promulgação.
Destaques dos Volumes Anteriores

Destaques do Volume nº 90
– Do Prazo Prescricional das Sanções Penais Previstas para as Pessoas Jurídicas em Crimes Ambientais
por Oswaldo Henrique Duek Marques, Professor e Doutor, e Paulo Henrique Aranda Fuller,
Professor e Mestre
– O Interrogatório do Réu no Projeto de Código de Processo Penal
por Sergio Demoro Hamilton, ex-Professor e ex-Procurador de Justiça
– O Controle de Constitucionalidade das Leis Penais e o Princípio da Proporcionalidade
por Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do STF e Doutor
– As Criptomoedas e a Lavagem de Dinheiro
por Ronaldo Rodrigues de Oliveira Bortoletto, Advogado e Especialista, e Cinthia Obladen de
Almendra Freitas, Professora e Doutora
– Política Regulatória, Enforcement e Compliance: Análise dos Lineamientos da Oficina Anticorrupção da
Procuradoria Argentina
por Eduardo Saad-Diniz, Professor e Doutor
– Decisão Judicial e Limites Interpretativos: Reflexões Jurídico-Filosóficas Acerca da Interceptação
Telefônica no Caso Lula e Dilma Rousseff
por Felinto Alves Martins Filho, Advogado e Especialista, e Eduardo Rocha Dias, Mestre e Doutor
– A Relevância da Cooperação Internacional para o Aprofundamento do Combate à Corrupção no
Brasil
por Carla Abrantkoski Rister, Mestre e Doutora
– Entre Expansão ou Delimitação do Critério Biológico da Inimputabilidade Penal do Art. 26 do CP
por Rodrigo Silva Barreto, Advogado e Mestre

Destaques do Volume nº 89
– A Reforma do Código de Processo Penal
por Fernando Tourinho Filho, Professor e Doutor
– Pena: a Desproporcionalidade e Ineficácia Social da Redução de Pena na Lei de Tóxicos
por Sebastião Sérgio da Silveira, Doutor e Pós-Doutor, Paulo José Freire Teotônio, Professor e
Mestre, Bruna Carolina Oliveira e Silva, Advogada e Pesquisadora, Gabriel Cotrim Maciel de Lima,
Advogado e Pesquisador, e Henrique Augusto Freire Teotônio, Acadêmico de Direito e Pesquisador
– Delinquência Empresarial e Prescrição das Sanções Penais Cominadas aos Crimes Ambientais
Previstos na Lei nº 9.605/98: Proteção ou (Des)Proteção do Ambiente?
por Rodrigo José Leal, Professor e Doutor
– Por que os Tribunais Criminais dos Estados Unidos São Tão Dependentes da Plea Bargaining?
por Dylan Walsh, Escritor e Jornalista, com tradução de Aury Lopes Júnior, Professor e Doutor
– O Crime Organizado, a Interceptação e Análise de Sinais como Meio Extraordinário de Prova e o
Conflito com o Direito à Intimidade
por Francisco Edinaldo do Vale Cavalcante, Bacharel em Direito e Delegado da Polícia Civil, e
Roberto Meyer Pinheiro, Especialista e Mestre

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Í n d i c e A l f a b é t i c o - R e m i ss i v o

A sitada em julgado. Indeferimento de pedido.


Impossibilidade. STF (Em. 91/56)................ 180
A RELEITURA DO PRINCÍPIO IN - Determinação do STF para afastar o reco-
DUBIO PRO SOCIETATE NO RITO nhecimento de maus antecedentes decor-
ESPECIAL DO JÚRI rentes de condenação transitada em julgado
- Artigo de Rafael Estrela Nóbrega.................. 10 alcançada pelo período depurador de 5 anos.
Dosimetria da pena retificada. TRF 3ª R.
ABSOLVIÇÃO
(Em. 91/63)..................................................... 183
- Acórdão do TJAP – Embriaguez ao volante.
Paciente que dormia no carro. Apesar da APELAÇÃO
comprovação da embriaguez, não pratica a - Desídia do advogado em recorrer. Desres-
elementar conduzir veículo automotor. Art. 306 peito aos princípios constitucionais da ampla
da Lei 9.503/97............................................... 153 defesa e contraditório. Ausência de intimação
pessoal da parte ou de fixação de prazo para
- Crime ambiental. Poluição sonora. Aferição
regularização da representação. Prejuízo
do nível de ruído. Insuficiência de provas. In
reconhecido. Recurso provido para receber
dubio pro reo. TJAP (Em. 91/67)..................... 184
as razões de apelação. TJAM (Em. 91/29)..... 172
- Crime militar. Injúria. Art. 216 do CPM.
MPM. Dolo específico do tipo. Animus inju- APROPRIAÇÃO INDÉBITA
riandi não configurado. Animus disciplinandi. - Configuração. Autoria e materialidade de-
Conduta atípica. STM (Em. 91/10).............. 165 monstradas. Confissão judicial corroborada
- Estupro de vulnerável. Gravidez. Conti- pelas declarações da vítima. Atipicidade por
nuidade delitiva. Atipicidade da conduta. ser hipótese de ilícito civil. Inocorrência.
Relativização da violência presumida. Con- Penas e regime de cumprimento. Regime
sentimento da vítima. União estável com o aberto. Substituição da sanção privativa de
acusado. Filha em comum. Reconhecimento. liberdade por restritivas de direitos (pres-
TJGO (Em. 91/35)......................................... 174 tação de serviços à comunidade e prestação
pecuniária). Suficiência. TJSP (Em. 91/12).. 166
- Redução à condição análoga à de escravo. Para
que se configure o tipo penal do art. 149 do - Configuração. Autoria e materialidade de-
monstradas. Confissão do réu corroborada
CP, é imprescindível a supressão da liberdade
com as declarações da vítima, tudo em har-
da vítima. TRF 1ª R. (Em. 91/75)................. 186
monia com o conjunto probatório. Conde-
AÇÃO DIRETA DE nação mantida. Dolo acima da média. Culpa-
INCONSTITUCIONALIDADE bilidade e reprovabilidade. Mau antecedente
- Norma que disciplina o uso dos instrumentos (uma condenação por fato posterior ao crime
de menor potencial ofensivo pelos agentes em análise). Elevação em 1/3. Regime inicial
de segurança. Lei 13.060/2014. Inexistência semiaberto. TJSP (Em. 91/11)....................... 166
de ofensa à autonomia estadual, à iniciativa AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E
privativa do chefe do poder executivo ou à JULGAMENTO
reserva de administração. Ação direta julgada
- Realizada sem o comparecimento da teste-
improcedente. STF (Em. 91/6)..................... 164
munha de acusação. Desistência da oitiva
ADVOGADO da testemunha de acusação e da vítima pela
- Vide Antecedentes Criminais. Inscrição na defesa. Ausência de requerimento. Nulidade
OAB. Efeitos. absoluta. Prejuízo caracterizado. TJAM (Em.
91/16).............................................................. 167
ANTECEDENTES CRIMINAIS
- A condenação retratada na FAC do réu não C
pode servir para, ao mesmo tempo, majorar
a pena por maus antecedentes criminais e por CARTEIRA NACIONAL DE
reincidência, sob pena de bis in idem. TRF 2ª HABILITAÇÃO
R. (Em. 91/30)................................................ 172 - Suspensão. Embriaguez ao volante. Fixação
- Advogado. Pedido de inscrição. Existência de com fundamento nos mesmos critérios da
registros criminais. Procedimentos penais de pena restritiva de liberdade. Proporcionali-
que não resultou condenação criminal tran- dade. TJAC (Em. 91/31)................................ 173
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 195

COMPETÊNCIA CRIME AMBIENTAL


- Conflito negativo. Lavagem de dinheiro e - Acórdão do TRF 1ª R. – Desmatamento. Art.
crime ambiental. Conexão probatória ou ins- 50-A da Lei 9.605/98. Estado de necessidade
trumental. Competência do juízo suscitado. e inexigibilidade de conduta diversa não
Art. 76, III, do CPP. TRF 1ª R. (Em. 91/18). 168 comprovados. Pena. Fixação.......................... 145
- Justiça eleitoral. Crimes conexos. Compete - Pesca proibida. Auto de apreensão, laudo
à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais técnico de apreensão de pescado da Polícia
e os comuns que lhe forem conexos. Inteli- Militar atestam que as sardinhas-verdadeiras
gência dos arts. 109, IV, e 121 da CF, 35, II,
apreendidas na embarcação Salmo 31, lidera-
do Código Eleitoral e 78, IV, do CPP. STF
da pelo réu, são frutos de pesca em período
(Em. 91/17)..................................................... 167
proibido, constituindo infração penal prevista
- Norma que disciplina o uso dos instrumentos no art. 34, III, da Lei 9.605/96. TRF 2ª R.
de menor potencial ofensivo pelos agentes (Em. 91/22)..................................................... 169
de segurança. Lei 13.060/2014. Inexistência
de ofensa à autonomia estadual, à iniciativa - Poluição sonora. Aferição do nível de ruído.
privativa do chefe do poder executivo ou à Insuficiência de provas. Absolvição, em res-
reserva de administração. ADI improcedente. peito ao princípio do in dubio pro reo. TJAP
STF (Em. 91/6).............................................. 164 (Em. 91/67)..................................................... 184

CONTRABANDO CRIME AMBIENTAL/


- Cigarros. Art. 334-A, § 1º, I, do CP c/c o CONTRABANDO
art. 3º do DL 399/68. Elementos do delito - Os cigarros estrangeiros são mercadoria rela-
caracterizados. Dosimetria. Perdimento da tivamente proibida. Agrotóxicos. Realizar o
fiança. Afastamento. Inabilitação para dirigir. transbordo de produto ou substância tóxica,
Carona. Afastamento. Execução provisória perigosa ou nociva à saúde humana ou ao
das penas. Possibilidade. TRF 4ª R. (Em. meio ambiente, em desacordo com as exi-
91/21).............................................................. 169 gências legais e regulamentares, está previsto
- Importação irregular de medicamentos. no tipo penal do art. 56 da Lei 9.605/98. TRF
Pequena quantidade. Princípio da insigni- 4ª R. (Em. 91/19)............................................ 168
ficância, em face da ausência de potencial
CRIME MILITAR
lesivo à saúde pública, quando não há indícios
de que o produto se destinasse ao comércio - Absolvição. Injúria. Art. 216 do CPM. MPM.
irregular. TRF 4ª R. (Em. 91/54)................... 180 Dolo específico do tipo. Animus injuriandi não
- Organização criminosa. Associação criminosa configurado. Animus disciplinandi. Conduta
armada (art. 288, parágrafo único, do CP). atípica. STM (Em. 91/10).............................. 165
Corrupção ativa (art. 333 do CP). Materia- - Deserção. O posterior licenciamento não
lidade e autoria comprovadas. Crime conti- afeta a continuidade da ação penal. Incons-
nuado. Apreensão de dezenas de máquinas titucionalidade do art. 88, II, a, do CPM.
“caça níqueis” com componentes eletrônicos Impossibilidade. STM (Em. 91/28).............. 172
de origem estrangeira de importação proibida
segundo laudos periciais colacionados e por- - Furto. Alteração da tipicidade da conduta
tarias da secretaria de comércio exterior. TRF para o crime tipificado no art. 345 do CPP.
2ª R. (Em. 91/20)............................................ 169 Impossibilidade. Invocação do princípio da
insignificância. Não aplicação. STM (Em.
CONTRABANDO/CRIME 91/23).............................................................. 170
AMBIENTAL
- Lesão corporal culposa. Inobservância de
- Os cigarros estrangeiros são mercadoria rela-
regra técnica de profissão. Disparo acidental.
tivamente proibida. Agrotóxicos. Realizar o
Reserva de armamento. Armeiro. Desclas-
transbordo de produto ou substância tóxica,
sificação. Transgressão disciplinar. Não
perigosa ou nociva à saúde humana ou ao
acolhimento. STM (Em. 91/59).................... 181
meio ambiente, em desacordo com as exi-
gências legais e regulamentares, está previsto - Posse de entorpecente em lugar sujeito à Ad-
no tipo penal do art. 56 da Lei 9.605/98. TRF ministração Militar. Laudo pericial. Validade.
4ª R. (Em. 91/19)............................................ 168 Art. 290 do CPM. STM (Em. 91/68)............ 184
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Índice Alfabético
196

D E
DENÚNCIA EDUARDO SAAD-DINIZ
- Rejeição. Homicídio culposo. Acidente de - Artigo: “O Papel Transformativo das Cor-
trânsito. Omissão de socorro. Mera descrição porações no Processo Penal: Ideias sobre
de que o agente conduzia o veículo e não Compliance e Vitimização Corporativa”......... 57
socorreu a vítima. Necessidade de a denúncia EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
indicar inobservância de dever de cuidado.
- Acórdão do TJAP – Absolvição. Paciente que
TJAL (Em. 91/50)........................................... 178
dormia no carro. Apesar da comprovação da
DESCAMINHO embriaguez, não pratica a elementar conduzir
- Denúncia. Rejeição com fundamento na in- veículo automotor. Art. 306 da Lei 9.503/97...... 153
significância. Agente que teve lavrados contra - Pena. Suspensão da carteira de habilitação.
si dois autos de infração. Inaplicabilidade do Fixação com fundamento nos mesmos
princípio da insignificância. TRF 1ª R. (Em. critérios da pena restritiva de liberdade.
91/25).............................................................. 170 Proporcionalidade. TJAC (Em. 91/31).......... 173
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME EMENDATIO LIBELLI
- Estupro de vulnerável. Beijo em público. - A emendatio libelli é perfeitamente possível
Crime não configurado. Desclassificação na fase recursal, ressalvada a hipótese de re-
para a contravenção penal do art. 65 do DL formatio in pejus, quando apenas a defesa tiver
3.688/1941. Reconhecimento da prescrição recorrido, nos termos do art. 617 do CPP.
da pretensão punitiva da novel pena. TJAP TRF 4ª R. (Em. 91/73)................................... 185
(Em. 91/33)..................................................... 174 ENSAIO SOBRE UMA SEGURANÇA
- Roubo impróprio. Art. 157, § 1º, do CP. JURÍDICA METAMÓRFICA
Desclassificação da conduta de ofício. Furto - Artigo de Rogério Filippetto.......................... 38
e lesões corporais de natureza grave. Art.
155, § 4º, III, do CP e art. 129, § 1º, I, do CP. ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Concurso material de crimes. Art. 69 do CP. - Absolvição. Gravidez. Continuidade deli-
TRF 4ª R. (Em. 91/73)................................... 185 tiva. Atipicidade da conduta. Relativização
da violência presumida. Consentimento da
DESENVOLVIMENTO
vítima. União estável com o acusado. Filha
CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE
em comum. Reconhecimento. TJGO (Em.
TELECOMUNICAÇÕES 91/35).............................................................. 174
- Vide Rádio Comunitária. - Beijo em público. Crime não configurado.
DESERÇÃO Desclassificação para a contravenção penal
do art. 65 do DL 3.688/1941. TJAP (Em.
- O posterior licenciamento não afeta a conti-
91/33).............................................................. 174
nuidade da ação penal. Inconstitucionalidade
do art. 88, II, a, do CPM. Impossibilidade. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
STM (Em. 91/28)........................................... 172 - Possibilidade de extinção da punibilidade,
DISTRIBUIÇÃO CLANDESTINA DE após cumprida a pena privativa de liberdade,
SINAL DE TV A CABO independentemente do adimplemento da
multa. TJSP (Em. 91/37)............................... 175
- O laudo de exame em equipamentos e em
local indicam que a ocorrência de distribui- EXTRADIÇÃO PASSIVA
ção clandestina de sinal de telecomunicação - Reciprocidade. Dupla tipicidade. Dupla
se amolda perfeitamente à conduta descrita punibilidade. Princípio da contenciosidade
no art. 183 da Lei 9.472/97. TRF 2ª R. (Em. limitada. Presença dos demais requisitos.
91/30).............................................................. 172 STF (Em. 91/38)............................................ 175
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 197

F Substituição da pena privativa de liberdade


por restritiva de direitos, fixado o regime
FALTA GRAVE aberto para o caso de descumprimento e
- Apuração. Prescrição. Superado o menor conversão. TJSP (Em. 91/43)........................ 177
prazo prescricional previsto no art. 114, I, do
CP, qual seja, o de 2 anos, a contar da prática G
da falta disciplinar. TJSP (Em. 91/13)........... 166
- Desclassificação. Desobediência. Agravo GESTÃO FRAUDULENTA
provido em parte para o fim de desclassificar - Acórdão do STJ – Inquérito policial. Investi-
a falta disciplinar para falta de natureza média, gação deflagrada com base em notitia criminis
cancelando os efeitos decorrentes da falta de cognição imediata. Notícia veiculada em
grave. TJSP (Em. 91/40)................................ 176 imprensa. Reportagem jornalística. Possibili-
- Desclassificação. Desobediência. Conduta do dade. Outros elementos. A gestão fraudulen-
agravante que não caracterizou. Reeducando ta, “se configura pela ação do agente mediante
que entrou em cela alheia sem autorização. o emprego de ardis e artifícios, com o intuito
de obter vantagem indevida”......................... 129
Falta disciplinar de natureza leve prevista no
art. 44, V, do RI padrão dos estabelecimentos
prisionais do Estado de São Paulo. TJSP (Em. H
91/41).............................................................. 176
HABEAS CORPUS
FEMINICÍDIO
- Em jogo, na via direta, a liberdade de ir e vir
- Tentativa. Prisão preventiva. Decisão judicial do cidadão, cabível é o HC ainda que subs-
que aponta concretamente a necessidade da titutivo de recurso ordinário constitucional.
custódia cautelar. Gravidade da conduta. STF (Em. 91/47)............................................ 178
Pedido de substituição da prisão preventiva
por outra medida cautelar. Impossibilidade. HOMICÍDIO CULPOSO
TJAL (Em. 91/81)........................................... 187 - Acidente de trânsito. Omissão de socorro.
Fuga do local do acidente. Dupla punição.
FIANÇA
A majorante prevista no art. 302, § 1º, III,
- Arbitramento. Impossibilidade de pagamento do CTB, deve incidir mesmo que o acusado
do valor estabelecido pela hipossuficiência venha a responder pelo crime do art. 305 do
do paciente. Revogação da prisão preventiva, mesmo diploma legal, não se sujeitando à
com a imposição de medidas cautelares. TJSP vedação imposta pelo princípio do ne bis in
(Em. 91/45)..................................................... 177 idem. TJAP (Em. 91/49)................................. 178
FILMAR OU REGISTRAR CENA DE - Acidente de trânsito. Omissão de socorro.
SEXO COM ADOLESCENTE Mera descrição de que o agente conduzia o
- Não há que se falar em ausência de vulnerabi- veículo e não socorreu a vítima. Necessidade
lidade da vítima, quando a mesma à época dos de a denúncia indicar inobservância de dever
fatos tinha apenas 14 anos de idade e sequer de cuidado. TJAL (Em. 91/50)...................... 178
respondia por seus atos da vida civil. TJAC HOMICÍDIO DOLOSO
(Em. 91/24)..................................................... 170 - Restando evidente que uma arma de fogo
FURTO QUALIFICADO e munições não se encontravam em local
- Concurso de agentes. Emprego de chave falsa seguro e inacessível, tendo em vista que a
(chapolin). Correta a sentença que imputou simples busca de um objeto de uso corriquei-
ro (barbeador) possibilitou que os mencio-
aos apelantes a prática de furto qualificado
nados artefatos fossem encontrados por duas
mediante concurso de agentes e com a utili-
crianças, demonstrada está a inobservância do
zação de chave falsa (dispositivo bloqueador
dever objetivo de cuidado, própria dos crimes
de trava de veículos). TJAP (Em. 91/44)....... 177
culposos. Redução da sanção corpórea. Pos-
- Concurso de agentes. Valor do bem subtra- sibilidade. TJGO (Em. 91/51)....................... 179
ído, que embora não seja de grande monta,
não basta, por si só, para o reconhecimento do HOMICÍDIO QUALIFICADO
crime de bagatela. Necessidade de aplicação - Motivo fútil. Ausência total de prova judi-
do privilégio (CP, art. 155, § 2º), com relação cializada. Decote. Necessidade. TJMG (Em.
à apelante, ante a presença de seus requisitos. 91/52).............................................................. 179
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Índice Alfabético
198

I - Absolvição. Quesito genérico. Recurso de


apelação ministerial. Veredicto manifes-
INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR tamente contrário à prova produzida nos
VEÍCULO autos. Provimento. Inexistência de ofensa ao
- Carona. Afastamento. Não há razões que jus- princípio da soberania do veredicto popular e
tifiquem a aplicação do efeito da condenação ao princípio da íntima convicção dos jurados.
STJ (Em. 91/4)............................................... 163
consistente na inabilitação para dirigir veícu-
lo, previsto no art. 92, III, do CP devendo ser - Absolvição. Quesito genérico. Recurso do
afastada. TRF 4ª R. (Em. 91/21).................... 169 MP. Absolvição por clemência. Necessidade
de demonstração de que o julgado foi con-
INQUÉRITO POLICIAL trário à prova dos autos. Princípio constitu-
- Acórdão do STJ – Investigação deflagrada cional da soberania dos vereditos. Recurso
com base em notitia criminis de cognição conhecido e não provido. TJAL (Em. 91/5).. 164
imediata. Notícia veiculada em imprensa. - Determinação de prisão. Ausência de viola-
Reportagem jornalística. Possibilidade. Ou- ção ao princípio da presunção de inocência.
tros elementos. Gestão fraudulenta............... 129 Ausente vedação para que seja determinada
INTERNAÇÃO a prisão do réu logo após julgamento pelo
júri popular quando demonstrada sua neces-
- Medida socioeducativa. Pedidos de absolvição sidade, não tendo que se falar em ofensa ao
e medida em meio aberto. Improcedência. princípio da presunção de inocência. TJAP
Mantém se a condenação ante a robustez (Em. 91/48)..................................................... 178
probante. Internação devida ante a previsão
- Submissão a novo julgamento. Impossibili-
legal. TJAC (Em. 91/15)................................ 167
dade. Decisão não manifestamente contrária
- Medida socioeducativa. Representação. à prova dos autos. Redução da pena-base.
Extorsão. Incêndio. Dano. Ameaça. Autoria Viabilidade. Fração de redução da pena pela
e materialidade comprovadas. Art. 182 do atenuante da confissão espontânea. TJMG
ECA. TJAC (Em. 91/78)................................ 186 (Em. 91/58)..................................................... 181
JÚRI: PRISÃO E VEDAÇÃO DE
J APELAÇÃO PARA A ACUSAÇÃO – A
DECISÃO DO STF
JÚRI
- Artigo de Lenio Luiz Streck........................... 5
- Absolvição. Apelação da acusação provida.
Art. 593, III, d, do CPP. Submissão do réu a
novo julgamento. O juízo absolutório pre- L
visto no art. 483, III, do CPP não é absoluto.
LENIO LUIZ STRECK
Possibilidade de cassação pelo tribunal de
apelação. STJ (Em. 91/3)............................... 162 - Artigo: “Júri: Prisão e Vedação de Apelação
para a Acusação – a Decisão do STF”............ 5
- Absolvição. Quesito genérico. Acolhimento.
Possibilidade. Clemência. Cabimento. Con- LEONARDO ESTEVAM DE ASSIS
trariedade à prova dos autos. Demonstração ZANINI E SILVIO LUIZ MACIEL
concreta. Necessidade. Anulação. Presunção - Artigo: “O Combate à Pornografia de
de julgamento contrário à prova dos autos. Vingança e a Tutela Penal da Imagem no
Ilegalidade configurada. Ordem concedida Brasil”............................................................. 72
para cassar o acórdão da apelação e restabele-
LESÃO CORPORAL CULPOSA
cer a absolvição proferida pelo Júri. STJ (Em.
91/1)................................................................ 161 - Inobservância de regra técnica de profissão.
Disparo acidental. Reserva de armamento.
- Absolvição. Quesito genérico. Art. 483, III,
Armeiro. Desclassificação. Transgressão
e respectivo § 2º, do CPP. Interposição, pelo disciplinar. Não acolhimento. Sentença
MP, do recurso de apelação previsto no art. absolutória. Reforma. STM (Em. 91/59)...... 181
593, III, d, do CPP. Descabimento. Expressiva
garantia de ordem constitucional, “o sigilo LIBERDADE PROVISÓRIA
das votações” (CF, art. 5º, XXXVIII, b), daí - Violência doméstica. Lesão corporal (art. 129,
resultando a incognoscibilidade da apelação § 9º, do CP). Prisão em flagrante. Concessão
interposta pelo MP. STF (Em. 91/2)............. 161 da liberdade provisória mediante o paga-
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 199

mento de fiança. Paciente hipossuficiente MOEDA FALSA


(assistido pela Defensoria Pública). Ordem - Incabível a desclassificação para o tipo des-
concedida. TJSP (Em. 91/91)........................ 191 crito no § 2º do art. 289 do CP. Dosimetria
LIVRAMENTO CONDICIONAL corretamente aplicada. O dolo ficou eviden-
- A despeito do descumprimento de uma das ciado pela conduta do réu que demonstra
condições impostas quando da concessão claramente que ele tinha ciência da falsidade
do livramento condicional, mostra-se des- das cédulas e mesmo assim tentou introdu-
proporcional e desarrazoada a revogação do zir as notas em circulação. TRF 1ª R. (Em.
benefício, pois, além de se tratar de revogação 91/61).............................................................. 182
facultativa (art. 87 do CP), o apenado cum- - Pena-base redimensionada. Apenas maus
priu, durante anos, todas as demais condições antecedentes. Reconhecimento de ofício da
impostas para o livramento condicional. atenuante da confissão. Reincidência. Com-
TJMG (Em. 91/42)........................................ 176 pensação conforme entendimento do STJ.
- Condenação anterior por tráfico de drogas Regime semiaberto. TRF 3ª R. (Em. 91/62). 182
privilegiado. Crime equiparado a hedion-
do. Reconhecida a reincidência específica. O
Impossibilidade de concessão do livramento
condicional. TJSP (Em. 91/55)...................... 180 O COMBATE À PORNOGRAFIA DE
- Indeferido com base na ausência de requisito VINGANÇA E A TUTELA PENAL DA
subjetivo. Punição da falta grave anterior IMAGEM NO BRASIL
com a regressão de regime. Bis in idem. Se o - Artigo de Leonardo Estevam de Assis Zanini
reeducando já foi penalizado pela prática de e Silvio Luiz Maciel........................................ 72
falta grave pretérita, ao ter o seu regime de
expiação regredido no curso da execução, não O PAPEL TRANSFORMATIVO
poderia ter o pleito de livramento condicional DAS CORPORAÇÕES NO
negado em razão da mesma falta. TJGO (Em. PROCESSO PENAL: IDEIAS SOBRE
91/60).............................................................. 181 COMPLIANCE E VITIMIZAÇÃO
CORPORATIVA
LUIZ FERNANDO KAZMIERCZAK E
GUSTAVO CARVALHO KICHILESKI - Artigo de Eduardo Saad-Diniz...................... 57
- Artigo: “Metacognição: Ofensa à Imparcia-
lidade do Juiz Criminal na Fase de Investi- P
gação”.............................................................. 94
PECULATO
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
- Exercício de cargo em comissão. Réu con-
- Internação. Pedidos de absolvição e medida denado a 6 anos e 8 meses de reclusão no
em meio aberto. Improcedência. Mantém se regime fechado. Exaurimento das instâncias
a condenação ante a robustez probante. TJAC ordinárias. Execução antecipada da pena.
(Em. 91/15)..................................................... 167
Ordem parcialmente concedida para fixar
- Internação. Representação. Ato infracional o regime semiaberto até o julgamento do
análogo ao crime de homicídio na forma recurso especial pelo STJ. STF (Em. 91/64). 183
tentada. Extorsão. Incêndio. Dano. Ameaça.
Autoria e materialidade comprovadas. Art. PENA
182 do ECA. TJAC (Em. 91/78).................... 186 - A condenação retratada na FAC do réu não
pode servir para, ao mesmo tempo, majorar
M a pena por maus antecedentes criminais e por
reincidência, sob pena de bis in idem. TRF 2ª
METACOGNIÇÃO: OFENSA R. (Em. 91/30)................................................ 172
À IMPARCIALIDADE DO - A substituição da pena privativa de liberdade
JUIZ CRIMINAL NA FASE DE por restritivas de direitos não se mostra pos-
INVESTIGAÇÃO sível, dada a condenação por crime cometido
- Artigo de Luiz Fernando Kazmierczak e com grave ameaça à pessoa, nos termos do art.
Gustavo Carvalho Kichileski......................... 94 44, I, do CP. TRF 3ª R. (Em. 91/63)............. 183
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Índice Alfabético
200

- Acórdão do STJ – Restritiva de direitos. conversão em privativa de liberdade se torna


Execução provisória. Impossibilidade. Art. obrigatória por impossibilidade de expiação
147 da LEP...................................................... 119 simultânea ou posterior. TJGO (Em. 91/7).. 164
- Acusado com mais de 70 anos à época da PENA DE MULTA
sentença, incide a atenuante prevista no art.
- A pena de multa do tipo deve seguir aos
65, I, 2ª parte, do CP. STF (Em. 91/65)......... 183
mesmos parâmetros da pena privativa de
- Apropriação indébita. Configuração. Autoria liberdade, em obediência aos princípios da
e materialidade demonstradas. Confissão proporcionalidade e razoabilidade. TRF 3ª
do réu corroborada com as declarações da R. (Em. 91/62)................................................ 182
vítima, tudo em harmonia com o conjunto
- Execução. Legitimidade prioritária do MP.
probatório. Condenação mantida. Penas e
Pedido de reconsideração apreciado em
regime de cumprimento. Bases acima dos mí-
sede de questão de ordem. Por ser também
nimos. Dolo acima da média. Culpabilidade
dívida de valor em face do Poder Público,
e reprovabilidade. Regime inicial semiaberto.
a multa pode ser subsidiariamente cobrada
TJSP (Em. 91/11)........................................... 166
pela Fazenda Pública, na VEF, se o MP não
- Apropriação indébita. Configuração. Mate- houver atuado em prazo razoável (90 dias).
rialidade e autoria demonstradas. Confissão STF (Em. 91/36)............................................ 175
judicial corroborada pelas declarações da
- Execução antecipada. Peculato. Exercício
vítima. Atipicidade por ser hipótese de ilícito
de cargo em comissão. Réu condenado a 6
civil. Inocorrência. Condenação mantida.
anos e 8 meses de reclusão no regime fecha-
Penas e regime de cumprimento. Regime
do. Exaurimento das instâncias ordinárias.
aberto. Substituição da sanção privativa de
Ordem parcialmente concedida para fixar
liberdade por restritivas de direitos (pres-
o regime semiaberto até o julgamento do
tação de serviços à comunidade e prestação
recurso especial pelo STJ. STF (Em. 91/64). 183
pecuniária). Suficiência. TJSP (Em. 91/12).. 166
- Extinção da punibilidade sem o pagamento.
- Contrabando. Cigarros. Art. 334-A, § 1º, I,
Possibilidade. TJSP (Em. 91/37)................... 175
do CP c/c o art. 3º do DL 399/68. Elementos
do delito caracterizados. Dosimetria. Perdi- - Furto qualificado. Concurso de agentes.
mento da fiança. Afastamento. Inabilitação Princípio da insignificância, inaplicável na
para dirigir. Carona. Afastamento. Execução hipótese. Valor do bem subtraído, que em-
provisória das penas. Possibilidade. TRF 4ª bora não seja de grande monta, não basta,
R. (Em. 91/21)................................................ 169 por si só, para o reconhecimento do crime
de bagatela. Pena de reclusão substituída por
- Contrabando. Associação criminosa armada
detenção, medida adequada à hipótese. TJSP
(art. 288, parágrafo único, do CP). Corrupção
(Em. 91/43)..................................................... 177
ativa (art. 333 do CP). Materialidade e autoria
comprovadas. Crime continuado. Apreen- - Homicídio culposo. Omissão de socorro.
são de dezenas de máquinas “caça níqueis” Fuga do local do acidente. Dupla punição.
com componentes eletrônicos de origem A majorante prevista no art. 302, § 1º, III,
estrangeira de importação proibida segundo do CTB, deve incidir mesmo que o acusado
laudos periciais colacionados e portarias da venha a responder pelo crime do art. 305 do
secretaria de comércio exterior. TRF 2ª R. mesmo diploma legal, não se sujeitando à
(Em. 91/20)..................................................... 169 vedação imposta pelo princípio do ne bis in
idem. TJAP (Em. 91/49)................................. 178
- Contrabando/crime ambiental. Os cigarros
estrangeiros são mercadoria relativamente - Júri. Redução da pena-base. Viabilidade.
proibida. Agrotóxicos. Realizar o transbordo Fração de redução da pena pela atenuante da
de produto ou substância tóxica, perigosa ou confissão espontânea. Revisão. Incidência da
nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, participação de menor importância em maior
em desacordo com as exigências legais e regu- grau. Não cabimento. TJMG (Em. 91/58)... 181
lamentares, está previsto no tipo penal do art. - Progressão de regime. Exame criminológico.
56 da Lei 9.605/98. Condenação mantida para Justificação adequada. Possibilidade. STJ
ambos os crimes. TRF 4ª R. (Em. 91/19)..... 168 (Em. 91/72)..................................................... 185
- Conversão da pena restritiva de direito - Progressão de regime. Homicídio quali-
em privativa de liberdade. Suportada nova ficado. Crime hediondo. Necessidade de
condenação em regime incompatível, sua re- obediência ao requisito objetivo previsto no
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 201

art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90. Necessidade de - Tóxicos. Tráfico. Causa de diminuição de
cumprimento de 2/5 da pena, se primário ou pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Re-
3/5 se reincidente. TJAM (Em. 91/53).......... 179 dução em 1/3. Quantidade não expressiva
- Progressão de regime. Semiaberto. Admissi- de entorpecente. Réu primário e de bons
bilidade. Longa pena a cumprir e gravidade antecedentes. Necessidade de readequação
das condutas praticadas pelo sentenciado da pena. Causa de aumento do art. 40, III,
inaptas a fundamentar a decisão indeferitória, da Lei de Drogas em patamar superior a 1/6.
ante a inexistência de previsão legal a respeito. Motivação concreta. STJ (Em. 91/84)........... 188
Exame criminológico atual favorável. Benes-
PRAZO
se cabível. TJSP (Em. 91/71)......................... 185
- Agravo regimental no RMS. Prazo para
- Progressão de regime. Semiaberto. Defe-
interposição do agravo regimental. Art. 258
rimento. Condições legais atendidas. Data
base para a concessão de benefício é a data do RISTJ. 5 dias. Fazenda Pública em juízo.
do preenchimento dos requisitos legais. TJSP Prazo em dobro. 10 dias. Aplicação de regra
(Em. 91/70)..................................................... 185 do CPC. Impossibilidade. Intempestividade
mantida. STJ (Em. 91/8)................................ 165
- Receptação qualificada. Telefone celular.
Aquisição no exercício de atividade comer- PRECONCEITO RELIGIOSO
cial. Restituição voluntária à vítima antes do - Acórdão do STF – Lei 7.716/89. Limites exce-
oferecimento da denúncia. Arrependimento didos na liberdade de manifestação religiosa.
posterior. Incidência. Critério para diminui- Diferença entre discurso religioso e discurso
ção da pena. TJAP (Em. 91/80)..................... 187 sobre a crença alheia....................................... 111
- Regime de cumprimento. A teor do disposto
no § 2º do art. 387 do CPP, o período de PRESCRIÇÃO
custódia provisória repercute na fixação do - Acórdão do STJ – Réu que completou 70
regime de cumprimento da pena. STF (Em. anos após a sentença condenatória. Redução
91/47).............................................................. 178 do prazo prescricional. Impossibilidade de
- Remição. Estudo a distância. Impossibilidade. aplicação do art. 115 do CP........................... 123
Não preenchimento dos requisitos legais. - Falta grave. Apuração. Preliminar acolhida.
TJSP (Em. 91/76)........................................... 186 Superado o menor prazo prescricional pre-
- Remição. Tempo de estudo e trabalho. De- visto no art. 114, I, do CP, qual seja, o de 2
ferimento parcial, com exclusão das horas anos, a contar da prática da falta disciplinar.
excedentes estudadas. Pleito de consideração TJSP (Em. 91/13)........................................... 166
do tempo extrapolado. Inadmissibilidade. - Pena. Restritiva de direitos convertida em
TJSP (Em. 91/77)........................................... 186 privativa de liberdade. Decurso do lapso
- Restritiva de direitos convertida em privativa prescricional a partir da interrupção da exe-
de liberdade. Decisão que não reconheceu a cução. Inteligência do art. 112 do CP. TJSP
prescrição da pretensão executória. Pretendi- (Em. 91/66)..................................................... 184
do o reconhecimento dessa causa extintiva da
- Pretensão executória. Termo inicial. Data do
punibilidade. Admissibilidade. Decurso do
trânsito em julgado da sentença condenatória
lapso prescricional a partir da interrupção
para a acusação. STJ (Em. 91/69).................. 184
da execução. Inteligência do art. 112 do CP.
TJSP (Em. 91/66)........................................... 184 PRESCRIÇÃO RETROATIVA
- Sonegação fiscal. Aplicável a causa especial - Estelionato. Acolhimento. Pena in concreto
de aumento prevista no art. 12, I, da Lei fixada em patamar inferior a 2 anos. Decurso
8.137/90, uma vez que o montante sonegado de tempo superior a 4 anos entre a data do
foi superior a R$ 500.000,00. TRF 1ª R. (Em. recebimento da denúncia e a publicação da
91/79).............................................................. 187 sentença. Ocorrência da prescrição da pre-
- Tortura, constrangimento ilegal e violação tensão punitiva. TJAC (Em. 91/32)............... 173
de domicílio. Absolvição. Possibilidade uni-
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
camente para um delito de constrangimento
ilegal. Abrandamento do regime prisional. - Importação irregular de medicamentos.
Possibilidade. Substituição ou suspensão da Pequena quantidade. Aplicação em face da
pena privativa de liberdade. Inviabilidade. ausência de potencial lesivo à saúde pública,
TJMG (Em. 91/83)........................................ 188 quando não há indícios de que o produto se
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 – Índice Alfabético
202

destinasse ao comércio irregular. TRF 4ª R. (50 W) excede à máxima prevista pela Lei
(Em. 91/54)..................................................... 180 9.612/98, que instituiu o Serviço de Radio-
difusão Comunitária. STF (Em. 91/27)........ 171
PRISÃO PREVENTIVA
- Tratando-se de crime formal e de perigo abs-
- Associação criminosa, comércio e tráfico in-
trato, não se exige a ocorrência de um dano
ternacional de armas de fogo. Condenação à
concreto para a sua consumação. Afastada a
pena de mais de 20 anos de reclusão. Excesso
pena pecuniária prevista no art. 183 da Lei
de prazo para julgamento do recurso de apela-
9.472/97, aplicam-se as disposições do CP.
ção. Inocorrência. Garantia da ordem pública.
TRF 3ª R. (Em. 91/26)................................... 171
Constrangimento ilegal não caracterizado.
STJ (Em. 91/14)............................................. 166 RAFAEL ESTRELA NÓBREGA
- Estupro de vulnerável e exploração sexual. - Artigo: “A Releitura do Princípio In Dubio Pro
Gravidade concreta da conduta delituosa. Societate no Rito Especial do Júri”.................. 10
Ameaça à vítima e à sua família. Garantia da
RECEPTAÇÃO QUALIFICADA
ordem pública. Constrangimento ilegal não
caracterizado. Ordem não conhecida. STJ - Telefone celular. Aquisição no exercício de
(Em. 91/34)..................................................... 174 atividade comercial. Fortíssimos indícios de
o bem adquirido ser produto de crime (§ 1º
- Feminicídio. Tentativa. Decisão judicial que
do art. 180 do CP). TJAP (Em. 91/80).......... 187
aponta concretamente a necessidade da cus-
tódia cautelar. Gravidade da conduta. Risco REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA
à ordem pública caracterizado. Pedido de À DE ESCRAVO
substituição da prisão preventiva por outra
- Supressão da liberdade da vítima não com-
medida cautelar. Impossibilidade. TJAL (Em.
provada. Para que se configure o tipo penal
91/81).............................................................. 187
do art. 149 do CP, é imprescindível a supres-
- Furto qualificado tentado. Prisão em flagran- são da liberdade da vítima. TRF 1ª R. (Em.
te. Convertida em preventiva. Garantia da 91/75).............................................................. 186
ordem pública e conveniência da instrução
criminal. Ausência de fundamentação. STJ ROGÉRIO FILIPPETTO
(Em. 91/46)..................................................... 177 - Artigo: “Ensaio sobre uma Segurança Jurídica
- Interceptações telefônicas. Legalidade. Metamórfica”................................................. 38
Garantia da ordem pública e resguardo da
aplicação da lei penal. Ausência de ilegalidade. S
STF (Em. 91/57)............................................ 180
SENTENÇA
- Tortura. Impossibilidade. Ausência dos
requisitos do art. 312 do CPP. Decisão do - Nulidade. Audiência de instrução e julga-
magistrado singular mantida em sua integra- mento. Realizada sem o comparecimento da
lidade. TJAL (Em. 91/82)............................... 188 testemunha de acusação. Desistência da oitiva
- Tóxicos. Tráfico. Ausência de fundamenta- da testemunha de acusação e da vítima pela
ção. Constrangimento ilegal caracterizado. defesa. Ausência de requerimento. Prejuízo
STJ (Em. 91/85)............................................. 189 caracterizado. TJAM (Em. 91/16)................. 167

- Tóxicos. Tráfico. Quantidade de entorpe- SIGILO FISCAL E BANCÁRIO


cente apreendida. Necessidade de garantia - Quebra de sigilo de dados pela Receita Fe-
da ordem pública. Constrangimento ilegal deral. Art. 6º da LC 105/01. TRF 2ª R. (Em.
não caracterizado. STJ (Em. 91/86)............... 189 91/74).............................................................. 186
- Violência doméstica. Ameaças no âmbito das
relações domésticas e descumprimento de T
medidas protetivas. Periculosidade do agente.
Garantia da ordem pública. STJ (Em. 91/9). 165 TOMAR REFEIÇÃO EM
RESTAURANTE SEM DISPOR DE
R RECURSOS PARA EFETUAR O
PAGAMENTO
RÁDIO COMUNITÁRIA - Acórdão do TJSP – Sentença condenatória.
- Princípio da insignificância. A potência do Apelação em liberdade. Impossibilidade.
equipamento utilizado na prática delitiva Condições pessoais desfavoráveis.................. 157
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 91 – Ago-Set/2019 203

TORTURA garantia da ordem pública. Constrangimento


- Prisão preventiva. Impossibilidade. Ausência ilegal não caracterizado. STJ (Em. 91/86)..... 189
dos requisitos do art. 312 do CPP. Decisão do TRANSFERÊNCIA DE
magistrado singular mantida em sua integra- REEDUCANDO EM REGIME
lidade. TJAL (Em. 91/82)............................... 188 FECHADO PARA A APAC
TORTURA, CONSTRANGIMENTO - Revogação. Inviabilidade. Satisfeitas as condi-
ILEGAL E VIOLAÇÃO DE ções para a admissão da transferência de preso
DOMICÍLIO oriundo do sistema prisional para os Centros
- Absolvição. Possibilidade unicamente para de Reintegração Social (CRS), geridos pelas
um delito de constrangimento ilegal. Abran- Associações de Proteção e Assistência aos
damento do regime prisional. Possibilidade. Condenados (APACs), não há que se falar
Substituição ou suspensão da pena privativa em revogação. TJMG (Em. 91/87)................ 190
de liberdade. Inviabilidade. Condenação dos
corréus pelo delito de tortura. Necessidade. U
TJMG (Em. 91/83)........................................ 188
UNIFICAÇÃO DE PENAS
TÓXICOS
- Conversão das penas restritivas de direitos
- Posse de entorpecente em lugar sujeito à Ad- em privativa de liberdade e fixação de regime
ministração Militar. Autoria e materialidade. inicial fechado. Legítima a unificação. Penas
Comprovação. Laudo pericial. Validade. Art. de reclusão em regime fechado. Previsão
290 do CPM. STM (Em. 91/68)................... 184 expressa do art. 111 da LEP. TJSP (Em.
- Tráfico. Causa de diminuição de pena do art. 91/88).............................................................. 190
33, § 4º, da Lei 11.343/06. Redução em 1/3. - Roubos. Crimes praticados em condições
Quantidade não expressiva de entorpecente. semelhantes. Atendimento dos requisitos
Réu primário e de bons antecedentes. Ne- objetivos. Provimento para reconhecer a
cessidade de readequação da pena. Causa de continuidade delitiva. TJSP (Em. 91/89)...... 190
aumento do art. 40, III, da Lei de Drogas em
patamar superior a 1/6. Motivação concreta..
Pena inferior a 4 anos. Circunstâncias judi- V
ciais favoráveis. Modo aberto. Substituição VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL
da pena privativa de liberdade por restritivas
de direito. Possibilidade. STJ (Em. 91/84).... 188 - Condenação mantida. Pena reduzida. Mate-
rialidade e autoria comprovadas. TRF 3ª R.
- Tráfico. Prisão preventiva. Ausência de (Em. 91/90)..................................................... 190
fundamentação. Constrangimento ilegal
caracterizado. Nem mesmo a quantidade de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
entorpecente apreendida – 10,15 gramas de - Ameaças no âmbito das relações domésticas
crack e 23,31 gramas de cocaína – pode ser e descumprimento de medidas protetivas.
considerada relevante a ponto de autorizar, Prisão preventiva. Periculosidade do agente.
por si só, a custódia cautelar do paciente. Garantia da ordem pública. STJ (Em. 91/9). 165
Aplicação das medidas cautelares previstas - Prisão em flagrante. Concessão da liberdade
no art. 319 do CPP, a critério do Juízo de provisória mediante o pagamento de fiança.
primeiro grau. STJ (Em. 91/85).................... 189 Constrangimento ilegal configurado. Pacien-
- Tráfico. Prisão preventiva. Quantidade de te hipossuficiente (assistido pela Defensoria
entorpecente apreendida. Necessidade de Pública). TJSP (Em. 91/91)........................... 191
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