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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XIX – Nº 113
Abr-Maio 2023

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006
Classificação Qualis/Capes: B1
Editor
Fábio Paixão
Coordenador
Oswaldo Henrique Duek Marques

Conselho Editorial
Alice Bianchini – André Vinícius Espírito Santo de Almeida – Aury Lopes Júnior
Carlos Eduardo Adriano Japiassú – Carlos Ernani Constantino
Carolina Alves de Souza Lima – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cesar Luiz de Oliveira Janoti – Cezar Roberto Bitencourt – Claudio Brandão
Édson Luís Baldan – Eduardo Saad Diniz – Elias Mattar Assad – Eloisa de Souza Arruda
Ester Kosovski – Eugenio Raúl Zaffaroni (Argentina) – Fernando Capez
Fernando da Costa Tourinho Filho – Fernando de Almeida Pedroso
Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso – Gisele Mendes de Carvalho
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira – Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
João Mestieri – José Carlos Teixeira Giorgis – Luciano de Freitas Santoro
Luiz Flávio Borges D’Urso – Marco Antonio Marques da Silva
Marcus Alan de Melo Gomes – Michele Cia – Nadia Espina (Argentina)
Orlando Faccini Neto – Oswaldo Giacoia Júnior – Paulo Henrique Aranda Fuller
Raúl Cervini – Renato Marcão – Rômulo de Andrade Moreira – Ryanna Pala Veras
Sergio Demoro Hamilton – Tiago Caruso Torres – Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Cícero Robson Coimbra Neves – Elio Lo Monte – Fernando Tadeu Marques
Guilherme Boschetti Cabrini – Gustavo Octaviano Diniz Junqueira
Henrique Alves Pinto – Hugo Leonardo Rodrigues Santos
Jhonatan Fernando Ferreira – Laura Fernandes da Silva
Manoel Jorge e Silva Neto – Maria Fumiko Sampaio Kumagai
Matheus Barbosa de Melo – Nara Luiza Valente – Túlio Arantes Bozola
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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órgão competente do respectivo Tribunal.

Esta publicação conta com distribuição em todo o território nacional.

A editoração eletrônica foi realizada pela Editora Magister, para uma tiragem de 3.100 exemplares.

Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: Magister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Oswaldo Henrique Duek Marques.
v. 113 (abr./maio 2023)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

Editora Magister
Diretor: Fábio Paixão

Alameda Coelho Neto, 20


Boa Vista – Porto Alegre – RS – 91340-340
Apresentação

É com grande satisfação que apresento a centésima décima terceira edição


da Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, destinada a contribuir para
aperfeiçoar as ciências penais e processuais penais.
Abre a sequência de artigos, o texto de Gustavo Octaviano Diniz Junqueira
e Maria Fumiko Sampaio Kumagai, no qual estudam a “A Constitucionalidade
do Art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal”.
Túlio Arantes Bozola e Henrique Alves Pinto, por sua vez, examinam
os impactos no sistema de justiça criminal, em seu escrito “O Acordo de Não
Persecução Penal sob a Ótica da Análise Econômica do Direito: Impactos no
Sistema de Justiça Criminal”.
A Revista prossegue com o artigo “Entre Cuidado e Punição: o Acolhi-
mento de Usuários de Drogas em Comunidades Terapêuticas e a Expansão
do Estado de Carcerização”, de Laura Fernandes da Silva e Hugo Leonardo
Rodrigues Santos, no qual avaliam a atuação das comunidades terapêuticas na
assistência a pessoas usuárias de drogas no Brasil.
Em seguida, Fernando Tadeu Marques, Jhonatan Fernando Ferreira e
Matheus Barbosa de Melo discorrem sobre “As Consequências dos Tipos Penais
Abertos na Lei Antiterrorismo para a Ordem Jurídica e o Direito de Resistência”.
Na sequência, em “Inconstitucionalidade por Espelhamento no Sistema
de Persecução Penal Militar”, Manoel Jorge e Silva Neto e Cícero Robson Coimbra
Neves identificam um problema no controle abstrato-concentrado de constitu-
cionalidade, resultante da existência de dois sistemas normativos de persecução
penal, o comum e o militar.
Nara Luiza Valente e Guilherme Boschetti Cabrini, por seu turno, apre-
ciam “A Violação dos Alicerces do Direito Penal Democrático na Repressão do
Furto Famélico”, em face da conjuntura alimentar no Brasil.
Finalmente, na seção reservada à Doutrina Estrangeira, o jurista italiano
Elio Lo Monte, em seu artigo “Sulla Punibilità degli Atti Preparatori nel Delitto
Tentato. Considerazioni sull’Incerto Cammino della Giurisprudenza”, analisa
a dificuldade de se estabelecer a passagem dos atos preparatórios, não puníveis,
e a execução do crime propriamente dita.
Como coordenador, estou convencido da excelência e atualidade dos
textos apresentados, cuja leitura será, sem dúvida, de grande interesse para os
estudiosos das ciências penais e processuais penais.

Oswaldo Henrique Duek Marques


Sumário
Doutrina
1. A Constitucionalidade do Art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Maria Fumiko Sampaio Kumagai...................... 7
2. O Acordo de Não Persecução Penal sob a Ótica da Análise Econômica do
Direito: Impactos no Sistema de Justiça Criminal
Túlio Arantes Bozola e Henrique Alves Pinto............................................................. 26
3. Entre Cuidado e Punição: o Acolhimento de Usuários de Drogas em
Comunidades Terapêuticas e a Expansão do Estado de Carcerização
Laura Fernandes da Silva e Hugo Leonardo Rodrigues Santos..................................... 47
4. As Consequências dos Tipos Penais Abertos na Lei Antiterrorismo para a
Ordem Jurídica e o Direito de Resistência
Fernando Tadeu Marques, Jhonatan Fernando Ferreira e Matheus Barbosa de Melo...... 63
5. Inconstitucionalidade por Espelhamento no Sistema de Persecução Penal
Militar
Manoel Jorge e Silva Neto e Cícero Robson Coimbra Neves......................................... 89
6. A Violação dos Alicerces do Direito Penal Democrático na Repressão do
Furto Famélico
Nara Luiza Valente e Guilherme Boschetti Cabrini................................................... 109

Doutrina Estrangeira
1. Sulla Punibilità degli Atti Preparatori nel Delitto Tentato. Considerazioni
sull’Incerto Cammino della Giurisprudenza
Elio Lo Monte......................................................................................................... 139

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Crime de Furto Qualificado. Artigo 155,
§§ 1º e 4º, I e II, do Código Penal. Pretensão de Reconhecimento do
Princípio da Insignificância. Habitualidade Delitiva. Impossibilidade.
Detração Penal. Matéria a Ser Analisada pelo Juízo da Execução
Penal. Abrandamento do Regime Inicial de Cumprimento da Pena.
Possibilidade. Princípio da Proporcionalidade. Ordem Parcialmente
Concedida. Reiteração das Razões. Agravo Interno Desprovido
Rel. Min. Luiz Fux................................................................................................. 173
2. Superior Tribunal de Justiça – Crime de Ameaça. Violência Contra
Mulher. Dosimetria. Valoração Negativa da Circunstância Judicial dos
Motivos do Crime. Fundamentação Idônea. Ameaça à ex-Esposa com
o Objetivo de Impedi-la de Acionar a Justiça Requerendo o Divórcio e
Pensão Alimentícia para os Filhos do Casal. Desproporcionalidade do
Quantum na Majoração da Pena-Base. Não Ocorrência. Aplicação do
Sursis Especial Previsto no Art. 78, § 2º, do CP. Impossibilidade Diante da
Negativação de uma Circunstância Judicial. Agravo Desprovido
Rel. Min. Ribeiro Dantas......................................................................................... 185
3. Superior Tribunal de Justiça – Furto. Princípio da Insignificância.
Atipicidade Material. Inaplicabilidade. Multirreincidência. Habitualidade
Delitiva
Rel. Des. Conv. Jesuíno Rissato................................................................................ 195
4. Superior Tribunal de Justiça – Tráfico de Drogas. 245 g de Maconha.
Dosimetria. Ausência de Ilegalidade. Não Reconhecimento do Privilégio,
Previsto no Art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. Comprovação de Dedicação a
Atividade Criminosa. Apreensão de Balança de Precisão, Arma de Fogo e
Rádios de Comunicação. Ausência de Ilegalidade
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior................................................................................ 201

Diretrizes para Submissão de Artigos Doutrinários ..................................... 203


Doutrina

A Constitucionalidade do Art. 112, § 3º,


da Lei de Execução Penal

Gustavo Octaviano Diniz Junqueira


Mestre e Doutor em Direito Penal; Professor de Direito Penal
da PUC-SP; e-mail: profgjunqueira@gmail.com.

Maria Fumiko Sampaio Kumagai


Bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado;
Especialista em Direito Penal e Processo Penal e Mestranda em
Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Advogada; e-mail: mariakumagai@hotmail.com.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a constitucionalidade


do art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal. A maternidade dentro do cárcere
está pautada por diversas dificuldades, desde locais adequados até atendimento
médico essencial durante a gestação. Por isso, o artigo visa entender a progressão
diferenciada para a mulher que se enquadra nos requisitos presentes no citado
artigo, por meio de estudo da legislação brasileira, doutrinas e demais bibliografias
selecionadas. A discriminação positiva deve incidir também nas consequências
da gravidez em uma instituição prisional, bem como para a mãe e para a criança
o resultado do não aparato estatal. Assim, concluímos que é constitucional o
dispositivo legal, tornando a progressão diferenciada uma forma de gerar equi-
dade para mulheres e filhos/dependentes, atingindo também autoras de crimes
hediondos que precisam de assistência material e emocional.

PALAVRAS-CHAVE: Progressão Diferenciada. Mulher Encarcerada. Gênero.


Gravidez no Cárcere.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A Progressão Diferenciada para a Mulher; 1.1 A


Discriminação Positiva de Gênero e Maternidade no Cárcere; 1.2 Mãe Encar-
cerada e Filho de Mulher Presa; 1.3 A Doutrina da Proteção Integral a Crianças
e Adolescentes. 2 Discussões sobre a Constitucionalidade; 2.1 A Progressão
Diferenciada pode Atingir Crimes Hediondos?; 2.2 É Constitucional uma
Progressão Diferenciada Apenas para Mulheres?. Conclusão. Referências.

Introdução
Em 19 de dezembro de 2018, entrou em vigor a possibilidade de pro-
gressão diferenciada/acelerada para gestantes ou mulheres que sejam mães
de crianças ou responsáveis por pessoas com deficiência que dela dependam.
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A sua principal característica é a possibilidade de progressão com o cumpri-


mento de 1/8 (o que equivale a 12,5%) da pena, enquanto a mais branda faixa
ordinária de progressão, que é a prevista no art. 112, I, da LEP, para o primário
condenado por crime sem violência ou grave ameaça, é de 16%, lembrando
que o condenado primário por crime hediondo ou equiparado precisa cumprir
40% para progredir.
O dispositivo que prevê a progressão acelerada (art. 112, § 3º, da LEP)
não proíbe sua incidência para condenados por crimes hediondos ou equipara-
dos, o que é vital para sua eficácia, pois grande parte das mulheres encarceradas
tem envolvimento com tráfico de drogas. No entanto, partindo da premissa
de que a Constituição impõe aos crimes hediondos e equiparados tratamento
especialmente rigoroso na execução penal, alguns tribunais passaram a decidir
pela inviabilidade de progressão acelerada nos crimes hediondos e equiparados.
O objetivo do presente trabalho é demonstrar que é possível a progressão
acelerada/diferenciada também nos crimes hediondos e equiparados.
Para tanto, o trabalho parte da apresentação da progressão acelerada na
legislação, e então analisa o encarceramento feminino e suas peculiares carên-
cias, estabelecendo relação com a previsão legislativa que facilita a progressão
da gestante e da mulher que é mãe de crianças ou responsável por pessoas com
deficiência, o que seria concretização de justificável discriminação positiva.
Após, são criticados os argumentos que negam a progressão acelerada nos
crimes hediondos, especialmente no tráfico de drogas. A conclusão buscará
demonstrar que não há óbice legal ou constitucional para a concessão de
progressão acelerada nos crimes hediondos e equiparados e, especificamente,
no tráfico de drogas.
A metodologia parte de pesquisa de natureza qualitativa, com abor-
dagem jurídica e método hipotético-dedutivo, no qual se tem o processo de
identificação do problema, construção de uma resposta teórica que constitui
a hipótese, e sua aplicação, com a resposta ao problema examinado. Procedi-
mentalmente, é aplicado método jurídico-compreensivo.

1 A Progressão Diferenciada para a Mulher


A Lei nº 7.210/84, nomeada Lei de Execução Penal, adota em seu art.
112 o sistema progressivo de cumprimento de pena, permitindo a progressão
de regime, que é feita de forma individualizada, baseada em critérios objetivos
e subjetivos. O requisito objetivo é o cumprimento de parcela da pena, que
pode variar de 16% para os primários condenados por crimes sem violência
ou grave ameaça a 70% para os condenados reincidentes em crimes hediondos
ou equiparados com resultado morte, e o percentual varia de acordo com a
natureza e gravidade do crime, e também a reincidência. No caso da mulher
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presa gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com
deficiência, o critério predominante passa a ser a peculiar situação da mulher
presa, e a lei prevê uma progressão diferenciada, acelerada, com requisitos
estabelecidos no § 3º do art. 112. Os requisitos cumulativos são:
“I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo
diretor do estabelecimento;
V – não ter integrado organização criminosa.”

Dentre os requisitos arrolados, merece destaque, desde logo, a inviabi-


lidade de progressão diferenciada para crimes violentos, mas não há restrição
legal para crimes equiparados a hediondos. A importância da ressalva está
nos números de encarceramento feminino: segundo o Infopen, cerca de
50,94% das mulheres presas cometeram crimes estabelecidos na Lei de Drogas
(BRASIL, 2019, p. 2), o que permite concluir que se vedado o privilégio da
progressão acelerada para crimes hediondos sua eficácia seria mínima. A mais
impactante característica da progressão acelerada é a exigência de “apenas” 1/8
da pena para a progressão. Enquanto o menor prazo previsto na atual redação
do art. 112 da LEP está em seu inciso I, e trata de 16% para o primário con-
denado por crime sem violência ou grave ameaça, a progressão diferenciada
do § 3º, ora estudada, se satisfaz com 1/8 da pena, ou seja, 12,5%, o que é
sensivelmente menor. No caso dos crimes hediondos, o menor marco, para
os condenados primários, seria 40% (art. 112, V, da LEP), e o impacto da
redução para 1/8 da pena é ainda mais sensível.
A aceleração da possibilidade de progressão é justificada pela especial
atenção aos interesses da criança, pelas peculiares circunstâncias da mãe, e,
ainda, pela inércia do Estado em providenciar a estrutura exigida pela lei para
a manutenção de crianças desamparadas próximas de suas mães encarceradas.
O especial interesse da criança tem guarida constitucional, no art. 227 da CF.
No sopesamento entre o propalado interesse público na segurança pública,
que justificaria a manutenção da mãe encarcerada, e o interesse da criança em
receber especial atenção de sua genitora, o segundo conta com maior peso e
mais específica proteção constitucional. A mãe, presa, não pode dar a atenção
devida ao filho, provocando toda sorte de carências e traumas nos envolvidos,
o que demanda específica valoração sobre os custos e benefícios de seu encar-
ceramento. Dentro de seu espaço de escolha política, a valoração do legislador
foi por permitir uma progressão acelerada. Por fim, sobre a manutenção da
criança desamparada perto da mãe, vale lembrar que o art. 89 da LEP prevê
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
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que a penitenciária de mulheres será dotada de creche para abrigar crianças


maiores de seis meses e menores de sete anos de idade, mas a normativa não
é cumprida, e os filhos desamparados são levados para abrigos inadequados
para sua peculiar situação, com mínimo ou nenhum contato com as mães.
Além da mãe e da responsável por pessoas com deficiência, a lei busca
proteger especialmente também a gestante, preocupação justificada no des-
cumprimento reiterado de providências para garantir um pré-natal digno,
além das agruras comuns ao cárcere brasileiro, como a superlotação e descuido
com a saúde dos condenados, o que provoca alto e injustificável risco para a
mulher na peculiar situação gestacional.

1.1 A Discriminação Positiva de Gênero e Maternidade no Cárcere


A discriminação positiva, também conhecida como ação afirmativa,
ganha relevância nos anos 60, nos Estados Unidos (MOEHLECKE, 2012, p.
198), com a luta pelos direitos civis defendida pelo movimento negro. Gra-
dativamente, tais ações passaram a ser utilizadas por outros grupos oprimidos
para exigir direitos e proteções especiais, como ocorreu com o movimento
feminista. A busca por paridade de gênero tem como base uma luta política,
visto que a desigualdade entre homens e mulheres foi construída socialmente
ao longo do tempo.
Sensível à discriminação de gênero que cerceia os direitos das mulhe-
res, que as invisibiliza e culpabiliza, a Constituição Federal de 1988 previu
uma igualdade formal, ou seja, uma base equânime para que houvesse um
tratamento igualitário entre gêneros. Desse modo, Princípio da Igualdade (ou
Isonomia) foi estabelecido no caput do art. 5º:
“Art. 5º ���������������������������������������������������������������
Todos s��������������������������������������������������������
ão iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;” (grifo nosso)

Apesar do adequado texto, a Constituinte não conseguiu, nem poderia,


modificar o pensamento social abruptamente, e ainda falhou ao não vincular
políticas públicas para igualdade de gênero. No limite, ao tratar de uma so-
ciedade justa, traçou como objetivo a redução das desigualdades, legitimando
e fomentando o emprego de ações afirmativas.
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 11

(...)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais;” (grifo nosso)

No âmbito internacional, a Declaração Universal de 1948 surge em


decorrência dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, e em especial o
Holocausto, que dizimou inúmeros judeus e outras minorias, objetificando-os.
Com o final da guerra, foi necessário criar meios para que as pessoas não fossem
mais coisificadas, despidas de dignidade, mas não foi dado especial destaque à
reificação da mulher ou à criação de instrumentos para sua proteção específica.
Apenas em 1979 as mulheres tiveram seus direitos internacionalmente
reconhecidos, com o primeiro tratado internacional que versa sobre os direitos
humanos das mulheres: a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher, que, na síntese de Flávia Piovesan, “se
fundamenta na dupla obrigação de eliminar a discriminação e de assegurar
a igualdade. A Convenção trata do princípio da igualdade, seja como uma
obrigação vinculante, seja como um objetivo (PIOVESAN, 2018, p. 434)”.
Essa dupla obrigação se relaciona com a discriminação positiva, pois a busca
em assegurar a igualdade não se faz apenas por meio formal declaratório, já adotado
na Constituição Federal, como explica Joaquim Barbosa Gomes (2003, p. 94):
“Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjun-
to de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou
voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de
gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir
ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo
por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens
fundamentais como a educação e o emprego.”

Portanto, se antes as ações afirmativas eram consideradas formas de


tomada de decisão para que entes públicos e privados se mostrassem “preo-
cupados” com inúmeros tipos de discriminações, elas passaram a ser atos para
combater tais discriminações. Assim como o racismo, o machismo também
é estrutural, e por isso uma especial diferenciação de gênero é essencial para
existir uma sociedade mais igualitária. Porém, tratando-se de uma sociedade
machista e patriarcal, como é o Brasil, a mulher é vista como “o outro”, ou seja,
um ser diferente do “um”, que seria o homem, sendo este aquele que forma
e estabelece como o corpo social vai se estruturar, levando em consideração
apenas seus desejos. A mulher ou “o outro” é considerada um cidadão de
segunda categoria, que tem como papel primordial servir o homem, tendo
assim, seus direitos questionados (BEAUVOIR, 2019). É a partir desse cenário
que o movimento feminista surge, para reivindicar liberdade reprodutiva,
plena participação política e direito ao estudo, entre outras tantas lutas, e é
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
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por meio das discriminações positivas que muito se conseguiu na expansão


de direitos iguais no âmbito econômico, político e social. Entretanto, no
cárcere torna-se quase impossível essa luta, não apenas pela segregação social
causada pelas instituições prisionais, mas também pela visão positivista que
a sociedade tem dessa população, aglutinando os preconceitos de gênero aos
preconceitos oriundos da anormalidade patológica da delinquente, amalga-
mando discriminação odiosa e a violência institucional.
O positivista Cesare Lombroso e o sociólogo Guglielmo Ferrero es-
creveram, em 1893, umas das primeiras obras que tratavam exclusivamente
da criminalidade feminina, denominada La Donna Delinquente, la Prostituta e
la Donna Normale, famoso estudo que escora a análise em questões biológi-
cas, referindo-se às mulheres como seres fracos fisicamente e mentalmente,
enxergando o corpo feminino como um defeito, algo que gerava problemas:
“Toda manifestação exacerbada do corpo feminino – menstruação em excesso
ou escassa, desejo sexual aumentado (ou mesmo presente), a gravidez em si
– era razão para uma alteração psíquica perigosa” (ANGOTTI, 2018, p. 132).
Roberto Lyra, por sua vez, sugeria que os baixos índices de criminali-
dade feminina estão relacionados ao fato de a mulher não precisar trabalhar,
enfrentar o mundo público, estando resguardada no mundo privado, prote-
gida no seio familiar (ANGOTTI, 2018, p. 127), indicando desde então que
o menor índice de crimes cometidos por mulheres não estaria relacionado
com questões biológicas, mas, sim, sociais, pois ainda hoje é esperado que
a mulher exerça papéis limitados na sociedade. A maternidade é um bom
exemplo: ao relacionar necessariamente a mulher com o instinto materno,
ou com a necessidade de se ter um filho, temos um preconceito carregado de
colorido pseudocientífico, pois o verdadeiro foco não está na “necessidade de
ser mãe”, mas, sim, em um grande pacto sexual.
As primeiras instituições prisionais exclusivamente femininas no Brasil
foram criadas baseadas no pensamento positivista e na antropologia criminal.
Foi em 1937, no Rio Grande do Sul, que o Reformatório de Mulheres Crimi-
nosas, administrado pela Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom
Pastor d’Angers, surgiu como o primeiro local criado especificamente para o
encarceramento feminino (ANGOTTI, 2018, p. 139 e 152), com a intenção
de “salvar a alma” daquelas mulheres que desviaram de seu caminho biologi-
camente determinado, e que por meio do silêncio e da oração conseguiriam
ser reabilitadas ao convívio social. A indicação das religiosas da Congregação
administrando o Reformatório de Mulheres, e, depois, a Penitenciária de
Mulheres de Bangú e o Presídio de Mulheres do Carandiru, buscava diminuir
o custo para o Estado, que economizaria até mesmo na ausência de investi-
mentos para qualificar a população para o trabalho no cárcere, uma vez que
tal objetivo era próprio dos presídios masculinos e, ainda, por se acreditar que
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 13

a criminalidade feminina não estava relacionada com falta de oportunidade


de trabalho, mas, sim, com um desvio de sua constituição:
“(...) as mulheres delinquentes rompiam com os papéis femininos que
deveriam cumprir: ao contrário dos homens, de quem se esperava compor-
tamentos violentos, próprios de sua natureza, das mulheres era esperada do-
cilidade e ternura. Assim, a delinqüência masculina era explicada pelo excesso
de violência inerente ao homem, e a transgressão feminina era enxergada
como um pecado.” (GÓMEZ, 2005, p. 14 apud ANGOTTI, 2018, p. 148)

Desse modo, as irmãs se preocupavam não em ensinar para as detentas


profissões que as auxiliassem no enfrentamento do mercado de trabalho que
se abria mais para as mulheres, mas, sim, transformá-las em cristãs, agindo
com subserviência ao papel que lhes foi dado pela sociedade patriarcal (AN-
GOTTI, 2018, p. 143, 149, 150 e 155). Apesar desse ser um pensamento dos
anos 1940, a criminalidade feminina ainda hoje é vista como algo não natural,
e a necessidade de “recuperar a alma” está relacionada ao lugar da mulher na
sociedade, pois seria ela quem recupera as pessoas, aquela que não pode co-
meter erros, diferente do homem, que sempre é tratado como alguém passível
a deslizes, cabendo à mulher “certa” endireitá-lo.
Essa dificuldade em perceber e aceitar que mulheres cometem crimes,
e não pecados, dificultou a criação de instituições prisionais exclusivas e ade-
quadas para mulheres, pois bastaria achar um “puxadinho” improvisado, sem
levar em consideração as necessidades biológicas específicas, como no caso
da menstruação e maternidade. É evidente que um estabelecimento prisional
feminino demanda arquitetura própria e equipamentos peculiares, como o
acompanhamento médico ginecológico, e mesmo a segurança interna deve
ser feita exclusivamente por agentes do sexo feminino (BRITO, 2018, p. 290).
Ainda hoje cerca de 18,1% dos estabelecimentos prisionais são mistos, sendo
apenas 6,9% destinados a mulheres (BRASIL, 2019, p. 15). Os estabelecimen-
tos mistos, apesar de terem separação para mulheres e homens, não apresentam
toda a estrutura necessária para as detentas, como espaços criados para serem
usados como maternidade e creche. A falta de dignidade menstrual, a sexu-
alidade feminina e a maternidade são punições que ultrapassam a legislação.
A escassez de atendimento médico especializado fica clara nos números:
segundo o Painel Interativo do Infopen de julho/dezembro de 2019, a popu-
lação carcerária feminina era de 36.929 presas (BRASIL, 2019a, p. 16). Em
contrapartida, o Relatório Analítico do Infopen de julho/dezembro de 2019
informa que há 30 médicos ginecologistas no sistema carcerário brasileiro,
sendo 20 mulheres e 10 homens (BRASIL, 2019c), ou seja, são aproximada-
mente 1.230 mulheres para cada ginecologista, o que evidencia não ser pos-
sível tratar das demandas das potenciais pacientes. A falta de saúde reverbera
nas demandas mais essenciais para uma mulher, como a falta de absorventes
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
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no período menstrual. Apenas em 2022 foi promulgada a Lei nº 14.214, que


instituiu o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para que
mulheres em instituições penais tenham acesso de forma gratuita a absorventes
higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual. Até a total
implantação do programa, ainda serão ouvidos casos de uso de miolo de pão e
jornal para a higiene íntima (AMARAL, 2021), provocando alta suscetibilidade
de infecção, preocupação que não ocorre com o sexo masculino.
A sexualidade feminina ainda é um tabu, que por muito tempo negou e
ainda nega à mulher o direito de ter alguma vontade sexual, bem como é pouco
falada, principalmente dentro das instituições prisionais. A visita íntima, por
exemplo, não tem previsão na Lei de Execução Penal, mas desde 1999 vem
regulamentada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP). A última resolução criada é a de nº 23, em 2021, porém ainda
contendo determinadas restrições de dificultam a visita íntima, visto que é
necessária a comprovação de união estável ou casamento, medida que acaba
confundindo moral e sexualidade, como se o objetivo fosse proteger a família,
e não a dignidade sexual da presa, que evidentemente abrange seu direito a
ter relações sexuais mesmo sem estar casada ou em união estável.
Se o crime não é um mero erro da mulher, mas, sim, uma negação de sua
condição, um pecado, uma anormalidade, é comum que sejam marginalizadas
e esquecidas por suas famílias, que deixam de visitá-las, e especialmente por
seus companheiros, que se recusam a passar pelo constrangimento da revista
necessária para o ingresso nos estabelecimentos prisionais (QUEIROZ, 2020).
Além do abandono e das dificuldades formais, a visita íntima não é
permitida ou factível em todos os centros prisionais, por falta de instalações
devidas, bem como não são incentivadas ou facilitadas, já que, diferentemente
do homem preso, as questões reprodutivas femininas e doenças sexuais se
tornam responsabilidade de Estado: se um preso engravida uma mulher, ela
terá a responsabilidade pela criança. Se uma mulher presa fica grávida, o Estado
se torna responsável pela sua saúde e teria que investir no pré e no pós-natal.
A opção é desestimular e dificultar a relação sexual e obstar a normal gestão
dos direitos reprodutivos, evitando, ao máximo, a “custosa” gestação.
Segundo o Relatório Temático sobre Mulheres Privadas de Liberdade
de julho/2017 do Infopen, o número de presas de até 29 anos de idade totaliza
47,33% da população carcerária (BRASIL, 2019b, p. 29), ou seja, quase metade
das mulheres presas estão no ápice da idade reprodutiva, mas as dificuldades
apontadas cerceiam seus direitos reprodutivos. Vale lembrar que a pena é
privativa de liberdade, e não de maternidade, e certamente previsão legal
nesse sentido seria inconstitucional. É possível concluir que é inconstitucional
também a prática que cerceia o direito reprodutivo, mesmo sem previsão legal.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 15

No artigo “Da hipermaternidade à hipomaternidade no cárcere feminino


brasileiro”, Braga e Angotti denominam a maternidade nas instituições prisionais
como hipermaternidade, pelo fato da mulher ter que ficar 24 horas com o bebê,
e hipomaternidade, pois a separação entra mãe e filho é brusca e sem prepara-
ção, levando-a a intenso sofrimento psicológico e físico (2015, p. 235 e 236). As
autoras mostram que a maternidade no cárcere gera uma peculiar mistura de
sentimentos para a mulher, podendo as unidades/alas materno-infantis serem
considerados um regime à parte, que apesar de ter certo conforto em relação ao
espaço e camas para dormir, carrega um excesso disciplinar que torna a prisão e
a maternidade ainda mais difíceis, visto que em alguns lugares a mulher só tem
uma hora de banho de sol, bem como tem que ficar a todo momento com o
bebê, podendo ser punida se dormir com ele na cama, além de ser afastada do
convívio com outras presas, tendo contato apenas com as demais mães que estão
nas unidades/alas, e das atividades prisionais, como trabalho, impossibilitando
o direito à remição da pena (BRAGA; ANGOTTI, 2015).
A hipermaternidade leva a mulher à exaustão, pois fora do cárcere
ela preencheria seu tempo com outras atividades além de ficar cuidando do
bebê, ou mesmo teria algum tempo ocioso, e teria contato com pessoas que
não estão na mesma situação. Já a hipomaternidade pode ter início enquanto
a mãe está com a criança, pois há um medo constante quando se escoam os
seis meses de amamentação nos quais a lei (art. 83, § 2º, da LEP) garante que
a mãe cuide diretamente do filho, sem que haja um acompanhamento psi-
cológico devido para o previsível trauma da separação. Nos piores casos, há
destituição do poder familiar, e aquela mãe nunca mais poderá ver ser filho,
que vai para um abrigo, podendo ser adotado.
Como forma de evitar traumas durante e logo após a gestação, o Código
de Processo Penal prevê nos casos de prisão preventiva a possibilidade de ser
substituída por prisão domiciliar, com ou sem a aplicação de outras medidas
cautelares. Os requisitos são semelhantes àqueles estabelecidos no art. 112, § 3º,
da LEP, porém aqui a mulher ainda não foi condenada, por isso poderia passar
mais tempo com seus dependentes, bem como estar em locais mais apropriados
para viver uma gestação. Segundo a ADPF 347, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro,
não sendo, portanto, local adequado para gestar e conviver com os filhos, já que
existe a possibilidade de vivenciar essa realidade fora do cárcere e em liberdade.
Nesse contexto, em 2018, foi impetrado o Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/
SP, que determinou a substituição do cárcere pela prisão domiciliar quando
presentes requisitos que, rapidamente, foram encampados na legislação proces-
sual penal (art. 318-A). Infelizmente, mesmo com a previsão legal e ordem de
habeas corpus, é ainda grande a resistência à prisão domiciliar cautelar, e a regra
é o indeferimento da medida (JUNQUEIRA; GALISTEU, p. 35).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
16

A vulnerabilidade da população carcerária é previa ao cárcere, como no


caso de mulheres negras (63,55%), de baixo grau de escolaridade (44,42%) e
jovens entre 18 e 29 anos (47,33%), que correspondem à maior parte desse
grupo (BRASIL, 2019c, p. 29, 31 e 34). A punição exponencia a vulnerabili-
dade, pois a sociedade patriarcal não admite seu erro e sua ousadia em praticar
o crime, e a prática de um crime não se adapta à sensibilidade, fragilidade e
zelo com os familiares, principalmente em relação aos filhos, educando-os.
Ao cometer um crime, é levantado o questionamento se não há um desvio
biológico e moral, uma anormalidade patológica, que não apenas será afastada
do convívio social, mas também do convívio familiar. A reação humanitária
deve estar concretizada em ações e políticas públicas de discriminação posi-
tiva nas mais diversas áreas e também na execução penal, com institutos que
aproximem a presa e a condenada de sua família e, em especial, de seus filhos,
também como forma de impacto positivo na vida de crianças que não devem
ser apartadas de suas mães. A progressão acelerada vem nesse sentido.

1.2 Mãe Encarcerada e Filho de Mulher Presa


Gerda Lerner comenta a identificação da gestação como algo divino,
pois a mulher teria sido escolhida pela divindade para gerar outro ser (LER-
NER, 2019, p. 231). Simone de Beauvoir, em “O segundo sexo”, anota que
os homens acreditavam que a procriação se dava através das larvas ancestrais
(BEAUVOIR, 2019, p. 35 e 102). Nicole-Claude Mathieu explica que se
usavam mitos e ritos para relacionar a fecundidade feminina com a natureza
(MATHIEU, 2021, p. 102). O que todas as autoras tratam ao demonstrar
a ligação da mulher com a procriação e a maternidade é que os os homens
julgavam não ter participação na concepção dos bebês, sendo total respon-
sabilidade de mulher a gestação e criação das crianças de suas comunidades,
como um imperativo biológico. A percepção de que a responsabilidade pelos
filhos é exclusiva ou primordialmente da mulher tem início nesse pensamento
primitivo, mas perdura ainda hoje, por uma questão de construção social dos
papéis gênero na sociedade, que em grande parte exime o pai da obrigação de
cuidado com os filhos, além do mero compromisso material.
Em uma sociedade patriarcal, os deveres do homem estão relaciona-
dos ao provimento, que nos primórdios abarcava os riscos da caça, e hoje
se materializa na aventura de buscar dinheiro para subsistência da família.
Não se espera que a mulher corra riscos ou se lance em aventuras, e a casa
e os filhos sempre foram o ponto focal do trabalho feminino, sendo muito
recente a normalização do trabalho feminino fora do lar. No caso da mulher
encarcerada, primeiro se questiona o que ela estava fazendo no momento do
crime que não cuidando dos filhos, e por isso teria sido presa, por desviar de
seu papel de gênero. É desde logo culpada do crime e culpada de desviar de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 17

seu papel. Por consequência, será sempre outra mulher, por exemplo, a avó,
tia ou prima, que deverá cuidar das crianças enquanto a mãe está no cárcere.
A relação entre papel social e a progressão diferenciada para a mulher
se relacionam não apenas porque a mãe continua sendo responsável pelos
filhos, mas também porque tem como objetivo resguardar o interesse da
criança, que tem laços emocionais com a mãe presa e que não pode, ou não
deveria, ter seus direitos cerceados por atos que não cometeu, passando a so-
frer uma pena que ultrapassa a pessoa condenada. Por isso, visando à proteção
dos filhos e priorizando a continuidade do vínculo materno (ROIG, 2016,
p.296), a Lei de Execução Penal estabelece nos arts. 83, § 2º, e 89 a existência
de berçário e creche nos estabelecimentos prisionais, para que não haja o
afastamento definitivo da criança de sua mãe, afetando-a emocionalmente e
psicologicamente pela falta de convívio com aquela que é a sua responsável.
Apesar da previsão legal, não há estrutura apropriada nos estabelecimentos
penais, principalmente quando se trata das creches anexas, havendo apenas
em 13 instituições no Brasil, comportando 154 crianças acima dos dois anos
de idade. Já no caso dos berçários, há um número maior, totalizando 55 no
país inteiro entre berçário e/ou unidade materno-infantil, com capacidade para
598 bebês e crianças de até dois anos de idade (BRASIL, 2019c).
A Constituição Federal impõe no art. 5º, L, que a mãe no cárcere deva ficar
com os filhos durante o período de amamentação, mas não define o período,
sem maiores especificações. Na LEP, o legislador regulamentou, no art. 83, § 2º,
o período mínimo de até seis meses de idade, enquanto a OMS (Organização
Mundial da Saúde) sugere que nos seis primeiros meses de vida da criança a
alimentação deve ser exclusivamente vinda da amamentação, devendo em se-
guida complementar com outros alimentos, mas seguir com o aleitamento até
os dois anos de idade, com objetivo de evitar doenças (OMS, 2021).
Na 65ª Assembleia das Nações Unidas foram formuladas as “Regras das
Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas
de liberdade para mulheres infratoras”, também conhecida como “Regras
de Bangkok”. Ela estabelece condições adequadas para a saúde de gestantes,
lactantes e crianças (filhos) no cárcere, não apenas por uma questão humani-
tária em relação à mulher, mas como forma de melhor assistir os direitos das
crianças e diminuir o sofrimento da separação com a mãe. As regras não tratam
apenas da questão legislativa, mas, principalmente, da efetivação dos direitos,
que também podem ser encontrados na LEP, mas que não são cumpridos:
“Regra 48
1. Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação sobre dieta
e saúde dentro de um programa a ser elaborado e supervisionado por um
profissional da saúde qualificado. Deverão ser oferecidos gratuitamente
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
18

alimentação adequada e pontual, um ambiente saudável e oportunidades


regulares de exercícios físicos para gestantes, lactantes, bebês e crianças.
2. Mulheres presas não deverão ser desestimuladas a amamentar seus filhos/
as, salvo se houver razões de saúde específicas para tal.
(...)
Regra 49
Decisões para autorizar os/as filhos/as a permanecerem com suas mães na
prisão deverão ser fundamentadas no melhor interesse da criança. Crianças
na prisão com suas mães jamais serão tratadas como presas.
Regra 50
Mulheres presas cujos/as filhos/as estejam na prisão deverão ter o máximo
possível de oportunidades de passar tempo com eles.”

Tanto nas Regras de Bangkok como no art. 89 da LEP, o tratamento


das crianças na prisão está relacionada também a questões materiais, como
alimentação, educação e lazer:
“Art. 89. Al��������������������������������������������������������������
������������������������������������������������������������
m dos requisitos referidos no art. 88, a����������������������
penitenci�����������
ária de mu-
lheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para
abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com
a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste
artigo:
(...)
II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança
e à sua responsável.” (grifo nosso)

A creche anexa seria o instrumento necessário para garantir que as


crianças maiores de seis meses não sejam levadas para o abrigo, quando ao
desamparo, e recebam a devida assistência quando já maiores de seis meses,
sendo necessário indicar que cerca de 92,13% das crianças que estão nos
estabelecimentos penais são maiores de seis meses (BRASIL, 2019b, p. 3). A
permanência da criança com a mãe além dos seis meses nesse caso é aleatória
e em condições ilegais. Aleatória, pois não há critérios seguros sobre qual ou
momento ou os fatores que provocariam a repentina retirada da criança que
será levada para parentes ou para o abrigo. As condições são ilegais, pois a
criança com mais de seis meses já não deveria ficar na cela com a mãe, mas,
sim, em creche com estrutura adequada às suas peculiares necessidades.
É comum o argumento que a creche anexa seria um prejuízo para a
criança, que ficaria privada de atividades diversas como eduação e lazer. Na
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 19

cidade de São Paulo, os Centros de Educação Infantil devem atender as crianças


no período integral de 10 horas, entre as 7h e 19h (SÃO PAULO, 2021), nada
diferente do que se espera que seja uma creche anexa às instituições carcerárias
femininas ou mistas, em que as crianças não ficariam presas, apenas passariam
o dia realizando atividades iguais às de instituições de ensino infantil fora do
cárcere. Estariam tão garantidos os direitos da criança como em qualquer
outra creche, com a vantagem de estar próxima da mãe.
A falta de creche anexa é ainda fator que estimula a destituição do poder
familiar, na medida em que a certeza de que a criança ficará desamparada em
um abrigo por longos anos acaba por persuadir que o caminho mais adequado
seria o da adoção. Se a criança ficará sem a mãe nem outro familiar até cinco
ou sete anos, e a mãe é uma criminosa condenada, pode parecer razoável o
argumento que vê um melhor destino na constituição de outra família, até
porque com o desfazimento da relação entre mãe e filho a percepção de fa-
mília extendida fica comprometida (DIAS, 2017, p. 53). Não há, no entanto,
razoabilidade ou respaldo legal no rompimento do poder famliar pela mera
prisão da genitora, pois o vínculo entre a mãe e o filho deve ser protegido ao
máximo e, por outro lado, o estímulo ao rompimento do poder familiar é
ilegal, e o art. 23, § 2º, do ECA determina que a condenação penal não implica
na destituição do poder familiar, desde que o crime não tenha sido cometido
contra outros responsáveis ou descendentes.
“Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.
(...)
§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição
do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso
sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo
poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente.” (grifo nosso)

A destituição do poder familiar é medida extrema e pode ser, em vários


casos, cruel, principalmente nos casos em que a mulher, movida pela cares-
tia, pratica o crime para conseguir dar assistência material aos filhos, o que é
esperado em um país com milhões de miseráveis. É um trauma para todos
os envolvidos, e deve ser evitada.

1.3 A Doutrina da Proteção Integral a Crianças e Adolescentes


É consolidada a interpretação do art. 227 da CF para declarar que foi
adotada a doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes. A expressão
integral, aqui, traduz universalidade, atingindo todos os menores de 18 anos,
quer estejam cumprindo papéis sociais esperados, quer não, ainda que tenham
praticados atos infracionais, ou mesmo que tenham mães presas. É chamada
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
20

dimensão subjetiva da proteção integral (FULLER, p. 33). A dimensão passiva


impõe a prioridade nas ações que busquem assegurar os direitos e interesses
das crianças e adolescentes.
Se a discriminação positiva de gênero já não fosse justificativa suficiente
para a progressão acelerada, surge a proteção integral da criança como gran-
de alicerce, com o reforço da absoluta prioridade do interesse da criança no
conflito com outros interesses. É reconhecido na legislação o direito de estar
ao lado dos genitores, em convivência familiar (art. 19 do ECA), e o § 4º do
mesmo dispositivo ressalta o direito à convivência da criança ou adolescente
com a mãe ou pai privado de liberdade, ainda que por visitas periódicas.
A progressão acelerada é instrumento que prioriza o reconhecido direito
da criança à convivência com a mãe, que seria obstado pela ineficiência do
Estado em providenciar creche anexa ao presídio feminino, lembrando que o
princípio do melhor interesse da criança “incide especialmente na interpretação
das normas e na resolução dos conflitos que envolvem os direitos das crianças
e adolescentes: as decisões devem sempre se orientar no sentido da satisfação
integral de seus direitos no caso concreto” (FULLER, p. 35).
A proteção integral tem como beneficiário final crianças e adolescen-
tes, e não os pais e familiares, muito menos o Estado. Todos devem respeitar
e fazer funcionar o interesse superior da criança, criando, não somente nas
relações interpessoais, mas também comunitárias, possibilidades de integrar
e respeitar esses sujeitos de direitos (AMIN, 2022, p. 36 e 37). Por isso, não
se pode usar o argumento da proteção integral como justificativa para afastar
mãe e filho apenas em razão da prática de crime pelos genitores, pois salvo
prova clara em contrário a presunção é que o melhor caminho é permitir e
fomentar a aproximação entre a mãe e a criança.

2 Discussões sobre a Constitucionalidade


A Constituição Federal de 1988 consolida, no art. 5º, caput e inciso 1º,
que todos são iguais perante a lei, bem como homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações. Entretanto, a própria Constituição faz distinções de atos
para tentar gerar equidade formal e material, desde que não afronte direitos
e liberdades fundamentais, como previsto no art. 5º, inciso XLI, “a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;”.
José Afonso da Silva explica, em seu “Curso de Direito Constitucional Positi-
vo”, que a norma será considerada inconstitucional quando há discriminação
a pessoas ou grupos, discriminando-os em detrimento de outras pessoas ou
grupos que estão em mesma situação, visto que estaria ferindo o princípio da
isonomia (SILVA, 2014, p. 203).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 21

Ao tratar da progressão diferenciada, o legislador buscou atingir uma


igualdade material, favorecendo mulheres que já são vulneráveis pela condição
de gênero e do estado em que se encontram no cárcere, tornando-as mais
protegidas quando gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas
com deficiência.

2.1 A Progressão Diferenciada pode Atingir Crimes Hediondos?


Os crimes hediondos são aqueles elencados no art. 1º da Lei 8.072/90.
Há entendimento consolidado nos tribunais que a Constituição teria equipara-
do o tráfico, a tortura e o terrorismo também aos crimes hediondos, e, assim,
as restrições constitucionais e legais aos crimes hediondos seriam também
aplicadas aos equiparados. As restrições constitucionais são a inafiançabilidade
e insuscetibilidade de graça e anistia, que os tribunais consolidaram atingir
também o indulto. A Constituição Federal não indica qualquer restrição à
progressão em crimes hediondos, tampouco ao livramento condicional. Não
há norma constitucional que determine maior rigor na execução da pena
privativa de liberdade nos crimes hediondos e equiparados.
A progressão está disciplinada em lei ordinária, que traz percentuais
especialmente altos para a progressão em crimes hediondos e equiparados,
mas também aponta, como exceção, a possibilidade de progressão acelerada/
privilegiada para as mulheres gestantes, mães e responsáveis por pessoas com
deficiência.
A lei não precisaria trazer tratamento especialmente grave para a pro-
gressão em crimes hediondos, tanto que por muito tempo o rigor foi o mesmo,
especialmente após o reconhecimento da inconstitucionalidade da vedação
de progressão para crimes hediondos e equiparados declarada pelo STF em
2006 (HC 82.959), e que só foi alterada em março de 2007. Nesse período,
foi pacífica orientação do Supremo Tribunal Federal, cristalizada na Súmula
Vinculante nº 26, que os crimes hediondos anteriores a março de 2007 per-
mitiam progressão no mesmo prazo dos crimes comuns (1/6 da pena), orien-
tação também pacificada na Súmula nº 471 do Superior Tribunal de Justiça.
A conclusão necessária é que não havia inconstitucionalidade na ausência de
tratamento distinto para a progressão em crimes comuns e hediondos para
todos os crimes anteriores a março de 2007. Em 2007, a lei foi novamente
alterada, e vieram as frações de 2/5 e 3/5 para a progressão nos crimes hedion-
dos e equiparados, usando o legislador de seu poder – ou espaço de manobra
dentro dos limites constitucionais. Com a edição da Lei nº 13.769/2018, que
permitiu a progressão acelerada para mulheres gestantes, mães e responsáveis
por pessoas com deficiência com a introdução do § 3º do art. 112 da LEP, o
legislador se valeu do mesmo espaço de manobra. A mudança legislativa de
2019, apelidada de “pacote anticrime” – que entra em vigor em 2020 – muda
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
22

quase toda a regulamentação sobre progressão, mas não altera o § 3º do art.


112 da LEP, permitindo concluir que é com ele compatível, ou seja, mantém
a admissão da progressão acelerada/privilegiada.
Não há, assim, caminho hermenêutico que admita pregar a incons-
titucionalidade da progressão acelerada/privilegiada para crimes hediondos.
O maior rigor para a progressão nunca foi constitucional – como já admitiu
o STF em 2006 (HC 82.959) –, mas, sim, legal, e nos termos descritos pelo
legislador. E foi o legislador quem manteve as condições especiais de progres-
são para a mulher gestante, mãe ou responsável por pessoas com deficiência.
Dentre os requisitos legais para a progressão acelerada do art. 112, § 3º,
da LEP há impeditivo para crimes com violência ou grave ameaça e crimes
praticados contra os filhos ou dependente, mas não há ressalva sobre crimes
hediondos ou equiparados, e “onde o legislador não distingue não cabe ao
intérprete fazê-lo, muito menos para adotar óptica que acabe por prejudicar
aquele a quem o preceito visa a proteger” (RE 547.900, Rel. Min. Marco
Aurélio). Pelo contrário, como ensina Carlos Maximiliano (2006, p. 201):
“quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é
dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam
enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir
entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é,
sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas.”

2.2 É Constitucional uma Progressão Diferenciada Apenas para


Mulheres?
A Constituição Federal contempla no art. 5º, caput, o Princípio da
Isonomia, determinando que homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, estabelecendo desse modo a igualdade formal, mas previu que tal
igualdade demoraria a ser atingida, por isso incluiu exemplos do que seria a
igualdade material, como os arts. 7º, incisos XVIII e XX, e 17, § 7º:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias;
(...)
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei;
(...)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 23

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos polí-


ticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluri-
partidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os
seguintes preceitos:
(...)
§ 7º Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% (cinco por cento)
dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas
de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo
com os interesses intrapartidários.”

A discriminação é positiva. São vias de enfrentamento à desigualdade


de gênero, vinculadas à tomada de decisões políticas que envolvem atos de
todos os poderes, em dimensões verticais e horizontais. A progressão dife-
renciada apenas para mulheres está relacionada com as já referidas especiais
vulnerabilidades das mulheres presas e seu vínculo materno, justificando o
tratamento desigual em prol da isonomia.

Conclusão
A legislação em vigor prevê a possibilidade de progressão diferenciada,
acelerada ou privilegiada para a gestante, ou mulher responsável por crianças
ou pessoas com deficiência. Foi levantada questão sobre a inconstitucionali-
dade da previsão, a qual foi refutada no presente estudo.
Se a igualdade de todos os cidadãos exige medidas de discriminação
positiva, e especificamente discriminação positiva de gênero, como reconhe-
cido na Constituição, na doutrina, nos Tribunais Superiores e na sociedade,
tais medidas devem ser acentuadas no caso das mulheres presas, que sofrem
com a dupla discriminação de gênero e de condenadas.
A proteção integral à criança, prevista na Constituição Federal, impõe
que no conflito de interesses deva ser sempre priorizado o melhor interesse da
criança, que destaca, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a proximidade
com os pais como regra. O ECA é ainda expresso sobre o encarceramento,
destacando que a condenação criminal não é justificativa para o distancia-
mento. Pelo contrário, mesmo com a prisão devem ser tomadas medidas que
permitam o convívio da criança com os pais.
A Lei das Execuções Penais garante, no plano normativo, a aproximação
da mãe presa com os filhos, tanto que prevê a construção de creches anexas
a todos os estabelecimentos prisionais femininos. O descumprimento da lei
exige, assim, que medidas administrativas ou mesmo outras providências le-
gislativas sejam tomadas. A progressão acelerada se coloca como providência
adequada e até mesmo necessária.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 113 – Abr-Maio/2023 – Doutrina
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A Constituição Federal nada diz sobre a forma de cumprimento de pena


nos crimes hediondos ou equiparados. Não exige pena privativa de liberda-
de, tampouco dificuldades extraordinárias para a progressão ou livramento
condicional. É espaço livre para o legislador, que no caso preferiu priorizar
o interesse da criança e a discriminação positiva de gênero no conflito com
um (suposto) interesse de impor maior rigor para a progressão nos crimes
hediondos e equiparados.
A progressão acelerada para as gestantes, mães ou responsáveis por
crianças ou pessoas com deficiência concretiza a discriminação positiva de
gênero, aproxima a criança da mãe, satisfaz o melhor interesse da criança e
o prioriza, no espaço de liberdade do legislador ordinário. É insustentável,
sob qualquer prisma, o argumento por sua inconstitucionalidade no caso de
crimes hediondos ou equiparados.

TITLE: The constitutionality of article 112, § 3º, of the Penal Execution Law.

ABSTRACT: This paper aims to analyze the constitutionality of article 112, § 3º, of the Penal Execution
Law. Maternity inside the prison is marked by several difficulties, from adequate living spaces to essential
medical care during pregnancy. Therefore, the article aims to understand the differentiated progression
for women who fit the requirements present in the aforementioned article, through the study of Brazilian
legislation, doctrines, and other selected bibliographies. Positive discrimination must make difference in
the consequences of pregnancy in a prison institution, as well as for the mother and the child the result of
the non-state apparatus. Thus, we conclude that the legal provision is constitutional, making differentiated
progression a way to generate equity for women and children/dependents, also reaching perpetrators of
heinous crimes, who need material and emotional assistance.

KEYWORDS: Differentiated Progression. Incarcerated Woman. Gender. Pregnancy in Prison.

Referências
AMARAL, Talyta. Detentas de MT usam miolo de pão e toalhas no período menstrual. Gazeta Digital,
2021. https://www.gazetadigital.com.br/editorias/cidades/detentas-de-mt-usam-miolo-de-po-e-toalhas-
no-perodo-menstrual/684543%23:~:text=Detentas%252520de%252520MT%252520usam%252520mi
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Recebido em: 08.05.2023


Aprovado em: 20.05.2023

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