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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – Nº 96
Jun-Jul 2020

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006

Classificação Qualis/Capes: B1

Editores
Fábio Paixão
Walter Diab

Coordenador
Aury Lopes Júnior

Conselho Científico
Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva

Conselho Editorial
Adeildo Nunes – Amadeu de Almeida Weinmann
Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Haroldo Caetano da Silva
José Carlos Teixeira Giorgis – Marcelo Roberto Ribeiro
Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti – Roberto Victor Pereira Ribeiro
Rômulo de Andrade Moreira – Sergio Demoro Hamilton
Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Américo Bedê Freire Júnior – Andréia Cristina Vieira Braga
Beatriz Massetto Trevisan – Bruno Zanesco Marinetti Knieling Galhardo
Eduardo Domingues Rezende – Emerson Ademir Borges de Oliveira
Gustavo Henrique de Andrade Cordeiro – Gustavo Noronha de Ávila
Hugo Rogerio Grokskreutz – João Daniel Rassi – Marcos Fuchs
Oswaldo Henrique Duek Marques – Paulo Henrique Aranda Fuller
Rebecca Groterhorst – Thales Aporta Catelli
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Aury Lopes Júnior.
v. 96 (jun./jul 2020)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

LexMagister
Diretor Executivo: Fábio Paixão

Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040


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Serviço de Atendimento – (51) 3237.4243
Sumário
Doutrina
1. Prisão e Pandemia – uma Análise Crítica das Decisões do Supremo
Tribunal Federal Durante a Crise da Covid-19
Beatriz Massetto Trevisan, João Daniel Rassi, Marcos Fuchs e Rebecca Groterhorst........ 5
2. Juiz das Garantias: uma Análise Crítica Sobre a (In)Eficácia do Sistema
Proposto
Gustavo Henrique de Andrade Cordeiro, Thales Aporta Catelli e
Emerson Ademir Borges de Oliveira.......................................................................... 19
3. A Responsabilidade Penal por Omissão do Chefe do Poder Executivo no
Combate à Epidemia Viral do Novo Coronavírus (Covid-19)
Bruno Zanesco Marinetti Knieling Galhardo............................................................. 43
4. O Alcance da Hediondez no Crime de Extorsão
Oswaldo Henrique Duek Marques e Paulo Henrique Aranda Fuller.......................... 63
5. O Recebimento de Honorários Advocatícios Maculados e o Crime de
Lavagem de Dinheiro
Andréia Cristina Vieira Braga.................................................................................. 72
6. A (Im)Possibilidade de Acesso a Provas Obtidas em Aplicativo de
Mensagens Instantâneas sem Autorização Judicial
Américo Bedê Freire Júnior e Eduardo Domingues Rezende........................................ 98
7. Direitos da Personalidade e a Lei Maria da Penha: o Dilema das Cautelares
nos Tribunais de Justiça do Brasil
Hugo Rogerio Grokskreutz e Gustavo Noronha de Ávila......................................... 112

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Queixa-Crime com Imputação de
Prática de Crime de Calúnia. Atendimento aos Requisitos Formais.
Impossibilidade de Trancamento da Ação Penal
Relª Minª Cármen Lúcia....................................................................................... 139
2. Superior Tribunal de Justiça – Tóxicos. Tráfico. Condenação Transitada
em Julgado. Revisão Criminal. Tribunal de Origem. Diminuição
da Pena-Base. Aumento do Percentual pelo Reconhecimento da
Reincidência. Situação Final Não Agravada. Pena Diminuída.
Inexistência de Reformatio In Pejus ou Afronta ao Art. 617 do CPP
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro...................................................................... 149
3. Superior Tribunal de Justiça – Prisão Domiciliar. Riscos da Pandemia
do Coronavírus e Desenvolvimento da Covid-19. Prisão-Pena. O
Surgimento da Pandemia Não Pode Ser, Data Venia, Utilizado como
Passe Livre para Impor ao Juiz da VEC a Soltura Geral de Todos os
Encarcerados sem o Conhecimento da Realidade Subjacente
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz............................................................................. 154
4. Superior Tribunal de Justiça – Estelionato. Pretendida Aplicação
Retroativa da Regra do § 5º do Art. 171 do Código Penal, Acrescentado
pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Inviabilidade. Ato Jurídico
Perfeito
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca.................................................................... 159
5. Tribunal de Justiça de São Paulo – Acordo de Não Persecução Penal. Art.
28-A do CPP. Necessária a Confissão dos Fatos Imputados na Denúncia.
Exigência Ilegal por Parte do MP de 1º Grau de Jurisdição de Delação
de Terceiros e de Informar Eventuais Valores Recebidos pela Prática
Criminosa Afastada em Sede Liminar
Rel. Des. Heitor Donizete de Oliveira..................................................................... 170
6. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 174
7. Ementário............................................................................................................ 175
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 193
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 194
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 195
Doutrina

Prisão e Pandemia – uma Análise Crítica


das Decisões do Supremo Tribunal Federal
Durante a Crise da Covid-19

Beatriz Massetto Trevisan


Pós-Graduada (Nível Extensão Universitária) em Lavagem
de Dinheiro, Enriquecimento Ilícito e Confisco de Bens pela
Universidad de Salamanca e em Anticorrupção e Compliance
pela University of Pennsylvania; Advogada.

João Daniel Rassi


Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP; Doutor em
Processo Penal pela USP; Advogado.

Marcos Fuchs
Diretor-Executivo do Instituto Pro Bono desde 2001;
Advogado formado pela PUC-SP.

Rebecca Groterhorst
Doutoranda em Direito do Estado na Universidade de São
Paulo e Mestre pela mesma Faculdade; Coordenadora de
Projetos do Instituto Pro Bono.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar as decisões mono-


cráticas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos de habeas corpus
impetrados em favor de pessoas presas, com requerimentos de liberdade, prisão
domiciliar ou de progressão antecipada de regime, em razão da pandemia de
coronavírus. Assim, a análise dos julgados proferidos entre março e maio de 2020
se dá com o fim de verificar se houve o atendimento à Recomendação nº 62 do
Conselho Nacional de Justiça, que visou à mitigação dos efeitos da pandemia
na já extrema situação carcerária.

PALAVRAS-CHAVE: Habeas Corpus. Direito Criminal. Pandemia. Coronavírus.


Prisão. Liberdade. Realidade Carcerária. Supremo Tribunal Federal. Conselho
Nacional de Justiça.

SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais. 2 A Realidade Carcerária Brasileira. 3 Re-


comendação nº 62/2020 do CNJ e os Parâmetros para (Re)Avaliação das Prisões.
4 Análise das Decisões Proferidas pela Corte Suprema Durante a Pandemia. 5
A Resistência do STF em Enfrentar a Questão Carcerária Durante a Crise da
Covid-19. 6 Considerações Finais. 7 Bibliografia.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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1 Considerações Iniciais
A pandemia de Covid-19 provocou inúmeras discussões jurídicas, mas
tem despertado especial atenção aquela relativa ao cárcere e aos encarcerados,
cuja situação é dramática e se agrava ainda mais durante o período de crise. O
assunto, porém, enfrenta resistência das autoridades, e tampouco existe um
debate público que discuta as necessárias mudanças no cenário carcerário com
a merecida seriedade e que seja capaz de gerar transformações.
No atual cenário, com a disseminação do novo coronavírus, a precarie-
dade e superlotação dos presídios, além da ausência de assistência médica em
diversas unidades prisionais, a temática do encarceramento em massa ganha
ainda mais relevância. Assim, considerando a situação de pandemia do novo
coronavírus, o Conselho Nacional de Justiça elaborou a Recomendação nº
62/2020, em 17 de março de 2020, na qual recomendou aos tribunais e juízes
a adoção de algumas precauções para evitar a proliferação do vírus dentro do
ambiente prisional.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar as recentes decisões do
STF em relação aos presos definitivos e provisórios em regime fechado no
contexto da pandemia, demonstrando a adoção ou não de medidas necessárias
para sua proteção. Ainda que tenham surgido diversos materiais sobre o tema
recentemente, este trabalho se diferencia dos demais ao revisitar decisões
judiciais da Corte Suprema, de forma técnica e detida.
Ao evidenciar a realidade do cárcere por meio de dados concretos relacio-
nados às unidades prisionais brasileiras e decisões judiciais, este artigo oferece
um substrato técnico para pleitos de liberdade perante os tribunais, auxiliando
profissionais da área jurídica e ampliando o debate em relação ao tema.

2 A Realidade Carcerária Brasileira


A superlotação e a precariedade das prisões brasileiras estão na ordem
do dia. Conforme mencionou o Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto
no RE 580.252/MS1, a superpopulação e a precariedade das condições dos
presídios correspondem a problemas estruturais e sistêmicos, que afetam um
contingente significativo de pessoas presas no país.
Inclusive, considerando a violação sistemática de direitos humanos
de pessoas encarceradas, em 2015, o STF reconheceu o estado de coisas in-
constitucional (ECI) do sistema carcerário brasileiro, nos autos da Arguição

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STF, RE 580.252/MS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 16.02.2017. Disponível
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em: http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13578623. Acesso em 29 jun. 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 7

de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 3472, afirmando que


esse é um problema estrutural, decorrente de falhas sistêmicas dos poderes
públicos.
Conceito emprestado da jurisprudência colombiana, o estado de coisas
inconstitucional tem três pressupostos fundantes, quais sejam, a violação ge-
neralizada de direitos fundamentais; a persistente inércia ou impossibilidade
das autoridades competentes em solucionar tal violação, e a necessidade de
mobilização de uma pluralidade de órgãos para a resolução da problemática
de transgressão de direitos. Assim, o reconhecimento do estado de coisas
inconstitucional impõe aos poderes públicos a adoção de medidas necessárias
ao afastamento de violação de direitos fundamentais, criando o ônus ao juiz
constitucional de supervisionar a efetiva implementação dessas medidas.
É notório que o deficit de vagas prisionais em relação ao tamanho da
população carcerária, além de inviabilizar condições adequadas ao encarcera-
mento, também limita o acesso a direitos básicos, como, por exemplo, saúde,
alimentação, educação e trabalho. O Poder Público, baseado em um populismo
penal, tem se mostrado cada vez mais insensível na recorrente produção de
políticas criminais, contribuindo para o encarceramento em massa e aumento
da população carcerária, além de criar maior insegurança na sociedade.
Como sustentado na ADPF 347/DF, o atual cenário do sistema car-
cerário viola de maneira sistemática diversos direitos constitucionais, como
o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF), a proibição da
tortura ou do tratamento desumano ou degradante, o respeito à integridade
física e moral (art. 5º da CF), além dos direitos fundamentais sociais à saúde,
educação, alimentação (art. 6º da CF), entre outros direitos. Essa ausência
de políticas públicas à população carcerária torna indispensável a atuação do
Judiciário, no sentido de garantir a dignidade desse grupo vulnerável.
Ainda, considerando a realidade atual do sistema carcerário, conclui-se
que ele se revela como um ambiente propício à propagação de doenças. Não
são raros os relatos sobre a precariedade das instalações prisionais, que além de
contarem com celas superlotadas em péssimo estado de conservação, também
são ambientes totalmente insalubres, que não contam com ventilação adequada
e muito menos uma rede de esgoto adequada. Não é difícil perceber que o
ambiente carcerário configura um tratamento humano degradante àqueles
que se encontram sob custódia do Estado.

2 STF, Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347/DF, Rel. Min. Marco Aurélio,
j. 09.09.2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665.
Acesso em: 17 jun. 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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Os dados de superlotação carcerária no Brasil são preocupantes e costu-


mam ser citados de forma recorrente em distintas contribuições acadêmicas e
científicas sobre o tema. Informações estatísticas do Levantamento Nacional
do Sistema Penitenciário demonstram que há no Brasil 748.009 pessoas en-
carceradas, e apenas 442.349 vagas3. Em outras palavras, mais da metade das
pessoas presas no país ocupa vagas inexistentes.
Para além da superlotação carcerária, outros dados relacionados ao ce-
nário trágico do sistema prisional ajudam a compreender como os direitos à
saúde e à vida são mitigados e relativizados quando se trata de pessoas presas.
Os dados coletados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen),
referentes ao segundo semestre de 20194, demonstram que 38% das unidades
prisionais não contam com consultórios médicos. Cerca de 66% delas não
têm estrutura para coleta de material laboratorial e 82% não dispõe de sala de
lavagem e descontaminação. Com relação a espaços de saúde complementares,
as deficiências são ainda maiores, pois aproximadamente 95% dos estabeleci-
mentos prisionais não dispõem de sala de raios X ou laboratório de diagnóstico.
Embora seja indiscutível que idosos façam parte do grupo de risco
para inúmeras doenças, inclusive para o novo coronavírus, somente 10% dos
presídios brasileiros reservam alas ou celas separadas para maiores de 60 anos.
Aliás, pessoas com histórico de doenças graves também compõem o grupo de
risco. No sistema carcerário há mais de 30 mil pessoas com “agravos trans-
missíveis”, de acordo com o relatório da Depen. Dentro desse grupo, mais
de oito mil e quinhentos são presos portadores de HIV, aproximadamente
sete mil com sífilis, três mil com hepatite e dez mil com tuberculose, além
de outras doenças. Por outro lado, não há dados sobre a existência de vagas
reservadas para pessoas com essas condições e não se tem conhecimento se
as pessoas com doenças graves são de fato diagnosticadas.
Não é coincidência que 67% do total de óbitos no sistema prisional
tenha sido ocasionado por complicações de saúde, representando mais do
que seis vezes o total da segunda causa principal da mortalidade no sistema
prisional. Diante dos dados expostos, é possível perceber como a prisão se
torna um ambiente favorável à proliferação de doenças graves.

3 BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento


Penitenciário Nacional, atualizado em 19.03.2020. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMTVjZ-
DQyODUtN2FjMi00ZjFkLTlhZmItNzQ4YzYwNGMxZjQzIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNm
Ny05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em: 18 jun. 2020.
4 BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Relatório Consolidado Nacional do Sistema de Informações do Departamento
Penitenciário Nacional, relativo ao segundo semestre de 2019. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/
sisdepen/infopen/relatorios-analiticos/br/br. Acesso em: 18 jun. 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 9

No caso da Covid-19, há clara orientação para manutenção do distan-


ciamento social, o que é praticamente impossível no contexto de superlota-
ção carcerária. Considerando que a pessoa encarcerada não tem condições
materiais para garantir sua própria saúde em alguns aspectos, não há como
descartar a responsabilização por omissão de diretores de presídios, os quais
figuram como garantidores de proteção da saúde do preso5.
Sabe-se que idosos e outros grupos vulneráveis merecem cuidados
adicionais, porém, no cárcere, além de não haver alas separadas para esses
grupos, como mencionado acima, muito menos há acompanhamento médico
que permita diagnósticos precisos sobre o estado de saúde deles. A assistên-
cia médica de qualidade tem se mostrado uma necessidade no combate ao
novo coronavírus, porém, está disponível apenas para metade das unidades
prisionais. Apesar da intenção em realizar testes de contaminação do novo
coronavírus em toda população carcerária, percebe-se que a maior parte dos
presídios não conta com estrutura para colheita do material necessário para
o exame.
De fato, de acordo com a plataforma de monitoramento do CNJ de
registros de contágio e óbitos dentro do sistema prisional por Covid-196, já
são 7.782 casos confirmados e 106 óbitos registrados em razão da doença.
Desse total, são 4.256 pessoas presas confirmadas e 58 óbitos registrados entre
pessoas presas, e 3.526 casos confirmados e 48 óbitos registrados de servidores
do sistema. Preocupa o fato de que os testes do novo coronavírus foram reali-
zados em menos de 0,03% do total da população carcerária, enquanto seguem
sendo cumpridos mandados de prisão rotineiramente sem qualquer padrão
para realização de testes nos indivíduos presos desde o início da pandemia.
Inclusive, levantamento do Conselho Nacional de Justiça apontou que
81% dos autos de prisão em flagrante (APF) que chegam ao Judiciário, atu-
almente, não possuem informações relevantes sobre saúde dos custodiados,
especialmente no que se refere à Covid-197. Esse fato coloca em risco não

5 ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2017.
p. 95-104. Embora a obra de Estellita se refira à análise da figura da omissão imprópria no ambiente empresarial,
oferece explicações amplas e gerais sobre conceitos relevantes para o estudo da referida modalidade de omissão, com
exemplos que vão além das relações corporativas. Nesse sentido, de acordo com a autora, o garantidor de proteção,
em oposição ao garantidor de assunção e o garantidor de vigilância, tem o dever de proteger de ameaças e perigos
externos a integridade de um ou mais bens jurídicos de outra pessoa que dele dependa em razão de um cenário de
desamparo.
6 Cf. dados disponíveis na plataforma do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/
sistema-carcerario/covid-19/. Acesso em: 1º jul. 2020.
7 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ. 81% dos APFs analisados por juízes não possuem informação sobre
Covid-19. Notícias CNJ/Agência CNJ de Notícias, 30 de junho de 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/81-
dos-apfs-analisados-por-juizes-nao-possuem-informacao-sobre-covid-19/. Acesso em: 6 jul. 2020.
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apenas a pessoa presa em flagrante, mas compromete a integridade do sistema


carcerário como um todo.
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT),
comitê ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, também constatou o
aumento de violações de direitos humanos à população carcerária durante a
pandemia. De acordo com o relatório8, o monitoramento realizado nas prisões
brasileiras pelo MNPCT provavelmente não corresponde aos números oficiais
do governo. A superlotação, as denúncias de violações de direitos, de tortura
e até mesmo de óbitos sugestivos da Covid-19 revelam não apenas a falta de
transparência e a subnotificação de dados oficiais, mas também o agravamento
da situação precária do sistema carcerário brasileiro. O informe do MNPCT
aponta, ainda, que a Recomendação nº 62 e a Nota Técnica nº 05/2020 do
MNPCT continuam a ser desconsideradas frente à insuficiência de medidas
de prevenção, mitigação e desencarceramento no contexto da pandemia.
A ausência na tomada de medidas urgentes e necessárias para garantir
os direitos fundamentais à saúde e à vida dentro do sistema carcerário levou
diversas organizações e instituições a denunciar o Estado brasileiro na ONU9.
Percebe-se que a omissão na produção de informação e resposta dos poderes
públicos para controlar o crescimento das mortes dentro do cárcere em razão
da Covid-19 acaba por negligenciar o colapso do sistema prisional e desres-
peitar direitos humanos da população carcerária. O debate em relação ao
respeito e garantia de direitos humanos à população carcerária se torna ainda
mais necessário diante da disseminação do novo coronavírus e das condições
degradantes às quais a população carcerária vem sendo submetida.

3 Recomendação nº 62/2020 do CNJ e os Parâmetros para


(Re)Avaliação das Prisões
Conforme mencionado acima, a Recomendação nº 62/2020 do CNJ
proferiu uma série de recomendações buscando minimizar as consequências
da pandemia no cárcere.
Em relação à prisão preventiva, a orientação foi no sentido de reavaliar
todas as prisões preventivas, definindo prioridade, mas não exclusividade,
aos seguintes grupos:

8 BRASIL. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – MNPCT. Informe Monitoramento do Sistema
de Privação de Liberdade, 24 jun. 2020. Disponível em: https://mnpctbrasil.files.wordpress.com/2020/06/informe-
geral_25.06.2020-mnpct.pdf. Acesso em: 6 jul. 2020.
9 A denúncia das organizações e instituições, realizada em 23 de junho de 2020, pode ser acessada através do seguinte
link: https://www.conjur.com.br/dl/brasil-denunciado-onu-avanco.pdf. Acesso em: 1º jul. 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 11

(i) gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por crianças menores de


doze anos ou pessoas com deficiência, idosos, indígenas, pessoas com defi-
ciência ou no grupo de risco (art. 4º, I, a);
(ii) pessoas presas em estabelecimentos penais superlotados, que não
disponham de equipe de saúde lotada no local, que estejam sob ordem de
interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de
jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a
propagação do coronavírus (art. 4º, I, b);
(iii) prisões preventivas que tenham excedido o prazo de noventa dias,
ou que relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça (art.
4º, I, c).
Ademais, recomendou-se a máxima excepcionalidade à medida da prisão
preventiva (art. 4º, III). Sabe-se, no entanto, que essa já deveria ser excepcio-
nalíssima, adstrita aos parâmetros dos arts. 312 e seguintes do CPP, visto que
a prisão é a mais gravosa medida prevista pelo ordenamento jurídico brasileiro
e a preventiva ocorre antes mesmo da condenação por qualquer crime.
Ainda, houve a recomendação de progressão antecipada de regime,
dando-se prioridade às pessoas mencionadas nos pontos “i” e “ii” acima (art.
5º, I), além da concessão de prisão domiciliar em relação a todas as pessoas
presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto e daquelas
com diagnóstico de Covid-19 suspeito ou confirmado quando ausente espaço
de isolamento adequado no estabelecimento penal (art. 5º, III e IV).
Como se vê, à luz dos dados concretos que ilustram a realidade do
cárcere brasileiro, a maior parte dos presos se enquadraria na recomendação,
seja pela idade ou fatores de risco e a ausência de alas apartadas, pela questão
da superlotação ou pela alarmante ausência de estruturas de saúde adequada
para evitar o agravamento da crise dentro dos presídios. Se, por um lado, não
era esperada a liberação em massa e sem critério de todos os encarcerados,
por outro, deve-se reconhecer que é necessária a estrita observância das reco-
mendações do CNJ, para que a gravidade e delicadeza da situação do cárcere
seja encarada com a mesma seriedade que se dá ao tema da pandemia no que
se refere à população livre.

4 Análise das Decisões Proferidas pela Corte Suprema Durante a


Pandemia
O presente trabalho analisou os habeas corpus relacionados à Covid-19,
julgados pelo STF, desde a prolação da Recomendação nº 62 do CNJ até o final
de maio de 2020. Ao pesquisar por “coronavírus” e “habeas corpus” no portal
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de jurisprudência do STF, a busca retornou 863 resultados. Substituindo-se


o termo “coronavírus” por “covid”, obtivemos 1.048 decisões monocráticas10.
Observando os julgados por amostragem, dada a limitação em razão
do grande número de resultados, podem ser identificadas três categorias de
decisão: (i) as de concessão da ordem de ofício para determinar a conversão de
prisão preventiva em domiciliar, soltura ou progressão antecipada de regime,
apesar da supressão de instância; (ii) as que determinam a devolução do feito
à vara de origem, seja por meio da denegação ou por meio da concessão da
ordem de ofício11; e (iii) as denegatórias em razão de supressão de instância.
Há poucos exemplos de casos que se encaixam na primeira categoria
de habeas corpus em que a ordem foi integralmente concedida de ofício, em
observância à Recomendação do CNJ. Por meio de busca no mesmo portal do
STF, utilizando, alternativamente, os termos “covid” e “coronavírus”, somados,
também alternativamente, às palavras-chave “concedo a ordem” e “concedida
de ofício”, retornaram somente 28 resultados, já excluídos aqueles em que a
ordem foi concedida de ofício para devolver a matéria ao juízo de origem.
Em grande parcela desses, a concessão da ordem se deu por motivos
alheios ao novo coronavírus, embora a defesa tenha se valido de tal argumento,
sendo casos em que a ordem já seria ou deveria ser concedida, dentro ou fora
do contexto da pandemia. Nessa categoria, temos 11 habeas corpus deferidos
em razão de a decisão de prisão ter se dado de forma genérica12, e outros sete
casos em que a prisão do paciente em regime fechado era mais gravosa do
que a pena à qual foi condenado ou a pena provável13.
Quanto aos casos em que diretamente se referenciou a pandemia na
decisão, temos cinco concessões da ordem em razão de o Paciente apresentar

10 Nesses termos, o objetivo do presente capítulo é obter instrumentos para verificar se o STF aplicou, de forma criteriosa,
a Recomendação nº 62/2020 do CNJ, por meio da análise de julgados verificados no Portal de Jurisprudência do site
do Tribunal. É seu escopo, portanto, responder aos seguintes questionamentos: 1) O STF levou em consideração
a recomendação ao julgar pedidos de liberdade no período de março a maio de 2020?; 2) Se sim, a efetividade foi
levada a cabo de forma criteriosa e uniforme?
11 É importante pontuar que a remessa do feito ao juízo de origem nem sempre se dá da mesma forma, havendo a
possibilidade de que ocorra por meio da denegação integral da ordem ou pela concessão parcial apenas para deter-
minar a reavaliação do pedido pelo juiz de execução. Embora tenham pesos simbólicos potencialmente diferentes,
ao fim e ao cabo têm o mesmo efeito.
12 HC 185.047, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 18.05.2020; HC 183.329, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 06.04.2020; HC
184.615, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.04.2020; HC 183.585, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 07.04.2020; HC
183.746, Relª Minª Rosa Weber, j. 13.04.2020; HC 184.010, Rel. Min. Edson Fachin, j. 08.05.2020; HC 183.030,
Rel. Min. Roberto Barroso, j. 07.04.2020; HC 182.985, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 27.03.2020; HC 183.937, Rel.
Min. Roberto Barroso, j. 11.05.2020; HC 184.958, Relª Minª Rosa Weber, j. 07.05.2020; e HC 184.473, Relª Minª
Rosa Weber, j. 27.04.2020, todos do Supremo Tribunal Federal.
13 HC 185.181, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 13.05.2020; HC 183.204, Rel. Min. Edson Fachin, j. 31.03.2020; HC
184.655, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11.05.2020; HC 183.047, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 25.03.2020; HC 183.915,
Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13.04.2020; HC 183.251, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 31.03.2020; e HC 183.055, Relª
Minª Rosa Weber, j. 28.04.2020, todos do Supremo Tribunal Federal.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 13

quadro delicado de saúde14, e outros cinco em razão de a Paciente ser mãe de


criança menor de doze anos ou lactante15. Destes cinco, três casos16 envolviam
crimes praticados sem violência ou grave ameaça, de modo que também esses
habeas corpus deveriam ser concedidos independentemente da recomendação
do CNJ, por força do Habeas Corpus Coletivo 143.641.
Por outro lado, a maioria dos casos se enquadra nos dois últimos grupos,
tratando-se de decisões que consideraram que as impetrações para a Corte
Suprema configuram supressão de instância. Assim, os feitos foram denegados
de pronto ou remetidos aos juízes de execução, sob o entendimento de que
estes devem apreciar a matéria por estarem mais próximos dos casos concretos.
Dentro desses grupos, porém, existem diversos exemplos de habeas corpus
cujos cenários são extremamente similares a casos em que houve a concessão
da ordem e que, no entanto, tiveram desfechos diferentes.
No caso do Habeas Corpus 184.346/MG17, a ordem foi denegada de
pronto em razão da supressão de instância, apesar de o Paciente se encontrar
em regime semiaberto, amoldando-se a hipótese do art. 5º, III, da Recomen-
dação. Já no caso do Habeas Corpus 183.62418 foi dado o mesmo tratamento.
Entendeu-se que a paciente não poderia se utilizar da via eleita, embora fosse
esta mãe de criança menor de 12 anos e condenada por crime praticado sem
violência ou grave ameaça19.
Também chamam a atenção os Habeas Corpus 180.57420 e 183.48221,
ambos devolvidos para reexame diante do quadro de saúde dos Pacientes,
sendo o primeiro portador de diabetes tipo II e hipertensão arterial e o segun-

14 HC 182.886, Rel. Min. Celso de Mello, j. 22.04.2020; HC 184.432 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.
06.05.2020; HC 182.670, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28.04.2020; HC 180.158 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, j.
08.04.2020; e HC 183.693, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 06.05.2020, todos do Supremo Tribunal Federal.
15 HC 182.582, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 20.03.2020; HC 185.215, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15.05.2020; HC
183.578, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.04.2020; HC 182.950, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27.03.2020;
e HC 150.806, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 31.03.2020, todos do Supremo Tribunal Federal.
16 HCs 182.582, 183.578 e 150.806.
17 STF, Habeas Corpus 184.346/MG, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 22.04.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/
processos/downloadPeca.asp?id=15342958723&ext=.pdf. Acesso em: 18 jun. 2020. Exemplos no mesmo sentido:
HC 185.164, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 12.05.2020; HC 183.053, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.03.2020; e HC
185.919, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 22.05.2020.
18 STF, Habeas Corpus 183.624/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 06.04.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/
downloadPeca.asp?id=15342846589&ext=.pdf. Acesso em: 18 jun. 2020. Exemplos no mesmo sentido: HC 184.737,
Rel. Min. Luiz Fux, j. 04.05.2020; HC 184.755, Rel. Min. Luiz Fux, j. 30.04.2020; e HC 185.468, Relª Minª Rosa
Weber, j. 14.05.2020.
19 Situação idêntica aos casos citados na nota de rodapé 15, que reúne julgados em que a ordem foi concedida inte-
gralmente.
20 STF, Habeas Corpus 80.574/SC, Relª Minª Cármen Lúcia, DJE 27.03.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/
processos/downloadPeca.asp?id=15342755756&ext=.pdf. Acesso em: 18 jun. 2020.
21 STF, Habeas Corpus 183.482/MG, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 07.04.2020. Disponível em: <http://portal.stf.jus.
br/processos/downloadPeca.asp?id=15342867812&ext=.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
14

do padecendo de problemas respiratórios e cardíacos, além de hipertenso e


portador de obesidade mórbida22. Na mesma linha, o Habeas Corpus 185.391,
cuja decisão monocrática determinou o reexame da matéria pelo juízo da
execução, apesar de o paciente estar preso em regime semiaberto23.
Assim, na prática, foram apenas nove os habeas corpus concedidos de
ofício pelo STF para determinar a soltura ou prisão domiciliar de presos com
base na Recomendação nº 62/2020.

5 A Resistência do STF em Enfrentar a Questão Carcerária Durante


a Crise da Covid-19
A análise sobre como a questão da supressão de instância tem sido uti-
lizada pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da pandemia pode oferecer
subsídios para entender a resistência da Corte em relação à questão carcerária.
Como observado anteriormente, praticamente todas as decisões são de-
negatórias por supressão de instância, pautadas no art. 21, § 1º, do Regimento
Interno no STF. Parte delas reencaminha os autos ao juízo de origem para
reavaliação do pedido e há aquelas que concedem a ordem, apesar da supres-
são de instância, mas tampouco analisam o mérito, também direcionando a
matéria ao juiz de execução.
O excesso de procedimentos aguardando julgamento no STF e a cultura
extremamente judicializadora da sociedade brasileira sobrecarregam o Poder
Judiciário, impedindo que todas as ações sejam analisadas a fundo24. No
entanto, cumpre observar que os pedidos de liberdade envolvem os direitos
mais fundamentais do ser humano e, portanto, não podem ser encarados
como matéria passível de ser enquadrada em um molde ou carimbo válido
para todos os casos.
Se em nove casos o STF desconsiderou a questão da supressão de
instância para conceder o pedido do Paciente de ofício em razão do novo
coronavírus, também seria dever do tribunal decidir sobre o mérito do habeas
corpus quando verificado que o Paciente atende às previsões da Recomendação
nº 62 do CNJ.

22 Situações idênticas aos casos citados na nota de rodapé 12, que reúne julgados em que a ordem foi concedida inte-
gralmente.
23 STF, Habeas Corpus 185.391, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.05.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/
processos/downloadPeca.asp?id=15343109469&ext=.pdf. Acesso em: 18.06.2020. Exemplo no mesmo sentido:
HC 183.609, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 14.04.2020.
24 De acordo com o Relatório de Atividades do Supremo Tribunal Federal, em 2019 foram recebidos 93.197 processos
no órgão. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/centralDoCidadaoAcessoInformacaoGestaoEstrategica/
anexo/2020_01_24_13.08_RelatoriodeAtividades2019_completo.pdf. Acesso em: 17 jun. 20.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 15

Os poucos casos em que houve a concessão da liberdade de ofício esta-


vam enquadrados no primeiro grupo que o CNJ considerou como prioritário,
ou seja, gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por crianças menores de 12
anos ou pessoas com deficiência, idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou
no grupo de risco (art. 4º, I, a, da Recomendação nº 62 do CNJ). No entanto,
além de não ter sido dado tratamento uniforme a esses casos, a maior parte
deles sequer foi analisada pela Corte Suprema.
Insta observar que recentemente o STF proferiu decisão em sede de
habeas corpus coletivo, HC 186.18525, determinando a todos os juízes e tribunais
para que sigam a Recomendação nº 62, no tocante a mulheres grávidas, lac-
tantes ou com filhos dependentes. Resta aguardar se de fato a recomendação
será um eixo norteador nesses casos.
Apesar da mencionada recomendação não conceder aos grupos previstos
no art. 4º, I, a, o caráter de exclusividade, eles foram os maiores destinatários
das decisões de liberdade no contexto da pandemia. Porém, há previsão de
proteção aos presos que estão em estabelecimentos prisionais inaptos a conter
a situação de disseminação do novo coronavírus. Nesse sentido, a situação de
superpopulação carcerária coloca não apenas um grupo, mas todas as pessoas
que se encontram no cárcere, a risco real e iminente da contração da doença.
O fato de alguém ser jovem ou não possuir qualquer doença preexistente
não significa que essa pessoa não esteja em risco dentro do sistema carcerário.
Além disso, deve-se considerar a escassez de atendimento médico no cárcere,
que torna difícil o diagnóstico e acompanhamento de patologias. Dessa forma,
entende-se que todos os pedidos de liberdade devem ser analisados individu-
almente, independente do pertencimento do paciente aos grupos prioritários.
Também é preciso reconhecer que a quase inexistência de alas específicas
para idosos e portadores de agravos transmissíveis torna a manutenção de um
preso fora do grupo de risco em uma prisão superlotada um risco potencial
também para outras pessoas com quem, inevitavelmente, virá a ter contato.
A maior parte dos pedidos analisados neste trabalho foi negada sob a
justificativa da supressão de instância, ou simplesmente devolvida à vara de
origem, sem mínimo enfrentamento da situação concreta das unidades pri-
sionais em que os pacientes se encontravam. Considerando as estatísticas, é
difícil acreditar que das centenas de pedidos de liberdade protocolados durante
a pandemia apenas nove eram casos de pessoas às quais a recomendação se

25 STF, Habeas Corpus Coletivo 186.185, Rel. Min. Luiz Fux, j. 29.06.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/
processos/detalhe.asp?incidente=5921049. Acesso em: 30 jun. 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
16

referiu, e que tornaram a supressão de instância um vício prescindível, e que


os demais não mereciam a análise de mérito pelo STF.
Conclui-se que a supressão de instância foi uma saída intermediária
para filtrar os pedidos e transportar a responsabilidade da análise dos casos
concretos para os juízes de execução. Assim, em grande parte dos casos a
supressão de instância foi utilizada pelo STF como justificativa para não
analisar o mérito do pedido, ao mesmo tempo em que a questão foi superada
em casos seletos, sem o estabelecimento de critérios mínimos que explique
essa seletividade. Dessa forma, a Corte deixa de seguir a Recomendação nº
62/2020 do CNJ, a qual deveria fazer valer pela análise detida dos pedidos
formulados em habeas corpus.
Uma situação de crise expõe problemas históricos que há muito se
tenta ignorar. Se não é possível conceder a liberdade para todos aqueles que
se enquadram na recomendação do CNJ, seria ao menos necessário enfrentar
a questão do encarceramento em massa em meio a uma crise sanitária sem
precedentes. Argumentos como a supressão de instância e de que o novo coro-
navírus não seria um salvo-conduto coletivo não devem se sobrepor à violação
de direitos humanos da população carcerária, em especial no atual contexto.
Como bem colocado pelas juristas Cândice Lisbôa Alves e Beatriz Cor-
rêa Camargo26, os presos no Brasil se veem em um regime desproporcional
durante a pandemia. Uma minoria absoluta se encontra presa por crimes
contra a vida ou a saúde, e a forma como se encontram encarcerados durante
a atual realidade não seria justa nem mesmo se pensada sob a ótica da Lei de
Talião. Ainda, conforme bem asseverou o Ministro Luís Roberto Barroso, em
seu voto no RE 580.252/MS27, “mandar uma pessoa para o sistema é submetê-
la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente imposta, em razão
da violência física, sexual e do alto grau de insalubridade das carceragens,
notadamente devido ao grave problema da superlotação”. Na atual situação,
a maior parte das pessoas presas se encontra em um regime atentatório contra
a sua saúde, também colocando em risco a própria vida dessas pessoas.
No entanto, não se observam tentativas do Estado em mitigar tal si-
tuação e melhorar o tratamento dado à população carcerária. Se o STF não
tem o condão de efetivamente alterar a realidade carcerária, ele tem, sim, o
dever de analisar o mérito de todos os pedidos de liberdade de que tomar

26 ALVES, Cândice Lisbôa; CAMARGO, Beatriz Corrêa. A Covid-19 e as medidas de urgência para proteção de presos
no Brasil. Conjur, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-16/opiniao-medidas-urgencia-protecao-
presos. Acesso em: 18 jun. 2020.
27 STF, RE 580.252/MS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 16.02.2017. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13578623. Acesso em: 29 jun. 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 17

conhecimento. A supressão de instância não pode ser uma justificativa para


desafogar o Poder Judiciário, pois não é nos pedidos de liberdade que está o
gargalo e não são esses os direitos que podem esperar.
Não se espera que a Recomendação nº 62/2020 seja um alvará de sol-
tura, mas, ao menos, que seja ela considerada com a profundidade necessária
em relação ao problema da pandemia no cárcere, observando-se a urgência
que o tema merece.

6 Considerações Finais
Do presente trabalho podem ser extraídas as seguintes conclusões:
1. A crise da Covid-19 agravou a situação precária dos presídios bra-
sileiros, culminando na edição da Recomendação nº 62/2020 do Conselho
Nacional de Justiça, que estabeleceu orientações gerais aos julgadores no que
tange à necessidade de manutenção das prisões, preventivas ou não, em meio
ao contexto de disseminação do novo coronavírus. Nesse sentido, o presente
artigo se propôs a analisar até que ponto as decisões proferidas no âmbito do
Supremo Tribunal Federal deram efetividade à referida recomendação.
2. Para tanto, em um primeiro momento, fez-se uma apresentação
objetiva da realidade carcerária brasileira, que evidenciou a situação de preca-
riedade e superlotação das unidades prisionais, que não contam com pessoal
ou aparatos satisfatórios para diagnóstico e tratamento de doenças, além de
não contarem com celas reservadas para a população idosa e/ou com doenças
infectocontagiosas.
3. Em razão disso, a Recomendação do CNJ orientou aos juízes e
tribunais a reavaliação de prisões preventivas de determinados grupos de
indivíduos, considerando também a situação das pessoas presas em estabele-
cimentos superlotados, bem como recomendou a máxima excepcionalidade
da prisão preventiva e a progressão antecipada de regime ou prisão domiciliar
das pessoas presas em regime aberto e semiaberto ou que tenham sido diag-
nosticadas com a Covid-19.
4. A análise dos julgados do STF, no entanto, demonstrou que a maioria
dos habeas corpus foi rejeitada de plano, em razão de supressão de instância,
enquanto em alguns casos, de forma aparentemente não criteriosa, foi des-
considerada a supressão e determinada a concessão da ordem.
5. Desse modo, não havendo lógica aparente que justifique a razão da
superação da supressão de instância em alguns casos e outros não, concluiu-se
que o STF deixou de considerar a Recomendação nº 62/2020, afastando-se
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
18

do enfrentamento da questão com a seriedade que o atual contexto do novo


coronavírus merece. Ainda, utilizou-se do referido argumento de supressão
de instância como escudo para não combater o problema do cárcere, agravado
pela pandemia, de maneira mais direta e eficaz.

TITLE: Prison and pandemics – a critical analysis of the Brazilian Supreme Court’s decisions during the
COVID-19 crisis.

ABSTRACT: This paper aims to analyze the monocratic decisions delivered by the Brazilian Supreme
Court (STF) in the habeas corpus cases filed in favor of prisoners with requests for freedom, house arrest
or early regime progression due to the coronavirus pandemic. Thus, the trials examination from March
to May 2020 demonstrate whether there was a compliance to the Recommendation 62 of the National
Council of Justice, which intended to relieve the effects of the pandemic in the extreme prison situation.

KEYWORDS: Habeas Corpus. Criminal Law. Pandemic. Coronavirus. Imprisonment. Freedom. Prison
Life. Brazilian Supreme Court. Brazilian National Council of Justice.

7 Bibliografia
ALVES, Cândice Lisbôa; CAMARGO, Beatriz Corrêa. A Covid-19 e as medidas de urgência para proteção
de presos no Brasil. Conjur, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-16/opiniao-medidas-
urgencia-protecao-presos. Acesso em: 18 jun. 2020.
BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do
Departamento Penitenciário Nacional, atualizado em 19.03.2020. Disponível em: https://app.powerbi.com/
view?r=eyJrIjoiMTVjZDQyODUtN2FjMi00ZjFkLTlhZmItNzQ4YzYwNGMxZjQzIiwidCI6ImViM
DkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9.
______. ______. Relatório Consolidado Nacional do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacio-
nal, relativo ao segundo semestre de 2019. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/
infopen/relatorios-analiticos/br/br.
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão. 1. ed. São Paulo: Marcial
Pons, 2017.

Recebido em: 09.07.2020


Aprovado em: 23.07.2020
Doutrina

Juiz das Garantias: uma Análise Crítica


Sobre a (In)Eficácia do Sistema Proposto
Gustavo Henrique de Andrade Cordeiro
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São
Paulo; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípides
Soares da Rocha; Docente no Curso de Graduação em Direito
do Centro Universitário Eurípides Soares da Rocha, na Escola
Superior do Ministério Público de São Paulo e no Complexo
de Ensino Renato Saraiva (CERS); Vice-Líder do Grupo
de Pesquisa DiFuSo – Direitos Fundamentais Sociais;
Coordenador do Grupo de Estudos de Marília “João Batista
de Santana” da Associação Paulista do Ministério Público;
Parecerista da Revista da Escola Superior do Ministério Público
do Estado de São Paulo.

Thales Aporta Catelli


Advogado; Mestrando em Direito pelo Centro Universitário
Eurípides de Marília; Membro dos Grupos de Pesquisa
“Direito, Novas Tecnologias e Controle Social (NODICO)” e
“Acesso à Justiça, Era Digital e Processo – AJUDPRO”.

Emerson Ademir Borges de Oliveira


Pós-Doutorado em Democracia e Direitos Humanos pela
Universidade de Coimbra; Doutor e Mestre em Direito
do Estado pela Universidade de São Paulo; Coordenador
Adjunto e Professor Permanente do Programa de Mestrado e
Doutorado em Direito da Universidade de Marília; Advogado
e Parecerista.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as disposições referentes


ao sistema do juiz das garantias incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio com
a promulgação da Lei Federal nº 13.964/2019, utilizando-se, como premissa, a
arguida garantia da imparcialidade do magistrado que se pretende com a referida
sistemática. Nesse desenvolvimento, foram propostas reflexões acerca da inova-
dora legislação à luz de preconizações constitucionais e infraconstitucionais já
dispostas no direito brasileiro, analisando-se as previsões referentes à iniciativa
do juiz durante a fase de inquérito, passando ao estudo da motivação, produção
e apreciação da prova no processo penal. Enfrentou-se também as questões
concernentes à teoria da dissonância cognitiva e, por conseguinte, à apreciação
da competência do juízo e as consequências práticas da burocratização do pro-
cesso. Conclui-se o estudo com a constatação de que o fundamento utilizado
para implementação do sistema do juiz das garantias esbarra nos instrumentos
já previstos na legislação vigente e, por conta disso, denota-se ineficaz e des-
necessário. Em termos metodológicos, o raciocínio é indutivo, partindo-se da
análise legal difusa para atingimento da conclusão.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
20

PALAVRAS-CHAVE: Processo Penal. Lei Anticrime. Juiz das Garantias. Im-


parcialidade Judicial.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A Sistemática do Juiz das Garantias: Questiona-


mentos Sobre a Necessidade do Instituto; 1.1 A Iniciativa do Magistrado no
Inquérito Policial e a Produção e Apreciação de Provas: a Discutível Percepção
do Juiz das Garantias como Garantidor da Imparcialidade do Juízo; 1.2 Avaliação
Crítica Sobre a Teoria da Dissonância Cognitiva. 2 Burocratização Processual
e a Implementação do Juiz das Garantias; 2.1 Da (In)Formalidade da Norma
Regulamentadora sob a Ótica Organizacional/Administrativa; 2.2 Do Dema-
siado e Desnecessário Aumento nos Custos do Poder Judiciário; 2.3 O Juiz das
Garantias e o DIPO-TJSP. Conclusão. Referências.

Introdução
Não se denotam contemporâneas as problemáticas enfrentadas pelo
Brasil no que concerne à segurança pública e à política criminal. Tampouco,
a percuciente necessidade de adoção de medidas políticas ou legislativas para
enfrentamento da questão.
Ocorre que o tratamento envidado a essa temática, que é natural e es-
sencialmente complexo e controvertido nos mais diversos ramos das ciências,
como a sociologia, a psicologia e a filosofia, passou do significativo aprofun-
damento teórico-científico para a rasa e meramente empírica percepção de
realidades fantasiadas pelas correntes políticas de direita e esquerda de forma
consideravelmente acelerada e, principalmente, com o intuito de manipulação
da massa social.
Não se trata de afirmar que surgiram contemporaneamente os discursos
políticos emanados de seus interlocutores como cânticos hipnóticos sob um
universo perfeito em que a criminalidade não passa de uma vaga lembrança.
No entanto, é coerente a constatação de que, atualmente, o assunto ganhou
a atenção popular e esse, em si, não é o problema.
O que se aparenta grave é o afastamento do caráter científico das refle-
xões elaboradas sobre o assunto, pautadas, atualmente, em regra, nas emoções
e paixões políticas e utilizadas como ferramentas em um jogo desleal, em que
a realidade é interpretada na forma que melhor convém a quem a dissemina
para que seja possível a este sagrar-se vencedor.
Não é para menos. A sociedade atual é a sociedade da informação: co-
nhecimento é poder. E a manipulação das informações é intimamente ligada
ao domínio social.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 21

Nesse contexto, faz-se perceptível que o tratamento maculado da in-


formação, somado à popularização sobre os temas político-criminais resulta,
inexoravelmente, em polemização política e ratificação, ou legitimação, de
institutos jurídicos fadados ao insucesso ou desnecessários.
É o caso do denominado juiz das garantias, o qual, em meio à significa-
tiva turbulência jurídico-política, percebida no país desde as últimas eleições
gerais, em 2018, bem assim após quase um ano de entraves no Congresso
Nacional Brasileiro, foi aprovado e compôs o sistema jurídico pátrio com o
pacote anticrime.
Não se pretende nessa ocasião analisar a Lei nº 13.964, de 24 de dezem-
bro de 2019, por completo, mas, em específico, o instituto do juiz das garantias,
e seu atingimento ao âmago do Judiciário com prejuízos para a efetividade
da atuação jurisdicional, desequilibrando o sistema jurídico como um todo.
Destarte, diante da imprescindível análise do juiz das garantias sob a
exegese científica, propõe-se a presente reflexão teórico-científica sobre o
tema, pautando-se no método indutivo, principalmente na análise jurispru-
dencial e legislativa, com o propósito de, ao final, contribuir, singelamente, à
construção do pensamento crítico-político e jurídico sobre o instituto e sua
aplicação no sistema brasileiro.

1 A Sistemática do Juiz das Garantias: Questionamentos Sobre a


Necessidade do Instituto
Em breve contextualização sobre o tema, deve-se elucidar que o art.
3º da Lei nº 13.964/2019 modificou o Código de Processo Penal logo em
seu início, acrescendo os arts. 3º-A ao 3º-F ao referido Diploma. Em tais
dispositivos, encontra-se toda a sistemática do instituto do juiz das garantias.
Insta consignar, entretanto, preteritamente ao prosseguimento desse
título, que a vigência dos dispositivos citados se encontra suspensa sine die, em
virtude de duas decisões monocráticas proferidas no âmbito do Supremo Tri-
bunal Federal, em sede de medida cautelar em controle de constitucionalidade.
Referidas decisões foram prolatadas, em um primeiro momento, pelo
Presidente da Corte, Ministro Dias Toffoli e, posteriormente, pelo Vice-Presi-
dente, Ministro Luiz Fux, em plantão judiciário, ambas nos autos de Medidas
Cautelares na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.298/DF, ajuizada pela
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Juízes
Federais do Brasil (AJUFE), na ADI 6.299, ajuizada pelo PODEMOS e pelo
CIDADANIA, e na ADI 6.300, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido
Social Liberal (PSL).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
22

De se ressaltar que os fundamentos que ensejaram a mencionada sus-


pensão da eficácia dos dispositivos elencados mostram-se coerentes quando
na análise sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro, e muitos deles serão
discutidos neste estudo. Porém, tal fato não significa dizer que, data maxima
venia, o posicionamento preliminar da Corte Superior se revele em completo
acertamento. Deve-se lembrar de que foram decisões proferidas em sede
cautelar.
Ademais, nesse mesmo sentido, alguns assuntos referentes ao institu-
to tratados tanto pela mídia geral quanto por juristas e estudos acadêmicos
mostram-se, com o devido respeito, relativamente afastados da plena harmo-
nia com o arcabouço normativo como um todo. É o que se constata quando
apresentada a pedra fundamental em que se fixa a implementação do juiz das
garantias: a imparcialidade do magistrado.
Nada obstante se trate de tema deveras relevante, a forma como ele é
enfrentado não se revela coerente, considerando os mais diversos aspectos,
dentre os quais destacam-se, a seguir, a apreciação dessa garantia sob a ótica
da iniciativa do magistrado no inquérito policial e produção e apreciação de provas,
competência do juízo e a burocratização do processo.

1.1 A Iniciativa do Magistrado no Inquérito Policial e a Produção e


Apreciação de Provas: a Discutível Percepção do Juiz das Garantias
como Garantidor da Imparcialidade do Juízo
De se observar, primeiramente, que a normativa contemporânea pre-
coniza, no art. 3º-A do Código de Processo Penal: “O processo penal terá
estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a
substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
A chamada estrutura acusatória não é inovação no sistema jurídico-penal
brasileiro, pois a redação do art. 129 da Constituição Federal assegura ser
função institucional do Ministério Público a promoção privativa da ação
penal pública.
O sistema acusatório discrepa do sistema inquisitorial não somente pela
dissociação do órgão acusador, julgador e de defesa, mas por outras caracterís-
ticas, a exemplo da publicidade do procedimento e dos sistemas de avaliação
da prova:

“Outras características apontadas como sendo essenciais ao sistema acusa-


tório são a existência e a fiel observância dos princípios da publicidade, do
contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência, que no Brasil
ganharam status de Direito Fundamental, porquanto consagrados no art.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 23

5º da CF/88. Por outro lado, a grande característica do sistema inquisitivo,


precisamente ao contrário do que ocorre no sistema acusatório, é o poder
de concentração das funções processuais apenas no juiz, que é uma au-
toridade pública (com a consequente ausência da influência popular nos
julgamentos, característica secundária do sistema acusatório) com atividade
multiforme, visto que, podendo acusar e julgar, torna prescindível as figuras
do acusador e do defensor. Secundariamente, o procedimento inquisitorial,
a par de sigiloso, é escrito, ampliando a possibilidade de se recorrer, pois
a coleta da prova é registrada (ao contrário do sistema acusatório, em que
predomina a forma oral), permitindo que seja reapreciada por órgão recur-
sal. As provas são valoradas de acordo com regras previamente estabelecidas
pelo legislador (‘sistema da prova tarifada ou prova legal’), visando eliminar
as arbitrariedades do sistema da ‘livre convicção íntima’, característico do
processo acusatório. Ele desprestigia o direito ao contraditório e à ampla
defesa, na lógica perversa de que ‘se o acusado é inocente ele não precisa
de defensor, se ele é culpado é indigno de defensor’.”1

Ainda no sistema acusatório brasileiro vige a figura do “promotor natu-


ral”, extraído do art. 5º, LIII, da CF, segundo o qual ninguém será processado
senão pela autoridade competente. Conforme já dissemos, o “princípio visa
evitar a figura do promotor pós-fato, isto é, aquele destinado, exclusivamente,
para processar determinada pessoa”2.
Nesse sentido, esclarece-se que a redação disposta no art. 3º-A do
Código de Processo Penal não versa apenas sobre a ratificação do sistema
acusatório, mas, de forma implícita, associa a atuação ativa do juiz ao sistema
inquisitório e busca vincular os procedimentos adotados nessa postura como
afronta à sistemática do juiz espectador3.
Não parece, no entanto, que a aludida associação corresponda à reali-
dade normativa pátria, haja vista que a própria estrutura do processo penal,
sob a ótica constitucional, impera ao magistrado o gerenciamento da prova.

1 MARTINS, Charles Emil Machado. A reforma e o “poder instrutório do juiz”: será que somos medievais? Disponível
em: https://www.mprs.mp.br/media/areas/criminal/arquivos/charlesemi.pdf. Acesso em: 7 jul. 2020. p. 4.
2 BORGES, Emerson. A Constituição brasileira ao alcance de todos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. p. 300.
3 Conforme aponta Charles Emil Martins, leciona Luigi Ferrajoli que “o juiz deve ser um ‘espectador pasivo y de-
sinteresado’ do processo, sustentando que o princípio do ne procedat iudex ex officio constitui pressuposto estrutural
e lógico de todas as demais características, senão a própria identidade do processo acusatório, concluindo que a
principal ‘característica del poder judicial es la de no poder actuar más que cuando se recurre a él (...) Por naturaleza
el poder judicial carece de acción. Es preciso poner lo en movimiento para que se mueva (...)’” (MARTINS, Charles
Emil Machado. A reforma e o “poder instrutório do juiz”: será que somos medievais? Disponível em: https://www.mprs.
mp.br/media/areas/criminal/arquivos/charlesemi.pdf. Acesso em: 7 jul. 2020. p. 5).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
24

Tais considerações partem da reflexão de que a prova é destinada ao


convencimento do magistrado4, e não haveria razão de ser diferente, haja vista
a própria redação do art. 386 do CPP, que, em todos os seus incisos, autoriza o
decreto absolutório sempre que houver, sinteticamente, suficiência de provas
da inocência, dúvida probatória razoável quanto à presença de circunstâncias
exculpantes ou dirimentes e insuficiência de provas quanto à culpa do acusado.
Ora, não há condenação sem a prova irrefutável de cometimento do
delito. Portanto, a dúvida, invariavelmente, favorecerá o acusado, e nem
poderia ser diferente, ante a exegese constitucional e convencional5 do prin-
cípio da presunção de inocência, que traz como um de seus corolários a regra
probatória in dubio pro reo.
Argumenta-se em prol do juiz das garantias sob o fundamento de que,
com a disposição do referenciado art. 3º-A do CPP, com a preconização de
afastamento da iniciativa do magistrado na fase de investigação e a vedação
da substituição da atuação probatória do órgão de acusação, o juiz estaria
proibido de movimentar-se no sentido de promover a produção de provas,
o que resultaria na neutralização dos riscos de contaminação do magistrado
em relação à sua convicção.
O zelo pelo sistema acusatório, como não se olvida, apregoa que a
substituição da atuação probatória pelo magistrado, entendida no sentido de
um inadvertido ativismo judicial substitutivo do ônus probatório da acusa-
ção, buscando, em evidente prejuízo ao réu, amealhar elementos probatórios
com o propósito predeterminado da prolação de um decreto condenatório,
evidentemente, deve ser repudiado e afastado.
Contudo, a aplicação prática do dispositivo aponta a proibição plena
de atuação do juízo na produção da prova, como a indicação de corrente
doutrinária de que os incisos I e II do art. 156 do CPP estariam tacitamente
revogados6.
Ocorre que, se a intenção é a promoção de um juízo imparcial, a própria
Constituição da República e o Código de Processo Penal apontam os caminhos

4 CPP: “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não
podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas
as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
5 Nesse sentido, o artigo 8, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos: “Artigo 8. Garantias judiciais. (...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente
sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...)”.
6 CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando
a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir
sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 25

a serem trilhados para assegurar tal garantia, dentre os quais despontam três
deles, a serem brevemente analisados a seguir: i) a produção da prova; ii) a
apreciação da prova; e iii) o julgamento.
Sobre a produção da prova, o primeiro aspecto a ser abordado, uma
vez inaugurada a fase probatória na ação penal, independentemente de quem
tenha dado origem à produção da prova, esta recairá sobre fatos ou objetos e
dela sempre se obterá um resultado.
Nesse diapasão, infere-se que a mera iniciativa probatória (seja do Mi-
nistério Público ou do próprio magistrado) não interfere, necessariamente,
no resultado da prova, não sendo incomum que provas requeridas pelo órgão
ministerial resultem, na prática, em benefício ao acusado e vice-versa, ante a
vigência do princípio da comunhão da prova.
Na segunda reflexão, concernente à apreciação da prova, percebe-se
que o magistrado é livre para formar suas convicções acerca dos elementos
probatórios produzidos no processo e, por via de consequência, prolatar a
sentença, seja esta condenatória ou absolutória.
Nessa fase, de se observar que a prova já foi constituída e, natural-
mente, submeteu-se ao crivo do contraditório, seja este diferido ou direto,
cumprindo, assim, com a devida observância à normativa constitucional e
infraconstitucional7.
Parece coerente o entendimento de que, independentemente do ente
que tenha tomado a iniciativa probatória, o julgador estará, invariavelmente,
adstrito à análise dos elementos de prova produzidos nos autos, no momento
de sua deliberação conclusiva, devendo, inclusive, valorar todas elas, escla-
recendo a razão pela qual acolheu algumas delas como determinantes para a
sua decisão e atribuiu menor valor persuasivo às outras.
Tal concepção conduz o raciocínio à terceira fase, entendendo-se que,
em um julgamento contrário às provas dos autos, há garantia à inauguração da
fase recursal apta para a devolução do feito à reapreciação, ab ovo, em segunda
instância, com ampla devolutividade ao juízo ad quem para reformar, integral-
mente, o feito, se o caso, no âmbito de sua competência recursal.

7 Se assim não o foi, como na hipótese de uma prova ilícita, estaria maculada e, diante das previsões da Constituição
Federal e do próprio Código de Processo Penal, figurariam inservíveis. Vide o art. 157 do CPP: “São inadmissíveis,
devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas cons-
titucionais ou legais” e o art. 5º, LVI, da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
26

Dessa feita, de se entender que a aplicação da medida de afastamento da


iniciativa probatória do juízo durante toda a persecução penal, com o devido
respeito, serve à limitação inadvertida da atuação do magistrado, presumin-
do a parcialidade de toda a classe e desprezando os mecanismos atualmente
vigentes para controle da atuação subjetiva do juiz, a exemplo das hipóteses
de suspeição, de impedimento e de incompatibilidade.
Contrários a esse entendimento, porém, são aqueles que defendem
que, no momento em que o juiz toma iniciativa à dilação probatória, por
exemplo, ou determina uma busca e apreensão, na fase extrajudicial, este
estaria maculado em sua imparcialidade, principalmente sob a ótica da teoria
da dissonância cognitiva, teorema sobre o qual se pretende avaliar em seguida.

1.2 Avaliação Crítica Sobre a Teoria da Dissonância Cognitiva


Segundo Festinger, a chamada dissonância cognitiva, em síntese, estaria
relacionada ao incômodo, desconforto ou angústia, no âmbito psicológico,
sentida por determinado indivíduo quando este se vê diante de uma concep-
ção própria que se percebe dissonante (contraditória) acerca de uma decisão
anteriormente estabelecida8:

“A coerência consigo mesmo e também com os outros é um sentimento


que as pessoas valorizam muito. Por isso, quando suas ideias, sentimentos
ou comportamentos entram em conflito, mostram-se incompatíveis, elas se
sentem desconfortáveis, vivem uma situação de tensão decorrente da falta
de harmonia (dissonância) entre dois pensamentos ou crenças relevantes.
O grau ou magnitude da dissonância dependerá da maior importância ou
do valor dos elementos cognitivos em contraste.”9

Nesse sentido, Festinger aponta que “a existência de dissonância origina


pressões para reduzi-la e para evitar o seu recrudescimento. As manifestações
da operação dessas pressões incluem mudanças de comportamento, mudanças
de cognição e busca de novas informações”10. Ainda:

“O ser humano modifica suas ações ou atitudes e adiciona seletivamente


novas informações com o propósito de tentar manter a consistência, bus-
cando atingir a coerência entre suas cognições conflitantes. (...) ‘A teoria
da dissonância cognitiva, portanto, evidencia que o indivíduo modifica ou
ajusta seu pensamento ou sua atitude com o propósito de manter a coe-

8 FESTINGER, Leon. Teoria da dissonância cognitiva. Trad. Eduardo Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 13.
9 ANDRADE, Flávio da Silva. A dissonância cognitiva e seus reflexos na tomada da decisão judicial criminal. Revista
Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 1.651-1.677, set./dez. 2019, p. 1.654.
10 FESTINGER, Leon. Teoria da dissonância cognitiva. Trad. Eduardo Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 22-23.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 27

rência entre suas cognições ou crenças contraditórias, afastamento a tensão


psíquica que lhe gera incômodo ou angústia. A busca por consonância, a
tentativa de reconciliar cognições discrepantes é um anseio básico, natural
do ser humano’.”11

Nesse contexto, autores como Aury Lopes Júnior apontam a necessidade


do juiz das garantias como instrumento de afastamento da imparcialidade da
jurisdição, atentando-se que, segundo seu entendimento:

“(...) estando a primeira impressão intimamente vinculada ao estado so-


berano de consonância cognitiva, que se rompe quando novas cognições
a colocam em xeque, plenamente aceitável que se lhe atribua também a
responsabilidade pela orientação da cognição e do comportamento do
indivíduo em relação às cognições posteriores a ela. Aí está o perigo de
se rotular as pessoas com base em conhecimento superficial das mesmas.
Uma vez feito isso, a tendência será a de procurar elementos coerentes
com a categorização feita e rechaçar os que a ela se opõem. As causas para
esse fenômeno são atribuídas tanto à necessidade de se manter a coerên-
cia entre as informações recebidas (tese central da teoria da dissonância
cognitiva) quanto ao nível de atenção dado para as informações, que tende
a diminuir substancialmente quando já se tem um julgamento formado,
fruto de uma primeira impressão. Por isso, dificilmente uma pessoa será
vista simultaneamente como boa e má, honesta e desonesta, etc. Quando
se recebe uma informação contraditória sobre alguém, o caminho cognitivo
espontâneo é o da reorganização ou distorção dessa informação para se
reduzir ao mínimo ou se eliminar essa incoerência e manter a percepção
da pessoa congruente.”12

E como exemplo de dispositivo que poderia relacionar-se como inspi-


rado pela teoria da dissonância cognitiva pode-se destacar a redação do art. 3-D
do CPP, a saber: “o juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato
incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de
funcionar no processo”.
O referenciado dispositivo, em síntese, afasta a possibilidade de o ma-
gistrado que atuar na fase processual participar da fase investigativa, ainda que
este tenha praticado o mero ato de, por exemplo, deferir o requerimento para
realização de busca e apreensão que tenha resultado negativo e, nesse sentido,
Aury Lopes Júnior destaca determinados questionamentos acerca do tema:

11 ANDRADE, Flávio da Silva. A dissonância cognitiva e seus reflexos na tomada da decisão judicial criminal. Revista
Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 1.651-1.677, set./dez. 2019, p. 1.655.
12 LOPES Jr., Aury; RITTER, Ruiz. A imprescindibilidade do juiz das garantias para uma jurisdição penal imparcial:
reflexões a partir da teoria da dissonância cognitiva. Duc In Altum Cadernos de Direito, v. 8, n. 16, p. 55-91, set./dez.
2016, p. 72-73.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
28

“(...) sabendo-se que a tomada de uma decisão na fase de investigação preli-


minar (uma conversão de prisão em flagrante em preventiva, por exemplo),
pode vincular cognitivo-comportamentalmente seu responsável (magistra-
do) por prazo indeterminado, bem como que a primeira informação (pri-
meira impressão) recebida pelo juiz sobre o fato, com base na qual deverá
admitir ou não a abertura de um processo (ato de recebimento/rejeição
da denúncia), é produto dessa investigação policial, produzida de forma
unilateral; existe a possibilidade da autoridade judiciária que participou
dessa primeira fase manter-se imparcial no futuro desenrolar processual?
Ou é inviável falar em imparcialidade judicial nesse contexto de tomada de
decisão e fixação de uma primeira impressão negativas em relação a uma
pessoa, considerando-se que se estará vinculado a essa decisão e impressão
fixada, e, consequentemente, que haverá uma forte resistência (negação
antecipada) à absorção de conhecimentos posteriores que as coloquem em
xeque (investigação preliminar vs. processo)?”13

Com o devido respeito, embora a teoria da dissonância cognitiva fi-


gure relevante tese acerca da compreensão do comportamento humano e,
sim, mereça atenção das ciências jurídicas, principalmente na apreciação da
atuação do magistrado durante a lide, é imprescindível a indagação: até que
ponto a análise comportamental, sob a ótica da referida teoria, deverá servir
ao afastamento da presunção de imparcialidade e de idoneidade do juízo e,
consequentemente, macular todas as decisões de um mesmo magistrado que
já tenha oficiado em momento anterior da persecução penal?
Sob esse diapasão, observe-se que, no exercício da atividade jurisdi-
cional, o magistrado, invariavelmente, estará em contato com argumentos,
fundamentos e teses parciais apresentados pela acusação ou pela autoridade
policial, em seus requerimentos e representações, contato esse que, por si só,
não é capaz de macular a sua imparcialidade para decidir.
Logo, a mera análise de qualquer pedido formulado pela autoridade
policial ou ministerial, lastreado nos elementos informativos colhidos no
inquérito policial, com grande carga de informação desfavorável ao acusado,
a exemplo da deliberação sobre o recebimento ou a rejeição da peça acusató-
ria, já seria capaz, sob a ótica das reflexões trazidas pela teoria da dissonância
cognitiva, de macular a imparcialidade do julgador e induzi-lo ao julgamento
de mérito no sentido de sua condenação.
Nesse sentido, observe-se que, nos termos atribuídos pela nova le-
gislação, a teor do disposto nos arts. 3º-B e 3º-C do CPP, com as alterações

13 LOPES Jr., Aury; RITTER, Ruiz. A imprescindibilidade do juiz das garantias para uma jurisdição penal imparcial:
reflexões a partir da teoria da dissonância cognitiva. Duc In Altum Cadernos de Direito, v. 8, n. 16, p. 55-91, set./dez.
2016, p. 73-74.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 29

impostas pela Lei nº 13.964/2019, buscam sanar a problemática relacionada


ao contato prévio com as argumentações e indícios trazidos no inquérito po-
licial e na peça acusatória com a fixação de competência do juiz das garantias
para recebimento da denúncia14-15 e a vedação de apensamento das peças do
inquérito policial nos autos da ação penal16.
Ora, se o juiz das garantias, após decidir sobre medidas cautelares pes-
soais ou probatórias em prejuízo do imputado, no âmbito da investigação,
tende a manter a coerência de suas decisões, à luz da teoria da dissonância
cognitiva, não estaria ele contaminado para decidir sobre o recebimento da
peça acusatória?
É dizer, se o juiz das garantias, exemplificativamente, decretou a prisão
preventiva ou determinou a interceptação telefônica do investigado, não estaria
ele subjetivamente contaminado para, dias ou semanas depois, decidir sobre
a decisão de recebimento da denúncia?
Seguindo essa mesma lógica, as máculas cognitivas do juiz das garantias
que recebeu a peça acusatória, por ter entendido que havia justa causa para
a ação penal, não estarão presentes quando ele tiver de decidir a respeito da
possibilidade de absolvição sumária do acusado?
Dito de outro modo, levada às últimas consequências a lógica da dis-
sonância cognitiva, deveria a legislação reservar a um juiz a competência para
apreciar medidas cautelares pessoais, civis e probatórias, no âmbito da inves-
tigação extrajudicial, a um segundo magistrado, por sua vez, a análise sobre
o recebimento ou a rejeição da peça acusatória, a um terceiro a competência
para decidir sobre a ocorrência ou não de uma das hipóteses de absolvição
sumária e, finalmente, um quarto magistrado para decidir o mérito da causa,
em sede de cognição exauriente.
A aplicação integral e fidedigna da lógica da dissonância cognitiva no
direito processual penal, pois, exigiria a participação de, ao menos, quatro
magistrados distintos, durante a persecução penal, o que seria absolutamente
inviável, sob o ponto de vista operacional e orçamentário.

14 CPP: “Art. 3º-B. (...) XIV – O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e
pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário,
competindo-lhe especialmente: decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste
Código”.
15 CPP: “Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial
ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”.
16 CPP: “Art. 3º-C. (...) § 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados
na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo
enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de
obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
30

Outro aspecto interessante a se destacar é que, se o recebimento da


denúncia é efetuado pelo próprio juiz das garantias, conforme disposto no
art. 3º-B, XIV, do Código de Processo Penal, recebida a denúncia ou queixa,
as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento, na
forma do art. 3º-C, § 1º, do mesmo Codex.
Surge, então, a seguinte reflexão: se o juiz das garantias visa, em tese,
afastar o juiz da instrução das questões concernentes à investigação prelimi-
nar, a fim de garantir a sua imparcialidade, por que razão outorgou ao juiz da
instrução a possibilidade de decidir questões pendentes, não apreciadas pelo
magistrado que atuou na fase antecedente da persecução penal?
Por tudo isso, respeitada a relevância acadêmica da teoria da dissonância
cognitiva, parecem ser já suficientes os atuais mecanismos constitucionais e
infralegais de proteção à imparcialidade do julgador, de sorte que eventuais
desvios subjetivos, naturalmente excepcionais, poderão ser apurados e puni-
dos, exemplarmente, pelos órgãos correicionais competentes, a exemplo da
Corregedoria-Geral de Justiça e do próprio Conselho Nacional de Justiça.
Demonstrada a inviabilidade técnica da aplicação da teoria da disso-
nância cognitiva no processo penal brasileiro e as incongruências internas
decorrentes de sua positivação na ordem jurídica pátria, passa-se, doravante,
à análise de outro ponto relevante para o debate em voga: o apego excessivo à
burocratização do processo decorrente da implementação do juiz das garantias.

2 Burocratização Processual e a Implementação do Juiz das Garantias


Não obstante a aparente inviabilidade técnica do sistema do juiz das
garantias, conforme tratado anteriormente neste estudo, de se observar que
a implementação do instituto se denota, no âmbito da organização judiciária,
desnecessária e demasiadamente custosa ao Poder Judiciário.
Convém traçar, então, breves reflexões acerca de ambos os aspectos
levantados, iniciando-se pelas questões concernentes à formalidade da norma
instituidora.

2.1 Da (In)Formalidade da Norma Regulamentadora sob a Ótica


Organizacional/Administrativa
Como bem destaca José Frederico Marques, citado também na decisão
cautelar proferida nos autos da ADI 6.298 MC/DF pelo Ministro Luiz Fux,
as leis processuais distinguem-se das regulamentações judiciárias adminis-
trativas porque aquelas regulam a “‘tutela jurisdicional’, enquanto que as de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 31

organização judiciária disciplinam a administração dos órgãos investidos da


função jurisdicional”17.
Nesse sentido, de se observar que o art. 96 da Constituição Federal
de 1988 preconiza que compete, privativamente, ao Poder Judiciário regula-
mentar-se estruturalmente, no que se alcunha “autogoverno dos Tribunais”,
“autorregramento do Poder Judiciário” e “auto-organização dos assuntos
internos”18:

“(...) é o próprio Judiciário quem organiza suas secretarias e serviços au-


xiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício
da atividade correicional respectiva; dá provimento, na forma prevista na
Constituição, aos cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição; propõe
a criação de novas varas judiciárias; dá provimento, por concurso público
de provas, ou de provas e títulos, aos cargos necessários à administração
da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei; concede licença,
férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que
lhes forem imediatamente vinculados (CF, art. 96). Esta autonomia e inde-
pendência ampla encontram resguardo em todos os Estados Democráticos
de Direito, pois os tribunais têm, sob o ponto de vista estrutural constitu-
cional, uma posição jurídica idêntica à dos outros órgãos constitucionais de
soberania. Da mesma forma, desempenham funções cuja vinculatividade
está jurídico-constitucionalmente assegurada.”19

Por conta disso, denota-se coerente a anotação do Ministro Luiz Fux,


na decisão proferida em medida cautelar na ADI 6.298:

“(...) a criação do juiz das garantias não apenas reforma, mas refunda o pro-
cesso penal brasileiro e altera direta e estruturalmente o funcionamento de
qualquer unidade judiciária criminal do país. Nesse ponto, os dispositivos
questionados têm natureza materialmente híbrida, sendo simultaneamente
norma geral processual e norma de organização judiciária, a reclamar a
restrição do art. 96 da Constituição.”

Destarte, de se observar que, quando a redação do art. 3º-D, parágrafo


único, do CPP aponta que “nas comarcas em que funcionar apenas um juiz,
os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender
às disposições deste Capítulo”, este o faz de forma indevida, haja vista que a

17 MARQUES, José Frederico. Organização judiciária e processo. Revista de Direito Processual Civil, v. 1, ano 1, p.18-29,
jan./jun. 1960, p. 20-21.
18 BORGES, Emerson. A Constituição brasileira ao alcance de todos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. p. 282.
19 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 549.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
32

iniciativa para a deflagração do processo legislativo da matéria tratada é reser-


vada a ente diverso do legislador.
A respeito, a decisão concedida, a posteriori, ainda em sede cautelar, nos
mesmos autos acima indicados, pelo Ministro Dias Toffoli:

“Situação diversa ocorre com o art. 3º-D, parágrafo único, o qual não
dispõe propriamente sobre o processo penal, ingressando em questão de
organização judiciária, pois determina que se adote um sistema de rodízio
de magistrados como mecanismo de efetivação do juízo das garantias.”

Nesse contexto, faz-se imprescindível a consideração de tais definições


para a apreciação da constitucionalidade dos dispositivos, pois, nas palavras
do Ministro Luiz Fux, na ADI 6.298/MC, “conduzem a uma inescapável
conclusão: a instituição do juiz de garantias altera materialmente a divisão e
a organização de serviços judiciários em tal nível que demanda uma completa
reorganização da justiça criminal do país”.
Portanto, pode-se considerar que as falhas na construção legislativa não
se esgotaram nas iniciais, mas se prolongaram durante o decorrer do texto e,
mercê da intervenção do Supremo Tribunal Federal, foi sobrestada, caute-
larmente, a vigência do disposto no art. 3º-D, parágrafo único, do Código de
Processo Penal, com redação alterada pela Lei nº 13.964/2019.
Não se verá tal sorte, entretanto, no que concerne aos equívocos que
perdurarão nas demais disposições da referida normativa, a exemplo dos altís-
simos custos inescusáveis para implementação do sistema, como se destacará
a seguir.

2.2 Do Demasiado e Desnecessário Aumento nos Custos do Poder


Judiciário
No que concerne aos custos da implementação do instituto, observe-
se que a inovação legislativa em discussão criou uma competência em razão
do critério funcional, o que exigirá a inescusável designação de magistrados
especificamente para a atuação como juízes das garantias.
Por via de consequência, será imprescindível a contratação de novos
servidores, seja para designação direta para ocupação de funções junto ao
magistrado das garantias ou para substituição daqueles então destinados para
referida função.
E mais: a equipe necessitará de novos instrumentos de trabalho, a
exemplo de computadores, impressoras, mesas, cadeiras, dentre outros equi-
pamentos, além da construção de edificações ou adaptações das existentes,
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 33

o que, logicamente, agravará as despesas dos Tribunais consideravelmente,


mormente em se considerando o momento econômico atual frontalmente
oposto a quaisquer gastos extraordinários.
Não obstante, de se destacar que, no ano de 2018, segundo os dados
do levantamento Justiça em Números 2019, as despesas totais do Poder Judi-
ciário somaram R$ 93,7 bilhões, o que representou um valor aproximado de
R$ 449,53 (quatrocentos e quarenta e nove reais e cinquenta e três centavos)
por habitante, naquele ano20.
Deve-se salientar que a Justiça Estadual, que abrange 80% dos processos
em tramitação no país e foi responsável por aproximadamente 57% das despe-
sas em âmbito nacional no ano de 201821, mercê de sua competência residual,
será ainda mais afetada com o aumento dos gastos com a implementação do
juiz das garantias.
Interessante ressaltar também que, no ano de 2018, os custos com re-
cursos humanos foram responsáveis por aproximadamente 91% das despesas
do Poder Judiciário em âmbito nacional22.
Cumpre dizer, ainda, que as receitas do Poder Judiciário são próprias,
autônomas e independentes dos demais poderes, e, no ano de 2018, em decor-
rência da atividade jurisdicional, a receita foi de apenas R$ 58,64 bilhões, um
retorno da ordem de 63% das despesas efetuadas naquele período. E frisa-se:
foi o maior montante auferido na série histórica. Somente em 2009 e 2018,
a arrecadação superou o patamar de 60%23.

“Computam-se na arrecadação os recolhimentos com custas, fase de


execução, emolumentos e eventuais taxas (R$ 12 bilhões, 20,4% da arre-
cadação), as receitas decorrentes do imposto causa mortis nos inventários/
arrolamentos judiciais (R$ 5,3 bilhões, 9%), a atividade de execução fiscal
(R$ 38,1 bilhões, 65%), a execução previdenciária (R$ 662,8 bilhões, 4,8%),
a execução das penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização das relações
de trabalho (R$ 19,2 milhões, 0,03%) e a receita de imposto de renda (R$
420,8 milhões, 0,7%).”24

20 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/


pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em: 18 maio 2020.
21 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/
pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em: 18 maio 2020.
22 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/
pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em: 18 maio 2020.
23 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/
pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em: 18 maio 2020.
24 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/
pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em: 18 maio 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
34

Sobre esse tema, segundo os dados extraídos de levantamento efetuado


pelo Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem um déficit de 4.391 juízes,
sendo o maior índice de cargos vagos na Justiça Federal (26%), seguido pela
Justiça Militar Estadual (23%), e pela Justiça Estadual (22%).
Nessa mesma toada, o Departamento de Pesquisas Judiciárias – DPJ do
CNJ identificou que 59% das comarcas são constituídas por uma única vara,
ou seja, aquelas que possuem competência geral para julgar quaisquer tipos
de processos, nas mais diversas matérias. Essas comarcas recebem apenas 10%
dos processos criminais e 13% dos procedimentos investigatórios de todo país,
ou seja, dos 5.570 municípios, 2.700 são sede do Poder Judiciário e, dessas,
quase 1.600 são compostos apenas por uma unidade judiciária25.
Considerando tais dados, segundo a Associação dos Magistrados Brasi-
leiros – AMB, os custos estimados para implementação do juiz das garantias
elevariam as despesas do Judiciário em geral em R$ 1,1 bilhão gastos por ano,
somente para contratação de novos magistrados26.
Os elevados custos orçamentários para a implementação da figura do
juiz das garantias, sem consequente indicação da fonte de receita, conforme
decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, na ADI referenciada, “violaram
diretamente os arts. 169 e 99 da Constituição, na medida em que o primeiro
dispositivo exige prévia dotação orçamentária para a realização de despesas
por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal, e o segundo garante
autonomia orçamentária ao Poder Judiciário”. E continua:

“Sem que seja necessário repetir os elementos fáticos aqui já menciona-


dos, é inegável que a implementação do juízo das garantias causa impacto
orçamentário de grande monta ao Poder Judiciário, especialmente com os
deslocamentos funcionais de magistrados, os necessários incrementos dos
sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação correlatas,
as reestruturações e as redistribuições de recursos humanos e materiais,
entre outras possibilidades. Todas essas mudanças implicam despesas que
não se encontram especificadas nas leis orçamentárias anuais da União e
dos Estados.”

O que se vê é extremamente grave: seja por ausência de técnica jurídica


adequada ou por omissão voluntária, houve clara omissão, pelo legislador,

25 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Juiz das garantias não é juiz para proteger criminoso, diz Toffoli. Publicado
em 3 jan. 2020. Notícias CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/juiz-das-garantias-nao-e-juiz-para-proteger-
criminoso-diz-toffoli/. Acesso em: 22 maio 2020.
26 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL. Juiz das garantias: imprensa repercute resposta da AMB à
consulta pública do CNJ. Publicado em 13 jan. 2020, às 6h57, atualizado em 13 jan. 2020, às 19h59. Disponível em:
https://www.amb.com.br/juiz-das-garantias-imprensa-repercute-resposta-da-amb-consulta-publica-do-cnj/. Acesso
em: 22 maio 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 35

das estimativas de impacto orçamentário ou de custos para implementação


do sistema em exame.
Ainda conforme bem disserta o Ministro Luiz Fux, tal fato afronta
o Novo Regime Fiscal da União, instituído pela Emenda Constitucional
nº 95/2016, pois este, no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, define que “[a] proposição legislativa que crie ou altere despesa
obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do
seu impacto orçamentário e financeiro”. Continua o Ministro em sua decisão
cautelar:

“Em suma, concorde-se ou não com a adequação do juiz das garantias ao


sistema processual brasileiro, o fato é que a criação de novos direitos e de
novas políticas públicas gera custos ao Estado, os quais devem ser discu-
tidos e sopesados pelo Poder Legislativo, considerados outros interesses
e prioridades também salvaguardados pela Constituição. Nesse sentido,
não cabe ao Poder Judiciário definir qual a prioridade deve ser mais bem
contemplada com o uso do dinheiro arrecadado por meio dos tributos pagos
pelos cidadãos – por exemplo, se a implantação do juiz das garantias ou a
construção de mais escolas, hospitais, ou projetos de ressocialização para
presos. Afinal, esse ônus recai sobre os poderes Legislativos e Executivo.
No entanto, por estrita aplicação da regra constitucional do art. 113 da
ADCT – aprovada pelo próprio Poder Legislativo – compete ao Judiciário
observar se os requisitos para concretização dos interesses que o legislador
preferiu proteger obedeceram às formalidades exigidas, especialmente
quanto ao estudo de impacto orçamentário.”

Nesse sentido, pode-se afirmar que, além de sobrecarregar, significativa-


mente, os custos para o regular funcionamento do Poder Judiciário, o projeto
legislativo que visou implementar o juiz das garantias deixou de observar,
deliberadamente, a indicação de impactos orçamentários ou estimativas para
a sua operacionalização.
Como se não bastasse, a vacatio legis de 30 dias para a implementação do
juiz de garantias em todo país se revela, evidentemente, irrisória para que os
juízes e Tribunais se adaptem a esse modelo, o que faria com que o modelo
fosse arquitetado, de supetão, como um grande improviso, Brasil afora.
Por conta disso, leva-se a crer que, caso não houvesse a suspensão da
vigência da norma, o instituto seria, além de pragmaticamente ineficaz, pelos
motivos já expostos, um sistema improvisado, ineficaz e absurdamente caro.
Daí, então, surge um questionamento: haveria a possibilidade de imple-
mentação prática de um dispositivo organizacional lógico, menos custoso e que
poderia, em tese, produzir os mesmos efeitos do intentado juiz das garantias?
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
36

Pensa-se que sim, e sua aplicação já se encontra em pleno funcionamento há


tempos, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.3 O Juiz das Garantias e o DIPO-TJSP


Um primeiro argumento elencado em defesa do sistema do juiz das
garantias seria a proposta de aprimoramento do modelo de juízes atuantes
na fase pré-processual, já implementado, contemporaneamente, no Estado
de São Paulo, como nas atribuições inerentes aos magistrados atuantes nos
Departamentos de Inquéritos Policiais – DIPOs.
Insta salientar, primordialmente, que, embora desconhecido de mui-
tos, até os assuntos concernentes ao juiz das garantias virem à tona, o DIPO
não é presente unicamente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo27,
tampouco denota-se como inovação, haja vista que o funcionamento do órgão
nesse Estado tem sua origem no ano de 1984, com o Provimento nº 167 do
Conselho Superior de Magistratura28:

“Provimento nº 167/84

Institui o Serviço de Inquéritos Policiais, para o foro central da Comarca


da Capital.

Artigo 1º – É instituído o Serviço de Inquéritos Policiais, para o foro central


da Comarca da Capital.

Artigo 2º – Todos os atos relativos aos inquéritos policiais e seus inciden-


tes, bem como os pedidos de habeas corpus, serão processados perante o
Juiz Corregedor e Juízes Auxiliares designados para o Serviço ora criado.

27 “(...) criou-se através do Decreto Judiciário nº 543, de 26 de novembro de 1993, a Central de Inquéritos Policiais na
Comarca de Curitiba, ‘para controle de inquéritos policiais, demais peças informativas e outros feitos de natureza
criminal ainda não distribuídos, de competência das Varas Criminais não especializadas e do Tribunal do Júri’. Segundo
a regra do art. 6º do DJ nº 543/1993, competia ao juiz da Central de Inquéritos dentre outras funções, ‘decidir sobre
matéria afeta ao plantão judiciário’ (inciso II), ‘decidir a respeito de outras medidas judiciais em inquéritos policiais’
(inciso III) e ‘determinar o arquivamento do inquérito, peça informativa ou outro feito de natureza criminal, na
forma da lei, ou tomar as providências previstas no art. 28 do CPP’ (inciso IV). A competência do juiz da Central
de Inquéritos cessava com o oferecimento da denúncia ou queixa, na forma da regra do art. 4º do DJ nº 543/1993,
quando os autos do processo eram distribuídos a outro juiz de primeiro grau com competência criminal, para realizar
o juízo de admissibilidade da acusação e, em caso de recebimento da inicial acusatória, prosseguir na presidência
do processo de conhecimento. Posteriormente, com a Resolução nº 70/2012, a Central de Inquéritos é renomeada
para Vara de Inquéritos Policiais, com competência para ‘exercer o controle jurisdicional’ dos inquéritos policiais,
‘bem como peças informativas e outros feitos de natureza criminal prévios à ação penal’ (art. 8º, § 7º, I). No âmbito
legislativo formal, as Varas de Inquéritos Policiais são inseridas na organização e divisão judiciárias do Estado do
Paraná com a regrado art. 254, d e k, da Lei Estadual nº 14.277/2013.” (CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti
Castanho de; MILANEZ, Bruno Augusto Vigo. O juiz de garantias brasileiro e o juiz de garantias chileno: breve olhar
comparativo. Disponível em: http://biblioteca.cejamericas.org/handle/2015/5645. Acesso em: 18 maio 2020)
28 CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA. Provimento nº 167, de 27 de janeiro de 1984, do Conselho Superior
de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: encurtador.com.br/hmqvG. Acesso em: 5
maio 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 37

Aqueles incidentes compreendem, inclusive, autos de prisão em flagrante,


pedidos de restituição de coisas apreendidas e pedidos de prisão preventiva.

Artigo 3º – Caberá à Procuradoria-Geral da Justiça a designação dos Promo-


tores de Justiça e funcionários necessários ao exercício de sua competência
junto ao Serviço criado.

Artigo 4º – Os inquéritos, incidentes e pedidos de habeas corpus serão


remetidos aos Distribuidores Criminais e, após ali registrados, serão en-
caminhados ao Serviço de Inquéritos Policiais, para a devida tramitação.

Artigo 5º – O Juiz Corregedor ou Auxiliar tomará as providências ne-


cessárias ao cumprimento dos prazos fixados para as diligências policiais.

Artigo 6º – Com a manifestação final do Ministério Público, os inquéritos,


os incidentes autuados em apartado e os pedidos de habeas corpus, retornarão
aos Distribuidores Criminais, para a distribuição às Varas.

Artigo 7º – O Juiz Corregedor designado poderá adotar normas de serviço,


com aprovação da Corregedoria-Geral da Justiça.

Artigo 8º – Os inquéritos, incidentes e pedidos de habeas corpus distribuídos


até 31 de janeiro de 1984, continuarão nas respectivas Varas, onde serão
atendidos.

Artigo 9º – Este Provimento entrará em vigor no dia 1º de fevereiro de


1984, revogadas as disposições em contrário.”

De se ressaltar que, quando de sua criação, o DIPO-TJSP via-se apenas


como órgão regulamentado e estruturado internamente pela referida Corte,
sendo normatizado pelo Poder Legislativo Estadual somente no ano de 2013,
com a promulgação da Lei Complementar nº 1.208, de 23 de julho de 201329.
Em breve leitura dos dispositivos citados, pode-se dizer que, na origem
do DIPO-TJSP, constatam-se nuances também trazidas na legislação federal
contemporânea, a exemplo da relativa centralização do procedimento inves-
tigatório sob acompanhamento de juízes cuja atuação voltava-se primordial-
mente à fase pré-processual, a exemplo do acompanhamento do inquérito e
a apreciação das prisões em flagrante.
Ocorre que, quando da análise atenta do provimento, paralelamente ao
disposto na normativa criadora do juiz das garantias, faz-se evidente a consta-
tação de divergências cruciais entre ambos, as quais revelam as incongruências

29 ESTADO DE SÃO PAULO. Lei Complementar nº 1.208, de 23 de julho de 2013. Altera a Organização e a Divisão
Judiciárias do Estado. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/norma/170731. Acesso em: 30 abr. 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
38

no novo sistema proposto pela legislação federal, conforme já mencionado


anteriormente.
Não obstante, veja que, no DIPO-TJSP, não há proibição ao juiz de
funcionamento em sede de inquérito policial e, posteriormente, no processo.
Contudo, a atuação do magistrado, diferentemente do sistema comum, não
é vinculada em nenhuma das fases.
É certo que a dedicação do juiz ao acompanhamento das diligências
preliminares em fase de inquérito pode garantir benefícios à persecução penal
como um todo, a saber, a celeridade, a atenção ao acusado e a realização de
audiência de custódia efetiva, a eficácia na apreciação das garantias processuais
ao investigado, dentre inúmeras outras, que assegurem a justaposição entre
a efetividade da atividade policial e a salvaguarda dos direitos fundamentais
do imputado.
Nesse sentido, ressalta-se a exegese do Ministro Dias Toffoli, na ADI
6.298-MC:

“Ressalte-se, inclusive, que a figura do juiz de garantias não é nova no


sistema jurídico pátrio. Na capital paulista, funciona, há décadas, o Depar-
tamento de Inquéritos Policiais (DIPO), o qual, nos termos do Provimento
nº 167/84, concentra ‘[t]odos os atos relativos aos inquéritos policiais e seus
incidentes, bem como os pedidos de habeas corpus’ (art. 2º). Portanto, em
São Paulo já ocorre a cisão de competência determinada pela lei questio-
nada, ficando a atividade de supervisão dos atos de investigação a cargo dos
juízes especialmente designados para tanto, atuantes no Departamento de
Inquéritos Policiais. O fato de os juízes do DIPO não serem competentes
para o recebimento da denúncia não desnatura sua função, na essência, de
juiz de garantias.” (STF, ADI 6.298-MC, Rel. Min. Luiz Fux, trecho da
decisão cautelar do Min. Dias Toffoli, no exercício da presidência)

A nosso ver, contudo, com a devida vênia, há diferenças cruciais entre


ambos os sistemas. No entanto, vê-se como coerente que, à luz das garantias
constitucionalmente estabelecidas e das próprias preconizações do direito
internacional dos direitos humanos, a exemplo da imprescindibilidade de
realização da audiência de custódia prevista no Pacto de San José da Costa
Rica30, possuir um sistema para acompanhamento dos inquéritos policiais é

30 “(...) interessante destacar que, à luz das premissas dispostas na Carta Magna, bem assim no Código de Processo Penal,
realmente, não há, no arcabouço normativo brasileiro, a determinação expressa da chamada audiência de custódia,
consistente na necessária apresentação do indivíduo preso em flagrante ao julgador para aferição das condições de
sua prisão e posterior decisão sobre seu relaxamento, sua conversão em prisão preventiva ou sua liberdade provisória.
Ocorre, porém, que convenções internacionais de direitos humanos, expressamente incorporadas ao ordenamento
jurídico interno pela edição de decretos executivos da Presidência da República, cuja hierarquia normativa é de nor-
mas supralegais, conduzem à interpretação consonante com a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia.”
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 39

promover a devida atenção, nessa fase de extrema relevância da persecução


penal, não somente à acusação, mas à própria defesa e ao investigado.
Validamente, a Declaração Americana de Direitos Humanos também
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, vigente na ordem jurídica
pátria a partir da edição do Decreto Executivo nº 678, no ano de 1992, tem
por disposição, em seu art. 7º, itens 5º e 6º, o necessário encaminhamento da
pessoa detida, ou retida, à presença de um juiz, ou outra autoridade designada
pela lei a exercer funções judiciais, que possa averiguar, de forma imparcial, as
condições da prisão31.
De se ressaltar que, quando da análise das razões para a implementação
do sistema em discussão, o juiz recebe um estigma de constante desconfiança,
como se a regra fosse a imparcialidade do magistrado.
Sobre esse tema, de se ressaltar a interessante resposta concedida pela
juíza Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, em en-
trevista ao jornal Folha de São Paulo, quando questionada sua opinião sobre
os fundamentos acerca da imparcialidade do magistrado e o juiz das garantias:

“[Folha de S. Paulo] O principal argumento para a criação dos juízes das


garantias é o de garantir a imparcialidade do julgamento. O que a senhora
pensa disso?

[Renata Gil] O escopo do juiz de garantias é garantir essa imparcialida-


de. O problema é a forma como esse juízo se apresentou. É um modelo
absolutamente diverso. E dizer que há parcialidade durante todos esses anos é a
mesma coisa que dizer que todos esses anos nós erramos, fomos contaminados pelas
provas.”32 (grifo nosso)

Diante disso, de se entender que, se vissem afastadas as incongruências


e ideologias enraizadas no projeto do juiz das garantias, a proposta certamente
mereceria atenção positiva, principalmente se no formato dos já implemen-
tados Departamentos de Inquéritos Policiais ou das Centrais de Inquérito,

(CORDEIRO, Gustavo Henrique de Andrade; CATELLI, Thales Aporta; MARGRAF, Alencar Frederico. Audiência
de custódia: mero formalismo ou necessária observância ao objeto constitucional do instituto? Uma análise a partir
do julgamento do Recurso em Habeas Corpus 99.091/AL [2018/0137946-8]. Revista dos Tribunais, ano 108, v. 999,
jan. 2019, p. 768-778)
31 CORDEIRO, Gustavo Henrique de Andrade; CATELLI, Thales Aporta; MARGRAF, Alencar Frederico. Audiência
de custódia: mero formalismo ou necessária observância ao objeto constitucional do instituto? Uma análise a partir
do julgamento do Recurso em Habeas Corpus 99.091/AL (2018/0137946-8). Revista dos Tribunais, ano 108, v. 999,
jan. 2019, p. 768-778.
32 FOLHA DE SÃO PAULO. É dizer que erramos todos esses anos, afirma juíza Renata Gil. Entrevista concedida ao Jornal
Folha de São Paulo. Disponível em: https://www.amb.com.br/em-entrevista-folha-de-s-paulo-renata-gil-afirma-
que-juiz-das-garantias-fere-constituicao/. Acesso em: 19 maio 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
40

haja vista que, assim, realmente fomentariam a promoção da justiça em sua


plena concepção.

Conclusão
Considerando todo o exposto neste estudo, pode-se concluir que o
sistema do juiz das garantias se mostra como uma reforma de significativa
magnitude na organização jurídico-penal como um todo: dos aspectos legais
à organização do próprio Poder Judiciário.
Entretanto, as preconizações constantes na legislação evidenciam o
que as modificações promovidas possuem interferências práticas negativas ao
fundamento basilar da promoção e garantia da imparcialidade do magistrado,
o que exalta as incongruências do sistema proposto e demonstra a suficiência
das diretrizes constitucionais e processuais já previstas na ordem jurídica
anterior à Lei nº 13.964/2019.
Nesse sentido, conclui-se que, no que concerne à vedação à iniciativa
do juiz durante a fase de investigação, a inovadora legislação parte do princípio
de proteção ao sistema acusatório, como se atuação dos magistrados estivesse
conformada aos moldes inquisitoriais.
A rigor, respeitosamente, não parece ser a visão mais adequada, haja vista
que a própria normatização infraconstitucional e constitucional já possui insti-
tutos suficientemente idôneos a assegurar a atividade imparcial do magistrado.
Ademais, sobre esses aspectos, o juiz das garantias demonstra não solu-
cionar os supostos problemas que teriam ensejado a proposta, haja vista que,
como fundamentado, a exemplo da produção e gerenciamento da prova, o juiz,
ao julgar o feito, estará adstrito aos elementos provados, submetidos ao crivo da
ampla defesa e contraditório e, nas hipóteses de apreciação diversa destes, já há no
ordenamento jurídico pátrio instrumentos para busca à modificação da decisão.
Por conta disso, em que pese sua respeitabilidade teórica e acadêmica,
não se revela producente a incorporação da teoria da dissonância cognitiva em
nosso ordenamento jurídico, pela implementação do sistema do juiz de ga-
rantias, porquanto, ainda que o magistrado supostamente estivesse tendente
à condenação ou à absolvição de um determinado acusado, caso sua sentença
seja contrária às provas produzidas nos autos, estará fadada à reforma pelo
juízo ad quem, diante do efeito devolutivo do recurso.
E mais: se o juiz está sujeito a ser influenciado pelos elementos informa-
tivos a ele apresentados durante a investigação, tendendo a refutar quaisquer
provas supervenientes em sentido contrário, tal circunstância também não
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 41

estaria presente no momento em que ele terá de decidir, por ser igualmente
competente, sobre o recebimento – ou não – da peça acusatória?
Por conta dessas reflexões, de se entender que o projeto limita deliberada
e infundadamente as atribuições e possibilidades do juiz no processo, mitigan-
do sua atuação em busca da justiça, sem prejuízo de onerar, desproporcional-
mente, os cofres públicos, ao impor a criação de uma figura que, a rigor, em
nada potencializa a eficiência da justiça criminal e, semelhantemente, muito
pouco tem a acrescer na promoção dos direitos fundamentais dos acusados.
Por esses e pelos fundamentos expostos durante todo o ínterim do
estudo, conclui-se que o juiz das garantias apresenta medidas ineficazes para
problemas que, provavelmente, ocorreram no passado e poderão ocorrer no
futuro e, assim como antes da promulgação da Lei nº 13.964/2019, foram
resolvidos conforme os institutos processuais penais e constitucionais já
existentes preteritamente à sua implementação.
Assim, a imposição do juiz das garantias além de não se mostrar ne-
cessária e eficaz, é excessivamente custosa e, principalmente, complexa, por
revelar uma excessiva burocratização do Poder Judiciário, do processo e da
justiça criminal.
Por isso, sugere-se, como contraponto à dispendiosa figura do juiz de
garantias, facultar aos Tribunais, ao crivo de sua discricionariedade, especifici-
dades e necessidades, a implementação de órgãos como os departamentos ou
centrais de inquérito, os quais poderiam, seguramente, figurar como provedores
de benefícios à persecução penal, como a celeridade, eficiência e a observância
às garantias do acusado, suficientemente apto ao aprimoramento da eficiência
da justiça criminal e à promoção dos direitos fundamentais do investigado.

TITLE: Guarantee judge: a critical analysis of the (in)effectiveness of the proposed system.

ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze the provisions referring to the system of the guarantee
judge incorporated in the national legal system with the promulgation of Federal Law no. 13,964/2019,
using, as a premise, the alleged guarantee of the impartiality of the judge. In this development, reflections
were proposed about the innovative legislation in the light of constitutional and under constitutional
recommendations already provided for in Brazilian law, analyzing the predictions regarding the judge’s
initiative during the investigation phase, going on to study the motivation, production and appreciation
of the evidence in criminal proceedings. The questions concerning the theory of cognitive dissonance
and, consequently, the appreciation of the competence of the court and the practical consequences of the
bureaucratization of the process were also faced. The paper concludes with the finding that the basis used
to implement the system of the guarantee judge collides with the instruments already provided for in the
current legislation and, because of that, it is ineffective and unnecessary. In methodological terms, the
reasoning is inductive, starting from the diffuse legal analysis to reach the conclusion.

KEYWORDS: Criminal Proceedings. Anticrime Law. Guarantee Judge. Judicial Impartiality.


Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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Referências
ANDRADE, Flávio da Silva. A dissonância cognitiva e seus reflexos na tomada da decisão judicial criminal.
Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 1.651-1.677, set./dez. 2019.
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL. Juiz das garantias: imprensa repercute resposta
da AMB à consulta pública do CNJ. Publicado em 13 jan. 2020, às 6h57, atualizado em 13 jan. 2020, às
19h59. Disponível em: https://www.amb.com.br/juiz-das-garantias-imprensa-repercute-resposta-da-amb-
consulta-publica-do-cnj/. Acesso em: 22 maio. 2020.
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Recebido em: 08.07.2020


Aprovado em: 23.07.2020
Doutrina

A Responsabilidade Penal por Omissão


do Chefe do Poder Executivo no Combate
à Epidemia Viral do Novo Coronavírus
(Covid-19)

Bruno Zanesco Marinetti Knieling Galhardo


Mestre em Direito da Saúde pela Universidade Santa Cecília;
Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Estácio
de Sá; Advogado Criminalista.

RESUMO: Diante de uma doença viral devastadora, que soma milhares de


pessoas mortas e doentes pelo mundo, medidas de ações positivas são exigidas
dos administradores públicos brasileiros, sobretudo, daqueles que estão à frente
do Poder Executivo, visando proteger a coletividade e combater o alastramento
do vírus mortal na sociedade brasileira. No dia 6 de fevereiro de 2020, entrou
em vigor a Lei nº 13.979/2020, dispondo sobre medidas para enfrentamento
da emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo
Coronavírus (Covid-19), a qual elenca uma série de medidas excepcionais que
podem ser adotadas pelos Chefes do Poder Executivo no combate ao vírus
(isolamento, quarentena, determinação compulsória de exames médicos, testes
laboratoriais, manejo de cadáver, etc.). Nesse sentido, tão importante quanto o
estudo e a efetiva adoção de ações positivas para o enfrentamento da situação de
emergência, é verificar se as omissões dos governantes – neste caso – possuem
relevância penal. Eis o que será verificado neste estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Coronavírus. Covid-19. Lei nº 13.979/2020. Omissão.


Epidemia.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Novo Coronavírus (Covid-19); 2.1 A Lei nº


13.979/2020 e as Medidas que Podem Ser Adotadas pelo Presidente da República,
Governadores e Prefeitos. 3 A Responsabilidade Penal por Omissão no Direito
Penal Brasileiro; 3.1 Da Diferenciação entre Crimes Comissivos e Omissivos;
3.2 Das Espécies de Crimes Omissivos. 4 O Crime de Epidemia, Previsto no
Art. 267 do Código Penal; 4.1 Conceituação Legal e Breves Considerações
Sobre a Infração Penal em Debate; 4.2 A Possibilidade de Responsabilização
por Omissão do Sujeito Ativo. 5 O Chefe do Poder Executivo Federal, Estadual
e Municipal e as Respectivas Responsabilidades em Relação à Saúde Pública
e o Combate ao Coronavírus (Covid-19); 5.1 A Responsabilidade Criminal
Omissiva do Presidente da República no Combate ao Coronavírus (Covid-19);
5.2 A Responsabilidade Criminal Omissiva dos Governadores de Estado e do
Distrito Federal no Combate ao Coronavírus (Covid-19); 5.3 A Responsabili-
dade Criminal Omissiva dos Prefeitos Municipais no Combate ao Coronavírus
(Covid-19). 6 Conclusões. 7 Referências.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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1 Introdução
O novo Coronavírus (Covid-19) demonstrou a força e os efeitos que
uma epidemia viral pode causar no sistema de saúde de um determinado país
ou região.
O vírus, que causa síndrome aguda respiratória grave, vitimou milhares
de pessoas pelo mundo e chegou ao Brasil ceifando muitas vidas, de pessoas
idosas a jovens, de pessoas com comorbidades preexistentes ou não, além
de causar déficit de vagas em unidades de terapia intensiva de vários estados
brasileiros (dado o grande número de doentes acometidos ao mesmo tempo),
acentuando a deficiência do já combalido sistema público de saúde do país.
Diante dessa situação excepcional vivida pelo Brasil, foi editada a Lei
nº 13.979/2020, que autorizou a adoção de inúmeras medidas pelo Presidente
da República, Governadores e Prefeitos, visando combater o vírus e evitar, ao
máximo, o adoecimento da população.
Dentre as medidas previstas na legislação, tem-se a restrição de direitos
fundamentais, como a liberdade de locomoção, determinação compulsória de
exames médicos, testes laboratoriais, manejo de cadáver, dentre tantas outras,
afinal, situações excepcionais exigem a adoção de medidas excepcionais.
Ocorre que a adoção de medidas deveras restritivas, como o fechamento
de comércios e a paralisação de determinadas atividades, causam problemas
para a economia, pessoas perdem empregos e famílias ficam sem sustento,
levando os administradores públicos a se omitirem nos cuidados com a saúde
pública (visando o resguardo da economia) e, por consequência, conduzindo
ao rápido alastramento do vírus.
Diante desse quadro instalado na sociedade, cabe verificar se a omissão
do Poder Executivo na adoção de medidas de combate ao novo Coronavírus
pode ensejar a responsabilidade penal do Presidente da República, dos Go-
vernadores e dos Prefeitos Municipais.

2 O Novo Coronavírus (Covid-19)


Os Coronavírus (CoV) são uma família viral, conhecida desde meados
da década de 1960, que causam infecções respiratórias em seres humanos e
animais. Em regra, infecções por coronavírus causam doenças respiratórias
leves a moderada, semelhantes a um resfriado comum.
O novo Coronavírus (Covid-19) faz parte dessa família de vírus e causa
síndrome respiratória aguda grave, podendo levar à morte. O primeiro alerta
emitido pela Organização Mundial da Saúde foi no dia 31 de dezembro de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 45

2019, após autoridades chinesas notificarem casos de uma misteriosa pneu-


monia na cidade de Wuhan, cidade chinesa com 11 milhões de habitantes (7ª
maior cidade da China e 42ª do mundo).
O país chinês em poucos meses somou milhares de pessoas infectadas
e pessoas mortas. A doença se espalhou pelo mundo, ceifando número as-
sustador de vítimas, dizimando populações.
A transmissão do vírus é extremamente fácil. Uma pessoa doente –
que pode estar inclusive assintomática – transmite para outra ou por contato
próximo através de toque do aperto de mão, gotículas de salivas, espirro,
tosse, catarro, objetos ou superfícies contaminadas, como celulares, mesas,
maçanetas, brinquedos, teclados de computador, etc.
Como já era esperado, o vírus chegou ao Brasil e de forma avassaladora
acometeu inúmeros brasileiros, fez muitas vítimas e exigiu dos governantes
brasileiros a adoção de medidas públicas de combate, a fim de evitar o adoe-
cimento e a morte da população.

2.1 A Lei nº 13.979/2020 e as Medidas que Podem Ser Adotadas


pelo Presidente da República, Governadores e Prefeitos
A Lei nº 13.979/2020 entrou em vigor e foi publicada no dia 6 de feve-
reiro de 2020, dispondo sobre as medidas para enfrentamento da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus
(Covid-19).
A mencionada lei traz conceitos distintivos para isolamento e quaren-
tena, bem como fornece medidas que podem ser adotadas pelos chefes do
Poder Executivo no combate ao vírus.
Dentre as medidas, que podem ser empregadas pelos citados agentes
políticos, estão: o isolamento, a quarentena, a determinação compulsória de
exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação
e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos, estudo
ou investigação epidemiológica, exumação, necropsia, cremação e manejo
de cadáver, restrição excepcional e temporária, conforme recomendação
técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por
rodovias, portos ou aeroportos de entrada e saída do País e locomoção
interestadual e intermunicipal, requisição de bens e serviços de pessoas
naturais e jurídicas, autorização excepcional e temporária para a importação
de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:
a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e b) previstos em ato do
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
46

Ministério da Saúde. Essas hipóteses estão previstas explicitamente no art.


3º da Lei nº 13.979/2020.
Ainda, segundo a supracitada lei federal (§ 7º do art. 3º), as medidas
acima detalhadas poderão ser adotadas pelo Ministério da Saúde e pelos
gestores locais de saúde, desde que algumas delas sejam autorizadas pela
mencionada pasta.
A lei de regência ora citada encontra amparo na Constituição Federal,
mais precisamente no art. 196, que estabelece a saúde como direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O art. 197 da Constituição Federal também reforça a legitimidade da
Lei nº 13.979/2020, ao prever competir ao Poder Público dispor sobre a re-
gulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde.
Destarte, no plano abstrato, a legislação cintila como uma estrela ca-
dente, prevendo inúmeras ações que podem ser adotadas pelos governantes
para o combate à pandemia do Coronavírus, inclusive, prevê hipóteses de
restrições de direitos fundamentais (como a liberdade de locomoção), dis-
pensa excepcional de licitação para contratação, possibilidade de contratação
com empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de
participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, ou seja, o
administrador público possui à disposição um leque de mecanismos excep-
cionais que facilitam sobremaneira a governabilidade para o enfrentamento
da crise de saúde pública.
Nesse contexto, indaga-se: existe alguma responsabilização criminal
aos Chefes do Poder Executivo se, a despeito da facilidade trazida pela Lei nº
13.979/2020, estes permanecem inertes (omissos) e deixam de adotar medidas
para o combate ao vírus?

3 A Responsabilidade Penal por Omissão no Direito Penal Brasileiro

3.1 Da Diferenciação entre Crimes Comissivos e Omissivos


A legislação penal brasileira prevê sanções criminais a condutas comis-
sivas e omissivas, a fim de tutelar bens jurídicos valiosos para a convivência
harmoniosa em sociedade.
O crime comissivo é a realização de uma ação, a efetiva prática, através
de um fazer, de uma conduta criminalizada pelo ordenamento jurídico. Por
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 47

exemplo, matar alguém (art. 121 do Código Penal), provocar aborto nas con-
dições proibidas pela legislação (arts. 124 a 126 do Código Penal), ofender a
integridade corporal de outrem (art. 129 do Código Penal), etc.
Nesse sentido, destaca-se a lição de Fernando de Almeida Pedroso:

“Crimes comissivos são aqueles que apresentam núcleo que, pela sua índole
e natureza, comporta forçosamente atuação de aspecto positivo. Elemento
nuclear comissivo, por via de consequência, é o que pressupõe a movimen-
tação física e corpórea do agente no mundo exterior, um desprendimento
de sua energia destinado à realização da ação típica. Há mister, em casos
tais, como condição indeclinável para a realização da conduta incriminada,
que o sujeito ativo aja ostensivamente no plano fenomênico. Deve ele fazer
alguma coisa e proceder de forma positiva para a concreção da conduta
punível. Tem que desenvolver comportamento dinâmico endereçado à
concretização do núcleo típico, denotando fisicidade para o mister.”1

Por outro lado, nos crimes omissivos ocorre o inverso dos comissivos,
ou seja, os bens jurídicos podem ser tutelados com a criminalização de uma
inércia por parte do agente. Houve um não fazer do agente que ensejou a
resposta penal.
Basicamente, o crime omissivo criminaliza a inação do agente, quando
estava juridicamente obrigado e lhe era possível agir naquele contexto fático.
Exemplificativamente, deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo
sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida
ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses
casos, o socorro da autoridade pública (art. 135 do Código Penal), deixar o
médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compul-
sória (art. 269 do Código Penal).
Segundo o escólio de Rogério Sanches Cunha, o crime omissivo é: “a
não realização (não fazer) de determinada conduta valiosa (comportamento
ideal) a que o agente estava juridicamente obrigado e que lhe era possível
concretizar. Viola um tipo mandamental”2.
Em resumo, os crimes comissivos violam os tipos proibitivos, isto é,
o agente realiza a conduta que o tipo penal proíbe. Lado outro, os crimes
omissivos violam o tipo mandamental, ou seja, o agente não realiza o que o
tipo penal manda e, portanto, este acaba por ser violado por omissão.

1 PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito penal: parte geral. São Paulo: Método, 2008. p. 127-128.
2 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). Salvador: Juspodivm, 2020. p.
286.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
48

3.2 Das Espécies de Crimes Omissivos


Dentro do gênero “crimes omissivos”, decorrem duas espécies de clas-
sificações: a) o crime comissivo próprio; e b) o crime comissivo impróprio.
O crime omissivo próprio, também chamado de “puro”, decorre da
violação de um dever genérico de agir dirigido a todos (dever de solidariedade).
O agente descumpre a norma imperativa que determina a ação, a atuação do
agente para afastar o perigo.
O crime de omissão de socorro (art. 135 do Código Penal) é um exem-
plo clássico. A situação de perigo existia, a norma imperativa determinando
a atuação também, porém, o agente permaneceu inerte, consumando-se,
portanto, o crime previsto no Diploma Penal.
Já o crime omissivo impróprio, também chamado de impuro ou comis-
sivo por omissão, a devida ação do agente não decorre de um dever genérico,
do dever de solidariedade, mas do dever jurídico especial que possui para
evitar o resultado.
Em outras palavras, ao contrário do que ocorre no crime omissivo
próprio, não basta apenas a abstenção de comportamento pelo agente, sendo
necessária a presença desse especial vínculo – a obrigação de agir para impedir
a ocorrência do resultado.
Em termos esquemáticos, se nos crimes omissivos próprios a norma
mandamental decorre do próprio tipo penal, ao revés, na omissão imprópria
ela decorre de cláusula geral prevista no art. 13, § 2º, do Código Penal, norma
de regência que estabelece as hipóteses em que alguém possui o dever jurídico
de impedir o resultado, in verbis:

“§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia


agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do re-


sultado.”

Nesse caso, o omitente não responde apenas pela omissão, mas também
pelo resultado produzido, salvo se este não lhe puder ser atribuído por dolo
ou culpa.
Sob essa acepção doutrina Fernando Capez:
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 49

“o agente tinha o dever jurídico de agir, ou seja, não fez o que deveria ser
feito. Há, portanto, a norma dizendo o que ele deveria fazer, passando
a omissão a ter relevância causal. Como consequência, o omitente não
responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado
produzido, salvo se este não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa.”3

Em sentido diverso do crime omissivo puro (próprio), nas hipóteses de


omissão impura (imprópria), o tipo penal transgredido pelo agente descreve
conduta comissiva, respondendo o agente pelo resultado.
Nessa esteira, Rogério Sanches Cunha esclarece citando exemplo:
“O omitente conquista o evento comissivamente incriminado por meio
de um não fazer, de uma abstenção ou omissão. Da mesma forma que se
pode matar uma criança por meio de asfixia, também é possível chegar a
esse mesmo resultado porque se deixa de socorrê-la (omissão). Se o omi-
tente tinha o dever jurídico de impedir a morte do menor, responderá por
homicídio (e não simples omissão de socorro).”4

Acresça-se ao exemplo citado pela doutrina, o exemplo do médico que,


ciente do estado de saúde debilitado da vítima, que necessita de cuidados mé-
dicos, se omite na prestação desses cuidados, abandonando o plantão (TJSP,
Apelação Criminal 0000173-67.2013.8.26.0584, Rel. Lauro Mens de Mello,
6ª Câmara de Direito Criminal, Foro de São Pedro, 1ª Vara, j. 17.03.2020,
data de registro: 17.03.2020).
Destarte, eis as espécies de crimes omissivos existentes em nosso
ordenamento jurídico penal, cujos conceitos serão importantíssimos para o
desenvolvimento deste trabalho.

4 O Crime de Epidemia, Previsto no Art. 267 do Código Penal


4.1 Conceituação Legal e Breves Considerações Sobre a Infração
Penal em Debate
O crime de epidemia está inserido no Código Penal, no capítulo dos
crimes contra a saúde pública.
O art. 267 do Diploma Penal assim prevê:
“Art. 267. Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena – reclusão, de dez a quinze anos.

3 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 165.
4 Ob. cit., p. 288.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
50

§ 1º Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se


resulta morte, de dois a quatro anos.”

Segundo assevera Rogério Sanches Cunha5, esse crime passou a fazer


parte de diversos ordenamentos jurídicos após a Primeira Guerra Mundial,
período em que foram utilizados, como “armas”, germes patogênicos em
combate, prática que, posteriormente, restou vedada por convenções inter-
nacionais, e que não se repetiu na Segunda Guerra.
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse crime, não exigindo
qualquer condição especial do agente. O sujeito passivo, primariamente, é a
coletividade, a higidez da saúde pública e, secundariamente, aqueles que forem
atingidos pela disseminação dos germes patogênicos. A conduta criminosa
consiste em “causar” epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos.
Conforme ensina Rogério Greco, o núcleo “causar” é utilizado no texto legal
no sentido de “produzir”, “originar”, “provocar” a epidemia6.
Já a epidemia é o surto de uma doença transitória que surge rapida-
mente e ataca simultaneamente um grande número de pessoas, conforme
lembra o supracitado jurista: “Por epidemia deve ser entendida uma doença
que surge rapidamente em determinado lugar e acomete simultaneamente
grande número de pessoas”7.
Outrossim, conveniente destacar o alerta de Fragoso sobre o vocábulo
epidemia empregado na lei:

“Não é qualquer moléstia infecciosa e contagiosa, mas somente aquela sus-


cetível de difundir-se na população, pela fácil propagação de seus germes, de
modo a atingir, ao mesmo tempo, grande número de pessoas, com caráter
extraordinário (ex.: tifo, peste, poliomielite, influenza, raiva, difteria, etc.).”8

Por sua vez, germes patogênicos são, na lição de Bento de Faria, se-
guindo a exposição de motivos do Código Penal italiano, “todos os elementos
capazes de produzir moléstias infecciosas (bacilos ou quaisquer outros micro-
organismos com esse poder), pouco importando que já estejam biologicamente

5 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). Salvador: Juspodivm, 2020. p.
696.
6 GRECO, Rogério. Código Penal comentado. Niterói: Impetus, 2019. p. 1.034.
7 Ob. cit., p. 1.034.
8 Apud CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). Salvador: Juspodivm, 2020.
p. 696.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 51

identificados”9. Exemplificativamente, o Covid-19 (Coronavírus) também


pode ser considerado um germe patogênico. A consumação do delito ocorre
quando várias pessoas forem contaminadas em razão da conduta do agente.
O § 1º do tipo penal prevê a aplicação da pena em dobro se do fato
praticado pelo agente resultar morte culposa, sendo esta figura majorada
considerada crime hediondo, conforme disposição do art. 1º, inciso VII, da
Lei nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos). Recorda-se que basta a morte
de apenas uma pessoa para que a pena seja majorada nos termos do § 1º do
art. 267 do Código Penal.
Sob essa acepção, importante destacar, ainda, a lição de Luiz Regis Prado:
“Não se pode olvidar, no entanto, que nem sempre a morte é causada somente
pela doença. Pode ser que existam fatores que possibilitem a sua ocorrência.
Mas nem por isso o autor deixa de ser responsabilizado”10. Há previsão também
da modalidade culposa, no § 2º do mencionado dispositivo legal.

4.2 A Possibilidade de Responsabilização por Omissão do Sujeito Ativo


É pacífica na doutrina a possibilidade de consumação do delito de epi-
demia na forma omissiva imprópria. Nesse sentido, segundo Guilherme de
Souza Nucci, o delito de epidemia pode ser praticado quando o agente tem
o dever jurídico de evitar o resultado, nos termos do art. 13, § 2º, do Código
Penal, in verbis:

“comissivo (o verbo implica ação) e, excepcionalmente, omissivo impróprio


ou comissivo por omissão (quando o agente tem o dever jurídico de evitar
o resultado, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal).”11

No mesmo sentido doutrina Delmanto: “A propagação geradora de


epidemia pode se dar tanto por ato comissivo quanto por ato omissivo (neste
caso, somente nas hipóteses em que o agente devia e podia agir para evitar o
resultado – CP, art. 13, § 2º)”12.
Em termos esquemáticos, portanto, é unívoco a possibilidade de res-
ponsabilização do agente pelo delito previsto no art. 267 do Código Penal na
forma omissiva imprópria.

9 Apud, ob. cit., p. 697.


10 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. São Paulo: RT. p. 699.
11 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1.310.
12 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 680.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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5 O Chefe do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal e as


Respectivas Responsabilidades em Relação à Saúde Pública e o
Combate ao Coronavírus (Covid-19)
É uma obviedade que a chefia do Poder Executivo Federal compete
ao Presidente da República, nos termos do art. 76 da Constituição Federal,
auxiliado pelos Ministros de Estado.
Por simetria, o Poder Executivo Estadual é exercido pelos respectivos
Governadores de Estado e do Distrito Federal, auxiliados pelos Secretários.
E, por fim, também com base no mesmo princípio, o Poder Executivo Mu-
nicipal compete aos Prefeitos na circunscrição de cada município, auxiliados
pelos Secretários.
Sendo assim, passemos à análise das responsabilidades desses agentes
políticos, no âmbito da saúde pública (campo de estudo que interessa para o
deslinde deste trabalho), quando do combate ao novo Coronavírus (Covid-19).

5.1 A Responsabilidade Criminal Omissiva do Presidente da


República no Combate ao Coronavírus (Covid-19)
Segundo pontua o art. 84, inciso II, da Carta Magna, compete ao Presi-
dente da República “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção
superior da administração federal”.
Eis aqui a atribuição por excelência da chefia do Poder Executivo Fede-
ral, pois dirigir a Administração Federal, dirigir o país, estabelecer as políticas
públicas prioritárias, é a principal atribuição do Presidente da República.
Sob este ponto, afirma o constitucionalista Flávio Martins:

“II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da


administração federal. Esse inciso é a essência principal da atribuição do
Presidente, enquanto Chefe de Governo. Cabe, portanto, ao Presidente
estabelecer quais as políticas públicas prioritárias, levando-se em conta os
parâmetros constitucionais mínimos, bem como as diretrizes da Adminis-
tração Pública, ao lado de seus ministros.”13

Nesse sentido, compete ao Presidente da República, auxiliado pelo Mi-


nistro da Saúde, o estabelecimento de políticas públicas de combate e controle
dos riscos epidemiológicos que possam levar ao adoecimento da população,
detentora do direito social à saúde (art. 6º da Constituição Federal).

13 MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. São Paulo: RT, 2017. p. 1.458.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 53

Nessa toada, indubitavelmente incide, sobre o Poder Público, a obri-


gação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe pro-
mover, em favor das pessoas, medidas – preventivas e de recuperação – que,
fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar
concretude ao que determina a Constituição Federal, no art. 196, conforme
tem sido asseverado de forma recorrente pelo Supremo Tribunal Federal:

“O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQUÊNCIA CONS-


TITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. O direito
público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da Repú-
blica (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por
cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a
quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas
idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário
à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além
de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas
– representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.
O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação
no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indife-
rente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que
por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A
INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCON-
SEQUENTE. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem,
no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não
pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o
Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletivi-
dade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável
dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado.” (RE 393.175-AgR/RS,
Rel. Min. Celso de Mello)

Nesse sentido, destacam-se as palavras do Ministro Celso de Mello,


da Colenda Suprema Corte:

“Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconheci-


mento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples
declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado
e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito
– como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
54

decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de


prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.”14

Observe-se que o art. 85, inciso III, da Constituição Federal institui ser
crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem
contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais.
De igual modo, a lei federal específica que trata dos crimes de respon-
sabilidade do Presidente da República (Lei nº 1.079/1950), no art. 4º, inciso
III, também traz a mesma disposição, no sentido de criminalizar os atos do
Chefe do Poder Executivo Federal que atentem contra o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais. Nesse sentido, especificamente o Direito à
Saúde é um direito social, segundo previsão do art. 6º da Constituição Federal.
Portanto, qualquer conduta comissiva ou omissiva do Presidente da
República que atente contra a saúde pública (direito social garantido cons-
titucionalmente) configura crime de responsabilidade, passível, assim, de
impeachment. Sob esse prisma, cabe distinguir, brevemente, a diferença entre
crimes comuns e crimes de responsabilidade.
Ora, nos regimes democráticos não existe governante acima da lei, ir-
responsável, ao contrário do que previa, em plena monarquia, a Constituição
brasileira de 1824, no art. 99, “a pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada:
Elle não está sujeito a responsabilidade alguma”15. Portanto, a Constituição
Federal de 1988, democrática, como sói poderia ocorrer, previu a responsabi-
lidade do Presidente da República nos chamados crimes de responsabilidade,
ficando o Chefe do Poder Executivo Federal sujeito a sanções de perda do
cargo.
Assim, crimes de responsabilidade são aqueles previstos no art. 85 da
Constituição Federal (e na Lei nº 1.079/1950), as chamadas infrações políticas;
enquanto os crimes comuns são aqueles previstos na legislação penal comum
ou especial.
Nesse palmilhar, leciona o inigualável constitucionalista José Afonso
da Silva:

“O Presidente da República poderá, pois, cometer crimes de responsabilida-


de e crimes comuns. Estes definidos na legislação penal comum ou especial.
Aqueles distinguem-se em infrações políticas: atentando contra a existência
da União, contra o livre-exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário

14 AI 759.543 AgR, Rel. Min. Celso de Mello.


15 MARTINS, Flávio. Ob. cit., p. 1.469.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 55

ou do Ministério Público e dos Poderes Constitucionais das unidades da


Federação, contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais,
contra a segurança interna do país (art. 85, I-IV), e crimes funcionais,
como atentar contra a probidade da administração, a lei orçamentária e o
cumprimento das leis e das decisões judiciais (art. 85, V-VII)”.16

In casu, considerando o interesse de estudo do trabalho, cabe ponderar


que, se o Presidente da República se omite no combate ao novo Coronavírus
(Covid-19), não adotando medidas que protejam a população do adoecimen-
to (algumas delas previstas na Lei nº 13.979/2020), segundo a Constituição
Federal (analisando a letra fria da Carta Magna, sem qualquer juízo de valor),
poderá ele sofrer processo de impeachment pela prática de ato omissivo aten-
tatório contra o direito social à saúde.

5.2 A Responsabilidade Criminal Omissiva dos Governadores de


Estado e do Distrito Federal no Combate ao Coronavírus (Covid-19)
Todas as constatações a respeito da competência do Presidente da Re-
pública são totalmente aplicáveis, por simetria, aos Governadores de Estado
e do Distrito Federal, porém, no âmbito dos governos estaduais e distrital.
Assim, compete a esses agentes políticos estaduais e distrital (auxiliados
pelos Secretários de Saúde), no âmbito da saúde pública (e das demais pastas
governamentais), o estabelecimento das políticas prioritárias, a destinação de
recursos para o desempenho dos serviços de saúde, bem como a estratégia
para combate aos riscos epidemiológicos, inclusive aqueles atinentes ao novo
Coronavírus (Covid-19).
Tal como o Presidente da República e os Ministros de Estado, os
Governadores dos Estados e do Distrito Federal e os respectivos Secretários
também respondem pelos crimes de responsabilidade previstos na Lei Federal
nº 1.079/1950, por força do art. 74 da mencionada legislação.
No bojo da alvitrada lei federal, também é previsto como crime de res-
ponsabilidade dos Governadores os atos comissivos e omissivos que atentem
contra os direitos sociais, no caso, a saúde pública.
Destarte, segundo a legislação em vigor, configura crime de responsa-
bilidade dos agentes políticos estaduais e distrital, qualquer ação ou omissão
capaz de atentar contra a saúde pública, inclusive a inércia no combate ao
novo Coronavírus (Covid-19).

16 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 550-551.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
56

5.3 A Responsabilidade Criminal Omissiva dos Prefeitos Municipais


no Combate ao Coronavírus (Covid-19)
Aos Prefeitos Municipais compete a administração pública dos res-
pectivos municípios. Especificamente no que concerne à saúde pública, o art.
30, inciso VII, da Constituição Federal prevê ser competência dos municípios
“prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços
de atendimento à saúde da população”.
Aliás, é reconhecida aos municípios a obrigação de ampliação e melho-
ria no atendimento à população que necessita dos serviços de saúde pública,
razão por que os arts. 196 e 197 da Constituição da República devem ser
cumpridos também pelos entes municipais, conforme já decidiu o Supremo
Tribunal Federal:

“AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO ATENDIMENTO À POPULAÇÃO


NO HOSPITAL MUNICIPAL SOUZA AGUIAR. DEVER ESTATAL DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE RESULTANTE DE NORMA CONSTITU-
CIONAL. OBRIGAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL QUE SE
IMPÕE AOS MUNICÍPIOS (CF, ART. 30, VII). CONFIGURAÇÃO, NO
CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ. DESRES-
PEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL
(RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AU-
TORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-
796). A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMEN-
TO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO
DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO
QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). O
PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍ-
TICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO
EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA
DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS
DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGI-
TIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS
DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO
PODER PÚBLICO. A TEORIA DA ‘RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES’
(OU DA ‘LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES’). CARÁTER COGENTE E
VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE
DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICU-
LAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE
NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197). A QUESTÃO DAS
‘ESCOLHAS TRÁGICAS’. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES IN-
CONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL
FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 57

E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO


JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. CONTROLE JURISDICIONAL
DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. ATIVI-
DADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS
CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL,
PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTE-
ÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO). DOUTRINA.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA
DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS
NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-
1213 – RTJ 199/1219-1220). EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE
RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRU-
MENTO PROCESSUAL ADEQUADO À PROTEÇÃO JURISDICIO-
NAL DE DIREITOS REVESTIDOS DE METAINDIVIDUALIDADE.
LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129,
III). A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
COMO ‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART. 129, II). DOUTRINA.
PRECEDENTES. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.” (STF, AI
759.543 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 17.12.2013)

Destarte, a omissão do poder público municipal no estabelecimento


de medidas que garantam ampliação e melhoria no atendimento à população
também viola o direito social à saúde.
No entanto, será que essa omissão dos prefeitos municipais, quando o
município está sofrendo com grave crise de saúde em razão da proliferação
do novo Coronavírus, configura crime de responsabilidade, crime comum
ou fato atípico?
Com efeito, a Constituição Federal, no art. 29, § 2º, define os crimes
de responsabilidade do Prefeito Municipal, a saber:

“§ 2º Constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal:

I – efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo;

II – não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou

III – enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária.”

Perceba que, diferentemente do que ocorre com o Presidente da Re-


pública e com os Governadores, não existe a previsão constitucional, para
os Prefeitos Municipais, de crime de responsabilidade por atos atentatórios
contra os direitos sociais ou contra o direito à saúde.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
58

Na mesma toada, o Decreto-Lei nº 201/67, que estabelece sobre os


crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores, também não contém
essa previsão específica.
Nesse sentido, indaga-se: será possível que, com base no princípio da
simetria com as regras estabelecidas ao Presidente da República e aos Gover-
nadores dos Estados, seja considerado crime de responsabilidade do Prefeito
Municipal os atos omissivos no combate ao novo Coronavírus (atentatórios,
portanto, à saúde pública) ou os prefeitos responderiam por crime comum,
ou, quem sabe, seria fato atípico?
Segundo Hely Lopes Meirelles, autor do projeto que culminou na edi-
ção do Decreto-Lei nº 201/67, o Prefeito Municipal apenas poderá responder,
como autoridade municipal, pelos crimes de responsabilidade expressamente
previstos e tipificados no mencionado decreto, bem como pelos crimes fun-
cionais descritos no Código Penal (arts. 312 a 326).

“O prefeito, como autoridade municipal, só poderá incidir nos crimes de


responsabilidade expressamente previstos e tipificados no Decreto-Lei nº
201, de 27.02.67, mas como agente público poderá também ser responsabi-
lizado pelos crimes funcionais definidos no Código Penal, que não estejam
absorvidos pelos crimes de responsabilidade equivalentes, ou seja, pelos
crimes funcionais não cogitados pela lei especial. Poderá, ainda o prefei-
to, praticar os crimes de abuso de autoridade definidos na Lei nº 4.898,
de 09.12.65, e, como qualquer pessoa, cometer crimes especiais, crimes
comuns e contravenções penais, respondendo com ou sem prerrogativas
processuais, como veremos no decorrer desta exposição.”17

Portanto, de acordo com Meirelles, no caso de epidemia enfrentada


pelo município e inércia do Chefe do Poder Executivo, este não responderia
por crime algum. Ora, se não existe tipificação legal no citado Decreto e
considerando não estar o crime de epidemia (art. 267 do Código Penal) tipi-
ficado dentre os crimes funcionais previstos no Código Penal, o fato deve ser
considerado atípico, não cabendo a imposição de qualquer sanção ao inerte
Prefeito Municipal, em plena crise de saúde pública.
Entretanto, essa conclusão pode ser desarrazoada sob o prisma do
princípio da proibição da proteção deficiente, pois há um dever de proteção
do Estado no sentido de tutelar o direito da população à hígida saúde pública.

17 MEIRELLES, Hely Lopes. Responsabilidades do prefeito. Revista de Direito Administrativo, n. 128, p. 36/52, abr./jun.
1977. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/42297/41014. Acesso em: 10
maio 2020.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 59

Sobre o alvitrado princípio consigna Gecivaldo Vasconcelos Ferreira,


citando Maria Luiza Schafer Streck:

“Portanto, o Estado Democrático de Direito não exige mais somente uma


garantia de defesa dos direitos e liberdades fundamentais contra o Estado,
mas também uma defesa contra qualquer poder social de fato! Estamos
falando, então, nas palavras de Dieter Grimm, da proibição de ‘ir longe
demais’ (Übermassvebot), em contraponto com a proibição de ‘fazer muito
pouco’ (Untermassverbot), ambos mecanismos semelhantes, porém, vistos
de ângulos diferentes. Daí que ‘quando um direito é invocado como di-
reito negativo a questão é saber se o legislador foi longe demais. Quando
é invocado como direito positivo ou dever de proteção (Schutzpflicht); a
questão é saber se ele fez muito pouco para proteger o direito ameaçado’.
Assim, só haverá a possibilidade de se reconhecer a proibição de proteção
deficiente quando se estiver em face a um dever de proteção, isto é, para
explicar melhor, a Untermassverbot tem como condição de possibilidade o
Schutzpflicht.”18

Seguindo essa linha de raciocínio, no caso vertente – a omissão do


Prefeito Municipal que vivencia, em sua cidade, grave crise de saúde pública
em razão do novo Coronavírus, e se omite no dever de agir –, deve o Pre-
feito Municipal responder, com base no princípio da simetria, por crime de
responsabilidade ou crime comum?
Veja, o crime de responsabilidade somente seria possível com o empre-
go de analogia à Lei nº 1.079/1950. Entretanto, a analogia é vedada quando
ocorre in malam partem. Dessa forma, sem olvidar, outrossim, do princípio
da anterioridade e da reserva legal – que estabelecem a obrigatoriedade de lei
anterior, em sentido formal, para que um fato seja considerado crime –, no
mínimo, criticável, o uso da analogia nesse caso.
Lado outro, tem-se que o art. 267 do Código Penal encontra perfeita
subsunção à omissão fática verificada em tela. Embora não seja um dos cri-
mes funcionais previstos no Diploma Penal, teria sido, in casu, praticado no
exercício do mandato e com ele guardado estreita relação.
No entanto, a responsabilização por esse crime comum dependerá do
atendimento de certos critérios, por se tratar de crime de perigo concreto (e
não abstrato).
Sob esse prisma, colaciona-se a lição de Delmanto:

18 FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Princípio da proibição da proteção deficiente. A outra face do garantismo.
Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2273, 21 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/
artigos/13542. Acesso em: 10 maio 2020.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
60

“deve o fato efetivamente ter colocado em risco a incolumidade pública,


resultado este que não pode se dar por presunção do legislador (não pode
haver punição por presunção) (...) Trata-se, pois, de perigo concreto, que
deve efetivamente colocar em risco um número indeterminado de pessoas
(perigo comum).”19

Vicente de Paula Rodrigues Maggio, em obra coordenada pelo saudoso


Professor Luiz Flávio Gomes, citando Cezar Roberto Bitencourt, corrobora
a exposição de Delmanto ao sustentar que o delito é de perigo concreto, de
modo que deve restar esclarecido através de perícia técnica:

“(1) os meios utilizados para a propagação dos germes patogênicos; (2)


se os meios utilizados eram realmente idôneos para causar a epidemia;
(3) a constatação de que a epidemia não decorre de mero evento natural,
mas é resultado da ação humana e dos respectivos meios utilizados pelo
agente para a propagação dos germes patogênicos (relação de causalidade
e relação de risco).”20

Assim, atendidos a tais critérios, poderá o Prefeito Municipal ser res-


ponsabilizado pelo crime de epidemia (art. 267 do Código Penal) por se omitir
no combate à proliferação do novo Coronavírus (Covid-19).

6 Conclusões
O Brasil vive uma situação jamais enfrentada anteriormente, o combate
a um vírus mortal, de rápida e fácil proliferação, que tem ceifado muitas vidas.
Além de acentuar as deficiências do já combalido sistema de saúde pública
brasileiro, o novo Coronavírus (Covid-19) ainda fez outra vítima: a economia
do País. Se medidas de isolamento social e de restrição à abertura de comér-
cios e desenvolvimento de atividades econômicas são adotadas pelo Poder
Executivo visando eliminar ou, ao menos, diminuir a incidência do vírus na
sociedade, de outro lado, a economia do Brasil entra em recessão (empresas
fecham e pessoas perdem empregos).
Essa “escolha de Sofia” pode levar o Presidente da República, Governa-
dores e Prefeitos a priorizarem a economia e omitirem-se nos cuidados com a
saúde pública, levando ao alastramento do vírus e o adoecimento da população.
Nesse sentido, tanto a Constituição Federal, a Lei nº 1.079/1950, como
o Código Penal preveem a possibilidade de responsabilização penal dos chefes

19 Ob. cit., p. 680.


20 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Curso de direito penal: parte especial (arts. 213 a 288-A). Salvador: Juspodivm,
2015. p. 250.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 61

dos Poder Executivo em cada âmbito da Federação por atos omissivos que
atentem contra a saúde pública – direito social do cidadão (art. 6º da Consti-
tuição Federal) e causem a propagação do vírus da Covid-19.
Entretanto, como se viu, a legislação brasileira tende a punir mais facil-
mente o Presidente da República e os Governadores, em virtude da expressa
previsão legal de crimes de responsabilidade para a hipótese.
Com relação aos Prefeitos, diante da lacuna legislativa (não há previsão
para esse tipo de omissão no Decreto-Lei nº 201/67), a punição deve ocorrer
através do art. 267 do Código Penal (epidemia), na forma omissiva imprópria,
desde que atendidos a três critérios: (1) os meios utilizados para a propagação
dos germes patogênicos; (2) se os meios utilizados eram realmente idôneos
para causar a epidemia; e (3) a constatação de que a epidemia não decorre
de mero evento natural, mas é resultado da ação humana e dos respectivos
meios utilizados pelo agente para a propagação dos germes patogênicos (re-
lação de causalidade e relação de risco), conforme doutrina Vicente de Paula
Rodrigues Maggio.
A grande dificuldade na responsabilização penal do Prefeito Munici-
pal pela omissão no enfrentamento do novo Coronavírus (Covid-19) seria
constatar que a epidemia no município ocorreu justamente em razão do ato
omissivo, pois, caso ela (epidemia) tivesse ocorrido de qualquer jeito, mesmo
com a adoção de medidas pelo administrador, não poderá ele ser responsabi-
lizado pelo tipo penal em debate.
Por uma questão de equidade, esses mesmos critérios devem ser se-
guidos na responsabilização do Presidente da República e dos Governadores
por crime de responsabilidade. Em outras palavras, deve estar plenamente
demonstrado nos autos: (1) os meios utilizados para a propagação dos germes
patogênicos; (2) se os meios utilizados eram realmente idôneos para causar a
epidemia; e (3) a constatação de que a epidemia não decorre de mero evento
natural, mas é resultado da ação humana e dos respectivos meios utilizados
pelo agente para a propagação dos germes patogênicos (relação de causalidade
e relação de risco).

TITLE: The criminal liability for omission of the executive branch chief in combating the viral epidemic
of the new coronavirus (COVID-19).

ABSTRACT: In light of devastating viral disease, which culminate in thousands of dead and sick people
around the world, positive measures are required from the Brazilian public administrators, especially from
those who are at the head of the Executive Branch, aiming to protect the collective and combat the spread
of the deadly virus in Brazilian society. On February 6th, 2020, Law no. 13,979/2020 entered into force,
providing measures to address the public health emergency of national importance resulting from the new
Coronavirus (COVID-19), which lists a series of exceptional measures that can be adopted by the Heads
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
62

of the Executive Branch in the fight against the virus (isolation, quarantine, compulsory determination of
medical examinations, laboratory tests, management of cadavers, etc.). Therefore, as important as the study
and the effective adoption of positive actions to cope with the emergency situation, is to verify whether the
omissions of the rulers – in this case – have criminal relevance. Here’s what will be verified in this study.

KEYWORDS: Coronavirus. COVID-19. Law no. 13,979/2020. Omission. Epidemic.

7 Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. O que é Covid-19. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-
a-doenca#o-que-e-covid. Acesso em: 13 maio 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). Salvador: Juspodivm, 2020.
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sp.gov.br/resources/cve-centro-de-vigilancia-epidemiologica/areas-de-vigilancia/doencas-de-transmissao-
respiratoria/coronavirus.html. Acesso em: 13 maio 2020.
FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Princípio da proibição da proteção deficiente. A outra face do ga-
rantismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2273, 21 set. 2009. Disponível em:
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GLOBO.COM. Qual é a origem do novo coronavírus? G1. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/
coronavirus/noticia/2020/02/27/qual-e-a-origem-do-novo-coronavirus.ghtml. Acesso em: 13 maio 2020.
GRECO, Rogério. Código Penal comentado. Niterói: Impetus, 2019.
MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Curso de direito penal: parte especial (arts. 213 a 288-A). Salvador:
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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito penal: parte geral. São Paulo: Método, 2008.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. São Paulo: RT.
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TANGERINO, Dayane Fanti. No cargo ou fora dele: crime de responsabilidade dos prefeitos. Canal
Ciências Criminais. Disponível em: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/479445723/no-
cargo-ou-fora-dele-crime-de-responsabilidade-dos-prefeitos. Acesso em: 10 maio 2020.

Recebido em: 15.05.2020


Aprovado em: 26.06.2020
Doutrina

O Alcance da Hediondez no Crime de Extorsão

Oswaldo Henrique Duek Marques


Livre-Docente e Professor Titular em Direito Penal da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutor em
Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público
de São Paulo; Consultor e Parecerista Jurídico.

Paulo Henrique Aranda Fuller


Doutorando e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; Juiz de Direito (2005-
2014); Advogado; Professor de Direito Processual Penal e
Legislação Penal Especial no Damásio Educacional.

RESUMO: No presente artigo, analisamos as situações nas quais o crime de


extorsão (art. 158 do CP) pode ser considerado crime hediondo, nos termos
do art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.072, de 1990, com a redação dada pela Lei
Anticrime (nº 13.964/2019). Nesta pesquisa, discorremos sobre o crime de
extorsão, em suas formas majoradas e qualificadas, para, na sequência, fazermos
uma interpretação gramatical e sistemática, por meio de um estudo comparativo
dessa infração com o crime de roubo. Ao final, apresentamos nossas conclusões
e sugestões legislativas sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Extorsão. Crime Hediondo. Lei Anticrime. Roubo.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Da Extorsão. 2 Da Extorsão como Crime Hediondo;


2.1 Da Interpretação Gramatical do Inciso III do Art. 1º da Lei nº 8.072/90; 2.2
Da Interpretação Sistemática do Inciso III do Art. 1º da Lei nº 8.072/90; 2.3
Sugestões Legislativas para Aperfeiçoar a Definição Legal da Hediondez no
Crime de Extorsão (Art. 158 do CP). 3 Conclusões. 4 Referências Bibliográficas.

Introdução
O presente artigo objetiva analisar as situações nas quais o crime de extor-
são (art. 158 do CP) pode ser considerado hediondo, com base na redação deter-
minada pela Lei Anticrime (nº 13.964/2019), que alterou o inciso III do art. 1º da
Lei nº 8.072/90, para considerar hedionda a “extorsão qualificada pela restrição
da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º)”.
Essa redação pode gerar algumas dúvidas para o intérprete. De fato, ficaria
configurada a hediondez da extorsão qualificada apenas pela restrição da liber-
dade do ofendido, sem lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º, primeira parte,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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do CP)? Ou, ainda, seria hedionda a extorsão com lesão corporal ou morte, sem
restrição da liberdade do ofendido, em face da ausência de menção expressa ao
art. 158, § 2º, do Código Penal? A mera lesão corporal de natureza leve, resul-
tante da violência na extorsão, seria suficiente para configurar crime hediondo?
Para dirimir essas dúvidas, nosso artigo se inicia com a análise do crime
de extorsão, bem como de suas formas majoradas e qualificadas, para, na se-
quência, apreciarmos as situações de hediondez desse crime, de acordo com
a redação dada pela Lei Anticrime (nº 13.964/2019) ao inciso III do art. 1º da
Lei nº 8.072/90. Ao final, faremos uma síntese de nossas principais conclusões.

1 Da Extorsão
O crime de extorsão está previsto no art. 158, caput, do Código Penal
vigente com a seguinte definição: “Constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida
vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma
coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa”. De acordo com o § 1º
desse dispositivo, “se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com
emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade”. Nos termos
do § 2º do mesmo artigo, “aplica-se à extorsão praticada mediante violência
o disposto no § 3º do artigo anterior”, que comina pena de sete a 18 anos de
reclusão, se resultar em lesão corporal grave, e de 20 a 30 anos de reclusão,
se a consequência for morte, sem prejuízo da multa em ambos os casos (art.
157, § 3º, I e II, do CP).
O § 3º do art. 158 do Código Penal, incluído pela Lei nº 11.923/09, dispõe
que se a extorsão é cometida “mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa
condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de re-
clusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave
ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente”.
Diante das circunstâncias qualificadoras contidas no § 2º do art. 158 do
Código Penal (lesão corporal grave ou morte), infere-se que as formas quali-
ficadas estabelecidas no § 3º desse artigo, decorrentes de lesão corporal grave
ou morte, apenas incidem quando a restrição da liberdade do ofendido houver
sido condição para se obter vantagem econômica. Caso contrário, havendo lesão
corporal grave ou morte, sem a aludida restrição da liberdade do ofendido, a
adequação típica da conduta seria a do § 2º do art. 158 do Código Penal.

2 Da Extorsão como Crime Hediondo


Desde a concepção da Lei nº 8.072/90, originalmente em seu art. 1º e,
posteriormente, no inciso III do mesmo dispositivo legal (inserido pela Lei
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 65

nº 8.930/94), considera-se hediondo o crime de “extorsão qualificada pela


morte (art. 158, § 2º)”.
Em 2009, a Lei nº 11.923 acrescentou no art. 158 do Código Penal o seu
§ 3º, que definia uma forma de extorsão qualificada pela restrição da liberdade
do ofendido (popularmente conhecido como “sequestro-relâmpago”), comi-
nando pena autônoma de reclusão, de seis a 12 anos, e multa. Na segunda
parte do mesmo § 3º, previu formas de extorsão qualificadas pela conjugação
(cumulação) da restrição da liberdade do ofendido com os resultados lesão
corporal grave ou morte, para as quais determinou a aplicação das penas co-
minadas no preceito secundário do tipo penal de extorsão mediante sequestro
(art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente, do CP).
Contudo, a mesma Lei nº 11.923/09 não operou modificação alguma
na Lei nº 8.072/90, cujo art. 1º, inciso III, considerava hediondo o crime de
“extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º)”.
Isso propiciou o surgimento de divergência a respeito da hediondez (ou
não) da extorsão qualificada pela morte, quando conjugada com a circunstância
da restrição da liberdade do ofendido, agora definida no § 3º do art. 158 do
Código Penal (não acrescentado expressamente ao inciso III do art. 1º da Lei
nº 8.072/90).
Formaram-se, então, duas orientações:
(i) tal conduta nunca seria crime hediondo, pois o art. 1º, inciso III,
da Lei nº 8.072/90, em seu parêntese, especificava apenas o § 2º do art. 158
do Código Penal. Assim, adotado o sistema legal para definição dos crimes
hediondos (taxatividade), o tipo penal contido no § 3º do art. 158 do Código
Penal, mesmo quando qualificado pela morte, permaneceria alheio a esse
rol, sendo proibido o emprego de analogia in malam partem para submeter tal
conduta ao regime jurídico da Lei nº 8.072/901;
(ii) seria crime hediondo apenas quando qualificado pela morte, por se
tratar de espécie do gênero “extorsão qualificada pela morte” (naturalmente
abrangido pela locução contida no art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.072/90)2.
Com o advento da Lei Anticrime (nº 13.964/2019), emerge, agora, dis-
cussão diametralmente oposta, pois a redação dada ao art. 1º, inciso III, da Lei
nº 8.072/90 considera como hedionda a “extorsão qualificada pela restrição da
liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º)” –

1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Reforma penal material de 2009: crimes sexuais, sequestro relâmpago, celulares nas
prisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 211-212.
2 GOMES, Luiz Flávio et al. Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São
Paulo: RT, 2009. p. 23-27.
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sem menção expressa ao § 2º do art. 158 do Código Penal, que define o crime
de extorsão qualificada pela morte, sem restrição da liberdade do ofendido.
Essa alteração legislativa suscita um espaço de interpretação a respeito do
alcance da hediondez no crime de extorsão (art. 158 do CP). Em uma primeira
leitura, pode-se cogitar que a hediondez dependeria sempre da restrição da liber-
dade do ofendido, conjugada ou não com a ocorrência de lesão corporal ou morte,
em razão de a referência legal se restringir ao § 3º do art. 158 do Código Penal.
Dessa perspectiva, as formas qualificadas pela ocorrência de lesão corporal grave
ou morte, sem a restrição da liberdade do ofendido, não seriam consideradas
hediondas, porque estariam estabelecidas no § 2º do art. 158 do Código Penal.
Para Guilherme de Souza Nucci, houve “erro do legislador, ao não
considerar como crime hediondo a forma qualificada, com resultado lesão
corporal grave ou morte. É impossível, por analogia in malam partem, corrigir
o equívoco. A forma eleita para transformar delitos em hediondos é a inserção
no rol do art. 1º da Lei nº 8.072/90”3.
Por outro lado, a redação do dispositivo poderia ser interpretada no
sentido da independência das orações nele contidas, configurando a hediondez
da extorsão quando qualificada pela restrição da liberdade do ofendido (art.
158, § 3º, primeira parte, do CP) ou, na segunda oração, quando da ocorrência
de lesão corporal ou morte, mesmo que dissociadas da restrição da liberdade
do ofendido (art. 158, §§ 2º e 3º, in fine, do CP).

2.1 Da Interpretação Gramatical do Inciso III do Art. 1º da Lei nº


8.072/90
Para determinarmos o alcance e os limites do inciso III do art. 1º da Lei
nº 8.072/90 e solucionarmos as dúvidas suscitadas, partimos, inicialmente, de
sua interpretação literal ou gramatical4, com base na importante distinção entre
orações coordenadas, caracterizadas pela ausência de relação de dependência
sintática entre elas, e as subordinadas, nas quais se estabelece essa dependência.
Conforme mencionamos, a Lei nº 8.072/90, em seu art. 1º, inciso III, com
a redação determinada pela Lei nº 13.964/2019, considera hedionda a “extorsão
qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou
morte (art. 158, § 3º)”. Pela leitura desse dispositivo, verificamos a presença de

3 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial – arts. 121 a 212 do Código Penal. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020. v. 2. p. 370.
4 Na lição de Aníbal Bruno, “pela análise do elemento linguístico, também chamado gramatical, apreende o intérprete
o sentido das palavras e si mesmas e na sua conexão sintática. O sentido usual em que, em regra, são tomadas as
palavras nas leis penais, e o sentido técnico, muitas vezes preferido pelo legislador” (BRUNO, Aníbal. Direito penal:
parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. Tomo 1. p. 202).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 67

orações coordenadas, e não subordinadas, em razão da inexistência de relação


de dependência sintática entres elas, pois cada uma é dotada de autonomia.
Essas orações, além de sintaticamente independentes, são assindéticas,
porquanto ligadas apenas por vírgula, desprovidas de conjunção para estabe-
lecer conexão entre elas5. É o que ocorre entre a oração “extorsão qualificada
pela restrição da liberdade da vítima” e o período subsequente – separado por
vírgula – “ocorrência de lesão corporal ou morte”. Já as orações coordenadas
sindéticas são ligadas por uma das seguintes conjunções coordenativas: adi-
tiva; adversativa; alternativa; conclusiva ou explicativa6, como acontece com
a oração “ocorrência de lesão corporal ou morte”.
Essa breve análise sintática, gramatical e literal, permite-nos concluir
existirem três circunstâncias, distintas e independentes, no inciso III do art.
1º da Lei nº 8.072/90, aptas a caracterizar a hediondez no crime de extorsão,
a saber: (i) ocorrência de restrição da liberdade da vítima (com ou sem lesão
corporal ou morte); (ii) ocorrência de lesão corporal (com ou sem restrição da
liberdade do ofendido); ou (iii) ocorrência de morte (com ou sem restrição
da liberdade do ofendido).
Dessa forma, demonstrado pela interpretação gramatical o sentido da
norma em questão, não há cogitar de lacuna no ordenamento jurídico-penal
a respeito da hediondez do crime de extorsão qualificada pela lesão corporal
grave ou morte, sem a restrição da liberdade do ofendido (art. 158, § 2º,
combinado com o art. 157, § 3º, I e II, ambos do CP).

2.2 Da Interpretação Sistemática do Inciso III do Art. 1º da Lei nº


8.072/90
Além desse aspecto vocabular, gramatical e linguístico, reforçamos
nossa tese com a busca de um sentido razoável e contextual da norma, por
meio de uma interpretação lógica e sistemática7. Para tanto, valemo-nos do
pressuposto de que as normas integrantes do Direito Penal fazem parte de
uma totalidade ordenada. Nesse sentido, o pensamento de Norberto Bobbio,
para quem devemos buscar o “espírito do sistema”, diante de uma norma
obscura, capaz de gerar dúvidas8.
Com efeito, o art. 158, § 2º, do Código Penal, ao estabelecer as formas
qualificadas do crime de extorsão, empregou a técnica legislativa da remis-

5 JAMILK, Pablo. Português sistematizado. São Paulo: Método, 2019.


6 JAMILK, Pablo. Português sistematizado. São Paulo: Método, 2019.
7 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. A ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
8 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos. São Paulo:
Polis, 1989. p. 76.
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são, determinando que: “Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o


disposto no § 3º do artigo anterior”.
Assim, para a extorsão praticada mediante violência, de que resulte lesão
corporal grave ou morte, o legislador incorpora todo o regime jurídico estabelecido
para o crime de roubo qualificado e, por conseguinte, incorpora todas as con-
sequências jurídico-penais das condutas definidas no art. 157, § 3º, incisos I e II,
do Código Penal, que abrangem não apenas as penas ali cominadas (reclusão,
de sete a 18 anos, e de 20 a 30 anos, respectivamente, ambas cumuladas com
multa), mas, igualmente, o rigor da hediondez imposto no art. 1º, inciso II,
alínea c, da Lei nº 8.072/90.
Em outras palavras: no crime de extorsão qualificada pelos resultados
lesão corporal grave ou morte (art. 158, § 2º, do CP), houve absoluta equiparação
legislativa ao crime de roubo qualificado (art. 157, § 3º, do CP), impondo-se
a incidência de idêntico tratamento penal das condutas: mesmas sanções e mesmo
regime jurídico material e processual (hediondez).
Dessa ótica, considerada a necessidade de coerência interna do ordena-
mento jurídico-penal, não se justifica tratamento diferenciado entre o roubo
e a extorsão qualificados pelos resultados lesão corporal grave ou morte, pois,
conforme a Exposição de Motivos do Código de 1940, “a extorsão é definida
numa fórmula unitária, suficientemente ampla para abranger todos os casos
possíveis na prática. Seu tratamento é idêntico ao do roubo; mas, se é praticada
mediante sequestro de pessoa, a pena é sensivelmente aumentada”.
A semelhança entre o roubo e a extorsão é enfatizada por Nélson Hun-
gria, nos seguintes termos:

“Há entre a extorsão e o roubo (aos quais é cominada pena idêntica) uma
tal afinidade que, em certos casos, praticamente se confundem. Concei-
tualmente, porém, a distinção está em que, na extorsão, diversamente do
roubo, é a própria vítima que, coagida, se despoja em favor do agente.
Dizia Frank, lapidarmente, que ‘o ladrão subtrai, o extorsionário faz com
que se lhe entregue’.”9

Na lição de Guilherme de Souza Nucci, “a extorsão é uma variante de


crime patrimonial muito semelhante ao roubo, pois também implica a sub-
tração violenta ou com grave ameaça a bens alheios”10. Como explica o autor,
“a diferença concentra-se no fato de a extorsão exigir a participação ativa da

9 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. VII. p. 63.
10 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial – arts. 121 a 212 do Código Penal. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020. v. 2. p. 363.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 69

vítima fazendo alguma coisa, tolerando que se faça ou deixando de fazer algo em
virtude da ameaça ou da violência sofrida. Enquanto no roubo o agente atua
sem a participação da vítima, na extorsão o ofendido colabora ativamente com
o autor da infração penal”11.
Sobre a natureza da lesão corporal, em nosso entender, houve um lapso
na legislação, ao considerar a extorsão hedionda, em caso de “ocorrência de
lesão corporal”, sem mencionar a sua gravidade. Perfeitamente aplicável aqui a
analogia in bonam partem, admitida no âmbito penal para afastar a hediondez
da extorsão nos casos de lesão corporal de natureza leve. Aliás, sequer há
menção da lesão corporal de natureza leve, seja na forma simples, seja nas
formas agravadas e qualificadas dos crimes de roubo ou extorsão, pois a mera
lesão corporal leve seria absorvida por essas infrações, em suas formas simples
(seria ínsita ao meio de execução “violência”).
Por esses motivos, entendemos hedionda a extorsão, nas seguintes
situações previstas no inciso III do art. 1º da Lei nº 8.072/90, a saber: (i)
ocorrência de restrição da liberdade da vítima (com ou sem lesão corporal grave
ou morte); (ii) ocorrência de lesão corporal grave (com ou sem restrição da li-
berdade do ofendido); ou (iii) ocorrência de morte (com ou sem restrição da
liberdade do ofendido).
Partilha dessa opinião Patricia Vanzolini, para quem, a despeito das suas
imprecisões, “o texto legal passou a incluir tanto a extorsão qualificada pela
privação de liberdade quanto a qualificada pela lesão corporal grave ou morte,
estejam ou não associadas”12.

2.3 Sugestões Legislativas para Aperfeiçoar a Definição Legal da


Hediondez no Crime de Extorsão (Art. 158 do CP)
Em função das similitudes demonstradas e da identidade do grau de
reprovabilidade das condutas, entendemos que na Lei nº 8.072/90 não deve
haver distinções entre as formas majoradas e qualificadas do roubo e as da
extorsão para caracterizar a hediondez.
A Lei dos Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90) considera hediondo o
roubo nas seguintes situações, conforme a Lei nº 13.964/2019: “a) circuns-
tanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V); b)
circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou

11 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial – arts. 121 a 212 do Código Penal. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020. v. 2. p. 363-364.
12 VANZOLINI, Patricia. Alterações à legislação penal especial. In: JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime comentada:
artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 232.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º)”.
Portanto, se o legislador considerou hediondo o roubo nessas hipó-
teses, não teria sentido se estabelecesse normas distintas para reconhecer a
hediondez na extorsão.
Assim, parece-nos que o legislador deveria ter incluído também a extor-
são majorada pelo emprego de arma de fogo (art. 158, § 1º, segunda figura, do
CP) entre as situações de hediondez, a exemplo do que ocorreu em relação ao
roubo, como se verifica pelo art. 1º, inciso II, alínea b, da Lei nº 8.072/90. De
fato, não se justifica, na espécie, tratamento diverso entre o roubo cometido
com emprego de arma de fogo e a extorsão, com idêntica majorante, diante
da estreita semelhança entre essas infrações.

3 Conclusões
Diante do exposto, após análise aprofundada do tema, por meio da
conjugação das técnicas de interpretação gramatical e sistemática, podemos
concluir, de lege lata, que a extorsão configura crime hediondo quando qualifi-
cada pela restrição da liberdade da vítima, com ou sem lesão corporal grave ou
morte, bem como nos casos da ocorrência de lesão corporal grave ou morte,
com ou sem a restrição da liberdade do ofendido, seja em razão de o art. 1º,
inciso III, da Lei nº 8.072/90 conter orações coordenadas (distintas e sinta-
ticamente independentes), seja em razão da absoluta equiparação legislativa
operada pelo art. 158, § 2º, do Código Penal, que incorpora todo o regime
jurídico estabelecido para o crime de roubo qualificado (remissão ao dispos-
to no § 3º do art. 157 do CP), impondo a incidência de idêntico tratamento
penal para as condutas – mesmas sanções e mesmo regime jurídico material
e processual (hediondez).
Concluímos, ainda, incabível considerar a mera lesão corporal de
natureza leve para a hediondez da extorsão. Por derradeiro, entendemos ter
havido um lapso na legislação, ao não enumerar a extorsão com emprego de
arma de fogo como crime hediondo.
Dessa ótica, para uma alteração legislativa, apta a propiciar maior seguran-
ça jurídica e maior coerência interna no ordenamento jurídico-penal, sugerimos,
de lege ferenda, a seguinte redação para o art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.072/90:

“Art. A Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com as se-


guintes alterações:

‘Art. 1º (...)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 71

III – extorsão:

a) qualificada pela restrição da liberdade da vítima e na sua forma agravada


pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 158, § 3º);

b) cometida com emprego de arma de fogo;

c) qualificada pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 158, § 2º)’.”

TITLE: The reach of hideous crime in extortion crime.

ABSTRACT: In this article, we analyze the situations in which the crime of extortion (article 158 of the
CP) can be considered a heinous crime, under the terms of article 1, item III, of Law no. 8,072, of 1990,
as amended by the Anti- crime Law (no. 13,964/2019). In this research, we discussed the crime of extor-
tion, in its aggravated and qualified forms, in order to make a grammatical and systematic interpretation,
through a comparative study of this offense with the crime of theft. At the end, we present our conclusions
and legislative suggestions on the topic.

KEYWORDS: Extortion. Heinous Crime. Anticrime Law. Theft.

4 Referências Bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Reforma penal material de 2009: crimes sexuais, sequestro relâmpago,
celulares nas prisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos.
São Paulo: Polis, 1989.
BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. Tomo 1.
FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. A ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
GOMES, Luiz Flávio et al. Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: RT, 2009.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. VII.
JAMILK, Pablo. Português sistematizado. São Paulo: Método, 2019.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial – arts. 121 a 212 do Código Penal. 4.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 2.
VANZOLINI, Patricia. Alterações à legislação penal especial. In: JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime
comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020.

Recebido em: 01.07.2020


Aprovado em: 27.07.2020
Doutrina

O Recebimento de Honorários Advocatícios


Maculados e o Crime de Lavagem de Dinheiro
Andréia Cristina Vieira Braga
Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e da Missões – RS (URI); Especialista em
Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC Minas), em Direito Penal Econômico
Aplicado pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), em
parceria com a Escola Superior da Magistratura Federal do Rio
Grande do Sul (ESMAFE-RS), e em Direito Público pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS), em parceria com a
Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do
Sul (ESMAFE-RS); Pós-Graduanda em Direito Penal e
Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS); Advogada.

RESUMO: O tema do recebimento dos honorários advocatícios maculados


ainda é muito controverso no Brasil, ainda mais quando o atual tipo penal de
lavagem de dinheiro é amplo o bastante para abarcar tal conduta. Nesse sentido,
o presente artigo teve por objetivo estudar o enquadramento da conduta de
receber honorários advocatícios maculados no crime de lavagem de dinheiro,
especialmente quando obtidos no âmbito de defesas criminais. Para tanto,
utilizou-se do método dedutivo e da pesquisa bibliográfica. Assim, verificou-se
que a conduta em estudo pode ser enquadrada em uma das condutas do tipo
penal da Lei nº 9.613/98. No entanto, é preciso tomar cuidado para não violar
direitos fundamentais ao fazer isso. A solução parece se encontrar na teoria da
imputação objetiva. Desse modo, a conduta só poderia ser considerada crime
quando ultrapassasse o âmbito do risco permitido. Entretanto, isso depende da
análise do caso concreto.

PALAVRAS-CHAVE: Lavagem de Dinheiro. Honorários Advocatícios. Con-


duta Neutra.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Breves Comentários Acerca da Criminalização da


Lavagem de Dinheiro e da Questão do Bem Jurídico. 3 O Possível Enquadra-
mento da Conduta de Receber Honorários Advocatícios Oriundos de Atividade
Ilícita no Tipo Penal da Lei nº 9.613/98. 4 O Recebimento de Honorários Ad-
vocatícios como uma Conduta Neutra. 5 Considerações Finais. 6 Referências.

1 Introdução
Ainda não há consenso no Brasil acerca do enquadramento do recebi-
mento de honorários advocatícios oriundos de atividade ilícita no crime de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 73

lavagem de dinheiro. Inobstante isso, não faltam tentativas do legislador de


efetivamente criminalizar tal conduta. Todavia, isso pode resultar em viola-
ções a direitos fundamentais, como o direito ao livre-exercício de profissão
e o direito à ampla defesa.
Diante disso, o presente trabalho teve por objetivo estudar esse enqua-
dramento, em especial no tocante a honorários recebidos como contrapresta-
ção ao serviço prestado por advogados em defesas criminais. Assim, utilizando-
se do método dedutivo e da pesquisa bibliográfica, buscou-se entender os
fundamentos da criminalização da lavagem de dinheiro, analisar o possível
enquadramento da conduta no tipo penal da Lei nº 9.613/98 e estudar o rece-
bimento dos honorários advocatícios maculados à luz das condutas neutras.
Desse modo, em um primeiro momento, foi feita uma revisão dos
principais diplomas internacionais e nacionais que marcaram a criminalização
da lavagem de dinheiro e das principais teorias a respeito do bem jurídico da
lavagem de dinheiro. Depois, analisaram-se as condutas descritas no art. 1º da
Lei nº 9.613/98, a fim de verificar em quais delas o recebimento de honorários
advocatícios poderia se enquadrar. Por fim, foi feito um estudo da conduta
do advogado à luz das condutas neutras para verificar se o recebimento dos
honorários advocatícios maculados é uma conduta neutra e até que ponto
pode ser considerado como tal.

2 Breves Comentários Acerca da Criminalização da Lavagem de


Dinheiro e da Questão do Bem Jurídico
A lavagem de dinheiro1 consiste em um processo através do qual o pro-
duto de uma atividade criminosa é submetido a procedimentos que o afastam
de sua origem espúria, sendo assim transformado em dinheiro limpo que pode
ser reintroduzido no sistema financeiro e utilizado como se sua origem fosse
lícita. Dito de outra forma, é a “(...) atividade de desvinculação ou afastamento
do dinheiro de sua origem ilícita para que possa ser aproveitado”2.
A criminalização dessa conduta tem origem, principalmente, na década
de 19803. No entanto, esse movimento de criminalização ganhou proporções

1 No Brasil, optou-se por adotar a nomenclatura lavagem de dinheiro ao invés de branqueamento de dinheiro, em razão
de que o primeiro termo já estava estabelecido na linguagem popular e no meio financeiro, além de que o segundo
termo poderia ter uma conotação racista. (BRASIL. Exposição de motivos nº 692, de 18 de dezembro de 1996. Disponível
em: http://www.fazenda.gov.br/orgaos/coaf/legislacao-e-normas/legislacao/exposicao-de-motivos-lei-9613.pdf. Acesso
em: 25 set. 2017)
2 BALTAZAR Jr., José Paulo. Crimes federais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.088.
3 A Itália foi o primeiro país a criminalizar a lavagem de dinheiro em 1978. (DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de
dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 80-82)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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internacionais no final dessa década, em 1988, com a Convenção contra o


Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, conhecida como
Convenção de Viena. Essa convenção tinha como principal objetivo o com-
bate ao tráfico de drogas e como uma medida para tanto exigia que os países
signatários criminalizassem condutas relativas à ocultação ou dissimulação
da origem de bens oriundos da prática de crimes relacionados ao tráfico de
drogas4.
No ano seguinte à Convenção de Viena, foi criado pelo G7 o Grupo
de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao
Terrorismo (GAFI), denominado em inglês de Financial Action Task Force on
Money Laundering (FAFT) e em francês de Groupe d’Áction Financière sur le
Blanchiment de Capitaux (GAFI). Essa organização internacional, inicialmente,
tinha como objetivo encontrar uma solução para o problema do tráfico de
drogas internacional, no entanto, se tornou o órgão responsável por estipular
medidas padrões de proteção contra a lavagem de dinheiro e outras formas
de abuso do sistema financeiro internacional. Em 1990, o GAFI criou as 40
Recomendações, isto é, um pacote de medidas que deveriam ser adotadas
pelos países para combater e prevenir a lavagem de dinheiro.5
Mais tarde, em 2000, foi celebrada outra convenção internacional, a
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,
também conhecida como Convenção de Palermo. Essa, assim como a anterior,
também não tinha como objetivo principal o combate à lavagem de dinheiro,
mas, sim, o crime organizado transnacional, inobstante isso trazia dentre as
medidas que deveriam ser adotadas pelos países signatários a criminalização
da lavagem de dinheiro, bem como a adoção de medidas de combate a esse
crime, como a regulamentação de bancos e instituições bancárias e criação de
políticas de comunicação de operações suspeitas6.
Em 2003, houve outra convenção internacional importante, a Con-
venção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção
de Mérida. Essa convenção, assim como as demais, também não tinha como
objetivo precípuo o combate à lavagem de dinheiro, mas, sim, à corrupção.

4 BRASIL. Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes
e Substâncias Psicotrópicas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 jun. 1991. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0154.htm. Acesso em: 8 ago. 2017.
5 FINANCIAL ACTION TASK FORCE. FAFT 25 years and beyond: the Financial Action Task Force setting the
standards to combat money laundering and the financing of terrorism and proliferation. Paris: FAFT/OECD, 2014.
Disponível em: http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/brochuresannualreports/FATF%2025%20years.pdf.
Acesso em: 20 dez. 2017. p. 01-02.
6 BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime
Organizado Transnacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 mar. 2004. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 28 fev. 2018.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 75

Mesmo assim, instava os países signatários a adotarem medidas de combate


à lavagem de dinheiro7.
O Brasil, por sua vez, promulgou a Convenção de Viena, em 1991,
por meio do Decreto nº 154/918. No entanto, a criminalização da lavagem de
dinheiro no país só se deu com a Lei nº 9.613/98, de 3 de março de 1998, que
tipificou a conduta de ocultar ou dissimular de alguma forma a procedência
ou a utilização de bens, direitos ou valores de origem espúria e a conduta de
participar de associação, escritório ou grupo cujas atividades envolvessem a
lavagem de capitais, bem como também foi responsável por criar a unidade
de inteligência financeira brasileira, o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (COAF), e por elencar determinadas atividades que estariam
sujeitas a obrigações de identificação de clientes, manutenção de registros e
comunicação de operações financeiras suspeitas9.
Essa lei sofreu algumas alterações, em 2003, pela Lei nº 10.701/0310.
Posteriormente, ela foi novamente alterada, dessa vez de forma mais substan-
cial, pela Lei nº 12.683/2012, de 9 de julho de 2012, que alterou o tipo penal
da lavagem de dinheiro, tornando-o mais amplo ao extinguir o rol de crimes
antecedentes e permitindo que o produto de contravenções penais também
pudesse ser objeto de lavagem de dinheiro, além de que ampliou o rol de
atividades sujeitas às obrigações de comunicação, aumentou as hipóteses de
atividades em que as pessoas físicas também estariam sujeitas a essas obriga-
ções, bem como também alterou e incluiu outras obrigações ao rol existente11.
Nota-se que essas convenções internacionais, que marcaram a história
da criminalização da lavagem de dinheiro, não tinham como foco principal o
combate à lavagem de dinheiro, mas se valiam da criminalização da conduta

7 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrup-
ção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de
dezembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 jan. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm. Acesso em: 1º maio 2019.
8 BRASIL. Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes
e Substâncias Psicotrópicas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 jun. 1991. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0154.htm. Acesso em: 8 ago. 2017.
9 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos
e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar.
1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm. Acesso em: 9 abr. 2019.
10 BRASIL. Lei nº 10.701, de 9 de julho de 2003. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998,
que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema
financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/L10.701.htm#art1art1ii. Acesso em: 2 maio 2019.
11 BRASIL. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente
a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2012. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm#art2. Acesso em: 9 abr. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
76

para combater um outro crime, como o tráfico de drogas, o crime organizado


ou a corrupção. Afinal, a lavagem de dinheiro não é um crime que existe so-
zinho, ele está sempre ligado a outro delito, que é denominado pela doutrina
como infração penal antecedente, isto é, para que a lavagem possa existir é
necessária a prática de uma infração penal anterior que gere um produto a
ser lavado. No entanto, essa relação com a infração anterior é limitada, uma
vez que basta que a infração penal antecedente seja típica e ilícita para que a
lavagem de dinheiro seja punível, não se exigindo, portanto, que nem mesmo
o autor da infração seja conhecido12.
Ressalta-se, ainda, que o que se percebe, a partir da leitura da Exposição
de Motivos da Lei nº 9.613/9813, é que a criminalização da lavagem de dinheiro
no Brasil se deu especialmente em razão da pressão internacional pela crimi-
nalização das condutas de ocultação e dissimulação de valores provenientes
de atividade ilícita decorrente dos diversos compromissos assumidos pelo
país na esfera internacional. Além disso, deve-se atentar para o fato de que
são recorrentes, no referido documento, afirmações no sentido de utilizar a
criminalização da lavagem de dinheiro para combater outros crimes da mesma
forma que objetivaram as diversas convenções internacionais anteriormente
citadas. Não obstante isso, o documento também aponta a defesa do Estado
e de uma economia saudável como justificativas para a tipificação penal das
condutas descritas na Lei nº 9.613/98.
A esse respeito, é fundamental tratar da questão do bem jurídico. Nesse
sentido, destaca-se que, embora a criminalização da lavagem de dinheiro te-
nha ocorrido no Brasil em 1998, ainda hoje não há um consenso sobre qual
é o bem jurídico tutelado por esse crime. A doutrina brasileira costuma se
dividir entre o bem jurídico da infração penal antecedente, a administração
da justiça e a ordem econômica, mas também há aqueles que consideram que
é um crime pluriofensivo14.
Também não é unânime na doutrina o conceito de bem jurídico15. Em
suma, o bem jurídico penal pode ser definido como um bem da vida, valor ou
interesse reputado relevante por uma determinada sociedade e que, em razão
de sua importância, exige uma proteção especial, a fim de que se evitem com-

12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 2. p. 450-451.
13 BRASIL. Exposição de motivos nº 692, de 18 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/orgaos/
coaf/legislacao-e-normas/legislacao/exposicao-de-motivos-lei-9613.pdf. Acesso em: 25 set. 2017.
14 BALTAZAR Jr., José Paulo. Crimes federais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.089-1.090.
15 DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 98.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 77

portamentos nocivos a ele. Mais que isso, ele serve como uma espécie de freio
ao poder punitivo do Estado, na medida em que limita a intervenção penal16.
Por outro lado, ele também limita a liberdade dos indivíduos, ao passo
que fundamenta a proibição de condutas lesivas. Por isso, deve-se ter muito
cuidado na eleição desses bens jurídicos que serão objeto de proteção pelo Di-
reito Penal. Dessa forma, é preciso que eles estejam pautados na Constituição17.
No que tange ao bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de
dinheiro, constata-se, pois, que existem várias correntes que buscam definir
qual seria ele. Castellar18, por seu turno, elenca cinco possíveis bens jurídicos,
são eles: a saúde pública; o bem jurídico protegido pelo delito antecedente; a
ordem socioeconômica; a administração da justiça; ou a pretensão estatal ao
confisco das vantagens do crime.
No que se refere à saúde pública, ela decorre da primeira geração de
legislações antilavagem, que tinham como crime antecedente o tráfico de dro-
gas. Assim, tendo em vista que essas legislações tinham por objetivo precípuo
o combate ao tráfico de drogas, adotava-se o mesmo bem jurídico do crime
antecedente para a lavagem de dinheiro, ou seja, a saúde pública19.
Todavia, essa ideia de considerar como bem jurídico tutelado pelo
crime de lavagem de dinheiro o mesmo da infração penal antecedente ainda
persiste. De acordo com essa corrente doutrinária, a lavagem de dinheiro po-
deria tutelar qualquer bem jurídico, já que abrangeria o mesmo bem jurídico
tutelado pela infração penal antecedente. Por isso, ela exige um rol específico
de infrações penais antecedentes. Essa corrente sofre várias críticas, porque vai
de encontro à ideia de autonomia do delito de lavagem de dinheiro e acarreta
uma desproporcionalidade na aplicação da pena, eis que independentemente
do bem jurídico tutelado a pena abstratamente cominada seria a mesma,
bem como prejudica a responsabilização penal pela autolavagem, sob pena
de ensejar em bis in idem20.

16 PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
17 WELTER, Antônio Carlos. Dos crimes: dogmática básica. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap. 5. p. 188-191.
18 CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p.
153-174.
19 WELTER, Antônio Carlos. Dos crimes: dogmática básica. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap. 5. p. 192; CASTELLAR, João Carlos.
Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p. 154-155.
20 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 82-84.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
78

Por outro lado, outros autores defendem que o bem jurídico é a ordem
econômica ou a ordem socioeconômica, como De Carli21, Oliveira22, Prado23,
Bitencourt24 e Lima25. Nessa senda, de grande valia é a observação de De
Carli26 no sentido de que:

“A lavagem de dinheiro efetivamente vai além da mera fruição do lucro de


um crime anterior. Ela altera as condições naturais da economia e o fun-
cionamento normal do mercado. Contribui para a diminuição dos recursos
aos quais os Estados teriam direito e necessidade, para a implementação de
suas políticas econômicas e sociais e possui um alto poder de corrupção,
tanto de agentes públicos como privados.”

Logo, pode-se depreender que a lavagem de dinheiro afeta de forma


profunda a economia de um país produzindo consequências também nas suas
políticas públicas, uma vez que reduz os recursos que o Estado normalmente
teria, além de criar um ambiente propício para a corrupção, de forma que não
se trata apenas da questão da utilização do produto da infração penal anterior,
mas de um problema também para a ordem econômica e social de um país.
De um modo mais restrito entende Schmidt27, que alega que o bem
jurídico tutelado pelo crime em tela é, na verdade, a ordem econômica stricto
sensu. Isso significa que se trata de uma proteção à transparência nas relações
dentro do âmbito econômico decorrente dos deveres de compliance, haja vista
que, para o autor, considerar a administração da justiça como bem jurídico
seria, na realidade, uma tutela à fase de exaurimento da infração penal ante-
cedente, sendo que o que está em risco é a higidez da economia28.
Outro bem jurídico que prepondera na doutrina é o da administração
da justiça. Dentre seus defensores estão Badaró e Bottini, que sustentam que
a lavagem de dinheiro coloca “(...) em risco o funcionamento do sistema de Justiça

21 DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 116.
22 OLIVEIRA, William Terra de. Dos crimes e das penas. In: CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES,
Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: RT, 1998. p. 321-323.
23 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 7. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 525-526.
24 Na verdade, Bitencourt identifica como bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro a ordem econô-
mica e financeira. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 2.
p. 445-450)
25 LIMA, Vinicius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá,
2014. p. 80-86.
26 DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 113-114.
27 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direito penal econômico: parte geral. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p.
228.
28 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direito penal econômico: parte geral. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p.
225-235.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 79

(...)”29. Para eles, isso ocorre porque nem sempre a ordem econômica será le-
sada pela prática do crime em tela, ao passo que a prática das condutas descritas
no tipo penal da Lei nº 9.613/98 obstaculiza a identificação e a rastreabilidade
da origem dos bens, direitos e valores oriundos de atividades criminosas, o
que também dificulta a investigação das infrações penais antecedentes30.
Já quanto à pretensão estatal ao confisco, que é outro dos possíveis bens
jurídicos mencionados por Castellar31, refere-se à finalidade da criminalização
da lavagem de dinheiro, que seria de confiscar os valores obtidos com delitos,
prevenindo, assim, a prática de novas infrações penais. Esse bem jurídico, na
realidade, seria uma especificação da administração da justiça, pois impede
a utilização dos bens, direitos ou valores obtidos com a prática das infrações
penais antecedentes32.
No entanto, essas não são as únicas posições existentes na doutrina. O
próprio Castellar33, citado anteriormente, assevera que não existe nenhum
bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro. Além disso, para
ele, o Direito Administrativo já seria suficiente para tutelar os possíveis bens
jurídicos cujo tipo penal da Lei nº 9.613/98 visava proteger, não sendo neces-
sária, portanto, a atuação do Direito Penal para tanto34.
Enquanto outros acreditam que se trata de um crime pluriofensivo,
tutelando não apenas um bem jurídico, mas vários, Mendroni35 e Welter36, por
exemplo, acreditam que os bens jurídicos tutelados são a ordem socioeconô-
mica e a administração da justiça, pois ambos isoladamente não seriam capazes
de fornecer proteção suficiente, já que, para eles, a lavagem de dinheiro tem o
condão de lesar tanto a ordem socioeconômica, considerando o impacto que
o dinheiro ilícito pode ter na economia, quanto a administração da justiça, na
medida em que obsta a apuração das infrações penais antecedentes. Baltazar

29 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 86 – grifos do autor.
30 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 85-95.
31 CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p.
168-174.
32 CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p.
168-174.
33 CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p.
176-192.
34 CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: a questão do bem jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p.
176-192.
35 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 80-82.
36 WELTER, Antônio Carlos. Dos crimes: dogmática básica. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap. 5. p. 198-199.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
80

Junior37 também entende que é um crime pluriofensivo, só que, além dos


bens jurídicos citados pelos outros dois autores, ele acrescenta ainda o bem
jurídico tutelado pela infração penal antecedente.
Isso posto, nota-se que a criminalização da lavagem de dinheiro também
se deu como uma forma de combater outros crimes através da persecução do
dinheiro ilícito. Ainda assim, trata-se de um delito independente, ainda que
necessite da prática de uma infração penal anterior. Em razão dessa ligação,
razoável se pensar que o bem jurídico poderia ser o mesmo da infração penal
antecedente, contudo, esse entendimento não é pacífico e sofre várias críticas.
Aliás, verifica-se que a doutrina ainda não conseguiu entrar em acordo
sobre qual seria o bem jurídico tutelado pela lavagem de dinheiro. Mesmo
assim, pode-se afirmar que tem maior expressão os entendimentos de que a
resposta seria a administração da justiça ou a ordem socioeconômica, o que
não exclui os entendimentos em sentido contrário, nem mesmo os que de-
fendem a pluriofensividade do delito.
Com isso em mente, é preciso passar ao estudo de como a conduta do
recebimento de honorários advocatícios oriundos de atividades ilícitas poderia
se enquadrar no tipo penal da Lei nº 9.613/98.

3 O Possível Enquadramento da Conduta de Receber Honorários


Advocatícios Oriundos de Atividade Ilícita no Tipo Penal da Lei nº
9.613/98
O possível enquadramento do recebimento de honorários advocatí-
cios como lavagem de dinheiro é uma questão delicada. Desde o início dos
movimentos internacionais pela criminalização da lavagem de dinheiro essa
questão é debatida. Nota-se que, nos Estados Unidos da América (EUA), já
se discutia, na década de 1980, a respeito da situação dos honorários advoca-
tícios oriundos de atividade ilícita e do crime de lavagem de dinheiro38. Na
Alemanha, essa questão foi, inclusive, objeto de análise pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Tribunal Constitucional Federal no início dos anos 200039.
Lógico que a questão também não passou despercebida pelos doutrinadores
brasileiros, que também demonstraram uma preocupação a respeito de como
seria tratada a questão.

37 BALTAZAR Jr., José Paulo. Crimes federais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.090.
38 BRICKEY, Kathleen F. Tainted assets and the right to counsel: the money laundering conundrum. Washington
University Law Quaterly, St. Louis, vol. 66, n. 1, p. 47-61, 1988. Disponível em: https://openscholarship.wustl.edu/
cgi/viewcontent.cgi?article=2033&context=law_lawreview> Acesso em: 21 fev. 2019.
39 AMBOS, Kai. Lavagem de dinheiro e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 57-61.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 81

Nesse sentido, Sánchez Rios40 assinala que:

“(...) não se desconhece que a busca de uma reflexão teórica sobre o alcan-
ce e a efetividade da normativa de lavagem em contraste com o papel do
advogado criminalista não está alheia à problemática que envolve todos os
setores do Judiciário no longo percurso da construção do Estado Consti-
tucional, ainda mais quando associada à legitimidade do poder coercitivo,
aos ditames democráticos.”

É evidente, portanto, que a questão da lavagem de dinheiro e do rece-


bimento de honorários advocatícios deve ser tratada com muito cuidado, em
razão da amplitude do tipo penal e pelo fato de lidar com direitos e garantias
fundamentais. Ademais, é preciso ressaltar que a atividade de advocacia não
pode servir de escudo para a prática de crimes, bem como não exime o advo-
gado de responder pela prática do crime de lavagem de dinheiro, até porque
se trata de um crime comum, logo pode ser praticado por qualquer pessoa41.
Para Ambos42, o fundamento por trás do impedimento do recebimento
de valores suspeitos de terem origem ilícita como pagamento de honorários
advocatícios é isolar o autor da infração penal antecedente, de modo que ele
não tenha nenhuma utilidade para esses valores e seja obrigado a ficar com
eles. Trata-se, pois, de uma medida de política criminal, eis que visa, através
do isolamento do autor da infração penal antecedente, evitar a prática de novos
delitos por ele ou, até mesmo, coibir a prática de infrações penais na medida
em que prejudica a utilização do lucro auferido.
De outro lado, essa política de isolar economicamente o autor do
delito para prevenir a prática da lavagem de dinheiro e de outras infrações é
controversa, em especial, pela possibilidade de violar direitos fundamentais.
Nessa linha, constata-se que são citados uma plêiade de possíveis direitos
fundamentais violados pela eventual responsabilização penal do advogado
pelo recebimento de honorários provenientes de atividades criminosas, tais
como o direito ao livre-exercício de profissão e à ampla defesa43.

40 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 84.
41 DE GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime de “lavagem” de dinheiro. In: DE CARLI, Carla
Veríssimo. (Org.). Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap.
4. p. 173-174.
42 AMBOS, Kai. Lavagem de dinheiro e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 63.
43 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 133-134.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
82

Diante disso, impende-se, então, ver o que enuncia a legislação pátria. A


Lei nº 9.613/9844 traz em seu art. 1º o tipo penal da lavagem de dinheiro que,
com a redação alterada pela Lei nº 12.683/201245, dispõe o seguinte:

“Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,


movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: reclusão, de 03 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização


de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:

I – os converte em ativos lícitos;

II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda,


tem em depósito, movimenta ou transfere;

III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos ver-
dadeiros.

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:

I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores


provenientes de infração penal;

II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de


que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes
previstos nesta Lei. (...)”

Em primeiro lugar, aqui vale ressaltar que o objeto do estudo é a conduta


de receber os honorários advocatícios como contraprestação pelos serviços
efetivamente prestados em defesas criminais. Portanto, pode-se descartar de
início as condutas do caput dos incisos I e III do § 1º e do inciso II do § 2º do
art. 1º da Lei nº 9.613/98. Isso, porque não se trata de participação de grupo,
associação ou escritório, o que configuraria o inciso II do § 2º do art. 1º do
referido Diploma Legal, nem consiste em importação ou exportação de bens,
ou mesmo de conversão em ativos lícitos, condutas essas descritas nos incisos
I e III do § 1º do dispositivo citado.

44 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos
e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar.
1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm. Acesso em: 9 abr. 2019.
45 BRASIL. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente
a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2012. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm#art2. Acesso em: 9 abr. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 83

Já no caso do caput estão descritas as condutas de ocultar ou dissimular,


que, em princípio, não abarcam o mero recebimento dos honorários advo-
catícios. Nesse ponto, tendo em vista que se trata de crime que só pode ser
praticado em sua forma dolosa, uma vez que não há previsão da sua prática
na forma culposa, é necessário que haja a vontade da prática, pelo agente, de
algum ato de ocultação ou dissimulação46. Desse modo, para que houvesse o
enquadramento da conduta do advogado nesse tipo penal seria necessária a
presença da “(...) destinação fraudulenta voltada a ocultar esses valores entre-
gues, criando, desse modo, um risco penalmente desaprovado”47.
Merecem mais atenção, porém, as condutas do inciso II do § 1º e do
inciso I do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.613/98. No caso do inciso II do § 1º
do art. 1º da Lei nº 9.613/98, percebe-se que a conduta do advogado poderia
nele ser enquadrada, já que dentre os verbos que constam no dispositivo
está o verbo receber, porém esse tipo penal exige a finalidade de ocultar ou
dissimular, sem a qual a conduta seria atípica. Então, para que a conduta do
advogado possa ser enquadrada nessa moldura típica não bastaria o simples
ato de receber os honorários advindos de atividade ilícita, ele teria que ter
também o objetivo de ocultar ou dissimular a origem dos valores recebidos,
ainda que essa ocultação ou dissimulação não se efetive48.
Nessa senda, Sánchez Rios49 leciona:

“A conduta descrita no inciso II do § 1º, na modalidade ‘receber’, poderia,


sempre numa leitura superficial, dar azo à defesa de eventual enquadra-
mento da conduta do advogado criminalista recebedor de honorários
supostamente maculados, mas essa exegese revela um mero exercício
de elucubração teórica carente da devida fundamentação legal, pois uma
simples interpretação teleológica seria capaz de aclarar o alcance da modali-
dade ‘receber’, destinando-se ao agente detentor de prévio conhecimento,
querendo, por meio do recebimento, ocultar ou dissimular sua origem.”

A questão está, pois, na finalidade da conduta, isto é, desde que o rece-


bimento dos honorários não tenha o fim de ocultar ou dissimular a origem,
a movimentação, a propriedade, a localização, a natureza ou a disposição de
valores, bens ou direitos oriundos de infração penal não há crime. Não é esse

46 BALTAZAR Jr., José Paulo. Crimes federais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.099.
47 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 187.
48 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de
dinheiro: prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap. 6. p. 250-253.
49 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 187.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
84

o caso, todavia, do advogado que aceita honorários superiores aos que efetiva-
mente cobraria ou que nem mesmo prestou o serviço e devolve o excedente
ao seu cliente como forma de dar uma aparência lícita aos valores. Nesses
casos, se tratam de verdadeiros atos para encobrir a origem do dinheiro. A
esse respeito, Lima50 evidencia que:

“(...) há casos em que, de fato, não se verifica a percepção de honorários


em sentido próprio, mas, sim, o recebimento de dinheiro por parte do pro-
fissional com o objetivo ou a finalidade de ocultar ou dissimular a origem
dos recursos. Cuida-se, aqui, de honorários ‘fictícios’, isto é, o advogado
atua como interveniente no fato delitivo, ultrapassando os limites de sua
função e aderindo à conduta dos demais intervenientes, situação na qual
mostra-se inegável a punibilidade de sua conduta.”

Isso significa que, quando os honorários não correspondem à efetiva


prestação do serviço, o advogado ultrapassa o limite do risco permitido, uma
vez que transborda as fronteiras de sua atuação incorrendo em um ilícito pe-
nal. Para Badaró e Bottini51, apenas nessa hipótese que o advogado poderia ser
responsabilizado penalmente pelo recebimento dos honorários “maculados”,
pois, do contrário, se trataria de contraprestação pelos serviços prestados, o
que, para eles, não configuraria o crime em estudo, tendo em vista que a
transparência da operação não contribui para a ocultação ou dissimulação
exigidas pelo tipo penal.
Entretanto, não se pode deixar de mencionar, ainda que forçoso, o
comentário de Souza52, no sentido de que, mesmo que não houvesse uma
efetiva dissimulação ou ocultação, poderia se interpretar o tipo penal de modo
que o mero recebimento dos honorários fosse considerado uma anuência com
a conduta do autor do delito antecedente e, consequentemente, o advogado
poderia ser responsabilizado penalmente pela sua conduta.
Também não se pode deixar de pensar que se o recebimento de ho-
norários advocatícios é uma contraprestação pelos serviços prestados e se o
exercício da advocacia se trata de uma atividade econômica, a conduta do
advogado não poderia ser ainda enquadrada no inciso I do § 2º do art. 1º da
Lei nº 9.613/98? Nesse sentido, impende-se verificar o que é uma atividade
econômica.

50 LIMA, Vinicius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá,
2014. p. 137.
51 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 194-196.
52 SOUZA, Alvaro Augusto Macedo Vasques Orione. Estudo de casos acerca da advocacia consultiva e do recebimento
de honorários maculados. In: ESTELLITA, Heloisa (Coord.). Exercício da advocacia e lavagem de capitais. Rio de Janeiro:
FGV, 2016. Parte II. Cap. 1. p. 210.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 85

Sobre isso, observa-se que Bitencourt53 define atividade econômica


como a “(...) a prática de ações relacionadas com a produção, transformação,
distribuição, circulação e consumo de bens e serviços, tendo como finalidade
a geração de riqueza e a satisfação de necessidades humanas”. Pode-se afirmar,
então, que se trata de uma ação decorrente de um esforço humano, que objetiva
uma contraprestação monetária ou não e que é voltada a fornecer os meios
para possibilitar a satisfação das ilimitadas necessidades humanas através da
obtenção de bens e serviços escassos54.
Além disso, de acordo com o glossário jurídico do Supremo Tribunal
Federal (STF)55, honorários advocatícios são uma “retribuição paga ao ad-
vogado pelo serviço prestado ao patrocinar uma causa”. Logo, os honorários
são a retribuição pelo trabalho do advogado, que presta o serviço do qual seu
cliente necessita, e que poderão ser usados por ele para a aquisição de bens e
serviços que lhe sejam necessários.
Com isso, percebe-se que o exercício da advocacia é uma atividade
econômica e, consequentemente, o uso de bens, direitos ou valores prove-
nientes de infração penal nessa atividade, como o recebimento de honorários,
poderia ser enquadrado no inciso I do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.613/98. Esse
dispositivo, por sua vez, não exige nenhum elemento subjetivo específico,
ou seja, não se exige que o agente tenha a intenção de ocultar ou dissimular
a utilização dos valores como ocorre no outro dispositivo. Como salienta De
Carli56, “aqui, basta o conhecimento da proveniência ilícita dos bens ou va-
lores, no momento em que o agente os recebe (...), e a vontade de utilizá-los
na atividade econômica ou financeira (...)”.
Nessa mesma linha, Prado57 e Baltazar Junior58 assinalam que basta a
utilização do produto da infração penal antecedente sem a necessidade de que
esteja presente a vontade de ocultar ou dissimular, uma vez que não há de
modo expresso no tipo penal a exigência do elemento subjetivo específico,
ou seja, um fim especial de agir. Assim, o advogado ao receber honorários
advocatícios como contraprestação pelos serviços prestados sabendo que estes
possuem origem ilícita, estaria utilizando valores provenientes de infração

53 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 2. p. 484.
54 GASTALDI, José Petrelli. Elementos de economia política. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 6-8.
55 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Honorários advocatícios. Glossário jurídico. Disponível em: http://www.stf.jus.
br/portal/glossario/. Acesso em: 14 jul. 2019.
56 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de
dinheiro: prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap. 6. p. 255.
57 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 7. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 535.
58 BALTAZAR Jr., José Paulo. Crimes federais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.104.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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penal em sua atividade econômica e, por conseguinte, estaria praticando o


crime de lavagem de dinheiro.
Por outro lado, Badaró e Bottini59 discordam dessa posição, em razão
de que, para eles, o referido dispositivo implicitamente exige a intenção de
ocultar ou dissimular, sem a qual não resta configurada a prática da conduta,
logo, o simples ato do advogado de receber os honorários não poderia se
enquadrar nessa moldura típica, já que seu objetivo seria o de apenas receber
os valores contratados por seus serviços. Os referidos autores não são os
únicos que defendem que existe um elemento subjetivo específico implícito
nesse tipo penal. Outro autor que é adepto dessa corrente é Mendroni60, que
argumenta que não há necessidade de que o elemento subjetivo específico
esteja expresso para que haja a sua exigência para configuração do tipo penal,
além disso, acrescenta que a mera utilização do produto da infração penal
antecedente não é suficiente para configurar o delito em tela. Bitencourt61,
por seu turno, também entende que todas as figuras típicas previstas no art.
1º da Lei nº 9.613/98, ainda que de modo implícito, exigem um elemento
subjetivo especial, qual seja, a vontade de reciclar.
Ainda assim, a despeito dos argumentos no sentido de que o tipo penal
em questão exige um elemento subjetivo específico, percebe-se que a conduta
do advogado pode ser nele enquadrada. De Grandis62, por exemplo, acredita
que a conduta do advogado de receber os honorários advocatícios provenien-
tes de infração penal se encaixa nesse dispositivo, qual seja o inciso I do § 2º
do art. 1º da Lei nº 9.613/98, porém a responsabilização penal do causídico
só poderia ser feita através da utilização da teoria da imputação objetiva, ou
seja, a conduta do advogado teria que ter criado um risco não permitido pelo
ordenamento jurídico para que fosse possível a responsabilização penal dele.
De modo semelhante, Sánchez Rios63 assevera que o recebimento de
honorários advocatícios se trata de uma conduta neutra e que o bem jurídico
tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro não é violado pela atuação do ad-
vogado dentro do risco permitido, logo, não há crime se os valores recebidos
forem realmente uma contraprestação pelos serviços efetivamente prestados,
não podendo o advogado ser responsabilizado pela lavagem de dinheiro.

59 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 195-196.
60 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 83-84.
61 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 2. p. 485-486.
62 DE GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime de “lavagem” de dinheiro. In: DE CARLI, Carla
Veríssimo. (Org.). Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap.
4. p. 174-181.
63 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 144-148.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 87

Por fim, importante ainda mencionar uma das mais recentes tentativas
de criminalizar a conduta, qual seja o PL nº 442/2019, de autoria do Depu-
tado Rubens Bueno, que visava alterar o § 2º do art. 1º da Lei nº 9.613/98,
a fim de incluir um terceiro inciso, o qual criminalizaria o recebimento de
honorários advocatícios de origem ilícita64. O referido projeto, todavia, já tem
parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que
se manifestou pela inconstitucionalidade do projeto de lei, em razão de violar
direitos fundamentais, em especial, o direito à ampla defesa65. Este, no entanto,
não é o primeiro projeto de lei nesse sentido, anteriormente existiram outros
projetos com objetivos semelhantes ou até mesmo idênticos66.
Com isso, percebe-se que, embora não haja um consenso a respeito
do recebimento dos honorários advocatícios poder ser enquadrado nos tipos
penais da Lei nº 9.613/98, existe essa possibilidade, especialmente, quando
se trata do inciso I do § 2º da referida Lei, também não se pode esquecer das
constantes tentativas de criminalizar tal conduta por meio de projetos de lei
que ainda não restaram frutíferas.
Essa possível criminalização da conduta do advogado se trata de uma
questão delicada ainda mais pela possível violação de direitos fundamentais,
bem como por ser uma conduta cotidiana, que, em princípio, não tem por
objetivo a prática de nenhum delito, razão pela qual, por vezes, se recorre às
condutas neutras para buscar uma solução. Nessa senda, é preciso estudar as
condutas neutras e como o recebimento dos honorários advocatícios nelas se
encaixam, bem como até que ponto a atuação do advogado permanece dentre
do risco permitido.

4 O Recebimento de Honorários Advocatícios como uma Conduta


Neutra
Nessa esteira, percebe-se que o recebimento de honorários advocatícios
pode ser visto ainda como uma conduta ou ação neutra. Conforme Lobato67,

64 BUENO, Rubens. Projeto de Lei nº 442, de 2019. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os
crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os
ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2191114. Acesso em:
17 jul. 2019.
65 BRASIL. Câmara dos Deputados. PL nº 442/2019. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em: https://
www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2191114. Acesso em: 9 maio 2020.
66 HAGE, Fábio Augusto Santana. Apontamentos sobre uma possível relação entre a percepção de honorários advo-
catícios maculados por capital ilícito e o crime de lavagem de dinheiro. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/
CONLEG/Senado, abril/2018 (Boletim Legislativo nº 69, de 2018). Disponível em: https://www12.senado.leg.br/
publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol69. Acesso em: 13 fev. 2019.
67 LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria da participação criminal e ações neutras: uma questão única de imputação objetiva.
Curitiba: Juruá, 2010. p. 11.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
88

a ação neutra é “(...) uma contribuição ao injusto penal por alguém cuja re-
provação penal não seja manifestamente exteriorizada”, ou seja, é uma ação
que, em princípio, não é típica, mas que pode contribuir para a prática de um
delito. Ela se encontra entre o permitido e o proibido, tornando-se passível
de responsabilização penal quando exceder o risco permitido no âmbito da
atividade68.
Tratam-se, portanto, de atividades lícitas praticadas diariamente no
âmbito profissional ou social, que não têm por fim violar nenhum bem jurí-
dico tutelado pelo Direito Penal, mas que acabam colaborando na realização
do ato delitivo69. Por isso, também são chamadas de socialmente adequadas,
inócuas ou cotidianas70.
Isso posto, vale lembrar que:

“Não se vislumbra a possibilidade de previamente sancionar atividades


inseridas no contexto social e necessárias ao regular desenvolvimento da
atividade econômica e, igualmente, para o convívio social. Aliás, o fun-
damento dessas atividades do comerciante, do padeiro, do vendedor de
veículos, do advogado, entre outros, se encontra na proteção da liberdade
de iniciativa garantida pela Constituição.”71

Com efeito, ao restringir atividades econômicas, interfere-se na livre-


iniciativa constitucionalmente garantida. É necessário, pois, um certo cuidado
na eleição de condutas passíveis de responsabilização penal, ainda mais com
aquelas que fazem parte do dia a dia de uma sociedade, pois pode atrapalhar
todo o seu funcionamento ao obstaculizar a prática dessas atividades econô-
micas.
No caso, uma intervenção penal exagerada causaria um estado de
incerteza nos profissionais que, eventualmente, poderiam se tornar autores
ou partícipes do crime de lavagem de dinheiro através da realização de atos
habituais de suas atividades econômicas, o que poderia causar “(...) uma ver-
dadeira paralisação da vida social”72.

68 LIMA, Vinicius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá,
2014. p. 30-31.
69 PEREIRA, Flávio Cardoso. As ações cotidianas no âmbito da participação delitiva. Revista Jus Navigandi, Teresina, 1°
jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3652/as-acoes-cotidianas-no-ambito-da-participacao-delitiva.
Acesso em: 24 jun. 2018.
70 LIMA, Vinicius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá,
2014. p. 31.
71 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 153-154.
72 CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014. p. 114.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 89

Aqui importante destacar que, pelo que se depreende do processo de


criminalização da lavagem de dinheiro como uma forma de combater o crime
organizado, o tráfico de drogas e outros crimes graves, essa imputação de res-
ponsabilidade penal a profissionais, cujas atividades podem ser usadas como
meio de lavar os valores oriundos de atividades criminosas ou que podem ser
apenas a destinação destes, é uma forma de impedir ou tornar desvantajosa a
prática dos delitos antecedentes. Nesse contexto, Lilley73 questiona: “(...) se
tanto dinheiro ilícito está sendo lavado através de negócios legítimos pode
algum governo arriscar sofrer as consequências sociais e políticas de tentar
parar isso?”74.
Dessa forma, tendo em vista as consequências dessa intervenção penal
exagerada, a ação neutra foi uma das formas que a doutrina encontrou para
restringir o tipo penal da lavagem de dinheiro75. Isso, porque sob a ótica da
imputação objetiva,

“As ações neutras, em regra, são condutas atípicas, não sendo passíveis de
reprimenda penal, desde que não transcendam o campo ético da liber-
dade profissional, associando-se à prática delitiva, sob a ‘roupagem’ do
livre-exercício de uma atividade. Noutras palavras, se, no caso concreto,
for comprovado que a conduta do agente ultrapassou o risco permitido,
tornando-se idônea para afetar o bem jurídico tutelada (sic), com a presença
do elemento subjetivo cognitivo, entende-se que o contributo adquire
relevância penal.”76

Isso significa que apenas na análise do caso concreto é que vai ser pos-
sível saber se a conduta vai ter relevância penal. Para tanto, verifica-se que,
no caso da lavagem de dinheiro, se a pessoa tinha o conhecimento da origem
ilícita dos valores, bens ou direitos, bem como se a conduta por ela praticada
excede os riscos que sua atividade permite. Caso excedam esses riscos permiti-
dos pela atividade, a conduta adentra o campo do risco proibido, tornando-se,
portanto, apta a sofrer as respectivas consequências na esfera penal.
Logo, é evidente o porquê de se tratar de condutas neutras quando o
assunto são os honorários advocatícios, haja vista que o recebimento destes
é uma ação cotidiana dos advogados no exercício do seu labor. Afinal, como

73 LILLEY, Peter. Dirty dealing: the untold truth about global money laundering, international crime and terrorism. 3th
ed. London: Kogan Page, 2006. p. 74.
74 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Tradução livre de: “(...) if so much criminal money is being washed through legitimate businesses can any govern-
ment risk the social and political consequences of trying to stop it (...)”.
75 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 34.
76 LIMA, Vinicius de Melo. Lavagem de dinheiro e ações neutras: critérios de imputação penal legítima. Curitiba: Juruá,
2014. p. 53.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
90

qualquer atividade econômica, os advogados recebem uma retribuição pelos


seus serviços, que é feita através dos honorários advocatícios. Além disso, eles
são assegurados como um direito dos inscritos nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) pela Lei nº 8.906/94, em seu art. 2277. Assim, a
questão é saber quando o recebimento dos honorários advocatícios deixa de
ser uma conduta neutra e passa a ser criminosa.
Como visto, depreende-se que a conduta passa a ser criminosa quando
cria um risco proibido. Desse modo, pode-se afirmar que a conduta do advo-
gado será atípica enquanto permanecer dentro do limite do risco permitido.
Nesse passo, faz-se necessário esclarecer o que é um risco permitido. Risco
permitido, segundo Greco78, é um conceito que se refere a um risco permitido
por determinado ordenamento jurídico, ou seja, é a criação de um risco que,
embora possa de alguma forma violar um bem jurídico tutelado, está dentro do
âmbito do exercício de determinada atividade, pois todas as atividades geram
um certo grau de risco, ainda assim não se pode proibir todas, sob pena de
estar violando o direito de liberdade. Trata-se, portanto, de um risco ligado ao
regular exercício de uma atividade. Então, desde que se obedeçam às normas
da respectiva atividade, os eventuais riscos decorrentes de sua prática estarão
abrangidos pelo conceito do risco permitido.
Nesse ponto, deve-se ressaltar que a própria Lei nº 9.613/9879 estabeleceu
algumas atividades sujeitas a obrigações de comunicação de operações suspeitas
e de identificação de clientes, que foram ampliados pela Lei nº 12.683/201280.
Dentre essas atividades, algumas são praticadas por advogados, o que poderia
gerar a obrigação do advogado de colaborar. Sobre isso, há muita discussão na
doutrina, isto é, se existe ou não um dever de colaboração do advogado.
Essas obrigações decorrem da incapacidade do Estado de, isoladamente,
combater e prevenir a lavagem de dinheiro. Por isso, em razão da sensibilida-
de que alguns setores apresentam, que os tornam mais atrativos para serem
utilizados para a prática da lavagem de dinheiro, foram estabelecidas essas
obrigações. É uma cooperação entre o setor privado e o público com o fim

77 BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jul. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L8906.htm. Acesso em: 19 abr. 2019.
78 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 4. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 50-70.
79 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos
e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar.
1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm. Acesso em: 9 abr. 2019.
80 BRASIL. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente
a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2012. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm#art2. Acesso em: 9 abr. 2019.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 91

de identificar e rastrear processos de lavagem de dinheiro81. Dessa forma,


quem deixa de cumprir essas obrigações está criando um risco proibido, visto
que não é aprovado pelo ordenamento jurídico por ter deixado de adotar as
medidas exigidas pela lei82.
No entanto, no que tange à sujeição ou não dos advogados à obrigação
de comunicar operações suspeitas há muita controvérsia em razão do dever
de sigilo a que esses profissionais estão obrigados. A OAB, inclusive, já se
manifestou no sentido de que os advogados não estão sujeitos às obrigações
da Lei nº 9.613/9883. Mesmo assim, há entendimentos que não consideram to-
talmente incompatível a comunicação de operações suspeitas pelos advogados
com o sigilo profissional, mas desde que a atividade prestada pelo causídico
não seja voltada ao contencioso84. Por fim, válido acrescentar o comentário de
Badaró e Bottini85, que asseveram que “a representação de alguém em litígio
é a concretização do direito de defesa, e só pode ser praticada se presente a mais
absoluta confiança e transparência na relação entre advogado e cliente”.
A despeito de toda essa discussão, constata-se que o recebimento de
honorários advocatícios pela prestação de serviço no que tange à defesa em
processo criminal não está abarcado pelas atividades elencadas no art. 9º da Lei
nº 9.613/9886. Logo, ainda que se considere que os advogados estão sujeitos às
obrigações dos arts. 10 e 11 da Lei nº 9.613/9887, o recebimento de honorários
suspeitos não estaria sujeito à obrigação de comunicação.
Porém, isso gera um problema, porque, aos demais profissionais que
estão sujeitos às obrigações da Lei nº 9.613/98, basta comunicar a operação
suspeita, já que a referida Lei não exige um dever de abstenção da prática da
conduta, não podendo ser responsabilizados por eventual autoria ou partici-

81 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 40-42.
82 PRADO, Rodrigo Leite. Dos crimes: aspectos subjetivos. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. Cap. 7. p. 308-311.
83 ESTELLITA, Heloisa. Advocacia e lavagem de capitais: considerações sobre a conveniência da autorregulamentação.
In: ESTELLITA, Heloisa. (Coord.). Exercício da advocacia e lavagem de capitais. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 20.
84 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais
penais – comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 183-187 – grifos
do autor.
85 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais
– comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: RT, 2016. p. 187.
86 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos
e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar.
1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm. Acesso em: 9 abr. 2019.
87 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos
e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar.
1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm. Acesso em: 9 abr. 2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
92

pação no crime de lavagem de dinheiro, enquanto os advogados que recebem


honorários suspeitos não podem comunicar em razão do sigilo profissional,
mas se aceitarem estão sob o risco de sua atuação ser considerada criminosa
ao invés de uma conduta neutra.
Em todo o caso, é preciso analisar o caso concreto para verificar se
a conduta neutra em questão extrapolou o limite do risco permitido. Para
Greco88, para saber se a conduta neutra se encontra dentro do risco permitido
é preciso verificar se a recusa em praticá-la é suficiente para obstaculizar a
prática do crime pelo agente, a isso ele denomina de “critério da idoneidade
da proibição para melhorar a situação do bem jurídico concreto”. Nesse caso,
a recusa de um advogado em receber honorários de origem suspeita não
impediria o autor do delito antecedente, já que este poderia procurar outros
profissionais até que um aceitasse representá-lo e recebesse os honorários
maculados, bem como certamente ele também poderia procurar outros meios
de lavar o seu dinheiro ilícito.
De modo semelhante, Sánchez Rios89 acredita que a questão está no
aspecto objetivo da conduta, isto é, é preciso identificar se a conduta é desti-
nada a facilitar ou possibilitar a prática do delito, como no caso de contratos
simulados, logo, o recebimento dos honorários advocatícios como contra-
prestação pelos serviços prestados não ultrapassa o limite do risco permitido,
já que essa conduta não traz em si o fim de facilitar ou possibilitar a prática
de um delito. Aliás, continua o autor90, outro motivo para se considerar que
a conduta do advogado se encontra dentro do risco permitido é que a recusa
ao recebimento dos honorários não é suficiente para impedir ou dificultar a
prática do delito, uma vez que o autor da infração penal antecedente poderá
procurar outros advogados até alguém aceitar representá-lo. Nessa esteira,
Ambos91 apontam o absurdo da situação do advogado ter que questionar ao
cliente a licitude dos valores pagos a título de honorários advocatícios, o que é
prejudicial à sua atividade, visto que o potencial cliente continuará buscando
até encontrar algum profissional que não lhe faça tal questionamento.
Em sentido oposto, Lobato92 considera o critério de Greco insuficiente
para resolver a questão, sendo que uma das principais razões para tanto é o fato

88 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 4. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 85-86.
89 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 157-159.
90 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Direito penal econômico: advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 169.
91 AMBOS, Kai. Lavagem de dinheiro e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 59-60.
92 LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria da participação criminal e ações neutras: uma questão única de imputação objetiva.
Curitiba: Juruá, 2010. p. 70-73.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 93

de que não está claro quem seria o responsável pela definição da relevância
da conduta neutra para a prática do crime, mas que provavelmente ficaria a
cargo do juiz, o qual deveria analisar no caso concreto se a conduta adentrou
no campo do risco proibido, além de que o critério não é apto para resolver
todas as situações, sendo necessário se valer de outras construções.
Ainda assim, na tentativa de resolver a questão, Souza93 sugere a análise da
“(...) conformidade com as normas que regem o exercício profissional da advo-
cacia (...)”, isto é, de acordo com o autor, a partir do critério proposto por Greco,
pode-se vislumbrar que a facilidade de se obter outro profissional que praticasse
a mesma conduta reduziria se esta fosse contrária às normas que regem a profis-
são. Dessa forma, para saber se a conduta do advogado de receber os honorários
maculados se encontra dentro risco permitido ou proibido, deve-se verificar
se ela está de acordo com o Estatuto da OAB e o Código de Ética da profissão.
De fato, as condutas neutras constituem outro tema nebuloso na dou-
trina. Sob a ótica da imputação objetiva, tem-se que a conduta deixa de ser
neutra quando cria um risco proibido, ou seja, um risco que não é aprovado
pelo ordenamento jurídico. Todavia, só através da análise do caso concreto é
que se poderá saber se a conduta é neutra ou criminosa.
Isso posto, por meio das condutas neutras é possível obter uma resposta
para a questão dos honorários advocatícios maculados, porque o recebimento
dos honorários é uma conduta cotidiana da atividade dos advogados em de-
corrência da prestação dos seus serviços. Assim, seria preciso verificar se essa
conduta do advogado estaria criando um risco proibido. Contudo, percebe-se
que a doutrina ainda não é unânime no que tange à solução para esse problema,
sendo que uma das soluções viáveis apontadas é a verificação da conformidade
da conduta com a regulamentação da profissão.
Logo, trata-se de questão sensível ligada ao direito de liberdade do
exercício da profissão, uma vez que diz respeito à retribuição pelos serviços
prestados pelo profissional e pode gerar uma restrição desse direito, bem
como ao direito à ampla defesa, ambos direitos fundamentais essenciais num
Estado Democrático de Direito.

5 Considerações Finais
A lavagem de dinheiro consiste no processo por meio do qual o
produto de uma infração penal é submetido a procedimentos destinados a

93 SOUZA, Alvaro Augusto Macedo Vasques Orione. Estudo de casos acerca da advocacia consultiva e do recebimento
de honorários maculados. In: ESTELLITA, Heloisa (Coord.). Exercício da advocacia e lavagem de capitais. Rio de Janeiro:
FGV, 2016. Parte II. Cap. 1. p. 217-218.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
94

afastá-lo de sua origem delitiva. A criminalização dessa conduta tem origem


principalmente na década de 1980 e tomou proporções internacionais em
1988 com a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Substâncias Psicotrópicas
e Entorpecentes, conhecida como Convenção de Viena de 1988, sendo que,
no Brasil, foi criminalizada através da Lei nº 9.613/98.
No entanto, ainda hoje não há um consenso na doutrina e na jurispru-
dência a respeito do bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro.
Percebe-se que tem maior expressão os entendimentos no sentido de que o
bem jurídico seria a administração da justiça ou a ordem socioeconômica,
porém isso não significa excluir outros entendimentos no sentido de que se
trata de um crime pluriofensivo ou de que o bem jurídico seria o mesmo da
infração penal antecedente.
Também se verifica que não há consenso sobre o enquadramento da
conduta de receber honorários advocatícios oriundos de atividades ilícitas
no tipo penal da Lei nº 9.613/98. Dentre as condutas descritas nesse tipo
penal, percebe-se que o recebimento de honorários advocatícios poderia ser
enquadrado no inciso II do § 1º ou no inciso I do § 2º, ambos do art. 1º da
Lei nº 9.613/98, só que o primeiro exige a finalidade de ocultar ou dissimular,
enquanto o outro não faz essa exigência. Dessa forma, ainda que controverso,
o recebimento dos honorários advocatícios maculados pagos por serviços
efetivamente prestados pelo advogado na representação de seu cliente em um
processo criminal só poderia ser enquadrado no segundo dispositivo, desde
que não presente a finalidade exigida pelo outro dispositivo.
Todavia, essa é uma questão delicada, em razão da possibilidade de
violação de direitos fundamentais e também por se tratar da possibilidade
de se criminalizar uma conduta cotidiana no dia a dia do profissional. Nesse
sentido, as condutas neutras surgem como uma possível solução para esse
problema, já que são condutas praticadas no âmbito de uma atividade social
ou profissional diariamente, mas que podem contribuir para a prática de uma
atividade criminosa.
Logo, em princípio, devem ser concebidas como atividades lícitas, que
só passarão a ter relevância penal se transbordarem o risco permitido pela ativi-
dade. Contudo, isso só vai poder ser analisado no caso concreto. Assim, tendo
em vista que todas as atividades possuem riscos inerentes, é preciso verificar
se a conduta está em conformidade com a regulamentação da profissão, caso
não esteja, pode se estar diante da criação de um risco proibido, o que faz a
conduta deixar de ser neutra.
Todavia, um possível enquadramento da conduta do advogado gerará
insegurança jurídica para os profissionais, principalmente para os que traba-
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 95

lham na seara penal, dificultando muito o exercício dessa atividade de forma


livre e independente, bem como poderia prejudicar o direito de defesa do
investigado ou réu. Assim, conclui-se que o enquadramento da conduta do
advogado como lavagem de dinheiro não pode ser feito de forma irrestrita, é
preciso, portanto, analisar o caso concreto para verificar se foram praticados
atos de ocultação ou dissimulação ou em desacordo com a regulamentação da
profissão por parte do causídico, pois, do contrário, pode resultar em violação
a direitos fundamentais.
Por isso, são necessários mais estudos a respeito dessa temática, qual
seja o enquadramento do recebimento de honorários advocatícios maculados
como lavagem de dinheiro, especialmente quando são resultado do exercício
do direito de defesa no processo penal, porque uma criminalização da con-
duta não afeta só a liberdade de exercício da profissão pelo advogado, mas
também o direito do investigado ou réu de se defender, ainda mais diante das
tentativas dos legisladores em o fazê-lo. E, mesmo que as condutas neutras
possam parecer uma solução para o problema, ainda não está muito claro até
que ponto a conduta do advogado estaria nela abarcada, dependendo, assim,
da análise do caso concreto.

TITLE: The acceptance of tainted attorney’s fees and the money laundering crime.

ABSTRACT: The issue of the acceptance of tainted attorney’s fees is still very controversial in Brazil,
especially when the current money laundering criminal type is broad enough to encompass such conduct.
For this reason, this article aimed to study the framework of the conduct of accepting tainted attorney’s
fees in money laundering crime, especially when obtained within the scope of criminal defenses. For that,
it was used the deductive method and the bibliographic research. Thus, it was verified that the conduct
under study might be framed in one of the conducts described in the criminal type of Act 9.613/98.
However, it needs caution to do not violate fundamental rights. The answer seems to be in the objective
imputation theory. Thus, the conduct only could be considered a crime when exceeded the permitted
risk. Nevertheless, this relies on the analysis of the concrete case.

KEYWORDS: Money Laundering. Attorney’s Fees. Neutral Conduct.

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Recebido em: 28.05.2020


Aprovado em: 26.06.2020
Doutrina

A (Im)Possibilidade de Acesso a Provas


Obtidas em Aplicativo de Mensagens
Instantâneas sem Autorização Judicial

Américo Bedê Freire Júnior


Doutor em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito
de Vitória; Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais
pela Faculdade de Direito de Vitória; Juiz Federal Titular em
Vitória – ES.

Eduardo Domingues Rezende


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direitos e
Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória
– ES; Chefe de Gabinete de Subprocurador no Ministério
Público do Estado do Espírito Santo.

RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar se é lícita a obtenção de provas,


por parte de agentes da segurança pública, de dados constantes em aplicativo de
mensagens instantâneas (WhatsApp) sem a autorização de autoridade judiciária.
Para tanto, será feita uma análise da jurisprudência proferida pelos diversos
Tribunais do país sobre o tema, o que destaca a necessidade de formação de
precedentes judiciais, tendo em vista a constatação de decisões confrontantes.
Analisar-se-á como se dá a proteção do direito à intimidade, à vida privada e à
comunicação de dados do indivíduo pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem
como a interpretação do conceito dado pela doutrina sobre o direito à intimidade
e à vida privada, especialmente. Assim, utilizando como metodologia a pesquisa
bibliográfica, sob uma abordagem dialética, concluiremos, sem esgotar os estudos
sobre o tema, que possível a obtenção lícita de provas extraídas de aplicativos
de mensagens instantâneas durante a abordagem policial, especialmente nos
casos em que houver a concordância do indivíduo ou em situação de flagrante
em delito, em que a alegação do direito à intimidade sucumbe diante de sua
alegação abusiva.

PALAVRAS-CHAVE: Provas. Aplicativo de Mensagem Instantânea. Flagrante


Delito. Possibilidade.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Entendimento da Jurisprudência Pátria e Neces-


sidade de Formação de Precedentes. 3 A Proteção Dada pelo Ordenamento
Jurídico Brasileiro. 4 Da Possibilidade de Acesso às Mensagens de Aplicativos
de Celular Durante Flagrante Delito. 5 Considerações Finais. 6 Referências
Bibliográficas.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 99

1 Introdução
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XII, dispõe ser inviolável
o sigilo de dados e das comunicações telefônicas, com exceção, do último
caso, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução penal.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, após pedido de vista
da Ministra Cármen Lúcia, no dia 11 de junho de 2019, suspendeu o jul-
gamento do Habeas Corpus 168.052, que discute a licitude da obtenção de
provas em aplicativo de mensagens instantâneas sem a autorização judicial,
mais especificamente durante a abordagem policial.
O relator do referido processo, Ministro Gilmar Mendes, iniciou a vo-
tação no sentido de considerar nulas as provas obtidas através de conversas no
aplicativo, e também as que porventura foram encontradas em decorrência delas.
Utilizou-se, para tanto, dos dispositivos constitucionais descritos nos
incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, eis que violaria a
intimidade, a vida privada e o sigilo às comunicações telefônicas do acusado.
Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento, em
julgamento proferido no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 51.531, de
que “ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de WhatsApp, ob-
tidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia
autorização judicial”.
Ocorre que o entendimento ainda não é pacificado pela jurisprudência,
impossibilitando a unificação das decisões proferidas pelo Poder Judiciário
em toda sua jurisdição.
É possível, a título de ilustração, demonstrar que os Tribunais ainda
divergem sobre o tema, a ver o julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça
do Distrito Federal no Habeas Corpus 0025872-89.2016.8.07.0000, que en-
tendeu que “a apreensão do celular do réu e a verificação pelos policiais de
mensagens, indicativas de tráfico de drogas, não configura intercepção telefô-
nica ou quebra de sigilo dos dados, a demandar prévia autorização judicial”.
Nesse sentido, é inquestionável que as provas, para fins processuais, são
relevantes elementos para formar a convicção do magistrado ao emitir um jul-
gamento definitivo sobre o caso que vier a ser apresentado. Em âmbito penal,
o material probatório possui relevância ainda maior, tendo em vista as garantias
constitucionais que o acusado possui, em especial o princípio do in dubio pro reo.
Em vista dessas garantias constitucionais do acusado que, evidentemen-
te, são vitais em um Estado Democrático de Direito, a produção probatória
irregular ou ilícita pode ocasionar a nulidade absoluta de todo e qualquer
procedimento que vier a ser praticado, posteriormente, no processo.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
100

Tal fato ocasiona, muita das vezes, a própria ineficácia processual, eis
que a anulação de uma prova produzida antes da denúncia pode, pelo decurso
de tempo hábil para renovação das práticas processuais, gerar a prescrição de
um crime, por exemplo.
Dessa forma, é imprescindível para todos os cidadãos e, em especial,
aos operadores do direito, ter o conhecimento prévio de qualquer nulidade
probatória, a fim de garantir um processo justo e efetivo, seja para o acusado
ou para própria sociedade em si, tendo em vista os custos elevados de uma
tramitação processual longa.
O presente trabalho pretende realizar a análise dos dispositivos consti-
tucionais e infraconstitucionais que (in)justificam a obtenção de provas através
de aplicativos de mensagens instantâneas sem autorização pelo órgão judicial.
Para tanto, questiona-se o seguinte: é lícita a obtenção de provas por meio do
acesso, durante abordagem policial, ao aplicativo de mensagens instantâneas
do indivíduo, sem autorização judicial prévia?
Conforme dito, se torna relevante a pacificação do entendimento juris-
prudencial sobre o tema, diante de inegável insegurança jurídica dos operado-
res do direito e do próprio acusado que, caso o entendimento seja pela ilicitude
da prova, poderá fazer, desde logo, valer os seus direitos constitucionais.
Outrossim, a criação de precedente sobre o tema é relevante diante
da reconhecida mora do Poder Judiciário na resolutividade de processos. A
discussão sobre o tema, caso pacificada, evitará, por exemplo, a interposição
de recursos e o consequente decurso do tempo para resolução do assunto.

2 Entendimento da Jurisprudência Pátria e Necessidade de


Formação de Precedentes
Faz-se necessário registrar a relevância do presente trabalho sob a ótica
dos precedentes judiciais, tendo em vista que a questão ainda não foi pacificada
no Supremo Tribunal Federal.
Os precedentes constituem importante mecanismo para garantir seguran-
ça jurídica às decisões judiciais, especialmente em face do notório descrédito pelo
qual perpassa o Poder Judiciário, que passou a ser questionado pela sociedade.
Corroborando com a afirmação supramencionada, Hermes Zaneti
Junior (2018, p. 124) afirma que:

“É de perceber que os precedentes exigem interpretação como ocorre com


todo e qualquer texto legislativo, mas a existência de um precedente passa
a ser aspecto fundamental da fundamentação hermenêutica e analítica
adequada da decisão judicial.”
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 101

O Supremo Tribunal Federal iniciou no dia 11 de junho de 2019 o


julgamento do Habeas Corpus 168.052, que discute a validade de provas
obtidas, em flagrante delito, por meio de acesso ao aplicativo de mensagens
instantâneas por policiais militares.
Registra-se que, de posse das informações obtidas no referido aplicativo,
os policiais militares encontraram a localização de substâncias entorpecentes,
arma de fogo e grande quantidade de dinheiro em espécie, ocasionando a
condenação do réu em primeira e segunda instâncias.
A defesa, irresignada, interpôs habeas corpus junto à Suprema Corte, ale-
gando a nulidade das provas produzidas na investigação e nos autos do processo,
eis que não autorizou os policiais militares acessarem seu aparelho celular e,
somente dessa forma, foi possível constatar a prática dos crimes a ele imputados.
O processo foi distribuído ao Relator Ministro Gilmar Mendes, que
proferiu voto em sessão, no sentido de considerar ilícitas as provas obtidas,
mormente pelo fato de que a apreensão das drogas, dinheiro e arma de fogo
somente ocorreu após o acesso indevido ao celular do réu.
De acordo com o Ministro-Relator, o acesso às referidas mensagens
por policiais militares, durante abordagem policial e flagrante delito, violaria
o direito à intimidade e à vida privada do cidadão, especialmente por não ter
sido precedida de autorização judicial.
Todavia, o presente caso não pode ser analisado pela 2ª Turma do Su-
premo Tribunal Federal, em razão do pedido de vista da Ministra Cármen
Lúcia e a consequente suspensão de seu julgamento.
Caso seja recolocado em pauta e julgado, a referida decisão poderá
constituir-se em precedente obrigatório, nos termos do art. 927 do Código
de Processo Civil, constituindo-se em relevante tese jurídica que deve ser
devidamente amadurecida.
O indício apontado pelo Supremo Tribunal Federal, até o presente mo-
mento, é pela decretação de nulidade das provas colhidas pela polícia militar
em celular apreendido no ato flagrancial, sem a devida autorização judicial.
Outrossim, relevante destacar que o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça caminha na mesma direção, notadamente da análise do Recurso
em Habeas Corpus 89.981/MG (HC 1.0000.17.056134-4), em que houve a
reforma da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para
reconhecer a ilicitude da colheita de dados dos aparelhos telefônicos (conversas
em aplicativos de mensagens instantâneas) sem autorização judicial.
A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, objeto
de reforma pelo Superior Tribunal de Justiça, corroborando o entendimento
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
102

firmado pelo juízo de primeira instância, havia considerado infundada a tese


de nulidade da prova obtida, em flagrante delito, através do acesso imediato
ao aplicativo WhatsApp do aparelho celular de um dos suspeitos.
Alegou, em síntese, que, em que pese a privacidade, intimidade e o sigilo
das comunicações telefônicas encontrem-se constitucionalmente assegurados,
o acesso às conversas telefônicas constituem o exame em instrumento utilizado
na prática de crime, constituindo, inclusive, corpo de delito.
Da análise do contraste de entendimentos firmados pelo Poder Judiciá-
rio sobre o mesmo tema, é possível perceber que a formação de um precedente
pela Suprema Corte faz-se necessária, devendo ser analisados detidamente os
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que (in)justificam o acesso
a provas obtidas, durante abordagem policial, em aplicativo de mensagens
instantâneas do indivíduo, sem autorização judicial.

3 A Proteção Dada pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro


A Constituição Federal de 1988, em seu Título II, descreve os direitos
e garantias fundamentais, definindo em seu Capítulo I, os direitos e deveres
individuais e coletivos, considerados cláusulas pétreas do ordenamento jurídico
brasileiro, na forma do inciso IV, § 4º, do art. 60 da referida Carta Constitucional.
A inobservância de tais preceitos pode configurar grave violação de
ordem constitucional, sendo imprescindível deveras cautela quando da sua
interpretação.
Não obstante serem considerados cláusulas pétreas, os direitos funda-
mentais não são absolutos, conforme se depreende das considerações feitas
por Flávio Martins Alves Nunes Júnior (2018, p. 237):
“Entendemos que, como os direitos fundamentais são postos em nossa
Constituição como princípios, e não regras, devem ser considerados como
mandamentos de otimização, ou seja, devem ser cumpridos no grau má-
ximo de sua efetividade.”

Conforme argumentação trazida pelo autor, o entendimento é de que


os direitos fundamentais são, na verdade, princípios e, portanto, considerados
mandamentos de otimização constitucional. Nesse sentido, sua aplicação deve
se dar de forma a garantir um grau máximo de efetividade, desde que não coli-
dam com outros princípios, caso em que pode ser restringida pela ponderação.
Complementando o entendimento de que nenhum direito fundamental
é absoluto, Américo Bedê Freire Júnior (2006, p. 57) afirma, ainda, que tais
direitos não podem servir como escudo à prática de crimes ou atos ilegais,
senão vejamos:
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 103

“Nenhum direito fundamental é absoluto (...). Deveras os direitos fun-


damentais não podem servir de escudo para a prática de crimes ou de
atos ilegais ou mesmo imorais, constata-se claramente a necessidade de
restrições aos direitos fundamentais.”

No tocante à aplicação do direito, o Poder Judiciário é órgão consti-


tucionalmente competente para análise das demandas de toda ordem. Com
enorme influência positivista, era considerado, até poucos anos atrás, como
mero reprodutor e aplicador da norma posta ao caso concreto. A superação,
em grande parte, do paradigma positivista pelos órgãos jurisdicionais, durante
os últimos anos, foi perceptível.
Nesse viés, Alexandre de Castro Coura (2009, p. 73) entende que o
Poder Judiciário passou a trabalhar, quando da aplicação do direito ao caso
concreto, com princípios jurídicos, e não mais a simples subsunção do caso à
regra posta, conforme denota-se na seguinte passagem de seu livro:

“(...) constatou-se que o Poder Judiciário tem que lidar com princípios
jurídicos, e não apenas com um conjunto fechado de regras. Dessa forma,
o reconhecimento da indeterminação estrutural do Direito tornou-se o
ponto de partida para as considerações acerca da Constituição, dos direitos
fundamentais e do próprio papel dos juízes e tribunais.”

Cabe, portanto, ao Poder Judiciário, quando da aplicação do caso


concreto, buscar a máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais
estabelecidas pela norma constitucional.
Não obstante a necessidade garantir a máxima efetividade dos direitos
e garantias fundamentais, o Poder Judiciário não pode quedar-se alheio às
alterações fáticas da sociedade a qual está sujeita a sua jurisdição.
Conforme denota a autora Silvia Barona Vilar (2017, p. 449), a sociedade
se transformou de forma repentina e agressiva, especialmente no tocante ao
seu comportamento, durante século XXI:

“La sociedad se ha transformado, como si la entrada en el siglo XXI hubiera


exigido una metamorfosis agresiva, transformativa, desvalorizada, y con
enormes dosis de eficiencia y eficacia (los grandes desvalores de la sociedad
contemporánea) en todos los aspectos y niveles de la vida: en lo económico,
en las estructuras, en la sociedad, en el Estado, en el pensamiento y en las
ideas y por supuesto en el comportamiento.”

No início da década de 2010, os aplicativos de mensagens instantâneas


praticamente eram inexistentes e, certamente, não eram de tão fácil acesso
como é hoje.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
104

A facilidade de acesso aos diversos novos meios de comunicação, em


que pese os inúmeros e notáveis benefícios, também serviram e servem para a
prática de ilícitos. E, para isso, o Poder Judiciário necessita a mesma dinâmica
para não tornar vazia a própria aplicação do direito.
Não obstante, o Ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto no
julgamento do Habeas Corpus 168.052, concluiu que o acesso aos dados
constantes de conversa no aplicativo WhatsApp durante abordagem policial
em flagrante, é capaz de atingir sua intimidade, vida privada e o sigilo de suas
comunicações telefônicas. Imperioso, antes de tudo, entender qual o conceito
dado ao direito à intimidade e à vida privada, a fim de viabilizar sua aplicação
no caso concreto.
Dirley da Cunha Júnior (2014, p. 572) entende por direito à intimi-
dade aquele “direito de proteção dos segredos mais recônditos do indivíduo,
como a sua vida amorosa, a sua opção sexual, o seu diário íntimo (...), as suas
próprias convicções”.
Afirmando se tratar de direito fundamental diverso, Dirley (2014,
p. 572) considera o direito à vida privada sob uma perspectiva mais ampla,
relacionando-se com a sua “vida em família, no trabalho e no relacionamento
com os seus amigos”.
Américo Bedê Júnior (2015, p. 74), por sua vez, ao abordar sobre o
tema, entende que não há diferenciação prática entre o direito à intimidade
do direito à vida privada.
O direito à intimidade, ou também o direito à vida privada, não deve ser
compreendido de forma absoluta, sobretudo pelo fato de não existir direitos
fundamentais que não admitem exceção.
Bedê Júnior (2015, p. 75), nesse sentido, aduz que o direito à intimidade
somente é objeto de proteção constitucional se for devidamente motivado, ou
seja, “seu uso regular é tutelado constitucionalmente, o abuso, não”.
Dessa forma, se houver motivação plausível, a intimidade do indivíduo
não pode ser alegada irrestritamente. A prática de crimes não pode ser aco-
bertada pelo direito à intimidade, especialmente quando se verificar indícios
de sua prática durante a abordagem policial.
Ressalta-se que, conforme ensinamentos de Bedê Júnior (2015, p. 76):
“Não há um único modo de vida legítimo, vivemos a era multicultural,
mas isso não significa uma intimidade absoluta, pelo contrário, reforça a
necessidade de compreender que o alcance do direito individual é finito,
uma vez que é preciso equacioná-lo com o respeito aos direitos funda-
mentais dos outros cidadãos e aos deveres do Estado, dentre os quais se
destaca o de segurança.”
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 105

Não se defende aqui que o direito à intimidade não deve ser protegido
em nenhuma hipótese, mas a aplicação do direito deve levar em consideração,
além dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, as circunstâncias
do caso, especialmente as que levaram à abordagem do indivíduo.
Não se olvida que há casos de abusos praticados por agentes da segurança
pública durante o exercício de sua função e que isso também deve ser levado
em consideração quando da análise probatória dos autos do processo judicial,
podendo justificar a invalidação de prova ou o relaxamento de prisão ilegal.
Todavia, não se trata de regra, e também há mecanismos que visam
apurar eventual abuso de tais servidores, como a instauração de procedimento
administrativo disciplinar ou a própria responsabilização penal do servidor pú-
blico, especialmente em face da publicação da nova lei de abuso de autoridade.
Faz-se necessário, pois, entender que o direito à intimidade do indivíduo
é digno de proteção constitucional, devendo ser respeitado pelo Estado e pelos
demais jurisdicionados. Contudo, a utilização do referido direito fundamental
como escudo à prática de ilícitos penais configura abuso de direito, justificando
eventual restrição praticada por autoridades públicas.

4 Da Possibilidade de Acesso às Mensagens de Aplicativos de


Celular Durante Flagrante Delito
Sob essa perspectiva, a análise dos dispositivos constitucionais e infra-
constitucionais que tratam sobre os direitos à intimidade, à vida privada e ao
sigilo às comunicações telefônicas do acusado torna-se necessária, tendo em
vista que é recorrente a colheita de provas produzidas em aplicativo de mensa-
gens instantâneas por agentes da segurança pública durante flagrante em delito.
Justamente por se tratar de flagrante em delito, torna praticamente in-
viável qualquer autorização prévia por parte do Poder Judiciário, o que torna
a colheita dessa prova, a priori, ilícita.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos X e XII, trata
sobre dois dispositivos importantes para análise do caso apresentado, quais
sejam o direito à intimidade do acusado e a inviolabilidade de suas comuni-
cações telefônicas, senão vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

(...)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
106

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
(...)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegrá-
ficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal.”

Da análise de ambos dispositivos podemos depreender que visam pro-


teger o indivíduo contra as ingerências contra sua intimidade, especialmente
em se tratando de comunicações telefônicas.
Nesse ponto, importante consignar que o caso paradigmático, objeto
do presente estudo, refere-se à possibilidade de acesso a conversas trocadas
por meio de aplicativo telefônico entre o acusado e terceiros, e não o mero
acesso aos dados telefônicos, como a agenda telefônica ou registros de ligações.
Visando regular o uso da internet no Brasil, foi publicada no dia 23 de
abril de 2014 a Lei Federal nº 12.965. Em seu art. 7º, inciso VII, estabeleceu
como direito do usuário o “não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais,
inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante
consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses prevista em lei”.
Outrossim, em 14 de agosto de 2019 foi publicada a chamada Lei Geral
de Proteção de Dados (Lei Federal nº 13.709), que trata sobre o tratamento
de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, com o objetivo proteger os
direitos fundamentais de liberdade e de privacidade do indivíduo.
A supracitada normativa, em seu art. 7º, inciso I, dispõe que o trata-
mento de dados pessoais do cidadão somente poderá ser realizado mediante o
fornecimento de seu consentimento escrito ou por outro meio que demonstre
a manifestação de sua vontade (art. 8º).
Verifica-se, portanto, que ambas as normativas visam resguardar a intimi-
dade e o sigilo de dados do indivíduo, mas também abrem a exceção para que,
caso fornecido de livre e espontânea vontade, possam ser fornecidos a outrem.
O consentimento do indivíduo, conforme explanado acima, pode
ser feito de forma escrita, quando os policiais militares deverão colher sua
declaração e assinatura ao lavrar o boletim de ocorrência ou por qualquer
outro meio que demonstre sua manifestação, como a oitiva posterior perante
a autoridade policial.
Nesse sentido, vale registrar que já há um consenso jurisprudencial
sobre a legalidade de acesso às mensagens de aplicativo telefônico com a
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 107

concordância do indivíduo, a ver o recente pronunciamento do e. Superior


Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 492.052, in verbis:
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ACESSO A DADOS
CONTIDOS NO CELULAR DOS RÉUS. ILICITUDE. NÃO OCOR-
RÊNCIA. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO, DE FORMA VOLUNTÁRIA, DOS
PRÓPRIOS ACUSADOS. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º,
DA LEI Nº 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. MAUS ANTECEDENTES.
REGIME FECHADO. ADEQUAÇÃO. HABEAS CORPUS DENEGADO.
(...) 2. Pelo contexto fático que ficou delineado nos autos, há elementos
suficientes o bastante – produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa – a evidenciar que os próprios pacientes, de forma voluntária, autori-
zaram aos policiais o acesso ao celular, o que afasta a apontada violação dos
dados armazenados no referido aparelho e, consequentemente, a aventada
ilicitude das provas obtidas.” (HC 492.052/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, Sexta Turma, j. 26.05.2020, DJe 02.06.2020)

No caso supramencionado, os acusados prestaram depoimento perante


a autoridade policial afirmando ter consentido o acesso às mensagens, o que
fora confirmado, inclusive, na via judicial, perante o magistrado, não restando
dúvidas de sua legalidade.
Contudo, há casos, e se trata da maioria deles, em que o indivíduo não au-
toriza os agentes policiais acessarem as mensagens e demais dados de seu celular,
mas que há entendimento jurisprudencial e doutrinário pela sua possibilidade.
A título de ilustração, os autores Cleber Masson e Vinícius Marçal (2018,
p. 240) citam o voto proferido pela Ministra Maria Thereza Assis Moura, no
julgamento do RHC 51.531, afirmando que
“a depender do caso concreto, ficando evidenciado que a demora na obtenção
de um mandado judicial pudesse trazer prejuízos concretos à investigação
ou especialmente à vítima do delito, mostre-se possível admitir a validade
da prova colhida através do acesso imediato aos dados do aparelho celular.”

Para tanto, de acordo com Masson e Marçal (2018, p. 241), apud Biffe
Júnior,
“nas hipóteses em que, dada a urgência desmedida e a excepcionalidade
da situação, for o caso de se efetuar a busca exploratória sem mandado
judicial sobre os dados depositados no aparelho apreendido, deverá a au-
toridade policial realizar um despacho escrito, justificando a necessidade
de afastamento da expectativa de privacidade do possuidor do aparelho
em virtude das peculiaridades do caso concreto, demonstrando, de forma
inequívoca, a urgência na obtenção das informações e/ou o risco concreto
de perecimento destas.”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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Nesse sentido, admitindo a possibilidade de acesso, em casos excepcio-


nais e de urgência, aos dados depositados no aparelho celular do apreendido,
os autores entendem que a autoridade policial deverá realizar despacho escrito,
justificando a necessidade de afastamento da expectativa de privacidade do
possuidor do aparelho e a urgência na obtenção de tais informações.
Defende-se aqui, portanto, que não deve ser exigido dos policiais mili-
tares, ao se defrontarem com a prática de crime, a prévia autorização judicial
ou do próprio indivíduo para o acesso às mensagens trocadas em seu aparelho
celular, especialmente pela impossibilidade de se opor a intimidade, de forma
abusiva, quando constatada a prática de ilícito penal.
Nessa linha de raciocínio, Américo Bedê Freire Júnior (2015, p. 76)
defende que:
“Agiu de modo acertado o constituinte, uma vez que, de fato, quem está
em flagrante delito não pode opor a intimidade para invalidar sua prisão.
A alegação genérica de intimidade não deve ser aplicada nessa situação.
Existindo, portanto, um motivo relevante, a intimidade pode ser mitigada.
Defende-se nessa linha que a intimidade protegida constitucionalmente é a
intimidade motivada, ou seja, existe a proteção contra a bisbilhotice, contra
a mera curiosidade do cidadão ou do Estado, todavia, essa intimidade pode
ser afastada se existir um motivo relevante.”

Outrossim, não há correntes e nem dúvidas de que o celular do indi-


víduo pode ser apreendido pelos policiais militares e que, posteriormente,
pode ser requerido o acesso às mensagens ao juízo.
Nesse caso, confirmada a presença do flagrante, não há nenhum mo-
tivo legítimo para o seu indeferimento, sendo apenas questão de celeridade
processual a possibilidade de acesso às mensagens durante o flagrante delito.
Registra-se que os direitos e garantias constitucionalmente garantidos,
obviamente, devem ser observados e, ao se aplicar o direito, interpretados de
forma a garantir sua máxima efetividade.
Contudo, não se mostra viável que um indivíduo suspeito da prática
de crime se escuse, de forma legal, de apresentar suas mensagens e dados
telefônicos, especialmente por estarmos diante de situação flagrancial.

5 Considerações Finais
Hodiernamente, nossa sociedade presencia enorme revolução tec-
nológica e a utilização de aplicativos de mensagens instantâneas foi, sem
dúvidas, um importante condutor para acelerar ainda mais o seu processo
de globalização.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 109

O Poder Judiciário, ao realizar sua tarefa precípua de aplicar o direito


ao caso concreto, não pode quedar-se alheio a tais fatos, mormente quando
diversas ações, cíveis ou penais, são ajuizadas e levadas ao seu conhecimento
diariamente.
No caso objeto do presente estudo, restou demonstrado que o Poder
Judiciário ainda não emitiu a “palavra final” no tocante à possibilidade de se
obter licitamente provas mediante o acesso, por agentes da segurança pública,
aos dados constantes de aplicativo de mensagens do telefone do acusado.
O Supremo Tribunal Federal deu indícios, pelo voto proferido pelo
Ministro-Relator, de que seu entendimento será fixado no sentido de reco-
nhecer a ilegalidade de tais provas, mormente pelo fato do Superior Tribunal
Justiça já ter proferido decisões no mesmo sentido.
Contudo, faz-se necessário entender que nenhum direito fundamental
é de todo absoluto, podendo ser restringido em determinados casos, especial-
mente quando ficar constatado o seu abuso.
Douglas Fischer (2019, p. 510), em seu artigo “críticas a alguns entendi-
mentos doutrinários e jurisprudenciais na declaração das nulidades em razão
de supostas provas ilícitas no processo penal”, entende que:

“(...) a própria Constituição prevê exceções à intimidade, exigindo a devida


ponderação no caso a caso a ser feita pelo Poder Judiciário. Tais posicio-
namentos extremos esquecem que não há direitos de natureza absoluta.
Quando necessárias (e utilizadas de formas excepcionais), estas formas de
produção de provas necessitam a flexibilização de direitos fundamentais
(notadamente os de primeira geração) exatamente para compatibilizar com
os demais direitos existentes no bojo normativo do mesmo regramento
fundamental.”

Verificou-se, de tudo que foi exposto, que o ordenamento jurídico


brasileiro busca, a priori, garantir o direito à intimidade e à vida privada do
indivíduo, não admitindo, por regra, a devassa de suas mensagens durante a
abordagem policial, salvo por autorização judicial prévia.
Entretanto, buscou-se defender a existência de duas outras exceções,
quais sejam a autorização do próprio indivíduo e a verificação de situação
flagrancial, em que o indivíduo não pode se blindar sob a alegação de suposta
violação ao direito à intimidade e/ou vida privada.
O primeiro caso justifica-se pelo fato de que a legislação infracons-
titucional que trata sobre o tema, especialmente a Lei Geral de Proteção de
Dados (Lei Federal nº 13.709/2018) e o Marco Civil da Internet (Lei Federal
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
110

nº 12.965/2014) demonstram a possibilidade de agentes de segurança pública


obterem acesso ao aplicativo de mensagens instantâneas do indivíduo durante
abordagem, desde que este manifeste sua concordância.
Tal manifestação pode ser de forma escrita, quando os policiais militares
deverão colher sua declaração e assinatura ao lavrar o boletim de ocorrência,
ou por qualquer outro meio que demonstre sua manifestação, como a oitiva
posterior perante a autoridade policial e/ou judicial, em eventual audiência
de custódia.
Há, inclusive, entendimento firmado, em recente julgado do Superior
Tribunal de Justiça (HC 492.052), no sentido de que a autorização voluntária
do acesso às mensagens do celular dos indivíduos afasta a ilicitude das provas
ali obtidas.
De outro lado, admite-se também a possibilidade de acesso às men-
sagens de aplicativos de celular do indivíduo, durante flagrante em delito,
especialmente pela inviabilidade de ser alegado o direito à intimidade ou vida
privada para se esquivar de eventual prisão ou condenação.
Por fim, importante registrar que não se defende uma total relativização
dos referidos princípios constitucionais, especialmente quando ficar consta-
tado que o abuso foi cometido pela própria autoridade pública.
Mas cabe ao Poder Judiciário levar em consideração, para fins de con-
solidar seu entendimento e formar precedente relevante, as especificidades
do caso concreto e a constatação de que o indivíduo não pode se albergar na
alegação de violação de seu direito à intimidade, que não é absoluto.

TITLE: The (im)possibility of accessing evidence obtained in instant messaging application without legal
authorization.

ABSTRACT: The present paper aims to analyze whether it is lawful for public security agents to obtain
evidence of data contained in an instant messaging application (WhatsApp) without the authorization of a
judicial authority. To this end, it will be made an analysis of the case law from the different Courts in the
country on the subject, which highlights the need for the formation of judicial precedents, in view of the
verification of conflicting decisions. It will be analyzed how the right to intimacy, privacy and data com-
munication of the individual is protected by the Brazilian legal system, as well as the interpretation of the
concept given by the doctrine on the right to intimacy and privacy, especially. Thus, using bibliographic
research as a methodology, under a dialectical approach, we will conclude, without exhausting the studies
on the topic, that it is possible to obtain lawfully evidence extracted from instant messaging applications
during the police approach, especially in cases where there is agreement of the individual or in a situation
of caught in the act, in which the allegation of the right to intimacy succumbs to his abusive allegation.

KEYWORDS: Evidences. Instant Messaging Application. Caught in the Act. Possibility.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 111

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Recebido em: 11.06.2020


Aprovado em: 10.07.2020
Doutrina

Direitos da Personalidade e a Lei Maria


da Penha: o Dilema das Cautelares nos
Tribunais de Justiça do Brasil
Hugo Rogerio Grokskreutz
Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade
CESUMAR; Especialista em Ciências Penais e Direito
Constitucional, ambas pela ANHANGUERA-UNIDERP;
Bacharel em Direito pela Faculdade Integrado de Campo
Mourão; Advogado; Docente e Coordenador do Curso de
Direito do Centro Universitário La Salle (UniLaSalle/Lucas);
Representante de 21ª Subseção da OAB/MT na ESA/MT.

Gustavo Noronha de Ávila


Pós-Doutorado em Psicologia pela PUCRS; Doutor e Mestre em
Ciências Criminais pela PUCRS; Especialista em Formación
Especializada en Derechos Humanos pela Universidad Pablo de
Olavide; Bacharel em Direito pela PUCRS; Advogado; Docente
do Curso de Direito da PUC-PR, da Graduação em Direito e
do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas e Doutorado em
Direito da Universidade CESUMAR.

RESUMO: A subjugação da mulher acarretou o surgimento do movimento fe-


minista, que em suas quatro ondas influenciou o nascimento de figuras protetivas
no sistema universal e regional americano de Direitos Humanos, assim como no
Brasil mediante a criação da Lei Maria da Penha. Tal legislação extravagante trouxe
em seu bojo as figuras cautelares como as medidas protetivas de urgência que
obrigam o agressor e a prisão preventiva. E após analisar a jurisprudência estadual
nos moldes propostos restou demonstrado que tais medidas tutelam Diretos da
personalidade das mulheres, embora, minimamente, protegem os agressores e
sejam indevidamente aplicadas em alguns casos como pena antecipada.

PALAVRAS-CHAVE: Ônus da Prova. Medidas Protetivas. Lei Maria da Penha.


Direitos da Personalidade.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Fragmentos Históricos Sobre a Proteção da Mu-


lher e a Criação da Lei Maria da Penha. 2 Da Comprovação dos Requisitos
Cautelares das Medidas Protetivas e da Subsidiariedade da Prisão Preventiva. 3
Conclusões. Referências.

Introdução
Ao longo da evolução das mais variadas civilizações, a mulher esteve
submissa à vontade e aos comandos de homens, seja ele seu genitor, irmãos
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 113

ou seu marido. Nesse convívio não raramente os comandos eram externados e


conduzidos por meio da violência e pela dominação em total desconsideração
dos valores físicos e morais da mulher. Esses atos de agressão não ocorrem
apenas no âmbito exógeno das sociedades, que na maioria das vezes é ma-
chista, mas também endógena às paredes do lar, fazendo com que passasse a
ser enxergada e definida na contemporaneidade como violência doméstica.
Diante desse contexto, a mulher tinha vários dos aspectos de sua vida
condicionados aos interesses de homens que protagonizavam o papel de agres-
sores, e na condução dessa relação de inferioridade de gênero, muitas vezes,
as agressões físicas e morais das mais variadas acabavam sendo cotidianas e
assimiladas pela própria vítima como sendo uma consequência merecida em
decorrência de sua conduta.
Por se tratar de uma forma de violência enraizada nos costumes sociais,
durante muito tempo a ausência de tutela jurídica era reflexo da mais pura
e deliberada anomia, o que tornava ainda mais comum essa ambiência de
violência contra a mulher. No entanto, há algumas décadas o movimento
feminista se insurgiu em face dessa cultura social e jurídica e passou a lutar
em prol de políticas públicas de reconhecimento e salvaguarda da mulher, o
que acabou por trazer os holofotes para a presente temática.
Por conta da evolução feminista, a necessidade de proteção da mulher
passou a ser enxergada por vários Estados, e isso refletiu no Direito Interna-
cional Público frente ao sistema universal e ao sistema regional americano
de Direitos Humanos, que, por força de suas ferramentas jurídicas, geraram
pressão e impuseram obrigações aos Estados soberanos para que legislassem
sobre a violência de gênero doméstica contra a mulher.
Na seara jurídica brasileira, a legislação sofreu mutações, partindo de
uma era patriarcal e adentrando em um momento contemporâneo de igualdade
material e de proteção, inclusive, no que tange ao Direito Penal e ao Direito
Processual Penal, ante a previsão trazida pela Lei nº 11.340/06, intitulada de Lei
Maria da Penha (LMP), e demais alterações legislativas geradas no Código Penal.
Tal legislação extravagante inovou nesse ordenamento jurídico, ao per-
mitir a decretação de medidas cautelares denominadas de protetivas de urgência
que obrigam o agressor e a prisão preventiva, visando resguardar os Direitos
da personalidade da vítima, tais como a integridade corporal, psíquica e moral.
Salienta-se que, este trabalho partirá da premissa de que os Direitos da
personalidade visam proteger a integridade psicofísica e intelectual da pessoa,
logo, doravante, resta definido que a citada legislação visa proteger todas as
facetas da personalidade das mulheres inseridas na aludida conjuntura de
violência.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
114

De outro lado, os Direitos da personalidade (que consistem em Direi-


tos humanos e fundamentais horizontais) não salvaguardam única e exclu-
sivamente a mulher, se trata de uma cláusula aberta que abarca também os
homens, inclusive aqueles despidos de respeito para com estes mesmos Di-
reitos pertencentes às mulheres. Em outros termos, esses Direitos igualmente
abarcam a proteção das pessoas consideradas autoras de violência doméstica,
no sentido de manter a imagem de inocente, a sua integridade psicofísica e
intelectual, assim como a sua liberdade respeitadas, já que essas são espécies
integrantes dos Direitos da personalidade que devem ser respeitadas por outros
membros da sociedade.
Registra-se, ainda, que a pesquisa partirá da premissa de que a prisão
preventiva é a última figura a ser utilizada no Direito Processual Penal, mo-
tivo pelo qual somente após o esgotamento e a comprovação da insuficiência
das medidas protetivas é que aquela poderá ser fixada; bem como terá como
norte a concepção de que as medidas cautelares visam resguardar a eficácia do
processo penal em si, e não a prevenção geral ou específica do bem jurídico
posto em risco pelo delito (teoria relativa da pena).
Nessa toada, a Lei Maria da Penha traz um rol de medidas protetivas
supostamente de ordem cautelar que podem ser aplicadas em todas as fases
da persecução penal, cujo desiderato é a tutela física, psicológica, sexual, pa-
trimonial e moral da mulher. Contudo, as medidas protetivas de urgência que
obrigam o agressor e a prisão preventiva, em tese, podem o tolher tempora-
riamente de diversos Direitos também considerados, como da personalidade,
notadamente, a liberdade, ante as hipóteses previstas nos arts. 20 e 22 da citada
Legislação. Logo, por se tratarem de figuras interventivas do Estado que podem
ser aplicadas na persecução penal é que surgiram as seguintes indagações: as
medidas protetivas que obrigam o agressor e a prisão preventiva são aplicadas
pelos Tribunais de Justiça dos Estados membros do Brasil como medidas tec-
nicamente cautelares ou como pena antecipada? Tais medidas resguardam os
Direitos da personalidade apenas da vítima ou também do agressor?
Sem a pretensão de esgotar a temática e visando responder a presente
problemática, os objetivos específicos consistem em investigar se as medidas
protetivas que obrigam o agressor e a prisão preventiva são decretadas pelos
Tribunais Estaduais como cautelares ou penas antecipadas, e se tais medidas
tutelam os direitos da personalidade da vítima e do agressor. Para tanto, o
estudo partirá da análise dos principais fragmentos históricos em torno do
feminismo e da proteção da mulher vítima de violência doméstica, bem
como irá analisar aspectos da evolução histórica da denominada Lei Maria da
Penha, em seguida irá submergir em dados teóricos e empíricos que poderão
demonstrar se há requisitos que permitam distinguir as cautelares das penas,
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 115

ante a presença do direito à liberdade, devido processo legal e da presunção


de inocência, todos como expressão da dignidade humana.
Logo, o primeiro objetivo específico possui o desiderato de indicar a
influência do feminismo na construção do arcabouço jurídico protetivo da
mulher; o segundo objetivo específico visa analisar os requisitos das medidas
protetivas que obrigam o agressor e da prisão preventiva para definir se essas
figuras são cautelares ou penas; por fim, de forma empírica, levantar um julgado
de cada um dos Tribunais de Justiça dos Estados membros sobre cada ponto
para definir se há proteção aos direitos da personalidade da vítima e do agressor,
e se tais procedimentos são aplicados como cautelares ou penas antecipadas.
Justifica-se a viabilidade do presente estudo diante da possibilidade da
decretação de medidas cautelares de forma inadequada e sem a observância dos
requisitos estabelecidos, o que poderá se constituir em um ato ilegal e inadmis-
sível em um Estado Democrático de Direito, o que demonstra a plausibilidade
de averiguar se as Cortes estaduais observam os requisitos legais para a fixação
dessas medidas cautelares ou se as aplicam como se penas antecipadas fossem.
Quanto às hipóteses, é possível que os Tribunais apliquem as medidas
protetivas e a prisão preventiva sem a observância de quaisquer requisitos cau-
telares, tendo como base uma suposta liberalidade dos agentes públicos dotados
do poder de decisão, assim como o inverso também pode ocorrer, no sentido
de que há requisitos sendo observados fazendo com que as medidas protetivas
não sejam automáticas e que a prisão preventiva seja subsidiária a estas.
Metodologicamente, o trabalho será dedutivo e funcionalista, mediante
uma análise qualitativa bibliográfica e documental, com a utilização de dou-
trinas (livros e artigos científicos), e legislações. Por fim, para dar um recorte
empírico à pesquisa, igualmente será consultada a jurisprudência aplicável ao
tema, mediante a busca da ementa de duas decisões de cada Tribunal de Justiça
do Brasil respectiva e exclusivamente sobre o caráter cautelar das medidas
protetivas e a subsidiariedade da prisão preventiva.

1 Fragmentos Históricos Sobre a Proteção da Mulher e a Criação


da Lei Maria da Penha
A história humana pode ser analisada por diversos ângulos científicos,
neste trabalho o movimento feminista e a proteção da mulher serão analisa-
dos na ótica jurídica. A evolução história relata que a mulher, na maioria das
vezes, foi inserida em uma posição de inferioridade e submissão em relação
aos homens, geralmente nas relações familiares com seu genitor, irmãos e,
posteriormente, com seu marido.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
116

Se não bastasse tal característica das relações domésticas e/ou familiares,


a subjugação da mulher é em concomitância uma realidade social que a tolheu
de diversos direitos, tais como igualdade, patrimônio, integridade psicofísica,
intelectual, etc. Essa triste realidade, como já era de se esperar, fez com que
as mulheres de maneira organizada se levantassem contra tamanhos abusos e
formas de violência, nascendo assim o movimento denominado de feminismo.
Em meio à sociedade, há “mulheres fascinantes como tantas outras.
Viveram intensa e nobremente e entraram para a história porque não tive-
ram medo de ser diferentes” (CHALITA, 2007, p. 13), e, certamente, as que
protagonizaram esse movimento feminista podem ser consideradas como
integrantes desse rol. O termo feminismo significa “movimento daqueles
que preconizam a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher, ou
a equiparação dos seus direitos aos do homem” (FERREIRA, 2010, p. 931).
E justamente por se tratar de um movimento é que este evoluiu ao longo de
algumas décadas e foi didaticamente classificado em “ondas do feminismo”,
sendo, em geral, reconhecidas quatro ondas.
Em apartada síntese, a chamada primeira onda do feminismo surgiu
na Inglaterra no século XIX motivada pela Revolução Industrial, teve como
escopo a luta por direitos civis, políticos (sufragistas) e econômicos. No
Brasil, se destacou o protagonismo de Bertha Lutz, que criou a “Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino” e teve influência junto ao “Movimento
de Mulheres Operárias Anarquistas” e a “União das Costureiras, Chapeleiras
e Classes anexas”. Essa primeira onda labutou em busca da igualdade formal
por meio do voto, foi considerado como um feminismo “bem-comportado”
e teve êxito no acesso ao voto em 1932 (CAETANO, 2017, p. 5-6).
A segunda onda feminista se expandiu por volta da década de 1960 nos
Estados Unidos da América e na década de 1970 na América Latina, nesse último
caso, como uma forma de luta contra as Ditaduras. (No Brasil, tal movimento
atuou contra a ditadura proveniente do Golpe Militar de 1964). O grande
foco dessa segunda onda foi a luta por igualdade material e de classes, liber-
dade do próprio corpo, e ficou conhecido como o “feminismo de resistência”
(CAETANO, 2017, p. 5). Já a terceira onda se caracterizou da seguinte forma:
“Uma crescente geração de jovens na militância, representada principal-
mente por mobilizações coletivas estudantis (secundaristas e acadêmicas),
que tem ao seu dispor a facilidade comunicacional proporcionada pelas
redes interativas tecnológicas, deve ser levada em consideração quando se
define uma possível terceira onda do feminismo no país. Soma-se a isso
uma presença mais marcante de mulheres que antes estavam restritas a
espaços historicamente excluídos da discussão, como nas regiões periféricas,
pobres e negras.” (MOTA, 2017, p. 119)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 117

A última e quarta onda do feminismo se destacou contemporaneamente


na América Latina, especialmente com a denominada “greve internacional
de mulheres”, na data de 8 de março 2017, que se iniciou na Argentina e se
irradiou para outros 54 países com a frase “nenhuma a menos” (ne una menos),
em face da violência cometida contra as mulheres (GONZALEZ, 2017),
mesmo antes da data acima indicada já afirmou que essa onda é detentora
das seguintes características:

“1) da institucionalização das demandas das mulheres e do feminismo por


intermédio da elaboração, implantação e tentativas de monitoramento e
controle de políticas públicas para as mulheres que tenham claramente o
recorte racial, sexual e etário, bem como a busca do poder político, inclusive
o parlamentar; 2) da criação de novos mecanismos e órgãos executivos de
coordenação e gestão de tais políticas no âmbito federal, estadual e munici-
pal; 3) dos desdobramentos oriundos da institucionalização, com a criação
de organizações não governamentais (ONGs), fóruns e redes feministas e,
em especial, sob a influência das inúmeras redes comunicativas do feminis-
mo transnacional e da agenda internacional das mulheres; e, finalmente, e
ainda mais importante, por meio de 4) um novo frame para a atuação do
feminismo, desta vez numa perspectiva trans ou pós-nacional que deriva
daí um esforço sistemático de atuação em duas frentes concomitantes: uma
luta por radicalização anticapitalista, por meio do esforço de construção da
articulação entre feminismos horizontais, e de uma luta radicalizada pelo
encontro de feminismos no âmbito das articulações globais de países na
moldura Sul-Sul.” (MATOS, 2010, p. 69)

Diante de todo esse contexto evolutivo das ondas do feminismo foi


inevitável a criação de figuras normativas para a proteção da mulher, não só
no âmbito interno dos Estados soberanos, mas, primeiramente, com o Direito
Internacional Público, logo, as principais figuras jurídicas podem ser analisadas
de duas formas: a) no âmbito dos tratados internacionais no sistema universal
e no sistema regional americano de Direitos humanos; e b) na ambiência
doméstica da República Federativa do Brasil.
No sistema universal de Direitos humanos, a proteção da mulher pode
ser encontrada de um modo geral – entre outras – na Carta da Organização
das Nações Unidas de 1945 (no Brasil, Decreto nº 19.481/1945) e na De-
claração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Resolução nº 217-A-III
da Assembleia Geral da ONU) e, especificamente, na Convenção Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979
(no Brasil, Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002), que em seu art. 17
foi expressa ao prever a criação do “Comitê para eliminação de todas as formas
de discriminação contra a mulher (CEDAW)”, este, por sua vez, expediu as
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
118

Recomendações de ns. 19 e 35, que tratam exatamente da violência praticada


contra a mulher.
A Recomendação Geral nº 19 da CEDAW advertiu que “i) Entre las me-
didas necesarias para resolver el problema de la violencia en la familia figuran
las siguientes: sanciones penales en los casos necesarios y recursos civiles en
caso de violencia en el hogar; ii) legislación que elimine la defensa del honor
como justificativo para atacar a las mujeres de la familia o atentar contra su
vida” (ONU, 1992). A Recomendação Geral nº 35 do Comitê igualmente
impôs que: “a) de acordo com o artigo 2, b, c, e, f e g, e com o artigo 5, a, os
Estados devem adotar legislação que proíba todas as formas de violência de
gênero contra as mulheres e meninas, harmonizando o Direito interno com
a Convenção (...)” (ONU, 2017).
No que tange ao sistema americano de Direitos humanos, é crível res-
saltar que este se iniciou pela Carta da Organização dos Estados Americanos
(Carta da OEA) de 1948 (no Brasil, Decreto nº 30.544/52), em seguida foi
complementado pelo Protocolo de Washington de 1992 (no Brasil, Decreto
nº 2.760/98), em 1969 foi criada a Convenção Americana de Direitos Hu-
manos (Pacto de San José da Costa Rica ou CADH) (no Brasil, Decreto nº
678/92), que em 1988 foi reforçado pelo Protocolo Adicional em matéria de
Direitos Econômicos, sociais e culturais (Protocolo de San Salvador) (no
Brasil, Decreto nº 3.321/99), todavia, especificamente em relação à proteção
das mulheres, há a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar
a violência contra a mulher concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de
1994 (no Brasil, Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996).
Do sistema regional americano de Direitos humanos é que provém
o famoso caso tombado sob o nº 12.051 – Maria da Penha Maia Fernandes vs.
República Federativa do Brasil, que foi resolvido pela Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (OEA, 2001), que analisou “a tolerância da República
Federativa do Brasil no tocante aos casos de violência doméstica, bem como
a morosidade em realizar as medidas necessárias para processar e punir o
agressor” (CARDIN; SANTOS, 2015, p. 70), tendo como base os seguintes
acontecimentos (GALDINO, 2007, p. 479):

“No ano de 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de femini-
cídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros.

Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como
resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões
irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter
e destruição de um terço da medula à esquerda – constam-se ainda outras
complicações físicas e traumas psicológicos.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 119

No entanto, Marco Antonio declarou à polícia que tudo não havia passado
de uma tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida
pela perícia. Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para
casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em
cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.”
(INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2019)

O caso nº 12.051 foi expresso ao recomendar que o Estado (Brasil)


deveria proceder a uma investigação séria para sanar as irregularidades e atra-
sos injustificados, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e
judiciárias correspondentes; deveria ainda prosseguir e intensificar o processo
de reforma particularmente em relação: “(...) b) Simplificar os procedimentos
judiciais penais, a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem
afetar os direitos e garantias de devido processo; d) Multiplicar o número de
delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher” (OEA, 2001).
Já no ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da mulher teve grande
influência das citadas figuras internacionais, porém, simultaneamente, houve
esforço interno para que a tutela da mulher fosse uma preocupação deste Es-
tado; nessa toada, é que o feminismo teve grandes méritos na construção de
um sistema criminal protetivo da mulher antes mesmo da atual Carta Magna,
e sem dúvidas a primeira grande conquista foi com a criação das denominadas
delegacias especializadas sobre a mulher:

“A criação das Delegacias Especializadas sobre a Mulher no Brasil na década


de oitenta, é uma resposta ao movimento feminista brasileiro e uma inven-
ção brasileira nos anos oitenta, a movimentação feminista a emergência da
ideia da ilegitimidade da violência contra a mulher. Sem dúvida se constituiu
como ‘revolução simbólica’. A primeira delegacia especializada foi criada
em 1985 em São Paulo, seguida da progressiva criação de outras delegacias
no país até 1995, quando o surgimento de novas delegacias continua, mas a
intensidade diminui. Em 2000, grosso modo, em quase todas as capitais dos
Estados da Federação havia uma delegacia especializada, destacando-se os
Estados de São Paulo e o de Minas Gerais pelo maior número de delegacias
em cidades que não são capitais.” (MACHADO, 2010, p. 23)

Com o retorno da democracia e por consectário lógico normativo das


figuras internacionais supramencionadas, a família passou a ser protegida
expressamente pelo § 8º do art. 226 da Constituição da República Federativa
do Brasil, que ipsis litteris dispõe: “[o] Estado assegurará a assistência à família
na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
120

Tal previsão impôs uma obrigação de tutela ao legislador infraconstitu-


cional, e para adimplir tal obrigação no que tange à violência foi instituída a
Lei Ordinária Federal de nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que ficou popu-
larmente conhecida como “Lei Maria da Penha” (LMP), que não versa sobre
a violência familiar de um modo geral, mas, sim, especificamente em torno
da violência de gênero praticada em desfavor das mulheres.

“É importante reconhecer os avanços advindos com a promulgação da Lei


Maria da Penha e a reorganização do Estado brasileiro para efetivá-la, espe-
cialmente no âmbito dos sistemas de justiça e segurança pública. Todavia, a
Lei Maria da Penha impôs uma agenda para além da responsabilização penal,
pautada na estruturação de serviços e em ações de prevenção.” (SOUZA;
SMITH; FERREIRA, 2019, p. 188)

A legislação em testilha não é fruto apenas da influência do caso nº


12.051 da CADH e das Recomendações ns. 19 e 35 da CEDAW, mas também
da atuação das próprias mulheres brasileiras, que de forma organizada inseri-
ram entidades específicas junto aos Poderes do Estado, em um movimento que
ficou conhecido como advocacy feminista e ensejou a criação da Lei Maria da
Penha pela Proposta do Poder Executivo (2003-2006), que gerou o Projeto nº
4.559/04 na Câmara dos Deputados e o Projeto nº 37/06 no Senado Federal.
Houve verdadeiro lobbying do denominado Consórcio de ONGS Feministas,
que foi composto pelos seguintes grupos: Cidadania, Estudo, Pesquisa, Infor-
mação e Ação (CEPIA); Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA);
Comitê da América Latina e Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres
(Cladem); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (Advocaci); e Ações
em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (Agende) (CARONE, 2018), que
obviamente foram vitoriosas.
Enfim, de toda essa conjugação de forças e influências é que surgiu
este atual microssistema de proteção das mulheres visando coibir a prática
de violência doméstica de gênero, que ainda continua em franca expansão.
Exemplo disso foi a atuação do Poder Judiciário brasileiro, que após decisão
do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a “ação penal relativa a lesão
corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incon-
dicionada” (STF, 2014), permitindo assim atuação ex officio pelo Ministério
Público.
E não é só, o Poder Legislativo brasileiro continua em farta produção
normativa visto que, a LMP já foi alterada pelas legislações a seguir indicadas:
Lei Complementar nº 150, de 2015; Lei nº 13.505, de 2017; Lei nº 13.641,
de 2018; Lei nº 13.772, de 2018; Lei nº 13.827, de 2019; Lei nº 13.880, de
2019; Lei nº 13.882, de 2019; Lei nº 13.871, de 2019; e Lei nº 13.894, de
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 121

2019. Além disso, houve a criação do denominado feminicídio junto ao


Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), a inserção desse delito no rol
dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) pelas alterações promovidas pela Lei
nº 13.104/2015, e a vedação de acordo de não persecução penal em casos de
violência doméstica pela Lei nº 13.964, de 2019, enfim, toda essa evolução
legislativa guarda relação com os citados movimentos feministas:

“Partimos do princípio que o conceito de violências psicológicas centra-


liza a historicidade da Lei Maria da Penha e a concretiza enquanto lugar
de memória dos movimentos feministas brasileiros. Isso porque sinaliza
a evolução de uma luta em que a própria noção de violências é estendida,
na tentativa de proteger ao máximo os sujeitos de direito – neste caso, as
mulheres.” (MACHADO; GROSSI, 2015, p. 562)

“A Lei Maria da Penha, como ficou conhecida, é fruto de um longo


período de gestação, mas que foi positivamente destacado pelo amplo debate
na esfera pública que lhe antecedeu, e pelo processo legislativo participativo
impulsionado e acompanhado pela sociedade civil em todas as suas etapas”
(MENDES, 2013, p. 5). Tal participação reforça ainda mais o caráter demo-
crático dessa legislação protetiva das mulheres, e mais:

“A Lei nº 11.340/06 foi criada, declaradamente, para dar um tratamento


diferenciado à mulher que se encontre em situação de violência doméstica
ou familiar. Por isso já surgiu com um nome, obviamente, de mulher: Maria
da Penha. A lei, é verdade, foi muito além das medidas de caráter penal,
pois apresentou várias medidas de proteção à mulher. Todavia, a projeção,
tanto no campo teórico como prático, foi dada às medidas repressivas de
natureza penal, que tiveram, inclusive, uma grande repercussão na mídia.”
(MELLO, 2010, p. 140)

Diante dos fragmentos históricos em comento não há dúvidas de que


o feminismo teve protagonismo na busca de proteção das mulheres vítimas
de violência doméstica, e a criação da LMP possui demasiada importância
não só por todos os aspectos de política pública e processuais previstas, mas,
especialmente, pela existência de cautelares consistentes em medidas protetivas
de urgência que podem obrigar o agressor e a prisão preventiva, conforme
será pormenorizadamente demonstrado a seguir.

2 Da Comprovação dos Requisitos Cautelares das Medidas


Protetivas e da Subsidiariedade da Prisão Preventiva
A Carta Magna brasileira, além de constar a liberdade em seu preâmbulo,
ainda é expressa em seu art. 5º, caput, ao prevê-la como direito fundamental de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
122

primeira geração/dimensão/fase (também é uma espécie de direito da persona-


lidade), assim como em seu inciso LVI estabelece que aquela não será tolhida
senão após o devido processo legal, e no inciso LVII estabeleceu a presunção
de inocência, no sentido de que todos serão considerados inocentes até que
se prove o contrário. Logo, todos esses direitos e garantias existem para que
haja a efetivação da dignidade humana, que é princípio fundante do Estado
brasileiro (art. 1º, III, da CF).
Nessa toada e de forma respectiva, o processo penal não pode conside-
rar o suspeito ou acusado como sendo culpado antes do trânsito em julgado
de eventual sentença penal condenatória (STF – ADCs 43, 44 e 54), e ainda
de forma imperativa a decisão penal em qualquer de suas modalidades deve
imperativamente considerar o agente como sendo inocente, e qualquer me-
dida em contrário que restrinja sua liberdade deverá ser fática e juridicamente
motivadas nos moldes dos arts. 93, inciso IX, da CF e 315 do Código de
Processo Penal (CPP) (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), que
após a alteração promovida pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019,
passou a ter a seguinte redação:

“Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva


será sempre motivada e fundamentada.

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra


cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou
contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela


interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,


sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo


concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes


de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem iden-


tificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 123

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente


invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.”

A obrigação da motivação idônea incide diretamente nas cautelares,


inclusive, no âmbito da Lei Maria da Penha, visto que a persecução penal se
inicia de forma administrativa e pré-processual no auto de prisão em flagrante
ou inquérito policial e, posteriormente, refletirá no processual penal em um
ambiente em contraditório, e em ambas as fases poderá ocorrer a limitação
da liberdade, o que acarreta a necessidade de expor e comprovar os motivos
de tal atuação, sob pena de ocorrer o “fenômeno do ‘decisionismo judicial’,
que desvincula o magistrado de critérios claros e racionais no momento de
julgar” (ÁVILA, 2013, p. 216).
Nesse diapasão, no momento em que um delito de violência doméstica
é noticiado a Polícia Judiciária Civil deve iniciar e formalizar os atos inves-
tigativos nos moldes fixados pelos arts. 6º e 7º do Código de Processo Penal
e 12 da LMP construindo assim o famigerado corpo de delito. Além dessa
previsão do Código Instrumental Penal, a Lei Maria da Penha ainda é clara ao
estipular que poderão ser fixadas não só pelo Poder Judiciário, mas também
pelo Delegado ou agente das Polícias Judiciárias Civis (art. 12-C) as deno-
minadas “medidas protetivas de urgência de obrigam o agressor”, conforme
dispõe o art. 22 dessa legislação, in verbis:

“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agres-
sor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de
urgência, entre outras:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao


órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando


o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer


meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares, a fim de preservar a integridade


física e psicológica da ofendida;
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a


equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.”

Ao analisar o teor desse dispositivo legal, é possível denotar que se trata


de uma nítida intervenção estatal na liberdade do agente suspeito de ser o autor
de um ato considerado como violência doméstica (art. 5º da LMP). O inciso I
obsta a posse ou o porte de armas como reflexos do direito de propriedade, o
inciso II da mesma forma impede o uso do imóvel que pode ser de propriedade
do agressor, já as alíneas do inciso III proíbem o uso da liberdade em relação
às condutas ali descritas, bem como nos incisos IV e V prejudicam direitos de
ordem privada e familiar, desse modo, todas as medidas protetivas em comento
de alguma forma restringem a liberdade do indivíduo e colocam em dúvida
sua inocência, e como tal devem ser devidamente motivadas e devem passar
pelo filtro do devido processo legal.
Nesse momento é que exsurge a necessidade de respeito às balizas cau-
telares de cunho penal, não se tratando de uma figura automática ou despida
da observância de requisitos. Comumente e “como tal, devem preencher os
dois pressupostos, quais sejam, o fumus commissi delicti e periculum libertatis”.
O primeiro pressuposto, denominado de fumus comissi delicti, atrai a ne-
cessidade não apenas de haver previsão legal para a incidência dessas medidas
cautelares, em concomitância, arrasta consigo a necessidade de se demonstrar
a existência de indícios (art. 239 do CPP) consistentes em atos investigativos
que comprovem mesmo que de maneira superficial que houve a ocorrência
de uma violência doméstica. Significa dizer que a fumaça do cometimento
do delito não é externada única e exclusivamente pela existência de previsão
legal, in casu, a do mencionado art. 22 da LMP, é imprescindível que haja a
comprovação mínima de que houve um ato de violência doméstica e indícios
de autoria, caso contrário, configurar-se-á como uma inegável arbitrariedade.
No que tange ao requisito do periculum libertatis, esse traz a necessidade
de urgência, condicionando a concessão da medida cautelar ao fator tempo,
celeridade, brevidade, enfim, na atuação jurisdicional imediata como forma
de evitar lesões ao processo. O perigo no uso da liberdade como a própria
terminologia igualmente sugere acarretar o ônus probatório mínimo, que
por lógica encontra arrimo na previsão do art. 156 do CPP, tendo em vista
que, a comprovação cabe ao sujeito que alega, e considerando que as medidas
protetivas em tela podem ser pleiteadas pela vítima, pelo Ministério Público e
até mesmo pelo Delegado de Polícia ou por um de seus agentes, e fixadas por
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 125

estes últimos, resta evidenciado que cabe aos interessados demonstrar que o
bem jurídico está exposto a risco e que a medida é necessária.
Repisa-se que, a reforma trazida pela Lei Ordinária Federal nº 12.403, de
4 de maio de 2011, rejeitou a importação de conceitos civilistas para o Direito
Processual Penal, e por meio da alteração que promoveu na então redação do
art. 312 do CPP trouxe a tona os verdadeiros requisitos das cautelares, quais
sejam: fumus commissi delicti (fumaça da comprovação mínima da ocorrência
de um delito e sua autoria) e periculum libertatis (o perigo gerado pelo uso da
liberdade pelo agente ativo de um delito que coloque o processo em risco).
Da conjugação de ambos os requisitos torna-se possível a decretação
dessas medidas cautelares, contudo, nesse momento é que surge o ponto
nevrálgico da questão, pois, “as medidas cautelares de natureza processual
penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e, como conse-
quência, a eficaz aplicação do poder de penar. São medidas destinadas à tutela
do processo” (LOPES Jr., 2013, p. 786), “a essa premissa de que o processo é
um instrumento do direito material, deve ser somada uma segunda, de que
medida cautelar é um instrumento para assegurar a utilidade e a eficácia do
resultado final do processo” (BADARÓ, 2015, p. 938-939), significa dizer que:

“Chamamos de processo penal cautelar a disciplina das atividades juris-


dicionais tendentes a produzir medidas que têm por objetivo a prevenção
do processo, seja em sua fase de conhecimento, seja na fase de execução.
Em outros termos, o processo cautelar tem por finalidade impedir o esva-
ziamento da própria atividade jurisdicional, visando garantir a eficácia da
prestação jurisdicional.” (NICOLITT, 2014, p. 703)

As medidas cautelares protetivas (art. 22 da LMP) ou diversas (art. 319


do CPP), e, principalmente a prisão preventiva (art. 312 do CPP), devem ter
como desiderato a proteção do processo penal e não outros fins diversos, se a
eventual prisão preventiva for decretada para proteger a própria vítima, estar-
se-á na presença do uso indevido do processo penal como se Direito penal
material fosse e em franca antecipação de pena, que tecnicamente não possui
conteúdo cautelar algum. Logo, refuta-se a hipótese de aplicar a prisão como
mero mecanismo de prevenção geral ou específica de delitos, especialmente,
quando se tratar da prisão preventiva, que tem cotidianamente sido fixada
em caso de descumprimento das medidas protetivas que obrigam o agressor.
Nessa toada, mostra-se crível asseverar que, por se tratarem de medidas
protetivas invasivas à liberdade da pessoa suspeita ou acusada, é patente que a
observância das regras oriundas do princípio da presunção de inocência deve-
rão de forma cogente ser respeitadas durante o devido processo legal, afastando
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
126

assim o uso das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e a


prisão preventiva como mecanismo de antecipação de pena.
Deve ser ressaltado que a Lei Maria da Penha, em seu art. 20, autoriza
a decretação da figura mais gravosa do Direito Processual Penal, qual seja, a
prisão preventiva. Por consequência igualmente lógica, deve ser ressaltado
que tal figura extrema da persecução penal em desfavor da liberdade só pode
ser utilizada quando presentes os requisitos cautelares estampados nas duas
últimas hipóteses e parte final do art. 312, caput e parágrafo único (fumus
commissi delicti e periculum libertatis) c/c o art. 313, inciso III e § 2º, do CPP
(conveniência da instrução processual e assegurar a aplicação da lei penal, em
caso da LMP e não como pena antecipada), em total respeito aos requisitos
do art. 282, §§ 4º e 6º, deste Codex, que fixam a cautelares diversas da prisão
e a comprovação de seu descumprimento como conditio sine qua non para que
seja possível a decretação da prisão preventiva (redação alterada pela Lei nº
13.964, de 24 de dezembro de 2019).
Particularmente em torno da LMP é salutar a doutrina segundo a qual
“não basta o risco abstrato de descumprimento da medida. Hão que existir
fundadas razões para passar-se a uma medida mais gravosa e o juiz deve
consigná-las nas decisões que decretar a prisão, sob pena de sua ilegalidade”
(PRADO, 2019, p. 112). Logo, a prisão preventiva deve ser utilizada de maneira
subsidiária, e somente após a demonstração de que as medidas protetivas de
urgência que obrigam o agressor foram comprovadamente ineficazes, e mais:

“O principal ponto a ser extraído dos dispositivos supracitados é no senti-


do de que a prisão preventiva deve ser aplicada como último mecanismo
cautelar na esfera do Direito Processual Penal, somente quando necessária
e adequada, o que se denota quando houver a comprovação de que as
demais medidas cautelares do art. 319 do Código de Processo Penal se
mostraram insuficientes para conter a conduta lesiva para o processo.”
(GROKSKREUTZ, 2018, p. 165)

Enfim, resta evidenciado que qualquer medida cautelar, seja ela protetiva
ou mesmo de prisão deve ter por objetivo único a proteção do processo penal,
que uma vez estando em risco, seja pela tentativa de violação de provas ou de
fuga do suspeito, poderão ser aplicadas, caso contrário, tratar-se-á de pura e
simples antecipação de pena travestida de cautelar.
Perante tal arcabouço teórico-jurídico, e diante da problemática apre-
sentada neste estudo, resta analisar a forma que tal instituto cautelar tem sido
apreciado pelos Tribunais de Justiça dos Estados. Para tanto, levantou-se no
sistema de busca do website na internet uma decisão de cada Corte ordinária
estadual para averiguar se há algum case que reconhece, respectivamente: a)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 127

a necessidade de demonstração dos requisitos cautelares para a decretação de


medidas protetivas; e b) o reconhecimento da prisão preventiva como figura
cautelar subsidiária e não automática em casos de violência doméstica.
No que tange à necessidade de demonstração dos requisitos cautelares
para a decretação dessas medidas protetivas não é demais ressaltar que o pano
de fundo da análise cautelar é a questão de gênero ocorrida no seio doméstico,
ou conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“A incidência da Lei nº 11.340/06 dependente de que a violência seja baseada


em questões de gênero – indicativas da vulnerabilidade da mulher ofendida
– o que não se confunde com a diferença de sexo masculino/feminino. No
caso concreto, trata-se de ameaças realizadas contra primas da acusada. Na
situação, mesmo que tenha ocorrido efetivamente ameaça, contra pessoa
do sexo feminino e resguardado relação de afeto e parentesco familiar, não
prospera o quesito gênero no caso concreto, pois, não restou demonstrado
nos autos, que a vítima estava em situação de vulnerabilidade, ainda que
deferida as medidas protetivas para fins de amparo às vítimas, bem como
de inferioridade nas situações descritas. Ausente um dos requisitos basilares
para configurar, no caso concreto, a violência baseada no gênero, ensejando
na incidência da lei protetiva.” (TJRS, 2019)

Já se decidiu que as medidas protetivas podem ser deferidas inicialmen-


te, “independentemente de representação da ofendida aos fins de instauração
de procedimento investigatório e deflagração de ação penal” (TJRO, 2019),
porém, deve haver o mínimo de provas ou indícios da necessidade da medida,
como é o caso das palavras da suposta vítima, declaração dos filhos, imagens
do arrombamento da residência (TJSC, 2019), bem como “devem estar de-
monstradas a sua necessidade e a sua urgência” (TJAC, 2019) “em face de
violência atual ou iminente” (TJPA, 2019), de forma oposta, “não restando
comprovada nos autos a necessidade da cautela” resta o indeferimento das
medidas protetivas (TJPR, 2019; TJMS, 2018; e TJRR, 2019), ou conforme
exemplificação a seguir:

“Considerando os descumprimentos de medida protetiva por parte do réu,


conforme ata notarial de fl. 103, indicando comunicação por aplicativo de
mensagens instantâneas, e nota fiscal de fl. 117, mostrando a presença de
um rastreador no carro da vítima, entendo como necessário o restabeleci-
mento da medida protetiva, para resguardar a integridade física da vítima.”
(TJES, 2019)

Também já se deliberou que as “medidas protetivas previstas na Lei


Maria da Penha são marcadas pela urgência e pelo caráter acautelador, de modo
que não podem perdurar indefinidamente, mas somente enquanto necessárias
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
128

para tutelar a tranquilidade e a harmonia no ambiente doméstico” (TJMT,


2019), porquanto, presentes os pressupostos “demonstrado risco à integridade
física ou psíquica da ofendida” a medida de ser aplicada (TJSP, 2019), logo,
“compete ao Magistrado avaliar as condições que autorizam a concessão de
medidas protetivas de urgência em favor da ofendida, asseguradas pela Lei nº
11.340/06, de acordo com a narrativa fática da parte e os documentos colacio-
nados aos autos” (TJRJ, 2012; TJRN, 2019; e TJAM, 2019), corroborando
com esse raciocínio:

“Dada a sua natureza cautelar e restritiva de direitos, a medida protetiva


prevista na Lei nº 11.340/06 possui caráter excepcional, devendo ser aplicada
apenas em situações de urgência que as fundamente e dentro dos prazos
razoáveis de duração do processo, tendo-se sempre como escopo os requi-
sitos do fumus boni iuris e periculum in mora. Diante do período transcorrido
desde a data do fato, sem informações sobre a interposição de ação penal e
sem notícias de novos atos praticados pelo agressor, impõe-se a revogação
das medidas protetivas, sob pena de se perpetuar indefinidamente um
constrangimento ilegal sem a comprovada justa causa.” (TJMG, 2019)

Analogamente, foi julgado que “dada a sua natureza cautelar e restritiva


de direitos, as Medidas Protetivas de Urgência previstas na Lei nº 11.340/06
possuem caráter excepcional, devendo ser aplicadas apenas em situações de
urgência que as fundamente e dentro dos prazos razoáveis de duração do
processo” (TJGO, 2019), desse modo, uma vez “reconhecida presença do
fumus commissi delicti e do periculum in mora” justificada está a incidência dessas
famigeradas medidas protetivas (TJDFT, 2019; TJCE, 2019; e TJAP, 2019),
até porque:

“Ainda que possam ser prontamente fixadas sem vinculação a uma ação
penal existente ou iminente, as medidas protetivas previstas na Lei nº
11.340/06 possuem cunho subsidiário em relação ao ilícito praticado con-
tra a vítima, não podendo subsistir autonomamente diante da ausência
de qualquer demanda penal específica para a sua apuração, notadamente
quando a própria ofendida é expressa ao se recusar a formalizar a necessária
representação para tanto.” (TJBA, 2019)

Outro ponto relevante é que, a “Lei Maria da Penha não prevê o prazo
de duração de uma medida protetiva. Da mesma forma, o Código de Processo
Penal não prevê prazo de vigência das cautelares, mas estipula sua incidência
de acordo com a necessidade e adequação (art. 282 do CPP) e revisão peri-
ódica (art. 282, § 5º, do CPP)” (TJTO, 2018; TJPB, 2016; e TJMA, 2019).
E dentre as medidas podem ser fixadas as de monitoramento eletrônico e
os “acréscimos de especificação quanto à distância que deve ser mantida da
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 129

vítima (300 metros) e fornecimento do botão do pânico” (TJSE, 2017), “b)


proibição de fazer contato com a ofendida e seus familiares por qualquer
meio de comunicação, ou seja, por telefone, carta, e-mail, redes sociais, etc.;
e c) proibição de frequentar a residência da ofendida e seu local de trabalho”
(TJPE, 2019), entre outras (TJAL, 2018).
Salienta-se que se a medida protetiva se restringir à prestação de alimen-
tos, “a matéria é eminentemente cível, aplicando-se ao processo as disposições
do CPC, inclusive a referente ao ônus da prova que, de acordo com seu art.
373, I, do CPC/2015 ‘incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu
direito’” (TJPI, 2019).
Da análise das ementas dos julgados supramencionados é possível
vislumbrar que há precedentes em todos os Tribunais de Justiça do Brasil
em torno da necessidade de comprovação e preenchimento dos requisitos
legais para que haja a decretação de medidas protetivas de urgência que obri-
gam o agressor, contudo, tais medidas foram explicitamente aplicadas como
antecipação de pena, e não em decorrência de eventual risco para o processo
penal em si.
Salienta-se que estatisticamente, para se ter uma dimensão empírica
sobre a aplicabilidade dessas medidas protetivas, segundo o painel do Con-
selho Nacional de Justiça do ano de 2016 para o ano de 2018 houve um salto
de 249.406 para 336.555 medidas decretadas (CNJ, 2019), o que corresponde
a um aumento de aproximadamente 34,94 %, e comprova que naquele mo-
mento haviam 336.555 mulheres protegidas e outros 336.555 homens com
sua liberdade cautelarmente mitigada, número expressivo e que demonstra
a relevância da temática.
Por sua vez, a prisão preventiva, que também é cautelar, é tida como
a figura mais gravosa do Direito Processual Penal, visto que, segundo os
requisitos dos já citados arts. 312, caput e parágrafo único c/c art. 313, inciso
III, § 2º, e 282, §§ 4º e 6º do CPP c/c o art. 20 da LMP, poderão restringir a
liberdade do agente até que os motivos supostamente ensejadores do risco
processual desapareceram.
Por se tratar da medida mais gravosa, a prisão preventiva só pode ser
utilizada de maneira subsidiária e em caso de permanência do risco processual,
haja vista que seu cabimento surge após a comprovação do descumprimento
das medidas protetivas anteriormente estabelecidas pelo Poder Judiciário,
ou seja, “deve ser efetivada em último caso, pois há inúmeras outras medidas
cautelares alternativas” (NUCCI, 2018, p. 999).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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No enfoque empírico, já houve deliberação jurisprudencial no sentido


de ser cabível a prisão preventiva no “[c]aso concreto em que foram impostas
medidas protetivas, as quais foram descumpridas pelo réu” (TJRS, 2019b),
a título de exemplo, o agente “que, mesmo ciente das medidas protetivas,
ingressou na residência da ex-companheira”, confirma a “necessidade da
custódia cautelar” para a garantia da manutenção da integridade física e
psicológica da ofendida (TJSC, 2019b), o que não se configura como dupla
punição (TJPR, 2019b).
Ainda na ótica da jurisprudência em caso de violência doméstica em que
“não é a primeira vez que pratica delitos dessa estirpe contra a ex-convivente,
inclusive descumpria a medida protetiva anteriormente deferida em favor da
vítima” (TJMS, 2017), a prisão preventiva poderá ser decretada, caso contrário:

“À luz do princípio da proporcionalidade, não se justifica manter a prisão


processual motivada por suposta prática de infração, cuja pena privativa
de liberdade, em tese, não seja superior a quatro anos. Inexistindo des-
cumprimento de medida protetiva fixada anteriormente ao paciente, está
configurada a prisão ilegal, eis que, a Lei Maria da Penha, em face de sua
natureza de atuação no ambiente doméstico e familiar dispõe, especifica-
mente, sobre a possibilidade de adoção de medidas protetivas antes de se
decidir, de plano, pela custódia processual, que ficou reservada para o caso
de descumprimento injustificado daquelas.” (TJMT, 2019b)

Para os Tribunais está mais do que claro que, a incidência da prisão


exige descumprimento de medidas protetivas anterior, como é o case em que
há “registro de diversas ocorrências junto à autoridade policial – réu que, após
dois anos, continua a perseguir a ofendida” (TJSP, 2019b), tal modus operandi
“demonstra a indiferença do paciente à ordem judicial” (TJMG, 2019b) “e
a insuficiência quaisquer medidas cautelares diversas da prisão” (TJDFT,
2019b), “mormente se o seu descumprimento deu ensejo ao decreto de pri-
são preventiva” (TJRJ, 2008; TJAC, 2019b; TJSE, 2019; TJPE, 2019; TJRN,
2019b; TJCE, 2019b; TJPI, 2018; TJPA, 2019b; e TJAM, 2019b), em sinopse:

“Configura ilegalidade a conversão da prisão em flagrante em preventiva por


crimes, cujo somatório não ultrapassa quatro anos de prisão, que envolvem
violência doméstica e familiar contra a mulher sem o descumprimento das
medidas de proteção, concomitantemente aplicadas, eis que aquela provi-
dência deve ser tomada para garantir a execução destas.” (TJGO, 2019b)

Ainda à luz dos Tribunais de Justiça as figuras acima devem ser con-
ciliadas com os “dois requisitos indispensáveis, quais sejam, o fumus comissi
delicti e o periculum in libertatis” para a decretação ou manutenção da prisão
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 131

preventiva (TJES, 2019b), desde que essas estejam devidamente comprovadas


nos autos (TJBA, 2019b; TJTO, 2019), sendo imprescindível ressaltar que a
“gravidade abstrata do delito não é fundamento suficiente para manutenção
da prisão preventiva” “revelando-se adequadas e suficientes as medidas cau-
telares diversas da prisão” (TJRO, 2019b), até porque, “a prisão preventiva
não tem natureza da antecipação de pena, mas se trata de medida de natureza
processual que não dispensa o preenchimento de seus pressupostos legais,
traduzidos por intermédio de fundamentação idônea, concreta” (TJAL, 2019;
TJPB, 2015; e TJAP, 2019).
Obviamente que não havendo mais motivos a prisão preventiva deverá
ser revogada nos moldes do art. 316 do Código de Processo Penal (TJMA,
2019b), o que reforça ainda mais o seu caráter cautelar, e sequer poderá ser
decretada em delitos de pena inferior a quatro anos (TJRR, 2019b).
Vislumbra-se que todos os Tribunais de Justiça do Brasil possuem ao
menos um julgado pertinente à subsidiariedade da prisão preventiva em re-
lação às citadas medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, que,
por sua vez, não tem sido empiricamente decretadas de forma cautelar, mas
sugerem ter sido fixadas como antecipação de pena. E pior que o entendimento
externado pela maioria dos julgados acima, é o Enunciado de nº 29 do intitu-
lado “Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher (FONAVID) que, data maxima venia, de maneira utilitarista
e em descompasso com os valores democráticos do Direito Processual Penal
possui a seguinte redação: “É possível a prisão cautelar do agressor indepen-
dentemente de concessão ou descumprimento de medida protetiva, a fim de
assegurar a integridade física e/ou psicológica da ofendida”.
O enunciado supratranscrito confunde totalmente o propósito do
Direito Penal material, Direito Processual Penal e as denominadas ações
positivas, o que inverte completamente a lógica das prisões cautelares como
medidas aptas a resguardar o processo penal e não para antecipar uma pena
com a finalidade de prevenção geral ou específica, em outros termos:

“A ação positiva agora examinada – a possibilidade de decretação de prisão


preventiva para garantir a execução de uma medida protetiva deferida
em favor de uma mulher vítima de violência doméstica e familiar – não
tem caráter genérico, pois não beneficia a coletividade de mulheres, mas
somente uma mulher determinada, que é a suposta vítima da violência.
Tampouco a medida gera uma igualdade de oportunidades, pois não se trata
disso, nos âmbitos enfocados, nem trata-se de uma medida temporária.

Por tais razões, as ações positivas, que são tão bem-vindas e necessárias
quanto o gozo de direitos de cidadania e fundamentais, não se adaptam ao
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
132

Direito Penal e ao Direito Processual Penal, que não visam a promover a


igualdade de coletividades minoritárias ou fragilizadas socialmente. A fina-
lidade do Direito Penal é a aplicação de sanção ao indivíduo específico que
delinquiu, na medida de sua culpabilidade, enquanto a do Direito Proces-
sual Penal é o de regular um julgamento justo, com contraditório e ampla
defesa, e legitimar a intervenção estatal no direito individual, quando for
estritamente necessária, adequada e proporcional. Os objetivos, portanto,
são incompatíveis.” (PRADO, et al., 2009, p. 110)

É certo que “a mulher como grupo vulnerável, precisamente no sentido


de dar condição de igualdade em relação aos demais indivíduos da sociedade,
assim como é feito em relação à pessoa afrodescendente, deficiente, etc.”,
(ÁVILA; PUPO, 2018, p. 129) merece tutela específica, porém, aplicar insti-
tutos processuais penais sem qualquer parâmetro Constitucional subverte por
completo a essência do Direito Processual Penal como limitador de Poder.
Nesse diapasão, a única maneira da prisão preventiva ser legítima sem
violar o direito de liberdade e os princípios do contraditório e da presunção de
inocência é se for aplicada para resguardar o processo penal e estiver compro-
vada a ineficiência das cautelares diversas ou medidas protetivas anteriormente
fixadas. Daí a importância de celeridade do processo, para que o bem jurídico
não fique por muito tempo exposto.
Das decisões supramencionadas resta devidamente demonstrado que
as medidas protetivas não podem ser aplicadas automaticamente, estas devem
atender aos requisitos de cunho cautelar, reitera-se, com a demonstração
mínima do fumus commissi delicti e periculum libertatis, trata-se de medidas que
devem ser necessárias e adequadas, ter seu respaldo legal e urgência proces-
sual minimamente comprovados, visto que substituem e antecedem a prisão.
E ainda mais restrita é a aplicação da prisão preventiva, que poderá ser
decretada e o agente levado ao ergástulo público mediante a comprovação do
fumus commissi delicti (indícios mínimos de autoria e materialidade) e periculum
libertatis (perigo no uso da liberdade), e no caso da LMP, é cogente que se
demonstre o descumprimento de medidas protetivas anteriormente fixadas
como antidoto para o processo, sob pena de subverter a lógica da prisão cau-
telar, como o fez o Enunciado nº 29 do FONAVID.

3 Conclusões
Diante de todo o exposto, foi possível constatar que o movimento fe-
minista, em todas as suas ondas, teve grande importância para a proteção da
mulher, especialmente, nos casos de violências ocorridas em um ambiente
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 133

doméstico. Este movimento teve força suficiente para influenciar a criação de


normas internacionais tanto no sistema universal quanto regional americano
de direitos humanos.
Após a solução do caso nº 12.051 pela Comissão Interamericana de Di-
reitos Humanos e das recomendações de ns. 19 e 35 da CEDAW, a República
Federativa do Brasil legislou sobre a salvaguarda do gênero feminino por meio
da Lei Ordinária Federal nº 11.340/06, que ficou conhecida como Lei Maria da
Penha, que em seu art. 22 traz um rol de medidas protetivas de urgência que
obrigam o agressor e no seu art. 20 permite a decretação de prisão preventiva.
Não obstante tais previsões, o Direito Processual Penal possui normas
próprias em torno da fixação de medidas protetivas e/ou cautelares diversas e
sobre a prisão preventiva que também é cautelar. Dentre os requisitos trazidos
pelos dispositivos acima elencados, se destaca a necessidade de comprovação
do fumus commissi delicti e do periculum libertatis. Significa dizer que, qualquer
modalidade cautelar, protetiva ou de prisão, deve atender aos requisitos
igualmente cautelares, sob pena de se configurarem como verdadeira e ab-
surda antecipação de pena, visto que a prevenção geral ou específica é um
dos propósitos da pena, que, obviamente, não se confunde cautelares que
resguardam o processo.
E depois de analisar a ementa de um aresto de cada Tribunal de Justiça
dos Estados membros do Brasil foi possível constatar que as medidas protetivas
de urgência que obrigam o agressor são aplicadas por razões não cautelares,
o que denota que estas são utilizadas como antecipação de penas, com o ar-
gumento de que são satisfativas e visam proteger os direitos da personalidade
das mulheres, como é o caso da integridade psicofísica e intelectual.
Do mesmo modo, foi possível constatar que a decretação da prisão
preventiva após a comprovação de descumprimento de medidas protetivas
e/ou cautelares diversas, traz uma mínima proteção à liberdade – que é uma
espécie de direito da personalidade – do suspeito ou acusado de ato de violência
doméstica, posto que, somente após tal demonstração desse requisito é que
sua liberdade poderá ser mitigada por uma prisão cautelar.
Por fim, alcançou-se a resposta à primeira pergunta problema, no senti-
do de que as medidas protetivas que obrigam o agressor e a prisão preventiva
aparentam ser aplicadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados membros do
Brasil como pena antecipada, em concomitância, igualmente é possível respon-
der a segunda pergunta problema, porquanto, a existência de requisitos para a
decretação de tais cautelares deveria teoricamente não apenas resguardam os
direitos da personalidade da vítima, mas também do agressor que não teria sua
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Doutrina
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liberdade tolhida de forma sumária, entretanto, empiricamente tais requisitos


foram violados com facilidade e liberdade deste prejudica.

TITLE: Personality rights and the Maria da Penha Law: the precautionary dilemma in the Courts of
Justice of Brazil.

ABSTRACT: The subjugation of women led to the emergence of the feminist movement, which in its
four waves influenced the creation of protective figures in the universal and regional American human
rights system, as well as in Brazil through the creation of the Maria da Penha Law. Such legislation brought
precautionary measures like the emergency protective measures that compel the aggressor and preventive
detention. And after analyzing the case law along the lines proposed, it remains to be demonstrated that
such measures protect directives from the personality of women, although they also protect aggressors
and are improperly applied in some cases as an early punishment.

KEYWORDS: Burden of Proof. Protective Measures. Maria da Penha Law. Personality Rights.

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j. 11.12.2019.
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ESTADO DE PERNAMBUCO. TJPE. Habeas Corpus Criminal 536242-10004113-85.2019.8.17.0000,
Rel. Fausto de Castro Campos, 1ª Câmara Criminal, j. 29.10.2019.
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Rel. Diógenes Barreto, j. 30.05.2017.
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Freire de A. dos Anjos, j. 22.10.2019.
ESTADO DE TOCANTINS. TJTO. Apelação Criminal 00103197320188270000, Turmas das Câmaras
Criminais, Rel. Des. Luiz Aparecido Gadotti, j. 11.09.2018.
______. ______. Recurso em Sentido Estrito 0021353-11.2019.827.0000, 2ª Câmara Criminal, Relª Desª
Jacqueline Adorno, j. 25.09.2019.
ESTADO DO ACRE. TJAC. Processo 0000094-71.2019.8.01.0003, Rel. Pedro Ranzi, Câmara Criminal,
j. 02.09.2019.
______. ______. Processo 1001281-09.2019.8.01.0000, Rel. Pedro Ranzi, Câmara Criminal, j. 02.09.2019.
ESTADO DO AMAPÁ. TJAP. Habeas Corpus 0000974-18.2019.8.03.0000, Rel. Des. Gilberto Pinheiro,
Secção Única, j. 23.05.2019.
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j. 14.11.2019.
ESTADO DO AMAZONAS. TJAM. Rel. Jorge Manoel Lopes Lins, Segunda Câmara Criminal, data de
registro: 06.12.2019.
______. ______. Rel. Sabino da Silva Marques, Primeira Câmara Criminal, data de registro: 30.10.2019.
ESTADO DO CEARÁ. TJCE. Processo 0028907-04.2018.8.06.0101, Relª Ligia Andrade de Alencar
Magalhães, 3ª Vara, j. 19.11.2019.
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de Quixadá, j. 01.10.2019.
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. TJES. Apelação Criminal 024180178550, Rel. Pedro Valls Feu Rosa,
Rel. Subs. Marcelo Menezes Loureiro, Primeira Câmara Criminal, j. 27.11.2019.
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Recebido em: 24.06.2020


Aprovado em: 14.07.2020
Jurisprudência

Supremo Tribunal Federal


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS Nº 179.253 RIO DE JANEIRO
RELATORA: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

Queixa-Crime com Imputação de Prática de Crime de


Calúnia
Atendimento aos requisitos formais. Impossibilidade de trancamento
da ação penal. Precedentes deste Supremo Tribunal. Agravo regimental
ao qual se nega provimento.
(STF; HC-AgR 179.253; RJ; 2ª T.; Relª Minª Cármen Lúcia; DJE
27/05/2020; p. 63)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-
premo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência da Ministra
Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento, por unanimidade, em
negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Sessão
Virtual de 15.05.2020 a 21.05.2020.
Brasília, 22 de maio de 2020.
Ministra Cármen Lúcia – Relatora

RELATÓRIO
A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):
1. Em 13.12.2019, neguei seguimento ao presente habeas corpus, com
requerimento de medida liminar, impetrado por Carlos Eduardo de Cam-
pos Machado e outros, advogados, em benefício de Marília de Castro Neves
Vieira, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, contra ato
da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pelo qual, em 07.08.2019,
recebida parcialmente, na Ação Penal 912, Relatora a Ministra Laurita Vaz, a
queixa-crime oferecida contra a paciente pelo crime de calúnia contra pessoa
morta, a ex-vereadora Marielle Franco.
2. Publicada essa decisão no DJe de 19.12.2019, foi interposto, em
07.02.2020, tempestivamente, o presente agravo regimental.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
140

3. A agravante ressalta que, “durante os 37 anos em que se dedicou ao


serviço público jamais sofreu punição ou teve sua integridade profissional
questionada, sendo conhecida como uma das mais produtivas Desembarga-
doras do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”.
Argumenta que a conduta imputada seria atípica “porque o texto
redigido pela paciente não atribuiu à ex-vereadora uma conduta concreta e
determinada, requisitos exigidos pela pacífica jurisprudência desta Suprema
Corte para a configuração do delito calúnia.
Logo, a conduta é objetivamente atípica.
Em segundo, porque, na verdade, (...) foi vítima de uma onda de no-
tícias falsas (fake news) que sucedeu o trágico assassinato de Marielle Franco.
Fez comentário baseado em informação que hoje se sabe falsa, mas naquele
momento acreditava ser verdadeira, assim como inúmeras outras pessoas
enganadas pelos boatos.
Igualmente, também se faz presente a manifesta atipicidade subjetiva”.
Sustenta que o conteúdo postado (...) poderia ser tipificado “no máxi-
mo” como difamação e, como essa difamação seria contra pessoa falecida, a
conduta imputada também seria atípica.
Afirma: “a) Não é necessária dilação probatória para se verificar a
atipicidade objetiva, pois esta pode ser aferida facilmente pela leitura do co-
mentário; ademais disso, a conduta narrada pela denúncia não se amolda ao
delito de calúnia, pois não houve por parte da paciente a falsa atribuição de
fato criminoso específico, concreto e determinado.
b) O writ vai ao encontro da jurisprudência deste Tribunal, que é
uníssona ao exigir para configuração de calúnia a falsa imputação de conduta
criminosa concreta, específica e determinada.
c) Igualmente ao que ocorre com a atipicidade objetiva, também a ati-
picidade subjetiva pode ser constatada de plano, porque a onde de fake news é
fato público, notório e reconhecido pela própria queixa-crime”.
Assevera que, “enganada pela onda de fake news disseminada após o
assassinato da ex-vereadora, publicou por meio de sua conta no Facebook
um comentário baseado em informação falsa, mas que até então acreditava
ser verdadeira. (...)
O comentário publicado foi produzido (...) precisamente num contexto
de intensa discussão política.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 141

(...) redigiu o texto em resposta a postagem do magistrado aposentado


Paulo Nader, na qual este defendia toda a comoção nacional e internacional
gerada pela morte de Marielle, ‘uma lutadora dos direitos humanos e líder
de uma população sofrida’ (...).
A intenção (...), evidentemente, era fazer um contraponto ao comentário
do Sr. Paulo Nader, e não ofender a memória de Marielle. Só que, lastimavel-
mente, levada pela agitação política então reinante, acabou induzida a erro”.
Assinala que, “como é público e notório, retratou-se logo quando
tomou conhecimento da falsidade das informações que as fake news estavam
divulgando sobre Marielle, pedindo desculpas a todos familiares”.
Alega que “os fatos (...) reportados são públicos e notórios: Marielle
morreu dia 14 de março de 2018, e, no dia seguinte, 15 de março, as falsas
notícias começaram a circular pela internet. O comentário (...) é posterior,
datado de 16 de março.
Em suma, (...) acreditou no que leu e foi levada a erro, sendo certo
que a ausência de tipicidade subjetiva pode ser constatada de plano, sem ne-
cessidade de dilação probatória, a partir do próprio quadro fático delineado
na queixa-crime e dos demais elementos constantes nos autos, bem como de
fatos amplamente divulgados pelos meios de comunicação”.
Este o teor dos pedidos:
“(...) Pelas razões acima expostas, pede-se, em primeiro lugar, a reconsidera-
ção da decisão agravada.
Caso assim não se entenda, requer-se seja o presente agravo regimental co-
nhecido e provido, a fim de conceder-se a ordem de habeas corpus (...), tran-
cando-se, por conseguinte, a AP 912/RJ, em curso perante a Corte Especial
do Superior Tribunal de Justiça.”
É o relatório.

VOTO
A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):
1. Razão jurídica não assiste à agravante.
2. Marinete da Silva, Antônio Francisco da Silva Neto, Anielle Silva dos
Reis Barboza e Mônica Tereza Azeredo Benício, respectivamente, mãe, pai,
irmã e companheira de Marielle Francisco da Silva, ajuizaram queixa-crime
contra a agravante, a ela imputando a prática do delito de calúnia:
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
142

“Marília de Castro Neves Vieira, ora querelada, que é Desembargadora do


Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, fez publicações na rede social
Facebook a respeito do crime, dizendo que Marielle estava ‘engajada com
bandidos’ e teria sido eleita com a ajuda do Comando Vermelho, facção cri-
minosa conhecida no Rio de Janeiro pela atuação no setor de tráfico de dro-
gas. Ademais, atribuiu a morte de Marielle ao seu ‘comportamento, ditado
por seu engajamento político’.”
Tem-se na mensagem divulgada pela agravante:
“A questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’; ela estava enga-
jada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘com-
promissos’ assumidos com seus apoiadores. Ela, mais do que qualquer outra
pessoa ‘longe da favela’, sabe como são cobradas as dívidas pelos grupos entre
os quais ela transacionava. Até nós sabemos disso. A verdade é que jamais sa-
beremos ao certo o que determinou a morte da vereadora mas temos certeza
de que seu comportamento, ditado por seu engajamento político, foi deter-
minante para seu trágico fim.
Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a
um cadáver tão comum quanto qualquer outro.”
Os querelantes apontaram a “ocorrência do delito de calúnia (art. 138
do CP), com a incidência da causa especial de aumento prevista no art. 141,
III, do Código Penal, incidente quando o delito é cometido ‘na presença de
várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação
ou da injúria’”.
3. Em 07.08.2019, na Ação Penal 912, Relatora a Ministra Laurita Vaz, a
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça recebeu parcialmente a queixa-
crime contra a agravante “como incursa no art. 138, § 2º c/c o art. 141, inciso
III, do Código Penal, apenas por ter imputado à vítima falecida o crime do
art. 2º da Lei nº 12.850/2013”. Consta desse julgado:
“QUEIXA-CRIME. ACUSAÇÃO CONTRA DESEMBARGADORA DO
TJRJ. PRERROGATIVA DE FORO NO STJ. CRIME DE CALÚNIA
CONTRA PESSOA MORTA. QUEIXA PARCIALMENTE RECEBIDA.
(...)
7. ‘5. Quando várias pessoas denigrem a imagem de alguém, via internet, cada
uma se utilizando de um comentário, não há coautoria ou participação, mas
vários delitos autônomos, unidos no máximo por conexão probatória. Pre-
cedente. 6. A falta de inclusão de autor de comentário autônomo na queixa-
crime não configura, pois, renúncia tácita ao direito de queixa’ (APn 895/DF,
Relª Minª Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 15.05.2019, DJe 07.06.2019).
8. É sabido que ao procedimento especial da Lei nº 8.038/90 é aplicável, sub-
sidiariamente, as regras do procedimento ordinário (§ 5º do art. 394 do CPP).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 143

Contudo, não se verifica nem a hipótese de rejeição liminar da queixa (art.


395 do CPP) nem a de absolvição sumária (art. 397 do CPP).
9. É certo que ‘O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade
de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do
delito de calúnia’ (Apn 473/DF, Corte Especial, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe
08.09.08).
10. No entanto, ‘a inexistência de dolo específico é questão que deve situar-
se no âmbito da instrução probatória, por não comportar segura ou precisa
análise nesta fase processual, que é de formulação de um simples juízo de
delibação. Caso em que as condutas em foco se amoldam, em tese, aos delitos
invocados na peça acusatória, sendo que a defesa apresentada pelo querelado
não permite concluir, de modo robusto ou para além de toda dúvida razoável,
pela improcedência da acusação’ (Inq 2.036/PA, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Carlos Britto, DJ 22.10.04).
11. A conduta da querelada de divulgar mensagem em rede social, imputando
à vítima falecida o crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013 (‘Promover, consti-
tuir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organiza-
ção criminosa’), configura, em tese, o crime de calúnia.
12. Queixa-crime parcialmente recebida em desfavor da querelada, como in-
cursa no art. 138, § 2º c/c o art. 141, inciso III, do Código Penal, apenas por
ter imputado à vítima falecida o crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013.”
4. Os querelantes acusam a agravante de “cometimento do crime de
calúnia (art. 138, § 2º, do Código Penal) – por falsa imputação dos crimes
do art. 2º da Lei nº 12.850/03 e arts. 299 e 350 do Código Eleitoral –, com
a incidência da causa especial de aumento prevista no inciso III do art. 141
do Código Penal, uma vez que a referida postagem acabou ‘viralizando na
internet’”.
Consta da queixa-crime oferecida contra a agravante:
“DOS FATOS OBJETO DESTA QUEIXA CRIME. A CALÚNIA COME-
TIDA CONTRA A HONRA DE MARIELLE FRANCO.
Um caso, em especial, chamou a atenção da sociedade: Marília de Castro
Neves Vieira, ora querelada, que é Desembargadora do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, fez publicações na rede social Facebook a respeito
do crime, dizendo que Marielle estava ‘engajada com bandidos’ e teria sido
eleita com a ajuda do Comando Vermelho, facção criminosa conhecida no
Rio de Janeiro pela atuação no setor de tráfico de drogas. Ademais, atribuiu
a morte de Marielle ao seu ‘comportamento, ditado por seu engajamento
político’.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
144

Como se pode conferir pela imagem abaixo, as manifestações da Desembar-


gadora tiveram cunho extremamente ofensivo à dignidade da pessoa morta.
(...)
‘Marília Castro Neves. A questão é que a tal Marielle não era apenas uma
‘lutadora’; ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Ver-
melho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores. Ela,
mais do que qualquer outra pessoa ‘longe da favela’ sabe como são cobradas
as dívidas pelos grupos entre as quais ela transacionava. Até nós sabemos dis-
so. A verdade é que jamais saberemos ao certo o que determinou a morte da
vereadora, mas temos certeza de que seu comportamento, ditado pelo seu
engajamento político, foi determinante para seu trágico fim.
Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a
um cadáver tão comum quanto qualquer outro.
Comentário de Marília Castro sobre o assassinato de Marielle Franco (Re-
produção/Facebook).’
Como se sabe, o Comando Vermelho é a maior facção criminosa do Estado
do Rio de Janeiro e uma das maiores do país, responsável pela prática de trá-
fico de drogas, assassinatos, sequestros, dentre outros crimes.
Como se viu na imagem acima, a Querelada afirma (e exclama!) que Marielle
Franco ‘estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e
descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores’.
Não bastasse, diz ela que ‘transacionava’ com grupos criminosos. Ao assim
afirmar (e exclamar!), está nítido o animus caluniandi da querelada e a inten-
ção de causar dano à honra e memória de Marielle, pois significa dizer que a
parlamentar, por meio de seu mandato, promovia os interesses do Comando
Vermelho na Câmara dos Vereadores, isto é, promovia uma organização cri-
minosa, fato que encontra tipicidade no art. 2º da Lei nº 12.850/03.
Para Rogério Sanches, ‘promover’ – que é o primeiro verbo típico do crime
de organização criminosa – significa ‘trabalhar a favor’. É o que se extrai com
clareza da fala da Querelada:
Marielle Franco seria, na sua caluniosa ofensa, uma das vozes do Comando
Vermelho na Câmara dos Vereadores, já que estaria, no seu entender, ‘enga-
jada’ com a facção e com ela ‘transacionava’.
Isso porque, estar ‘engajado’, segundo o dicionário Aurélio, tem o significado
de ser ‘contratado para certos serviços’, ‘aliciar para serviço pessoal’, ou seja,
ao exclamar que a vereadora ‘estava engajada com bandidos!’, a querelada
passou, claramente, a seguinte mensagem: a de que Marielle Franco era pes-
soa ‘contratada’ para serviços criminosos, aliciada por interesses espúrios.
Não há dúvida, portanto, de que, por meio de seu comentário na rede social
Facebook, a querelada afirmou falsamente que Marielle Franco promovia
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 145

organização criminosa – fato definido como crime – praticando, repita-se,


o delito de calúnia. Não custa lembrar que, na forma do art. 138, § 2º, do
Código Penal, é punível a calúnia contra os mortos.
Além disso, ao afirmar que Marielle ‘foi eleita pelo Comando Vermelho’,
a querelada também imputa à vereadora crime eleitoral, pois isso significa
dizer que Marielle Franco recebeu vantagem para obter voto, já que suposta-
mente ela foi eleita pelo Comando Vermelho, o que configura o crime eleito-
ral previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Da mesma forma, essa afirmação
implica reconhecer que sua campanha foi custeada por dinheiro ilícito e, evi-
dentemente, não declarado, o que configura o crime previsto no art. 350 do
Código Eleitoral. (...)
E mais!
Não satisfeita, a querelada, na infeliz e criminosa postagem, disse ainda, fa-
zendo referência ao fato de Marielle Franco ser oriunda da favela da Maré,
que: ‘Ela, mais do que qualquer outra pessoa, ‘longe da favela’, sabe como são
cobradas as dívidas pelos grupos entre os quais ela transacionava’.
Ora, tal afirmação evidencia o dolo e a intenção de macular a honra e reputa-
ção de Marielle, bem como de manchar sua tão respeitada biografia ao impu-
tar, nas redes sociais, uma falsa relação de vínculos e compromissos da vere-
adora com a citada facção criminosa, ao ponto de descumprir compromissos
e contrair dívidas. Tal afirmação resta totalmente dissociada da realidade e da
honrada trajetória da parlamentar.”
5. Ao analisar a queixa-crime, a Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça recebeu-a apenas quanto à imputação da prática de calúnia refe-
rente à afirmação de que Marielle Franco integraria organização criminosa,
ressaltando não ter sido realizada pela agravante a falsa atribuição de prática
de crime eleitoral:
“É sabido que ao procedimento especial da Lei nº 8.038/90 é aplicável, subsi-
diariamente, as regras do procedimento ordinário (§ 5º do art. 394 do CPP).
(...)
Portanto, há de se verificar se é hipótese de rejeição liminar da queixa (art.
395 do CPP) ou de absolvição sumária (art. 397 do CPP).
Rejeitar-se-ia a inicial acusatória caso fosse manifestamente inepta; faltasse
pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltasse
justa causa para o exercício da ação penal. Nenhuma dessas hipóteses se en-
contram presentes, conforme explicitado nos itens preambulares.
Também não é o caso de absolvição sumária, uma vez que não se constata a
existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato ou da culpabili-
dade do agente; o fato narrado, em tese, constitui crime; e não há nenhuma
causa de extinção da punibilidade do agente.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
146

Sobre a alegação da Defesa acerca da ausência do elemento subjetivo, pois a


Acusada não sabia da falsidade das imputações, é mister consignar a impos-
sibilidade de aferição, nesta fase processual, da existência ou não do animus
caluniandi da Querelada, dispensando-se a instrução probatória, na medida
em que não há, nos autos, elementos suficientes para, desde logo, concluir-se
pela absolvição. (...)
Com efeito, o delito imputado à querelada é o de calúnia (‘Art. 138. Caluniar
alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – deten-
ção, de 6 meses a 2 anos, e multa. (...) § 2º É punível a calúnia contra os
mortos’), com a causa de aumento referente ao veículo de divulgação (‘Art.
141. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de 1/3 (um terço), se
qualquer dos crimes é cometido: (...). III – na presença de várias pessoas, ou
por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria’).
Como se sabe, caluniar é atribuir falsamente a alguém fato certo definido
como crime. (...)
De um lado, afirmam os querelantes que ‘não há dúvida, portanto, de que,
por meio de seu comentário na rede social Facebook, a querelada afirmou
falsamente que Marielle Franco promovia organização criminosa – fato defi-
nido como crime – praticando, repita-se, o delito de calúnia’.
De outro lado, ressaltam que, ‘além disso, ao afirmar que Marielle ‘foi eleita
pelo Comando Vermelho’, a querelada também imputa à vereadora crime
eleitoral, pois isso significa dizer que Marielle Franco recebeu vantagem para
obter voto, já que supostamente ela foi eleita pelo Comando Vermelho, o que
configura o crime eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Da mes-
ma forma, essa afirmação implica reconhecer que sua campanha foi custeada
por dinheiro ilícito e, evidentemente, não declarado, o que configura o crime
previsto no art. 350 do Código Eleitoral.
A primeira insinuação da mensagem da querelada, a meu sentir, encontra
adequação típica no art. 2º da Lei nº 12.850/2013 (‘Promover, constituir, fi-
nanciar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização cri-
minosa’).
A segunda, no entanto, possui caráter genérico, o que elide a adequação típica
tanto ao art. 299 do Código Eleitoral (‘Dar, oferecer, prometer, solicitar ou
receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vanta-
gem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda
que a oferta não seja aceita’) quanto ao art. 350 do mesmo Diploma Legal
(‘Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia
constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita, para fins eleitorais’).
E, sem dúvida, a utilização de rede social para divulgação de mensagem su-
postamente ofensiva à honra é meio que facilita a sua divulgação, consoante
prevê a majorante descrita no inciso III do art. 140 do Código Penal.”
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 147

6. A queixa-crime descreve a conduta típica imputada à agravante de


forma simples e objetiva. Nela se atribuiu à agravante a responsabilidade penal
por fato determinado, com adequada indicação da conduta ilícita imputada,
sendo-lhe possibilitado o pleno exercício do direito de defesa.
A queixa-crime é proposta de demonstração de prática de fato típico e
antijurídico imputado a determinada pessoa, sujeita à efetiva comprovação e
contradita e, como assentado na jurisprudência, somente pode ser rejeitada
quando a) não houver indícios da ocorrência de crime; b) for possível reco-
nhecer, sem dúvida, a inocência do acusado; ou c) não houver pelo menos
indícios de participação.
Descritos na queixa-crime comportamentos típicos, ou seja, factíveis
e obviados os indícios de autoria e materialidade delitivas, como se tem na
espécie vertente, o ordenamento vigente não permite o trancamento anteci-
pado e infundado da ação penal. Assim, por exemplo:
“1. Embargos de declaração em habeas corpus. Decisão monocrática. Embargos
de declaração recebidos como agravo regimental. 2. Crime contra a ordem
tributária. 3. Trancamento da Ação Penal. Carência de justa causa. 4. Inépcia
da denúncia por ausência de individualização das condutas. Não ocorrência.
Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. 5. Descrição mínima dos
fatos e de suas circunstâncias. Constrangimento ilegal não caracterizado. 6.
Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Agravo
regimental a que se nega provimento.” (HC 149.337-ED, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe 09.10.2018)
“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS COR-
PUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMEN-
TO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. 1. O trancamento
da ação penal, por meio do habeas corpus, só é possível quando estiverem
comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade
ou a evidente ausência de justa causa (HC 103.891, Red. p/ o Acórdão Min.
Ricardo Lewandowski; HC 86.656, Rel. Min. Ayres Britto; HC 81.648, Rel.
Min. Ilmar Galvão; HC 118.066-AgR, Relª Minª Rosa Weber; e HC 104.267,
Rel. Min. Luiz Fux). 2. No caso de que se trata, inexiste razão para a supe-
ração dessa orientação restritiva. Da leitura da denúncia e das demais peças
de informação que instruem o recurso, não se visualiza, de plano, a alegada
inépcia da inicial acusatória. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(HC 137.738-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 21.05.2018)
Confiram-se também os julgados: HC 84.776, Rel. Min. Eros Grau,
DJ 28.10.04; HC 80.954, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 05.04.02; HC 81.517,
Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 14.06.02; e HC 82.393, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 22.08.03.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
148

7. Quanto às alegações de atipicidade da conduta imputada, essa é tese


que, na fase processual específica e no avanço da dilação probatória, conduzirá
à conclusão de se tratar, na espécie, não de calúnia, mas de difamação de pessoa
morta, crime não tipificado no Código Penal, ou de que a paciente teria sido
vítima de divulgação de notícias falsas.
Como afirmei na decisão agravada, é prematuro e incabível em habeas
corpus aprofundar-se no exame do conjunto probatório dos autos para acolher
a tese de atipicidade da conduta imputada e trancar a ação penal.
O Superior Tribunal de Justiça fundamentou-se na legislação vigente
e acolheu a jurisprudência prevalecente para decidir na forma constante do
acórdão. Não há ilegalidade ou teratologia no julgado de recebimento da
denúncia a ser saneado por este Supremo Tribunal, sendo incabível o habeas
corpus para desfazer aquela decisão, como antes acentuado.
8. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DE ATA
Ag. Reg. no Habeas Corpus nº 179.253
Proced.: Rio de Janeiro
Relatora: Minª Cármen Lúcia
Agte.: Marília de Castro Neves Vieira
Adv.(a/s): Carlos Eduardo de Campos Machado (02073/A/DF, 046403/
RJ) e outro(a/s)
Agdo.: Superior Tribunal de Justiça
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-
gimental, nos termos do voto da Relatora. Segunda Turma, Sessão Virtual de
15.05.2020 a 21.05.2020.
Composição: Ministros Cármen Lúcia (Presidente), Celso de Mello,
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.
Ravena Siqueira – Secretária
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS Nº 568.016 SANTA CATARINA
RELATOR: MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Tráfico de Drogas. Condenação Transitada em


Julgado. Revisão Criminal da Defesa. Tribunal
de Origem. Diminuição da Pena-Base. Aumento do
Percentual pelo Reconhecimento da Reincidência.
Limites da Pena Estabelecida e das Circunstâncias
Fáticas Observadas. Situação Final Não Agravada.
Pena Diminuída. Inexistência de Reformatio In Pejus
ou Afronta ao Art. 617 do Código de Processo Penal

1. A jurisprudência de ambas as Turmas da Terceira Seção deste Sodalício


é firme no sentido de que o Tribunal de origem, ainda que no julgamen-
to de recurso exclusivo da defesa, pode valer-se de fundamentos diversos
dos constantes da sentença para se manifestar acerca da operação do-
simétrica e do regime inicial fixado para o cumprimento da pena, para
examinar as circunstâncias judiciais e rever a individualização da pena,
desde que não haja agravamento da situação final do réu e que sejam
observados os limites da pena estabelecida pelo Juízo sentenciante bem
como as circunstâncias fáticas delineadas na sentença e na incoativa.
2. É exatamente essa a hipótese dos autos, em que o Tribunal de origem
reduziu a pena-base do agravante, porém, promoveu a readequação do
percentual aplicado pelo reconhecimento da reincidência, na segunda
fase dosimétrica. A pena que foi primeiramente fixada em 5 anos e 11
meses e pagamento de 550 dias-multa foi diminuída para 5 anos e 10
meses e pagamento de 500 dias-multa.
3. O magistrado de piso já havia pontuado a reincidência do agravante,
e o Tribunal de origem apenas promoveu a adequação do percentual.
4. Conforme prevê o art. 626 do Código de Processo Penal, acolhida a
revisão criminal, o Tribunal poderá alterar a classificação da infração,
absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo, e, de qualquer
maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
150

5. No entanto, considerando que a revisão criminal é uma ação de


impugnação de caráter excepcional, nada impede que se produza uma
decisão ultra petita, conforme observado no presente caso.
6. Percebe-se que a situação final do recorrente não foi agravada,
contrariamente, foi atenuada, de modo que não há que se falar em
reformatio in pejus ou malferimento ao conteúdo do art. 617 do Código
de Processo Penal.
7. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ; AgRg-HC 568.016; Proc. 2020/0072805-1; SC; 6ª T.; Rel. Min.
Antonio Saldanha Palheiro; DJE 01/07/2020)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior,
Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 23 de junho de 2020 (Data do Julgamento).
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Trata-se de agravo regimental manejado contra decisão que denegou a
ordem de habeas corpus.
Depreende-se dos autos que o agravante foi condenado, pela prática do
crime previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/06 (tráfico de drogas), às penas de 5
anos e 11 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e de 550 dias-multa.
A condenação transitou em julgado em 01.10.2015.
Irresignada, a defesa ajuizou revisão criminal no Tribunal de Justiça, a
qual foi deferida “para afastar as circunstâncias judiciais atinentes à conduta
social e à personalidade do agente, de modo a minorar a pena privativa de
liberdade do revisionando para 5 anos e 10 meses de reclusão e 500 dias-
multas” (e-STJ, fl. 87).
Perante o Superior Tribunal de Justiça a defesa alegou que a Corte local
“incorreu em flagrante reformatio in pejus ao aumentar o incremento operado
na segunda fase da dosimetria em recurso exclusivo da defesa” (e-STJ, fl. 98).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 151

Às e-STJ fls. 220/224, este relator denegou a ordem de habeas corpus.


No presente agravo regimental, a parte obtempera que, “ainda que o
TJSC tenha afastado as circunstâncias negativas na primeira fase da dosimetria
penal, referentes à conduta social e personalidade do agente, reduzindo, dessa
forma, a pena-base do Paciente ao mínimo legal, acabou por aumentar 1/6
na segunda fase da dosimetria, apesar de a decisão originária ter aumentado
apenas um mês na segunda fase da dosimetria penal. Considerando que o
Magistrado sentenciante empregou aumento menor que 1/6 na segunda fase da
dosimetria, cabia à parte interessada, Ministério Público, o ônus de impugnar
a decisão tempestivamente. Como não o fez, não poderia o TJSC, em sede
de revisão criminal, realizar a revisão pro societate sem que houvesse recurso
da acusação. Flagrante, nesse sentido, a ocorrência de reformatio in pejus (CPP,
art. 617)” (e-STJ, fl. 232).
Assim, pugna pela reconsideração da decisão objurgada ou pela apre-
ciação da matéria pelo colegiado.
É, em síntese, o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
O recurso não merece prosperar tendo em vista a inexistência de argu-
mentos capazes de infirmar os fundamentos da decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência de ambas as Turmas da Terceira Seção
deste Sodalício é firme no sentido de que o Tribunal de origem, ainda que
no julgamento de recurso exclusivo da defesa, pode valer-se de fundamentos
diversos dos constantes da sentença para se manifestar acerca da operação do-
simétrica, do regime inicial fixado para o cumprimento da pena, para examinar
as circunstâncias judiciais e rever a individualização da pena, desde que não
haja agravamento da situação final do réu e que sejam observados os limites da
pena estabelecida pelo Juízo sentenciante bem como as circunstâncias fáticas
delineadas na sentença e na incoativa.
É exatamente essa a hipótese dos autos, em que o Tribunal de ori-
gem reduziu a pena-base do agravante, porém promoveu a readequação do
percentual aplicado pelo reconhecimento da reincidência, na segunda fase
dosimétrica. A pena que foi primeiramente fixada em 5 anos e 11 meses e
pagamento de 550 dias-multa foi diminuída para 5 anos e 10 meses e paga-
mento de 500 dias-multa.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
152

Vale ressaltar que o magistrado de piso já havia pontuado a reincidên-


cia do agravante, e o Tribunal de origem apenas promoveu a adequação do
percentual.
Seguem os fundamentos adotados pelo colegiado estadual (e-STJ, fls.
92/93):
“Dessa forma, imperativo afastar as circunstâncias judiciais referentes à con-
duta social e à personalidade, retornando a pena-base ao mínimo legal, diante
a ausência de outros elementos a permitir a sua exasperação na primeira fase.
Na segunda fase, majorada a pena diante da agravante de reincidência à fração
de 1/6 e inexistente, na terceira fase, outras causas de aumento e diminuição,
a reprimenda alcança 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 500 (qui-
nhentos) dias-multa, mantendo-se o regime semiaberto fixado originariamen-
te, uma vez que em consonância com o disposto no art. 33 do Código Penal.
Por fim, convém esclarecer que a sentença condenatória continha equívoco
no cálculo da pena. Isso porque o incremento operado na segunda fase da
dosimetria, à fração de 1/6, em razão da reincidência, foi acrescido em valor
inferior ao devido. A pena na segunda foi fixada na sentença em 5 (cinco)
anos e 11 (onze) meses, ao passo que deveria ter alcançado 6 (seis) anos e 5
(cinco) meses, considerando a pena-base de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses.
Logo, não obstante o sucesso do pleito em exame, o revisionando, como vis-
to, sofreu um decréscimo de apenas 1 (mês) na pena.
Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do pedido de revisão cri-
minal e deferi-lo para afastar as circunstâncias judiciais atinentes à conduta
social e à personalidade do agente, de modo que a minorar a pena privativa de
liberdade do revisionando para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão
e 500 (quinhentos) dias-multas, mantidos os demais parâmetros fixados na
sentença condenatória.”
Nessa alheta, percebe-se que a situação final do recorrente não foi agra-
vada, de modo que não há que se falar em reformatio in pejus ou malferimento
ao conteúdo do art. 617 do Código de Processo Penal.
Corroborando o aqui decidido, seguem os seguintes precedentes:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE
DROGAS. REVISÃO CRIMINAL. PARCIAL PROCEDÊNCIA. REFOR-
MATIO IN PEJUS INDIRETA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGI-
MENTAL DESPROVIDO.
1. Segundo o entendimento desta Corte, não ocorre violação ao princípio
da reformatio in pejus indireta no julgamento de recurso exclusivo da defesa,
quando forem lançados novos fundamentos na prolação do decreto conde-
natório substitutivo, desde que a reprimenda do réu não seja agravada no seu
aspecto quantitativo. Precedentes.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 153

2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC 557.090/MA, Rel. Min. Joel


Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 12.05.2020, DJe 25.05.2020)
“PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPE-
CIAL. FALTA DE CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIA-
ÇÃO CRIMINOSA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELA ASSOCIAÇÃO.
REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO. REGIME
FECHADO DE CUMPRIMENTO DA PENA. PRETENSÃO PELO
ABRANDAMENTO DO REGIME. IMPOSSIBILIDADE. PENA SUPE-
RIOR A 8 ANOS. PENA-BASE. AUSÊNCIA DE EXCESSO. RAZOA-
BILIDADE. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. REFORMATIO IN
PEJUS. AUSÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. NATUREZA E QUAN-
TIDADE DA DROGA. PROGRESSÃO DE REGIME (DETRAÇÃO PE-
NAL). COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA
DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em recentes
decisões, não admitem mais a utilização do habeas corpus como sucedâneo
do meio processual adequado, seja o recurso, seja a revisão criminal, salvo em
situações excepcionais.
(...)
5. Para manter a penalidade, a Corte local trouxe o mesmo fundamento da
sentença, qual seja a natureza e quantidade da substância entorpecente, com
base no art. 42 da Lei nº 11.343/06, enfatizando o total de 5,815 kg de cocaína.
Não configura reformatio in pejus a utilização de fundamento diverso do as-
sentado pelo Juízo de primeiro grau, em sede de apelação exclusiva da defesa,
quando a situação do paciente não é agravada.
(...)
9. Habeas corpus não conhecido.” (HC 331.675/SP, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, j. 28.06.2016, DJe 03.08.2016)
Conforme prevê o art. 626 do Código de Processo Penal, acolhida a
revisão criminal, o Tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver
o réu, modificar a pena ou anular o processo, e, de qualquer maneira, não
poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista.
No entanto, considerando que a revisão criminal é uma ação de im-
pugnação de caráter excepcional, nada impede que se produza uma decisão
ultra petita, conforme observado no presente caso.
Diante disso, e ratificando os fundamentos contidos na decisão que
denegou a ordem de habeas corpus, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto.
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS Nº 584.974 SÃO PAULO
RELATOR: MINISTRO ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ

Execução. Prisão Domiciliar. Riscos da Pandemia


do Coronavírus e Desenvolvimento da Covid-19.
Superação do Óbice da Súmula nº 691 do STF.
Impossibilidade. Prisão-Pena. Agravo Regimental Não
Provido
1. O mérito da impetração originária não foi analisado pelo Tribunal a
quo. Atrai-se à hipótese o impeditivo do Enunciado nº 691 da Súmula
do Supremo Tribunal Federal, que só é ultrapassado se a ilegalidade é
tão flagrante que não escapa à pronta percepção do julgador.
2. Muito embora seja a agravante hipertensa, a precariedade das cadeias
públicas é argumento que pode ser adequado a todos aqueles que se
encontram custodiados. O Poder Judiciário, apesar de tentar amenizar
a situação, inclusive com a edição da Súmula Vinculante nº 56, não
tem meios para resolver, simplesmente concedendo liberdade a quem
cumpre pena, o assinalado estado de coisas inconstitucional no sistema
carcerário brasileiro, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em
2015.
3. O surgimento da pandemia de Covid-19 não pode ser, data venia,
utilizado como passe livre, para impor ao Juiz da VEC a soltura geral
de todos os encarcerados sem o conhecimento da realidade subjacente
a cada execução específica, o que demanda provocação e certo tempo
para deliberação. Ninguém, em sã consciência, é a favor do contágio e
da morte de presos e, mesmo com as projeções de que viveremos tem-
pos sombrios, o que, atualmente, submete a algum isolamento social
cerca de 1/3 de toda a humanidade, não há como deferir, per saltum, o
pleito da agravante.
4. Os riscos decorrentes da pandemia existem em qualquer ambiente,
inclusive o penitenciário, cumprindo enfatizar a circunstância, assegu-
rada pela direção do presídio, de que cuidados sanitários foram adota-
dos para evitar a propagação do vírus e para que os internos recebam
atenção médica.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 155

5. Na espécie, trata-se de condenação definitiva, ou seja, prisão-pena


e não há previsão, no Código de Processo Penal, de prisão domiciliar
para as condenadas definitivas, em condições análogas às daquelas na
situação do art. 318 do CPP, vale dizer, em constrição cautelar.
6. Agravo regimental não provido.
(STJ; AgRg-HC 584.974; Proc. 2020/0126203-1; SP; 6ª T.; Rel. Min.
Rogério Schietti Cruz; DJE 01/07/2020)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento
ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião
Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 23 de junho de 2020.
Ministro Rogerio Schietti Cruz – Relator

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz:
Flavia Maria da Silva agrava da decisão de fls. 86-92, em que a Presi-
dência desta Corte Superior indeferiu liminarmente este writ, por considerar
ausente constrangimento ilegal que permita a superação do óbice imposto
pela Súmula nº 691 do STF.
A defesa insiste na concessão de prisão domiciliar à paciente, pois “uma
vez acometida com uma cardiopatia, o Diretor do Núcleo de Atendimento à
Saúde da Penitenciária Feminina II de Tremembé, onde a paciente cumpre
pena, esclareceu que Flávia se enquadra no grupo de risco no novo corona-
vírus” (fl. 98).
Afirma que “em uma analogia com os elementos subjetivos do tipo que
devem estar presentes sobre o prisma da tipicidade da teoria do delito, temos a
sustentação da ausência de dolo nos casos de morte por Covid-19 dentro das
penitenciárias brasileiras, mas não há como sustentar a inexistência de culpa
por parte dos órgãos estatais. Tanto o é, que sob o aspecto civil, a responsabi-
lidade do Estado por morte dentro de delegacias e penitenciárias é objetiva,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
156

ressaltando o dever que lhe é atribuído por terem sob custódia pessoas cujos
direitos humanos deveriam ser assegurados” (fls. 100-101).
Assim, reitera que a apenada é hipertensa e mãe de duas crianças me-
nores de 12 anos de idade, que dela depende em tempos de pandemia.
Requer, assim, a reconsideração do referido decisum ou julgado pelo
colegiado, a fim de que seja concedida a ordem.

VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
Na espécie, o Juízo das execuções indeferiu o pedido de prisão domiciliar, nos
seguintes termos:
“(...)
A despeito do quadro hipertensivo da detenta, não há nos autos notícia de que a
mesma não possa ser acompanhada na própria unidade prisional onde se encontra, in-
clusive, pelo teor do relatório médico apresentado, ela está recebendo o tratamento necessá-
rio para o seu estado de saúde. Ademais, a direção administrativa do presídio adotou as
medidas urgentes de prevenção à infecção e à propagação do vírus, a fim de tentar reduzir
os riscos epidemiológicos de transmissão e preservar a saúde dos indivíduos confinados,
bem como da sociedade civil como um todo. Sem embargo, não há ao menos
até a presente data notícia de infectados pelo dito ‘Coronavírus’ na localidade
ou sequer casos suspeitos.
(...)
Assim, para o presente caso, não há como afirmar que o risco ‘extramuros’ se
mostra atualmente menor que o ‘intramuros’, a justificar, por si só, pedidos
desta natureza, valendo consignar que o perigo é potencial e alcança a todos
os indivíduos sob a face da terra, indiscriminadamente.” (fls. 35-36)
O Desembargador relator indeferiu a medida e urgência, sob a seguinte
motivação:
“Com efeito, como bem salientado pelo d. juízo a quo, não há nos autos qualquer
indicativo revelando ser imprescindível a concessão da prisão domiciliar à paciente em
razão de sua situação de saúde, de modo que se revela inviável a concessão da medida
liminar pleiteada.
A propósito, anoto que a prisão domiciliar seria viável se atendidos os re-
quisitos previstos no art. 117, da Lei de Execuções Penais. Contudo, o men-
cionado dispositivo legal possibilita a concessão de prisão domiciliar para os
condenados em cumprimento de pena em regime aberto, sendo certo que, ao
menos por ora, não restou evidenciado que a paciente cumpra a reprimenda
em tal regime.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 157

Ademais, o art. 5º, incisos III e IV, da Recomendação nº 62 do CNJ, reco-


menda a concessão de prisão domiciliar em relação àqueles que estão em
cumprimento de pena em regime aberto ou semiaberto, mediante condições
a serem definidas pelo Juiz da execução, bem como em benefício de pessoa
presa com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, mediante rela-
tório da equipe de saúde e na ausência de espaço de isolamento adequado no
estabelecimento penal, requisitos que, ao menor por ora, não restaram demonstra-
dos.” (fls. 23-24, destaquei)
Conforme dito, ante a crise mundial do coronavírus e, especialmente,
a iminente gravidade do quadro nacional, intervenções e atitudes mais ou-
sadas são demandadas das autoridades, inclusive do Poder Judiciário, sendo
apropriado o exame da manutenção da medida mais gravosa com outro olhar;
porém, sempre com ressalva quanto à necessidade inarredável da segregação
preventiva ou da manutenção do cumprimento da pena em estabelecimento
prisional, sobretudo nos casos de crimes cometidos com particular violência
ou gravidade.
De qualquer modo, a par do cenário indicado, entendo que as instân-
cias ordinárias têm maiores condições de analisar a alegada situação de risco
frente à nova realidade, por estarem mais próximos da situação carcerária e
das medidas adotadas pelas autoridades da área de segurança e de saúde da
localidade onde o paciente encontra-se custodiado.
Mister ressaltar que o Poder Judiciário não está inerte à realidade do
quadro mundial afetado pela pandemia de Covid-19, o que se pode inferir
da pronta atuação do Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução
nº 62/2020-CNJ, bem como mediante o olhar atento do Supremo Tribunal
Federal, que, em 23.03.2020, solicitou informações aos órgãos competentes
acerca das medidas que estão sendo tomadas em cada um dos presídios bra-
sileiros, no bojo do HC 143.641, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski.
Reafirmo que, muito embora seja a paciente hipertensa, a precariedade das
cadeias públicas é argumento que pode ser adequado a todos aqueles que se encontram
custodiados. O Poder Judiciário, apesar de tentar amenizar a situação, inclusive
com a edição da Súmula Vinculante nº 56, não tem meios para resolver o
assinalado estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro,
simplesmente concedendo liberdade a quem se encontra preso.
O surgimento da pandemia de Covid-19 não pode ser, data venia, uti-
lizado como passe livre, para impor ao Juiz da VEC a soltura geral de todos
encarcerados sem o conhecimento da realidade subjacente de cada execução
específica, o que demanda provocação e certo tempo para deliberação. Nin-
guém, em sã consciência, é a favor do contágio e da morte de presos e, mesmo
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
158

com as projeções de que viveremos tempos sombrios o que, atualmente,


submete a algum isolamento social cerca de 1/3 de toda a humanidade, não
vejo como deferir, per saltum, a liminar requerida pelo impetrante.
Não se sabe ao certo o que virá pela frente, muitas perguntas ainda não
têm respostas, mas o que se percebe é que os Estados, cientes dos gravíssimos
efeitos do novo coronavírus, adotaram medidas preventivas à propagação da
infecção nas unidades prisionais. Nesse cenário, não há razões para coactar do
Juiz de primeira instância e do Tribunal a análise da situação de cada preso.
Este Superior Tribunal, assim como o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, não conhece a realidade dos presos do regime fechado do presídio
onde se encontra o ora paciente. Não sabe que medidas foram adotadas pelas
autoridades locais para resguardar os integrantes do grupo de risco à Covid-19.
Nada está a sugerir a instabilidade de quadro clínico dos pacientes ou que
não foi adotada nenhuma providência para resguardá-los do contágio ou para
tratá-los, se necessário. Assim, considero temerário determinar a soltura, sob a
mera alegação de que possui comorbidades pré-existentes ou da precariedade
do estabelecimento prisional.
No caso, conforme explicitado, o Juízo das execuções ressaltou que “não há
nos autos qualquer indicativo revelando ser imprescindível a concessão da prisão domiciliar
à paciente em razão de sua situação de saúde, de modo que se revela inviável a concessão
da medida liminar pleiteada”.
Por fim, reitero que, conquanto não haja a defesa fundado o seu pedido,
especificamente, no art. 318-A do CPP, e nem tampouco as instâncias de ori-
gem hajam negado a prisão domiciliar sob essa ótica, faço lembrar ser bastante
que a investigada ou a ré tenha filho de até 12 anos de idade incompletos para
usufruir, em tese, do direito à prisão domiciliar, quando se tratar de prisão
preventiva. Na espécie, conforme claramente exposto, trata-se de condenação definitiva,
ou seja, prisão-pena. Destaco, ainda, que não há previsão, no Código de Processo
Penal, de prisão domiciliar para as rés com condenação definitiva, em condições análogas
às daquelas na situação do art. 318 do CPP, vale dizer, em constrição cautelar.
Não era o caso, portanto, da concessão da prisão domiciliar pelo Desem-
bargador e não soa absurda sua decisão, ora impugnada. Assim, conforme dito
pela Presidência desta Corte Superior, não se pode superar o óbice da Súmula
nº 691 do STF. Logo, não identifico ilegalidade manifesta na decisão impugnada.
Ressalto, todavia, que a análise feita nesta oportunidade não preclui
o exame mais acurado da matéria, em eventual impetração que venha a ser
aforada, já a partir da decisão colegiada do Tribunal a quo.
À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


HABEAS CORPUS Nº 573.093 SANTA CATARINA
RELATOR: MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

Habeas Corpus Substitutivo de Recurso Próprio.


Inadequação da Via Eleita. Crime de Estelionato.
Pretendida Aplicação Retroativa da Regra do § 5º
do Art. 171 do Código Penal, Acrescentado pela Lei
nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Inviabilidade.
Ato Jurídico Perfeito. Condição de Procedibilidade.
Doutrina. Dosimetria. Pretensão de Conversão da
Pena Corporal em Multa. Art. 44, § 2º, do Código
Penal. Discricionariedade do Julgador. Writ Não
Conhecido
1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que
compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da
utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir
a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação
pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da
ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A Lei nº 13.964/2019, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como
“Pacote Anticrime”, alterou substancialmente a natureza da ação pe-
nal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo,
atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à
representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pú-
blica, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência
mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.
3. Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido,
pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de
procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo
da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por
ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre
a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que
seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (ofere-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
160

cimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação


no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando
o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao esta-
belecido na nova regra, transformando-se a representação em condição
de prosseguibilidade e não procedibilidade.
Doutrina: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte
especial (arts. 121 ao 361). 12. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspo-
divm, 2020. p. 413.
4. Ademais, na hipótese, há manifestação da vítima no sentido de ver
o acusado processado, não se exigindo para tal efeito, consoante a ju-
risprudência desta Corte, formalidade para manifestação do ofendido.
5. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte Superior, fixada a
pena corporal nos patamares delineados no art. 44, § 2º, do Código
Penal, compete ao julgador a escolha do modo de aplicação da benesse
legal. Além disso, não é socialmente recomendável a aplicação da multa
substitutiva em crimes cujo o tipo penal prevê multa cumulativa com
a pena privativa de liberdade.
6. Habeas corpus não conhecido.
(STJ; HC 573.093; Proc. 2020/0086509-0; SC; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca; DJE 18/06/2020)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, não conhecer do pedido. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas,
Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.
Brasília (DF), 9 de junho de 2020 (Data do Julgamento).
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de
Wagner Alexandre Alves contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado de Santa Catarina, no julgamento da Apelação Criminal 0005244-
45.2014.8.24.0075.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 161

Depreende-se dos autos que, em 17.04.2018, o Juízo da 2ª Vara Crimi-


nal da Comarca de Tubarão/SC condenou o paciente, pela prática do crime
tipificado no art. 171, caput, do Código Penal (estelionato), à pena de 1 ano e
2 meses de reclusão, e multa, em regime inicial aberto, sendo a reprimenda
corporal substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes na
prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de um
salário mínimo (e-STJ, fls. 217/233).
Inconformado, o paciente, assistido pela Defensoria Pública do Estado
de Santa Catarina, interpôs o recurso de apelação criminal perante a Corte
local, sustentando a atipicidade da conduta e, subsidiariamente: a) invocou a
aplicação da teoria da perda de uma chance, a fim de pleitear a absolvição do
ora paciente, aduzindo não terem sido produzidas provas capazes de respaldar
a condenação; b) pugnou pela desclassificação do crime de estelionato para o
delito de apropriação indébita, nos termos do art. 168, caput, do Código Penal;
c) pretendeu a aplicação de sanção substitutiva mais favorável ao paciente, na
forma do art. 44, § 2º, do CP, caso mantida a condenação; e d) requereu o
afastamento da indenização fixada a título de reparação dos danos causados
pela infração (art. 387, IV, do Código de Processo Penal).
No entanto, em sessão de julgamento realizada no dia 30/1/2020, a
Quarta Câmara Criminal do TJSC, à unanimidade, negou provimento ao
apelo defensivo, em acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 316):
“APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO (ART. 171, CAPUT, DO
CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. AB-
SOLVIÇÃO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA, EM FACE DA
NÃO CONFIGURAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES
DO CRIME. EMPREGO DE FRAUDE E OBTENÇÃO DE VANTA-
GEM ILÍCITA, EM PREJUÍZO ALHEIO. ELEMENTOS PRESENTES
NO CASO. TIPICIDADE DA CONDUTA VERIFICADA. PRETEN-
DIDA A APLICAÇÃO DA ‘TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE’.
IMPOSSIBILIDADE. PROVAS PRODUZIDAS SUFICIENTES PARA O
DESLINDE DO FEITO. DÚVIDA INEXISTENTE. CONDENAÇÃO
MANTIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE APROPRIA-
ÇÃO INDÉBITA (ART. 168, CAPUT, DO CP). DOLO ANTECEDEN-
TE CARACTERIZADO. INVIABILIDADE. DOSIMETRIA PLEITO
DE ALTERAÇÃO DAS DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
APLICADAS EM SUBSTITUIÇÃO À PRIVATIVA DE LIBERDADE
(PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PRESTAÇÃO PE-
CUNIÁRIA) POR UMA RESTRITIVA DE DIREITOS E MULTA. IN-
VIABILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR. IMPO-
SIÇÃO DA MEDIDA EM CONFORMIDADE COM OS DITAMES
LEGAIS. MULTA, ADEMAIS, COMINADA CUMULATIVAMENTE
NO PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. IMPOSSIBILI-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
162

DADE. PRETENDIDO O AFASTAMENTO DO VALOR FIXADO A


TÍTULO DE REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO PELA INFRAÇÃO
(ART. 387, IV, DO CPP). IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM ESTABELE-
CIDO COM BASE NA NOTA FISCAL ELETRÔNICA CONSTANTE
NOS AUTOS. PEDIDO EXPRESSO NA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE
OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. REPARAÇÃO MANTIDA.”
Contra esse acórdão, a defesa opôs embargos de declaração, visando ao
suprimento da omissão indireta consistente na aplicação, de imediato, da Lei
nº 13.964/2019 ao presente caso, determinando a anulação do processo, com
a intimação da vítima para se manifestar quanto à representação.
Em sessão de julgamento realizada no dia 12.03.2020, os embargos fo-
ram rejeitados pelo Tribunal a quo, em acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 24):
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. DE-
LITO DE ESTELIONATO (ART. 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL).
ALEGADA OMISSÃO INDIRETA NO ACÓRDÃO. MATÉRIA CUJA
APRECIAÇÃO ALEGADAMENTE SE IMPUNHA DE OFÍCIO. PRE-
TENDIDA APLICAÇÃO DA REGRA DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDI-
GO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI Nº 13.964/2019 (PACOTE AN-
TICRIME). ATO JURÍDICO PERFEITO. OMISSÃO INDIRETA NÃO
CONFIGURADA. EIVA INEXISTENTE. A transformação da ação penal
nos crimes de estelionato contemplados no art. 171 do Código Penal, operada
através da Lei nº 13.964/2019, malgrado ostente natureza penal, porquanto tem
potencial efeito extintivo da punibilidade, não atinge o ato jurídico perfeito e
acabado. Distinta interpretação implica na indevida amplificação dos efeitos do
novo comando legal, com a subversão da natureza jurídica da representação,
convolada que restaria em condição de prosseguibilidade. Embargos rejeitados.”
Daí o presente habeas corpus substitutivo de recurso próprio, no qual a
Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina sustenta que o Tribunal de
origem deixou de aplicar, de ofício, norma penal posterior mais benéfica ao
réu (Lei nº 13.964/2019, art. 1º), que tornou a ação penal pública do crime
de estelionato condicionada à representação da vítima.
Argumenta que: “Essa alteração legislativa possui cunho penal material
(ou ao menos mista) e, por evidente, constitui uma lei penal posterior que
favorece o paciente, porque se trata de uma exigência mais gravosa para a ins-
tauração de investigação ou oferecimento de denúncia pelo crime de estelio-
nato, razão pela qual deve ser aplicada retroativamente de imediato a ele, em
respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica” (e-STJ, fl. 7).
Ainda, insiste a defesa na substituição da pena privativa de liberdade
por uma restritiva de direitos e multa, por ser mais benéfica ao paciente do
que a substituição por duas penas privativas de liberdade.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 163

Ao final, pugna, liminarmente, pela suspensão dos efeitos da conde-


nação do paciente, até o julgamento do presente mandamus. No mérito, “seja
reconhecida a ilegalidade do acórdão para declarar a ilegalidade do acórdão
impugnado, para o fim de anular o processo, determinando à intimação da
vítima para que se manifeste quanto à representação. Subsidiariamente, re-
adequar as penas substitutivas impostas ao paciente, para substituir a pena de
reclusão por uma restritiva de direitos e multa (em vez de duas restritivas de
direitos), nos termos do § 2º do art. 44 do CP” (e-STJ, fl. 14).
O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 343/349).
Suficientemente instruído o feito, foram dispensadas informações às
instâncias ordinárias.
O Ministério Público Federal opinou pelo não cabimento do presente
habeas corpus (e-STJ, fls. 355/357).
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção
deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do
habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for
passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade
de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa
nova orientação das Cortes Superiores do país: HC 320.818/SP, Rel. Min. Felix
Fischer, Quinta Turma, j. 21.05.2015, DJe 27.05.2015; e STF, HC 113.890/
SP, Relª Minª Rosa Weber, Primeira Turma, j. 03.12.2013, DJ 28.02.2014.
Destarte, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de
recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao
exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento
ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
A discussão principal deste habeas corpus diz respeito aos processos pendentes
que envolvam o crime de estelionato, devendo-se fixar o entendimento a respeito
da incidência das recentes alterações legislativas sobre a natureza da ação penal
do crime em tela de forma retroativa ou não nas persecuções penais em curso.
Em outras palavras, nas ações penais em curso, cujo réu esteja sendo
acusado pelo crime de estelionato (e não sendo o caso das ressalvas estabe-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
164

lecidas pela nova lei), deve-se anular todos esses processos para ser exigida a
juntada ao processo da representação?
Como é de conhecimento, a Lei nº 13.964/2019, de 24 de dezembro
de 2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, alterou substancialmente o art.
171 do Código Penal, que tipifica o crime de estelionato, in verbis:
“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual-
quer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez
contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)
§ 1º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode
aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
§ 2º Nas mesmas penas incorre quem:
Disposição de coisa alheia como própria
I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia
como própria;
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inaliená-
vel, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro,
mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas cir-
cunstâncias;
Defraudação de penhor
III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro
modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
Fraude na entrega de coisa
IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar
a alguém;
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio
corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o in-
tuito de haver indenização ou valor de seguro;
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado,
ou lhe frustra o pagamento.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 165

§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento


de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistên-
cia social ou beneficência.
Estelionato contra idoso
§ 4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso. (Inclu-
ído pela Lei nº 13.228, de 2015)
§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019)
I – a Administração Pública, direta ou indireta; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II – criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III – pessoa com deficiência mental; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)” – destaquei
Percebe-se que, com a introdução do § 5º nesse dispositivo, a natureza
da ação penal do crime de estelionato passou de pública incondicionada para
pública condicionada à representação do ofendido (ou de seu representante
legal), salvo exceções descritas nos incisos acima destacados.
Parece-me que o fundamento para o legislador modificar a espécie de
ação penal para o crime de estelionato amolda-se à antiga limitação para a
persecução penal nos crimes contra a dignidade sexual, uma vez que a vítima
pode não querer passar pelo constrangimento de relatar, por diversas vezes e
para várias pessoas, o golpe sofrido.
Sobre o tema em comento (retroatividade da Lei nº 13.964/2019, de-
terminando a intimação da vítima para se manifestar quanto à representação),
assevero que os Tribunais Superiores ainda não se manifestaram de forma
definitiva, em razão do curto lapso temporal de vigência da nova lei.
Contudo, não obstante a existência de artigos doutrinários no sentido
da imprescindibilidade de representação da vítima nos processos em curso, a
exemplo de Rômulo de Andrade Moreira (O crime de estelionato depende
de representação: e agora?), adianto meu posicionamento no sentido de que
a retroatividade da representação no crime de estelionato não alcança aque-
les processos cuja denúncia foi oferecida, ou seja, ações penais anteriores
à inovação legislativa que se encontram em trâmite no primeiro grau, nos
Tribunais, no STJ e STF.
Conforme foi dito, a ação penal relativa ao crime de estelionato sofreu
significativa alteração, passando a exigir, em regra, a representação por parte
do ofendido ou de quem possui qualidade para representá-lo, sequer podendo
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
166

ser instaurado inquérito policial sem esta manifestação da vítima, conforme


exige o art. 5º, § 4º, do CPP, in verbis:
“Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
(...)
§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representa-
ção, não poderá sem ela ser iniciado.”
Não se desconhece que o instituto da representação criminal insere-
se na categoria de norma processual mista ou híbrida – o que permitiria
sua aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu –, visto que, além de a
representação ser uma condição indispensável para o exercício da ação penal
(condição de procedibilidade), se não exercida no prazo estabelecido no art.
38 do CPP, decaíra o direito de representação, ocasionado a extinção da pu-
nibilidade, nos moldes do art. 107, IV, do Código Penal.
Em situação semelhante, mas não idêntica, com a entrada em vigor
do art. 88 da Lei nº 9.099/95, foi estabelecido que: “além das hipóteses do
Código Penal e da legislação especial, passaria a depender de representação
a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.
Naquela ocasião, o próprio legislador cuidou de dizer, no art. 91 do mes-
mo Diploma legal, que: “nos casos em que esta Lei passa a exigir representação
para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal
será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência”.
Àquela época, especialmente em razão do art. 91 da Lei nº 9.099/95,
entendeu-se que, relativamente aos processos em curso, seria necessária a
juntada aos autos da representação, sendo necessária a notificação da vítima
(ou do seu representante legal ou dos seus sucessores) para, no prazo de 30
dias, oferecer a representação, sob pena de decadência.
Contudo, na hipótese vertente, a Lei nº 13.964/2019 não trouxe qual-
quer previsão a respeito do tema, o que, em síntese, não revela a intenção
do legislador em aplicar o novo entendimento às ações penais em trâmite,
com oferecimento da denúncia antes da alteração legislativa, como é o caso
em apreço, razão pela qual filio-me à corrente doutrinária, encabeçada por
Rogério Sanches Cunha, no sentido de que:
“(...) tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo ins-
titutos extintivos de punibilidade, a regra do § 5º deve ser analisada sob a
perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. Aqui temo que diferenciar
duas hipóteses:
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 167

a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo
alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve
ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição trans-
forma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição
de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da
Lei nº 9.099/95)
b) se a incoativa ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna re-
presentação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial,
para os fatos pretéritos, é o da vigência da novel lei.” (CUNHA, Rogério
Sanches. Manual de direito penal: parte especial [arts. 121 ao 361]. 12. ed. rev.,
atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 413) – destaquei
Ora, as condições de procedibilidade, que alguns autores chamam de
condições de admissibilidade do processo penal ou, ainda, de pressupostos
processuais, não se confundem com as condições de prosseguibilidade.
Em síntese, a condição de procedibilidade é o requisito que submete a
relação processual à existência ou validez. Como derradeiro exemplo, cita-se,
por oportuno, a representação do ofendido nas ações públicas condicionadas.
Observa-se que a condição de procedibilidade funciona como uma con-
dição necessária para o início do processo. Assim, processo ainda não começou
e a condição precisa ser implementada para que o processo possa ter início.
Por outro lado, na condição de prosseguibilidade o processo já está
em andamento, e uma condição deve ser implementada para que o processo
possa seguir seu curso normal.
No mesmo sentido, destaco o posicionamento do Tribunal de origem (e-
STJ, fl. 29): “De fato, em que pese o novo comando normativo tenha conteúdo
penal, uma vez que seus efeitos podem afetar o direito punitivo estatal, é certo
que não pode atingir o ato jurídico perfeito e acabado. Do contrário, estar-se-ia
conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a
representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade, o que
evidentemente não é possível por via de interpretação. De mais a mais, no caso
presente, há manifestação da vítima no sentido de ver o acusado processado,
não se exigindo para tal efeito, como se sabe, fórmula sacramental”.
Por conseguinte, a princípio, a posição mais acertada seria a de que a
retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à
fase policial, não alcançando o processo, o que não se amoldaria ao caso dos
autos, considerando a condição de procedibilidade da representação e não de
prosseguibilidade, conforme nos mostra Rogério Sanches.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
168

Ademais, na hipótese dos autos, conforme pontuou o Tribunal a quo,


ficou demonstrada a intenção da vítima em autorizar a persecução criminal,
sendo dispensável a formalidade, conforme já consolidado pelo Superior
Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1.550.571/SP, Relª Minª Maria Thereza de
Assis Moura, Sexta Turma, j. 05.11.2015, DJe 23.11.2015), o que demonstra
a inexistência de descumprimento das exigências legais.
Por outro lado, em relação à tese da indevida substituição da pena privativa
por duas restritivas de direitos, verifica-se que, na espécie, o paciente foi conde-
nado nas iras do crime tipificado no art. 171, caput, do Código Penal, in verbis:
“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual-
quer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez
contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)” – destaquei.
Considerando a pena aplicada (1 ano e 2 meses de reclusão, em regime
inicial aberto, e multa), o Juízo sentenciante, nos termos do art. 44, § 2º, do
CP, substituiu a pena privativa por duas restritivas de direitos, quais sejam,
prestação de serviços comunitários, à razão de uma hora de tarefa por dia de
condenação, e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo vigente
à época dos fatos.
Nesse diapasão, ao contrário do requerido pela combativa Defensoria
Pública, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, fixada a pena
corporal nos patamares delineados no art. 44, § 2º, do Código Penal, compete
ao julgador a escolha do modo de aplicação da benesse legal. De mais a mais,
a jurisprudência desta Corte Superior considera não ser socialmente reco-
mendável a aplicação da multa substitutiva em crimes cujo tipo penal prevê
multa cumulativa com a pena privativa de liberdade, como é o caso dos autos.
Ao ensejo:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFI-
CADO. INTERESSE-UTILIDADE RECURSAL DA ACUSAÇÃO. SEN-
TENÇA ABSOLUTÓRIA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBS-
TITUIÇÃO. MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERNATIVA
MENOS GRAVOSA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Em que pese a rejeição dos embargos de declaração, o Tribunal de origem
efetivamente enfrentou as questões tidas como omissas, o que basta para não
caracterizar supressão de instância.
2. Atendidos os requisitos para a substituição da pena corporal (art. 44, §
2º, do CP), o Magistrado deve escolher, mediante fundamentação idônea, a
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 169

alternativa prevista em lei que mais bem atenda ao caráter ressocializador da


reprimenda.
3. Não é socialmente recomendável a aplicação de multa substitutiva em crimes cujo tipo
penal já prevê multa cumulativa com a pena privativa de liberdade, hipótese em que a
restritiva de direitos menos gravosa para o réu é a prestação pecuniária, de índole repara-
dora e passível de conversão. Precedentes.
4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC 398.255/SC, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 26.03.2019, DJe 03.04.2019) – grifei.
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO
DE RECURSO PRÓPRIO. CRIME DE ADULTERAÇÃO DE SINAL
IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR E RECEPTAÇÃO.
ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. INVIABILIDADE NA ESTREITA VIA DO MANDA-
MUS. PRETENSÃO DE CONVERSÃO DA PENA CORPORAL EM
MULTA. ART. 44, § 2º, DO CÓDIGO PENAL – CP. DISCRICIONA-
RIEDADE DO JULGADOR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não obstante os esforços da Defesa, a decisão agravada deve ser mantida
por seus próprios fundamentos.
2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a ab-
solvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto
fático-probatório, o que é inviável na via eleita. Acresça-se que a condenação
não está amparada apenas no fato de o paciente ser proprietário da moto cuja
placa foi adulterada, mas em outros elementos probatórios – depoimento da
vítima e policiais –, produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,
os quais se mostraram suficientes para escorar a condenação, de forma que, a
desconstituição do julgado implica, por certo, no revolvimento probatório, o
que como dito alhures, é impossível na via estreita do writ. Precedentes.
3. O art. 44, § 2º, do Código Penal dispõe que, ‘Na condenação igual ou inferior a
um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos;
se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena
restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos’. Nessa toada, este Supe-
rior Tribunal de Justiça – STJ tem entendido que fixada a pena corporal nos patamares
delineados no art. 44, § 2º, do Código Penal, compete ao julgador a escolha do modo de
aplicação da benesse legal. De mais a mais, a jurisprudência do STJ considera não ser
socialmente recomendável a aplicação da multa substitutiva em crimes cujo tipo penal
prevê multa cumulativa com a pena privativa de liberdade. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC 462.531/SC, Rel. Min. Joel
Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 23.04.2019, DJe 03.05.2019) – grifei.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.
É como voto.
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca – Relator
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de São Paulo


HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 2079242-76.2020.8.26.0000
RELATOR: DESEMBARGADOR HEITOR DONIZETE DE OLIVEIRA

Acordo de Não Persecução Penal. Art. 28-A do


Código de Processo Penal
Necessária a confissão dos fatos imputados na denúncia. Exigência
ilegal por parte do Parquet de primeiro grau de jurisdição de delação de
terceiros e de informar eventuais valores recebidos pela prática crimi-
nosa afastada em sede liminar. Concordância da Procuradoria-Geral de
Justiça com a decisão liminar deferida. Audiência realizada na origem.
Ordem parcialmente concedida, confirmada a liminar concedida.
(TJSP; HC 2079242-76.2020.8.26.0000; Ac. 13716336; 12ª C.D.Crim.;
Rel. Des. Heitor Donizete de Oliveira; DJESP 10/07/2020; p. 3.209)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Criminal
2079242-76.2020.8.26.0000, da Comarca de Valinhos, em que é impetrante
G. L. M. e paciente G. F. M.
Acordam, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Conheceram da impetração em
favor do paciente G. F. M., e concederam parcialmente a ordem, confirmando-se
a liminar deferida às folhas 267/270 destes autos. V.U.”, de conformidade com
o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Paulo
Rossi (Presidente sem voto), João Morenghi e Angélica de Almeida.
São Paulo, 30 de junho de 2020.
Desembargador Heitor Donizete de Oliveira – Relator

Voto nº 1170
Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelo advogado Dr. Guilherme
Luis Martins, inscrito na OAB/SP nº 334.558, em favor de G. F. M., que
figura como paciente, no qual aponta como autoridade coatora o MM. Juiz
de Direito da 1ª Vara da Comarca de Valinhos, nos Autos de nº 0001562-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 171

10.2018.8.26.0650, por determinar a intimação da defesa para que se pronun-


ciasse sobre a manifestação ministerial de folhas 223/224 dos autos de origem.
Sustenta(m), em síntese, que o paciente faz jus à celebração de acordo
de não persecução penal nos autos originários, previsto no art. 28-A do Código
de Processo Penal; que se trata de direito subjetivo do paciente; que apresentou
requerimento nesse sentido, o qual foi indeferido pelo juízo ad quo, sob a funda-
mentação de que o paciente não teria confessado formalmente a prática do crime.
Alega que o indeferimento foi um exercício de arbítrio da magistrada,
ausente motivação legal idônea, caracterizado o constrangimento ilegal, pois o
paciente já confessou a prática delitiva, conforme declarações nas folhas 56 e 58
dos autos de origem; que a confissão indicada no art. 28-A do Código de Processo
Penal não exige o reconhecimento expresso de culpa, pois para fins de celebração
do acordo de não persecução penal, a confissão qualificada seria aceitável.
Pleiteia(m) a concessão de liminar, para sobrestamento dos autos de
origem até o julgamento do mérito deste writ; e a concessão da ordem, para
determinar a remessa dos autos ao Ministério Público para formular proposta de
acordo de não persecução penal, e se não o fizer, seja determinada a remessa dos
autos ao Procurador de Justiça, pois estariam preenchidos os requisitos legais.
A liminar foi parcialmente concedida nas folhas 267/270 desde feito,
oportunidade em que determinei a requisição de informações à autoridade
coatora, as quais foram prestadas nas folhas 274/278.
Em seguida, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça,
que em seu parecer de folhas 281/283, manifestou-se pela concessão parcial
da ordem, nos termos do despacho de folhas 267/270.
É o relatório.
A situação fática denota que era mesmo o caso de se conceder parcialmente a ordem,
devendo a liminar de folhas 267/270 ser confirmada.
Inicialmente, reitero ser inviável conceder integralmente a ordem
pleiteada nas folhas 01/09 destes autos, pois o paciente não havia confessado
anteriormente a prática delitiva que lhe foi imputada, nas folhas 56 e 58 dos
autos de origem, como deixei consignado no supracitado despacho:
“Primeiramente, inviável reconhecer que a versão apresentada pelo paciente
no distrito policial (folhas 56 e 58 dos autos originários) configurou confissão
da prática delituosa que lhe foi imputada, sequer parcial, pois naquelas oportuni-
dades, afirmou que carimbou o documento erroneamente, ‘justificando que é de praxe
carimbar em nome de outra pessoa, na intenção de adiantar os trabalhos’, que preencheu
o documento ‘na distração’, que ‘referida planta não tinha validade, sendo assim não
ocasionou prejuízos ao erário nem ao requerente de acordo com o declarante’, e que se
tratou de um mal entendido.
Isto porque o delito imputado ao paciente teria ocorrido na modalidade do-
losa, não culposa, incompatível com a alegação de que foi apenas praxe do
trabalho ou uma distração (...).”
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Jurisprudência
172

No mesmo sentido, manifestou-se o Procurador de Justiça na folha 282, primeiro


parágrafo:
“Ao paciente é imputada a prática de crime de falsificação dolosa de parte
de documento público verdadeira, prevalecendo-se do cargo de diretor da
divisão de parcelamento do solo. Ouvido em solo policial confessou parcial-
mente os fatos descritos na inicial acusatória, embutindo em seus dizeres ter
agido com culpa, não com dolo, daí porque, ao apreciar a liminar o i. Relator
não considerou os termos do interrogatório como efetiva confissão.”
A exigência de confissão não se trata de mero capricho do Ministério
Público, mas de requisito legal, previsto expressamente no art. 28-A do Có-
digo de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019: “Art. 28-A. Não
sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e cir-
cunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça
e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá
propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime (...)”.
Contudo, inviável exigir a confissão nos termos pleiteados na folha 224 dos autos
originários, pelos motivos externados na folha 269 destes autos:
“Por outro lado, também não é possível exigir o quanto requerido pelo digno Promotor
no primeiro parágrafo da folha 224 dos autos originários, para que esclareça ‘quanto
recebeu para a prática do crime e quem ofereceu a vantagem indevida’, pois são
informações que não constituem o delito imputado nos autos de origem, de
falsificação, em parte, de documento público verdadeiro, o qual se consuma
independente do agente delituoso ter recebido qualquer valor e/ou ter aten-
dido interesses alheios.
Além disso, a apresentação de informações que comprometam terceiras pes-
soas para formulação de um acordo aproxima-se muito mais do instituto da
‘colaboração premiada’, regrada pela Lei nº 12.850/2013, incluído pela Lei
nº 13.964/2019, sendo que no novo instituto de acordo de não persecução
penal, previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, também incluído
pela Lei nº 13.964/2019, a lei exige a ocorrência de confissão formal da prática da
infração penal, e não a delação de terceiras pessoas e a apresentação de informações alheias
à imputação realizada.
A partir do momento que o art. 28-A do Código de Processo Penal indica
como um dos requisitos a confissão do agente delituoso, não cabe ao intérprete
ampliar o que a lei não diz e não exige, e confissão e colaboração são institutos
e substantivos diversos, com regramentos e efeitos próprios.”
E nesse sentido, novamente houve concordância do Procurador de Justiça, na
folha 282 destes autos:
“De outra banda, as exigências formuladas pelo Dr. Promotor de Justiça,
como informações acerca da participação de outros envolvidos no crime,
como pressupostos para uma confissão válida a justificar a proposta de ANPP,
também não merece acolhimento.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 173

É que acordo de não persecução penal não se confunde com delação pre-
miada, são institutos totalmente distintos, com pressupostos diversos, assim
como as consequências.”
Assim, a concessão parcial da liminar pleiteada, nas folhas 267/270 destes
autos, mostrou-se a melhor solução para o presente caso, e foi suficiente para cessar o
alegado constrangimento ilegal, pois ao ser intimada, a defesa peticionou, na folha
263 dos autos de origem, manifestando-se favoravelmente à realização de au-
diência para que o paciente apresentasse confissão nos moldes delineados no
despacho supramencionado, e no dia 1º de junho de 2020, consoante termo
juntado nas folhas 293/294 dos autos de origem, foi realizada a audiência, o
paciente confessou o crime narrado na denúncia, e foi proposto acordo de não
persecução penal pelo Ministério Público, o qual foi devidamente homologado pela
magistrada, nos seguintes termos:
“III – Prestar serviços à comunidade ou entidades públicas pelo prazo de um
ano, sete meses e vinte dias. IV – Pagamento de prestação pecuniária no valor
de quatro salários mínimos R$ 4180,00 (quatro mil cento e oitenta reais), que
deverá ser pago em 06 (seis) parcelas iguais, mensais e sucessivas de R$ 697,00
(seiscentos e noventa e sete reais) cada, vencendo-se a primeira trinta (30) dias
após a intimação para o cumprimento da execução e as demais até o mesmo dia
dos meses subsequentes, mediante depósito em conta judicial de penas pecu-
niárias nº 5000131066799, do Banco do Brasil, Agência 6839-X/PAB Fórum
Valinhos, nos termos do Prov. CGF nº 01/2013. O autor dos fatos fica ciente
de que deverá trazer os comprovantes em Juízo, bem como retirar as eventu-
ais guias faltantes quando de seu comparecimento mensal para efetivo paga-
mento após a abertura do prédio do Fórum. São deveres do(a) averiguado(a):
a) comunicar ao cartório do Juízo eventuais mudanças de endereço, número
de telefone ou e-mail; b) comprovar, também junto ao cartório, mensalmente,
o cumprimento das condições do acordo, independentemente de notificação
ou aviso prévio, bem como justificar por meio de documentos, por iniciativa
própria, o eventual não cumprimento de alguma das condições. O averiguado
ainda sai ciente de que tão logo seja realizado o agendamento pela Secretaria
de Assistência Social/Secretaria de Saúde locais, deverá realizar o devido com-
parecimento, sob pena de prosseguimento da ação. Em caso de descumpri-
mento de quaisquer condições estipuladas ou não observados os deveres do(a)
averiguado(a), o Ministério Público poderá requerer o prosseguimento do fei-
to com designação de audiência de instrução debate e julgamento e poderá
utilizar o descumprimento do acordo como justificativa para não oferecimento
de proposta de suspensão condicional do processo, quando cabível.”
Ante o exposto, conhece-se da impetração em favor do(a) paciente G.
F. M., e concede-se parcialmente a ordem, confirmando-se a liminar deferida às
folhas 267/270 destes autos.
Desembargador Heitor Donizete de Oliveira – Relator
Divergência Jurisprudencial

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Antecedentes Criminais – Pena Cumprida ou Extinta Há


Mais de Cinco Anos – Utilização como Maus Antecedentes
– Possibilidade/Impossibilidade
96/1 → FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES.
CONDENAÇÕES ANTERIORES AO PERÍODO DEPURADOR. PENDÊNCIA DE
JULGAMENTO DO RECURSO COM REPERCUSSÃO GERAL (TEMA Nº 150). PENA-
BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE
ILEGALIDADE. 1. A matéria relativa à consideração, como maus antecedentes, de condenações
anteriores ao período depurador de cinco anos de que trata o inciso I do art. 64 do Código
Penal, está pendente de julgamento sob a sistemática da repercussão geral nesta Corte (Tema nº
150, RE 593.818, Rel. Min. Roberto Barroso). 2. Enquanto pendente de julgamento o recurso
paradigmático, a Primeira Turma deste STF firmara jurisprudência no sentido de que “a decisão
que opta por uma das correntes não se qualifica como ilegal ou abusiva, âmbito normativo
destinado à concessão de habeas corpus de ofício” (HC 132.120 AGR, Rel. Min. Edson Fachin,
Primeira Turma, DJe 06.03.2017). 3. A Primeira Turma desta Suprema Corte, nos autos do
RE 1.242.441-AGR/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 19.12.2019, assentou que “a
condenação alcançada pelo período depurador de 5 anos afasta os efeitos da reincidência, mas
não impede a configuração de maus antecedentes”. 4. Agravo regimental conhecido e não
provido. (STF; HC-AgR 152.144; MG; 1ª T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE 21/05/2020; p. 93)

96/2 ← CONDENAÇÃO PRETÉRITA CUMPRIDA OU EXTINTA HÁ MAIS DE


CINCO ANOS. UTILIZAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE.
APLICAÇÃO DO ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES DA SEGUNDA
TURMA. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência desta Segunda Tur-
ma, decorridos mais de cinco anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art.
64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus
antecedentes. Precedentes. II – Ordem concedida para determinar ao Juízo competente que
afaste a exasperação da pena-base decorrente da valoração de condenação pretérita como maus
antecedentes, alcançada pelo período depurador de cinco anos, previsto no art. 64, I, do Código
Penal. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF; HC-AgR 176.550; SP; 2ª T.;
Rel. Min. Ricardo Lewandowski; DJE 26/05/2020; p. 56)

96/3 ← DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. SENTENÇA CON-


DENATÓRIA EXTINTA HÁ MAIS DE CINCO ANOS. 1. Conforme a jurisprudência desta
Turma, condenações anteriores, cuja pena tenha sido extinta há mais de cinco anos, não podem
ser valoradas como maus antecedentes. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STF;
HC-AgR 183.885; SC; 2ª T.; Rel. Min. Edson Fachin; DJE 29/06/2020; p. 63)
Ementário

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96/4 – ABANDONO MATERIAL (CP, ART. 244). Sentença condenatória. Recurso


da defesa. Preliminar. Alegada litispendência. Tese afastada. Ação indicada como similar apura
fatos típicos diversos e com partes distintas, além de ser em outro período de tempo. Persecu-
ção criminal atual que não se repete. Não há que falar em litispendência quando o fato típico
apurado e as partes envolvidas nas ações penais são diversas. Mérito. Pretendida absolvição.
Não acolhimento. Autoria e materialidade compostas pelo conjunto probatório firmado em
contraditório judicial. Réu que, após a separação do casal e sabendo que sua ex-companheira
estava impossibilitada para o trabalho e encontrava-se acamada, deixa de, sem justa causa,
prover subsistência a ela e a seus filhos menores de idade. Dificuldade financeira comprovada.
Família que passa a depender de vizinhos, parentes e auxílios de órgão públicos e religiosos,
bem como deixa e pagar o aluguel. Abandono material evidente. Sentença mantida. É certo
que aquele que, sem justa causa, ou seja, com vontade livre e consciente, deixa de prestar o
auxílio financeiro necessário à sua ex-companheira, enferma e acamada, bem como seus filhos
menores de idade, após a separação conjugal, quando lhe competia e podia fazer, incide sua
conduta no tipo descrito no art. 244 do Código Penal. PEDIDO DE CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. A condição de hipossuficiente do
apenado deve ser examinada pelo juízo a quo, quando da apuração das custas finais. Recurso
parcialmente conhecido e desprovido. (TJSC; ACR 0014840-94.2013.8.24.0008; 4ª C.Crim.;
Rel. Des. Zanini Fornerolli; DJSC 07/07/2020; p. 454)
96/5 – ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. CITAÇÃO. O fato de o réu
se encontrar em local incerto e não sabido é incompatível com a propositura de qualquer
acordo. (TRF 4ª R.; CP 5017943-92.2020.4.04.0000; PR; 8ª T.; Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen;
PJe 02/07/2020)
96/6 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO A ROUBO MAJORADO (ART. 157,
§ 2º, I E II, DO CP). ARMA DE FOGO. CONCURSO DE PESSOAS. EMPREGO DE
VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA. INTERNAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 122, I,
DO ECA. MEDIDA ADEQUADA. 1. A Lei nº 8.069/90 que dispõe sobre o ECA e dá outras
providências, traz em seu art. 98, as medidas de proteção à criança e ao adolescente. 2. O pró-
prio ECA trata de conceituar a prática de ato infracional como sendo “a conduta descrita como
crime ou contravenção penal” (art. 103). Praticado o ato infracional pelo adolescente, algumas
medidas podem lhe ser impostas, desde a menos gravosa (advertência) até a medida extrema
(internação), esta a regra inserta no art. 112 do ECA. 3. A internação provisória do paciente foi
devidamente fundamentada, pautou-se nos arts. 108 e 122 do ECA. Ou seja, no caso concreto,
há indícios de autoria e materialidade, bem como restou caracterizados a ameaça ou violência
a pessoa, que trata este último dispositivo. 4. A prática de ato infracional equiparado ao crime
de roubo, mediante uso de arma de fogo resta implícita a violência ou grave ameaça à pessoa,
fato que por si só, motiva a imposição da medida de internação dos menores (precedentes do
STJ). 5. Denegação da Ordem. (TJAC; HC 1000569-82.2020.8.01.0000; Ac. 8.829; 2ª C.Cív.;
Rel. Des. Roberto Barros; DJAC 26/06/2020; p. 6)
96/7 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE FURTO QUALIFI-
CADO. FORMA CONTINUADA. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO.
ADEQUAÇÃO E NECESSIDADE. 1. Restando comprovadas nos autos, de forma incontes-
tável, a autoria e materialidade dos atos praticados (furto qualificado), embora não tenha sido
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
176

cometido mediante grave ameaça e violência à pessoa, a reiteração da conduta delitiva revela
adequada a aplicação da medida socioeducativa de internação. O caráter pedagógico e resso-
cializante das medidas socioeducativas não excluem o seu aspecto retributivo, objetivando não
apenas a reintegração dos adolescentes na sociedade, mas inibir a reiteração no cometimento
de outros atos infracionais. Precedentes do STJ e deste Tribunal. 2. Não há violação ao art. 35,
I, da Lei nº 12.594/2012 (SINASE), considerando que a aplicação da medida socioeducativa
está legalmente respaldada na observância dos requisitos do art. 122, II, do ECA, ao tempo
que a reavaliação semestral da medida, com possibilidade de cessação da internação, ou até
mesmo de progressão para uma medida menos contundente que a restritiva de liberdade, é um
benefício que nenhum adulto obtém no cumprimento de pena, regida pela LEP. 3. Apelação
desprovida. (TJAC; APL 0800095-27.2018.8.01.0013; Ac. 21.909; Feijó; 1ª C.Cív.; Rel. Des. Luís
Camolez; DJAC 03/06/2020; p. 5)

96/8 – ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS.


INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. GRAVIDADE ABSTRATA. IMPOSSIBILIDADE. CO-
VID-19. RECOMENDAÇÃO Nº 62 DO CNJ. Adolescente representada pelo cometimento
de ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas. Ato infracional praticado sem violência
e/ou grave ameaça à pessoa. Representada primária, sem qualquer registro de envolvimento
em atos infracionais anteriores. Necessidade da medida indemonstrada. Peculiaridades do caso
que desaconselham a internação provisória – art. 108, parágrafo único, do ECA. Pandemia de
Covid-19. Recomendação nº 62 do CNJ. Revogada a decisão de internação provisória. Ordem
concedida. (TJRS; HC 0072467-69.2020.8.21.7000; Proc. 70084341080; 7ª C.Cív.; Relª Desª
Vera Lucia Deboni; DJERS 09/07/2020)

96/9 – CONFLITO DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. DOMICÍLIO DO


APENADO. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INTELI-
GÊNCIA DO ART. 65 DA LEP. 1. Consoante o disposto no art. 65 da Lei de Execuções Penais
o critério determinante para a fixação de competência na fase de execução penal é o local da
sentença condenatória, que, na hipótese, implica a fixação da competência do Juízo Suscitado.
Precedente desta Corte Regional. 2. O art. 2º da Resolução nº 280 de 20 de julho de 2019, da
Presidência deste Tribunal, não tem o condão de modificar regra de fixação de competência e
tampouco foi editado para tal fim, mas tão somente com o fito de instrumentalizar a execução
de pena junto ao sistema unificado implantado pelo e. CNJ-SEEU. 3. Conflito negativo de
jurisdição a que se julga procedente. (TRF 3ª R.; CJ 5000732-70.2020.4.03.0000; SP; 4ª S.;
Rel. Des. Fed. Paulo Gustavo Guedes Fontes; DEJF 09/07/2020)

96/10 – CONTRABANDO. ART. 334, § 1º, B, DO CP (REDAÇÃO ANTERIOR


À LEI Nº 13.008/2014). CIGARRO. TIPICIDADE. DOLO. DOSIMETRIA. PRESTAÇÃO
PECUNIÁRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. EFEITO DA
CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. ART. 92, III, DO CP. 1. A aquisição,
o transporte, a venda, a exposição à venda, o depósito, a posse ou o consumo de cigarros intro-
duzidos no território nacional sem o recolhimento dos tributos devidos subsume-se ao tipo do
art. 334, § 1º, b, do Código Penal (redação anterior à Lei nº 13.008/2014) c/c os arts. 2º e 3º do
Decreto-Lei nº 399/68. 2. Os elementos de prova colacionados aos autos não deixam dúvidas
quanto a existência do dolo, demonstrando que o réu agiu de forma livre e consciente para a
consecução do crime. 3. Correta a valoração negativa das circunstâncias do delito pelo fato de a
mercadoria ter sido escondida no interior de caixas acústicas, o que revela maior gravosidade da
conduta, porquanto a utilização de tal artifício refoge ao natural do tipo. 4. A pena substitutiva
de prestação pecuniária mantém a finalidade de prevenção e reprovação do delito, devendo
guardar proporção ao dano causado pelo agente e sua condição financeira. 5. As circunstân-
cias elencadas pelo magistrado sentenciante para fundamentar o recrudescimento do regime
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 177

carcerário previsto não configuram óbice à fixação do regime inicial aberto, à luz do disposto
no art. 33, § 2º, alínea c e § 3º, do Código Penal. 6. Em que pese tenha o denunciado utilizado
veículo automotor como instrumento para a prática do delito, na espécie, a inabilitação para
dirigir não se mostra recomendável nem eficaz como medida ressocializadora e preventiva, indo
de encontro à finalidade da norma, que é a de afastar o condenado de condição que favoreça a
criminalidade. (TRF 4ª R.; ACR 5011737-76.2018.4.04.7002; PR; 8ª T.; Rel. Des. Fed. Leandro
Paulsen; PJe 02/07/2020)

96/11 – CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, V, DA LEI Nº 9.605/98. POTENCIA-


LIDADE LESIVA DE CAUSAR DANOS À SAÚDE HUMANA. ART. 16, PARÁGRAFO
ÚNICO, III, DA LEI Nº 10.826/03. DEPÓSITO DE ARTEFATO EXPLOSIVO EM DE-
SACORDO COM A DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. ANULAÇÃO
DA SENTENÇA. I – A doutrina, e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça têm se
manifestado no sentido de que a parte inicial do art. 54 da Lei nº 9.605/98, possui natureza
formal, uma vez que o risco, a potencialidade de danos à saúde humana, é suficiente para
configurar a conduta delitiva, não se exigindo, portanto, resultado naturalístico. II – A decisão
judicial não está vinculada à decisão no procedimento administrativo, já que estas são instân-
cias independentes. III – Recurso ministerial provido para retomada do curso processual e
instrução do feito. (TRF 2ª R.; ACR 0024330-44.2018.4.02.5107; RJ; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed.
Abel Gomes; DEJF 16/06/2020)

96/12 – CRIME CONTRA O SISTEMA DE TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183


DA LEI Nº 9.472/97. INTERNET CLANDESTINA. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO
MULTIMÍDIA. CONDUTA TÍPICA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COM-
PROVADOS. NOVA DOSIMETRIA. 1. Materialidade e autoria amplamente lastreadas no
conjunto probatório acostados aos autos. 2. O serviço de fornecimento de internet via cabo
é enquadrado como Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, a Resolução nº 614, de 28
de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. Esta descrição autoriza
o enquadramento da atividade em telecomunicações. Comprovada a existência de serviço
de telecomunicações, confirma-se a incidência do tipo penal previsto no art. 183 da Lei nº
9.472/97. 3. Não há que se falar em ausência de dolo. O acusado tinha o dever de se informar
acerca das exigências para abertura de sua empresa de distribuição de sinal de internet. 4.
Inexistindo dúvidas acerca da materialidade, autoria e dolo do acusado, deve ser mantido o
decreto condenatório. 5. Nova dosimetria. Em obediência à proporcionalidade que a pena de
multa deve guardar com a pena privativa de liberdade, fixo aquela trazida no Código Penal,
em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 salário mínimo vigente à data dos fatos. 6.
Apelação criminal parcialmente provida. (TRF 2ª R.; ACR 0500346-39.2016.4.02.5108; RJ; 2ª
T.Esp.; Relª Desª Fed. Simone Schreiber; DEJF 19/06/2020)

96/13 – CRIME DE ESTELIONATO. PRETENDIDA APLICAÇÃO RETROATIVA


DA REGRA DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI
Nº 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). INVIABILIDADE. ATO JURÍDICO PERFEITO.
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DOUTRINA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Lei nº 13.964/2019, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como “Pacote Anticrime”,
alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do
Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à
representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta;
criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.
2. Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir
a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apre-
senta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
178

por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do
novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o
ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade
da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o
processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra,
transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.
Doutrina: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361).
12. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 413. 3. Ademais, na hipótese, há ma-
nifestação da vítima no sentido de ver o acusado processado, não se exigindo para tal efeito,
consoante a jurisprudência desta Corte, formalidade para manifestação do ofendido. 4. Agravo
regimental improvido. (STJ; AgRg-PET-Ag-REsp 1.649.986; Proc. 2020/0013865-6; SP; 5ª T.;
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 30/06/2020)

96/14 – DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO. IMPARCIALIDADE DO JÚRI.


AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 427 DO CPP. PEDI-
DO DE DESAFORAMENTO IMPROCEDENTE. 1. Em regra o réu deve ser julgado no
lugar em que se consumar a infração, segundo dispõe o art. 70 do Código de Processo Penal.
A mera suposição da parcialidade dos jurados, desacompanhada de qualquer prova eficaz e
idônea, não é capaz de dar margem ao Desaforamento, que é medida de exceção, porquanto
implica no afastamento do juízo natural da causa, o que somente pode ser admitido diante de
prova fática contundente. Não se verificando presentes qualquer das hipóteses autorizadoras
do Desaforamento pretendido (art. 427 do CPP), não restando demonstrado de forma concreta
o risco de quebra da imparcialidade dos jurados no julgamento do caso do requerente. (TJES;
Desaf 0034196-36.2019.8.08.0000; C.Cív.Reun.; Rel. Des. Adalto Dias Tristão; DJES 15/06/2020)

96/15 – DEVOLUÇÃO DO SALDO REMANESCENTE DA FIANÇA. POSSIBILI-


DADE. ART. 347 DO CPP. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. ISENÇÃO DAS CUSTAS
PROCESSUAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Segundo o art. 5º, LXIX, da CF, conceder-se-á
mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus
ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública
ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Trata-se, portanto,
de ação constitucional cujo manejo afigura-se cabível sempre que houver violação ou receio
de violação, em razão de ato ilegal ou praticado com abuso de poder por parte de autoridade,
a direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data. 2. No caso, verifica-se a
existência de vício de ilegalidade, bem como direito líquido e certo a confortar o impetrante.
3. Após a liquidação efetiva de custas, multa e da prestação pecuniária fixada em ação penal
transitada em julgado, deve ser restituído o saldo remanescente da fiança ao réu (art. 347 do
CPP). 4. O acusado, ainda que beneficiário de assistência judiciária gratuita, deve ser condenado
ao pagamento das custas processuais nos termos do art. 804 do CPP, ficando, contudo, seu
pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos,
quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o art. 12 da Lei nº 1.060/1950.
Compete ao juiz da execução apreciar o pedido de isenção do pagamento de custas processuais.
5. Concedida a segurança. (TRF 4ª R.; MS 5021055-69.2020.4.04.0000; PR; 8ª T.; Rel. Des. Fed.
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz; PJe 02/07/2020)

96/16 – DIREITO DE VISITA A MAIS DE UM INTERNO. VISITA AO SOBRI-


NHO E AO IRMÃO PRESOS. HIPÓTESE NÃO PREVISTA EM PORTARIA REGU-
LAMENTADORA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A Portaria VEP/DF nº
8/2016, que regulamenta em seu art. 7º o direito de visita a mais de um interno por uma
mesma pessoa, apesar de objetivar preservar a ordem e estabilidade do sistema prisional do
Distrito Federal, não pode resultar, ao ser aplicada no caso concreto, em uma restrição des-
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 179

proporcional ao direito de visita dos apenados. 2. Não se mostra consentâneo aos objetivos da
Lei de Execução Penal proibir que uma pessoa possa visitar seu irmão que cumpre pena em
virtude de já visitar seu sobrinho que também é interno, notadamente quando não há qualquer
circunstância concreta que evidencie um risco à ordem do sistema carcerário. 3. Recurso de
agravo provido. (TJDF; RAG 07101.02-73.2020.8.07.0000; Ac. 125.9658; 1ª T.Crim.; Rel. Des.
Cruz Macedo; PJe 07/07/2020)

96/17 – DUPLICATA SIMULADA. COMPRA E VENDA INEXISTENTE. TIPI-


CIDADE. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA
DA PENA. 1. A conduta de emitir duplicatas sem lastro subsome-se à previsão do art. 172
do Código Penal. A jurisprudência é firme no sentido de que, por interpretação extensiva, a
emissão de duplicata “fria” é conduta ainda mais grave do que a emissão de duplicata em desa-
cordo com a realidade da compra e venda existente, de modo que é inegável que a emissão de
título sem que exista uma efetiva compra e venda subjacente deve ser igualmente reprimida.
2. O pedido de cancelamento dos títulos feito pelo apelante à CEF foi apresentado somente
depois da contestação das empresas sacadas, o que denota pleno conhecimento do apelante
de que tinha realizado a emissão de duplicatas sem as operações comerciais correspondentes.
Dolo comprovado. 3. Dosimetria da pena. Quanto aos motivos do crime, o juízo assinalou que
“foram vis e espelham enorme cupidez”, mas não declinou as razões pelas quais os classificou
assim, de modo que deve ser afastada essa valoração negativa, pois não há nos autos nenhum
elemento que aponte para uma motivação torpe, além do normal. O desejo de obter lucro fácil
é próprio dos crimes contra o patrimônio. Por outro lado, a culpabilidade do acusado é exa-
cerbada, já que, sendo empresário habituado a realizar operações com a emissão de duplicatas,
tinha plena consciência da reprovabilidade da sua conduta. Além disso, são igualmente graves
as consequências do delito diante do valor obtido indevidamente pela emissão das duplicatas
sem lastro. 4. Mantido o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de
liberdade, que não pode ser substituída por penas restritivas de direitos, ante a falta de requi-
sito objetivo (CP, art. 41, I), ficando, por isso, rejeitado o pedido do apelante nesse sentido. 5.
Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª R.; ACR 0010727-74.2010.4.03.6102; SP; 1ª T.; Rel.
Des. Fed. Nino Toldo; DEJF 05/06/2020)

96/18 – EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. AGRAVO EM EXE-


CUÇÃO QUE ENTENDEU PELA POSSIBILIDADE DE UNIFICAÇÃO DAS PENAS
DE DETENÇÃO E RECLUSÃO, COM VOTAÇÃO NÃO UNÂNIME. ALEGAÇÃO DE
EXCESSO DE EXECUÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Sabe-se que reclusão e detenção são
espécies de pena privativa de liberdade, conforme se observa da redação dos arts. 33 e seguintes
do Código Penal. 2. A distinção entre ambas, deste modo, não se reputa ontológica. É dizer, as
penas de reclusão e detenção possuem a mesma natureza (são penas privativas de liberdade).
O fator que as diferencia consiste, basicamente, no regime de cumprimento de pena imposta a
ambas, eis que a pena de detenção, em regra, será cumprida em regime aberto ou semiaberto,
ao passo que a pena de reclusão, em regra, será cumprida no regime fechado, semiaberto ou
aberto. 3. Ademais, sobrevindo condenação em dois crimes cujas penas cominadas são de de-
tenção e reclusão, o art. 111 da LEP expressamente autoriza a unificação para fins de execução
da pena. 4. Recurso desprovido. (TJES; EI-Nul-AgExPe 0014457-69.2019.8.08.0035; C.Cív.
Reun.; Relª Desª Subst. Rozenea Martins de Oliveira; DJES 07/07/2020)

96/19 – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CONDUZIR VEÍCULO SEM HABILI-


TAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA. O crime de embriaguez
ao volante e o crime de dirigir veículo automotor sem habilitação são crimes autônomos, pois
nenhum dos dois é meio necessário ou normal de preparação ou execução do outro, não ha-
vendo possibilidade de absorção de um pelo outro. A pena de proibição para obter permissão
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
180

ou habilitação para dirigir veículos automotores deve guardar proporcionalidade com a pena
privativa de liberdade prevista para o crime. Constatando-se que de forma fundamentada essa
exigência foi observada pelo Juiz, afasta-se a pretensão da sua redução, mantendo-se a Sentença.
Recurso de apelação criminal desprovido. (TJAC; ACr 0013758-15.2018.8.01.0001; Ac. 31.233;
C.Crim.; Rel. Des. Samoel Martins Evangelista; DJAC 10/07/2020; p. 14)

96/20 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA


CONJUNÇÃO CARNAL. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 215-A DO CÓDIGO PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. RESSALVA DE ENTENDIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. 1. Diante da inovação legislativa, apresentada pela Lei nº 13.718, de 24 de se-
tembro de 2018, foi criada a figura da importunação sexual, prevista no art. 215-A do Código
Penal. No entanto, tem prevalecido o entendimento de não ser possível o reenquadramento de
condutas como a descrita nestes autos, envolvendo pessoa menor de 14 anos. 2. Ressalvo meu
ponto de vista, porém mantenho o entendimento de ambas as Turmas do Superior Tribunal
de Justiça, no sentido da impossibilidade de desclassificação, quando se tratar de vítima menor
de 14 anos. 3. Agravo regimental improvido. (STJ; AgRg-HC 584.799; Proc. 2020/0125368-7;
GO; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 30/06/2020)

96/21 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. FORNECIMENTO DE BEBIDA ALCO-


ÓLICA A ADOLESCENTE. MATERIALIDADE. AUTORIA. PROVAS. EXISTÊNCIA.
PENA BASE. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ATENUANTE DE CONFISSÃO.
INCIDÊNCIA. INVIABILIDADE. Comprovado nos autos a autoria e a materialidade do
crime de estupro de vulnerável, consubstanciadas na palavra das vítimas e testemunhas, aliada
às demais provas existentes, deve ser mantida a condenação imposta. Comprovada a prática
do crime de fornecer bebida alcoólica a criança ou adolescente, mantém-se a sentença que
condenou o réu, porquanto se trata de crime de perigo abstrato, que não exige a ocorrência
de resultado naturalístico. Se o objeto da irresignação já está contemplado na sentença, falta
ao apelante o indispensável interesse de recorrer, não se conhecendo o recurso nessa parte. A
fixação da pena-base no mínimo legal previsto, impede a incidência da atenuante da confissão
espontânea, ainda que ela tenha sido reconhecida. Recurso de apelação criminal desprovido.
(TJAC; ACr 0000691-31.2019.8.01.0006; Ac. 31.232; C.Crim.; Rel. Des. Samoel Martins Evan-
gelista; DJAC 10/07/2020; p. 13)

96/22 – EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. PRISÃO PREVENTIVA. GA-


RANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. MODUS OPERANDI.
SENTENÇA CONDENATÓRIA. NEGADO O RECURSO EM LIBERDADE. FUN-
DAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. EXCESSO DE PRAZO PARA
JULGAMENTO DA APELAÇÃO. CELERIDADE QUE SE IMPÕE. GRUPO DE RISCO
DA COVID-19. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A validade da segregação cautelar está
condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no
art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que
consiste o periculum libertatis. 2. Segundo o disposto no art. 387, § 1º, do CPP, “o juiz decidirá,
fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou
de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta”.
3. “É válida a utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado se
utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que
a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios, como
na espécie, uma vez que a instância antecedente, além de fazer remissão a razões elencadas pelo
Juízo natural da causa, indicou os motivos pelos quais considerava necessária a manutenção da
prisão preventiva do réu e a insuficiência de sua substituição por medidas cautelares diversas”
(RHC 94.488/PA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 19.04.2018, DJe 02.05.2018).
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 181

4. No caso, a manutenção da prisão preventiva está justificada, pois a sentença condenatória


que a manteve fez menção ao modus operandi do crime de extorsão mediante sequestro de
duas vítimas, fundamento que justificou a imposição da segregação cautelar durante o feito.
Assim, demonstrada a necessidade da prisão provisória como forma de assegurar a aplicação
da Lei Penal. 5. A aferição do excesso de prazo reclama a observância da garantia da duração
razoável do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da CF. Tal verificação, contudo, não se re-
aliza de forma puramente matemática. Demanda, ao contrário, um juízo de razoabilidade, no
qual devem ser sopesados não só o tempo da prisão provisória, mas também as peculiaridades
da causa, sua complexidade, bem como quaisquer fatores que possam influir na tramitação da
ação penal, além do quantum de pena aplicada na sentença condenatória. 6. No caso em exame,
está configurado o alegado excesso de prazo, porquanto o Juízo de primeiro grau demorou
quase um ano para intimar a defesa da sentença condenatória prolatada. Todavia, considerando
a quantidade de pena imposta, bem como a gravidade do crime pelo qual as pacientes foram
condenadas – extorsão mediante sequestro de duas vítimas –, não me parece, ao menos por
ora, ser o caso de se relaxar a prisão cautelar das pacientes. 7. A questão referente à aplicação de
medidas diversas da prisão em função da Covid-19 nem sequer foi apreciada pelas instâncias
de origem, o que impede seu conhecimento diretamente por essa Corte Superior, sob pena
de configurar indevida supressão de instância. 8. Ordem concedida em parte a fim de deter-
minar que o Tribunal de origem empregue celeridade no julgamento do recurso de apelação
interposto em favor das ora pacientes. (STJ; HC 575.430; Proc. 2020/0093284-8; SP; 6ª T.; Rel.
Min. Antonio Saldanha Palheiro; DJE 01/07/2020)
96/23 – FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO
DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. TER
EM DEPÓSITO PARA VENDA, DISTRIBUIÇÃO OU ENTREGA A CONSUMO
MEDICAMENTOS E INSUMOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA COMPETENTE E DE PROCEDÊNCIA IGNORADA. INCONSTITU-
CIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO
PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA PENA DO DELITO DE TRÁFICO DE DRO-
GAS. POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA
NO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no Habeas Corpus 239.363/PR,
declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal,
autorizando a aplicação analógica das penas previstas para o crime de tráfico de drogas. 2. Ana-
lisando o referido julgado, esta colenda Quinta Turma firmou o entendimento de que, diante
da ausência de ressalva em sentido contrário, é possível a aplicação da causa de diminuição
prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 no cálculo da pena dos condenados pelo delito
previsto no art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo. Precedentes. MINORANTE DO § 4º
DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. PRETENDIDA APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS ALIADA ÀS DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS DO
DELITO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA.
REEXAME DE PROVAS. 1. Para a incidência do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei
nº 11.343/06, é necessário o preenchimento dos requisitos legais: a) o agente seja primário; b)
com bons antecedentes; c) não se dedique às atividades delituosas; e d) não integre organiza-
ção criminosa. 2. Na hipótese, as instâncias de origem entenderam que o agravante se dedica
a atividades criminosas, em razão da quantidade de substâncias apreendidas aliada a outros
elementos do caso concreto, especialmente o fato de ter sido flagrado após denúncias de mora-
dores das proximidades do local onde as drogas estavam sendo armazenadas e comercializadas.
3. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias no sentido de que o réu não se dedicava a
atividades criminosas, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providên-
cia vedada na via especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
182

CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. ANÁLISE PREJUDICADA, DIANTE


DA MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. Mantida a
pena em patamar superior a quatro anos de reclusão, incabível a substituição da sanção privativa
de liberdade por restritivas de direitos, já que não preenchido o requisito objetivo previsto no
art. 44, I, do CP. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-AgRg-AREsp 1.610.153; Proc.
2019/0319670-1; PE; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Mussi; DJE 29/06/2020)
96/24 – FURTO. OBJETO. PEQUENO VALOR. INSIGNIFICÂNCIA. INADE-
QUAÇÃO. O princípio da insignificância não se coaduna com a previsão do § 2º do art. 155
do Código Penal, a revelar que, sendo primário o réu e de pequeno valor a coisa furtada, o
juiz poderá substituir a pena de reclusão por detenção, diminuí-la de 1/3 a 2/3 ou somente
aplicar multa. (STF; RHC 122.330; ES; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 23/06/2020; p. 105)
96/25 – FURTO. RECURSO QUE BUSCA A ABSOLVIÇÃO DO APELANTE
POR ATIPICIDADE DA CONDUTA, ADOTANDO-SE A TEORIA DO CRIME IM-
POSSÍVEL. DESCABIMENTO. Crime consumado que afasta a aplicação do art. 17 do CP.
Contudo, não se verifica na espécie a presença da qualificadora relativa à fraude. O simples fato
de o agente se utilizar de subterfúgios para a ocultação da rés furtiva, não se mostra suficiente
para o reconhecimento da mencionada qualificadora, ainda que o método utilizado seja hábil
a burlar o sistema de vigilância do estabelecimento comercial. É evidente que o furto, mesmo
em sua modalidade simples, se dá sempre de forma sorrateira. Desclassificação para furto
simples que se impõe. Nova dosimetria da pena. Reprimenda final fixada em 1 (um) ano e 5
(cinco) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, no valor mínimo legal. Regime prisional
semiaberto que deve ser mantido tendo em vista os maus antecedentes e a reincidência. Apelo
parcialmente provido. (TJRJ; APL 0091069-52.2016.8.19.0001; 2ª C.Crim.; Rel. Des. Celso
Ferreira Filho; DORJ 10/07/2020; p. 189)
96/26 – FURTO TENTADO. CONDENAÇÃO. INVIABILIDADE. PERSUASÃO
DO JULGADOR. DESENVOLVIMENTO. MOTIVAÇÃO. PROVA INQUISITIVA EX-
CLUSIVAMENTE. IMPROPRIEDADE TÉCNICA. INEXISTÊNCIA DE PROVA CRIVA-
DA JUDICIALMENTE SOB OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. ABSOLVIÇÃO. IN DUBIO PRO REO. Se a prova indiciária, que foi suficiente para
a instauração da ação penal, não foi corroborada por outros elementos de convicção durante a
instrução processual. Sob o contraditório e a ampla defesa., desincumbindo a acusação de seu
ônus, a condenação criminal não pode ser sustentada apenas na versão apresentada para auto-
ridade policial, exclusivamente. A convicção do juiz, verificada na motivação da sentença, não
pode lastrear-se exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase de investigação.
A condenação criminal sedimentada estritamente em elementos apurados na fase investigativa
é inválida e ineficaz. (TJMG; APCR 0963674-56.2016.8.13.0024; 7ª C.Crim.; Rel. Des. Cássio
Salomé; DJEMG 10/07/2020)
96/27 – HABEAS CORPUS. ATO INDIVIDUAL. ADEQUAÇÃO. O habeas corpus é
adequado em se tratando de impugnação a ato de colegiado ou individual. HABEAS CORPUS.
RECURSO ORDINÁRIO. SUBSTITUIÇÃO. Em jogo, na via direita, a liberdade de ir e vir
do cidadão, cabível é o habeas corpus, ainda que substitutivo de recurso ordinário constitucional.
HABEAS CORPUS. PREJUÍZO PARCIAL. Fica prejudicado o habeas corpus, no que voltado
ao afastamento da execução antecipada da pena, uma vez ocorrido o trânsito em julgado do
título condenatório. PENA. CUMPRIMENTO. REGIME. O regime de cumprimento é
definido ante o patamar alusivo à condenação e as circunstâncias judiciais. Art. 33, §§ 2º e 3º,
do Código Penal. PENA. LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO. A substituição da pena privativa
de liberdade por restritiva de direitos faz-se consideradas as circunstância judiciais. Art. 44, III,
do Código Penal. (STF; HC 172.206; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 07/07/2020; p. 230)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 183

96/28 – HOMICÍDIO. PATAMAR SUPERIOR PARA CIRCUNSTÂNCIA JU-


DICIAL DO ART. 59 DO CP. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO
CRIME E NÃO RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPON-
TÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. REFORMA DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABI-
LIDADE, DOS MOTIVOS E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. INDEFERIMEN-
TO. REDIMENSIONAMENTO DO QUANTUM DE REDUÇÃO REFERENTE ÀS
ATENUANTES DA MENORIDADE RELATIVA E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO
ACOLHIMENTO. RECURSOS IMPROVIDOS. 1. A dosimetria da pena é matéria sujeita a
certa discricionariedade judicial, uma vez que o Código Penal não estabelece rígidos esquemas
matemáticos ou regras objetivas absolutas para a sua fixação. 2. O pedido de valoração negativa
das consequências do crime não pode ser acolhido, visto que não foi extrapolada a reprovação
inerente ao tipo penal incriminador. 3. O apelado confessou em plenário o cometimento do
crime, logo esta confissão serviu para o convencimento dos jurados e deve ser aplicada. 4. A
pena-base foi corretamente exasperada pelo magistrado de base. 5. O Código Penal não esta-
belece limites mínimo e máximo de aumento ou redução de pena em razão da incidência das
agravantes e atenuantes genéricas. 6. Improvimento. (TJMA; ACr 0430142019; Ac. 2763262020;
2ª C.Crim.; Rel. Des. José Bernardo Silva Rodrigues; DJEMA 03/06/2020)
96/29 – HOMICÍDIO CULPOSO. ART. 206, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL
MILITAR (CPM). ACIDENTE DE TRÂNSITO. DEVER OBJETIVO DE CUIDADO
OBSERVADO. NEXO CAUSAL AUSENTE. CASO FORTUITO. APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. SENTENÇA MANTIDA. ABSOLVIÇÃO. DECISÃO
UNÂNIME. I – Consoante definição doutrinária, o crime culposo, dentre vários elementos
necessários para sua configuração, demanda uma ação voluntária do agente, por meio da qual
esse transgrida um dever objetivo de cautela na situação em que esteja inserido. Além disso,
tal ação há de produzir um resultado involuntário, porém previsível, ligado por um nexo
de causalidade com a conduta imprudente, imperita ou negligente do agente. II – No caso
concreto, sustentou-se o descumprimento com o dever objetivo de cautela ao trafegar im-
prudentemente, de forma que concorreu para ocorrência do homicídio culposo. Entretanto,
o arcabouço probatório não permitiu deduzir que tenha o réu agido com infringência a um
dever objetivo de cuidado, nem mesmo que sua ação na direção tenha sido voluntária e, por-
tanto, que tenha nexo causal com a morte ocorrida. III – Nesse sentido, demonstrou-se que
trafegava dentro das normas de trânsito para a via, bem como que o movimento que efetuou
para desviar de um animal na pista, logo antes do sinistro, fora um ato de reflexo, de modo
que não se pode atribuir uma conduta voluntária para a ocorrência do acidente, mas sim uma
reação decorrente de caso fortuito. IV – Confrontado com essa ausência de provas capazes de
sustentar um édito condenatório, forçosa a aplicação do princípio in dubio pro reo, razão pela qual
se mantém a Sentença recorrida na sua integralidade. V – Recurso conhecido e não provido.
Decisão unânime. (STM; APL 7000104-79.2020.7.00.0000; Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de
Queiroz; DJSTM 03/07/2020; p. 5)
96/30 – HOMICÍDIO CULPOSO. NEGLIGÊNCIA. MÉDICO QUE DEIXA DE
PRESTAR ATENDIMENTO À PACIENTE INTERNADA. ABSOLVIÇÃO E DESCLASSI-
FICAÇÃO. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. MAJORANTE
DO ART. 121, § 4º, DO CP. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência desta
Corte Superior firmou entendimento, segundo a qual, o recesso judiciário e o período de férias
coletivas, em matéria processual penal, têm como efeito, em relação aos prazos vencidos no seu
curso, a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao seu término,
não havendo interrupção ou suspensão (AgRg no Inq 1.105/DF, Rel. Min. Herman Benjamin,
Corte Especial, j. 29.03.2017, DJe 19.04.2017). 2. No caso, o acórdão recorrido foi disponibi-
lizado no Diário de Justiça Eletrônico em 05.12.2019 e considerado publicado em 06.12.2019.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
184

O prazo de 15 dias iniciou-se em 09.12.2019 e findou-se em 23.12.2019. Tendo em vista o


recesso forense até o dia 06.01.2020, prorrogou-se o prazo para o dia 07.01.2020, data em que
efetivamente foi protocolado o recurso especial, não havendo que se falar em intempestividade.
3. As instâncias ordinárias, soberanas na análise das circunstâncias fáticas da causa, entenderam
que o recorrente praticou o delito previsto no art. 121, § 4º, do Código Penal, pois, na qualidade
de médico, ao ser chamado, por três vezes, deixou de prestar atendimento a paciente que veio
a óbito, por estar dormindo e mesmo após ser acordado e tomar conhecimento do fato, não
foi ao local. 4. Chegar a entendimento diverso, absolvendo o recorrente ou desclassificando a
conduta que lhe foi imputada, implica em exame aprofundado do material fático probatório,
inviável em Recurso Especial a teor da Súmula nº 7/STJ. 5. Não configura bis in idem, a incidência
conjunta da causa de aumento da pena definida pelo art. 121, § 4º, do Código Penal, relativa
à inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, no homicídio culposo cometido
com imperícia médica. 6. Agravo regimental parcialmente provido, tão somente, para afastar
a intempestividade do agravo em recurso especial. (STJ; AgRg-EDcl-AREsp 1.686.212; Proc.
2020/0076155-8; SE; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 30/06/2020)
96/31 – HOMICÍDIO QUALIFICADO COMETIDO NA DIREÇÃO DE VEÍCU-
LO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRISÃO PREVENTIVA. GARAN-
TIA DA ORDEM PÚBLICA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. DESPROPORCIONALIDADE
DA CONSTRIÇÃO EM RAZÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATUAIS. CRIME PRATI-
CADO SEM VIOLÊNCIA INTENCIONAL OU GRAVE AMEAÇA. RECOMENDAÇÃO
Nº 62/2020 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO DE MEDIDAS
CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. 1. A prisão preventiva é cabível mediante decisão devidamente
fundamentada e com base em dados concretos, quando evidenciada a existência de cir-
cunstâncias que demonstrem a necessidade da medida extrema, nos termos dos arts. 312 e
seguintes do CPP. 2. Embora não esteja carente de fundamentação, a prisão cautelar, diante
das peculiaridades do caso – crime sem violência intencional ou grave ameaça – e, em razão
das circunstâncias atuais – pandemia –, está desproporcional, o que justifica a substituição da
medida extrema por outras alternativas. 3. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva
imposta ao paciente por medidas alternativas, consistentes em: a) suspensão da habilitação para
dirigir veículo automotor; b) recolhimento domiciliar no período noturno, fins de semana e
feriados; c) proibição de frequentar bares e restaurantes; d) monitoramento eletrônico; bem
como outras cautelares que o juízo entender adequadas, salvo se por outro motivo estiver
preso e sob o compromisso de comparecimento aos atos do processo, cabendo ao Magistrado
de primeiro grau o estabelecimento das condições. (STJ; HC 554.822; Proc. 2019/0385405-3;
SP; 6ª T.; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 30/06/2020)
96/32 – HOMICÍDIO QUALIFICADO E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ALE-
GAÇÃO DE DECISÃO GENÉRICA E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO
PREVENTIVA. PACIENTE PRIMÁRIO, COM ENDEREÇO FIXO E OCUPAÇÃO
LÍCITA. RISCOS À INTEGRIDADE FÍSICA EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA
DA COVID-19. LIMINAR INDEFERIDA. 1. Decisão detalhada e bem fundamentada que
encontra amparo nos juízos de urgência e necessidade que são próprios das cautelares pessoais.
Paciente envolvido em acidente automobilístico. Suposta condução do veículo em estado de
embriaguez e em alta velocidade. Informações de que o paciente teria trafegado de modo te-
merário ao menos duas vezes pelo local dos fatos antes de colidir com o motociclo da vítima.
Acidente automobilístico que resultou na colisão com outros seis veículos, provocando a morte
da vítima. Gravidade concreta dos fatos a ensejar a manutenção da custódia. 2. Inexistência
de informações de que o paciente integre grupo de risco ou mesmo indícios de omissão das
autoridades administrativas na adoção de medidas preventivas e profiláticas. 3. Ordem dene-
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 185

gada. (TJSP; HC 2116195-39.2020.8.26.0000; Ac. 13720342; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Marcos
Alexandre Coelho Zilli; DJESP 10/07/2020; p. 3256)
96/33 – HOMICÍDIO SIMPLES, AFASTAMENTO DE LOCAL DE ACIDENTE
PARA FUGIR À RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL, EMBRIAGUEZ AO VOLAN-
TE E VIOLAÇÃO À SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. REVOGAÇÃO
DA PRISÃO PREVENTIVA. POSSIBILIDADE. 1. Conquanto se trate de imputações que
incluem crime doloso com pena máxima em abstrato superior a quatro anos (homicídio sim-
ples supostamente praticado com dolo eventual), não se vislumbra, no presente momento,
que a liberdade da paciente trará risco concreto à persecução penal e ao meio social. 2. Paciente
primário e portador de bons antecedentes, preso em 25.09.2018 e pronunciado em 04.12.2019,
sem designação de data para o Plenário do Júri. 3. Ordem concedida, pela maioria, confirmada
a liminar anteriormente concedida, com a fixação de medidas de contracautela pelo MM. Juí-
zo a quo, e sem prejuízo da manutenção do isolamento social domiciliar, enquanto durarem
as determinações nesse sentido. (TJSP; HC 2074719-21.2020.8.26.0000; Ac. 13724125; 15ª
C.D.Crim.; Rel. Des. Cláudio Marques; DJESP 10/07/2020; p. 3.247)
96/34 – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. ATIVIDADE NÃO EXCLUSIVA DA PO-
LÍCIA. Competência do Ministério Público para investigar a prática de ilícitos penais, desde
que observadas as garantias constitucionais asseguradas aos investigados e as prerrogativas pro-
fissionais dos advogados. Violação à separação dos poderes. Inexistência. Repercussão geral da
matéria que o plenário do STF reconheceu no julgamento do ARE 593.727/MG. Reafirmação
da jurisprudência no exame dessa controvérsia. Recurso de agravo improvido. (STF; ARE-AgR
1.241.784; RS; 2ª T.; Rel. Min. Celso de Mello; DJE 06/07/2020; p. 89)
96/35 – JÚRI. CONSELHO DE SENTENÇA QUE CONDENOU O ACUSADO
PELA PRÁTICA DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO
(ART. 121, § 2º, I E IV, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). RECURSO
DA DEFESA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO
VENTILADA PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. Razões apresentadas fora do prazo
estabelecido no art. 588 do CPP. Mera irregularidade. Precedentes. Erro ou injustiça no tocante
à pena aplicada (art. 593, III, c, do CPP). Pena-base para o mínimo legal. Impossibilidade.
Magistrado que apresentou devida fundamentação para o aumento da pena com base no caso
concreto. (I) Culpabilidade acentuada. Agente que exercia profissão de vigilante com formação
no manuseio de arma de fogo. Premeditação. Maior reprovabilidade da conduta demonstrada.
(II) Circunstâncias do crime. Agente que abandona seu local de trabalho com o uniforme da
empresa e pratica a conduta mediante violação de domicílio da vítima e durante o repouso
noturno. Circunstâncias que extrapolam o tipo penal. (III) Consequências do crime. Valoração
negativa. Vítima que sofreu sequelas e abalo emocional. Fundamento idôneo. Segunda fase. (I)
Reconhecimento da agravante do recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Magistrado que
apresentou devida fundamentação para o aumento da pena com base no caso com fundamento
na teoria da migração da qualificadora remanescente. (II) Exclusão da agravante da violência
contra a mulher (CP, art. 61, II, f). Inviabilidade. Agravante devidamente configurada. Terceira
fase. Pedido de reconhecimento da causa de diminuição de pena pela tentativa na metade. Invia-
bilidade. Iter criminis percorrido quase que na sua integralidade. Vítima atingida com disparos de
arma de fogo na face, tórax e abdome. Risco de vida constatado no laudo pericial. Diminuição
da pena adequada na fração de 1/3. Sentença mantida. (TJSC; ACR 0010486-48.2013.8.24.0033;
1ª C.Crim.; Rel. Des. Carlos Alberto Civinski; DJSC 07/07/2020; p. 395)
96/36 – LIVRAMENTO CONDICIONAL. COMETIMENTO DE CRIME DOLO-
SO NO CURSO DA PENA. FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO.
COMPORTAMENTO SATISFATÓRIO DURANTE A EXECUÇÃO DA PENA. 1. O
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
186

cometimento de falta grave, consistente na prática de crime doloso durante o cumprimento


da pena enseja mau comportamento carcerário, o que impede a concessão do livramento
condicional. 2. Para a concessão do livramento condicional, deve ser analisado o comporta-
mento do condenado durante todo o período de execução da reprimenda, e não somente nos
últimos seis meses ou no último ano. Precedentes. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJDF;
RAG 07073.24-33.2020.8.07.0000; Ac. 125.9649; 1ª T.Crim.; Rel. Des. J. J. Costa Carvalho; PJe
08/07/2020)
96/37 – MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO
DE RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO APREENDIDO NOS AUTOS DE AÇÃO PENAL
EM QUE SE APURA A PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33,
CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06). PRETENSÃO DA IMPETRANTE (QUE É GENITORA
DO RÉU NA SUPRACITADA AÇÃO PENAL) EM RESTITUIR O VEÍCULO. Cabimento.
Terceira de boa-fé. Comprovação por certificado de registro de veículo. Proprietária do bem
que, inclusive, sequer foi denunciado. Precedentes desta Colenda 16ª Câmara de Direito Cri-
minal, em casos análogos. Segurança concedida. (TJSP; MS 2130154-77.2020.8.26.0000; Ac.
13724305; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Osni Pereira; DJESP 10/07/2020; p. 3.258)
96/38 – MANDADO DE SEGURANÇA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADO-
LESCENTE. Decisão de indeferimento do pedido de intimação por edital do adolescente acerca
da sentença homologatória da remissão concedida com aplicação de medida socioeducativa de
prestação de serviços à comunidade. Intimação editalícia inviável na jurisdição da infância e
juventude. Adolescentes que ficariam em exposição pública. Contrariedade aos objetivos do
ordenamento jurídico de preservação da integridade dos menores, sem exposições vexatórias
ou constrangedoras. Intimação, ademais, que contaria apenas com as iniciais do nome do
adolescente e não trariam o resultado pretendido. Ordem denegada. (TJSC; MS 8000134-
34.2018.8.24.0900; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva; DJSC 10/07/2020;
p. 317)
96/39 – OPERAÇÃO BROCA. CRIAÇÃO DE EMPRESAS DE FACHADA PARA
GERAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS ILÍCITOS DE PIS E COFINS. FALSIDADE
IDEOLÓGICA. ESTELIONATO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DELITOS QUE SE
APRESENTAM COMO MEIO PARA A PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SÚMULA VINCULANTE Nº
24 DO STF. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. 1. Considerando que as ações
imputadas aos denunciados tinham por objetivo gerar créditos ilícitos do Programa de Inte-
gração Social – PIS e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – Cofins, suas
condutas estão tipificadas na Lei nº 8.137/90, na medida que foram o meio para se atingir o
delito fim de sonegação fiscal. 2. Decisão de trancamento da ação penal mantida, por ausência
de justa causa, com base no art. 395, III, do CPP, aplicada ao caso a Súmula Vinculante nº
24 do STF. 3. Recurso ministerial conhecido com base no art. 579 do CPP, ao qual se nega
provimento. (TRF 2ª R.; RSE 0000733-42.2010.4.02.5005; ES; 1ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Antonio
Ivan Athié; DEJF 30/06/2020)
96/40 – OPERAÇÃO LAVA-JATO. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS. BLOQUEIO
DE ATIVOS DE PESSOA JURÍDICA. ILEGITIMIDADE DA SÓCIA. FATO NOVO.
DECISÃO PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA. OFERECIMENTO DE
DENÚNCIA QUE NÃO NARRA O ENVOLVIMENTO DA EMPRESA NOS FATOS
ILÍCITOS. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. REVOGAÇÃO DA MEDIDA CONS-
TRITIVA EM FACE DA PESSOA JURÍDICA. 1. O sócio não detém legitimidade para postular
a restituição de bem que pertence à esfera patrimonial da pessoa jurídica. 2. Considerando
a cautelaridade que norteia as medidas assecuratórias, a restrição patrimonial imposta neste
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 187

âmbito é provisória e, por consequência, reveste-se da cláusula rebus sic stantibus, de sorte que,
se posteriormente alteradas as premissas fáticas e jurídicas que embasaram o acautelamento,
é cabível o reexame da sua necessidade. Litispendência inexistente. 3. No âmbito criminal, é
possível a constrição de ativos lícitos de pessoas jurídicas nas hipóteses em que as infrações
penais são praticadas por meio da empresa e em seu favor. 4. Apesar da suspeita inicial, a
conclusão das investigações não resultou na confirmação dos elementos indiciários da par-
ticipação da empresa nos atos de lavagem de ativos, tampouco indicou que a pessoa jurídica
tenha se beneficiado diretamente do resultado das infrações penais ou que em suas contas
tenham circulado os recursos espúrios. 5. Ausente o requisito do fumus boni iuris, deve a
medida cautelar patrimonial em face de a pessoa jurídica ser revogada, mantendo-se, porém,
o bloqueio de conta cujos recursos são objeto de embargos de terceiro. 6. Apelação criminal
parcialmente provida. (TRF 4ª R.; ACR 5047453-39.2019.4.04.7000; PR; 8ª T.; Rel. Des. Fed.
João Pedro Gebran Neto; PJe 02/07/2020)
96/41 – PENA. REMIÇÃO POR ESTUDO. INCIDÊNCIA DA RECOMENDA-
ÇÃO Nº 44/2013 DO CNJ E DA RESOLUÇÃO Nº 3/2010 DO CNE. DECISÃO MAN-
TIDA. 1. A carga horária utilizada como base de cálculo para a obtenção dos dias remidos é
aquela referente a metade da duração dos cursos presenciais de educação de jovens e adultos
para o ensino médio, qual seja, 600 h, a qual foi adequadamente utilizada pelo Juízo da execução
penal, nos moldes estabelecidos pela Resolução nº 3/2010 do Conselho Nacional de Educação.
2. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-HC 579.763; Proc. 2020/0107933-6; SC; 6ª T.;
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 01/07/2020)
96/42 – PENA. RETIFICAÇÃO DO CÁLCULO PARA PROGRESSÃO DE RE-
GIME ATINENTE A CRIME HEDIONDO OU EQUIPARADO. 40% (QUARENTA
POR CENTO). REINCIDENTE NÃO ESPECÍFICO. RECURSO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA NOVA LEI. UTILIZAÇÃO DA FRA-
ÇÃO DE 3/5 (TRÊS QUINTOS) PREVISTA NO § 2º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90.
INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A Lei nº 13.964/2019 revogou o § 2º do art.
2º da Lei nº 8.072/90, passando a disciplinar no art. 112 da LEP os percentuais para progressão
de regime, constando do inciso V a aplicação de 40% (quarenta por cento) aos condenados pela
prática de crime hediondo ou equiparado, que sejam primários, e, no inciso VII, a aplicação
de 60% (sessenta por cento) para os casos de reincidentes específicos em crime hediondo ou
equiparado, criando-se uma lacuna em relação aos reincidentes não específicos (caso do agrava-
do). 2. A única solução é a aplicação da norma referente aos condenados por crimes hediondos
com o patamar de cumprimento exigido de 40% (quarenta por cento), nos termos do art. 112,
inciso V, da LEP, pois, embora o referido inciso trate, originariamente, de hipótese de apenado
primário, o reincidente não específico terá de ser nele enquadrado na impossibilidade de se
impor o tratamento mais gravoso previsto no inciso VII (60% – sessenta por cento), o qual
exige a reincidência específica, o que não é o caso do agravado, ora beneficiado com a novatio
legis in mellius. 3. Recurso desprovido. (TJDF; RAG 07100.94-96.2020.8.07.0000; Ac. 126.0089;
2ª T.Crim.; Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos; PJe 07/07/2020)
96/43 – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRISÃO
PREVENTIVA. Fumus commissi delicti evidenciado. Periculum libertatis não demonstrado. Paciente
primário. Possibilidade de concessão de liberdade, com imposição de medidas cautelares. Ordem
parcialmente concedida, com ratificação da liminar. (TJRS; HC 0059403-89.2020.8.21.7000;
Proc. 70084210442; 4ª C.Crim.; Rel. Des. Newton Brasil de Leão; DJERS 09/07/2020)
96/44 – PRAZO PRESCRICIONAL. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA CON-
DENAÇÃO. INTERRUPÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS MO-
DIFICATIVOS ACOLHIDOS. 1. Embora a jurisprudência desta Corte, à época do julgamento
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
188

do Recurso Especial, assinalasse que o acórdão confirmatório da sentença condenatória não


interrompia o lapso prescricional, foi omisso o acórdão relativamente ao dissenso interpretativo
que existia no âmbito do STF, cuja uniformização jurisprudencial redundou em entendimento
contrário ao então dominante neste Superior Tribunal. 2. O Plenário do STF compreendeu
que o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da
decisão para fins de interrupção da prescrição. Por isso, o acórdão que confirma a sentença
condenatória, por revelar pleno exercício da jurisdição penal, interrompe o prazo prescricional,
nos termos do art. 117, IV, do Código Penal. 3. O referido decisum foi exarado no julgamento
do HC 176.473/RR, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, fixou a seguinte tese: “Nos
termos do inciso IV do art. 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe
a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo
ou aumentando a pena anteriormente imposta”. 4. Na espécie, verifica-se a seguinte situação:
a denúncia foi recebida em 16.03.2015. Entre a denúncia e a sentença condenatória, proferida
em 20.10.2016, não transcorreu o prazo de que trata o art. 109, V, c/c o art. 115, ambos do CP,
isto é, de dois anos, uma vez que o réu foi beneficiado com a redução do prazo pela metade.
Tampouco entre a sentença e o acórdão que confirmou a decisão de primeiro grau, proferida
em 27.09.2018. 5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, a fim de dar
provimento ao agravo regimental e, por consequência, negar provimento ao recurso especial.
Fica afastado, com isso, o reconhecimento da incidência da prescrição. (STJ; EDcl-AgRg-REsp
1.837.546; Proc. 2019/0272432-7; SP; 6ª T.; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 01/07/2020)
96/45 – PRESCRIÇÃO. COM O ADVENTO DA LEI Nº 12.234, DE 05.05.2010,
FOI ALTERADO O § 1º DO ART. 110 DO CÓDIGO PENAL, NÃO MAIS SENDO POS-
SÍVEL A CONTAGEM DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
NA FORMA RETROATIVA ENTRE A DATA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E
A DO FATO PRATICADO, O QUE INCIDE NA ESPÉCIE, JÁ QUE O FATO FOI PRA-
TICADO EM 18.09.2012. 2. Destarte, a acusada foi condenada à pena de 1 ano e 4 meses de
reclusão, sendo certo que aplica-se o prazo prescricional de 4 anos, estabelecido no art. 109,
V, do CP. In casu, de verificar-se que entre a data do recebimento da denúncia (27.09.2017) e a
data da sentença (27.08.2018), não transcorreu o aludido lapso temporal. Desprovimento do
recurso. (TJRJ; APL 0245226-46.2017.8.19.0001; 3ª C.Crim.; Rel. Des. Suimei Meira Cavalieri;
DORJ 10/07/2020; p. 204)
96/46 – PRISÃO EM FLAGRANTE PELA PRÁTICA DO CRIME CAPITULADO
NO ART. 290 DO CPM. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DO PERICULUM LIBER-
TATIS. DEFERIMENTO DE LIMINAR. MANIFESTAÇÃO PELO TRANCAMENTO DO
IPM PELA PGJM POR AUSÊNCIA DE TERMO DE APREENSÃO DA SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE. DESNECESSIDADE. NO MÉRITO, AFASTA-SE A NECESSIDADE
DE PRISÃO PREVENTIVA, DECRETADA NA FORMA DO ART. 255, ALÍNEAS A E E,
DO CPPM, PERMITINDO-SE QUE O PACIENTE RESPONDA AO PROCESSO EM
LIBERDADE. CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR E CONCESSÃO DA ORDEM. UNÂ-
NIME. I – Afasta-se o pedido de trancamento do feito formulado pela PGJM, ainda que se
reconheça o grau de valoração que o Termo de Apreensão da substância entorpecente alcança
como meio de prova para comprovar a materialidade do delito capitulado no art. 290 do CPM.
II – Embora seja reconhecido o fumus comissi delicti, decorrente da prática pelo paciente do delito
previsto no art. 290 do CPM, verifica-se a insubsistência do periculum libertatis, devendo ser
reconhecida a ilegalidade da prisão preventiva, decretada na forma do art. 255, alíneas a e e, do
CPPM. III – Exigia-se o deferimento da liminar para concessão de liberdade provisória, uma
vez comprovada a desnecessidade de segregação cautelar do paciente pela prática do delito,
cuja norma incriminadora, considerando a primariedade do agente, prevê pena que é fixada
tradicionalmente no patamar mínimo, cabendo, indubitavelmente, a concessão de sursis como
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 189

sói acontecer. IV – Confirmação da liminar deferida e ordem de habeas corpus concedida para
que o paciente responda ao processo em liberdade. Decisão unânime. (STM; HC 7000278-
88.2020.7.00.0000; Rel. Min. José Coêlho Ferreira; DJSTM 08/07/2020; p. 1)

96/47 – PRISÃO PREVENTIVA. ARTS. 180, CAPUT, E 311, CAPUT, C/C O ART.
14, II, TODOS DO CP. LIBERDADE PROVISÓRIA. CABIMENTO. RÉU PRIMÁRIO.
RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020. Tratando-se de réu primário, preso preventivamente, há mais
de noventa dias, pela prática de crimes sem violência ou grave a ameaça a pessoa e, ainda, não
subsistindo os motivos ensejadores da segregação, impositiva a soltura provisória. Incidência da
Recomendação nº 62/2020. Ordem concedida. (TJRS; HC 0059323-28.2020.8.21.7000; Proc.
70084209642; 4ª C.Crim.; Rel. Des. Rogerio Gesta Leal; DJERS 09/07/2020)

96/48 – REABILITAÇÃO. ART. 654 DO CPPM. CRIME DO ART. 210 DO CPM.


PREENCHIMENTO INTEGRAL DOS REQUISITOS LEGAIS. ARTS. 651 E 652 DO
CPPM. NÃO PROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA REABILITAÇÃO CONCEDIDA.
I – Decisão recorrida de ofício por força do disposto no art. 654 do CPPM. Constatação pelo
Juízo a quo do cumprimento de todos os requisitos subjetivos e objetivos para a reabilitação,
previstos nos arts. 651 e 652, ambos do CPM. II – Reexame confirmatório do entendimento
alcançado em 1º Grau: No prazo fixado pela lei, o reabilitando manteve domicílio neste país,
bom comportamento em todas as searas, não foi, nem sequer é processado em seu domicílio,
assim como inexiste dano a ser reparado. III – Recurso de ofício desacolhido e mantido o deci-
sum originário. Decisão unânime. (STM; REO 7000257-15.2020.7.00.0000; Rel. Min. Péricles
Aurélio Lima de Queiroz; DJSTM 02/07/2020; p. 10)

96/49 – RECEPTAÇÃO DOLOSA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE


CULPOSA. INVIABILIDADE. CIÊNCIA DA ORIGEM ILÍCITA. CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO EFICAZ. REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO LEGAL. PLEITO
PREJUDICADO. 1. Inadmissível a desclassificação do crime de receptação na forma dolosa
para a culposa, ante as provas carreadas aos autos, demonstrando que o agente sabia da origem
ilícita do objeto. 2. Fixada a pena-base no mínimo legal na sentença a quo, torna-se prejudicado o
pedido de redução. 3. Apelo conhecido e desprovido. (TJAC; APL 0011743-39.2019.8.01.0001;
Ac. 31.247; C.Crim.; Rel. Des. Elcio Mendes; DJAC 10/07/2020; p. 14)

96/50 – RESTITUIÇÃO DE VEÍCULOS APREENDIDOS. CRIMES CONTRA


A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Bens apreendidos com o fim de garantir eventual res-
sarcimento ao erário. Apreensão dos veículos em observância ao disposto nos arts. 125 e
seguintes do CPP. Pedido de restituição que não comporta provimento. Pleito para nomeação
do apelante como depositário das motocicletas. Impossibilidade. Medida que não se mostra
compatível com a finalidade da apreensão. Automóveis que se encontram em vias de ser
alienados, em procedimento previsto no art. 144-A do CPP. Recurso improvido. (TJSP; ACr
0022523-91.2019.8.26.0114; Ac. 13722384; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Leme Garcia; DJESP
10/07/2020; p. 3.252)

96/51 – ROUBO. CONDENAÇÃO. MAJORANTE DO ART. 157, § 2º-A, I, DO


CP. Dúvida quanto ao emprego. Não configuração. Redução do aumento pelas majorantes e
fixação de regime inicial semiaberto. Regime prisional. Fixação do mais severo com base na
gravidade abstrata do crime. Súmulas ns. 718 do STF e 440 do STJ. Alteração para o semiaber-
to. Compatível com a pena imposta e primariedade dos réus. Recurso ministerial improvido.
Reformatio in melius. (TJSP; ACr 1516598-86.2019.8.26.0228; Ac. 13681632; 12ª C.D.Crim.; Rel.
Des. Carlos Vico Mañas; DJESP 10/07/2020; p. 3222)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
190

96/52 – SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA.


RECURSO DA DEFESA. 1. Materialidade e autoria demonstradas. Declarações da vítima em
crimes sexuais que se reveste de maior importância. Reconhecimento fotográfico ratificado
em juízo. Inexistência de irregularidades. 2. Alegação de erro de tipo. Acusado portador de
doença degenerativa provocando deficiência visual. Circunstâncias objetivas reveladoras de
que, à época dos fatos, o réu mantinha preservada alguma capacidade de visão. Ciência da
condição etária da vítima. Pleito de desclassificação para o delito de ato obsceno. Impossibili-
dade. Ato libidinoso praticado na presença de criança. Caracterização do delito previsto no art.
218-A do Código Penal. Semi-imputabilidade comprovada. 3. Dosimetria. Pena-base fixada
acima do limite mínimo. Intensidade do dolo e consequências do crime. Aumento em 1/4.
Proporcionalidade. Confissão espontânea não demonstrada. 4. Pleito requerendo a aplicação
concomitante da causa de diminuição prevista no art. 26, parágrafo único, com a substituição
prevista no art. 98 do Código Penal. Inviabilidade. Opção pela redução de pena ou imposição de
medida de segurança. 5. Regime semiaberto. Réu primário e pena fixada abaixo de quatro anos.
Modificação para o regime aberto. Prognóstico de periculosidade reconhecida judicialmente.
Necessidade de imposição da medida de segurança. 6. Recurso parcialmente provido. (TJSP;
ACr 0098620-72.2015.8.26.0050; Ac. 13723027; 16ª C.D.Crim.; Rel. Des. Marcos Alexandre Coelho
Zilli; DJESP 10/07/2020; p. 3.252)

96/53 – SURSIS. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE CONDIÇÃO PARA O SEGUN-


DO ANO. ACÓRDÃO QUE ESTABELECEU PENA PARA OS DOIS ANOS. REFOR-
MA DA DECISÃO. DADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Tendo a única reforma da
sentença ocorrido apenas em relação ao primeiro ano do sursis, deve ser mantida a condição
estabelecida para o segundo ano. 2. Dado provimento ao recurso. Oficiar. (TJMG; Ag-ExcPen
0953150-67.2019.8.13.0000; 7ª C.Crim.; Rel. Des. Marcílio Eustáquio Santos; DJEMG 10/07/2020)

96/54 – TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO DE AFASTAMENTO DO REDUTOR


PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. REEXAME DE PROVAS. IMPOS-
SIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. De
acordo com o aludido art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, o agente poderá ser beneficiado com a
redução de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) da pena, desde que seja, cumulativamente, pri-
mário e portador de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa. 2. In casu, o órgão fracionário estadual determinou a redução da pena
na terceira fase da dosimetria, em razão da ausência de elementos concretos que comprovas-
sem a participação da ré em organização criminosa ou sua dedicação a atividades ilícitas. 3. As
provas foram qualificadas pelo colegiado de origem de modo razoável, sem violar princípio ou
regra jurídica, razão pela qual fica desautorizada a intervenção desta instância extraordinária.
4. Para provimento da tese recursal, no sentido de que a ré não preenche os requisitos para a
concessão do redutor do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, mostra-se, no caso, imprescindível
o reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, o que é defeso em âmbito de recurso
especial, em virtude do disposto na Súmula nº 7 desta Corte. Precedentes. 5. Agravo regimental
desprovido. (STJ; AgRg-AREsp 670.475; Proc. 2015/0043056-6; MG; 6ª T.; Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro; DJE 01/07/2020)

96/55 – TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. COMPENSAÇÃO.


CONFISSÃO. REINCIDÊNCIA. UTILIZAÇÃO DA CONFISSÃO PARA CONFIGU-
RAR A AUTORIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. “Se a confissão informal
do agravado aos policiais acerca da subtração patrimonial, no momento da prisão em flagrante,
foi utilizada como fundamento pelo Tribunal de origem para manter a sua condenação, é
devida a incidência da respectiva atenuante. Aplicação da Súmula nº 545 do STJ” (AgRg no
REsp 1.827.438/MG, Relª Minª Laurita Vaz, Sexta Turma, j. 19.09.2019, DJe 01.10.2019). 2.
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 191

Agravo desprovido. (STJ; AgRg-HC 566.151; Proc. 2020/0063553-9; SP; 6ª T.; Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro; DJE 01/07/2020)
96/56 – TRÁFICO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA. ILEGALIDADE
DA PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A prisão preventiva
de jovem com 27 anos de idade, primário, pelo tráfico de pequena quantidade de entorpe-
centes (104,72 g de cocaína) produz um efeito ruim sobre a sociedade de uma maneira geral,
configurando medida contraproducente do ponto de vista de política criminal. 2. Situação
que atrai a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a prisão cautelar
exige a demonstração, empiricamente motivada, dos requisitos previstos no art. 312 do CPP.
Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF; HC-AgR 176.305; SP; 1ª
T.; Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 18/06/2020; p. 55)
96/57 – TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. EXPLORAÇÃO SEXUAL
DE MULHERES. ULTRA-ATIVIDADE DO ART. 231 DO CP E ADEQUADA INTER-
PRETAÇÃO DO ART. 149-A DO CP. LEI Nº 11.344/2016. ABOLITIO CRIMINIS. 1.
Após o advento da Lei nº 13.344/2016, somente haverá tráfico de pessoas com a finalidade de
exploração sexual, em se tratando de vítima maior de 18 anos, se ocorrer ameaça, uso da força,
coação, rapto, fraude, engano ou abuso de vulnerabilidade, num contexto de exploração do
trabalho sexual. 2. A prostituição, nem sempre, é uma modalidade de exploração, tendo em
vista a liberdade sexual das pessoas, quando adultas e praticantes de atos sexuais consentidos.
No Brasil, a prostituição individualizada não é crime e muitas pessoas seguem para o exterior
justamente com esse propósito, sem que sejam vítimas de traficante algum. 3. No caso, o Tri-
bunal a quo entendeu que as supostas vítimas saíram voluntariamente do país, manifestando
consentimento de forma livre de opressão ou de abuso de vulnerabilidade (violência, grave
ameaça, fraude, coação e abuso). Concluir de forma diversa implica exame aprofundado do
material fático-probatório, inviável em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo
regimental a que se nega provimento. (STJ; AgRg-EDcl-AREsp 1.625.279; Proc. 2019/0349547-
2; TO; 5ª T.; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 30/06/2020)
96/58 – TRÁFICO PRIVILEGIADO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONS-
TRADAS. PROVA SUFICIENTE À CONDENAÇÃO. Cabível o redutor do tráfico privile-
giado, diante do cumprimento dos requisitos do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. Aplicação da
fração máxima de diminuição, em face da pouca quantidade dos entorpecentes apreendidos.
Imposição do regime mais brando, diante da primariedade e da quantidade de pena imposta.
Viável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. Novo art. 28-A
do CPP. Acordo de não persecução penal. Cabimento. Remessa dos autos ao Ministério Pú-
blico para análise de eventual proposta de acordo. (TJSP; ACr 1506146-17.2019.8.26.0228; Ac.
13676541; 12ª C.D.Crim.; Rel. Des. Amable Lopez Soto; DJESP 10/07/2020; p. 3.221)
96/59 – USO DE ATESTADO MÉDICO IDEOLOGICAMENTE FALSO PARA JUS-
TIFICAR AUSÊNCIA NO TRABALHO. Provadas a autoria e a materialidade do delito, de rigor a
manutenção do édito condenatório. Recurso não provido. (TJSP; ACr 3040360-21.2013.8.26.0114;
Ac. 13721862; 15ª C.D.Crim.; Rel. Des. Willian Campos; DJESP 10/07/2020; p. 3.249)
96/60 – USO DE DOCUMENTO FALSO. AUTORIA E MATERIALIDADE COM-
PROVADAS. FLAGRANTE PREPARADO. NÃO OCORRÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO
DA PENA. REGRA DO ART. 44, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. 1. Falsidade documental
comprovada pelo laudo pericial acostado aos autos. Utilização dos documentos contrafeitos
na agência da Caixa Econômica Federal como identificação pessoal e para a abertura de contas
bancárias comprovada pelo auto de prisão em flagrante, pela prova testemunhal colhida em
juízo e pelas fichas de abertura de conta utilizadas na consecução do delito. Inexiste óbice ao
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Ementário
192

uso de elementos probatórios colhidos na fase inquisitorial, vez que disponibilizados à defesa
e submetidos ao contraditório quando deflagrada a ação penal. 2. Ausente a presença de agente
provocador, instigando o uso das identificações falsas, não havendo que se falar em flagrante
preparado. 3. O art. 44, § 2º, do Código Penal dispõe expressamente que, na hipótese de a pena
privativa de liberdade ter sido fixada em patamar superior a um ano, como é o caso dos autos,
a mesma só poderá ser substituída por uma restritiva de direito e multa ou por duas restritivas
de direitos. A aplicação de dois substitutivos penais na sentença condenatória encontra-se
em consonância com o mencionado dispositivo legal. 4. Apelações criminais a que se nega
provimento. (TRF 2ª R.; ACR 0490572-79.2011.4.02.5101; RJ; 2ª T.Esp.; Relª Desª Fed. Simone
Schreiber; DEJF 19/06/2020)
96/61 – USO DE DOCUMENTO FALSO. DESCAMINHO. CONSUNÇÃO.
POSSIBILIDADE. 1. A obtenção de vantagens alfandegárias indevidas e burla ao sistema de
controle de importações, introduzindo ilicitamente mercadorias em território nacional, são
consequências intrínsecas ao crime de descaminho, sendo o motivo pelo qual as condutas
descritas no art. 334 do Código Penal foram tipificadas em tal dispositivo. O potencial lesivo
das Declarações de Importação contendo dados inverídicos se exauriu no delito de descami-
nho, uma vez que, da leitura da exordial, este era o crime-fim que os réus buscavam executar.
Precedente do STJ. 2. Recurso em sentido estrito a que se nega provimento. (TRF 2ª R.; RSE
0002467-40.2010.4.02.5001; RJ; 2ª T.Esp.; Relª Desª Fed. Simone Schreiber; DEJF 19/06/2020)
96/62 – VIAS DE FATO. ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR CONTRA A
MULHER. RECONCILIAÇÃO DO CASAL. IRRELEVÂNCIA. FIXAÇÃO DE INDE-
NIZAÇÃO À VÍTIMA. ART. 387, INCISO IV, DO CPP. NECESSIDADE. RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO. 1. A eventual reconciliação do casal não é suficiente ao afasta-
mento da obrigação de reparar o dano moral causado pela infração penal, já que este deve ser
analisado sob a ótica da conduta em si e não de circunstâncias subsequentes ao ato perpetrado.
2. Ainda a respeito do tema, o STJ já decidiu que “a posterior reconciliação entre a vítima e o
agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo
previsto no art. 387, IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque
compete à própria vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo
vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual penal que determina
a fixação de valor mínimo em favor da vítima” (REsp 1.819.504/MS, Relª Minª Laurita Vaz). 3.
Recurso conhecido e provido. (TJAC; APL 0801581-83.2018.8.01.0001; Ac. 31.169; C.Crim.;
Rel. Des. Pedro Ranzi; DJAC 01/07/2020; p. 21)
96/63 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. AMEAÇA.
VIAS DE FATO. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. LIBERDADE
CONCEDIDA. Paciente preso em 12 de maio de 2020, pela suposta prática do delito de
descumprimento de medidas protetivas de urgência. Prisão preventiva que, no âmbito da Lei
Maria da Penha, é medida excepcional, que se justifica apenas e exclusivamente para evitar a
ocorrência de um mal maior. A realização de audiência com vistas a analisar alternativa diversa
é indispensável, o que não ocorreu no caso dos autos. Paciente primário, nascido em 1979,
embora responda a outro processo por lesão corporal leve e ameaça no âmbito da violência
doméstica, estando segregado há mais de um mês. Liberdade concedida, sem prejuízo da
manutenção das medidas protetivas de urgência. Ordem concedida. Por maioria. (TJRS; HC
0064256-44.2020.8.21.7000; Proc. 70084258979; 3ª C.Crim.; Relª Desª Patrícia Fraga Martins;
DJERS 08/07/2020)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.

Norma Data Publicação Ementa/Apelido


Violência Contra Crianças, Adolescentes,
Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência
- Violência Doméstica e Familiar Contra a
Lei nº 14.022 7/7/2020 8/7/2020 Mulher - Medidas de Enfrentamento Durante
a Emergência de Saúde Pública de Importân-
cia Internacional Decorrente do Coronavírus
Responsável pelo Surto de 2019.
Juizados Especiais Cíveis - Conciliação Não
Lei nº 13.994 24/4/2020 27/4/2020 Presencial - Possibilidade - Alteração da Lei
nº 9.099/95.
Destaques dos Volumes Anteriores

Destaques do Volume nº 95
– Acordo de Não Persecução Penal e suas Repercussões no Âmbito Administrativo
por Oswaldo Henrique Duek Marques, Livre-Docente e Doutor, e Silvio Luís Ferreira da Rocha,
Mestre e Doutor
– Aspectos Criminais da Lei Geral de Proteção de Dados e a Tutela Penal dos Dados Pessoais
por João Daniel Rassi, Mestre e Doutor, Victor Labate, Advogado, e Eloisa Yang, Advogada e
Mestranda
– Crimes Relacionados à Pandemia do Novo Coronavírus
por Leandro Bastos Nunes, Professor e Especialista
– Ensaio Sobre o Acaso e seus Corolários no Direito e no Processo Penal
por Orlando Faccini Neto, Professor e Doutor
– A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e o Compliance Diante de Situações de Pandemia
por Marcio Fernandes Fioravante da Silva, Advogado e Especialista
– O Caso Neymar: Divulgação de Imagens Íntimas sob a Perspectiva da Inexigibilidade de Conduta
Diversa
por Sebástian Borges de Albuquerque Mello, Mestre e Doutor, e Mariana Ribeiro de Almeida,
Advogada e Mestranda

Destaques do Volume nº 94
– Reflexões sobre o Tempo e o Direito Penal a Partir da Obra O Tempo do Direito
por Aury Lopes Junior, Professor e Doutor, e Jádia Larissa Timm dos Santos, Especialista e Mestra
– As Mudanças na Legislação Penal e Processual Penal com o Pacote Anticrime
por Benigno Núñez Novo, Advogado e Doutor
– O Arrependimento Posterior e o Desnível de Tratamento Jurídico-Penal Envolvendo Delitos
Patrimoniais e Socioeconômicos: uma Violação ao Princípio da Igualdade e o Parâmetro Regulatório
da ADO 26/DF
por Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira, Mestre e Doutor
– Ciberterrorismo no Brasil: uma Análise Sobre os Desafios Impostos pelos Ciberataques e a
Efetividade da Lei Antiterrorismo
por Greice Patrícia Fuller, Mestre e Doutora, e Gabriel Oliveira Brito, Advogado e Mestrando
– A Presunção de Inocência na Investigação Criminal
por Túlio Leno Góes Silva, Delegado de Polícia e Mestrando, e Felipe Martins Pinto, Mestre e Doutor
– A Responsabilidade Penal do Indutor Prevista no Artigo 218 do Código Penal: uma Releitura à Luz
do Princípio da Vedação à Proteção Insuficiente
por Diego Leal Nascimento, Especialista e Mestrando, e Américo Bedê Freire Junior, Mestre e Doutor

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Índice Alfabético-Remissivo

A para análise de eventual proposta de acordo.


TJSP (Em. 96/58)........................................... 191
A (IM)POSSIBILIDADE DE ACESSO A
PROVAS OBTIDAS EM APLICATIVO AMÉRICO BEDÊ FREIRE JÚNIOR E
DE MENSAGENS INSTANTÂNEAS EDUARDO DOMINGUES REZENDE
SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - Artigo: “A (Im)Possibilidade de Acesso a
- Artigo de Américo Bedê Freire Júnior e Provas Obtidas em Aplicativo de Mensagens
Eduardo Domingues Rezende...................... 98
Instantâneas sem Autorização Judicial”......... 98
A RESPONSABILIDADE PENAL
ANDRÉIA CRISTINA VIEIRA BRAGA
POR OMISSÃO DO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO NO COMBATE - Artigo: “O Recebimento de Honorários Ad-
À EPIDEMIA VIRAL DO NOVO vocatícios Maculados e o Crime de Lavagem
CORONAVÍRUS (COVID-19) de Dinheiro”................................................... 72
- Artigo de Bruno Zanesco Marinetti Knieling
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Galhardo......................................................... 43
- Pena. Condenação pretérita cumprida ou
ABANDONO MATERIAL
extinta há mais de 5 anos. Utilização como
- Aquele que, sem justa causa, ou seja, com
maus antecedentes. Impossibilidade. STF
vontade livre e consciente, deixa de prestar
o auxílio financeiro necessário à sua ex- (Em. 96/2)....................................................... 174
companheira, enferma e acamada, bem como - Pena. Condenação pretérita cumprida ou
seus filhos menores de idade, após a separação extinta há mais de 5 anos. Utilização como
conjugal, quando lhe competia e podia fazer,
maus antecedentes. Impossibilidade. STF
incide sua conduta no tipo descrito no art.
(Em. 96/3)....................................................... 174
244 do CP. TJSC (Em. 96/4)......................... 175
- Pena. Condenação pretérita no período de-
ABSOLVIÇÃO
purador. Pendência de julgamento do recurso
- Furto tentado. Prova inquisitiva exclusiva-
com repercussão geral (Tema 150). Pena-base
mente. Impropriedade técnica. Inexistência
de prova crivada judicialmente sob os prin- acima do mínimo legal. Possibilidade. STF
cípios do contraditório e da ampla defesa. In (Em. 96/1)....................................................... 174
dubio pro reo. TJMG (Em. 96/26)................... 182
APREENSÃO DE BENS
- Homicídio culposo. Acidente de trânsito.
Art. 206, caput, do CPM. Dever objetivo de - Restituição. Bens apreendidos com o fim de
cuidado observado. Nexo causal ausente. garantir eventual ressarcimento ao erário.
Caso fortuito. Aplicação do princípio in dubio Pedido de restituição que não comporta
pro reo. STM (Em. 96/29)............................... 183 provimento. Pleito para nomeação do ape-
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO lante como depositário das motocicletas.
PENAL Impossibilidade. TJSP (Em. 96/50)............... 189
- Acórdão do TJSP – Art. 28-A do CPP. Ne- - Restituição. Mandado de segurança. Preten-
cessária a confissão dos fatos imputados na são da impetrante (que é genitora do réu na
denúncia. Exigência ilegal por parte do MP de supracitada ação penal) em restituir o veículo.
1º grau de jurisdição de delação de terceiros e
Cabimento. Terceira de boa-fé. TJSP (Em.
de informar eventuais valores recebidos pela
prática criminosa afastada em sede liminar... 170 96/37).............................................................. 186
- Citação. O fato de o réu se encontrar em local ARMA DE FOGO
incerto e não sabido é incompatível com a
- Porte ilegal. Uso permitido. Prisão pre-
propositura de qualquer acordo. TRF 4ª R.
(Em. 96/5)....................................................... 175 ventiva. Fumus commissi delicti evidenciado.
Periculum libertatis não demonstrado. Paciente
- Tóxicos. Tráfico privilegiado. Pena. Viável a
substituição da pena privativa de liberdade primário. Possibilidade de concessão de liber-
por restritivas de direito. Novo art. 28-A do dade, com imposição de medidas cautelares.
CPP. Cabimento. Remessa dos autos ao MP TJRS (Em. 96/43)........................................... 187
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Índice Alfabético
196

B CONTRABANDO
- Cigarro. Tipicidade. Dolo. Dosimetria.
BEATRIZ MASSETTO TREVISAN, Prestação pecuniária. Regime inicial de
JOÃO DANIEL RASSI, MARCOS cumprimento da pena. Efeito da condenação.
FUCHS E REBECCA GROTERHORST Inabilitação para dirigir. Art. 92, III, do CP.
- Artigo: “Prisão e Pandemia – uma Análise TRF 4ª R. (Em. 96/10)................................... 176
Crítica das Decisões do Supremo Tribunal
Federal Durante a Crise da Covid-19”......... 5 CRIME AMBIENTAL
- Depósito de artefato explosivo em desacordo
BLOQUEIO DE ATIVOS DE PESSOA com a determinação legal ou regulamentar.
JURÍDICA Art. 54, § 2º, V, da Lei 9.605/98. Potenciali-
- Operação Lava-Jato. Medidas assecuratórias. dade lesiva de causar danos à saúde humana.
Ilegitimidade da sócia. Fato novo. Decisão Art. 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/03.
provisória. Ausência de litispendência. TRF 2ª R. (Em. 96/11)................................... 177
Oferecimento de denúncia que não narra o
envolvimento da empresa nos fatos ilícitos. D
Ausência de fumus boni iuris. Revogação da
medida constritiva em face da pessoa jurídica. DANO MORAL
TRF 4ª R. (Em. 96/40)................................... 186
- Ver Violência Doméstica. Perdas e Danos.
BRUNO ZANESCO MARINETTI
DESAFORAMENTO
KNIELING GALHARDO
- Imparcialidade do Júri. Ausência de com-
- Artigo: “A Responsabilidade Penal por Omis-
provação dos requisitos do art. 427 do CPP.
são do Chefe do Poder Executivo no Com-
Pedido de desaforamento improcedente.
bate à Epidemia Viral do Novo Coronavírus
TJES (Em. 96/14)........................................... 178
(Covid-19)”.................................................... 43
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME
C - Estupro de vulnerável. Ato libidinoso diverso
da conjunção carnal. Desclassificação. Art.
CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA
215-A do CP. Impossibilidade. STJ (Em.
- Acórdão do STF – Queixa-crime. Atendi- 96/20).............................................................. 180
mento aos requisitos formais. Impossibili-
- Furto qualificado. Crime consumado que
dade de trancamento da ação penal............... 139
afasta a aplicação do art. 17 do CP. Contudo,
COMPETÊNCIA não se verifica na espécie a presença da qua-
- Execução penal. Domicílio do apenado. Des- lificadora relativa à fraude. Desclassificação
locamento da competência. Impossibilidade. para furto simples que se impõe. Regime
Inteligência do art. 65 da LEP. TRF 3ª R. (Em. prisional semiaberto. TJRJ (Em. 96/25)........ 182
96/9)................................................................ 176 - Satisfação da lascívia mediante presença de
- Investigação criminal. Atividade não exclu- criança. Ciência da condição etária da vítima.
siva da polícia. Competência do MP para Pleito de desclassificação para o delito de
investigar a prática de ilícitos penais. STF ato obsceno. Impossibilidade. TJSP (Em.
(Em. 96/34)..................................................... 185 96/52).............................................................. 190
CONFLITO DE JURISDIÇÃO DIREITO DE VISITAS
- Execução penal. Domicílio do apenado. Des- - Mais de um interno. Visita ao sobrinho e
locamento da competência. Impossibilidade. ao irmão presos. Hipótese não prevista em
Inteligência do art. 65 da LEP. TRF 3ª R. (Em. portaria regulamentadora. Possibilidade.
96/9)................................................................ 176 TJDF (Em. 96/16).......................................... 178
CONSUNÇÃO DIREITOS DA PERSONALIDADE E
- Embriaguez ao volante. Conduzir veículo A LEI MARIA DA PENHA: O DILEMA
sem habilitação. Princípio da consunção. Não DAS CAUTELARES NOS TRIBUNAIS
incidência. TJAC (Em. 96/19)....................... 179 DE JUSTIÇA DO BRASIL
- Uso de documento falso. Descaminho. Pos- - Artigo de Hugo Rogerio Grokskreutz e
sibilidade. TRF 2ª R. (Em. 96/61)................. 192 Gustavo Noronha de Ávila............................ 112
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 197

DUPLICATA SIMULADA ilícitos de PIS e COFINS. Ausência de justa


- Compra e venda inexistente. Tipicidade. causa. Delitos que se apresentam como meio
Materialidade, autoria e dolo comprovados. para a prática de crimes contra a ordem tri-
Mantido o regime semiaberto. TRF 3ª R. butária. Trancamento da ação penal. TRF 2ª
(Em. 96/17)..................................................... 179 R. (Em. 96/39)................................................ 186
FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO,
E
ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO
EMBARGOS DE TERCEIRO DE PRODUTO DESTINADO A FINS
- Bloqueio de ativos de pessoa jurídica. Ope- TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS
ração Lava-Jato. Medidas assecuratórias. Aplicação analógica da pena do delito de trá-
Ilegitimidade da sócia. Fato novo. Decisão fico de drogas. Possibilidade de incidência
provisória. Revogação da medida constritiva da causa de diminuição prevista no § 4º do
em face da pessoa jurídica. TRF 4ª R. (Em. art. 33 da Lei 11.343/06. Minorante do §
96/40).............................................................. 186
4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Pretendida
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE aplicação. Impossibilidade. Quantidade de
- Conduzir veículo sem habilitação. Princípio medicamentos aliada às demais circunstâncias
da consunção. Não incidência. TJAC (Em. do delito. Fundamentação idônea. Dedicação
96/19).............................................................. 179 à atividade criminosa. STJ (Em. 96/23)......... 181
ESTELIONATO FIANÇA
- Acórdão do STJ – Pretendida aplicação - Devolução do saldo remanescente da fiança.
retroativa da regra do § 5º do art. 171 do CP, Possibilidade. Art. 347 do CPP. Concessão da
acrescentado pela Lei 13.964/2019 (pacote segurança. TRF 4ª R. (Em. 96/15)................ 178
anticrime). Inviabilidade. Ato jurídico per-
feito................................................................. 159 FURTO
- Pretendida aplicação retroativa da regra do § - O princípio da insignificância não se coa-
5º do art. 171 do CP, acrescentado pela Lei duna com a previsão do § 2º do art. 155 do
13.964/2019 (pacote anticrime). Inviabilida- CP, a revelar que, sendo primário o réu e de
de. Ato jurídico perfeito. STJ (Em. 96/13).... 177 pequeno valor a coisa furtada, o juiz poderá
ESTUPRO DE VULNERÁVEL substituir a pena de reclusão por detenção,
diminuí-la de 1/3 a 2/3 ou somente aplicar
- Ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
multa. STF (Em. 96/24)................................. 182
Desclassificação. Art. 215-A do CP. Impos-
sibilidade. STJ (Em. 96/20)............................ 180 FURTO QUALIFICADO
- Fornecimento de bebida alcoólica a ado- - Desclassificação. Crime consumado que
lescente. Materialidade. Autoria. Provas. afasta a aplicação do art. 17 do CP. Contudo,
Existência. Pena base. Redução. Impossibi- não se verifica na espécie a presença da qua-
lidade. Atenuante de confissão. Incidência.
lificadora relativa à fraude. Desclassificação
Inviabilidade. TJAC (Em. 96/21).................. 180
para furto simples que se impõe. Regime
EXTORSÃO MEDIANTE prisional semiaberto. TJRJ (Em. 96/25)........ 182
SEQUESTRO
FURTO TENTADO
- Prisão preventiva. Garantia da ordem pública.
Gravidade concreta. Negado o recurso em - Prova inquisitiva exclusivamente. Improprie-
liberdade. Fundamentação per relationem. dade técnica. Inexistência de prova crivada
Possibilidade. STJ (Em. 96/22)...................... 180 judicialmente sob os princípios do contradi-
tório e da ampla defesa. Absolvição. In dubio
F pro reo. TJMG (Em. 96/26)............................ 182

FALSIDADE IDEOLÓGICA/ G
ESTELIONATO
- Operação Broca. Criação de empresas de GUSTAVO HENRIQUE DE
fachada para geração de créditos tributários ANDRADE CORDEIRO, THALES
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Índice Alfabético
198

APORTA CATELLI E EMERSON HUGO ROGERIO GROKSKREUTZ E


ADEMIR BORGES DE OLIVEIRA GUSTAVO NORONHA DE ÁVILA
- Artigo: “Juiz das Garantias: uma Análise - Artigo: “Direitos da Personalidade e a Lei
Crítica Sobre a (In)Eficácia do Sistema Pro- Maria da Penha: o Dilema das Cautelares
posto”.............................................................. 19 nos Tribunais de Justiça do Brasil”................ 112

H I
HABEAS CORPUS INTERNAÇÃO
- Ato individual. Adequação. O HC é ade- - Medida socioeducativa. Ato infracional aná-
quado em se tratando de impugnação a ato logo a roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II,
de colegiado ou individual. Em jogo, na via do CP). Arma de fogo. Concurso de pessoas.
direita, a liberdade de ir e vir do cidadão, Emprego de violência e grave ameaça. Inter-
cabível é o HC, ainda que substitutivo de nação. Inteligência do art. 122, I, do ECA.
RO constitucional. STF (Em. 96/27)............ 182 Medida adequada. TJAC (Em. 96/6)............. 175
HOMICÍDIO CULPOSO - Medida socioeducativa. Ato infracional aná-
logo ao crime de furto qualificado. Forma
- Acidente de trânsito. Afastamento de local de continuada. Adequação e necessidade. TJAC
acidente para fugir à responsabilidade civil (Em. 96/7)....................................................... 175
ou penal, embriaguez ao volante e violação à
suspensão da habilitação para dirigir. Revoga- INTERNET CLANDESTINA
ção da prisão preventiva. Possibilidade. TJSP - Serviço de comunicação multimídia. Condu-
(Em. 96/33)..................................................... 185 ta típica. Materialidade, autoria e dolo com-
- Acidente de trânsito. Art. 206, caput, do CPM. provados. Nova dosimetria. Comprovada a
Dever objetivo de cuidado observado. Nexo existência de serviço de telecomunicações,
causal ausente. Caso fortuito. Aplicação do confirma-se a incidência do tipo penal pre-
princípio in dubio pro reo. Absolvição. STM visto no art. 183 da Lei 9.472/97. TRF 2ª R.
(Em. 96/29)..................................................... 183 (Em. 96/12)..................................................... 177
- Médico. Deixar de prestar atendimento à INTIMAÇÃO POR EDITAL
paciente internada. Não configura bis in idem, - ECA. Mandado de segurança. Intimação
a incidência conjunta da causa de aumento editalícia inviável na jurisdição da infância
da pena definida pelo art. 121, § 4º, do CP, e juventude. Adolescentes que ficariam em
relativa à inobservância de regra técnica de exposição pública. TJSC (Em. 96/38)........... 186
profissão, arte ou ofício, no homicídio cul-
poso cometido com imperícia médica. STJ INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
(Em. 96/30)..................................................... 183 - Vide Competência.
HOMICÍDIO QUALIFICADO
J
- Acidente de trânsito. Embriaguez ao volante.
Alegação de decisão genérica e ausência dos JUIZ DAS GARANTIAS: UMA
requisitos da prisão preventiva. Paciente pri- ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A (IN)
mário, com endereço fixo e ocupação lícita. EFICÁCIA DO SISTEMA PROPOSTO
Riscos à integridade física em decorrência da
- Artigo de Gustavo Henrique de Andrade
pandemia da Covid-19. Gravidade concreta
Cordeiro, Thales Aporta Catelli e Emerson
dos fatos a ensejar a manutenção da custódia.
Ademir Borges de Oliveira............................ 19
TJSP (Em. 96/32)........................................... 184
- Acidente de trânsito. Embriaguez ao volante. JÚRI
Prisão preventiva. Garantia da ordem pública. - Homicídio duplamente qualificado (art. 121,
Motivação inidônea. Desproporcionalidade § 2º, I e IV, c/c o art. 14, II, ambos do CP).
da constrição em razão das circunstâncias Erro ou injustiça no tocante à pena aplicada
atuais. Crime praticado sem violência in- (art. 593, III, c, do CPP). Pena-base para o
tencional ou grave ameaça. Recomendação mínimo legal. Impossibilidade. Magistrado
62/2020 do CNJ. Aplicação de medidas que apresentou devida fundamentação para o
cautelares diversas da prisão. Possibilidade. aumento da pena com base no caso concreto.
STJ (Em. 96/31)............................................. 184 Culpabilidade acentuada. Premeditação.
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 199

Maior reprovabilidade da conduta demons- da reprimenda, e não somente nos últimos


trada. Circunstâncias que extrapolam o tipo seis meses ou no último ano. TJDF (Em.
penal. Consequências do crime. Valoração 96/36).............................................................. 185
negativa. Vítima que sofreu sequelas e abalo
emocional. Fundamento idôneo. Exclusão M
da agravante da violência contra a mulher
(CP, art. 61, II, f). Inviabilidade. Agravante MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
devidamente configurada. Diminuição da - Ato infracional análogo a roubo majorado
pena adequada na fração de 1/3. TJSC (Em. (art. 157, § 2º, I e II, do CP). Arma de fogo.
96/35).............................................................. 185 Concurso de pessoas. Emprego de violência
e grave ameaça. Internação. Inteligência do
L art. 122, I, do ECA. Medida adequada. TJAC
(Em. 96/6)....................................................... 175
LIBERDADE PROVISÓRIA
- Ato infracional análogo ao crime de furto
- Arma de fogo. Porte ilegal. Uso permitido.
qualificado. Forma continuada. Internação.
Prisão preventiva. Fumus commissi delicti
Adequação e necessidade. TJAC (Em. 96/7). 175
evidenciado. Periculum libertatis não demons-
trado. Paciente primário. Possibilidade de - Ato infracional análogo ao crime de tráfico de
concessão de liberdade, com imposição de drogas. Internação provisória. Necessidade
medidas cautelares. TJRS (Em. 96/43).......... 187 da medida indemonstrada. Peculiaridades do
- Receptação. Arts. 180, caput, e 311, caput, caso que desaconselham a internação provi-
c/c o art. 14, II, todos do CP. Réu primário. sória – art. 108, p. único, do ECA. Pandemia
Recomendação 62/2020. Tratando-se de réu de Covid-19. Recomendação 62 do CNJ.
primário, preso preventivamente, há mais Revogada a decisão de internação provisória.
de noventa dias, pela prática de crimes sem TJRS (Em. 96/8)............................................. 176
violência ou grave a ameaça a pessoa e, ainda,
não subsistindo os motivos ensejadores da O
segregação, impositiva a soltura provisória.
TJRS (Em. 96/47)........................................... 189 O ALCANCE DA HEDIONDEZ NO
CRIME DE EXTORSÃO
- Tóxicos. Prisão em flagrante. Art. 290 do
CPM. Prisão preventiva. Ausência do pe- - Artigo de Oswaldo Henrique Duek Marques
riculum libertatis. Deferimento de liminar. e Paulo Henrique Aranda Fuller................... 63
Manifestação pelo trancamento do IPM pela
O RECEBIMENTO DE
PGJM por ausência de termo de apreensão
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
da substância entorpecente. Desnecessidade.
MACULADOS E O CRIME DE
STM (Em. 96/46)........................................... 188
LAVAGEM DE DINHEIRO
- Tóxicos. Tráfico. Pequena quantidade. Ilega-
lidade da prisão. Ordem concedida de ofício. - Artigo de Andréia Cristina Vieira Braga........ 72
A prisão preventiva de jovem com 27 anos OSWALDO HENRIQUE DUEK
de idade, primário, pelo tráfico de pequena MARQUES E PAULO HENRIQUE
quantidade de entorpecentes (104,72 g de ARANDA FULLER
cocaína) produz um efeito ruim sobre a so-
ciedade de uma maneira geral, configurando - Artigo: “O Alcance da Hediondez no Crime
medida contraproducente do ponto de vista de Extorsão”.................................................... 63
de política criminal. STF (Em. 96/56).......... 191
- Violência doméstica. Violação de domicílio.
P
Ameaça. Vias de fato. Descumprimento de PENA
medidas protetivas. Liberdade concedida,
sem prejuízo da manutenção das medidas - Acórdão do STJ – Tóxicos. Tráfico. Con-
protetivas de urgência. TJRS (Em. 96/63).... 192 denação transitada em julgado. Revisão
criminal. Diminuição da pena-base. Au-
LIVRAMENTO CONDICIONAL mento do percentual pelo reconhecimento
- Para a concessão do livramento condicional, da reincidência. Situação final não agravada.
deve ser analisado o comportamento do con- Pena diminuída. Inexistência de reformatio in
denado durante todo o período de execução pejus ou afronta ao art. 617 do CPP............... 149
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Índice Alfabético
200

- Duplicata simulada. Compra e venda ine- - Júri. Homicídio duplamente qualificado (art.
xistente. Tipicidade. Materialidade, autoria 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 14, II, ambos do
e dolo comprovados. Dosimetria da pena. CP). Erro ou injustiça no tocante à pena apli-
Mantido o regime semiaberto. TRF 3ª R. cada (art. 593, III, c, do CPP). Pena-base para
(Em. 96/17)..................................................... 179 o mínimo legal. Impossibilidade. Magistrado
- Estupro de vulnerável. Fornecimento de que apresentou devida fundamentação para o
bebida alcoólica a adolescente. Materialida- aumento da pena com base no caso concreto.
de. Autoria. Provas. Existência. Pena base. Culpabilidade acentuada. Premeditação.
Redução. Impossibilidade. Atenuante de Maior reprovabilidade da conduta demons-
confissão. Incidência. Inviabilidade. TJAC trada. Circunstâncias que extrapolam o tipo
(Em. 96/21)..................................................... 180 penal. Consequências do crime. Valoração
negativa. Vítima que sofreu sequelas e abalo
- Falsificação, corrupção, adulteração ou altera- emocional. Fundamento idôneo. Exclusão
ção de produto destinado a fins terapêuticos da agravante da violência contra a mulher
ou medicinais. Aplicação analógica da pena (CP, art. 61, II, f). Inviabilidade. Agravante
do delito de tráfico de drogas. Possibilidade devidamente configurada. Diminuição da
de incidência da causa de diminuição prevista pena adequada na fração de 1/3. TJSC (Em.
no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Minorante 96/35).............................................................. 185
do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Pretendida
aplicação. Impossibilidade. Quantidade de - Maus antecedentes. Condenação pretérita
medicamentos aliada às demais circunstâncias cumprida ou extinta há mais de 5 anos.
do delito. Fundamentação idônea. Dedicação Utilização como maus antecedentes. Impos-
à atividade criminosa. Incabível a substituição sibilidade. STF (Em. 96/2)............................. 174
da sanção privativa de liberdade por restritivas - Maus antecedentes. Condenações anteriores
de direitos, já que não preenchido o requisito ao período depurador. Pendência de julga-
objetivo previsto no art. 44, I, do CP. STJ mento do recurso com repercussão geral
(Em. 96/23)..................................................... 181 (Tema 150). Pena-base acima do mínimo
legal. Possibilidade. STF (Em. 96/1)............. 174
- Furto qualificado. Desclassificação. Crime
consumado que afasta a aplicação do art. 17 - Maus antecedentes. Sentença condenatória
do CP. Contudo, não se verifica na espécie extinta há mais de 5 anos. Utilização como
a presença da qualificadora relativa à fraude. maus antecedentes. Impossibilidade. STF
Desclassificação para furto simples que se (Em. 96/3)....................................................... 174
impõe. Regime prisional semiaberto que - O regime de cumprimento é definido ante o
deve ser mantido tendo em vista os maus patamar alusivo à condenação e as circuns-
antecedentes e a reincidência. TJRJ (Em. tâncias judiciais. Art. 33, §§ 2º e 3º, do CP.
96/25).............................................................. 182 Liberdade. Substituição. A substituição da
- Homicídio culposo. Médico que deixa de pena privativa de liberdade por restritiva de
prestar atendimento à paciente internada. direitos faz-se consideradas as circunstância
Não configura bis in idem, a incidência con- judiciais. Art. 44, III, do CP. STF (Em.
junta da causa de aumento da pena definida 96/27).............................................................. 182
pelo art. 121, § 4º, do CP, relativa à inobser- - Progressão de regime. Retificação do cálcu-
vância de regra técnica de profissão, arte ou lo. Crime hediondo ou equiparado. 40%.
ofício, no homicídio culposo cometido com Reincidente não específico. Afastamento da
imperícia médica. STJ (Em. 96/30)............... 183 aplicação da nova Lei. Utilização da fração de
- Homicídio culposo. Patamar superior para 3/5 prevista no § 2º do art. 2º da Lei 8.072/90.
circunstância judicial do art. 59 do CP. Inviabilidade. Recurso desprovido. TJDF
Valoração negativa das consequências do (Em. 96/42)..................................................... 187
crime e não reconhecimento da atenuante - Remição por estudo. Incidência da Reco-
da confissão espontânea. Impossibilidade. mendação 44/2013 do CNJ e da Resolução
Reforma da valoração negativa da culpabilida- 3/2010 do CNE. A carga horária utilizada,
de, dos motivos e das circunstâncias do crime. qual seja, 600 h, a qual foi adequadamente
Indeferimento. Redimensionamento do utilizada pelo Juízo da execução penal, nos
quantum de redução referente às atenuantes da moldes estabelecidos pela Resolução 3/2010
menoridade relativa e confissão espontânea. do Conselho Nacional de Educação. STJ
Não acolhimento. TJMA (Em. 96/28).......... 183 (Em. 96/41)..................................................... 187
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 201

- Roubo. Majorante do art. 157, § 2º-A, I, do - Pretensão punitiva. Lei 12.234, de 05.05.2010.
CP. Dúvida quanto ao emprego. Não confi- Alterado o § 1º do art. 110 do CP, não mais
guração. Redução do aumento pelas majo- sendo possível a contagem do prazo da
rantes e fixação de regime inicial semiaberto. prescrição da pretensão punitiva na forma
Regime prisional. Fixação do mais severo retroativa entre a data do recebimento da
com base na gravidade abstrata do crime. denúncia e a do fato praticado, o que incide
Alteração para o semiaberto. Compatível com na espécie, já que o fato foi praticado em
a pena imposta e primariedade dos réus. TJSP 18.09.2012. TJRJ (Em. 96/45)....................... 188
(Em. 96/51)..................................................... 189 PRISÃO DOMICILIAR
- Tóxicos. Tráfico. Compensação. Confissão. - Acórdão do STJ – Impossibilidade. Riscos da
Reincidência. Utilização da confissão para pandemia do coronavírus. O surgimento da
configurar a autoria. Se a confissão informal pandemia não pode ser, data venia, utilizado
do agravado aos policiais acerca da subtração como passe livre, para impor ao juiz da VEC
patrimonial, no momento da prisão em fla- a soltura geral de todos os encarcerados sem
grante, foi utilizada como fundamento pelo o conhecimento da realidade subjacente....... 154
Tribunal de origem para manter a sua con-
PRISÃO E PANDEMIA – UMA
denação, é devida a incidência da respectiva
ANÁLISE CRÍTICA DAS DECISÕES
atenuante. STJ (Em. 96/55)........................... 190
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- Tóxicos. Tráfico. Pleito de afastamento DURANTE A CRISE DA COVID-19
do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei
- Artigo de Beatriz Massetto Trevisan, João
11.343/06. Para provimento da tese recursal,
Daniel Rassi, Marcos Fuchs e Rebecca Gro-
no sentido de que a ré não preenche os re- terhorst............................................................ 5
quisitos para a concessão do redutor do art.
33, § 4º, da Lei 11.343/06, mostra-se, no caso, PRISÃO PREVENTIVA
imprescindível o reexame dos elementos - Arma de fogo. Porte ilegal. Uso permitido.
fático-probatórios dos autos, o que é defeso Fumus commissi delicti evidenciado. Periculum
em âmbito de recurso especial, em virtude do libertatis não demonstrado. Paciente primário.
disposto na Súmula 7 desta Corte. STJ (Em. Possibilidade de concessão de liberdade, com
96/54).............................................................. 190 imposição de medidas cautelares. TJRS (Em.
- Tóxicos. Tráfico privilegiado. Cabível o 96/43).............................................................. 187
redutor do tráfico privilegiado, diante do - Homicídio. Acidente de trânsito. Afasta-
cumprimento dos requisitos do art. 33, § 4º, mento de local de acidente para fugir à res-
da Lei de Drogas. Imposição do regime mais ponsabilidade civil ou penal, embriaguez ao
brando, diante da primariedade e da quanti- volante e violação à suspensão da habilitação
dade de pena imposta. Viável a substituição para dirigir. Revogação da prisão preventiva.
da pena privativa de liberdade por restritivas Possibilidade. TJSP (Em. 96/33)................... 185
de direito. Novo art. 28-A do CPP. Acordo de - Homicídio qualificado. Acidente de trânsito.
não persecução penal. Cabimento. Remessa Embriaguez ao volante. Alegação de decisão
dos autos ao MP para análise de eventual genérica e ausência dos requisitos da prisão
proposta de acordo. TJSP (Em. 96/58)......... 191 preventiva. Paciente primário, com endereço
fixo e ocupação lícita. Riscos à integrida-
PERDAS E DANOS de física em decorrência da pandemia da
- Vias de fato. Âmbito doméstico e familiar Covid-19. Gravidade concreta dos fatos a
contra a mulher. Reconciliação do casal. ensejar a manutenção da custódia. TJSP (Em.
Irrelevância. Fixação de indenização à vítima. 96/32).............................................................. 184
Art. 387, IV, do CPP. Necessidade. TJAC - Homicídio qualificado. Acidente de trânsito.
(Em. 96/62)..................................................... 192 Embriaguez ao volante. Garantia da ordem
pública. Motivação inidônea. Desproporcio-
PRESCRIÇÃO
nalidade da constrição em razão das circuns-
- Interrupção. Acórdão confirmatório da tâncias atuais. Crime praticado sem violência
condenação, por revelar pleno exercício da intencional ou grave ameaça. Recomendação
jurisdição penal, interrompe o prazo pres- 62/2020 do CNJ. Aplicação de medidas cau-
cricional, nos termos do art. 117, IV, do CP. telares diversas da prisão. Possibilidade. STJ
STJ (Em. 96/44)............................................. 187 (Em. 96/31)..................................................... 184
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 – Índice Alfabético
202

- Tóxicos. Tráfico. Pequena quantidade. Ilega- presença de criança. Caracterização do delito


lidade da prisão. Ordem concedida de ofício. previsto no art. 218-A do CP. Semi-imputa-
A prisão preventiva de jovem com 27 anos bilidade comprovada. Pena-base fixada acima
de idade, primário, pelo tráfico de pequena do limite mínimo. Intensidade do dolo e
quantidade de entorpecentes (104,72 g de consequências do crime. Aumento em 1/4.
cocaína) produz um efeito ruim sobre a so- Proporcionalidade. Confissão espontânea
ciedade de uma maneira geral, configurando não demonstrada. TJSP (Em. 96/52)............ 190
medida contraproducente do ponto de vista
SURSIS
de política criminal. STF (Em. 96/56).......... 191
- Ausência de fixação de condição para o segun-
R do ano. Acórdão que estabeleceu pena para
os 2 anos. Tendo a única reforma da sentença
REABILITAÇÃO ocorrido apenas em relação ao primeiro ano
- Crime militar. Art. 654 do CPPM. Crime do do sursis, deve ser mantida a condição esta-
art. 210 do CPM. Preenchimento integral dos belecida para o segundo ano. TJMG (Em.
requisitos legais. Arts. 651 e 652 do CPPM. 96/53).............................................................. 190
Manutenção da reabilitação concedida. STM
(Em. 96/48)..................................................... 189 T
RECEPTAÇÃO TELECOMUNICAÇÃO
- Prisão preventiva. Arts. 180, caput, e 311, - Internet clandestina. Serviço de comunicação
caput, c/c o art. 14, II, todos do CP. Liber- multimídia. Conduta típica. Materialidade,
dade provisória. Cabimento. Réu primário. autoria e dolo comprovados. Nova dosime-
Recomendação 62/2020. Tratando-se de réu tria. Comprovada a existência de serviço de
primário, preso preventivamente, há mais telecomunicações, confirma-se a incidência
de noventa dias, pela prática de crimes sem do tipo penal previsto no art. 183 da Lei
violência ou grave a ameaça a pessoa e, ainda, 9.472/97. TRF 2ª R. (Em. 96/12)................... 177
não subsistindo os motivos ensejadores da
segregação, impositiva a soltura provisória. TÓXICOS
TJRS (Em. 96/47)........................................... 189 - Acórdão do STJ – Tráfico. Condenação
transitada em julgado. Revisão criminal.
RECEPTAÇÃO DOLOSA
Diminuição da pena-base. Aumento do per-
- Desclassificação para a modalidade culposa. centual pelo reconhecimento da reincidência.
Inviabilidade. Ciência da origem ilícita. Situação final não agravada. Pena diminuída.
Conjunto fático-probatório eficaz. Redução Inexistência de reformatio in pejus ou afronta
da pena-base ao mínimo legal. TJAC (Em. ao art. 617 do CPP......................................... 149
96/49).............................................................. 189
- Prisão em flagrante. Art. 290 do CPM. Prisão
ROUBO preventiva. Ausência do periculum libertatis.
- Pena. Majorante do art. 157, § 2º-A, I, do CP. Deferimento de liminar. Manifestação pelo
Dúvida quanto ao emprego. Não configura- trancamento do IPM pela PGJM por ausência
ção. Redução do aumento pelas majorantes e de termo de apreensão da substância entorpe-
fixação de regime inicial semiaberto. Regime cente. Desnecessidade. STM (Em. 96/46).... 188
prisional. Fixação do mais severo com base na - Tráfico. Pena. Compensação. Confissão.
gravidade abstrata do crime. Alteração para o Reincidência. Utilização da confissão para
semiaberto. Compatível com a pena imposta configurar a autoria. Se a confissão informal
e primariedade dos réus. TJSP (Em. 96/51). 189 do agravado aos policiais acerca da subtração
patrimonial, no momento da prisão em fla-
S grante, foi utilizada como fundamento pelo
Tribunal de origem para manter a sua con-
SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA denação, é devida a incidência da respectiva
MEDIANTE PRESENÇA DE atenuante. STJ (Em. 96/55)........................... 190
CRIANÇA - Tráfico. Pena. Pleito de afastamento do redu-
- Ciência da condição etária da vítima. Pleito de tor previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.
desclassificação para o delito de ato obsceno. Para provimento da tese recursal, no sentido
Impossibilidade. Ato libidinoso praticado na de que a ré não preenche os requisitos para a
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 96 – Jun-Jul/2020 203

concessão do redutor do art. 33, § 4º, da Lei de unificação das penas de detenção e reclu-
11.343/06, mostra-se, no caso, imprescindível são, com votação não unânime. Alegação
o reexame dos elementos fático-probatórios de excesso de execução. Inocorrência. So-
dos autos, o que é defeso em âmbito de brevindo condenação em dois crimes cujas
recurso especial, em virtude do disposto na penas cominadas são de detenção e reclusão,
Súmula 7 desta Corte. STJ (Em. 96/54)....... 190 o art. 111 da LEP expressamente autoriza a
- Tráfico. Pequena quantidade. Ilegalidade unificação para fins de execução da pena.
da prisão preventiva. Ordem concedida de TJES (Em. 96/18)........................................... 179
ofício. A prisão preventiva de jovem com 27 USO DE DOCUMENTO FALSO
anos de idade, primário, pelo tráfico de pe-
quena quantidade de entorpecentes (104,72 - Descaminho. Consunção. Possibilidade. O
g de cocaína) produz um efeito ruim sobre potencial lesivo das Declarações de Impor-
a sociedade de uma maneira geral, configu- tação contendo dados inverídicos se exauriu
rando medida contraproducente do ponto de no delito de descaminho, uma vez que, da
vista de política criminal. STF (Em. 96/56).. 191 leitura da exordial, este era o crime-fim que
os réus buscavam executar. TRF 2ª R. (Em.
- Tráfico privilegiado. Pena. Cabível o redutor
96/61).............................................................. 192
do tráfico privilegiado, diante do cumpri-
mento dos requisitos do art. 33, § 4º, da Lei - Flagrante preparado. Não ocorrência. Subs-
de Drogas. Imposição do regime mais bran- tituição da pena. Regra do art. 44, § 2º, do
do, diante da primariedade e da quantidade CP. Falsidade documental comprovada pelo
de pena imposta. Viável a substituição da laudo pericial acostado aos autos. Utilização
pena privativa de liberdade por restritivas de dos documentos contrafeitos na agência da
direito. Novo art. 28-A do CPP. Acordo de Caixa Econômica Federal como identificação
não persecução penal. Cabimento. Remessa pessoal e para a abertura de contas bancárias
dos autos ao MP para análise de eventual comprovada pelo auto de prisão em flagrante,
proposta de acordo. TJSP (Em. 96/58)......... 191 pela prova testemunhal colhida em juízo e
pelas fichas de abertura de conta utilizadas
TRÁFICO INTERNACIONAL DE
na consecução do delito. A aplicação de dois
PESSOAS substitutivos penais na sentença condenatória
- Exploração sexual de mulheres. Ultra- encontra-se em consonância com o men-
atividade do art. 231 do CP e adequada cionado dispositivo legal. TRF 2ª R. (Em.
interpretação do art. 149-A do CP. Lei 96/60).............................................................. 191
11.344/2016. Abolitio criminis. Após o advento
- Uso de atestado médico ideologicamente
da Lei 13.344/2016, somente haverá tráfico
falso para justificar ausência no trabalho.
de pessoas com a finalidade de exploração
Provadas a autoria e a materialidade do delito,
sexual, em se tratando de vítima maior de
de rigor a manutenção do édito condenatório.
18 anos, se ocorrer ameaça, uso da força,
TJSP (Em. 96/59)........................................... 191
coação, rapto, fraude, engano ou abuso de
vulnerabilidade, num contexto de exploração
do trabalho sexual. No caso, o Tribunal a V
quo entendeu que as supostas vítimas saíram
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
voluntariamente do país, manifestando con-
sentimento de forma livre de opressão ou de - Vias de fato. Âmbito doméstico e familiar
abuso de vulnerabilidade (violência, grave contra a mulher. Reconciliação do casal.
ameaça, fraude, coação e abuso). STJ (Em. Irrelevância. Fixação de indenização à vítima.
96/57).............................................................. 191 Art. 387, IV, do CPP. Necessidade. TJAC
(Em. 96/62)..................................................... 192
U - Violação de domicílio. Ameaça. Vias de fato.
Descumprimento de medidas protetivas.
UNIFICAÇÃO DE PENAS Liberdade concedida, sem prejuízo da ma-
- Embargos infringentes e de nulidade. Agravo nutenção das medidas protetivas de urgência.
em execução que entendeu pela possibilidade TJRS (Em. 96/63)........................................... 192
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e inglês. O sumário contendo os tópicos em que se divide o artigo deverá estar
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