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Revista Nacional de
Direito de Família e Sucessões
Ano IX – Nº 52
Jan-Fev 2023
Classificação Qualis/Capes: A4
Editor
Fábio Paixão
Coordenador
Mário Luiz Delgado
Conselho Editorial
Álvaro Villaça Azevedo – Águida Arruda Barbosa – Cibele Pinheiro Marçal Tucci
Débora Brandão – Débora Gozzo – Fernanda Tartuce – Gilberto Fachetti Silvestre
Guilherme Calmon Nogueira da Gama – Jones Figueirêdo Alves – Luis Felipe Salomão
Maria Helena Braceiro Daneluzzi – Marília Xavier – Pablo Malheiros da Cunha Frota
Paula Victor (Portugal) – Rodolfo Pamplona Filho – Rodrigo Mazzei
Rodrigo Toscano de Brito – Rui Portanova – Ursula Basset (Argentina)
A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores.
As íntegras dos acórdãos aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto ao
órgão competente do respectivo Tribunal.
A editoração eletrônica foi realizada pela Editora Magister, para uma tiragem de 5.000 exemplares.
v. 52 (jan./fev. 2023)
ISSN 2358-3223
CDU 347.6(05)
CDU 347.65(05)
EDITORA MAGISTER
Diretor: Fábio Paixão.
Comissão de Estudos de Direito de Família e das Sucessões: Águida Arruda Barbosa, Álvaro Villaça Azevedo, Caetano Lagrasta,
Carolina Scatena do Valle, Cassio Sabbagh Namur, Cibele Pinheiro Marçal Tucci, Clarissa Bernardo, Cláudia Stein Vieira, Débora
Brandão, Débora Gozzo, Fernanda Tartuce, Flávio Murilo Tartuce Silva, Gabriele Tusa, Jones Figueirêdo Alves, José Fernando Simão,
Marco Antonio Fanucchi, Maria Fernanda Vaiano S. Chammas, Mário Luiz Delgado, Natalia Imparato, Renata Mei Hsu Guimarães,
Renata Silva Ferrara, Silvano Andrade do Bonfim, Valeria Lagrasta Luchiari.
Jurisprudência Comentada
1. Superior Tribunal de Justiça – Adoção. Destituição do Poder Familiar e
Abandono Afetivo. Cabimento. Exame das Específicas Circunstâncias
Fáticas da Hipótese. Criança em Idade Avançada e Pais Adotivos Idosos.
Ausência de Vedação Legal que Deve Ser Compatibilizada com o Risco
Acentuado de Insucesso da Adoção. Notória Diferença Geracional.
Necessidade de Cuidados Especiais e Diferenciados. Provável Ausência
de Disposição ou Preparação dos Pais. Ato de Adoção de Criança em
Avançada Idade que, Conquanto Louvável e Nobre, Deve Ser Norteado
pela Ponderação, Convicção e Razão. Consequências Graves aos
Adotantes e ao Adotado. Papel do Estado e do Ministério Público no
Processo de Adoção
Relª p/o Ac. Minª Nancy Andrighi.......................................................................... 173
– STJ Fixa Indenização por Danos Morais em Decorrência do
Abandono Afetivo dos Pais Adotivos em Relação à Criança Adotada
Amanda Danyane de Almeida Silva, Anna Beatrice Silva Dantas e
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas................................................................. 196
Doutrina
pátrio está no ser, quando se tem como valor máximo no sistema a tutela da
pessoa humana, expresso no art. 1º, III, da Constituição da República1.
Tendo em vista que a tutela da existência e de todos os seus meandros
se reveste de status constitucional, os direitos ligados à personalidade, essen-
cialmente aqueles listados no inciso X do art. 5º da Constituição Federal
(intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas), terão proteção plena.
De fato, após o advento da Constituição Cidadã, ao direito privado se
passou a incorporar de maneira ainda mais evidente contornos constitucionais.
Podemos dizer, desse modo, que o direito civil que trate das questões ligadas
à personalidade é direito privado constitucional. E não poderia ser diferente,
diante da evidente estruturação que a Constituição Federal concede a toda a
sistemática jurídica.
A análise da questão ligada à personalidade e aos direitos a ela inerentes,
assim, sempre deverá ser verificada sob aspectos constitucionais. E, desse
modo, como a Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa humana
como um de seus valores primordiais (art. 1º, III), a proteção aos aspectos da
personalidade necessariamente deve ter essa perspectiva. Com efeito:
“A ampliação da tutela da pessoa nas relações privadas se intensificou espe-
cialmente nas últimas décadas, quando a agenda do Direito Civil assumiu
como prioritária a tarefa de repensar seus instintos tradicionais de modo a
adequá-los ao comando constitucional de 1988, que tem na dignidade da
pessoa humana um dos fundamentos da República.”2
1 MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 3.
2 CASTRO, Thamis Dalsenter Viveiros de. Desafios para a tutela do Direito de não saber: corpo, autonomia e priva-
cidade. In: TEPEDINO, Gustavo; MENEZES, Joyceane Bezerra de. Autonomia privada, liberdade existencial e direitos
fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 191.
3 KOHLER. Ueber die interpretation von Gesentzen. In: Zeitschrift f.d. Priv. und off. Recht d. Gegenwart, Bd. XIII, Viena,
1885. In: DEL VECHIO, Giorgio. Princípios gerais do direito. Tradução de Fernando de Bragança. Belo Horizonte:
Leider, 2003. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2016.
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4 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do direito civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.).
Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 8.
5 DELGADO, Mário Luiz. Direitos da personalidade nas relações de família. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
FAMÍLIA, 5., 2005, Belo Horizonte. Anais (...). Belo Horizonte: IBDFAM Nacional, 2005. p. 42.
6 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; MENEZES, Joyceane Bezerra de. Gênero, vulnerabilidade e autonomia: repercussões
jurídicas. Indaiatuba: Foco, 2020. p. 353.
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7 BRASIL. Supremo Tribunal Justiça. Recurso Especial nº 1.487.089/SP. Recurso Especial. Ação de indenização por danos
morais. Comentário realizado por apresentador de programa televisivo, em razão de entrevista concedida por cantora
em momento antecedente. Instâncias Ordinárias que afirmaram a ocorrência de ato ilícito ante agressividade das
palavras utilizadas e, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, determinaram a responsabili-
zação civil do réu pelos danos morais suportados pelos autores, aplicando verba indenizatória no montante de R$
150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Irresignação do réu. Relator: Sr. Ministro Marcos Buzzi. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201487089.pdf. Acesso em: 23 jan. 2023.
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entende que o embrião, por si só, não é dotado de vida humana. Só será se
houver intervenção para tanto, com implementação no útero materno e de-
senvolvimento regular da gestação.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a ADI, por fim
consagrou que o embrião não é entidade dotada de personalidade, já que:
“Se é assim, ou seja, cogitando-se de personalidade numa dimensão biográfi-
ca, penso que se está a falar do indivíduo já empírica ou numericamente agre-
gado à espécie animal-humana; isto é, já contabilizável como efetiva unidade
ou exteriorizada parcela do gênero humano. Indivíduo, então, perceptível
a olho nu e que tem sua história de vida incontornavelmente interativa.
Múltipla e incessantemente relacional. Por isso que definido como membro
dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o Direito.”8
8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/DF. Constitucional. Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Lei de Biossegurança. Impugnação em bloco do art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março
de 2005 (Lei de Biossegurança). Pesquisas com células embrionárias. Inexistência de violação do direito à vida.
Constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos. Desca-
racterização do aborto. Normas constitucionais conformadoras do direito fundamental a um avida digna, que passa
pelo direito à saúde e ao planejamento familiar. Descabimento de utilização da técnica de interpretação conforme
para aditar à lei de biossegurança controles desnecessários que implicam restrições às pesquisas e terapias por elas
visadas. Improcedência total da ação. Relator: Min. Ayres Britto. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso em: 23 jan. 2023.
9 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 65.
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10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 188.
11 SCHREIBER, Anderson et al. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 14.
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12 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de direito civil. v. 7. São Paulo: RT, 2017. p. 138.
13 SCHEREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 32.
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nalidade precisa ser encarada em sua mais moderna tradução, que perpasse
sempre na sua análise associada sob o viés da dignidade e da responsabilidade,
já que é somente com essa trilogia que será possível que cada pessoa construa,
de fato, autonomia em todas as suas potencialidades14.
Nesse contexto que entra em voga a liberdade de planejamento familiar
com a opção pela esterilização. De fato, caberá ao indivíduo e somente a ele a
decisão e o consentimento para o procedimento, sendo vedada a esterilização
compulsória.
Para que se permitisse a realização da esterilização, deve-se ter capacida-
de civil plena; ser maior de 21 anos de idade (a Lei nº 14.443/2022 diminuiu
a idade mínima, de 25 para 21 anos, além de ter revogado o § 5º do art. 10
da Lei nº 9.263/96, que exigia o consentimento expresso dos cônjuges para a
realização do procedimento de esterilização) ou ter, pelo menos, dois filhos
vivos e deve ser observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação
de vontade e o ato cirúrgico. Além disso, dever-se-ia propiciar à pessoa acesso
a serviço de regulação de fecundidade e o aconselhamento por equipe mul-
tidisciplinar, sempre com o objetivo de desencorajar a esterilização precoce.
Tais limitações legais, acertadamente, vêm tendo a sua constituciona-
lidade questionada no STF (ADI 5.911/DF), em razão de elas representarem
ofensas à liberdade individual e constituírem indevida interferência estatal
na autonomia privada do cidadão. A Lei nº 14.443/2022 trouxe avanços, ao
diminuir a quantidade de exigências, como dito acima, mas não foi capaz de
extirpar do texto legal as imposições que caracterizam uma excessiva ingerência
do Estado no âmbito familiar.
Considerando-se o conceito de família eudemonista, que preza pela
autonomia entre os membros, impor que se tenha certa idade ou determina-
do número de filhos para poder realizar-se a esterilização é ferir a liberdade
do indivíduo de controlar o seu planejamento familiar, violando os preceitos
constitucionais que garantem a proteção aos direitos reprodutivos ligados
à livre disposição sobre o próprio corpo e à proteção ao livre planejamento
familiar (§ 7º do art. 226 da Constituição Federal)15-16. Aliás, o próprio texto
constitucional parece ignorar o fato de que não é necessária a existência de
14 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Autonomia existencial. In: TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato.
Teoria geral do direito civil: questões controvertidas. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 159.
15 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas.”
16 STRAPASSON, Kamila Maria; BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. A inconstitucionalidade do condicionamento
da esterilização voluntária ao consentimento de terceiro. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 59, n.
234, p. 139-160, abr./jun. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/59/234/ril_v59_n234_p139.
p. 156. Acesso em: 23 jan. 2023.
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17 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Suprimento Judicial nº 0000991-66.2014.8.26.0654. Curador provisório que
pede a esterilização da interditada. Acolhimento. Possibilidade. Interpretação história e teleológica do Decreto nº
6.949, que promulga a convenção internacional sobre direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo.
Decisão reformada. Recurso provido. Relator: Álvaro Passos. 2014.
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18 Nesse ponto, vale conferir o Enunciado nº 276 do Conselho da Justiça Federal, que dispõe: “O art. 13 do Código
Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração
do prenome e do sexo no Registro Civil”.
19 SCHEREIBER, op. cit., p. 44.
20 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. OMS retira a transexualidade da lista de doenças mentais. Brasília: Nações
Unidas no Brasil, 2019. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/83343-oms-retira-transexualidade-da-lista-de-
doencas-mentais. Acesso em: 23 jan. 2023.
21 MENEZES, Joyceane Bezerra de; LINS, Ana Paola de Castro e. Identidade de gênero e transexualidade no direito
brasileiro. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 17, p. 17-41, jul./set, 2018, p. 25-26.
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22 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1001264-70.2021.8.26.0011/SP. Plano de saúde. Negativa
de realização de cirurgia de redesignação sexual. Pleito cumulado com indenização por danos morais. Procedência
decretada. Descabimento. Procedimento meramente estético, sem qualquer comprovação de que sua falta colo-
caria em risco a saúde da beneficiária do plano. Laudos médicos, que ao oposto, atestam que a autora não possui
quaisquer sinais, sintomas ou indícios clínicos de transtorno mental. Adequação do corpo físico da paciente à sua
orientação sexual que não encontra cobertura, em plano voltado à manutenção da saúde. Apelo provido. Relator:
Galdino Toledo Júnior. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Neddif/Jurisprudencia/TJSP-
Ap-1001264-70.2021.8.26.0011.pdf. Acesso em: 23 jan. 2023.
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Significa dizer que muitas pessoas que nascem com genitálias biologi-
camente características a determinado gênero se veem e se reconhecem como
pertencentes a gênero diverso, ou a gênero algum (a gêneros, ou não binários).
A realidade se impôs, e a própria linha cartesiana que separa o feminino do
masculino passou a ser questionada:
Nada mais natural que o direito, diante dessa nova realidade, passasse
a dispor de normas que fossem voltadas à tutela dos indivíduos, sempre que
houvesse o fato social “alteração de gênero”. Mas isso não aconteceu sem que
houvesse grandes tropeços.
Em 1978, o médico Roberto Farina chegou a ser condenado a dois
anos de prisão, por lesão corporal, por ter realizado, com consentimento da
paciente, cirurgia de transgenitalização. A sentença só foi revertida em sede
de recurso, após a paciente apresentar uma carta relatando que a cirurgia a
“libertou”, e criou-lhe “asas novas para a vida”25.
Décadas depois, em 1997, o STF negou à atriz Roberta Close – nacio-
nalmente conhecida como uma mulher transexual – o direito de mudar de
23 SANCHES, Patrícia Corrêa. Mudança de nome e da identidade de gênero. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.).
Diversidade sexual e direito homoafetivo. 3. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 462.
24 PRECIADO, Paul Beatriz. Texto junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1 edições,
2018. p. 114.
25 ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL. Primeira trans a realizar cirurgia de mudança
de sexo no Brasil foi chamada de “eunuco estilizado” na justiça. Brasília: ANOREG, [20--]. Disponível em: https://www.
anoreg.org.br/site/clipping-migalhas-primeira-trans-a-realizar-cirurgia-de-mudanca-de-sexo-no-brasil-foi-chamada-
de-eunuco-estilizado-na-justica/. Acesso em: 23 jan. 2023.
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nome e de gênero, nos seus registros civis, sob o frágil argumento de que ela
continuava produzindo hormônios masculinos26. Somente em 2005, a atriz
conseguiu, efetivamente, retificar os seus registros, para adequá-los à sua
verdadeira identidade de gênero27.
Durante muitos anos, pessoas transexuais eram obrigadas a manter os
nomes que lhes foram atribuídos pelos seus respectivos pais, causando-lhes,
naturalmente, um constrangimento absurdo. Inclusive, mesmo após passar
a permitir a mudança de nome, por muito tempo, a jurisprudência exigia,
como pré-requisito, a realização da cirurgia de transgenitalização (ainda que
esse não fosse o desejo do indivíduo). Nesse sentido, veja-se a ementa do
acórdão de 2007 do TJSP:
26 FREITAS, Silvana de. Recurso para mudança de nome de Roberta Close é negado no STF. São Paulo: Folha de São Paulo,
1997. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/2/22/cotidiano/16.html. Acesso em: 23 jan. 2013.
27 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Roberta Close é mulher, afirma justiça. Belo Horizonte:
IBDFAM, 2005. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/117/Roberta+Close+%C3%A9+mulher
,+afirma+Justi%C3%A7a. Acesso em: 23 jan. 2023.
28 FACHIN, Luiz Edson. O corpo do registro no registro do corpo: mudança de nome e sexo sem cirurgia de rede-
signação. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 1, jul./set. 2014. p. 41.
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naquilo que vai sendo e naquilo que virá a ser”29, ou seja, a personalidade é
algo em constante desenvolvimento/mudança, e o direito deve assegurar que
esse processo constante se dê sem interferências, com o máximo de liberdade
e autonomia.
Foi o que se deu em 2018, quando do julgamento da ADI 4.275/DF.
Por meio do julgamento da referida ADI, o STF reconheceu o direito dos
transgêneros de, se assim desejarem, substituir o prenome e gênero dire-
tamente no registro civil, independentemente da realização de cirurgia de
transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais, como se observa
da seguinte ementa:
voz, sendo certo que, tal como nos ensinam Rosa e Nelson Nery, pode ser
analisada sob dois ângulos: a) a imagem como fama, como os caracteres his-
tóricos bibliográficos de uma pessoa e b) a imagem retrato, que evoca o perfil
compactado da sensibilidade humana30.
Com efeito, a imagem humana é direito da personalidade que goza de
proteção. Nos termos do art. 20 do Código Civil, salvo se autorizadas, ou se
necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a
divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição
ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu reque-
rimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra,
a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
A grande crítica que se faz ao dispositivo é o fato da associação da ima-
gem à honra para que goze de proteção. Parece-nos, todavia, equivocado o
entendimento, pois, se assim fosse, sempre que alguém precisasse proteger
sua imagem necessitaria comprovar dano prévio ao pedido de tutela, o que não
parece razoável, notadamente em razão de o ordenamento jurídico brasileiro
prever a tutela inibitória (parágrafo único, do art. 497 do CPC/2015)31, que
justamente visa a evitar danos iminentes, antes mesmo que eles ocorram.
Nesse sentido, aliás, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal em
sua Súmula nº 403: “a proteção à imagem é plena independente de prova de
uso para fins comerciais”.
Na era da exposição, a tutela da privacidade e da intimidade nunca
foram tão urgentes. Com efeito:
“A relevância dos chamados direitos da personalidade, no momento atual,
decorre também de outros fatores sociais. De um lado, provém da explosão
qualitativa e quantitativa de meios de comunicação de massa invasores,
progressivamente direcionados a desconsiderar vidas particulares; de outro
lado, do fato de que numerosas relações sociais, antes entendidas como
parte de sistema extrajurídico, foram sendo crescentemente juridicizadas.”32
33 ARAUJO, Bruno; SOTO, Cesar. Nissim Ourfali: Justiça determina que Google tire do ar vídeos sobre garoto. São
Paulo: G1 Globo, 2016. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/03/nissim-ourfali-justica-
determina-que-google-tire-do-ar-videos-sobre-garoto.html. Acesso em: 23 jan. 2023.
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“A barreira física dos portões fechados não é mais suficiente para fornecer
a tutela plena das relações íntimas. A ideia de que a vida privada encontra
guarida intramuros torna-se insípida e desatualizada a partir do momento
em que o advento da internet e de todas as interações permitidas por ela
trouxeram o campo das relações sociais para o interior do lar, levando a uma
demolição das fronteiras espaciais da privacidade (tal qual concebidas por
Warren e Brandeis), ou, quando ao menos, exigindo sua reestruturação.”35
34 BARBOSA, Fernanda Nunes. Biografias e liberdade de expressão: critérios para a publicação de histórias de vida. Porto
Alegre: Arquipélago, 2016. p. 217.
35 LACERDA, Luiz Augusto Castello Branco de; FILPO, Kleber Paulo Leal. Proteção do direito à vida privada na
sociedade da hiperexposição: paradoxos e limitações empíricas. Civilistica.com, v. 7, n. 1, p. 1-31, 5 maio 2018.
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Para fins de proteção plena, a honra deve ser entendida em sua inteireza,
com ambos os atributos assegurados. De fato, consideramos honra objetiva
aquele juízo que terceiros fazem acerca dos atributos de alguém. Já a honra
subjetiva, por sua vez, é o juízo que determinada pessoa faz acerca de seus
próprios atributos, aqui levados em consideração aqueles elementos mais
intrínsecos da mente humana.
Levando o tema ao direito das famílias, muito se discute sobre a re-
paração da violação à honra no contexto de violação do dever de fidelidade.
Parte da doutrina sustenta que, o casamento, como comunhão de vida entre
os cônjuges, pressupõe a incoercibilidade dos deveres conjugais, pois toda a
pretensão dirigida à sua execução forçada seria contraditória com a própria na-
tureza dos deveres conjugais, considerados “descritivos”, e não “prescritivos”38.
Apesar do acerto desse posicionamento, fato é que a responsabilidade
civil é absolutamente compatível com as relações familiares, e a família não
pode servir como um escudo às violações das quais derivem danos extrapa-
trimoniais. Exemplo disso foi o posicionamento do STJ adotado quando do
julgamento do REsp 1.159.242/SP (indenização pode danos morais por aban-
dono afetivo), que admitiu não haver “restrições legais à aplicação das regras
concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/
compensar no Direito de Família”39.
Isso não significa, porém, que toda e qualquer violação dos deveres
conjugais é ato ilícito moralmente indenizável. Em absoluto. Mas há hipóteses
em que, para além da violação do dever conjugal, há uma clara violação à honra
objetiva da pessoa, e, nessas hipóteses, é a violação ao direito da personalidade
que pode servir de fundamento de uma ação indenizatória.
É o caso, por exemplo, do cônjuge que expõe os atos de infidelidade
(não consentida) nas redes sociais, como se deu no seguinte caso, julgado
pelo TJDFT:
39 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2009/0193701-9. Apelação Cível. Direito Civil. Infidelidade
Conjugal. Prova. Ofensa a atributo da personalidade. Dano moral configurado no caso. Relator: Minª Nancy An-
drighi. Data de Julgamento: 24 abr.2012. Data de Publicação: 10 mai. 2012. RDDP, vol. 112, p. 137 RDTJRJ, vol.
100, p. 167, RSTJ, vol. 226, p. 435.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 25
4 Considerações Finais
A constitucionalização do direito privado é um movimento sem retor-
no. O direito civil, especialmente quando trata de questões do ser, não pode
descolar-se dos preceitos constitucionais de tutela e proteção, especialmente
da dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto é que o presente trabalho reuniu características de cada
um dos direitos da personalidade tutelados no texto constitucional, buscando
analisar pontos controvertidos sobre cada um dos direitos e alguns julgados
pontuais que trouxessem questões interessantes acerca da temática, sempre
relacionada ao direito das famílias.
Por ocasião da definição da personalidade, ficou pontuada a sua con-
ceituação, o seu início, perpassando pela discussão acerca do nascituro e do
embrião. A personalidade da criança também foi tratada, com sua particular
proteção plena destinada ao ser humano em desenvolvimento.
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TITLE: The personality rights and the family law: points of convergence.
ABSTRACT: This article aims to carry out a non-conclusive analysis of issues related to personality rights,
within the context of family relationships, considering some paradigmatic and judged cases related to each
of the topics. Observing the issue of protection of the human being from the perspective of constitutional
civil law, it analyzes the rights of the personality and their extension within the context of the study of
family law, with emphasis on the name (in the case of transsexuals/transgenders), image, privacy and
intimacy (cases of sharenting), honor (case of indemnity for moral damages, in the case of infidelity) and
physical integrity (cases of gender reassurance procedures).
5 Referências Bibliográficas
ARAUJO, Bruno; SOTO, Cesar. Nissim Ourfali: Justiça determina que Google tire do ar vídeos sobre
garoto. São Paulo: G1 Globo, 2016. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/03/
nissim-ourfali-justica-determina-que-google-tire-do-ar-videos-sobre-garoto.html. Acesso em: 23 jan. 2023.
ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL. Primeira trans a realizar cirurgia de
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1001264-70.2021.8.26.0011/SP. Plano de saúde.
Negativa de realização de cirurgia de redesignação sexual. Pleito cumulado com indenização por danos
morais. Procedência decretada. Descabimento. Procedimento meramente estético, sem qualquer com-
provação de que sua falta colocaria em risco a saúde da beneficiária do plano. Laudos médicos, que ao
oposto, atestam que a autora não possui quaisquer sinais, sintomas ou indícios clínicos de transtorno
mental. Adequação do corpo físico da paciente à sua orientação sexual que não encontra cobertura, em
plano voltado à manutenção da saúde. Apelo provido. Relator: Galdino Toledo Júnior. Disponível em:
https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Neddif/Jurisprudencia/TJSP-Ap-1001264-70.2021.8.26.0011.
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Infidelidade Conjugal. Prova. Ofensa a atributo da personalidade. Dano moral configurado no caso. Re-
lator: Minª Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 24 abr.2012. Data de Publicação: 10 mai. 2012. RDDP,
vol. 112, p. 137 RDTJRJ, vol. 100, p. 167, RSTJ, vol. 226.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Suprimento Judicial nº 0000991-66.2014.8.26.0654. Curador provisório
que pede a esterilização da interditada. Acolhimento. Possibilidade. Interpretação história e teleológica do
Decreto nº 6.949, que promulga a convenção internacional sobre direitos das pessoas com deficiência e
seu protocolo facultativo. Decisão reformada. Recurso provido. Relator: Álvaro Passos. 2014.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 27
BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Recurso Especial nº 1.487.089/SP. Recurso Especial. Ação de indenização
por danos morais. Comentário realizado por apresentador de programa televisivo, em razão de entrevista
concedida por cantora em momento antecedente. Instâncias Ordinárias que afirmaram a ocorrência de ato
ilícito ante agressividade das palavras utilizadas e, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa
humana, determinaram a responsabilização civil do réu pelos danos morais suportados pelos autores,
aplicando verba indenizatória no montante de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Irresignação
do réu. Relator: Sr. Ministro Marcos Buzzi. Disponível em: https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/DF. Constitucional. Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Lei de Biossegurança. Impugnação em bloco do art. 5º da Lei nº 11.105, de
24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança). Pesquisas com células embrionárias. Inexistência de violação do
direito à vida. Constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins
terapêuticos. Descaracterização do aborto. Normas constitucionais conformadoras do direito fundamental
a um avida digna, que passa pelo direito à saúde e ao planejamento familiar. Descabimento de utilização
da técnica de interpretação conforme para aditar à lei de biossegurança controles desnecessários que im-
plicam restrições às pesquisas e terapias por elas visadas. Improcedência total da ação. Relator: Min. Ayres
Britto. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723.
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1 Introdução
Historicamente, o casamento se revelava essencial e fundante da ins-
tituição familiar. A família era família porque era matrimonializada2. Como
1 Trabalho originalmente desenvolvido no âmbito do Eixo das Famílias do Núcleo de Estudos em Direito Civil
Constitucional do PPGD/UFPR (Grupo Virada de Copérnico).
2 “O nosso sistema jurídico, desde sua origem, conquanto reconhecida a existência do concubinato como fato social
incontornável, sempre se mostrou extremamente resistente à outorga de efeitos positivos à relação extramatrimonial.
(...) Com este quadro, identificada a família com a figura exclusiva do casamento, excluída da ordem jurídica qualquer
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
30
outra forma de agrupamento, toda a sua regulamentação destinava-se exclusivamente ao matrimônio, tratando o
concubinato como situação a latere, velada e restritiva de direitos.” (CAHALI, F. J. Contrato de convivência na união
estável. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 2-3)
3 Nesse sentido, o art. 72, § 4º, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: “A Republica só
reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”.
4 Encontra-se um interessante estudo histórico sobre os reflexos da regulação jurídica da relação de família na sub-
missão da mulher, especialmente patrimonial, em: COUTO E SILVA, C. V. Direito patrimonial de família. Revista
da Faculdade de Direito da UFRGS, ano 5, n. 1, p. 39-51, 1971.
5 No Código Civil de 1916, que vigorava até a poucas décadas: (a) a mulher casada era relativamente incapaz (art. 6º,
II), o que vigorou até 1962, quando aprovado o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62); (b) o art. 233 conferia
apenas ao homem o poder de chefiar a sociedade conjugal; (c) obrigava a mulher a adotar o patronímico do marido
(art. 240); (d) era exigida autorização do marido para que a mulher exercesse profissão fora do lar, inclusive em
cargo público, e mesmo para que litigasse em juízo (art. 242 IV, V, VII, VII); (e) o pátrio poder competia apenas ao
homem (art. 380); (e) a mulher viúva que contraísse novas núpcias perdia o poder familiar; (f) a descoberta de que
a noiva não era virgem permitia ao homem anular o casamento por erro essencial; (g) a filha “desonesta” poderia
ser deserdada (art. 1.744). Vide: DIAS, M. B. A mulher no Código Civil. Disponível em: http://berenicedias.com.br/
uploads/18_-_a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf. Acesso em: 16 jun. 2021; PENA, C. A. M. T. G. A desigualdade
de gênero: tratamento legislativo. Revista da EMERJ, v. 11, n. 43, p. 68-82, 2008. Disponível em: https://www.emerj.
tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista43/Revista43_63.pdf. Acesso em: 16 jun. 2021. Em alguma medida, a
longa sombra dessas normas é sentida, senão do ponto de vista normativo, ao menos do ponto de vista do tratamento
in concreto ainda por vezes discriminatório (por longa sombra faz-se alusão a: SEELAENDER, A. C. A longa sombra
da casa: Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à
modernidade. R. IHGB, Rio de Janeiro, ano 178, p. 327-424, jan./mar. 2017).
6 A esse respeito, há precioso estudo histórico sobre o tratamento dispensado às tentativas de regulação do concubinato
(quer dizer, das uniões de fato não fundadas no casamento) em: CAHALI, F. J. Contrato de convivência na união estável.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 9-25.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 31
7 “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha
do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
8 “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.”
9 Refere-se à Lei nº 6.515/77. Vale recordar que a dissolução do casamento, durante logo tempo, era juridicamente im-
possível. O desquite, embora representasse separação (das comunhões e vida e de patrimônio), não tinha aptidão de
desconstituir o vínculo matrimonial. Isso mudou, em 1977, com o advento da referida Lei. Naquela altura, a separação
era condição para o divórcio, circunstância que permaneceu inalterada na redação original da Constituição de 1988 e
inclusive com o Código Civil de 2002. Foi a superveniência da Emenda Constitucional nº 66/2010 a responsável por
tornar praticamente obsoleta a distinção entre separação e divórcio, já que viabilizou o divórcio direto (sem a necessidade
de prévia separação). A dissolução pelo divórcio, antes impossível e depois obstaculizada com a separação, hoje ganha
caracteres e natureza de direito potestativo, inclusive com acenos no sentido de autorizar e regulamentar o divórcio
impositivo (sobre o tema, ver: EISAQUI, D. D. C.; KALLAJIAN, M. C. Fundamentos para a admissibilidade do
divórcio unilateral perante o ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito Civil, v. 2, n. 1, jan./jun. 2020; SILVA,
R. B. T. Da inglória tentativa de eliminação da separação à derrotada busca do divórcio impositivo no Brasil. Revista de
Direito Notarial, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 1-31, jul./dez. 2020; TARTUCE, F. O divórcio unilateral ou impositivo. jun. 2019.
Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1342/O+div%C3%B3rcio+unilateral+ou+impositivo++).
10 O objetivo aqui não é tratar de uma relação de causa-efeito, como se o movimento histórico de formação e refor-
mação do direito decorresse, por exemplo, de um único fato histórico como a promulgação de um determinado
texto constitucional. Sem embargo, a Constituição de 1988, seja do ponto de vista histórico ou normativo, interessa
para um repensar do Direito Civil. Sobre o tema: RAMOS, A. L. A. Ensaio de uma (auto)crítica: o direito civil
contemporâneo entre a tábua axiológica constitucional e a constituição prospectiva. Pensar, Fortaleza, v. 23, n. 4, p.
1-9, out./dez. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.5020/2317-2150.2018.7599.
11 “O Direito de Família, como propugnamos desde o projeto inicial da Constituição Federal de 1988, e depois com
seus arts. 226 e 227, recebeu a maior reformulação de seus fundamentos jurídicos, adaptando-se à realidade presente
da vida brasileira. As Constituições anteriores bradavam pela proteção da família, sob a égide do casamento civil,
enquanto o povo constituía sua família pelo concubinato puro. (...) E esse trabalho [de criar condições concretas para
defender a família constituída ainda que com origem alheia ao casamento e de melhor distribuir justiça] foi realizado,
arduamente, por todos os bem-intencionados que querem adaptar as normas à realidade vivente, para que a lei não
seja um material ilusório, irreal e injusto, a aplicar-se contra o que acontece na sociedade. O espelho o passado foi
quebrado para a tentativa de uma construção jurídica mais justa e adequada à realidade presente.” (AZEVEDO, A.
V. Estatuto da família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 514-515)
12 “(...) o antigo modelo familiar conservador e patriarcal foi calamitoso e deu origem a proliferações de uniões
extramatrimoniais, abalando a antiga estrutura familiar. Sob outra vertente, a família atual tendeu-se a buscar o
afeto e felicidade, o que a tornou diversificada. Essa diversificação, decorrida das transformações dos costumes da
sociedade brasileira, permitiu a ampliação do conceito da família em âmbito constitucional, reconhecendo outras
entidades familiares, como a união de pessoas do mesmo sexo, entre outras, e equiparou à família constituída pelo
casamento a entidade familiar resultante da união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
32
descendentes, família monoparental. Passou então a existir juridicamente, com este pluralismo de constituição de
famílias, uma grande lista dos diversos arranjos familiares.” (GARCIA, P. C.; FIGUEIREDO, C. R. A. Os efeitos
patrimoniais conferidos pelo ordenamento jurídico brasileiro aplicáveis às sociedades conjugais possíveis a partir da
família constitucionalizada. Revista Bonijuris, v. 27, n. 8, p. 20-30, ago. 2015, p. 23)
13 Sobre a qualificação da união estável como ato-fato jurídico, consultar: BALBELA, J. R. P.; STEINER, R. C. União
estável como ato-fato: importância da classificação. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, v. 14, n. 28, p.
5-21, jun./jul. 2012; L LÔBO, P. A concepção da união estável como ato-fato jurídico. mar. 2014. Disponível em: https://
ibdfam.org.br/artigos/953/A+concep%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+como+ato-fato
+jur%C3%ADdico+e+suas+repercuss%C3%B5es+processuais.
14 “Ainda que não se leve em conta um cunho econômico direto no casamento, as relações patrimoniais resultam
necessariamente da comunhão de vida.” (VENOSA, S. S. Direito civil: família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. [livro
eletrônico]. 15.1)
15 VENOSA, S. S. Direito civil: família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. [livro eletrônico]. 15.1.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 33
16 “Os dados da CENSEC, central de dados do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), entidade
que congrega os cartórios de notas, confirmam a percepção comumente compartilhada entre as pessoas de que os
casais estão preferindo se juntara se casar. Os tabelionatos de notas de todo o Brasil registraram um aumento de
57% no número de formalizações de uniões estáveis de 2011 (87.085) a 2015 (136.941)” (COLÉGIO NOTARIAL
DO BRASIL – SEÇÃO SÃO PAULO. Número de uniões estáveis cresce cinco vezes mais rápido do que o de casamentos.
17/02/2017. Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/noticias/14006/numero-de-unioes-estaveis-cresce-cinco-
vezes-mais-rapido-do-que-o-de-casamentos. Acesso em: 02 set. 2021). Além disso, dados mais recentes indicam
que “Cartórios de Notas de várias regiões do país registraram média de aumento de 32% nas formalizações entre
maio e agosto [de 2020]. Com o isolamento social provocado pelo novo coronavírus, muitos brasileiros decidiram
oficializar o relacionamento em meio à quarentena. Cartórios de Notas de todo o país registraram um aumento
de 32% nas formalizações de uniões estáveis entre maio e agosto deste ano” (SENA, J. R. Uniões estáveis crescem
no país durante a pandemia. O Estado de Minas, 05/10/2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/
nacional/2020/10/05/interna_nacional,1191905/unioes-estaveis-crescem-no-pais-durante-a-pandemia.shtml. Acesso
em: 02 set. 2021). Embora os dados reflitam o crescimento no número de uniões estáveis, possível e provavelmente
a realidade é que ainda mais existam: como a união estável independe de formalização perante o oficial de registro
civil, tanto mais provável que existam centenas ou milhares de uniões não formalizadas que ostentam este status.
17 Caiu em 2,7% o número de casamento no ano de 2019, relativamente ao ano anterior (INSTITUTO BRASI-
LEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas do Registro Civil 2019, Rio de Janeiro, v. 46, p. 1-8, 2019.
Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2019_v46_informativo.pdf. Acesso
em: 02 set. 2021).
18 Refere-se à notória pandemia de SARS-CoV-2, vírus causador da nefasta covid-19. A Organização Mundial da Saúde
atesta que, em 02.09.2021, eram mais de 20 milhões de casos confirmados da doença e mais de 580 mil óbitos em
decorrência dela – apenas no Brasil. (Dados obtidos em consulta ao painel eletrônico, disponível em: https://covid19.
who.int/region/amro/country/br. Acesso em: 02 set. 2021).
19 “Mas há uma outra realidade: a morte coletiva. A morte coletiva vai além da morte individual, porque ela é, ao mesmo
tempo, a morte de nossos amigos, de nossos parentes, de nossos amados e de nós mesmos. A morte coletiva é mais do
que a soma de mortes individuais, ela é uma outra coisa. (...) Para enfrentarmos a morte coletiva atual, que se nos apre-
senta pelo coronavírus, o luto deve ser outro e o Direito deve ser outro, mas não sabemos bem o que.” (CORTIANO
JUNIOR, E. Morte individual, morte coletiva: um ensaio. In: NEVARES, A. L. M.; XAVIER, M. P.; MARZAGÃO,
S. F. [Coord.] Coronavírus: impactos no direito de família e sucessões. Indaiatuba: Foco, 2020. p. 373-380)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
34
25 Segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, no ano de 2015 foram celebrados no Brasil um total
de 893.402 casamentos (PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. Pesquisa por registros de casamento no ano de 2015 em todo
o território nacional. Disponível em: https://transparencia.registrocivil.org.br/registros. Acesso em: 17 ago. 2020). Por
outro lado, de acordo com dados colhidos pelo Colégio Notarial de São Paulo, no ano anterior (2014) foram lavra-
dos apenas 41.694 pactos antenupciais (MIGALHAS. Número de pacto antenupcial lavrados cresceu 36% no país. 2015.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/223491/numero-de-pacto-antenupcial-lavrados-cresceu-36-
no-pais. Acesso em: 17 ago. 2020). É dizer: aproximadamente 96% dos matrimônios é regulado pelo regime legal
(comunhão parcial de bens).
26 “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento,
com as exceções dos artigos seguintes.” (Art. 1.658 do CC)
27 “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber,
o regime da comunhão parcial de bens.” (Art. 1.725 do CC)
28 Dentre outras, as hipóteses arroladas nos arts. 1.659 e 1.661 do CC.
29 Hipóteses arroladas no art. 1.660 do CC.
30 Regulamentada pelos arts. 1.663 e seguintes do CC.
31 É controvertida a extensão da separação obrigatória ou legal às uniões estáveis. De um lado, argumenta-se que “se à
união estável deve ser dispensado tratamento igualitário ao casamento, nada justifica que o convivente com mais de
70 anos não deva se submeter ao regime obrigatório da separação de bens, tal e qual ocorre em relação aos cônjuges”
(FONSECA, P. M. P. C. Manual do planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Thomson Reuters, 2020. p. 54). Essa é a posição sustentada pelo Superior Tribunal de Justiça (vide julgados citados à
obra citada). Lado outro, argumenta-se que “a restrição legal da idade, consoante com a imposição do regime de sepa-
ração, inexiste no tocante à união estável, pois, se os mesmos nubentes aqui delineados optarem pela convivência em
união estável e não pelo casamento, o regime de bens aplicável àquela comunhão será a comunhão parcial de bens ou
outro regime que constar em contrato firmado pelos conviventes” (CARDOSO, D. F. Regime de bens e pacto antenupcial.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 90). A subsidiar essa última posição o argumento de que o art.
1.641 do CC, constitui regra restritiva, que deve, portanto, merecer interpretação igualmente restritiva: se restringe a
liberdade de eleição de regimes no casamento, não pode estender seus efeitos restritivos à união estável (assim: MAIA
JÚNIOR, M. G. A família e a questão patrimonial. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 255-257). Também
contrária à extensão da obrigatoriedade da separação à união estável é a doutrina de: VELOSO, Z. Separação obrigatória
de bens – controvérsias – doação entre cônjuges. In: Direito civil: temas. Belém: ANOREG/PA, 2018. p. 251.
32 Refere-se àquelas hipóteses constantes no art. 1.641, CC. A propósito, há um volume significativo de autores que
sustentam a impertinência e mesmo a inconstitucionalidade da adoção obrigatória da separação de bens em razão
da idade, e as críticas ao dispositivo chegam a ser assaz ácidas (e.g., DIAS, M. B. Mais 10! Dez. 2010. Disponível em:
http://www.berenicedias.com.br/manager/arq/(cod2_556)mais_10.pdf). É questionável a necessidade de manuten-
ção das demais normas impositivas de regime obrigatório, sobretudo pela possibilidade de resolução de eventuais
confusões patrimoniais (refere-se ao caso dos casamentos realizados a despeito da vigência de condição suspensiva)
casuisticamente e in concreto, ampliando-se os espaços de liberdade dos cônjuges ou companheiros na opção pelo
regime de bens que melhor lhes aprouver (cf. MADALENO, R. Direito de família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 781-786). Finalmente, segundo parte da literatura jurídica, é possível a celebração de pactos antenupciais
inclusive nos casos em que vigora o regime de separação obrigatória de bens, sobretudo para evitar a incidência do
enunciado da Súmula nº 377/STF, que determina a comunicabilidade dos aquestos na separação obrigatória (sobre
o tema, ver: LEITE, E. O. A “armadilha” do regime de separação de bens e a humanização do direito de família
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
36
brasileiro. Revista Brasileira de Direito Civil, Belo Horizonte, v. 17, p. 83-102, jul./set. 2018. Disponível em: https://
rbdcivil.emnuvens.com.br/rbdc/article/view/273/231; NEVARES, A. L. M. O regime de separação obrigatória de bens
e o verbete 377 do Supremo Tribunal Federal. Civilistica.com, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível
em: http://civilistica.com/o-regime-de-separaco-obrigatoria-de-bens-e-o-verbete-377-do-supremo-tribunal-federal/.
33 O Código de 1916, ao contrário da legislação vigente, proibia a mutação do regime (art. 230 do CC/1916), de modo
que “a atual mutabilidade do regime de bens do casamento constitui o ponto de chegada de uma longa evolução
teórica, fruto dos mais acalentados embates de ideais” (TUCCI, C. P. M. Aspectos patrimoniais do direito de família
no Brasil. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, n. 1, p. 37-57, jul./ago. 2014, p. 55), sendo certo afirmar
que “desacolhe a moderna doutrina a defesa intransigente da imutabilidade do regime de bens, devendo homem e
mulher gozarem da livre-autonomia privada e decidirem acerca da mudança incidental do estatuto patrimonial de
seus bens” (MADALENO, R. Direito de família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 763).
34 A doutrina controverte sobre a pertinência da manutenção deste procedimento, e, em especial, do grau de intervenção
que se pode autorizar por parte do Estado-Juiz relativamente à motivação da alteração. Ainda que a legislação refira
à exigência de motivos, parte da literatura especializada sustenta a sua inexigibilidade, especialmente em vista do
art. 1.513 do CC, que determina a mínima intervenção do Estado nas escolhas e nos planejamentos familiares (cf.
GANDRA, C. G.; SILVA, B. A. B. Regime de bens no casamento e partilha. In: TEIXEIRA, A. C. B.; RIBEIRO, G.
P. L. (Coord.). Manual de direito das famílias e sucessões. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Processo, 2017. p. 358-359;
TEPEDINO, G. Controvérsias sobre regime de bens no Novo Código Civil. Revista Brasileira de Direito das Famílias
e Sucessões, n. 2, p. 5-21, fev./mar. 2008, p. 10; FONSECA, P. M. P. C. Manual do planejamento patrimonial das relações
afetivas e sucessórias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters, 2020. p.70-71). Por outro lado, há quem limite
pelo exercício de atividade cognitiva pelo Juiz, quem “emite um juízo positivo, com referência ao reconhecimento
da relevância das causas que justificam a modificação do regime de bens, e um juízo negativo, consistente na cons-
tatação de não acarretar a citada modificação prejuízos à própria família ou a terceiros” (MAIA JÚNIOR, M. G. A
família e a questão patrimonial. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 193).
35 “(...) de modo distinto ao estipulado para a modificação do pacto antenupcial, não se há de exigir autorização judicial,
uma vez que a lei não a impõe. Com efeito, ao contrário do pacto antenupcial, o contrato patrimonial [na união
estável] pode ser celebrado por meio de instrumento particular, razão pela qual também pode ser alterado pelo mes-
mo modo, independentemente de intervenção judicial, sem embargo de não ser seu registro compulsório” (MAIA
JÚNIOR, M. G. A família e a questão patrimonial. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 226). Há uma
aparente contradição no argumento da autora citada: é que, para o casamento, também não interessa a intervenção
judicial com relação à conveniência e oportunidade da opção por regime de bens, podendo os cônjuges livremente
escolhê-lo mediante escritura pública. Se a justificativa para se exigir a averiguação da justa motivação no caso de
mutação do regime de bens do casamento é a proteção da família – como visto na nota acima – raciocínio similar
poderia e deveria aplicar-se à união estável. Em sentido similar a propósito da dispensa de autorização judicial:
FONSECA, P. M. P. C. Manual do planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Thomson Reuters, 2020. p. 74.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 37
36 O contrato de convivência não é constitutivo da união estável: como ato-fato, essa se constitui pelo exercício da
posição jurídica na forma descrita pela lei. É vazio o instrumento que pretenda, portanto, ausente a situação de fato
que se caracteriza e qualifica como união estável, constituí-la (Ibid., p. 64). No limite, o que se pode imaginar é
que o contrato de convivência tenha utilidade como prova relativa da união estável: “o contrato é uma das provas
do fato jurídico, mas não representa um instrumento jurídico de criação de uma situação jurídica entre as partes a
ser respeitada forçosamente por terceiros” (CAHALI, F. J. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 70).
37 PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: RT, 2012. t. VII. p. 314.
38 Ibid., p. 313.
39 À parte a discussão se o pacto é contrato ou simples negócio jurídico (se é o primeiro, é antes e necessariamente o
segundo), subscrevem à atribuição da natureza de negócio ao pacto: “A convenção antenupcial é o acordo contratual
que, tendo em vista a celebração do futuro casamento, se regulam relações de caráter patrimonial entre os cônjuges”
(VARELA, A. Direito da família. Lisboa: Petrony, 1987. p. 413); o pacto antenupcial ou o contrato de convivência
“trata-se de negócio jurídico utilizado pelos nubentes como instrumento formalizados do estatuto patrimonial
que regerá tanto as relações patrimoniais entre os cônjuges quanto as destes com terceiros” (MORAES, M. C. B.;
TEIXEIRA, A. C. B. Contratos no ambiente familiar. In: TEIXEIRA, A. C. B. Contratos, família e sucessões: diálogos
interdisciplinares. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 5); “O pacto antenupcial é negócio jurídico” (IANOTTI, C. C. Na-
tureza jurídica do pacto antenupcial e do casamento no direito brasileiro. In: TEIXEIRA, A. C. B. Contratos, família
e sucessões: diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 31); “(...) é com grande facilidade que se classifica o pacto
antenupcial como negócio jurídico, tanto do ponto de vista estrutural quanto do funcional” (FRANK, F. Autonomia
sucessória e pacto antenupcial: problematizações sobre o conceito de sucessão legítima e sobre o conteúdo e os efeitos
sucessórios das disposições pré-nupciais. 2017. 208 f. Tese (Doutorado) – Curso de Direito, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2017. p. 65).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
38
para sua celebração (...), sua estrutura não é determinada pela lei, cabendo,
portanto, às pessoas moldá-la de acordo com seus interesses. Terceiro e
último, porque, guardados os limites legais, verifica-se que o pacto ante-
nupcial cumpre função instrumental em relação à autonomia privada, não
se adstringindo à mera decisão de praticar ou não, o ato, mas atuando de
modo positivo na sua constituição.”40
40 FRANK, F. Autonomia sucessória e pacto antenupcial: problematizações sobre o conceito de sucessão legítima e sobre o
conteúdo e os efeitos sucessórios das disposições pré-nupciais. 2017. 208 f. Tese (Doutorado) – Curso de Direito,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. p. 65.
41 Assim: “Com relação à união estável, não há qualquer exigência quanto à forma, se pública ou particular, bastando
que cumpra as exigências do art. 104 do Código Civil, e que seja realizado por escrito” (FLEISCHMANN, S. T.
C.; FACHINI, L. S. Passado e futuro: questões sobre a possibilidade de mudança automática do regime de bens e
disciplina jurídica pretérita pelo pacto antenupcial e contrato de união estável. In: TEIXEIRA, A. C. B. Contratos,
Família e Sucessões: diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 55-56).
42 CAHALI, F. J. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 62-63. Apesar de que “na maior
parte das vezes o contrato é celebrado no curso da união estável, (...) nada obsta a que seja pactuado antes do início
da convivência, hipótese em que sua eficácia estará condicionada à efetiva verificação da situação de união estável”
(MAIA JÚNIOR, M. G. A família e a questão patrimonial. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 222).
43 Nesse sentido: “Outra particularidade do pacto antenupcial é a sua vinculação, tão estreita ao casamento que a lei
o considera nulo se a este não se seguir. Em verdade, porém, não há nulidade propriamente dita, senão ineficácia. O
casamento é condição suspensiva do pacto antenupcial; os efeitos do pacto começam, realmente, com a sua celebração
e não se produzem se os nubentes não se casam” (GOMES, O. Direito de família. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1987.
p. 170); PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: RT, 2012. t. VII. p. 349; “Trata-se de
contrato acessório ao casamento, constituindo a celebração deste um pressuposto essencial da eficácia da convenção”
(VARELA, A. Direito da família. Lisboa: Petrony, 1987. p. 414).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 39
44 Além da citação, compartilham desta posição, por exemplo: TUCCI, C. P. M. Aspectos patrimoniais do direito de
família no Brasil. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, n. 1, p. 37-57, jul./ago. 2014, p. 52; GANDRA, C.
G.; SILVA, B. A. B. Regime de bens no casamento e partilha. In: TEIXEIRA, A. C. B.; RIBEIRO, G. P. L. (Coord.).
Manual de direito das famílias e sucessões. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Processo, 2017. p. 348. Ao dizer que “No
plano da eficácia, o regime definido no pacto antenupcial começa a vigorar a partir da data do casamento. (...) E
poderá nunca atingi-la, se um ou ambos os nubentes desistirem do casamento” (LÔBO, P. Direito civil: famílias. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 335-336), parece que este último autor também compartilha desta postura.
45 DIAS, M. B. Manual de direito das famílias. 3. ed. em e-book baseada na 12. ed. impressa. São Paulo: RT, 2017. [livro
eletrônico]. 18.4.
46 Assim: MADALENO, R. Direito de família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 756-758; “o pacto tem eficácia para
regular a união estável que se estabeleceu entre os que manifestaram vontade válida e não a revogaram, no limite da
conduta leal das partes (CC, arts. 421 e 422)” (NERY, R. M. A. Instituições de direito civil: família. 1. ed. em e-book
baseada na 1. ed. impressa. São Paulo: RT, 2015. [livro eletrônico]. Capítulo VI, 5.1); “se o casamento não ocorrer,
mas os pactuantes passarem a conviver em união estável, as regras firmadas no pacto antenupcial serão eficazes, pois
o negócio realizado será considerado contrato de convivência, proclamando para tanto, o art. 170 do CC/02, que
prevê o aproveitamento da vontade manifestada, de forma a permitir a conversão substancial do negócio jurídico”
(IANOTTI, C. C. Natureza jurídica do pacto antenupcial e do casamento no direito brasileiro. In: TEIXEIRA, A.
C. B. Contratos, família e sucessões: diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 32); MAIA JÚNIOR, M. G.
A família e a questão patrimonial. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 232-233; “se os nubentes não casam,
mas passam a conviver em união estável, o pacto antenupcial será admitido como contrato de convivência entre eles,
respeitando a autonomia privada” (FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Curso de direito civil: famílias. 7. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 315); “é forçoso admitir que o ato celebrado seja aproveitado na sua eficácia como
contrato de convivência” (TARTUCE, F. Direito civil: direito de família. 14. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 174).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
40
47 Quiçá, mais apropriado fosse, em termos mais abrangentes, referir às autonomias privadas. Em Direito Comparado,
percebe-se que há uma multiplicidade de significados a ela conferidos (cf.: VICENTE, D. M. A autonomia privada
e seus diferentes significados à luz do direito comparado. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 8, ano
3, p. 275-302, jul./set. 2016).
48 “A autonomia – quer no aspecto da liberdade de exercer ou não os poderes ou faculdades de que se é titular, quer
no aspecto, mais completo, da possibilidade de conformar e compor, conjuntamente com outrem ou por pacto
unilateral, os interesses próprios – é uma ideia fundamental do direito civil.” (MOTA PINTO, C. A. Teoria geral do
direito civil. 4. ed. atual. Coimbra: Editora Coimbra, 2005. p. 58)
49 A esse respeito, consultar exemplificativamente: MOUTINHO, C. Os princípios da autonomia na terminalidade
da vida. In: EHRHARDT JÚNIOR, M.; CORTIANO JÚNIOR, E. Transformações no direito privado nos 30 anos da
Constituição: estudos em homenagem a Luiz Edson Fachin. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 185-187.
50 “A funcionalização dos institutos jurídicos significa, então, que o Direito, em particular e a sociedade, em geral,
começaram a interessar-se pela eficácia das normas e dos institutos vigentes, não só no tocante ao controle ou
disciplina social, mas também no que diz respeito à organização e direção da sociedade, através do exercício de
funções distributivas, promocionais ou inovadoras, abandonando-se a função repressiva (...).” (AMARAL NETO,
F. S. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica: perspectivas estrutural e funcional. In:
MENDES, G.; STOCO, R. (Org.). Princípios e aspectos gerais. São Paulo: RT, 2011. p. 579-606. Coleção Doutrinas
Essenciais, Direito Civil: Parte Geral. v. 2. p. 603).
51 “Trata-se não apenas da possibilidade abstrata de fazer escolhas, como também a possibilidade efetiva de se fazer o
que se valoriza, o que implica tanto a não coerção de outros indivíduos ou do grupo quanto, sobretudo, as condições
materiais para que as escolhas sejam realizadas. Mais que isso: trata-se de ampliar as possibilidades reais de escolha
e o próprio espaço daquilo que se pode valorizar.” (RUZYK, C. E. P. Liberdade(s) e função: contribuição crítica para
uma nova fundamentação da dimensão funcional do Direito Civil brasileiro. 2009. 402 f. Tese (Doutorado) – Curso
de Pós-Graduação em Direito, UFPR, Curitiba, 2009. p. 231).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 41
tem influxos e contatos com o direito de família. Essa interface, que por vezes
é conflituosa52, tem sido expandida a novos limites e fronteiras: “a autonomia
privada passou a gerar efeitos jurídicos não apenas em situações patrimoniais,
mas também existenciais”53.
Mas é “no domínio das relações patrimoniais entre os cônjuges, onde
avultam os interesses particulares dos nubentes”, que “se abrem portas ao
princípio da autonomia privada, permitindo que estes adoptem, na convenção
antenupcial, o regime de bens que melhor lhes aprouver”54-55. O pacto ante-
nupcial, como negócio jurídico, é instrumento ótimo da autonomia privada
no âmbito familiar56.
Isso posto, é necessário que se reconheçam mecanismos de tutela da
autonomia privada: é necessário levar a sério o seu exercício e seus efeitos. Isso
não significa a defesa de um retrógrado voluntarismo, algo como a aplicação
do vetusto pacta sunt servanda cega às exigências próprias do conteúdo atual da
autonomia privada. Não quer dizer que, por ser fruto da vontade, negócios
jurídicos de família mereçam aplicação tout court.
A ideia é mais simples: o negócio jurídico pacto antenupcial (ainda
que não celebrado o casamento), é negócio jurídico. Encarta uma declaração
de vontade destinada à produção de determinados efeitos jurídicos57, funda-
mentalmente o de optar por um determinado estatuto patrimonial para uma
relação existencial. Não se pode descartar, portanto, a declaração de vontade
52 Sobre isso, avaliou-se que a convivência da autonomia privada no campo do direito de família, ambiência em que
tipicamente se reconhece a existência de uma regulação cogente, revela “um paradoxo que os estudiosos do direito
têm enfrentado, posto que [sic] a família representa um lugar privado e de liberdade, mas com a imposição cada vez
mais invasiva do público, algumas vezes representado por leis, outras por decisões judiciais” (RABELO, S. M. Pacto
de convivência na união estável: disponibilidade das consequências patrimoniais decorrentes do regime convivencial.
In: TEIXEIRA, A. C. B. Contratos, família e sucessões: diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 41).
53 MORAES, M. C. B.; TEIXEIRA, A. C. B. Contratos no ambiente familiar. In: TEIXEIRA, A. C. B. Contratos,
família e sucessões: diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 2. Ver também a esse respeito: MULTEDO,
R. V.; MEIRELES, R. M. V. Autonomia privadas nas relações familiares: direitos do estado e estado dos direitos nas
famílias. In: EHRHARDT JÚNIOR, M.; CORTIANO JÚNIOR, E. Transformações no direito privado nos 30 anos da
Constituição: estudos em homenagem a Luiz Edson Fachin. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 625-636.
54 Os excertos são colhidos em: VARELA, A. Direito da família. Lisboa: Petrony, 1987. p. 53. É preciso admitir que o
trecho original da conta de que “Apenas no domínio das relações patrimoniais entre os cônjuges (...) se abrem portas
ao princípio da autonomia privada, permitindo que estes adoptem” (grifo original suprimido; grifo inserido agora).
Sem embargo, parece já, à luz de todos os estudos retromencionados, que é possível estender a autonomia privada
para além do campo exclusivamente patrimonial, sobremaneira no direito de família.
55 Há uma aparente fratura entre o direito patrimonial de família e o direito existencial de família. Sobre isso, já se
disse que “O direito de família aplicado, isto é, o que disciplina as relações patrimoniais entre os cônjuges, não tem
o cunho institucional do Direito de Família puro” (GOMES, O. Direito de família. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p.
166). Ainda sobre o tema: TUCCI, C. P. M. Aspectos patrimoniais do direito de família no Brasil. Revista Nacional
de Direito de Família e Sucessões, n. 1, p. 37-57, jul./ago. 2014, p. 40-44.
56 VICENTE, D. M. A autonomia privada e seus diferentes significados à luz do direito comparado. Revista de Direito
Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 8, ano 3, p. 275-302, jul./set. 2016, p. 278-279.
57 Faz-se alusão ao conceito de negócio jurídico fornecido na seminal obra de: AZEVEDO, A. J. Negócio jurídico: exis-
tência, validade e eficácia. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 16.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
42
58 THEODORO JÚNIOR, H.; FIGUEIREDO, H. L. Negócio jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 131-132.
59 Recorde-se que “Deve o intérprete, para isso, considerar todas as circunstâncias relevantes que existam na formação
do negócio, apreciando os elementos econômicos e sociais inspiradores da emissão de vontade pelo(s) agente(s) do
negócio jurídico” (AZEVEDO, F. O. Direito civil: introdução e teoria geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
p. 460).
60 Diz-se que os “princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas, e com pretensão de
complementaridade e parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de
coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, H.
Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2018.
p. 227). Escalar a conservação do negócio com princípio é também o que se encontra em: GUERRA, A. Princípio da
conservação dos negócios jurídicos: a eficácia jurídico-social como critério para superação das invalidades negociais. São
Paulo: Almedina, 2016. p. 192.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 43
61 “A salvaguarda do negócio jurídico, ou seja, o fato de se aproveitar o mínimo dos elementos constitutivos do suporte
fático para o máximo da eficácia, é a ideia essencial contida no princípio da conservação.” (SCHMIEDEL, R. C.
Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 41)
62 AZEVEDO, A. J. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 66-67.
63 Ibid., p. 66.
64 GUERRA, A. Princípio da conservação dos negócios jurídicos: a eficácia jurídico-social como critério para superação das
invalidades negociais. São Paulo: Almedina, 2016. p. 259.
65 Ibid., p. 170.
66 Ibid., p. 253.
67 SCHMIEDEL, R. C. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 79-81.
68 Flávio Tartuce pontua que, no caso específico sobre o qual se discute nesta pesquisa (e nas próximas linhas), “a situação
não é propriamente de conversão de um negócio nulo, mas de conversão do negócio ineficaz ou pós-eficacização,
conforme premissas desenvolvidas por Pontes de Miranda. Trata-se de hipótese em que determinado negócio jurídico
não produz efeitos em um primeiro momento, mas tem a eficácia reconhecida pela situação concreta posterior que,
aqui, é a convivência entre os envolvidos” (Conversão de pacto antenupcial em contrato de convivência. Publicado em mar.
2018. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1257/Convers%C3%A3o+de+pacto+antenupcial+em+contr
ato+de+conviv%C3%AAncia). Por outro lado, o que se diz é que o “ato ineficaz pode tornar-se eficaz em decor-
rência de fato jurídico posterior”, ao que se chama de pós-eficacização (MELLO, M. B. Teoria do fato jurídico: plano
da eficácia. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 85). É difícil, nesse sentido, imaginar como se sustenta a noção de
pós-eficacização se o fato jurídico atributivo da eficácia (união estável) pode ser anterior ou mesmo contemporâneo
ao ato tido por ineficaz. De toda forma, pós-eficacização ou conversão substancial, o resultado é idêntico: atribuição
de eficácia a negócio que não deveria ostentá-la.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
44
69 AZEVEDO, A. J. A conversão dos negócios jurídicos, cit., p. 183 apud SOUZA, E. N. A teoria geral das invalidades
do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade no direito civil contemporâneo. São Paulo: Almedina, 2017. p. 300-301.
N.R. 882.
70 SCHMIEDEL, R. C. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 75.
71 FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Curso de direito civil: famílias. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. p.
315.
72 As próximas linhas se desenvolvem na tentativa de justificar dogmaticamente a aplicação da boa-fé objetiva ao
tópico investigado, ainda que de modo sintético e contingente. Isso se faz em atenção à crítica fundamentada de
que a boa-fé é recorrentemente empregada como “varinha de condão” para justificar qualquer tipo de argumento
ou decisão. Esta expressão é empregada por Schmidt ao se referir ao uso disfuncional da cláusula geral da boa-fé
objetiva. Diz ele: “ainda mais problemático é o tratamento ocasionalmente, apesar de não cotidiano, conferido ao
princípio da boa-fé: seu uso como ‘varinha de condão’ que leva o Juiz ao resultado desejado da maneira mais rápida
possível” (tradução livre. No original: “Noch problematischer ist ein anderer, zwar nicht tagtäglich, aber immerhin
gelegentlich anzutreffender Umgang mit dem Grundsatz von Treu und Glauben: seine Verwendung als ‘Zauberstab’,
der den Richter auf schnellstem Wege zum gewünschten Ergebnis bringt”. SCHMIDT, J. P. Zehn Jahre Art. 422
Código Civil: Licht und Schatten bei der Anwendung des Grundsatzes von Treu und Glauben in der brasilianischen
Gerichtspraxis. Mitteilungen Der Deutsch-Brasilianischen Juristenvereinigung, v. 32, n. 2, p. 34-47, fev. 2014. p. 42).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 45
73 A “boa-fé objetiva parece direcionar-se, por toda parte, à superação da sua última fronteira: a das relações existenciais.
De fato, a gênese obrigacional do conceito não tem impedido sua invocação em divergências inteiramente apartadas
do campo patrimonial, como as que habitualmente surgem no âmbito do direito de família” (SCHREIBER, A. Direito
civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 318). Ainda no tema: MIRANDA, V. R. A boa-fé objetiva no direito de
família. Revista dos Tribunais, RT, v. 102, n. 927, p. 99-116, jan. 2013; FARIAS, C. C. A aplicação do abuso do direito
nas relações de família: o venire contra factum proprium e a supressio/surrectio. In: Leitura complementar de direito civil: direito
das famílias: em busca da consolidação de um novo paradigma baseado na dignidade, no afeto, na responsabilidade
e na solidariedade. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 191-208; CHAVES, M. Venire contra factum proprium, suppressio e
surrectio: a tutela da confiança nas relações familiares. In: Famílias e sucessões: polêmicas, tendências e inovações. Belo
Horizonte: IBDFAM, 2018. p. 619-632; CHAVINHO, M. B. M. A boa-fé objetiva nas relações familiares: abuso
do direito, venire contra factum proprium e supressio/surrectio. In: Direito de família na contemporaneidade. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2015. p. 193-228.
74 SCHREIBER, A. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 315-318.
75 “A mais vasta e relevante, consequente à qualificação geral da boa-fé como instituto jurídico, é a função corretora do
exercício jurídico para impedir o exercício manifestamente desleal, incoerente, imoderado ou irregular de direitos
subjetivos, formativos, faculdades e posições jurídicas” (MARTINS-COSTA, J. A boa-fé no direito privado: critérios
para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 625).
76 Não se desconhece da advertência sobre a amplitude do brocardo e suas deficiências, a ponto de se argumentar, por
exemplo, que “O estabelecer de linhas dedutivas com base no venire contra factum proprium é, em particular, inviável.
Com atenção a novos elementos periféricos constitutivos e enriquecedores do tema em estudo, há que procurar
tipos mais restritos de regulações de actos inadmissíveis e ver em que medidas eles corroboram ou inflectem as
linhas depreendidas dos comportamentos contraditórios” (MENEZES CORDEIRO, A. M. R. Da boa-fé no direito
civil. Coimbra: Almedina, 1984. 6ª reimpressão. p. 770). Apesar dela, a proibição do comportamento contraditório
é ferramenta útil e de conteúdo e aplicabilidade extensamente descritas na literatura. Veja-se, exemplificativamente:
MARTINS-COSTA, J. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.
674-689; SCHREIBER, A. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium.
2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 125-127.
77 A doutrina exige que esse comportamento inicial não seja vinculante, pois se o for, não aplicável a proibição ao venire
(SCHREIBER, A. A tutela da confiança, cit., p. 133-134). Nesse caso, adota-se para fins argumentativos a tese de que
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
46
(nem por pós-eficacização, por exemplo) o pacto antenupcial, a priori, não é vinculante imediatamente, já que o
casamento é conditio iuris da eficácia (e da vinculatividade, portanto).
78 Essa rotina de etapas de verificação é orientada pelos aspectos dogmáticos do venire como expostos em: SCHREIBER,
A. A tutela da confiança, cit., p. 131-169.
79 O achado se deve ao citado texto de: SCHREIBER, A. A tutela da confiança, cit., p. 198-205. Também aparece em:
SCHREIBER, A. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 321.
80 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 86.787/RS. Relator Ministro Leitão de Abreu.
Julgamento em 20 de outubro de 1978. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=180795. p. 71.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 47
4 Considerações Finais
Essa tendência de valorização e atribuição de eficácia à vontade empe-
nhada nos negócios jurídicos de direito de família já transborda dos limites da
literatura jurídica e é, paulatinamente, incorporada na adjudicação de casos.
Um caso paradigmático é representado pelo Recurso Especial nº 1.483.863/
SP, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti e julgado pela Quarta Turma
em 10.05.2016.
O contexto fático do caso era bastante peculiar: os litigantes foram casa-
dos por aproximadamente 16 anos. Separaram-se, divorciaram-se e partilharam
o patrimônio comum (foram casados sob o regime da comunhão universal).
Depois da extinção do matrimônio, reaproximaram-se e passaram a conviver
em união estável (a partir de 2000). Ato contínuo, celebraram pacto antenupcial
em abril de 2003 optando pelo regime da separação total, e permaneceram
convivendo more uxorio até o casamento, que viria a ocorrer em julho 2004.
Divorciaram-se novamente em 2006, ocasião em que passaram a litigar rela-
tivamente aos bens amealhados no período de convivência em união estável.
Naquele caso, a dúvida que se colocava coincide com a questão-pro-
blema que orienta essa pesquisa: o pacto nupcial celebrado em 2003 produz
efeitos para regular os efeitos patrimoniais da união estável até a ulterior ce-
lebração do casamento em 2004? Sim, disse o Superior81, argumentando que:
81 Houve voto divergente, de lavra do Ministro Antonio Carlos Ferreira. O Ministro argumentou, em síntese, que
não é possível presumir a vontade dos nubentes relativamente à regulação dos efeitos patrimoniais da união estável.
Sustenta que, no caso, a melhor hermenêutica é aquela que, no silêncio (assim o aprecia o Ministro) das partes, deve-se
aplicar a norma de direito positivo – no caso, o regime da comunhão parcial de bens. Curioso perceber que o voto
opta por citar, em sua fundamentação, obra jurídica que defende exatamente o contrário do que concluiu o julgador:
Maia Junior (citado à fl. 17), defende a eficácia do pacto, como se viu ao longo deste trabalho.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
48
ABSTRACT: The research is focused on the field of Family Law, more specifically, on the negotiated
regulation of family formats. The main goal is to investigate whether, despite art. 1.653 of CC, the pre-
nuptial agreement is able to be effective regardless of the celebration of marriage. A hypothetical-deductive
82 MARTINS-COSTA, J. Comentários ao Novo Código Civil: do direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
v. 5. t. 1. p. 8.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 49
methodology is adopted, together with a bibliographic review technique. The research finds that, even
though not followed by the celebration of marriage, a prenuptial agreement might e effective, for instance,
as a common law marriage agreement.
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Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
52
Introdução
As empresas familiares ocupam um papel central e fundamental na
economia nacional, merecendo estímulo e suporte. Altamente relevantes
em termos econômicos, as empresas familiares podem ser focos de conflitos
internos e externos –, caso não sejam tratados no momento certo e de forma
adequada –, a ponto de tais disputas serem aptas a gerar sua extinção e romper
relações tanto comerciais como familiares1.
A economia está em constante mutação, razão pela qual conflitos re-
lativos à necessária adequação da situação empresarial à realidade econômica
do setor, ou mesmo do país em que exerce sua atividade, sempre existirão.
Nas empresas corporativas familiares misturam-se relações profissionais e de
afeto, o que faz surgir o entrelaçamento de critérios objetivos e subjetivos,
gerando conflitos2.
1 AGUIRRE, Caio Eduardo; CHISTÉ, Paula de Magalhães. Mediação em empresas familiares. In: BRAGA NETO,
Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 101.
2 FREIRE, José Nantala Badue; BRAGA NETO, Adolfo. Os desafios da mediação empresarial no Brasil. In: BRAGA
NETO, Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 17.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 55
3 BRAGA NETO, Adolfo. A mediação de conflitos no contexto empresarial. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/
edicoes/revista-83/a-mediacao-de-conflitos-no-contexto-empresarial/. Acesso em: 20 nov. 2022.
4 É o que enuncia o artigo “Pais e filhos: desafios e valores entre gerações de empreendedores”, publicado pelo Sebrae,
entidade privada que promove a competitividade e o desenvolvimento sustentável de empreendimentos de micro e
pequenas empresas. Disponível em: www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ms/artigos/pai-e-filho-os-desafios-
e-valores-entre-geracoes-de-empreendedores. Acesso em: 21 jun. 2022.
5 Disponível em: www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVO_CHRONUS/bds/bds.nsf/195d95208c89363
622e79ce58427f2dc/$file/7599.pdf. Acesso em: 21 jun. 2022.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
56
6 Artigo “Pais e filhos: desafios e valores entre gerações de empreendedores”, publicado pelo Sebrae, entidade pri-
vada que promove a competitividade e o desenvolvimento sustentável de empreendimentos de micro e pequenas
empresas. Disponível em: www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ms/artigos/pai-e-filho-os-desafios-e-valores-
entre-geracoes-de-empreendedores. Acesso em: 21 jun. 2022.
7 Disponível em: www.sidra/ibge.gov.br/tabela /1936. Acesso em: 8 jun. 2022.
8 Disponível em: www.gov.br/governodigital/pt-br/mapa-de-empresas/boletins. Acesso em: 22 jun. 2022.
9 Necessário pontuar que o número de empresas totais apontadas pelo Mapa de Empresas da Receita Federal é de
19.373.257 CNPJs. No entanto, 13.489.017 correspondem aos empresários individuais e ao microempresário indi-
vidual, os quais não constituem pessoas jurídicas, mas apenas realizam atividades em nome próprio, e possuem suas
atividades, em regra, extintas com seu falecimento. Embora tais atividades tenham significativa relevância econômica,
sua análise foge ao escopo do presente estudo.
10 “Tais empresas eram tradicionalmente vistas como sociedades de pessoas, nas quais os sócios se uniriam em virtude
de suas qualidades pessoais, razão pela qual a morte de um dos sócios, a princípio, acarretaria a dissolução do vínculo
societário, não sendo as quotas sociais livremente cedíveis. Essas se contraporiam, portanto, às sociedades de capitais,
nas quais apenas a contribuição dos sócios seria levada em consideração. Todavia, sustenta-se que as sociedades de
caráter pessoal teriam perdido o seu enraizamento, sendo prova disso a disseminação de pessoas jurídicas que figuram
como sócias de outras, atribuindo-se à sociedade limitada um caráter misto, por reunir preceitos daqueles de cunho
pessoa e dos de capital. Ainda assim, na estrutura proposta pelo Código Civil, a sociedade limitada não deixou de
ser modalidade empresária formada por sócios que se conheciam previamente.... Conceito intimamente ligado às
sociedades limitadas, a contratualidade revela a existência de um acordo de vontades entre pessoas que se conhecem
para um fim social, que previram mediante uma elaboração ativa e consciente e contribuição de cada sócio para um
fundo comum.” (MAIA, Roberta Mauro Medina. Usufruto de quotas: desafios e peculiaridades. In: TEIXEIRA,
Daniele Chaves. Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2022. tomo III. p. 619-320)
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 57
11 MARTINS, Humberto. Pensar sobre os métodos consensuais de solução de conflitos. 24 de julho de 2019. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-jun-24/direito-civil-atual-pensar-metodos-consensuais-solucao-conflitos. Acesso
em: 27 abr. 2022.
12 Nesse sentido, Paula Costa e Silva, “Muito tem mudado na forma tradicionalmente ligada às expressões aceder à
Justiça e fazer Justiça. (...) Agora, o direito de acesso aos tribunais é um direito de retaguarda, sendo o seu exercício
legítimo antecedido de uma série de filtros” (SILVA, Paula Costa e. A nova face da justiça: os meios extrajudiciais de
resolução de controvérsias. Lisboa: Coimbra Editora, 2009. p. 21).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
58
13 “Ao Poder Judiciário deve caber a apreciação apenas das questões incompossíveis por outras vias e das que, por sua
natureza, demandam obrigatória passagem judiciária, constituindo ‘ações necessárias’.” (MANCUSO, Rodolfo de
Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada. Tese de direito processual civil – concurso de provas e títulos para provi-
mento do cargo de professor titular, junto ao Departamento de Direito Processual. São Paulo: Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, 2005. p. 268)
14 WATANABE, K. Cultura da sentença e cultura da pacificação. Apud YARSHELL, F. L.; MORAES, M. Z. (Org.).
Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2009. p. 685.
15 ZAPPAROLLI, Célia Regina. Mediação de conflitos: pacificando e prevenindo a violência. A experiência pacificadora
da Mediação. São Paulo: Summus, 2003. p. 57.
16 ALMEIDA, Tânia; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de conflitos para iniciantes e docentes. 3. ed. Rio
de Janeiro: Juspodivm, 2021. p. 123.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 59
17 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29/11/2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/
detalhar/156. Acesso em: 02 dez. 2022.
18 TARTUCE, Fernanda. Técnicas de mediação. In: SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves da (Org.). Mediação
de conflitos. São Paulo: Atlas, 2013. p. 26.
19 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6. ed. São Paulo: Método, 2021. p. 189.
20 SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Negociação,
mediação, conciliação e arbitragem. 3. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2020. p. 47-48.
21 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6. ed. São Paulo: Método, 2021. p. 203.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
60
22 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar: instrumento para a reforma do Judiciário. In: Anais do IV Congresso
Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 3.
23 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 170. “Existe uma coisa mais
poderosa que todos os exércitos: uma ideia cujo tempo é chegado” (Victor Hugo).
24 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 172.
25 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 172.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 61
26 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 175-176.
27 FREIRE, José Nantala Badue; BRAGA NETO, Adolfo. Os desafios da mediação empresarial no Brasil. In: BRAGA
NETO, Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 21-22.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
62
28 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 189.
29 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 176-177.
30 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 177.
31 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 177. Nota de rodapé.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 63
32 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 55.
33 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 177.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
64
34 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 181.
35 A pesquisa encontra-se disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/setores-atividade/assets/pcs/pesq-
emp-fam-14.pdf. Acesso em: 15 nov. 2022.
36 AGUIRRE, Caio Eduardo; CHISTÉ, Paula de Magalhães. Mediação em empresas familiares. In: BRAGA NETO,
Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 93-94.
37 BUSH, Robert A. Baruch; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: the transformative approach to the conflict.
São Francisco: Jossey-Bass, 2005. p. 13.
38 ALMEIDA, Tânia; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de conflitos para iniciantes e docentes. 3. ed. Rio
de Janeiro: Juspodivm, 2021. p. 50 e 561.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 65
39 AGUIRRE, Caio Eduardo; CHISTÉ, Paula de Magalhães. Mediação em empresas familiares. In: BRAGA NETO,
Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 96-97.
40 TARTUCE, Fernanda. Mediação extrajudicial para conflitos societários em empresas familiares. Revista Magister
de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, Magister, v. 111, nov./dez. 2022, p. 83-94. Trecho ref. Águida Arruda
Barbosa (em comunicação oral com a autora), é comum a confusão de espaços e papéis: no almoço em família
discutem-se assuntos da empresa, enquanto na sede desta são abordados assuntos relativos ao âmbito familiar. p.
85-86.
41 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 336.
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42 AGUIRRE, Caio Eduardo; CHISTÉ, Paula de Magalhães. Mediação em empresas familiares. In: BRAGA NETO,
Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 89.
43 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6. ed. São Paulo: Método, 2021. p. 374.
44 FREIRE, José Nantala Badue; BRAGA NETO, Adolfo. Os desafios da mediação empresarial no Brasil. In: BRAGA
NETO, Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 22.
45 AGUIRRE, Caio Eduardo; CHISTÉ, Paula de Magalhães. Mediação em empresas familiares. In: BRAGA NETO,
Adolfo (Org.). Mediação empresarial: experiências brasileiras. São Paulo: CLA Cultural, 2019. p. 100.
46 TARTUCE, Fernanda. Mediação extrajudicial para conflitos societários em empresas familiares. Revista Magister de
Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, Magister, v. 111, nov./dez. 2022, p. 92.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 67
49 Exemplo simples e esclarecedor: “Fernanda tem um fusquinha velho 1965. A satisfação ou utilidade de ter o carro
(seu valor subjetivo) vale R$ 3.000. Rodrigo, que coleciona carros antigos tem ficado de olho no carro há muitos
anos e recebe uma herança de R$ 5.000. Ele resolve, então, tentar comprar o carro. Depois de levar ao mecânico e
avaliar bem o carro, Rodrigo resolve que vale pra ele R$ 4.000. Num primeiro momento, a negociação é possível uma
vez que o carro está com uma pessoa que o valoriza menos (Fernanda – R$ 3.000) e pode ser vendido para alguém
que o valoriza mais (Rodrigo – R$ 4.000). Se as partes falharem e não cooperarem, significa que não concordaram
num preço e não houve troca de dinheiro por carro. Então, Rodrigo resolve ficar com os seus R$ 5.000 e gastar de
outra forma e a Fernanda continua com o carro que para ela vale R$ 3.000. Estes são os valores iniciais de cada uma
das partes do negócio antes do negócio (thret values) e podemos dizer que a soma desse jogo (da negociação) sem
troca (não efetivada, jogo não cooperativo) para os dois permanece em R$ 8.000 (R$ 5.000 + 3.000). No entanto,
existe a possibilidade de um jogo cooperativo, gerando um valor adicionado. A negociação será possível se o valor
negociado ficar entre R$ 3.000 a R$ 4.000. Ao buscar a negociação, havendo um acordo razoável baseado em téc-
nicas equivalentes de persuasão e negociação, vamos sugerir o valor intermediário de R$ 3.500, e os dois ganham
parcelas iguais. O Rodrigo vai ter um saldo em dinheiro de R$ 1.500 (R$ 5.000 – R$ 3.500) e um carro que vale R$
4.000, portanto tendo um valor final de R$ 5.500 (R$ 1.500 + R$ 4.000). A Fernanda no final vai ter R$ 3.500 em
dinheiro. A soma dos dois valores de cada um após o negócio é de R$ 9.000 (R$ 5.500 + R$ 3.500). Observe que o
valor adicionado existe para qualquer valor de venda. Suponhamos que Fernanda seja uma excelente negociadora
e venda o carro por R$ 3.999,00. Ao final do negócio, Fernanda terá R$ 3.999 em dinheiro e Rodrigo, R$ 5.001,00
(R$ 1.001,00 em dinheiro e R$ 4.000,00, que é quanto o carro vale para ele). A soma dos dois valores continuará
sendo R$ 9.000,00. Ao comparar o resultado da não cooperação, dos valores iniciais antes do negócio, da Fernanda
e do Rodrigo, temos R$ 8.000. Por outro lado, o valor total final, após o negócio, é de 9.000. Portanto, houve um
enriquecimento dos dois de R$ 1.000. Este é o valor adicionado” (VERA, Flávia Santinoni. Análise econômica da
propriedade. In: TIMM, Luciano Benetti. Direito e economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do direito.
4. ed. Indaiatuba: Foco, 2021. p. 205-206).
50 “Vamos considerar esses dois princípios. O primeiro é quase tautológico. Se as pessoas são livres para escolher, é
razoável supor que tentem escolher as coisas que desejam, em vez das que não querem. É claro que existem exceções
a esse princípio geral, mas costumam situar-se fora do domínio do comportamento econômico. A segunda noção
é um pouco mais problemática. É ao menos imaginável que, em algum momento, as demandas e as ofertas das
pessoas não sejam compatíveis, sinal que alguma coisa está mudando. Essas mudanças podem levar um longo tempo
para se concretizarem e, pior, ainda, podem induzir outras mudanças, capazes de ‘desestabilizar’ todos o sistema.”
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 69
(VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Traduzido por Regina Célia Simille Macedo. Rio
de Janeiro: GEN/Atlas, 2021. p. 2)
51 VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Traduzido por Regina Célia Simille Macedo. Rio
de Janeiro: GEN/Atlas, 2021. p. 34.
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70
52 NORTH, Douglass C. Instituições, mudanças institucionais e desempenho econômico. Tradução Alexandre Moraes. São
Paulo: Três Estrelas, 2018. p. 55.
53 PORTO, Antônio Maristrello; GAROPA, Nuno. Curso de análise econômica do direito. São Paulo: Atlas, 2020. p. 175.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 71
Ocorre que nem sempre as negociações diretas são possíveis por fato-
res como as próprias características dos negócios – seja pela instabilidade das
instituições que viabilizam tais tratativas, seja pela distância das partes – e a
dificuldade de tratativas e cumprimento das avenças, o que traz a necessidade
de contar com a interferência de personagens além dos diretamente envolvidos
nas negociações.
54 “As curvas de demanda e de oferta representam as escolhas ótimas dos agentes envolvidos e o fato de serem iguais
para um determinado p* indica que os comportamentos dos demandantes e ofertantes são compatíveis.” (VARIAN,
Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Traduzido por Regina Célia Simille Macedo. Rio de Janeiro:
GEN/Atlas, 2021. p. 293)
55 “Neste gráfico, utilizamos p* para representar o preço no qual a quantidade de apartamentos demandados iguala-se
à quantidade de apartamentos ofertados. Esse é o preço de equilíbrio de apartamentos. A esse preço, todo o con-
sumidor disposto a pagar ao menos p* pode encontrar um apartamento para alugar, e todos os proprietários serão
capazes de alugar seu imóvel ao preço corrente de mercado. Nem locatários, nem os proprietários têm motivo para
mudar seu comportamento. É por isso que nos referimos a essa situação como um equilíbrio: nenhuma mudança
de comportamento será observada.” (VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Traduzido
por Regina Célia Simille Macedo. Rio de Janeiro: GEN/Atlas, 2021. p. 07)
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72
Conclusão
Na imensa maioria das estruturas empresariais brasileiras as relações
familiares representam grande impacto, seja porque diretamente as socie-
dades empresárias são de cunho familiar, seja porque o tipo societário da
empresa escolhido é o da sociedade limitada – sociedade de pessoas. Tais
características ensejam a consequente repercussão de divórcio/dissolução
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
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TITLE: Family companies and private limited companies: structural basis of the Brazilian economy and
the positive economic impact of mediation family business partnership.
ABSTRACT: The present article deals with the application of family business partnership mediation in the
Brazilian business partnership structure, as well as mediation as an indicator instrument of good corporate
governance practices aimed at family companies. The approach takes so its starting point mediation as an
instrument of access to justice in contemporary society. The study discuss the compatibility between the
institute of mediation in the corporate environment that unites business and family systems, representing
the means of dispute resolution with the greatest potential to promote the economic development of
the nation. This paper intends to reflect on the importance of the institute of mediation as a method of
conflict resolution in the family business partenership, which ensures greater effectiveness and efficiency
in resolving controversies and, above all, promotes social pacification.
KEYWORDS: Access to Justice; Family Business Partnership Mediation; Economics; Economic Impact;
Corporate Governance.
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Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 77
Introdução
A Teoria Tridimensional do Direito, enunciada por Miguel Reale,
ensina que “onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e ne-
cessariamente um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico
e de ordem técnica, etc.); um valor, que confere determinada significação
a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de
atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou
norma, que representa a relação ou medida que integra daqueles elementos
ao outro, o fato ao valor”. Quanto à correlação desses três elementos, afirma
que “tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados
um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta”1 e que estes se exigem
reciprocamente, como elos de um processo, consubstanciando a dinâmica
do Direito2.
De modo pragmático, os fatos existem no mundo fático, e a estes são
dados valores de acordo com a sociedade, valores que transmudam na cadência
da mudança de pensamentos e sentimentos da população.
Correlacionado a estes valores estão as normas, das quais faz parte,
inclusive, a opção de não normatizar, excluindo o fato social da tutela do
sistema jurídico. Entre a valoração social e a norma legal, emanada do Poder
Legislativo, ou até mesmo da Assembleia Constituinte, há um espaço de tem-
1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.
2 “c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo
(já vimos que o Direito é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da sua interação
dinâmica e dialética dos três elementos que a integram.” (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 65)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
80
po, que termina por ser preenchido por outros atos normativos, emanados
dos dois outros Poderes: o Judiciário e o Executivo.
Nesse contexto, o art. 390 do Provimento nº 87/2022 – Novo Código
de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro – representa expressão concreta deste movimento, já que a trajetória
do instituto da união estável foi balizada pela transformação dos valores so-
ciais ao longo das últimas décadas, os quais, inicialmente, de modo a acolher
e incluir integralmente o instituto na tutela do Estado, percorreram louvável
trajetória, mas que nas últimas décadas extrapolaram os limites do desejável,
passando a conter instabilidades que causam incômodos efeitos, tanto de
ordem individual quanto coletiva e econômica.
A norma regulamentadora em questão nada mais é do que a expressão
dos anseios sociais, no sentido de eliminar, ou ao menos mitigar as instabili-
dades presentes hoje na relação de conjugalidade fática, preenchendo o espaço
deixado pelo vácuo legislativo.
No entanto, enquanto ato normativo uniformizador dirigido aos
Cartórios de Notas cariocas, cuja abrangência é bastante restrita, nos termos
reconhecidos pelo próprio art. 390 em verificação, as disposições nele constan-
tes podem ser nulidade/ineficácia declaradas, o que faz com que, embora seja
apreciável a criação de norma infralegal e consonante com os anseios sociais,
estas acabem na prática apenas intensificando as instabilidades e desigualdades
já existentes, pois vão de encontro às posições doutrinárias e jurisprudências
majoritárias, além de fomentarem o desequilíbrio nas relações de conjugali-
dade, tanto internas quanto externas.
Do ponto de vista externo, por demandarem a anulação ou declaração de
ineficácia, a busca se restringirá somente àqueles que possuam conhecimentos
quanto a estes direitos, reduzindo por isso a democratização e uniformização
da solução.
No que concerne aos efeitos internos, trata-se apenas de regulamentação
declaratória de conteúdo das escrituras públicas de união estável, não deixan-
do claro seu teor quanto à contratualização da matéria, e, por isso, quanto
à aplicação do princípio da função social e da boa-fé objetiva, institutos de
proteção dos vulneráveis, decorrente da desigualdade da maioria das relações
de conjugalidade, nos termos da realidade social brasileira, e quiçá mundial.
Desse modo, com base nessas premissas, o presente artigo inicia-se com
uma breve análise da trajetória de inclusão da união estável no ordenamento
jurídico, sob a ótica do movimento de preenchimento do vácuo legislativo
por meio de decretos emanados do Poder Executivo e súmulas advindas do
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 81
3 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 131.
4 “Mas, o concílio reunido em Trento (1563) tomando uma atitude mais firme que os seus antecedentes, decretou
a rigorosa observância de certas solenidades externas, tendentes a dar ao casamento toda a necessária publicidade e
consequente garantia. Assim foi prescrito por esta assembleia religiosa: 1º que o casamento fosse precedido de três
enunciações feitas pelo pároco do domicílio de cada um dos contraentes; 2º que fosse feita, de modo inequívoco,
perante do pároco celebrante, a manifestação de mutuo consentimento; 3º que a celebração fosse realizada pelo
pároco de um dos contraentes ou por um sacerdote devidamente autorizado, na presença de duas testemunhas
pelo menos, 4º, finalmente, que o ato se concluísse pela solenidade da benção nupcial. O livre consentimento dos
contraentes a presença do pároco e das testemunhas é essencial para que haja casamento católico.” (BEVILÁQUA,
Clóvis. Direito de família. Edição Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 55)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
82
“Na verdade, em um passado não tão remoto, o que se via era a união
estável como alternativa para casais que estavam separados de fato e que
não podiam se casar, eis que não se admitia no Brasil o divórcio como
forma definitiva do vínculo matrimonial. Hoje, tal situação vem sendo
substituída paulatinamente pela escolha desta entidade familiar por muitos
casais da contemporaneidade. Em suma, no passado, a união estável era
constituída, em regra, por falta de opção. Atualmente, por muitas vezes,
por clara opção.”6
5 GOMES, Orlando. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 13.
6 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. v. 5. p. 377.
7 Lei nº 4.297, de 23 de dezembro de 1963, e Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963.
8 Súmula nº 380 do STF: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 83
pensar o tempo de convivência com aquele que não poderia se casar, instituto
típico das relações obrigacionais. Na realidade, tristemente o companheiro,
em quase a totalidade dos casos, a mulher, era indenizada pela prestação de
serviços de “cama, mesa e banho”, uma pecha, dentre outras tantas, bastante
pejorativa do direito brasileiro anterior à Constituição de 1988.
Por isso, a partir deste momento parte da doutrina e da jurisprudência
passaram a defender que a sociedade existente entre os concubinos divergia
da sociedade de fato do direito obrigacional, já que esta tinha como escopo
a constituição de família. Desse modo, a simples comprovação da perma-
nência no lar, dos trabalhos domésticos e dos cuidados com os filhos já eram
suficientes para comprovação do esforço comum, e da consequente divisão
igualitária dos bens adquiridos na constância da união.
Na direção da tutela da realidade, tal entendimento evoluiu ao dispensar
a vida em comum sob o mesmo teto para caracterizar a sociedade existente
entre o casal. Foi então editada, em 1964, a Súmula nº 382 reconhecendo que
não era necessário que o casal residisse sob o mesmo teto para caracterizar a
relação, bastando que fosse comprovada a afetividade e a intenção de constituir
família, requisitos estes positivados pela primeira vez em 1996, 32 anos depois,
na Lei nº 10.278/96, e após no art. 1.723 do Código Civil, atualmente a norma
em vigência. Finalmente, em 1988 com a promulgação da Carta Magna em
vigência foi reconhecida a união estável como família pelo § 3º do art. 226,
concretizando as novas premissas metodológicas e principiológicas9.
Apesar de tal avanço, e de as regras constitucionais terem natureza de
autoexecutoriedade, de modo imediato o reconhecimento da união estável nada
alterou no sistema jurídico. O início de cumprimento do preceito constitucional
ocorreu somente em 1994 pela Lei nº 8.971, norma que exigia para configuração
a duração mínima da relação de cinco anos ou a existência de prole.
Dois anos depois, ampliando as possibilidades de reconhecimento das
uniões estáveis, a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, retirou o prazo de
cinco anos para a configuração do instituto, assim como a presença de prole,
exigindo somente a presença de convivência duradoura, pública e contínua
9 “Ademais, a releitura do direito de família a partir de novas premissas metodológicas e principiológicas, com apoio
no art. 226 da Constituição, em especial os §§ 3º, 4º e 7º, indica, de imediato, opções valorativas bem definidas,
que associam direitos e deveres, corroborando o caráter instrumental da família, como comunidade intermediária
concebida para a realização da pessoa humana e de sua dignidade, na solidariedade constitucional. Nota-se que o
legislador ordinário, em consonância com as diretrizes constitucionais, reconheceu em várias oportunidades, a
privatização da família a fim de propiciar a realização da dignidade de seus membros, conforme se percebe por meio
da tutela da comunhão plena de vida, ou seja, protege a família enquanto instrumento de livre desenvolvimento da
personalidade de seus membros, na medida em que ela realmente significa a realização pessoal dos componentes da
entidade familiar.” (TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito
de família. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2022. v. 6. p. 14)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
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10 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado: parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. v. 7. p. 366.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 85
“Sempre que o refletia e ainda reflito sobre o tema, vêm na minha mente
as afirmações do Professor Álvaro Villaça Azevedo – conforme as aulas
de graduação entre os anos de 1996 e 1997 na Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo – no sentido de que a sociedade brasileira não
estaria até então preparada para reconhecer a união de pessoas do mesmo
sexo como família. Mais recentemente, participei de painel com o insigne
Mestre das Arcadas no I Encontro Regional da Associação dos Advogados
de São Paulo, em Campinas, no dia 12 de março de 2010. Na ocasião,
interroguei o jurista qual era sua opinião atual, e ele me disse que tende a
pensar pelo reconhecimento da união homoafetiva, mas não como união
estável. Em suma, já haveria terreno social suficiente para o seu amparo e
11 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 14. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2021. p. 591.
12 “SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O PARCEIRO TEM O
DIREITO DE RECEBER A METADE DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO PELO ESFORÇO COMUM,
RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO COM OS REQUISITOS NO ART. 1.363
DO CC. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ASSISTÊNCIA AO DOENTE COM AIDS. IM-
PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO DE RECEBER DO PAI DO PARCEIRO QUE MORREU COM AIDS
A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL DE TER SUPORTADO SOZINHO OS ENCARGOS QUE
RESULTARAM DA DOENÇA. DANO QUE RESULTOU DA OPÇÃO DE VIDA ASSUMIDA PELO AU-
TOR E NÃO DA OMISSÃO DO PARENTE, FALTANDO O NEXO DE CAUSALIDADE. ART. 159 DO CC.
AÇÃO POSSESSÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. DEMAIS QUESTÕES PREJUDICADAS. RECURSO
CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO.” (STJ, REsp 148.987/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, j. 10.02.1998)
13 “DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ
CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE
OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS
MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA
OS ADOTANDOS. ARTS. 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCEN-
TE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.” (STJ, REsp 889.852/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
24.04.2010)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
86
14 TARTUCE, Flávio. União homoafetiva. Comentários ao julgamento da Apelação Civil nº 643.179-4/0, do Tribunal
de Justiça de São Paulo, em 17 de junho de 2009. In: LAGRASTA NETO, Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMÃO,
José Fernando. Direito de família: novas tendências e julgamentos emblemáticos. São Paulo: Atlas: 2011. p. 223.
15 “DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO).
INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 E 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊN-
CIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO
SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCI-
PIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.”
(STJ, REsp 1.183.378/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.10.2011)
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 87
“O jurista afirma que, de acordo com a norma do art. 1.723 do Código Civil,
existe, além da descrição de uma situação fática, um elemento subjetivo
16 “Feitas essas considerações, Marcos Bernardes de Mello conclui que a união estável só pode ser classificada como
ato jurídico composto por manifestação de vontade e por suporte fático que a complete. Esta categoria é denominada
‘atos jurídicos compósitos’.” (XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo.
2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 100)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
88
17 XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020. p. 100.
18 “Não é apenas do referido artigo que decorre esta interpretação. Na realidade, com a passagem do modelo transpessoal
de família para o modelo eudemonista, centrado no bem estar e na realização dos sujeitos, os indivíduos adquiriram
maior autonomia e liberdade. A família passou a ser entendida sob um enfoque muito mais democrático, pelo que a
vontade de seus componentes importa muito mais do que o interesse estatal.” (XAVIER, Marília Pedroso. Contrato
de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 101)
19 XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020. p. 102.
20 LÔBO, Paulo. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. IBDFAM, 2014. Disponível
em: www.ibdfam.org.br/artigos/953/A+concepção+da+união+estável+como+ato+fato+jurídico+e+suas+rep
ercussões+processuais. Acesso em: 06 jan. 2023.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 89
21 “Portanto, no direito de família brasileiro atual, há uma entidade oriunda de um ato jurídico formal e as demais,
entre elas a união estável, constituídas a partir de situações de fato, a que o direito confere reconhecimento. De
todas elas a união estável é a que apresenta a maior dificuldade de comprovação de sua existência jurídica, o que a
leva a depender de decisão judicial, sempre que dúvida houver quanto ao seu termo inicial e, quando for o caso, à
sua dissolução.” (LÔBO, Paulo. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. IBDFAM,
2014. Disponível em www.ibdfam.org.br/artigos/953/A+concepção+da+união+estável+como+ato+fato+juríd
ico+e+suas+repercussões+processuais. Acesso em: 06 jan. 2023)
22 LÔBO, Paulo. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. IBDFAM, 2014. Disponível
em www.ibdfam.org.br/artigos/953/A+concepção+da+união+estável+como+ato+fato+jurídico+e+suas+repe
rcussões+processuais. Acesso em: 06 jan. 2023.
23 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 14. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2021. p. 590.
24 “RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MOR-
TEM. ENTIDADE FAMILIAR QUE SE CARACTERIZA PELA CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA,
DURADOURA E COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA (ANIMUS FAMILIAE). DOIS MESES DE
RELACIONAMENTO, SENDO DUAS SEMANAS DE COABITAÇÃO. TEMPO INSUFICIENTE PARA SE
DEMONSTRAR A ESTABILIDADE NECESSÁRIA PARA RECONHECIMENTO DA UNIÃO DE FATO.”
(REsp 1.761.887/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. 06.08.2019)
25 “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL
POST MORTEM. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL VERIFICADA. PRESENTES OS REQUI-
SITOS DE CABIMENTO, ADMISSIBILIDADE E CONHECIMENTO DO RECURSO. POSSIBILIDADE
DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES. AGRAVO INTERNO
DESPROVIDO.” (Ag. Int no REsp 1.621.458/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22.06.2022)
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
90
“Os atos-fatos jurídicos são os fatos jurídicos que escapam às classes dos
negócios jurídicos, dos atos jurídicos stricto sensu, dos atos ilícitos, inclusive
atos de infração culposa das obrigações, da posição de réu e exceptuado
(ilicitude infringente contratual), das caducidades por culpa, e dos fatos
jurídicos stricto sensu. Abrangem os atos reais, a responsabilidade sem culpa,
seja contratual ou extracontratual, e as caducidades sem culpa (exceto o per-
dão). Ainda quando, no suporte fático, de que emanam, haja ato humano,
com vontade ou culpa, esses atos tratados como ato-fato.”26
“Os atos reais, ditos, assim, por serem mais dos fatos, das coisas, que dos ho-
mens – ou atos naturais, se separamos natureza e psique, ou atos meramente
externos, se assim os distinguirmos, por abstraírem êles do que se passa no
interior do agente – são atos humanos cujo suporte fático se dá entrada, como
fato jurídico, sem se atender, portanto, à vontade dos agentes: são atos-fato
jurídicos. Nem é preciso que se haja querido a juridicização dêles, nem, a
fortiori, a irradiação de efeitos. Nos atos reais, a vontade não é elemento do
suporte fáctico (= o suporte fáctico seria suficiente, ainda sem ela).”27
Desse modo, não se exige que o casal deseje viver em união estável,
mas apenas a presença dos requisitos autorizadores de reconhecimento de tal
relação, o que muitas vezes vai de encontro à vontade do próprio casal, ou
pelo menos de um deles. Nas palavras de Gustavo Tepedino e Ana Carolina
Brochado Teixeira:
Por isso, não se sabe exatamente se aquele casal vive em união estável,
e quando tal união se iniciou, como bem aponta Maria Berenice Dias:
26 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. tomo II. p. 372.
27 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. tomo II. p. 373-374.
28 TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito de família. 3. ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2022. v. 6. p. 192.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 91
29 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 14. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2021. p. 595.
30 XAVIER, Marília Pedroso. O contrato de namoro como instrumento de planejamento sucessório. In: TEIXEIRA,
Daniele Chaves. Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2022. tomo III. p. 569.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
92
31 “As consequências da união estável, ao contrário do casamento, não decorrem do ato jurídico solene, capaz de produzir
efeitos que lhes são próprios. A Constituição Federal não pretendeu equiparar entidades heterogêneas, identificando
a relação familiar de fato com o mais solene dos atos jurídicos. O casamento como ato jurídico, pressupõe uma
profunda e prévia reflexão de quem o contrai, daí decorrendo uma série de efeitos que lhe são próprios – dada a
certeza e a segurança que oferecem os atos solenes. Já a união estável, ao contrário, formada pela sucessão de eventos
naturais que caracterizam uma relação de fato, tem outros elementos constitutivos, identificáveis ao longo do tempo,
na medida em que se consolida a vida em comum.” (TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado.
Fundamentos do direito civil: direito de família. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2022. v. 6. p.196)
32 TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito de família. 3. ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2022. v. 6. p. 197.
33 Enunciado nº 641 da VIII Jornada de Direito Civil: “A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a incons-
titucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável.
Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade
familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato jurídico
que funda o casamento, ausente na união estável”.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 93
34 “Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é incabível o reconhecimento
de união estável simultânea ao casamento, assim como a partilha de bens em três partes iguais (triação), mesmo
que o início da união seja anterior ao matrimônio. O entendimento foi firmado no julgamento ao Recurso Especial
interposto por uma mulher que conviveu três anos com um homem antes que ele casasse com outra e manteve o
relacionamento por mais 25 anos. Ao STJ, a recorrente reiterou o pedido de reconhecimento e dissolução da união
estável, com partilha de bens em triação. Ao dar provimento ao recurso, o colegiado considerou que não há impedi-
mento da união estável no período de convivência anterior ao casamento, mas, a partir deste momento, tal união se
transforma em concubinato (simultaneidade das relações) (...) Relatora do caso no STJ, a Ministra Nancy Andrighi
afirmou que, segundo a jurisprudência, ‘é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamen-
to, na medida em que aquela pressupõe ausência de impedimento para o casamento, ou, ao menos, a exigência de
separação de fato’ (...). Acerca do período posterior a celebração o matrimônio, a relatora destacou que a recorrente
e o recorrido tiveram dois filhos durante o concubinato que durou 25 anos e era conhecido por todos os envolvidos.
Segundo ela, essa relação de equipara à sociedade de fato, e a partilha nesse período também é possível, desde que
haja prova de esforço comum na construção patrimonial (Súmula nº 380 do STF).” (NOTÍCIAS STJ, disponível
em: www.stj.jus.br/sites/portalp/paginas/comunicacao/noticias/2022/15092022-E-incabivel-o-reconhecimento-de-
uniao-estavel-paralela-ainda-que-iniciada-antes-do-casamento.aspx. Acesso em: 06 jan. 2023)
35 “A evolução do tratamento jurídico das famílias revela a necessidade de se assegurar a liberdade nas escolhas exis-
tenciais que, na intimidade do recesso familiar, possa propiciar o desenvolvimento pleno da personalidade de seus
integrantes. Esse é o propósito do art. 1.513 do Código Civil: ‘É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou
privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família’. A proteção da autonomia, a fim de assegurar os
espaços de decisão pessoal em questões intimas, faz-se ainda mais relevantes quando, por exemplo, está em jogo
o tipo de entidade familiar que cada um constituirá ou a forma de exercer o planejamento familiar (respeitados os
limites). Trata-se de resguardar os espaços existenciais de maior intimidade da pessoa humana, invulneráveis à invasão
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
94
do legislador infraconstitucional, de qualquer decisão do Poder Judiciário, de ordem do Poder Executivo ou de ato
de particulares. A vida provada existencial, individual e familiar, encontra-se protegida, portanto, de interferências
externas, pois é necessário que cada um desenvolva sua personalidade livremente e participe da sua comunidade de
forma autônoma.” (TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito
de família. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2022. v. 6. p. 14)
36 O contrato de convivência não cria a união estável, pois sua constituição decorre do atendimento aos requisitos
legais (CC, art. 1.723): continuidade, duração, publicidade e com o propósito de constituir uma família. O contrato
obrigatoriamente terá efeito retroativo, em relação à existência da união estável, o que não retroage é o regime de
bens quando é eleito outro regime que não seja o da comunhão parcial de bens. Não há possibilidade de ser atribuído
efeito retroativo a regime de bens mais restritivos, por afrontar direitos já adquiridos. (DIAS, Maria Berenice. Manual
de direitos das famílias. 14. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2021. p. 615)
37 “CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE CONVIVÊN-
CIA. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS
DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02. SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR
SI, NÃO É MOTIVO DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMEN-
TOS INDICATIVOS DE QUE NÃO TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO
NEGÓCIO JURÍDICO. AFIRMADA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA Nº 7 DO STJ. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284
DO STF. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS NO CASAMENTO. INCISO II DO ART.
1.641 DO CC/02. APLICAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL. AFERIÇÃO DA IDADE. ÉPOCA DO INÍCIO DO
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 95
ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o
regime do art. 1.829 do CC/02”.
Com isso, passou então a ser aplicado aos companheiros o art. 1.829
do Código Civil, e com ele a incompatibilidade da norma sucessória disposta
pelo Código Civil de 2022, que transformou a natureza transitória dos direitos
sucessórios do cônjuge/companheiro, para permanente, trazendo a figura do
“supercônjuge”, expressão cunhada por Ana Luiza Maia Nevares, e agora
também do “supercompanheiro”; e a dinâmica social derivada da plena dis-
solubilidade do casamento e da fugacidade das relações, em tempos de amor
líquido, de acordo com Zygmunt Bauman.
Analisa-se então tal movimento: Até a promulgação da Lei do Divórcio,
o regime legal de bens era o da comunhão universal, o que significa que o
cônjuge sobrevivente possuía meação em todos os bens deixados pelo falecido.
Além disso, já neste sistema era permitido a escolha de regimes diversos de
bens, surgindo um universo de bens particulares do de cujus, além das próprias
incomunicabilidades permitidas ao regime da comunhão universal de bens.
Deste monte a ser partilhado, os direitos permanentes do cônjuge
sobrevivente eram bastante restritos, ou até mesmo inexistentes, já que não
eram considerados herdeiros necessários, podendo por isso serem plenamente
afastados da sucessão, conforme esclarece Orlando Gomes:
40 “No entanto, ao elevar o cônjuge à categoria de herdeiro necessário, pode-se dizer que a solução se mostra, em certa
medida, paradoxal, vez que, em matéria de regime de bens, garantiu o legislador ampla flexibilidade àqueles que
pretendem se casar. Com efeito, o legislador confere ampla discricionariedade aos nubentes para fixarem o regime
que melhor lhes convier, além de permitir sua alteração a qualquer tempo (art. 1.639, caput e § 2º). Ademais, previu
plena liberdade para alienação de bens no âmbito do regime de separação absoluta (art. 1.647, I) e, no regime de
participação final dos aquestos, garantiu a livre administração dos bens (art. 1.673, parágrafo único), assim como a
possibilidade convencional de sua livre disposição (art. 1.656). De fato, a mesma liberdade não resta garantida no
âmbito sucessório.” (TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito
de família. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2022. v. 6. p. 97)
41 TEIXEIRA, Daniele Chaves. Noções prévias do direito das sucessões: sociedade, funcionalização e planejamento
sucessório. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves. Arquitetura do Planejamento Sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
tomo I. p. 37-38.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
98
42 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 6. p. 179.
43 “Um planejamento sucessório efetivo é capaz de minimizar o risco de litígios judiciais, uma vez que respeita os limites
legais da liberdade do autor da herança e a parte legítima dos herdeiros necessários. Em contraposição, a ausência do
planejamento sucessório ou sua existência ineficaz pode acarretar uma instabilidade em razão da multiplicidade de
critérios utilizados pelos julgadores, com decisões judiciais muitas vezes contrariando a vontade do autor da herança.
Há ainda, de se considerar a lentidão dos processos judiciais, que termina por corroer o patrimônio.” (TEIXEIRA,
Daniele Chaves. Noções prévias do direito das sucessões: sociedade, funcionalização e planejamento sucessório. In:
TEIXEIRA, Daniele Chaves. Arquitetura do Planejamento Sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2019. tomo I. p. 37)
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 99
“De acordo com o art. 1.655 do CC/02, é nula a convenção ou cláusula que
consta no pacto que entre em conflito com disposição absoluta de lei. Por
essa última pode-se entender norma de ordem pública. Esse é o comando
legal que limita a autonomia privada do pacto, reconhecendo a função
social do pacto antenupcial. Isso, porque pode ser traçado um paralelo
44 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Algumas Reflexões sobre o planejamento sucessório: a escolha de algumas
veredas pode não levar à terra prometida. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves. Arquitetura do planejamento sucessório. Belo
Horizonte: Fórum, 2021. tomo II. p. 376.
45 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Algumas Reflexões sobre o planejamento sucessório: a escolha de algumas
veredas pode não levar à terra prometida. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves. Arquitetura do planejamento sucessório. Belo
Horizonte: Fórum, 2021. tomo II. p. 380-381.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
100
Conclusão
A união estável consiste em uma das mais antigas relações de conju-
galidade, e de ampla existência, já que a indissolubilidade do casamento e a
possibilidade de dissolução da sociedade conjugal fazia com que os consortes,
46 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. v. 5. p. 193-194.
47 “RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. REGIME DE BENS.
SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SO-
BREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO
DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC⁄02. AVANÇO NO CAMPO
SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL.”
(STJ, REsp 1.142.945/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07.10.2014)
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 101
TITLE: Section 390 of New General Judicial Council Complaint of Rio de Janeiro State Court Clause
Code – Appointment no. 87/2022: genuine expression of social yearnings, without the necessary norma-
tive power: an agent of change or just an aggravating factors of instabilities?
ABSTRACT: This study analyzes the provisions contained in the caput, first and third paragraphs of Sec-
tion 390 of Appointment nº 87/2022 of the General Judicial Council Complaint of Rio de Janeiro State
Court, which brings the possibility of disposition of existential issues, retroactivity of separation prop-
erty system and early waiver the concurrence will in the cohabitation agreement. With this objective, it
makes a brief analysis of the evolution of the legal relief of consensual marriage. After that, it verifies the
current context, notably the instability contained in consensual marriage existence, given its nature as a
legal act-fact, and the impossibility of mitigating its property effects, both during life, when the property
system’s irretroactivity prevails, and after death, when the impossibility of early wiaver the concurrence
will prevails, thus demonstrating that, although the appointment in question genuinely represents social
desires, it is not compatible with the current norms, doctrine, and majority jurisprudence, thus bringing
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 103
with it a high potential nullity/ineffectiveness declaration, which only ends up aggravating the already
unstable institution of the consensual marriage.
KEYWORDS: CGJ Appontment nº 87/2022. TJRJ. Consensual Marriage. Social Desires. Cohabitation
Agreement. Instability.
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1 Introdução
A obrigação alimentar é pautada em relação de parentesco e possui
respaldo constitucional nos princípios da dignidade da pessoa humana e
solidariedade familiar. Essa obrigação tem por objetivo a subsistência de um
indivíduo que ainda não pode provê-la pelo próprio trabalho.
Sabendo da relevância do instituto dos alimentos para a garantia de uma
vida digna é que o ordenamento jurídico brasileiro cria formas de viabilizar
a eficácia do direito quando há uma insuficiência no acionamento dos pa-
rentes mais próximos do alimentando, que são legalmente instituídos como
responsáveis primários.
Diante da insuficiência de recursos dos responsáveis primários, surge
a necessidade de buscar assistência em parentes mais remotos. Para isso, o
Código Civil de 2002 inovou ao trazer no art. 1.698 a possibilidade de in-
cluir no processo os parentes de grau imediato, na medida de sua capacidade
econômica.
Ocorre que, o referido artigo diz apenas que os demais devedores
poderão ser chamados a integrar a lide, sem especificar qual é a modalidade
dessa intervenção de terceiros e quem deverá providenciar o “chamamento”.
Tais questionamentos serão discutidos no desenvolvimento do presente tra-
balho, juntamente com o momento processual adequado para provocar essa
intervenção.
Para tanto, primeiro será discutido acerca das obrigações alimentares
quem são os responsáveis pelo cumprimento. Em seguida, será analisado o
conceito de intervenção de terceiros e algumas espécies típicas previstas no
Código de Processo Civil, com o intuito de comparar com a modalidade
prevista no art. 1.698 do CC/02. Por fim, serão estabelecidas algumas regras
para o processamento da intervenção de terceiro especial, considerando a
lacuna existente sobre o tema.
O uso do método em uma pesquisa científica é fundamental para a
verificabilidade do resultado atingido, é o método que permite ao pesquisador,
por meio do uso de procedimentos e de técnicas, chegar a um determinado
conhecimento (GIL, 1999, p. 26-27).
Assim, dentre os vários métodos disponíveis para se realizar uma pes-
quisa científica na área jurídica, opta-se no presente trabalho pelo método
dialético, que se desenvolve a partir de uma tríade formada por uma tese, uma
antitese e uma síntese (POPPER, 1940, p. 404).
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4 Intervenção de Terceiro
As partes integram o processo civil como “sujeitos interessados da
relação processual, ou os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz”
(DINAMARCO, 2009, p. 246). O interesse na relação processual se justifica
na medida em que esses sujeitos estão defendendo alguma pretensão jurídica
por meio dos atos processuais, para ao final receberem a tutela jurisdicional do
Estado juiz. Segundo Dinamarco (2009, p. 246), elas “participam dos combates
inerentes a este e beneficiar-se-ão com os seus efeitos substanciais diretos ou
indiretos, ou os suportarão: a tutela jurisdicional a ser concedida endereçar-
se-á a uma das partes impondo-se à outra o sacrifício de uma pretensão”.
Fato é que o processo lida com uma variedade de relações jurídicas,
sendo que em alguns casos um ato processual pode acabar atingindo esfera
jurídica de sujeito que inicialmente não integra a lide como parte, mas que
eventualmente tenha algum interesse jurídico no desfecho daquela demanda,
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 109
como acontece no caso dos parentes de grau mais próximo que podem ser
chamados a integrar a lide tal como previsto no art. 1.698 do CC/02.
Diante do exposto, não restam dúvidas de que o artigo supracitado
trata de uma das hipóteses de intervenção de terceiros, como um instrumento
processual legalmente previsto, que possibilita àqueles que inicialmente não
integram a relação processual como parte, a participarem do processo, desde
que demonstrado o seu interesse jurídico no desenvolvimento do processo.
“Trata-se de ato jurídico processual pelo qual um terceiro, autorizado por lei,
ingressa em processo pendente, transformando-se em parte” (DIDIER Jr.,
2015, p. 476).
No entanto, é preciso saber se a intervenção de terceiro de que trata o
art. 1.698 do CC/02 se trata de uma hipótese autônoma e especial de interven-
ção de terceiros ou se enquadra na hipótese típica de intervenção de terceiros
prevista no Código de Processo Civil?
Por essa razão, nessa segunda parte do art. 1.698 do CC/02 é possível
defender que a provocação da intervenção venha tanto do autor quanto do
réu. Assim está a redação do Enunciado nº 523 das Jornadas de Direito Civil
do Conselho da Justiça Federal: o “chamamento dos codevedores para inte-
grar a lide, na forma do art. 1.698 do Código Civil, pode ser requerido por
qualquer das partes, bem como pelo Ministério Público, quando legitimado”.
Sobre o momento processual adequado para providenciar a intervenção
de terceiros que trata o art. 1.698 do CC/02, por uma necessidade de estabili-
zação objetiva e subjetiva do processo, seria permitido ao autor até a réplica e
ao réu em contestação, ou até o saneamento do processo (DIDIER Jr., 2016,
p. 547) (fase cognitiva).
Em fase de execução não é possível promover esse tipo de intervenção
de terceiros, uma vez que já existe um título executivo (judicial ou extraju-
dicial) devidamente constituído, sem a participação desse terceiro que pode
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6 Considerações Finais
Apesar da tentativa de alguns juristas, em aproximar a modalidade de
intervenção trazida pelo art. 1.698 do Código Civil da denunciação da lide e
do chamamento ao processo, não há nenhuma possibilidade de estabelecer
uma interface entre os institutos por uma incompatibilidade técnica.
Conclui-se, portanto, que a melhor interpretação ao art. 1.698 do
CC/02 é aquela que respeita a finalidade da norma, reconhecendo-o como
uma espécie especial ou sui generis de intervenção de terceiros prevista no
Código Civil. Ocorre que, o referido artigo se limitou a dizer que os demais
devedores poderão ser chamados a integrar a lide, sem especificar quem deverá
providenciar o “chamamento”.
Assim, para responder acerca da legitimidade para provocar a inter-
venção de terceiro do art. 1.698 do CC/02 é preciso dividir o artigo em duas
partes, sendo que a primeira delas estabelece que “Se o parente, que deve
alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente
o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato”.
Nesse primeiro momento, concluiu-se que nesta parte inicial do art.
1.698 do CC/02, quem pode invocar a inclusão deste terceiro no processo é
apenas o autor, uma vez que não seria compatível com o instituto dos alimentos
permitir que o réu escolha exercer um direito que não é dele, redirecionando
o valor complementar da pensão para o parente de grau mais próximo por
iniciativa própria.
Na segunda parte do referido artigo, que determina que: “sendo várias
as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na propor-
ção dos respectivos recursos e, intentada a ação contra uma delas, poderão as
demais ser chamadas a integrar a lide” a conclusão não foi a mesma.
Isso, porque, nesse segundo caso, a participação dos coobrigados inte-
ressa juridicamente tanto ao autor, que será beneficiado com o cumprimento
da obrigação de pagar alimentos, quanto ao réu, que poderá dividir a obrigação
com outro coobrigado.
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TITLE: Neither this nor that. Article 1698 of Civil Code as a special and autonomous modality of third-
party intervention.
ABSTRACT: The purpose of this paper is to discuss the modality of third-party intervention introduced
exceptionally in article 1698 of the Civil Code, which deals with the possibility of calling relatives to join
the dispute. Despite recognizing the existence of different interpretations of article 1698 of the Civil Code,
it was defended in the present work that both the call to the process provided for in articles 130 to 132 of
the Code of Civil Procedure, and the denunciation of the dispute provided for in articles 125 to 129 of
the Code of Civil Procedure are incompatible with the content and purpose of article 1698 of the Civil
Code. It was concluded that the aforementioned article brings a new and special modality of intervention
by third parties that does not find correspondence in the Code of Civil Procedure, thus arising the need
to establish some parameters for the application of this type of intervention in the maintenance processes.
For the development of the research, the dialectical method was used.
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Introdução
A partir das transformações sociais, o conceito de família amplificou-se
e se tornou plural, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988,
abrindo espaço para o surgimento de novos arranjos familiares.
Apesar do avanço na seara do Direito de Família, que possibilitou espaço
mais dinâmico aos núcleos familiares e o surgimento de outras formatações,
a concepção contemporânea da estrutura e da unidade familiar, construída
principalmente pelos tribunais brasileiros, não abarca todos os modelos, con-
denando à invisibilidade outras formas de concepção de família, sobremaneira
os arranjos que rompem com o padrão monogâmico, a exemplo dos erigidos a
partir das relações poliamorosas1, compreendidas como uma união estabelecida
entre três ou mais pessoas que, com o consentimento de todos os envolvidos,
instituem uma relação com o intuito de constituir família.
As famílias poliamorosas, nesse contexto, estão excluídas da proteção
assegurada às entidades familiares no Texto Constitucional, tendo de se rela-
cionar à margem do Direito, sem receber a tutela adequada para orientá-las
nas hipóteses de dissolução parcial ou total, sucessão, filiação e regime de
bens, entre outras hipóteses que requerem a necessária intervenção estatal.
Em virtude dessa realidade, este estudo propõe-se, por meio de uma
pesquisa exploratória bibliográfica, apresentar a possibilidade de reconheci-
mento das uniões poliamorosas a partir de interpretação aberta e flexível das
regras do direito civil coadunadas com o perfil exegético da Constituição
Federal de 1988.
Nessa perspectiva, a presente pesquisa se justifica pela necessidade de ga-
rantir a tutela jurídica das famílias poliamorosas, colaborando academicamente
com o adensamento do tema e ampliação do conceito de núcleo familiar, a fim
de abastecer as aspirações das diferentes formas da família contemporânea.
O estudo empregou a indução como método de abordagem, e a partir de
levantamento bibliográfico em livros, artigos científicos, acervo jurisprudencial
e legislação civilista aplicável à matéria procurou destrinchar a problemática,
cujo objetivo central foi analisar a boa-fé como elemento constitutivo das uni-
ões poliamorosas enquanto entidades familiares no Direito de Família pátrio.
1 Durante o desenvolvimento do artigo será utilizada a expressão “poliamor” como sinônimo de “poliafeto”, apesar
de acreditarmos que a primeira opção é mais adequada, visto que o afeto, para alguns autores – como Luciana Costa
Poli, César Fiuza e Giselda Hironaka – é insuficiente para atuar como elemento caracterizador da entidade familiar,
pois se trata de valor que pode ser agregado tanto de maneira positiva quanto negativa.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
120
2 Destaca-se que o objetivo deste artigo não é estimular visão negativa, desacreditadora ou mesmo desrespeitosa quanto
à monogamia, mas evidenciar que não há razões, ao menos jurídicas, para fomentar a institucionalização do padrão
monogâmico de conduta enquanto arquétipo das relações familiares. Em verdade, esta pesquisa está alicerçada no
exercício da boa-fé, cabendo a cada indivíduo, a partir do exercício da autonomia, realizar o poder de escolha acerca
de suas formatações familiares, seja pelo arranjo monogâmico, seja pelo poliamorismo.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
124
em tela, vem à baila a boa-fé objetiva, que ganha destaque na medida em que
tais arranjos familiares estabelecem um vínculo pautado na ética, confiança e
honestidade dos membros da relação, entre si e para com a sociedade.
É nesse sentido que Ferrarini (2010, p. 28) aponta a boa-fé como um
dos elementos identificadores das famílias poliamorosas. De fato, no caso do
poliamorismo, a boa-fé atua como um elemento estruturante, uma vez que as
partes se unem com o consentimento de todos os envolvidos, firmando um
acordo pautado na solidariedade, transparência e confiança, caracterizando
uma verdadeira família, digna de toda a tutela garantida constitucionalmente.
Acerca da boa-fé objetiva, Rodrigo da Cunha Pereira (2018, p. 208,
209-210) preceitua que esta se trata do
Considerações Finais
A família representa refúgio, ambiente onde se encontra proteção, ca-
rinho, amor, convívio, reciprocidade e troca de interesses entre os membros.
É no seio familiar que o ser humano se desenvolve; por isso, o Estado deve
buscar mecanismos que permitam o desenvolvimento do indivíduo e possi-
bilite ele tenha liberdade para dirimir por si só acerca de questões inerentes
ao espaço pessoal mais privado e particularizado de cada um – a intimidade.
Assim é que este escrito defende que a atuação estatal deve ocorrer
tão somente em situações para as quais se inclinam a ordem pública e cujo
interesse social é preponderante. Outras questões atinentes à intimidade e aos
processos e escolhas das projeções intrapessoais e interpessoais dos sujeitos,
entende-se que o Direito de Família, por esta perspectiva, deva ser de aplica-
ção mínima em respeito e valoração atribuídos ao exercício da autonomia da
vontade dos particulares.
É notório que a família contemporânea acompanhou o fluxo da dinâ-
mica das transformações sociais; se dissociou do modelo institucionalizado,
afastou-se do arquétipo estritamente heteroparental, patrimonial e hierar-
quizado. As pessoas passaram a valorizar a liberdade, seja amorosa ou sexual,
e a família passou a se apoiar na busca pela felicidade, amor e solidariedade
entre os membros do núcleo familiar. As famílias poliamorosas surgiram nesse
contexto de transformações, rompendo o paradigma de “ideal” monogâmico,
cuja intenção deste artigo fora justamente mitigar a fim de agregar novos
contornos interpretativos aos arranjos familiares.
Assim, adotou-se a concepção de que a monogamia tem natureza
axiológica e representa uma opção à mercê do indivíduo; um modo de viver
e uma orientação para aqueles que buscam se relacionar, sentimentalmente
ou puramente sexualmente, com apenas uma pessoa por vez. Da discussão,
chegou-se ao entendimento de que a monogamia não pode ser fator impeditivo
para a construção das uniões familiares poliamorosas, cuja base explicativa está
respaldada na boa-fé objetiva.
É da boa-fé que se deve extrair a compreensão para a formação dos
vínculos existentes entre os integrantes das famílias poliamorosas. As obriga-
ções atinentes e os direitos oriundos se encontram reproduzidos no convívio
pautado pelos deveres anexos da boa-fé, como a transparência, eticidade,
clareza e honestidade das relações. O empenho da palavra dada para os casos
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TITLE: From monogamy to objective good faith: brief considerations for the recognition of polyamorous
family unions.
ABSTRACT: The article analyzed the objective good faith as a constitutive element of polyamorous unions
as family formations. Based on an open interpretation of the rules of Family Law, the text reflects on the
exercise of autonomy, especially the autonomy of the will, in addition to criticizing the monogamous
paradigm and its mitigation. The study used an inductive, exploratory and bibliographic approach. With
the development of the research it was possible to conclude that civil hermeneutics, through the recep-
tion of the principles of objective good faith, family pluralism, autonomy, freedom, equality, and human
dignity is sufficient to interpret and endorse the recognition of polyamorous unions as family entities.
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(Im)Possibilidade de Reconhecimento de
União Estável no Metaverso
1 Introdução
A vida vem se tornando cada vez mais virtualizada e, em algumas pers-
pectivas, fica difícil, inclusive, separar a vida analógica da digital. Acreditando
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
134
1 No sentido dual, contrário ao desenhado nesta pesquisa, parece ser a perspectiva proposta por Zampier (2021, p
74), ao afirmar que “torna-se natural que diversas projeções da pessoa humana passem a ser incorporadas ao mundo
digital. Mais e mais a vida real vai se atualizando e migrando para o ambiente digital. Este é um processo inexorável,
sem freios e com uma velocidade impressionante”.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 135
2 O termo “protometaverso” é aqui utilizado como ciberespaço insulado cujos usuários e seus ativos virtuais estariam
restritos àquele ciberespaço, portanto, ausente relação intercambial com outros protometaversos ainda que possa
haver interação com o mundo analógico.
3 V.g.: SOUZA, Bernardino de Azevedo. Metaverso e direito: desafios e oportunidades. São Paulo: RT, 2022.
4 Cf: http://secondlife.com.
5 Secondlife foi criado em 2003 por Philip Rosedale em que seus habitantes criam avatares e passam a interagir com
outros de vários lugares do mundo em ambiente virtual tridimensional estabelecendo relacionamentos profissionais
e pessoais (ROSA, 2014).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 137
física e estética de seu controlador ou usuário, sem que com isso deixasse de
representá-lo, assim como suas principais necessidades e interesses.
A diferença principal entre os jogos interativos online que também são
desenvolvidos e exigem a construção de um ciberespaço e o terceiro momento
do metaverso estaria não apenas na indispensável permanente conexão, mas
também na diversidade de atividades relacionais afetivas e negociais especu-
ladas, bem como no desenvolvimento de extraordinária inteligência artificial
(IA) com capacidade de aprendizado autossupervisionado conjugada com
tecnológica suficiente a suportar o armazenamento e processamento de dados
em grande velocidade, o que viabilizaria o afastamento de concepções dualistas
entre o que seria analógico e o que seria virtual em uma complexidade de vida
analógico-digital indissociável.
Apesar de tamanha conexão exigida pelo metaverso, as relações, ain-
da que naturalmente realizadas em ciberespaço tridimensional e altamente
imersivas, se dariam por meio de avatares controlados por humanos com o
auxílio de inteligência artificial dotada de capacidade de aprendizado autos-
supervisionado, algo que O’Neill (2016) aponta como preocupante, pois esta
intermediação tecnológica poderia trazer padrões de ações ou inações deturpa-
dos a depender do foco da programação e de pontos cegos propositais ou não,
determinando e fazendo determinar pessoas sem examinar o exuberante acervo
que compõe a personalidade e as ações humanas de seu então “controlador”.
Frente ao que se colheu das variadas concepções, todas especulativas,
poder-se-ia definir o metaverso, para os fins desta pesquisa, como o conjunto
de ambientes analógico e digitais (protometaversos), que somados dão lugar
a algo extraordinariamente novo, para além da única versão de mundo, per-
fazendo a perfeita conexão entre o ambiente analógico e os virtuais, de forma
constante, simultânea e online, em que seus habitantes não apenas percebem
como algo real, mas também como local adequado para todo o tipo de intera-
ções interpessoais por meio de profunda imersão, viabilizada por alta tecnologia
e uso de avatares, sem distinção entre aquilo que seria analógico e o que seria
virtual, afastando assim qualquer dicotomia entre eles e possuindo as ações os
mesmos resultados independentemente do meio no qual foram executados.
Mesmo ainda incipientes todas as definições, inclusive a acima proposta,
e as inúmeras inquinações, o entusiasmo apresentado por alguns com as possi-
bilidades trazidas pelo metaverso decorrem não apenas dos altos investimentos
financeiros e tecnológicos envolvidos, mas do momento apontado como per-
feitamente adequado ao seu desenvolvimento observado o amadurecimento
da sociedade pós-moderna (TAVEIRA JÚNIOR, 2018), marcada por intensa
geração de conhecimento, processamento de informações, comunicação de
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 139
6 Cf: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Plínio Dentzien (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
7 Souza (2022), bebendo das ideias de Steven Johnson (2015), observa acerca dos questionamentos sobre os limites
do possível adjacente, advertindo, contudo, de forma otimista que diante da atual tecnologia, assim como os inves-
timentos financeiros dispensados o metaverso é algo viável, sendo assim muito mais que um mero hype.
8 V.g.: CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018. p. 458; DIAS, Maria
Berenice. Manual de direito das famílias. 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2021. p. 590; DINIZ, Maria Helena. Curso de
direito civil: direito de família. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 354; MADALENO, Rolf. Manual de direito de família.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 707.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
140
12 Cf. REZENDE, Renato Horta. Contrato de namoro e a quarentena provocada pela pandemia de covid-19: alternativa
válida? In: REZENDE, Renato Horta (Org.). Direito de família e a pandemia de covid-19: reflexões necessárias. Belo
Horizonte: Conhecimento, 2020. p. 41-54.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 143
13 Cf. STJ, AgREsp nº 1.269.166/SP; TJMG, ApCiv nº 1.0572.13.000343-5/001; TJDF, Sentença nº 2005.01.1.118170-3.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
144
14 “ENUNCIADO nº 677 – A identidade pessoal também encontra proteção no ambiente digital. Justificativa: O estudo
do direito à identidade sob enfoque diverso das conceituações tradicionalmente apresentadas (que conferem ênfase na
identificação) e da ressignificação contemporânea, baseada na identidade dinâmica, deve receber abordagem específica
e aprofundada pela perspectiva da influência das novas tecnologias no Direito Privado e revela simbiose com a própria
concepção da identidade pessoal. O Direito foi salvo pela tecnologia. Essa afirmação de Stefano Rodotà provoca reflexão
a respeito da utilização da internet e do ciberespaço e as inevitáveis influências na livre formação da personalidade
e demanda análise aprofundada, de forma mais detida, em relação ao direito fundamental à identidade pessoal e as
possíveis influências nas relações no meio virtual. A generalidade e amplitude dessa resumida conceituação compre-
ende os complexos e multifacetados componentes do valor da personalidade em sua dimensão plural e existencial,
cuja prevalência de tutela decorre de proclamação constitucional. Reconhecida a tutela da pessoa humana em todos
os espectros e o correspectivo direito à diferença, e analisando o paralelismo com o conteúdo do direito à igualdade,
exsurge, essencialmente, o direito de manifestar a singularidade inata em cada ser humano como valor inerente à
personalidade, especialmente nas relações travadas em ambiente digital. O respeito à alteridade e às peculiaridades da
relação entre o eu e o outro, exige, agora sob os contornos do componente tecnológico, exige, agora sob os contornos
do componente tecnológico, tratamento conformado com os valores constitucionais.” (BRASIL, 2022a)
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 145
por avatares deva observar o grau de conexão entre o símbolo humano e seu
controlador, quando então o elemento volitivo humano deve ser considerado
como determinante para apuração dos fatos e consequências decorrentes, o
que poder-se-ia representar por meio da equação, segundo a qual, quanto
maior o controle humano sobre o avatar, maior as suas responsabilidades,
quanto menor o controle, menor as suas responsabilidades15.
O fato de ações ora poderem ser atribuídas de forma ampla aos contro-
ladores de avatares e ora não, pode trazer enorme insegurança nas relações,
ainda mais nas relações afetivas fundadas na confiança e afeto; isso, porque
nas demais relações, salvo melhor juízo, a mera aceitação das condições do
uso de avatares pode justificar os resultados de atos praticados por IA previa-
mente aceitos pelo usuário, todavia, dentro do recorte examinado o elemento
volitivo possui especial relevância direcionada à própria existência ou não de
uma família convivencial.
Contudo, apesar do destaque, observando os elementos indispensáveis
à união estável, quais sejam, a estabilidade da relação convivencial de forma
contínua e pública, as eventuais decisões tomadas por IA quanto à comunhão
de vidas exigiria a confirmação, ainda que tácita, de seus controladores por
não serem efêmeras, instantâneas e restritas a um único ato, mas, muito antes
pelo contrário, exigem práticas continuadas e reiteradas, sendo assim forçoso
concluir pela possibilidade de existência de união estável no metaverso, não
sendo suficiente para seu afastamento a utilização de inteligência artificial
ainda que dotada de capacidade de aprendizado autossupervisionado.
Compreendendo possível a existência de união estável no metaverso,
resta examinar os seus efeitos, tanto de ordem pessoal como patrimonial de
eventual ocorrência, sendo o primeiro direcionado à repercussão de direitos
e deveres recíprocos, enquanto o segundo inquinado às consequências de
ordem econômica (FARIAS; ROSENVALD, 2020).
Quanto aos efeitos pessoais de uma união estável gestada no metaver-
so, tem-se que essa deve obedecer a mesma sorte da união estável até então
circunscrita ao mundo analógico; isso, porque a relação amorosa sob exame,
independentemente do meio em que se efetivar, estará direcionada à realização
pessoal por meio do compartilhamento das alegrias e tristezas em comunhão
de vidas, gerando, por exemplo, efeitos quanto ao parentesco por afinidade16,
15 Ainda que em perspectiva diversa, o Parlamento europeu editou a Resolução nº 16, de 2017, recomendando a
regulamentação da e-personality e das responsabilidades decorrentes aos robôs autônomos com maior sofisticação e
capacidade de interagir com terceiros de forma independente (PARLAMENTO EUROPEU, 2017).
16 Cf. o art. 1.595 do CC.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
146
24 Cf.: https://www.facebook.com/help/1017717331640041.
25 Collaço e Bino (2022) especulam que o NFT (token não fungível) tem potencialidade de tornar-se a principal forma
de se negociar no metaverso, por se atribuir exclusividade ao bem, possuir capacidade de trafegar e ser disposto
com facilidade no ambiente virtual, possuindo ainda tanto proteção legal (Código Civil e Lei nº 14.478, de 21 de
dezembro de 2022) como sistêmica por meio da rede blockchain vinculadas a smart contracts.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
148
5 Conclusões
O conceito de metaverso vem sendo desenvolvido ao longo das últimas
três décadas, inicialmente vinculada ao gênero literário ficção científica e atu-
almente toma contorno especulativo diante do interesse de grandes empresas.
Por se tratar de algo ainda em desenvolvimento, inexiste conceito
unânime do que é ou poderia vir a ser o metaverso, sendo trabalhado nesta
pesquisa como o conjunto de ambientes analógico e digitais (protometaversos)
que somados dão lugar a algo extraordinariamente novo, para além da única
versão de mundo, perfazendo a perfeita conexão entre o ambiente analógico
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 149
ABSTRACT: The need to examine the possible possibility of recognizing a stable union in the metaverse
was identified due to the investment of large companies in the development and creation of protametaverses,
as well as the consequent formulations on different perspectives involving the subject. The theoretical,
speculative and investigative development of the research has as a theoretical reference the notes made by
Conrado Paulino da Rosa in the work “Ifamily: a new concept of family?”, in which the author examines
three sequential and dependent hypotheses aimed at the possibility of affective human relationships occur-
ring regardless of the environment, the personification of “human symbols” in cyberspace, and the need to
guarantee special protection to the family built in the metaverse. The research was developed in three parts,
the first related to the definition of metaverse, the second about the definition and requirements of the
stable union and the third aimed at testing the hypotheses. The raised hypotheses were partially confirmed.
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Autor, 2022.
Rodrigo Mazzei
Doutor (FADISP) e Mestre (PUC-SP), com Pós-
Doutoramento (UFES); Líder do Núcleo de Estudos em
Processo e Tratamento de Conflitos (NEAPI – UFES);
Professor da UFES (Graduação e PPGDir) e da FUCAPE
Business School; Advogado, Consultor Jurídico e atuação em
Arbitragem; e-mail: mazzei@mmp.adv.br.
Introdução
O desenvolvimento econômico e o progresso social implicam, sem
dúvidas, grande complexidade nas relações jurídicas, especialmente naquelas
relacionadas à exploração da atividade econômica e organização patrimonial.
Cada dia mais, por diferentes motivações – que perpassam desde a con-
veniência fiscal, até a estratégia de organização societária ou planejamento
sucessório – as pessoas naturais deixam de titularizar diretamente as relações
jurídico-econômicas, passando a desenvolver suas atividades produtivas por
meio da estrutura das sociedades empresárias.
Naturalmente, como consequente lógico deste cenário de “pejotização”,
em que as sociedades assumem o protagonismo no exercício das funções
profissionais e mercantis, torna-se corriqueiro que o acervo patrimonial das
pessoas físicas compreenda quotas sociais representativas de participações
societárias nas respectivas sociedades. E este fato, como se vê na prática, enseja
dúvidas e questionamentos especialmente no momento da sucessão causa mortis
e do divórcio/ruptura da união estável, devendo-se encontrar mecanismos
que permitam a melhor aplicação dos direitos tidos como “empresariais” (=
participações societárias).
Nesse contexto, dentre as questões que está a merecer atenção, destaca-
se a avaliação acerca da comunicabilidade (e a respectiva da valorização eco-
nômica) das quotas sociais de titularidade de um dos cônjuges/companheiros,
sendo este o ponto sobre o qual nos debruçamos, buscando apresentar uma
reflexão a partir da revisitação, em análise crítica, de jurisprudência firmada
na perspectiva de posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
1 “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”
2 Código Civil: “Art. 1.055. (...) § 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços”.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
154
3 O capital social, com efeito, representa a importância vertida pelos sócios para formar o patrimônio da sociedade, seja
no momento de sua constituição, seja em decorrência de deliberações posteriores. Contudo, embora indicando o
patrimônio que deve ter a sociedade, o capital social com ele não se confunde. Por patrimônio social deve-se entender
o conjunto de bens e direitos de que a sociedade é possuidora. Já o capital social estampa o valor do patrimônio que
ingressou na sociedade em razão da contribuição dos sócios, sendo, pois, a expressão numérica do valor do patrimônio
fornecido pelos sócios e por eles reputado suficiente para a consecução dos fins sociais. Daí por diante, adquirindo
vida, a sociedade passa a agir no mundo jurídico para a realização de seu objeto social e seu patrimônio fica sujeito à
performance da atividade empresarial, crescendo ou definhando em conformidade com as injunções do mercado ou
com a expansão ou encolhimento das atividades sociais. Assim, se no momento da constituição da sociedade eles se
equivalem, ao longo da vida social eles se distanciam (GONÇALVES NETO, 2018, p. 390-392).
4 Diferentemente das ações de sociedades anônimas, as quotas não se constituem um bem em si mesmas, porquanto
não se revestem de ampla e autônoma circularidade, por meio de processos translativos de natureza registrária. De
modo outro, portanto, a quota, no âmbito da sociedade limitada, é representativa, sim, de uma posição de direitos – de
caráter pessoal e patrimonial – perante a sociedade. Enquanto a ação, na qualidade de valor mobiliário, é, ela própria,
o objeto do direito, da quota decorrem os direitos de seu titular perante a sociedade (BORBA, 2022, p. 42-43).
5 “Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: (...) III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas
ações.”
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 155
13 “Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado
estiver sob condição suspensiva. § 1º Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar
por autoridade própria. § 2º O legado de coisa certa existente na herança transfere também ao legatário os frutos
que produzir, desde a morte do testador, exceto se dependente de condição suspensiva, ou de termo inicial.”
14 Na linha (ainda que tendo como pano de fundo ações de sociedade anônima): “(...) A transferência de ações nomi-
nativas em virtude de sucessão por morte somente se dá mediante averbação no correspondente livro de registro da
sociedade empresária. Inteligência do art. 31, § 2º, da Lei nº 6.404/76. 6. Destarte, não se sustenta a tese defendida
no recurso especial no sentido de que, por força do disposto no art. 1.784 do CC, o recorrente teria assumido a
posição de acionista da companhia automaticamente a partir do falecimento de seu genitor, independentemente de
qualquer formalidade” (STJ, 3ª Turma, REsp 1.953.211, j. 15.03.2022).
15 “Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I – se o contrato dispuser diferentemente; II
– se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se
a substituição do sócio falecido.”
16 No sentido (e bem fundamentado): STJ, 3ª Turma, REsp 1.531.288, j. 24.11.2015.
17 O Código Civil da Itália possui um dispositivo específico sobre o tema, confira-se: “Art. 2.289 – Liquidazione della
quota del socio uscente. Nei casi in cui il rapporto sociale si scioglie limitatamente a un socio, questi o i suoi eredi
hanno diritto soltanto ad una somma di danaro che rappresenti il valore della quota. La liquidazione della quota e fatta
in base alla situazione patrimoniale della società nel giorno in cui si verifica lo scioglimento. Se vi sono operazioni
in corso, il socio o i suoi eredi partecipano agli utili e alle perdite inerenti alle operazioni medesime. Salvo quanto e
disposto nell’art. 2270, il pagamento della quota spettante al socio deve essere fatto entro sei mesi dal giorno in cui
si verifica lo scioglimento del rapporto”. Tradução: Art. 2.289 – Liquidação da quota do sócio que se retira – Nos
casos em que a relação social se dissolver limitadamente a um sócio, este, ou seus herdeiros, tem direito somente
a uma importância em dinheiro que represente o valor da quota. A liquidação da quota é feita na base da situação
patrimonial da sociedade no dia em que se verifica a dissolução. Se houver operações em curso, participarão, o sócio
ou seus herdeiros dos lucros e das perdas inerentes às próprias operações. Observado o disposto no art. 2.270, o
pagamento da quota que cabe ao sócio deve ser feito dentro de seis meses em que se verificar a dissolução da rela-
ção. Tradução efetuada com base em Diniz (1961, p. 329). Também fazendo alusão ao Código Civil da Itália, com
tradução própria, confira-se: FRANÇA; ADAMECK, 2021, p. 85-86.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 157
18 Muito embora atualmente não remanesçam dúvidas a respeito do caráter patrimonial das quotas sociais, o assunto
já foi controvertido no passado, cabendo destaque às considerações outrora apresentadas pelo STJ, no julgamento
do REsp 1.531.288/RS: “De plano, releva consignar ser inquestionável que as quotas sociais, seja de uma sociedade
empresarial, seja de uma sociedade simples, além de serem dotadas de expressão econômica, não se confundem
com a atividade econômica desenvolvida pela sociedade (objeto social). (...) Ante a inegável expressão econômica das
quotas sociais, a compor, por consectário, o patrimônio pessoal de seu titular, estas podem, eventualmente, ser objeto
de execução por dívidas pessoais do sócio, bem como de divisão em virtude de separação/divórcio ou falecimento
do sócio” (STJ, REsp 1.531.288/RS, 3ª Turma; j. 24/11/2015).
19 Por constituírem bens dotados de expressão econômica, afigura-se possível a partilha de quotas sociais na dissolução
da sociedade conjugal do sócio ou de morte de seu cônjuge, quando se atribui aos herdeiros a parcela que lhe é devida
em razão da meação. Tal divisão dependerá do regime de bens adotado. A norma objetiva preservar o patrimônio
social, a evitar a descapitalização que o pagamento de ativos para todos os envolvidos geraria (WALD, 2005, p. 221).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
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20 Como destacam Fabiana Domingues Cardoso e Viviane Girardi (2021, p. 179), a modalidade supletiva do regime é
fixada na lei a partir da análise dos costumes e das necessidades da sociedade na qual ele se aplica e, normalmente,
engloba as regras que a maioria das pessoas, submetidas a tal legislação, restaria satisfeita ou escolheria.
21 Não se descura que a disposição do art. 1.829, I, do CC, por sua redação controvertida, suscitou variadas discussões
doutrinárias com reflexo na jurisprudência nacional, gerando polêmica sobre a vocação hereditária e a concorrência
do cônjuge sobrevivente com os descendentes do autor da herança, tanto que estabeleceram-se quatro correntes
interpretativas distintas, conforme identificadas esquematicamente no julgamento do REsp 992.749/MS (BAGNOLI,
2016, p. 19). No entanto, sob pena de introduzir demasiada complexidade na análise de ponto adjacente no trabalho,
para fins de corte metodológico, adota-se no presente estudo a corrente majoritária, que é aquela formada a partir da
hermenêutica literal do Código, conjugada com o Enunciado nº 270 da III Jornada de Direito Civil, que assim dispõe:
“O art. 1.829, inciso I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor
da herança quando casados no regime de separação convencional de bens ou, se casados nos regimes de comunhão
parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipótese em que a concorrência se
restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”.
22 Como adverte Conrado Paulino da Rosa (2022, p. 73), esta regra faz cair por terra a ideia de que, no regime de co-
munhão parcial de bens, a comunicabilidade dos bens acontecerá apenas em relação aos bens construídos “a quatro
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
160
mãos”. A participação tão somente quanto às aquisições onerosas só acontecerá por divórcio ou dissolução da união
estável: aqueles que acreditam no “até que a morte os separe” terão mais uma desilusão além da perda do amor de
sua vida, pois tal critério é desconhecido da maioria da população e costuma surpreender após a morte de um dos
parceiros.
23 Karime Costalunga (2019, p. 121), ao discorrer sobre tal decisão do STF, comenta que se tratou da realização do
mister hermenêutico e adaptativo da jurisprudência, buscando uma tentativa de superar o retrocesso da lei e, assim,
minimizar o prejuízo que vinha sofrendo o companheiro sobrevivente, facilitando a ordem e vocação hereditária,
muito embora não tenha a decisão incluído o companheiro no rol de herdeiros necessários.
24 Traçando os contornos da mancomunhão (por todos): RANGEL, 2016, p. 105-116.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 161
bens particulares, sendo que na sucessão inter vivos, ter-se-á por incomunicável,
ao passo que na sucessão post mortem o cônjuge – e também companheiro, por
força da equiparação consagrada pela citada jurisprudência do STF – concorre
com os descendentes na herança.
A dúvida surge, pois, ao se deparar com a possibilidade de partilha da
valorização econômica incidente sobre as quotas sociais enquanto bens par-
ticulares, sendo que, para tal questionamento, o Superior Tribunal de Justiça
ofereceu solução a partir do julgamento do paradigmático Recurso Especial
nº 1.173.931/RS.
27 A propósito das sociedades limitadas de capital, Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 384) discorre: “Cada sociedade, em
particular, em razão das tratativas entabuladas pelos seus sócios, terá um ou outro perfil. A hibridez do tipo importa
a existência de sociedades limitadas de pessoas e de capital, de acordo com o respectivo contrato social. A discussão
sobre a natureza da sociedade limitada, assim, somente se completa pelo exame do disposto no documento que
instrumentaliza a sua constituição. Em outros termos, para se definir se uma específica sociedade limitada é de capital
ou de pessoas, deve-se consultar o seu contrato social.”
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Doutrina
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31 “Art. 152. A assembléia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive
benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado
às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado.”
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 169
Considerações Finais
Percebe-se na sociedade atual, por diferentes motivações, movimento
denominado de “pejotização”, em que as pessoas naturais passam a exercer as
32 Vale a ressalva de que o esforço de avaliar, casuisticamente, a origem da valorização patrimonial das quotas não é
estranho ao labor judicante do STJ, sendo que tal exercício já foi feito para o enfrentamento de controvérsia asse-
melhada, no REsp 1.595.775/AP. Neste caso, a decisão ponderou que o acréscimo do valor patrimonial das quotas
decorreu de retenção de lucros da sociedade, que, ao invés de distribuídos aos seus sócios, foram mantidos em conta
de reserva, para reinvestimento e custeio de aumento de capital. Diante deste contexto, entenderem que, mesmo
constituindo-se os frutos bens comuns, ao serem manejados em tal operação contábil, representam um acréscimo
não passível de comunicabilidade: “As quotas ou ações recebidas em decorrência da capitalização de reservas e lucros
constituem produto da sociedade empresarial e aumentam o seu capital social com o remanejamento dos valores
contábeis da própria empresa, consequência da própria atividade empresarial. Assim, tal reserva não se caracteriza
como fruto, à luz do art. 1.660, V, do Código Civil, apto a integrar o rol de bens comunicáveis ante a dissolução da
sociedade familiar. Assim, não havendo redistribuição dos lucros da sociedade empresária aos sócios, porquanto
retidos na empresa para reinvestimento, não há como reconhecer o alegado acréscimo do patrimônio do casal, motivo
pelo qual não há falar em incidência do art. 1.660, V, do Código Civil de 2002” (STJ, REsp 1.595.775/AP, 3ª Turma,
j. 09.08.2016).
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TITLE: The assets gains of equity shares and their repercussion in the context of the probate process,
divorce and dissolution of the stable union.
ABSTRACT: The present work aims to evaluate the legal treatment that has been given by the jurispru-
dence to the question concerning the transmission of equity shares in the context of the probate process,
divorce and dissolution of the stable union To this end, we will first study the legal discipline regardind the
equity shares especially what concerns the transfer of property rights inherent to them. Then, in order to
enable the deepening of the theme, it will focus on the general rules of matrimonial regimes, highlighting
those that guide the partial communion of goods, as well as their main repercussions, both in the event
of death, as well as divorce and rupture of stable union. Then, already fixed the rules that guide the com-
municability of equity shares, will move on to the analysis of the central problem of the article, in order
to evaluate the possibility of sharing the assets gains incident on equity share, which will be done in the
light of jurisprudence of the Superior Court of Justice, presenting reflection and critical analysis of the
respective decision-making premises.
KEYWORDS: Equity Shares. Assets Gains. Divorce Share. Probate Process. Divorce. Stable Union
Dissolution.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-
vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, inaugurando a divergência, no que foi
acompanhada pelos Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Paulo de Tarso
Sanseverino e o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, acompanhando o
Relator, por maioria, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da
Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros
Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze. Votaram com a Sra. Ministra Nancy An-
drighi os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Brasília (DF), 04 de maio de 2021 (Data do Julgamento).
Ministra Nancy Andrighi – Relatora
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 177
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator):
A C DA R (A C), menor impúbere, nascida aos 9/3/2001, assistida pela
Defensoria Pública Estadual, ajuizou ação de reparação de danos morais e afetivos
cumulada com alimentos contra E C DE S e A C DA R (E e A), na qual narrou
que aos 9 (nove) anos de idade foi adotada por eles, que a agrediam física e men-
talmente, em manifesto descumprimento do poder familiar, o que lhe acarretou
abalos psíquicos.
Relatou, ainda, que (i) E procurou o Ministério Público buscando medidas
protetivas em seu favor, tendo afirmado que estava apresentando comportamentos
antissociais e havia, até, fugido do colégio onde estudava; (ii) o Ministério Públi-
co Estadual ajuizou medida protetiva em seu favor na qual pediu a intervenção
judicial para o acompanhamento temporário da família por equipe técnica e
órgãos oficiais, e a realização de estudo psicossocial na residência familiar para
acompanhamento da sua situação; (iii) o estudo psicológico constatou que E e A
desejavam entregá-la para uma instituição de acolhimento e que eles não tinham
interesse em resolver o conflito familiar; (iv) confidenciou para a equipe técnica
que tinha muito medo da sua genitora porque ela a agredia com frequência; e,
(v) a equipe técnica constatou indícios de transtornos nas suas áreas cognitiva,
comportamental, emocional e física, o que acarretou a sua recomendação ins-
titucional para o fim de garantir sua plena integridade, tendo a Justiça acolhido
a recomendação e determinado o seu acolhimento institucional, além da perda
do poder familiar.
Pugnou pela condenação de E a A ao pagamento de compensação por aban-
dono material e afetivo em razão dos abalos sofridos, bem como ao pagamento
de pensão alimentícia para o atendimento das suas necessidades.
O Juízo da Vara da Infância, Juventude e Idoso da Comarca de Campo
Grande/MS julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar E e A
ao pagamento de pensão alimentícia no valor correspondente a 50% do salário
mínimo e ao pagamento de indenização por danos morais para A C, em virtude
de abandono afetivo, no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (e-STJ, fls.
221/232).
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/SM) deu provimento ao
recurso de apelação de E e A, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:
“RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DA-
NOS MORAIS E ALIMENTOS. ADOÇÃO. PERDA DA AUTORIDADE
PARENTAL POR ATO JUDICIAL. TÉRMINO DEFINITIVO DO PO-
DER FAMILIAR. AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. DANOS
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Jurisprudência
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VOTO VENCIDO
O Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro:
Adianto que o inconformismo merece prosperar, em parte.
De plano vale pontuar que as disposições do NCPC, no que se refere aos
requisitos de admissibilidade dos recursos, são aplicáveis ao caso concreto ante
os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na
sessão de 9/3/2016:
“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a deci-
sões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos
de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 179
art. 1.638, II, III e IV, do CC/02, porque eles não estavam exercendo na prática
os deveres inerentes a tal função (e-STJ, fls. 209/212).
Operada a destituição do poder familiar e salvaguardados os interesses de
A C, diferentemente do que consignou o acórdão recorrido, entendo que em tal
hipótese o encargo alimentar não se extingue automaticamente, pelos seguintes
motivos.
O primeiro argumento, do ponto de vista da legislação civil, é que a sentença
que decreta a perda do poder familiar não determina o cancelamento do registro
civil de nascimento da criança ou do adolescente, o que somente ocorre quando
se operar nova adoção (art. 47, § 2º da Lei nº 8.069/90 (ECA), determinando a lei
que apenas a sentença seja averbada à margem do registro civil (art. 163 do ECA).
Nessa toada, observa-se que o decreto judicial de perda do poder familiar
não desconstitui os vínculos parentais, o que somente pode ocorrer com a coloca-
ção do menor em outra família substituta para nova adoção, que, então, atribuirá
a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, desligando-o
de qualquer vínculo com os pais primitivos (art. 41, caput, do ECA).
Assim, decretada a extinção do poder familiar e não ocorrendo nova adoção,
os genitores ainda possuem obrigações e deveres com a prole comum, incluindo
o dever de prestar-lhes alimentos, que são essenciais a manutenção digna do ali-
mentado, pois ainda permanecem os vínculos de parentesco entre eles, que os une.
E existindo vínculo de parentesco, o art. 1.695 do CC/02 dispõe que o direito
à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes,
recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
ROLF MADALENO bem esclarece o que é vínculo de parentesco, le-
cionando que são parentes as pessoas que descendem uma das outras ou de um tronco
comum, e, no caso da afinidade, o que aproxima cada uma dos cônjuges dos parentes do
outro, e também há vínculo de parentesco na relação estabelecida por ficção jurídica entre o
adotado e o adotante (Direito de Família. 10ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2020, p. 518).
Não é só.
No caso dos autos, com a destituição do poder familiar, A C foi levada para
abrigo institucional e, por conseguinte, a sua guarda foi atribuída provisoriamente
a terceiro, no caso, à Coordenadora da Instituição de Acolhimento SOS Abrigo
(e-STJ, fl. 37), ou seja, ao Estado (Município de Campo Grande/MS).
Nesse cenário, o § 4º do art. 33 do ECA, estabelece expressamente que não
havendo determinação judicial em contrário da autoridade judiciária ou quando
a medida for aplicada em preparação para adoção, “o deferimento da guarda para
terceiro não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 181
de prestar alimentos”, o que é a hipótese dos autos, indicando que a obrigação ali-
mentar não se desfaz com a só destituição do poder familiar.
Por derradeiro, a Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68), no seu artigo 2º,
dispõe que o credor para fazer jus aos alimentos, deve se dirigir ao juiz compe-
tente, qualificando-se e expondo suas necessidades, provando apenas o parentesco ou
a obrigação alimentar do devedor, de modo que esta última não está vinculada
apenas ao poder familiar.
Pelo exposto, sob o aspecto legal, em virtude da manutenção do parentesco,
os pais destituídos do poder familiar permanecem obrigados a prestar alimentos
a seus filhos, desde que eles não tenham sido adotados, o que é o caso dos autos.
Desse modo, agiu certo o juiz sentenciante ao ressaltar que “mesmo que
os requeridos tenham sido destituídos do poder familiar, essa situação não lhes
desobriga de prestar assistência material à filha, pois a destituição do poder familiar
apenas retira dos pais o poder que lhes é conferido para gerir a vida da prole, mas
não rompe o vínculo de parentesco” (e-STJ, fl. 224).
A respeito do tema, na jurisprudência desta eg. Corte Superior, não en-
contrei nenhum um precedente específico das Turmas que compõem a Segun-
da Seção, mas somente uma decisão monocrática proferida pela em. Ministra
NANCY ANDRIGHI, em processo semelhante, esclarecendo que na perda do
poder familiar o vínculo biológico com todos os seus consectários permanece, o que é retirado
é apenas o dever que o genitor tem de gerir a vida do filho (AREsp nº 1.720.813/MS,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe de 21/8/2020).No campo doutrinário,
MARIA BERENICE DIAS defende que a destituição do poder familiar não
implica a extinção da obrigação alimentar, que permanece em virtude da relação
de parentesco, com os seguintes argumentos:
“A perda ou suspensão do poder familiar não retira dos pais o dever de ali-
mentos. Entendimento em sentido contrário premiaria quem faltou com
seus deveres. Tampouco a colocação da criança ou do adolescente em família
substituta, ou sob tutela afasta o encargos alimentar dos genitores. Trata-se de
obrigação unilateral, intransmissível, decorrente da condição de filho e inde-
pende do poder familiar.” (Manual do Direito das Famílias. 12ª ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista do Tribunais, 2017, p. 496)
Nesse mesmo sentido, trilha ROLF MADALENO, para quem, ao contrário
do dever alimentar, a obrigação alimentar não está vinculada ao poder familiar, mas unica-
mente à relação de parentesco, como estabelece o art. 1.696 do Código Civil, ao ordenar ser o
direito à prestação de alimentos recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes
(op. cit., p. 1.031).
Para finalizar, cumpre ressaltar que o STJ já proclamou que, mesmo ces-
sando o poder familiar na hipótese da ocorrência da maioridade, a obrigação de
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Jurisprudência
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VOTO-VISTA
A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi:
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 – Jurisprudência
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abrigo, a menina tentou contato com a família biológica, sendo levada para
Bela Vista. Ocorre que lá, novamente, fugiu por diversas vezes, inclusive para
o Paraguai, para se encontrar com o namorado.
Também, vale ressaltar não ter ficado demonstrado que os recorrentes agi-
ram com má-fé ou que tenham sido irresponsáveis em relação à educação
da adolescente. Conforme acima narrado, as testemunhas sustentaram que
havia uma relação de afeto na família e que todas desconheciam a existência
de maus tratos naquele ambiente.”
18) Examinando-se as razões de decidir acima declinadas, conclui-se ser
possível, respeitosamente, extrair uma conclusão jurídica distinta.
19) Com efeito, nos conflitos atinentes ao direito de família, a ausência ou
a insuficiência da prova das agressões físicas ou psicológicas que justificariam a
responsabilização civil é matéria que deve ser vista cum grano salis, tendo em vista
a própria dinâmica familiar, por vezes bastante reservada e íntima.
20) A esse respeito, anote-se que a prova oral reproduzida no acórdão re-
corrido, se bem examinada, revela, em verdade, um cenário de falta de adequado
esclarecimento da matéria fática, tendo em vista que: (i) nenhuma das testemunhas
pode ser considerada como presencial, eis que apenas reportaram genericamente
nunca ter notícia de maus tratos e não ter conhecimento de qualquer comportamento violento
da família; (ii) uma das testemunhas poderia ser considerada como suspeita, eis que
era confessadamente amiga dos recorridos, atraindo a incidência da regra do art.
405, § 3º, III, do CPC/73; (iii) os depoimentos de duas das testemunhas, as assis-
tentes sociais, foram considerados apenas a partir dos diálogos que mantiveram
exclusivamente com a recorrida e não a partir de sua própria observação dos fatos.
21) O depoimento de uma das assistentes sociais, a propósito, permite
inferir conclusão distinta daquela adotada pelo acórdão recorrido, na medida
em que diz ela ter ouvido, diretamente da mãe adotiva, o expresso desejo de não mais
querer a menor morando junto consigo – isso menos de 05 anos após a adoção de uma
criança que somente veio à entidade familiar em avançada idade, já com 09 anos.
22) Esse desejo – de devolução da menor adotada ao abrigo – foi reiterado
em, pelo menos, mais uma oportunidade. Quando citados para a ação de desti-
tuição do poder familiar, os recorridos, a despeito de negarem as agressões físicas
e psicológicas, reconheceram que não reuniriam condições de exercer o poder familiar e
reconheceram a procedência do pedido formulado pelo Ministério Público do Estado
de Mato Grosso do Sul, concordando, pois, com a destituição. Na sentença que
julgou procedente o pedido, consta expressamente:
“A presente ação teve início em razão da requerida E ter comparecido ao setor técnico ob-
jetivando devolver a filha A, sendo que, realizada a avaliação psicológica do caso,
a conclusão foi de que ‘o acolhimento institucional de A C da R, é recomen-
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Conclusão
41) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator,
CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de: (i) restabe-
lecer a sentença que julgou procedente o pedido, mas arbitrando em R$ 5.000,00
a condenação a título de reparação de danos morais, corrigidos monetariamente a
partir da data do presente arbitramento; (ii) determinar o retorno do processo ao
TJ/MS, com determinação de conversão do julgamento da apelação em diligência,
a fim de que seja investigado se a recorrente ainda necessita dos alimentos após ter
alcançado a maioridade civil e quais são as atuais possibilidades dos alimentantes.
J u r i s p r u d ê n c i a C o m e n ta d a
1 O Caso (o Fato)
Trata-se de ação de reparação de danos morais e afetivos cumulada com
alimentos proposta pela adotada A C DA R (A C), menor impúbere, nascida
aos 9/3/2001, contra os adotantes E C DE S e A C DA R (E e A), perante o
Jurisprudência Comentada – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 197
2 O Julgamento
In casu, o julgamento abarca, além da possibilidade de pagamento de pensão
alimentícia pelos pais adotivos destituídos do poder familiar, precipuamente o
cabimento de compensação por abandono material e afetivo por danos psicoló-
gicos sofridos pela recorrente por parte dos recorridos, julgado em 04/05/2021.
No que tange à matéria objeto de análise no momento, o Ministro Relator
Moura Ribeiro votou pela improcedência de fixação de indenização por danos
morais em virtude do abandono afetivo. Neste ponto, em seu voto, o ministro se
ateve à conclusão do próprio TJMS acerca das provas carreadas originariamente
aos autos, diante do óbice para reexame fático-probatório em Recurso Especial.
O relator ressaltou que, para o TJMS “à luz dos elementos e das provas
colhidas dos autos, que não ficou comprovada nenhuma situação de maus-tratos
sofridos por A C ou abandono afetivo por parte dos recorridos E e A (inexis-
tência de ato ilícito)” (BRASIL, 2021). Tomando para si o entendimento do
TJMS, o ministro asseverou que: “para o TJ/MS, soberano na análise dos fatos
e das provas dos autos, não houve comprovação de que A C sofreu maus tratos,
sejam físicos ou psicológicos, por parte dos seus pais adotivos” (BRASIL, 2021).
Em suas considerações, apontou a não configuração do abandono
afetivo, o que implica em não estar comprovado o fato ilícito que porventura
ensejaria a indenização por dano moral.
O ministro evocou precedentes da Corte em que, para se alterar en-
tendimento de acórdão recorrido acerca da configuração de danos morais,
demandaria reexame de fatos e provas, o que a Súmula nº 7 do STJ1 impede
(a exemplo o AgInt no AREsp 1.286.242/MG2 e o REsp 1.493.125/SP3).
1 Súmula nº 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
2 “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABANDONO
DE MENOR. DANOS MORAIS. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA
Nº 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.” (AgInt no AREsp 1.286.242/MG, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, j. 08.10.2019, DJe 15.10.2019)
3 “RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFE-
TIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL.
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3 Conclusões e Considerações
Para além de perquirir a necessidade versus possibilidade da pensão
alimentícia depois da maioridade e da destituição do poder familiar e da ce-
leuma acerca da devolução da criança após estágio de convivência, tudo isso,
Jurisprudência Comentada – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 201
4 ECA: “Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas
sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência”.
ECA: “Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente,
em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento
integral”.
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5 “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL.
POSSIBILIDADE.” (REsp 1.159.242/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 24.04.2012, DJe 10.05.2012)
Jurisprudência Comentada – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 52 – Jan-Fev/2023 203
direitos da, então menor, A C, por parte dos demandados e do Estado de forma
dúplice, enquanto órgão administrativo e fiscal da lei no tocante às ações – ou
omissões – do Ministério Público.
Aprioristicamente, é possível identificar deslizes advindos sob vários
prismas: entre o Estado enquanto administração pública e os – no momento
– pretensos adotantes, no momento em que os agentes multidisciplinares
não foram capazes de identificar e antecipar futuros problemas que poderiam
surgir com base nos estudos psicossociais realizados com os requeridos, não
necessariamente pela idade avançada dos postulantes à adoção – uma vez que
as únicas ressalvas legais no tocante à faixa etária é sua margem mínima, tal
como explicitado pelo art. 42 do ECA6 –, mas pelo perfil psicológico e social dos
requerentes de forma independente e em comparação com o perfil da adotada;
entre os mesmos entes e a adotada, que, além de – dever – ser acompanhada
diuturnamente já que uma vez em acolhimento institucional, cuja obrigação
era de, no mínimo, tentar minimizar todo o impacto psicológico sofrido pela
menor enquanto retirada de sua família biológica, não fez o levantamento de
família substituta que mais encaixasse com o seu perfil e suas necessidades;
com ambos requeridos e requerente durante o estágio de convivência, utili-
zado exatamente para corrigir falhas ocorridas durante a percepção inicial e,
por fim, do Parquet estadual, fiscal da lei, que, diante de todos os indícios de
maus-tratos físicos e psicológicos, ainda, durante o procedimento, inclusive
de tentativa de devolução da criança, não agiu de forma altiva e eficaz a fim
de sanar todas as irregularidades que outrora passaram despercebidas.
As reflexões que se fazem em relação ao perfil dos adotantes, sobretudo
no que concerne à faixa etária, não tem o condão de ser discriminatória ou
de coibir a habilitação de quaisquer postulantes, mas se faz extremamente
necessária a fim de garantir um olhar mais atento ao caso concreto.
De um lado, tem-se uma criança com então nove anos, institucionali-
zada, advinda de uma experiência psicológica tamanha que fez com que seus
genitores fossem destituídos do poder familiar, sem contar com a evidente
amplitude de sua capacidade analítica dada por conta da idade. Não são ne-
cessários muitos esforços – a despeito do voto divergente do Ministro Relator
– para que se conclua sobre as necessidades psicológicas e sociais que deverão
ser trabalhadas ao longo dos anos para que essa criança se torne uma adulta
com padrões mínimos de funcionalidade.
6 ECA: “Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (...) § 3º O adotante
há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando”.
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Do outro lado, por sua vez, tem-se um casal de idosos, cujo mais
velho dentre eles tinha 85 anos à época, e, por mais que sejam saudáveis no
momento da adoção, deve ser levado em consideração as futuras limitações
físicas e biológicas com o passar dos anos. Além disso, como evidenciou a
Ministra Nancy Andrighi em seu pertinente voto, deviam ser tomados como
pressupostos a diferença geracional e as dificuldades trazidas pelas cicatrizes
carregadas pela menor desde tenra idade.
Se faz mister reforçar a louvável disponibilidade dos adotantes para
exercer importante papel, mas não se pode olvidar a extrema necessidade,
então, de uma avaliação meticulosa por parte do Estado de tais perfis, a fim
de se evitar a tão temida requisição de devolução de um infante adotado,
dando sequência ao ciclo de rejeições, traumas e desconfianças vivenciados
por esta menina.
O caso em comento serve para elucidar e fixar que o afeto, apesar de
não quantificável, pode sim originar a responsabilização civil quando não é
dirigido nas relações familiares – qualquer que seja a formação da família – e,
precipuamente, quando é negado a crianças e adolescentes. A decisão evidencia
que violados os deveres parentais, impedindo que as garantias fundamentais
das crianças e dos adolescentes sejam efetivadas, verificável está a causação do
dano com culpa – seja por ação ou omissão.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.
htm. Acesso em: 01 jun. de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.698.728. Relator: Ministro Moura Ribeiro. Julgamento:
04/05/2021.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2017.
SOUSA, Bruna Alessandra Costa Rossi de. Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais para com os filhos.
2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1465/Responsabilidade+civil+por+abandono+afetiv
o+dos+pais+para+com+os+filhos. Acesso em: 05 jun. 2022.