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CONSELHO EDITORIAL
Wilson Madeira Filho (UFF)
Leonardo Barci Castriota (UFMG)
Geraldo Márcio Timóteo (UENF)
Márcia dos Santos Macedo (UFBA)
Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima (UNIGRANRIO)
Dione da Rocha Bandeira (UNIVILLE)
Jacinta Sidegum Renner (FEEVALE)
Ana Keila Pinezi Mosca (UFABC)
Selvino José Assmann (UFSC)
Gilmar Ribeiro dos Santos (UNIMONTES)
Carlos Henrique Medeiros de Souza (UENF)
José Carlos de Oliveira (UFRJ)
Edina Schimanski (UEPG)
Gláucia Maria Costa Trinchão (UEFS)
Maria Thereza Azevedo (UFMT)
Maria de Fátima Bento Ribeiro (UFPel)
Sílvia Alicia Martinez (UENF)
Edna Maria Querido de Oliveira Chamon (UNITAU)
REALIZAÇÃO
www.sdd.uff.br
Eder Fernandes Monica
Ana Paula Antunes Martins
(Orgs.)
Ficha catalográfica
CDD:
CDU:
SUMÁRIO
Prefácio............................................................................................................................................7
Apresentação .............................................................................................................................11
5
Capítulo 9 Gênero, justiça e políticas públicas sob a ótica de Nancy Fra-
ser ............................................................................................................. 219
Natália Caroline Soares de Oliveira
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PREFÁCIO
7
Em princípio, uma teoria jurídica da sexualidade deveria se inscrever
no prolongamento de uma filosofia política laica construída a partir da ideia
de autonomia da vontade do sujeito de direito autônomo e responsável que
desenvolve sua liberdade a partir de eleições racionais.
A atividade sexual, como toda atividade humana, é múltipla e variada.
Depende da representação que a partir dela os indivíduos são forjados. O
leque se desenrola desde aquelas concepções que concebem o sexo como uma
ação meramente reprodutiva no marco do matrimônio até os que fazem da
libertação sexual uma forma de vida. Há aqueles que preferem as pessoas do
próprio sexo e aqueles que encontram o prazer no sexo oposto. O sexo pode
constituir uma identidade ou simplesmente um ato sem conotação subjetiva.
Para algumas pessoas sexo e amor são indissociáveis, outros fazem da sexua-
lidade uma atividade onerosa.
Uma regulação justa da sexualidade deve colocar entre parênteses os
diferentes sentidos que cada indivíduo outorga a sua vida erótica. Não existe,
em nossas sociedades multiculturais, um consenso substancial em matéria se-
xual. Em tal marco, a ação do Direito deve ser minimalista, reduzindo sua
intervenção ao cumprimento de dois princípios gerais: o consentimento livre
dos indivíduos e a ausência de prejuízo a terceiros.
A partir de uma leitura dessacralizada da sexualidade (emancipada da
tradição e das ideologias não problematizadas) e de uma concepção modesta
do Direito, minha reflexão pode se interpretar como o resultado de um es-
panto intelectual, por um lado, e da aplicação de uma filosofia consensualista
do sujeito erótico e da naturalidade moral do Estado em matéria sexual, por
outro.
Comecemos pelo espanto: a constatação universal da proibição do
incesto como uma fonte do mundo normativo, como a antropologia propõe,
não encontra equivalência no Direito. Segundo Maurice Godelier, “a proibi-
ção do incesto consiste em fazer o social com o sexual”, também Lévi-Strauss
demonstra que a proibição do incesto é a matriz da norma enquanto critério
do permitido e do proibido. De tal modo que a regulação da sexualidade apa-
rece como a atividade normativa originária em função da qual se articulam
todas as outras formas de regulação. Desde esta perspectiva antropológica,
resulta surpreendente o desinteresse da teoria geral do Direito pela sexuali-
dade. É por isso que, frequentemente, os juristas se comportam melhor como
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Não podemos pretender ser pós-modernos se, todavia, não cumpri-
mos com as exigências da modernidade. Arrancar a sexualidade da moral e da
clínica e instalá-la no Direito implica passar necessariamente pela moderni-
dade para, é claro, logo criticá-la.
Daniel Borrillo
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APRESENTAÇÃO
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sexualidade no Direito brasileiro, usamos a pergunta sobre qual seria o futuro
da sexualidade como guia para uma compreensão mais densa sobre os rumos
da política sexual no Brasil. Assim, trabalhando com a hipótese geral de que
a legislação sexual atual pode se caracterizar como um instrumento de afirma-
ção da autodeterminação das pessoas e como um meio de proteção da liber-
dade sexual, investigamos as temáticas da sexualidade tentando compreender
se existe um sentido de realização das promessas da modernidade: liberdade
e igualdade para todos.
Os direitos sexuais se destacam atualmente como conceito operante
de uma política sexual emancipatória, tanto no âmbito internacional, como
no nacional. Há um amplo campo de investigação desenvolvido por diversas
pesquisadoras e diversos pesquisadores que propõem um compromisso mais
efetivo na realização dessa promessa de emancipação. Essa política, quando
analisada dentro do Direito, se confunde com propostas liberais de direitos
de minorias e políticas de reconhecimento das diferenças sexuais, dentro de
uma dinâmica reformadora do sistema de direitos. A diferenciação entre as
várias propostas e a pergunta sobre sua eficiência permitem uma noção mais
apurada sobre o que hoje vivenciamos como sexualidade. Os vários atores
sociais que disputam o campo político, como o Estado, as instituições médi-
cas e religiosas, o Direito, a opinião pública e o mercado, estão entrelaçados
numa trama complexa de significações que clamam para si a agenda – ou a
sua exclusão – dos direitos sexuais. Entender os caminhos já trilhados e os
que ainda estão por vir nos ajuda a pensar o que estamos afirmando enquanto
liberdade e emancipação, principalmente quando a democracia nos exige levar
a sério o pluralismo de visões de mundo que hoje nos caracteriza.
Sob esse pano de fundo, o livro foi construído na tentativa de verifi-
car a hipótese geral, que também é a hipótese básica das concepções de liber-
dade da Modernidade, por intermédio de temas específicos da sexualidade,
que são objeto da legislação brasileira. O estudo das dinâmicas políticas e das
fases características do sistema jurídico nos permitirá conclusões mais preci-
sas sobre os caminhos que estamos seguindo. Dentro de uma dinâmica global
dos sistemas jurídicos, podemos perceber que a modernidade sexual se carac-
teriza por um início repressivo, passando por uma intensa fase de crítica e
reestruturação em meados do século passado, para uma fase mais recente de
compromisso com sentidos de liberdade sexual, próprios da noção de direitos
sexuais. Em que medida o Direito brasileiro se compromete com o estágio
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
atual dos direitos sexuais? De que modo ele promove sentidos profundos de
emancipação por meio da sexualidade? As decisões judiciais mais recentes
apontam para uma sexualidade mais plural e inclusiva? Em que aspectos po-
demos dizer que a legislação sexual ainda possui um caráter repressivo signi-
ficativo? Ainda estamos comprometidos com a realização das promessas da
modernidade ou podemos visualizar uma pós-modernidade na sexualidade?
O primeiro capítulo do livro abre a discussão questionando quais se-
riam os conceitos básicos para pensar sobre política sexual no Direito brasi-
leiro. Os autores Eder Fernandes Monica e Ana Paula Antunes Martins se
preocupam em entender o projeto moderno da sexualidade em suas fases e
compromissos, tendo por base a hipótese sustentada por Foucault em A His-
tória da Sexualidade de que a relação entre poder e sexualidade ajudam a mostrar
os dispositivos que produzem sentidos de sexualidade. A ordem sexual oci-
dental, antes densamente significada pela religião cristã, sofre um complexo
processo de compartilhamento dos seus sentidos dentro do Estado Moderno.
A identificação das novas categorias que ressignificam o sentido da sexuali-
dade nos mostra a intensa trama dos atores que disputam o seu futuro. Por
isso, além de pensar os conceitos-chave da investigação, os autores desenvol-
vem uma análise sobre os atuais usos do conceito de direitos sexuais e suas
articulações entre o Direito e a política sexual no Brasil, concluindo com in-
dagações sobre o momento político de tensão vivenciado na atual arena polí-
tica.
Adriana Ribeiro Rice Geisler, pesquisadora destacada em debates so-
bre autonomia corporal e pessoas trans, desenvolve, no segundo capítulo,
análise sobre as necessidades de pessoas trans em suas demandas por autono-
mia corporal, em tensão com as pretensões emancipatórias do direito ao en-
campar os impulsos libertários de grupos externos à oficialidade estatal. Guar-
dando relação entre a sexualidade e um novo olhar sobre o Direito, a autora
destaca como o Direito vem se posicionando frente aos anseios da população
trans, com análise qualitativa que parte de pesquisas de campo realizadas an-
teriormente. Em conclusão, Adriana revela a insuficiência do conceito de dig-
nidade da pessoa humana para se pensar o futuro da sexualidade no direito,
pleiteando a adoção de conceitos como protagonismo e pluralismo para uma
sexualidade efetivamente democrática.
Entrelaçando sexualidade e relações de trabalho, o terceiro capítulo
conta com as análises de Carla Appollinario de Castro a respeito da inserção
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no mercado formal de trabalho das trabalhadoras e trabalhadores LGBTs. A
autora reflete o lugar da sexualidade no Direito do Trabalho, a partir do deli-
neamento do conceito de cidadania no Brasil e sua atualização na perspectiva
da inserção no mercado formal de trabalho. Em sua parte empírica, Carla, por
meio de análise de julgados do Judiciário Trabalhista, critica o modo como
são recepcionadas as demandas judiciais dos trabalhadores LGBT, apontando
alternativas para o futuro da sexualidade no direito, como um ensino jurídico
sensível a tais demandas e um Judiciário mais atento para as novidades que a
diversidade sexual traz para o âmbito da cidadania.
Debatendo o contexto do governo do Partido dos Trabalhadores
(PT) e seus compromissos com os “direitos de minorias sexuais”, Gustavo
Agnaldo de Lacerda desenvolve no quarto capítulo análise sobre a política
sexual voltada à população LGBT no legislativo federal brasileiro durante os
anos de governo do PT, tentando entender a política que se desenrola por
meio da significação recente da sexualidade LGBT nos discursos dos seus
deputados federais. Como conclusão, apresenta suas críticas em relação aos
estilos de regulação moral de hoje e que poderão determinar a produção do
sujeito LGBT no futuro, justamente por constatar o baixo legado do PT no
campo dos direitos sexuais no seu governo.
Discutindo a invenção da maternidade, Mariana Paganote Dornellas,
no quinto capítulo, problematiza a formação do sentido de responsabilidade
materna frente à invenção da infância moderna. Os interesses do Estado pelo
controle populacional constituíram uma trama de padrões de normalidade
para as mulheres, por meio do controle dos seus corpos. A luta feminista
pelos direitos das mulheres trouxe ao cenário político reinvindicações por tra-
tamento igualitário perante os homens, destacando a maternidade como um
dos fatores essenciais para essa luta emancipatória. Por isso, a autora observa
como as mudanças sociais transformaram a ideia de maternidade e como hoje
são pensadas as questões ligadas à responsabilidade pelo cuidado com os fi-
lhos por meio do conceito de autonomia reprodutiva e das reconfigurações
dos direitos de parentalidade. O seu questionamento sobre o futuro da sexu-
alidade está precisamente no enfrentamento das alterações legislativas recen-
tes que exigem a superação da divisão dos papeis sociais separados por gêne-
ros nas responsabilidades da parentalidade.
No sexto capítulo, Thiago Coacci investiga as estratégias discursivas
nos debates jurídicos sobre homossexualidades e transexualidades em busca
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
daquilo que ele chamou como “pedágio da natureza”, ou seja, a forma como
o Judiciário, ao decidir sobre os direitos das pessoas LGBT, passam por de-
bates a respeito da natureza da homossexualidade, transexualidade e família.
Esse pedágio cobra uma determinada sujeição das pessoas LGBT, em um
exercício sutil de argumentação jurídico-política. A natureza das coisas se
torna relevante nesses casos, o que deixa a pergunta sobre o motivo da sele-
tividade desse modo de argumentar. O autor conclui que essa seletividade é
sintoma dos frágeis valores democráticos brasileiros e que, para o futuro, de-
vemos nos preocupar em rebater tais argumentos sobre a “natureza” para que
o Direito se comprometa de modo radical com a própria democracia.
Enfrentando o debate sobre reprodução humana e família, Laís Go-
doi Lopes, no sétimo capítulo, analisa os pressupostos teóricos que compõem
a regulação da família no Direito brasileiro, desvelando a política sexual e de
gênero que dão conteúdo ao que é possível nas relações de parentesco. Laís
parte da hipótese de que a força da ideia de natureza, tal qual já apresentada
no capítulo anterior, é fonte moral para legitimar as relações de parentesco.
Isso faz com que as demandas por direitos da população LGBT restem invi-
sibilizadas. A autora conclui que o futuro da sexualidade requer a reformula-
ção da base teórica dos direitos sexuais e reprodutivos, em consonância com
os avanços trazidos pelos estudos de gênero e sexualidade, pensados juntos
com as implicações do uso de biotecnologias nas relações familiares e repro-
dutivas. Só assim será possível pensar em uma verdadeira democratização da
esfera privada nas relações familiares.
Com os estudos de masculinidades, David Emmanuel da Silva Souza
traz para o livro, no capítulo oitavo, as perspectivas para o direito brasileiro.
Em estudo pioneiro, propõe a inclusão dos estudos de masculinidades para a
compreensão da racionalidade do direito, com o objetivo de alcançar a eman-
cipação dos sujeitos em relação à tradição filosófica masculina. Em posicio-
namento crítico aos usos teóricos desses estudos no Brasil, David analisa em-
piricamente a relação entre masculinidade e política sexual, discutindo as
transformações das relações familiares e das paternidades incorporadas pelo
Direito. Sua conclusão é de que a crítica dos estudos de masculinidades à ra-
cionalidade do direito pode fornecer elementos problematizadores para pen-
sar e formatar as bases para um futuro justo, democrático e igualitário entre
as identidades sexuais.
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Pensando por intermédio da teoria de Nancy Fraser, Natália Caroline
Soares de Oliveira discute gênero, justiça e políticas públicas. No nono capí-
tulo, a autora verifica a articulação entre a política de reconhecimento e as
políticas públicas brasileiras para mulheres. Explicando o que seriam essas
políticas, Natália tenta compreender como a participação das mulheres na es-
fera pública poderia levar a uma mudança estrutural e a superação das suas
desigualdades perante os homens, como um aspecto significativo para o pen-
samento sobre o futuro da sexualidade no direito.
Em um trabalho de coautoria, Ana Míria dos Santos Carinhanha e
Gabriel Cerqueira Leite Martire pensam as perspectivas para o futuro da dis-
ciplina e regulamentação da sexualidade no direito. No décimo capítulo, eles
propõem forjar a constituição de um sujeito ético capaz de invocar o seu lugar
no mundo e na vida e de se posicionar criticamente para além das tarefas e
papeis sociais preestabelecidos. Na tentativa de se superar a racionalidade se-
xual moderna, usam os conceitos foucaultianos de biopoder, racismo e go-
vernamentabilidade para pensar estratégias de resistência, reavaliando a sexu-
alidade a partir de um novo marco, com exemplos específicos de subjetivida-
des sexuais subalternizadas.
No décimo primeiro capítulo temos outro trabalho em coautoria.
Discutindo o enfrentamento da violência contra mulher, Ariíni Guimarães
Bomfim e Beatriz Hiromi da Silva Akutsu partem de um mapeamento sobre
os dez anos da Lei Maria da Penha para perceber de que forma a violência
contra a mulher foi ressignificada durante esse tempo. O reconhecimento es-
tatal da violência de gênero como problema de ordem pública fez com que o
Judiciário fosse um dos principais atores para a efetividade da Lei. Com base
em análises de julgados, Beatriz e Ariíni refletem sobre o lugar da teoria rela-
cional nas práticas discursivas do Judiciário, pensando quais possibilidades de
construir e repensar as práticas de enfrentamento à violência, com provoca-
ções sobre o futuro da Maria da Penha.
Roberta Olivato Canheo, no décimo segundo capítulo, preocupa-se
com o tratamento da identidade transexual e travesti pelo sistema penitenciá-
rio do Rio de Janeiro. Para o resgate do conceito de transexualidade dentro
do direito, Roberta faz um inventário legislativo da questão transexual no Di-
reito brasileiro. Em seguida, trabalha com algumas narrativas de atores insti-
tucionais envolvidos com o sistema prisional analisado, para tentar responder
qual o futuro da transexualidade quando vista pelo prisma dos mecanismos
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Conceitos para pensar sobre
política sexual no Direito
A
nalisar o Direito a partir do conceito de sexualidade re-
presenta um esforço duplo: identificar o modo como re-
lações e identidades sexuais são tratadas no ordenamento
jurídico brasileiro e compreender quais são as demandas emergentes que ten-
dem a resultar em reformulações nos direitos e nas políticas sexuais. A fim de
que se possa contribuir para pensar sobre o futuro da sexualidade no direito,
parece-nos imprescindível discutir os conceitos centrais que estruturam essa
problemática. Portanto, esse texto pretende analisar, com base na teoria social
pós-estruturalista e nas teorias de gênero, as concepções de sexualidade e di-
reitos sexuais para, ao fim, estabelecer conexões com a política sexual con-
temporânea e sua contextualização brasileira.
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A sexualidade na modernidade
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sobre Foucault. Dreyfus e Rabinow discutem em seu livro sobre Foucault as implicações do
uso desse conceito. Cf. DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul. Michel Foucault: uma trajetória
filosófica – para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1995.
4 Polícia não no sentido repressivo, mas no sentido amplificado de política de normalização
e controle. Conforme Foucault, “polícia do sexo” seria aquela ligada à regulação do sexo por
meio de “discursos úteis e públicos” e não apenas “pelo rigor de uma proibição”
(FOUCAULT, 1999, 28).
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Na leitura que Weeks (1999) faz sobre essa hipótese de Foucault, es-
tamos diante de um processo de aumento do controle sobre os indivíduos na
produção de saberes a respeito do corpo e não apenas através de mecanismos
de negação e proibição. Quanto mais se fala dele, mais se percebe o controle
que a modernidade faz sobre as populações, dentro de uma dinâmica cada
vez mais global – para além das dinâmicas dos Estados-Nação – de produção,
inovação, invenção e penetração dos corpos. Por intermédio do conceito de
“biopoder”, percebe-se uma força positiva que administra e cultiva a vida,
tendo o sexo como o pivô ao redor do qual a tecnologia desse biopoder se
desenvolve.
Não há apenas um discurso oficial sobre o sexo, como aquele ditado
pelas instituições da Igreja e com base em um texto único. O que se tem é
uma multiplicidade de discursos, produzidos por uma série de mecanismos
que funcionam em diferentes instituições. Como argumenta Foucault (1999,
35-36), com o aumento dos sujeitos autorizados a falar sobre o sexo, tensões
e conflitos são produzidos dentro de um grande esforço de ajustamento e
tentativas de retranscrição do novo dispositivo nos corpos dos sujeitos. A
censura do discurso que antes era realizada pelas instituições religiosas dá lu-
gar a uma crescente incitação regulada e polimorfa. Desse modo, a novidade
das sociedades modernas não é a de colocar o sexo na obscuridade, mas o de
revelá-lo através de uma instigante dedicação, falando sempre dele, valori-
zando-o como um grande segredo a ser revelado. O processo de transição
para um estado laico e a destituição das grandes narrativas metafísicas que
justificavam os sistemas políticos, levaram também a um processo de laiciza-
ção da sexualidade e de formação de uma scientia sexualis, produtora de um
saber científico e especializado sobre a verdade do sexo.
Diferentemente das sociedades que produziram verdades sobre o
sexo através de uma ars erótica, nas quais a verdade era extraída do prazer en-
quanto prática e experiência, a sociedade ocidental moderna se desenvolveu
sobre uma ciência sexual que busca a verdade do sexo com base em procedi-
mentos ordenados em função de um poder-saber que se estrutura na meto-
dologia da confissão enquanto elemento produtor de verdade sobre si. As
técnicas modernas de poder sobre a sexualidade agora se guiam em torno de
alguns eixos centrais da scientia sexualis, segundo a compreensão de Foucault.
São esses eixos que também estarão presentes na esfera da legislação sexual,
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Como a linguagem sobre direitos tem sido usada para articular de-
mandas no campo da sexualidade? O que queremos dizer com direitos sexuais
e responsabilidades sexuais? Quais são as relações entre sexualidade e direito
nas políticas sexuais? Para iniciar as respostas a essas questões, podemos usar
as pistas deixadas por Diane Richardson (2000) para compreender os discur-
sos e práticas dos direitos e políticas sexuais no Brasil. A autora identifica os
principais discursos sobre direitos sexuais e os agrupa em três subtipos no que
diz respeito aos fundamentos das reivindicações: práticas sexuais, identidade
e relacionamentos. Com o objetivo de explicitar as diferentes definições de
direitos sexuais, elaborou-se uma tipologia de conceitos e demandas a eles
associados, formatada no quadro a seguir. A partir desse tipologia, podemos
analisar a produção das demandas e das políticas sexuais no Brasil, assim
como os principais conflitos discursivos presentes na arena política relativos
a esse tema, para que, enfim, se possa pensar quais são as tendências que de-
verão desenhar o futuro da sexualidade no direito brasileiro.
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5 Para maiores aprofundamentos nos disability studies e na teoria crip, ver Garland-Thom-
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minação “California Proposition 60”, e foi rejeitada por 56% dos votantes (NPR, 2016).
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livre escolha de praticar sexo com ou sem o uso da camisinha, ainda que haja
a eventual mediação da indústria pornográfica no processo, o que nem sem-
pre acontece, dado que muitos filmes são amadores. De todo modo, esse é
um exemplo da forma como valores de saúde e bem-estar são manejados para
estimular ou inibir o exercício da atividade sexual, gerando direitos e respon-
sabilidades. E, para a pesquisa sobre políticas sexuais, o desafio é o de com-
preender por quais razões e com base em quais valores os diversos modos de
conduta sexual tornam-se mais ou menos objeto de disputa social e política.
O sistema sexo/gênero, desenvolvido por Rubin (1975), que realizou
a distinção entre a sexualidade e o gênero, contribuiu para redirecionar o olhar
sobre a sexualidade nos estudos e práticas feministas. Até então – e ainda
hoje, em alguma medida - a sexualidade constituía uma categoria secundária,
determinada pela estrutura da desigualdade de gênero. A separação da sexu-
alidade e do gênero em sistemas distintos permitiu a desnaturalização do en-
trelaçamento dessas duas categorias, produzindo reflexões sobre as formas
culturais e históricas dos significados a práticas associados ao sexo.
A elaboração da ruptura entre o sexo e o gênero operada pelo movi-
mento feminista tem como uma de suas principais contribuições o questiona-
mento do caráter meramente reprodutivo da sexualidade feminina. Nas mo-
bilizações de mulheres ocorridas durante os anos 1960 e 1970, no período que
se costuma denominar “segunda onda do feminismo”, as questões culturais
atingem proeminência e os debates sobre a vida íntima adquirem status polí-
tico. A profusão do uso da pílula anticoncepcional como método contracep-
tivo tem o significado de produzir, materialmente, uma cisão entre o sexo e a
reprodução. Com isso, desenvolvem-se, no interior da teoria feminista, im-
portantes reflexões sobre a sexualidade feminina, excetuando-a da masculina
e, desse modo, dissolvendo as noções de natureza da sexualidade humana
(IRIGARAY, 1981; MACKINNON, 1981; CIXOUS, 1981). Embora com
perspectivas distintas, essas autoras contribuem para instituir o erotismo fe-
minino, o prazer e o desejo como aspectos da emancipação das mulheres, seja
a partir de enfoques materiais, empíricos ou discursivos (DALLERY, 1997).
Tem-se aí, portanto, uma segunda forma de conceituar os direitos
sexuais. Eles seriam direitos não apenas a praticar atos sexuais, mas a praticá-
los com prazer (RICHARSON, 2000). A sexualidade, portanto, revela-se im-
portante para a produção de demandas sexuais na medida em que projeta
desejos invisibilizados ou subalternizados nas relações sexuais, nas quais estão
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
7 Sobre o tema do dever conjugal no ordenamento jurídico brasileiro a partir de uma pers-
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8 A respeito do discurso dos juristas sobre as identidades trans, ver MARTINS, 2015.
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9 Mais informações sobre o Programa “Brasil sem homofobia” podem ser consultadas em
www.adolescencia.org.br.
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10 A análise do ato que censurou a matéria que continha a foto dos seios da atriz pode ser
consultada em http://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?http://www1.fo-
lha.uol.com.br/poder/2016/11/1828763-instagram-censura-postagem-da-folha.shtml
11 Dados sobre casamento precoce no Brasil podem ser consultados na pesquisa “Ela vai
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Essa pauta deverá constar com mais visibilidade na agenda política dos mo-
vimentos de gênero nos próximos anos, dados os estímulos realizados pela
Organização das Nações Unidas para a defesa dos direitos das meninas.
Além disso, Richardson (2002) assinala como um direito sexual a
livre escolha dos parceiros sexuais, o que tem sido muito importante para
legitimar as relações sexuais de gays e lésbicas em países que mantêm proibi-
ções. No entanto, há diversas formas de relacionamento sexual não admitidos
que muitas vezes emergem como tensões entre a sexualidade e o direito. Uma
delas é a proibição do incesto. Em diversos países do mundo, relacionar-se
sexualmente com um irmão configura crime, como na Espanha e na Alema-
nha. Em países como Portugal e o Brasil, essa prática não configura um tipo
penal, mas apresenta-se como um dos impedimentos para o casamento (Có-
digo Civil Brasileiro, art. 1.521). O principal argumento utilizado para vedar
esse tipo de união é o risco aumentado de doenças genéticas para a prole. No
entanto, do ponto de vista dos direitos sexuais, essa justificativa não seria su-
ficiente para instituir a proibição, uma vez que a reprodução não decorre di-
retamente da atividade e do desejo sexual.
A última forma de conceituar os direitos sexuais mencionada na ti-
pologia de Richardson (2000) diz respeito ao reconhecimento público dos
relacionamentos sexuais. Trata-se de uma das pautas com maior visibilidade
nos movimentos LGBTTI de diversos países do mundo, com a defesa do
casamento civil igualitário. No Brasil, casamentos entre pessoas do mesmo
sexo vêm sendo celebrados desde as decisões do Supremo Tribunal Federal e
do Conselho Nacional de Justiça que, respectivamente, reconheceram as uni-
ões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar (ADI 4.277) e que
instituiu a celebração obrigatória de casamentos entre pessoas do mesmo sexo
pelos cartórios (CNJ/Resolução 175). No entanto, o projeto de lei denomi-
nado “Estatuto da Família”, em trâmite na Câmara dos Deputados (PL
6.583/2013), acirra as disputas em torno do conceito de família, pois estabe-
lece, em reação às decisões do Poder Judiciário, a heteronormatividade como
base das relações conjugais. Com isso, pretende limitar que os direitos sociais
advindos do casamento sejam concedidos às pessoas do mesmo sexo. Os ar-
gumentos manejados para a aprovação do projeto gravitam em torno de pre-
missas morais e religiosas que afirmam a heterossexualidade como um valor
universal.
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Todos esses debates não podem deixar de considerar que nas socie-
dades contemporâneas as religiões continuam a ocupar um lugar central na
produção de subjetividades e nas tomadas de decisão na esfera pública
(HABERMAS, 2006). No Brasil, diversos autores vêm assinalando o cresci-
mento das religiões evangélicas, especialmente as pentecostais, e seu signifi-
cativo envolvimento nas questões da moralidade pública, com destaque para
aquelas ligadas à sexualidade (MACHADO, 2015). Diante disso, há, em algu-
mas cidades complexas do Brasil, um efeito de “escalada contrastiva”
(DUARTE, 2013) em que a manipulação crescente dos códigos de gênero e
da sexualidade se combina, de modo explosivo, com a o acirramento de po-
sições conservadoras presentes nos discursos das igrejas pentecostais, dentre
outros agrupamentos políticos. O aumento da violência familiar e homofó-
bica também estaria inserido nesse quadro explicativo.
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Conclusão
12 Para compreender melhor a atuação das igrejas de teologia inclusiva no Brasil, sugerimos
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Referências
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Eder Monica & Ana Paula Martins
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AUTONOMIA CORPORAL NA LITERATURA
JURÍDICA SOBRE PROCESSO TRANSEXUALIZADOR:
NOTAS SOBRE O FUTURO DA SEXUALIDADE NO DIREITO
cio/RJ.
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Adriana Geisler
em HIV/aids: repensando políticas de saúde para (e com) travestis e transexuais numa pers-
pectiva de integralidade” foi realizada no âmbito do Edital (01/2013) para seleção de sub-
projetos de pesquisa em DST, HIV/AIDS e hepatites virais – Projeto BRA/K57, do Minis-
tério da Saúde. A outra pesquisa “Sexualidade, democracia e poder: sobre novos direitos para
(e com) a população LGBT da baixada litorânea” foi desenvolvida no âmbito do Edital Pes-
quisa Produtividade de UNESA, em 2016.
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Adriana Geisler
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
3 O conceito foi devidamente bem explorado por Letícia de Campos Velho Martel em O
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Adriana Geisler
Este artigo trata da relação entre direito e sexualidade numa perspectiva de-
mocrática. Após historiar a gênese desse debate no seio mais amplo dos "direitos
reprodutivos e sexuais", propõe-se uma análise dos chamados "direitos sexuais"
a partir dos princípios fundamentais e das dimensões que envolvem o exercício
da sexualidade. Liberdade, igualdade e não-discriminação, bem como a proteção
da dignidade humana, são os fundamentos que estruturam o desenvolvimento
de um direito democrático da sexualidade, compatível com o pluralismo e a lai-
cidade requeridas pelas sociedades democráticas contemporâneas. Dentro desse
quadro conceitual, são consideradas as dimensões protetivas, defensivas e positi-
vas desses direitos humanos fundamentais, bem como são arrolados os principais
temas e objeções pertinentes a uma compreensão mais alargada e estruturada dos
direitos sexuais. (2006, grifos meus).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Vale dizer que, ainda que a busca tenha sido refinada com a “subárea”
direito, os artigos mais frequentes foram publicados em revistas de Sociologia,
Psicologia e Saúde Coletiva, dialogando com o direito através de relevantes e
interessantes pesquisas empíricas. Nestas, uma ampla variedade de questões
foi encontrada, desde as relativas aos direitos sexuais e reprodutivos (sobre-
tudo na adolescência e na velhice, direitos contraceptivos), até as que tocam
no exercício da sexualidade como parte da atenção integral a pessoas com
transtornos mentais, passando ainda, pelos seguintes temas, a saber: diversi-
dade sexual; identidade de gênero; retificação do sexo no registro civil de tran-
sexuais; casamento civil igualitário; feminismo; gênero e prisão; teoria queer;
religião/religiosidade e relações de gênero; linguagem e gênero; masculinida-
des; paridade nas relações conjugais; violência sexual; criminalização da ho-
mofobia; assédio sexual; sexualidade e saúde, etc...
Curiosamente, ao se refinar a pesquisa a partir dos descritores “di-
reito” e “processo transexualizador”, foram encontrados apenas 03 (três) ar-
tigos. Um, publicado na Revista Physis, em 2009, de autoria de Tatiana Lionço,
sobre atenção integral à saúde e diversidade sexual no processo transexualiza-
dor do SUS. Outro, de Berenice Bento, publicado na Revista Ciência e Saúde
Coletiva, em 2012, sobre a produção das identidades de gênero a partir de uma
perspectiva crítica referenciada ao caráter relacional próprio aos estudos de
masculinidades. E, por fim, um que trata da proteção da autonomia reprodu-
tiva dos transexuais, escrito por Heloisa Helena Barboza e publicado na Re-
vista Estudos Feministas, em 2012.
O trabalho que discute a atenção integral à saúde e a diversidade se-
xual no processo transexualizador do SUS traz uma consideração crítica
acerca dos avanços, impasses e desafios na instituição desse processo como
política pública de saúde. Já o artigo que implementa a crítica ao conceito de
gênero incorpora as narrativas de homens trans e de mulheres trans, trazendo
uma importante reflexão sobre a base teórica que sustenta o lugar dos corpos
da ordem de gênero e a patologização das identidades trans. Pode-se dizer
que, nestes dois textos, o direito das pessoas trans fica, por assim dizer, sub-
tendido. O texto que se ocupa, mais diretamente, de uma reflexão sobre a
relação entre o direito e a sexualidade é o que trata da proteção da autonomia
reprodutiva dos transexuais. Verifica-se que, também neste texto, a autora
lança mão do princípio da dignidade da pessoa humana, sem, no entanto,
aprofundá-lo. Assim vejamos o que diz a autora logo no resumo do texto:
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Adriana Geisler
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Adriana Geisler
Direito achado na Rua4, e que, como tal, nasce do diálogo com a expe-
riência dos movimentos sociais. Esse foi o espírito das últimas pesquisas que
Geisler (2014, 2016) desenvolveu com a população LGBT. Foram dessas pes-
quisas que emergiram duas importantes categorias que aqui são assumidas
como conceitos fundamentais e necessários ao resgate do sentido real do prin-
cípio da dignidade da pessoa humana, a saber: “protagonismo” e “pluralismo
jurídico”.
Vale dizer, que as duas pesquisas, basicamente, utilizaram os mesmos
instrumentos e métodos de aproximação sucessiva da realidade que caracteri-
zam a pesquisa-ação. A estratégia de pesquisa que foi utilizada para operacio-
nalizar os princípios metodológicos assumidos pela pesquisa-ação teve como
referência as experiências das comunidades ampliadas de pesquisa.
A escolha da estratégia metodológica não poderia ter sido outra con-
siderando que o conceito de “pluralismo jurídico” norteou as duas pesquisas.
De acordo com Geisler (2008, 08), ao juntarmos uma determinada concepção
de intervenção e de pesquisa estamos tentando produzir uma outra relação
entre teoria e prática, entre sujeito e objeto do conhecimento". Tendo como
alicerce a construção de uma rede de encontro de saberes, que se constitua
como um sistema de coanálise, essa opção metodológica das comunidades
ampliadas de pesquisa permitiu conferir centralidade à democratização das
relações de produção de conhecimento. E a autora continua elucidando a
perspectiva pedagógico-emancipatória que caracteriza, como se verá, qual-
quer projeto de caráter pluralista:
4 Expressão cunhada por Roberto Lyra Filho e que inspirou, no Direito, o trabalhado de
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
5 Vale lembrar que as categorias analíticas são aquelas que retém as relações sociais funda-
mentais e podem ser consideradas básicas para o conhecimento do objeto nos seus aspectos
gerais. Emergirão, portanto, a partir da leitura bibliográfica. As empíricas são construídas
com a finalidade operacional, visando ao trabalho de campo ou a partir do trabalho de campo
(MINAYO, 2004).
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Adriana Geisler
6 Souza Santos (2001) nos dá outro exemplo dessa dimensão totalizadora, mas ao interior
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Adriana Geisler
Eu creio que se vê aparecer algo de novo, que é uma outra tecnologia de po-
der, não disciplinar dessa feita. Uma tecnologia de poder que não exclui a técnica
disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que,
sobretudo, vai utilizá-la implantando-se de certo modo nela, e encrustando-se efe-
tivamente graças a essa técnica disciplinar prévia (1999, 289).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Eu acho que gênero traduz uma série de noções externas que o sujeito se vê
obrigado a repetir para se sentir inserido (Ator R).
Acho que não diz respeito unicamente ao ato sexual em si, mas acaba perpas-
sando por ele. Sempre que eu penso em sexualidade, a associo imediatamente a
orientação sexual (Ator J).
Acho que sexualidade é um exercício, não consigo enxergá-la como algo está-
tico, nem predisposto. Penso a sexualidade como a atividade de sexuar, que per-
passa pelo ato sexual, claro, mas que possui uma série de ramificações. A maneira
como nos vestimos, nos comportamos, nos identificamos e queremos identifica-
dos é para mim, muitas vezes, um exercício da nossa sexualidade. Além disso, no
que concerne a orientação sexual, entendo ela, hoje, como algo além do nosso
controle e quanto mais distante das amarras e padrões sociais, mais fluida ela fica,
deixando o ser cada vez mais livre para sexuar com o outro, amarras como corpo
físico, e tudo que isso implica (sexo biológico, estética, posição sexual) para trás
(Ator V).
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Adriana Geisler
O poder também pode ser traduzido como uma libertação, de certa forma. O
poder sob você mesmo, numa sociedade que nos subordina a seus padrões cons-
tantemente; onde tudo é coercivo, o poder sob si mesmo é uma forma de se li-
bertar (Ator M).
Na verdade, eu acho que essa minoria também tem poder, a afronta acontece
quando os mundos se encontram (Ator T).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Considerações finais
Referências
63
Adriana Geisler
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WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma
nova cultura no direito. São Paulo: Editora Alfa Omega, 2001
64
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66
3
TRABALHO E SEXUALIDADE:
NOTAS PARA REFLETIR SOBRE UM
(DES)ENCONTRO DRAMÁTICO
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Carla Appollinario de Castro
2 Aqui, e em todo o texto, a noção de exclusão social foi adotada a partir de um prisma que
a considera em seu sentido ambivalente. Isto porque ela se revela como um fenômeno ex-
tremamente funcional ao sistema, apresentando-se como uma exclusão que é, ao mesmo
tempo, excludente e includente. Assim, determinadas camadas da estrutura social são exclu-
ídas de certas esferas da vida social (como por exemplo, do trabalho formal) para serem
simultaneamente incluídas em outras (no caso, o trabalho informal), revelando um processo
dialético de exclusão social que, no contexto brasileiro, se mostra bastante perverso, na me-
dida em que somente contribui para o agravamento das já históricas desigualdade e exclusão
social existentes no país durante todo o seu desenvolvimento econômico.
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de: ABREU (2008); BARBALET (1989); FALEIROS (1986); FRAGALE FILHO; ALVIM
(2000); YAZBEK (1993) e PEREIRA (1986).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
legislação produzida durante a Era Vargas, com repercussão até os dias atuais, nas esferas
trabalhista, previdenciária e sindical, bem como seu processo de flexibilização após a ofensiva
neoliberal. Nesse sentido, remetemos para: CASTRO (2010).
7 Merece destaque o fato de, nessa época e até a Revolução de 30, a “questão social” ser
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Carla Appollinario de Castro
1929: “Façamos a revolução [pelo voto] antes que o povo a faça [pela violência]”
(WEFFORT, 2003, 13).
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Carla Appollinario de Castro
9 O mesmo período também foi analisado por José Murilo de Carvalho, que igualmente
ressaltou a importância da Era Vargas (a “Era dos Direitos Sociais”), especialmente, no que
diz respeito à proteção social e, consequentemente, o quanto o projeto de cidadania foi bas-
tante enfatizado a partir da integração social pelo trabalho, apesar de ter sido pouco verificá-
vel na prática. Entretanto, o historiador percorre caminho bem distinto do adotado por Wan-
derley G. dos Santos, e analisa a cidadania no Brasil, utilizando o modelo analítico e paradig-
mático proposto por Marshall. Sua conclusão é no sentido de contextualizar o processo de
delineamento histórico de direitos como uma “estadania”, em contraposição, à cidadania, na
medida em que o período exigiu uma orientação social mais voltada para o Estado do que
para a representação política. Além disso, o mesmo autor ressalta ainda que a cronologia e
lógica sequencial das dimensões de direitos, proposta por Marshall, definidoras do status de
cidadania, no contexto brasileiro, teria sido invertida. Assim, de acordo com Carvalho, veri-
fica-se que, no Brasil, a sequência foi marcada, sucessivamente, pelos direitos sociais (acom-
panhados da supressão dos direitos políticos e redução dos direitos civis), seguidos dos di-
reitos civis e, por fim, dos direitos políticos (CARVALHO, 2001, 219-221).
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10 É interessante notar, no que diz respeito à Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943,
que este sistema de proteção e organização (corporativa) dos trabalhadores, instituído há sete
décadas, foi capaz de sobreviver a diversos regimes políticos e econômicos desde sua criação,
sobrevivendo até mesmo ao golpe militar de 1964 e chegando ao início dos anos 1990 prati-
camente intacto, vindo a sofrer profundas reformas somente no neoliberalismo, como res-
salta Boito Jr. (BOITO JÚNIOR, 2002).
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PALAVRA-CHAVE QUANTIDADE DE
JULGADOS
LÉSBICA 03
LESBIANISMO 0
GAY 25
BISSEXUAL 0
BISSEXUALIDADE 0
TRAVESTI 08
TRANSEXUAL 01
Elaboração própria, a partir de TST (2016)
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CASO 11
DANOS MORAIS - QUANTUM
INDENIZATÓRIO
A instância ordinária, ao fixar o quantum indenizatório,
pautou-se pelo princípio da razoabilidade, com atenção
aos critérios de justiça e equidade, não se justificando a
excepcional intervenção desta Corte Superior.
PROCESSO Nº
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO
TST-AIRR-14- DE REVISTA - NULIDADE. CERCEAMENTO
DE DEFESA. ART. 896, C, DA CLT. Nega-se pro-
84.2012.5.09.0002
vimento ao Agravo de Instrumento que não logra des-
(Relator Desem- constituir os fundamentos do despacho que denegou
seguimento ao Recurso de Revista. Agravo de Instru-
CASO 12 bargador: Márcio
mento a que se nega provimento.
Eurico Vitral
“(...) O reclamante pretendia comprovar que deixou
Amaro, 8ª Turma,
de ser contratado pela 2ª reclamada (...) em razão
Julgamento: de ser transexual, o que seria feito por meio de
CD/DVD contendo gravação de conversa telefô-
23/09/2015).
nica. ” (grifos nossos)
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Considerações finais
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Referências
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4
LEGISLAR PARA “MINORIAS SEXUAIS”:
DEPUTADOS DO PT E O DISCURSO SOBRE DIREITOS SEXUAIS
PARA LGBTS EM 13 ANOS DE GOVERNO
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Gustavo Agnaldo de Lacerda
acordo com as Resoluções adotadas pela instância de direção correspondente e pelas demais
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
(da bala, da bíblia e do boi), a qual retroalimenta o status quo de exclusões não
só de LGBTs, mas também de mulheres negras e prostitutas em relação ao
acesso a plenos direitos. Nega-se, inclusive, o direito a ter direitos
(MEDEIROS & FONSECA, 2016).
cionadas aos campos da sexualidade e do gênero que, apesar de campos distintos, estão in-
trinsecamente vinculados. Acerca desses campos, podemos dizer, em poucas palavras, que
as questões relativas à orientação sexual são, mais frequentemente, pautas políticas pertinen-
tes às pessoas LGB por fazerem referência à sexualidade, ou seja, ao desejo dos indivíduos.
Já as questões como identidade e expressão de gênero, ou seja, a forma como as pessoas se
afirmam socialmente (masculino/feminino e outras) são pautas políticas em maior número
arroladas por pessoas T. Portanto, um indivíduo pode ter uma identidade de gênero travesti,
transexual ou cis e exercer a sexualidade heterossexual, homo, bi ou assexual por exemplo.
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Gustavo Agnaldo de Lacerda
Considerando então tudo isso é que se optou nesse trabalho por utilizar a expressão “sexu-
alidade LGBT” de modo a não nos referirmos unicamente à orientação sexual/desejo/pauta
LGB, mas também a toda a dinâmica inerente a política sexual que essa expressão possa
carregar, qual seja, a de sujeitos LGBT também como sujeitos de direitos sexuais.
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Ocorre que a própria Judith Butler diz que, além do tabu do incesto,
há algo que acabou excluído dessa teoria: o tabu da homossexualidade. Butler
resgata a ideia de tabu da homossexualidade de Monique Wittig (BUTLER,
99
Gustavo Agnaldo de Lacerda
2015 [1990]). Butler também faz uso das ideias de Elisabeth Badinter, a qual
faz um resgate do masculino e do feminino em seu livro XY: Sobre a identidade
masculina (1993). Nesse livro Badinter assevera que, na verdade, são os ho-
mens os enigmáticos, uma vez que nunca se afirmam, apenas se colocam em
oposição aos outros. Thomas W. Laqueur (2001) também trata da sexualidade
e da questão masculina e serve de referência para os estudos de Butler. Então,
servindo-se também do estruturalismo que tenta investigar quais são as com-
posições fundantes da sociedade, Butler ainda faz referência a Lacan (2010
[1985]) e a perspectiva dele acerca do simbólico para argumentar em relação
ao tabu da homossexualidade. Para Lacan, existe um padrão de simbólico que
está no inconsciente que inevitavelmente será vivenciado por todos. A estru-
tura por detrás de todos e todas é o universo simbólico.
Com Foucault, que buscou privilegiar o “como” em vez do “porque”
em suas investigações, podemos observar, em Nascimento da Biopolítica (2008
[1978-79]), que a tecnologia de exercício de poder pelo estado absolutista era
jurídico-política e baseada na compreensão da lei que proíbe, interdita e natu-
ralmente pune. No período que antecede a formação do Estado Moderno, ou
seja, antes do século XVIII, a sexualidade era instintiva, no sentido de que era
vivenciada por si só, sem definir as identidades dos sujeitos como ocorre hoje,
no século XXI. Havia, por exemplo, os libertinos, como Marques de Sade,
Restif de La Bretonne e Choderlos de Laclos, todos eles pensadores e literatos
europeus que, para escreverem seus respetivos textos, apartavam-se dos prin-
cípios morais do seu período, principalmente aqueles relacionados à moral
sexual (SAFATLE, 2014, sem paginação). Restif de La Bretonne, em especí-
fico, pregava o amor livre e pacífico dentro de uma amoralidade que não cedia
a tabus como o incesto, um dos seus temas preferidos.
[...] os libertinos do século XVIII conheceram, com sua crença de que o que
é da ordem do sexual deveria habitar todos os poros do discurso a fim de que o
desejo seja incitado por sua revelação discursiva. Qualquer um que já leu Sade
sabe que o ato de falar e descrever é, neste caso, o principal movimento capaz de
excitar o desejo. Os libertinos do século XVIII, animados à sua maneira pela
crença no esclarecimento produzido pela razão, não gozam em silêncio.
(SAFATLE, 2014, sem paginação)
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Esta elaboração da própria vida como uma obra de arte pessoal, ainda que
obedecendo certos cânones coletivos, estava ao centro, me parece, da experiência
moral, da vontade moral na Antiguidade, enquanto que, no cristianismo, com a
religião do texto, a ideia de uma vontade de Deus, o princípio de uma obediência,
a moral assume muito mais a forma de um código de regras (somente certas prá-
ticas ascéticas estavam mais ligadas ao exercício de uma liberdade pessoal).
(FOUCAULT, 2016 [1984], sem paginação)
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Gustavo Agnaldo de Lacerda
[...] como já disse Foucault, esta fala é uma vontade de saber baseada na sub-
missão da sexualidade ao modo de descrição de uma ciência, uma scientia sexualis
(...) um discurso científico sobre o que devo fazer para não ter uma sexualidade
patológica (SAFATLE, 2014, sem paginação).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Diferentemente da lei que tem por destinatário cada súdito, essa arte
de governar se dirige: a) à população (como conjunto de processos, aconteci-
mentos, tendências, campo de forças etc.); e b) à maneira de governar, ou seja,
à forma como se aborda esse sujeito (população) e o enxerga (tendências,
processos, acontecimentos, como campo de forças). Implica, nessa nova
forma, que o poder se dirija ao sujeito sem que isso ocorra prioritariamente
ou exclusivamente pela repressão, mas também por outras tecnologias e dis-
positivos. São outros os instrumentos que são convocados para governar, for-
mando um amplo conjunto de técnicas como, por exemplo, aquelas voltadas
para se estimular ou desestimular um discurso; para se facilitar ou dificultar
uma ação; para compor uma identidade, como ocorre com a sexualidade em
nossos dias. O que mudou é o “como” o Estado modula a governabilidade,
ou seja, mudou-se a maneira de governar que não mais se foca exclusivamente
na repressão.
Nesse sentido, Paul B. Preciado destaca:
103
Gustavo Agnaldo de Lacerda
nacional. Por outro lado, precisamente neste momento aparece a nova separação
homossexual/heterossexual (PRECIADO, 2013, sem paginação).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
É evidente o grande perigo que representa a atual derrocada mundial das es-
querdas, provocada pela ascensão ao poder de forças macropoliticamente reacio-
nárias e micropoliticamente reativas e conservadoras. Entretanto, é precisamente
a gravidade dessa experiência que nos leva a perceber que não basta atuar macro-
politicamente. Por que não basta? Porque, por mais que se faça no plano macro-
político, por mais brilhante que sejam as ideias e as estratégias, por mais corajosas
que sejam as ações, por mais êxito que tenham, por menos autoritárias e corruptas
que sejam, do ponto de vista micropolítico o que se consegue é uma reacomoda-
ção do mapa vigente, na melhor das hipóteses com um grau de desigualdade eco-
nômica e social um pouco menor. E tudo volta para o mesmo lugar, exatamente
aquele do qual pretendíamos sair (ROLNIK, 2016, sem paginação).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
5 “Utilizamos aqui a palavra símbolo para designar o signo linguístico ou, mais exatamente,
o que chamamos de significante. [...] O símbolo tem como característica não ser jamais com-
pletamente arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o
significante e o significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituída por
um objeto qualquer, como um carro, por exemplo. A palavra arbitrário requer também uma
observação. Não deve ser a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que fala
[...] não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma no signo, uma vez que esteja ele
estabelecido num grupo linguístico; queremos dizer que o significante é imotivado, isto é,
arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade”.
(SAUSSURE, 1988, 82-83)
6 Partidos são organizações políticas que visam influenciar ou gestar políticas governamen-
tais. Dentre essas organizações os partidos “de massa”, segundo ideia defendida, no início
dos anos 1950, por Maurice Duverger, são partidos formados por “[...] grandes contingentes
da população [que] perceberam que só conseguiriam atingir metas comuns e alcançar reivin-
dicações através da participação política estruturada [na forma de um partido político, cujo]
próprio tamanho fez com que tivessem que ser mais organizados, disciplinados e coesos. ”
(apud COIMBRA, 2011, sem paginação)
7 Para fins desse trabalho e de acordo com as características elencadas na nota de rodapé
107
Gustavo Agnaldo de Lacerda
político-discursivas em favor dos LGBTs pode ser um erro. Assim é que acreditamos ser
razoável investigarmos os motivos de os deputados do PT, partido do espectro político-
esquerdista, não efetivarem ou nem pautarem, na Câmara dos Deputados, os direitos sexuais
LGBTs ao longo de 13 anos.
8 Ação em que ativistas de grupos/movimentos sociais mobilizam-se pela demanda de am-
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
10 Ideias sobre o performativo, onde o falar implica num fazer, diferenciando estes atos de
meras descrições, porque nada descreviam, nada relatavam, etc. Em atos performativos não
precisamos produzir coisas que são verificáveis pela verdade ou falsidade.
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Gustavo Agnaldo de Lacerda
O corpus de estudo
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Gustavo Agnaldo de Lacerda
Sua teoria sobre a relação entre discurso político e cognição política tem um
elemento crucial que a diferencia de outros estudos sobre o assunto, a saber, os
"modelos mentais, que servem como a interface necessária entre as cognições
políticas socialmente partilhadas, de um lado, e as crenças pessoais, do outro” (p.
202). Assim, van Dijk trata de vários conceitos basilares que compõem a "memó-
ria episódica" (formada por experiências pessoais e modelos subjetivos), e a "me-
mória social" (formada por conhecimento, atitudes, ideologias, normas, valores e
modelos socialmente compartilhados) que entram em jogo na construção do dis-
curso político. O autor conclui que a fala e a escrita políticas se relacionam ao
contexto e ao evento político imediatos, porém o que tem um peso capital são os
modelos que os participantes constroem do contexto interacional e comunicativo
(2010, 113).
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11 A lista geral compreende palavras funcionais, ou seja, os artigos que dão sentido indivi-
dual aos substantivos, preposições e conjunções, bem como as palavras conteúdo, ou seja,
substantivos, adjetivos etc.
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Gráfico 1: Palavras-chave
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Contemporaneamente,
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Gustavo Agnaldo de Lacerda
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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126
5
A invenção da maternidade e o
futuro da autonomia reprodutiva no direito
deral Fluminense.
127
Mariana Paganote Dornellas
128
Qual o futuro da sexualidade no direito?
de infância Ariès não quis dizer afeição por crianças, e sim uma consciência
da particularidade infantil, daquilo que as distingue dos adultos e dos jovens.
O autor afirma que na sociedade medieval o sentimento de infância não exis-
tia, pois assim que a criança tinha independência o suficiente para viver sem
a solicitude constante da mãe ou da ama, ela passava a fazer parte da sociedade
dos adultos, sem distinguir-se destes, participando de todas as atividades so-
ciais, desde os jogos até as profissões. A criança pequena “não contava”, pois
apenas após sobreviver aos primeiros anos, em que a taxa de mortalidade era
muito alta, as crianças eram consideradas enquanto pessoas e se confundiam
com adultos. Ele descreve que:
Na Idade Média, no início dos tempos modernos, e por muito tempo ainda
nas classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram
consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, poucos anos
depois de um desmame tardio - ou seja, aproximadamente, aos sete anos de idade.
A partir desse momento, ingressavam imediatamente na grande comunidade dos
homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos trabalhos e dos jo-
gos de todos os dias. O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma tor-
rente as idades e as condições sociais, sem deixar a ninguém o tempo da solidão
e da intimidade. Nessas existências densas e coletivas, não havia lugar para um
setor privado. A família cumpria uma função - assegurava a transmissão da vida,
dos bens e dos nomes - mas não penetrava muito longe na sensibilidade. (ARIES,
1981, 275)
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do fim do século XVIII, quando esta adquire um novo valor mercantil, sendo
potencialmente uma riqueza econômica, uma provisão que garantiria o pode-
rio militar do Estado. Então, segundo Badinter (1985), a ideologia dominante
passa a estabelecer uma nova imagem da mãe, e a criança é transposta para o
centro privilegiado de atenção da família, exigindo da mãe sacrifício e dedica-
ção. As primeiras mudanças de comportamento verificam-se no retorno ao
aleitamento pela própria mãe, não sendo mais uma tarefa destinada às amas,
e pelo abandono das faixas, que aprisionavam o bebê, mas permitiam maior
liberdade da mulher na realização de seus afazeres. A mãe deverá então dedi-
car todo o seu tempo ao filho, abdicando de sua liberdade em razão de uma
vigilância absoluta. Ademais, sua responsabilidade é ampliada, devendo dedi-
car-se não só aos cuidados iniciais com o bebê, mas com toda a educação da
criança, até a fase adulta, trabalho que a monopoliza totalmente e exige sua
presença efetiva no lar. Com a ressignificação do papel da maternidade, essa
função passa a ser impregnada por um ideal, com um vocabulário associado
à religião, que indica que um novo aspecto místico associado ao papel ma-
terno, em que a mãe é comparada a uma santa.
Badinter (1985) afirma que desde Rousseau até Freud, a “natureza
feminina” foi definida de modo a implicar nas características da boa mãe,
exaltando o senso de dedicação e sacrifício que caracterizaria a mulher dita
normal. Assim, a maternidade como concebida no século XIX por Rousseau
é entendida como sacerdócio, uma experiência feliz, mas que implica neces-
sariamente em sofrimento, no que foi seguido por Freud, que, ao estabelecer
as três características essenciais da personalidade feminina como passividade,
masoquismo e narcisismo, descartou a hipótese cultural e a social. Nos termos
de Badinter:
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porque não tinha escolha. O segundo grupo foi o que provavelmente sofreu
mais, pois essas mulheres trabalhadoras não só enfrentavam uma dupla jor-
nada exaustiva como ainda viviam angustiadas por não poderem dedicar-se
aos filhos na forma que o discurso dominante julgava apropriada, carregando
a culpa de um provável fracasso dos filhos por não corresponderem ao ideal
de mulher e mãe que era veiculado.
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fenômeno mais recente, que tem sua consolidação nos recentes instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos.
A primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos, que aconte-
ceu em Teerã, em 1968, representou a gradual passagem da fase legislativa, de
elaboração dos primeiros instrumentos internacionais de direitos humanos, à
fase de implementação de tais instrumentos, e nela foi proclamado, em seu
item 16, que os pais têm o direito humano fundamental de determinar livre-
mente o número de filhos e o intervalo entre os seus nascimentos
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1968).
O debate entre população e cidadania voltou ao centro da política
internacional durante a Conferência Mundial sobre População e Desenvolvi-
mento de Bucareste, promovida pela primeira vez pela ONU em 1974. A
maioria dos países se posicionou contra o avanço das ideias neomalthusianas,
sendo afirmado que “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. Em
1984, quando foi realizada na Cidade do México a segunda Conferência de
População organizada pela ONU, a maioria dos países em desenvolvimento
se mostrava mais aberta à ideia do planejamento familiar (ALVES, 2005, 13).
A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discrimina-
ção Contra a Mulher, adotada pela Resolução 34/180 da Assembleia Geral
das Nações Unidas, em dezembro de 1979 e ratificada pelo Brasil em feve-
reiro de 1984, estabelece como essencial para eliminar a discriminação contra
a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem, que
os Estados tomem todas as medidas apropriadas para garantir que a educação
familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função so-
cial e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres,
no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos.
A Convenção estipulou também que os Estados devem tomar as
medidas adequadas para impedir a discriminação contra a mulher por razões
de maternidade, assegurando a efetividade de seu direito a trabalhar, por meio
da proibição de demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade;
da implementação de licença-maternidade, com salário pago ou benefícios so-
ciais comparáveis, sem perda do emprego anterior; do estímulo ao forneci-
mento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais com-
binem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho
e a participação na vida pública, especialmente mediante o fomento da criação
e desenvolvimento de uma rede de serviços destinada ao cuidado das crianças;
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entre 2001 e 2005, verifica-se que somente 51,1% dos homens realizam afazeres domésticos
enquanto que entre as mulheres esse percentual é de 90,6%. A participação feminina no
mercado de trabalho não acarreta o abandono das tarefas domésticas, pois, conforme a pes-
quisa, entre as mulheres ocupadas, 92% realizam afazeres domésticos, enquanto para os ho-
mens ocupados esse percentual é de 51,6%. Além disso, as mulheres dedicam mais que o
dobro do tempo dos homens com atividades domésticas, e, considerando a jornada do tra-
balho remunerado mais as atividades domésticas, as mulheres trabalham cerca de cinco horas
a mais que os homens por semana. É importante ressaltar que essa desigualdade se acentua
ao se considerar o rendimento, visto que as mulheres recebem menos por hora trabalhada
que os homens com a mesma escolaridade, e que não recebem qualquer remuneração pelos
afazeres domésticos. As mulheres em famílias formadas por casal com filhos menores de 14
anos são as que despendem maior tempo com afazeres domésticos (29 horas semanais), e a
análise das jornadas médias nos arranjos familiares ‘casal sem filhos’ e ‘casal com filhos’ mos-
tram que a jornada feminina aumenta com a presença de filhos na família, independente do
rendimento familiar, mas que a jornada dos homens nessa situação diminui (SOARES e
SABÓIA, 2007).
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ponsabilidade social pela reprodução e cuidado dos filhos, então todas as ou-
tras atividades acabam tornando-se secundárias, desvalorizando assim o tra-
balho feminino.
Dessa forma, o exercício pleno dos direitos reprodutivos parte da
reorganização do que é público e o que é privado, com a extinção dessa divi-
são, e com o estabelecimento da igualdade de gênero em toda a sociedade.
Somente através de mudanças sociais estruturais, no seio das famílias, com a
reorganização da divisão do trabalho doméstico e de cuidado com os filhos,
que reflete na diferença de remuneração e de oportunidades no trabalho de
mercado, poderemos viver em um mundo onde a maternidade não seja um
ônus para a mulher, mas que implique em responsabilidades e prazeres a se-
rem compartilhados por ambos os cônjuges. Por mais que tenham sido reali-
zadas mudanças no espaço público, enquanto não houver uma transformação
na forma de organização das tarefas dentro da família, a desigualdade persis-
tirá, tendo em vista que as mulheres não podem conquistar novos espaços na
esfera pública sobrecarregadas com o trabalho da esfera privada.
Analisaremos a seguir as alterações recentes da legislação brasileira
no que diz respeito a parentalidade, inicialmente por meio da legislação traba-
lhista, com a licença-maternidade e a licença-paternidade, que sofreram mu-
danças com a Lei da Primeira Infância, que tem previsões que buscam reduzir
a disparidade de tratamento de homens e mulheres no cuidado inicial com os
filhos. Então, seguiremos com a análise da legislação civil, em especial as ino-
vações como a guarda compartilhada e os alimentos gravídicos, que instituem
maior participação paterna no cuidado com a criança, até mesmo antes de seu
nascimento.
Já em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL. Decreto-
lei nº 5.452, 1943) previu a licença-maternidade para as mulheres que tivessem
filhos, sem que houvesse previsão semelhante para os homens, visto que o
cuidado com os filhos era (e ainda é) considerado uma responsabilidade da
mulher, principalmente no período neonatal. Havia uma seção destinada so-
mente à proteção da maternidade, que vedava o trabalho da mulher grávida
no período de seis semanas antes e seis semanas depois do parto, indicando
que ela teria direito aos salários integrais durante esse período. Desde logo foi
instituído o direito a dois descansos especiais durante a jornada de trabalho,
de meia hora cada um, para que a mulher amamentasse o próprio filho, até
que este complete seis meses de idade. Após sucessivas alterações, a redação
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oficial atual, instituída pela Lei nº 10.421/02, determina que a empregada ges-
tante tem direito à licença-maternidade de cento e vinte dias, sem prejuízo do
emprego e do salário, sendo mantidos os descansos especiais.
Uma inovação importante, trazida pela Lei nº 12.873/13, é a previsão
de que, em caso de morte da genitora, é assegurado ao cônjuge ou compa-
nheiro empregado o gozo de licença por todo o período da licença-materni-
dade ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe, exceto no caso de fale-
cimento do filho ou de seu abandono. Aqui observa-se que a mulher é con-
siderada a principal responsável pelo cuidado do recém-nascido, mas que na
falta desta, o homem terá direito à licença pelo mesmo prazo que tinha a mu-
lher, para que a criança não fique desamparada. Assim, infere-se que o cui-
dado da criança é uma tarefa que pode ser realizada tanto pelo pai quanto pela
mãe, ainda que nos primeiros dias de vida, pois ambos são responsáveis e
igualmente capazes de desenvolvê-las (BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, 1943).
Ainda sobre o tema, a Lei 11.770/08 foi instituída para prorrogar por
sessenta dias a duração da licença-maternidade prevista na Constituição Fe-
deral, por meio do Programa Empresa Cidadã. Essa prorrogação é garantida
à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que ela a re-
queira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente
após a fruição da licença-maternidade prevista na Constituição Federal. A re-
ferida lei institui ainda que durante o período de prorrogação da licença-ma-
ternidade, a empregada tem direito à sua remuneração integral, nos mesmos
moldes devidos no período de percepção do salário-maternidade pago pelo
regime geral de previdência social. Assim, essa trabalhadora teria, ao final, até
seis meses de licença-maternidade, computando o tempo previsto na Consti-
tuição e a prorrogação instituída pela lei (BRASIL. Decreto-lei nº 5.452,
1943).
Cabe salientar que uma das explicações para a persistente diferença
de salários entre homens e mulheres é a participação intermitente destas no
mercado de trabalho, pois muitas acabam se afastando nos primeiros anos
após o nascimento dos filhos, para dedicarem-se ao cuidado deles. Isso oca-
siona uma redução em seus salários em comparação ao dos homens, pois leva
as empresas a não investir no capital humano de mulheres, e a alocar as tra-
balhadoras em idade fértil em ocupações com menor treinamento e menores
possibilidades de ascensão profissional. Ademais, quando retornam ao mer-
cado de trabalho após alguns anos, as mulheres recebem salários inferiores ao
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Referências
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vil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e
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O “PEDÁGIO DA NATUREZA”:
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NOS DEBATES JURÍDICOS SOBRE
HOMOSSEXUALIDADES E TRANSEXUALIDADES
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pouco sistemático com o debate que vem sendo travado há alguns anos sobre temporalidades
queer. Um interessante balanço desse debate pode ser visto em (DINSHAW et al., 2007)
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Thiago Coacci
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Metodologia
3 Faço a opção por utilizar o termo gênero em detrimento do termo sexo ao longo do
texto. Todavia, ao descrever os casos adoto os termos êmicos utilizados por quem proferiu
cada voto.
4 Para mais informações sobre a estrutura dos acórdãos e seus usos em pesquisas empíricas
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Thiago Coacci
Quadro 1
Tipo de
Apelação Cível ADPF e ADI
Recurso
Uso da
Recusar Conceder
Natureza
Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de
Minas Gerais, 2003 e Brasil, 2011
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Thiago Coacci
É na parte seguinte que fica mais claro a razão que justifica a forma
que essa decisão tomou. Ao analisar a possibilidade jurídica de retificação do
sexo no registro civil, também autorizada em primeira instância, Almeida
Melo acaba por discorrer sobre a “natureza do sexo”. Inicialmente o desem-
bargador afirma, com base em perícia médica e em fotos, que a pessoa em
questão é “muito semelhante a uma mulher” (MINAS GERAIS, 2003), toda-
via a legislação não traria a possibilidade de mudança do sexo.
Almeida Melo chega a mencionar brevemente que seria possível es-
tabelecer uma analogia do caso com a personalidade moral (das empresas, por
exemplo), mas que para isso a legislação deveria ser expressa. O “silêncio” da
lei seria “eloquente” e não autorizaria tal analogia. De toda maneira, essa con-
sideração é rapidamente descartada.
O sexo, em sua divisão binária, integraria a natureza, sendo parte de
uma essência imutável dos seres que possui as funções fundamentais de pro-
criação, afetividade e criação de vínculos entre as pessoas. A diferença sexual
entre homem e mulher seria entendida como uma complementaridade dos
seres, orientada para o casamento e a formação da família. Almeida Melo
chega a afirmar que a harmonia social dependeria dessas relações, isto é, qual-
quer ação que vá contra a natureza do sexo, seria atentatória a própria harmo-
nia social.
O raciocínio desenvolvido pelo desembargador estabelece uma ca-
deia de significados opostos. Em um polo, da artificialidade, coloca a identi-
dade psíquica do ser e sua aparência feminina, no outro polo, da naturalidade
e da verdade, o sexo essencial masculino e a identidade biológica do ser.
Em função da naturalidade do sexo e da relação estabelecida entre
Direito e natureza, derivam duas consequências. Primeira, que independente-
mente da aparência e do sentimento de identificação, a pessoa permaneceria
eternamente com seu sexo imutável. Por mais que a parte reivindique para si
a identidade feminina, essa seria falsa. Segunda, que o Direito não poderia
atuar nesses casos, senão vedando a alteração. Essas consequências estão sin-
tetizadas na seguinte passagem: “O Direito é a organização da família e da
sociedade. Não pode fazê-lo para contrariar a natureza. Ainda que a aparência plás-
tica ou estética seja mudada, pela mão e pela vontade humana, não é possível
mudar a natureza dos seres” (MINAS GERAIS, 2003, destaque nosso). Em uma
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
passagem mais a frente, Almeida Melo chega a considerar que autorizar a re-
tificação poderia, inclusive, ferir o direito de terceiros de boa-fé, o Direito,
estaria, assim, legitimando uma mentira.
Para encerrar seu voto, o desembargador afirma que a solução para
o caso não seria a retificação, mas legislações que proíbam a discriminação
contra essas pessoas e conclui revertendo o resultado do julgamento de pri-
meira instância, negando a retificação de nome e sexo. O voto do relator re-
cebeu uma divergência do desembargador revisor, mas foi seguido pelo vogal,
ficando o revisor vencido.
Quadro 2
Síntese da Estrutura Argumentativa do Voto de Almeida Melo
Parte Parágrafos5 Tema Síntese dos Argumentos
(i) A competência correta é da vara de
família, por se tratar de mudança de estado,
I 1 ao 11 Preliminares
rejeitando, assim, a preliminar de
incompetência.
(i) O nome é imutável por princípio.
(ii) Admite-se alteração do nome em casos
de erro ou constrangimento
Retificação (iii) Não há erro no nome.
II 12 ao 20
de Nome (iv) Há constrangimento, mas esse não
decorre do nome, uma vez que é um nome
adequado ao sexo da parte.
(v) Não é caso de alteração.
(i) O sexo faz parte da natureza e é uma
essência imutável dos seres. A cirurgia não
pode alterá-lo.
(ii) O sexo possui funções essenciais a
Retificação
III 21 ao 34 sociedade e a vida em comunidade.
de Sexo
(iii) A diferença sexual é complementar e
direciona para o casamento.
(iv) O Direito não pode alterar o sexo, sob o
risco de lesar terceiros de boa-fé.
Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de Minas Gerais, 2003
5 Por se tratar de um texto corrido em página web, sem paginação e sem numeração de
parágrafos optei por numerar da seguinte forma: a numeração dos parágrafos se inicia no
parágrafo que se inicia com “Conheço do recurso [...]” e se interrompe na frase “Rejeito a
Preliminar”. A numeração retorna no parágrafo que se inicia com “O pedido é de adaptação
jurídica do sexo” e se interrompe ao final do voto, antes do voto do desembargador Hyparco
Immesi.
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natureza, mas que a suspensão funcione como estratégia argumentativa de forma a parecer
que a conclusão, pela naturalidade ou não, não está presente desde o início, dando um verniz
de neutralidade.
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tureza das famílias e retorna ao texto legal para concluir sobre a correta inter-
pretação de família. A primeira análise é da estrutura do texto constitucional,
demonstrando que no art. 226, a Constituição garante a proteção da família,
para, só após, nos incisos que complementam o caput, definir as formas de
constituição de família como o casamento e a união estável.
Essa estrutura do texto legal leva Ayres Britto a interpretar que a
Constituição não adotou um significado tradicional de família, como a Cons-
tituição anterior. Família não seria reduzida ao casamento, mas constituída de
diversas formas. Ademais, a proteção especial prevista no artigo se daria a
família, “pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se
integrada por casais heterossexuais ou por pessoas assumidamente homoafe-
tivas” (BRASIL, 2011, 37).
A ausência de definição explícita de família na Constituição, para
Britto, se dá, pois, a família é mais do que “um singelo instituto de Direito” e
de “impossível fechamento conceitual das espécies em que pode cultural-
mente se desdobrar” (BRASIL, 2011, 38–39). A natureza aqui, no entanto,
não possui uma associação direta com o biológico, como no caso do sexo. A
família não estaria apenas na “natureza da biologia”, mas na “natureza da so-
ciedade”, além disso seria naturalmente boa8. A família é colocada, dentre ou-
tras coisas, como: o vínculo primordial e mais íntimo entre as pessoas; a mais
natural e estável forma de agregação humana, fonte de afeto e cuidado; pro-
motora de virtudes nos indivíduos; responsável pela educação, o cuidado da
criança e o amparo ao idoso. Daí derivaria a razão pela qual a Constituição
afirma que a família é a base da sociedade, devido a sua relevância e ao desejo
da sociedade de se espelhar na família para ser, também, estável e afetiva.
O Ministro usa a metáfora da família como um continente e as diver-
sas formas em que se desdobra culturalmente estariam imersas nesse, parti-
lhando da mesma natureza e merecendo proteção jurídica. Com essa argu-
mentação, as interpretações que restringem os institutos como a união estável
exclusivamente a casais heterossexuais iriam em contrário a própria natureza
8 Seria possível desenvolver uma crítica a essa visão de família como extremamente
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Quadro 3
Síntese da Estrutura Argumentativa do Voto de Ayres Britto
Parte Parágrafos11 Tema Síntese dos Argumentos
I 13 ao 22 Preliminares -
(i) Sexo é uma palavra polissêmica:
divisão binária da espécie humana,
aparelho sexual e sexualidade (uso do
aparelho).
(ii) Sexo, em seus três sentidos, pertence
Natureza do
II 23 ao 38 a natureza e não à cultura.
Sexo
(iii) A homossexualidade é uma variação
natural da sexualidade.
(iv) A artificialidade está no preconceito
que tenta barrar o fluxo natural da
sexualidade.
(i) Não há um conceito fechado de
família na Constituição.
(ii) Família é mais do que um instituto
jurídico.
(iii) A família integra a natureza da
sociedade e é naturalmente boa, por isso
Natureza da deve ser promovida.
III 39 ao 47
Família (iv) A família pode tomar diversos
formatos, variando culturalmente.
Família é um “continente”, habitado
pelas distintas formas de se constituir
cultural e juridicamente. Cabe ao Direito
promover essas formas e não as
restringir.
(i) Casamento não é a única forma de
constituição de família.
(ii) A referência a homem e mulher no
art. 226, §3º não é uma vedação.
(iii) Entidade familiar é sinônimo perfeito
Aplicação da de família, não havendo diferença.
IV 48 ao 50
Interpretação (iv) Casamento e união estável são coisas
distintas, mas nenhuma traz vedação a
ser constituída por pessoas de mesmo
sexo.
(v) Que não pode se criar distinção entre
adotantes hétero e homossexuais.
Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de Brasil, 2011
11 O próprio Ayres Britto numera os parágrafos em seu voto, segui essa numeração.
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Thiago Coacci
diferença daquelas pessoas que não são trans. É um conceito importante por nomear aquela
diferença que antes não era nomeada e tida acriticamente “normal”, em oposição as pessoas
trans, que ficavam, nessa oposição, marcadas como anormais. Para mais informações ver
Vergueiro (2015).
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13 Born This Way é o nome do segundo álbum de estúdio da cantora pop Lady Gaga e
também de uma das faixas do álbum. A expressão, que significa eu nasci assim, é uma
referência explícita a homossexualidade. A canção foi feita como um hino de
empoderamento e aceitação, que repete a exaustação que “deus não comete erros; estou no
caminho certo; eu nasci assim” (Lady Gaga, 2011, faixa 2, tradução livre).
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facilmente identificável. “Podemos dizer que o direito natural é formado por um vasto
conjunto de doutrinas que sustentam que o direito, para legitimar-se, precisa estar fundado
na natureza, que seria a referência em última instância para julgarmos sobre a justeza ou não
das leis positivas” (NASCIMENTO, 2013, p. 37). Bobbio (2004) argumenta que ainda hoje
existem concepções jusnaturalistas do direito, mas “dificilmente se poderia hoje sustentar,
sem revisões teóricas ou concessões práticas, a doutrina dos direitos naturais” (BOBBIO,
2004, p. 55). Segundo o autor italiano, desde a metade do século XIX até o fim da II Guerra
Mundial, o positivismo jurídico prevaleceu àquela doutrina jusnaturalista. A partir do pós-
guerra, surgiram críticas à adoção estrita do positivismo (GALUPPO, 2013), gerando
abordagens mistas, pós-positivistas ou ainda um retorno ao jusnaturalismo. Atualmente, o
paradigma positivista ainda prevalece em grande medida, mesmo que com suas
reformulações.
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Referências
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7
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A
família se encontra, contemporaneamente, no centro de
embates políticos e jurídicos de expressiva relevância so-
cial. Apontada como base da organização da sociedade,
não são raras as disputas sobre seus significados, seus alcances e suas funções
na vida das pessoas e dos grupos sociais. Muitas dessas controvérsias derivam
da complexidade trazida por questões de gênero e sexualidade, bem como das
novas possibilidades abertas pela difusão de tecnologias de modificação cor-
poral. Este capítulo abordará a interseção entre tais temáticas, perquirindo
pelo futuro das relações familiares e reprodutivas a partir das tensões, vivên-
cias e normatividades que já se apresentam na atualidade.
Para tanto, serão analisados os pressupostos teóricos que compõem
a regulação da família no Direito brasileiro, desvelando-se a política sexual e
de gênero que delimita não apenas o que é protegido juridicamente, mas tam-
bém o que é “pensável” em termos de relações possíveis. Uma análise dos
discursos juscientíficos – e, dentre eles, mesmos os mais inclusivos - sobre o
conceito de família não prescinde de considerações a respeito de um argu-
mento recorrente: a força da ideia de natureza como fonte moral para se aferir
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O primado da natureza
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4 Para uma análise mais minuciosa do argumento da natureza, cf. capítulo de autoria de
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
[A] natureza também tem servido como modelo para a ação humana; a natu-
reza tem sido uma base potente para o discurso moral. Ser antinatural, ou agir de
forma antinatural, não tem sido considerado saudável, moral, legal ou, em geral,
uma boa ideia (HARAWAY, 1991, 172).
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Laís Lopes
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
5 Para uma discussão sobre a infertilidade e a esterilidade, bem como sobre as normas que
incidem sobre as representações sociais dessas condições, em diferentes grupos humanos, cf.
cap. 4 de HÉRITIER, 1994.
6 Apenas cinco estados da federação contam com hospitais que realizam a reprodução
assistida pelo Sistema Público de Saúde. É possível discernir, inclusive, uma desigualdade
regional na distribuição de hospitais habilitados a realizar procedimentos de reprodução as-
sistida. De acordo com a Portaria nº 3.149, três hospitais de São Paulo, dois do Rio Grande
do Sul, um de Minas Gerais, um do Distrito Federal e um de Pernambuco dispõem de tec-
nologias reprodutivas. Os procedimentos restringem-se à fertilização in vitro e/ou injeção
intracitoplasmática de espermatozoides (Portaria nº 3.149 de 28 de dezembro de 2012). Prá-
ticas como a redução embrionária, a disponibilização comercial de gametas e a gestação de
substituição remunerada foram vedadas pela Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal
de Medicina sem prévio escrutínio democrático na esfera pública - ao contrário do que acon-
teceu no Reino Unido, em que a inserção das tecnologias reprodutivas foi acompanhada de
um intenso debate nacional, culminando, por exemplo, na formulação do Relatório Warlock
sobre Fertilização Humana e Embriologia (1984) e suas atualizações subsequentes. Outras
técnicas mais avançadas, como diagnóstico genético pré-implantatório, que permite a detec-
ção de doenças hereditárias, somente se encontram ao alcance de quem tem condições eco-
nômicas de arcar com seus altos custos.
179
Laís Lopes
pitais públicos argentinos, inclusive para casais do mesmo gênero, a partir da Ley 26.862 de
Reproducción Médicamente Asistida de 2013.
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
a María que ela “não tem qualquer problema de saúde. Se deseja tanto ter um
filho, tenha pela via natural” (BIMBI, 2013, 271). O casal conseguiu a cober-
tura dos procedimentos por decisão judicial, que obrigou o plano de saúde a
arcar com todos os custos econômicos da inseminação, da gravidez, do parto
e da assistência ao bebê das pleiteantes.
Finalmente dispondo de acesso às tecnologias reprodutivas, María e
Marisa resolveram utilizar o argumento da biologia a seu favor para facilitar o
futuro reconhecimento jurídico da maternidade conjunta. O ordenamento ju-
rídico argentino ainda não previa a dupla filiação para a prole de casais do
mesmo gênero. As argentinas decidiram, então, implantar o óvulo de María,
fecundado com esperma doado, no útero de Marisa. Após gestar e dar à luz,
Marisa seria regularmente registrada como mãe da criança gerada - tendo em
vista o imemorial entendimento jurídico e médico de que a maternidade é
ostensiva e comprovada pela gravidez (VILLELA,1979)8. Nascido o bebê,
María pretendia solicitar a realização de um exame de DNA, que confirmaria
a vinculação genética e lhe permitiria reclamar judicialmente a maternidade.
As biotecnologias auxiliariam Marisa e María a concretizar seus desejos pro-
criativos, oferecendo a vantagem de redirecionar a noção de natureza com o
intuito de assegurar à criança vindoura a totalidade dos direitos já titularizados
por filhos de casais heterossexuais9.
Embora circunstancialmente o recurso à natureza possa servir para
expandir o alcance dos direitos sexuais e reprodutivos, como exemplifica o
caso de María e Marisa del Pilar, é preciso atentar para o caráter insidioso
desse argumento. A tentativa de realocar a biologia, com todo seu histórico
moralizante e heteronormativo, em benefício de novas configurações famili-
ares se aproxima sobremaneira da perspectiva de “essencialismo estratégico”.
Essa expressão foi cunhada pela teórica Gayatri Spivak (1985) para nomear
as práticas de concessão a descrições naturalizantes das identidades políticas
como meio para conquista de direitos. A adesão a concepções essencialistas,
8 Tal certeza referente ao vínculo materno também vem sendo mitigada pelas possibilida-
des abertas pelas tecnologias de reprodução assistida, com a inseminação artificial e a mater-
nidade de sub-rogação, pela figura da “barriga de aluguel”, que apesar de gestar e dar à luz,
não é considerada a mãe da criança.
9 Bimbi (2013) demonstra que a lacuna quanto à dupla filiação impôs aos filhos de casais
do mesmo gênero uma desigualdade de direitos em relação aos filhos de casais heterossexu-
ais, no que diz respeito, por exemplo, aos direitos sucessórios e à assistência à saúde.
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e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade
de opção.
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(sexo e prenome) sem exigência de cirurgia transgenitalizadora (TJSP, 2016). Persiste, toda-
via, a patologização, por meio da exigência de laudo psiquiátrico atestando a transexualidade
sob o rótulo de disforia/transtorno de gênero.
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Considerações finais
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Referências
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<http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noti-
cia.aspx?Id=37747>. Acesso em: 07 de novembro de 2016.
VILLELA, João Baptista. Desbiologização da Paternidade. Revista da Fa-
culdade de Direito [da] Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, a. 27
(n.f.), n. 21, maio 1979: 401-419.
VITAL, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite. Religião e Política: uma
análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres
e de LGBTs no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2000.
193
194
8
Política sexual na modernidade e perspectivas de
masculinidades aplicadas ao direito brasileiro
A
política é a política dos homens (CONNELL, 2003). Esta
frase inicial abre campo para discussões a respeito da po-
lítica desenvolvida pelos homens para construir, legitimar
e perpetuar estruturas de dominação masculina sobre a vida social e, sobre-
tudo, sobre as mulheres. A luta das mulheres para compartilhar este poder
revela uma defesa intransigente deste poder operado por homens, que per-
passam as exclusões legais, as regras de recrutamento que exigem experiência,
qualificações e méritos mais difíceis de serem alcançado por elas, variedade
de prejuízos e suposições informais que operam em favor deles.
As táticas realizadas para a perpetuação da dominação masculina in-
sistem na seleção dos homens para o poder, não requerendo uma política de
masculinidade explícita. Na história da sociedade, sendo o Estado uma insti-
195
David Emmanuel Souza
tuição patriarcal, as posições dos homens nas relações de gênero são transfor-
madas em objeto de política, influenciando questões como violência, desi-
gualdade e distribuição de oportunidades.
Assim, propor a inclusão de perspectivas de masculinidade na pro-
dução de política sexual se demonstra indispensável para compreender a for-
mação racionalidade do direito e, por implicação, transformá-la a fim de se
alcançar a emancipação das barreiras impostas pela tradição de pensamento
filosófico masculino, que influenciam nas esferas pública e privada da socie-
dade.
Para tanto, desmascarar a divisão da sociedade em esferas distintas e
pertencentes a grupos distintos de pessoas, especificamente a esfera pública
como âmbito masculino e a esfera privada como local do feminino, apresenta-
se como possibilidade de desconstruir a tradição de pensamento ocidental,
que pautado nas diferenças biológicas as transforma em diferenças sociais,
criando categorias dicotômicas e binarizantes, que alocam homens e mulheres
em oposições estáticas e – tais como exemplos, homem-ativo-racional-agres-
sor e mulher-passiva-emotiva-vítima –, as quais legitimam a hierarquia das
relações de gênero, assim como a supremacia masculina. Feito isto, rema-
nesce a questão central deste livro: qual o futuro da sexualidade no direito?
Ou ainda, qual o futuro da masculinidade no direito?
Para tentar responder estas questões, urge trazer à discussão já ins-
taurada o desafio de implicar a epistemologia dos estudos das masculinidades
na discussão de uma política sexual emancipatória de gênero, que envolva
também os homens na luta por uma sociedade em que as diferenças sociais
históricas sejam substituídas por um exercício igualitário do poder e do acesso
às esferas públicas e privadas indistintamente.
Nesse sentido, busca-se discutir a produção de política sexual na mo-
dernidade, compreendendo-a como resultado de uma filosofia de pensa-
mento masculinista, que formata as relações de gênero em termos binários,
dicotômicos, nucleares e heterossexuais. Adiante, apresentam-se os estudos
de masculinidades construídos no ocidente enquanto fechamento epistemo-
lógico para os estudos de gênero, por visualizar que os estudos de mulheres e
de gays não são suficientes para levantar as críticas à racionalidade do Direito.
Em seguida, far-se-á uma breve crítica aos estudos de homens e masculinida-
des no Brasil, tanto para contemplar a importância do avanço teórico nas de-
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
mais áreas de conhecimento das ciências sociais e humanas, quanto para re-
fletir a ausência de atenção às masculinidades no campo do Direito – razão
pela qual se justifica esta pesquisa. Na última parte do capítulo, busca-se per-
ceber empiricamente a relação entre masculinidade e política sexual, discu-
tindo as transformações das relações familiares e a paternidade que foram
incorporadas pelo Direito, tocando especificamente na igualdade formal e
material entre homens e mulheres, bem como as discussões decorrentes da
paternidade nesse processo de formalização de paridade – a partir da análise
de leis e jurisprudências que tocam nos elementos acima mencionados.
Diante deste cenário de investigação, a hipótese sustentada é que a
crítica dos estudos de masculinidades à racionalidade do direito pode fornecer
elementos problematizadores para pensar e formatar as bases para um futuro
justo, democrático e igualitário entre as identidades sexuais.
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sem oposição a si mesmo? Como falar sobre o outro que não se diz, mas que
só pode ser dito em relação ao outro?
Para a maioria dos homens, o corpo esconde as fontes íntimas do
feminino relacionadas ao local da desordem das paixões e dos prazeres, da
vulnerabilidade, da mortalidade e da animalidade. A discussão sobre política
sexual identifica que a memória do pensamento ocidental marginalizou o
corpo e as paixões, realizando uma tradição racionalista que estabelece a equi-
valência entre a razão e a concepção de uma masculinidade extrínseca ao pró-
prio corpo.
Compreender esta tensão entre a razão masculina em detrimento do
corpo feminino foi crucial para a construção das epistemologias feministas
que visavam criticar e desconstruir a masculinização do pensamento filosófico
cartesiano (FORTH, 2013, 173).
Porém, como se inscrever na ciência de forma objetiva? Como fugir
das categorias masculinizadas? Como pensar a representatividade dos sujeitos
na produção do conhecimento, para garantir a legitimidade da política identi-
tária sexual? A vida privada e íntima concretiza hierarquias de sujeitos e que
dali emana saberes necessários para produzir ciência e política do ponto de
vista teórico, que tenha caráter objetivo e, a partir disto, produzir política se-
xual.
Torna-se urgente pensar como essas categorias foram criadas. Com-
preender os padrões de justificação das categorias. A psicologia e a fisiologia
da natureza feminina não são únicas. Igualmente a masculina.
A crítica feminista não parece ter sido suficiente para explicitar a
construção das identidades masculinas e como elas influem diretamente na
produção do conhecimento e, sobretudo, na construção da política sexual. A
necessidade de incorporar os estudos de masculinidades nas pesquisas de gê-
nero para pensar o futuro da política sexual parece um caminho que ainda se
encontra fechado.
A problematização dos estudos de masculinidades e suas implicações
na sociedade e na história foram organizadas pela ideia da existência de uma
masculinidade hegemônica que se funda através da dominação masculina e
no poder do patriarcado. A legitimação das variadas formas de dominação foi
inicialmente colocada enquanto condição natural, e com o decorrer da história
passou a ser compreendida como uma construção social, cultural e simbólica
passível de ser criticada.
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Considerações finais
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Referências
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Gênero, justiça e políticas públicas
sob a ótica de Nancy Fraser
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tiva do sexo masculino. É baseada na ideia de que o olhar masculino é o único possível e
universal, por isso é generalizada para toda a humanidade, seja homem ou mulher. É, assim,
uma visão de mundo que coloca o homem no centro de todas as coisas.
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Para Fraser, em seu artigo Reconhecimento sem ética? (2007), essa con-
cepção do gênero enquanto uma relação social vem entrando em conflito,
dentro do meio acadêmico, com aqueles proponentes que constroem o gê-
nero como um código cultural ou identidade. Para a autora (Fraser, 2007,
102), “essa situação exemplifica um fenômeno mais amplo: a política cultural
e a política social, a política da diferença e a política da igualdade”. Essa dis-
tinção entre a busca por igualdade de gêneros relacionada a aspectos da redis-
tribuição e aqueles proponentes que reconhecem o gênero enquanto identi-
dade cultural, não se faz necessária para um conceito amplo de justiça, que
consiga englobar a igualdade social e o reconhecimento da diferença.
Em seu artigo Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa
era “pós- socialista” (2006) Fraser, afirma que em um contexto pós-socialista os
conflitos políticos vêm assumindo como injustiça fundamental as questões
ligadas à dominação cultural em lugar das reivindicações de exploração mate-
rial. Desta forma, as reivindicações dos movimentos sociais têm recaído mais
sobre o reconhecimento cultural do que sobre a redistribuição socioeconô-
mica. Para a autora, no entanto, as questões que se ligam às desigualdades
materiais também se destacam em diferentes países. O que se questiona é
como devemos então englobar em um modelo de justiça às questões relacio-
nadas à exploração e redistribuição de recursos bem como aquelas relaciona-
das com a identidade e dominação cultural. Quando pensamos nas questões
relacionadas ao gênero, devemos primeiramente entender que elas atuam de
maneira bifocal: tanto para demandas ligadas ao reconhecimento como para
aquelas ligadas a redistribuição. Ao analisarmos a estrutura econômica pode-
mos perceber que ela gera formas específicas de injustiças ligadas ao gênero
que incluem a exploração e a marginalização econômica.
Ao analisarmos a política feminista de reconhecimento devemos en-
tender qual caminho deve ser percorrido para que se alcance esse “reconhe-
cimento”. Inicialmente, deve-se reformular a imagem androcêntrica que liga
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divisão rígida entre gênero masculino e feminino, em relação aos papéis, comportamentos e
atitudes: o que está ligado ao masculino é tido como superior e vigente em relação ao femi-
nino. É assim uma rejeição, desinteresse e desprezo pelo que se caracteriza como feminino.
Para mais informações relacionadas à terminologia acessar: http://www.stu-
nam.org.mx/41consejouni/14comisionequidadgenero/160614/16%20Definiciones+Glo-
sario+sub-dif+CEEG.29-10-2012.pdf
225
Natália Soares de Oliveira
e não contra a pessoa. O antigo Código Civil de 1916, revogado pelo novo
Código Civil que só entrou em vigor no ano de 2003, desvalorizava a mulher,
quando a considerava relativamente incapaz, ou quando o seu domicílio era
considerado o mesmo do marido, ou quando o homem era o chefe da socie-
dade conjugal e a ele era destinada a competência do pátrio poder. Em relação
ao casamento, o Código estipulava que a mulher assumia a condição de com-
panheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos da família.
Embora saibamos que essas leis foram modificadas, em especial pela
Constituição de 1.988, que prega a isonomia entre homens e mulheres, é fácil
percebermos que as leis adotadas tinham como cerne a discriminação em re-
lação à mulher, restringindo seus direitos e delegando aos homens papéis de
controle, posse e centralidade de representação e participação na esfera pú-
blica e social4. É notória a evolução principalmente do pensamento jurídico,
no sentido de se reconhecer a igualdade de gêneros. No entanto, esses pa-
drões de valoração cultural permaneceram enraizados em uma cultura an-
drocêntrica. Podemos notar no Brasil que o Legislativo e o Judiciário ainda se
orientam por modelos tradicionais de interpretação afirmando e consoli-
dando estereótipos de identidade ligados à mulher, o que resulta em sua des-
valorização, subordinação econômica e cultural, ausência de representação
nas diferentes esferas sociais e políticas e uma inferiorização do que é relaci-
onado às características ou aspectos femininos.
O problema encontrado quando pensamos na interpretação, atuação
e aplicação, de normas é que os padrões androcêntricos encontrados e esta-
belecidos na nossa sociedade irão regular e direcionar o pensamento e atuação
prática das leis operantes em nosso judiciário, como no caso do estupro e a
culpabilização da vítima, ora pelo lugar onde se encontrava, ora pelas roupas
que vestia, entre outros. O que é analisado não é de fato a lei penal ou a iso-
nomia de direitos, mas sim padrões que estabelecem o que a mulher deve
vestir, qual o comportamento que deve seguir, qual lugar deve frequentar,
regulando, desta forma, suas atitudes e corpos. Isso tudo impossibilita uma
participação social plena das mulheres. Fraser (2012) afirma que a falta desse
4 Esses conceitos de esfera pública e participação social serão melhor trabalhado no tópico
4 desse capítulo.
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Nós queremos dizer, primeiramente, que o que acontece na vida pessoal, par-
ticularmente nas relações entre os sexos, não é imune em relação à dinâmica de
poder, que tem tipicamente sido vista como a face distintiva do político. E nós
também queremos dizer que nem o domínio da vida doméstica, pessoal, nem
aquele da vida não-doméstica, econômica e política, podem ser interpretados iso-
lados um do outro (OKIN, 2008, 314).
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5 Para a autora “são ditas redes de relações de finalidade controvertidas as que eu pretendo
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modo, por determinar o que iria satisfazê-la. O terceiro aspecto é a luta acerca da
satisfação da necessidade, a luta por garantir ou recusar uma ajuda. (FRASER,
2015, 79, tradução nossa)
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municípios – em oposição aos espaços estaduais e federal – por ser mais fácil
o acesso a tais espaços. Essa tendência também se confirma pelo fato de nor-
malmente o ingresso da mulher na política ocorrer a partir de uma atuação
inicial em organizações da sociedade civil, filantropia, casas de apoio e dife-
rentes áreas sociais, em grande parte de seus municípios.
Embora nesse trabalho nossa análise seja mais teórica e referente a
conceitos importantes dentro da discussão da participação da mulher na es-
fera pública, dados como esses indicam que embora tenhamos conquistado
espaço em diferentes setores, a sociedade ainda deve mudar padrões e este-
reótipos que subordinam e impedem as mulheres de uma real participação.
As formas como se dão a busca por superação das injustiças sociais muitas
vezes impedem soluções que englobem tanto necessidades de cunho culturais
como aquelas ligadas a distribuição. As diferentes formas que a sociedade bra-
sileira busca para estimular e aumentar a participação das mulheres na esfera
pública é que irão proporcionar uma condição de desenvolvimento, justiça
social e de cidadania para as mulheres.
Outra questão que devemos certamente analisar é aquela necessária
para que as diferentes “mulheres” – aqui usamos esse termo para justificar as
diferentes demandas que a interseccionalidade nos revela – criem meios que
reforcem o poder, ampliem a capacidade para as escolhas que levem a uma
emancipação, a fim de conduzi-las a uma real participação e ausência de desi-
gualdade e discriminações. A paridade participativa desenvolvida na teoria de
Fraser, então, serve como a linguagem da razão pública, como a linguagem
utilizada na argumentação política democrática sobre questões relacionada à
distribuição e reconhecimento. O que Fraser busca desenvolver com o intuito
principalmente de superar a subordinação, nesse caso ligada ao gênero, é uma
integração entre o melhor de ambas as políticas, o reconhecimento e a redis-
tribuição no qual o centro normativo é a concepção de paridade de participa-
ção.
Para tanto, a experiência e a crítica feminista, como podemos notar
ao longo desse trabalho, são cada vez mais eficazes no âmbito das demandas
de políticas nacionais nas quais a defesa dos interesses das mulheres assume
uma relevância muito maior.
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Conclusão
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Referências
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(DES)CONSTRUINDO REDES E ESTRUTURAS:
PERSPECTIVAS SOBRE O FUTURO DA DISCIPLINA E A
REGULAMENTAÇÃO DA SEXUALIDADE
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a uma síntese universal das diferentes opções relativas aos direitos. Tampouco é descartada
a virtualidade das lutas pelo reconhecimento das diferenças étnicas ou de gênero. O que
negamos é considerar o universal como um ponto de partida ou um campo de desencontros.
Ao universal há que se chegar – universalismo de chegada ou de confluência” (FLORES, in:
WOLKMER, 2004, p. 374-375). Logo, “se a universalidade não se impõe, a diferença não se
inibe; sai à luz” (FLORES, in: WOLKMER, 2004, p. 375).
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Como exposto por Hekma (1996) – e antes dele, por Weeks (1985) e por
Foucault (1976) – a heterossexualidade, enquanto projeto político de controle so-
cial das massas por um grupo/classe que ascendeu ao poder, foi instituída no
século XIX e alicerçada em elementos fornecidos pelas ciências biomédicas – as
novas provedoras da verdade sobre o corpo individual e, por extensão, sobre o
corpo social.
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tituição dos seres em relação à sexualidade, isso porque, não existe uma esta-
bilidade, e sim uma constante produção, reprodução e (re)constituição de no-
vos significados.
Corpos e atos sexuais aparentemente idênticos do ponto de vista fí-
sico podem ter variada significação social, a depender de como sejam defini-
dos e compreendidos nas diferentes culturas e períodos históricos. É impos-
sível, portanto, separar o organismo e atos, considerados sexuais, do conjunto
de significados e práticas a partir dos quais são percebidos, elaborados e vivi-
dos. Por isso mesmo, também não é possível tomar o organismo como expli-
cação isolada da sexualidade ou de qualquer outra conduta humana (VANCE,
1995).
John Gagnon (2006), por sua vez, considera que as instruções cultu-
rais a respeito de como as pessoas devem se comportar sexualmente estão
inseridas na organização das instituições sociais e na prática da vida cotidiana
dessas instituições. Desse modo, sexualidade é assunto tanto pessoal quanto
político.
O surgimento e a expansão do Estado moderno, contudo, são mar-
cados pela assunção da razão governamental como mecanismo regulador, dos
corpos e da população, para assegurar os seus poderes de soberania. Diversas
relações específicas de poder diretamente ligadas à noção de controle em
torno da reprodução e construção de forças de guerra podem ser notadas, por
exemplo. A estatização do biológico, utilizada para fins de controle e regula-
ção, serviu também para justificar inúmeras atrocidades, inclusive mecanis-
mos que deixaram profundas marcas transfiguradas enquanto crimes de
guerra, perseguições e extermínios contra homossexuais. Esses crimes não
foram, entretanto, compreendidos em termos de violações contra os direitos
humanos por diversos países, por um razoável período de tempo, e ainda não
o são em muitos países.
Ao analisarmos, por exemplo, diferentes reformas e transformações
nos documentos internacionais, podemos perceber que a criação do Estatuto
de Roma, em 1998, tratado que cria o Tribunal Penal Internacional, não
aponta a sexualidade em termos de categoria elevada ao status de direitos hu-
manos. Convém perguntarmo-nos, portanto, diante das atrocidades cometi-
das contra populações específicas em decorrência de preconceitos e estereó-
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Esta noção, [...] pretende explicar que a lei não deve atuar sobre um sujeito
que a precede, mas sim é a lei que inventa o objeto que regula. Assim, por exem-
plo, não existiriam homossexuais antes das regulações culturais médicas e jurídicas
que os avaliassem como seres abjetos (como tampouco existiriam os heterosse-
xuais antes da existência dos homos, constituindo uma dupla semântica e um
mesmo ato). Dessa maneira, na linguagem, a gramática corporiza os gêneros e os
comportamentos eróticos em termos da matriz heterossexual obrigatória e os faz
inteligíveis. É no momento da geração da matriz heterossexual, da sexualidade
“normal”, que se definem as sexualidades periféricas como seu correlato abjeto,
aquilo que não é para que o outro seja (DÍAZ-BENITEZ, FÍGARO, 2009, 22).
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bém mostrar “uma história que dê conta da constituição dos saberes, dos dis-
cursos dos domínios de objeto” (REVEL, 2008), das práticas, das relações de
poder, etc.
Foucault (2000) nos apresenta os modos como as tecnologias de dis-
ciplinas centradas nos corpos foram aos poucos sendo integradas e substituí-
das pelas tecnologias de regulamentação das populações. As técnicas de raci-
onalização e de economia e de tecnologia disciplinar do trabalho instauradas
no final do século XVII e no decorrer do século XVIII cuidavam do corpo
individual, dos “procedimentos pelos quais se assegurava a distribuição espa-
cial dos corpos individuais (sua separação, seu alinhamento, sua colocação em
série e em vigilância) e a organização, em torno desses corpos individuais, de
todo um campo de visibilidade” (FOUCAULT, 2000, 288).
Durante a segunda metade do século XVIII, desenvolve-se uma tec-
nologia de poder diferenciada, que integra a primeira e modifica as suas téc-
nicas disciplinares para dirigir-se ao homem enquanto ser vivo, enquanto es-
pécie. Nas palavras de Foucault (2000, 289):
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De uma parte, de fato, o racismo vai permitir estabelecer, entre a minha vida
e a morte do outro, uma relação que não é uma relação militar e guerreira de
enfrentamento, mas uma relação do tipo biológico: “quanto mais as espécies in-
feriores tenderem a desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem eli-
minados, menos degenerados haverá em relação à espécie, mais eu - não enquanto
indivíduo, mas enquanto espécie - viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei,
mais poderei proliferar”. A morte do outro não é simplesmente a minha vida, na
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
medida em que seria minha segurança pessoal; a morte do outro, a morte da raça
ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a
vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura (FOUCAULT, 2000, 305).
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para que um dia não precisemos nos pautar nessa ideia para orientar nossas
condutas e agenciar os nossos corpos e nossas vidas.
Essas discussões possuem um custo simbólico, subjetivo, político e
social. As insuficiências da ideologia neoliberal do Estado em gerir as discus-
sões sobre a sexualidade dentro de suas propostas regulamentares foram de-
terminantes no processo que resultou em uma sociedade onde o sentimento
de anomia e “inadequação” estão fortemente presentes na construção das
subjetividades. É preciso olhar o sujeito, portanto, a partir de lentes constru-
tivistas. As relações de poder e saber mobilizadas na fabricação dos sujeitos
são também construídas paulatinamente.
É preciso reinventar-se também enquanto população. Ter uma cons-
ciência crítica da existência das relações de poder, da disciplina, dos regimes
de verdade, dos biopoderes e da governamentabilidade, é o que Foucault nos
propõe, e para isso precisamos ser inventivos e buscar possibilidades de in-
tervenção e de ressignificação criando novas redes e estruturas que nos per-
mitam reinventar maneiras de resistir e interferir na razão governamental vi-
sando a construção de sujeitos éticos.
A promoção de debates, de ações, de formações educacionais volta-
das para o respeito e a percepção das diferenças, a ocupação dos lugares pú-
blicos e de tomadas de decisão, a criação de redes de solidariedade, a promo-
ção de estratégias de sensibilização, a organização dos movimentos sociais em
busca do fortalecimento das pautas comuns, a luta pela positivação de direi-
tos, inclusive, são estratégias que nos permitem pensar a superação das cliva-
gens racistas e a criação de uma nova racionalidade que oriente as discussões
sobre sexualidade.
Repensar as estruturas institucionais para além das construções mo-
rais e insistir no pensamento laico e crítico é uma tarefa árdua que carece de
resistência no âmbito particular-privado e coletivo-público. A resistência e a
ocupação se faz, portanto, contra o assujeitamento, a partir dos cuidados de
si, pela organização dos movimentos sociais em prol da resistência e da ocu-
pação dos espaços de disputa de poder e pela luta por reformas estruturais de
educação e saúde pública, por exemplo.
É preciso ocupar os espaços de produção de saber, ideológica e ma-
terialmente, e expor as questões da sexualidade a fim de torná-las algo mais
palatável e discutível dentro das instituições (família, escola, igreja, Estado,
entre outras) e só assim sair do caráter de negação e de moralidade. É preciso
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Referências
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TEORIA E PRÁTICA NO ENFRENTAMENTO
DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
UM DIÁLOGO POSSÍVEL?
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realizam desde que se ponha como vítima", é ela que "coopera na sua produ-
ção como não-sujeito". Dessa forma, a autora caracteriza essa situação como
"buraco negro", uma vez que a mulher não é somente produzida, mas tam-
bém se produz (GREGORI, 1993, 184).
A cumplicidade feminina descrita por Gregori em muito se difere da
ideia desenvolvida por Chauí. Para a autora, é possível perceber a existência
da cumplicidade nos depoimentos das mulheres, pois elas constroem suas
narrativas da seguinte forma: de um lado, relatam o mau comportamento de
seus parceiros, as agressões sofridas, e, de outro, ressaltam a perfeição de suas
condutas. Assim, para Gregori, além das consequências esperadas da queixa,
há, por parte da mulher, "a fruição, o desejo de enlaçar o outro e se auto-
aprisionar em um modelo em que nada exige de si mesmo, pois é no outro
que continuará a residir o dever de proteção, do amparo e da benevolência"
(GREGORI, 1993, 191). Para Gregori, ser cúmplice não significa reproduzir
a ideologia de dominação, como quer fazer crer Chauí, mas se enlaçar ao ou-
tro, de forma que através da culpabilização de um, as qualidades do outro
possam ser ressaltadas.
Assim como Gregori, Wânia Pasinato Izumino e Cecília MacDowell
Santos, brasileiras, sociólogas e especialistas nos estudos de violência contra
a mulher, também apontam as insuficiências da concepção universalizante das
relações, que vitimiza a mulher, ao invés de tratá-la como sujeito:
Por exemplo, precisamos compreender melhor não apenas o papel das mu-
lheres nas relações de violência, como também o papel exercido pelos homens, já
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
que ambos participam na produção dos papéis sociais que legitimam a violência.
Nesse sentido, é importante que se estude como a construção social tanto da fe-
minilidade quanto da masculinidade está conectada com o fenômeno da violência
(IZUMINO; SANTOS, 2005, 15).
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Nota-se que, nesse caso, o critério utilizado pelo juiz para justificar a
proteção da parte pela Lei não é a violência, mas sim a desigualdade de poder
socialmente construída entre homens e mulheres, que faz com que a mulher
esteja em uma situação de maior vulnerabilidade, e, portanto, deva ser ampa-
rada por uma Lei específica. Dessa forma, por não verificar essa assimetria de
forças no caso posto em análise, não foi reconhecida a proteção da Lei.
Uma das jurisprudências consolidadas, constante no acórdão acima
mencionado, e muito utilizada de forma geral, é a decisão do STJ de 2008
sobre a situação de um casal de namorados heterossexuais que teriam prati-
cado agressões físicas e mútuas:
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Ariíni Bomfim & Beatriz Akutsu
mulher, que é o fundamento da aplicação da Lei Maria da Penha. Não fica evi-
denciado, no caso, que as agressões ocorreram por causa da condição de
fragilidade e hipossuficiência da mulher em relação ao seu namorado. (…)
A análise do caso mostra que o delito supostamente praticado não encerra moti-
vação de gênero, tendo havido mútuas agressões entre dois namorados (grifou-
se). (CC n. 88.027/MG, Relator Ministro OG FERNANDES, DJ de
18/12/2008)
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Da mesma forma que a decisão anterior, nota-se, aqui, que para que
a mulher seja protegida pela Lei, deverá ela ser classificada como hipossufici-
ente ou vulnerável. Mais uma vez, parece que o juiz desconsiderou elementos
estruturais da sociedade para a compreensão da dinâmica de poder na relação
em questão. A interpretação da posição ocupada pelas partes, conforme ex-
presso pelo magistrado, na verdade, modifica apenas a caracterização da mu-
lher no conflito.
No seguimento desse processo foi ofertado o recurso especial nº
1.416.580 ao STJ, cuja relatoria da Ministra Laurita Vaz modificou a decisão
para reconhecer a existência de violência doméstica e a aplicação da Lei espe-
cial protetiva, pelos seguintes motivos:
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Considerações Finais
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uma nova leitura das potencialidades e dificuldades das leis protetivas, como
a Lei 11.340/06.
A dificuldade de encontrar no Judiciário elementos que dialogam
com a teoria relacional apresenta-se como na ordem da estrutura fundante de
tais elementos. A castração da voz da vítima, a busca pela singularidade do
ato ilícito são configurações típicas do processo penal, que engessam o olhar
crítico da teoria relacional. Tal crítica não importa na ausência de uma cons-
tituição prática da teoria relacional, apenas que, considerando o campo teó-
rico, ela pode ser melhor pensada em outros campos discursivos e práticos.
Os grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica parecem
dialogar, pelo seu próprio pressuposto de existência, com a teoria relacional.
Eles existem de formas plurais desde 2008, interagindo com o Poder Judiciá-
rio e fora dele (LOPES, LEITE, 2013).
O que aqui se propõe, como provocação final, a partir da análise das
teorias e das práticas judiciais que tratam do tema, é discutir outras formas de
pensar as relações, que além de problematizarem a perspectiva que cristaliza
a posição das partes, também sejam mais abrangentes e menos excludentes
possíveis. No entanto, uma das preocupações centrais dessa outra forma de
compreensão é não retirar, nem diminuir, a importância de se discutir as de-
sigualdades de poder historicamente construídas entre homens e mulheres.
Nota-se, com isso, a percepção de mais uma camada de complexidade das
dinâmicas de poder que envolvem a sexualidade e a produção das violências.
Referências
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O tratamento da identidade transexual
e travesti pelo Sistema Penitenciário
no Rio de Janeiro
http://blogs.odia.ig.com.br/lgbt/2016/01/29/indianara-icone-da-militancia-trans-desafia-
regras-da-sociedade-e-transforma-vidas
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Roberta Olivato Canheo
3 Importante esclarecer que há um debate acerca do uso da sigla LGBT (Lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais), que se coloca, por exemplo, no caso do uso da sigla
LGBTTI, incluindo as pessoas intersexuais, ou ainda no caso da sigla LGBTQI, englobando
a perspectiva dos estudos Queer. Não se pretende neste trabalho apontar qual seria a melhor
sigla, defender sua inexistência, ou excluir da apreciação identidades que não se sintam con-
templadas pela abreviatura. A opção aqui de se adotar a sigla LGBT se justifica apenas pelo
fato de ser a sigla empregada nas Resoluções, leis e demais normativas que analisaremos no
decorrer do texto.
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Roberta Olivato Canheo
4 De acordo com Nádia Perez Pino (2007, p. 153-155): “É muito comum à associação do
intersex com o hermafrodita, pessoa que possui os dois sexos. Segundo Mauro Cabral, ati-
vista intersex e pesquisador da temática, essa associação presente em nosso imaginário cul-
tural é oriunda das artes e da mitologia, mas não condiz com a realidade do corpo intersex,
sendo que o conceito chave para entender a intersexualidade é a variedade, já que o corpo
intersex não encerra um corpo único, mas um conjunto amplo de corporalidades possíveis
[...] A genitália ambígua ou indefinida é uma das ocorrências mais frequentes. No entanto,
há casos em que as pessoas nascem com órgãos genitais identificáveis com um sexo, mas
estes não são representativos daquilo que é considerado ideal [...] Há outros casos de pessoas
que nascem com todas as características hormonais, genéticas, do sexo, por exemplo, uma
mulher com cromossomos XX, com útero, ovários, mas sem vagina. Ou nos casos em que
as pessoas nascem com mosaicos genéticos como XXY. Os significados atribuídos a essa
variação dependem não só das maneiras como o corpo intersex é visto pelas diferentes ins-
tâncias discursivas, mas também das concepções aceitas sobre o que deve ser o ‘corpo nor-
mal’”.
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do século XIX (1837-1901), no qual as relações não só entre o regime político e o domínio
privado, mas entre os próprios particulares em suas interrelações eram marcadas por forte
censura e restrições morais contra padrões tidos por “desviantes”. Para uma discussão mais
aprofundada sobre a vigilância cotidiana a que eram submetidas as mulheres, em uma estreita
relação com a medicina, ver Groneman (1994).
7 O dispositivo anatomopolítico é aquele representado, na concepção foucaultiana, por
tecnologias de exercício de poder que tem o corpo como objeto e a normalização como fim.
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Roberta Olivato Canheo
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Esta resolução define o que são as identidades LGBTs, identifica esse público
dentro do cárcere, prevê o respeito ao nome social, prevê a possibilidade de um
espaço de vivência específico, ou seja, um alojamento específico para LGBTs,
prevê também o direito da mulher transexual e da mulher travesti serem encami-
nhadas para lugares prisionais femininos, prevê o uso de roupas femininas ou
masculinas, conforme o gênero, o direito à visita íntima, e o acesso integral à sa-
úde. E proíbe em seguida as discriminações fundadas na identidade de gênero ou
orientação sexual da pessoa. (Entrevista concedida por Lívia).
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Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres
será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças
maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir
a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (...)
Art. 90. A penitenciária de homens será construída, em local afastado do cen-
tro urbano, à distância que não restrinja a visitação.
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10 Trabalho aqui com o conceito de cisgeneridade em sua precariedade, tendo em vista sua
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
É quando a pessoa trans é lida pela sociedade como se cis fosse.A mulher
trans que tem passabilidade cisgênera geralmente ouve coisas do tipo, quando se
anuncia trans: nossa, mas ninguém nunca diria que você é trans. Você engana bem
viu? Você parece muito com uma mulher. E eu digo sendo lida como trans ou
travesti pois a sociedade não lê da mesma forma a trans ou travesti sem passabi-
lidade e a trans ou travesti com passabilidade. [...]. Há uma busca incessante e
incansável por algo inatingível a todas nós. Afinal de contas, sempre haverá al-
guma característica sua para apontarem e dizerem que você não é mulher o sufi-
ciente ou mulher "de verdade". É a voz, a mão, o pé, a perna, o cabelo, o globo
ocular, os seus cromossomos, o seu coração, intestino, estômago, rins... as suas
células, a sua alma, ufa! [...] (ANDRADE, 2015).
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11 De acordo com a listagem da unidade prisional e com informações obtidas por mim na
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Referências
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O FUTURO DO ABORTO:
ANÁLISE A PARTIR DO PAPEL DA
PRESIDÊNCIA DOS PODERES DA REPÚBLICA
Rogerio Sganzerla1
1 Doutorando em Sociologia e Direito pela UFF, Mestre em Direito pela UNIRIO. Licen-
ciado em Filosofia pela UNIRIO. Bacharel em Direito pela FGV Direito Rio. Pesquisador
CJUS/FGV.
2 Cf. sítio: www.sdd.uff.br
3 Ana Paula Antunes Martins, Carla Appollinario de Castro, Beatriz Akutsu, Natália Oli-
veira, David Emmanuel, Gustavo Agnaldo de Lacerda, Gabriel Martire, Carolina Câmara,
Bárbara Sena, Ariíni Bomfim, Mariana Dornellas, Gabriel Guarino de Almeida, Roberta Oli-
vato Canheo, Ana Míria Carvalho, Márcio Rocha, Eduardo Magaldi e Ramon Costa.
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Rogério Sganzerla
326
Qual o futuro da sexualidade no direito?
Essa questão se justifica na medida em que o tema está cada vez mais
presente na pauta de discussões do Legislativo e do Judiciário no Brasil. A
questão da moralidade e da religião está cada vez mais presente em discussões
sobre a sexualidade. O correto e o incorreto se esbarram com práticas da so-
ciedade e, cada vez mais, tendem a ser questionadas. Na história da civilização
ocidental, pode-se dividir a sexualidade em duas fases principais para efeitos
deste trabalho: a) a primeira mais repressiva, cujo intuito é a legitimação da
sexualidade hegemônica; b) a segunda num sentido mais permissivo, descons-
truindo os padrões sociais e não mais reprimindo condutas sexuais baseadas
unicamente num padrão moral antes aceito como “correto”.
De certa forma, a dinâmica histórica do aborto coincide com a pers-
pectiva da sexualidade e de gênero. Pode-se dizer que há três fases distintas
para a mudança de paradigmas. Como bem esquematiza Guilia Galeotti na
sua obra História do Ab( )rto (2003), a primeira vai desde a Antiguidade até o
final do século XVIII, passando pela Grécia Antiga, a civilização romana, a
Idade Média e a Idade Moderna (repressiva). A segunda fase, também repres-
siva, muda radicalmente com a Revolução Francesa (1789). Já a terceira, per-
missiva, inicia nos anos 70 do século XX, quando as legislações começam a
levar mais em consideração as exigências do outro sujeito da relação, tute-
lando direitos e escolhas da mulher, ainda que com limites e tempos diferentes
de país para país.
Na primeira fase, da Antiguidade até o final do século XVIII, o
aborto é uma coisa das mulheres. O senso comum não via no feto uma enti-
dade autônoma, mas entende-o como parte do corpo materno. Esta visão
pode sugerir que esta seja uma época na qual a mulher tinha poder e controle
sobre seu corpo, sua identidade, voz e escuta. Contudo, ao contrário do que
parece, a fundamentação do aborto ser algo possível está na ideia de sujeito e
essência. O feto, somente quando amadurecido (e nascido), se torna uma en-
tidade autônoma e independente da mãe. Como a “ciência” era uma constru-
ção de crenças e superstições populares, a gravidez era uma competência ex-
clusivamente feminina, sendo a única utilidade da mulher. Sua existência en-
contrava sentido e justificação na condição da maternidade dentro do casa-
mento ou que de qualquer das formas um homem estivesse disposto a assumi-
las. Portanto, sem maternidade não há mulher. O órgão onde o feto está con-
tido, e no qual recebe proteção, é designado como matriz ou mãe; poderá
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Rogério Sganzerla
então a mulher existir sem ele? A “natureza” da mulher, assim, era a reprodu-
ção. A ênfase biológica da mulher estava em trazer filhos ao mundo na sua
realização, sendo uma expectativa social através de uma passagem filha-mãe.
E, como mulher, nunca chegará a ter o status de um homem. Ela será sempre
inferior a ele, ainda que superior aos animais. Partiu-se de uma ideia inicial de
inferioridade física do sexo feminino advinda da ideia de ser apenas um re-
ceptáculo passivo do sémen do homem (Ésquilo), passando à visão aperfei-
çoada de que o sémen masculino possui uma virtus formativa que predispõe a
matéria feminina, já dotada de alma vegetativa, a receber a alma sensitiva (To-
más de Aquino) para, então, haver o reconhecimento do sangue menstrual
para a concepção, ainda que a força ativa do esperma masculino permaneça
superior (Renascimento). Ou seja, caso algo desse errado na maternidade, o
problema era sempre da mulher.
Essa visão persistiu até a metade do século XVIII com os ideais as-
sociados à Revolução Francesa (1789). Em 1791, por exemplo, depois de ma-
nifestos feministas de Olympe de Gouges (1748-1793) e Mary Wollstonecraft
(1759-1797), houve a abolição do crime de sodomia na Franca, medida que
só foi adotada no Brasil durante o século XX6. Em 1884, com a publicação
do livro A origem da família, propriedade privada e o Estado, Friedrich En-
gels afirma que os homens, patriarcas, controlam a sexualidade feminina para
dico que vigorou durante todo o período colonial no Brasil e que criminalizava a sodomia
foi o mesmo que existia em Portugal, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Orde-
nações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e, por último, as Ordenações Fili-
pinas, que surgiram como resultado de um domínio castelhano. Ficaram prontas ainda du-
rante o reinado de Filipe I, em 1595, mas entraram efetivamente em vigor em 1603, no perí-
odo do governo de Filipe II. As penas previstas nas Ordenações Filipinas eram consideradas
severas e bastante variadas, destacando-se o perdimento e o confisco de bens, o desterro, o
banimento, os açoites, morte atroz (esquartejamento) e morte natural (forca). Vale lembrar
que a Inquisição na Europa, iniciada no século XII, foi instaurada formalmente em Portugal
em 1536 a pedido do Rei de Portugal, D. João III. É de salientar que a aplicação do direito
no vasto espaço territorial do Brasil-Colônia não fazia parte das preocupações portuguesas,
já que o objetivo da metrópole era principalmente assegurar o pagamento dos impostos e
tributos aduaneiros, mas, mesmo assim, as Ordenações Filipinas foram a base do direito no
período colonial. Foi a partir da Independência do Brasil em 1822 que os textos das Orde-
nações Filipinas foram sendo paulatinamente revogados, mas substituídos por textos que, de
certa forma, mantinham suas influências. Primeiro surgiu o Código Criminal do Império
(1830), que substituiu o livro V das Ordenações; em seguida foi promulgado o Código de
Processo Criminal (1832), que reformou o processo e a magistratura. Em 1850 surgiram o
Regulamento 737 (Processo Civil) e o Código Comercial. Os Livros I e II perderam a razão
de existir a partir das Revoluções do Porto em 1820 e da Proclamação da Independência
brasileira” (Carrara, 2010, 17).
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Rogério Sganzerla
O Congresso Nacional
mara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/o-papel-das-comissoes
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Rogério Sganzerla
Gráfico 01 - Quantidade de projetos por ano na Câmara dos Deputados
8 O critério usado para classificação do grupo "medicamentos" foi o projeto abordar qual-
o estatuto do nascituro.
10 O critério usado para classificação do grupo "tipificação de novos crimes" foi o projeto
jeto abordar a interrupção da gravidez ou a supressão do art. 124 do Código Penal. Também
foi incluído neste tópico o plebiscito sobre o aborto praticado por médico por entender que
o projeto, ao analisar se o aborto praticado por médico deve ou não ser criminalizado, aborda
uma hipótese de descriminalização específica da prática do aborto. Como não seria uma con-
dição específica da mulher especificada no art. 128 do Código Penal, preferiu-se enquadrá-
lo neste grupo.
12 O critério usado para classificação do grupo "aumento/agravamento de pena" foi o pro-
jeto propor uma majoração da pena do crime de aborto ou propor um agravamento no tra-
tamento da conduta.
332
Qual o futuro da sexualidade no direito?
legal (art. 128, CP)13; (vii) disque14; (viii) registro público de gravidez15; (ix)
programas públicos de intervenção/informação/prevenção do aborto16; (x)
manipulação genética17 e (xi) planejamento familiar18 e (xii) temas não relaci-
onados19.
Como se percebe do gráfico abaixo, o grupo "programas de inter-
venção e prevenção do aborto" é o que possui a maior quantidade de projetos
em tramitação, seguidos do grupo de "planejamento familiar". Porém, uma
situação também impressiona: no tocante aos quatro grupos envolvendo o
crime de aborto (iii, iv, v, vi), os que possuem uma razoável quantidade de
projetos em tramitação são aqueles que propõem uma piora na situação atual
sobre o aborto (iii, v).
gal" foi o projeto abordar o art. 128 do Código Penal no tocante a novas hipóteses de aborto
legal ou propondo a sua revogação.
14 O critério usado para classificação do grupo "disque" foi o projeto propor a criação de
um disque sobre o aborto. No caso, duas foram as hipóteses: disque denúncia e disque in-
formações.
15 O critério usado para classificação do grupo "registro público de gravidez" foi o projeto
propor um registro público de mulheres grávidas como forma de reduzir a prática ilícita do
aborto.
16 O critério usado para classificação do grupo "programas públicos de intervenção/infor-
mação/ prevenção do aborto" foi o projeto abordar uma política pública específica sobre o
aborto, seja para a mulher ou para o nascituro, no tocante as suas causas ou consequências,
abrangendo qualquer tipo de projeto que fizesse alusão à prevenção, informação ou que in-
tervisse sobre o procedimento abortivo.
17 O critério usado no grupo "manipulação genética" foi o projeto abordar especificamente
a manipulação genética.
18 O critério usado no grupo "planejamento familiar" foi o projeto abordar no seu título
ou ementa qualquer referência a ações que tenham como finalidade o planejamento familiar.
19 Não possuem uma relação direta com a questão do aborto. Tal relação direta se traduz
em qualquer matéria que discuta questões, métodos ou processos que abarquem o feto, nas-
cituro, a relação filho e mãe ou similar, contanto que faça referência explícita a qualquer um
dos sujeitos anteriormente descritos, desde que envolva uma situação de antecipação (dolosa
ou culposa) da gravidez.
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Rogério Sganzerla
Gráfico 02 - Quantidade de projetos em tramitação/arquivados por grupo
Tramitação
100%
6 3
80% 8 9 2 13
60% 6
9 13 19 5
40% 16 15
20% 8 7 9
2 1
0% 2
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Gráfico 05 – Bancada das Eleições em razão dos partidos
91 89 86
84
75 83
78 68
66
70
65 66
54
49
44 54
41
38
43
21
340
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Rogério Sganzerla
como a Câmara dos Deputados, possui uma grande reverência pelo voto do
relator sendo que, após 1988, não houve uma única decisão da Turma ou do
Plenário que contrariasse o voto do relator do caso, apesar de haver casos nos
quais ele foi discordado, porém não vencido.
Por fim, a terceira análise se dá sobre a figura do demandante. Até
este momento, a análise se deu sobre aquele que recebe a demanda, o julgador
ou o tomador de decisão. Agora, a investigação se dará sobre aquele que a
propõe. Pergunta-se: até que ponto o autor ou demandante de um pro-
cesso/projeto de lei influência na decisão coletiva do Plenário, grupo ou Co-
missão?
Importante focar a análise sobre a coletivização da demanda. Como
demonstrado, até 2004 não houve ações coletivas julgadas pelo STF. Con-
tudo, isso não impediria que tal demanda tivesse um efeito erga omnes em razão
do seu tema. Poder-se-ia, por exemplo, ter dado repercussão geral a um habeas
corpus que demonstrasse a transcendência da causa em termos de direito em
razão da relevância qualitativa do tema. Hoje em dia, o recurso extraordinário
tem como requisito necessário a existência de repercussão geral para ser co-
nhecido no STF (art. 1.030, I, a, e 1.035, ambos do CPC). Nesses termos, é
preciso que a decisão impugnada contrarie súmula ou jurisprudência domi-
nante do Supremo Tribunal Federal ou tenha reconhecido a inconstituciona-
lidade de tratado ou de lei federal (art. 1035, §3º, CPC). Além disso, também
é possível ter um incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 e
ss, CPC), sendo esta uma técnica do Tribunal de origem, em uma demanda
individual, a fim de uniformizar a jurisprudência efetiva em processos repeti-
tivos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de di-
reito, com risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Levando em conta essas hipóteses, o que se verifica é que, indepen-
dentemente do tipo de ação (individual ou coletiva), a demanda, em sua rele-
vância qualitativa, foi sempre trazida para o caso concreto e não para reper-
cussão geral. Somente em 2005 com as ações coletivas é que as demandas
passaram a tratar de temas que poderiam atingir não só os autores da ação,
mas também outras pessoas que estivessem em iguais condições.
Portanto, antes de seguir com as críticas, faz-se um resumo sobre as
constatações acima descritas: a) a figura individual é bastante presente na
questão do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, especial-
mente nos casos envolvendo aborto, seja pelo Presidente, do Relator/Juiz e
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tudo-Flavia-Biroli-29-09-2016_def.pdf
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com-pauta-anticorporativista,10000075424
23 http://jota.info/carmen-lucia-prepara-pauta-tematica-para-o-stf
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Rogério Sganzerla
Conclusão
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
Referências
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Qual o futuro da sexualidade no direito?
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Rogério Sganzerla
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14
MULHER NEGRA:
IDENTIDADES FORJADAS PELA NEGAÇÃO
Carolina Pires1
Clarissa Cunha Felix2
A
mulher negra, considerando o fenômeno da diáspora afri-
cana3, tem a sua trajetória atravessada cotidianamente por
experiências permeadas pelo racismo e discriminação em
relação a gênero, para além de outros tipos de opressão. Neste artigo busca-
mos refletir sobre as identidades da mulher negra forjadas na sua interação
com uma sociedade que lhes nega direitos e espaços. Alguns leitores podem
se questionar se o feminismo contém o Movimento de Mulheres Negras, se
ciologia e Direito (Curso Ciências Jurídicas e Sociais). Bolsista CAPES; pesquisadora das
Temáticas: Prisões, Violência, Segurança Pública e Questões Raciais; Membro do Grupo
SDD; associada ao Grupo Tortura ou Nunca Mais – Bahia.
3 Trata-se por diáspora africana a dispersão, o sequestro, o deslocamento forçado e trânsito
de africanos para diversos territórios durante o período da escravização. Segundo Stuart Hall,
o conceito de diáspora africana “está fundado sobre a construção de uma fronteira de exclu-
são e depende da construção de um ‘Outro’ e de uma oposição rígida entre o dentro e o
fora” (HALL, 2008, 32).
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Carolina Pires & Clarissa Felix
português como "volte e pegue" (san - voltar, retornar; ko - ir; fa - olhar, buscar e pegar) ou
os símbolos Adinkras Ashantis de um pássaro com sua cabeça virada para trás pegando um
ovo de suas costas quanto um formato de coração estilizado. É frequentemente associado
ao provérbio: “Se wo were fi na wosankofa a yenkyi," que traduzido ficaria "Não é errado
voltar atrás pelo o que esqueceste" Disponível em:
http://www.adinkra.org/htmls/adinkra/sank.htm
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Carolina Pires & Clarissa Felix
fevereiro de 1986. Foi físico e etnólogo. Responsável por contribuir nos achados científicos
que revelam a contribuição do Continente Africano na história da humanidade.
7 Melanodermes são os povos de pele negra, oriundos do continente africano. Leucoder-
mes são povos oriundos dos melanodermes, porém, devido a situações climáticas e as con-
sequências de suas alterações, desenvolveram baixo nível de melanina, caracterizada como
pele branca.
8 O Paleolítico Superior é considerado como o período de 300 a 20 mil anos a.C., abran-
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Carolina Pires & Clarissa Felix
(...) Segundo ele, esse berço “é caracterizado pela família matriarcal e a criação
do estado territorial, em contraste com a cidade-Estado ariana [indo-europeia]”
(1989, p. 177). Essas estruturas de sociedade se basearam, essencialmente, na con-
centralidade social horizontal, na policonjugalidade, na matricentralidade e na
propriedade comum do solo. Elas são regidas por complexas redes de interrelação
social subordinadas ao conceito de dever-obrigação como base de conduta indi-
vidual e coletiva. No berço civilizatório “meridional”, a mulher goza de uma po-
sição de destaque na comunidade, sendo ela emancipada da vida doméstica. O
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10 A negação dos saberes não-ocidentais nos espaços acadêmicos termina por legitimar o
pensamento eurocêntrico como única fonte do saber. Assim, todo o pensamento africano
ou oriental, por exemplo, é considerado inferior ao padrão acadêmico. Sobre o assunto des-
tacamos um trecho da obra do Professor Ramon Grosfoguel, do Departamento de Estudos
Étnicos da Universidade da Califórnia: “En las universidades occidentalizadas, el conocimi-
ento producido por epistemologías, cosmologías y visiones del mundo «otras» o desde geo-
políticas y corpo-políticas del conocimiento de diferentes regiones del mundo consideradas
como «no-occidentales» con sus diversas dimensiones espacio/temporales se consideran «in-
feriores» en relación con el conocimiento «superior» producido por los hombres occidentales
de cinco países que conforman el canon de pensamiento en las humanidades y las ciencias
sociales. El conocimiento producido a partir de las experiencias histórico-sociales y las con-
cepciones de mundo del Sur global, también conocido como el mundo «no-Occidental» , se
consideran inferiores y son segregadas en forma de «apartheid epistémico» (Rabaka, 2010)
del canon de pensamiento de las disciplinas de la universidad occidentalizada. Más aún, el
conocimiento producido por las mujeres (occidentales y nooccidentales) también es inferio-
rizado y marginado del canon de pensamiento. Las estructuras de conocimiento fundaciona-
les de la universidad occidentalizada son epistémicamente racistas y sexistas al mismo ti-
empo”. (GROSFOGUEL, 2013, 35). Disponível em: http://www.revistatabularasa.org/nu-
mero-19/02grosfoguel.pdf. Acesso em: 09.11.2016
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Carolina Pires & Clarissa Felix
11 O termo eugenia é originado do grego, significando boa origem. O movimento por eu-
genia entendia que a evolução social estaria atrelada à pureza das raças, e, portanto, buscou
a melhoria da raça, dada a situação da miscigenação no Brasil. Os eugenistas acreditavam que
a raça branca era pura e superior e que os povos de outras etnias como indígenas e negros
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eram povos primitivos e por isso, atrasados. Diversos estudos e alguns seminários sobre
eugenia foram realizados no Brasil, principalmente no campo da saúde, tendo médicos e
outros profissionais da área envolvidos. “Para muitos intelectuais brasileiros desse período,
clima e raça eram acionados não apenas para explicar os dilemas raciais e os problemas sani-
tários, mas também para compreender a incapacidade do Brasil em organizar-se como uma
nação moderna. A própria condição de ser brasileiro, de acordo com Renato Ortiz, era in-
terpretada em termos deterministas, tendo em vista que clima e raça transformavam-se em
mecanismos capazes de elucidar tanto a “natureza indolente do brasileiro” e “as manifesta-
ções tíbias e inseguras da elite intelectual”, quanto para explicar “o lirismo quente dos poetas
da terra, o nervosismo e a sexualidade desenfreada do mulato” (SOUZA, Wanderley. Revista
Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 146-166, jul. | dez 2008, 148)
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Figura 01 – Gráfico do Infopen sobre mulheres encarceradas segundo o quesito
raça/cor/etnia
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Figura 02 – Gráfico do Infopen sobre mulheres encarceradas segundo o
quesito raça/cor/etnia, de acordo com os Estados brasileiros.
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todos os países que tiveram o sangue negro lavado pelo passado colonial, por
todos os países em que hoje habitam populações negras forçadas a se deslo-
carem na Diáspora Africana.
Destacamos três casos que foram noticiados pela mídia de forma dis-
creta, mas que mobilizou movimentos sociais. Poderíamos problematizar ou-
tros casos, como o do Amarildo, o dançarino DG do Bonde da Madrugada,
ou mesmo nos Estados Unidos, onde vários negros também são alvejados
cotidianamente pelo Estado: Michael Brown, Christian Taylor, dentre ou-
tros15. No entanto, optamos por destacar a violência policial imposta às mu-
lheres negras, também invisibilizadas e vulnerabilizadas pela ação do Estado,
como uma maneira de denunciar que esta prática não vitimiza apenas os ho-
mens negros.
Escolhemos três casos que foram divulgados pela mídia e denuncia-
dos amplamente pelos movimentos sociais. Coletamos material midiático, si-
tes de jornais, Cartas de Familiares e Movimentos Sociais divulgados pela rede
mundial de computadores. Ao selecionarmos o material para colocar no ar-
tigo sentimos uma profunda tristeza ao relembrar a brutalidade exercida sobre
os corpos das mulheres negras, porque somos elas também. Hesitamos por
um momento no que se refere a representação das fotografias, contudo deci-
dimos colocar as fotos das situações violentas, não como uma forma de expor
mais uma vez o corpo negro. Mas, sim com o objetivo de que ninguém jamais
esqueça da selvageria e brutalidade executadas pelo Estado contra os nossos
15 As informações sobre os casos aqui citados foram colocadas de acordo com os sites de
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corpos. Assim, optamos por fotografias que tivessem um ângulo menos inva-
sivo, a fim de não expor desnecessariamente as mulheres que tiveram suas
vidas ceifadas, atingidas de maneira humilhante e desumana.
16 Fonte: http://fernandafav.jusbrasil.com.br/noticias/120463316/familia-de-mulher-
morta-em-acao-da-pm-recebe-pensao-a-partir-de-junho, 2014.
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Figura 03 – Claudia Ferreira da Silva arrastada pela zona Norte do Rio de Janeiro17
17 Fonte: http://extra.globo.com/casos-de-policia/viatura-da-pm-arrasta-mulher-por-rua-
da-zona-norte-do-rio-veja-video-11896179.html, 2014.
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por-arrastar-mulher-sao-alvo-de-62-acoes>
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19 Fonte: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/morta-apos-ser-
espancada-por-policiais-peticao-pede-justica-para-luana-barbosa-dos-reis/, 2016.
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20 Fonte: http://www.advocate.com/politics/transgender/2015/05/01/brazilian-trans-
woman-brutalized-police-proves-we-are-all-veronica, 2015.
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Considerações finais
Esses três casos revelam como a sexualidade das mulheres negras não
é assegurada pelo Estado Democrático de Direito. Independentemente de sua
orientação sexual, corpos de mulheres negras são violados pelo Estado, que
as agride e ceifa suas vidas. Vidas essas que não são consideradas pelas insti-
tuições racistas e sexistas como importantes. Desta maneira, o racismo insti-
tucional opera por omissão quando negligencia cuidados específicos para
manter a dignidade de pessoas negras nas políticas de segurança pública e por
ação quando agride, humilha e mata aquelas que não se encaixam no padrão
eugenista imposto à sociedade.
É importante ressaltar que as políticas de segurança pública não são
suficientes para proteger determinados grupos, considerados como minorias,
pois a intersecção de opressões torna-os invisíveis, gerando sua vulnerabili-
dade perante a ação do Estado. Por este motivo, o suplício direcionado ao
corpo das mulheres negras é garantido pelo racismo institucional que histori-
camente ignora sua humanidade e viola sua dignidade. A seletividade do sis-
tema penal, legitimada pelos operadores do Direito (policiais, promotores de
justiça, procuradores, juízes, desembargadores, etc), nega o acesso às garantias
de direitos expressas na Constituição Federal.
E é nesse contexto que a Teoria Crítica da Raça e da Interseccionali-
dade colocam os critérios de raça e gênero como uma lente que revela a es-
trutura racista e sexista no qual o direito está engendrado. Questioná-lo a par-
tir dessas concepções é fundamental para que se atinja os princípios nortea-
dores do sistema jurídico que afirma se pautar em igualdade, não discrimina-
ção e dignidade.
Destarte, ainda que existam legislações que busquem contemplar as
diferenças e efetivar direitos através de políticas públicas, como por exemplo,
o Estatuto da Igualdade Racial, Lei Maria da Penha e o Plano Nacional de
Políticas para Mulheres, em um litígio judicial que envolva opressões de gê-
nero e raça, grupos considerados pelas classes dominantes como minoritários
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Referências
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Carla Appollinario de Castro
Doutora e Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de
Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
(PPGSD/UFF). Graduada em Direito. Atualmente, é professora Adjunta do
Departamento de Direito do Polo Universitário de Volta Redonda, professora
permanente do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito e pesqui-
sadora da Universidade Federal Fluminense. Tem interesse em Direito e So-
ciologia, com ênfase nas áreas do direito penal e processual penal, direito do
trabalho, direito processual do trabalho e da sociologia do trabalho e dos mo-
vimentos sociais, sindicais e populares.
Thiago Coacci
Doutorando e Mestre em Ciência Política pela UFMG. Advogado. Ba-
charel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
MINAS). É pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher
(NEPEM/UFMG) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero
(CIFG/UFMG). Atualmente integra Comissão da Diversidade Sexual da
OAB Minas Gerais, da qual foi membro fundador e ocupa o cargo de Vice-
presidente. É acadêmico-militante do Grupo Universitário em Defesa da Di-
versidade Sexual (GUDDS!), tendo atuado como Coordenador Geral do
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grupo para o ano de 2010. Seus temas de interesse são: Direitos Humanos dos
Grupos Minoritários, Movimentos Sociais Contemporâneos, Gênero e Sexu-
alidade, Teorias Queer e Feminista, Acesso à Justiça e Judicialização da Polí-
tica.
389
ciplinar em Artes com foco em Políticas e Gestão da Cultura pela Universi-
dade Federal da Bahia (2011), mediadora pela formação especializada e inter-
disciplinar à mediação local, escolar e penal pela Université Catholique de
Louvain, Université Saint-Louis e Université de Namur, Bélgica. Interesse em
aprimorar conhecimentos no âmbito sócio-político-cultural, enfatizando as
interrelações entre a sociedade, o indivíduo e as instituições. Realiza estudos
na interface do direito, criminologia, artes, psicanálise e marcadores sociais de
raça, classe, gênero.
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Clarissa Cunha Felix
Cientista Social e Advogada. Possui graduação em Ciências Sociais,
pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (Universidade Federal da Bahia -
2003); graduação em Direito, pelo Centro Universitário Jorge Amado -
UNIJORGE (2013); e, Especialização em Gestão Governamental pela Uni-
versidade do Estado da Bahia - UNEB (2004). Aprovada na Seleção de Mes-
trado em Sociologia e Direito, pela Faculdade de Direito da UFF (Universi-
dade Federal Fluminense), para o semestre 2016,1. Participou do quadro téc-
nico da Comissão Estadual da Verdade (CEV-BA). Está associada ao Grupo
Tortura Nunca Mais (GTNM-BA). Concentra sua atuação profissional e po-
lítica na luta em prol dos Direitos Humanos, no combate às desigualdades
étnico raciais, análise do Sistema Penal. Atuação em comunidades em situação
de vulnerabilização social. Atualmente concentra estudos na área de crimino-
logia, Direitos Humanos, Sociais, Raciais e Culturais.
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O LIVRO
Formato: 16 x 23 cm
Tipologia:
1ª edição 2017
394 páginas
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