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ABUSO

 SEXUAL  CONTRA  MENORES  POR  PARTE  DE  CLÉRIGOS  

ABUSO SEXUAL CONTRA MENORES POR PARTE DE CLÉRIGOS

Sinopse

A TIPIFICAÇÃO DO DELITO E A SUA MODALIDADE – Violação externa de uma lei eclesiástica: delito de pecado contra o
sexto mandamento do decálogo cometido por um clérigo. A modalidade do delito é o agravante de a vítima ser menor de
dezoito anos (minoridade canônica).
O CAPÍTULO PENAL EM QUE SE FUNDAMENTA O PROCEDIMENTO CANÔNICO – O clérigo que de outro modo tenha cometido
delito contra o sexto mandamento do Decálogo, se o delito foi praticado com violência, ou com ameaças, ou
publicamente, ou com menor abaixo de dezesseis anos, seja punido com justa penas, não excluída, se for o caso, a
demissão do estado clerical (cânon 1395 § 2). Com o Motu Proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela, do Papa João
Paulo II, de 30/04/2001, a idade da vítima passou para dezoito anos de idade1.
O BEM JURÍDICO VIOLADO –A santidade do clérigo: Os clérigos são obrigados a observar a continência perfeita e
perpétua por causa do Reino dos céus; por isso, são obrigados ao celibato, que é um dom especial de Deus, pelo qual os
ministros sagrados podem mais facilmente unir-se a Cristo de coração indiviso e dedicar- se mais livremente ao serviço
de Deus e dos homens (cân. 277 § 1).
A POSIÇÃO DA IGREJA SOBRE O PROBLEMA – “As pessoas têm necessidade de saber que, no sacerdócio e na vida religiosa,
não há espaço para aqueles que desejam prejudicar os jovens” (JOÃO PAULO II, Discurso aos Cardeais dos Estados
Unidos da América, 23/04/2002); “Excluiremos rigorosamente os pedófilos do ministério sagrado: é absolutamente
incompatível e quem é realmente culpado de ser pedófilo não pode ser sacerdote” (BENTO XVI, Colóquio com os
jornalistas durante o voo para Washington, 15/04/2008); “Não há lugar no ministério da Igreja para aqueles que
cometem abusos sexuais; e empenho-me a não tolerar o dano cometido a um menor, por parte de quem quer que seja,
independente do seu estado clerical” (FRANCISCO, Homilia na Casa Santa Marta, 07/07/2014).
A ATITUDE A SER TOMADA PELO BISPO – Se a notícia do delito for pelo menos verossímil, iniciar a Investigação Prévia
(ou, se esta for inteiramente desnecessária, instituir o Processo Administrativo Criminal), com as medidas previstas:
afastamento cautelar do sacerdote do ministério sagrado, colaboração com as autoridades civis, eventual assistência às
vítimas, etc.. Após a instrução e conclusão da Investigação (ou do Processo Administrativo), encaminhar os autos para a
Congregação para a Doutrina da Fé, mediante a Nunciatura Apostólica, e – se tiver havido a confissão do sacerdote e/ou
provas e/ou indícios sérios da comissão do delito – o pedido de demissão do estado clerical e das obrigações inerentes à
sagrada Ordem do sacerdote.
A PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CRIMINAL – Salvaguardando o direito da Congregação para a Doutrina da Fé de derrogar a
prescrição para cada um dos casos, a ação criminal relativa a este reato, porque é um dos delitos reservados à
Congregação para a Doutrina da Fé, extingue-se por prescrição em vinte anos2. O cálculo da prescrição começa a partir
do dia em que o menor completou dezoito anos3.
OS CASOS SEMELHANTES – A aquisição ou a detenção ou a divulgação, para fins de libidinagem, de imagens
pornográficas de menores com idade inferior aos quatorze anos por parte de um clérigo, de qualquer modo e com
qualquer instrumento.

Procedimentos

PRIMEIRO PASSO: AVERIGUAR A CONSISTÊNCIA DAS DENÚNCIAS. Diz o cânon 1717: Sempre que o
Ordinário tem notícia, pelo menos verossímil, de um delito, indague cautelosamente...

Ø Sobre o teor da notícia, o ordenamento canônico não exige que seja exato, preciso, contundente,
irrefutável. Basta que seja ao menos verossímil, isto é, semelhante à verdade, com certa aparência de
verdade, com algum fundamento de veracidade;
Ø Quanto à forma, a notícia pode chegar ao Bispo por denúncias orais ou escritas, mas também por
rumores, reportagens, cartas anônimas, escritos assinados com pseudônimos, e-mail, entre outras.
                                                                                                                       
1
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 6º § 1, 1.
2
Cf. Normae de gravioribus delictis, Art. 7 § 1.
3
Cf. Normae de gravioribus delictis, Art. 7 § 2.

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Com a devida cautela, tudo deve ser considerado pelo Bispo. Mais importante que saber “de que
forma” a notícia chegou, é ponderar “a verossimilhança da notícia”;
Ø Para julgar a verossimilhança da notícia, um critério pastoral muito sábio é o do antigo Código de
Direito Canônico de 1917: Não se fará caso algum das denúncias que procedem de um inimigo
manifesto ou de uma pessoa vil e indigna, nem das anônimas, se não vêm acompanhadas de certas
circunstâncias e outros elementos que tornem talvez provável a acusação4;
Ø O anonimato não é, em si, prova inequívoca de má-fé: há pessoas sinceras que, sabendo de fatos
graves verídicos, decidem escrever/telefonar ao Bispo anonimamente por compreensíveis razões,
como o medo de represália ou perseguição do acusado. Aliás, em não poucos casos, a divulgação do
nome do denunciante pode até revelar-se nociva5. Mais importante que saber “quem afirmou” é saber
“o que foi afirmado”;
Ø Prova singular da retidão do Bispo, perante a pessoa que faz uma denúncia oral, é recomendar que ela
ponha por escrito (e assine) a sua denúncia, para as cabíveis providências canônicas. Mais ainda:
como o teor da denúncia é também crime previsto no Código Penal Brasileiro, age com firmeza de
Pastor o Bispo que recomenda ao denunciante formular a mesma denúncia perante a autoridade civil.
A cópia do depoimento escrito do denunciante perante a autoridade civil, por sugestão do Bispo,
constante nos autos da Investigação Prévia ou do Processo Administrativo, é uma das provas do
pundonor do Bispo, que assim agiu respaldado pelas orientações recentes da Santa Igreja: O abuso
sexual de menores não é só um delito canônico, mas também um crime perseguido pela autoridade
civil. Se bem que as relações com as autoridades civis sejam diferentes nos diversos países, é,
contudo, importante cooperar com elas no âmbito das respectivas competências. Em particular, se
seguirão sempre as prescrições das leis civis no que toca o remeter os crimes às autoridades
competentes, sem prejudicar o foro interno sacramental. É evidente que esta colaboração não se
refere só aos casos de abusos cometidos por clérigos, mas diz respeito também aos casos de abusos
que implicam o pessoal religioso ou leigo que trabalha nas estruturas eclesiásticas6;
Ø Competente para avaliar se se deve iniciar ou não a Investigação Prévia é o Bispo. Assim ensinava o
velho Código de Direito Canônico de 1917: Deixa-se ao juízo prudente do Ordinário determinar
quando são suficientes para começar a inquisição os indícios que já se têm em mãos7;
Ø As notícias inverossímeis devem ser desconsideradas. Aliás, a ninguém é lícito lesar ilegitimamente a
boa fama de que alguém goza8. Mais ainda, denúncia caluniosa e lesão ilegítima da boa fama alheia
são delitos canônicos passíveis de processos criminais canônicos: Quem denuncia caluniosamente de
qualquer outro delito junto ao Superior eclesiástico, ou de outro modo lesa a boa fama alheia, pode
ser punido com justa pena, não excluída a censura9. E ainda mais: injúria, calúnia e difamação são
delitos prescritos no Código Penal Brasileiro10.

SEGUNDO PASSO: A INVESTIGAÇÃO PRÉVIA. Por Investigação Prévia entende-se uma instrução
preliminar, de caráter administrativo, dirigida a buscar a verdade dos fatos, os fundamentos ou indícios do
reato, as circunstâncias e a imputabilidade do investigado. É uma medida de justiça e prudência. Diz o cânon
1717: Sempre que o Ordinário tem notícia, pelo menos verossímil, de um delito, indague cautelosamente... A
Congregação para a Doutrina da Fé acrescenta: Se a acusação parecer verossímil, o Bispo, o Superior Maior
ou o seu delegado devem proceder a uma inquisição preliminar de acordo com os cânn. 1717 do CIC, 1468
CCEO e o art. 16 SST11. Trata-se, portanto, de um dever do Bispo, do qual ele não pode se eximir. A
Investigação Prévia tem duas fases: a execução da inquirição e a decisão do Ordinário.

1. PRIMEIRA FASE: a Inquirição

                                                                                                                       
4
Cânon 1942 § 2*.
5
Communicationes 11 (1980) 194.
6
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, I, e.
7
Cânon 1942 § 1*.
8
Cânon 220.
9
Cânon 1390 § 2.
10
Cf. Artigos 138-140.
11
Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual
contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II.

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a) A emissão do Decreto de instituição da Investigação Prévia. O Decreto é obrigatório12. No texto


do Decreto, devem ser estabelecidos o(s) investigador(es) (não é conveniente que o Bispo faça a
investigação pessoalmente!) e o notário, os assessores (cf. cânon 1718 § 3), as modalidades da
inquirição e o tempo para a sua conclusão;
Ø Sugere-se um modelo de Decreto de instituição no Apêndice, Mod. I
b) As medidas de precaução durante a Investigação. Diz a Congregação para a Doutrina da Fé:
Compete ao Bispo ou ao Superior Maior prover ao bem comum determinando quais medidas de
precaução previstas pelo cân. 1722 CIC13 e pelo cân. 1473 CCEO devam ser impostas. De
acordo com o art. 19 SST, isto se faz depois de começada a inquisição preliminar14. O aludido
cânon 1722 prevê, como medida cautelar, o afastamento do ministério sagrado do investigado,
QUE NÃO É DECRETO DE SUSPENSÃO DA ORDEM SAGRADA15, prévio parecer do
Promotor de Justiça ao Bispo sobre o assunto. É conveniente que conste nos autos que o Bispo
solicitou o parecer do Promotor de Justiça;
Ø Sugere-se um modelo de Decreto de afastamento no Apêndice, Mod. II
Ø Sugere-se um modelo de Declaração do Promotor no Apêndice, Mod. III
c) O que inquirir? O(s) investigador(es), que tem(êm) os mesmos poderes e obrigações do auditor
em um Processo16, deve(m) averiguar todas as coisas, de forma imparcial e exaustiva, a fim de
obter os elementos suficientes que levarão o Bispo a proceder. São objetos da inquirição:
pessoas, documentos e lugares.
• Pessoas: Na Investigação, três são as categorias de pessoas que podem ser inquiridas: a)
Testemunha; b) Investigado; c) Denunciante(s).
a) Testemunha é uma pessoa física, alheia ao litígio (portanto, não é o investigado
nem o[s] denunciante[s]), chamada para depor, que, observando determinadas
solenidades legais, declara sobre fatos relacionados com o objeto do(a)
Processo/Investigação. As testemunhas podem ser arroladas pelo(s)
denunciante(s) (as assim chamadas “testemunhas de acusação”), pelo investigado
(as assim chamadas “testemunhas de defesa”) e convocadas pelo(s) Instrutor(es);
b) Investigado é o clérigo contra o qual pesam as denúncias;
c) Denunciante(s) é(são) o(s) autor(es) da tentativa de levar ao conhecimento da
Igreja a suposta comissão de um delito canônico cujo autor seria um clérigo. Na
justiça e na verdade, a denúncia é de direito divino, uma obrigação de todo fiel
batizado, imposta pelo próprio Senhor Jesus: Dize-o à Igreja (Mt 18, 17).
• Documentos: Quaisquer objetos que possam tornar duradouro o registro de um fato
efêmero (fotografias, áudios, vídeos, correspondências, documentos públicos civis e
eclesiásticos, documentos particulares [entre os quais os laudos periciais], etc.);
• Lugares: Espaços e ambientes que tenham relação direta ou indireta com o teor das
denúncias. Em conformidade com os cânn. 1582-1583, o Instrutor pode ir a algum lugar
ou inspecionar alguma coisa, para obter informações precisas sobre um suposto fato.
                                                                                                                       
12
Cf. cânon 1719.
13
Cânon 1722: Para prevenir escândalos, proteger a liberdade das testemunhas e tutelar o curso da justiça, o Ordinário, tendo
ouvido o promotor de justiça e tendo citado o acusado, em qualquer fase do processo pode afastar o acusado do ministério sagrado
ou de qualquer outro ofício ou encargo eclesiástico, impor-lhe ou proibir-lhe a residência em determinado lugar ou território, ou
mesmo proibir-lhe a participação pública na santíssima Eucaristia; tudo isso, cessando a causa, deve ser revogado, e cessa ipso iure,
cessando o processo penal.
14
Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual
contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II.
15
As principais diferenças entre “suspensão de ordem” e “afastamento do ministério” são as seguintes: 1) a suspensão é medida penal;
o afastamento é medida prudencial; 2) a suspensão é dada no termo do Processo; o afastamento, no início do Processo; 3) a suspensão
proíbe o exercício público e privado da ordem sagrada, exceto nos casos previstos pelo direito; o afastamento permite o exercício
privado da ordem sagrada; 4) a suspensão – porque é uma pena medicinal – perdura até o abandono da contumácia do réu; o
afastamento do ministério – porque é medida cautelar – perdura até o trânsito em julgado do Processo; 5) o recurso contra o Decreto de
suspensão – por ser medida penal – tem efeito suspensivo; o recurso contra o Decreto de afastamento – por ser medida administrativa
– tem efeito devolutivo.
16
Cf. cânon 1717 § 3.

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d) Quem pode ser interrogado e o que perguntar? Compete ao(s) Instrutor(es) definir quais pessoas
deverão ser convocadas para depor, que perguntas deverão ser formuladas aos depoentes, onde e
quando serão colhidos os depoimentos, etc.. Quanto a isso, observe-se o que se segue:
1) Todos podem ser testemunhas na Investigação Prévia, exceto os que são
expressamente impedidos, total ou parcialmente, pelo direito17. Exemplo de
impedimento total para testemunhar é o impúbere. Exemplo de impedimento parcial
para testemunhar é o sacerdote confessor, no que toca ao que ele ouviu no
sacramento da confissão, em ordem à absolvição;
2) São considerados incapazes de testemunhar18: a) o investigado e o(s) denunciante(s)
ou seus representantes na Investigação, o Bispo ou seus assistentes, o advogado e os
outros que assistem ou assistiram o investigado e o(s) denunciante(s) nessa
Investigação; b) os sacerdotes, no que se refere ao que ficaram sabendo pela
confissão sacramental, mesmo que o penitente peça que o manifestem; aliás,
qualquer coisa ouvida por alguém, de qualquer modo, por ocasião da confissão, não
pode ser aceita nem mesmo como indício de verdade;
3) As testemunhas devem ser citadas formalmente para depor. Da mesma forma, se o
denunciante for identificado, deve ser citado formalmente para depor. Na citação,
indique-se o mês, dia, hora e local do depoimento;
Ø Sugere-se um modelo de citação de testemunha no Apêndice, Mod. IV
Ø Sugere-se um modelo de citação de denunciante no Apêndice, Mod. V
4) Em conformidade com o cân. 1550 § 1, podem testemunhar os menores de catorze
anos de idade e os débeis mentais, mediante Decreto do Bispo, no qual se declara ser
isso conveniente;
Ø Sugere-se um modelo de Decreto no Apêndice, Mod. VI
5) É muitíssimo recomendável que o depoente menor de dezoito anos compareça para
depor acompanhado do(s) seu(s) pai(s) ou responsável(eis), como familiares ou
representantes do Conselho Tutelar ou do Poder Judiciário;
6) A prova testemunhal é admitida, sob a orientação do Bispo19;
7) As testemunhas devem dizer a verdade ao(s) investigador(es), quando legitimamente
as interroga(m)20;
8) São isentos da obrigação de responder21: a) os clérigos, quanto ao que lhes foi
manifestado em razão do ministério sagrado; os magistrados civis, médicos,
parteiras, advogados, notários e outros obrigados ao segredo de ofício, também em
razão de conselho dado, a respeito de assuntos sujeitos a esse segredo; b) quem teme
que de seu testemunho sobrevenham infâmia, perigosos vexames, ou outros males
graves para si próprio, ou para o cônjuge, ou para próximos consanguíneos ou afins;
9) O interrogatório da testemunha, que deve ser assistido pelo notário, é feito pelo
Bispo ou pelos investigadores22;
10) Os investigadores devem recordar à testemunha a obrigação grave de dizer toda a
verdade e só a verdade23;
11) Os investigadores devem exigir o juramento da testemunha; se a testemunha se nega
a fazê-lo, seja ouvida sem juramento, constando nos autos a sua negação24;
12) Cada testemunha deve ser interrogada separadamente25;
13) A acareação é permitida pelo Código de Direito Canônico26. O Bispo decidirá a
respeito da oportunidade ou não oportunidade da acareação (testemunha de defesa /
                                                                                                                       
17
Cf. cânon 1549.
18
Cf. cânon 1550 § 2.
19
Cf. cânon 1547.
20
Cf. cânon 1548 § 1.
21
Cf. cânon 1548 § 2.
22
Cf. cânon 1561.
23
Cf. cânon 1562 § 1.
24
Cf. cânon 1562 § 2.
25
Cf. cânon 1560 § 1.
26
Cf. cânon 1560 § 2.

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testemunha de acusação; testemunha de acusação / investigado; testemunha de


defesa / denunciante; investigado / denunciante);
14) Os investigadores devem primeiramente certificar-se da identidade da testemunha;
indagarão sobre o seu relacionamento com o denunciado (e/ou o eventual
denunciante), procurando averiguar também as fontes de suas informações e o
tempo exato em que as obteve27;
15) As perguntas devem ser breves, adaptadas à capacidade do interrogado, não
abrangendo muitas coisas ao mesmo tempo, não-capciosas, não sugeridoras da
resposta, isentas de qualquer ofensa e pertinentes à finalidade da Investigação28;
Ø Para as testemunhas, sugere-se uma relação de perguntas no Apêndice,
Mod. VII
Ø Para a suposta vítima, sugere-se uma relação de perguntas no Apêndice,
Mod. VIII
16) As perguntas não devem ser comunicadas com antecedência às testemunhas e à(s)
suposta(s) vítima(s)29;
17) As testemunhas e a(s) suposta(s) vítima(s) devem depor oralmente; não devem ler
nada já escrito30;
18) As respostas devem ser imediatamente redigidas por escrito pelo notário, e devem
referir as próprias palavras do testemunho proferido, ao menos no que se refere
diretamente ao objeto da Investigação31;
Ø Sugere-se modelo de Verbal de Depoimento de Testemunha no Apêndice,
Mod. IX
Ø Sugere-se modelo de Verbal de Depoimento da suposta vítima no Apêndice,
Mod. X
19) Pode-se admitir o uso de gravador de som, contanto que as respostas sejam
posteriormente colocadas por escrito e, se possível, assinadas pelos depoentes32;
20) Nos autos, o notário deve fazer menção do juramento prestado, dispensado ou
recusado, e, em geral, de todas as coisas dignas de menção, eventualmente
acontecidas durante o interrogatório33;
21) Ao final do interrogatório, deve-se ler ao depoente o que o notário redigiu por
escrito sobre seu depoimento, ou fazê-la ouvir o que foi gravado, dando-lhe a
faculdade de acrescentar, suprimir, corrigir, modificar34; por fim, devem assinar o
depoente, o(s) investigador(es) e o notário35;
22) Compete ao Bispo julgar se é conveniente colher o depoimento em residências. Caso
o depoimento seja colhido na residência do depoente ou em outra residência (porque
o depoente não pode se deslocar, porque não quer depor na cúria ou por outro
motivo), recomenda-se que o(s) instrutor(es) e o notário estejam presentes;
23) O depoimento é reservado e deve ser colhido, ordinariamente, na cúria diocesana ou
no tribunal eclesiástico; por razões justas, segundo o prudente juízo do Bispo, pode
ser realizado em outro lugar discreto; evite-se, por isso, a presença de terceiros no
recinto, salvo, no caso de depoente menor de idade, do(s) seu(s) pai(s) ou
responsável(eis). Recorde-se: tudo deve ser feito com prudência e reserva, para que
não se ponha em perigo o bom nome de ninguém, nem comprometa o êxito da
investigação36;
                                                                                                                       
27
Cf. cânon 1563.
28
Cf. cânon 1564.
29
Cf. cânon 1565 § 1.
30
Cf. cânon 1566.
31
Cf. cânon 1567 § 1.
32
Cf. cânon 1567 § 2.
33
Cf. cânon 1568.
34
Cf. cânon 1569 § 1.
35
Cf. cânon 1569 § 2.
36
Cf. cânon 1717 § 2; CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação
de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II.

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24) A intervenção do investigado, na Investigação Preliminar, não é necessária; todavia,


é muito recomendável37;
Ø Sugere-se o Decreto de citação do investigado, no Apêndice, Mod. XI
Ø Sugere-se uma relação de perguntas para o interrogatório do investigado no
Apêndice, Mod. XII
25) O Bispo diocesano decidirá se o investigado poderá depor na presença de um
Patrono (Mestre ou Doutor em Direito Canônico). Recorde-se, entretanto, que a
Investigação Prévia é um Procedimento Preliminar: ainda não é o Processo Penal;
26) Redija-se um verbal do depoimento; ao final, leia-se o seu teor em voz alta para o
investigado; faculte-se ao depoente a possibilidade de modificar, suprimir ou
acrescentar algo ao texto. Imprima-se o texto em duas vias e proceda-se as
assinaturas;
Ø Sugere-se modelo de Verbal de Depoimento do Investigado no Apêndice,
Mod. XIII
27) Além do depoimento, o investigado poderá apresentar algum arrazoado escrito.
Evite-se chamar tal documento de “defesa”: na Investigação, investiga-se o
investigado (ainda não existe acusação; logo, não existe um acusado: somente no
Processo Penal é que se faz uma acusação ao acusado).
e) Qual a força probatória dos testemunhos? Avalia-se a força probante dos testemunhos com dois
dispositivos legais:
1) O cân. 1572, segundo o qual deve ser considerado(a):
• a condição da pessoa e sua honestidade;
• se é testemunha de ciência própria, principalmente por ter ela visto e ouvido; se
ela se baseia em sua própria opinião, na fama ou por ter ouvido de outros;
• se a testemunha é constante e firmemente coerente consigo mesma ou é variável,
incerta ou vacilante;
• se tem testemunhas concordes, ou se é ou não confirmada por outros elementos
probatórios;
• a possibilidade de se solicitar cartas testemunhais acerca da credibilidade das
testemunhas.
Ø Sugere-se o modelo de solicitação de carta testemunhal no Apêndice, Mod.
XIV
Ø Sugere-se o modelo de carta testemunhal individual/coletiva no Apêndice,
Mod. XV
2) O teor do cân. 1573, segundo o qual o depoimento de uma única testemunha não pode
fazer fé plena, a não ser que se trate de testemunha qualificada que deponha a respeito de
coisas feitas ex officio ou que circunstâncias reais e pessoais sugiram o contrário.

f) O voto do(s) instrutor(es)? Quando parecerem suficientemente coletados os elementos38, o(s)


instrutor(es), dentro do prazo estabelecido no Decreto de Instituição da Investigação Prévia,
conclui(em) a sua tarefa. Deve(m) ele(s) emitir o seu voto ao Bispo? O Código de Direito
Canônico de 1917 prescrevia: Terminada a inquisição, deve o inquisidor passar todas as atas ao
Ordinário, acompanhadas do seu voto39. Atualmente, nada se diz a respeito40; todavia, o Bispo
pode solicitar tal voto, a ser colocado por escrito.

                                                                                                                       
37
Ao menos que existam razões graves em contrário, o clérigo acusado dever ser informado da acusação apresentada, a fim de que
lhe seja dada a possibilidade de responder à mesma, antes de se transmitir um caso à CDF. A prudência do Bispo ou do Superior
Maior decidirá qual informação deva ser comunicada ao acusado durante a inquisição preliminar (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA
DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso
sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II).
38
Cf. cânon 1718 § 1.
39
Cânon 1946 § 1*.
40
De fato, a tarefa do auditor no Processo é bem precisa: Cabe ao auditor, segundo o mandado do juiz, somente recolher as provas e,
uma vez recolhidas, entregá-las ao juiz, mas pode, salvo se o mandato do juízo proibir, decidir provisoriamente quais as provas e
como devem ser recolhidas, se por acaso surgir questão a respeito, enquanto estiver exercendo sua função (cânon 1428 § 3).

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Ø Sugere-se um modelo de Voto do Instrutor (pela abertura do Processo


Penal) no Apêndice, Mod. XVI
Ø Sugere-se um modelo de Voto do Instrutor (pelo arquivamento do Processo
Penal) no Apêndice, Mod. XVII
g) A transmissão dos autos ao Ordinário. É documento com o qual, formalmente, conclui-se a
inquirição e o(s) Instrutor(es) apresenta(m) ao Ordinário toda a documentação do Processo
Inquisitório.
Ø Sugere-se um modelo de documento no Apêndice, Mod. XVIII

2. SEGUNDA FASE: Decisão e Voto do Ordinário

a) Tendo recebido os autos da Investigação e antes de enviá-los à Congregação para a Doutrina da


Fé, o Bispo deve avaliar, com a ajuda dos dois assessores nomeados no Decreto de abertura da
Investigação41, sobre a consistência da denúncia42. Convém que se redija, para constar nos autos,
um verbal da reunião do Bispo com os assessores.
Ø Sugere-se, para o caso de possibilidade/conveniência/necessidade da
abertura do Processo, um modelo de verbal no Apêndice, Mod. XIX
Ø Sugere-se, para o caso de impossibilidade/inconveniência da abertura do
Processo, um modelo de verbal no Apêndice, Mod. XX
b) O Decreto de conclusão da Investigação Prévia, que é obrigatório 43. Para a redação do Decreto
de conclusão Investigação Prévia, observe-se o seguinte:
• O Decreto deve ser baixado por escrito, com a exposição dos motivos, ao menos
sumariamente44, e a decisão;
v A decisão:
1) Pelo arquivamento
ü Por improcedência das acusações. Assim, na parte dispositiva do
Decreto afirma-se a inconsistência da denúncia; ademais, o mesmo
Decreto sugerirá à Congregação para a Doutrina da Fé a reabilitação
do sacerdote investigado. Com efeito, diz a Congregação para a
Doutrina da Fé: Em caso de inocência, não se poupem esforços para
reabilitar a boa fama do clérigo acusado injustamente45;
Ø Sugere-se um modelo de Decreto no Apêndice, Mod. XXI
ü Por inconsistência das provas e indícios apurados, bem como da não
verificação da imputabilidade do acusado. Neste caso, o Bispo, ao
lavrar o Decreto, não declara o investigado inocente: apenas conclui
que não há elementos (provas e indícios) consistentes nem provável
culpa do investigado para a abertura do Processo Penal. Todavia, caso
a Investigação tenha apurado provas “circunstanciais”46 e indícios
leves (por exemplo, a imprudência ou a irresponsabilidade do
investigado) o Bispo pode sugerir à Congregação para a Doutrina da
Fé a conveniência de advertir ou repreender formalmente o
sacerdote. A advertência, que é um remédio penal, é dada a quem se
encontra em ocasião próxima de cometer um delito, ou quem, após a
investigação, for gravemente suspeito de tê-lo cometido47. A
repreensão, também remédio penal, é dada àquele de cujo

                                                                                                                       
41
Cf. cânon 1718 § 3.
42
Cf. cânon 1718 § 1.
43
Cf. cânon 1719.
44
Cf. cânon 51.
45
Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual
contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, I, d, 3.
46
Na doutrina, prova circunstancial é aquela que se deduz da existência de um fato ou de um grupo de fatos, que, aplicando-se
imediatamente ao fato principal, levam a concluir que este fato existiu.
47
Cf. cânon 1339 § 1.

Manual  de  Procedimento  dos  Bispos  diante  de  algumas  situações  pastorais   Página  7  
 
ABUSO  SEXUAL  CONTRA  MENORES  POR  PARTE  DE  CLÉRIGOS  

procedimento se origine escândalo ou grave perturbação da ordem48.


Da advertência e da repreensão deve sempre constar algum
documento, que deve ser conservado no arquivo secreto da cúria49.
Ø Sugere-se um modelo de Decreto no Apêndice, Mod. XXII
Ø Sugere-se um modelo de Advertência no Apêndice, Mod.
XXIII
Ø Sugere-se um modelo de Repreensão no Apêndice, Mod.
XXIV
2) Pela abertura do Processo. A parte dispositiva do Decreto afirma a
razoabilidade/veracidade/consistência da denúncia, pela consistência das
provas ou indícios e pela (provável) imputabilidade do investigado, e
recomenda a abertura do Processo, apontando o(s) capítulo(s) penal(ais)
Ø Sugere-se um modelo de Decreto no Apêndice, Mod. XXV
• Recorde-se que Investigação Prévia ainda não é Processo Penal. Assim, por si só, o
Decreto de conclusão da Investigação não pode cominar uma pena. Eis os motivos: 1) Na
Investigação Prévia, não é obrigatória a intervenção do investigado50; 2) Ora, sem a
intervenção do investigado, não se exerce o princípio do contraditório e da ampla defesa;
3) E sem o direito de defesa concedido ao acusado, o Decreto seria viciado por nulidade
insanável51; 4) Ademais, a Investigação se chama “Prévia” precisamente porque antecede
ao Processo Penal, o único que legitima a cominação de uma pena ferendae sententiae ou a
declaração de uma pena latae sententiae;
• Se, durante a Investigação Prévia, o investigado confessar o delito e/ou resultar
comprovada inequivocamente a culpa do investigado, tendo sido a ele dada a possibilidade
de defender-se, conclua-se logo a Investigação com o Decreto, em cuja parte dispositiva
apareça a pena de suspensão da ordem sagrada. Recomenda-se ao Bispo:
v Exortar o sacerdote a pedir ao Santo Padre, imediatamente, a demissão do estado
clerical e a dispensa das obrigações inerentes à Ordem sagrada (via graciosa): Em
alguns casos, prévio pedido do próprio clérigo, pode-se conceder a dispensa, “pro
bono Ecclesiae”, das obrigações inerentes ao estado clerical, inclusive do
celibato52. Aceitando a recomendação do Bispo, o sacerdote formule por escrito o
seu pedido ao Santo Padre. O Bispo anexe tal pedido aos autos;
v Caso o sacerdote não aceite o citado pedido, incluir, no mesmo Decreto, a Petitio, à
Congregação para a Doutrina da Fé, de demissão do estado clerical do sacerdote (via
penal). De fato, é competência dessa Congregação remeter diretamente à decisão do
Sumo Pontífice em mérito à demissão do estado clerical ou à deposição, juntamente
com a dispensa da lei do celibato, os casos mais graves quando consta
manifestamente a prática do delito, depois de ter sido dado ao réu a faculdade de se
defender53.

Ø Os quatro “respeitos”. Durante a Investigação Prévia, o Bispo levará em conta as orientações da Igreja a
respeito da vítima, do denunciante, do denunciado e das autoridades civis.

1. O respeito à vítima

                                                                                                                       
48
Cf. cânon 1339 § 2.
49
Cf. cânon 1339 § 3.
50
Ao menos que existam razões graves em contrário, o clérigo acusado dever ser informado da acusação apresentada, a fim de que
lhe seja dada a possibilidade de responder à mesma, antes de se transmitir um caso à CDF. A prudência do Bispo ou do Superior
Maior decidirá qual informação deva ser comunicada ao acusado durante a inquisição preliminar (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA
DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso
sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II).
51
Cf. cânon 1620, 7º.
52
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II.
53
Normae de gravioribus delictis, Artigo 17º.

Manual  de  Procedimento  dos  Bispos  diante  de  algumas  situações  pastorais   Página  8  
 
ABUSO  SEXUAL  CONTRA  MENORES  POR  PARTE  DE  CLÉRIGOS  

a) A Igreja, na pessoa do Bispo ou de um seu delegado, deve se mostrar pronta para ouvir as
vítimas e os seus familiares e para se empenhar na sua assistência espiritual e psicológica54;
b) Os Bispos reconhecem o mal irreparável a que foram acometidas as vítimas e suas famílias; a
elas dirigem seu pedido de perdão, acompanhado das suas orações, prometendo envidar
esforços para ajudá-las na superação de tão grande mal e seus traumas subsequentes, e
oferecer-lhes apoio psicológico e espiritual55.

2. O respeito ao denunciante

A pessoa que denuncia o delito deve ser tratada com respeito. Nos casos em que o abuso sexual
esteja ligado com um outro delito contra a dignidade do sacramento da Penitência (SST, art. 4),
o denunciante tem direito de exigir que o seu nome não seja comunicado ao sacerdote
denunciado (SST, art. 24)56;

3. O respeito ao denunciado

a) O Bispo tem o dever de tratar a todos os seus sacerdotes como pai e irmão57;
b) O clérigo acusado goza da presunção de inocência até prova contrária, mesmo se o Bispo, com
cautela, pode limitar o exercício do ministério, enquanto espera que se esclareçam as acusações.
Em caso de inocência, não se poupem esforços para reabilitar a boa fama do clérigo acusado
injustamente58;
c) Seja assegurado, em todos os momentos dos processos disciplinares ou penais, um sustento justo
e digno ao clérigo acusado59;
d) Em caso de culpa: sem prejuízo da aplicação das penalidades (eclesiástica e civil), para a
patologia, tratamento60.

4. O respeito às autoridades civis

a) O abuso sexual de menores não é só um delito canônico, mas também um crime perseguido pela
autoridade civil. Se bem que as relações com as autoridades civis sejam diferentes nos diversos
países, é, contudo, importante cooperar com elas no âmbito das respectivas competências. Em
particular se seguirão sempre as prescrições das leis civis no que toca o remeter os crimes às
autoridades competentes, sem prejudicar o foro interno sacramental. É evidente que esta
colaboração não se refere só aos casos de abuso cometidos por clérigos, mas diz respeito
também aos casos de abuso que implicam o pessoal religioso ou leigo que trabalha nas
estruturas eclesiásticas61;
b) No caso de o Inquérito Policial Civil já ter sido iniciado (e encontrar-se em andamento), para
apurar as denúncias de supostas ações criminosas do sacerdote, algumas aplicações práticas do
princípio acima exposto poderiam ser: a) a comunicação formal do Bispo às autoridades civis
competentes acerca da abertura da Investigação Prévia; b) a manifestação formal, às mesmas
autoridades civis, do compromisso do Bispo e da Diocese em colaborar com as investigações

                                                                                                                       
54
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, I, a.
55
CNBB, Pronunciamento da Presidência sobre abusos sexuais na Igreja, 13/05/2010.
56
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, III, b.
57
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, I, d, 1.
58
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, I, d, 3.
59
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, III, h.
60
 CNBB, Pronunciamento da Presidência sobre abusos sexuais na Igreja, 13/05/2010.
61
 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, I, e.

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ABUSO  SEXUAL  CONTRA  MENORES  POR  PARTE  DE  CLÉRIGOS  

realizadas em foro civil; c) da mesma forma, a solicitação formal do Bispo, às autoridades civis,
de colaboração com o Bispo e a Diocese durante as investigações realizadas em foro canônico
Ø Sugere-se um modelo de comunicação às autoridades civis no
Apêndice, Mod. XXVI
c) No caso de o Inquérito Policial Civil ainda não ter sido iniciado e a acusação parecer
suficientemente consistente, o Bispo pondere, prudentemente, sobre a oportunidade de transmiti-
la, em via reservada, à autoridade policial competente para as medidas cabíveis. Antes, todavia,
peça-se tempestivamente à Congregação para a Doutrina da Fé o seu parecer sobre esta decisão,
pedindo àquele Dicastério que seja especificado quando se deve informar e o que deve ser
comunicado às autoridades civis.

TERCEIRO PASSO: O ENVIO DOS AUTOS À CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

Antes da conclusão da Investigação Prévia, ou sem que ela tenha sido iniciada, o Bispo pode sempre
comunicar à Congregação para a Doutrina da Fé o que julgar oportuno. Se o caso for entregue diretamente à
Congregação, sem fazer a averiguação prévia, os preliminares do Processo, que por direito comum
competem ao Ordinário..., podem ser feitos pela mesma Congregação62. A Congregação pode também
solicitar ao Bispo: 1) que dê início à Investigação, se ainda não o fez; 2) que conclua a Investigação, se esta já
foi iniciada.
Todavia, o Bispo é obrigado a enviar os autos da Investigação àquele Dicastério apenas após a
conclusão da Investigação: Todas as vezes que o Ordinário ou o Hierarca recebe a notícia, pelo menos
verossímil, de um delito mais grave, realizada a averiguação prévia, a dê a conhecer à Congregação para a
Doutrina da Fé63. Os autos sejam remetidos ordinariamente mediante a Nunciatura Apostólica.

QUARTO PASSO (uma possibilidade): O SUPLEMENTO DE INSTRUÇÃO. Se julgar necessário, a CDF poderá
solicitar um suplemento de instrução ao Bispo, que será devidamente comunicado, com a indicação da matéria
específica a ser complementada.

QUINTO PASSO: OS PROCEDIMENTOS DA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. A CDF determina:


Todas as vezes que o Ordinário... recebe a notícia, pelo menos verossímil, de um delito mais grave, realizada
a averiguação prévia, a dê a conhecer à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual, se não avoca para si a
causa por circunstâncias particulares, ordena ao Ordinário ou ao Hierarca que proceda ulteriormente,
ficando estabelecido contudo, se necessário, o direito de apelo contra a sentença de primeiro grau apenas ao
Supremo Tribunal da mesma Congregação64. Do teor da norma, os procedimentos da Congregação para a
Doutrina da Fé podem ser:

a) AVOCAR PARA SI A CAUSA, por circunstâncias particulares. Neste caso, se constarem elementos (provas
e indícios) consistentes, poderá ela mesma proceder ou, se julgar oportuno, determinar a um Tribunal
inferior para proceder.
• O procedimento na própria Congregação – No âmbito da CDF, pode-se seguir a via
judicial ou a via administrativa.
a) Processo judicial – Ordinariamente, os delitos mais graves reservados à
Congregação para a Doutrina da Fé são perseguidos em processo judiciário, pelo
Supremo Tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé65. Para julgar a causa

                                                                                                                       
62
Normae de gravioribus delictis, Artigo 17.
63
Normae de gravioribus delictis, Artigo 16.
64
 Normae de gravioribus delictis, Artigo 16.
65
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 21 § 1.

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ABUSO  SEXUAL  CONTRA  MENORES  POR  PARTE  DE  CLÉRIGOS  

em primeira instância, o Prefeito constitui um Turno de três ou cinco juízes66, que


são os Padres da CDF67. Preside o Colégio dos Padres, como primeiro entre
iguais, o Prefeito da Congregação e, em caso de vacância ou de impedimento do
Prefeito, desempenha o cargo o Secretário da Congregação68. As causas definidas
em primeira instância no Tribunal da CDF são julgadas no mesmo Tribunal69, por
outro Turno de juízes70. A questão passa em julgado: 1° se a sentença foi emitida
em segunda instância; 2° se o apelo contra a sentença não foi interposto no prazo
de um mês; 3° se, em grau de apelo, a instância prescreveu ou se renunciou a ela;
4° se foi emitida uma sentença nos termos do art. 2071.
b) Processo administrativo – Em cada caso, à CDF é lícito, por competência ou
por solicitação do Ordinário ou do Hierarca, decidir proceder por decreto
extrajudiciário, segundo o cân. 1720 do Código de Direito Canônico e o cân.
1486 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais72. O recurso contra o Decreto
é feito nestes termos: Contra as atas administrativas singulares emitidas ou
aprovadas pela Congregação para a Doutrina da Fé nos casos dos delitos
reservados, admite-se o recurso, apresentado no prazo peremptório de sessenta
dias úteis, à Congregação Ordinária (ou seja, Feria iv) da mesma Congregação,
a qual julga o mérito e a legitimidade, eliminando qualquer ulterior recurso a
que se refere o art. 123 da Constituição Apostólica “Pastor Bonus”73.
• O procedimento em um Tribunal inferior – Se julgar oportuno, a CDF pode confiar a um
Tribunal inferior a realização do Processo judicial74, com uma ressalva: as penas
expiatórias perpétuas só podem ser infligidas unicamente por mandato da Congregação
para a Doutrina da Fé75. A segunda instância que julga as causas julgadas em primeira
instância pelos Tribunais inferiores é o Supremo Tribunal da CDF76.
b) ORDENAR AO BISPO QUE PROCEDA – A CDF pode determinar que o Bispo atue, estabelecendo o modo
e os prazos do seu procedimento, que pode incluir a realização de todos ou alguns atos do Processo
Administrativo Criminal.

Qualquer que seja o procedimento da CDF, vale quanto se segue: As medidas canônicas aplicadas
contra um clérigo reconhecido culpado de abuso sexual de um menor são geralmente de dois tipos: 1)
medidas que restringem o ministério público de modo completo ou pelo menos excluindo os contatos com
menores. Tais medidas podem ser acompanhadas por um preceito penal; 2) penas eclesiásticas, dentre as
quais a mais grave é a ‘dimissio’ do estado clerical77.

SEXTO PASSO (uma possibilidade) – O PROCESSO ADMINISTRATIVO CRIMINAL. Se a CDF determinar que
o Bispo realize, in toto, o Processo Administrativo Criminal, os passos são:
1) A abertura do Processo – É feita mediante a assinatura do Decreto de Instituição do Processo;

                                                                                                                       
66
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 22.
67
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 9 § 1.
68
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 9 § 1.
69
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 20, 1º.
70
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 22.
71
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 28.
72
Normae de gravioribus delictis, Artigo 21 § 2, 1º.
73
 Normae de gravioribus delictis, Artigo 21 § 2, 1º.  
74
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 21 § 2, 1º.
75
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 21 § 2, 1º.
76
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 20, 1º.
77
 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II.

Manual  de  Procedimento  dos  Bispos  diante  de  algumas  situações  pastorais   Página  11  
 
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2) A comunicação da acusação e das provas ao réu – No respeito ao princípio do contraditório e da


ampla defesa, o Bispo, por si ou por outro(s) sacerdote(s), deve comunicar ao réu o que pesa contra si, para
dar-lhe faculdade de se defender, a não ser que o réu, devidamente convocado, tenha deixado de comparecer78.
O tempo para a apresentação da defesa do réu não seja demasiado longo nem muito breve. Sugere-se quinze
dias contínuos.
3) O afastamento do sacerdote do ministério sagrado. Se, na Investigação Prévia, o Bispo não
afastara o sacerdote do ministério, pode fazê-lo, com fulcro no cânon 172279, mediante a assinatura do
Decreto de Afastamento do Ministério, que pode ser notificado ao réu no mesmo momento da comunicação da
acusação e das provas. É requisito imprescindível para o afastamento do sacerdote do ministério, segundo o já
citado cânon 1722, que o Bispo consulte o Promotor de Justiça da Diocese (não se exige que o Promotor de
Justiça consinta!). Convém constar nos autos uma Declaração do Promotor de Justiça, atestando que foi
consultado pelo Bispo.   Enquanto estiver afastado do ministério sagrado, o sacerdote tem o direito à honesta e
digna sustentação80.
4) A atuação do acusado. Três são as possibilidades de reação do acusado, até o término do tempo
peremptório para apresentar a sua defesa: o silêncio, a confissão do delito ou a negação do delito.
• Caso o acusado opte pelo silêncio, proceda-se;
• Se o acusado confessar por escrito o delito, proceda-se. Se a confissão for oral, na
presença do Bispo ou dos instrutores/executores do Processo, redija-se uma Ata da
reunião e colha-se a assinatura dos presentes. Em seguida, proceda-se;
• Se o acusado negar por escrito a autoria do delito, proceda-se. Se a negação for oral, na
presença do Bispo ou dos executores do Processo, recorde-se que não se pode pedir o
juramento ao réu81, segundo um antigo ditado jurídico: nemo tenetur prodere se ipsum (=
ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo). Redija-se uma Ata da reunião e
colha-se a assinatura dos presentes. Em seguida, proceda-se.
5) A ponderação cuidadosa da prova e dos eventuais argumentos (do acusado) com dois assessores82.
Com os dois assessores (de vida ilibada83) já nomeados para isso no Decreto de Instituição da Investigação
Prévia, o Bispo ponderará tudo o que consta nos autos e nas provas (ex actis et probatis).
• Se a consulta aos dois assessores não for feita, o Processo todo é inválido84; Se forem necessários
mais esclarecimentos e novos elementos, o Bispo pode procrastinar a lavra do Decreto até a obtenção
e atenta análise dos novos elementos. Convém que registre-se nos autos – mediante a redação de um
verbal, por exemplo – o teor da reunião do Bispo com os assessores, com um breve resumo do que foi
discutido e da decisão tomada.
6) A lavra do Decreto. O Decreto, por ser um ato administrativo singular, deve ser lavrado na
observância dos cânones 35-58. Baseia-se nos pressupostos da certeza do delito cometido e da não extinção da
ação criminal. O Decreto pode ser de absolvição ou de condenação.

                                                                                                                       
78
Cf. cânon 1720, 1º.
79
Cânon 1722: Para prevenir escândalos, proteger a liberdade das testemunhas e tutelar o curso da justiça, o Ordinário, tendo
ouvido o promotor de justiça e tendo citado o acusado, em qualquer fase do processo pode afastar o acusado do ministério sagrado
ou de qualquer outro ofício ou encargo eclesiástico, impor-lhe ou proibir-lhe a residência em determinado lugar ou território, ou
mesmo proibir-lhe a participação pública na santíssima Eucaristia; tudo isso, cessando a causa, deve ser revogado, e cessa ipso iure,
cessando o processo penal.
80
Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas
diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, III, h.
81
Cf. cânon 1728 § 2.
82
Cf. cânon 1720, 2º.
83
Cânon 1424: O juiz único em qualquer juízo pode escolher, como consultores, dois assessores de vida ilibada, clérigos ou leigos.
84
Cf. cânon 127 § 1: Quando é estatuído pelo direito que, para praticar certos atos, o Superior necessita do consentimento ou
conselho de algum colégio ou grupo de pessoas, o colégio ou grupo deve ser convocado de acordo como cân. 166, a não ser que haja
determinação contrária do direito particular ou próprio, quando se tratar unicamente de pedir conselho. Mas, para que os atos sejam
válidos, requer-se que se obtenha o consentimento da maioria absoluta dos que estão presentes, ou se peça o conselho de todos.

Manual  de  Procedimento  dos  Bispos  diante  de  algumas  situações  pastorais   Página  12  
 
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Em caso de absolvição do acusado. Se não constar do delito com certeza, lavra-se o Decreto,

expondo, ao menos brevemente, as razões de fato e de direito da absolvição. Na parte dispositiva,
conste a reabilitação do sacerdote;
• Em caso de condenação do acusado. Se constar do delito com certeza, e a ação criminal não estiver
extinta (na prática, a juízo da CDF, os delitos reservados à CDF são imprescritíveis85), lavra-se o
Decreto expondo, ao menos brevemente, as razões de direito e de fato86. Quanto à pena a ser
cominada, a CDF faz uma ressalva: Em cada caso, por competência ou por solicitação do Ordinário
ou do Hierarca, decidir proceder por decreto extrajudiciário, segundo o cân. 1720 do Código de
Direito Canônico e o cân. 1486 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais; contudo, com o
propósito de que as penas expiatórias perpétuas sejam infligidas unicamente por mandato da
Congregação para a Doutrina da Fé87.
7) A notificação do Decreto ao réu. Para urgir o seu efeito, o Decreto deve ser notificado ao réu88.
Conste por escrito que o réu foi notificado.
8) A transmissão dos autos e do Decreto à Sé Apostólica. O Bispo transmitirá à CDF, normalmente
mediante a Nunciatura Apostólica, o Decreto e os autos processuais. Se a pena aplicada não foi a demissão do
estado clerical, porque a CDF não autorizou, o Bispo, no mesmo Decreto, pode incluir a Petitio de demissão.

SÉTIMO PASSO (uma possibilidade): O RECURSO CONTRA O DECRETO DO BISPO. O ordenamento canônico
garante ao sacerdote o direito de recorrer contra o Decreto do Bispo à CDF, que é o Supremo Tribunal
Apostólico para a Igreja Latina, assim como para as Igrejas Orientais Católicas, para julgar o delito em tela89.
Salvo determinação contrária da CDF, o procedimento é o seguinte:
1) A petição ao Bispo. Antes de o sacerdote recorrer à CDF, deve pedir por escrito a revogação ou a
correção do Decreto ao Bispo. A petição deve ser feita dentro do prazo peremptório de dez dias úteis desde a
intimação legítima do Decreto90. O recurso contra o Decreto tem efeito suspensivo91.
2) A atuação ou o silêncio do Bispo. Dentro de trinta dias desde que lhe chegou a petição do
sacerdote, o Bispo pode atuar ou silenciar. A sua atuação deve ser a intimação de  novo Decreto corrigindo o
anterior ou decidindo rejeitar a  petição; nesse caso, os prazos para o sacerdote recorrer decorrem da intimação
do   novo Decreto. Se o Bispo nada decidir dentro de trinta dias (silêncio administrativo), os   prazos para o
recurso decorrem do trigésimo dia92.
3) O recurso à Congregação para a Doutrina da Fé. Considerando-se prejudicado pelo novo Decreto
ou pelo silêncio administrativo do Bispo, o sacerdote pode recorrer, por qualquer motivo justo, à CDF; o
recurso pode ser proposto perante o Bispo, que deve transmiti-lo imediatamente à CDF93, ou à mesma CDF. O
prazo peremptório para a apresentação do recurso é de quinze dias úteis94. Julga o recurso o Supremo Tribunal
da mesma Congregação95.

OITAVO PASSO (uma possibilidade): A ATUAÇÃO DA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Tendo
recebido o recurso do sacerdote, a CDF tem três meses, excepcionalmente prorrogáveis96, para se pronunciar.

                                                                                                                       
85
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 7 § 1.
86
Cf. cânon 1720, 3º.
87
Normae de gravioribus delictis, Artigo 21, § 2, 1º.
88
Cânon 54 § 1: O Decreto singular tem efeito a partir do momento da execução, se sua aplicação é confiada a um executor; caso
contrário, a partir do momento em que for intimado à pessoa pela autoridade de quem o baixou.
89
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 8 § 1.
90
Cf. cânon 1734 § 2.
91
Cf. cânon 1353.
92
Cf. cânon 1735.
93
Cf. cânon 1737 § 1.
94
Cf. cânon 1737 § 2.
95
Cf. Normae de gravioribus delictis, Artigo 16.
96
Cf. Regulamento Geral da Cúria Romana, Art. 120 § 2.

Manual  de  Procedimento  dos  Bispos  diante  de  algumas  situações  pastorais   Página  13  
 
ABUSO  SEXUAL  CONTRA  MENORES  POR  PARTE  DE  CLÉRIGOS  

Ao julgar o recurso, a CDF pode confirmar ou declarar nulo o Decreto; pode também rescindi-lo (= invalidá-
lo), revogá-lo (= torná-lo sem efeito), corrigi-lo, sub-rogá-lo (= substituí-lo por outro Decreto) ou ob-rogá-lo
(= substituí-lo por outro Decreto distinto, mas contrário)97. As medidas canônicas aplicadas contra um clérigo
reconhecido culpado de abuso sexual de um menor são geralmente de dois tipos: 1) medidas que restringem o
ministério público de modo completo ou pelo menos excluindo os contatos com menores. Tais medidas podem
ser acompanhadas por um preceito penal; 2) penas eclesiásticas, dentre as quais a mais grave é a ‘dimissio’
do estado clerical98. O Decreto será enviado à Nunciatura Apostólica, para comunicação ao Bispo e posterior
notificação ao sacerdote.

NONO PASSO: O RECURSO CONTRA A DECISÃO DA CDF E A INTERVENÇÃO FINAL DA CDF. Se a decisão da
CDF lhe for contrária, cabe ainda ao sacerdote o último recurso à mesma CDF: Contra as atas administrativas
singulares emitidas ou aprovadas pela Congregação para a Doutrina da Fé nos casos dos delitos reservados,
admite-se o recurso, apresentado no prazo peremptório de sessenta dias úteis, à Congregação Ordinária (ou
seja, Feria iv) da mesma Congregação, a qual julga o mérito e a legitimidade, eliminando qualquer ulterior
recurso a que se refere o art. 123 da Constituição Apostólica ‘Pastor Bonus’99. A CDF procede com a lavra
do último Decreto, remete-o à Nunciatura, para comunicação ao Bispo e notificação do sacerdote.

DÉCIMO PASSO: AS PROVIDÊNCIAS DO BISPO. Tendo recebido o Decreto da CDF, mediante a Nunciatura
Apostólica, o Bispo deve notificar o sacerdote. No momento mesmo da notificação, o Decreto produz o seu
efeito. Caso a decisão tenha sido a demissão do estado clerical, o sacerdote perde o estado clerical, perde os
direitos próprios do estado clerical, não está mais sujeito às obrigações desse estado nem ao celibato, fica
proibido de exercer o poder de ordem (exceto a absolvição válida e lícita de qualquer censura e de qualquer
pecado de qualquer penitente em perigo de morte) e fica privado de todos os ofícios, encargos e de todo o
poder delegado. O Bispo tem o dever de cuidar da manutenção do sacerdote demitido somente se este estiver
realmente passando necessidade100 .
Ø Sugere-se o modelo de verbal de notificação no Apêndice,
Mod. XXVII

                                                                                                                       
97
Cf. cânon 1739.
98
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes
no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, 03/05/2011, II.
99
Normae de gravioribus delictis, Artigo 27.
100
Cânon 1350 § 2: O Ordinário cuide de prover, do modo mais conveniente possível, àquele que foi demitido do estado clerical que,
em razão da pena, esteja realmente passando necessidade.

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