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São cada vez mais frequentes os casos de matrimônio fracassado. Se tal foi validamente
contraído na Igreja, não há como o dissolver, pois, segundo a lei de Cristo, não há divórcio;
cf. Mc 10, 11s; Lc 16,18; Mt 19,1-9; 1Cor 7,10. Pode acontecer, porém, que o vínculo
matrimonial nunca tenha existido, pois terá havido um vício que terá tornado nulo o
consentimento dos noivos. Em tais casos, a Igreja pode instaurar um processo para
averiguar a nulidade do matrimônio; se esta é comprovada, a Igreja declara nulo o casa-
mento. Nem todas as pessoas interessadas estão esclarecidas
Notemos a diferença entre declarar nulo e anular. Anular significa desfazer, destruir o
vínculo matrimonial, ao passo que declarar nulo implica averiguar e tornar público o fato
de que nunca houve vínculo matrimonial a respeito. Por isso sofrem o fracasso de um
"matrimônio" que talvez nunca tenha existido.
"Cânon 1055 § 1 - A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma
comunhão de vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação
da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento.
§ 2 - Portanto, entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, ao mesmo
tempo, sacramento".
Como se vê, o cânon define o matrimônio como aliança (ou como contrato), pela qual duas
pessoas se dão totalmente uma à outra, a fim de se ajudarem mutuamente a atingir as
finalidades que o Senhor lhes assinalou. Dessa mútua complementação nasce a prole,
expressão do amor recíproco de esposo e esposa.
Notamos que, conforme o cânon, o matrimônio é uma instituição natural, pré-cristã, que
por Cristo foi elevada a um plano superior, sacramental, realizando uma miniatura da união
de Cristo com a sua Igreja. Isto quer dizer que as propriedades da união matrimonial -
monogamia e indissolubilidade - não vigoram apenas no plano sacramental, para os fiéis
católicos, mas decorrem da própria índole natural do matrimônio. Uma doação total, por
ser total, não pode ser retalhada entre um homem e várias mulheres (ou uma mulher e
vários homens), nem admite condições ("eu te amarei... até o dia em que me aborreceres").
2. NULIDADE: QUANDO?
Eis, numa visão de conjunto, os motivos pelos quais um casamento pode ser nulo:
Cânon 1057 § 1 - "O matrimônio é produzido pelo consentimento legitimamente manifestado entre
pessoas juridicamente hábeis; esse consentimento não pode ser suprido por nenhum poder humano. §
2 - "O consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo qual o homem e a mulher, por aliança
irrevogável, se entregam e se recebem mutuamente para constituir matrimônio".
Escolher um(a) consorte, comprometer-se a levar todo o resto da vida com ele(a) na mais
estrita intimidade é, sem dúvida, uma das decisões mais importantes que um homem ou
uma mulher possam tomar. Por isto tal ato, para que seja válido, exige que a pessoa
contraente tenha consciência das obrigações que assume e se decida com plena liberdade.
Eis por que reza o cânon 1095:
2º - os que têm grave falta de discrição de juízo a respeito dos direitos e obrigações essenciais do
matrimônio, que se devem mutuamente dar e receber;
3º - os que não são capazes de assumir as obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza
psíquica".
Este número não se refere apenas às crianças e aos doentes mentais, mas a todos aqueles
que, por um motivo ou outro, não gozem do pleno uso de suas faculdades no momento em
que exprimem seu consentimento, por estarem perturbados por um trauma psíquico ou por
se acharem sob a ação de drogas ou em estado de embriaguez. Na verdade, tais observações
não são novas, mas hoje encontram mais vasta área de aplicação do que outrora, porque a
psiquiatria melhor conhece as anomalias mentais, sua evolução e seus efeitos. Outrora
julgava-se suficiente que a pessoa tivesse parecido estar lúcida no momento das núpcias,
mesmo se antes tivesse dado sinais de alienação mental. Atualmente, porém, sabe-se que
certas moléstias psíquicas, como a esquizofrenia, podem estar incubadas por muito tempo
antes de se declarar; os familiares mesmos podem não o perceber, mas a doença já existe e
está atuante. Em outros casos, as moléstias se manifestam em ritmo intermitente, podendo
o paciente parecer normal quando a doença está latente; os acompanhantes o têm por
curado ou sadio, apesar de estar sob o influxo da moléstia. Conta-se o caso, por exemplo, de
um rapaz que julgava ser o Messias, mas, por efeito de prudência ditada pelo seu
subconsciente, jamais o disse à sua noiva. Ora dois dias após as núpcias, certo de que a
esposa não o abandonaria, teve grave crise de "delírio místico"!
Além do uso da razão, requer-se que os nubentes tenham maturidade intelectual e afetiva
proporcional à decisão que vão tomar. Daí prosseguir o cânon 1095:
Alínea 2ª: São incapazes... os que têm grave falta de discernimento a respeito dos direitos
e das obrigações essenciais do matrimônio, que se devem dar e receber mutuamente.
O discernimento implica:
o suficiente conhecimento das obrigações que o(a) nubente contrai,... conhecimento que não
seja abstrato, mas aplicado à vida e às circunstâncias concretas do sujeito;
"saber que o matrimônio é um 'consórcio permanente entre homem e mulher, ordenado à
procriação da prole por meio de alguma cooperação sexual" (cânon 1096); "cooperação sexual"
é expressão assaz genérica, que não inclui necessariamente o conhecimento de todos os
pormenores do processo fisiológico da reprodução;
ter consciência de que, entre os deveres conjugais, está a obrigação de comunhão de vida entre
os cônjuges, com as exigências que isto implica; "amar não é querer o outro construído, mas é
querer construir o outro", diz-se popularmente.
Alínea 3ª: Ineptos... os que não são capazes de assumir as obrigações essenciais do
matrimônio, por causas de natureza psíquica.
Supõem-se, neste caso, pessoas que tenham o discernimento necessário, mas sofram de um
desvio de personalidade que as impede de sustentar a comunhão matrimonial. É o que
acontece com homossexuais, mesmo quando capazes de procriar; não lhes é possível viver
uma vida conjugal normal, pois dificilmente escapam à atração por um parceiro fora do lar.
É o que acontece também com mulheres lésbicas e com linfomaníacas (mulheres que
tendem patologicamente ao abuso do coito). É o que ocorre outrossim com pessoas muito
ciumentas, visto que se torna muito difícil a um(a) consorte viver com alguém que repete
várias vezes por dia, sem fundamento: "Estou certo(a) de que tu me enganas".
Incluem-se ainda sob o mesmo título de incapacitação os estados obsessivos, que resultam
de idéias fixas, neuroses e outras perturbações mentais.
O cânon 1095, que trata da falta de capacidade para consentir, é o mais evocado atualmente
nos processos de declaração de nulidade. Toca em pontos nevrálgicos, que, sem dúvida,
merecem consideração, mas que estão sujeitos a interpretações, por vezes, laxas demais. Na
verdade, é difícil dizer qual o limite entre maturidade e imaturidade afetiva, entre capaci-
tação para comunhão de vida e incapacidade... Em não poucos casos, os tribunais
eclesiásticos têm que recorrer a peritos em psicologia - o que não exclui certa margem de
subjetivismo ao julgar. Por isto a Santa Sé tem recomendado prudência na aplicação do
cânon 1095.
Suponhamos que alguém tenha plena capacidade para dar consentimento matrimonial
válido. Poderá acontecer, porém, que ignore os pontos essenciais do compromisso conjugal.
Reza o cânon 1096, § 1 - Para que possa haver consentimento matrimonial, é necessário que os
contraentes não ignorem, pelo menos, que o matrimônio é um consórcio permanente entre homem e
mulher, ordenado a procriação da prole por meio de alguma cooperação sexual. § 2 - Essa ignorância
não se presume depois da puberdade.
O erro distingue-se da ignorância, pois esta significa ausência de noções, ao passo que o erro
implica presença de noções não verídicas ou falsas. Ora pode-se conceber que os nubentes
tenham concepções errôneas no tocante ao que assumem. Verdade é que nem todas as con-
cepções errôneas invalidam o matrimônio: as mais graves o tornam nulo, pois quem dá seu
consentimento na base de um erro decisivo, dá-o a algo que não existe; por conseguinte, não
contrai matrimônio. Quais seriam, pois, as modalidades de erro que tornam o casamento
nulo?
Sabemos que em nossos dias mesmo os fiéis católicos não estão bem esclarecidos a respeito,
especialmente após a introdução da lei civil do divórcio. Muitos talvez se casem pensando
em dissolver seu casamento, se não for feliz, a fim de contrair nova união. Pergunta-se então:
há, nestes casos, autêntico consentimento matrimonial?
O problema não é de fácil solução. Para encaminhá-la, o Direito Canônico distingue entre
"pensar" e "querer". Alguém pode pensar que o casamento é rescindível, mas talvez não
queira que ele seja dissolvido de fato; faz questão de que o seu casamento dure a vida inteira.
Ora em tal caso o consentimento dado é válido. Eis o que diz o cânon 1099: "O erro a respeito
da unidade, da indissolubilidade ou da dignidade sacramental do matrimônio, contanto que não
determine a vontade, não vicia o consentimento matrimonial".
Para evitar o erro de direito e os problemas daí decorrentes, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil emitiu a seguinte norma: "Cuidem os sacerdotes de verificar se os nubentes estão
dispostos a assumir a vivência do matrimônio com todas as suas exigências, inclusive a de fidelidade
total, nas várias circunstâncias e situações de sua vida conjugal e familiar. Tais disposições dos
nubentes devem explicitar-se numa declaração de que aceitam o matrimônio tal como a Igreja o
entende, incluindo a indissolubilidade" (Orientações Pastorais sobre o Matrimônio, nº 2. 15).
A identidade física refere-se à pessoa como tal. Tal foi o caso, narrado pela Bíblia, de Jacó,
que queria esposar Raquel e que, na noite de núpcias, viu que estava com Lia (Gn 29,15-25).
Este caso hoje em dia praticamente não ocorre.
A resposta a tais questões é muito difícil, pois muito depende da noção subjetiva que alguém
tenha de consorte ideal.
Na verdade, todo ser humano está sujeito a falhas e a causar decepções; a nenhum nubente
é lícito imaginar que encontrará a pessoa perfeita que ele deseja. Por conseguinte, uma certa
margem de decepções é quase normal no casamento e não invalida a este. Todavia pode
haver atitudes de cônjuge posteriores ao casamento que revelem uma personal idade
fundamentalmente diferente daquela que o outro cônjuge quis abraçar; caso essa diferença
seja realmente básica ou fundamental, pode-se dizer que houve erro de pessoa, erro que
tornou nulo o casamento. Deve-se reconhecer que é difícil definir os limites entre predicados
básicos e predicados não básicos, no caso. Deve-se também notar que as pequenas decepções
inerentes à vida conjugal não são algo de extraordinário ou desconcertante na vida de um
cristão, visto que este, em qualquer vocação, é sempre chamado a seguir o Cristo portador
de sua Cruz em demanda da vida plena ou da ressurreição. Exemplo de erro de
personalidade ocorreu na França logo após a segunda guerra mundial (1939-1945). Uma
jovem, de excelente família, conheceu um rapaz que passava por Oficial do Exército, herói
da resistência aos nazistas e Cavaleiro da Legião de Honra. Casaram-se entre si. Todavia
pouco depois das núpcias a esposa descobriu que o "herói" da Legião de Honra não era
senão um foragido dos cárceres. O processo terminou com a declaração de nulidade de tal
casamento, pois realmente um réu procurado pela Polícia não é a mesma pessoa moral que
um honesto e brilhante Oficial do Exército.
Tal é a opinião que o Pe. Jesus Hortal, S.J. emite em caráter estritamente pessoal (o que quer
dizer que o assunto não é claro e permite sentença contraditória): "Quando a personalidade de
um cônjuge se revela completamente diferente de como era conhecida antes do casamento, pode-se
dizer que o consentimento matrimonial do cônjuge que errou, é verdadeiro? Não acabou por casar
com uma pessoa inexistente, que formou em sua imaginação? Ao nosso modo de ver, nesse caso,
poderia ser invocado, como causa de nulidade, o erro sobre a pessoa de que trata o cânon 1097 § 19.
O problema está em determinar o limite entre o que é apenas uma qualidade, mas que não muda
fundamentalmente a personalidade, e a própria personalidade. A dificuldade, porém, não deve impedir
de reconhecer que pode haver matrimônios nulos por erro sobre a personalidade do cônjuge"
(Casamentos que nunca deveriam ter existido. Uma solução pastoral, São Paulo 1987, p. 19).
Mais difícil é o julgamento quando se trata não de erro de pessoa (ou personalidade), mas
de erro sobre as qualidades da pessoa. Daí o cânon 1097, § 2.
Eis o texto em pauta: "O erro de qualidade da pessoa, embora seja causa do contrato, não torna nulo
o matrimônio, salvo se essa qualidade for direta e principalmente visada" - (cânon 1097, § 2).
O caso é assaz complexo. Trata-se de determinar o limite entre uma simples qualidade, que
não muda a personalidade, e a própria personalidade. Eis um exemplo: Uma jovem esposa
exclamou: "Esposei Tibúrcio, que eu julgava portador de todas as prendas. Infelizmente estou frus-
trada. Ele não me dá atenção; deixa-me sozinha aos domingos para ir à pesca ou jogar futebol".
Tibúrcio, por sua vez, alega: "Mariana não sabe pôr ordem em casa. Gasta dinheiro à toa, não tem
interesse pelas crianças".
Pode-se dizer que houve então erro sobre qualidades das pessoas tomadas em casamento?
- Somente o contato direto com os dois esposos pode ajudar a responder. Afinal de contas,
qual das qualidades visadas, mas não encontradas na vida conjugal, tornou nulo o
matrimônio? Onde está o limite entre falhas humanas previsíveis e aceitáveis, e falhas
inaceitáveis, que permitem dizer que houve erro sobre as qualidades da pessoa? O Código
de Direito Canônico, no cânon citado, ensina que o erro sobre qualidades não invalida o
casamento a não ser que se trate de qualidade direta e principalmente visada, ou seja,
qualidade que o(a) consorte fazia muita questão de encontrar no(a) parceiro(a).
3.3.4. O erro doloso (cânon 1098)
Chama-se dolo o erro cometido por fraude ou má fé do(a) pretendente, ciente de que, se não
enganar, não conseguirá casar-se. A propósito reza o cânon 1098: "Quem contrai matrimônio,
enganado por dolo perpetrado para obter o consentimento matrimonial, a respeito de alguma
qualidade da outra parte, qualidade que, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio
da vida conjugal, contrai-o indevidamente".
É capital para o bom êxito de um casamento que haja boa fé e transparência de um cônjuge
para outro. Quando, porém, isto não se verifica, mas um dos cônjuges quis deliberadamente
induzir o(a) consorte ao erro para poder casar-se, tal matrimônio é nulo. É o que se dá
quando o rapaz aparenta ser sadio, mas na verdade sofre de AIOS e não o diz, ou quando a
noiva esconde ao futuro esposo o fato de que lhe amputaram os ovários de modo que não
pode ter filhos.
Eis o teor do cânon 1101: "Presume-se que o consentimento interno está em conformidade com as
palavras ou os sinais empregados na celebração do matrimônio" (§ 1). "Contudo, se uma das partes
ou ambas, por ato positivo de vontade, excluem o próprio matrimônio, algum elemento essencial do
matrimônio ou alguma propriedade essencial, contraem invalidamente" (§ 2).
Um princípio geral do Direito leva a supor que as pessoas dizem a verdade, enquanto não
se pode provar o contrário; daí o § 1do cânon 1101.
É total quando um dos contraentes, embora profira com os lábios o seu consentimento,
recusa interiormente o seu Sim. Isto pode acontecer quando se obriga um rapaz a casar-se,
à revelia sua, com a moça que ele fez engravidar, ou quando uma moça é constrangida por
terceiros a casar-se com um play-boy que só pensa em divertir-se e nada quer levar a sério.
A simulação é parcial quando um dos parceiros aceita, sim, o casamento, mas recusa uma
das propriedades essenciais do matrimônio: a monogamia, a indissolubilidade e a abertura
para a procriação. É nulo, portanto, o casamento quando alguém declara, no ato de casar-
se, que aceita a indissolubilidade, mas na verdade quer poder usar do divórcio (não basta
que o nubente pense que o casamento é solúvel; é preciso que queira usar do divórcio, para
que o casamento seja nulo). Também é nulo o casamento de quem, de antemão, rejeita ter
filhos, embora declare o contrário ao casar-se.
3.5. Violência ou medo (cânon 1103)
Observemos a respeito:
1. O mal que a pessoa receia, se não aceitar o casamento, deve ser grave. A gravidade
pode ser avaliada subjetivamente: o mesmo mal pode ser tido como grave por certas
pessoas, e como leve por outras. Basta, porém, que haja gravidade subjetiva ou relativa.
Chama-nos a atenção ainda o medo reverencial ou o receio de desagradar a pai ou mãe, caso
o(a) filho(a) recuse determinado casamento. Tal medo é geralmente leve, mas pode tornar-
se grave, especialmente quando a moça ouve seu pai repetir-lhe constantemente: "Esqueces
tudo o que fiz por ti! Tu me farás morrer de tristeza!".
Eis outra fonte de falhas de consentimento. Imaginemos que alguém faça o seu
consentimento depender de uma determinada condição, que acaba por não se cumprir: da
parte do rapaz, por exemplo, seria a exigência de que a consorte seja virgem; da parte da
moça, a condição de que o noivo não tenha tido outra mulher na sua vida. Se, após o
casamento, a comparte interessada verifica que a condição não se realizou, esteja certa de
que o casamento foi nulo.
Não é desejável que se coloquem tais condições antes do casamento. Por isto o Código
prescreve que, para colocá-las, os nubentes precisam da licença prévia da autoridade
eclesiástica. - E diverso o caso aqui mencionado do caso da simulação: neste existe má fé ou
o desejo de enganar, ao passo que, no caso de condição, pode a comparte silenciar um ou
outro traço de seu passado simplesmente de boa fé ou porque não lhe ocorre abordar tal
assunto.
A Igreja, como também o Direito Civil, estipula certas normas que restringem o direito ao
casamento em doze casos, todos eles graves, tendo em vista o próprio bem dos interessados
e da sociedade em geral.
1 - Idade mínima
Isto é, condição de que isto ou aquilo venha a acontecer: por exemplo, "o consentimento valerá
se meu marido conseguir um bom emprego" ou "... se minha esposa se formar em Música".
A invalidade equivale à nulidade; torna sem efeito determinado ato. A iliceidade não torna
nulo o ato, mas dele faz uma infração ou uma violação da lei (eventualmente, um pecado).
Por exemplo, um roubo é ato ilícito, ilegal e pecaminoso, mas o dinheiro roubado conserva
seu valor de dinheiro e serve para pagar dívidas (embora seja pagamento ilícito, porque
realizado com dinheiro roubado). Uma fruta roubada é uma fruta que não me é l/cito
comer, mas que nem por isto deixa de alimentar a quem a come.
2 - Impotência
Impotência relativa é a que impede relacionamento sexual somente com alguma ou algumas
pessoas. Só é impedimento para o matrimônio com tais pessoas. É indiferente a causa (física
ou psíquica) donde procede a impotência. Compete aos médicos e psiquiatras averiguar se
é perpétua ou se há esperança de cura.
3 - Vínculo
A Igreja Católica afirma e sempre afirmou que o matrimônio é indissolúvel. Por isso, se
alguém está validamente casado e realizasse uma cerimônia de casamento com outra
pessoa, essa cerimônia não teria nenhum valor (Cân. 1095).
4 - Disparidade de Culto
Entre um católico e uma pessoa não batizada (por exemplo, um judeu ou um muçulmano)
existe uma diferença tão grande de religião que dificilmente vão conseguir realizar uma
comunhão de vida plena. A disparidade do culto também é causa de nulidade de
casamento, desde que a parte católica não tenha obtido dispensa do impedimento. Com
outras palavras: é inválido o casamento entre um católico e uma pessoa não batizada, se a
parte católica não pede dispensa do impedimento. Esta pode ser concedida pelos Bispos
desde que:
a parte católica declare estar disposta a afastar os perigos de abandono da fé e prometa fazer
tudo para que a prole seja batizada e educada na Igreja Católica;
a parte não católica seja informada desse compromisso;
ambas as partes sejam instruídas a respeito dos fins e propriedades essenciais do matrimônio,
que nenhum dos contraentes pode excluir.
A propósito convém dizer algo sobre o impedimento de mista religião, ou seja, sobre o
casamento de um católico com uma pessoa batizada fora do Catolicismo (protestante ou
ortodoxa). Tal impedimento não é dirimente, isto é, não invalida o casamento, mas torna-o
ilícito; cânon 1124. A parte católica pode contrair tal matrimônio válida e licitamente desde
que obtenha a dispensa do respectivo Bispo mediante as três condições atrás mencionadas
para o caso da disparidade de culto.
5 - Ordem Sagrada
Os que receberam o sacramento da ordem, ou seja, os diáconos, os presbíteros e os bispos
não podem casar validamente (C. 1087). No caso dos diáconos casados, porém, permite-se
que alguém, previamente casado, seja ordenado diácono e atue como tal.
6 - Votos
Profissão religiosa perpétua: os religiosos, ou seja, os membros de certas instituições que têm
gênero de vida especial aprovado pela Igreja, fazem voto de castidade, pobreza e
obediência. Isto se chama profissão religiosa. Quando é feita de modo perpétuo ou
definitivo, torna nula qualquer tentativa de matrimônio (Cân. 1088).
7 - Rapto
Uma mulher conduzida ou retida à força não pode casar validamente com quem está
exercitando essa violência contra ela enquanto não for posta em liberdade em lugar seguro.
cf. cânon 1089.
8 - Crime
A fim de proteger a vida do marido ou da mulher traídos, a Igreja declara que os que matam
seu cônjuge para facilitar um matrimônio posterior ficam impedidos de realizar
validamente este casamento. E também se um homem ou mulher em comum acordo, matam
o esposo ou a esposa de um deles, não podem casar-se entre si (Cân 1090). A dispensa está
reservada à Santa Sé.
9 - Consanguinidade
Não há dispensa na linha vertical (pai com filha, avó com neto...); na linha horizontal, o
impedimento (dispensável) vai até o quarto grau, isto é, atinge tio e sobrinha e primos
irmãos, cânon 1091.
11 - Honestidade pública
Quem vive uma união ilegítima, está impedido de se casar com os filhos ou os pais de seu
(sua) companheiro (a), cf. cânon 1093.
12 - Parentesco legal
Não é permitido o casamento entre o adotante e o adotado ou entre um destes e os parentes
mais próximos do outro. Este impedimento, como outros desta lista, podem ser dispensados
por dispensa emanada da autoridade diocesana, cf. cânon 1094.
A forma canônica só obriga os católicos. Basta, porém, que um dos noivos seja católico para
que a forma canônica seja obrigatória, isto é, para que o casamento deva ser celebrado na
Igreja Católica sob pena de nulidade.
Pode haver dispensa da forma canônica. O Bispo tem a faculdade de concedê-la quando se
trata de um casamento entre um católico e um não católico, especialmente se é um cristão
batizado no Protestantismo ou na Ortodoxia. Em tais casos, porém, o prelado determina
qual outra cerimônia (civil ou religiosa) substitui a católica.
Além disto, há casos em que não é possível encontrar, sem demora, um padre credenciado
para assistir ao casamento sacramental; é o que acontece em territórios de missão, por
exemplo, pelos quais só algumas vezes ao ano passa um missionário. O próprio Direito
Canônico prevê, para esses casos, a dispensa da forma canônica nos seguintes termos:
Cânon 1116 - § 1. "Se não é possível, sem grave incômodo, ter o assistente competente de acordo com
o direito, ou não sendo possível ir a ele, os que pretendem contrair verdadeiro matrimônio podem
contraí-o válida e licitamente só perante as testemunhas:
1º em perigo de morte;
2º fora do perigo de morte, contanto que prudentemente se preveja que esse estado de coisas vai durar
por um mês. .
§ 2. Em ambos os casos, se houver outro sacerdote ou diácono que possa estar presente, deve ser
chamado, e ele deve estar presente à celebração do matrimônio, juntamente com as testemunhas, salva
a 'validade do matrimônio só perante as testemunhas".
Há, porém, casos em que o matrimônio validamente contraído no plano natural é dissolvido
pela Igreja em favor de um matrimônio sacramental. Examinemo-los. Com outras palavras:
a Igreja não tem o poder de dissolver um casamento sacramental validamente contraído e
consumado. Quando, porém, o matrimônio não é sacramental (é sustentado pelo vínculo
natural apenas), a Igreja, em casos raros, pode dissolvê-lo em vista da fé ou de uma vivência
matrimonial sacramental.
Em 1 Cor 7,15 São Paulo considera o caso de dois pagãos unidos pelo vínculo natural; se um
deles se converte à fé católica e o(a) consorte pagã(o) lhe torna difícil a vida conjugal, o
Apóstolo autoriza a parte católica a separar-se para contrair novas núpcias, contanto que o
faça com um irmão ou uma irmã na fé. Antes, porém, da separação, é necessário interpelar
a parte não batizada, perguntando-lhe se quer receber o Batismo ou se, pelo menos, aceita
coabitar pacificamente com a parte batizada, sem ofensa ao Criador. Isto se explica pelo fato
de que, para o fiel católico, o matrimônio sacramental é obrigatório: ou ele o contrai com o
cônjuge pagão ou, se este não o propicia, contrai-o com uma pessoa católica. Cf. cânones
1143-47.
O privilégio da fé é como que uma extensão do anterior. Como dito, a Igreja não pode
dissolver um casamento sacramental validamente contraído e consumado. Há, porém,
uniões matrimoniais não sacramentais entre pessoas não batizadas. Suponhamos que
alguma dessas uniões fracasse: em conseqüência, uma das duas partes (convertida ao
Catolicismo ou não) quer contrair novas núpcias com uma pessoa católica, habilitada a
receber o sacramento do matrimônio. Esta pessoa católica pode então recorrer à Santa Sé e
pedir a dissolução do vínculo natural do(a) seu (sua) pretendente, assim como a eventual
dispensa do impedimento de disparidade de culto (caso se trate de um judeu, um
muçulmano, um budista...); realiza-se então a cerimônia do casamento católico. Está claro,
porém, que os cônjuges que se separam, deverão prover à subsistência e à educação
(católica, se possível) dos respectivos filhos.
O privilégio petrino ou da fé tem especial aplicação nos países em que vigora a poligamia.
Se o homem não batizado que tenha simultaneamente várias esposas não batizadas, receber
o Batismo na Igreja Católica, poderá escolher a mulher que preferir, e deverá casar-se com
ela na Igreja (observadas as prescrições relativas a matrimônios de disparidade de culto, se
for o caso). O mesmo vale para a mulher não batizada que tenha simultaneamente vários
maridos não batizados. Evidente, porém, que o homem que se converte, tem que prover às
necessidades das esposas afastadas, segundo as normas da justiça e da caridade; cf. cânon
1148.
Diz o cânon 1142: "O matrimônio não consumado entre batizados ou entre uma parte batizada e
outra não batizada pode ser dissolvido pelo Romano Pontífice por justa causa, a pedido de ambas as
partes ou de uma delas, mesmo que a outra se oponha".
Este caso pode ocorrer; todavia não é fácil comprovar que não houve consumação carnal do
matrimônio. O cânon nº 1061 observa que a consumação do matrimônio deve ser praticada
humano modo, isto é, de modo livre e normal; na hipótese contrária, não se pode falar de
consumação. A exigência de modo humano é muito oportuna, pois exclui os casos de
inseminação artificial (mesmo que desta nasça uma criança); exclui também os casos em que
a esposa é constrangida ou colhida num momento de transtorno mental provisório. Outrora
julgava-se que o matrimônio estaria consumado e feito indissolúvel mesmo que a esposa,
recusando por medo iniciar a vida sexual, fosse violentada.
Chamamos processo à sequência de atos que se realizam para resolver a questão proposta.
Um processo começa com o libelo (carta/Petição) da demanda, apresentado ao Tribunal por
quem pede a causa, a parte autora. Nesse documento deve-se indicar claramente o que se
pede (a declaração nulidade do casamento), as razões de fato e de direito e as provas em
que se apoia a petição (Cânn. 1501 a 1504), pelo menos transcrevendo o rol de testemunhas.
O autor pode designar um advogado que o defenda e um procurador que o represente no
Tribunal (Cân. 1481).
O juiz admite por decreto o libelo e cita por convocação a outra parte que nas causas
matrimoniais é chamado(a) demandado(a). o demandado então contesta o libelo: pode por
sua posição e então indicará também razões e provas ou pode não opor-se, submetendo,
desde o princípio, a justiça do Tribunal (Cân. 1507).
Com aquilo que expuseram o autor e o demandado nos seus escritos de demanda e
contestação, o juiz redige a fórmula da concordância da dúvida (Cân. 1513), que explicita e
define claramente o que se vai estudar e decidir.
Com isto dá-se por terminado o período probatório e decreta-se a publicação dos autos do
processo, para que o autor e o demandado e seus respectivos advogados possam conhecer
e estudar todas as peças processuais. Os advogados apresentam então suas defesas, em
favor ou contra, do que se pediu ao Tribunal.
O defensor do vínculo faz seu relatório ao qual devem oferecer réplica os advogados,
ficando-lhes assegurado o direito de tréplica, que tem sempre a última palavra na fase
discussória.
Encerrando as alegações das partes, o Juiz decreta a conclusão da causa e convoca a sessão
para decidir, reunindo o trio dos juízes que juntos apresentarão seus votos fundamentados
e por maioria definirão a causa ditando a sentença em 1a instância.