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"Nous aimons la verité, nous aimons Dieu,

nous aimons tous les hommes." - Jacques Maritain

SCENA
JULHO-SETEMBRO 2023
Nº 02
ANO 1

CRÍTICA

FILOSOFIA | LITERATURA | ARTES | CULTURA Biblioteca Mons. Maurílio Penido


Abril-junho 2023 | Scena Crítica 2

SCENA

Editorial S
A segunda edição de Scena Critica surge como um memorial, já que neste mês
Scena Crítica
de agosto se faz memória dos 40 anos da páscoa de Alceu Amoroso Lima, um de Filosofia, literatura, artes, cultura
nossos egrégios patronos.
Amoroso Lima foi um homem de muitas frentes: crítico literário, literato,
acadêmico, líder do laicato nacional. No entanto, o mais notável de seus
Scena Crítica é uma publicação
trimestral, sem fins lucrativos
predicados é certamente o de católico, e é isto que o garante no panteão dos
nossos inspiradores.
scenacritica@gmail.com
Tristão de Athayde, no campo da literatura, manteve intensa correspondência
com os grandes intelectuais de seu tempo, de modo a estabelecer, numa época scenacritica.wixsite.com
em que isto ainda não estava institucionalizado, o diálogo com personalidades
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dos mais variados espectros ideológicos.
Como colaborador de Dom Leme no projeto de resgatar a hegemonia do
catolicismo nacional, consagrou-se como o grande líder do laicato católico, com
especial ênfase na liderança da Ação Católica. No Concílio Vaticano II,
Editor
representou o Brasil como emissário leigo, sendo, ao retornar, um dos maiores
entusiastas das reformas propostas, seja no que tange o culto, como também na Filipe Machado
dinâmica da pastoral pós-conciliar.
No cenário nacional foi um homem de profunda participação na idealização do Colaboradores desta edição
espaço político brasileiro e, apesar de nunca ter se filiado a uma agremiação
partidária, foi entusiasta da formação do partido democrata cristão. Muito André Marcelo Soares
influenciado pelo pensamento de Jacques Maritain, impulsionou o humanismo Alessandro di Borgia
cristão de modo a consagrá-lo como uma das correntes que protagonizaram o Eduardo Silva
pensamento social brasileiro. Jeremy Boot
Além da ode a Alceu Amoroso Lima, nesta edição damos continuidade às colunas Jessiandro Pessoa
temáticas, algumas pela pena dos mesmos autores, outras pela de novos Josué Matos
colaboradores de mesmo rigor e qualidade literária. Marcos Paulo Galvão
Neste momento de inquietação na sociedade civil e eclesiástica é de nosso maior Natananel de Abreu
interesse proporcionar uma leitura sobre as questões hodiernas e pretéritas à luz
Pedro Henrique Abreu
da sã doutrina, reprisando e contextualizando o pensamento católico às mais
Pedro Ribeiro
diversas facetas da cultura humana.
Rafael Santos
Yasmin Ramos

Filipe F. Machado
Eduardo D. S. Silva
Editores
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 3

I T I N E R Á R I O

I T I N E R Á R I O
Prosseguindo

Vem a lume o segundo número de Scena Crítica, que Do latim ao anglo-saxão, nosso correspondente britânico
avança qual peregrino, de bordão à mão, pelos caminhos Jeremy Boot nos guia entre as Línguas mortas e vivas,
um tanto tortuosos e pedregosos do nosso tempo. uma instigante análise da história de nossos idiomas.
Mantendo a variedade temática dentro de um ideal Seguindo para a filosofia, o prof. Marcos Paulo Galvão traz
comum, a presente edição traz também a memória dos ao debate a tematica Conhecimento e poder segundo
40 anos da morte de Alceu Amoroso Lima. Além da capa Michel Foucalt, e Josué Matos, aproveitando a
que o homenageia, a coluna Vox Patroni traz o belíssimo oportunidade da publicação da carta do Papa Francisco
elogio fúnebre proferido pelo monge beneditino e imortal por ocasião dos quatro séculos do nascimento de Blaise
da Academia Brasileira de Letras, D. Marcos Barbosa, na Pascal, convida-nos a perceber as nuances e
ocasião do sepultamento de Tristão de Athayde. particularidades na ocasião peculiar em que Um Papa
Alceu também se faz presente no Dossiê, uma entrevista jesuíta analisa Pascal
com o Prof. Leandro Garcia (UFMG), especialista na obra No Caderno de Cinema quem marca presença nesta
de Amoroso Lima, tendo publicado há pouco as cartas edição é o diretor Frederico Fellini, recordado por Filipe
trocadas entre Alceu e o poeta Jorge de Lima. Machado na efeméride dos 30 anos de sua morte. E Rafael
Nas Crônicas de um tempo peculiar, Eduardo Silva Santos, em mais um de seus Ensaios do cotidiano,
reflete sobre o "adeus à disponibilidade", convidando a analisa a tão atual relação entre sexo, liberdade e
geração atual a imitar a coragem de Alceu Amoroso Lima consumo.
em sua conversão e radical tomada de posição diante da Na coluna Livro Aberto, Jeciandro Pessoa lança um olhar
realidade. sobre Anchieta, o apóstolo do Brasil, resenha da biografia
Nesta edição, no artigo A cafeicultura e o Brasil, Pedro do grande jesuíta missionário. E o prof. André Marcelo
Henrique Abreu traz uma análise histórico-social da Soares em seu artigo chama atenção para a necessidade
bebida que não falta à mesa dos brasileiros. Pedro Ribeiro, em se Eduacar para a vida ética e para a democracia.
o jovem fundador e presidente do crescente movimento E não poderia faltar nesta edição a nossa praça de
Comunhão Popular, por sua vez, enriquece-nos com a divulgação literária, a Ágora, onde a poesia marca
abordagem de uma tema de importância capital: a presença mais uma vez, com os talentosos Natanael de
preocupação de que deve estar munida a política social Abreu, Alessandro di Borgia e Yasmin Ramos.
em estar sempre À procura do salário justo. Que os todos possam aproveitar a qualidade dos trabalhos
apresentados. Boa leitura!
ÍNDICE

Crônicas de um tempo peculiar, pág. 6


Disponibilidade para o adeus

A cafeicultura e o Brasil, pág. 7


Vox patroni, pág. 9
Alceu, ao Céu

À procura do salário justo, pág. 11


Linguas mortas e vivas, pág. 13

Dossiê, pág. 15
Um ano jubilar

Conhecimento e poder, pág. 17


segundo Michel Foucalt

Livro aberto, pág. 18


Anchieta, o apóstolo do Brasil, Joaquim Tomás

Ágora, pág. 19
Praça de divulgação literária

Um Papa jesuíta analisa Pascal, pág. 20

Caderno de cinema, pág. 23


Sonhos em evidência

Ensaios do cotidiano, pág. 25


Sexo, liberdade e consumo

Educar para a vida ética e para a democracia,


pág. 26
In Scena, pág. 27
"O homem precisa mais de assunto do que de pão. E como as mais
irrespiráveis abstrações têm sempre raiz no que se vê e no que se
ouve, é preciso de tempos em tempos ir esfregar o eu-dormente nas
coisas boas que acontecem, para evitar as câimbras da alma."

GUSTAVO CORÇÃO
Abril/junho 2023 | Scena Crítica 6

CRÔNICAS DE UM

TEMPO PECULIAR
Em diversas ocasiões, Tristão de Athayde destacou a falta
de um ideal profundo em sua geração, marcada por um
juventude sob as luzes da belle époque, a qual viu
escurecer com o início da primeira guerra em 1914.
Passado um século, a geração de hoje parece sofrer de
algo semelhante. Há uma clara apatia diante das
realidades metafísicas e existenciais sérias. Uma geração
que nasceu sob a égide do avanço tecnológico e que se
deslumbra com o mundo das redes sociais, mas que ao
mesmo tempo enfrenta as frustrações de um país e de um
mundo imerso na desordem política e social, vivendo as
consequências de uma pandemia mundial e com focos de
guerra a recordar que a humanidade continua apostando
em métodos já provados pela história como infrutíferos, ou
antes, estéreis e destruidores.
A geração de Alceu, nascida no final do séc. XIX, reagiu na
década de 1920. No âmbito artístico e literário, surge o
modernismo da Semana de 22 que deu para o Brasil
nomes memoráveis como Mário de Andrade, Tarcila do
Amaral e Heitor Villa-Lobos. Também houve a reação
metafísica: o movimento intelectual católico, onde se
insere Tristão. Junto a seu nome pode-se acrescentar o de
Jackson de Figueiredo (1891-1928), responsável por fundar
em 1922 o lugar de agremiação desses intelectuais, o
Centro Dom Vital; Sobral Pinto (1893-1991), o célebre jurista
a quem coube a alcunha de “Sr. Justiça”; o Padre Leonel

DISPONIBILIDADE
Franca (1893-1948), que deu à sua geração, nas palavras de
Alceu, “o sentido profundo da Ordem sobrenatural”; o
grande poeta Jorge de Lima (1893-1953); Gustavo Corção

PARA O ADEUS
(1896-1978), o converso, quase um cruzado, cuja escrita e
luta marcou época. Enfim, toda uma brilhante constelação
que reagiu, que superou a apatia pelo compromisso, que

A
deixando de estar disponível para tudo, dispôs-se a
gosto deste ano marca não apenas os 40 anos da abraçar um ideal sólido, firme e eivado de esperança.
morte de Alceu Amoroso Lima (1893-1983), mas Diante da geração atual, que temos nas mãos a
também os 95 anos de sua conversão. De forma possibilidade de superar a apatia reinante, de dizer adeus
muito poética, pois poética foi toda sua vida, quis Deus, à disponibilidade para tudo, que se torna, se me permitem
que é mais poético ainda, que Alceu fosse ao seu encontro o paradoxo, disponibilidade para o nada, só posso evocar
em 14 de agosto de 1983, véspera do dia em que, diante do as palavras de Alceu na já citada carta a Sérgio Buarque: “o
Pe. Leonel Franca, expôs sua alma no tribunal da erro é pensar que a realidade se prende em qualquer
misericórdia e se aproximou da mesa da ceia sacrifical de sistema humano apenas, ou em qualquer ausência
Cristo. sistemática de um sistema qualquer”. É a tentação da
A morte de Alceu, disso me convenço cada vez mais, imanência, de querer, tal e qual o velho Barão de
deixou uma lacuna em diversos âmbitos da vida nacional. Münchausem, puxar-se pela trança para não cair no fosso.
Onde hoje o crítico literário de presença marcante como Ou a da alienação, fugindo de todo e qualquer
aquele que em 1919 deu vida a Tristão de Athayde, o compromisso sério com a realidade, consigo mesmo e
pseudônimo mais célebre da história brasileira, no rodapé com o mundo, refugiando-se num ideal fantasioso. É o que
d’O Jornal? Onde a figura pública a levar a voz da Igreja, diz Alceu em seguida: “Pois o amor da evasão pela evasão
de sua doutrina social, de seu contributo às artes e às é a pior das servidões. Nunca nos sentimos tão presos
letras, para o debate social, cultural e acadêmico? Onde o como ao pretendermos forçar todas as portas. Nunca
defensor apaixonado da liberdade e dos valores mais caros somos tão limitados como quando nos limitamos à
de um humanismo integral e fecundo, trabalhando por extralimitação.”
um projeto real de Brasil? Todas essas perguntas têm Ainda há tempo, embora ele seja curto. É necessário
como resposta um triste e sonoro “não há”. coragem e espírito de renúncia para estar disponível a
Logicamente, muito da obra de Alceu é fruto de sua dizer adeus ao espírito descompromissado. Apesar do
personalidade, de sua dedicação, de seu empenho pessoal cenário crítico, há esperança. Como, aliás, era lema do
com seus ideais. Ao dar em 1928 adeus à disponibilidade – próprio Alceu: contra spem spes. Ter fundada esperança,
título dado à carta em que expôs as razões de sua mesmo diante da desesperança reinante.
conversão a Sérgio Buarque de Holanda –, Alceu
abandonou o princípio gideano para abraçar um ideal
mais amplo, mais universal, embora aos olhos da maioria
parecesse antes um estreitamento, um “adeus” de fato. Eduardo Silva, graduado em
“Tristão é um dos nossos que agora acredita em anjo...”, vai História pela UFRRJ e em Filosofia
dizer acidamente Oswaldo de Andrade. Porém, não deixa pela PUC-Rio, encaminha os
estudos também para a literatura e
de ser surpreendente o fato de que tal personalidade não
a teologia, sempre a partir de um
tenha hoje uma eficaz presença de seu pensamento, nem diálogo entre o pensamento
continuadores empenhados em seu legado a trilhar seu tomista e as diversas correntes
exemplo. contemporâneas.
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A cafeicultura
e o Brasil na, sendo que já na década de 1850, o café passara a ser o
principal produto de exportação do país, uma vez que até
em tão, representava somente 18% das exportações

O
brasileiras.
s meses de maio a agosto costumam ser agitados A expansão da área cultivada conheceria quatro
nas regiões cafeeiras do Brasil. Durante este perí- momentos importantes. De 1850 a 1880, a maior
odo acontece a colheita do fruto que por décadas concentração das lavouras encontrava-se próxima à capital
fora o principal produto de exportação do país. Se hoje o Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, sendo esta última a
café ainda abunda nas montanhas do sul de Minas Gerais, principal região produtora na época. Tratava-se de uma
no cerrado mineiro, no norte de São Paulo, só para citar exploração muito dependente da mão-de-obra escrava e
algumas regiões produtoras, o arbusto da família das condições do solo da região, que não eram corrigidos
rubiaceae, já fora cultivado em uma vasta extensão de e fertilizados, sendo que as lavouras eram simplesmente
terra que compreendia do Estado do Paraná até o Espírito abandonadas quando a produtividade começava a
Santo. Apelidado de “ouro negro” na segunda metade do diminuir. Além do mais, os produtores fluminenses e vale-
século XIX, o café iria moldar a economia e a sociedade paraibanos formavam uma base política importante de
brasileira nos anos finais do Segundo Reinado (um ramo apoio a monarquia brasileira, que a partir dos anos 1870
de café fora posto na bandeira imperial) e nos anos da passava a ser contestada, principalmente em meios
chamada República Velha (1889-1930), sendo que o militares. Desta maneira, após ter atingido o pico de
sistema de alternância do poder entre políticos da elite produção na década de 1880, a cafeicultura nestas regiões
paulista e mineira, durante o período, passaria para a começara a declinar, também em razão da abolição da
história como a política do “café com leite”. escravatura em 1888 e a queda do império em 1889.
Se a relevância econômica do produto só seria sentida Seria, no entanto, a segunda fase de expansão da
após a década de 1850, a planta do café chegaria ao Brasil cafeicultura que mais representaria o chamado “ciclo do
ainda durante o ciclo do ouro no século XVIII. Seria o café”. Esta fase iniciara-se ainda na década de 1880 e
militar luso-brasileiro Francisco de Melo Palheta que em duraria até 1930, sendo o oeste paulista e o sul mineiro as
1727 traria para o país as primeiras sementes e mudas do regiões que se destacariam como principais produtores.
cafeeiro. Palheta teria sido encarregado pelo governador Este momento histórico conheceria os chamados barões
do Maranhão e do Grão-Pará, João de Maia Gama, de do café, que além de grandes produtores, foram
chefiar uma missão até a Guiana Francesa com um intuito personagens centrais de toda política brasileira durante a
de resolver um litígio territorial. Durante esta missão, o República Velha. De certa forma, as principais decisões
sargento-mor lograria cerca de mil sementes da planta e econômicas e políticas adotadas durante este período
quatro mudas, que seriam cultivadas pela primeira vez em buscavam favorece e defender a cafeicultura. Um exemplo,
solo brasileiro na cidade de Belém do Pará. A forma como seria o convênio de Taubaté de 1906, no qual o governo
estas sementes e mudas foram conseguidas permanecem republicano viu-se forçado a comprar sacas do produto e
um mistério, visto que numa carta do próprio Palheta jogá-las no mar ou queimá-las, como forma de combater a
datada de 1733, não há menção de como este material fora queda dos preços, devido a superprodução das safras
adquirido. Apesar de as especulações terem sido anteriores. Tal política ainda seria adotada na década de
abundantes no decorrer da história, o mistério permanece. 20, quando uma nova onda de baixa de preços, motivada
O ciclo do ouro declinaria a partir de 1760, quando as
jazidas começaram a exaurir-se, principalmente na então
província das Minas Gerais, principal local de exploração
do minério. Já após os eventos da inconfidência mineira
(1789), a economia brasileira voltara-se outra vez para a
agricultura de exportação, sendo que os principais
produtos seriam a cana-de-açúcar e o algodão, este último
produzido principalmente na região do Maranhão. No
entanto, as reviravoltas políticas na Europa acontecidas
por decorrência das guerras napoleônicas, a técnica de
produção do açúcar a partir da beterraba e a
superprodução em outros países produtores, fizeram com
que a produção brasileira perdesse espaço no mercado
internacional. Além do mais, o preço destes produtos
diminuiu consideravelmente, fazendo com que o lucro de
produtores brasileiros fosse reduzido. Já outros artigos
brasileiros como o fumo, o couro e o arroz não
encontravam espaço no mercado externo, sendo estes
destinados ao consumo interno. Nesta situação o
desenvolvimento da atividade cafeeira viria como possível
solução para que o Brasil voltasse a ganhar mercados
estrangeiros.
A planta do café se adaptara facilmente as condições
edafoclimáticas do sudeste brasileiro. A grande
quantidade de latossolos vermelhos, popularmente
conhecidos por “terra roxa”, favoreceram a expansão do
cultivo, bem como o clima ameno e a regularidade
pluviométrica da região. O exploração brasileira do café
também seria favorecida pela conjuntura internacional,
uma vez que o grande produtor da época, o Haiti, ex-
colônia francesa que lograra sua independência em 1791,
estava com a produção desorganizada e drasticamente
diminuída em decorrência do turbulento processo de
independência. O Brasil viria substituir a produção haitia-
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É mister reconhecer que o café, apesar de não possui a


influência dos anos anteriores, ainda permaneceria como
um dos principais produtos de exportação do Brasil, além
de ter continuado com relevante poder de barganha na
política nacional. Em 1952 seria criado o Instituto Brasileiro
do Café (IBC) que tinha por objetivo buscar políticas que
favorecessem a atividade, em substituição ao antigo
Departamento Nacional do Café do Ministério da Fazenda.
O IBC teria grande influência na política nacional
principalmente nos anos do governo militar quando a
cafeicultura conheceria um novo apogeu de lucros, de
forma especial no governo Figueredo. O IBC ainda
participaria da vida nacional, tendo sido o patrocinador da
lendária seleção brasileira que jogaria a copa do mundo
de 1982. Este instituto seria suprimido pelo governo Collor
e substituído Conselho Deliberativo de Política do Café em
1996.
A quarta fase da expansão da cafeicultura nacional inicia-
se durante o governo militar, principalmente na era Geisel.
Este período ficou conhecido pelo anseio de expandir a
agricultura nacional para regiões ainda não exploradas
como, por exemplo, o cerrado. Durante a gestão de
Alysson Paulinelli frente ao Ministério da Agricultura (1974-
1979) seria feitas as primeiras análises de solo no cerrado
brasileiro, chegando-se à conclusão de que a região era
agricultável, deste que feito as necessárias correções do
solo através de calagem e fertilização. O café passaria a
cultivado no cerrado mineiro, com enorme sucesso, visto a
facilidade de mecanização das lavouras devido ao relevo
plano da região. O cerrado passaria a ser o segundo maior
produtor nacional, atrás apenas da montanhosa região do
sul de Minas que, atualmente, produz cerca de 50% do
café brasileiro.
Atualmente a cafeicultura subsiste alternado momentos
de alto e baixo, uma vez que, sendo o produto considerado
uma commodity, tem seu preço cotado em bolsas de
valores, o que gera enorme instabilidade de mercado.
pela superprodução e o desarranjo político do pós-guerra, Além do mais, dificuldades com o êxodo rural em regiões
ameaçava os lucros do setor. produtoras, mudanças climáticas e o considerável
Durante os anos da República Velha o café seria elemento aumento do preço de insumos agrícolas fazem com que a
essencial do desenvolvimento do país, que ainda atividade agonize em certas regiões. No entanto, o olhar
engatinhava no processo de industrialização. A melhoria histórico mostra que a cafeicultura tem enorme
do projeto urbano de cidades como o Rio de Janeiro e São capacidade de regeneração, sendo que é difícil prever
Paulo entre os anos 1900 e 1920 seria feito, em grande como será o futuro da atividade no país. Certamente este
parte, com o dinheiro dos barões do café e com dependerá a capacidade de mecanização das lavouras
empréstimos internacionais. Se a então capital do país reduzindo a dependência de mão-de-obra e a adoção de
conhecera um audacioso projeto de urbanização durante novas formas de comercialização que garantam aos
o governo de Rodrigues Alves (1902-1906), seria a cidade produtores mais autonomia de preços. O futuro dirá.
de São Paulo que mais se beneficiaria com a cafeicultura. .
Muitos dos ricos produtores do oeste paulista e sul de
Minas passaram a morar na cidade, como forma de
facilitar a comercialização do produto que era feito
principalmente no porto de Santos. Os barões do café
levaram enormes quantias para a cidade, favorecendo a
construção de ferrovias, praças, casarões e muitos outros
elementos que viriam caracterizar a cidade. Além do mais,
com a cafeicultura paulista chegariam muitos imigrantes
para o trabalho nas lavouras o que não foi sem
importância para que a cidade tivesse os traços que possui
ainda nos dias de hoje.
O fim da antiga república e a ascensão de Getúlio Vargas
ao poder em 1930 colocaria um fim ao domínio dos
cafeicultores na política nacional. O café também perderia
importância econômica, sendo que, com o Estado novo,
forma como ficaria conhecido o governo Vargas a partir da
Constituição de 1937, o acento econômico seria posto na
industrialização. No entanto, a cafeicultura persistiria,
entrando em uma terceira fase da expansão das lavouras
desta vez no norte do Estado do Paraná, onde a produção
Mineiro de Muzambinho, Pedro
seria feita em pequenas propriedades. A cafeicultura no
Henrique Abreu é formado em
Paraná, apesar de ter conhecido relativo sucesso na agronomia pela UFLA, com
década de 1960, seria desmotivada pelas geadas que desenvolvimento de pesquisa na
devastariam as plantações. Nottingham University, Inglaterra, e
especialização em Relações
Internacionais e direito
internacional. Transita entre História,
relações internacionais, teologia e
filosofia.
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Vox patroni dando voz aos que nos precederam

ALCEU, AO CÉU
D. Marcos Barbosa OSB, 1983

N
ão celebramos a Eucaristia que ainda jaz entre nós, não
em honra dos mortos, mas proclamaremos os nomes das
de Jesus Cristo, que disse famílias a que pertenceu, nem o
expressamente: "Fazei isto em pseudônimo literário que ele
minha memória...". Mas a cobriu de honra, nem os seus
celebramos, isto sim, em sufrágio, pontos altos de pensador e líder
em auxílio dos que morrem; para católico. Queremos recordar
que se vejam o quanto antes simplesmente Alceu, que se nutriu
purificados das impurezas que aqui na tera com o pão da Vida
ainda levam da terra, e que os Eterna.
impedem, como a ganga ao O menino, cujos cabelos Machado
diamante, de serem logo invadidos de Assis acariciava entre as grades
pela plenitude da luz divina. Mas a do jardim ao passar pela Casa Azul
Eucaristia - que significa ação de da rua das Laranjeiras.
graças, e que é antes de tudo Tinha tudo para ser feliz: pais
Memorial do Sernhor, se não abastados e extremosos, um
sugere o elogio dos mortos, pode jardim na frente eum pomar atrás,
dar lugar aos nossos louvores um regato, uma galinha de
agradecidos, pelas grandezas que pintos...
Deus tenha operado na humildade A esse cromo veio juntar-se a
dos seus servos. Sobretudo quando Primeira Comunhão um pouco
a vida de um deles realizou uma folclórica em Sião de Petrópolis,
parábola perfeita, que pode Mas na qual Jesus deve ter
transformar-se, quase, numa acariciado, como o insigne
parábola evangélica. romancista ao passar, os cabelos
Ontem, no Dia dos Pais, Alceu do menino triste.
Amoroso Lima, que o foi para Pois era um menino triste, que
tantos, segundo a carne e segundo dizia consigo mesmo, que
o espírito, entregava ao Pai Nosso prometia a si mesmo: "Quando
a sua vida. Em Petrópolis, sua ficar grande vou protestar contra
bem-amada cidade, num hospital essa balela de que as crianças é
com um nome duas vezes querido, que são felizes!"
à hora, justamente à hora do Ah, como sofrem as crianças!
Angelus, que já era liturgicamente Confidenciava-nos mais tarde
Festa da Assunção de Maria, Alceu Amoroso Lima, em Primeiros
quinquagésimo quinto aniversário Estudos e Idade, Sexo e Tempo,
de sua conversão, selada pela sua segunda Primeira quando o menino triste já se tornara Tristão de Athayde...
Comunhão, que ele considerava a verdadeira. A essa hora Sofrem as crianças por motivos que só a nós, adultos,
do Angelus, ao anoitecer no Dia do Senhor, nos braços de parecem ridículos,
sua filha Abadessa, transpôs Alceu Amoroso Lima o que a e sofrem então de um modo absoluto, ainda que por
mulher de Léon Bloy chamou "La Porte des Humbles", a breves instantes,
Porta dos Humildes, que coincidiu, para ele, com a porque não sabem, como a gente grande, que o
Assunção de Maria, Janua Coeli, Porta Azul do Céu, que sofrimento passa...
nos abre o caminho. Mas será necessariamente feliz a mocidade?
Porta dos Humildes. Ouvi certa vez que um grande de O moço rico, que já atravessara o Equador como menino
Espanha, quando pretendia transpô-la após a morte, ouviu e julgara ler o nome da distante Babá num dos letreiros de
de dentro a voz que perguntava: "Quem bate?" Declinou Paris,
ele todos os seus nomes e títulos de nobreza e seus está agora sentado à mesa de um hotel da portentosa
esplêndidos feitos, e teve apenas como resposta: "Não te Veneza.
conheço!" Confuso e perplexo, bate de novo e ouve de E Jesus, que já o acariciara em criança, o viu e o amou
novo: "Não te conheço!" Pela terceira vez, cheio de aflição como ao moço rico do Evangelho...
ousa bater ainda; e, à voz que Ihe pergunta quem é, E acendeu-lhe no coração aquela mesma pergunta
responde apenas, tremendo, o seu nome de batismo, o seu que se fizeram Jacques e Raissa Maritain no Jardim das
singelo nome de cristāo e filho de Deus. E o seu nome de Plantas de Paris;
cristão e filho de Deus sabre-lhe a Porta do Céu, a Porta do ou o jovem Inácio, ferido como Jacó, ao lutar com o Anjo,
Pai. Também nós agora, encomendando a Deus aquele num Castelo de Espanha;
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ou o jovem Bento na corrupta Roma, antes de partir para quando o Mestre vem caminhando ao nosso encontro:
Subiaco; ou o moço rico de Assis antes de beijar o leproso: "Não tenhais medo; sou Eu!"
"De que vale o homem ganhar o mundo inteiro, se perde a E assim pôde realizar a velhice generosa, de que fala Olavo
sua alma?" Bilac em célebre soneto:
A pergunda, é verdade, não assumia ainda esta forma, mas
"Não choremos jamais a mocidade!
a do Eclesiastes, tão presente em Machado de Assis:
Envelheçamos rindo, envelheçamos
"Vanitas vanitatum!" Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!
como as árvores fortes envelhecem,
E o jovem brasileiro faz, como Jacques e Raissa Maritain,
que ainda não conhece, não um pacto, mas um voto de
suicídio caso não encontre também um sentido para a na glória da alegria e da bondade
vida e o segredo da felicidade absoluta e eterna. agasalhando os pássaros nos ramos
Devorará a Esfinge o jovem peregrino? Não: é ele que vai dando sombra e consolo aos que padecem!"
devorar o Mistério...
Dir-se-ia que ele cumpriu também
O jovem rico continua a viver quand même, embalado
um pequeno poema que traduzi
pela belle époque. do inglês e cujo autor ignoro:
Mas o conforta, em seu Paraíso Perdido, o não estar mais
sozinho: caminha a seu lado frágil Mulher Forte, que ele "Conta no teu jardim flores e frutos,
afirmava aos quarenta anos de casamento, ter sido quem o mas não conte as folhas que
chamava à realidade, quem fazia o já famoso crítico tombaram.]
literário, sempre de pena na mão, colocar os pés na terra. Conta os teus dias pelas horas de
pois é antes na humildade da terra ("ganharás o pão com o ouro,]
suor do teu rosto!") que se encontra Aquele que o criou. não pelas que falharam.
E veio então o encontro com o amigo, por enquanto com a Pelas estrelas conta a noite. E
minúsculo. a vida,]
Que em breve desapareceria para sempre nas águas do pelos triunfos, não pelos perigos,
oceano. não contes tua idade pelos anos,
Jackson de Figueiredo tornara-se um pescador de homens. mas sim pelos amigos."
E aquele que já ouvira a palavra de Léon Bloy: "Só há uma
tristeza: não ser santo!" Entre estes se encontravam o grande
Se convence também do pensamento que Pascal pôs nos Georges Bernanos, um instante pou-
lábios de Cristo: "Tu não me procurarias, se já não me sado em Itaipava, e que foi visitar um
houvesse encontrado!" dia. com seu jovem secretário, levando
E na glória de um quinze de agosto, na Capela de Nossa doce e manteiga.
Senhora das Vitórias, em Santo Inácio, dá-se o encontro Georges Bernanos escreveria mais tar-
corpo a Corpo do homem com seu Deus, que se tornam de que, ao morrer, o menino que ele
uma só carne, e um só coração, e uma só alma. fora é que tomaria o comando
Recebe das mãos do Padre Leonel Franca sua segunda de todos os anos que
Primeira Comunhão. vivesse, para entrar à
"E preciso que eu diminua e que ele cresça!'" sugere-lhe frente deles, como
João Batista, seu nome como oblato beneditino. um jovem capitão,
"Já não vivo eu, mas vive o Cristo em mim!" sopra-lhe o no Reino dos Céus...
Doutor das Nações, cujo nome quis colocar num de seus Também Tristão de
filhos... Athayde traz nos
Como antes, em companhia da mulher, já oferecera a braços, velho
Deus, na Igreja da Glória, a Lia, que se tornaria Raquel, Simeão, o menino
esposa de Cristo sob o nome de Teresa, e que, ao contrário Alceu, comos os
da filha de Jefté, não foi chorar com as amigas a sua baixos-relevos das
virgindade, mas celebrá-la cantando com as monjas de catedrais góticas,
Escolástica. onde Maria, morta
Cessaram para o Peregrino do Absoluto ("é andando que ou adormecida, oferece a Deus uma miniatura de si
se faz o caminho") as tentativas de itinerário. Estava mesma.
descoberto não só o Caminho, mas a Verdade e a Vida. O menino outrora triste, que começou a devorar a Esfinge
E o Pão da Vida, que o fazia ir e vir cada manhā, ao receber pela segunda vez o Corpo de Cristo na festa da
surpreendendo o poeta Augusto Frederico Schmidt. Assunção da Virgem, na Capela de Nossa Senhora das
Descobrira o pāo quotidiano, dado pelo Pai, que sacia a Vitórias, se oferece e é oferecido por nós.
fome de cada dia, abrindo mais ainda, agora em Chegou para ele o momento de entrar num Templo não
esperança, a fome do Absoluto. feito pela mão dos homens, mas na Casa Azul que o
O moço rico e o menino triste haviam descoberto, com Apocalipse em vão procura descrever.
Tristão de Athayde, que ldade, Sexo e Tempo encontram É a terceira grande Comunhão de sua vida, agora eterna.
resposta não no Homem Moderno, mas no Eterno, Alceu disse adeus em artigos a muitos que ele chamou
de que tanto lhe falaram Chesterton e Newman. Companheiros de viagem, seis dos quais nascidos no
O homem, agora de parcos cabelos cingidos pelo louro das mesmo ano que ele.
Letras, Hoje nós, que ficamos no vale de lágrimas, é que nos
caminha os passos seguros da plena maturidade em despedimos dele, dizendo-lhe, no seu sentido mais forte, o
Cristo. adeus em duas palavras: A Deus!
A velhice não o aflige e o torna para sempre jovem e E dizemos ao menino que encontrou o segredo da
menino. felicidade: Ao Céu, Alceu!
Nem a morte da metade de sua alma, que o fere
profundamente, consegue derrubá-lo, pois descobre "a
presença na ausência" no mistério da saudade e da fé; Ele,
D. Marcos Barbosa (1915-
que afirmara que não há idade ideal, descobre que a
1997), monge beneditino,
velhice é a vida em ascensão, pois a vida humana não é
poeta, dramaturgo e
montanha terminando em descida e abismo, nem as
imortal da Academia
quatro estações do ano terminando em inverno, mas a
Brasileira de Letras,
quarta vigília da noite bíblica que precede o amanhecer,
proferiu essas palavras na
missa exequial de Alceu
Amoroso Lima em agosto
de 1983.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 11

À procura do salário justo


O capitalismo é acima de tudo um sistema econômi-
co salarial. Nele, o mundo do trabalho se organiza,
grosso modo, da seguinte maneira: de um lado, há
os patrões, donos das empresas; de outro, há os empregados,
que vendem aos patrões a sua força de trabalho - e em troca
recebem salário.
O assalariamento, é verdade, não surgiu com o capitalismo.
Antes dele, porém, esta jamais foi a relação social
dominante. Na Grécia e na Roma antigas, a grande maioria
dos trabalhadores eram escravos. Na Idade Média, quase
todos eram servos. Assim, também no regime capitalista,
nem todas as pessoas se enquadram na divisão patrão-
empregado. Basta pensar no trabalhador autônomo, que
trabalha sozinho, ou nos sócios de uma cooperativa. A lógica
salarial, porém, é aquela que, de longe, domina o atual
modelo econômico.
Levanta-se, então, uma questão moral bem concreta: existe
salário justo? É possível uma relação patrão-empregado que
seja digna? Ou será que esta relação, como dizem os
marxistas, é necessariamente exploratória, um roubo da
riqueza produzida pela classe trabalhadora? Eis o que
abordaremos neste artigo, sempre sob o prisma da Doutrina
Social da Igreja.
***
Para os liberais econômicos, a relação salarial é algo
maravilhoso. Os escravos e servos eram obrigados a trabalhar.
Já o trabalhador moderno ingressa livremente na firma na
qual está empregado e, tão logo fique insatisfeito, pode
pedir demissão. A única condição, portanto, para que o
salário seja justo é que ele seja livre: acordado sem coação
entre patrão e empregado.
Os socialistas têm uma visão oposta. Para eles, a toda riqueza
produzida vem do esforço e do suor da classe trabalhadora.
Logo, todo o lucro obtido pelas empresas deveria pertencer
aos trabalhadores. Aquela parte do lucro que o patrão toma
para si – o que Marx chamava de mais-valia – é, na verdade
um roubo, e o salário, portanto, é sempre injusto, pois não faz
jus ao esforço do trabalhador.
A Doutrina Social da Igreja possui uma visão superior, nem
liberal nem socialista.
Para a DSI, é perfeitamente justo que o patrão ganhe parte
do lucro de sua empresa. Afinal, ele investiu seu dinheiro no
negócio e assumiu os ricos da competição no mercado. Além
do mais, nas pequenas e médias empresas, o empresário é
ele próprio um trabalhador. Por outro lado, ensina também a
Igreja, é absurdo julgar que basta um contrato de salário ser
feito sem coação para que ele seja justo, como se não
houvesse outras questões a considerar.
“Façam o patrão e o operário todas as convenções que lhes O primeiro critério é o mais importante. O trabalho
aprouver, cheguem, inclusive, a combinar a cifra do salário” – humano não é uma simples mercadoria, cujo preço pode
adverte Leão XIII na carta encíclica Rerum Novarum – “Acima ser definido apenas pela lei da oferta e da procura.
da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais Diferente de um produto qualquer, o trabalhador é uma.
elevada e mais antiga: que o salário não deve ser insuficiente pessoa e o seu salário é a garantia da sua sobrevivência. Os
para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado”. pagamentos aos empregados, portanto, podem e devem
Mais: “Se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo variar, conforme a função e a aptidão de cada um, mas um
receio dum mal maior, o funcionário aceita condições duras mínimo tem de ser garantido a todos, sem distinção: o
que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque chamado salário vital, isto é, um valor que garanta o
lhe são impostas pelo pelo patrão ou por quem faz oferta do básico de qualidade de vida para o funcionário e todos os
trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a seus dependentes.
justiça protesta!" “Deve-se procurar-se com toda força” – diz Pio XI - que os
“Entre os principais deveres do patrão, é necessário colocar, pais de família recebam uma paga suficiente para cobrir
em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que as despesas ordinárias da casa. E se as atuais condições
convém”, diz também a Rerum Novarum, e observa: não permitem que isto se possa sempre efetuar, exige,
“Certamente, para fixar a justa medida do salário, há contudo, a justiça social que se introduzam o quanto
numerosos pontos de vista a considerar.” Estes diferentes antes as necessárias reformas, para que possa assegurar-se
pontos de vista para o salário justo são detalhados pela Papa tal salário a todo o operário adulto.” Obviamente, essas
Pio XI em Quadragesimo Anno. Trata-se de três fatores: o reformas devem ser feitas com bom senso. E é aí que
sustento do trabalhador e de sua família, a situação da entram os outros fatores elencados pela DSI.
empresa e as exigências do bem comum. Não adianta, por exemplo, aumentar os pagamentos sem
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 12

levar em conta o seu impacto na vida das empresas.


Muitos negócios simplesmente iriam à falência. Da mesma
forma, é preciso ter em conta o bem comum do país. Não
se pode aumentar os pagamentos de improviso, sob pena
de se elevar o desemprego ou arruinar a produção
nacional. O salário vital para o trabalhador e sua família há
de ser, porém, sempre a regra máxima e o ideal a ser
perseguido:
“A justiça social exige que, quanto seja possível, se
regulem os salários de tal modo que o maior número de
operários possa encontrar trabalho e ganhar o necessário
para o sustento da vida" [Quadragesimo Anno]. Nesse
sentido, a Doutrina Social da Igreja apoia todas aquelas
medidas que promovem o salário vital, como os acordos
coletivos de trabalho feitos entre sindicatos e patrões, ou a
política de valorização do salário-mínimo, em que o
Estado estabelece um piso salarial – piso que pode ser
nacional, unificado, ou segmentado, conforme a profissão
e a região do país. Outra medida importante é o salário-
família, que garante um pequeno bônus no pagamento
para cada filho que o funcionário tem.
Infelizmente, porém, mesmo com essas medidas, continua
bastante difícil, na prática, garantir o salário justo. Isto
porque a relação entre patrão e empregado é por natureza
bastante desigual: é muito mais fácil o empresário achar
outro funcionário do que o trabalhar conseguir outro
emprego. Assim, sempre haverá uma boa margem de
manobra para patrões inescrupulosos.
Em suma, o regime salarial, ainda que não seja em si
mesmo injusto, frequentemente dá espaço para a
injustiça. Por isso, diz Pio XI em Quadragesimo Anno, “nas
presentes condições sociais, é preferível, onde se possa,
mitigar os contratos de trabalho, combinando-os com os
de sociedade, como já se começou a fazer de diversos
modos, com não pequena vantagem dos operários e dos
patrões. Desse modo, operários e empregados são
considerados sócios na propriedade ou na gerência, ou
compartilham os lucros”.
Contra as limitações do capitalismo e do regime de
salários, mas sem cair na direção de uma economia
socialista, controlada pelo Estado, a Doutrina Social da
Igreja sempre defendeu o valor das empresas
comunitárias, nas quais os trabalhadores, mais do que
simples assalariados, recebem percentuais dos lucros e
participam da direção dos negócios. “Deve-se tender
.
sempre para que a empresa se torne uma comunidade de
pessoas, nas relações, nas funções e na situação de todo o
seu pessoal” [Mater et Magistra].

Graduado e mestre em Filosofia


pela UERJ, Pedro Ribeiro é fundador
e presidente da Comunhão
Popular.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 13

LÍNGUAS MORTAS E VIVAS

P ode ser uma surpresa para as pessoas - ou, muito


provavelmente, não é algo que tenham pensado -
que, tal como temos pais e herdamos as suas
características, o mesmo acontece com as palavras que
casamento misto, eles ainda teriam uma variedade das
primeiras línguas, mas é um erro associar uma nação
insular ao isolamento: o comércio continuou com nossos
vizinhos próximos no continente, na Escandinávia, no
usamos diariamente, e não apenas com as palavras, mas Mediterrâneo, na África e ainda mais longe. Havia a
também com as línguas de que fazem parte. necessidade de comunicar. Se não tivessem conseguido,
“E daí?”, você poderia se perguntar, “isso não tem nada a não teriam sobrevivido.
ver comigo”. Bem, talvez sim, mas logo que surge a A invasão seguinte veio dos saxões, jutas e outros (tribos
necessidade de aprender outra língua – necessidade talvez germânicas da Alemanha, Holanda, Dinamarca e
causada por uma mudança para o exterior ou uma Escandinávia) em um enorme movimento de pessoas, por
mudança de emprego, ou mesmo pela necessidade de volta de 450 d.C. Muitos dos nossos celtas retiraram-se
interagir com colegas ou amigos de outros países, a para o País de Gales e para outros pontos da Grã-Bretanha
necessidade de interpretar tanto a sua língua quanto a e levaram consigo as suas línguas. Assim se desenvolveu o
deles se torna urgente. que hoje chamamos de anglo-saxão ou inglês antigo – não
Na Grã-Bretanha, tenho de admitir, não há grandes da noite para o dia, mas quando passamos para as
incentivos para se aprender línguas estrangeiras, dado ser invasões vikings (a partir de 800 d.C.), a mistura de línguas
o inglês falado amplamente no mundo – por mais se estabeleceu solidamente: temos literatura dos
imprudente que isso seja, por vezes. O mesmo se dizia mosteiros e obras como Beowulf (séculos VIII a XI)
do francês, porque era a língua diplomática – mas, nos dialetos saxões ocidentais.
exceto nas suas antigas colônias, o inglês (muitas Conjectura-se que, se o inglês antigo não
vezes, infelizmente, na sua forma americana) ul- tivesse passado pelo que estava prestes a
trapassou-o em uso em todo o mundo, pelo acontecer, o inglês e o holandês poderiam
menos como uma espécie de língua fran- ter acabado por ser bastante próximos.
ca. No entanto, na escola, os alunos Mas isso não aconteceu por causa da
aprendem francês, às vezes Invasão Normanda em 1066 – a Batalha
alemão e, muitas ve- de Hastings. O detalhe histórico pode
zes, espanhol. Nos esperar por outro tempo, mas efetiva-
meus dias de es- mente o antigo domínio anglo-saxão
cola, que se de- com seu reino terminou e nos
ram há algum tempo, mudamos de Haroldo para
também nos ensinavam latim e, por vezes, grego Guilherme, o Conquistador. Os
antigo. Eu amava o primeiro e detestava o segundo. normandos eram, na verdade,
Dos dois o latim foi de longe o mais útil para mim. guerreiros de origem viking. Eram
Todas essas línguas românicas, termo dado às lín- um grupo poderoso, que viajava,
guas que se desenvolveram em grande parte a conquistava e assimilava-se nas suas
partir do latim vulgar: francês, espanhol, italiano, novas terras. Normandia e Inglaterra eram
português e romeno e todos os seus vários dialetos duas faces da mesma moeda até que o rei
e derivados, são bastante semelhantes em compo- João “perdeu” a Normandia no século XIII e
sição e gramática, algumas com uma alta inteligi- a Inglaterra se tornou autônoma de uma for-
bilidade entre os falantes, outras nem tanto. O ma que não tinha sido até então.
espanhol e o português são próximos e mutuamen- A língua oficial imposta pelos normandos era
te inteligíveis, provavelmente mais na América do Sul o francês normando. Essa era a língua do
do que na Europa, mas o francês e o português, por conquistador. O anglo-saxão era para os
exemplo, não são, embora uma grande parte do seu conquistados, e quem desejava uma vida fácil
vocabulário seja semelhante. A pronúncia, a gramática, aprendia esta nova língua rapidamente. Os
a ortografia e as influências de outras línguas ao longo mosteiros e a Igreja (católica na época, claro:
do tempo aumentam consideravelmente as diferenças e não havia outras Igrejas) foram tomadas, mas
só uma vez “decodificadas” pelo uso e familiaridade, se ao mesmo tempo, após a destruição viking
pode perceber que estão realmente ligadas. dos séculos anteriores, havia muito a
O inglês não é derivado do latim vulgar, a língua que os reconstruir e Guilherme (que estava longe de
soldados romanos falavam e deixavam por onde pas- ser um pagão sem Deus) ficou chocado com
savam. E o latim de Cícero e César variava enormemen- o estado da Igreja e da nação.
te da língua vulgar da plebe. Cícero, de fato, reclamou Mas isto não é uma aula de história, estávamos
que às vezes tinha muita dificuldade em entender as a falar de línguas. Não demorou para que o inglês
pessoas comuns, mas não imagino que ele passasse mui- (agora inglês médio) no século XIV se estabele-
to tempo tentando. O inglês deriva de raízes germânicas cesse na literatura. O autor mais famoso desta
e, antes disso, de línguas celtas (algumas ainda faladas época é Geoffrey Chaucer (1343-1400), famoso,
na Irlanda, Escócia e País de Gales – não mutuamente entre outras obras, por The Canterbury Tales,
inteligíveis, mas com uma raiz comum). uma animada e divertida coletânea de contos de
A Inglaterra foi invadida pelos romanos em 43 d.C. e peregrinos e suas vidas e aventuras. Para o falante do
ficaram conosco por três séculos e meio, saindo no século inglês moderno é preciso algum esforço para ler a obra no
V. Mas os nativos geralmente não falavam latim. Com o original, que ainda assim é consistente em sua gramática
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 14

simplificada e com vocabulário fortemente influenciado Jean-François Champollion, o decifrador dos hieroglifos
pelo francês (O inglês moderno atribui cerca de 45% do
seu vocabulário ao francês).
Por esta altura, já se tinham passado três séculos e meio
desde Hastings. O suficiente para estabelecer um governo
estável e uma dinastia, para que as classes se
estabelecessem e o conceito de conquista por estrangeiros
tivesse recuado. A sociedade tinha mudado e a linguagem
também. As invasões haviam cessado. Este foi também o
início da imprensa e o efeito disso em todos os países foi
considerável. A Igreja, como sempre antes da Reforma, foi
poderosa, universal e influente.
O resto (para o inglês) é história, como se costuma dizer.
Com as explorações do século XVI em diante, as guerras e
o Império, o inglês moderno se espalhou rapidamente.
O título menciona línguas mortas: latim, grego antigo,
sânscrito e hebraico vêm à mente como exemplos. A pedra
de Roseta foi a chave para resolver os hieróglifos egípcios
antigos que intrigaram o homem por milhares de anos, até
que esta pedra foi encontrada no final do século XVIII e
então – porque tinha sido traduzida para o grego antigo na
época de Ptolomeu V (204-181 a.C.) – sua escrita demótica
(cotidiana) e os hieróglifos puderam ser finalmente
decodificados. Napoleão encontrou a pedra, que foi
decifrado graças ao trabalho de Thomas Young e Jean-
François Champollion no século XIX. Reside agora no
Museu Britânico, em Londres.
Tanto a língua copta como a grega estavam “mortas”.
Grande parte das escrituras sagradas está em línguas
mortas, mas podemos saber com certeza como se
escreviam e o que significaram. Hindus, budistas e outros
adeptos de textos antigos leem diariamente exatamente o
que seus autores pretendiam que fosse lido. Os judeus
ortodoxos usam o hebraico e seus estudiosos as línguas
mortas. A nossa erudição católica, bem como a liturgia,
durante séculos, teve igualmente os seus sacramentos, a óbvio que a maioria das línguas europeias e indianas, do
missa e os ofícios na língua latina até à década de 1970 e, extremo oriente e algumas outras, tinham palavras com
ao contrário da propaganda de que isso era inevitável, não origem comum, embora agora tão variadas que são, pelo
houve intenção por parte do Concílio Vaticano II de a menos em suas extremidades, totalmente ininteligíveis. As
abolir: apenas de permitir uma maior abertura ao minhas competências linguísticas são o inglês, o latim e as
vernáculo (Cf. Sacrosanctum Concilium). Toda esta questão línguas de base latina, pelo que, como linguista, sou um
tornou-se muito controversa, mesmo nos dias de hoje. pouco uma fraude. Se tivesse tempo, viveria para me
Nós, na compreensão quotidiana das nossas línguas familiarizar com o lituano – considerado o mais próximo
modernas, não precisamos ir mais longe do que o latim do PIE –, com a gramática mais obstruída e casos há muito
vulgar que mencionei acima. Mas há um tataravô das esquecidos, herdados do proto-balto-eslavo. Quanto às
línguas (não todas, mas de um número considerável) que é línguas indianas, isso é outra história, mas todas elas têm
o protoindo-europeu (PIE). Reunidas a partir de esse parente distante. Mas não todas. Mesmo na Europa
fragmentos no século XVIII por estudiosos, tornou-se muito existem línguas “isoladas” que parecem não ter origem
comum. Tal seria o basco, que antecede o latim. Vá para
as Américas, Indonésia e o Novo Mundo e há muitas mais.
Como não é prático traduzir um artigo do inglês para o
português, vou parar por aqui, pois exemplos não “viajam”,
neste caso. Mas uma das formas mais simples de
comparar as ligações entre línguas é contar de uma a dez.
Russo, latim, línguas PIE. Você tem que muitas vezes
ultrapassar a ortografia e olhar para as raízes. Como
pensamento final, no norte e em algumas outras áreas
remotas da Inglaterra, alguns agricultores ainda usam um
antigo sistema de rimas (“Yan, tan, tethera”) para contar
ovelhas. É muito parecido com o galês (que não é falado
na Inglaterra), mas acontece que é muito próximo do
britônico. Tais oradores remontam à idade do ferro.
Não posso falar em nome das ovelhas, mas elas não
podem queixar-se de falta de coerência. As línguas têm
raízes muito profundas e longas.

Britânico, servidor público


aposentado, Jeremy Boot dedica-se
à consultoria privada a respeito das
Manuscrito do séc. leis do trabalho no meio rural.
XI do poema épico Também organiza e canta em
Beowulf, escrito em missas celebradas em rito
tradicional, além de ser um
língua anglo-saxã apreciador de histórias de detetive.
por volta do séc. VIII Ocasionalmente, escreve para
periodicos no Reino Unido e em
outros países.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 15

Dossiê

Um ano jubilar
Entrevista com o prof. Leandro Garcia Rodrigues

N este ano em que se recorda os 130


anos do nascimento e 40 de morte
de Alceu Amoroso Lima, Scena Crí-
tica foi em busca de um dos mais
autorizados especialistas na obra de
dente em Alagoas, pois é comum que
nesses editais de celebrações de estado ou
de município que o candidato seja
obrigatoriamente domiciliado
respectivo estado. No entanto, não havia
no
No período de pesquisa tive que me
desdobrar em três lugares: em Petrópolis,
no arquivo do Dr. Alceu onde estão as
cartas do Jorge Lima para o Alceu; no Rio
de Janeiro, onde estão as cartas do Alceu
Tristão de Athayde na atualidade. Doutor nenhuma cláusula no edital em questão. para o Jorge Lima, na Fundação Casa de
em Letras pela PUC-Rio, professor de Então, eu apliquei para o edital de Rui Barbosa e também no arquivo do
Teoria da Literatura e Literatura fomento à literatura com a proposta de Jorge Lima no Instituto Histórico de
Comparada da Faculdade de Letras da organizar a correspondência inédita entre Alagoas, do qual ele participou e foi
UFMG e editor da centenária revista A Alceu Amoroso Lima e Jorge de Lima. membro, além da Academia Alagoana de
Ordem, o professor Leandro Garcia Eu creio que o principal e maior nome da Letras, da qual ele foi um dos fundadores.
Rodrigues publicou há pouco um denso poesia alagoana é Jorge de Lima, e foi com O ano de 2018 foi para fazer o
volume contendo a troca de quem o Dr. Alceu trocou a maior parcela levantamento. Em 2019 eu comecei, então,
correspondências entre Alceu e o poeta das suas correspondências em vida. Isso eu a fazer a transcrição das cartas, ou seja, eu
alagoano Jorge de Lima. Numa conversa já sabia por conhecer bem o arquivo dele deixei 2019 para transcrever tudo o que o
descontraída, ele nos insere em na casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro e Jorge de Lima havia enviado para o Alceu
importantes aspectos da presença de o arquivo do Dr. Alceu em Petrópolis. e que estava no arquivo dele em
Alceu em nossa história literária. A aprovação do projeto saiu no início de Petrópolis. E quando eu falo transcrever, é
2018, quando comecei a fazer a pesquisa. transcrever mesmo, pois esses
Então 2018 e 2019 foram basicamente para documentos estão todos manuscritos e
Scena Crítica: Como o senhor levantar a documentação. Eu precisava alguns datilografados. O trabalho consistia
compreende 2023 no contexto da saber o que havia nessas realmente em tomar o documento original
literatura nacional? correspondências, o quantitativo certo de na esquerda, o meu notebook no meio e
cartas, não só, mas também de outros ficar encarando-o, digitando e
textos, como poemas inéditos, fotografias, transcrevendo.
Leandro Garcia: O ano de 1893 na
crônicas, textos de imprensa, pois a
literatura brasileira é singular, porque é o
correspondência não é apenas a troca SC: Fale um pouco da figura de Alceu
ano em que nascem algumas figuras
epistolar, ou seja, a troca de missivas. A Amoroso Lima como crítico literário.
importantíssimas, como, Alceu Amoroso
correspondência é uma troca de afetos.
Lima, Jorge de Lima, Mário de Andrade,
padre Leonel Franca, fundador da PUC-Rio, Leandro Garcia: O Alceu começa com a
E nessa linha de “troca de afetos” pode crítica literária em 1919. Note-se que é um
Ronald de Carvalho...
haver várias outras tipologias textuais que pouco anterior ao modernismo de 1922.
Percebe-se, assim, que 1893 é um ano em
não apenas a carta. Ele fez um reconhecimento único na
que nascem cinco grandes nomes da
tradição literária brasileira. literatura brasileira que foi o
Dessa forma, 2023 marca a comemoração reconhecimento de Lima Barreto, o autor
dos 130 de nascimento e 40 anos da de O triste fim de Policarpo Quaresma.
memória da Páscoa de Alceu Amoroso Lima Barreto em vida reclamava ser vítima
Lima, falecido em 1983 e, no caso do Jorge do que se chamava “conspiração do
de Lima, os 130 de nascimento e 70 de silêncio”. A conspiração do silêncio
morte, pois ele faleceu em 1953. consistia em não ser nem elogiado nem
Portanto, eu creio que, certamente, 2023 é criticado pela crítica literária, em síntese
um ano jubilar no contexto da literatura não ser mencionado.
nacional. Ainda em 1919, o Alceu publica um texto
intitulado “Um discípulo de Machado”, que
SC: O senhor recentemente lançou as finalmente irá valorizar, finalmente, o valor
correspondências inéditas entre Alceu e literário de Lima Barreto alçando-o a
linhagem de Machado de Assis, isso ainda
Jorge de Lima. Como foi o processo de
pesquisa?

Leandro Garcia: Em 2017, participei das


comemorações dos 200 anos de Alagoas, e
nesta ocasião foram lançados uma série de
editais de fomento à cultura. Havia editais
para cinema, artes plásticas, teatro,
música, e também um edital para
literatura, ou seja, para produção literária.
Inicialmente fiquei um tanto receoso de
participar, porque era apenas uma vaga
para cada categoria, além de não ser resi-
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 16

três anos antes do modernismo. contexto em que a cultura religiosa era SC: Por que um recém converso foi
Em fevereiro de 1922 ocorre a Semana de muito presente na formação dos considerado o nome ideal para o
Arte Moderna de São Paulo, e o Alceu indivíduos. Cardeal Leme elegê-lo com líder do
toma ciência do acontecimento, ainda que O que ocorreu com o Alceu, que vindo de laicato após Jackson de Figueiredo?
não tenha havido repercussão no Rio de uma família abastada, é que recebeu parte
Janeiro, exceto por um release de 5 linhas de sua formação no Colégio Pedro II, onde Leandro Garcia: Parece que era natural.
em uma pequena revista popularesca boa parte da elite frequentava, e neste Com a morte de Jackson de Figueiredo em
chamada “Para todos”, que a chamou de momento do início do século XX o colégio 1928, o Alceu aparecia como o único com
Semana Futurista. era um grande centro de irradiação do as capacidades de articulação no campo
O Alceu já reconhecia que o que havia positivismo, pelo qual o Alceu foi muito da cultura e da vida social para
acontecido em São Paulo marcava um influenciado nesse período. desempenhar a árdua tarefa de conduzir o
divisor de águas na modernidade literária Já na década de 1920 ele inicia sua laicato nacional. Isto ele fez no Centro
brasileira. Então, a partir deste momento, correspondência com Jackson de Dom Vital, que nesse período reunia filiais
ele irá mapear o contexto literário Figueiredo e, ainda que, curiosamente, por todo o Brasil, chegando mesmo a
brasileiro, mantendo correspondências tenham se encontrado pouquíssimas reunir intelectuais que a priori eram
com os maiores expoentes da literatura vezes, foi ele o tutor da reconversão do absolutamente hostis à religião, como foi o
naquele momento em todas as regiões do Alceu que culminará em 1929. caso de Mario de Andrade, por muitos
país. É preciso distinguir pelo menos três fases anos sócio e frequentador ativo das
Nessa época o Alceu escrevia para três do pensamento religioso de Alceu reuniões no Centro Dom Vital, além de
revistas especializadas, além de jornais de Amoroso Lima. O primeiro, que é uma fase colaborador esporádico da revista A
grande circulação no Rio de Janeiro, mais influenciada por Jackson de Ordem.
recordando que tratava-se de um Rio de Figueiredo, é o de uma catolicismo mais Creio que a função mais importante no
Janeiro ainda capital federal, onde toda ultramontano e apologética que se contexto do laicato era a liderança da
efervescência cultural tinha lugar, onde estende desde a sua conversão até Ação Católica, e creio que a experiência do
praticamente todas as instituições meados dos anos de 1940, quando Alceu Alceu no contexto da universidade
relevantes para a cultura estavam começa a ter contato com o humanismo proporcionou uma dinâmica toda nova e
presentes.Por isso, me atrevo a dizer que o de Jacques Maritain, que definitivamente muito eficiente para o movimento. O
Alceu é o crítico literário de maior lhe será paradoxal, além da morte de Dom Alceu comandava as associações ligadas à
importância no período do modernismo, Sebastião Leme em 1942 que concede Ação Católica como se comanda uma
pois ele mapeou o cenário literário certa liberdade de consciência a ele para universidade, lembrando que neste
brasileiro de modo a divulgar mais especular mais no campo da consciência período ele era reitor da Universidade do
efetivamente esses novos nomes. religiosa na vida social.Outro nome que Distrito Federal. As associações eram para
pode ser citado neste período é o do ele como que os vários departamentos de
SC: Como o senhor enxerga o processo monge trapista Thomas Merton, com uma universidade com particularidades,
de conversão dele? quem Alceu manteve intensa hierarquia e áreas afins no saber, o que
correspondência, e com quem ele teve os dinamizou muitíssimo o funcionamento
Leandro Garcia: O correto a falar seria primeiros contatos com a ideia do dessas muitas associações de leigos.
“reconversão”, uma vez que o Alceu, como ecumenismo e do diálogo inter-religioso.
qualquer outro brasileiro de seu tempo, A terceira e última fase brota nos anos SC: Uma questão um pouco fora do
havia sido batizado, além de estar em um 1960, quando Alceu foi emissário leigo no
escopo. O senhor como docente em
Concílio Vaticano II e retorna de Roma
uma grande universidade, como
entusiasmado com as mudanças advindas
enxerga os esforços e os desafios no
quer no campo da liturgia quer na
campo do apostolado para o público
dinâmica da pastoral. Há a partir daí um
estreitamento das relações, universitário?
especialmente, com Dom Hélder Câmara,
e outros nomes da ala progressista da Leandro Garcia: O contexto das
Igreja no Brasil. Houve, sem dúvida uma universidades é certamente de muita
aproximação com a teologia da libertação aridez no que diz respeito à religião, e não
nesse período. raramente um ambiente de hostilidade a
Então são três fases bem distintas de um ela. No entanto, me parece haver uma
homem que ao referir-se à sua vida ausência de lideranças intelectuais
costumava dizer que foi “de bombeiro a advindas do clero, em um momento em
incendiário”. que os jovens têm acesso farto à
informação. É mais do que urgente que o
sacerdote possua a expertise para
responder às diversas demandas que
advém nesse contexto.
Me parece também que no campo da
estratégia, não é pertinente neste
momento e neste contexto que o discurso
inicie pela conversão. Na verdade, me
parece que se deva inicialmente pensar na
convivência como um meio mais efetivo
para se dar passos. Inclusive, creio que se
devam procurar pautas que possar criar
uma intercessão entre a religião e as
necessidades e questões objetivas do
ambiente da universidade. Eu creio que a
única postura possível é a do convívio.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 17

Conhecimento e poder
segundo Michel Foucault
presente na sociedade. Assim sendo, as ciências humanas,
como a psicologia, por exemplo, são instrumentos
desenvolvidos e controlados por uma intenção clara de
disciplinação.
Assim sendo, a grande novidade apresentada por Foucault
reside na análise das instituições como produtoras de uma
noção de homem que se afasta da tradição filosófica.
Nesse sentido, a filosofia é considerada por Foucault
como uma prática aberta que não se reduz aos
considerados signos filosóficos. A função da filosofia está
em acompanhar os ritmos da história, não tentando
enquadrá-la em um sistema, mas acompanhar o seu
movimento de tal forma que os acontecimentos acabam
por se apresentar como uma fonte inesgotável de
renovação para o nosso conhecimento e para moral.
(Pestaña 2011, 23-24)
Essa visão aberta sobre a história faz perceber que ela não
pode ser pensada como uma disciplina neutra, mas é
profundamente influenciada e ligada a uma concepção
jurídica de poder. A história enquanto disciplina que se
volta ao passado tem uma função de legitimação de um

O
conceito jurídico de poder. Assim sendo, o poder é o
presente artigo está voltado para a discussão encontrada na substrato que permite contar a história. O poder
produção filosófica de Michel Foucault identificada pelos estabelece a episteme, ou seja, o saber da política.
estudiosos do seu pensamento como a fase do "segundo A análise da conexão entre as relações de poder e o
Foucault", na qual se destaca uma reflexão que pretende superar o conhecimento científico leva Foucault a uma reflexão
formalismo atestado pelas estruturas do a priori histórico próprias sobre o processo de governamentalização responsável pelo
da primeira fase do seu pensamento. De fato, no segundo Foucault nascimento de uma forma de cultura geral. A pergunta
se evidencia as relações de poder como fomentadoras do sobre o que significa governar exige uma pergunta
conhecimento, e sendo o poder uma realidade não substancial, ou anterior, que reside na questão de como não ser
seja, algo que não existe em si, mas nas mais variadas relações governado. Dessa forma, podemos considerar a história da
existentes, sendo elas instáveis, consequentemente o poder não governamentalidade como uma “análise que pretende
pode ter um caráter formal, e ao engendrar o conhecimento, por indicar o tipo específico de racionalidade política e
conseguinte, faz com que este não esteja fundado em uma tecnologia do poder que foi implementado no exercício do
estrutura estável de caráter formal, mas seja uma realidade dispersa poder do Estado moderno”. (Oskala 2011, 104)
(DELEUZE, 1995, p. 35). Foucault também indica o poder individualizante
Para Foucault, a relação entre conhecimento científico e poder característica da governamentalidade. Segundo Foucault,
político não pode ser entendida como uma relação externa incapaz a característica individualizante que se desenvolve no
de afetar o conteúdo da própria ciência. Segundo essa concepção, Estado moderno é antagônica, e tem por objetivo manter
por mais que os contextos sociais e políticos apresentem as a centralização do poder não por meio do controle de um
questões sobre as quais o conhecimento irá se debruçar, a política objeto geral, como é o caso da população, mas se refere
não é capaz de influenciar as respostas oferecidas pela ciência. “ao desenvolvimento de tecnologias de poder orientadas
Neste caso, as respostas dadas pela ciência são tomadas como para indivíduos numa tentativa de orientar-lhes a conduta
objetivas e verdadeiras seja qual for o contexto envolvido. de maneira contínua e permanente”.(Oskala 2011, 104)
Ao contrário, Foucault vai admitir que a relação entre conhecimento Em suma, verifica-se no segundo Foucault uma análise do
científico e político é, sobretudo, uma relação interna: poder político por meio da racionalidade que se inscreve
A afirmação de Foucault sobre o entrelaçamento de poder e saber é em suas práticas. Aqui, deveremos considerar que a
por vezes mais forte. A seu ver, a relação entre ambos é interna: o relação saber e política é responsável por estabelecer a
contexto social e político do conhecimento científico também molda o política da verdade, isto é, organizar e controlar por meio
conteúdo do próprio conhecimento científico... Ele (Foucault) sustenta
dos regimes políticos os indivíduos através de uma
com toda clareza que a ciência é uma prática social. Todas as
sociedades têm práticas e instituições para a produção do saber, e o
representação da ordem das coisas que é apresentada
desenvolvimento da ciência é uma atividade necessariamente social, como sendo verdadeira.
não individual. Os elementos do saber têm de se conformar a um
conjunto de regras e limitações características de um dado tipo de Bibliografia
discurso científico num dado período (OSKALA, 2011, p. 64-65).
FOUCAULT, M. Les mots et les choses. Paris: Gallimard 1966.
Posto isso, podemos verificar a posição de Foucault sobre o
DELEUZE, G. Foucault. Madrid 1995.
indivíduo como uma realidade que não é princípio nem condição de OKSALA, J. Como ler Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
possibilidade, mas como conseqüência do complicado aparato que PESTAÑA, J. L. M. Foucault y la política. Madrid: Tierradenadie, 2011.
define a modernidade. Daí entendermos a célebre frase cunhada
por Foucault em Les mots et les choses: o homem é uma invenção
recente na história de nosso pensamento, e talvez o seu fim esteja
próximo (FOUCAULT, 1966, p. 398).
Destacamos, assim, a reflexão feita por Foucault que se afasta de Marcos Paulo Galvão é doutor em
uma perspectiva mais discursiva e epistemológica propriamente Filosofia pela Pontificia Università
dita para voltar-se a uma reflexão sobre a prática política. Nesse Gregoriana, onde defendeu a tese A
caso, o tema da epistemologia está diluído na prática exercida pela política do saber e o saber da
política: a dialética de resistência e
política, principalmente no que se refere à dimensão disciplinar liberdade segundo Michel
Foucault.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 18

Livro aberto
ANCHIETA, O APÓSTOLO DO BRASIL
Joaquim Tomás

J oaquim Tomás, na obra


Anchieta, o Apóstolo do
Brasil faz uma abordagem
clara e sucinta sobre “o
mas de autorizações dos
colonizadores portugueses.
São José de Anchieta
entendeu perfeitamente o
Brasil selvagem – ambiente “ide” anunciado pelo seu
encontrado pelos jesuítas”. Senhor como narra o
As narrativas que Evangelista Marcos (cf. 16,15).
comumente nos são Seu desejo de dar a conhecer
apresentadas dentro das a salvação e a civilidade
escolas e universidades, não eram maiores que suas
condizem, de fato, com a limitações corporais. Foi
real situação deste país ou graças a este testemunho
os pormenores do início de cristão que logo ganhou a
sua fundação. O autor, não confiança dos nativos e a
só apresenta o Brasil cooperação deles, como
colonial, mas um verdadeiro assim narra o autor.
convite a entregar-se a A obra apresenta desde suas
providência de Deus, como primeiras páginas, o agir da
assim fez José de Anchieta. Virgem Santíssima e da
O Apóstolo do Brasil, levado pela audácia missionária, providência de Deus. E tudo
percorre as terras selvagens levando ao povo a civilidade. que se refere ao personagem principal, ou seja, José de
A obra narra, a partir de fontes primárias, os Anchieta, indica que sua vida é tecida unicamente pela
comportamentos canibais das tribos, bem como os ação misericordiosa do Pai. Sua partida para uma terra
inúmeros confrontos entre os indígenas. Anchieta vê desconhecida, sua aproximação dos nativos, a fraternidade
nestes comportamentos o lugar propício para o agir de construída e seu jeito terno de educar e usar daquilo que
Deus que transforma “corações de pedra em coração de corria no sangue daquele povo (a arte); tudo isso é
carne” (cf. Ez 36,26). expresso de maneira bela, mesmo nos espinhos de sua
Em suas explanações, o autor faz o leitor conhecer este jornada.
jovem missionário, mostrando que todo o mérito de sua Hoje se faz necessário “não perder de vista o nosso ponto
jornada heroica é, unicamente, fruto da intercessão da de partida”. A educação atual precisa redescobrir aquela
Santíssima Virgem e da misericórdia de Deus. Anchieta busca mais genuína, a Verdade do homem, sua
não é um jovem com potenciais físicos para grandes constituição como pessoa, como portador de uma
missões. Por isso, dentre tantos outros pontos, a obra dignidade inviolável. Toda educação deve girar em torno
apresenta essas duas dimensões importantíssimas: fé e disso: quem sou e para onde vou. Desvencilhando-se
educação. daquilo que é efêmero e passageiro, mas recordando-se
Na atual situação educacional e religiosa de nosso País, aquilo que é Eterno.
faz-se necessário conhecer a essência desta “Terra de A vida do “pai da educação deste País” é um verdadeiro
Santa Cruz”. Anchieta não busca uma educação testemunho para os educadores e para aqueles que têm
libertadora. Mas uma educação que possa conjugar fé e desejo de conhecer a Verdade. Fazendo com que “tenha
vida; entendendo que a partir do seu único mestre, Jesus em vossos corações o mesmo sentimento de Cristo” (cf. Fl
Cristo, é possível levar o homem a entender a si mesmo e 2,5). Pois só Ele é aquilo que buscamos: Caminho, Verdade
ao desejo de seu Criador, ou seja, as verdades imutáveis e e Vida.
o Céu.
Joaquim Tomás apresenta os diferentes dons do “pai da
TOMÁS, Joaquim. Anchieta, o apóstolo do Brasil. Dois
educação deste País”: José de Anchieta era um jovem
poeta, músico, escritor, dramaturgo, catequista, entre Irmãos, RS: Minha Biblioteca Católica, 2020.
tantas outras coisas. Todos estes dons foram instrumentos
para a educação dos nativos. Além disso, ele fez uso
daquilo que era próprio da cultura dos indígenas,
aprendendo, até mesmo a língua nativa e sendo o
primeiro a escrever a gramática da língua tupi.
Outros pontos importantes sobre este santo homem foram
seus esforços em construir escolas em São Paulo, Rio e Graduado em filosofia, com
Vitória para a educação dos nativos. Sem contar tantos formação em teologia e
outros grandes feitos realizados em favor dos índios. especialidade em psicopedagogia,
Principalmente em tempos tão complexos onde suas Jeciandro Pessoa desenvolve nas
redes sociais o projeto Pensar
atitudes missionárias não dependiam só de seus esforços, catequese.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 19

Ágοrα Que é a solidão que somente é conhecida


Daqueles que são rodeados por gente sóbria e

Praça de divulgação literária Gente incapaz de entender que sua
sobriedade é pura ilusão
Pois ser sóbrio neste mundo louco é um luxo
demasiado caro
Uma fantasia, uma quimera de quem gosta de
ser enganado
A acreditar que tens o controle da situação
Mas não, as circunstancias não permitem
E se queres um pouco de paz
Somente aceite que não es dono de si
Mas escravo da circunstâcia funesta
Que te persegue com os capitães-do-mato de
tua própria condição humana
E deste embaraço só consegues escapar

Juan
Quando juntar-te aos bêbados

Oso
Para que um outro desgraçado seja motivo de

rno
riso para ti.
E assim esse mundo gira até que a morte nos
separe.

Alessandro di Borgia

Ó eterna infâmia que nunca se apaga


Teria que ser eu mais uma de tuas vítimas?
Por que me humilhar, me jogar no chão Uma vida reflexiva
E me recordar que sou eu e minhas circunstânias?
Não era suficiente alertar-me que minhas misérias Eu pensei seriamente na minha vida e na
Eram demasiadas minha existência.
E ainda mais me jogas na cara que não passo de Sei que foi um presente, desde que era
A neblina e o vento um átomo inconciente.
Um nada Difícil acreditar que existo
A vida é uma estrada tomada Onde a insignificancia do mundo encontrou seu por simplesmente existir, e vivo por mim.
pela neblina e pelo vento. esplendor e sua glória Se fosse assim, que sentido teria ela
E tornando-me objeto do riso dos bêbados de ser tão perfeita?
Vi amores sumindo na névoa Ao menos sinto ser útil para alguma coisa O fim é tão duro de pensar,
da estrada da vida: E se pouca coisa sou me dá medo só de imaginar.
pessoas sumindo, ao menos deixem-me causar momentos de Nem mesmo meus sonhos são capazes de
coisas sumindo . hilaridade ilustrar.
Neblina profunda obscurecendo nossas nos únicos que são capazes de dizer a verdade
estimações. que tantos hipocritamente querem esconder A escuridão não é algo concreto, isso é fato,
Memórias perdidas nas madrugadas do E assim porém, a conclusão é algo a ser velada.
tempo... É essa verdade o que mais doi Não sei qual será o meu fim
Tempos do tudo. A candeia a obscurecer a claridade que eu mas eu gostaria de ser perdoado.
Tempos do nada. imaginava ter
O antisséptico a causar as piores inflamações nas Me pego pensando no tempo enquanto respiro
O sorriso infantil se perdeu. feridas e até o último suspiro espero ter me
O abraço fraternal se perdeu. abertas pela espada afiada da paixão encontrado.
O estar junto se perdeu. que supostamente era a resposta dos males do Num mundo além da minha cabeça, que
Os desamores se perderam. mundo apenas morrendo entenderei do que falo.
É na verdade o maior dos males inventado pelos
Temos o vento que empurra velhas neblinas poetas Yasmin Ramos, nascida em Campina Grande
até que novas neblinas venham a encobrir Algo que te consome sem te destruir PB, porém, criada no Rio de Janeiro, em
nosvos esquecimentos, Um assassino frio e cruel que rejeita o tiro de Inhaúma. Estudante do Colégio Pedro II,
novas lembranças... misericórdia apaixonada por artes e uma escritora amadora.
E zombas de ti quando por algum motivo bizarro
Encontra forças para continuar ainda que a
Natanael Faria de Abreu, mineiro, escritor e maldita circunstância
compositor. É autor dos romances Pintando o Venha fazer mais uma de suas insuportáveis
7 em 22, O Sorriso de Eva e 49 dias e 40 travessuras
Gostaria de ter seu texto divulgado na
anoites (inédito). Te afastando daquilo que amas Ágora? Confere lá no nosso site
Te levando para os braços da rainha da morte (scenacritica.blogspot.com) as regras
para submissão. Poemas, cronicas,
contos, resenhas, todos tem espaço em
nossa praça de divulgação literária.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 20

Um Papa jesuíta analisa Pascal

N
o dia 19 de junho de 2023, o Papa Francisco ciamento público do atual pontífice sobre Blaise Pascal.
apresenta à Igreja a carta apostólica Sublimitas et Em entrevista publicada no jornal italiano La Reppublica,
miseria hominis, sobre o filósofo francês Blaise em junho de 2017, Eugenio Scalfari perguntara ao papa o
Pascal. É deveras curioso que seja justamente um que ele achava do filósofo francês, e a resposta
papa da Companhia de Jesus, os inimigos de Francisco surpreenderia o próprio Pascal:
históricos de Pascal, que tenha escrito um “anch'io penso che [Pascal] meriti la beati-
documento com o intuito de prestar-lhe ficazione”[1]. Como? Um jansenista, mere-
“uma especial homenagem”, nas palavras cer? Aqui se faz necessário também
do Romano Pontífice. Francisco propõe explicar o que é o jansenismo.
o filósofo como um fiel leigo que teste- É complexo categorizar o que seja a
munhou a alegria do Cristo. heresia jansenista, pois seus adeptos
Antes de entrar no conteúdo da refe- inauguraram um novo modo de ser
rida carta apostólica, é necessário herege. Quando Nestório, patriarca de
um pequeno resumo da sua vida. Constantinopla, começou a negar, no
Pascal nasceu em Clermont- século V, que a Virgem Maria fosse mãe
Ferrand na província de de Deus, o bispo de Roma na época,
Auvergne, em 19 de junho São Leão Magno, condenou sua tese
de 1623, filho de Étienne como heresia; Nestório, porém recu-
Pascal e Antoinette sou submeter-se à Santa Sé. O mesmo
Begon. Seu pai era se deu com os monofisistas, que negavam
matemático e desde ce- que Jesus tivesse duas naturezas, e os
do ensinou-lhe as línguas monotelistas, que negavam que Jesus
clássicas e a matemática. tivesse duas vontades. Uma vez condenados
O menino demonstrou por Roma, preferiram sair e fundar
ser um prodígio, escre- suas próprias igrejas. Ao longo da
vendo em tenra idade história foi o que aconteceu
tratados sobre o som, com todos aqueles que foram
sobre as cônicas, fazendo considerados hereges, até
experimentos com o vácuo surgir o Jansenismo. Os
e inventando antes dos 20 adeptos da heresia
anos a primeira máquina jansenista, por mais
de calcular. que fossem conde-
Em 1646 Pascal toma nados por Roma,
contato com o recusavam-se a
jansenismo, que iria sair da Igreja
marcar profunda- Católica[2].
mente sua vida e Apelando a
seu pensamento. tantos subter-
Entrou em polê- fúgios, ora
mica com os negando, ora
jesuítas em afirmando,
questão de moral ora negando
e casuística, que houves-
legando à poste- sem negado
ridade as Cartas ou afirmado,
provinciais, os sequazes da
verdadeiro mo- tal doutrina
numento da fizeram com
língua francesa. que a própria
Mas a obra pela heresia apre-
qual ele é mais sentasse aspe-
conhecido é aquela que ele nunca terminou. Na tentativa ctos camaleônicos. O meio mais seguro para conhecer o
de defender a fé contra os racionalistas e libertinos, o que foi o Jansenismo é através das cinco proposições
filósofo escreveu seus pensamentos em folhas avulsas no contidas no Augustinus, escrito pelo bispo Cornélio
intuito de reuni-los depois em uma única obra. Morreu em Jansênio, e condenadas pelo papa Inocêncio X, na bula
Paris, no dia 19 de agosto de 1662 sem que pudesse Cum occasione, de 1658. Cinco foram as proposições
completar sua desejada obra. Sua irmã e seus amigos condenadas: que alguns mandamentos divinos nem pelos
juntaram os fragmentos e deram ao público em 1670 a justos podem ser cumpridos, por falta de necessária graça;
primeira edição dos Pensamentos, que até hoje são lidos que o homem não pode resistir à graça interior; que para o
e discutidos. mérito, no estado de natureza decaída, basta a isenção da
O documento papal não é, entretanto, o primeiro pronun- violência física, ainda que sob a pressão da necessidade;
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 21

que é erro semipelagiano julgar que a vontade humana um mero fantoche, ele salvaguarda sua autonomia e
pode seguir ou repelir a graça e que é semipelagiano dizer liberdade. Mesmo assim, na história, ele permanece com os
jansenistas. Ele não pode ser dissociado deles. Por quê?
que Jesus morreu por todos os homens. Segundo Jackson
Principalmente por causa da moralidade.[5]
de Figueiredo, todas essas proposições “se poderiam
resumir em uma só: A graça de Deus é predestinada e É difícil dizer algo definitivo, afinal, o autor nunca
eficaz – o que quer dizer: Deus tem eleitos e estes sempre conseguiu terminar sua Apologia. O fato é que ele admite
o foram de toda a Eternidade”[3]. Era, dessa forma, uma que o ser humano pode ter alguma participação na
espécie de “calvinismo católico”. obtenção da fé, e isso já soa bem estranho para um
Porém, ainda há debates sobre até que ponto Pascal adepto do jansenismo.
aderiu aos aspectos dogmáticos do jansenismo, sobretudo Sabe-se que o jansenismo era extremamente austero e
no que diz respeito à predestinação e à participação do rigorista e que Pascal se interessou por essa moral; por
homem na obtenção da graça. Ele acredita que mesmo o isso, alguns pensam, erroneamente, que o jansenismo
descrente pode obter a fé quando age como se possuísse influenciou Pascal nos trechos em que este defendeu o
fé. Aqui surge uma discussão interessante. Se ele era ódio por si mesmo: “o eu é odioso [...] odiá-lo-ei
jansenista, como pode aceitar que haja alguma sempre”[6]; “é preciso amar só a Deus e só odiar a si
participação do homem na obtenção da graça divina, da mesmo”[7]; “devemos odiar-nos a nós mesmos, e a tudo
graça da fé? Os comentadores do filósofo ainda debatem que nos excite a outro liame que não seja Deus
quanto a isso. A questão da predestinação também é um somente”[8]; “a verdadeira e única virtude consiste, pois,
assunto espinhoso, alguns defendem que ele acreditava, em odiar a si mesmo”[9]; “quem não odeia em si o seu
outros que não. amor-próprio, e esse instinto que o leva a fazer-se Deus, é
Souriau diz que: bem cego”[10].
No entanto, por incrível que pareça, a espiritualidade do
Seus Pensamentos são sobretudo uma exposição do
ódio a si não é algo próprio ao jansenismo, mas algo
jansenismo exasperado, um novo Augustinus, revisto e
prevalente nos autores espirituais daquele período. Por
consideravelmente agravado. Se tivesse tido tempo de
terminar seu livro, estamos no direito de afirmar que, na exemplo, o maior pregador antijansenista do século XVIII,
parte dogmática, ele teria tentado mostrar nos jansenistas Luís Maria Grignion de Montfort, canonizado em 1947,
os únicos verdadeiros discípulos de Jesus; [...] ele estaria escreveu numa de suas obras de polêmica antijansenista:
obstinado em convencer o público geral que os adversários
Por que nos admirar de ter Nosso Senhor dito que quem
de Port-Royal não eram verdadeiros cristãos.[4]
quisesse segui-lo devia renunciar a si mesmo e odiar a
Enquanto Stewart defende que Pascal permaneceu do própria alma; que aquele que amasse sua alma a perderia e
lado dos jansenistas mais por causa da moral que por quem a odiasse se salvaria? (Jo 12, 25) A Sabedoria infinita,
que não dá ordens sem motivo, só ordena que nos odiemos
causa da doutrina:
porque somos grandemente dignos de ódio: só Deus é
Pascal não era, ao menos em doutrina, um completo digno de amor, enquanto nada há mais digno de ódio do
jansenista. No profundo drama que está sempre sendo que nós.[11]
representado entre a alma e Deus, ele parece, enquanto
Do mesmo modo, o livro espiritual mais lido da história, A
confessa ignorância do processo, permitir alguma parte da
vontade humana, enxergar uma centelha no seio humano, Imitação de Cristo, escrito no século XV, ensina que “o
que pode ser soprada até as chamas pela operação do amor de Jesus faz com que o homem se despreze a si
espírito divino. Ele se recusa a considerar o homem como mesmo”[12] e que “aquele que se conhece bem despreza-
se e não se compraz em humanos louvores”[13] e também
que “não há melhor e mais útil estudo que conhecer-se
perfeitamente e desprezar-se a si mesmo”[14].
Claro que não se pode negar que o jansenismo foi uma
resposta austera contra o laxismo de alguns jesuítas, mas
não é a austeridade que faz o jansenismo ser o que ele é.
Também quem enxerga nesse sistema simplesmente a
corrupção total da natureza humana ainda não chegou ao
âmago do que é o jansenismo. Mais uma vez, um texto
que poderia ser repetido pela pena de qualquer jansenista
é, na verdade, um texto de um ardoroso antijansenista:
Para despojarmo-nos de nós mesmos, é preciso conhecer
primeiramente e bem, pela luz do Espírito Santo, nosso
fundo de maldade, nossa incapacidade para todo bem,
nossa fraqueza em todas as coisas, nossa inconstância em
todo tempo, nossa indignidade de toda graça e nossa
iniquidade em todo lugar. O pecado de nossos primeiros
pais nos estragou completamente, nos azedou, inchou e
corrompeu, como o fermento azeda, incha e corrompe a
massa em que é posto [...] toda nossa herança é orgulho e
cegueira no espírito, endurecimento no coração, fraqueza e
inconstância na alma, concupiscência, paixões revoltadas e
doenças no corpo [...] tudo que temos em nosso íntimo é
nada e pecado, e só merecemos a ira de Deus e o inferno
eterno.[15]
O ponto capital da doutrina cristã em geral e de Jansênio
em particular no qual Pascal irá basear sua visão da
humanidade é o “dogma da queda, base de toda a sua
filosofia, como que o centro da sua concepção da vida”.
Mas há outro ponto do jansenismo no qual Blaise irá
fundamentar sua antropologia, filosofia e teologia: o
cristocentrismo radical. Como se verá mais a frente, Pascal
vê em Jesus Cristo a única solução para o problema da
condição humana. Para os jansenistas de nada valiam a
devoção aos santos e à Virgem Maria. Para os sequazes de
Jansênio, como a graça de Deus é predeterminada e o
homem nada pode fazer para merecê-la, só Jesus Cristo e
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 22

nada nem ninguém mais importava, fosse santo ou Três pontos podem se destacar nesse parágrafo de
pecador, vivo ou morto. Francisco. Primeiro, ele reconhece a validade dos
Deixando à parte essas polêmicas da obra pascaliana, argumentos jansenistas em favor da não condenação do
Francisco se debruça sobre o legado do grande filósofo. É Augistinus de Jansênio, isto é, que as proposições
justamente por colocar Jesus Cristo no centro da sua obra condenadas pela bula Cum occasione não se encontravam
filosófica que o romano pontífice pôde chamar Pascal de no livro. Por muitos anos a controvérsia jansenista girou
“um enamorado de Cristo”. O papa vai traçando então os não em torno da verdade ou falsidade das proposições
principais pontos da vida e obra do gênio francês. condenadas, mas se elas estavam realmente presentes no
Na referida carta apostólica há algumas passagens que livro escrito por Jansênio. Os jansenistas defendiam que
chamam a atenção. Primeiro o fato de o papa reconhecer não estavam enquanto os seus adversários defendiam que
que a análise que Pascal faz da condição humana é sim.
correta. Já se disse que Pascal atacou a humanidade com Em segundo lugar, Francisco parece reconhecer que a
mais violência nos Pensamentos do que atacara os interpretação de Jansênio sobre a doutrina agostiniana da
jesuítas nas Provinciais. Aos olhos do atual líder da Igreja predestinação é legítima, um “aperfeiçoamento” do
Católica, porém, o quadro que o filósofo pintou da pensamento agostiniano. É preciso frisar que isso não
humanidade não está carregado de um exagero jansenista, significa que essas ideias estivessem corretas do ponto de
como alguns no passado já o acusaram, mas corresponde vista da ortodoxia católica, mas tão somente que o
à realidade da condição dos filhos de Adão. Jansênio não era um falsificador da doutrina agostiniana
A escusa que o pontífice faz da decisão de Pascal de
como alguns pensaram. O papa reconhece que tais
defender os jansenistas também é digna de nota. Prestes a
fórmulas, apesar de incorretas, seriam conclusões lógicas
concluir seu escrito, o Santo Padre escreve:
das premissas agostinianas.
Muitas propostas ditas «jansenistas» eram realmente O último ponto é o reconhecimento da sinceridade de
contrárias à fé, e Pascal reconhecia-o, mas contestava que
Pascal. E aqui Francisco agiu como um casuísta do século
elas estivessem presentes no Augustinus e fossem seguidas
pelos membros de Port-Royal. Entretanto algumas das suas
XVII: se não pôde desculpar a ação, ao menos desculpou a
próprias afirmações, relativas por exemplo à predestinação, intenção de Blaise Pascal. Sim, é possível ser jesuíta e
tiradas da teologia do último período de Santo Agostinho, pascaliano afinal.
cujas fórmulas foram aperfeiçoadas por Jansénio, não soam
como verdadeiras. Todavia é preciso compreender que, __________________________________
assim como Santo Agostinho quis combater no século V os
pelagianos, que afirmavam que o homem pode, por suas
[1]https://www.repubblica.it/vaticano/2017/07/08/news/scalfari_inter
próprias forças e sem a graça de Deus, fazer o bem e ser
vista_francesco_il_mio_grido_al_g20_sui_migranti_-170253225/.
salvo, assim também Pascal acreditava sinceramente que
Consultado em 03/08/2023.
então estava a atacar o pelagianismo ou o
[2] O próprio Pascal, depois de ter escrito centenas de páginas
semipelagianismo, que ele julgava identificar nas doutrinas
contra os jesuítas, contra os teólogos da Sorbonne, contra os
seguidas pelos jesuítas molinistas (do nome do teólogo Luís
documentos condenatórios ao jansenismo, escreve na carta 17 das
de Molina, falecido em 1600, mas cuja influência ainda
provinciais: “Não tenho qualquer vínculo com comunidade alguma,
estava viva a meados do século XVII). Demos crédito à
exceto com a Igreja, Católica, Apostólica, Romana, em cujo seio
franqueza e sinceridade das suas intenções.
desejo viver e morrer, em comunhão com o papa, o cabeça da
Igreja, e fora da qual estou persuadido de que não há salvação.”
Pascal. The provincial letters of Blaise Pascal. Tradução de
Thomas M’Crie. Cambridge: Riverside Press, 1880, p. 421.
[3] FIGUEIREDO, Jackson. Pascal e a inquietação moderna, Rio de
Janeiro: Centro Dom Vital, 1922, p. 95s.
[4] SOURIAU, Maurice. Pascal. Paris: Société Française d'Imprimerie
et de Librairie, 1898, p. 183.
[5] STEWART, Hugh Fraser. The Holiness of Pascal. Cambridge:
Cambridge University Press, 1915, p. 72.
[6] PASCAL. Pensamentos. São Paulo: Abril, 1973, fr. 455, p.155.
[7] Ibidem. fr. 476, p. 158.
[8] Ibid. fr. 479, p. 159.
[9] Ibid. fr. 485, p. 160.
[10] Ibid. fr. 492, p. 161.
[11] MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado da verdadeira
devoção à Santíssima Virgem. 46 ed., Petrópolis: Vozes, 2015, p. 82.
[12] KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. Petrópolis: Vozes, 2015,
p.84.
[13] Ibid. p. 23.
[14] Ibid. p. 24.
[15] MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado da verdadeira
devoção à Santíssima Virgem. 46 ed., Petrópolis: Vozes, 2015, p. 81s.

Graduado em Filosofia e Teologia


pela PUC-Rio, Josué Matos
desenvolve estudos acerca da
filosofia de Pascal e sua intercessão
com a teologia, bem como estudos
sobre a teologia dos fenômenos
espirituais.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 23

CADERNO
CINEMA
DE

Sonhos em evidência
Uma retrospectiva do cinema de Federico Fellini nos 30 anos de sua morte

T odas as civilizações do mundo desenvolveram lingua-


gens próprias para externalizar suas angústias e alegrias,
certezas e dúvidas, sonhos e realidade; através das mais
variadas modalidades artísticas, que de algum modo sempre
auxiliaram na missão de apaziguar essas questões.
Não iremos nos aventurar aqui a falar sobre a história
desta arte, que vai para muito além da invenção do
cinematógrafo, pois a ilusão cinematográfica trata-se de
uma das questões mais antigas da humanidade.
No cristianismo esta relação não é diferente. Muito se fala da Percorreremos simplesmente uma proposta de revisão
relação da Igreja e a promoção das artes plásticas no através de algumas obras não tão conhecidas, mas que
Renascimento, da arquitetura na Idade Média, mas pouco se talvez encarnem o melhor que a Sétima Arte pode
trata da relação entre Igreja e as formas de produção artística
contemporâneas, como é o caso do cinema. oferecer.
Apesar de contar com menos tempo, a relação do mundo Neste ano de 2023, fazemos memória dos 30 anos de
católico com o cinema deixou grandes marcas na produção morte do do diretor italiano Federico Fellini, um cineasta
dessa arte, seja na confecção de grandes obras, como o diretor com uma obra muito autoral, que não raramente tratava
francês Robert Bresson, seja na crítica especializada, como é o
caso do também francês André Bazin um dos fundadores da de questões muito próprias da existência humana,
renomada revista francesa Cahiers du Cinéma e tantos outros utilizando-se de uma estética muito particular.
que se utilizaram do patrimônio cultural e filosófico católico A primeira, que inicia na década 1940, quando ainda
para ambientar suas obras. trabalhava como roteirista de grandes nomes do
Na década de 1920, já se falava institucionalmente do papel neorrealismo, de modo especial Roberto Rossellini com
do cinema para a Igreja Católica, em um movimento que se quem Fellini assinou o roteiro de Roma cidade aberta,
iniciou na Europa, mas que gerou frutos, inclusive no Brasil, considerado o maior exemplar deste movimento. Em 1950,
dando origem a um movimento que ficou conhecido como Fellini estreou como diretor, ainda muito ligado com o
“cineclubismo”, que consistia basicamente na análise de filmes neorrealismo, mas já contando com uma estética própria,
em circulação a partir dos princípios doutrinários. ainda que muito mais tímida do que viria a ser
futuramente.
Do primeiro período de Fellini como diretor destacaria três
obras, que compõem a chamada “trilogia da graça” que é
composta por: A estrada da vida, de 1954 (foi
elogiadíassimo recentemente pelo Papa Francisco no La
Civilittà cattolica dos jesuítas), A trapaça, de 1955 e As
noites de Cabíria (1957), todos três filmes que se
apropriam de elementos da tradição cristã para
desenvolver personagens que são colocados através de
situações limites diante da questão da redenção pela
dinâmica da graça.
Ainda é interessante frisar a amizade de Fellini com o
jesuíta Virgilio Fantuzzi, grande colunista de cinema do
jornal oficial da Santa Sé, o L'Osservatore Romano, que
exerceu grande influência sobre o diretor, sendo seu
consultor para assuntos ligados ao catolicismo, mas não
só, como também estabeleceram um diálogo perene sobre
o modo de pensar o próprio cinema.
A segunda fase do cinema de Fellini se inicia, em 1960,
com o escandaloso A doce vida, que rompe com todos os
paradigmas do cinema até então. Fellini parece assinar
definitivamente o divórcio com o neorrealismo e abandona
as temáticas anteriores para aqui se ater, nesta que muitos
consideram como a crítica mais mordaz a sociedade pós-
moderna. Através de uma Roma cosmopolita e transviada,
Fellini irá nos afirmar e reafirmar ao longo de 173 minutos,
a falência de um modelo de sociedade que surgia.
Interessante notar que a recepção de A doce vida nos
meios católicos foi muito acirrada, recebendo inclusive na
época uma condenação severa do L’osservatore romano
em sua coluna de cinema. A condenação foi retirada em
2010, quando o jornal fez uma retrospectiva pelos 50 anos
da obra. Trata-se o filme de um endossamento à crítica da
Igreja ao modelo de sociedade pós-moderna.
Após o lançamento de A doce vida e de tantas premiações
que o seguiram, inclusive a indicação ao Oscar de melhor
filme estrangeiro, a crítica especializada e o público espe-
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 24

ravam algo que sucedesse na mesma medida que “A doce nos leva a vislumbrar melhor suas crises e motivações.
vida” havia surpreendido. Fellini se vê, então, diante da grande O sonho é um dos grandes personagens do filme. O
responsabilidade que lhe pesava, contemplando o abismo que expectador desde a primeira cena é imerso dentro desta
todo autor teme experimentar, a crise criativa. realidade, já que Fellini acreditava que o processo de
E é a partir desse abismo, que Fellini irá tirar a inspiração um criação nascia justamente do sonho, da investigação do
de seus trabalhos mais ousados, um filme extremamente subconsciente. Fellini era paciente de psicanálise desde
autobiográfico e mais do que isso, metalinguístico. Em 1963, 1960 quando ele começou a buscar inspiração para suas
Fellini brinda o mundo com 8 ½ . O estranhamento já inicia obras através da investigação dos sonhos.
pelo título da obra, que já demonstrava sua íntima relação Fellini não se preocupava em dar um sentido concreto
com a biografia do diretor, acontece que àquela altura Fellini para cada milímetro de sua obra, não, pelo contrário ele
havia dirigido sete longas e um curta-metragem. esperava que a obra se completasse no próprio
Fellini estava a volta com os produtores sem saber ao certo espectador. Fellini não era rigorista nem mesmo com suas
que rumo tomar com seu projeto, até que encontrou na crise, memórias, em mais de uma ocasião ele afirmou o seu
a receita para o bom andamento do filme. Criar um filme que descompromisso com o passado, por não saber distinguir
fala sobre o processo de criação de um filme, talvez seja o o que era recordação e o que era imaginação e criação.
maior e mais elegante uso da metalinguagem na história do É absolutamente ímpar na história do cinema moderno o
cinema. modus felliniano de se construir uma narrativa e
Fellini retoma sua parceria com Marcello Mastroianni para apresentá-la esteticamente através da tela, a consistência
novamente interpretar seu alter ego, dessa vez ele interpreta da obra encontra seu êxito justamente ao não se prender
Guido, um diretor em meio a uma crise criativa que busca às amarras de pretender-se dentro de um movimento, mas
refugiar-se em um hotel de fontes medicinais para escapar da sendo genuinamente único.
pressão dos produtores, contudo, sem sucesso.
A narrativa continua na mesma linha de A doce vida,
contando com episódios que não necessariamente possuem
uma conexão lógica e cronológica com as cenas subsequentes,
mas dessa vez com um agravante que são as cenas que
Com especialização em roteiro pela
revelam o subconsciente do personagem, fator que
Escola de Cinema Darcy Ribeiro,
Filipe Machado é bacharel em
filosofia pela PUC-Rio e licenciado
em História. Atualmente suas
pesquisas estão centradas nos
autores que compuseram a cena
intelectual católica do século XX
com especial ênfase em Gustavo
Corção.
Ensaios do
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 25

cotidiano Para os seus grandes teóricos, a revolução sexual era um


modo de libertar o proletariado da sociedade burguesa
que, segundo eles, reprimia a sexualidade para que se
gastasse toda a força no consumo. Essa é uma ideia chave

Sexo, do pensamento de Hebert Marcuzzi em sua obra Eros e


revolução. Não se trata aqui, segundo ele, de luta pela

liberdade e consumo
liberdade sexual, mas de uma guerra do comunismo
contra o capital. A dita revolução deve destruir o opressor
que só visava o lucro. Bem ilustra esse pensamento a frase
que se tornou hino da geração woodstock: faça amor, não
faça guerra.
Quando Alvin Toffler em 1971 mostrou ao mundo a relação

D
entre a sociedade de consumo e a banalização da
esde o popular livro de Wilhelm Reich, La sexualidade ou, em suas palavras, a sociedade do “prê-à-
révolution Sexuelle, de 1931, o tema tem ocupado porter”, do descartável, que favorece a aventura sem
todos os cenários da vida social. Não é preciso consequências, o amor breve, o amor a frio, toda essa
muito esforço para constatar isso. Quem acompanhou os mirabolante teoria de que a repressão sexual era apenas
jornais, as revistas, as telinhas e passou boa parte de sua uma forma de poder e controle econômico cai por terra.
vida de olho nas telonas é testemunha de que alguns Se apresenta o contrário: A chantagem, a pressão de
costumes e ideias sofrem mudanças. Mesmo aqueles que grupos e da opinião pública impuseram comportamentos
nasceram nos tempos da internet já conseguem perceber que aumentaram as vendas de grandes empresas. No
significativas mutações no comportamento ou trato de mundo em que as coisas eram feitas para durar, agora
determinados assuntos, dentre eles o sexo. Até a arte tudo é descartável. O sexo livre e a mentalidade
eterna, os livros, são prova deste fato civilizatório. Títulos erotizada se tornam um motor econômico e direcionam
os olhos para o consumo.
A nova civilização erotizada não só pas-sou a
con-sumir mais, como tam-bém virou
produto. O fenômeno das coisas dadas de
graça é uma marca desse novo mundo dos
negócios. Corpos, desejos e drogas
tomam conta das vitrines, e a quantidade e
rotatividade dessas mercadorias são
espantosas. A sexualidade transformou-se
em um instrumento, foi coisificada,
fragmentada, reduzida a mero objeto. A
indústria pornográfica ganha espaço e se
torna rentável. Nasce assim um machismo
radical e a famosa guerra dos sexos que mais
tarde é responsável pelo surgimento de um
feminismo radical.
A dita “liberdade sexual” gerou uma
angustiosa ditadura sexual. O costume
americano do dating transformou
rapidamente a ligação entre os adolescentes
numa obrigação. Quem se relaciona sexual-
como O segundo sexo, A dialética do sexo, Política sexual, mente é tido como descolado, enquanto o outro não é
O outro sexo e Eros e revolução se tornaram best-sellers, bom o bastante. Estes segundos se transformam em mais
ocupando lugares nas prateleiras e na construção do um nicho de consumidores, agora desesperados para
pensamento de nossa geração. alcançar os primeiros. O cúmulo é a propensão para
Estudos etnológicos mostram que muitas civilizações relações cada vez mais prematuras e variadas. Em cadeia
tinham códigos sexuais diversos que, ao serem se colhe uma série de problemas que vão desde a perda
confrontados, geraram uma devastadora relativização da infância, o surgimento de cataclísmicas formas de
desses costumes, criando o produto dessa revolução relações, até o surgimento de famílias desestruturadas,
intelecto-cultural, por nós conhecida como “revolução pais ausentes e abortos.
sexual”, que entende a cultura sexual como permissividade Diante disso tudo, cabe-nos indagar sobre as exigências
e liberdade sem limites ou contrassensos. Tudo isso foi atuais da fé. O cristão não pode ignorar a realidade e as
recebido por alguns como decadência ou perda do senso mudanças ao seu redor. Também não é um cego seguidor
moral, para outros como progresso humano. O que há em da última moda, mas é alguém que se mantém lúcido e
comum entre um e outro é a profunda ligação existente assume responsavelmente seu papel na construção da
entre a sexualidade e a cultura. sociedade, principalmente durante as grandes convulsões
A civilização defensora de uma família numerosa, de da história. Cabe a ele, no meio das tensões inevitáveis,
uniões monogâmicas e entre pessoas do mesmo sexo, de elaborar uma nova síntese em conformidade com
relações intimas depois do casamento e de uma conduta adignidade da pessoa humana e a lei do Criador.
moral legitimada por um legislador Divino estava sendo
contrariada por um pequeno grupo organizado com a
bandeira da “libertação sexual”. Essa revolução foi aos
poucos ganhando aliados na moda, um exemplo disso é a
invenção da minissaia, na indústria farmacêutica com a
criação de anticoncepcionais, mais tarde com a venda em Rafael dos Santos, sacerdote da
massa de preservativos e pílulas, chegando a ocupar lugar Arquidiocese de São Sebastião do
de destaque em todas as áreas de consumo: no cinema, na Rio de Janeiro. Possui Formação em
musica, na literatura, na farmácia até no auxílio de venda Filosofia, Direito, Teologia e é
mestrando em Direito Canônico no
de outros produtos em comerciais. PISDC/Pontifícia Universidade
Gregoriana.
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 26

Educar para a vida ética


e para a democracia há, portanto, justiça social sem liberdade. Contudo, uma das
maiores ameaças à liberdade é a ignorância. Roger Bacon

D
(1220-1292), que colocou a moral em destaque no contexto da
sua obra, insistia no fato de que “nada há mais digno do que a
esde a segunda metade do século XX até nossos dias, busca do saber, pelo qual se desterra a névoa da ignorância e
tornou-se um imperativo, neste mundo globalizado, se ilumina a mente humana para poder estar em condição de
fazer uma reflexão cuidadosa sobre a tarefa de educar para escolher o bem e detestar o mal”[2].
uma vida ética e para a democracia. Como ressalta o Papa Educar para a democracia significa, sobretudo, que “não é
Francisco (1936-), a sociedade contemporânea entrou em um possível amar o próximo como a si mesmo e perseverar nesta
período de degradação, onde “vai-se ‘nivelando por baixo’ atitude sem a firme e constante determinação de empenhar-
mediante um consenso superficial e comprometedor” (Fratelli se em prol do bem de todos e de cada um, porque todos nós
tutti, 210). somos verdadeiramente responsáveis por todos” (Sollicitudo
Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam rei socialis, 38). É sob esta exigência que se forma o
superados, ressurgem nacionalismos fechados, entendimento da relação entre práticas políticas e
exacerbados, ressentidos e agressivos. Em vários países, moralidade pública, que sofreu uma mudança significativa na
uma certa noção de unidade do povo e da nação, virada do século XVI, quando Nicolau Maquiavel (1469-1527),
penetrada por diferentes ideologias, cria novas formas de
ao procurar soluções para os problemas das cidades italianas,
egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma
suposta defesa dos interesses nacionais (Fratelli tutti, 11). orienta a política para a eficácia, recusando todo o
comprometimento com a moral no exercício do poder.
O “debate saudável sobre projetos a longo prazo para o Através da teoria da necessitas (necessitas legem non habet)
desenvolvimento de todos e o bem comum” (Fratelli tutti, 15) entende que o príncipe, diante de um perigo iminente, tem o
vai perdendo espaço para “o mecanismo político de exasperar, direito pleno de agir contra a moral, cometendo delitos e
exacerbar e polarizar” (Fratelli tutti, 15). “A melhor maneira de crimes. Deste modo, inaugura um hiato entre a ação política
dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e e a vida ética.
despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por
Ao considerar as questões postas aqui, não é difícil afirmar
detrás da defesa de alguns valores” (Fratelli tutti, 15). Como o
que o futuro da humanidade e, por conseguinte, do planeta,
diálogo se tornou ineficaz e obsoleto para alguns, então
inclui necessariamente uma atenção especial para a
“triunfa a lógica da força” (Fratelli tutti, 210). Nesta sociedade
educação. Com o auxílio dela, o egoísmo pragmático se
carente de referências, os valores mais fundamentais vão
transforma em uma ponte entre os diferentes morais e as
sendo dissolvidos no caldeirão em que se misturam
diferentes gerações. A educação será sempre a vocação para
extremismos e opiniões infundadas.
o entendimento e o empenhamento em prol de uma
Em sua encíclica Fides et ratio (1998), o Papa João Paulo II
sociedade que deseja viver o genuíno sentido da fraternidade.
(1920-2005) observa que para alguns pensadores da pós-
Para que isto ocorra, é necessário estabelecer um pacto
modernidade “o tempo das certezas teria irremediavelmente
global pela educação, mas como observa o Papa Francisco
passado” (Fides et ratio, 91). Isto acarretaria, como efeito, a
na exortação apostólica pós-sinodal Christus vivit (2019):
“ausência total de sentido, sob o signo do provisório e do
efêmero” (Fides et ratio, 91). Há um pacto quando, mantendo as recíprocas diferenças,
É fato que a globalização trouxe conquistas novas e opta-se por colocar as próprias forças ao serviço do mesmo
projeto. Há um pacto quando somos capazes de
importantes, mas é igualmente verdadeiro que, em muitos
reconhecer no outro, diferente de nós, não uma ameaça
aspectos, ela nos torna “vizinhos, mas não nos faz irmãos” contra a nossa identidade, mas um companheiro de
(Caritas in veritate, 19), como enfatiza o Papa Bento XVI (1927- viagem, para que “se descubra nele o esplendor da imagem
2022). As batalhas que outrora ocorriam nas fronteiras, hoje de Deus” (Christus vivit, 165).
ocorrem no ciberespaço. Muitos se aproximam para atacar e
A emergência educativa[3] se impõe a todos como dever
detratar até a destruição. A consequência do cyberbullying moral de restabelecer a fraternidade através dos vínculos da
tem sido o sepultamento moral e, em alguns casos, o suicídio. solidariedade e do reconhecimento das diferenças. Esta
No lugar da globalização da fraternidade, nos deparamos atitude nos recoloca no centro das preocupações éticas,
com a globalização da indiferença que, paradoxalmente, nos porque a fraternidade transcende o caráter privado do
“leva a perder o sentido da totalidade” (Laudato si’, 110). egoísmo em favor da alteridade. “É necessário educar e
É necessário voltar a atenção para as relações humanas e para educar-se para não considerar o próximo como um inimigo
isto todos somos convocados, especialmente o Cristianismo, nem um adversário a eliminar”[4].
porque a sua mensagem se identifica com a responsabilidade ___________________________________
de reconhecer, como irmão, o outro em suas diferenças e
respeitar a dignidade da sua vida. É neste sentido que a [1] PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da doutrina
educação para uma vida ética se torna fundamental. Para social da igreja, n. 48.
[2] “Et ideo nihil est dignius studio sapientiae, per quam omnis
Cristo, a vida está posta acima de todas as preocupações (cf.
ignorantiae caligo fugatur, et mens humana eligat, et mala singula
Mt 6, 25). Foi por este o motivo que Ele se entregou à morte detestetur”: BACON, R. Opus tertium. London: University Press, 1912, 10-
para que a humanidade pudesse ter a vida em plenitude. Ele 11.
comprova que Deus “não é um Deus de mortos, mas sim de [3] Expressão utilizada pelo Papa Bento XVI em sua carta à Diocese de
vivos” (Mc 12, 27). A defesa da vida, como princípio ético, se Roma sobre a tarefa urgente da educação, de 21 de janeiro de 2008.
inscreve na capacidade de amar. Se a criação é um ato do [4] FRANCISCO, PP. Mensagem para o dia mundial da paz, dia 1 de
janeiro de 2014.
amor de Deus, então a defesa da vida deve ser a expressão
humana deste amor.
Ao falar de democracia, o olhar se volta para a justiça social.
Pós-doutor com pesquisas em ética
Boa parte do ensinamento social da Igreja é determinado biomédica, André Marcelo Soares é
pelas grandes questões sociais, para as quais deseja ser uma professor do departamento de
resposta a partir da mensagem de Jesus Cristo. Em razão Teologia da PUC-Rio. É também
disso, o Magistério Católico sempre ensinou que “a pessoa secretário geral da Academia Fides
et Ratio e membro honorário da
humana não pode e não deve ser instrumentalizada por Academia Brasileira de Medicina de
estruturas sociais, econômicas e políticas, pois todo homem reabilitação e do Centro de Estudos
tem a liberdade de orientar-se para o seu fim último” [1]. Não de Bioética (Portugal). É autor de
Bioética: você sabe o que é?
(Benedictus, 2022).
Abril-junho 2023 | Scena Crítica 27

In scena

Temática fundamental para se


compreender a história da Igreja no Considerações sobre
Brasil do período colonial ao fim do o direito natural de
Império, o padroado régio é a Alberto Magno
temática central do livro de Eraldo TELMO OLÍMPIO
Leão, doutorando em História Social Angelicum, 2023,
pela UFRJ. 112 págs
Fruto de sua dissertação de mestrado
em Teologia na PUC-RIo, O
Padroado Régio no Brasil e a
criação das circunscrições
eclesiásticas analisa a relação entre
a Igreja e a administração colonial e
imperial no Brasil.

Analisando o direito e a lei natural no De justitia de Santo


Alberto Magno, o livro de Telmo Olímpio insere na
literatura filosófica brasileira um importante estudo acerca
O Padroado Régio no Brasil e a criação das da obra ainda pouco conhecida do Doctor Universalis.
circunscrições eclesiásticas Considerações sobre o direito natural de Alberto
ERALDO DE SOUZA LEÃO Magno é uma leitura que vai interessar a todos que se
Multifoco, 2023, debruçam sobre a temática jurídico-filófica em torno do
276 págs jusnaturalismo.

No mês de agosto o Centro Dom Vital, no Rio de Janeiro, retorna com suas
atividades, começando no dia 14 com uma missa pelos 40 anos da morte de
Alceu Amoroso Lima, que durante décadas foi presidente do Centro.

No dia 21, às 18:30h, o Grupo de Estudos Tomistas reincia com o tema


Como conhecemos Deus? Estudo da Suma Teológica I, questão 12. No dia
28, também às 18:30h, acontece o tradicional Cineclube. Essas duas
atividades são gratuitas sem necessidade de inscrição.

Também estão previstos cursos, conferências e outras atividades, sempre


divulgadas no site e nas mídias sociais do Centro.

CENTRO DOM VITAL


Rua Araújo Porto Alegre, n. 70, sala 110
Rio de Janeiro, Centro - RJ

centrodomvital.com.br
instagram.com/centrodomvital
comunicacao@centrodomvital.com.br
Tel.: 21 2516-2046
SCENA

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