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BECHARA
Com base no seu discurso de posse na ABL, levantaremos, por meio da Análise
do Discurso, filigranas de sua personalidade na situação inicial de sua
imortalidade, procurando desvelar o sujeito Evanildo Bechara, que representa
inúmeros papéis: familiares (pai, esposo, avô, bisavô), profissionais (professor,
filólogo, gramático, escritor), de amizade (colega, amigo, “guia”, “exemplo”).
O sujeito revela-se um homem que tem amor à vida, que pretende viver bastante
para realização de seus objetivos e, por meio de seu uso da língua exemplar,
próprio de sua competência lingüística, comunicativa, discursiva e textual,
adequado ao momento de início de sua imortalidade, agradece a honra recebida,
pontifica a convivência fraterna e o enriquecimento cultural advindo daí e aponta
para as perspectivas futuras com novas realizações para a ABL.
Passando a incluir-se na casa, que pede licença aos acadêmicos que o recebem
para chamar de “nossa”, (eis a simplicidade manifestada pelo sujeito) elogia, como
bom cavalheiro que sempre tem sido, as produções de obras literárias e
científicas, pelas iniciativas que têm levado a cabo e pela preservação da
Academia surgida nos padrões franceses, pois em 1923, o governo francês doou
à Academia Brasileira de Letras um prédio, construído no ano anterior para abrigar
o pavilhão da França na Exposição Internacional comemorativa do Centenário da
Independência do Brasil, no Rio de Janeiro. O prédio que era uma réplica do Petit
Trianon de Versailles, foi a primeira sede própria da Academia, em que ocorreu a
posse desse novo membro da ABL que revelou, em sua atitude de sujeito
ingressante, aquela que se espera de um novo membro indicado e eleito em tal
instituição de renome.
Os ditos do sujeito acadêmico são coerentes com o papel de que está investido na
situação de posse. O uso do fardão 1 solicita expressões de homem douto como
“peso do brilho dos ocupantes da Cadeira em que me entronizastes”, revelando a
emoção forte que o domina e o sentimento de júbilo pela grandiosidade do lugar
que ocupará na Academia. Note-se que, nesse discurso materializado pelo texto
do sujeito em questão, é utilizada a segunda pessoa do plural (vós) na
interlocução com o público presente na sessão de posse, forma pronominal essa
já em desuso no cotidiano da nação brasileira, presente apenas em situações tão
solenes como esta que temos em foco.
1
Entenda-se fardão como o traje simbólico dos membros da Academia Brasileira de Letras.
Segundo o enunciador, baseado em outro sujeito acadêmico - Afrânio Coutinho:
“Dominava-o a caça às sensações que registrava com volúpia, como bom
discípulo dos Goncourts, o que o sensibilizaria para certas impressões fugazes,
que ele próprio referiu na sua obra-prima, aquelas reminiscências sonoras que
ficam perpétuas, falando numa linguagem que faria inveja a Marcel Proust”.
O sujeito acadêmico apresenta seu interesse pelas letras a partir das influências
de grandes filólogos, lingüistas e gramáticos que o constituíram em sua formação
discursiva como sujeito envolvido com as letras e, agora, por ser emérito
gramático, filólogo e lingüista na memória social, manifestou-se discursivamente
pelos mecanismos de toda formação social que, com suas regras de projeção
estabelecedoras da relação entre as situações concretas e as representações
dessas situações, levaram-no a se candidatar e a ser eleito para a vaga na ABL
que lhe coube muito bem, por ser um legítimo lugar de representações sociais
constitutivas dessa significação discursiva.
Tal posição é hoje de vanguarda, uma vez que se, como falantes nativos da língua
em uso, devemos respeitar todas as variantes lingüísticas, incluindo-se entre elas
a norma padrão culto, que deve ser ensinada na escola e utilizada pelas pessoas
que atingiram alto grau de escolaridade em situações formais de língua oral e
escrita.
E continua:
Independentemente das instituições especializadas, poderá a
Casa, por proposta do seu filólogo, apresentar a seus pares e à ilustre
Academia das Ciências de Lisboa sugestões simplificadoras em
aspectos puramente convencionais e práticos ainda presos a
tecnicismos que perturbam o homem comum, sem prejuízo naturalmente
de pressupostos teóricos. É o caso, por exemplo, do emprego do hífen e
do apóstrofo segundo as complicadas exigências do nosso Formulário
ortográfico, de 1943, ou mesmo do Acordo de 1991.
Daí a Academia, para a consecução dos preceitos estatutários, ou
de outros que seus membros elegerem prioritários para atenderem a
novas necessidades, precisar da colaboração de órgãos e de
especialistas na programação de atividades e elaboração de obras
relacionadas com o cultivo da língua e da literatura nacional.
Temos, pois, por meio das posições assumidas pelo sujeito acadêmico, os efeitos
de sentido determinados pela ideologia no processo sócio-histórico em que o
discurso é produzido: século XXI, na ABL. O sujeito acadêmico investido de seu
novo papel está marcado pelas novas tendências lingüísticas de um lado e pelas
posições tradicionais dos gramáticos e filólogos de outro lado e nessas condições
de produção tece considerações acerca das questões importantes para esse
momento histórico despedindo-se:
Senhores e senhoras,
Trago-vos a experiência larga do magistério universitário; um
conjunto de obras que haveis reputado digno de me fazer ingressar na
Casa e participar convosco do seu destino.
Mas, acima de tudo, desejo neste momento manifestar meu mais
afetuoso agradecimento ao grupo de amigos que me estimulou a
concorrer à Cadeira 33 e a todos vós, por ratificardes o convite com o
vosso apoio e a consagração dos vossos votos.
Muito obrigado
BIBLIOGRAFIA