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RESUMO: Entre os anos de 1979 e 1991, a editora Ática lançou no Brasil o projeto
literário Autores Africanos, que foi constituído por obras das fases pré-colonial, colonial
e pós-colonial africana. Deste modo, o professor Fernando A. A. Mourão, a convite do
então presidente da Ática, Anderson F. Dias, aceita dirigir a coleção, que, ao longo
daqueles anos, lançou 17 romances, 9 livros de contos e 1 de poesia. Autores como
Pepetela, Chinua Achebe, Agostinho Neto, entre outros, são apresentados ao público
brasileiro. Portanto, seguindo na esteira das séries literárias já lançadas pela Ática,
tais como: Bom Livro e a Vagalume, o romance A vida verdadeira de Domingos
Xavier, do angolano Luandino Vieira, abre, simbolicamente, a série Autores Africanos.
Assim sendo, neste artigo, veremos uma breve apresentação da coleção, seguida e
integrada à história da editora Ática.
PALAVRAS-CHAVE: Coleção de Autores Africanos; Editora Ática; História Literária.
1
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (Processo
nº: 2014/22424-0). Salientamos que “as opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações
expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a
visão da FAPESP”.
2
O professor Fernando Mourão é doutor em Sociologia e titular/aposentado na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, todavia, ainda atua nos
cursos de Pós-Graduação do Programa.
flagelados do vento leste, do cabo-verdiano Manuel Lopes. Nos anos
seguintes, autores como Pepetela, Luís Bernardo Honwana, Jofre Rocha e
Manuel Ferreira têm suas obras em destaque, e, a partir daí, há uma mescla
com autores cujas produções eram escritas originalmente em inglês e francês,
tais como: V. Y. Mudimbe, Nurrudin Farah, Bernard Dadié, Chinua Achebe e
outros.
Ao falarmos sobre essa empreitada3, o professor Mourão nos aponta,
primeiramente, a figura carismática, bondosa, séria e incrível do seu amigo
Anderson Fernandes4, o fundador e diretor da Ática até 1988, em torno do qual
a empresa conquistou um lugar representativo. As conversas sobre a
concepção da coleção eram realizadas diretamente com Anderson, tanto que
Mourão tinha bastante livre-arbítrio para decidir o que publicar e como
direcionar o trabalho com a equipe disponível, já que lhe havia sido dada “carta
branca” para o desenvolvimento do trabalho.
Vejamos uma foto do Anderson Fernandes Dias:
Fig. 1: Foto de Anderson Fernandes Dias extraída do Livro Momentos do Livro no Brasil, de
Fernando Paixão, na parte dedicada à Ática: Ática, em busca do leitor, 1998, p. 159-161.
3
Entrevista realizada com Fernando Mourão nos dias 18, 23 e 24 de 2015, na sua residência
em Caucaia do Alto, Cotia-S.P.
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Todos estes adjetivos foram, de fato, citados por Mourão durante a entrevista, o que nos
mostra o carinho que teve por Anderson. Ademais, Anderson era médico especialista em
doenças infectocontagiosas, formado pela USP.
Durante o período de execução da coleção, Anderson e sua esposa
fizeram algumas viagens para Luanda, nas quais foram muito bem recebidos e
conseguiram estabelecer vários contatos. Um dos resultados destas visitas foi
uma oferta de 8 bolsas de estudos na função de tipógrafo para estudantes
angolanos, mas infelizmente, os alunos foram recrutados para lutar na guerra,
impedindo-os de continuarem no Brasil.
Com o projeto em andamento, Anderson fez questão de alimentar
pessoalmente os laços de relacionamento com alguns escritores, e quando
ocorria algum incidente, como um problema na edição dos livros, tratava de
logo corrigi-lo. Em função dessas intervenções, Pepetela e Luandino Vieira
vieram ao Brasil durante o período de vigência da coleção para conhecer a
Ática e dar palestras, principalmente na Universidade de São Paulo.
Através da conversa com Mourão, descobrimos que a antologia foi um
projeto criado com o “sinal da morte”5, isto é, tinha uma data para começar e
para terminar, não havia a intenção de reedições ou mesmo uma coleção de
longa durabilidade, a coleção serviria como ponte de ligação para futuros
projetos e publicações isolados de escritores. Ao nosso olhar, a antologia serve
como esteira de apresentação dos autores africanos para os leitores
brasileiros, por isso ela tinha que acabar, o seu papel era o de instigar o público
para o que estava sendo produzido e, ainda, aguçar a curiosidade por futuros
lançamentos.
Desse modo, sendo uma coleção já fadada ao término, pergunto a
Mourão se caso Anderson não tivesse falecido (1988, ano de sua morte), já
que era o grande incentivador do projeto, se a editora teria continuado com a
coleção, ele me diz que possivelmente que não, talvez tivesse ocorrido o que
outras empresas editoriais têm realizado ultimamente, publicar autores de
maneira autônoma.
O próprio título escolhido para a antologia, Coleção de Autores
Africanos, já se distinguia daquilo que se costumava publicar, tanto que não há
registros para época de coleções compactas de autores de outras
5
Essa é uma expressão extraída da conversa que tivemos com o professor Mourão. A ideia foi
frisada várias vezes, corroborando, desta maneira, um dos propósitos da coleção: apresentar a
literatura africana.
nacionalidades no Brasil, então, por que uma coleção com esse nome? Tudo
nos leva a crer que essa escolha foi realizada em razão do desconhecimento
de tal literatura no país, talvez com esse título também se despertasse o desejo
dos leitores pela recém-literatura que chegava ao país nesse novo formato.
Devido ao desconhecimento dos autores da antologia, a editora propõe
um padrão de apresentação que convidasse o leitor a conhecer de maneira
didática os livros, visto, também, que os cursos de literatura africana no país
estavam começando, vejamos esta nota do professor Mourão:
Digamos que a coleção cumpre com o seu ciclo, ser uma esteira de
acesso tanto para os autores africanos quanto para a “redescoberta” do
continente africano, haja vista que o interesse pelo continente e pelos
escritores aumenta, sobretudo, por parte do público universitário. “A edição
desses autores, que vem despertando a atenção da imprensa e do público,
contribuem, sem dúvida, para a integração da literatura africana aos currículos
universitários, além da divulgação em termos do grande público” (MOURÃO, p.
7, s/d).
Com a morte do Dr. Anderson, a coleção galga para o seu derradeiro
fim. A empresa começa a ter dificuldades financeiras e o que já estava
programado, de fato, extingue-se. Os novos administradores da Ática queriam
vender algo que saísse no dia seguinte e, como a coleção não era algo
rentável, a antologia cai no esquecimento e, assim, encerra-se o ciclo.
Vejamos na tabela abaixo os títulos que foram publicados ao longo dos
doze anos em que a antologia esteve relativamente ativa, uma vez que de
1979 a 1986 a coleção concentrou o seu maior volume de produção,
publicando, dos seus 27 títulos, 25:
1979:
1- A vida verdadeira de Domingos Xavier, José Luandino Vieira;
2- Os flagelados do vento leste, Manuel Lopes.
1980:
1- As aventuras de Ngunga, Pepetela;
2- Nós matamos o Cão-Tinhoso, Luís Bernardo Honwana;
3- Estórias de Musseque, Jofre Rocha;
4- Hora de Bai, Manuel Ferreira.
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Informação obtida a partir do acesso ao acervo pessoal do professor Fernando Mourão, nos
arquivos presentes em sua residência, em Caucaia do Alto, Cotia-SP, s/d.
1981:
1- O belo imundo, V. Y. Mudimbe;
2- Kinaxixe e outras prosas, Arnaldo Santos;
3- Portagem, Orlando Mendes.
1982:
1- Luuanda, José Luandino Vieira;
2- De uma costela torta, Nuruddin Farah;
3- Climbiê, Bernard B. Dadié;
4- Aventura ambígua, Cheikh Hamidou Kane;
5- Mayombe, Pepetela;
6- Sundjata ou a epopeia mandinga, Djibril Tamsir Niane;
7- Dizanga dia Muenhu, Boaventura Cardoso.
1983:
1- O Mundo se despedaça, Chinua Achebe;
2- O astrolábio do mar, Chems Nadir;
3- Gente da cidade, Cyprian Ekwensi.
1984:
1- A ordem de pagamento e branca gênese, Sembène Ousmane;
2- Ilhéu de contenda, Teixeira de Sousa;
3- “Mestre” Tamoda e Kahitu, Uanhenga Xitu;
4- Yaka, Pepetela.
1985:
1- Sagrada esperança, Agostinho Neto.
1986:
1- Chiquinho, Baltasar Lopes.
1990:
1- Dumba Nengue: histórias trágicas do banditismo, Lina Magaia.
1991:
1- Nós, os do Makulusu, José Luandino Vieira.
7
Entrevista com o editor Jiro Takahashi, feita via e-mail, entre os dias 01, 02 e 03 de junho de
2015.
Fronteira, Abril, Editora do Brasil, Ediouro e Editora Prumo. Com lembranças
daquele período, forneceu-nos algumas informações sobre o projeto Autores
Africanos: na década de 1980, ocorreram várias mudanças na Ática, como na
priorização de determinadas linhas editoriais, o que pode ter levado ao
encerramento da coleção em 1986, já que desta data até 1990 há uma
interrupção nas publicações. O fato de mais dois livros da antologia terem sido
publicados após 1990, justifica-se possivelmente pelo fato da editora ter o
hábito de conduzir até o fim o cumprimento dos seus contratos, que, segundo
Takahashi, nunca deixou de honrar. Então, mesmo com a decisão de
finalização, a editora cumpre com o plano inicial, que era o de lançar os títulos
propostos. Pelo menos foi o que se delimitou com o decorrer do projeto, visto
que, na verdade, Mourão prepara uma lista com mais de 80 autores.
Mesmo com as alterações nas linhas de produção, o projeto Autores
Africanos teve uma equipe bastante compacta para o desenvolvimento do
trabalho, com frentes de direção, capas, diagramação, arte-final, edição de
textos, preparação de texto, revisão, por fim, um grupo que se mantém regular
na montagem dos títulos:
DIREÇÃO:
1- Fernando Augusto Albuquerque Mourão.
CAPAS:
1- Ary Normanha; 2- Mário Cafiero; 3- Wanduir Durant; 4- Aderbal Moura;
5- Jayme Leão; 6- Delfim Fujiwara; 7- Paulo César Pereira.
DIAGRAMAÇÃO:
1- Antônio do Amaral Rocha.
ARTE-FINAL:
1- René Etiene Ardanuy; 2- Mara Patrícia Feixas.
EDIÇÃO DE TEXTO:
1- Carmem Lydia de Sousa Dias; 2- Paulo Anderson Fernandes Dias.
PREPARAÇÃO DO TEXTO:
1- Marina Appenzeller.
REVISÃO DO TEXTO:
1- Marina Appenzeller; 2- Paulo Anderson Fernandes Dias.
A Editora Ática
Fig. 2: Foto dos alunos no curso da Madureza Santa Inês, extraída do Livro Momentos do Livro
no Brasil, de Fernando Paixão, na parte dedicada à Ática: Ática, em busca do leitor, 1998, p.
159-161.
8
Essas informações podem ser consultadas neste endereço eletrônico:
<http://www.atica.com.br/SitePages/A-editora/Conheca-nossa-historia.aspx>. Acesso em: 01
jun. 2015.
Segundo as observações de Fernando Paixão (1998, p. 159), nesse
período o Brasil vivia uma fase de grande euforia desenvolvimentista, devido
ao programa de Planos de Metas do governo de Juscelino Kubistchek, o qual
prometia recuperar o atraso do país em 5 anos, reconhecido pelo famoso
slogan “50 anos em 5”. Paixão desenvolve um estudo referente ao surgimento
e desenvolvimento do livro no Brasil, presente no título Momentos do livro no
Brasil, no qual há um capítulo especial sobre a história da Ática.
Com esse advento, por sua vez, muitos adultos voltaram às salas de
aula com o propósito de se qualificarem para essa nova etapa, assim, os
cursos da Madureza passam a ser bastante requisitados. Tanto que, de um
início tímido, em um ano o número de alunos do Santa Inês saltou de quinze
para cem, e já no início da década de 1960 ultrapassava a casa dos três mil.
Silvia Helena Simões Borelli (2004, p. 1) relata que a Ática passa a
publicar os seus livros dando sequência ao trabalho iniciado pelo Curso de
Madureza Santa Inês. Esses livros eram as apostilas destinas aos professores
do cursinho que tinham a finalidade de sistematizar as informações, os textos e
autores que eram trabalhados no curso.
O material utilizado pelos alunos era confeccionado pelos próprios
professores em formato de apostilas e distribuídas gratuitamente, entretanto,
com o aumento considerável do número de interessados, a produção precisou
de uma maior profissionalização. Deste modo, os dirigentes decidiram fundar
em 1962 a Sesil – Sociedade Editora do Santa Inês Ltda – sendo liderada pela
iniciativa de Anderson Fernandes Dias. Ademais, Laurence Hallewell (2012, p.
617) constata que o curso supletivo Santa Inês tinha com uma de suas
intenções, também, comercializar as cópias mimeografadas do seu material de
ensino desenvolvido em parceria com outras instituições e professores.
Assim, já podemos perceber uma das linhas que viriam a ser um dos
maiores sucessos da editora, isto é, o desenvolvimento de livros didáticos,
tanto para o auxílio do professor quanto para a sistematização do estudo dos
alunos, pois com a experiência adquirida com a Sesil, o projeto estético das
apostilas ganha um novo formato e uma impressão mais profissional,
conquistando uma boa parte do mercado editorial vigente.
Desse modo, três anos após esse empreendimento, a editora Ática é
fundada, e seu progresso foi notório:
Referências bibliográficas