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Francieli Sant’ana Marcatto

Taís Pires de Oliveira


Estevão Pastori Garbin
Angela Maria Endlich

ORGANIZADORES

CONSTRUINDO O SABER GEOGRÁFICO


20 ANOS DO PGE - UEM

1ª Edição

PGE- Programa de Pós-graduação em Geografia

Maringá
2019
CORPO EDITORIAL

PRESIDENTE
Prof. Dr. Hélio Silveira
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (UEM)

EDITORES CIENTÍFICOS
Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UFU)

Profa. Dra. Maria Cleide Baldo


UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ (UTFPR)

COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Dr. A n d ré Luís V a l v e rd e Profa. Dra. Juliana de Paula Silva
Fernandes Profa. Dra. Juniele Martins Silva
P r o f a . D r a . A n ge l a M a r i a E n d li c h Profa. Dra. Karine Bueno Vargas
P r o f . D r . B r u n o L e o n a r d o B a r c e l l a S i lv a P r o f . D r . L e o n a rd o D i r c e u A z a m b u j a
P r o f . D r . C l a u d i v a n S a n c he s L o p e s P r o f . D r . L u c a s C é sa r F r e d i a n i S a n t ’ a n a
P r o f a . D r a . C le d i a n e N a s ci m e n t o S a n t o s P r o f . D r . M a r c e l B or d i n Ga l v ã o Di a s
Profa. Dra. Dayana Aparecid a M. de O. P r o f a . D r a . M a r i a Te r e s a d e N ó b r e g a
Cruz Profa. Dra. Marta Luzia de Souza
Profa. Dra. Eliane Silva dos Santos P r o f . D r . M u n i r J o rg e F e lí c i o
P r o f . D r . E lp í d i o S e r r a Prof. Dr. Oseias da Silva Martinuci
P r o f . D r . F e li p e C é sa r A . S . d o s S a n t o s P r o f a . D r a . Ra f a e la H a r u m i F u j i t a
P r o f . D r . F e rn a n d o C é s a r M a n o ss o P r o f . D r . R i c a rd o L o p e s F o n se c a
P r o f . D r . F e rn a n d o V e r o n e z z i P r o f . D r . R i c a rd o L u i z T o w s
P r o f . D r . F i li p e R a fa e l G r a ci o l i P r o f . D r . V a l d e i r De m é t r i o
P r o f a . D r a . Gi s e le B a r b o s a d o s S a n t os P r o f a . D r a . V a lé r i a L i m a
P r o f . D r . G l a u c o N on o s e Ne g r ã o P r o f a . D r a . V i vi a n a M e n d e s L i m a
P r o f . D r . H é li o S i l ve i r a

EDITORAÇÃO
Estevão Pastori Garbin
Francieli Sant’ana Marcatto
Taís Pires de Oliveira
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (UEM)
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)

C758 Construindo o saber geográfico [recurso eletrônico]: 20 anos


do PGE-UEM / Francieli Sant’ana Marcatto ... [et al.]
organizadores - Maringá, PR: PGE Ed., 2019.

ISBN 978-85-87884-41-1

1. Geografia. 2. Programa de Pós-Graduação em Geografia –


Universidade Estadual de Maringá. 3. Encontro Regional de
Geografia. 4. Semana de Geografia. I. Marcatto, Francieli
Sant’Ana, org. II. Título.

CDD 23.ed. 910


Márcia Regina Paiva de Brito – CRB-9/1267

Fotografia da capa: Mosaico de imagens.


Estação Rodoviária de Maringá – 1970. Acervo: Adriano José Valente / Acervo Maringá Histórica.
Vista aérea do campus sede da Universidade Estadual de Maringá. Acervo: Assessoria de Comunicação/UEM.
Vista aérea do Parque do Ingá. Acervo: TripAdvisor.

Esta obra foi realizada com o apoio das seguintes instituições:

O conteúdo deste livro é de responsabilidade integral dos seus autores.


ta obr Possui uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0
Internacional.
SUMÁRIO
7
Apresentação

Mesas redondas do IV Encontro Regional de Geografia: PGE 20


anos e XXVI Semana de Geografia

I - Trajetória do PGE: como foi que tudo começou


Elpídio Serra 10

II- A inteligência geográfica no setor público: o caso de Mandaguaçu-PR 24


João Renato Antoniazzi

Os docentes do PGE na construção do conhecimento geográfico

III - Pequenas localidades: desafios socioespaciais e pauta de estudos


Angela Maria Endlich 61

IV- Praça: a (in)quietude do tempo


Bruno Luiz Domingos De Angelis
João Karlos Locastro. 84
Glenda Lislie Maciel Alves
Fábio Alvarenga Peixoto

Os discentes do PGE na construção do conhecimento geográfico


ANÁLISE AMBIENTAL
MAPEAMENTO GEOAMBIENTAL DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS ANTAS,
100
CRUZEIRO DO OESTE-PR
André Jesus Periçato e Marta Luzia de Souza

ANÁLISE INTEGRADA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS NO ALTO VALE DO RIO PIRAPÓ-


116
PR: SUBSÍDIO PARA O ZONEAMENTO AMBIENTAL
Cássia Maria Bonifácio, Maria Teresa de Nóbrega e Hélio Silveira

PROPOSTA DE ROTEIRO CICLOGEOTURÍSTICO EM MARINGÁ-PR 130


Dalton Nasser Muhammad Zeidan e Juliana De Paula Silva

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NO PARQUE NACIONAL DE 146


ILHA GRANDE (PR-MS)
Everton Hafemann Fragal e Nelson Vicente Lovatto Gasparetto

PESQUISAS PALEOAMBIENTAIS NO CERRADO DE JAGUARIAÍVA, PARANÁ, BRASIL 158


Fernando Henrique Villwock, Renan Valério Eduvirgem e Mauro Parolin
EFEITO DO USO E MANEJO NO COMPORTAMENTO FÍSICO-HÍDRICO DA COBERTURA
PEDOLÓGICA DE TEXTURA MÉDIA E ARENOSA DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO 174
PIRAPÓ-PR
Francieli Sant'ana Marcatto e Hélio Silveira

AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DO HORTO FLORESTAL DE


191
ASTORGA, PR
Giuliano Torrieri Nigro e Lourenço José Neto Moreira

ANÁLISE DO CARACOL GIGANTE AFRICANO NA ZONA 07 DO MUNICÍPIO DE


MARINGÁ, PARANÁ: UTILIZAÇÃO DA TEMPERATURA MÉDIA DO AR E MATRIZ DE 207
PERMUTAÇÃO ORDENÁVEL
Renan Valério Eduvirgem e Maria Eugênia Moreira Costa Ferreira

AS RELAÇÕES ENTRE OS ASPECTOS FÍSICOS E SOCIOECONÔMICOS NO ALTO CURSO


220
DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PIRAPÓ – PR
Tsugie Kawano Oyama e Hélio Silveira

O USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A ANÁLISE GEOMORFOLÓGICA DE BACIA DE


235
PEQUENA ORDEM
Valquiria Brilhador da Silva, Idjarrury Gomes Firmino e Edison Fortes

PRODUÇÃO DO ESPAÇO E DINÂMICAS TERRITORIAIS


A LUTA CAMPONESA EM BARBOSA FERRAZ – PR: O PRÉ-ASSENTAMENTO IRMÃ 251
DOROTHY
Aline Albuquerque Jorge e Elpídio Serra

AÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E COLONIZAÇÃO DE


267
CAMPO MOURÃO (1940-1960)
Aurea Andrade Viana de Andrade, Elpidio Serra e Jocimara Maciel Correia

O USO DA CATEGORIA PAISAGEM NAS ANÁLISES GEOGRÁFICAS: PUBLICAÇÕES DO


283
ENANPEGE - 2013 E 2017
Bruna Morante Lacerda Martins e Larissa Donato

O PROCESSO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL NA CIDADE DE OURINHOS-SP


296
Franciele Miranda Ferreira Dias
ANÁLISE DA QUALIDADE DE VIDA NA CIDADE DE BIRIGUI-SP: UMA PROPOSTA
METODOLÓGICA COM A UTILIZAÇÃO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA 312
(SIG)
Márcio Fernando Gomes e Deise Regina Elias Queiroz
A CONSTRUÇÃO DO ATLAS MUNICIPAL ESCOLAR DE APUCARANA-PR: EM
330
PESQUISA PARTICIPANTE
Maria do Carmo Carvalho Faria
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E MERCANTILIZAÇÃO: O CASO DO PROJETO
346
CIDADE INDUSTRIAL DE MARINGÁ (PR)
Ricardo Luiz Töws

SABERES DOCENTES MOBILIZADOS NO DESENVOLVIMENTO E UTILIZAÇÃO DE


363
JOGOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA
Tais Pires de Oliveira e Claudivan Sanches Lopes

A VILA OLÍMPICA DE MARINGÁ: LÓCUS PARA O LAZER E A SOCIALIZAÇÃO 376


Tânia Peres de Oliveira, Lisandro Pezzi Schmidt e Valdemir Antonelli

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES E COMERCIAIS: OS MUNICÍPIOS DE


392
ITAÍ/SP E PIRAPOZINHO/SP
Tassiana Justino Fernandes e Maria das Graças de Lima

IMPACTOS SOCIAIS DA MECANIZAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR NO NOROESTE DO


409
PARANÁ
Ariana Castilhos dos Santos Toss Sampaio e Márcia Marolo

O ESPAÇO DE FÉ FABRICADO NA EXPRESSÃO ECONÔMICA DO SAGRADO 424


Francisco John Lennon Alves Paixão Lima e Maria das Graças de Lima

GEOGRAFIA, ARTE, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO 439


Gustavo Gabriel Garcia, Lucas da Silva Salmeron e Henrique Manoel da Silva

MUNICÍPIOS E PEQUENAS CIDADES DO CONTESTADO NO PARANÁ 454


Juliana Castilho Bueno e Ângela Maria Endlich

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO E A RELAÇÃO COM OS CONJUNTOS HABITACIONAIS DO


PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM MARINGÁ/PR E NOS DISTRITOS DE 472
FLORIANO E IGUATEMI
Livia Fiorillo Nunes

GEOGRAFIA, ENSINO MÉDIO E REFORMAS EDUCACIONAIS 483


Lucas da Silva Salmeron, Gustavo Gabriel Garcia e Claudivan Sanches Lopes

MICRORREGIÕES COMO PROPOSTA DO ESTATUTO DA METRÓPOLE PARA GESTÃO 499


COMPARTILHADA EM ÁREAS NÃO METROPOLITANAS
Marinalva dos Reis Batista e Angela Maria Endlich

REPRESENTAÇÕES GEOLÓGICAS, SEMIÓTICA E O ENSINO DA GEOGRAFIA ESCOLAR 516


Thays Zigante Furlan e Fernando Luiz de Paula Santil
APRESENTAÇÃO

O Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE), da Universidade Estadual de


Maringá (UEM), completou, em 2018, 20 anos de (re)existência. Possui áreas de concentração
em Análise Regional e Ambiental, divididas em duas linhas de pesquisas: 1) Análise ambiental,
que tem por objetivo o estudo da mudança no espaço e no tempo nos meios naturais, ocupados
e modificados pelo homem e 2) Produção do Espaço e Dinâmicas Territoriais, voltada ao estudo
do espaço produzido, valorizando questões agrárias, urbanas, econômicas e demográficas.
O programa foi proposto e surgiu com o objetivo de suprir a demanda de aprimorar a
formação profissional de docentes e outros afins a Geografia. Desde então, tem sido relevante
na formação de pessoal qualificado para o exercício da docência, pesquisa e extensão na área
de análise regional e ambiental, com o intuito de apreender o processo de produção do espaço
urbano, rural, regional e as suas respectivas implicações ambientais.
Em comemoração aos 20 anos do PGE/UEM, este livro é composto por uma coletânea
de trabalhos, que foram elaborados por pós-graduandos e egressos, apresentados no IV
Encontro Regional de Geografia: PGE 20 anos e XXVI Semana de Geografia (2018). Conta,
ainda, com as contribuições de docentes do programa e palestrantes do referido evento.
Esta obra apresenta resultados parciais e completos das pesquisas desenvolvidas no
PGE, com o objetivo de divulgar os trabalhos realizados pelos docentes e discentes, visando, a
partir da leitura do conjunto de artigos, contribuir para debates atuais da Geografia. Desse
modo, o livro está dividido em três seções e cada uma delas expõem contribuições extraídas de
pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação de Geografia.
A primeira seção, denominada Mesas redondas do IV Encontro Regional de Geografia:
PGE 20 anos e XXVI Semana de Geografia, é constituída por trabalhos escritos por membros
das mesas redondas, realizadas ao longo do evento comemorativo anteriormente mencionado.
No primeiro artigo, o professor Dr. Elpídio Serra traz um importante relato sobre a criação e o
desenvolvimento do PGE, citando os percalços enfrentados para a consolidação do programa.
O segundo artigo, escrito pelo geógrafo João Renato Antoniazzi, apresenta importantes
contribuições sobre como os conhecimentos geográficos podem ser aplicados na gestão do
território, retratando em seu texto, o uso de Sistemas de Informação Geográfica, como
ferramentas para a gestão pública.
Composta pelas contribuições de professores do PGE, a segunda seção, Os docentes do
PGE na construção do conhecimento geográfico, apresenta um levantamento dos trabalhos
realizados nos 20 anos do programa e as perspectivas futuras em suas respectivas áreas. No
terceiro artigo, a professora Dra. Angela Maria Endlich aborda a temática das pequenas
localidades, do noroeste do Paraná, citando os desafios socioespaciais dessas localidades,
trazendo um resgate dos trabalhos escritos por alunos do PGE, acerca dessa temática, com a
proposição de pautas para estudos futuros. Já o quarto artigo é uma contribuição do professor
Dr. Bruno Luiz Domingos de Angelis e seus orientandos, em que discorrem sobre a temática
das praças, objeto de estudo dos autores. No texto, levantam a reflexão sobre a importância de
estudar e entender as praças, sua evolução com a história da humanidade e qual o seu papel
futuro dentro das cidades.
Por fim, a terceira seção, intitulada Os discentes do PGE na construção do
conhecimento geográfico, é composta por uma coletânea de trabalhos escritos por alunos e
egressos do PGE/UEM, dentro de suas temáticas de estudo, nas linhas de pesquisa de análise
ambiental e produção do espaço e dinâmicas territoriais. São vinte e oito textos, sendo dez
trabalhos da linha de Análise Ambiental e dezoito da linha de Produção do Espaço e Dinâmicas
Territoriais, resultados de pesquisas já concluídas e em andamento, com abordagens e aportes
bastante diferenciados, que possuem em comum esforços para o entendimento e intervenção na
realidade ambiental e relativas às questões socioespaciais, especialmente na região setentrional
paranaense.
Com a presente publicação, pretendemos criar um marco comemorativo das duas
décadas de existência do programa e, ao mostrar um pouco dos trabalhos elaborados, os quais
expõem contribuições construídas com as pesquisas desenvolvidas nos mais diferentes temas,
esperamos fomentar debates e decisões.

Boa leitura!
MESAS REDONDAS DO IV ENCONTRO
REGIONAL DE GEOGRAFIA: PGE 20 ANOS
E XXVI SEMANA DE GEOGRAFIA
I

TRAJETÓRIA DO PGE: COMO FOI QUE TUDO COMEÇOU

Elpídio Serra

Inicialmente gostaria de registrar meus agradecimentos à coordenação da Semana


da Geografia da UEM e também à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Geografia
pela oportunidade de participar desta Mesa Redonda e de expor os antecedentes (ou parte deles)
que marcaram a implantação do PGE, vinte anos atrás. Vale lembrar que a trajetória do PGE,
na prática não começou em 1998, ano do início das aulas do curso de mestrado e utilizado como
referência para a contagem dos vinte anos; começou antes, com as discussões e negociações
que viabilizaram a implantação do Programa e de seu primeiro curso. A trajetória em si, acredito
que é de conhecimento de todos; os antecedentes dessa trajetória, como foi que tudo começou,
acredito que nem todos conhecem, daí a importância deste espaço, no sentido de não deixar que
a história além dos vinte anos, ou parte dela, se perca no esquecimento.
A princípio, a ideia era aproveitar o tempo de participação na Mesa para apresentar
uma espécie de Raio X do PGE, quantificar e qualificar os trabalhos desenvolvidos e defendidos
pelos mestres e doutores titulados, dizer dos laboratórios, do acervo bibliográfico, das
dificuldades e conquistas. Uma abordagem, sem dúvida, interessante no sentido de registrar os
resultados que se concretizaram nas duas décadas. Contando com a compreensão de todos, essa
abordagem fica para outra ocasião.
Minha participação nesta Mesa, portanto, vai estar centrada nos antecedentes e não
nos consequentes, no que veio antes e não no que aconteceu depois da implantação do PGE.
Observo que das duas fases, a anterior marcada por sugestões, discussões, e pelos primeiros
passos da caminhada da proposta de criação; a posterior iniciada com a aprovação do projeto,
com a recomendação da Capes e pela constituição da primeira turma de alunos, tive o privilégio
de participar das duas. Na primeira, como autor da proposta de implantar na UEM o que se
tornou o primeiro curso em nível de mestrado em Geografia do Paraná e por presidir a comissão
de criação e implantação. Na segunda, como membro do corpo docente permanente, como
coordenador do Programa em duas gestões (gestões 2000 a 2002 e 2002 a 2004) e como
coordenador adjunto (gestão 2016 a 2018).
Apesar de vivenciar as duas fases, confesso que não estou à vontade nesse
momento, certo de que existem pessoas mais capacitadas e melhor preparadas, tendo em vista
a importância do tema e desta Mesa Redonda. Aceitei e agradeço o convite dos organizadores,
mesmo ciente de outros poderiam contribuir melhor.
Resgatar fatos e situações ocorridas antes da implantação do primeiro Programa de
Pós-Graduação do Paraná aparentemente pode ser entendida como tarefa fácil, mas não é.
Constrangimentos, esquecimentos ou omissões, embora não intencionais, podem ocorrer em
função dos relatos. Discordâncias, da mesma forma. Fique claro, no entanto, que não é possível
relatar tudo o que aconteceu, mas apenas fragmentos e que a intenção não é outra senão
aproveitar esse espaço da Semana da Geografia para apresentar o PGE como sendo uma parede
construída por incontável quantidade de mãos. Coordenadores, docentes, alunos, funcionários,
cada um a seu tempo e na medida das oportunidades e das possibilidades, ajudou a colocar pelo
menos um tijolo nessa parede. Como a parede não está pronta, ainda está em construção, mais
colaboradores certamente vão se envolver na empreitada.
O PGE deve ser visto como produto de um trabalho coletivo de uma obra ainda não
acabada. Ter assentado o primeiro ou o segundo tijolo na parede não deve ser entendido como
mérito de ninguém, apenas uma questão de oportunidade. Em respeito esse entendimento,
superada esta fase de apresentação, em que não foi possível evitar a primeira pessoa do singular,
no restante a abordagem será impessoal. O que passa a importar é o fato, não seu autor ou
idealizador. Quanto às fontes de informação, os antecedentes do PGE serão lembrados através
de atas de reuniões, portarias e anotações pessoais. Registros que ficaram na memória também
são fundamentais, considerando que a fase a ser resgatada caracterizou-se mais pela
informalidade do que pela formalidade.

2. A PROPOSTA: COMO SURGIU


O período ficava entre a segunda metade da década de 1980 e os primeiros anos da
década de 1990. Nessa época, a Geografia, particularmente nos seus cursos de mestrado e de
doutorado, passava por profundas reflexões no país, alimentadas por embates teóricos de dois
grupos aparentemente rivais: o grupo dos chamados geógrafos críticos, instalados na USP,
Universidade de São Paulo e o grupo dos chamados geógrafos quantitativos, instalados no
campus de Rio Claro da Unesp, Universidade Estadual Paulista. Por influência desses dois

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grupos, um candidato a fazer mestrado na USP teria que estar afinado com a corrente Geografia
Crítica e um candidato a fazer mestrado na Unesp teria que estar afinado com a corrente
Teorética Quantitativa. Como que por efeito de irradiação, no Brasil inteiro ou o geógrafo era
crítico ou quantitativo.
O problema maior, no entanto, não era pender para um lado ou para outro e sim o
número reduzido de vagas que as principais universidades tinham condições de abrir a cada ano
nos seus cursos de mestrado e de doutorado em Geografia, muito aquém de atender à demanda
de candidatos. Fora USP e Unesp, apenas duas outras universidades mantinham cursos de pós-
graduação stricto sensu em Geografia no Brasil: a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a
Universidade Federal de Pernambuco, mas também lá a disputa de vagas era intensa. Em
resumo: no Brasil inteiro existiam na época apenas quatro programas de pós-graduação em
Geografia e não batia a conta entre o número de vagas que esses programas tinham condições
de abrir e a quantidade de pretendentes querendo ocupar essas vagas. Os candidatos da região
Nordeste ainda foram contemplados com a abertura de um curso de mestrado na Universidade
Federal de Sergipe, em convênio com a Unesp de Rio Claro. Para os candidatos das outras
regiões, o jeito era mesmo enfrentar a concorrência em São Paulo e Rio de Janeiro, pouco
importando se a Geografia fosse Crítica ou Quantitativa.
Dentro desse contexto envolvendo, de um lado o embate teórico entre geógrafos
críticos e geógrafos quantitativos, e de outro lado a carência de vagas nos cursos de mestrado e
de doutorado, é que na Unesp começou a ser discutida a implantação de um novo curso em
nível de mestrado, tendo como sede o campus de Presidente Prudente. Paralelamente, passam
a circular rumores na mesma Instituição dando conta de que poderia ser repetida no Paraná a
experiência que havia dado certo em Sergipe: montar aqui um mestrado através de convênio
entre a Unesp de Rio Claro e alguma instituição superior de ensino público, na condição de na
instituição escolhida estivesse funcionando um curso de graduação em Geografia. Os rumores
indicavam que até o endereço do mestrado estava definido: seria na Fafig, a antiga Faculdade
de Filosofia de Guarapuava, que acabou sendo o embrião da Unicentro, Universidade Estadual
do Centro-Oeste do Paraná.
É nessa parte que entra em cena a questão da possibilidade de a UEM sair na frente
e instalar seu mestrado em Geografia, não através de convênio, mas contando com sua própria
disponibilidade de recursos, principalmente em termos de pessoal qualificado para a docência
e a pesquisa. Tais condições eram consideradas as mínimas para avançar na empreitada; outras
(espaço físico, laboratórios, material bibliográfico) seriam alcançadas depois. O momento era

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oportuno, levando em conta, de um lado a carência de cursos de pós-graduação stricto sensu
em Geografia no Brasil e o fato de que no Paraná não havia, sequer, um curso desse nível em
funcionamento; de outro lado, a mobilização que estava acontecendo no âmbito da
Universidade Estadual de Maringá no sentido de completar o tripé ensino-pesquisa-extensão.
Não havia problema com o setor do ensino: a UEM, apesar de sua pouca idade, avançava em
praticamente todas as áreas de conhecimento; a extensão caminhava, embora bem devagar; a
pesquisa apenas engatinhava, e muito lentamente. Na época (final da década de 1980 e início
da década de 1990), apenas o Nupélia (Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e
Aquicultura) dispunha de condições de formar mestres e doutores na UEM, mas poucas
oportunidades eram dadas aos geógrafos.
As deficiências e dificuldades, contraditoriamente, favoreciam as oportunidades.
Foi nesse contexto que veio à tona a ideia de sair na frente, de implantar na Universidade
Estadual de Maringá o primeiro curso de mestrado em Geografia do Paraná. Mesmo diante de
dificuldades não previstas num primeiro momento, o que não passava de uma ideia arriscada,
ganha espaço no Departamento de Geografia, e depois em outras esferas da UEM.
A proposta foi colocada pelo professor Elpidio Serra, na época aluno do curso de
doutorado na Unesp de Rio Claro, ao então chefe do DGE professor Antônio Giacomini, que
sem perda de tempo leva à apreciação da Pró-Reitoria de Pesquisa da UEM, na época
comandada pelo professor Ivanor Nunes do Prado. O pró-reitor se compromete a apoiar, mas
levanta a questão do DGE não ter pessoal qualificado em quantidade suficiente para alavancar
sozinho o curso proposto. E aí surge a sugestão de juntar forças com o Departamento de
Economia, que também estava se mobilizando para implantar seu mestrado, mas pelo mesmo
motivo (número insuficiente de docentes qualificados), não conseguia avançar.
Juntando forças os dois departamentos, considerando as afinidades dos respectivos
cursos de graduação, teriam condições de propor e fazer funcionar um mestrado
interdepartamental e interdisciplinar, na condição de que o tal mestrado contemplasse as duas
áreas de conhecimento. Os poucos professores de Economia com título de doutor seriam
somados aos poucos professores de Geografia com o título de doutor ou em fase de conclusão
do doutorado e assim estaria suprida a demanda necessária para o mestrado ser implantado. O
mestrado não seria nem em Geografia nem em Economia, mas em Geoeconomia (esta era a
proposta que passou a ser costurada).
Uma comissão foi formada para montar e cuidar da tramitação do projeto nos dois
Departamentos. Faziam parte os professores Antônio Giacomini e Elpidio Serra como

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representantes do Departamento de Geografia, e Laércio Barbosa e José Carlos Lugnani como
representantes do Departamento de Economia. Os trabalhos da comissão, no entanto, só
poderiam prosperar se os dois departamentos envolvidos saíssem da esfera da informalidade e
dessem sustentação formal à sua constituição, do jeito como estava composta, e ao mesmo
tempo assumissem oficialmente, mediante aprovação em reuniões, o resultado dos trabalhos
consubstanciados no projeto de criação do curso. Em outros termos, os dois departamentos
teriam que submeter a seus pares a homologação da comissão de representantes e a aprovação
o projeto por ela apresentado.
Foi o primeiro desafio interno enfrentado pelo curso de mestrado em Geoeconomia
da UEM. No Departamento de Economia, os professores aprovaram a composição da comissão,
e sem qualquer contestação deram aval à proposta do mestrado conjunto. No Departamento de
Geografia o resultado não foi o mesmo: em reunião departamental a discussão ficou mais
centrada na legitimidade dos representantes do DGE do que no mérito da proposta de criação
do mestrado. Foi alegado que os representantes da Geografia deveriam ser escolhidos pelo
Departamento depois de ampla discussão e não por ato administrativo do chefe do
Departamento, como havia acontecido.
Na prática, os nomes que representavam os dois departamentos foram indicados
pelos chefes, na expectativa do apoio dos respectivos corpos docentes. Reforçava a expectativa
de apoio à composição da comissão o fato de que o trabalho de montagem do projeto já estava
em andamento e poderia chegar aos departamentos praticamente pronto, o que abreviaria a
tramitação da proposta. Na Geografia não houve acordo. Irritado com o posicionamento radical
de alguns professores, o chefe do DGE, professor Giacomini, que presidia a reunião, também
radicalizou e resolveu retirar a proposta da pauta. Resultado: o DGE se afastou da comissão e
também dos trabalhos em andamento, a esta altura com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa.
No Departamento de Economia, enquanto isso, todo o trabalho até então
desenvolvido pela comissão foi aproveitado. Como o projeto estava praticamente pronto,
estando pendente apenas a redefinição da área de concentração e das linhas de pesquisa,
montadas para atender a Geografia e as Ciências Econômicas, não houve entrave na tramitação.
Alguns ajustes foram feitos e em pouco tempo, o curso de mestrado, que a princípio foi
idealizado para ser em Geografia, e que depois evoluiu para Geoeconomia, acabou vingando e
aprovado como mestrado apenas em Economia. Para suprir a carência de professores titulados,
exatamente como estava previsto na proposta inicial, o novo curso incorporou em seu quadro

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docente permanente os docentes com doutorado na área de Humanas em Geografia, no caso os
professores Elpidio Serra e Dalton Áureo Moro.
O projeto do curso foi aprovado pelo Departamento de Economia em 1991, pelo
CEP (Conselho de Ensino e Pesquisa) da UEM em 1993 e credenciado pela Capes no mesmo
ano. A primeira turma foi matriculada em 1994. Depois do mestrado do Nupélia, foi o segundo
a ser implantado na UEM. Só quatro anos depois é que, enfim, entraria em funcionamento o
mestrado em Geografia.
Frustrada a junção de forças com o Departamento de Economia da UEM, uma nova
tentativa tem início, agora no sentido de constituir um mestrado interinstitucional apenas em
Geografia, com a participação de geógrafos da Universidade Estadual de Maringá, da
Universidade Estadual de Londrina e da Unesp de Presidente Prudente. A união das três
Instituições foi iniciativa da UEL e era justificada, segundo os termos da proposta de criação,
como estratégia de “congregar esforços para suprir a falta de docentes”. As primeiras
negociações foram realizadas em 1991, mas não evoluíram. Dois anos depois, em 1993, a
presidente da comissão, professora Yoshiya Nakagawara, da UEL, envia comunicado à UEM
informando que “o processo foi interrompido há dois anos pelo professor Giacomini” e que
“em vista disso a UEL continuou trabalhando sozinha”. Informou ainda a professora Yoshiya,
no mesmo comunicado endereçado ao Departamento de Geografia da UEM, que em função do
afastamento da UEM, o mestrado passaria a ser apenas da UEL, mas que “na composição do
quadro docente faziam parte os professores Elpidio Serra e Dalton Áureo Moro, da UEM” e
que estavam “abertas as portas para outros docentes interessados”.
Do lado da Unesp, a parceria com a UEL também não vingou. Antes mesmo de ser
trabalhada a proposta do mestrado interinstitucional, a Universidade Estadual Paulista já se
movimentava para ter seu próprio mestrado. A ideia era montar o curso apenas em nome da
Unesp e para suprir a carência de docentes recorrer ao credenciamento de professores visitantes,
de outras instituições. E foi o que aconteceu. No ano de 1998, quando a primeira turma entrava
em sala de aulas inaugurando o primeiro ano letivo, era divulgada a composição do quadro
docente. Dois geógrafos da UEM faziam parte desse quadro, na categoria de visitantes: Elpidio
Serra e Dalton Áureo Moro.
O grupo de trabalho que alavancou a criação e implantação do mestrado da Unesp
de Presidente Prudente, contava com a participação dos professores Marcos Alegre, Eliseu
Sposito e Maria Encarnação Sposito (Carminha). Foi o segundo curso de mestrado em
Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho - o primeiro já funcionava

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no campus de Rio Claro. No final do ano de 1987 o projeto de criação já havia tramitado e sido
aprovado nos órgãos colegiados da Instituição e em março de 1998 iniciava as atividades, com
a primeira turma de alunos em sala de aula.

3. ENFIM, O MESTRADO
Duas tentativas e duas frustrações, uma com o Departamento de Economia e outra
com a UEL. Mesmo assim, não havia espaço para desistência. Em 1993, em mais um esforço,
uma nova comissão foi constituída para levar avante a empreitada, tendo como meta um
mestrado apenas em Geografia e apenas da UEM. Compunham a nova comissão os professores
Elpidio Serra (presidente), Gilda Maria Cabral Benaducce, Edvard Elias de Souza Filho, José
Cândido Stevaux, Dalton Áureo Moro e Issa Chaiben Jabur.
Dessa vez, o projeto do Mestrado em Geografia começou a ganhar corpo e forma.
Professores novos, com título de doutor, haviam sido contratados e já era possível compor um
quadro docente sem depender de outros departamentos e instituições. Foi nessa perspectiva que
a comissão começou a trabalhar.
Na primeira reunião, realizada no dia 16 de março de 1993, longe de discutir
viabilidades e possibilidades, o que se tratou foi a definição da área de concentração e das linhas
de pesquisa do curso. Foi aprovada, como área “Análise Regional e Geoambiental” e como
linhas “Exploração e conservação dos recursos naturais”, “Planejamento Ambiental”,
“Geomorfologia Fluvial”, “Ecodinâmica Ambiental”, “Urbanização e Organização do Espaço”,
“Desenvolvimento e Organização do Espaço Regional” e “Mobilidade Espacial da População”.
O exagero de linhas (sete, no total) para um curso que não havia saído da fase de planejamento
era indicativo de que a boa vontade estava acompanhada da falta de experiência no assunto.
No dia 23 do mesmo mês, em nova reunião, a comissão aprovou a composição do
quadro docente, as ementas das disciplinas e o próprio projeto do curso, para ser tramitado nos
setores internos da Universidade e depois ser submetido à Capes, a principal agência de
fomento. O primeiro quadro docente permanente foi composto pelos professores Elpidio Serra,
Edvard Elias de Souza Filho, Issa Chaiben Jabur, Dalton Áureo Moro, Cesar Miranda Mendes,
Paulo Nakashima e Maria Teresa de Nóbrega. Como professores convidados, participavam os
docentes Roberto Lobato Correia, Lucia Gerardi e Silvana Pintaudi. Nessa mesma reunião,
foram rediscutidas a área de concentração e as linhas de pesquisas, que acabaram alteradas. A
área mudou para “Recursos Naturais e Ocupação Humana da Bacia do Prata/Mercosul”, e as
linhas mudaram para “Planejamento Regional” e “Geoplanejamento Ambiental”. Considerando

16
que na época se discutia muito em Geografia a questão dos blocos econômicos e que o Mercosul
estava dando seus primeiros passos como bloco econômico do extremo sul, na América do Sul,
uma das propostas do curso era “buscar integração com os países membros do Mercosul”.
Concluído o trabalho da comissão, pelo menos na sua etapa inicial, o projeto
começa a tramitar pelas esferas da UEM. Depois de aprovado no Departamento de Geografia,
foi submetido à aprovação do CAD (Conselho de Administração) em 1995, do CEP (Conselho
de Ensino e Pesquisa Extensão) em 1996, e do COU (Conselho Universitário) em 1997. Em
novembro de 1997 obteve parecer favorável da Capes e já no ano seguinte, 1998, eram abertas
as inscrições para a composição da primeira turma de alunos. Em março de 1998 foram
ministradas as primeiras aulas, dando início à contagem do tempo que já dura duas décadas.
Como não havia espaço físico de “uso exclusivo”, as aulas tinham que ser
ministradas no Bloco J-12 e apenas no período da tarde, porque nos períodos da manhã e
noturno as salas eram ocupadas pelas aulas de graduação. Secretaria e coordenação ocupavam
um espaço apertado no Bloco G-56, cedido pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Enfim, apesar das condições precárias, entrava em atividades o primeiro curso de
pós-graduação stricto sensu, em nível de mestrado em Geografia do Estrado do Paraná. O que
era sonho, agora se tornou realidade. A UEL atrasou na tramitação do seu projeto e a
Universidade Federal do Paraná só conseguiu implantar seu mestrado no ano seguinte. A UEM
saiu na frente, foi pioneira.
Ao ser credenciado pela Capes, por sugestão da sua Comissão de Geografia, o
mestrado da UEM sofreu novas alterações na sua área de concentração e nas suas linhas de
pesquisa. A área de concentração mudou para “Análise Regional e Meio Ambiente: mudanças
ambientais naturais e antrópicas” e as linhas de pesquisa mudaram para “Análise
Biogeodinâmica da Paisagem” e “Organização do Espaço Habitado”.
No ano de 1999, o primeiro curso em nível de mestrado a ser implantado do Paraná
teve sua nomenclatura alterada para Programa de Pós-Graduação em Geografia, com a sigla
PGE. O conceito 3, que obteve da Capes ao ser credenciado em 1997, foi elevado para 4 no ano
2000 e depois para 5 em 2007. Ao conquistar o conceito 5, recebeu da Capes o sinal verde para
implantar o doutorado, que abriu a primeira turma em 2008. No mesmo ano em que teve o
conceito elevado na avaliação da Capes, o PGE voltou a alterar a nomenclatura de suas linhas
de pesquisa, mas sem mexer na área de concentração, que continuou sendo “Análise Regional
e Meio ambiente: mudanças naturais e antrópicas”. As linhas mudaram para “Análise
Biogeodinâmica da Paisagem” e “Organização do Espaço Habitado”. Dois anos depois, mais

17
uma alteração nas linhas, chegando às atuais “Produção do Espaço e Dinâmicas Territoriais” e
“Análise Ambiental”.
As primeiras defesas de dissertações de mestrado aconteceram no ano 2000, no
segundo aniversário do curso, e as primeiras defesas de teses de doutoramento no ano 2012. De
2000 até o mês de abril de 2018, o PGE titulou 312 mestres e 72 doutores. A escalada de defesas
seguiu esta ordem: 10 em 2000, 13 em 2001, 19 em 2002, 20 em 2003, 12 em 2004, 22 em
2005, 28 em 2006, 15 em 2007, 14 em 2008, 16 em 2009, 30 em 2010, 19 em 2011. Em 2012
foram 12 dissertações e 6 teses, em 2013 foram 17 dissertações e 18 teses, em 2014 foram 14
dissertações e 8 teses, em 2015 foram 11 dissertações e 17 teses, em 2016 14 dissertações e 9
teses, em 2017 15 dissertações e 10 teses e em 2018 foram defendidas até abril 11 dissertações
e 4 teses. Somadas as dissertações (312) e as teses (72), nos seus vinte anos de existência o PGE
qualificou 384 profissionais para o ensino e a pesquisa em Geografia.

4. SAIR NA FRENTE NÃO SIGNIFICOU SER O PRIMEIRO


Os professores que integraram a comissão de implantação, tendo também a
responsabilidade pela elaboração e tramitação do projeto original, em nenhum momento
discutiram nas reuniões a questão do curso vir a ser o primeiro a chegar, o embrião dos cursos
de pós-graduação stricto sensu em Geografia do Estado do Paraná. Ser o primeiro, portanto,
não foi meta, mas obra do acaso, a simples oportunidade de sair na frente. O que foi discutido:
o curso deveria conquistar índices de eficiência logo que passasse pelas primeiras avaliações
da Capes e no curto prazo ter lugar entre os melhores do País, no ranking da agência avaliadora.
O curso foi pensado, não para ser um mero espaço de aulas, mas como um aglutinador de
pesquisas acadêmicas. Poderia não ser o melhor, mas deveria estar entre os melhores.
Os primeiros anos de funcionamento, no entanto, serviram para demonstrar que
sonhar faz bem, mas nem tudo com o que se sonha vira realidade. Divisões internas no âmbito
do Departamento de Geografia, aposentadorias, demissões e até falecimento de professores e
uma série de outros problemas passaram a complicar a trajetória do curso, com reflexos diretos
nas avaliações. Ser o primeiro na cronologia passou a não ter relação com o melhor em
qualidade.
Fazendo uma ligeira retrospectiva: o mestrado da UEM teve iniciadas as aulas de
sua primeira turma em março de 1998, o começo da contagem dos vinte anos de sua história.
No ano seguinte entrou em atividades o mestrado da Universidade Federal do Paraná, o que
ficou sendo o número dois. Em 1999 os dois cursos – o da UEM e o da UFPR – ganharam o

18
status de programa de pós-graduação e igualmente atingiram as condições de, enquanto
programas, implantarem curso em nível de doutorado. A grande diferença: o programa da UEM
está com o conceito 5 enquanto o programa da UFPR está com o conceito 6 e a um passo de ser
elevado para 7, o nível máximo de excelência na avaliação da Capes.
Outro comparativo: no mesmo ano e no mesmo mês em que foram iniciadas as
aulas da primeira turma do mestrado em Geografia da UEM, foram também iniciadas as aulas
do mestrado em Geografia da Unesp de Presidente Prudente, São Paulo. Os dois cursos têm a
mesma idade e praticamente a mesma trajetória. O da Unesp, no entanto, há anos está com o
conceito 7, o máximo no ranking da Capes.
O mérito da UFPR e da Unesp foi porque nas duas o “dever de casa” foi cumprido
com maior eficiência.
Por que esses registros, se os vinte anos de história devem ser de comemorações e
não de lamentações? Porque é importante “recuperar o tempo perdido” e porque para crescer
cada vez mais, a receita é olhar para a frente, mas tendo um pé atrás. E também para aproveitar
a data comemorativa para provocar coordenadores, docentes, pesquisadores, técnicos e
acadêmicos.
Existem metas ainda não cumpridas e uma luz no final do túnel. Chegar lá é
possível, mas todos trabalhando juntos, formando uma corrente pra frente. PGE já passou por
dez coordenações – a atual, sob a responsabilidade dos professores Hélio e Ângela é a décima
primeira da lista. Se em cada período administrativo, e coletivamente, todos pensarem mais no
Programa e menos (ou nunca) em interesses pessoais, o conceito 7 não demora para chegar.
Para crescer, o PGE tem como se comparar a outros programas que não existiam
vinte anos atrás. Levando em conta apenas o aspecto cronológico da história, quando o mestrado
em Geografia da UEM foi implantado, em março de 1998, não havia nenhum outro curso no
mesmo nível no Paraná. Nos meses e nos anos seguintes, outros cursos e programas foram
implantados, sempre nas instituições de ensino público superior do Estado onde eram mantidos
cursos de graduação em Geografia. Pela ordem, tomando-se como referência o início de
funcionamento do curso de mestrado, depois da Universidade Estadual de Maringá foram
implantados outros seis programas de pós-graduação stricto sensu no Paraná: na Universidade
Federal do Paraná - UFPR (mestrado em 1999 e doutorado em 2006), na Universidade Estadual
de Ponta Grossa - UEPG (mestrado em 2006 e doutorado em 2013), na Universidade Estadual
de Londrina - UEL (mestrado em 2008 e doutorado em 2012), na Universidade Estadual do
Centro-Oeste, em Guarapuava - Unicentro (mestrado em 2009 e doutorado em 2017), na

19
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, campus de Francisco Beltrão (mestrado
em 2007 e doutorado em 2017) e na mesma Universidade, campus de Marechal Cândido
Rondon (mestrado em 2011). Com sete programas implantados e treze cursos (sete em nível de
mestrado e seis em nível de doutorado), o Paraná divide com Minas Gerais a maior
concentração de mestrados e doutorados em Geografia do Brasil. A primeira semente, frise-se,
foi plantada e germinou na UEM.
Como citado na parte inicial deste trabalho, na época em que foram dados os
primeiros passos, antes mesmo de começar a trajetória do PGE, no Brasil inteiro existiam quatro
programas de pós-graduação em Geografia: dois em São Paulo (na USP e na Unesp de Rio
Claro), um na Universidade Federal do Rio de Janeiro e um na Universidade Federal de
Pernambuco, sem contar o mestrado da Universidade Federal de Aracaju, mantido em convênio
com a Unesp de Rio Claro. Vinte anos depois da implantação do PGE, só no Paraná são sete
programas e treze cursos e no Brasil, segundo o portal da Capes, são 65 programas, 35 com os
cursos de mestrado e de doutorado, 27 apenas com o curso de mestrado, e 3 com mestrado
profissional. No total de cursos, o portal da Capes relaciona 55 mestrados e 29 doutorados em
Geografia.
A trajetória de implantação de cursos, por estados e períodos, seguiu esta ordem:

Década de 1970 – 4 mestrados e 2 doutorados, localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e


Pernambuco.
Década de 1980 – 9 mestrados e 3 doutorados. Novos cursos foram implantados em Minas
Gerais, Santa Catarina e Sergipe.
Década de 1990 – 19 mestrados e 9 doutorados. Criados novos cursos no Paraná, Goiás,
Distrito Federal, Bahia e Ceará.
Década de 2000 – 28 mestrados e 16 doutorados. Novos cursos nos estados de Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Década de 2010 – 45 mestrados e 23 doutorados. Novos cursos em Roraima, Amazonas,
Rondônia e Piauí.
De 2010 a 2017, o número programas foi elevado para 57, todos mantendo cursos
em nível de mestrado e 29 apenas com cursos em nível de doutorado. Atualmente, apenas os
estados do Amapá, Acre e Maranhão não contam com mestrados e doutorados em Geografia.

20
Por regiões, os programas de pós-graduação em Geografia apresentam-se assim
distribuídos: 5 na região Norte, 10 no Nordeste, 9 no Centro-Oeste, 19 no Sudeste e 11 na região
Sul.
Na UEM, quando teve início o trabalho der criação do mestrado em Geografia, só
havia mestrado em funcionamento no Nupélia, que também mantinha um curso de doutorado.
Vinte anos depois, a conta fecha em 50 programas, a maioria com os cursos de mestrado e de
doutorado. Por área, funcionam na Universidade Estadual de Maringá 10 programas em
Ciências Exatas e da Terra (a Geografia é um deles), 5 em Ciências Biológicas, 8 em Ciências
Agrárias, 4 em Ciências Sociais Aplicadas, 7 em Ciências da Saúde, 7 em Ciências Humanas,
2 em Linguística e 7 em Engenharia.

5. E O FUTURO: COMO VAI SER?


O passado não deve ser considerado uma página virada da história. Dos erros e dos
acertos, podem ser tiradas as lições que vão alimentar as etapas futuras do PGE. Com
humildade, disposição e boa dose de inteligência, o corpo vivo do Programa, do qual fazem
parte docentes de todos os níveis, alunos e funcionários, pode tirar do couro a correia e acertar
os passos da caminhada que segue. Como ponto de partida, o primeiro cuidado é não repetir
erros e insistir nos acertos e levar a sério as críticas e sugestões colocadas nos relatórios de
avaliação da CAPES, onde aparecem em destaque as deficiências constatadas pelos avaliadores.
Algumas sugestões que também podem contribuir para o crescimento do Programa:
- Investir pesado na produção científica, principalmente através de publicações em
revistas qualis, sustentadas em resultados finais ou parciais de pesquisas desenvolvidas por
docentes e alunos. Até completar seus vinte anos de existência, o PGE titulou 312 mestres e 72
doutores, totalizando 384 pesquisas desenvolvidas, ou como dissertações ou como teses, até
abril de 2018. A questão que se levanta: quantos desses trabalhos defendidos geraram artigos
publicados? Considerando uma situação hipotética de que cada dissertação ou tese pode gerar,
em média, três artigos, a produção do PGE estaria nesses vinte anos batendo a casa dos mil
artigos publicados. Somada à produção dos docentes, considerando-se a média de duas
publicações por ano e os 22 docentes credenciados (9 na linha de pesquisa Produção do Espaço
e Dinâmicas Territoriais, 9 na linha Análise Ambiental e 4 colaboradores), pelo menos mais
mil trabalhos reforçariam a conta da produção. Lembrete: publicações, principalmente de
qualidade científica, contribuem para manter e principalmente para elevar as avaliações do
Programa.

21
- Maior integração entre docentes e discentes, valorizando a produção conjunta de
artigos científicos. Os discentes não devem participar dos grupos de pesquisa de seus
respectivos orientadores “apenas porque a Capes exige” ou porque “a participação deve ser
registrada no Relatório Sucupira”, nem devem citar nome de orientador em seus artigos apenas
“por educação ou respeito”. A integração deve ser participativa, ser real, vivida e vivenciada.
Como extensão dessa integração de fato, os espaços físicos reservados para os alunos, e que
atualmente ficam em grande parte na ociosidade, teriam maior aproveitamento, como ambientes
de estudos, de pesquisa e (também) de convivência.
- Nessa mesma linha, mestrandos e doutorandos não devem “encerrar” a vida
acadêmica quando o último crédito for concluído. O que predomina atualmente é o aluno
marcar presença quando tem aulas ou quando precisa falar com o orientador. Cumpridas essas
“obrigações’, ele desaparece e esporadicamente retorna para entregar algum documento na
secretaria ou para cumprir alguma atividade considerada obrigatória. O distanciamento é
prejudicial para o aluno e também para o Programa.
- Professor não deve se colocar na posição de quem sabe tudo. Todos devem ter
consciência de suas limitações, de que não se pode orientar sobre assunto que não domina, ou
que entende apenas superficialmente. Fazendo isso, prejudicam a qualidade do trabalho do
aluno, comprometem a honestidade e a imparcialidade da pesquisa e não contribuem para a
elevação do conceito do Programa. Nessa linha, deve existir coerência entre a temática da
pesquisa desenvolvida no doutoramento do docente, as disciplinas que ministra, o grupo de
pesquisa de que participa, os trabalhos que publica e os temas dos trabalhos que assumiu
orientar.
- Convênios e intercâmbios, principalmente internacionais, são sempre bem-vindos.
Abrem espaço para debate de ideias, troca de experiências e para o avanço de pesquisas. Pesam
na avaliação do Programa e podem sustentar uma futura elevação do conceito, saindo do 5 em
direção ao 6 e do 6 em direção ao 7.
- Integração com a graduação, não só do curso de Geografia, mas com todos os que
se encaixam nas áreas afins à Geografia. É pela integração que os acadêmicos da graduação
veem que as portas para o mestrado num primeiro momento e em seguida para o doutorado,
estão abertas para eles. Da mesma forma, é pela integração com a graduação que o PGE poderá
manter sempre uma clientela em potencial e de qualidade. Nessa linha, pesquisas acadêmicas
desenvolvidas através de programas como TCC, PIC e Pibic devem ser vistas como ponte de
passagem segura da graduação para pós-graduação.

22
São apenas sugestões, mas que levadas a sério ajudam a pavimentar a trajetória
futura do Programa. Com essas e outras iniciativas no mesmo sentido, o PGE não será mais
lembrado apenas como primeiro do Paraná em tempo de funcionamento, mas também como o
primeiro no ranking da avaliação da Capes.

SOBRE O AUTOR

ELPIDIO SERRA
eserra@uem.br

Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (1974), mestrado em


Organização do Espaço Urbano e Rural [Rio Claro] pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (1988), doutorado em Organização do Espaço Urbano e Rural [Rio Claro]
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1991) e pós doutorado (2013) pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Presidente Prudente). Atualmente é
professor associado da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas:
modernização da agricultura, cooperativismo, colonização, reforma agrária e desenvolvimento
rural.

23
II

A INTELIGÊNCIA GEOGRÁFICA NO SETOR PÚBLICO: O CASO DE MANDAGUAÇU-


PR

João Renato Antoniazzi

INTRODUÇÃO
A sociedade tem um papel fundamental nas transformações do espaço, sendo que
esta produz um intercâmbio com a natureza, de modo que a última se transforma em função da
primeira. Os conflitos, desigualdades e interesses de um espaço podem ser analisados a partir
de um ponto de vista crítico em que se observa as diferentes formas de ocupação do espaço,
seja por questões culturais, sociais, raciais, entre outros. É indiscutível que a sociedade atual se
caracteriza pelas suas mudanças, entretanto, o notável é justamente sua intensidade de
transformações, sendo que para Vieira & Vieira (2004), as mudanças conduzem a uma
sociedade pós-moderna, ao extraordinário mundo da dimensão humana do qual são criados
novos ritos sociais. No Brasil, os intensos e acelerados processos migratórios são fenômenos
relativamente recentes, o que resultou e continua implicando em grandes transformações na
sociedade brasileira, sobretudo em relação a culturas, hábitos e principalmente o cotidiano.
Conforme os dados censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
observa-se que, mesmo perdendo sua intensidade no período entre 1960 e 2010, a população
urbana brasileira cresceu aproximadamente 40% no período, tanto que, de acordo com Brito
(2006), a rápida urbanização no Brasil não trata-se apenas de uma questão demográfica ou de
processos migratórios, mas sobretudo no modo de viver cada vez mais urbano na sociedade
brasileira. Para Brito & Souza (2006), as cidades não possuem apenas o papel de concentrarem
a população, mas também de transformar novos padrões de relações sociais e de estilo de vida,
tanto que para Carlos (2015), este processo é fundamentalmente de ordem social e que
presenciamos a aceleração do tempo no mundo moderno, com intensas mudanças revelando,
de tempo em tempo, uma nova morfologia da cidade, alterando o cotidiano e impondo novos
padrões além da necessidade de novas adaptações. Ainda segundo a autora, as relações do
cidadão não se realizam na cidade no sentido singular, mas sim, concretamente em lugares de
24
uma cidade, aonde não apenas estes locais são marcados pelas ações, mas também o trajeto
entre um local e outro.
As transformações intensas e rápidas nos ambientes urbanos não refletem apenas
na sociedade que ali habita, mas sobretudo na maneira em que os espaços são utilizados,
consumidos, planejados e construídos. É necessário que haja não apenas a gestão do espaço
urbano, mas sobretudo o planejamento do mesmo. Muito embora os termos possam parecerem
sinônimos, mas o planejamento e a gestão urbana, embora diferentes, não competem
necessariamente, sendo na realidade que ambas se completam. Para Souza & Rodrigues (2004),
de um lado o planejamento urbano nos remete ao futuro, numa tentativa de prever as evoluções
dos fenômenos, ações e processos que devem ocorrer no ambiente urbano, a curto, médio e/ou
a longo prazo. O objetivo sobretudo do planejamento urbano é de se precaver contra problemas
e dificuldades futuras, caminhando para que em um futuro possa-se fazer uma gestão urbana
mais assertiva. Mesmo que, neste caso, o termo 'Planejamento' urbano não seja sinônimo de
sucesso, certamente ele pode ser interpretado como um aumento significativo nas chances de
melhoria de vida da população. Por outro lado, o termo 'Gestão Urbana' refere-se ao presente,
da administração de processos, ações e ocorrências atuais do ambiente urbano, de atuações mais
imediatistas. Muitas vezes é a gestão urbana que implementa ações delineadas pelo
planejamento urbano, sendo que podemos observar que o planejamento urbano como uma
preparação de uma futura gestão urbana.
Durante muito tempo no Brasil, sobretudo em cidades pequenas e médias, a gestão
urbana prevaleceu sobre o planejamento urbano, isto é, os administradores despontavam a
maioria do seu tempo a dedicar-se à gestão urbana, promovendo soluções imediatistas para
problemas imediatistas.
Com os avanços das políticas públicas, sobretudo o estatuto das cidades criado em
2001 e ainda com o fomento dos Estados com a criação de órgãos e institutos de subsídio aos
gestores municipais, o planejamento urbano passou a ser um dos pontos chave das gestões
urbanas, sobretudo com a institucionalização das necessidades de os municípios elaborarem os
planos diretores municipais. O fato é que para um bom planejamento estratégico, é
evidentemente necessário conhecer o município e suas particularidades, sobretudo a partir de
índices de todas as áreas do município. Neste contexto, a reforma administrativa pública
ocorrida nos municípios brasileiros na década de 1990 foi inevitável, sobretudo em razão da
informatização das gestões públicas, que conforme Nascimento et al. (2012) fez surgirem novos
modelos com ênfase gerencial sob dados, registros e controle de resultados, sendo que um dos

25
principais objetivos naquele período, foi a melhoria da governança pública. Deste modo, muitos
municípios brasileiros passaram a ter 'cadastros' (sim, no plural) informatizados, em sua
maioria, com informações básicas para atender necessidades basais, como por exemplo, o
cadastro imobiliário necessário para a tributação do Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU). Se de um lado a informatização das gestões públicas trouxe possibilidades maiores de
gerenciamento dos dados além do aumento a produtividade operacional dos servidores, do outro
lado, naquela época, muitos cadastros foram sendo criados, de acordo com que as necessidades
iam surgindo, sendo esses cadastros individualizados, e em muitos casos, até mesmo em bancos
de dados diferentes. Deste modo, até mesmo nos dias atuais, é comum que prefeituras,
sobretudo de cidades de pequeno e médio porte, tenham diferentes cadastros em diferentes
sistemas, como por exemplo, um sistema cadastral para imóveis, outro para os dados de saúde,
outros para informações a respeito da educação e assim por diante. Com o passar dos anos,
institutos e órgãos governamentais das esferas federal e estadual tem incentivado cada vez mais
os municípios a promoverem cadastros multifinalitários, que reúnem dados econômicos,
físicos, jurídicos, ambientais e sociais que devem atender as diretrizes gerais de políticas
nacionais e de desenvolvimento urbano (AGENTA et al., 2012).
Um município, seja qual for o tamanho, diante de tantos cadastros e sistemas,
multifinalitário ou unifinalitários, gera diariamente um grande volume dados, produzidos em
uma grande velocidade proveniente de uma grande variedade de fontes. Portanto, embora seu
conceito seja complexo de ser determinado com precisão, podemos dizer que esse grande
volume de dados produzidos diariamente pelos governos, de diferentes esferas, podem ser
entendidos como um Big Data, sendo que inclusive, preconizados neste termo, Taurion (2013)
argumenta que já é consenso que os dados são os recursos naturais da nova revolução industrial.
O tratamento de grande volume de dados para o planejamento e a gestão urbana não
é algo novo. Entretanto, nos últimos anos, os avanços tecnológicos, tanto em hardware,
software além de técnicas e procedimentos, têm permitido um melhor tratamento e análise dos
dados, sobretudo os dados não estruturados. Se olharmos para o universo das coisas,
considerando seres vivos, máquinas e a própria infraestrutura de um ambiente, é possível
observar que os dados produzidos, de um modo geral, conforme explica Pinto Filho (2018),
possuem o esquema dos 4Ws: What (O que?), Why (Por que?), When (Quando?) e Where
(Onde?).
É comum, embora isso tenha mudado nos últimos anos, que as corporações e
instituições públicas de um modo geral deem mais ênfase, ao menos em um primeiro momento,

26
nos três primeiros Ws, entretanto, cerca de 50% a 80% dos dados possuem, de alguma forma,
alguma informação que remeta a camada geográfica da natureza. A informação geográfica em
meio ao grande volume de dados normalmente é ignorada, embora nos últimos anos ela vem
sendo cada vez mais explorada. Contudo, na maioria das vezes a informação geográfica ainda
é subestimada.
Para Pinto Filho (2018), o GIS (Geographic Information System) visa, a princípio,
responder a última questão (where) e, a partir dela, inferir probabilidades das três outras. Ainda
segundo o autor, a inteligência obtida por estes dados, sobretudo com a utilização dos GIS,
permitirá a identificação de padrões e probabilidades preditivas que tornarão a tomada de
decisões gerenciais mais ágil e assertiva, tanto em uma gestão quanto em um planejamento
urbano. Embora seja comum relacionarmos o termo GIS para atividades relacionadas a
navegação, produtos cartográficos ou as grandes corporações e instituições, vale ressaltar que
os GIS's já fazem parte do cotidiano das pessoas de maneira quase que imperceptível. Nos dias
atuais, com a constante e rápida evolução da internet das coisas, é possível observar que as
pessoas não necessitam mais se preocupar em armazenar dados geográficos em suas memórias,
como locais, rotas, entre outros, isto porque, o GIS já está em nossas vidas a partir de sistemas
móveis e que inclusive, cada um de nós somos uma espécie de sensor que registra nossas
atividades, relacionadas aos locais e horários com até mesmo nossas preferências, uma vez que,
conforme Pinto Filho (2018), o GIS tende a colocar o consumidor no centro do mundo e então
apresenta as opções ao seu redor. Neste contexto, com um volume de dados sendo produzidos
de maneira cada vez mais rápida e de diferentes fontes, é inevitável a utilização do GIS por
parte dos governos para o planejamento e a gestão urbana.
O uso dos GIS em instituições públicas, mais precisamente em prefeituras, não é
algo novo no Brasil. A título de exemplo, em Belo Horizonte, Minas Gerais, a Prodabel S/A
(empresa de informática e informação do município de Belo Horizonte), foi criada em meados
de 1970, tendo toda sua base cartográfica territorial de Belo Horizonte inicialmente mapeada
com softwares de plataforma CAD (Computer Aided Design) e no início dos anos de 1990
migrou para a tecnologia GIS. O município de Maringá, Paraná, também desde o início dos
anos de 1990 possuía toda sua base cartográfica mapeada em plataforma CAD, ocorrendo sua
migração para a plataforma GIS no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Mesmo com
o GIS sendo utilizado em prefeituras há décadas, apenas nos últimos dez anos houve uma
pequena e não menosprezável popularização do Geoprocessamento nos governos municipais.
Isto ocorreu, em grande parte, em razão das evoluções tecnológicas de hardware, mas sobretudo

27
de softwares, que neste último caso, aos poucos estão deixando para traz a ideologia de que
apenas os softwares GIS comerciais tenham capacidades de processamento e ferramentas
necessárias para lidar com os dados de forma rápida e coesa. Sendo assim, esta ideologia vem
mudando nos últimos anos, sobretudo com a união da comunidade GIS mundial para a produção
e melhorias de qualidade de softwares open source, principalmente o QGIS. Contudo, mesmo
diante da popularização dos GIS, evoluções tecnológicas e de softwares, as prefeituras de modo
geral, sobretudo as de pequeno porte, tendem a resistir a estas tecnologias, principalmente pelo
fato de que o GIS, por muito tempo, ficou restrito a grandes municípios. No entanto, no Brasil,
isto aos poucos e de maneira tímida vem mudando e o GIS vai absorvendo cada vez mais
municípios e cada vez municípios menores, o que mostra, entre outras coisas, maturidade dos
gestores, sobretudo em função de uma nova geração de administradores empenhados no uso de
novas tecnologias, mas principalmente pelo fato que o Geoprocessamento tem se mostrado uma
excelente tecnologia para o planejamento urbano para as próximas gestões e ainda uma
excelente ferramenta para aumentar a arrecadação através de processos fiscalizatórios além de
ser utilizado também na redução de custos operacionais nos serviços prestados no cotidiano dos
municípios. É justamente neste certame, que o município de Mandaguaçu, norte do Paraná
(Figura 1), iniciou recentemente um processo de reforma administrativa tendo como um dos
pilares o processo de transformação digital da gestão.

Figura 01 - Mapa localização município de Mandaguaçu

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018)

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A cidade de Mandaguaçu, por estar inserida na região metropolitana de Maringá,
além de estar muito próximo ao município supracitado e interligados por uma rodovia federal,
viu nos últimos anos um grande processo de expansão e transformação urbana. Entre os fatores
que explicam tais processos, pode-se se dizer que, considerando que o município de Maringá é
um polo gerador de emprego, a proximidade e o rápido acesso a Maringá, além dos baixo custo
de vida e carga tributária na instalação de empresas (em relação a Maringá) são sem dúvidas
fatores que contribuíram para que Mandaguaçu saltasse de pouco mais de 16 mil habitantes em
2000 para aproximadamente 33 mil habitantes em 2018, isto baseado em estudos técnicos
realizados pela própria municipalidade baseado em número de ligações de água, energia elétrica
e outras variáveis. Diante destes números, evidenciou-se que, os serviços públicos, as
infraestruturas e o correto ordenamento territorial precisaram ser (re)planejados e remodelados
para atender as atuais e futuras demandas. Deste modo, a gestão municipal, a partir de 2017,
iniciou um processo de transformação digital incluindo novas tecnologias em seu cotidiano,
como o caso do cloud computer, Business Intelligente e sobretudo o uso da Inteligência
Geográfica, a partir da implementação de um Sistema de Informação Geográfica.
De modo geral, objetiva-se apresentar como a inteligência geográfica vem
contribuindo para o planejamento e a gestão pública de Mandaguaçu. Serão demonstradas quais
tecnologias estão sendo utilizadas, como e quais dados foram levantados, de que modo foram
processados, além de apresentar como os resultados destes processos contribuem para o
município realizar um planejamento estratégico para o futuro e uma gestão assertiva para o
presente e o curto prazo.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
Sempre que um município deseja implantar um sistema de informação geográfica
em sua gestão e com isso passar a utilizar a inteligência geográfica nos processos de tomadas
de decisões gerencias além de usá-las no planejamento urbano, é necessário em um primeiro
momento a criação de uma base cartográfica sólida, precisa, consistente e sobretudo rica em
informações geográficas. Conforme Reis Filho (2012), o principal objetivo da cartografia
cadastral é delimitar, sistematizar e apresentar informações das propriedades territoriais em
seus diversos aspectos. Para tanto, com incentivo (e recomendação) do governo federal a partir
da portaria ministerial 511 publicada em dezembro de 2009, recomenda-se que os municípios
realizem o Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) que visa o mapeamento cadastral não

29
apenas dos imóveis, mas que sejam, de maneira integrada, levantando informações de natureza
ambiental, fundiária, socioeconômica, infraestrutura, condições de ocupação, entre outros.
Reis Filho (2012) argumenta que embora a propriedade seja particular, o uso e
ocupação da propriedade é de interesse social e coletivo e que neste caso, é necessária a
utilização de ferramentas que deem suporte à análise das transformações nesses contextos.
Neste âmbito, o Geoprocessamento configura-se como base para não apenas a representação do
espaço, mas nos processos de análises, simulações, controle dos projetos e ações, permitindo
construir cenários a partir de uma estrutura de dados geográficos.
No caso de Mandaguaçu, a implantação de um sistema de informações geográficas
e o processo de mapeamento e cadastros de informações geográficas se deu por meio de
processos de vetorização de fotografias aéreas de alta resolução (10 cm) e ortorretificadas, de
maneira que as parcelas urbanas passaram a ser mapeadas e identificadas com o código
imobiliário do sistema cadastral imobiliário, permitindo, deste modo, a integração entre o banco
de dados geográficos e a base de informações municipal. O Geoprocessamento por meio de
ortofotos responde algumas perguntas como: o quê? E onde? Contudo, apenas por fotos aéreas
não é possível ter as respostas para algumas perguntas, entre elas, as características físicas dos
imóveis urbanos.
O município de Mandaguaçu possui aproximadamente 17 mil imóveis urbanos,
sendo que a última vez que houve um recadastramento imobiliário no município foi em 1997.
Deste modo, considerando a implantação de um sistema de informações geográficas, as
tecnologias disponíveis e o nível profissional dos técnicos municipais, indo na contramão do
que a maioria dos municípios fazem, Mandaguaçu optou por realizar um recadastramento
imobiliário sem nenhuma forma de terceirização, utilizando exclusivamente a equipe técnica
municipal.
Até pouco tempo, a coleta de dados geográficos em campo era um desafio
complexo, uma vez que era realizado de maneira analógica, com formulários impressos ou
então receptores GNSS robustos, sendo que após os levantamentos em campo ainda eram
necessários passar por um processo de digitalização dos dados para transformar as informações
dos formulários em arquivos digitais e editáveis. Isso acabava reduzindo a integridade das
informações, tanto que, para Reis Filho (2012), processos manuais, além de custosos e lentos,
são inclinados a erros. Por outro lado, Monteiro e Filho (2009) indicam que com o avanço da
infraestrutura da internet e a consolidação da computação móvel e das redes sem fio fizeram
surgir novos tipos de SIG's, que, assim como os Sistemas de Informações Geográfica desktop,

30
os SIG's móveis podem auxiliar as diversas áreas da administração pública municipal. Portanto,
preconizado no atual estágio tecnológico e disponibilidades de aplicações móveis que permitem
a coleta de dados geográficos, o município de Mandaguaçu optou por recadastrar in loco 17 mil
imóveis urbanos de maneira digital com a utilização de dispositivos móveis. Para tal tarefa,
além dos altos investimentos é necessário, naturalmente, capacitar uma equipe técnica para
visitar e coletar informações in loco de todos os imóveis urbanos, o que evidentemente não é
uma tarefa fácil e rápida. Diante disto, a municipalidade visando aproveitar a mão de obra
disponível para visitar todos os imóveis urbanos e visando sobretudo enriquecer seu banco de
dados geográfico, optou por realizar além do recadastramento imobiliário, promover também o
recadastramento das atividades comerciais para obter dados de empresas, produtos e serviços,
sobretudo para facilitar os processos fiscalizatórios de ordem tributária.
Além do recadastramento imobiliário e do recadastramento das atividades
comerciais, também de maneira simultânea optou-se por realizar um mapeamento cadastral das
árvores e postes da malha viária urbana do município e seus atributos, como espécies,
dimensões, etc. Além disso, de forma simultânea aos demais levantamentos, Mandaguaçu, de
maneira singular a outros municípios, realizou, de maneira digital e georreferenciada, um censo
demográfico municipal, levantando informações acerca de pessoas, domicílio, renda,
escolaridade, movimentos migratórios inter e intra municipais, previdência, entre outros.
Todo o processo de levantamento cadastral durou aproximadamente nove meses.
O recadastramento imobiliário foi feito de maneira digital, por meio de tablets que, de maneira
georreferenciada, levantou informações em relação às características físicas dos imóveis, tais
como estrutura, cobertura, padrão, revestimento, posicionamento, pavimentos, entre outros,
além de questões a respeito do uso do imóvel, tais como situação, atividade, tipo de imóvel,
entre outros.
No que diz respeito ao recadastramento das atividades comerciais, este teve por
objetivo atualizar o cadastro das empresas presentes no município, sendo que, também de
maneira georreferenciada, foram cadastradas informações a respeito da identificação do
comércio, ramo e tipo de atividade e sobretudo a legalidade do comércio frente as legislações
das esferas federais, estaduais e sobretudo municipais. Já no que diz respeito ao cadastramento
das árvores e postes do sistema viário urbano, este se deu a partir da utilização de receptor
GNSS, com precisão de 50 cm, sendo que, além do mapeamento em si, outras informações
foram levantadas como, no caso das árvores, espécie, altura e largura aproximada, saúde dos
indivíduos, entre outros.

31
Por fim, o censo demográfico municipal teve por objetivo recolher informações
precisas e atualizadas, tendo como amostra 25% das edificações, sendo que o mesmo se deu de
maneira digital e georreferenciada por toda a extensão da malha urbana. As entrevista foi feita
por meio de questionário (anexo 1), sendo feitas questões a respeito dos moradores(quantidade
por faixa etária e por sexo), nível de escolaridade, situação do domicílio, quantidade de pessoas
gerando renda no domicilio e renda das famílias, quantidade de pessoas que fazem uso de
auxílios e subsídios do governo, tempo de residência no município e o local da última moradia
antes de Mandaguaçu.
Além do grande volume de informações coletadas com as ações acima, o banco de
dados geográfico ainda foi enriquecido pela integração dos dados das secretarias de fazenda,
saúde, educação e a base de cadastro imobiliário urbano, o que resultou em um volume
razoavelmente grande de informações que até atualmente estão sendo processadas e analisadas
a partir das tecnologias de análises de Business Intelligence (BI) e a inteligência Geográfica,
com subsídio de técnicas e ferramentas de Geoprocessamento. Considerando o grande volume
de dados que já foram processados e analisados, neste capítulo foram selecionados algumas
destas análises para serem apresentadas e discutidas. Por isso, neste capítulo iremos tratar do
uso da Inteligência Geográfica no planejamento urbano, setor imobiliário, meio ambiente e
educação.

2.1 Levantamento de dados imobiliários


A velocidade em que os processos urbanos ocorrem normalmente é uma velocidade
superior em relação à que os governos locais conseguem acompanhar aplicando suas legislações
e promovendo as fiscalizações sobre pessoas, imóveis e atividades. Em uma prefeitura, um dos
setores que mais sofrem com essa constante evolução é o cadastro imobiliário municipal. De
acordo com Pires (2005), o cadastro imobiliário tem por princípios registrais a propriedade, a
especialidade, a legalidade, a continuidade, a unitariedade, a instância, entre outros. Portanto,
de modo geral, o cadastro imobiliário municipal além dos princípios acima mencionados, deve
ainda possuir informações suficientes para a edificação da localização geográfica, informações
de domínio, informações a respeito das características físicas do imóvel além das atividades
desenvolvidas pelos mesmos. A importância de um município possuir os dados do cadastro
imobiliário atualizado se dá em razão de a tributação do Imposto Predial Territorial Urbano
(IPTU), uma das principais receitas dos municípios, é realizada justamente com base nas

32
informações contidas no cadastro imobiliário, sobretudo informações a respeito de dimensões
da propriedade e da edificação.
Como dito anteriormente, de modo geral os municípios tendem a não acompanhar,
de maneira efetiva, as evoluções e processos urbanos, sobretudo as fiscalizações no que diz
respeito aos imóveis. Como resultado, os cadastros imobiliários municipais ficam anos sem
atualização das informações, que por consequência, resulta em uma tributação de IPTU não
condizente com a realidade, resultando em uma tributação consideravelmente abaixo dos
valores corretos. Exatamente nos preceitos mencionados, Mandaguaçu recebeu a última
atualização cadastral imobiliária (recadastramento imobiliário) em 1997, evidenciando,
portanto, uma necessidade emergencial por um novo recadastramento imobiliário e incremento
nas receitas municipais. Deste modo, tendo em vista o processo de transformação digital que o
município iniciou em 2017 e tendo em vista a implantação de um Sistema de Informações
Geográfica na administração pública municipal, Mandaguaçu iniciou em outubro de 2017 o
processo de recadastramento imobiliário dos mais de 17 mil imóveis urbanos, tendo por
princípio a utilização dos SIG’s tanto nos processos internos (escritório) quanto no
levantamento de dados externos (em campo), com o uso de dispositivos móveis.
No caso de Mandaguaçu, réplica do que é na maioria dos pequenos municípios
brasileiros, não havia registros de bases cartográficas digitais, limitando-se a mapas analógicos
impressos e croquis, além de estarem absolutamente desatualizados. Deste modo, em um
primeiro momento foi necessária a criação de uma base cartográfica digital, por meio de uso de
softwares de geoprocessamento, além do uso de banco de dados geográficos. Para tal, foi
necessária a realização de um aerolevantamento com aeronave tripulada para que, então, em
posse das fotografias aéreas georreferenciadas e ortorretificadas, pudesse dar início ao processo
de mapeamento, conforme a figura 02. O processo de mapeamento da malha urbana de
Mandaguaçu se deu por meio de vetorização das quadras, lotes e edificações, de maneira que
os lotes foram sendo identificados com o código imobiliário do imóvel no cadastro imobiliário
do município.

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Figura 02 - Processo de vetorização de ortofoto

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018)

A utilização do código imobiliário é fundamental para a integração de dados entre


o geoprocessamento e os sistemas dos demais departamentos do município, permitindo a
conexão de centenas de variáveis de diferentes sistemas e de distintos departamentos. Embora
o geoprocessamento responda questões fundamentais como o quê? E onde? Apenas a partir das
ortotofos não é possível obter algumas outras respostas para diferentes perguntas. Deste modo,
alguns dados, como as características físicas dos imóveis, além de seus devidos usos, apenas
são possíveis de serem obtidos com a utilização de levantamento de informações em campo,
conforme figura 03.
A questão de levantar dados em campo envolve toda uma problemática a ser
administrada, não só no que diz respeito aos altos custos, mas sobretudo em razão dos dados
chegarem de maneira íntegra, precisa e principalmente confiável. Até a pouco tempo, estes tipos
de levantamentos de dados imobiliário eram realizados de maneira analógica, a partir de
formulários impressos, o que por sua vez, resultava em um grande transtorno em reunir todos
esses formulários e transformá-los em dados digitais, o que, na maioria das vezes, sempre
ocorria uma perda de dados durante esse processo. Contudo, com os avanços tecnológicos, nos
dias atuais é possível realizar essas tarefas de maneira digital com a utilização de dispositivos
móveis, permitindo inclusive o registro fotográficos dos imóveis.

34
Figura 03 - Levantamento de dados em Campo

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

De modo geral, o recadastramento imobiliário, com subsídio do Geoprocessamento,


ocorreu no período entre outubro de 2017 e junho de 2018, tendo mais de 17 mil imóveis
mapeados, com suas características físicas, padrões e atividades identificadas além de serem
fotografados.

2.2 Levantamento Cadastral de Árvores e Postes


O crescimento desordenado das cidades evidentemente pode resultar em grandes
transtornos a médio e longo prazo e exatamente por esta razão este tema vem sendo muito
discutido pela comunidade acadêmica e pelos governos nos últimos anos. Contudo, mesmo nos
dias atuais é perceptível que em muitos planejamentos a vegetação urbana não é interpretada
como parte integrante do planejamento, e quando é, é tratada com poder de influência
relativamente baixa em referência a outros elementos do planejamento urbano.
A vegetação no espaço urbano vem conquistando, ainda que aos poucos, espaço nas
cidades brasileiras, seja em razão de instrumentos regulatórios (como por exemplo, o Plano de
Arborização Urbano) ou em consequência das próprias necessidades ambientais em decorrência
da própria expansão urbana e seus problemas decorrentes. Para Gomes & Soares (2003), em
um ambiente urbano a vegetação age purificando o ar por fixação de poeiras e outras matérias,

35
reciclagem de gases através da fotossíntese, regulagem da umidade e da temperatura do ar, além
de manter a fertilidade e a umidade do solo, promovendo a redução de processos erosivos.
Ainda para Dantas & Sousa (2004) a arborização contribui também agindo sobre o lado físico
e mental do homem, atenuando o sentimento de opressão frente às grandes edificações.
A partir de outro aspecto, é preciso também ponderar que não basta, naturalmente,
apenas o plantio de árvores de maneira aleatória, é necessário, contudo, um planejamento
estratégico sobre espécies, espacialização, considerar o ambiente, redes de iluminação pública,
entre outros, o que raramente ocorre em cidades em expansão urbana. Tanto que para Cabral
(2013), apesar de muitas cidades terem áreas arborizadas, muitas não recebem nenhum tipo de
seleção nas espécies plantadas, ficando sem harmonia, sendo necessário, portanto, que
profissionais qualificados atuem de forma eficiente para diminuir os problemas ocasionados
pela arborização inadequada nas vias públicas. Ainda para o mesmo autor, é necessário que os
gestores urbanos tenham conhecimento sobre as espécies plantadas, para que não ocorram
problemas no futuro, sobretudo frente a fiação elétrica. Foi justamente preconizado nesses
preceitos e considerando que o município de Mandaguaçu possuía pouca ou nenhuma
informação sobre sua arborização urbana, que se optou pela realização de um levantamento
cadastral dos elementos das vias púbicas tais como árvores, postes de iluminação públicas e
bueiros.
Esse levantamento iniciou-se em outubro de 2017 e foi concluído em julho de 2018,
sendo que para tal, foi necessária a utilização de um receptor GNSS para o georreferenciamento
dos mesmos. Com precisão de 50 cm, além da coleta da informação da posição geográfica dos
elementos, o receptor foi utilizado também para o cadastro dos atributos dos mesmos. Para a
arborização, foram coletadas informações a respeito de espécie, altura e diâmetro aproximado,
saúde do indivíduo, condições do enraizamento frente aos passeios públicos, entre outros, ao
passo que para os postes de iluminação pública foram coletadas informações a respeito do tipo
de luminária, sua posição (elevada ou rebaixada), entre outros.
Com base nas informações coletadas, as possibilidades de análise e geração de
novas informações são inúmeras. Naturalmente, uma das primeiras ideias de aplicações dos
dados por parte de qualquer profissional da área de SIG é a elaboração de um mapeamento que
indique espécies em desacordo com o ambiente urbano, provendo, desta maneira, estudos
técnicos para a substituição das mesmas. O município de Mandaguaçu também realizou estudos
no sentido de identificar trechos de falhas de arborização urbana (Figura 04).

36
Para tal, considerando o já mapeado sistema viário e parcelas urbanas, além do
mapeamento das árvores e postes, com a utilização do software QGIS, foi criada uma cópia
paralela do alinhamento do meio-fio e com isso, utilizando ferramentas de interseção e recorte
de geometrias (recortando árvores e postes sobre a linha criada no alinhamento dos mesmos),
o produto resultante foi justamente os trechos de ausência de árvores e postes. Deste modo,
utilizando ferramenta de criação de pontos sobre uma linha a partir de critérios de distâncias,
foi possível implantar, mediante as distâncias entre árvores, postes e esquinas (previstas no
plano de arborização urbana municipal), pontos precisos em locais que deverão receber o
plantio de uma nova espécie de árvore. Com isso, foi possível inclusive gerar dados sobre a
quantidade de indivíduos necessários, estatísticas financeiras e planos de ação governamental
para retificar estas falhas.

Figura 04 - Identificação de trechos de falhas de arborização urbana

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Outra análise realizada foi a identificação de indivíduos que estão em posição


irregular mediante a postes e esquinas (Figura 05). Para tal, também com a utilização do
software QGIS, considerando o mapeamento dos indivíduos e o mapeamento das esquinas,
foram utilizadas técnicas de buffer e de seleção espacial para a identificação em massa dos
indivíduos que estavam em posição irregular. Deste modo, com estes indivíduos identificados,
foi possível quantificá-los e promover análises estatísticas, sobretudo de ordem financeira, para
a criação de um plano de manejo e um cronograma específico.
37
Figura 05 - Identificação de indivíduos em posição irregular

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

2.3 Informações Socioeconômicas


Levando em conta todo e qualquer tipo de governo, em qualquer esfera, apenas é
possível realizar uma gestão se houver informações a respeito do que se encontra em seu
território, o que muda, de que maneira muda, e o que pode ou não acontecer. A análise das
características socioeconômicas sobre um espaço geográfico é feita de modo a fornecer alto
grau de confiabilidade dos dados, de modo a subsidiar a elaboração de políticas públicas que
serão postas em prática, servindo de base as tomadas de decisões.
Neste cenário, o governo brasileiro desenvolveu instrumentos de captação e análise
dos dados de indicadores socioeconômicos, como a criação de institutos, como o IBGE e o
IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Avançada). É preciso considerar que os indicadores
socioeconômicos têm a função de 'mapear' as características sociais e econômicas de uma
determinada localidade. Deste modo, é preciso saber exatamente quais dados devem ser
levantados para traduzir os números em uma 'fotografia' de um determinado espaço. Deste
modo, esta 'fotografia' da realidade social de um espaço deve servir como diagnóstico que
alimentará os gestores públicos para o desenvolvimento de planos de ações e as tomadas de
decisões assertivas.

38
Conforme Januzzi (2002), no Brasil, os indicadores socioeconômicos e
demográficos, de modo geral, são produzidos, compilados e disseminados pelo IBGE, que
neste caso, cumpre um papel de agente coordenador da produção e disseminação de estatísticas
públicas, muito embora os Estados também possuam agências e instituições com características
similares ao IBGE, como no caso do IPARDES (Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social) no Estado do Paraná. Ainda para o mesmo autor, mesmo que o IBGE, o
IPEA e órgãos estaduais, atuem na produção e disseminação de índices estatísticos, é
importante que as administrações municipais atuem no sentido de se esforçarem para estruturar
seus próprios sistemas de informações municipais, compilando e organizando dados
provenientes de diversas fontes do município, como a Fazenda, Saúde, Educação, assistência
social, cadastros imobiliários, entre outros. Deste modo, justamente preconizado no princípio
da geração de índices atualizados e confiáveis para a promoção de planos de ações assertivas,
o município de Mandaguaçu realizou no período entre outubro de 2017 e julho de 2018 a
realização de um censo demográfico municipal coletando informações sobre as pessoas,
domicílios, renda, nível de escolaridade, tempo de residência, entre outros.
O censo demográfico foi realizado com o uso de dispositivos móveis utilizados
também para a geolocalização dos imóveis em que os dados eram coletados para posteriores
análises espaciais. O projeto baseou-se em que as amostras deveriam representar 25% do
universo. Em outras palavras, dos imóveis edificados urbanos, cerca de 25% deles deveriam ser
entrevistados. Os dados a respeito de pessoas foram estruturados por sexo e faixa etária,
enquanto os dados a respeito da situação do domicílio tinham por objetivo indicar se o imóvel
era próprio, cedido ou alugado. Informações a respeito de renda foram estruturados a quantificar
quantas pessoas do domicílio geravam algum tipo de renda (formal ou informalmente) e qual
era a renda domiciliar total.
Questionamentos sobre o nível de escolaridade foram estruturados de modo a
mensurar quantas pessoas do domicílio tinham vinte anos ou mais, com segundo grau
incompleto; pessoas com vinte anos ou mais, com segundo grau completo; e questionamentos
a respeito de nível superior. Também foram coletadas informações a respeito de pessoas que
recebiam algum tipo de subsídio dos governos, além de questionamentos a respeito do tempo
de residência no município e qual o último município de moradia antes de Mandaguaçu,
vislumbrando a análise de movimentos migratórios. O anexo 01 apresenta o questionário
completo do censo demográfico municipal de Mandaguaçu realizado em 2018.

39
A estruturação, mineração e validação dos dados além de geração de índices
estatísticos se deu por meio de softwares e técnicas de Business Intelligence (BI) e em paralelo
a isto, também foram utilizados softwares e técnicas de análise espacial com o uso da plataforma
GIS. Conforme Santos (2011), apesar de práticas de BI estarem frequentemente relacionadas
às questões empresariais e comerciais, quando se entende a importância da informação e do
conhecimento para o desenvolvimento de ações estratégicas, é possível incorporá-las nos mais
variados campos de atuação. Deste modo, o BI foi fundamental para a análise dos dados do
censo demográfico municipal, pois permitiu o cruzamento de informações, a gestão integrada
da informação para o monitoramento e a tomada de decisões (Figura 06). O GIS, por outro lado,
em paralelo com o BI, foi fundamental para as análises espaciais, especialmente na
identificação de padrões e tendências, o que permitiu realizar análises diagnósticas, descritivas
e sobretudo prescritivas.

Figura 06 - Dashboard dados socioeconômicos censo municipal 2018

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018)

De modo geral, os dados do censo demográfico municipal foram processados em


ambiente GIS partindo do princípio de autocorrelação espacial. Desta maneira, nos softwares
de Geoprocessamento foram utilizadas ferramentas de mapeamentos de clusters, utilizando
como base cartográfica as parcelas urbanas e as quadras do município.
As análises de clusters permitiram identificar pontos de acesso estatisticamente
significativos, criando regiões frias e quentes além de outliers espaciais. Como resultados, a
utilização de técnicas de clusters espaciais permitiram, para cada uma das variáveis levantadas

40
in loco, a criação de um mapa de 'regiões de concentração' como produto cartográfico para
facilitar o entendimento da análise espacial junto aos produtos originados pelo BI.
Evidentemente, diante de tantas variáveis levantadas durante o censo demográfico
do município, o cruzamento entre duas ou mais variáveis além da infinidade de aplicações e
análises tanto na plataforma BI quanto na plataforma GIS, torna-se quase que imensurável a
quantidade de produtos e novas informações que podem ser resultantes das possibilidades de
análises. Por isso, neste caso será considerado apenas os estudos técnicos e análises do censo
demográfico mediante as questões de nível de escolaridade, fluxos migratórios e renda.

2.4 Informações Educacionais


Como já dito anteriormente, o GIS é parte integrante de um processo de
transformação digital que vem, aos poucos, sendo incorporados pelos municípios brasileiros
em uma nova onda de modernização da gestão pública. Como argumenta Domingues (2005),
um grande número de municípios está voltado à modernização administrativa buscando
ferramentas e instrumentos mais eficazes para eliminar deficiências administrativas.
O ambiente urbano apresenta uma grande e complexa dinâmica, resultando em
profundas e constantes mudanças por diversos agentes, seja de ordem técnica ou política, que
por muitas vezes, a cidade não possui planejamento estratégico capaz de incorporar tal
dinamismo. Deste modo, para melhorar a qualidade dos serviços prestados por um município é
preciso, muitas vezes, que as administrações públicas sejam capazes de recuperarem sua
capacidade de gerenciamento, sendo que desta forma, o GIS e o BI são instrumentos
definitivamente úteis e necessários para gerenciar as informações e subsidiar as análises e as
tomadas de decisões assertivas.
Como já mencionado na introdução deste capítulo, os municípios possuem vários
cadastros, não necessariamente unificados, entre eles: imobiliário, contribuintes, educação,
saúde, entre outros. Neste contexto, Mandaguaçu utilizou-se do cadastro educacional para
realizar análises e um processo de otimização de rotas do transporte escolar para os dias atuais
e para médio prazo.
De todas as informações do cadastro dos mais de 3.000 alunos da rede municipal
de ensino, utilizou-se técnicas de filtro para obter, visando a preservação da privacidade dos
alunos, apenas informações a respeito de endereço residencial e escola em que o mesmo estuda.
Deste modo, todos os alunos da rede municipal de ensino foram mapeados, o que permitiu
realizar dois estudos similares mas com períodos de aplicações diferentes: o primeiro, trata-se

41
da otimização de rotas de transporte escolar, uma vez que tendo a distribuição espacial dos
alunos e tendo o registros de suas respectivas escolas destinos, foi possível otimizar as rotas
bem como gerar índices estatísticos. Como exemplo desses produtos: quantas rotas são
necessárias, quantidade de alunos transportados por cada rota, o tempo médio para cada uma
das rotas, além de estatísticas financeiras apoiando as tomadas de decisões (Figura 07).

Figura 07 - Modelo de mapa de transporte escolar

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018)

Outro estudo baseia-se no conceito de fluxos migratórios para apresentar os fluxos


entre as residências dos alunos e as escolas que os mesmos estudam, o que evidenciou uma
desorganização espacial no sentido de alocar os alunos para as escolas mais próximas de suas
residências (Figura 08).

42
Figura 08 - Modelo de mapa de fluxos migratórios escolares

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Como resultado, a inserção da localização das residências dos alunos ao banco de


dados geográfico tem permitido o município otimizar suas operações com transporte escolar
bem como também criar um plano de ação no sentido de alocar as novas matrículas da rede
municipal de ensino em escolas mais próximas das residências dos alunos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Imobiliário
O município de Mandaguaçu obteve nos últimos anos um grande crescimento
populacional saltando de pouco mais de 16 mil habitantes em 2000 para aproximadamente 33
mil habitantes em 2018, sendo portanto, um crescimento populacional superior a 50% no
período, conforme dados apresentados pela municipalidade baseado em número de ligações de
água e energia elétrica. .
Este crescimento, evidentemente, não foi acompanhado (ao menos de maneira
satisfatória) pelo poder público municipal, acarretando, entre outras coisas, na baixa qualidade
dos serviços prestados, ausência de equipamentos públicos, sobretudo em locais estratégicos e
principalmente uma desatualização cadastral imobiliária. A base cadastral imobiliária
desatualizada acaba sendo objeto de grande preocupação, sobretudo de municípios de pequeno
porte, como o caso de Mandaguaçu, principalmente em razão de que o IPTU acaba sendo uma
das maiores receitas do município para investimentos em obras, infraestrutura, educação,

43
esporte, lazer e saúde. É necessário neste ponto esclarecer, embora já foi discutido
anteriormente, que uma das variáveis utilizadas para o cálculo do IPTU é justamente as
dimensões dos imóveis, tanto as dimensões dos lotes quanto também as dimensões das
edificações. Portanto, uma base cadastral imobiliária desatualizada representa, sobretudo,
prejuízo financeiro aos cofres públicos, podendo inclusive ser interpretada como uma
improbidade administrativa. Em casos extremos, isso pode resultar na cassação do prefeito, pois
podem ser interpretados como renúncia de receita. Por essa razão que Mandaguaçu optou por
realizar o recadastramento imobiliário dos mais de 17 mil imóveis, tendo por base o uso de
Sistema de Informação Geográfica para o mapeamento de todos os imóveis e a identificação
dos imóveis que tiveram aumento de sua área construída, quando comparado com as
informações contidas no cadastro imobiliário do município, conforme figura 09.
Todo o processo de mapeamento dos imóveis a partir de ortofotos georreferenciadas
além do recadastramento imobiliário in loco ocorreu em um período de aproximadamente dez
meses, sendo todo o processo realizado por equipe técnica do próprio município, não havendo
terceirização de mão de obra.

Figura 09 - Divergências de Área entre cadastro Imobiliário e realidade

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018)

Os resultados estão compilados no dashboard (Figura 10) em que destacam-se a


presença de mais de 300 imóveis desconhecidos por parte da administração pública do

44
município, ou seja, imóveis que, por razões diversas, não faziam parte da base cadastral
imobiliária do município e por consequência não geravam nenhum tipo de receita aos cofres
públicos, nem mesmo taxas de coleta de lixo.

Figura 10 - Dashboard recadastramento imobiliário

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Estima-se que apenas estes imóveis que não estavam cadastrados gerem uma receita
de pouco mais de R$ 140.000 por ano aos cofres do município para o ano de 2019. Outro dado
importante foi a identificação de 297 imóveis que estavam na base cadastral imobiliária do
município contidos como terrenos vazios, mas que no decorrer dos anos os proprietários destes
imóveis realizaram construções sem os devidos projetos e autorizações por parte dos órgãos
públicos, principalmente o próprio município.
Em relação aos pouco mais de 10.000 imóveis edificados, constatou-se que 45%
tiveram aumento na área construída e que, em média, o aumento foi de 26% em relação à área
construída contida anteriormente no cadastro imobiliário do município. Verificou-se também
que cerca de 72% dos imóveis edificados são de médio padrão, ao passo que 20% são de baixo
padrão e 6% são imóveis definidos como precários. Outro ponto a ser considerado é que a
maioria dos imóveis que tiveram aumento na área construída foram os imóveis de baixo padrão
ou precário.
No tangente às receitas municipais, é importante frisar que desde o início de 2017
o município vem adotando políticas públicas objetivando aumentar as receitas municipais com
o intuito de melhorar e ampliar os serviços prestados, tendo em vista o grande crescimento
45
populacional, como já mencionado anteriormente. Deste modo, Mandaguaçu elevou sua
arrecadação do imposto predial e territorial urbano de pouco mais de R$ 870.000 em 2016 para
os previstos R$ 5.700.000 em 2019, permitindo que, desta maneira, possa melhorar e ampliar
os serviços públicos.
Por fim, é preciso esclarecer que o mapeamento e o recadastramento dos imóveis
in loco, diferentemente de muitos outros municípios, no caso de Mandaguaçu não restringiu-se
apenas como objeto de aumento dos tributos municipais, servindo como um ponto de partida
para a criação de uma base cartográfica e um banco de dados geográfico sólido e rico em
informações precisas e atualizadas para permitir realizar análises e estudos técnicos, tendo por
base o uso da Inteligência Geográfica e o Bussines Intelligence para permitir uma gestão pública
eficiente e sobretudo estratégica, flertando com decisões assertivas, visando não apenas o
presente, mas principalmente o futuro a curto, médio e longo prazo.

3.2 Levantamento Cadastral de Árvores e Postes


A arborização possui significativa importância nos ambientes urbanos, tendo vários
benefícios ambientais e sociais como já discutido anteriormente, sobretudo visando o bem-estar
social e a melhora na qualidade de vida. Contudo, em muitas situações as árvores não são
incluídas como parte integrante do planejamento urbano, permitindo desta forma, que em
muitos casos a própria iniciativa privada, ausente de conhecimento técnico apropriado, realize
o plantio e o manejo irregular e incompatível, principalmente em novos loteamentos. Com isso,
para efetuar um bom planejamento no que diz respeito a arborização urbana, é necessário
conhecer todo o patrimônio arbóreo da cidade.
O cadastro não só arbóreo, mas também dos postes de iluminação pública em
Mandaguaçu se deu por meio de receptores GNSS para a coleta não apenas da localização
precisa dos indivíduos, mas também para coleta de seus atributos. Como resultado, todo o
inventário arbóreo e dos postes de iluminação pública foram incorporados ao banco de dados
geográfico do município e a partir de técnicas de Geoprocessamento permitiram que
Mandaguaçu, tendo por base o uso da Inteligência Geográfica, realizasse estudos técnicos de
caráter descritivos e diagnósticos e em um segundo momento estudos preditivos. Entre os
diversos estudos que foram desenvolvidos, tendo por base o levantamento cadastral dos
indivíduos, destacam-se dois deles: O estudo de trechos de falhas de arborização urbana
mediante a critérios específicos e o estudo de indivíduos em posição irregular mediante as
esquinas, conforme figura 11.

46
Figura 11 - Trechos de falhas de arborização urbana em Mandaguaçu – PR

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Em relação ao estudo técnico de reconhecimento de trechos de falhas da arborização


urbana, observou-se de um modo geral, que as maiores falhas estão precisamente nos novos
loteamentos que surgiram no município nos últimos anos, revelando, portanto, uma grande
falha por parte da municipalidade nos processos fiscalizatórios de entrega de novos
loteamentos. Isso permitiu que o município, tendo o conhecimento destas informações,
notificasse, inclusive em alguns casos com autuações, os responsáveis pelos novos loteamentos
para que, em um prazo específico, executassem o plano de arborização urbana do loteamento.
No total foram identificados aproximadamente 150 km de falhas de arborização, contudo, é
necessário esclarecer que este é um valor 'flutuante', tendo em vista que existem outras variáveis
que influenciam no plantio de árvores, como por exemplo, as entradas de garagens. Em todo
caso, os números e resultados deste estudo permitiram que a municipalidade realizasse um
plano de ação de investimentos de plantio de novas árvores em um decorrer de oito anos,
objetivando preencher as falhas de arborização começando por regiões onde os processos de
urbanização já estão consolidados, além de que, como já foi dito, o município, por outro lado,
segue notificando os loteamentos novos com trechos de falhas de arborização ao passo que os

47
processos fiscalizatórios neste certame passaram a configurar-se mais intensos e rígidos após o
estudo.

Figura 12 - índivíduos em posição irregular no sistema viário urbano em Mandaguaçu – PR

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018)

Outro estudo técnico realizado objetivou identificar indivíduos (neste caso tanto
árvores quanto postes) que estivessem em posição irregular mediante as esquinas, tendo em
vista que a legislação prevê a não presença de indivíduos a 5 m das esquinas, conforme figura
12. Esta análise permitiu ao município, pela primeira vez, mensurar os indivíduos que se
encontram em posição irregular. Deste modo, verificou-se que 344 dos 4.405 postes encontram-
se em situação irregular mediante as esquinas e precisam ser removidos, ao passo que do mesmo
modo, 313 árvores das 8.631 mapeadas também precisam ser removidas. Neste estudo,
observou-se que a maior parte dos indivíduos irregulares se encontram na região central do
município, também a região mais antiga. Contudo, em loteamentos novos verificou-se também
a presença de indivíduos em posição irregular, permitindo mais uma vez que o município
intensifique os processos fiscalizatórios sobre os mesmos. Por outro lado, objetivando a solução
e remoção destes indivíduos, a municipalidade está definindo um plano de ações e
investimentos no decorrer de dez anos para a remoção.
De modo geral, é necessário esclarecer que, mesmo embora neste item foram
apresentados apenas dois estudos a respeito do levantamento cadastral das árvores e postes do
48
município, é importante salientar que muitos outros estudos e análises já foram realizadas ou
ainda serão realizadas a partir desses dados. Um exemplo trata-se de investimentos assertivos
nas operações de podas de árvores, tendo em vista que o mapeamento das árvores e dos postes,
permite o município realizar análises espaciais e identificar indivíduos arbóreos que estão
próximos a postes e possuem altura aproximada à altura da iluminação pública, permitindo,
desta forma, que o município realize as podas de maneira assertiva. Por fim, o levantamento
cadastral das árvores e postes do município tem contribuição ainda imensurável e sem sombra
de dúvidas já faz parte dos estudos de planejamento estratégico envolvendo a inteligência
geográfica no município.

3.3 Informações Socioeconômicas


Majoritariamente os municípios tendem a consumir (quando consomem)
informações sociais e econômicas dos setores censitários registrados a partir dos censos
nacionais realizados pelo IBGE. Contudo, considerando que o último censo foi em 2010 e que
no caso de Mandaguaçu foi justamente a partir de 2010 em que o dinamismo urbano e
populacional se acentuou, concluiu-se que os dados do censo demográfico de 2010 não mais
representariam de maneira confiável a realidade. Deste modo, considerando que o município
iniciou um processo de transformação digital a partir de 2017 e que o sistema de informação
geográfica está encabeçando todas essas mudanças objetivando, entre outras coisas, a reunião
de dados geográficos em um banco de dados, determinou-se a necessidade do próprio município
realizar seu censo demográfico, ainda que não exatamente nos padrões do IBGE. Contudo, o
censo (realizado entre outubro/17 e julho/18) foi realizado de maneira digital e georreferenciada
tendo como amostras 25% do universo dos imóveis edificados urbanos.
Foram levantados dados a respeito de pessoas, domicílio, renda, nível de
escolaridade, movimentos migratórios, entre outros, da qual, evidentemente, serão discutidos
neste item apenas algumas das dezenas de análises já realizadas com essas informações
coletadas, entre elas, os dados de nível de escolaridade, renda e movimentos migratórios.

49
Figura 13 - Regiões de concentração de pessoas com 20 ou mais com segundo grau incompleto

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Baseado no uso da inteligência geográfica para produzir investimentos e tomadas


de decisões assertivas, tendo como base na figura 13 que apresenta regiões de concentração de
pessoas com vinte anos ou mais e que possuem segundo grau incompleto, o município pode
iniciar um estudo objetivando criar, em cada uma das regiões, locais, que com suas devidas
adaptações, que sejam transformados em salas de aula. Isso tem como objetivo o município
levar estrutura educacional até os locais onde estão concentradas as pessoas que de fato
necessitam da estrutura.
Em relação aos dados levantados, no que diz respeito às pessoas e suas respectivas
faixas etárias, observou-se a partir dos resultados que a concentração de pessoas com 14 anos
ou menos ocorreu em regiões periféricas e bairros novos no município, ao passo que, pessoas
com 60 ou mais se concentram majoritariamente na porção central da cidade, que também é a
região mais antiga. De modo geral, essas informações são essencialmente importantes para
vários setores da administração pública, como por exemplo, a educação, que tendo o
conhecimento prévio de regiões de concentração de crianças permite planejar a construção de
um novo equipamento público de uso educacional ou então planejar as rotas dos transportes
escolares. Por outro lado, a concentração de regiões de pessoas idosas permite que o

50
departamento de saúde promova ações em regiões assertivas tendo em vista melhorar a
prestação de serviços, sobretudo para os idosos.
No que diz respeito às informações de renda domiciliar, observou-se, conforme a
figura 14, uma maior concentração de renda na porção central do município, que, quando
analisada junto aos dados educacionais, observa-se que é a mesma região onde possui maior
concentração de pessoas de ensino superior completo, o que permite a gestão vislumbrar um
futuro similar nas atuais regiões de concentração de pessoas que estão cursando o ensino
superior.

Figura 14 - Mapa da renda domicíliar urbana de Mandaguaçu.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

O município de Mandaguaçu vem recebendo um grande contingente populacional


nos últimos anos, atraído, sobretudo, pela proximidade e a geração de empregos na cidade de
Maringá, além do baixo custo de vida quando comparado com Maringá. Baseado nisso, um dos
questionamentos do censo demográfico municipal tratou justamente a questão dos processos
migratórios para Mandaguaçu de pessoas residentes na cidade a menos de dez anos.
Conforme a figura 15, verifica-se que pessoas residentes em Mandaguaçu a menos
de dez anos vieram de todas as regiões geográficas brasileiras, mas os maiores fluxos são de
municípios que estão a menos de 100 km. Os municípios com maiores fluxos migratórios são
Sarandi, Nova Esperança, Ourizona, São Paulo, Presidente Castelo Branco, Paranavaí, Curitiba,
51
entre outros. Contudo, registra-se grandes fluxos migratórios sobretudo do estado de São Paulo,
embora as regiões Norte e Nordeste do Brasil possuam fluxos migratórios consideráveis.

Figura 15 - Fluxos migratórios para Mandaguaçu

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Por fim, mesmo que o censo municipal realizado em Mandaguaçu no ano de 2018
não seja exatamente nos padrões do censo demográfico realizado pelo IBGE a cada dez anos,
afirma-se que o volume de informações ricas, atualizadas e georreferenciadas, sem sombra de
dúvidas pôs o município de Mandaguaçu em um elevado nível de banco de dados geográfico,
permitindo ao município realizar uma gestão pública eficiente e sobretudo assertiva, e mais do
que uma gestão, está permitindo ainda o município desenvolver políticas de planejamento
urbano que continuarão a ter resultados positivos nos próximos anos.

3.4 Informações Educacionais

52
Os municípios tendem a ter vários cadastros de diferentes setores da administração
e com diferentes objetivos. Sem sombra de dúvidas, todos os municípios possuem cadastros
contendo informações da secretaria da educação, sendo que alguns municípios possuem
cadastros mais completos do que outros, além de que, alguns municípios fazem melhor uso do
cadastro educacional em relação a outros municípios. No caso de Mandaguaçu houve um
crescimento considerável da população urbana do município e por consequência, um
crescimento (desordenado) da malha urbana da cidade. Dificilmente um município de pequeno
porte, como no caso de Mandaguaçu, possui planejamento estratégico para absorver ondas de
movimentos migratórios, resultando, muitas vezes, em um colapso dos serviços prestados pela
municipalidade, tendo em vista sua infraestrutura planejada para um número de pessoas sendo
consumida por um número muito maior. Em Mandaguaçu, um dos primeiros setores a entrar
em colapso foi justamente a educação, que de maneira muito rápida, viu suas cinco escolas de
ensino fundamental estarem com superlotação, sendo que por consequência o transporte escolar
foi um dos primeiros serviços afetados. Deste modo, objetivando soluções para este setor,
optou-se pela utilização da Inteligência Geográfica para buscar soluções de curto e médio prazo.
Com isso, considerando os cadastros educacionais contidos no município, iniciou-se um
processo de mapeamento dos mais de 3.000 alunos da rede municipal de ensino, visando melhor
eficiência operacional e redução de custos com transporte escolar a curto prazo além de
promover soluções para o médio prazo.
É preciso esclarecer que, visando a privacidade dos alunos, apenas os dados de
código, endereço, escola, classe e turno dos alunos foram utilizados para promover o
mapeamento. O mapeamento se deu por meio de técnicas de geolocalização a partir da base
cartográfica do município, de modo que permitiu ao município (re)estruturar todas as rotas de
transporte escolar. Considerando o prévio conhecimento preciso do local de residência de cada
um dos alunos, do mesmo modo que se possui o conhecimento dos destinos dos mesmos, foi
possível realizar em GIS o novo mapeamento das rotas escolares, separando os alunos de
educação infantil e fundamental, além de obter dados da quantidade de alunos que está sendo
transportada por cada rota e em cada trecho das rotas, evitando que os veículos excedam a
lotação máxima permitida pelas legislações. As rotas escolares foram estruturadas tendo seus
fluxos de bairros das regiões periféricas para a região central (localização das escolas), sendo
que todas as rotas visitam todas as escolas, tendo todas elas o mesmo ponto final da linha,
conforme apresenta a figura 16.

53
Figura 16 - Rotas de Transporte escola sentido periferias - centro (escolas)

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

O mapeamento e o planejamento das rotas escolares permitiram ao município


identificar falhas, melhorar o serviço prestado e reduzir custos. Entre as falhas, verificou-se
que, ao término de cada uma das rotas escolares, todos os veículos retornavam à garagem do
município, distante a aproximadamente 3 km do final das rotas. Tendo esta informação e
objetivando a redução de custos, a municipalidade preparou um ponto de apoio para os veículos
de transporte escolar, distante a menos de 500 m do final das rotas, para que aguardem até a
próxima viagem, fazendo com que não seja mais necessário se deslocar até a garagem
municipal, impactando em aproximadamente R$ 60.000 de redução de custo por ano.
O GIS permitiu ainda que o município analisasse os fluxos migratórios entre as
residências dos alunos e as escolas destinos dos mesmos, permitindo com isso identificar um
'desordenamento territorial' (Figura 17) no que diz respeito às escolas em que os alunos são
matriculados e suas residências. Como resultado, muitos alunos de regiões periféricas são
matriculados em regiões de escolas centrais e vice-versa, tendo como consequência um custo
maior de transporte escolar.

54
Figura 17 - Fluxos migratórios atuais Residência-Escola dos alunos do ensino fundamental de
Mandaguaçu.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Figura 18 - Fluxos migratórios proposto Residência-Escola dos alunos do ensino fundamental de


Mandaguaçu

Fonte: Elaborado pelo próprio autor (2018).

Como resultado apresentado na Figura 18, verifica-se que a não adoção de políticas
de critérios por parte da municipalidade no ato das matrículas dos alunos resulta em um
55
desordenamento territorial no que diz respeito aos alunos da rede municipal de ensino. Isso tem
como consequência elevados custos com transporte escolar, resultando na necessidade de
criação de rotas escolares adicionais, além do transporte escolar ser de baixa qualidade com
sucessivas lotações de suas linhas.
Como solução, baseado em Geoprocessamento e o uso da inteligência geográfica,
o município desenvolveu um sistema que, entre outras coisas, permite que com base no
comprovante de endereço fornecido pelo responsável da matrícula, que o sistema faça cálculos
baseados em ferramentas de redes geográficas e buffers tendo como resultado a indicação de
qual escola o aluno deverá ser matriculado. Contudo, é preciso esclarecer que a indicação da
escola não deverá passar de apenas uma recomendação por parte do município, tendo em vista
que, baseado no princípio de livre arbítrio, os responsáveis pelos alunos podem matriculá-los
na escola que desejarem, desde que esta tenha vaga disponível.
De um modo geral, a inteligência geográfica aplicada ao setor educacional do
município tem se mostrado de grande valia não apenas para organização territorial, mas
principalmente para utilizar as informações disponíveis nos cadastros no intuito de gerar novas
informações, que por sua vez são convertidas em análises, planejamento e ações estratégicas,
tendo como ponto de partida reduzir custos e aumentar as eficiências operacionais neste setor.

4. CONCLUSÃO
O fenômeno do crescente processo de urbanização do município representa um
grande desafio para lidar com intermináveis problemas que surgem no cotidiano de uma gestão
pública. Existe, contudo, uma nova realidade, sobretudo de cunho tecnológico, que vem
transformando as cidades em cidades inteligentes, também conhecidas como smartcityes em
que a geolocalização forma um elo inseparável do passado, presente e futuro, marcadas por
sucessivas dinâmicas de transformações.
A partir de um olhar interno das cidades inteligentes, a importância dos dados e das
tecnologias tornam-se cada vez mais óbvias e principalmente que todo o dinamismo urbano
carece sempre de uma abordagem multidisciplinar, sendo que neste meio, o Geoprocessamento
e a Inteligência Geográfica desempenham um papel fundamental. O poder da localização
geográfica na gestão pública na maioria dos casos é subestimada, entretanto, é preciso
considerar as verdadeiras potencialidades das tecnologias de localização que têm grande poder
de transformação, tanto de maneira global quanto de maneira local, sobretudo pelo fato de
ajudarem a visualizar e analisar dados de acordo com padrões e tendências, objetivando as

56
tomadas de decisões assertivas, redução de custos além de compreender o que aconteceu, está
acontecendo e acontecerá em um espaço geográfico.
A localização geográfica abre infinitas possibilidades ao transformar ideias em
realidade, tendo em conta a dimensão territorial, afinal, no universo do Big Data e Internet das
Coisas (IoT), boa parte das informações geradas são, de uma maneira ou outra, geolocalizadas.
É justamente neste contexto de utilizar informações existentes, coletar novas informações em
campo, cruzá-las e obter novas informações, que o município de Mandaguaçu vem passando
por este processo de transformação digital em que a Inteligência Geográfica vem atuando como
diferencial, tanto na gestão urbana quanto no planejamento estratégico.
Os estudos apresentados neste capítulo, ainda que são apenas uma parte dos estudos
e análises já realizadas pelo município, permitem obter uma ideia do quanto (e em pouco tempo)
o geoprocessamento vem sendo um aliado em todos os setores e secretarias da gestão pública e
como o GIS pode trazer significativos resultados, sobretudo de ordem financeira, a um
município, mesmo que este seja de pequeno porte.

REFERÊNCIAS

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Transformação. 1°. ed. Rio de Janeiro - RJ: Editora FGV, v. I, 2004. 192 p.

______________________________________________________________________

SOBRE O AUTOR

JOÃO RENATO ANTONIAZZI


joaorenatoantoniazzi@gmail.com

Geógrafo (UNESPAR-Paranavaí), especialista em Geoprocessamento (Universidade Cândido


Mendes), Possui mais de dez anos de experiência em Geoprocessamento e Inteligência
Geográfica. Desenvolveu soluções para o Agronegócio e atualmente ocupa o cargo de Diretor
de Tecnologia, Inteligência Analítica e inovação na Prefeitura Municipal de Mandaguaçu,
Estado do Paraná. Também é Diretor Técnico na Temática – Geoprocessamento e presta
consultoria de Inteligência Geográfica e Business Intelligence a órgãos públicos. Possui
experiência em consultoria e desenvolvimento de Planos Diretores além de ser entusiasta em
soluções para Smartcity preconizados no princípio de Transformação Digital.

59
Os docentes do PGE na construção do
conhecimento geográfico

60
III

PEQUENAS LOCALIDADES: DESAFIOS SOCIOESPACIAIS E PAUTA DE ESTUDOS

Angela Maria Endlich

INTRODUÇÃO

A construção e consolidação de uma temática de pesquisa demanda tempo e


dedicação, além de foco e constante atualização de referenciais. As nossas preocupações com
pequenas localidades vêm desde o ingresso no Mestrado, na Universidade Estadual Paulista –
campus de Presidente Prudente, em 1996. Embora a pesquisa nesta etapa tenha enfatizado a
perspectiva da rede urbana e da acentuação de papéis de Maringá como uma cidade média; por
outro lado, analisamos as transformações regionais, a perda de centralidade das pequenas
localidades, bem como o declínio demográfico de diversos municípios em meio as
problematizações esboçadas. Contudo, foi na pesquisa para a tese de Doutorado que nossa meta
foi apreender os papéis e significados das pequenas localidades de modo mais direto. São mais
de duas décadas de dedicação ao tema, significativa parte desta trajetória construída junto ao
PGE.
Desde o término do Doutorado e o ingresso no Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Estadual de Maringá como docente e orientadora, fomos aos poucos
definindo uma linha de pesquisa e consolidando um campo de trabalho. Continuamos
compreendendo como fundamental abordar a realidade socioespacial de pequenas localidades,
especialmente as não metropolitanas. Compreendemos que tais localidades, de modo geral,
merecem ser estudadas, porém as nossas preocupações recaem sobre as mais isoladas, algumas
com entorno de esvaziamento demográfico, revelador de problemas socioespaciais específicos.
Vamos começar explicando os termos presentes no título. No decorrer das
pesquisas, passamos a nos referir a pequenas localidades e não mais apenas a pequenas cidades.
Isto porque o primeiro é mais genérico e abarca também as localidades que podem ser
concebidas como pequenas cidades. Todavia, nossa preocupação e problematização abrange e

61
considera igualmente relevantes aquelas que mesmo não alcançando critérios1 para se supor
como cidade, são expressivos espaços de vida e, portanto, lugares para aqueles que a elas se
vinculam afetivamente.
Sobre os desafios socioespaciais ponderamos que se temos uma formação
socioespacial que pode ser reconhecida em uma escala regional, no caso o Noroeste do Paraná,
revelando um arranjo próprio na acumulação do capital que gera particularidades, temos em
decorrência desafios socioespaciais. Eles dizem respeito a questões sociais, mas de maneira
vinculada a determinada realidade espacial e aos processos nela ocorridos. Portanto, são
desafios vinculados aos desdobramentos verificados nas transformações e que alteraram a
condição humana e social: êxodo demográfico e esvaziamento dos municípios, falta de emprego
e oportunidades de geração de renda, acesso a serviços e equipamentos públicos de modo
adequado, dentre outros.
Organizamos o texto em dois itens. No primeiro prosseguimos com a abordagem a
respeito dos desafios socioespaciais. No segundo item sinalizamos para a pauta de estudos, com
base em trabalhos realizados, aqueles que precisam de continuidade, mas também balizando
temas necessários e não suficientemente abordados.

2. DESAFIOS SOCIOESPACIAIS DAS PEQUENAS LOCALIDADES NO NOROESTE


DO PARANÁ
Como citamos antes, compreendemos como desafios socioespaciais as questões
sociais que têm por base a espacialidade e as dinâmicas que levaram a sua configuração. Neste
sentido, como tal lembramos o declínio demográfico, a reinserção econômica tendo em vista a
geração de emprego e renda, o acesso adequado a serviços e equipamentos, incluindo os
relativos a segurança urbana. As transformações ocorridas na região forjaram a condição
humana e espacial que levam a estes desafios.
De uma geografia definida por uma população dispersa e rural; produção com uso
intensivo de trabalho; pequena produção viabilizada e acessos relativamente difíceis devido ao
tipo de automóvel e estradas existentes, em comparação com as atuais; passamos para a
geografia atual que se pauta pelo esvaziamento desses espaços (Figura 1); metropolização e
concentrações urbanas secundárias; concentração fundiária, pouca inserção de trabalho,

1 Os critérios que temos adotado para definir uma pequena cidade foram apresentados em estudos
anteriores, especialmente em Endlich (2017).

62
inviabilização ou dificuldades para a pequena produção e fluxos facilitados. É relevante
recordar a qualidade dos fluxos, pois as interações espaciais e a redução dos papéis das
pequenas localidades explicam-se parcialmente pelas possibilidades trazidas pela circulação
favorecida. A realização da vida em áreas não metropolitanas também tem se concretizado,
cada vez mais, em uma escala mais ampla, a regional de modo geral. Tal afirmação se refere
sobretudo aos deslocamentos para o trabalho, estudo e consumo. Cada sociedade produz o seu
espaço, portanto as espacialidades concentradas e de esvaziamento correspondem a faces
diferenciadas, mas vinculadas a fase atual do capitalismo.

Figura 1 – Noroeste do Paraná. Crescimento populacional, 2000-2010

Fonte: IBGE (2000 e 2010)

Observamos que de 2000 a 2010, conforme a Figura 1, foram 77 municípios com


perda de população dentre os 165 municípios existentes no referido lapso temporal, dentro deste
recorte regional. Temos acompanhado esse processo desde a década de 1960, quando ele se
inicia pelo menos em parte da região. O Noroeste do Paraná tem, portanto, um histórico de
perdas demográficas que detalhamos a seguir (Quadro 1), por intervalo, considerando o número
de municípios existentes na região no período e o total de municípios que passaram pelo
referido processo.

63
Quadro 1 - Noroeste do Paraná. Declínio demográfico por período, 1960-2010
Número de municípios Número de municípios com
Período
existentes declínio demográfico
1960 – 1970 64 38
1970 -1980 131 113
1980 – 1991 132 95
1991-2000 156 91
2000 -2010 165 77
Fonte: IBGE (1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010).

Esta realidade tem aparecido com frequência como manchetes, sobretudo em


ocasiões de divulgação de estimativas populacionais, tal como se vê na Folha de Londrina em
setembro de 2016: “Quase 40% dos municípios paranaenses perdem população”
(FELIZARDO, 2017). Significativa parte destes municípios estão no Noroeste do Paraná, ainda
que não seja um problema apenas dessa região. O caso que mais chama a atenção é Altamira
do Paraná, com uma taxa de declínio de 5,93% em apenas um ano, entre 2015-2016. O
município passou de 3.341 habitantes para 3.143. Se retornarmos ao ano de 2000, o município
tinha mais do que o dobro dos habitantes atuais. Eram 6.999 habitantes. Trata-se de um
município que recorrentemente tem vivido essa realidade e está entre os que tiveram maior
volume de saída da população, conforme expresso na Figura 1. Ao sul da região aparecem dois
municípios com as maiores taxas de perdas demográficas: Altamira do Paraná e ao norte dele,
está Nova Cantú.
Reiterando essa tendência preocupante, novas projeções indicam de 2017-2040,
perdas populacionais em 223 municípios e acréscimos em 176. Dos 223 municípios que
perderão população, 142 têm até 10 mil habitantes e 62 têm de 10 mil a 20 mil habitantes
(IPARDES, 2017). O mesmo estudo mostra que ao mesmo tempo, Curitiba alcançará 1,95
milhão de habitantes em 2040, seguida por Londrina (628.600), Maringá (552.686), São José
dos Pinhais (469.573), Ponta Grossa (386.947) e Cascavel (377.664). No Paraná, observamos
tanto o esvaziamento quanto a concentração demográfica, configurando o metropolitano e o
não-metropolitano. Observamos que sinalizamos o esvaziamento como uma realidade não-
metropolitana, contudo com a questionável aprovação de oito Regiões Metropolitanas no
Paraná, alguns municípios podem ser vistos como metropolitanos na perspectiva formal, ainda
que nas suas dinâmicas isso pouco represente concretamente.
Conquanto apresentemos esse processo de declínio demográfico na forma de
dados, quantificando para tentar apreender a sua extensão, temos a compreensão de que é
preciso um olhar que vá para além dos números, pois são vidas, portanto, existem condições
humanas e sociais implicadas. Desta maneira, tão fundamental quanto poder mensurar tal

64
dinâmica é a reflexão acerca dela. Buscamos compreender, de modo mais profundo, o que
significa tal processo e porque ele ocorre. Ele demonstra a inviabilização da vida para
significativa parte da sociedade nestes espaços e, deste modo, demonstram a não apropriação
social do espaço. Para fazer esta afirmativa é preciso assinalar a apropriação do espaço em um
nível mais aprofundado (LEFEBVRE, 2002) e que ultrapasse a noção de propriedade e de uma
apropriação social de espaços que indique apenas um uso de determinados locais públicos. A
apropriação do espaço pela sociedade significa poder alcançar as decisões na gestão, portanto
a condução política e econômica.
A realidade dos espaços em esvaziamento se encontra, também, em outras
regiões do Brasil e de outros países. No Brasil, 1.178 municípios tiveram perda de população
no período de 2000-2013 (GLOBO, 2014). Fora do Brasil, pela nossa trajetória acadêmica
acompanhamos de maneira mais efetiva os casos da Argentina e da Espanha.
Sobre as pequenas localidades na Argentina, cujas dinâmicas rastreamos há mais
de uma década, as notícias mais recentes indicam que a tendência de esvaziamento prossegue,
como expressa a manchete: “Pueblos fantasmas: la Argentina que desaparece” (ROBERTS,
2018) dialogando com a tese de Benitez (1998) que teve título similar. Selecionamos excertos
da matéria publicada que traduzimos a seguir:
Em frente a praça principal, um casarão, quase em ruínas, mantém na fachada
vestígios de suas melhores épocas. Falta a porta e as janelas da frente, e suas paredes e
esquadrias apenas resistem, mas conservam um ar senhorial, emperrado, distinção. Salvo por
um detalhe. No vão da porta emerge, de cabeça erguida, vigilante, o dono da casa: um cavalo.
No que era a sala está outro. Vivem ali, parece, há muito tempo. A cena não tem nada de
bucólica. O edifício centenário, com seu glorioso passado de mármores e madeiras nobres, é
hoje refúgio de animais. A imagem poderia ilustrar o ocaso deste povoado do noroeste da
província de Buenos Aires, São Maurício, que vivem tempos de esplendor até desaparecer sob
areias, pastos e esquecimento.
Não é um caso isolado. Hoje, agora, um jovem, um casal ou uma família está
fazendo as malas. Não se vão de viagem. Fogem. Deixam suas casas em algum povoado do
país que já não os comporta e ao qual não voltarão. Vão em busca de trabalho, um médico,
escola, transporte. Futuro. É um êxodo formiga até a cidade que começou faz décadas e se tem
convertido, ao final, em um monumental movimento de massas. (…).
É um drama, e como país não temos sabido encontrar uma solução, diz Agustín
Bastanchuri, que até duas semanas dirigia Responde, a maior ONG dedicada a gerar

65
oportunidades nos povoados rurais. Não se tem feito nada para frear uma corrente migratória
que não para de crescer. Hoje, 40 por cento da população vive em 0,14 por cento do território.
Por isso vemos pessoas nas periferias dos grandes centros urbanos quando ao menos em seus
povoados, inclusive, com dificuldades de todo tipo, poderia viver em condições muito mais
dignas. E sem desenraizamento2. (ROBERTS, 2018).
Quanto à Espanha, da mesma forma, chamou-nos a atenção a manchete do El
mundo: “La mitad de los pueblos de España está en riesgo de desaparición”
(CONDE, 2018). A Figura 2, mostra no território espanhol processo idêntico ao que
assinalamos antes, concomitantes e diferenciados, ora espaços marcados por extrema
concentração e outros onde os vestígios são do esvaziamento.

Figura 2 - Espanha. Densidade demográfica, 2018

Fonte: Extraído de: El Mundo (ROBERTS, 2018)

2
“Frente a la plaza principal, una vieja casona, casi en ruinas, mantiene en la fachada vestigios de sus mejores
épocas. Le faltan la puerta y las dos ventanas del frente, y sus muros y molduras apenas resisten, pero conserva un
aire señorial, empaque, distinción. Salvo por un detalle. En el vano de la puerta se asoma, erguida la cabeza,
vigilante, el dueño de casa: un caballo. En lo que era el living retoza otro. Llevan viviendo allí, parece, mucho
tiempo. La escena no tiene nada de bucólica. El edificio centenario, con su glorioso pasado de mármoles y maderas
nobles, es hoy refugio de las bestias. La imagen podría ilustrar el ocaso de este pueblo del noroeste de la provincia
de Buenos Aires, San Mauricio, que vivió tiempos de esplendor hasta desaparecer debajo de arenas, pastizales y
el olvido.
No es un caso aislado. Hoy, ahora, un joven, una pareja o una familia están haciendo las valijas. No se van de
viaje. Huyen. Dejan sus casas en algún pueblo del país que ya no los contiene y al que no volverán. Van en busca
de trabajo, un médico, escuela, transporte. Futuro. Es un éxodo hormiga hacia las ciudades que comenzó hace
décadas y se ha convertido, al cabo, en un monumental desplazamiento de masas. (…)
"Es un drama, y como país no hemos sabido encontrarle una solución -dice Agustín Bastanchuri, que hasta hace
dos semanas dirigía Responde, la mayor ONG dedicada a generar oportunidades en pueblos rurales-. No se ha
hecho nada para frenar una corriente migratoria que no para de crecer. Hoy, el 40% de la población vive en el
0,14% del territorio. Por eso vemos a gente que se está hacinando en las periferias de los grandes centros urbanos
cuando al menos en sus pueblos, incluso con dificultades de todo tipo, podría vivir en condiciones mucho más
dignas. Y sin desarraigo." (ROBERTS, 2018).

66
A baixa densidade demográfica de parte do território espanhol consiste em uma
tendência que a literatura tem contemplado, como os livros “La España Vacia” de Sérgio
Molino e “Los últimos” de Paco Cerdá, mencionados na referida matéria jornalística. Deste
segundo título extraímos algumas passagens que apresentamos com tradução nossa:
Primeiro inquietam os títulos: O maior deserto demográfico da Europa após a zona
ártica da Escandinávia. O território mais desestruturado do Velho Continente. O feudo espanhol
do despovoamento. O primeiro caso ibério de demotanasia. Um êxodo humano transformado
em metástase da desolação. Um etnocídio silencioso. (...) A Laponia do Sul. O vazio.
Depois estremece o contexto. Se o distrito de Hong Kong de Mong Kok acumula
130 mil habitantes por km2, Mina acaricia os 43 mil, Manhattan supera os 27 mil, Barcelona
ultrapassa os 15 mil, a província de Madri excede os 800 e o conjunto da Espanha conserva
uma média de 92 humanos por quilômetro quadrado, este vastíssimo território incrustado na
periferia de cinco comunidades espanholas, esta terra onde o silêncio cavalga montanhas e as
vozes infantis ficaram afônicas o século passado tem uma densidade média de só 7,34
habitantes por quilômetro quadrado Como a gelada e boreal Lapônia. Menos de oito pessoas
por cada 140 campos de futebol. Imagine toda Mônaco: com tal densidade ali viveriam 16
cidadãos. Imagine a cidade do Vaticano: ali habitariam quatro (....)
A pergunta é compartilhada neste deserto com almas batizado como Serranía
Celtibérica que se expande por 65 mil quilômetros quadrados de Soria, Teruel, Guadalajara,
Cuenca, Valencia, Castelló, Zaragoza, Burgos, Segovia e La Rioja. O nome remete a povoados
celtas que habitaram estas terras há milênios e cuja feroz resistência ante as legiões do Império
Romano se converteu em lenda. Que futuro lhe aguarda. Com um passado afetado por súbito
Alzheimer e um presente invisível para a Espanha urbana que a rodeia, quê futuro espera este
território com dois milhares de núcleos habitados (...) Que futuro para a periferia da periferia
(...) (CERDÁ, 2017).
Sobre sua obra Cerdá (2017) afirma que é uma:

(...) humilde incursão pelo coração europeu do despovoamento mais extremo


para escutar as vozes e desentranhar os silêncios dos seus moradores. Uma
busca desse ponto sem sinalizar onde o sossego, a natureza e a autenticidade
humana cruzam seu caminho com a senda tortuosa do esquecimento, o
desenraizamento e a modernidade uniformizante. É a encruzilhada de um
mundo arrastado a beira do abismo após haver sido submerso pela inclemente
chuva amarela que derramam a passagem do tempo e o abandono. Uma forma
de vida que está averiguando suas últimas forças para escapar ao ingrato
destino que encontra a passagem de uma geração: desaparecer no silêncio que
agora é um murmúrio pela nostalgia. E a melancolia que antecipa, como um

67
lento e triste fado, a saudade pela solidão que brota (CERDÁ, 2017) 3.

Com estes exemplos, reiteramos que é uma tendência da espacialidade capitalista.


É preciso problematizar essa espacialidade em esvaziamento e sua outra face a extrema
concentração e geração de cidades gigantescas.
Ainda sobre a matéria a respeito do esvaziamento demográfico na Espanha,
sublinhamos alguns excertos traduzidos dela, pois decorrem da análise daquela realidade ao
passo que aportam reflexões expressivas que podem se estender a outros espaços:
Quando isso ocorre se considera que uma comarca atravessa um inverno
demográfico, cujas consequências se traduzem uma perda constante de consumidores, mão-de-
obra, massa crítica e economias de escala para a provisão de bens e serviços. (...) Segundo
Alejandro Macarrón, diretor da Fundación Renacimiento Demográfico, o despovoamento é um
processo inerente ao desenvolvimento. Outra questão é como o Estado faz uma política
territorial para compensar este fenômeno. Uma coisa é emigrar e outra que meio país fique
vazio porque não tem uma política de compensação e de substituição demográfica tendo em
vista os que saíram. (...) Na mesma linha, Joaquim Palacín, diretor geral de “Ordenación del
Territorio de Aragón” assinala que a manutenção dos serviços é muito cara nas zonas rurais

3
“Primero inquietan los titulares. El mayor desierto demográfico de Europa tras la zona ártica de Escandinavia.
El territorio más desestructurado del Viejo Continente. El feudo español de la despoblación. El primer caso ibérico
de demotanasia. Un éxodo humano transmutado en metástasis de la desolación. Un etnocidio silencioso. (…). La
Laponia del sur. El vacío.
Después estremece el contexto. Si el distrito hongkonés de Mongkok acumula 130.000 habitantes por Kilometro
cuadrado, Mina acaricia dos 43.000, Manhattan supera los 27.000, Barcelona rebasa los 15.000, la provincia de
Madrid sobrepasa los 800 y el conjunto de España conserva una media de 92 humanos por kilometro cuadrado,
este vastíssimo territorio incrustado en la periferia de cinco comunidades españolas, esta tierra donde el silencio
cabalga montañas y las voces infantiles quedaron afónicas el siglo pasado tiene una densidade media de solo 7,34
habitantes por kilometro cuadrado. Igual que la gélida y boreal Laponia. Menos de ocho personas por cada 140
campos de fútbol. Imagine todo Mónaco: con dicha densidad allí vivirián dieciséis ciudadanos. Imagine la Ciudad
del Vaticano: allí habitarían cuatro. (….)
La pregunta es compartida en este desierto con almas bautizado como Serranía Celtibérica que se expande por
65.000 kilometros cuadrados de Soria, Teruel, Guadalajara, Cuenca, Valencia, Castelló, Zaragoza, Burgos,
Segovia y La Rioja. El nombre remite a los pueblos celtas que habitaron estas tierras hace dos milenios y cuya
feroz resistencia ante las legiones del Imperio romano se convirtió en leyenda. Qué futuro le aguarda. Con un
pasado aquejado de súbito alzhéimer y un presente invisible para la España urbana que la rodea, qué futuro espera
a este territorio con dos millares de núcleos habitados (…) Que futuro para la periferia de la periferia… (…)
Es una humilde incursión por el corazón europeo de la despoblación más extrema para escuchar las voces y
desentrañar los silencios de sus moradores. Una búsqueda de ese punto sin señalizar donde el sosiego, la naturaleza
y la autenticidad humana cruzan su camino con la senda tortuosa del olvido, el desarraigo y la modernidad
uniformizante. Es la encrucijada de un mundo arrastrado al borde del abismo tras haber sido anegado por la
inclemente lluvia amarilla que derraman el paso del tiempo y el abandono. Una forma de vida que está apurando
sus últimas fuerzas para escapar al ingrato destino que depara el paso de una generación: sumir en el silencio lo
que ahora es un quedo murmullo mecido por la nostalgia. Es la melancolía que anticipa, como un lento y triste
fado, la saudade por la soledad en ciernes.”. (CERDÁ, 2017).

68
pela dispersão geográfica, mas não é questão só de dinheiro. Toda a legislação deve estar
impregnada de sensibilidade frente a este problema. (ROBERTS, 2018) 4.
Concordamos que são prementes políticas territoriais frente a estes fatos. É certo
que a dispersão dificulta a manutenção dos serviços, mas é preciso insistir que não é apenas
uma questão financeira e sim, socioespacial. As implicações da falta de uma intervenção na
tendência que se esboça dizem respeito não apenas aos espaços não-metropolitanos, mas
também nas áreas de concentração urbana e metropolitana. Por isso, intervir nestas áreas tão
complexas implica em ações em outras.
Enfatizamos o declínio demográfico, porém obviamente existem outros aspectos
que podemos considerar como desafios socioespaciais. Contudo, concebemos esta face da
realidade como um expressivo indicador de problemas, pois ele significa a inviabilidade para
parte da sociedade em prosseguir reproduzindo sua vida nas pequenas localidades.
Tendo em vista que nossa preocupação fundamental é com a condição humana e
social de vida, apenas a mudança de local de vida não seria problema, caso isso se realizasse de
modo adequado para a população. Entretanto, a concentração da população tem ocorrido com
muita precariedade humana e social. Além disso, territórios esvaziados comprometem
preservação de patrimônio em suas diversas formas: imaterial, arquitetônico e ambiental. Por
isso, defendemos a visibilidade política das pequenas localidades e que elas possam representar
espaços sociais viáveis e com uma boa condição de vida. Portanto, somos também pela sua
manutenção na pauta acadêmica. Quanto a gestão territorial, mais do que ações pontuais, é
preciso pensar a totalidade em uma perspectiva socioespacial e, reiteramos, que isso deve passar
pelas intervenções adequadas dedicadas a áreas não metropolitanas, incluindo as pequenas
localidades.

3. PAUTA DE ESTUDOS
Ao refletirmos sobre uma pauta de pesquisa, rememoramos as que realizamos e
tentamos delinear outras que precisam ser realizadas. A percepção dessa pauta e dos itens que
dela devem constar, igualmente, é algo que se constrói paulatinamente. É preciso lembrar que
os estudos precisam significar empenhos em responder aos desafios socioespaciais assinalados.
Parte significativa do que compreendíamos como necessário abordar, buscamos desenvolver

4
“Cuando esto ocurre se considera que una comarca atraviesa un invierno demográfico, cuyas consecuencias se
traducen en una pérdida constante de consumidores, mano de obra, masa crítica y economías de escala para la
provisión de bienes y servicios. (…) Según Alejandro Macarrón, director de la Fundación Renacimiento
Demográfico, la despoblación "es un proceso inherente al desarrollo. Cuestión diferente es cómo un Estado hace
una política territorial para compensar este fenómeno. Una cosa es emigrar y otra que medio país se quede vacío
porque no hay reemplazo" (ROBERTS, 2018).
69
por meio das orientações de Mestrado e Doutorado. Contudo, na medida em que a pesquisa
avança outras questões emergem, bem como os temas trabalhados exigem acompanhamento
quanto aos dados, além de exigirem muitas vezes novas interpretações. Os quadros seguintes
(Quadro 2 e Quadro 3) têm o intuito de sistematizar os trabalhos orientados junto ao PGE.

Quadro 2 – PGE/UEM. Dissertações com orientações concluídas, 2009-2017


Ano de defesa Título Autor
Rede bancária e rede de cidades: o processo de
2009 Carlos Eduardo Vieira
reestruturação ocorrido no período de 1970 a 2006.
Da vida no campo à vida na cidade: transformações
2010 socioespaciais no município de Quinta do Sol: 1970 Josué Carneiro
-1980 - 1990
Desafios socioespaciais na região central do Paraná
2011 e as iniciativas locais em Nova Tebas: alcances e Marcos Antônio Queiroz
limites
Sociabilidade e sentimento de insegurança urbana Pedro Henrique
2012
em pequenas cidades: o Norte do Paraná Carnevalli Fernandes
Municípios lindeiros na microrregião de Toledo e a
2013 Damião Xavier
aplicação de royalties
Formação socioespacial do noroeste do Paraná e a
2014 Flávio Fabrini
ação da Companhia Colonizadora Byington
Espacialidades em esvaziamento demográfico da
2016 mesorregião nordeste paranaense e a oferta de Cintia Sílvia Carvalho
serviços públicos
Inserções e interações espaciais das pequenas
Marinalva dos Reis
2017 localidades na Região Metropolitana de Maringá-
Batista
PR

Foram oito dissertações de Mestrado, todas relacionadas a temas afins a linha de


pesquisa, ainda que bastante variados. Embora tratando de pequenas localidades, de modo geral,
procuramos trabalhar com uma problematização na escala da rede e/ou da região para então
enfocar questões mais próprias de localidades específicas. Portanto, é comum que tanto os
trabalhos que elaboramos quanto os que orientamos contenham diversas dimensões espaciais
envolvidas nas análises e a presença da questão interescalar na formulação da pesquisa.
Algumas pesquisas dialogam com a formação socioespacial da região Noroeste do Paraná,
como é o caso da ênfase a Companhia Colonizadora Byington, abordada por Fabrini (2014).
O tema da rede bancária e as pequenas localidades abordado por Vieira (2009),
além de particularidades do segmento bancário, revelaram o processo geral de perda de
centralidade das pequenas localidades. Com o trabalho de Queiroz (2011) já sinalizávamos para
os desafios socioespaciais e a questão da reinserção econômica das localidades, no caso de
Nova Tebas, por meio de iniciativas e arranjos de cooperação que intentam viabilizar a pequena
produção e que alcances e limites expressam. Com Xavier (2013) refletimos sobre a questão

70
das finanças municipais e as especificidades dos municípios que recebem royalties, naquela
região são recursos oriundos da Itaipu. Do mesmo modo, a região abordada neste trabalho tem
seus desafios socioespaciais específicos que precisaram ser ponderados quanto ao uso desses
recursos que reforçam as finanças municipais. Nas dissertações de Carvalho (2016) e Batista
(2017) problematizamos tais desafios frente as possibilidades de gestões intermunicipais. Com
a primeira enfocamos a questão da viabilização dos serviços públicos valorizando iniciativas
de cooperação intermunicipal. No segundo trabalho, avaliamos o que tem significado
concretamente para pequenas localidades, com perfis não-metropolitanos, estarem vinculadas
a formalizações de Regiões Metropolitanas.
A dissertação de Carneiro (2010) contempla a condição humana e social com que a
pequena cidade acolhe os novos citadinos, contribuindo para desvendar a realidade social
desses espaços quase sempre associados a imagens bucólicas. Na mesma linha, ainda que com
outra problematização está o trabalho de Fernandes (2012) demonstrando que as pequenas
cidades não são espaços tranquilos e seguros como frequentemente se acredita. Esse último teve
continuidade com uma expressiva contribuição em uma tese de doutorado citada no Quadro 3
(FERNANDES, 2017), na qual amplia a pesquisa e aprofunda a análise, buscando explicitar a
realidade problematizada, bem como levantar e trabalhar nas possíveis explicações para a
insegurança em pequenas localidades.
O trabalho de Batista (2017), do mesmo modo, prossegue com o ingresso no
Doutorado, abarcando a necessidade da gestão compartilhada e como seria adequado
encaminhá-la, considerando as peculiaridades de pequenas localidades não-metropolitanas,
frente ao que tem se apresentado: formalização de Regiões Metropolitanas de modo excessivo,
a menção no Estatuto da Metrópole de microrregiões para esses casos e a lacuna que isso tem
representado, pois após uma breve menção no referido documento não houve uma
sistematização da matéria. A continuidade desse estudo não aparecerá no Quadro 3 porque
ainda está em andamento. Os quadros foram realizados com trabalhos concluídos.

71
Quadro 3 – PGE/UEM. Teses com orientações concluídas, 2015-2018
Ano Título Autor
Inserção da região centro ocidental no cenário Paulo Roberto Santana
2015
econômico do Paraná: atividades industriais Borges
Instrumentos econômicos de proteção da cobertura
2015 florestal e o ICMS ecológico em Campo Mourão: Ricardina Dias
interfaces, contribuições e limites
Novos municípios como espaços sociais e políticos:
implicações do processo de emancipação político-
2016 Adalberto Dias de Souza
administrativa na mesorregião centro-ocidental do
Paraná
Um espectro ronda as pequenas cidades: o aumento Pedro Henrique
2017
da violência e da insegurança objetiva Carnevalli Fernandes
O turismo e suas implicações em municípios de
2018 pequeno porte demográfico da região noroeste do Larissa de Mattos Alves
Paraná

Ao analisar este quadro foi possível perceber que diferente dos mestrandos
orientados, todos oriundos da Geografia, no Doutorado tivemos o predomínio de profissionais
originariamente de outras áreas. Destas teses concluídas apenas Pedro Henrique Carnevalli
Fernandes é geógrafo na formação inicial da graduação. Os demais são procedentes da
Economia (Paulo Roberto Santana Borges e Ricardina Dias), Administração (Adalberto Dias
de Souza) e Turismo (Larissa de Mattos Alves). Ainda que de áreas tão diversas procuramos
construir contribuições afins com a Geografia e, mais especificamente, com as
problematizações provenientes dos temas e preocupações com os quais temos edificado uma
linha de pesquisa. Com Borges (2015) pudemos continuar nossa reflexão acerca da
espacialidade dos investimentos econômicos no Paraná, principalmente os industriais.
Enfocamos a natureza dos mesmos quanto ao que representam como externalidades para as
áreas que os recebem, em especial, quanto aos desdobramentos para a geração de renda e de
empregos considerando não apenas volume, mas a qualidade de ocupação, faixa de
remuneração e formação exigida, enfim diferenciando e espacializando as oportunidades. Na
tese de Dias (2015) refletimos sobre os instrumentos econômicos para a proteção da cobertura
florestal, que retratam experiências em diferentes escalas, modalidades e formas de incidência,
que envolvem diferentes arranjos e interlocutores com ênfase ao ICMS ecológico, sua trajetória
no Brasil, no Paraná e suas especificidades no município de Campo Mourão, ponderando sua
relevância e dificuldades para que atinja os fins para os quais fora criado, bem como alcances
obtidos. Em pesquisa recente acerca das cooperações intermunicipais no Paraná, visitamos
consórcios intermunicipais (referimo-nos de modo mais específico ao Coripa e Comafen) com
finalidades ambientais, cujos funcionamentos são extremamente expressivos para as áreas onde
estão inseridos e que tem no seu percurso o impulso do ICMS ecológico.
72
A tese de Souza (2016) procurou avançar nos significados das emancipações
municipais tomando por referência alguns dos municípios mais jovens da região. O intuito foi
avaliar o que representou para a sociedade tal processo, enquanto condição humana e social da
vida local. Para tanto, o trabalho mostrou as diversas maneiras de abordar essa questão, como
está o trâmite nos órgãos legislativos brasileiros e como isso revela um processo permeado pela
centralização política e descrédito da escala local e suas instituições.
Sobre a tese de Fernandes (2017) comentada anteriormente, apenas ressaltamos
novamente a atualidade da temática da insegurança urbana em pequenas localidades, cada dia
mais premente. Alves (2018), a última tese defendida no PGE sob a nossa orientação, dedicou-
se a inserção econômica das pequenas localidades, igualmente considerando os desafios
socioespaciais e os alcances do turismo neste sentido. A autora pode trazer algumas
contribuições construídas a partir do seu estágio em Portugal, abordando um pouco da realidade
de algumas pequenas localidades daquele país, mostrando em que isso pode auxiliar na reflexão
acerca da região e localidades analisadas no Paraná.
É sempre um bom exercício analisar a trajetória, os temas abarcados por meio da
orientação e as suas articulações no sentido de colaborar para a compreensão e, quiçá, alguma
intervenção na realidade regional. Acerca dos aportes nos trabalhos acadêmicos, ainda que não
existam prescrições nos trabalhos, é perfeitamente possível extrair orientações pragmáticas das
contribuições teóricas. Não obstante, pelo que temos observado quando se pleiteia que a ciência
seja aplicável parece que as orientações oriundas das Ciências Humanas e Sociais podem não
ser tão bem-vindas porque quase sempre vão representar interferências em interesses
econômicos e, por vezes, políticos.
Retomando os trabalhos desenvolvidos, além das orientações, referimo-nos na
sequência aos elaborados individualmente. Desde a defesa da tese de Doutorado em 2006 até o
presente ano, portanto, em doze anos pudemos sistematizar diversos textos acerca dos temas
que escolhemos trabalhar e outros afins que foram surgindo como desdobramentos dos temas
iniciais. No Quadro 4 sistematizamos os principais temas abordados. Trata-se de um esforço
em agrupar as temáticas apresentadas de modo geral e os objetivos para cada conjunto delas.

73
Quadro 4 – Principais temas trabalhados e objetivos, 2006-2018
Temas Objetivos
Destacar a necessidade da cooperação intermunicipal na
Cooperação intermunicipal: gestão gestão contemporânea também em áreas não
compartilhada, suprimento de serviços metropolitanas. Pesquisa de instituições existentes, em
e equipamentos, instituições especial as mancomunidades de municípios na Espanha.
decorrentes de cooperação Do mesmo modo desenvolvimento de pesquisa acerca dos
intermunicipal e a institucionalização consórcios intermunicipais no Paraná.
de municípios não metropolitanos em Mostrar como a falta de estímulo a estas iniciativas têm
Regiões Metropolitanas. resultado na excessiva formalização de Regiões
Metropolitanas.
As particularidades da região
Construção de uma interpretação do Noroeste do Paraná
apreendidas por meio da interpretação
com o intuito de explicar a presença de pequenas
de sua formação socioespacial e a
localidades tomando por referência a formação
presença numerosa de pequenas
socioespacial.
cidades no Noroeste do Paraná.
Novos arranjos industriais e Sistematização de referenciais do desenvolvimento local
econômicos, de modo geral, e as e as especializações produtivas ponderando as
possibilidades para pequenas cidades. possibilidades e alcances para pequenas localidades.
Rural e urbano propostos como Apresentar o urbano e rural como condição de vida e não
condição de vida. As transformações apenas como concepções baseadas em critérios estáticos e
envolvidas no processo de urbanização vinculados a determinados espaços e as transformações
e industrialização e suas amplas ocorridas. Campo e cidade, uso territorial e a lógica
implicações. industrial amplamente compreendida.
O enquadramento territorial e sua Promover reflexões sobre o município e a escala local de
expressividade para compreender as modo geral e no Brasil, ponderando dados comparativos
pequenas localidades. O município ao em escala internacional e nacional. Acompanhamento de
longo da história como instituição. A trâmite legal da sistematização de critérios para criação
escala local mediante a federação no de novos municípios no Brasil e o reiterado processo de
caso do Brasil e a sua centralização brasileira.
institucionalização. A centralização Compreender o que significou para as sociedades locais o
brasileira. processo de emancipação.
Leitura por meio das plantas urbanas e imagens de
Morfologia urbana: a perspectiva
satélite, tendo por objetivo construir a partir da
clássica e a proposta de uma leitura da
morfologia clássica uma interpretação da morfologia das
realidade das cidades do Noroeste do
cidades do Noroeste do Paraná e também da
Paraná. Leitura crítica de processos
diferenciação socioespacial em pequenas localidades e
revelados pela morfologia.
seus significados.
Avançar na construção de critérios para definição de
Questões conceituais: pequenas pequenas cidades. Contribuições sobre o arcabouço
cidades, municípios, rural e urbano, teórico que consideramos necessário para tratar das
campo e cidade. pequenas localidades e o contexto territorial não-
metropolitano.
Mostrar que as utopias urbanas frequentemente remetem
As utopias urbanas e sua relação com a pequenas cidades, ainda que idealizadas e ignoram as
as pequenas cidades. pequenas cidades concretas. Utopias recentes baseadas no
novo urbanismo reproduzem essa realidade.

Detalhamos na sequência o que trabalhamos com a morfologia urbana, porque é um


tema que tem se mostrado necessário retomar. Para tanto, podemos mencionar duas motivações
que nos levaram a contemplá-lo: a primeira é o detalhado trabalho de Capel (1983) acerca da
74
morfologia urbana e a segunda vai no sentido de desvendar os problemas presentes em pequenas
localidades, frequentemente ignorados. É o caso do processo de segregação socioespacial muito
abordado para as metrópoles, grandes e médias cidades, mas pouquíssimo estudado em
pequenas localidades. Portanto, as motivações geraram os objetivos de trabalhos realizados
sobre o tema, que era contribuir para uma leitura mais específica para a morfologia das
localidades urbanas do Noroeste do Paraná e a segunda mostrar que, por meio dela, é possível
uma interpretação de que existe um forte processo de diferenciação e/ou segregação
socioespacial também nos pequenos núcleos urbanos. Como exemplo mostramos a Figura 3,
com a planta urbana do município de Colorado.

Figura 3 – Colorado, Planta Urbana, 2003.

Fonte: Extraído de Endlich (2006).

É possível visualizar o núcleo inicialmente planejado, com quarteirões maiores,


ruas mais largas. Em seguida, surgem os conjuntos habitacionais, onde a qualidade do desenho
urbano é outra, os quarteirões menores e ruas mais estreitas, apenas para sinalizar alguns
aspectos. Por fim, observa-se um terceiro tipo de área que decorre de política habitacional
insuficiente, ainda mais precárias que os conjuntos habitacionais nas cidades de modo geral.
São áreas mal conectadas ao restante da cidade e, de modo geral, produzidas por meio da
autoconstrução. São ainda mais contrastantes com os núcleos iniciais, com lotes minúsculos e
acesso precário ao restante da malha urbana. Tais diferenças são apreendidas pelo plano urbano,
75
mas também pela paisagem. Uma consulta mais recente à algumas imagens aéreas das pequenas
cidades na região mostram que os problemas que levantamos em trabalhos anteriores foram
acentuados pelas dinâmicas recentes, em especial pela implantação das áreas de faixa 1 do
Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida. Este é um dos temas que sublinharemos
adiante, na pauta de estudos que precisam ser retomados.
Assim, encerramos uma apresentação de temas que, de modo resumido,
compuseram nossa pauta de estudos a respeito de pequenas localidades e questões dela
derivadas. Como sinalizamos no transcurso do texto, obviamente eles não estão superados. É
sempre possível aprofundar, atualizar, considerar novos elementos e fatos. Talvez ainda seja
cedo para essa afirmação, mas nem o tempo de uma vida é suficiente para esgotar uma temática.
O trabalho acadêmico é coletivo, ainda que não linear. É decorrente de esforços simultâneos e
espacialmente articulados. As interpretações devem ser somadas, essa é a essência da academia
e que assim seja! Por isso, apesar do grande consumo de tempo e esforço que o trabalho
realizado até o momento absorveu, sabemos que há muito a ser desenvolvido. Neste sentido,
queremos registrar algumas ideias e preocupações para renovar a composição da necessária
pauta acadêmica acerca das pequenas localidades:
▪ A questão fortemente sublinhada nesse texto, problematizando o declínio
demográfico, precisa de continuidade, de novas problematizações, bem como é fundamental
estudar os esforços realizados quanto as possibilidades de superação, ou de reversão dessa
realidade, assim como os alcances que obtiveram e que outros caminhos existiriam neste
sentido. Contribuiria para isso averiguar a relevância e a natureza da atuação política, o histórico
das políticas de desenvolvimento (local e regional) e suas implicações positivas e/ou negativas.
É preciso que a política vá além dos investimentos em infraestrutura básica que, embora
fundamentais, não são suficientes para o fortalecimento das pequenas localidades, em especial
quanto aos resultados sociais necessários.
▪ Os desafios acerca da inserção ou reinserção econômica de pequenas localidades
na dinâmica econômica atual, igualmente precisam permanecer na pauta, avaliando as
atividades econômicas quanto a sua potencialidade na geração de emprego e renda. Ou seja, é
preciso dar relevância a economia que interessa na perspectiva social e que pode responder aos
desafios socioespaciais assinalados. Assim, é preciso analisar os alcances de diversos processos
e iniciativas como o das especializações produtivas e seus arranjos atuais; as inovações de modo
geral e, em especial, a presença das Universidades como vetor de desenvolvimento; iniciativas
da economia solidária e economia criativa, dentre outras.

76
▪ Abordagem quanto as formas de viabilização do acesso a serviços e
equipamentos, que afinal permitam a reprodução local da vida e criem oportunidades de
permanência. Este é igualmente um tema que precisa receber novos estudos e propostas.
▪ “O emprego é mais concentrado do que a população” (VELTZ, 1998). Essa
frase de P. Veltz é instigadora. Temos observado que ela é verdadeira também para áreas não-
metropolitanas, pois grandes sedes industriais, bem como cidades médias constituem focos de
emprego significativos. É preciso buscar dados que permitam uma análise acerca dessa
temática.
▪ Centralidade urbana – pequenas localidades centrais e a perda de centralidade
atual: embora já tenhamos escrito sobre o tema, novos estudos são necessários. Observamos
que tanto o comércio de pequenas localidades como o comércio de bairro, de modo geral, tem
se tornado comércio de conveniência. As compras relativas ao consumo consumptivo (aquele
que se volta diretamente a nossa reprodução cotidiana, diferenciado do consumo produtivo),
como propõe Santos (1996), em grande parte cada vez mais são realizadas, em grandes
superfícies comerciais, localizadas frequentemente em cidades maiores.
▪ A questão da morfologia urbana precisa ser retomada, incluindo novas
problematizações. A realidade das cidades inicialmente planejadas do Noroeste do Paraná
mostra que analisar a morfologia com as tendências recentes revelarão que dinâmicas
denunciadas na década de 1980 (CAMPOS FILHO, 1989), acerca das cidades excessivamente
horizontalizadas e seus custos foram potencialmente reproduzidas nas décadas seguintes.
Algumas atividades de campo na região, bem como a análise de imagens aéreas obtidas
despertaram nossa atenção para estas questões. Além da diferenciação socioespacial assinalada
em estudo mencionado anteriormente, assim como o esforço em sistematizar a morfologia das
cidades do Noroeste do Paraná com suas peculiaridades, o tema precisa compor a pauta tendo
em vista a deformação visível das cidades. O uso da ideia de deformação é para expressar nossa
perplexidade e indignação com o processo. Vamos registrar na sequência um pouco da realidade
de duas localidades, sendo uma delas não emancipada, portanto, um distrito de Maringá. As
duas que ora apresentamos são apenas para ilustrar as afirmações anteriores, pois levantamos
diversas imagens referentes a outras localidades da região e elas reiteram, de modo geral, uma
produção territorial descontínua, com vazios, sem sequência de arruamento, por fim, cidades
bastante diferentes daquelas que foram inicialmente esboçadas para a região. A Figura 4
corresponde a imagem da sede urbana do município de Rondon. Ela inicialmente seria radial,
mas acabou por ter um desenvolvimento mais linear. As últimas áreas incorporadas a localidade

77
mostram terrenos minúsculos, com residências igualmente diminutas e isoladas da malha
urbana. A produção territorial nesses moldes não pode ser compreendida sem abordar os
agentes e interesses que tem predominado na produção do espaço. As pequenas cidades que
teriam como uma das suas caracterizações a possibilidade de ser percorrida a pé, vão cada vez
mais perdendo a caminhabilidade. Isso para mencionar uma das questões a serem debatidas.
Evidentemente, tal debate deve ser amplo e aqui apenas sinalizamos a sua relevância em uma
pauta de estudos.

Figura 4 - Rondon, imagem aérea.

Fonte: Extraída de Google Earth, Junho /2018.

Nosso segundo exemplo, é o Distrito de Floriano (Figura 5), que como outros
distritos no Brasil recebeu investimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida, especialmente
aqueles direcionados a faixa 1 (famílias com renda de até R$ 1.800,00). Em busca de solos mais
baratos foram geradas moradias nestas áreas. Entretanto, o que mais nos chamou a atenção é
que mesmo em localidades tão pequenas como são as vilas, sedes de distritos, os investimentos
geraram áreas distanciadas e desarticuladas do núcleo central destas vilas.

78
Figura 5 - Distrito de Floriano, município de Maringá-Pr. Imagem aérea.

Fonte: Extraída de Google Earth, junho /2018.

É preciso dizer que a população que foi morar nestas habitações, apenas
parcialmente residiam no distrito inicialmente. Significativa parte dela procede de outras
localidades e precisam deslocar-se cotidianamente para trabalhar. Mesmo para realizar uma
compra no comércio local terá pela frente uma caminhada relativamente extensa. Ademais, esse
processo reforça o da diferenciação social, contribui para a estigmatização de áreas e pessoas,
prejudicando e afetando inclusive a sociabilidade local.
Propor pautas pode ser pretencioso. Sabemos que os temas que assinalamos se
referem a algumas possibilidades. Certamente, outras tantas podem ser propostas, sugerimos
alguns que para nós parecem prementes. E assim desejamos que se propaguem novas ideias e
encaminhamentos. Nosso intuito foi de registrar nossas reflexões como aporte a reivindicação
pela visibilidade não só desses temas, como das pequenas localidades e da significativa parcela
da sociedade que fazem delas seus lugares.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora tenhamos avançado um pouco, os espaços não metropolitanos e as
pequenas localidades demandam ainda muita pesquisa e debate. É preciso reiterar que elas são
numerosas e diversas. As questões a serem abordadas vão depender da situação geográfica,
dinâmica demográfica e econômica, bem como outros fatores.
Estudar as pequenas localidades, insistimos, é fundamental, inclusive, para
compreender a realidade de outros espaços e suas dinâmicas. Mais do que pauta acadêmica, a
pauta política também precisa considerar essas áreas. As pequenas localidades em áreas não
metropolitanas precisam ganhar visibilidade para enfrentar os seus desafios socioespaciais,
79
tendo sempre como orientação as preocupações humanas e sociais.
Além da diversidade de contexto, é preciso pensar que as motivações para os
trabalhos acadêmicos são bastante diferenciadas. Neste sentido, lembramos que vemos com
relevância considerar as contradições sociais na espacialidade problematizada. Trata-se de
pensar uma espacialidade mais humana e melhores condições de vida, no intuito senão de gerar
felicidade, contribuir para a construção de possibilidades que a facilitem. Por isso, nunca é
demais recordar as motivações pelas quais trabalhamos e o excerto de Lefebvre que nos
acompanha, que já foi nossa epígrafe, e que citamos aqui para finalizar este texto. Enfim, as
questões sinalizadas por Lefebvre devem inspirar novas buscas:
“Quais são, quais serão os locais que socialmente terão sucesso? Como detectá-
los? Segundo que critérios? Quais tempos, quais ritmos de vida quotidiana se inscrevem, se
escrevem, se prescrevem nesses espaços ‘bem sucedidos’, isto é, nesses espaços favoráveis à
felicidade? É isso que interessa” (Lefebvre).

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82
___________________________________________________________________________

SOBRE A AUTORA

ANGELA MARIA ENDLICH


amendlich@hotmail.com

Graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (1991), Mestrado em


Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Dissertação: Maringá
e o tecer da rede urbana regional - 1998) e Doutorado em Geografia pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Tese: Pensando os papéis e significados das pequenas cidades
na região Noroeste do Paraná - 2006), com a orientação de Maria Encarnação Beltrão Sposito.
Estágio pós-doutoral na Universidade de Barcelona (2013-2014). Atualmente é professora
adjunta da Universidade Estadual de Maringá, onde atua no ensino de graduação e pós-
graduação. Área de atuação no ensino e de pesquisa: Geografia Urbana, Geografia Regional,
Geografia Econômica e Planejamento. Temas principais de trabalho: pequenas cidades, rede
urbana, urbanização e urbanidade.

83
IV

PRAÇA - A (IN)QUIETUDE DO TEMPO


Bruno Luiz Domingos De Angelis
João Karlos Locastro.
Glenda Lislie Maciel Alves
Fábio Alvarenga Peixoto

Apaixonado pelas praças desde fecunda idade infantil, tenho na


memória a recordar duas praças de minha cidade natal,
Cornélio Procópio (PR): Praça Brasil e Praça Botafogo
(Coronel Francisco M. da Costa). O passear pela Praça Brasil
era programa obrigatório das tardes sem fins dos calorentos
domingos de verão, ou das frias tardes de inverno, também
domingueiras. Eram vesperais regadas a pipoca, sorvete “de
palito”, algodão-doce, paçoca, cocada, puxa-puxa, amendoim,
doce de abóbora, pé-de-moleque e maçã-do-amor. Era o encanto
despretensioso de quem via com olhar de criança um mundo que
cabia no quadrado de uma praça. Julgava-me importante
naquelas tardes, pois estava entre adultos. Caminhava sem
descanso por horas intermináveis, repetindo o mesmo trajeto,
passando pelos mesmos pontos e tendo as mesmas vistas...
porém, a cada volta pela praça tudo se transmutava, era como
se uma nova praça se descortinasse frente aos meus olhos de
criança. Fascinado desde então por esse espaço, tive desde cedo
a certeza de que as praças, um dia, fariam parte da minha vida
de forma ainda mais intensa...

Bruno Luiz Domingos De Angelis

INTRODUÇÃO
Praça, piazza, plaza, place, square, platz, quadratum... traduções para um mesmo
espaço reconhecido desde a Ágora como local por excelência das relações humanas. Imutável
no tempo em sua essência que acolhe e registra as transformações políticas, sociais,
econômicas, culturais e religiosas, desde sempre foi o espelho fiel de cada momento da história.
À margem de sua própria história, acolheu e acolhe a memória e a identidade dos centros
habitados, mesmo antes de ser denominada praça, fosse o aglomerado humano do Período
Neolítico, a ocara indígena, uma vila medieval, uma cidade renascentista ou a urbe moderna. É
a praça que atende ao longo do tempo, como espaço único, o anseio das pessoas por um espaço
democrático, posto ser aberto e público - não há na história do urbanismo espaço que a ela se
iguale.

84
Praça, cenário de festas, passeios, reuniões, comércio, permanência, encontros e
desencontros, descanso, convulsões sociais; registro vivo a perpetuar na história modismos e
estilos de cada época. Senhora dos espaços públicos, desafiou séculos desde a Ágora e,
impassível, superou o abandono, a indiferença e as transformações ao longo do tempo. Palco e
cenário da vida, a praça também foi, e é, coadjuvante da história. Ponto de coesão dada a sua
centralidade, aglutina a massa que nela acorre para o espetáculo - da vida e da morte -, como se
nesse espaço fosse possível o anonimato e a proteção.
A praça é catalisadora não apenas enquanto lugar físico, simbólico, metafórico ou
histórico, mas sobretudo como lugar da sociabilidade e cenário privilegiado da vida privada e
coletiva. É nesse espaço que o sentido de pertencimento e coletividade permeiam a riqueza que
apresenta - nela pulula a vida. É o local onde desfila o cotidiano das pessoas, como bem registra
a história das praças medievais, convivendo, lado a lado, o profano e mundano com as suas
execuções, festas e feiras, sendo ombreadas por seu caráter sacro e religioso, com seus rituais,
ofícios, missas e procissões.
Ela é serena e perene, porém mutável, adaptando sua forma, função e estrutura de
acordo com cada tempo ou período. A perenidade de sua existência deve-se, em grande parte,
à ação individual daqueles que deitaram raízes desde tenra idade, convivendo, crescendo,
conhecendo e assimilando a cultura do preservar a memória daquele espaço, pois algo lhe
representou e representa. É assim que qualquer um de nós tem, remotas que sejam, lembranças
de uma praça onde, na infância, o balanço, a gangorra ou o escorregador faziam parte do
universo de criança. Incorporado em nossas vidas de forma desinteressada e sorrateira, esse
espaço foi por muito tempo, e ainda o é, um referencial que insiste em se fazer presente; graças
a isso sua perenidade persiste, sendo depositárias da memória individual e, no seu conjunto,
daquela coletiva.
No resgate histórico que perpassa o arco do tempo, é marcante o papel desses
espaços na relação entre os cidadãos e a vida pública na construção da história. Nesse contexto,
a praça tem sido palco e cenário onde fatos relevantes nela ocorreram. Na Ágora Sócrates fora
colocado sob processo. No Fórum de Roma nasceu o Império homônimo. A Praça de São
Petersburgo foi o berço da Revolução Comunista na extinta União Soviética. Na Plaza de Mayo,
Buenos Aires, surgiu e resiste o movimento de mães que buscam seus filhos desaparecidos
durante o regime militar. A Praça de Tiananmen (Praça da Paz Celestial) em Pequim é símbolo
e testemunha da agonia e morte dos que buscavam democracia e liberdade na primavera de
1989. A sucessão de revoltas e revoluções que objetivaram derrubar ditaduras em países do

85
Oriente Médio e Norte da África em 2011, teve seu início em inúmeras praças, ficando
conhecido aquele momento como Primavera Árabe.
É sempre presente a constatação entre o ser necessário a existência desses espaços
e o não ser prioritário. Não há quadrante nesse planeta que não a tenha ou que se não a conheça:
embaladas pelos ares das montanhas e dos mares; bronzeadas pelo cáustico sol de verão e
crespadas pelos ventos de inverno; emolduradas pelo salpicar da neve ou vistas como que por
uma lente sépia das areias do deserto, é a praça o baricentro das intempéries humanas.
Do seu interior pode-se conhecer suas precariedades funcionais e, ao mesmo tempo,
suas formas e estruturas, propiciando entender as utopias que nelas se constrói, em um processo
que envolve tempo, espaço, história, memória, identidade e paisagem.
As praças são despojadas de roupagem a um olhar mais atento - são nuas no
contraste dicotômico entre o belo e o feio; entre aquelas conservadas e a maioria abandonada.
O pano de fundo que compõe o seu mosaico é justamente quem dela faz uso: o Homem. Por
essa razão, pode-se afirmar que a praça é um grande criadouro de sonhos e fantasias, misérias
e tragédias, alegrias e tristezas.
A praça é parte do macrocosmo urbano que segrega, estressa, confunde, aglutina,
registra, mas ao mesmo tempo é onde se encontra algo simplista e reconfortante que transita
entre as trocas sociopsicológicas e o ver, literalmente, a vida passar, desfilar, passear, correr,
envolver, ou simplesmente pertencer. É na praça que se tem um condensado de humanidades e
misérias que, de mãos dadas, consomem drogas, vendem corpos prostituídos, mendigam o pão
e dividem o álcool que sacia fome, frio, sede e esperança (ou desesperança!?). São as utopias
que encontram no espaço da praça, espaço para transgredir e ser um igual dentro da
normalidade, sendo marginália5. Por ser um espaço aberto, as transgressões parecem diluir-se
em uma extensão que, embora a vista alcance, confere sensação de uma falsa segurança.
É no esquadrinhar e descortinar o suceder de paisagens antropizadas, onde as praças
se aconchegam, ser possível conhecer culturas e modos de viver; ouvir relatos, casos, contos e
histórias, e presenciar as dificuldades, alegrias, frustrações e satisfações de moradores locais.
É, pois, na praça, em sua dimensão humana, que se conhece a riqueza e a pobreza
dos que dela se apropriam, em um frenesi que desconhece a marcação temporal, seja em
minutos, horas, dias, anos, séculos, perpetuando no tempo as marcas de seus usos e funções.

5
Marginália enquanto valores e comportamentos que estão à margem do que nossos conceitos, pressupostos e
vivências consideram como sendo “normais”.
86
Certamente em função disso, as transformações de todos os tempos não as abalaram a ponto de
tornar sua existência finita, visto sua presença transcender o próprio tempo.
E ainda é possível buscar nas entranhas das praças a vegetação que arrefece o calor,
mitiga o sol e oferece generosa sombra com suas frondosas árvores, cabendo às palmeiras
conferir leveza e graça, que de porte longilíneo, elegante e portentoso, com suas esguias folhas,
parecem querer tocar o céu, como se fossem birutas a indicarem a direção dos ventos. Muitas
vezes são vistas como oásis verdes no emaranhado construído e artificial, mitigando
temperaturas e quebrando a monotonia de uma paisagem urbana dita dura.
A praça existiu sempre impregnada de um forte viés simbólico, moldada a cada fase
da história da humanidade. É assim que ela representa marco de liberdades, como é o caso da
Ágora, onde era possível que todo cidadão manifestasse sua opinião sobre os assuntos e destino
da cidade. Símbolo do poder, o Fórum romano congregava e era o centro das decisões do
Império Romano. Se Fórum romano e Ágora representam o grau de politização de seus
respectivos povos, as praças medievais refletem um caráter diverso, assumindo feições de local
de espetáculo e de comércio, ou então, espaço para ocupar a ociosidade do tempo, em um
convívio onde a ocupação massiva do espaço não permitia o estar só. Por sua vez, é no período
renascentista que a praça assume simbologia de elemento urbanístico para transformação e
embelezamento das cidades - ela representa o máximo valor artístico e estético até então em se
tratando desse espaço. Independentemente do tempo que a envolve, a praça adaptou-se e
adapta-se à perfeição à simbologia que lhe é conferia nos diferentes períodos da humanidade,
perpetuando-se no imaginário individual e coletivo como referência aglutinadora e catalisadora
- essa é a essência de uma praça.

1.1. Por que estudar a praça?


Estudar o espaço público praça constitui campo de pesquisa para vários saberes –
Arquitetura (desenho; equipamento urbano; composição paisagística); Engenharia Urbana
(inserção no traçado urbano; estruturação urbana); Geografia (centralidade; paisagem urbana;
lugar; identidade; processo de ocupação); História (contam a história, a cultura, a vida e a
personalidade da cidade); Sociologia (comportamento social); Agronomia (vegetação;
composição paisagística); Literatura (poesia; música)... Por essa razão esse item não pretende
ser uma defesa eloquente a justificar seu estudo – sua perenidade na história da humanidade
fala por si só. Por esse continuum temporal, e por ter sido apropriada há milênios por
civilizações de distintas maneiras, nunca deixando de exercer a sua mais importante função,

87
que é a de integração e sociabilidade, a praça é meritória de estudos e pesquisas. Ela aproxima
e reúne as pessoas, seja por motivo cultural, religioso, econômico (comércio formal e informal),
político ou social. A praça é um espaço dotado de símbolos que carrega o imaginário e o real,
marco arquitetônico e local de ação, palco de transformações históricas e socioculturais. A
praça potencializa a noção de identidade urbana, que dificilmente o convívio na esfera da vida
privada poderia proporcionar.
E talvez o mais importante a fazer entender a importância do seu estudo: os
diferentes olhares, as diferentes abordagens, as diferentes apropriações.

2. PERENIDADE: HISTÓRIA
Tão importante quanto a caracterização de diferentes períodos onde as praças
acontecem, é entender a sua dinamicidade de adaptação aos diferentes eventos, situações
políticas, urbanísticas e sociais. Elas se moldam nos dispares contextos, onde tudo o mais escoa
no tempo, ficando esses espaços como testemunhas a contar a história de então. Nesse escopo
tem-se que as praças, desde a Ágora, por volta de II a.C., até os dias atuais, existiu e existe em
um arco de tempo contado em quatro milênios, o que não é pouco para um espaço urbano. Daí
porque sua importância na própria história da humanidade.

2.1. Ágora
Antecessora remota das praças ocidentais. Essa praça era formada por um pátio
aberto, circundado por edifícios públicos e administrativos. Como espaço urbano, a Ágora
constituiu a principal praça da civilização grega, representando o lugar de encontro dos
cidadãos. A Ágora também possuía finalidades religiosas (eventos, cerimônias) e econômicas
(negociações, acordos econômicos, comércio de mercadorias).

2.2. Fórum Romano


O fórum romano diferencia-se da Ágora por seu traçado complexo, absolutamente
desordenado ele abrigava as principais instituições administrativas do poder imperial: basílicas,
termas, senado, templos, teatros, palácios, bibliotecas. Ali se realizavam: encontros políticos;
podia-se assistir às disputas atléticas; oradores dirigiam-se às multidões; comerciantes
fechavam negócios; administrava-se a cidade nos tribunais e edifícios institucionais.

2.3. Idade Média

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A praça na Idade Média assume um papel preponderante como espaço destinado à
espetacularização do cotidiano – o profano (mundano) e religioso (sacro). Espaço social por
excelência, lugar de mercado, ponto de encontro político, das relações sociais - o privado é
público. Esse emaranhado de diferentes formas de ocupações e usos diversos tem explicação
nas características particulares desse período: invasão bárbara na Europa, sistema feudal e o
Teocentrismo.
Exemplo de praças que tiveram sua origem na Idade Média: Piazza del Mercato,
Lucca, Itália; Campo dei Miracoli, Pisa, Itália; Praça Vermelha, Moscou, Rússia.

2.4. Praça Maior (Plaza Mayor)


A Praça Maior tem sua origem nas cidades hispânicas a partir dos mercados que se
realizavam em zona extramuros dos castelos e, com o tempo, sofre uma evolução funcional,
passando a ser o ponto focal de maior destaque da cidade: cenário de reuniões públicas,
espetáculos (torneio, touradas, jogos) e prática da justiça. Exemplos de Praça Maior: Plaza
Mayor, Madri, Espanha; Plaza Zócalo, Cidade do México, México.

2.5. Praça de Armas


A praça de armas é considerada uma variante da praça maior, tendo em vista
características similares: sua morfologia - amplo espaço aberto -, e apresentarem pelo menos
um uso comum: o espaço como mercado. Quando localizadas extramuros assumiam a função
de local para exercícios militares, daí derivando sua denominação, Praça de Armas. Exemplos
de Praça de Armas: Plaza de Armas, Cuzco, Peru; Plaza de las Armas, Buenos Aires, Argentina.

2.6. Praça Renascentista


É a partir do Renascimento que a praça se insere em definitivo na estrutura urbana;
ela não é só mais um vazio no espaço urbano: passa a ser um lugar especial e de destaque no
traçado – local nobre da cidade. Caracterizam-se pelos ideais de simetria e regularidade. Ela é
concebida sempre em conjunto com alguma escultura ou obra arquitetônica. Surgem com
sentido de embelezamento, trazendo suntuosidade às cidades. Deixam de ser somente
funcionais (praça de mercado), e seu valor social, simbólico e artístico passa a ser considerado.
Exemplos de praças renascentistas: Piazza Santissima. Annunziata, Florença, Itália; Piazza del
Campidoglio, Roma, Itália; Piazza di San Marco, Veneza, Itália.

89
2.7. Praça Barroca6
Surge na França no século XVII com a denominação de Place Royale, sendo o
prolongamento externo da corte e do palácio. A praça barroca é mais monumental que
funcional; a esplanada central expulsa o mercado dando lugar aos jardins, árvores, bancos e
pérgulas; os espaços abertos são valorizados pela arquitetura. A espetacularidade da arquitetura
barroca nas praças vem de encontro à preferência do século em que se situa por toda forma de
exterioridade, fausto e poder. Exemplos: Place des Vosges e Place de la Concorde, Paris,
França; Piazza Navona, Piazza di San Pietro e Piazza di Spagna, Roma, Itália.

2.8. Classicismo Inglês


O classicismo na Inglaterra encontra seu representante nas praças (particulares) da
cidade de Bath - Royal Crescent, Circus e Queen Square (intervenções urbanísticas criadas por
John Wood a partir de 1727). Mais do que praças essas tipologias constituem-se em uma nova
forma de habitar. São conjuntos de edifícios dispostos, no primeiro caso, em uma elipse aberta,
cuja fachada principal se abre sobre uma praça; no segundo caso as edificações formam um
recinto espacial de forma circular, em cujo centro localiza-se a praça; e, no Queen Square, de
conformação retangular, os edifícios estão dispostos em suas faces, com o espaço interior
ajardinado.

2.9. A praça no Brasil


Pode-se estabelecer cinco fases distintas do desenvolvimento das praças no Brasil:
aldeamento indígena (ocara), aldeia jesuítica, cidade colonial, Brasil republicano e
modernismo. Embora não sendo denominada praça, o espaço interior resultante da disposição
das tabas indígenas, e as funções atribuídas a esses espaços (cerimonias religiosas, preparo para
a guerra, ritos de passagem, festas), permitem dizer que se comportam como praças. Quando
os jesuítas desembarcaram no Brasil estabeleciam o aldeamento baseado naquele indígena; seu
primeiro ato era colocar um cruzeiro no meio da aldeia e, após, a construção de uma capela, e
a área fronteiriça era o adro, que futuramente passou a ser conhecido como praça da igreja. Com
a elevação do núcleo habitacional a status de cidade, essa ganha a Casa de Câmara, localizada
em um espaço denominado de praça cívica. O quarto período, Brasil republicano, compreende
a transformação da cidade colonial em cidade moderna, período que vai da Proclamação da
República até o pós Primeira Guerra. Caracteriza-se por: arborizar e ajardinar os vazios urbanos

6
Barroco – palavra cujo significado tanto pode ser pérola imperfeita ou mau gosto.
90
tornou-se uma prática - arejamento das cidades; criação das praças de caráter cívico – praças
situadas diante de edifícios político institucionais (prefeituras, sede governos estaduais...),
teatros, museus, escolas; a praça passa a ser um belo cenário ajardinado destinado às atividades
de recreação e voltado para o lazer contemplativo; é o local da sociabilização e do passeio;
preocupação com a estética. A praça do modernismo abre mão dos comércios e mercados
existentes nas praças clássicas, medievais e renascentistas, e propõe uma reformulação
significativa nesse espaço. São espaços mais dedicados ao lazer e ao divertimento: são
incorporadas quadras poliesportivas, parques infantis, pistas de caminhada, espaços para o lazer
cultural. Faz-se uso de formas orgânicas, geométricas e mistas tanto para piso, caminhos,
canteiros, espelhos d’água, e estruturadas por estares, recantos e subespaços - rompimento com
a tradição de eixos e caminho formais. Quanto à vegetação, tem-se o plantio em maciços
arbóreos e arbustivos formando planos verticais, e forrações como grandes tapetes - mosaicos.
Grande utilização e valorização da flora nativa e tropical.

2.10. A praça contemporânea


A praça da atualidade não apresenta parâmetros fixos projetuais, onde o formal e
informal se mesclam, sendo pautada pela liberdade e profusão de formas e texturas, associando
o natural com o construído. Ela “conversa” com o público por meio da interatividade visual,
lúdica, sensorial, olfativa, sonora. É preciso que ela propicie o “ritual coletivo”, oportunizando
visão de cooperação, sobretudo nas atividades lúdicas que possa oferecer. Deve e precisa ser
inclusiva. Não é pautada por uma função específica, sendo sua finalidade a de se constituir em
um lugar atrativo de sociabilização, possibilitando atitudes públicas mais livres e descontraídas
– o usuário é um ator ativo. Nesse contexto, ela é multifuncional, multiuso: uso contemplativo,
local de convivência, lazer ativo, atividade comercial, atividade cultural...

2.10.1. Pocket Park (Praça de bolso)


Tem sua origem em Nova York em 1967, sendo a primeira Paley Pocket Park. O
conceito estabelece a noção de um novo modelo de espaço livre: uma mini praça, compacta e
implantada em lotes urbanos inutilizados, sem uso pré-estabelecido, terrenos baldios ou sobra
de terrenos. O espaço deve contemplar elementos vegetais e árvores para áreas sombreadas,
diferentes pisos, como por exemplo, áreas secas, vegetais e, se possível, molhada. Também se
prevê que o pocket park proporcione um conjunto de mobiliários urbanos para diferentes

91
funções (sentar, apoiar, descansar) como bancos, mesas e cadeiras móveis, para que o usuário
consiga dispô-las da maneira que melhor desejar.

2.10.2. Parklets (Varandas urbanas)


Inserem-se no conceito de mini praças, em áreas contíguas às calçadas, ocupando o
lugar de uma ou duas vagas de estacionamento de automóveis em vias públicas. São conhecidas
como varandas urbanas, pois lembra a varanda de uma residência. São uma extensão da calçada
que funcionam como um espaço público de lazer e convivência para qualquer um que passar
por ali. Podem possuir bancos, mesas, palcos, floreiras, lixeiras, paraciclos, entre outros
elementos de conforto e lazer. Os primeiros parklets foram construídos em San Francisco, em
2010, buscando-se criar ambientes mais amigáveis para pedestres e ciclistas. No Brasil surge
em São Paulo em 2013, e em Maringá o primeiro parklets foi implantado no ano de 2017, no
cruzamento da Avenida João Paulino com Rua Piratininga. Principal ponto positivo: duas vagas
de estacionamento na rua são utilizadas por 40 pessoas por dia, enquanto no mesmo espaço um
parklet atende 300 pessoas em igual período.
A História registra que a praça ocidental tem seu embrião na Ágora ateniense, local
de reunião e discussão dos destinos de muitas das cidades gregas. Da ágora, passando pelo
Fórum romano, pelas praças medievais, renascentistas e modernas, até chegar aos dias de hoje,
é possível constatar que as praças desempenharam, e desempenham, papel de fundamental
importância na vida citadina, ora como local de comércio, de encontro e sociabilização, de
espetáculos ou testemunho de religiosidade. O fato concreto é que o tempo não foi capaz de
mitigar ou minimizar a importância desses espaços na vida do Homem.

3. FALANDO DE PROJETO
É simplista projetar uma praça apenas com os conhecimentos da técnica urbanística,
arquitetônica, agronômica, geográfica ou botânica. A praça transcende o conhecimento técnico
por se situar em um campo subjetivo do conhecimento humano, que é entendê-la enquanto a
Alma de um lugar. Essa subjetividade está impregnada de cultura, vivências, histórias, raízes,
registros e conhecimentos impossíveis de serem retratados ou desenhados em um projeto. Nem
por isso há de se prescindir daqueles conhecimentos técnicos e que precisam ser pautados por
acurado saber de diversos parâmetros individuais, que se associam para resultar no espaço de
excelência para as trocas e sociabilização humanas.

92
Assim posto, ao projetar uma praça deve-se... Ter uma visão macro da cidade: que
o novo espaço esteja inserido nesse contexto. É preciso entender que uma praça não é um
elemento aleatório no conjunto da cidade – ela interage com todos os outros espaços públicos
– calçadas e vias - e as demais edificações do entorno. Ela deve ser um elemento que propicie
a continuidade de um sistema de espaços livres urbanos interligados: parques, hortos, jardins,
reservas florestais, fundos de vales, arborização de acompanhamento viário. Deve-se respeitar
as condições físicas da área, seja ela plana ou com declividade: o projeto deve se adequar à
área, sempre que possível. É necessário considerar a distância entre um espaço e outro. Que
possibilitem a ampliação da vida coletiva, propiciando a humanização das cidades. É preciso
incentivar o processo de adoção de praças por pessoas, associações ou empresas; esse salutar
sistema democratiza a participação efetiva na implantação e manutenção desses espaços,
permitindo ao poder público direcionar os recursos financeiros da cidade para outras áreas
(saúde, educação, segurança). O insucesso de uma praça está diretamente ligado ao fato de não
se ouvir os anseios da população lindeira; consultar quem habita no entorno do espaço a ser
implantando ou revitalizado, enseja a coparticipação e a corresponsabilidade, o que traz como
consequência direta a melhor conservação da praça. Quando a população não é ouvida o que se
tem é uma praça sem vínculo com a realidade local, ensejando o abandono e o desinteresse pelo
logradouro.
Por último, mas não menos importante, não cabe estabelecer um número ideal de
praças para as cidades, pois cada caso é um caso. Essencialmente deve ser o espaço certo, no
lugar certo e para as pessoas certas.

4. PARA ENTENDER DE PRAÇA


Ao leigo não passa desapercebido que as praças têm forma e usos diferenciados.
Esse simples perceber ensejou ao longo do tempo o estudo de uma seara das praças que trata
de sua tipologia.
É nesse contexto que a partir do final do século XIX e início do século XX, quando
“abriram-se” as cidades e procedeu-se a uma “limpeza” sanitária, tem início no campo
urbanístico a planificação das praças em consonância com as necessidades da urbe. Normas e
regras ditam o espaço ocupado pelas mesmas. Ela - a praça - passa a ser estruturada dentro de
um contexto mais amplo; de um espaço que abarca um conjunto composto por vias, passeios e
edificações; ela compõe, interage, harmoniza o ambiente circundante. Ela não é só o agente
físico estruturador, mas um elemento que congrega e referência a paisagem local, adquirindo

93
uma conotação simbólica, onde o observador a retém na memória enquanto ponto de referência.
Diante disso, seu desenho é melhor elaborado; suas linhas mais claramente conformadas; a
leitura visual de seus contornos passa a ser melhor definida. Dessa forma, tanto mais fácil será
retê-la na memória.
O estudo da praça pressupõe o conhecimento de sua identidade, estrutura,
significação e, por último, porém não menos importante, a imaginabilidade. Lynch (1966)
define a imaginabilidade como sendo a qualidade do objeto físico que lhe confere uma grande
probabilidade de suscitar uma imagem vigorosa em qualquer observador. O atributo de
identidade permite conhecer uma praça como entidade diferenciada, distinguindo-a dos demais
logradouros. A estrutura conforma a imagem por meio da relação espacial entre a praça e seu
entorno, integrando ambos em um conjunto único. A significação, por sua vez, é um atributo
que comporta valor simbólico para o observador, transformando a praça em um espaço
reconhecível e representativo para os habitantes da cidade.
Zucker (1959) classifica as praças em cinco arquétipos que vai da praça fechada em
seu próprio espaço à praça envolvida por edifícios, ou ainda a praça amorfa onde seu espaço é
indefinido. Sitte (1992), analisando a relação entre as praças e os seus edifícios circundantes,
identifica duas categorias de praças: as de largura e as de profundidade. Para Moughtin (1992)
há duas maneiras de se categorizar as praças: pela sua função e pela sua forma. Dodi (1946)
propôs a seguinte tipologia para as praças, segundo suas funções: praça de igreja; praça de
escola; praça cívica e representativa - caracterizada por apresentar edifícios públicos de caráter
político e administrativo; praça de mercado - local onde o mercado estava instalado; praça de
feira - onde ocorriam as feiras e exposições; praça da estação - apresenta específica função,
como o próprio nome o diz; e praça para estacionamento de veículos. Para Matas Colom et al.
(1983) as praças podem ser divididas em quatro categorias: praça de significação simbólica, de
significação visual, praça com função de circulação e praça com função recreativa. A praça com
significação simbólica é um marco urbano que se recorda com claridade. É, quase sempre, de
desenho monumental e se relaciona com algum acontecimento de importância nacional. A praça
com significação visual é aquela que não se recorda por si, senão pelo monumento ou
edificação, geralmente pública, que a define e ao qual ela está subordinada. A praça com função
recreativa é aquela que se reconhece pelo desenvolvimento de atividades de entretenimento,
passeio ou encontro. Por fim, a praça com função de circulação é aquela que, devido à sua
localização, converte-se em um lugar de passagem obrigatória de veículos e/ou pedestres.

94
É esse pequeno transitar pela tipologia das praças que permite conhecer e entender
um pouco mais sobre esses espaços, que mesmo ao olhar do leigo parece simples e complexo
ao mesmo tempo – essa dicotomia que seduz e encanta.

5. FUTURO DA PRAÇA
Ouve-se e lê-se que a praça está fadada ao esquecimento e ao seu banimento das
cidades. Falácia dos que desconhecem um mínimo do intrincado processo que tem feito
perpetuar esse espaço por tantos séculos. É certo que alguns fatores concorrem para esse falso
pensar: a falta de vontade política do poder público; o desinteresse da comunidade; a ocupação
pela marginália; o surgimento de rivais anômalos como o shopping center, condomínios e
edifícios polifuncionais; a falta de identificação com o espaço. Mas nada disso é suficiente para
sustentar uma arguição minimamente inteligente que torne assertiva pensamento obtuso. É
certo que ao longo dos tempos deu-se o título de praça a tipologias não condizentes com o
verdadeiro sentido desse espaço - praça de alimentação, praça de bate-papo (virtual), praça
bancária, praça de touros, praça de leilão, praça de pedágio, praça de guerra, praça de
atendimento, praça de serviços, praça de táxis.
É inegável que as praças já tiveram papel de maior destaque na vida
socioeconômica das cidades. Mas esse argumento não tem consistência quando evocado no
intuito de comparação entre as praças de ontem, seus usos e funções, com aquelas de hoje. É
preciso considerar o momento histórico, a evolução da urbe e a realidade em que se vive; a
nostalgia não é parâmetro adequado para se proceder a uma análise crítica. Querer ressuscitar
a praça enquanto local de intenso comércio e burburinho incessante de pessoas é retroagir no
tempo, desconsiderar a dinamicidade própria da vida e sucumbir às justificativas fáceis para
explicar um fenômeno complexo.
Constata-se que a vida nas cidades ainda encontra nas praças um elemento em que
ocorrem fatos do cotidiano. Não como palco ou cenário da vida como já o fora, mas como
estrutura física a comportar ações e, por meio de processos, registrar as transformações da
sociedade. Por ser um espaço aberto, enseja, mesmo na atualidade, seu uso de formas diversas,
seja para o lazer, o prazer, o próprio comércio, a manifestação da violência, o uso alternativo
(prostituição, população de rua), entre outros. É por isso que a praça ainda tem futuro nas
cidades. Somente quem estuda o universo das praças em suas variantes as mais diversas é que
pode entender quão rica ela é, e por quais razões ela sobrevive.

95
6. PARA ENCERRAR
Praça, piazza, plaza, place, square, platz, quadratum..., espaço público, cenário da
vida urbana, palco coletivo. Urbanistas, arquitetos, geógrafos, historiadores e sociólogos
definiram-na, conceituaram-na, caracterizaram-na; estudaram suas funções, usos e atributos.
Ocupada por todo tipo de gente - pobres, ricos, desocupados, prostitutas, estudados,
aposentados, mulheres do lar, crianças, adolescentes, idosos, população “de” rua e “na” rua,
consumidores de droga, punguistas..., já enfrentou as vicissitudes do tempo, as intempéries do
clima, sobreviveu a revoltas e revoluções, superando e indo além das próprias transformações
de cada momento da humanidade. Plácida, paira acima de tudo e de todos, como se fosse apenas
uma alta e esguia palmeira querendo tocar o céu.
O tempo pretérito não a desconstruiu nem a tornou vulnerável à tempestividade dos
Homens nos seus anseios de transformar e recriar - por essa razão nela reside a (in)quietude do
tempo.

REFERÊNCIAS

DODI, L. Elementi di urbanistica. Milano: Cesare Tamburini, 1946.

LYNCH, K. La imagem de la ciudad. Madrid: Ediciones Infinito, 1966.

MATAS COLOM, J.; NECOCHEA VERGARA, A.; BALBONTÍN VICUÑA, P. Las plazas
de Santiago. Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile, 1983.

MOUGHTIN, J. C. Urban design: street and square. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1992.

SITTE, C. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. Trad. Ricardo
Ferreira Henrique. São Paulo: Ática, 1992.

ZUCKER, P. Town and square: from the agora to the village green. New York: Columbia
Press, 1959.

96
___________________________________________________________________________

SOBRE OS AUTORES

BRUNO LUIZ DOMINGOS DE ANGELIS

Graduado em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá/UEM, Paraná. Especialista


em Arquitetura da Paisagem pela Università degli Studi di Pisa/Itália. Doutor em Geografia
pela Universidade de São Paulo/USP. Pós-Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal do Paraná. Professor do Departamento de Agronomia da
Universidade Estadual de Maringá desde 1986. Professor e orientador do Programa de Pós-
Graduação em Geografia/UEM desde o ano de 2000, e do Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Urbana/UEM. Atua no estudo de áreas verdes urbanas – parques, praças, fundos de
vale e arborização urbana -, e turismo vinculado a áreas verdes.

JOÃO KARLOS LOCASTRO

Graduado em Engenharia Ambiental pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná -


UTFPR (2014). Mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Estadual de Maringá –
PEU/UEM (2016). Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá –
PGE/UEM. Atualmente atua como Professor na Faculdade de Engenharia e Inovação Técnico
Profissional – FEITEP.

GLENDA LISLIE MACIEL ALVES

Bacharela em Turismo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- UNESP
(2013-2016). Atualmente (2019) desenvolve uma pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-
graduação em Geografia - PGE da Universidade Estadual de Maringá- UEM, sob orientação do
Profº Dr. Bruno Luiz Domingos De Angelis, o título da pesquisa em questão é: Espaço Público
de Lazer e Turismo: Praça da Catedral em Maringá- PR, e é financiada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES. Atua também como pesquisadora no
Grupo de Estudos em Planejamento Urbano- GEPPUr.

FÁBIO ALVARENGA PEIXOTO

Mestrando pelo programa de pós graduação em Geografia (PGE) pela Universidade de Maringá
(UEM), sob a orientação do professor Doutor Bruno Luiz Domingos De Angelis, onde
desenvolve a dissertação com o tema: A dinâmica geográfica da Praça Napoleão Moreira da
Silva em Maringá - PR. Possui especialização em Administração Escolar pela Universidade
Cândido Mendes(2009), graduado em Geografia (licenciatura / bacharelado) pela Universidade
de Brasília(2003) e graduado em Turismo (bacharelado) pela União Pioneira de Integração
Social(2001).

97
Os discentes do PGE na construção do
conhecimento geográfico

98
ANÁLISE AMBIENTAL

99
1

MAPEAMENTO GEOAMBIENTAL DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS


ANTAS, CRUZEIRO DO OESTE-PR

André Jesus Periçato


Marta Luzia de Souza

RESUMO
A preocupação com o meio ambiente é uma das grandes questões da humanidade, sobretudo
nos últimos anos com a intensificação do espaço urbano e do espaço rural. Deste modo,
pesquisas que envolvam questões relacionadas ao meio ambiente a sua gestão são de
fundamental importância. O presente trabalho teve por objetivo realizar um mapeamento
geoambiental da bacia hidrográfica do rio das Antas, localizada no Noroeste do Estado do
Paraná. Para tanto, foi realizada a correlação das informações dos componentes do meio físico
e os diferentes tipos de uso e ocupação da bacia hidrográfica, apoiando-se na metodologia
desenvolvida pelo Laboratório de Geologia Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria
no Rio Grande do Sul. O mapeamento geoambiental tem como produto final um mapa contendo
as unidades geoambientais que apresentam características semelhantes. Como resultado, para a
área de estudo foram identificadas três unidades geoambientais (I, II e III). A unidade II foi
dividida em três subunidades, portanto foram identificadas as unidades I, IIa, IIb, IIc e III. Os
elementos analisados em cada unidade foram: drenagem, hipsometria, solos, declividade,
temperatura e precipitação e o uso e ocupação da terra. Portanto, a definição destas unidades é
de fundamental importância para futuros trabalhos de zoneamento e planejamento ambiental,
possibilitando o uso por parte do Poder Público.

Palavras-chave: Unidades Geoambientais. Planejamento Ambiental. Bacia hidrográfica.

100
INTRODUÇÃO
A intensificação do uso e ocupação da terra e seus impactos ao meio ambiente são
temas que devem ser objeto de estudo entre as ciências, sobretudo nas últimas décadas, com a
evolução das técnicas utilizadas, seja em ambiente rural ou urbano. Neste ponto, deve-se
destacar a multidisciplinaridade em estudos geoambientais (TRENTIN, 2007), tendo em vista
que todas as ciências possuem conteúdos que podem ser incorporados à análise ambiental, como
a Geografia.
O mapeamento geoambiental apresenta-se como uma ferramenta para o
zoneamento e o planejamento ambiental. Os zoneamentos são definidos por grupamentos de
variáveis que apresentam alto grau de associação dentro da paisagem. Esses grupamentos ou
também chamado de “zonas” precisam considerar as potencialidades e/ou vocações e
fragilidades naturais. No Brasil, os zoneamentos ambientais são comumente utilizados pelo
Poder Público como instrumento legal para implementar normas de uso do território nacional
(SANTOS, 2004).
Para Souza (2000), o mapeamento geoambiental possibilita a determinação das
suscetibilidades do ambiente, tendo como base os fatores ambientais específicos, tais como os
relacionados ao meio físico, biológico e antrópico. O mesmo constitui e deve ser analisado
como uma ferramenta de desenvolvimento regional ou como uma própria política de
ordenamento territorial (BENNATTI, 2003).
Desse modo, o presente trabalho teve como objetivo a definição de unidades
geoambientais na bacia hidrográfica do rio das Antas, localizada no Noroeste do Paraná. Para
tal objetivo, foi realizada a análise integrada dos elementos da paisagem, a fim de identificar
setores homogêneos dentro da área de estudo. Os limites geográficos correspondem às
coordenadas de 23° 10’ 00’’S e 23° 50’ 00’’S de latitude e 53° 00’ 00’’W e 53° 20’ 00’’W de
longitude (figura 1). Os municípios que estão inseridos na bacia hidrográfica são: Tapira,
Douradina, Nova Olímpia, Maria Helena, Cruzeiro do Oeste e Umuarama.

101
Figura 01- Mapa de localização da bacia hidrográfica do rio das Antas e divisão administrativa

Fonte: Os autores (2018)

2. MATERIAIS E MÉTODO
A abordagem sistêmica foi aplicada buscando avaliar e retratar as características
dos componentes do meio físico em conjunto aos diferentes tipos e formas de uso e ocupação
na bacia hidrográfica. Para alcançar o resultado do mapa final das unidades geoambientais da
área em estudo, a pesquisa apoiou-se na metodologia desenvolvida por Trentin e Robaina
(2015).
Na elaboração da base cartográfica foram utilizadas as folhas topográficas do
exército de Xambrê, Maria Helena, Cruzeiro do Oeste, Nova Olímpia e Ivaté, em escala
1:50.000, disponíveis no site do ITCG (Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná).
O mapeamento das unidades geoambientais foi realizado a partir da correlação das
informações obtidas em campo e em gabinete, conforme o fluxograma metodológico elaborado
na figura 02.

102
Figura 02: Fluxograma metodológico adaptado de Trentin e Robaina (2005)

Fonte: Os autores (2018).

Para a elaboração do mapa geoambiental, foram correlacionadas as características


da bacia hidrográfica quanto aos aspectos da rede de drenagem, da hipsometria, do relevo, da
declividade, dos solos, do clima e o do uso e ocupação da terra. O trabalho de campo foi também
realizado como apoio as etapas desenvolvidas em gabinete, desde os levantamentos
bibliográficos e cartográficos até a elaboração dos produtos cartográficos na escala de análise,
1:50 000.
Foram traçados perfis geoecológicos para a área de estudo a fim de representar a
paisagem sob a perspectiva vertical e horizontal. Para a área de estudo foram traçados três perfis
que melhor representariam as características da bacia hidrográfica e dos compartimentos
identificados.
Os dados de hipsometria, declividade bem como as informações sobre a rede de
drenagem, foram obtidas por meio da base dados da imagem SRTM (Suttle Radar Topografic
Mission), processadas pela NASA (National Aeronautics and Space Administration).
As informações sobre os solos e sua espacialização na bacia, foram obtidos
utilizando as bases de dados da EMBRAPA (2008), disponibilizados em formato digital do tipo
shapfile (*shp) no sítio eletrônico do Instituto de Terras Cartografia e Geociências (ITCG), em
escala de 1:250 000.
Os dados de temperatura e precipitação foram disponibilizados pelo Instituto Águas
Paraná, Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e sistema Meteorológico do Paraná
103
(SIMEPAR). Os dados de temperatura, foram coletados das estações de Umuarama, Icaraíma,
Cidade Gaúcha, Cianorte e Paranavaí. Já os dados de precipitação foram coletados nos postos
referentes aos municípios de Umuarama, Cruzeiro do Oeste, Maria Helena, Douradina, Nova
Olímpia e Tapira, entre o período de 1997 a 2017.
Quanto ao uso e ocupação da terra, os dados foram obtidos por meio do tratamento
da imagem do satélite Landsat 8, realizando o procedimento de classificação supervisionada.
As classes de uso seguiram as orientações apresentadas pelo Manual de Uso da Terra do IBGE
(2013).
Os produtos cartográficos foram adaptados e elaborados utilizando-se os softwares
Qgis 2.6.1, ArcGis 10.4 e posteriormente finalizadas no Corel Draw X8 (foram utilizadas as
versões gratuitas do ArcGis e Corel Draw).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados obtidos foram apresentados e discutidos por componentes do meio


físico e, posteriormente, integrados nas unidades geoambientais. A bacia hidrográfica do rio
das Antas, conforme figura 01, possui padrão de drenagem dentrítico, comum para áreas de
planalto, pois está inserida no Terceiro Planalto Paranaense, descrito amplamente por Maack
(2012). Possui hierarquia fluvial de 6ª ordem com orientação de sul (montante) para norte
(jusante). Desta forma, as partes mais elevadas se encontram na porção sul e as mais baixas
estão presente no setor norte na foz do curso principal. O canal tem sua nascente localizada
próximo à área urbana do município de Cruzeiro do Oeste e percorre um total de 86,4 km até
sua foz junto ao rio Ivaí.
Quanto às características da altitude do relevo, a área de estudo apresenta uma
amplitude altimétrica de 365 metros, na qual a cota maior se encontra a 518 metros e a cota
mais baixa a 243 metros. Foram definidas seis classes hipsométricas com intervalo de 50
metros, variando com valores inferiores a 250 m até valores superiores a 450 m (figura 03).
Um atributo importante para o estudo e análise do relevo é a declividade que foi
representada pela carta de declividade, pois elas auxiliam nas interpretações em estudos de
vertentes relacionadas principalmente, aos processos erosivos. Villela e Matos (1975) salientam
que a declividade do terreno controla grande parte da velocidade do deslocamento superficial
da água implicando na suscetibilidade da erosão dos solos, uma vez que diminui a capacidade
de infiltração da água.

104
Para a área de estudo foram encontrados valores que variaram de 0% (planície de
inundação do rio das Antas) até maiores que 20%. A declividade média encontrada para a bacia
foi de 7% (figura 04). De forma geral há certa homogeneidade nas declividades encontradas
para a área de estudo. As regiões que encontraram maiores declividades foram a montante (parte
sul) da área de estudo na porção leste da bacia e a região próxima à foz do rio das Antas do lado
oeste da bacia hidrográfica. Nesses locais as declividades chegaram a 21%.
O setor correspondente às cabeceiras de drenagem e a nascente do rio das Antas
apresentaram os maiores valores de declividade (12-20 e >20 %) quando comparado aos demais
setores da bacia. Este setor caracteriza-se por apresentar colinas médias, com vertentes pouco
extensas somado a uma maior densidade de drenagem com relevo ligeiramente dissecado.

Figura 03: Carta hipsométrica da bacia hidrográfica do rio das Antas, PR

Fonte: Os autores (2018).

No setor médio da bacia, em direção à jusante, encontram-se declividades


moderadas (6-12 e 12-20 %), com vertentes “alongadas” quando comparada com o setor a
montante. Destaca-se no setor médio da bacia hidrográfica a ligeira diferença de declividade
entre a porção a leste do curso d’água do rio das Antas e a porção oeste. A porção oeste do setor
médio da bacia hidrográfica apresentou declividades maiores (3-6, 6-12, 12-20%), já na porção
leste, as declividades são representadas pelas classes de 3 a 6 e 6 a 12%.

105
As menores declividades se destacam no baixo setor, a jusante da bacia hidrográfica
(< 3 e 3-6 %). Neste setor, as vertentes são maiores e o relevo pouco dissecado. Este ponto
destaca-se por apresentar a foz do rio das Antas, junto ao rio Ivaí.

Figura 04: Carta de declividade da bacia hidrográfica do rio das Antas, PR

Fonte: Os autores (2018).

O substrato rochoso presente na região é composto por rochas areníticas


pertencentes à Formação Caiuá (MINEROPAR, 2001). Os solos provenientes da Formação
Caiuá são em sua maioria compostos por solos de textura arenosa média. Os solos encontrados
na área de estudo foram definidos por EMBRAPA (2008) e são eles: Latossolos Vermelhos;
Argissolos Vermelhos e Neossolos Flúvicos. A classe de solos que apresentou maior ocorrência
na área de estudo foram os Argissolos.
Os Latossolos apresentaram sua maior ocorrência a montante da bacia hidrográfica,
localizados nos topos dos interflúvios. Os Argissolos foram encontrados sobretudo na porção
do médio curso da bacia hidrográfica do rio das Antas. Na porção correspondente a planície de
inundação do rio das Antas, estão localizadas as manchas do Neossolo Flúvico.
Quanto às condições climáticas presentes na área de estudo, a bacia hidrográfica do
rio das Antas caracteriza-se pelo clima subtropical úmido mesotérmico. Os verões são bem
definidos, com médias no mês mais quente superior a 22°C. Os invernos são geralmente
marcados pela queda nos valores de temperatura (IBGE,1978; MAACK, 2012). A precipitação
106
pluviométrica média anual oscila de 1531 mm a 1725 mm. De modo geral, as regiões elevadas
da bacia, em altitudes médias superiores a 400 metros, apresentaram os valores de precipitação
anual de 1650 mm a 1725 mm. A porção central da área de estudo, com altitudes médias de 300
a 400 metros, apresentaram valores médios de precipitação anual de 1550 mm a 1650 mm.
Já os menores valores médios anuais de precipitação, entre 1531 mm e 1600 mm,
ocorreram nas porções mais baixas da bacia hidrográfica, cujas altitudes variam de 243 a 350
metros. Este setor corresponde à parte norte da bacia, próximo à foz do rio das Antas com o rio
Ivaí. Dessa forma, na unidade da bacia hidrográfica, os maiores valores de precipitação
corresponderam às partes mais elevadas da bacia, com as cotas mais elevadas.
As formas de uso e ocupação da terra foram representadas por: vegetação e ou mata
densa (16%); área urbana (2,9%); cultivo permanente (4,4%); cultivo temporário (17%);
pastagens (46,9%); silvicultura (7,2%) e solo exposto (5%).
O uso que obteve a maior porcentagem foi o de pastagem. As pastagens ocupam
desde os setores mais elevados na área de estudo até as áreas com menores declividades já
próximas a confluência do canal principal com o rio Ivaí. Destacam-se também os cultivos
temporários representados, sobretudo, pela cana-de-açúcar e mandioca.
Por meio da correlação dos dados levantados em campo e dos produtos gerados em
laboratório (gabinete) pode-se definir três unidades homogêneas na bacia hidrográfica do rio
das Antas. A figura 05 representa a distribuição espacial das unidades identificadas.
A unidade I compreende a parte mais elevada (400-450 metros) da bacia
hidrográfica do rio das Antas. Ocupa aproximadamente 18% da área total da bacia, pertencendo,
predominantemente, à área municipal de Cruzeiro do Oeste.
Os solos presentes são predominantemente de Argissolos Vermelhos com transição
abrupta entre os horizontes. Foram encontrados também, nas partes mais elevadas com menor
declividade (0-3, 3-6%), os Latossolos Vermelhos de textura média.
As vertentes nessa unidade apresentam um aumento gradual da declividade no terço
final, com declividades médias de 12 a 20%. Possuem topos curtos e pouco aplainados, com
vertentes menores e o predomínio da forma côncava.

107
Figura 05: Unidades geoambientais da bacia hidrográfica do rio das Antas, PR

Fonte: Os autores (2018).

Por meio do perfil geoecológico da unidade I (figura 6) tornou-se possível observar


as mudanças nas formas do relevo bem como o comportamento dos usos presentes na paisagem.

Figura 06: Perfil Geoecológico A-B

Fonte: Os autores (2018).

Os usos nessa unidade, foram os mais diversificados e fica mais evidente quando
se observa as características na paisagem com a presença de vários pequenos fragmentos de
108
culturas temporárias, pastagens, culturas permanentes e silviculturas. Destaca-se a presença do
cultivo da laranja neste setor (figura 07). A cultura permanente nesta unidade corresponde a
10% da área total dos usos. O uso predominante foi de pastagens, seguindo a tendência do uso
da bacia do rio das Antas.

Figura 07: Paisagens da unidade I

Fonte: Os autores (2018).

Através do perfil foi possível notar como se comporta a presença dos diferentes
tipos de uso e ocupação da terra, bem como as formas do relevo. Nota-se a presença de um
relevo mais dissecado o que leva a um estreitamento dos topos e, por consequência, à
diminuição dos comprimentos das vertentes e a acentuação das declividades, principalmente no
terço final das vertentes próximo aos cursos hídricos. Os tipos diferenciados de usos são mais
fragmentados na paisagem.
A unidade II compreende o setor médio da bacia hidrográfica e ocupa cerca de 63%
da área total da área de estudo. Está presente em grande parte dos municípios de Maria Helena,
parte de Umuarama bem como de Cruzeiro do Oeste, Douradina, Tapira e Nova Olímpia.
Devido à grande extensão desta unidade, houve a subdivisão em três subunidades
geoambientais. Desta forma a unidade II está representada pelos subcompartimentos IIa, IIb e
IIc.
Quanto aos solos, a unidade II está recoberta nos topos planos pelos Latossolos
Vermelhos de textura média, e nas partes mais baixas pelos Argissolos Vermelhos com
transições abruptas e típicas entre os horizontes. Tem-se ainda, junto a planície de inundação,
a presença do Neossolo Flúvico.

109
Com relação às características do relevo, a unidade II apresenta certa
homogeneidade, com grande diferença somente no setor IIc (figura 08). Os valores médios de
altitude variam de 250 a 450 m. Diferente da unidade I, as declividades nessa unidade são
menores, com valores médios de 03 a 12%. As subunidades IIa e IIb possuem características
mais comuns entre as condições de relevo. As vertentes nessas duas unidades são mais longas,
com vertentes que se alternam em côncavas e convexas. Os topos são geralmente aplainados
com menores declividades, e nas partes mais baixas, próximo aos cursos hídricos, ocorre o
aumento gradual das declividades (12-20%).

Figura 08: Paisagens das subunidades do compartimento II (a, b, c)

Fonte: Os autores (2018).

A subunidade IIc, diferentemente das outras subunidades do compartimento II,


apresenta condições diferentes quanto as formas de relevo. Esta subunidade assemelha-se em
suas características com a unidade I e as declividades variam entre 6 e 20%. As vertentes são
menores e possuem predominantemente a forma convexa, com o aumento gradual de
declividade na média vertente. Por sua vez, dada às características do relevo, ocorre o aumento
da densidade de drenagem com maiores incisões dos canais de 1ª ordem.
No perfil geoecológico C-D (figura 09) fica evidente como se comportam as formas
do relevo bem como as formas de uso e ocupação. No perfil C-D não foi representada a
subunidade IIc que será representada no perfil E-F. No perfil é possível observar que as formas
de relevo são diferentes quando comparadas com a unidade I. Nessa, as vertentes são planas e
possuem um comprimento de rampa maior. Quanto ao uso e ocupação do setor II, ocorre o

110
predomínio das pastagens, seguido das culturas temporárias e, em menor proporção, as culturas
permanentes.
Figura 09: Perfil Geoecológico C-D

Fonte: Os autores (2018).

Nos locais com menor declividade, tem-se nos setores mais elevados a presença do
Latossolo e o predomínio dos usos de pastagens, e nas partes mais baixas da vertente e do relevo
são encontrados outros tipos de atividades, tais como os usos com mandioca ou cana-de-açúcar.
Entre a subunidade IIa e IIb nota-se que há o predomínio das pastagens na subunidade IIb
quando comparado com a IIa e IIc. O uso de mata nessa unidade se destacou no setor IIc com
aproximadamente 20% da área total da subunidade. Este uso de deve principalmente à alta
dissecação do relevo, dificultando a prática das atividades agrícolas.
A unidade III compreende o setor mais baixo da bacia hidrográfica do rio das Antas
e se estende por aproximadamente 17% da extensão total. Está localizada em parte da área
municipal de Tapira e Douradina.
Quanto às características dos solos, na unidade III foram identificados os Latossolos
Vermelhos Distróficos e Eutróficos, os Argissolos Vermelhos Distróficos e Eutróficos e, junto
a planície de inundação, a presença dos Neossolos Flúvicos.
A unidade III apresentou pouca variação no que se refere ao relevo. Está situada na
porção mais baixa da bacia hidrográfica, com o predomínio de altitudes médias de 250 a 300
metros. As vertentes desta unidade são diferentes, comparada às outras unidades. Predominam
as vertentes com um maior comprimento de rampa e baixa declividade (0-3% e 3-6%),

111
condicionando, portanto, a um relevo com o predomínio de formas planas e pela baixa
densidade de drenagem. Cabe destacar que, nessa unidade encontra-se a foz do rio das Antas.
O perfil geoecológico do seguimento E-F (figura 10) expressa as condições
identificadas na unidade III e parte da subunidade IIc, tornando possível observar as mudanças
dos elementos físicos de uma unidade para outra, bem como nas formas de uso e ocupação.

Figura 10: Perfil Geoecológico E-F

Fonte: Os autores (2018).

O uso ocupação da unidade III foi o mais homogêneo quando comparado com os
demais compartimentos. Nessa unidade, predominam o uso de pastagem (53,4%) e, em menor
proporção os com culturas como a cana-de-açúcar. Por meio do perfil é possível observar como
se comporta o relevo bem como as formas de uso e ocupação da terra nessa unidade. De modo
geral, ela caracteriza-se por apresentar relevo plano (figura 11), vertentes retilíneas, menor
densidade de drenagem e menor diversificação de usos, com o predomínio de pastagens.

112
Figura 11: Paisagem da unidade III

Fonte: Os autores (2018).


Em síntese, têm-se as principais características de cada unidade geoambiental
identificadas:
Unidade I: Área com relevo dissecado 350-450 m de altitude e 12- >20% de declividade;
alta densidade de drenagem, predominância de Argissolos e uso bem diversificado (cana de
açúcar, silvicultura, laranja, pastagens).
Unidade IIa: Relevo com média dissecação (6 a 12%) apresentando alguns pontos com
maiores declividades; as cotas altimétricas variam de 300 a 450 m; média densidade de
drenagem; presença de Latossolos e Argissolos e uso diversificado com pastagens, mata, cana-
de-açúcar e silvicultura.
Unidade IIb: Área com média dissecação predomínio de 6 a 12% de declividade e 300
a 450 metros de altitude; média densidade de drenagem; predomínio de Argissolos e uso
predominantemente de pastagens e cana-de-açúcar.
Unidade IIc: Relevo dissecado de 12 até 21% de declividade e altitudes médias de 350
a 400 m; maior densidade de drenagem; predomínio de Argissolos e uso diverso com áreas de
mata, pastagens e cana-de-açúcar.
Unidade III: Relevo com predomínio de 300 a 350 m de altitude e declividades médias
de 3 a 6%; menor densidade de cursos hídricos e uso predominante com pastagens.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises realizadas considerando a inter-relação entre os elementos físicos, de
uso e ocupação na paisagem, permitiram a delimitação de unidades geoambientais com
características homogêneas entre si. Para a bacia hidrográfica do rio das Antas foram definidas
três unidades geoambientais (I, IIa, IIb, IIc e III)
De forma geral, a bacia hidrográfica apresentou em seu setor de montante, uma alta
densidade de drenagem, com relevo bem dissecado e formas de vertentes mais curtas e
113
convexas, com usos diversificados. O setor médio da bacia foi classificado como medianamente
drenado, com a presença de Latossolos e Argissolos e, o uso predominante de pastagens e
culturas temporárias, com destaque para a cana-de-açúcar. A exceção foi para o
subcompartimento IIc, que apresentou alta densidade de drenagem, um relevo bem dissecado e
a presença de vertentes semelhantes ao setor I, com vertentes curtas e convexas. No setor a
jusante, as principais características foram a presença de um relevo plano, com vertentes
retilíneas e o uso predominante de pastagens.
Os resultados obtidos poderão auxiliar nas pesquisas desenvolvidas na região da
bacia hidrográfica e em estudos mais amplos que se utilizam do zoneamento ambiental para o
planejamento ambiental, sendo passível de utilização, sobretudo, por parte do Poder Público,
tendo em vista a capacidade de identificar as limitações e vocações das áreas em estudo.

REFERÊNCIAS

BENATTI, J.H. Aspectos legais e institucionais do zoneamento ecológico-econômico.


Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 8, 2003, p. 103-114.

EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Centro Nacional de Pesquisa de


solos. Mapa de Solos do Estado do Paraná. Rio de Janeiro: EMBRAPA Solos e Florestas,
2008.

IBGE. Mapa Brasil Climas. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 1978.

IBGE. Manual Técnico de Uso da Terra. Rio de Janeiro, 3° edição, 2013.

INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS. (INPE) Projeto TOPODATA. Disponível em:


<http://www.dsr.inpe.br/topodata/ >. Acesso em: 20 de agosto de 2017.

ITCG-Instituto de Terras, Cartografia e Geociências, CARTAS TOPOGRÁFICAS.


Consulta eletrônica http://www.itcg.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteUdo=51.
Acesso em: 15 de agosto de 2017.

MAACK, R. Geografia física do Estado do Paraná. 4ed. Ponta Grossa: Editora UEPG,
2012, 526p.

MINEROPAR. Atlas Geológico do Estado do Paraná. 2001. Minerais do Paraná, Curitiba.


2001, 125 p. CD ROM.

SANTOS, R. F. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina de Textos,


2004. 184p.

SOUZA, M. P. Instrumentos de gestão ambiental: fundamentos e prática. Ed. Riani


Costa. São Carlos, 2000. 112p.
114
TRENTIN, R. Definições de unidades geoambientais na Bacia Hidrográfica do rio Itu-
Oeste do Rs. 2007. 142p. Dissertação (mestrado em Geografia e Geociências) Universidade
Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Naturais e Exatas, Programa de Pós-Graduação
em Geografia e Geociências, RS, 2007.

TRENTIN, R.; ROBAINA, L. E. S. Metodologia para Mapeamento Geoambiental no Oeste


do Rio Grande do Sul. In: XI Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada: Anais...,
2005.

VILLELA, S.M.; MATTOS, A. Hidrologia aplicada. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil,


1975. 245p.

SOBRE OS AUTORES

ANDRE JESUS PERIÇATO


andrejesus_91@hotmail.com

Bacharelado e Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista


em Ensino e Pesquisa na Ciência Geográfica pela Universidade Estadual do Centro Oeste do
Paraná. Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá, pelo Programa de Pós-
Graduação em Geografia (PGE UEM) de 2017 a 2018. Doutorando em Geografia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, UNESP.

MARTA LUZIA DE SOUZA


mlsouza@uem.br

Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de


Maringá (PGE-UEM). Graduação em Engenharia Geológica pela Universidade Federal de
Ouro Preto. Mestre em Geotecnia pela Universidade de São Paulo e Doutora em Geociências e
Meio Ambiente na Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, UNESP.

115
2

ANÁLISE INTEGRADA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS NO ALTO VALE DO RIO


PIRAPÓ-PR: SUBSÍDIO PARA O ZONEAMENTO AMBIENTAL7

Cássia Maria Bonifácio


Maria Teresa de Nóbrega
Hélio Silveira

RESUMO

Esta pesquisa se propôs a realizar um estudo em duas bacias hidrográficas representativas de


tributários do rio Pirapó - PR, no seu alto vale, por meio de análise integrada da paisagem,
visando o levantamento da sua estrutura geoecológica e funcionamento. Foram selecionadas a
bacia do ribeirão do Sória (margem direita), instalada em área dominada pelos arenitos da
Formação Santo Anastácio e rochas vulcânicas da Formação Serra Geral e a bacia do ribeirão
Alegre (margem esquerda), entalhada nas rochas vulcânicas da Formação Serra Geral. Ambas
possuem, à montante, áreas urbanizadas, na primeira, a cidade de Astorga, e na segunda,
Mandaguari e Marialva. As bacias hidrográficas em estudo estão submetidas às mesmas
condições climáticas, mas apresentam diferenças no substrato geológico, no relevo e na
cobertura pedológica, além de tipos de usos também diversificados. A análise integrada,
realizada a partir das cartas temáticas e com o auxílio do levantamento de dados em campo,
possibilitou a compartimentação das bacias hidrográficas, dos ribeirões do Sória e Alegre, em
unidades de paisagem. Cada bacia hidrográfica exibiu um conjunto de unidades de paisagem
particular, o que resultou também em comportamentos (potencialidades e vulnerabilidades)
distintos entre elas. Tais bacias são características da alta bacia do rio Pirapó, e os resultados
aqui obtidos podem ser extrapolados para outras, nesse mesmo setor, morfologicamente
semelhantes.

Palavras-chave: Bacia hidrográfica. Compartimentação. Estrutura geoecológica.

7
Este artigo é resultado da dissertação da primeira autora.
*Os autores agradecem a CAPES e ao CNPq pelo auxílio financeiro.
116
INTRODUÇÃO
A potencialidade e a vulnerabilidade do ambiente estão associadas, de um lado, à
estrutura geoecológica da paisagem e, de outro, a exploração antrópica. Todavia, no momento que
esta exploração ultrapassa os limites do potencial ecológico, o sistema torna-se suscetível a novos
processos, ou a intensificação daqueles já existentes, implicando em transformações na dinâmica
da paisagem, afetando, em particular, a vegetação natural, os solos e os fluxos hídricos. Tais
transformações influenciam no equilíbrio do meio, levando a sua desestabilização e provável
degradação, atingindo a qualidade de vida da população.
Com essa perspectiva, esta pesquisa se propôs a realizar um estudo em duas bacias
hidrográficas representativas de tributários do rio Pirapó no seu alto vale, por meio de análise
integrada da paisagem, visando o levantamento da sua estrutura geoecológica e compartimentação
da paisagem na área das bacias selecionadas.

2. MATERIAIS E MÉTODO
A metodologia adotada para o desenvolvimento deste trabalho foi inspirada nos estudos
de paisagem desenvolvidos por Monteiro (1976), Richard (1989) e Bolós (1992). As metodologias
propostas e adotadas por esses autores se fundamentam na análise sistêmica para o reconhecimento
da estrutura “geoecológica”, ou seja, o levantamento dos elementos bióticos e abióticos e as suas
interações (conteúdo natural do sistema) e funcionamento.
Neste estudo procedeu-se à análise integrada dos elementos significativos que
compõem a paisagem e ao reconhecimento da sua estrutura geoecológica, com o intuito de definir
as diferentes unidades de paisagem existentes no interior das bacias selecionadas. As unidades de
paisagem foram identificadas em função da homogeneidade apresentada, principalmente, pelas
características morfopedológicas (formas de vertentes e sequência de solos) e de uso e ocupação
(BONIFÁCIO, 2013).
A análise integrada foi realizada a partir da elaboração e interpretação de cartas
temáticas (geológica, pedológica, hipsométrica, clinográfica e de uso do solo), conforme descrito
em Bonifácio (2013) e levantamento de dados em campo que incluiu registro fotográfico,
reconhecimento da morfologia do relevo, identificação de perfis de solo.
Os resultados da pesquisa são apresentados em forma de cartas de unidades de
paisagem e perfis geoecológicos segundo a proposta de Monteiro (1976).
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A bacia hidrográfica do rio Pirapó localiza-se entre as latitudes 22°32’30”S e 23°36’18”S
e longitudes 51°22’42”W e 52°12’30”W, com uma área total de 5.098,10 km² (SEMA, 2010).
Para a área de estudo, foram selecionadas as bacias hidrográficas do ribeirão do Sória e do
Alegre, afluentes que pertencem à alta bacia hidrográfica do rio Pirapó, margem direita e margem
esquerda, respectivamente. Além disso, as bacias em questão abrigam setores dos territórios dos
municípios de Astorga, Mandaguari e Marialva, que integram a mesorregião Norte Central do
Estado do Paraná (Figura 1).

Figura 1 - Localização da área de estudo.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

Localizada integralmente no Terceiro Planalto Paranaense (MAACK, 1968), o


substrato geológico da bacia do rio Pirapó é constituído pelo basalto originado pelos derrames de
lava da Formação Serra Geral, parcialmente recobertos pelos arenitos das Formações Caiuá, Santo
Anastácio e Adamantina (MINEROPAR, 2001). Assim, os basaltos ocorrem em toda a extensão
da bacia hidrográfica do ribeirão Alegre, enquanto que, na bacia do ribeirão do Sória, os arenitos
da Formação Santo Anastácio aparecem recobrindo os basaltos em parte do interflúvio, envolvendo
118
as principais cabeceiras desse ribeirão. A variação do substrato geológico nas bacias estudadas,
assim como das formas e declividades das vertentes, se reflete nos tipos e distribuição das classes
de solos (BONIFÁCIO, 2013).
A bacia hidrográfica do Pirapó, nesse setor, apresenta diferenças significativas entre a
margem direita e a esquerda. As bacias dos tributários da margem esquerda, que geralmente são
mais longos e com traçados mais sinuosos, condicionados pelo sistema de fraturamento da rocha e
lineamentos estruturais, se apresentam com formas geralmente ovaladas. Na margem direita, as
formas dominantes das bacias são em leque.
Além disso, na área há diferenças morfológicas, aqui traduzidas pelas variações de
declividade. Destaca-se a ocorrência de áreas de declividades muito fracas (<6%), mais extensas e
contínuas na alta bacia hidrográfica do ribeirão Sória. As declividades moderadas (12 a 20%) e
fortes (20 a 30%) só aparecem a partir do setor médio da bacia, aumentando a sua presença em
direção a jusante, onde o vale se estreita.
A análise integrada realizada a partir das cartas temáticas e com o auxílio do
levantamento de dados em campo possibilitou a compartimentação das bacias hidrográficas, dos
ribeirões do Sória e Alegre, em unidades de paisagem, descritas a seguir.

3.1 Bacia hidrográfica do ribeirão do Sória

Na bacia do ribeirão do Sória foram identificadas três unidades de paisagem, e traçados


perfis transversais (PT) e um perfil longitudinal (PL) (Figura 2). A Unidade I (Figura 3) se
caracteriza por colinas muito amplas, com declividades muito fracas. Predominam solos espessos,
como os Latossolos Vermelhos férricos de textura argilosa e os Latossolos de textura média, já no
terço inferior das vertentes (segmentos convexos) aparece o Nitossolo Vermelho férrico.
Dada à importância dessa variação na estrutura geoecológica, subdividiu-se a Unidade
I em Ia e Ib (Figuras 3 e 4).

119
Figura 2 - Unidades de paisagem da bacia hidrográfica do ribeirão do Sória.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

A subunidade Ia (Figura 3) corresponde à área dominada pelos Latossolos Vermelhos,


originados da alteração dos arenitos da Formação Santo Anastácio, ou com a sua contribuição,
mesmo quando sobre basaltos. Apesar das condições topográficas favoráveis à agricultura
mecanizada (fracas declividades) de grãos, é ainda frequente nesta subunidade a presença de
pastagens.
A subunidade Ib, integralmente sobre o basalto, recoberto por solos de textura argilosa,
Latossolo Vermelho férrico e Nitossolo Vermelho férrico (Figura 4), topograficamente mais baixa
do que a subunidade Ia (Figura 3), apresenta uma fisionomia mais uniforme, marcada pela presença
dominante de culturas mecanizadas de grãos.

120
Figura 3 - Subunidade Ia. Fotos: 1. Pastagem sobre o Latossolo Vermelho de textura média; 2. Transição
entre área urbana/rural, ao fundo a cidade de Astorga – PR; 3. Pasto e soja sobre o Arenito.

Figura 4 - Subunidade Ib. Fotos: 1. Sobre o basalto, ao fundo a cidade na unidade Ia; 2. Vale mais
entalhado; 3. Campo e área de preservação permanente em cabeceiras.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

121
A Unidade de paisagem II corresponde a uma zona intermediária entre o setor superior
e o inferior (Figura 5).
É constituída exclusivamente pelo basalto e apresenta uma dissecação maior do relevo.
Em consequência, as vertentes são mais curtas e com declividades mais acentuadas, recobertas
principalmente pelo Nitossolo Vermelho férrico, textura argilosa (Figura 5 - Fotos 1 a 4).

Figura 5 - Unidade II da bacia do ribeirão do Sória. Fotos: 1. Vista geral da Unidade; 2. Culturas com
curvas de nível sobre o basalto; 3. Afloramento de basalto; 4. Segmento de vertente com maior
declividade e terracetes.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

A Unidade de paisagem III (Figura 6) é mais estreita e dissecada. Há encostas com


declividades fortes, frequentemente superiores a 20%, onde dominam os Neossolos Litólicos e/ou
Regolíticos. Os segmentos de baixa vertente, entretanto, tende a ser suavemente inclinados e os

122
solos se apresentam aí mais espessos (passagem de Neossolos para Cambissolos e/ou Nitossolos,
não mapeável na escala adotada) suportando, desse modo, o uso com culturas sazonais.

Figura 6 - Fotografia representativa da Unidade III. A paisagem apresenta uma fisionomia em mosaico.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

Na unidade de paisagem III, as rupturas de declividade geralmente são marcadas por


afloramentos de rochas, observa-se, ainda, com maior frequência a ocorrência de formas erosivas
nas vertentes e movimentos em massa do solo, estes últimos mais visíveis nas áreas de pastagens
(Figura 7 - Fotos 1, 2, 3, 4, 5, 6).

123
Figura 7 - Fotos: 1. Ruptura marcada por afloramento de blocos de rocha, com sulcos e ravinas; 2.
Terracetes – movimentos em massa; 3. Processos erosivos generalizados; 4. Presença de ravinas por
pisoteio animal; 5. Perfil de solo raso; 6. Detalhe de solos rasos.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

3.2. Bacia hidrográfica do ribeirão Alegre

Na bacia do ribeirão Alegre também foram identificadas três unidades de paisagem,


diferenciadas entre si pela estrutura geoecológica (Figura 8).
A Unidade de paisagem I (Figura 9) possui características semelhantes àquela da bacia
do Sória, com a diferença de que aqui só ocorre o basalto como substrato geológico. Está toda no
setor de alta bacia do ribeirão Alegre, mas é comparativamente menor em extensão com a sua
similar na bacia do Sória, se constituindo também e uma das menores unidades de paisagem em
extensão na sua própria bacia. Dominam as declividades fracas e o Latossolo Vermelho férrico,
textura argilosa, recobre a maior parte dos topos e altas vertentes. O Nitossolo Vermelho férrico,
textura argilosa, aparece em posições mais baixas nas vertentes, chegando até ao fundo do vale.
A Unidade de paisagem II (Figura 10), apresenta na maior parte do seu território
declividades entre 6 e 12%, gerando rupturas relativamente acentuadas. Nos setores de entalhe
médio, ocorrem predominantemente os Neossolos Litólicos e/ou Regolíticos, enquanto que nas
áreas de entalhe mais fraco aparece o Nitossolo Vermelho férrico, textura argilosa,
predominantemente.

124
Figura 8 - Unidades de paisagem da bacia hidrográfica do ribeirão Alegre.

Figura 9 - Unidade I da bacia hidrográfica do ribeirão Alegre.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

125
Figura 10 - Unidade II da bacia hidrográfica do ribeirão Alegre.
Fotos: 1. Aspecto geral do vale visto a partir da margem direita; 2. Vista da subunidade IIb – área de
maior dissecação e solos rasos, vertentes em patamares.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

A Unidade de paisagem III (Figura 11) é a mais extensa e ocupa parte do setor médio
e todo o trecho inferior da bacia do ribeirão Alegre. Apesar de ser uma unidade topograficamente
mais baixa, é a mais dissecada, apresentando entalhes de até 80m de desnível entre o topo e o fundo
do vale. Aqui os segmentos de vertentes com declividades moderadas (12 a 20%) e fortes (20 a
30%) ocupam maior extensão nas vertentes, com a ocorrência também de setores com declividades
superiores a 30%. Assim, são frequentes as rupturas de declividades acentuadas em posições de
alta até média vertente da margem esquerda, formando com maior frequência patamares estruturais,
enquanto que na margem direita, os níveis topográficos embutidos, aqui mais baixos (550m), se
ampliam. A cobertura pedológica é constituída dominantemente por Neossolos Litólicos e/ou
Regolíticos.

126
Figura 11 - Unidade III da bacia hidrográfica do ribeirão Alegre.
Fotos: 1. Plantação de cana de açúcar sobre Neossolo Regolítico; 2. Nível topográfico embutido da
margem direita; 3. Nível topográfico embutido mais desenvolvido e ampliado; 4. Ribeirão Alegre – leito
sobre basalto, com corredeiras e ressaltos; 5. Aspecto do topo em direção à ruptura de declividade; 6.
Próximo à confluência com o rio Pirapó; 7. A ruptura de declividade e aspecto geral do fundo do vale.

Fonte: Elaborado pela autora (2013).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como resultado da análise integrada constatou-se, em cada bacia, uma
compartimentação que permitiu a identificação de diferentes unidades de paisagem. Verifica-se,
desse modo que, mesmo para bacias de pequena a média dimensão, a variação interna da estrutura
geoecológica dá origem a diversas unidades de paisagem, cujo comportamento se traduz em
127
diferentes condições (potencialidades) de uso e ocupação. Cada bacia hidrográfica exibiu um
conjunto de unidades de paisagem particular, o que resulta também em comportamento
(potencialidades e vulnerabilidades) distinto entre elas.
A área estudada está inserida em uma região onde predomina a agricultura mecanizada
de soja/milho/trigo. Entretanto, uma dissecação maior do relevo que gera vertentes com
declividades superiores àquelas toleradas pela mecanização agrícola, associadas à ocorrência de
solos rasos com blocos rochosos em superfície, induz a outras formas de uso da terra. Assim,
trechos consideráveis das bacias hidrográficas dos tributários da margem esquerda do Pirapó no
seu alto curso, se apresentam recobertos por pastagens, entremeadas por culturas mecanizadas
quando as condições locais de declividade e solos permitem.
Por outro lado, as bacias hidrográficas dos tributários da margem direita, exibem
setores mais extensos de vertentes de fracas declividades, aptas à mecanização. Esses setores se
estendem, muitas vezes, para além do médio curso. Os setores de maior dissecação são menores,
confinados aos baixos cursos dos tributários, comprometendo em menor escala o uso agrícola
nessas bacias. Entretanto, a presença dos arenitos nos setores mais altos, de cabeceiras, gera solos
de textura média, portanto, naturalmente menos férteis e mais suscetíveis à erosão. As pastagens
aparecem também concentradas nessas áreas, sendo, contudo, substituídas gradualmente pelos
cultivos de cana de açúcar.
Essa variação de estrutura geoecológica se traduz em recursos e condições naturais que,
por sua vez, facilitam ou criam obstáculos para determinadas formas de uso e exploração
econômica. São aspectos importantes que definem as potencialidades e vulnerabilidades que devem
ser retratadas no zoneamento ambiental.

REFERÊNCIAS

BOLÓS, M. Manual de Ciência del Paisaje. Ed. Masson, Barcelona, 1992. 273p.

BONIFÁCIO, C. M. Avaliação da fragilidade ambiental em bacias hidrográficas do alto vale


do rio Pirapó, norte do Paraná: proposta metodológica. Dissertação. Departamento de
Geografia – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2013. 109p.

MINEROPAR. Atlas geológico do Estado do Paraná. 2001. Minerais do Paraná, Curitiba.


2001, CD ROM. 125 p.

128
MONTEIRO, C. A. F. Teoria e clima urbano. São Paulo: Universidade de São Paulo/ Instituto
de Geografia, 1976. 181p.

SEMA (SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS).


Bacias Hidrográficas do Paraná. Curitiba. SEMA. 2010, 138p. (Série Histórica)

RICHARD, J. F. Le paysage un nouveau langage pour l'étude des milieux tropicaux. Paris,
ORSTOM, 1989, 210p.

SOBRE OS AUTORES

CÁSSIA MARIA BONIFÁCIO


cassiabonifacio@hotmail.com

Graduação em Geografia, pela Universidade Estadual de Maringá (2007-2010). Mestrado em


Geografia, pelo programa de Pós-Graduação em Geografia – PGE UEM (2011-2013). Doutorado
em Geografia, pelo programa de Pós-Graduação em Geografia – PGE UEM (2015-2019). Discente
do Programa de Pós-Graduação em Geografia PGE/UEM dos anos de 2011 a 2019.

MARIA TERESA DE NÓBREGA


mtnobrega@uem.br

Bacharel em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Geociências


(Geologia Geral e de Aplicação) e Doutorado em Geociências, na área de concentração
Geoquímica e Geotectônica, pelo Instituto de Geociências da USP. Professora do Curso de
Geografia – UEM (1989 – 2012) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia –
UEM, desde 1998.

HÉLIO SILVEIRA
hesilveira70@hotmail.com

Graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá – Licenciatura em 1993 e


bacharelado em 1994. Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho UNESP – Presidente Prudente (1998). Doutorado em Geografia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP – Rio Claro (2001). Professor do Curso de
Geografia – UEM (2003) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia – UEM, desde
2011.

129
3

PROPOSTA DE ROTEIRO CICLOGEOTURÍSTICO EM MARINGÁ-PR

Dalton Nasser Muhammad Zeidan


Juliana De Paula Silva

RESUMO

O interesse pela geodiversidade é crescente, sendo o geoturismo uma modalidade de turismo com
cada vez mais adeptos, pautada em oferecer condições de uso e conservação de recursos. O
município de Maringá acomoda diferenciados sítios de interesse geológico e geomorfológico que,
somado ao seu processo de urbanização, lhe concedeu uma distinta paisagem de interesse turístico.
Esses sítios são visitados, porém ainda não contemplados pela ótica dos seus fatores abióticos. O
presente trabalho objetivou a identificação de um itinerário a ser percorrido de bicicleta, devido ao
seu caráter de meio de transporte sustentável, atrelado a sua velocidade a qual permite a observação
em uma escala temporal e espacial diferente de outros modais, como os motorizados, e, também
por ser considerada uma prática de cicloturismo. São propostos dois roteiros, um urbano, com 17,3
km, e outro urbano/rural com 44,3 km, com paradas em sítios como o Museu de Geologia da UEM,
a gruta Nossa Senhora de Lourdes, o Parque do Ingá, o Parque Alfredo Werner Nyffeler e a Pedreira
Municipal, com foco na abordagem de aspectos da geodiversidade. O percurso deverá por
profissional treinado e capacitado com o intuito de contribuir com o reconhecimento, a valorização,
interpretação e transmissão do conhecimento científico à comunidade.

Palavras-chave: Rota Geoturística. Geoconservação. Educação Científica.

130
INTRODUÇÃO
Geodiversidade é um termo recente, datado da década de 1990, o qual descreve a
diversidade dos aspectos abióticos que ocorrem em determinado local assim como em todo o
Planeta Terra (GRAY, 2013).
O conceito de geodiversidade, de forma mais ampla, está relacionado aos minerais,
rochas e fósseis, integrando também os processos que atuaram na sua gênese e que no momento
podem ainda estar atuando.
Os locais, de elevado interesse geológico e de limites geográficos estabelecidos, nos
quais ocorre determinada gama de fatores abióticos, são denominados geossítios. O conjunto de
geossítios em dada região, ao ser inventariado e caracterizado, compõe o patrimônio geológico
daquela região (NASCIMENTO et al., 2008).
Apesar de sua aparente resistência, a geodiversidade, assim como a biodiversidade, é
frágil perante a exploração do homem e sofre ação antrópica tanto pelo interesse do seu espaço de
ocorrência quanto por seus recursos. Isso se dá em escalas e graus distintos, que vão desde a
degradação da paisagem natural à destruição pontual de um pequeno afloramento. Brilha (2005)
ressalta que a geodiversidade é quem condiciona a biodiversidade, no entanto atrelado à falta de
conhecimento do conceito, popularidade e divulgação pela sociedade, as políticas públicas de
conservação, divulgação e utilização do patrimônio natural tendem a priorizar a última em vez da
primeira.
Assim, muitas vezes a conservação de determinada área está atrelada ao seu valor
cênico ou biótico e não é considerado o valor ou transmitido o conhecimento sobre sua
geodiversidade. Consequentemente, são poucas as áreas protegidas de interesse
predominantemente geológico/geomorfológico (ANTUNES, 1987; HENRIQUES, 1998 e
OLIVEIRA, 2000).
A geodiversidade tem diversas aplicações e formas de uso na sociedade atual, que
podem ser classificadas como intrínsecas, cultural, estética, econômica, funcional, científica e
educativa, oferecendo também inúmeros serviços ambientais (GRAY, 2013). Contudo a maneira
como o homem procede seu uso, muitas vezes sem planejamento e/ou a partir de práticas ilegais
ocasionadas pela falta de conhecimento, gera diversos conflitos e degradação da geodiversidade
(BRILHA, 2005).

131
Diante deste cenário o conceito de geoconservação vem com a proposta de conservar
e gerir o patrimônio geológico e os processos naturais a ele associados. Isso é importante para
propiciar o usufruto da geodiversidade pelas futuras gerações, destacando-se os pesquisadores que
precisam ter acesso aos locais com evidências de especial interesse e valor científico e possam
continuar a investigar, usando técnicas e metodologias cada vez mais sofisticadas (NASCIMENTO
et al., 2008).
Considerando a distinta definição entre preservação e conservação, para Ruchkys
(2007), no âmbito do patrimônio geológico, preservação não é cabível, por estar sujeito à dinâmica
natural que leva à sua constante modificação da geodiversidade. Portanto, é preciso atribuir uma
função conveniente com o uso adequado de forma a minimizar o prejuízo ou sua perda, de modo a
conservar a geodiversidade (PELLEGRINI, 2000). Corroborando a ideia, Brilha (2005) contribui
com a seguinte fórmula: Conservação = proteção + uso.
Neste contexto, uma importante vertente do turismo, o geoturismo, visa dar condições
para uma exploração econômica sustentável, com o intuito de difundir o conceito de
geodiversidade, valorizar o patrimônio geológico de determinada área e permitir a compreensão e
contemplação da Geologia para além da mera avaliação estética (RUCHKYS, 2007).
O ciclismo, por sua vez, é uma modalidade apreciada por diversos viajantes tendo a
bicicleta como principal meio de transporte para realizar os percursos de forma sustentável,
econômica e saudável (RUSCHEL, 2008). Além disso, a velocidade da atividade realizada permite
a observação em uma escala temporal e espacial diferente de outros modais, como os motorizados,
ou caso fosse realizado a pé seria inviável por causa do tempo necessário para o deslocamento.
Esta prática permite uma interação direta do ciclista com os elementos paisagísticos, culturais e da
geodiversidade (natureza) da sua rota. Pautado nestes aspectos, o cicloturismo é uma vertente do
turismo que se utiliza da bicicleta como meio de transporte por trajetos que variam de poucos a
milhares de quilômetros, com um ou mais dias de duração, valorizando a exploração dos lugares e
percurso e sem cunho competitivo com o turismo em primeiro plano (CARVALHO et al., 2013;
ASSOSSIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2007).
Desta forma o artigo justifica-se na aplicação de roteiros pautados no geoturismo tendo
a bicicleta como meio de transporte. É uma forma de difundir o conceito de geodiversidade e
valorizar o patrimônio geológico urbano/rural de Maringá, muitas vezes contemplado, mas não
distinguido ou interpretado quanto ao valor de seus aspectos abióticos. Esta prática concede a
132
oportunidade de lazer, interação com o conhecimento científico produzido e incentivo a atividade
física.
Desse modo, a problemática enfatiza que a geodiversidade é um termo recente e com
um conceito que deve ser difundido cada vez mais na sociedade por apresentar inúmeras formas
de uso e aplicação ao homem, o qual degrada os elementos abióticos pela falta de conhecimento.
Diante desse cenário ocorre a necessidade de que o conhecimento científico e técnico produzido
nas instituições, a respeito do patrimônio geológico de determinada área, possa ser transmitido à
sociedade e seja utilizado visando a conservação do mesmo.
A fim de responder o problema e obter resultados esta ação tem como objetivo geral
difundir o conceito de geodiversidade e apresentar o patrimônio geológico de Maringá pautado no
geoturismo através da prática do ciclismo. Para realizar o objetivo geral são necessários os
objetivos específicos: propiciar um ambiente favorável para a construção do conceito de
geodiversidade; realizar roteiros que abordem o patrimônio geológico de Maringá; apresentar a
geologia/geomorfologia que compõem a paisagem percorrida, para o conhecimento do grupo de
ciclistas.
Com o intuito de propor roteiros para prática do geoturismo elencou-se cinco áreas com
valor geológico/geomorfológico na área urbana e rural do município de Maringá como pontos de
paradas para que os aspectos da geodiversidade sejam abordados. São elas: o Museu de Geologia
da UEM, a gruta Nossa Senhora de Lourdes, o Parque do Ingá, o Parque Alfredo Werner Nyffeler,
e a Pedreira Municipal.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O termo geodiversidade, da maneira como vem sendo utilizado recentemente, surgiu
em 1993 no Reino Unido, na conferência de Malvern sobre Conservação Geológica e Paisagística,
proposto por Sharples (GRAY, 2013). Desde então, embora tenha aumentado o número de
trabalhos científicos, o conceito não se encontra devidamente difundido entre a comunidade,
inclusive aquela ligada às geociências (BRILHA, 2005).
São diversas as tentativas de definição da geodiversidade, algumas mais restritas,
voltadas apenas aos componentes geológicos (minerais, rochas e fósseis), outras mais abrangentes,
como a de Gray (2013) na qual o termo é definido como “the natural range (diversity) of geological
(rocks, minerals, fossils), geomorphological (landforms, topography, physical processes), soil and
133
hydrological features. It includes their assemblages, structures, systems and contributions to
landscapes” (GRAY, 2013, p. 12). Considerando as comunidades de seres vivos, define-se, de
acordo com a Royal Society for Nature Conservation do Reino Unido: “A geodiversidade consiste
na variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos ativos que dão origem a paisagens,
rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na
Terra” (BRILHA, 2005, p. 17).
Assim, dentre os componentes abióticos que compõem a geodiversidade estão os
registros geológicos e processos naturais atuantes que originam novos testemunhos e fornecem
subsídios suficientes para o desenvolvimento dos componentes abióticos (GONÇALVES et al.,
2001).
Os seres humanos são dependentes da geodiversidade, tendo esta um alto valor
intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional, científico e educativo. Para explorar um pouco
mais essa dependência pode-se citar, no quesito econômico, o uso de joias e artesanato no
comércio, campo energético com a exploração do petróleo, carvão e gás natural, minerais
radioativos, produção de energia geotérmica, construção de hidroelétricas e a água como bem mais
precioso em suas diversas aplicações (BRILHA, 2005).
O local em que os aspectos da geodiversidade ocorrem é denominado geossítios, tendo
seus limites geográficos bem conhecidos. Dessa forma, quando se tem o conjunto de Geossítios
inventariados e caracterizados numa dada área ou região este passa a ser identificado como o
patrimônio geológico daquela região. Sendo este uma parcela da geodiversidade daquela região,
que apresenta características distintas que, por sua vez, devem ser conservadas (BRILHA, 2005).
O patrimônio geológico é um conjunto de recursos naturais não renováveis,
caracterizados de acordo com seu valor, sua utilidade e relevância. São considerados
representativos e importantes para o reconhecimento e interpretação dos processos geológicos que
modelaram e modelam o Planeta Terra em determinado local. Valcarce e Cortés (1996) definem
como sendo: “um conjunto de recursos naturais não-renováveis, de valor científico, cultural ou
educativo, que permitem conhecer, estudar e interpretar a evolução da história geológica da Terra
e os processos que a modelaram” (VALCARCE; CORTÉS, 1996, p.11).
A geodiversidade e a biodiversidade estão intrinsicamente relacionadas, a começar pelo
fato da biota de determinada localidade ser condicionada pelos aspectos abióticos daquele local,
dando suporte para que a primeira se desenvolva. Reflexo da vasta geodiversidade do Brasil é a
134
ampla biodiversidade que também ocorre no território. Outra relação é que como a biodiversidade
é representada pela variedade de espécies que ocorrem em determinada área, a geodiversidade é
representada pela variedade de ambientes geológicos que constituem uma região (NASCIMENTO
et al., 2008). Mantendo este paralelo, ambas são frágeis perante a ação antrópica e sofrem
exploração do homem em diversos níveis, da degradação da paisagem natural à destruição pontual
de um pequeno afloramento, tanto pelo interesse do seu espaço de ocorrência quanto por seus
recursos.
Brilha (2005) cita como principal ameaça à geodiversidade a falta de conhecimento
científico básico, da mesma forma, Salvam (1994) já havia destacado que a falta de conhecimento
sobre a existência do patrimônio geológico seria sua principal ameaça, inclusive pela carência de
especialistas e falta de divulgação social do termo.
No que tange a geodiversidade a preservação não é a estratégia mais adequada, devido
às dinâmicas naturais, que causam modificações constantes. Dessa maneira, devido a magnitude e
aspectos dos patrimônios geológicos, ocorrem diversos problemas com relação à manutenção e/ou
restauração dos elementos abióticos, tornando-se, portanto inviáveis, inclusive financeiramente,
com métodos muito custosos e dependente de mão de obra qualificada quando se pretende
preservar (BARRETO, 1999; RUCHKYS, 2007).
Desta forma, a Geoconservação tem em seu propósito a conservação da
geodiversidade, aplicando aos bens naturais uma função conveniente a partir do uso adequado e
que minimize o prejuízo ou sua perda (PELLEGRINI, 2000). De acordo com Sharples (2002) “a
geoconservação visa a conservação da diversidade natural (ou geodiversidade) de significativos
aspectos e processos geológicos (substrato), geomorfológicos (formas de paisagem) e de solo, pela
manutenção da evolução natural desses aspectos e processos” (SHARPLES, 2002 p.02).
A geoconservação tem por estratégia monitorar e avaliar, de forma particular, a
vulnerabilidade relativa às modificações naturais e/ou antrópicas em cada geossítios e desta forma
poder planejar ações futuras, dando prioridade aos elementos mais relevantes com o objetivo de
manter a integridade física dos geossítios.
Atualmente, existem poucos instrumentos legais de proteção direcionados ao
patrimônio geológico ficando este à mercê da mera coincidência pela importância dada a outros
valores do sítio, como estético ou biótico principalmente. No entanto, pode-se citar, por exemplo,
no Brasil a Lei do SNUC de nº 9.985 de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de
135
Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, a qual apresenta, entre os principais objetivos, o
Art. 4º, inciso VII que está diretamente relacionado ao patrimônio geológico, com a finalidade de:
“proteger as características relevantes de naturezas geológica, geomorfológica, espeleológica,
arqueológica, paleontológica e cultural” (BRASIL. Lei 9.985, 2011, art. 4).
Outros exemplos de iniciativas, em âmbito mundial e nacional, que buscam o
reconhecimento e a geoconservação do patrimônio geológico, são, respectivamente, o projeto
Geosites, o programa Geoparks da UNESCO e o projeto Geoparques no Brasil (NASCIMENTO
et al., 2009).
O geoturismo é um ramo do turismo que visa contemplar o valor e o conhecimento em
prol dos elementos da geodiversidade, além dos outros valores agregados como estético, biológico,
econômico, entre outros. Dessa forma, o geoturismo se constitui em uma ferramenta importante
para conciliar a exploração econômica e a geoconservação da geodiversidade. Para Ruchkys (2007)
o geoturismo pode ser definido como:

Um segmento da atividade turística que tem o patrimônio geológico como seu principal
atrativo e busca sua proteção por meio da conservação de seus recursos e da
sensibilização do turista, utilizando, para isto, a interpretação deste patrimônio
tornando-o acessível ao público leigo, além de promover a sua divulgação e o
desenvolvimento das ciências da Terra (RUCHKYS, 2007, p. 23).

O ciclismo tem a bicicleta como instrumento de mobilidade, ou seja, uma forma de


transporte sustentável tanto nas atividades do cotidiano quanto no turismo (cicloturismo) o que
vem contribuir com a prática do geoturismo. Esta prática como ferramenta do turismo é
caracterizada por oportunizar o contato direto entre os viajantes, as localidades e o meio ambiente,
independente da distância de seu trajeto e dependente do seu objetivo (RUSCHEL, 2008).
Destarte o cicloturismo é definido pela ASSOSSIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
TÉCNICAS (2007) como “uma atividade de turismo que tem como elemento principal a realização
de percursos de bicicleta”. Em concordância, Roldan (2000) entende o cicloturismo como uma
viagem dotada de planejamento prévio, ampla variação de duração, com o intento de conhecer
lugares e praticar turismo, que utiliza a bicicleta para o deslocamento.
Atualmente, cada vez mais se tem consciência do quanto se faz necessária a
alfabetização científica, pois as pessoas recebem frequentemente informações científicas ou
pseudocientíficas, e produtos da ciência e da tecnologia, ou mesmo sobre fenômenos naturais que,
136
eventualmente, presenciam (WEISSMANN, 1994; KRASILCHIK, 2004). Essa alfabetização
permite o discernimento entre fatos científicos e informações distorcidas e imprecisas difundidas
pelas pseudociências.
Práticas que envolvam diferentes vias dos sentidos satisfazem as necessidades e
diferenças de como aprender conforme a particularidade de cada aprendiz (VIEIRA; BRASIL,
2000), pois atrai e interessa um maior número de pessoas e atende às diferenças individuais.
Uma forma de internalizar informações para formar conceitos é atribuir significado por
meio da observação direta, do contato com o objeto de estudo, permitindo, dessa maneira, a
interação entre os participantes e o meio (CAVALCANTI, 2005).
As excursões são consideradas boas estratégias didáticas para trabalhar fenômenos e
processos ligados à natureza. Neste ambiente diferenciado, os visitantes têm a oportunidade de
identificar problemas ainda não conscientes, reconhecer novos elementos e ter contato com o objeto
de estudo.
A motivação tem um importante papel na educação em geral. O ensino pautado
somente no ensino tradicional, não tem contribuído com a motivação, ânimo e apreciação em
relação ao conhecimento produzido (SENICIATO; CAVASSAN, 2004).

3. MATERIAIS E MÉTODO
A área considerada para elaboração dos roteiros de geoturismo é o município de
Maringá em sua porção urbana e rural, por abrigar sítios naturais e históricos de possível interesse
turístico.
Os pontos de paradas assim como os trajetos foram georreferenciados por aparelho
GPS. Os dados coletados foram processados no Google Earth, permitindo a elaboração dos
produtos cartográficos definidos neste trabalho como Roteiro ciclogeoturístico urbano de Maringá
e Roteiro ciclogeoturístico urbano/rural de Maringá.
Os sítios a serem visitados, de acordo com Ignarra (2001) tratam-se de escolhas
complexas e subjetivas sendo considerado o provável interesse turístico, peculiaridade individual
natural e histórica.
Os pontos pré-selecionados foram avaliados como sendo realmente representativos do
patrimônio geológico do município de Maringá, assim como os itinerários preestabelecidos são
viáveis para o ciclismo. Os geossítios escolhidos costumam ser visitados por moradores ou turistas,
137
são acessíveis, ou como no caso da pedreira despertam interesse e, ainda que não seja aberto à
visitação, também possuem distribuição regular na malha urbana, além de aspectos
geomorfológicos diferenciados e de interesse para divulgação e valorização da geodiversidade de
Maringá. Os roteiros foram percorridos de bicicleta e os sítios visitados, registrados e avaliados
quanto aos possíveis temas abordados. Foram levantados então os aspectos da geodiversidade,
tanto elementos quanto processos, cabíveis de serem abordados durante a atividade.
O ciclismo nesse contexto vem como uma prática que tem a bicicleta como meio de
transporte sustentável, para realização do percurso, sem caráter de competição.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os roteiros realizados são viáveis e os sítios elencados como pontos de parada para
abordagem da geodiversidade são acessíveis e representativos quanto aos aspectos abióticos, além
de atrativos para o público em geral.
O Roteiro ciclogeoturístico urbano de Maringá (Figura 1) conta com um trajeto total
de 17,3km e conta com quatro pontos de parada, todos estritamente na área urbana. Este percurso
tem como ponto de encontro e primeira parada explicativa o Museu de Geologia da UEM, na
sequência são 4,9 km até a gruta Nossa Senhora de Lourdes, depois 4,9 km até o Parque do Ingá,
em seguida 3,7 km até o Parque Alfredo Werner Nyffeler e por fim 3,8 km para retornar ao porto
de partida que coincide com o final do roteiro.

138
Figura 1 - Roteiro Ciclogeoturístico Urbano em Maringá-PR

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

O Roteiro ciclogeoturístico urbano/rural de Maringá (Figura 2) conta com um trajeto


total de 44,3 km e cinco pontos de paradas, distribuídos na área urbana e rural. Este percurso tem
como ponto de encontro e primeira parada explicativa o Museu de Geologia da UEM, na sequência
são 4,9 km até a gruta Nossa Senhora de Lourdes, depois 4,9 km até o Parque do Ingá, em seguida
3,7 km até o Parque Alfredo Werner Nyffeler, posteriormente são 15,1 km até a Pedreira Municipal
e por fim 15,7 km para retornar ao ponto de partida que coincide com o final do roteiro.

139
Figura 2 - Roteiro Ciclogeoturístico Urbano/Rural em Maringá-PR

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

4.1 Museu de Geologia da UEM


O Museu de Geologia da UEM, com espaço próprio no Bloco J-01 do campus, é o
ponto de encontro, primeiro ponto de abordagem, ponto de partida e ainda o ponto de chegada.
O museu conta, em seu acervo, com coleções expressivas de minerais, rochas e
amostras paleontológicas. Nesse espaço, são introduzidos conceitos de geodiversidade e uma breve
explicação sobre os minerais e o ciclo das rochas, com foco na explanação sobre rocha magmática,
extrusiva, do tipo basalto, a qual irá encontrar no percurso elaborado.
O trecho realizado a partir desse ponto ao próximo tem 4,9 km de distância e duração
média de 23 minutos, com aclive de 111 m e declive de 26 m.

4.2 Gruta Nossa Senhora de Lourdes


Trata-se de uma gruta construída com rocha do tipo basalto, um interessante local que
exemplifica a relação, o valor e forma de uso religioso da geodiversidade. As grutas neste âmbito
geralmente estão associadas a locais de retiro e acolhimento espirituais. Neste momento é elencado

140
o valor intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional, científico e educativo dado à
geodiversidade pelo homem.
O trecho realizado a partir deste ao próximo ponto tem 4,9 km de distância e duração
média de 17 minutos, com aclive de 29 m e declive de 91 m.

4.3 Parque do Ingá


O Parque do Ingá é uma reserva florestal urbana de 47,3 hectares, representante do
Bioma Mata Atlântica. Além da conservação do fragmento florestal, o parque exerce também
funções ligadas aos aspectos abióticos, como a conservação do solo, contribuição como área
permeável das águas pluviais e contenção de erosões. Tais aspectos são discutidos para realçar o
valor funcional desta área.
O trecho realizado a partir deste ao próximo ponto tem 3,7 km de distância e duração
média de 15 minutos, com aclive de 39 m e declive de 37 m.

4.4 Parque Alfredo Werner Nyffeler


O Parque Alfredo Werner Nyffeler foi revitalizado com intuito de conservar a nascente
do Ribeirão Morangueiro. O projeto realizado propicia o contato e o lazer entre o homem e a
geodiversidade promovendo a geoconservação do recurso abiótico, a nascente, como recurso
prioritário e fundamental para vida. Aqui os aspectos da geoconservação são frisados com foco
para a conservação das águas e nascentes.
Essa parada representa o último sítio a ser visitado no roteiro ciclogeoturístico urbano.
Desse ponto dá-se o retorno para o Museu de Geologia da UEM. No trajeto até o próximo ponto
tem 3,8 km de distância e duração média de 15 minutos, com aclive de 31 m e declive de 52 m.
Para o itinerário urbano/rural, entretanto, esse é o penúltimo ponto. Nesse trajeto até o
próximo ponto tem 15,1 km de distância e duração média de 52 minutos, com aclive de 137 m e
declive de 203 m. Este percurso é recomendado para ciclistas com boa condição física, uma vez
que o trecho é mais longo e declivoso, além de ser composto em grande parte por estradas rurais,
o que pode gerar uma dificuldade adicional pela irregularidade da pista.

141
4.5 Pedreira Municipal
Este local proporciona o contato direto com o afloramento de basalto, onde será
explicado o evento geológico que gerou a principal litologia que aflora nesta região (vulcanismo
fissural do Mesozoico). Além disso, outras questões serão abordadas na Pedreira Municipal, como
as diaclases observadas nos afloramentos de basalto, a diferenciação entre os tipos de basalto
gerados na base e no topo dos derrames, observação de possíveis minerais de preenchimento
posterior como o quartzo, bem como a identificação de amígdalas e vesículas nestas rochas
afaníticas. Cabe aqui também destacar aos visitantes o uso do basalto na construção civil,
pavimentação de calçadas, ruas e rodovias, arte e artesanato.
Essa parada representa o último sítio a ser visitado no roteiro ciclogeoturístico
urbano/rural. A partir desse ponto inicia-se o retorno para o Museu de Geologia da UEM. Desse
trajeto até o próximo ponto deverá ser percorrido 15,7 km de distância com duração média de 59
minutos, com aclive de 199 m e declive de 154 m.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os roteiros ciclísticos apresentados, pautados no geoturismo, de acordo com os
princípios da geoconservação, são ferramentas de divulgação em prol da geodiversidade e do
patrimônio geológico do município de Maringá, além do patrimônio biológico, histórico e cultural
envolvido.
A prática apresentada, além de ser um convite para realização de atividade física,
propicia momentos favoráveis para sensibilização diante da grandiosidade, importância, valores da
geodiversidade e noção da sua amplitude. Ela permite disseminar o conhecimento científico e
contribuir com a educação científica, para a formação de cidadãos mais participativos e engajados
ambientalmente.
Por fim, orienta-se que a atividade apresentada seja realizada em um domingo, com
início às 07h:30min e tempo de permanência sugerido em cada sítio de 30 minutos. Dessa forma,
a previsão de término do roteiro ciclogeoturístico urbano é meio-dia, com duração média de quatro
horas e meia. Enquanto para o roteiro ciclogeoturístico urbano/rural a previsão de chegada é
15h:00min, com duração média de sete horas e meia. Paradas para lanche e hidratação são previstas
em ambos os roteiros. O grupo de ciclistas geoturistas deverá ser guiado por profissional treinado

142
e capacitado, de forma que possa contribuir com a interpretação dos aspectos elencados neste
trabalho a respeito da geodiversidade.

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WEISSMANN, H. Didática das Ciências Naturais: contribuições e reflexões, Porto Alegre:


ArtMed, 1998.

144
SOBRE OS AUTORES

DALTON NASSER MUHAMMAD ZEIDAN


daltonzeidan@gmail.com

Graduado do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Maringá. Mestrando em


Geografia (PGE-UEM) Área Análise Ambiental dês de 2018. Tem experiência na área de Botânica
(com ênfase em Taxonomia de Fanerógamas), Análise Ambiental e Educação Ambiental. -
Especialista em Ensino e Aprendizagem em Ciências e Biologia (UEM); - Especialista em Análise
Ambiental (Unicesumar); - Especialista em Biologia Comparada (UEM). Profissionalmente, ampla
experiência em Consultoria Ambiental, Estudos Ambientais, Inventário Florestal, Levantamento
Florístico, PMAU, PCA e outros, todos registrados e acervados no conselho da classe de
profissionais, CRBIO 66971/07-D.

JULIANA DE PAULA SILVA


jpsilva@uem.br

Doutora em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (2012). É também bacharel (2001) e
licenciada (2003) em Geografia, e mestre em Geografia Física (2006) pela Universidade de São
Paulo. Atualmente é Professora Adjunta no Departamento de Geografia da Universidade Estadual
de Maringá/PR. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geomorfologia, atuando
principalmente nos seguintes temas: geomorfologia fluvial, geodiversidade, cartografia
geomorfológica, planejamento e biogeografia. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Geografia desde 2018.

145
4

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NO PARQUE


NACIONAL DE ILHA GRANDE (PR-MS)

Everton Hafemann Fragal


Nelson Vicente Lovatto Gasparetto

RESUMO

Os incêndios florestais em Unidades de Conservação possuem diferentes padrões espaciais para os


meses do ano. O objetivo desse estudo foi analisar a distribuição espacial mensal dos incêndios
florestais no Parque Nacional de Ilha Grande (PNIG) entre 1998 e 2016, e associações com a
precipitação local. Para tal, os dados de focos de calor foram organizados mensalmente e
espacializados por meio da densidade de Kernel. Análise de regressão e comparações visuais de
gráficos foram utilizadas para verificar a relação entre o acúmulo de focos de calor e a precipitação
média mensal. Foram identificados padrões espaciais dos incêndios florestais, sendo nos meses de
dezembro a março no setor central do parque ocorreram as maiores densidades de focos de calor,
enquanto para os meses de abril a julho, outubro e novembro no setor sul. Nos meses de agosto e
setembro extensas áreas apresentaram elevadas densidade de focos de calor, principalmente no
setor norte. Também, para esses meses as classes de densidades de focos de calor média e alta
situaram-se nos setores sul e central do parque. A relação entre o acúmulo de focos de calor e a
precipitação média mensal foi pontual, assim, para alguns meses as menores médias de
precipitação, corresponderam com os maiores acúmulos de focos de calor. A distribuição dos
incêndios mostrou maior ocorrência no setor norte do parque para os meses de agosto e setembro,
e portanto, carece melhorar o manejo de fogo nessa área e período.

Palavras-chave: Fogo. Unidade de Conservação. Sensoriamento Remoto.

146
INTRODUÇÃO
Os incêndios florestais geram efeitos negativos ao ecossistema, como redução da
reciclagem de nutrientes do solo e redução da biodiversidade de fauna e flora (PIOVESAN, et
al., 2013). Na flora, os incêndios provocam a combustão do material vegetal ou estresse pelas
altas temperaturas na vegetação vizinha. Na combustão da vegetação, há eliminação de
predadores naturais de algumas espécies e redução do banco de sementes existente no solo, o
que favorece o estabelecimento de espécies exóticas (KOZLOWSKI, 1974). Na fauna, os
incêndios causam a morte de animais, principalmente daqueles de pequeno porte, além de
médio e grande portes. Assim, reduzem a quantidade e variedade da população de animais.
Além desses impactos ao ecossistema, na atmosfera, os incêndios florestais geram
perda da qualidade do ar, devido à liberação de gases tóxicos (p.e. monóxido e dióxido de
carbono), a partir da combustão do material vegetal. Esses gases tóxicos geram problemas à
saúde da população local, como doenças respiratórias, alergias de pele e outros. Além disso, os
gases liberados pela combustão vegetal provocam o aumento do efeito estufa, a partir do maior
aquecimento da atmosfera, que por sua vez, contribui em mudanças climáticas em escala global
(BOWMAN et al., 2009).
Anualmente, os incêndios florestais descaracterizam diversas áreas naturais no
mundo. No Brasil, os incêndios florestais têm ocorrido predominantemente no bioma
amazônico por meio do avanço da fronteira agrícola. Visando à proteção ambiental de
remanescentes dos biomas brasileiros frente atividades perturbadoras (p.e. incêndios florestais),
Unidades de Conservação (UCs) foram criadas em todo território nacional. No entanto, nessas
áreas ainda ocorrem incêndios florestais, principalmente pela pressão antrópica, além de causas
naturais (p.e. raios).
Nesse contexto, insere-se a UC de Proteção Integral, Parque Nacional de Ilha
Grande (PNIG), criada em 1997, que consiste em um trecho da planície de inundação do alto
curso do rio Paraná. O PNIG possui ocorrências de incêndios florestais, porém ainda tem
capacidade de sustentar elevada diversidade ecológica (KOPROSKI et al., 2005). Os incêndios
florestais do parque ocorreram principalmente por causas antrópicas para renovação de
pequenas pastagens ou cultivos, no período mais seco do ano. Também, incêndios ocorridos
por causas naturais por meio de descargas elétricas. A partir do relatório do Registro de
Ocorrências de Incêndios Florestais (ROI) do parque entre 2000 e 2015, 53% foram por causas
antrópicas, 15% por causas naturais e 32% por causas não conhecidas (ICMBIO, 2015).

147
A distribuição espacial das ocorrências de incêndios florestais é um importante fator
a ser conhecido, pois auxilia a identificação dos agentes antrópicos ou naturais causadores, uma
vez que, 32% das causas do fogo registradas não foram conhecidas. Além disso, verificar a
relação da precipitação com as ocorrências de incêndios florestais favorece no entendimento do
local e período crítico da ignição do fogo. Dessa forma, o conhecimento espacial das
ocorrências dos incêndios florestais no decorrer do tempo contribui para o planejamento
ambiental, assim como, o manejo de fogo no parque.
O objetivo desse trabalho foi de analisar a distribuição espacial mensal dos
incêndios florestais no Parque Nacional de Ilha Grande (PNIG) entre 1998 e 2016, e associações
com a precipitação local.

2. MATERIAIS E MÉTODO
2.1. Área de Estudo
A área de estudo corresponde ao PNIG (Unidade de Conservação “UC” de proteção
integral) que se situa na divisa dos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, (Figura 1). O PNIG
está plenamente dentro da Área de Proteção Ambiental de Ilhas e Várzeas do rio Paraná (UC
de uso sustentável).

Figura 1 - Localização da área de estudo

Fonte: Fragal; Gasparetto (2017)


148
O parque possui uma área com cerca de 76.000 ha, com extensão de 110 km e
largura média de 10 km, e é formado por um conjunto de ilhas e de planície de inundação da
margem esquerda do rio Paraná. Este parque abrange partes dos municípios de Antônia, Alto
do Paraíso, Guaíra, Icaraíma, Terra Roxa, São Jorge do Patrocínio no estado do Paraná e
Eldorado, Mundo Novo, Naviraí e Itaquiraí no estado do Mato Grosso do Sul.
O clima da região varia de tropical a subtropical, com média de temperatura mensal
superior a 15°C e com precipitação acumulada de 1.500 mm ao ano (IAPAR, 2000). A
precipitação mensal possui maiores médias entre dezembro e março (cerca de 200 mm), que
corresponde ao período mais chuvoso do ano. Já a precipitação mensal tem as menores médias
entre junho e agosto (cerca de 100 mm), período mais seco do ano.
As feições geomorfológicas da área de estudo foram construídas por eventos
pretéritos e atuais do rio Paraná. As principais formas são os diques marginais, paleo-canais,
bacia de inundação, canais ativos ou inativos e lagoas (SOUZA FILHO; STEVAUX, 1997). A
vegetação arbórea ocorre nas áreas mais elevadas, como diques marginais, enquanto as partes
mais baixas, como bacias de inundação, são cobertas por vegetação herbácea entremeada ou
não por arbustos.

2.1 Materiais
Foi obtido o produto de focos de calor com base nos sensores Advanced Very High
Resolution Radiometer (AVHRR) e Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer
(MODIS) para a análise da distribuição espacial dos incêndios florestais no parque. Os focos
de calor correspondem por temperaturas elevadas na superfície terrestre que são interpretados
como incêndios florestais. O produto de focos de calor foi gerado por meio de imagens da região
espectral do infravermelho termal, sendo temperaturas acima de 47° C classificadas como focos
de calor (SETZER, 2004). Este produto foi disponibilizado pelo Programa de Queimadas do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no portal (https://prodwww-
queimadas.dgi.inpe.br/bdqueimadas/). Foram usados os focos de calor desde 1998 a 2016, que
compreende um extenso período após a criação do parque.
Foi adquirido um produto de precipitação estimada por dados de sensoriamento
remoto, denominado de Precipitation Estimation from Remotely Sensed Information Using
Artificial Neural Networks (PERSIANN). O produto de precipitação foi utilizado para verificar
sua relação com as ocorrências dos focos de calor. Tal produto foi disponibilizado no portal

149
(https://climatedataguide.ucar.edu/climate-data/persiann-cdr-precipitation-estimation-
remotely-sensed-information-using-artificial).
O produto de precipitação estimada foi utilizado de 1998 a 2016, embora seja
disponibilizado desde 1983 ao presente. A escolha do produto PERSIANN foi devido a
apresentar série história completa em relação a dados de precipitação registrados em campo
pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), que não é temporalmente extenso o
suficiente para este estudo e possui lacunas nos registros.

2.3 Método
Para analisar a distribuição espacial dos incêndios florestais no parque os focos de
calor, esses eventos foram organizados mensalmente, entre o período de 1998 e 2016. A partir
dessa organização, foi espacializada a distribuição dos focos de calor por meio da densidade de
Kernel. O mapa gerado pela densidade de Kernel mostra a concentração espacial dos incêndios
florestais. Dessa forma, foram gerados 12 mapas, um para cada mês do ano, relevando
espacialmente a concentração de focos de calor.
As classes definidas de densidade de focos de calor foram: muito baixa, baixa,
média, alta e muita alta. A classe muito baixa representa pequena ou nula concentração de
incêndios florestais, enquanto a classe muito alta significa elevada concentração de incêndios
florestais. As classes baixa, média e alta representam concentrações intermediárias entre as
classes muito baixa e muita alta, respectivamente.
A análise da relação entre os focos de calor e a precipitação ocorreu de duas formas.
A primeira a partir da análise de regressão entre os focos de calor acumulados mensais e a
precipitação média mensal. A segunda por meio da comparação visual dos gráficos de acúmulo
mensal de focos de calor e a precipitação média mensal entre 1998 e 2016. As abordagens foram
adotadas para verificar relações de causa e efeito, assim como para estabelecer os meses críticos
de ocorrências de focos de calor.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A distribuição dos focos de calor acumulados para o período analisado revelou
ocorrências de incêndios para todo parque (Figura 2). Os anos de 2003, 2006, 2008 e 2012
foram os que mais apresentaram ocorrências de focos de calor, sendo para os anos de 1998 e
2001 nenhum registro. A análise dos focos de calor acumulados anualmente pouco revela sobre
a distribuição espacial dos incêndios florestais.

150
Figura 2 - Focos de calor acumulados no PNIG entre 1998 e 2016

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

Foram identificados padrões na distribuição espacial dos incêndios florestais do


parque para os diferentes meses do ano (Figura 3). Nos meses de janeiro a março, áreas
pequenas com densidade de focos de calor muito alta situaram-se no setor central do parque,
enquanto para os meses de abril a julho, no seu setor sul. Os meses de agosto e setembro
apresentaram extensas áreas com densidade de focos de calor muito alta, encontradas no setor
151
norte do parque e nas classes média e alta nos setores central e sul. Os meses de outubro e
novembro mostraram áreas pequenas com densidade de focos de calor muito alta, situadas no
setor sul, enquanto em dezembro apresentaram densidade de focos de calor muito alta nos
setores central e norte do parque.

Figura 3 - Densidade de focos de calor mensal no PNIG

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

A classe de densidade de focos de calor muito baixa foi predominante para os meses
de janeiro a julho e outubro a dezembro no parque. Já para os meses de agosto e setembro,
foram predominantes as classes densidades de focos de calor de média a muita alta. Tal
constatação indica que os meses de agosto e setembro foram o período mais crítico para

152
ocorrência da ignição do fogo em grande extensão no parque, enquanto nos outros meses a
concentração da ignição do fogo foi mais pontual.
A distribuição espacial da densidade de focos de calor após a criação do PNIG
mostrou predominância de elevada concentração de incêndios florestais no setor central do
parque, no período chuvoso (dezembro a março), (Figura 3). Nesse período, há maior
probabilidade de ocorrências de focos de calor por raios do que nos outros meses do ano, além
da possibilidade de ocorrências de focos por causas antrópicas. Dessa forma, tanto por causas
naturais, como antrópicas, a área central do parque foi o alvo principal para ignição do fogo.
Para os meses de abril a julho, outubro e novembro houve predominância da elevada
concentração de incêndios florestais no setor sul do parque. Nesses meses, a influência de raios
para ignição do fogo foi menor que nos meses chuvosos. Portanto, apontou-se que as atividades
antrópicas que foram desenvolvidas no setor sul do parque, foram as principais causas da
ignição do fogo nesses meses do ano.
Os meses de agosto e setembro apresentaram áreas extensas com elevadas
concentrações de incêndios florestais no parque. Esses meses possuem um dos menores
acúmulos de precipitação no ano. Notou-se que o setor norte do parque foi a principal área com
elevada concentração de focos de calor que, por sua vez, deve estar relacionado com as
atividades humanas que foram desenvolvidas na mesma. Dessa forma, indicou-se que as
atividades humanas que promoveram a ignição do fogo no setor norte do parque nos meses de
agosto e setembro foram diferentes do que as atividades humanas que provocaram ignições do
fogo no seu setor sul, ocorridas nos meses de abril a julho, outubro e novembro.
Destaca-se que a ocorrência espacial dos incêndios florestais não possui correlação
direta com a área queimada. Portanto, a densidade de focos de calor muito alta com pequena
extensão (p.e. maio) pode queimar extensas áreas e vice-versa. Diferentes estudos em Unidades
de Conservação não encontraram relação direta entre as ocorrências de focos de calor com o
tamanho da área queimada (AXIMOFF; RODRIGUES, 2011; FORNAZARI et al., 2015).
Em relação à zona de amortecimento (raio de 10 km entorno do parque), as áreas
com maiores densidades de focos de calor situam-se no estado do Mato Grosso Sul (MS)
(Figura 3). Há predominância das classes de densidades de focos de calor média a muito alta
no setor noroeste de MS para os meses de janeiro, março, abril, agosto, setembro, outubro e
novembro. Já para o restante da zona de amortecimento, a densidade de focos de calor foi baixa
ou muito baixa. Não foi encontrada relação espacial entre as elevadas densidades de focos de

153
calor do parque com a sua área do entorno. Dessa forma, o padrão espacial das ocorrências de
incêndios florestais do parque possui dinâmica própria em relação à área do seu entorno.
Foram cabíveis algumas comparações entre a quantidade de focos de calor do
parque e da sua área de entorno (Figura 4). Os maiores acúmulos de focos de calor ocorreram
nos meses de agosto e setembro, tanto no parque, quanto no seu entorno. No entanto, a
densidade de focos de calor do parque não possui relação espacial com seu entorno, como
verificado na Figura 3. Dessa forma, mesmo que haja relação no aumento de quantidade de
focos de calor no parque e seu entorno, não ocorreu influência da ignição do fogo da zona de
amortecimento para o PNIG. Isso ocorreu devido ao extenso corpo de água (rio Paraná) que os
separa, e assim, em certo modo isola a área do parque em relação ao seu entorno (XAVIER,
2015).

Figura 4 - Focos de calor acumulados mensais no PNIG (A) e no seu entorno em um raio de 10 km
(B)

A B

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

A análise de regressão dos focos de calor acumulados mensais e a precipitação


média mensal não apresentou forte correlação (R2 0,25) (Figura 5A). Os valores dos focos de
calor e a precipitação apresentaram grandes distribuições mensais, sem uma relação direta de
causa (p.e. diminuição da precipitação) e efeito (p.e. aumento dos focos de calor). No entanto,
a partir de comparações mensais entre os focos de calor e a precipitação local foi possível
verificar algumas relações pontuais.
A precipitação média de agosto foi a menor do ano (74 mm) para o período de 1998
e 2016 e concordou com o mês de maior acúmulo de focos de calor no parque (24%) (Figura 5
B). Nos meses de janeiro e fevereiro, ocorreram as maiores precipitações médias do ano (193 e
182 mm, respectivamente), que se associaram a pequenos acúmulos de focos de calor (média
de 7%). Para os outros meses do ano, não ocorreram relações claras entre a variação dos focos

154
de calor e a precipitação. Dessa forma, meses com maiores acúmulos de focos de calor (p.e.
março, setembro e dezembro) foram associados à precipitação média mensal elevadas e vice-
versa.

Figura 5 - Regressão linear simples entre os focos de calor acumulados e a precipitação média mensal
(A) e associação entre acúmulo mensal de focos de calor e precipitação média mensal (B)

B
A

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

No que se refere à relação entre os focos de calor e a precipitação média mensal, no


Paraná, as frequentes ocorrências de incêndios florestais têm ocorrido entre julho e setembro,
que são os meses mais secos no estado (VOSGERAU, 2005). Além disso, as ocorrências de
incêndios florestais no Brasil entre 2000 e 2012 têm sido frequentes entre julho e outubro, que
conferem pelos meses mais secos do ano (SANTOS et al., 2014). Dessa forma, as concentrações
de focos de calor e, portanto, ignição do fogo sobre a vegetação no PNIG, segue a lógica de
ocorrência do território brasileiro.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A distribuição espacial dos incêndios florestais do parque apresentou diferentes
padrões para os meses do ano, considerando os focos de calor do período de 1998 a 2016. Os
meses de agosto e setembro apresentaram as maiores áreas com densidades de focos de calor
muito alta, principalmente no setor norte do parque. Para os outros meses do ano, áreas
pequenas apresentaram densidades de focos de calor muito alta. Assim, nos meses de dezembro
a março, as maiores densidades de focos de calor situaram-se no setor central do parque,
enquanto para os meses de abril a julho, outubro e novembro, no setor sul. Isto aponta que a
ignição do fogo em diferentes locais do parque foi influenciada por distintas causas antrópicas,
além das causas por descargas elétricas.
Não foram evidenciadas relações espaciais entre as densidades de focos de calor do
155
parque com seu entorno. Para o PNIG, o rio Paraná isola em certo grau a influência dos
incêndios florestais da zona de amortecimento. A relação entre o acúmulo de focos de calor e a
precipitação média mensal possui relações pontuais, sendo nas menores médias de precipitação
as maiores ocorrências de focos de calor. Entretanto, não foi encontrada uma relação de causa
e efeito por meio da análise de regressão.

REFERÊNCIAS

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Continentais) – Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura, Universidade
Estadual de Maringá, Maringá. 2015.

SOBRE OS AUTORES

EVERTON HAFEMANN FRAGAL


evertonhaf@gmail.com

É formado em bacharelado e licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá


(UEM) (2012) e membro do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente (GEMA). É
Mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
(2015). É Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UEM
(2018). Atualmente é Professor Colaborador da UEM. Atua principalmente nos temas:
Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento aplicados à Geografia, Geomorfologia Fluvial,
Queimadas e Unidades de Conservação.

NELSON VICENTE LOVATTO GASPARETTO


nvlgasparetto@uem.br

Graduação em Geologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1982), mestrado em
Geociências (Geoquímica de superfície) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(1990) e doutorado em Geociências (Geoquímica e Geotectônica) pela Universidade de São
Paulo (1999). Atualmente é Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq nível 2, professor do
Departamento de Geografia e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares do
Ambiente - GEMA/UEM da Universidade Estadual de Maringá - PR. Atua principalmente nos
seguintes temas: gênese de solos tropicais, degradação ambiental do meio físico, uso do solo e
mapeamento geoambiental.

157
5

PESQUISAS PALEOAMBIENTAIS NO CERRADO DE JAGUARIAÍVA, PARANÁ,


BRASIL

Fernando Henrique Villwock


Renan Valério Eduvirgem
Mauro Parolin

RESUMO

O presente capítulo é fruto da pesquisa realizada durante o mestrado do primeiro autor. O clima
influencia diretamente a cobertura vegetal e, conforme sua oscilação, deixa registros nos solos
e nos sedimentos. No Paraná, observa-se a presença de fragmentos de Cerrado e, ao ter isso em
vista, diversos autores correlacionam a presença dessa vegetação no estado a oscilações
climáticas pretéritas. Com base nessa ocorrência, esta pesquisa teve como objetivo a verificação
da paleovegetação de Cerrado, por meio da análise de fitólitos (biomineralizações produzidas
por plantas) presentes em um perfil de solo no município Jaguariaíva, próximo ao Sítio
Arqueológico Matarazo. A coleta foi realizada por meio do cravamento de um tubo de alumínio,
com profundidade de 58 centímetros, e resultou em amostras que, no laboratório, foram
retiradas do tubo em intervalos de 3 centímetros. Para o processamento das amostras, foi
realizado o ataque ácido (Hcl), posteriormente foram montadas as lâminas e realizada análise
em microscópio petrográfico, com aumento de 40X. O local de coleta possui remanescente de
Cerrado e o perfil de solo tem textura arenosa, assim, observou-se fitólitos em todos os 19
intervalos analisados (~130 morfotipos/intervalo). Os morfotipos preponderantes foram
“Bilobate”, “Bloks” e “Grobular Echinate”. O morfotipo “Tree”, associado à vegetação arbórea,
tem ocorrência apenas na porção superior do perfil. Tal situação, aliada aos resultados dos
índices fitolíticos calculados, sugere que a presença de vegetação campestre é antiga na região.

Palavras-chave: Paraná. Cerrado. Fitólitos. Clima.

158
INTRODUÇÃO
O estado do Paraná dispõe de um mosaico vegetacional diverso, composto por Floresta
Ombrófila Densa (Serra do Mar), Floresta Ombrófila Mista com Araucária (região sul e central do
estado), Floresta Estacional Semidecidual (Sudoeste e Norte do estado), estepes (Campos Gerais)
e ocorrência do Cerrado (Campos Gerais e Norte do estado).
Os autores Reinhard Maack (1892-1969) e João José Bigarella (1923-2016) destacam
que a grande diversidade vegetal encontrada no estado é fruto de oscilações climáticas pretéritas,
fato corroborado por Coe et al. (2013), a qual destacam que o clima possui grande influência sobre
a vegetação. De acordo com Coe et al. (2013), a inferência da vegetação predominante no passado
auxilia a inferir o clima dominante. Em decorrência dessa proposição, é importante desenvolver
pesquisas que investiguem a evolução da vegetação.
No Paraná, observa-se a presença de fragmentos de Cerrado, os quais se encontram em
condições climáticas distintas ao presente na região central do Brasil, área “core” da mesma. No
passado, a vegetação chegou a ocupar uma área de 1.700 km2 (PAROLIN et al., 2015). Na
atualidade, observa-se tais fragmentos nos municípios de: Arapoti, Campo Mourão, Cianorte,
Jaguariaíva, Sabáudia, Sengés e Tuneiras do Oeste. Com isso, o presente artigo tem como objeto
de estudo um fragmento de Cerrado no município de Jaguariaíva, que possui poucos estudos, apesar
de sua importância para a compreensão de climas pretéritos. Para auxiliar no entendimento das
condições de evolução da vegetação, foram utilizados os fitólitos preservados em solos e
sedimentos.
O objetivo do trabalho consiste em verificar a ocorrência da vegetação de Cerrado no
município de Jaguariaíva, associando-o às condições paleoambientais, bem como analisar o
impacto e as alterações antrópicas sofridas por esta vegetação. Nessa perspectiva, a identificação
da paleovegetação associada ao fragmento de Cerrado justifica-se pela necessidade de estudos
relacionados aos fatores de desenvolvimento da vegetação no Paraná.

2. ESTUDOS PALEOAMBIENTAIS NO CERRADO


Como informado anteriormente, o Cerrado, durante os períodos de resfriamento global,
teve sua área de abrangência estendida para grande parte do continente Sul-Americano, fato
correlacionado à redução da temperatura e da umidade disponível.

158
Apesar da importância de determinar a expansão do Cerrado, com objetivo de
compreender a evolução vegetacional, poucos são os estudos que buscam sua reconstrução
paleoambiental. Foram contabilizados, via pesquisa em base de dados disponibilizados na internet
(palavras-chave: paleovegetação de Cerrado, Cerrado, Cerrado relictual, Cerrado e reconstrução
paleoambiental), 21 trabalhos de reconstrução paleoambiental em área de Cerrado desenvolvidos
no Brasil (Figura 1).

Figura 1 - Distribuição dos trabalhos de reconstrução paleoambiental em áreas de Cerrado no Brasil

Fonte: Os autores (2018)

159
Dentre os primeiros trabalhos, encontram-se os de Ledru (1993) e Pessenda et al.
(1996), que realizaram pesquisas no município de Salitre de Minas (MG), por meio do qual
inferiram dois períodos de clima mais seco nos últimos 32.000 anos AP. O primeiro período seco
ocorreu entre 11.000 e 10.000 anos AP, o segundo período destacado ocorreu entre 6.000 e 4.500
anos AP. Ainda destacam que a vegetação, nesses períodos, era composta prioritariamente por
gramíneas.
Parizzi et al. (1998) desenvolveram pesquisa sobre o Cerrado na região central do
Brasil e verificaram que a área passou por um clima frio e mais seco durante o final do Pleistoceno.
Corroborando tal resultado, há os trabalhos de Ledru et al (1996), Horák (2009) e Lorente et al.
(2010).
Posteriormente, a pesquisa realizada por Barberi (2001) na Lagoa Bonita, situada no
Distrito Federal, identificou a presença de um período mais seco, por volta de 6.300 anos AP, com
predominância de elementos de Cerrado, relacionando-se aos estudos realizados no município de
Salitre (MG).
Em Rubin (2003) e Rubin et al. (2011) são apresentados os resultados para o
Quaternário Tardio, no município de Inhumas, Goiás. O perfil de solo analisado foi coletado na
margem direita do rio Meia Ponte, tendo datação na base de aproximadamente 31.830 anos AP, e
foram inferidos dois conjuntos de vegetação. O primeiro compreende de 31.800 a 23.400 anos AP,
caracterizado pela alta porcentagem de gramíneas, com condições mais úmidas do que as atuais, e
com a presença de Cerrado. O segundo período compreende de 23.400 a 11.000 anos AP, apresenta
queda na umidade e redução de elementos arbóreos. A partir de 11.000 anos AP até o presente,
observa-se a constante oscilação na umidade.
Ainda sobre o Cerrado em Goiás, Carmo et al. (2003) apresentam os resultados obtidos
para a região centro-sul do estado. As amostras coletadas na sequência do terraço fluvial
demonstram que esse se desenvolveu durante o Holoceno e apresenta um conjunto de
palinomorfos, caracterizado pela presença dominante de elementos dos Cerrados e a ocorrência de
veredas nas fases mais recentes.
Meyer et al. (2014), em busca de uma caracterização geral do Cerrado durante o
Quaternário, apresentam uma descrição de 11 localidades com presença de Cerrado no Brasil. A
partir dos pontos amostrais, foi inferido que o Cerrado presente na região Norte do país passou por

160
um extenso período de seca e frio, de 21.000 a 19.000 anos AP, enquanto o Cerrado presente na
região central passava por uma fase mais úmida e fria.
No estado do Paraná, Parolin et al. (2015), Luz (2014) e Monteiro et al. (2015)
apresentaram estudos acerca do município de Campo Mourão. Os autores inferiram que no período
que compreende o Pleistoceno Tardio a região foi ocupada por vegetação menos adensada, com
vasta presença de vegetação arbustiva, caracterizada como Cerrado, relacionada a períodos mais
secos do que se verifica na atualidade.
A partir dos estudos paleoambientais elencados, a figura 2 sintetiza a evolução das
condições paleoambientais nas áreas de Cerrado nos últimos 31.800 anos, evidenciando a ampla
variação na umidade.

Figura 2 – Evolução das condições ambientais em áreas de Cerrado

Fonte: Os autores (2018)

3. APRESENTAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO


O município de Jaguariaíva, selecionado para a realização da pesquisa, tem suas
primeiras descrições em documentos do século XVII, quando a região passou a ser percorrida pelas
incursões de bandeirantes paulistas e tropeiros que percorriam o caminho de Viamão, conduzindo
o gado criado no Rio Grande do Sul para São Paulo, onde era comercializado. A formação
administrativa do município ocorreu em 1823 (IBGE, 2017).
A arqueóloga Claudia Inês Parellada (2004; 2007) destaca que a região compreendida
por Jaguariaíva fora ocupada anteriormente por populações indígenas. As datações mais antigas

161
remetem a 10.000 anos, intervalo que pode ser dividido em dois períodos: pré-colonial (10.000 a
2.000 anos atrás) e histórico (posterior ao século XVI).
Quanto à localização da área de estudo, o município de Jaguariaíva está situado na
Mesorregião Centro Oriental Paranaense (Figura 3), assentando-se sobre o Segundo Planalto
Paranaense, com altitude média de 900 metros. A maior área de conservação de Cerrado do estado
do Paraná está localizada nos municípios de Jaguariaíva e Sengés, com área de 420 hectares –
Parque Estadual do Cerrado. No entanto, verifica-se a presença de vegetação de Cerrado em outras
áreas fora do Parque.
Segundo Roderjan et al. (2002), no município existe ampla diversidade fitogeográfica,
visto que a paisagem de Jaguariaíva apresenta quatro formações fitogeográficas: o Cerrado, a
Estepe/Campo Natural, a Floresta Ombrófila Densa Altamontana e a Floresta Ombrófila Mista.
Entre essas, as Estepes são a unidade fitogeográfica com maior representatividade, classificadas
por Rizzini (1997) como uma formação vegetal presente em planícies, com presença de poucas
árvores, composta por herbáceas e pequenos bosques.

162
Figura 3 – Localização da Mesorregião Centro Oriental Paranaense, com destaque para o município de
Jaguariaíva – PR

Fonte: Os autores (2018).

163
Os solos da região foram classificados segundo Figueiredo et al. (2013) como solos
frágeis, pouco férteis, arenosos e rasos. Ainda de acordo com o autor, no município de Jaguariaíva
predominam os Cambissolos. A coleta do testemunho de solo foi realizada na porção centro – norte,
onde são encontrados Cambissolos e afloramentos de rocha.
Quanto ao clima, observa-se predominância do clima Subtropical Úmido Mesotérmico
(Cfb) pelas seguintes condições: os verões são caracterizados como amenos, com temperaturas que
variam de 27 a 22°C; os invernos são caracterizados por geadas severas e frequentes (IPARDES,
2004).
No geral, as condições físicas naturais, em especial as condições climáticas, não
explicam a atual ocorrência de áreas de Cerrado, motivo que levou à busca pela compreensão sobre
como se deu a formação dessa vegetação, por meio de estudos paleoambientais.

4. METODOLOGIA
A identificação inicial foi operada por meio de análise de imagens orbitais (Google
Earth Inc.®), seguida de trabalhos de campo, nos quais foi selecionada uma vertente com a
presença de Cerrado. No local selecionado, foi coletado um testemunho de solo com tubo de
alumínio (58 cm de profundidade/10 cm de diâmetro), encaminhado ao Laboratório de Estudos
Paleoambientais da Fecilcam (LEPAFE).
No LEPAFE, as amostras de solo foram retiradas do tubo em intervalos de 3
centímetros e secas em estufa (60°C /24 h). As amostras foram peneiradas em malha grossa (-2
phi) para retirada de restos de raízes, fragmentos de vegetais, insetos, entre outros. Após o
peneiramento, as amostras passaram pelo destorroamento, com auxílio de almofariz e pistilo.
Para extração dos fitólitos em solo, foi utilizada uma adaptação do método proposto
por Santos et al. (2011), constituído pela secagem do solo em estufa e queima do mesmo em mufla
(500 ºC/5 h). Após a queima em mufla, foi adicionado ácido clorídrico na amostra, levada para a
chapa aquecedora (70 °C/15 min.). Em seguida, o material foi lavado em centrífuga com água
destilada até a neutralização do pH (7). Depois de estabilizado o pH, as amostras foram secas em
estufa (50 °C/12 h) e, após a secagem da amostra, separou-se o material fitolítico por meio de
líquido denso (Cloreto de Zinco – ZnCl2 / 2,3 g/cm3). O material suspenso foi lavado diversas vezes
com água destilada, via centrifugação (1.000 RPM/3 min.), até a dissolução total do ZnCl2. Após

164
lavagem, o material resultante foi pipetado (50 µl) sobre lâminas de microscopia, cobertas com
Permount® e lamínula.
As lâminas foram catalogadas e depositadas no LEPAFE (Caixa 21, laminários 285).
As etapas de quantificação, classificação, observação e microfotografias foram realizadas com
auxílio de microscópio óptico (40x).
A identificação morfológica teve como base a coleção de fitólitos atuais do LEPAFE,
além dos trabalhos de Piperno (2006), Medeanic et al. (2007; 2008), Lu et al. (2007), Raitz (2012),
entre outros. A quantificação de fitólitos considerou a contagem de três transectos por lâmina, de
um total de 5 lâminas por intervalo analisado.
As análises granulométricas foram efetuadas no Laboratório de Sedimentologia da
Universidade Estadual do Paraná – Campus de Campo Mourão. A metodologia adotada foi a
granulometria por peneiramento, seguindo as instruções descritas na NBR 7181/84. Para realização
dessa etapa, as amostras foram previamente levadas à estufa para secagem (60 ⁰C/12h) e
destorroadas, posteriormente foram separados 10 g de material por intervalo (valor referencial para
solos homogêneos), que foram peneirados (2 mm; 1 mm; 0,5 mm; 0,25 mm; 0,125 mm; 0,074 mm
e fundo) em agitador mecânico (10 min.).

5. CONSIDERAÇÕES PALEOAMBIENTAIS
O testemunho de solo alcançou 58 centímetros, nele foi possível identificar a presença
de três horizontes: i) C – 55 a 58 cm de profundidade, horizonte em que se observou transição
abrupta, com a presença de carapaça ferruginosa; ii) B – 14 a 54 cm; iii) A – de 0 a 13 cm de
profundidade.
Houve pequena variação granulométrica ao longo perfil (Figura 4). As partículas
maiores do que 2,00 mm (grânulos) são observadas no topo (01%), porém no horizonte B não há
presença dessas, voltando a ocorrer no horizonte B, sendo que a partir do mesmo a quantidade
dessas partículas aumenta, chegando a 06%. No topo do perfil, tem-se baixa concentração de areia
muito grossa (03%), apresentando um aumento progressivo até a base do perfil, alcançando valor
de 11%. As areias grossa e média possuem uma distribuição homogênea do topo até a base, a areia
grossa variou de 20% a 25% e a areia média variou de 36% a 47%. A areia fina e a muito fina têm

165
ampla variação ao longo do perfil (cerca de 10%). Também foi possível inferir a baixa concentração
de silte e argila, variando entre 3% e 5%.

Figura 4 – Análise granulométrica do testemunho de solo

Fonte: Os autores (2018)

Em relação aos fitólitos, esses tiveram concentração regular em todo perfil, máximo de
165 (19-22 cm) e mínimo de 60 morfotipos (25-32 cm) (Figura 5). Os morfotipos preponderantes
foram Bilobate, Globular echinate e Block (Figura 6).
O índice D/P apresenta-se baixo ao longo do perfil, representando o domínio da família
Poaceae em relação às dicotiledôneas lenhosas. A alta frequência dos fitólitos característicos da
família Poaceae indica que a área sempre apresentou vegetação campestre.
O Índice IPH apresentou valores abaixo de 40% ao longo de todo perfil e em vários
pontos chega a 0%, nesse sentido, não pode ser usado com segurança para determinação das
condições ambientais (BARBONI et al., 1999). Entretanto, Bremond (2005) indica que valores
abaixo de 20% se referem à savana sob forte estresse hídrico.
O morfotipo Tree (PIPERNO, 2006; MONTEIRO, 2015), presente no intervalo 0-4
cm, tem sua produção relacionada às árvores e aos arbustos, representando o atual cenário da
vertente, o qual apresenta composição vegetacional de extratos arbóreos e arbustivos.
166
A presença do morfotipo B. cuneiform (TWISS, 1992; COE, 2006), ao longo de todo
o perfil, sugere condições climáticas em que a vegetação foi submetida a estresse hídrico, fator
agravado nas profundidades 42-45 e 19-22 cm. Os períodos de diminuição da temperatura são
marcados pela presença dos fitólitos do tipo Rondel (BARBONI et al., 1999), corroborados pelo
Índice IC, nas profundidades 52-55, 42 a 48, 22 a 38 cm e de 7 a 0 cm.
O morfotipo Saddle (BARBONI et al., 1999) sugere pontos mais secos nas
profundidades 52 a 45, 35 a 19, 10 a 0 cm. Intervalos com menos estresse hídrico são verificados
na profundidade 38-42 cm, evidenciados pelo morfotipo Cone shape, característicos da família
Cyperaceae (PIPERNO, 2006; RASBOLD, 2010). O morfotipo Globular echinate (PEREIRA et
al., 2013) é evidência de que a vegetação campestre esteve entremeada por Arecaceae
(provavelmente do gênero Butia sp.), ao longo de todo o perfil.
O testemunho de solo apresenta pequenas flutuações na umidade ao longo do perfil, no
entanto, a análise da assembleia fitolítica indica a presença de vegetação campestre ao longo de
todo o perfil, caracterizada pelo morfotipo Bilobate (Poaceae).
O morfotipo Bulliform indica que a vegetação esteve sujeita a forte estresse hídrico.
Aspectos similares são descritos por Monteiro et al. (2011) no município de Ponta Grossa – PR
(distante aproximadamente 120 km da área de estudo), ao analisar sedimentos turfosos e constatar
que, durante o Holoceno, a vegetação era composta prioritariamente pela família botânica Poaceae,
mesmo nos períodos de aumento da umidade (1.340 anos AP).
Figura 5 – Assembleia de fitólitos presentes no testemunho de solo

Fonte: Os autores (2018)

167
O testemunho de solo apresenta pequenas flutuações na umidade ao longo do perfil, no
entanto, a análise da assembleia fitolítica indica a presença de vegetação campestre ao longo de
todo o perfil, caracterizada pelo morfotipo Bilobate (Poaceae). O morfotipo Bulliform indica que a
vegetação esteve sujeita a forte estresse hídrico.

Figura 6 - Alguns fitólitos encontrados no perfil de solo (A: Bilobate; B/C: Cone Shape; D: Rondel; E:
Elongate Psilate; F: Globular Granulate; G: Globular Echinate; H: Elongate Echinate; I: Cuneiform;
J/K/L: Block). Todas as barras de escala possuem 20 μm.

Fonte: Os autores (2018)


168
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de fitólitos mais uma vez demonstrou grande valia para a compreensão da
evolução paleoambiental de uma paisagem. A análise dos fitólitos presentes no testemunho de solo,
aliado aos resultados dos índices fitolíticos calculados, sugere que a vegetação campestre é antiga
na região.
Ao quantificar os fitólitos presentes no testemunho de solo, observou-se que os
morfotipos preponderantes são “Bilobate” e “Bloks”. A presença da família Arecaceae
representada pelo morfotipo “Globular echinate”, bem como o morfotipo Euforbiaceae e Tree
indicam que o cerrado sempre foi entremeado por palmeiras. Ainda é cabível salientar as oscilações
climáticas inferidas para a área, na qual foram detectados períodos de agravamento no estresse
hídrico, bem como períodos de redução na umidade.
O perfil de solo tem textura arenosa. Foram analisados 19 intervalos, nos quais foram
quantificados em ~130 morfotipos por intervalo, e os intervalos que apresentaram a menor
quantidade de fitólitos são compostos por maior fração de areia.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPQ, processo n° 444232/2015-0, pelo aporte financeiro
para realização da pesquisa. O primeiro e segundo autor agradecem à Capes pela bolsa de estudo
para realização do doutorado em geografia.

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172
SOBRE OS AUTORES

FERNANDO HENRIQUE VILLWOCK


fernandovillwock@gmail.com

Pós-graduando nível Doutorado, pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia, na Universidade


Estadual de Maringá - UEM. Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia,
na Universidade Estadual de Maringá - UEM (2016 - 2018). Graduado em Geografia (licenciatura
e bacharelado) pela Universidade Estadual do Paraná - Campus de Campo Mourão. Integrante do
Laboratório de Estudos Paleoambientais da Fecilcam. Possui trabalhos na grande área Ciências
Exatas e da Terra, com enfoque para pesquisas relacionadas ao meio ambiente, recursos hídricos e
reconstrução paleoambiental.

RENAN VALÉRIO EDUVIRGEM


georenanvalerio@gmail.com

Graduado em Geografia (Bacharelado - 2015) e (Licenciatura - 2015) na Universidade Estadual de


Maringá (UEM). Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Estadual de Maringá (2018). Especialista em Arqueologia pela Universidade
Estadual de Maringá (2018). Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em
Geografia (PGE-UEM).

MAURO PAROLIN
mauroparolin@gmail.com

Professor Associado do Colegiado de Geografia da Universidade Estadual do Paraná - Campus de


Campo Mourão e Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia (Mestrado e Doutorado)
da Universidade Estadual de Maringá. Coordenador do Laboratório de Estudos Paleoambientais da
Fecilcam. Trabalha na área de Geociências, mais especificamente com os seguintes temas: estudos
do Quaternário, paleoclimatologia, biogeografia e reconstrução paleoambiental através de
bioindidacores (pólen, espículas de esponjas de água doce e fitólitos).

173
6

EFEITO DO USO E MANEJO NO COMPORTAMENTO FÍSICO-HÍDRICO DA


COBERTURA PEDOLÓGICA DE TEXTURA MÉDIA E ARENOSA DA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO PIRAPÓ-PR

Francieli Sant’ana Marcatto


Hélio Silveira

RESUMO

A bacia hidrográfica do Pirapó se localiza no norte do estado do Paraná e possui, em seu médio e
baixo setor, Latossolos e Argissolos de textura média de elevada fragilidade natural à formação de
feições erosivas. Somada a fragilidade dos solos, o cultivo agrícola intensivo, com práticas de
manejo que não respeitam as suas condições naturais, têm ocasionado processos erosivos por toda
a área de estudo. Diante disso, este trabalho tem o objetivo de estudar a cobertura pedológica
cultivada com cana-de-açúcar e pastagem, localizada no setor médio e inferior da bacia
hidrográfica do Pirapó, para identificar os efeitos do uso e manejo sobre as propriedades físicas e
hídricas dos solos e as consequências provenientes dessas alterações. Para compreender a situação
atual dos solos, foram realizadas análises de granulometria, densidade do solo, macro e
microporosidade, porosidade total, estabilidade de agregados, velocidade de infiltração,
condutividade hidráulica e carbono orgânico no horizonte superficial e subsuperficial. Os
resultados indicaram que os Latossolos e Argissolos tiveram seus atributos físicos e hídricos
alterados quando submetidos ao manejo, apresentando degradação estrutural, elevada densidade
do solo, reduzido volume de poros e permeabilidade.

Palavras-chave: Uso e manejo. Degradação dos solos. Propriedades físico-hídricas.

174
INTRODUÇÃO
A degradação dos solos e o desencadeamento de processos erosivos são graves
problemas ambientais, que atingem todas as regiões do Brasil, e são decorrentes do rápido
desenvolvimento econômico, sustentado pelo avanço da ocupação agropecuária sobre as áreas de
floresta nativa com sistemas de preparo intensivos, sem se preocupar com o regime climático de
cada ambiente e com as propriedades dos solos.
A preocupação com a conservação desses recursos só surge após a erosão se instalar
em grandes parcelas de terra por todo o território nacional e se tornar, além de um problema de
cunho ambiental, um problema econômico. De acordo com Schultz et al. (2014), estima-se que a
perda anual de solos por erosão, no Brasil, seja de mais de 500 milhões de toneladas, com
expressivos prejuízos à geração de alimentos e aos recursos hídricos.
No Paraná, a retirada da cobertura vegetal original, para a incorporação de atividades
agropecuárias, não levou em consideração a fragilidade natural dos solos e favoreceu a instalação
e evolução de processos erosivos por décadas, principalmente no noroeste do estado, onde a
cobertura pedológica de textura média e arenosa apresenta elevada fragilidade natural à erosão.
Apesar dos avanços nas pesquisas de solos, com a criação de inúmeros projetos de combate à erosão
e da evolução das técnicas de manejo, as práticas inadequadas ainda persistem, deixando os solos
expostos à ação erosiva das chuvas.
No setor médio e inferior da bacia hidrográfica do Pirapó, área de recorte da presente
pesquisa, a cobertura pedológica de textura média e arenosa apresenta elevada fragilidade natural
à erosão, que, somada ao cultivo agrícola intensivo, com práticas de manejo, as quais não respeitam
as suas condições naturais, têm ocasionado processos erosivos por toda a área de estudo.
Diante disso, são necessários estudos que possibilitem a compreensão da dinâmica dos
processos naturais somados à interferência humana. O conhecimento da dinâmica física e hídrica
dos solos possibilita entender como esse corpo natural está organizado, como os sistemas de
manejo e o tipo de cobertura vegetal alteram as suas condições naturais e, ainda, quais as
consequências dessas alterações.
Assim, este trabalho tem por objetivo estudar a cobertura pedológica, de textura média
e arenosa, cultivada com cana-de-açúcar e pastagem, localizada no setor médio e inferior da bacia
hidrográfica do Pirapó, para identificar os efeitos do uso e manejo sobre as propriedades físicas e
hídricas dos solos e as consequências provenientes dessas alterações.
175
2. MATERIAIS E MÉTODOS
A bacia hidrográfica do rio Pirapó se encontra entre as latitudes de 22°32’30” e
23°36’18” S e longitudes de 51°22’42” e 52°12’30” W (Figura 1), localizada no norte do estado
do Paraná. A área de estudo se limita a cobertura pedológica de textura média e arenosa,
representada pelos Latossolos e Argissolos, formados pela alteração do arenito da Formação Caiuá,
localizados no setor inferior e parte do setor médio da bacia.

Figura 1 – Localização da bacia hidrográfica do Pirapó e das unidades de paisagem propostas por
Nóbrega e al. (2015).

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).


176
Segundo a divisão de unidades de paisagem proposta por Nóbrega et al. (2015), a
unidade hidrográfica Pirapó, Paranapanema III e IV, divide-se em cinco grandes compartimentos
de paisagem. Nessa concepção, na bacia hidrográfica do Pirapó se localiza o compartimento
arenítico 3 e o compartimento basáltico 4, composto pelos subcompartimentos 4a e 4b (Figura 1).
A área da pesquisa está contida no compartimento de paisagem 3.
Os pontos de amostragem, para a determinação do comportamento físico-hídrico dos
solos, foram definidos em áreas representativas do compartimento de paisagem 3, observando-se a
mesma posição topográfica, além da declividade e tipos de uso e manejo do solo. Nesses locais
foram realizadas as coletas de amostras de solos nos horizontes superficiais (0-20cm) e
subsuperficiais (20 a 40cm), por meio de trincheiras, onde foi procedida a descrição morfológica
dos solos, conforme os critérios definidos por Lemos e Santos (1996).
O reconhecimento da qualidade física e hídrica foi realizado nos Latossolos Vermelhos
e Argissolos Vermelhos de textura média, nos usos predominantes para a área de estudo,
representados pela cana-de-açúcar cultivada sobre o sistema de plantio convencional e em
pastagens plantadas. Também foi feito o reconhecimento da qualidade do solo na floresta nativa,
utilizada como parâmetro de comparação em relação aos outros usos, por manter as características
originais dos solos.
Para a caracterização física dos solos, foram realizados ensaios de densidade do solo
(Ds), pelo método do anel volumétrico; porosidade total (Pt), macroporosidade (Ma),
microporosidade (Mi), pelo método da mesa de tensão; granulometria, pelo método da pipeta;
estabilidade de agregados (DMPA), com o método via seco. Assim, os métodos aplicados na
obtenção dos resultados de análises físicas seguiram os preceitos descritos no Manual de Métodos
de Análise do Solo (EMBRAPA, 2017), realizados no Laboratório de Pedologia da Universidade
Estadual de Maringá.
Em relação a caracterização hídrica, obtida por meio dos ensaios de velocidade de
infiltração (Vi) e condutividade hidráulica (Kfs), foi determinada em campo, com auxílio do
Permeâmetro de Guelph, com a aplicação de uma carga hidráulica constante e o uso do reservatório
combinado, conforme descrito por Elrick et al. (1989). Determinou-se, ainda, a análise química de
carbono orgânico, obtido pelo método de Walkley e Black (1934).

177
Avaliou-se, também, o grau de correlação entre as variáveis, utilizando o coeficiente
de correlação de Pearson, classificado conforme a interpretação de Zou et al. (2003) e adaptado
por Santos et al. (2012).
Para a determinação dos parâmetros físicos (granulometria, estabilidade de agregados)
e os parâmetros hídricos (Vi, Kfs) e químico (Co), foram realizados ensaios e análises no horizonte
superficial (0-20 cm) e subsuperficial (20-40 cm) dos solos. A escolha dessas profundidades se
deve ao efeito do manejo empregado no solo: no horizonte superficial há a interferência direta das
práticas de manejo, enquanto que no subsuperficial são observadas alterações apenas em alguns
sistemas de manejo, em que há o acúmulo de pressão exercida pelos maquinários agrícolas ou pelo
pisoteio animal.
Os parâmetros físicos, determinados a partir da coleta de anéis volumétricos (Ds, Pt,
Ma e Mi), foram analisados em três profundidades: 5 cm, 20 cm e 40 cm. O procedimento foi
adotado devido à técnica utilizada na coleta das amostras indeformadas, que representa uma porção
pontual do perfil, tornando necessário maior número de amostragem para avaliar de forma global
a interferência do manejo até os 40 cm de profundidade.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os Latossolos e Argissolos de textura média analisados são formados pela alteração dos arenitos
da Formação Caiuá, que ocupam o setor inferior e parte do setor médio da bacia hidrográfica do
rio Pirapó. Esses solos apresentam características distintas quanto à morfologia, posição que
ocupam na vertente, comportamento físico e hídrico e suscetibilidade à erosão.
Os Latossolos se localizam, geralmente, associados a relevos suaves e superfícies aplainadas. Eles
têm como principais características, boa permeabilidade, uma uniformidade nas características
morfológicas ao longo do perfil, reduzida capacidade de reter nutrientes e baixa fertilidade natural
(FASOLO et al., 1988; NAKASHIMA, 1999). Conforme a classificação de suscetibilidade à
erosão, proposta pela Embrapa (1988), aplicada por Bigarella e Mazuchowski (1985), os
Latossolos de textura média possuem uma ligeira a moderada suscetibilidade a erosão.
Os Argissolos encontrados na área de estudo, quando ocorrem na média e baixa vertente estão
associados a relevos de colinas amplas, quando aparecem em posições mais altas nas vertentes,
muitas vezes recobrindo os topos, esses estão relacionados com declividades maiores, onde o
relevo apresenta colinas médias e pequenas (NÓBREGA et al., 2015). Possuem, ainda, como
178
principal característica, um incremento de argila no horizonte subsuperficial Bt em relação ao
horizonte superficial A e E (EMBRAPA, 2018).
Esses Argissolos, da região noroeste do Paraná, foram classificados por Carvalho (1992) como de
suscetibilidade à erosão moderada a forte, por ocuparem posição na vertente de maiores
declividades e pelo contraste textural entre o horizonte A, E e Bt.
Em relação às características granulométricas dos Latossolos nos diferentes usos, o percentual de
argila variou entre 11,5 e 25,7%, com incremento de argila entre o horizonte superficial e o
subsuperficial. Em relação ao percentual de areia, variou entre 70,3 e 85,5% (Tabela 1). Conforme
a classificação proposta pela Embrapa (2018), o horizonte superficial e subsuperficial do Latossolo
com pastagem apresenta textura arenosa-média, representando, assim, o maior percentual de areia
entre os usos estudados para esse solo. Enquanto que, na cana-de-açúcar o horizonte superficial
possui textura média-arenosa e o subsuperficial média-argilosa, e na floresta nativa ambos os
horizontes foram classificados como médio-arenosos.

Tabela 1 – Composição granulométrica e classificação textural dos Latossolos (LV) e Argissolos


Vermelhos (PV) de textura média.
Granulometria (%)
Solos Usos Profundidades
Areia Silte Argila Textura
LV Pastagem 0-20cm 85,5 3,0 11,5 Arenosa-média
LV Pastagem 20-40cm 84,2 2,1 13,7 Arenosa-média
LV Cana-de-açúcar 0-20cm 78,8 2,8 18,4 Média-arenosa
LV Cana-de-açúcar 20-40cm 70,3 4,0 25,7 Média-argilosa
LV Floresta nativa 0-20cm 79,8 3,8 16,4 Média-arenosa
LV Floresta nativa 20-40cm 81,2 1,5 17,3 Média-arenosa
PV Pastagem 0-20cm 79,8 9,9 10,3 Média-arenosa
PV Pastagem 20-40cm 77,3 8,4 14,3 Média-arenosa
PV Cana-de-açúcar 0-20cm 88,6 3,3 8,1 Muito arenosa
PV Cana-de-açúcar 20-40cm 83,3 2,5 14,2 Média-arenosa
PV Floresta nativa 0-20cm 83,1 4,4 12,5 Arenosa-média
PV Floresta nativa 20-40cm 83,8 3,1 13,1 Arenosa-média
Fonte: Adaptado de Marcatto (2016).

Nos Argissolos cultivados com pastagem, a textura é média-arenosa em ambas as


profundidades analisadas. Para a cana-de-açúcar, o horizonte superficial é mais arenoso, com
textura muito arenosa e o incremento de argila em profundidade resultou em um horizonte médio-
arenoso. A floresta também não apresentou variação na classificação textural entre o horizonte

179
superficial e subsuperficial, apresentando textura arenosa-média (Tabela 1). A maior
heterogeneidade nos valores de argila, no horizonte superficial e subsuperficial sob pastagem e
cana-de-açúcar, se comparado com a floresta em ambos os solos analisados, indica que o manejo
dos solos ao longo do tempo tende a retirar a fração argila de forma mais significativa nos
horizontes superficiais.
Os dados de densidade do solo apontaram para um aumento da compactação, com o
aumento da profundidade do solo. Em superfície (5cm), observaram-se os menores valores em
todos os usos e solos, com um incremento significativo a 20 cm de profundidade. Já, na
profundidade de 40 cm, houve uma redução dos valores de densidade para a maioria dos usos com
culturas comerciais (exceto no Argissolo cultivado com cana-de-açúcar), entretanto essa foi
superior aos valores obtidos em superfície. Na medida em que a floresta nativa apresentou
tendência distinta dos demais usos, com reduzida diferenciação nas profundidades de 20 e 40 cm,
conforme apresentado na Tabela 2.
Evidencia-se que os maiores valores de densidade do solo ocorreram no uso com
pastagem, tanto no Latossolo quanto no Argissolo, com efeitos negativos mais evidentes nas
profundidades de 20 cm e 40 cm. No Latossolo a Ds foi de 1,74 e 1,67 g.cm³, nas profundidades
de 20 e 40 cm, respectivamente. Para o Argissolo, os valores de Ds foram elevados em todas as
profundidades analisadas, apresentando 1,66 g.cm³ em superfície, 1,81 g.cm³ a 20 cm e 1,65 g.cm³
na profundidade de 40 cm (Tabela 2).
Nesse sentido, em todos os solos e usos houve um aumento da densidade do solo, em
relação à floresta nativa, utilizada como referência. O menor valor de Ds na floresta ocorreu devido
à ausência de qualquer tipo de manejo do solo ou o pastoreio de animais, além da elevada densidade
de raízes da vegetação.
A partir do levantamento de dados, publicados em artigos e dissertações/teses, Reichert
et al. (2003) definiram valores críticos de densidade global em diferentes classes de solos, quando
o intervalo hídrico ótimo é zero. Valores de densidade entre 1,7 e 1,8 g.cm³, para solos com textura
franco-arenosa, foram apontados como impeditivos ao desenvolvimento das plantas e a circulação
de água no solo. Dessa forma, todos os solos e usos com culturas comerciais apresentaram valores
críticos de densidade em pelo menos uma das profundidades analisadas.

180
Tabela 2 - Densidade do solo (Ds), macroporosidade (Ma), microporosidade (Mi), porosidade total (Pt) e
carbono orgânico (CO) dos Latossolos e Argissolos cultivados com pastagem, cana-de-açúcar e floresta
nativa.
LATOSSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA SOB PASTAGEM
Profundidade (cm) Ds (g.cm³) Ma (%) Mi (%) Pt (%) CO (g.dm³)
5 1,466 12,87 30,75 43,62 5,84
20 1,744 10,11 22,96 33,07 2,73
40 1,667 12,56 23,23 35,79 2,73
LATOSSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA SOB CANA-DE-AÇÚCAR
Profundidade (cm) Ds (g.cm³) Ma (%) Mi (%) Pt (%) CO (g.dm³)
5 1,440 12,94 31,68 44,62 7,4
20 1,700 6,95 27,67 34,62 7,79
40 1,629 1,99 35,35 37,34 7,79
LATOSSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA SOB FLORESTA NATIVA
Profundidade (cm) Ds (g.cm³) Ma (%) Mi (%) Pt (%) CO (g.dm³)
5 0,951 33,86 29,57 63,42 26,1
20 1,432 21,03 23,89 44,92 8,57
40 1,45 17,16 27,07 44,23 8,57
ARGISSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA SOB PASTAGEM
Profundidade (cm) Ds (g.cm³) Ma (%) Mi (%) Pt (%) CO (g.dm³)
5 1,662 4,58 31,49 36,07 12,47
20 1,814 4,32 25,91 30,23 7,79
40 1,649 5,30 31,27 36,57 7,79
ARGISSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA SOB CANA-DE-AÇÚCAR
Profundidade (cm) Ds (g.cm³) Ma (%) Mi (%) Pt (%) CO (g.dm³)
5 1,009 26,46 34,73 61,19 6,62
20 1,698 6,00 28,69 34,69 1,17
40 1,751 6,22 26,43 32,65 1,17
ARGISSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA SOB FLORESTA NATIVA
Profundidade (cm) Ds (g.cm³) Ma (%) Mi (%) Pt (%) CO (g.dm³)
5 0,539 41,10 38,17 79,27 13,64
20 1,502 7,66 34,57 42,23 7,4
40 1,508 12,08 29,92 42,0 7,4
Fonte: Adaptado de Marcatto (2016).

A compactação também pode ser expressa pela porosidade total dos solos (Pt) e pelo
volume de poros grandes. Assim, menores valores de densidade do solo em superfície foram
acompanhados por um maior volume total de poros, tendo em vista a correlação positiva muito
forte existente entre essas duas variáveis (r=-1) (Tabela 3).
Semelhantemente a densidade do solo, os menores valores de porosidade total
ocorreram na pastagem, com a diminuição do volume de poros nas profundidades de 20 e 40 cm.
Para o Latossolo, a Pt foi de 43,6% em superfície, 33,1% e 35,8% nas profundidades de 20 e 40

181
cm, respectivamente. No Argissolo o efeito da compactação a 20 cm de profundidade foi ainda
mais expressivo, com Pt de 36,1% em superfície, 30,2% a 20 cm e 36,6% na profundidade de 40
cm (Tabela 2).
Nesse sentido, as melhores condições de Pt foram observadas em floresta nativa, com
valores muito elevados em superfície (63,4% no Latossolo e 79,3% no Argissolo) e uma redução
nas demais profundidades (44% para o Latossolo e 42% para o Argissolo, em ambas as
profundidades).
Entre os resultados de porosidade total e densidade do solo, deve-se destacar os
resultados obtidos no Argissolo cultivado com cana-de-açúcar, com valores de Ds e Pt muito
inferiores em superfície (1,0 g.cm³ e 61,2%) e um incremento significativo com o aumento da
profundidade. Esses valores podem ser justificados pelo sistema de manejo empregado no cultivo
da cana-de-açúcar, com a aplicação do cultivo convencional, em que há a mobilização superficial
do solo durante o plantio e colheita e o adensamento das camadas inferiores não mobilizadas,
devido à acumulação da pressão exercida pelo tráfego de máquinas agrícolas. Resultados
semelhantes foram encontrados por Centurion et al. (2007) e Cruz et al. (2003).

Tabela 3- Coeficiente de correlação de Pearson para a densidade do solo (Ds), porosidade total (Pt),
macroporosidade (Ma), microporosidade (Mi), diâmetro médio ponderados dos agregados (DMPA), argila
(A), condutividade hidráulica (Kfs) e velocidade de infiltração (Vi).
Intensidade de
Variável Pt Ma Mi DMPA CO A Vi Kfs
correlação*
0 ≤ |R| <0,2
Ds -1,000 -0,803 -0,510 -0,243 -0,679 -0,003 -0,592 -0,604
(muito fraca)
0,2 ≤ |R| < 0,4
Pt 0,802 0,511 0,243 0,679 0,005 0,592 0,604
(fraca)
0,4 ≤ |R| < 0,6
Ma -0,103 0,164 0,554 -0,226 0,580 0,646
(moderada)
0,6 ≤ |R| < 0,8
Mi 0,169 0,333 0,331 0,152 0,076
(forte)
0,8 ≤ |R| ≤ 1
DMPA 0,626 0,331 -0,152 0,238
(muito forte)
CO 0,174 0,280 0,512
A -0,295 0,009
Vi 0,823
*Classificação da intensidade de correlação proposta por Zou et al. (2003), adaptada de Santos et al. (2012).
Fonte: Elaborada pelos autores (2018).

182
Além da porosidade total, o tamanho dos poros é fundamental para compreender a
dinâmica físico-hídrica dos solos. Os maiores valores de macroporosidade, responsáveis pela
movimentação da água no solo, foram encontrados no horizonte superficial da floresta nativa,
associados ao maior aporte de matéria orgânica, intensa atividade biológica e a presença de raízes
que formam canais nos solos. Desse modo, à medida que a profundidade aumenta e há diminuição
da quantidade de matéria orgânica, reduz-se, também, o volume de macroporos (Tabela 2).
Os menores volumes de macroporos para os Latossolos ocorreram no cultivo com cana-
de-açúcar, com 12,9%, 6,9% e 2,0%, nas profundidades de 5, 20 e 40 cm, respectivamente. Entre
os Argissolos, o menor volume de Ma foi observado na pastagem, representando as piores
condições físicas dos solos nos usos avaliados, com Ma variando entre 4 e 5% nas três
profundidades analisadas.
Além de apresentar relação com a quantidade de matéria orgânica e a atividade
biológica, os macroporos se relacionam com a textura e a estrutura dos solos. Dessa maneira,
observou-se que a redução no percentual de macroporos em profundidade foi acompanhada de um
incremento de argila e de uma mudança na organização estrutural dos agregados dos solos, como
ocorreu no Latossolo com cana-de-açúcar, em que os agregados granulares e os blocos
subangulares na superfície passaram a agregados subangulares no horizonte subsuperficial.
Em relação à microporosidade, não houve comportamento padrão entre os solos, usos
e profundidades. Nos Latossolos a microporosidade variou entre 22,9% e 35,3% e nos Argissolos
entre 25,9% e 38,2% (Tabela 2).
A compactação, além de alterar as propriedades físicas dos solos, reflete na infiltração
e movimentação de água no perfil. Assim, um solo, com elevada densidade e reduzido volume de
poros, tem uma redução na infiltração, aumentando o escoamento hídrico superficial e a perda de
solos por erosão. Nessa direção, a infiltração e movimentação de água no solo, expressas pelos
ensaios de velocidade de infiltração e condutividade hidráulica, apresentados na Tabela 4,
demonstraram comportamento semelhante às variáveis físicas já analisadas, com maior
permeabilidade no horizonte superficial e uma redução em profundidade.
Os ensaios de velocidade de infiltração (Vi) e condutividade hidráulica (Kfs) revelaram
valores superiores na camada superficial (0-20cm) na maioria dos usos, exceto no Latossolo
cultivado com cana-de-açúcar e no Argissolo com floresta nativa (Tabela 4). A redução da

183
permeabilidade do solo com o aumento da profundidade foi acompanhada por uma redução da
macroporosidade, apresentando correlação forte a moderada entre as variáveis (Tabela 3).
Nos Latossolos, as piores condições de permeabilidade foram observadas no uso com
cana-de-açúcar, com Vi de 130 mm/h e Kfs de 2,29 mm/h no horizonte superficial, aumentando
para 300 mm/h e 6,1 mm/h no horizonte subsuperficial. Ao estabelecer uma comparação entre os
resultados obtidos, nesse uso com a floresta nativa, tida como as condições naturais dos solos,
observou-se que a Vi, na cana-de-açúcar, foi de 13 e de 4 vezes menores no horizonte superficial
e subsuperficial, respectivamente. Para a Kfs, a diferença foi ainda mais significativa, com redução
de 39 e 11 vezes em relação à floresta nativa (Tabela 4).
Em contra partida, nos Argissolos os menores valores de Vi e Kfs ocorreram no uso
com pastagem, concordando com os dados de densidade do solo e porosidade. No horizonte
superficial a Vi foi de 240 mm/h e a Kfs de 3,3 mm/h, para o horizonte subsuperficial houve uma
diminuição da permeabilidade, com Vi de 160 mm/h e Kfs de 2,5 mm/h. A redução da
permeabilidade com o aumento da profundidade foi mais significativa no Argissolo cultivado com
cana-de-açúcar, cuja redução foi de 4 vezes para a Vi e 3 vezes para a Kfs.
A redução da velocidade de infiltração e condutividade hidráulica em profundidade,
observada nos Argissolos, evidencia uma característica típica destes solos, que possuem horizonte
superficial arenoso (A e E) e um incremento de argila em profundidade (Bt), tornando a
permeabilidade mais lenta. Embora os horizontes subsuperficiais dos Argissolos em estudo não se
caracterizem como um Bt, o incremento de argila, somado as práticas de manejo que promoveram
um maior adensamento, os tornam mais suscetíveis à ação dos agentes erosivos.

184
Tabela 4 – Média, desvio padrão e coeficiente de variação da velocidade de infiltração e condutividade
hidráulica dos Latossolos (LV) e Argissolos (PV) cultivados com pastagem (p), cana-de-açúcar (ca) e
floresta nativa (f).
Velocidade de infiltração Condutividade hidráulica
Usos e Desvio Coeficiente Desvio Coeficiente
Média Média
profundidades padrão de variação padrão de variação
(mm/h) (mm/h)
(mm/h) (%) (mm/h) (%)
LATOSSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA
LV (p) 0-20cm 1600 851,35 53,21 15,6 8,46404 54,26
LV (p) 20-40cm 840 523,07 62,27 33 23,1447 70,14
LV (ca) 0-20cm 130 147,99 113,84 2,29 2,65365 115,88
LV (ca) 20-40cm 300 216,33 72,11 6,1 4,59238 75,29
LV (f) 0-20cm 1720 1020,59 59,34 90,2 65,7002 72,84
LV (f) 20-40cm 1440 749,40 52,04 69,4 51,3564 74
ARGISSOLO VERMELHO TEXTURA MÉDIA
PV (p) 0-20cm 240 0 0 3,3 1,17932 35,31
PV (p) 20-40cm 160 69,28 43,30 2,5 0,83354 33,08
PV (ca) 0-20cm 1360 1020,59 75,04 24,2 18,1725 75,09
PV (ca) 20-40cm 320 69,28 21,65 7,8 1,03930 13,32
PV (f) 0-20cm 2160 432,67 20,03 65 11,3578 17,47
PV (f) 20-40cm 3440 499,60 14,52 98 12,4899 12,74
Fonte: Adaptado de Marcatto (2016).

Os dados de Vi e Kfs apresentaram elevada variabilidade na maioria dos usos e


profundidades analisadas. O maior coeficiente de variação ocorreu no horizonte superficial dos
solos cultivados com cana-de-açúcar, com valores superiores a 110% (Tabela 4). Elevada
variabilidade dos dados de velocidade de infiltração e condutividade hidráulica, obtidos com o
Permeâmetro de Guelph, também foram observados por Abreu et al. (2004) e Scherpinski et al.
(2010).
Outra variável importante ao estudo da qualidade dos solos é representada pela
avaliação da qualidade de sua estrutura, que pode ser expressa pelo tamanho dos agregados
presentes nos solos e a estabilidade. Neste estudo, em todos os solos cultivados, exceto no
Argissolo com pastagem, o diâmetro médio ponderado dos agregados (DMPA) foi maior no
horizonte subsuperficial, indicando agregados maiores. Assim, o tamanho dos agregados não
apresentou relação direta com o conteúdo de carbono orgânico (CO) nos solos cultivados,
considerando que o maior conteúdo de CO foi observado nos horizontes superficiais dos solos
estudados, como se verifica na Tabela 5.
O DMPA dos solos com floresta nativa representou as melhores condições de
agregação, devido ao não revolvimento do solo e a decomposição da matéria orgânica em
185
condições naturais, formando agregados maiores e mais estáveis. No Latossolo, o DMPA foi de
2,85mm em superfície e 2,17 mm em subsuperfície, com teores de carbono orgânico de 26,10 g.dm³
e 8,57 g.dm³, respectivamente. Os dados do Argissolo apontaram para agregados com DMPA de
2,59 mm em superfície e 2,09 no horizonte subsuperficial, com CO de 13,64 g.dm³ e 7,40 g.dm³.
E, em ambos os solos, não houve grande variação no percentual de argila com o aumento da
profundidade, com valores médios inferiores a 1% (Tabela 5).

Tabela 5 – Diâmetro médio ponderado dos agregados (DMPA), carbono orgânico (CO) e argila dos
Latossolos e Argissolos Vermelhos de textura média.
Solo Uso Profundidade (cm) DMPA (mm) CO (g.dm³) Argila (%)
LV Pastagem 0-20 1,11 5,84 11,47
LV Pastagem 20-40 1,83 2,73 13,71
LV Cana-de-açúcar 0-20 1,30 7,4 18,45
LV Cana-de-açúcar 20-40 1,46 7,79 25,67
LV Floresta nativa 0-20 2,85 26,1 16,45
LV Floresta nativa 20-40 2,17 8,57 17,32
PV Pastagem 0-20 1,92 12,47 10,32
PV Pastagem 20-40 1,25 7,79 14,27
PV Cana-de-açúcar 0-20 0,89 6,62 8,1
PV Cana-de-açúcar 20-40 1,42 1,17 14,17
PV Floresta nativa 0-20 2,59 13,64 12,5
PV Floresta nativa 20-40 2,09 7,4 13,05
Fonte: Adaptado de Marcatto (2016).

A redução no tamanho dos agregados dos solos cultivados com culturas comerciais,
comparados à floresta nativa, indica a degradação estrutural em ambas as profundidades analisadas,
mas que ocorre de forma mais expressiva no horizonte superficial, onde os mesmos foram menores.
Entre os agregados de menor tamanho nos Latossolos, cita-se o horizonte superficial
do uso com pastagem, que apresentou DMPA de 1,1mm. O carbono orgânico nesse horizonte foi
de 5,8 g.dm³ e o teor de argila de 11,47%. Nessa mesma profundidade, para o uso com cana-de-
açúcar, também foram observados DMPA reduzidos, com valores médios de 1,3 mm, teor de
carbono orgânico de 7,4 g.dm³ e 18,4% de argila.
No mesmo solo, em profundidade, os agregados foram menores na cana-de-açúcar
(1,46mm), comparados à pastagem (1,83mm). Apesar do uso com cana-de-açúcar apresentar
agregados menores, o percentual de CO e argila foram superiores aos observados na pastagem.
Pois o CO foi de 7,8 g.dm³ e 2,73 g.dm³ e o percentual de argila de 25,67% e 13,71%, nos usos com
cana-de-açúcar e pastagem, respectivamente (Tabela 5).
186
Para os Argissolos, a degradação da estrutura foi mais significativa no uso com cana-
de-açúcar, com agregados muito reduzidos comparados aos demais usos, apresentando DMPA de
0,89mm. O carbono orgânico foi de 6,62 g.dm³ e o percentual de argila de 8,1%. Em profundidade
houve um aumento do tamanho dos agregados, que apresentaram DMPA de 1,42mm, com uma
redução do CO (1,17 g.dm³) e aumento no percentual de argila (14,2%), comparado aos dados de
superfície.
A análise integrada entre os dados de estabilidade de agregados, densidade do solo,
porosidade e infiltração torna possível afirmar que a formação de agregados maiores em
profundidade, para a maioria dos usos, pode ser reflexo das condições de manejo da área de estudo,
que promoveu a aproximação das partículas dos solos e a formação de agregados por forças de
compressão. Assim, os agregados seriam formados por meio da ação dos implementos agrícolas
ou pelo pisoteio animal, não apresentando a estabilidade aos agentes de erosão que um agregado
formado por processos naturais teria. Salton et al. (2008) afirmam que o aumento da estabilidade
está relacionado a agentes cimentantes, ligados a aspectos biológicos e que agregados, formados
por processos físicos, podem não ser estáveis.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das análises realizadas, os resultados apontaram que os Latossolos e Argissolos
tiveram seus atributos físicos e hídricos alterados quando submetidos aos cultivos da cana-de-
açúcar e pastagens. As maiores alterações ocorreram nos horizontes subsuperficiais, com aumento
da densidade do solo, redução no tamanho e volume de poros e na velocidade de infiltração e
movimentação da água no solo.
Entre os dados obtidos, destacam-se os valores de velocidade de infiltração e
condutividade hidráulica, que apresentaram redução expressiva entre os solos cultivados (cana-de-
açúcar e pastagem), comparados aos mantidos com floresta nativa. Além da redução da
permeabilidade, quando submetidos ao manejo, observou-se uma redução com o aumento da
profundidade, o que os tornam ainda mais sensíveis à ação erosiva da água da chuva.
Evidencia-se que o ensaio de estabilidade de agregados não demonstrou correlação
com as demais variáveis analisadas. Entretanto, a comparação entre os solos cultivados e os
mantidos sob floresta nativa indica a degradação estrutural, com a redução do tamanho dos
agregados quando submetidos ao manejo agrícola. As alterações, promovidas pelo manejo sobre
187
os agregados, foram sentidas mais significativamente nos horizontes superficiais dos solos
estudados, contudo também ocorreram nos horizontes subsuperficiais.
Assim, as condições levantadas para os solos e usos em estudo apontaram para a
degradação de ambos os horizontes estudados, onde a pressão exercida, pelos maquinários
agrícolas e pelo pisoteio animal, tem promovido a aproximação das partículas dos solos e a sua
compactação. Tais condições favorecem a formação e a intensificação dos processos erosivos na
área de estudo.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pela bolsa concedida para a realização da pesquisa.

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___________________________________________________________________________

SOBRE OS AUTORES

FRANCIELI SANT’ANA MARCATTO


fran_marcatto@hotmail.com
Graduada em geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2013), Mestre em Geografia pela
mesma instituição (2016). Atualmente cursa o Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Estadual de Maringá, com previsão de conclusão em 2020.

HÉLIO SILVEIRA
hesiveira70@hotmail.com
Graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá – Licenciatura em 1993 e
bacharelado em 1994. Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho UNESP – Presidente Prudente (1998). Doutorado em Geografia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP – Rio Claro (2001). Professor do Curso de
Geografia – UEM (2003) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia – UEM, desde
2011.

190
7

AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DO HORTO FLORESTAL DE


ASTORGA, PR

Giuliano Torrieri Nigro


Lourenço José Neto Moreira

RESUMO

O presente trabalho buscou analisar o papel socioambiental do horto Florestal de Astorga, PR, com
objetivo de caracterizar sua função ecológica enquanto remanescente florestal e seu papel social
em relação aos serviços e equipamentos oferecidos no espaço em questão. Foi realizado o
levantamento de dados por meio da literatura existente e posterior análise das condições da
vegetação do fragmento florestal estudado, analisando a ocorrência de espécies invasoras, como
Leucaena leucocephala (Lam)R. de Wit “leucena”, estrutura arbórea e arborescente, efeito de
borda, entre outras características que evidenciam a forte influência antrópica, que acarreta
mudanças significativas na conformação do espaço. Foi realizado também o levantamento de dados
por meio de visitas in loco para avaliar a qualidade da infraestrutura e dos equipamentos de uso
público do horto florestal. Os procedimentos metodológicos garantiram uma visão completa das
funções socioambientais que desempenha o horto para a cidade de Astorga, assim como
proporcionará subsídios importantes para futuras pesquisas que visem a melhoria de sua gestão. A
pesquisa indicou que o horto necessita de urgentes reformas e readequações nos equipamentos de
uso público e um cuidado maior no manejo da vegetação, por constituir-se um remanescente da
Floresta Estacional Semidecidual em meio urbano.

Palavras-chave: Parque Urbano. Fragmentos Florestais. Áreas Verdes Urbanas.

191
INTRODUÇÃO
O crescimento da urbanização, os adensamentos urbanos e o crescimento populacional
nas cidades são problemáticas marcantes na atualidade, resultando em progressiva degradação da
qualidade ambiental no meio urbano.
Nesse sentido, as últimas décadas foram marcadas por discussões sobre os diversos
problemas ambientais causados por todo esse processo, que mudou radicalmente a relação do
homem com a natureza, inserindo a discussão da importância das áreas verdes urbanas no
panorama atual das cidades.
É de amplo conhecimento os benefícios ecológicos que as áreas verdes urbanas podem
trazer para as cidades, entre eles: conforto térmico; controle de poluição; equilíbrio no índice de
umidade relativa do ar; proteção das nascentes e mananciais; estabilização e proteção dos solos;
valorização paisagística; conservação da biodiversidade; entre outros (DE ANGELIS e LOBODA,
2005; MASCARÓ e MASCARÓ, 2010; SAMPAIO, 2013).
No entanto, deve-se destacar que as áreas verdes urbanas, principalmente na categoria
de parques urbanos e hortos florestais, não possuem apenas funções ecológicas, mas também
sociais. É no contexto das múltiplas funções socioambientais desempenhadas por estas áreas no
ambiente urbano, que o presente texto dissertará.
Não é possível generalizar as funções que os parques urbanos desempenham no
contexto atual das cidades, tendo em vista a existência de parques que têm como função ecológica
o seu forte, assim como existem outros no qual a função predominante é a de prover lazer e
recreação para a população. Na verdade, o que se sabe é que possuem a tarefa de aliar práticas
conservacionistas com o provimento do lazer e recreação para a população, por meio de
equipamentos de uso público.
Considerando a importância desse tema, a presente pesquisa se propõe a compreender
as funções socioambientais do Horto Florestal de Astorga (PR) enquanto fragmento florestal que
se localiza dentro da malha urbana, com vias à superação não apenas do ponto de vista da
importância ecológica que a área possui, que é evidente, mas também em relação às funções sociais
que desempenha perante à comunidade, principalmente o de lazer e contemplação. Com isso,
buscou-se efetuar análise das condições de uso público do Horto com a realização de levantamento
dos principais equipamentos, verificando a presença destes e a sua condição de conservação, com
o intuito de diagnosticar se a área atende à funcionalidade social.
Por considerar a área de estudo um fragmento florestal urbano foram também efetuadas
análises das condições atuais da vegetação, possibilitando uma reflexão sobre sua função ecológica,
avaliando os efeitos de borda e a relação desta área verde com o espaço construído, tendo como
objetivo a análise das condições ambientais do parque. A análise da vegetação permite verificar o
grau de interferência do entorno construído. Com esses dois procedimentos metodológicos
descritos acima, foi possível diagnosticar as condições socioambientais do Horto Florestal de
Astorga (PR), servindo como suporte a futuros trabalhos de planejamento e gerenciamento da área.

1.1. Função Socioambiental dos Parques Urbanos


Em meio ao progressivo processo de urbanização, as áreas verdes urbanas vêm
ganhando relativa importância no contexto das cidades, sendo elas os remanescentes de algum
contato que o cidadão urbano ainda tem com o ambiente natural, proporcionando um significativo
aumento na qualidade de vida e satisfação da população local.
Desse modo, as áreas verdes urbanas propiciam melhoria nos centros urbanos por
garantirem áreas de lazer e preservação ambiental (LIMA et al., 1994). Os parques, no geral, são
procurados diariamente para a prática de atividades de lazer que vão desde caminhadas e
piqueniques até observação de fauna e flora, entre outros. Porém, além de propiciar lazer para a
população local, estas áreas constituem-se elementos centrais para a qualidade de vida e o bem-
estar da população, influenciando em sua saúde psicofísica. Elas agem, simultaneamente, sobre o
lado físico e mental do indivíduo. Em relação ao lado físico: controle do microclima, atenuação de
calor; controle da poluição, absorção de ruídos, filtragem de partículas sólidas em suspensão no ar;
na conservação da água, reduzindo também a erosão. No plano psicológico: atenuação do
sentimento de opressão do homem em relação às grandes edificações e contribuem para a formação
do senso estético (DE ANGELIS e LOBODA, 2005; MASCARÓ e MASCARÓ, 2010).
O parque urbano é uma tipologia de área verde urbana, mas de difícil caracterização
pelas diferentes dimensões, funções, equipamentos e formas de tratamento. As funções não
obedecem a um único padrão, pois alguns estão voltados para a prática sustentável e proteção
ambiental, outros estão mais ligados à massiva visitação voltada ao lazer. Em relação aos
equipamentos variam desde os que possuem equipamentos culturais até os que possuem
193
equipamentos esportivos ou voltados para o lazer da população (SCALISE, 2002). Em outras
palavras, os parques urbanos não obedecem a padrões, moldam-se, modificam-se de acordo com
os interesses de cada sociedade, em cada época.
Em meio à dificuldade de sua categorização quanto à função socioambiental, o que se
sabe é que os parques urbanos, assim como outras áreas livres de construção, devem ser usufruídos
e apropriados pela população local para que se tenha alguma vitalidade e que possa ser patrimônio
natural daquela sociedade (JACOBS, 2000).
Pode-se considerar os fragmentos florestais urbanos como uma tipologia de área verde,
que pode ser transformada, de acordo com a sua função e importância, em parques, hortos ou
Unidades de Conservação. São resquícios de vegetação natural circundados por uma matriz urbana
(SANTIN, 1999). Diferentemente de áreas afastadas do meio urbano, onde é comum os fragmentos
florestais serem enquadrados enquanto Áreas Naturais Protegidas e/ou Unidades de Conservação,
os fragmentos florestais urbanos possuem dinâmica interna, relações com o entorno e
funcionalidades próprias, que muito tem a ver com as constantes pressões antrópicas a que essas
áreas são submetidas constantemente (PUGLIELLI NETO, 2008; SAMPAIO, 2013; CARDOSO,
2016).
Do ponto de vista ecológico, a vegetação dos fragmentos urbanos é modificada
continuamente pela ação antrópica e invasão de espécies exóticas, se comparada com fragmentos
da mesma dimensão em áreas mais afastadas do meio ambiente urbano (DICKMAN, 1987). Trata-
se de um complexo vegetacional que está sob constante pressão antrópica e por isso não deve ser
entendido apenas pelo prisma do preservacionismo.
A ocupação humana e o uso do solo durante o processo histórico de ocupação do
município de Astorga têm sido caracterizados pela retirada quase completa da cobertura vegetal,
resultando na fragmentação da paisagem. No que diz respeito ao número de superfície afetada, as
atividades ligadas à agropecuária industrial se caracterizam como as principais ações degradadoras,
já que utilizam grandes extensões de terras, deixando apenas pequenos fragmentos para cumprirem
leis ambientais. Porém, nas áreas urbanizadas os impactos podem ser mais intensos e concentrados,
apesar de serem mais restritos em termos de área (PUGLIELLI NETO, 2008).
Em áreas antropizadas, as atividades humanas realizadas na matriz não permitem a
expansão natural da floresta, conduzindo a área à um estado regressivo, impedindo a ampliação

194
dos limites dos fragmentos. Nesse caso, a borda se torna constante e impede a sucessão ecológica
da área, ou seja, o fragmento é impedido de se expandir (MARTINS, 2012).
Como consequência das mudanças do uso e ocupação da terra, a formação florestal da
região, representada pela Floresta Estacional Semidecidual (IBGE, 1992), ficou disposta na forma
de fragmentos de tamanhos reduzidos e em sua maioria desprovidos de conectividade e com pouca
diversidade de estrato e de espécies arbóreas. O desmatamento e, consequentemente, a
fragmentação florestal ocasionam mudanças na biodiversidade da fauna e flora, constituindo como
uma das preocupações da biogeografia em compreender a dinâmica desta alteração. “As
comunidades biológicas, podem sofrer impacto e as espécies serem levadas à extinção por fatores
externos” (PRIMACK; RODRIGUES, 2001, p.104).
Esta condição dificultou o desenvolvimento de espécies nativas da Floresta Estacional
Semidecidual e contribuiu para a proliferação de espécies exóticas mais adaptadas às perturbações
antrópicas, favorecendo o aparecimento e proliferação destas espécies na borda, como Leucaena
leucocephala (Lam)R. de Wit “leucena”, Panium maximum “capim colonião”, Psidium guajava L.
“goiabeiras”, Bambus, eucaliptos, Schinus terebinthifolius “aroeira vermelha”, Ricinus communis
“mamona”.
Cardoso (2016) salienta que a presença de espécies exóticas e invasoras em áreas de
vegetação arbórea nos espaços urbanos tem sido alvo de preocupação dos paisagistas, dos
pesquisadores e da municipalidade. No momento, o questionamento da importância da vegetação
de qualidade nas áreas verdes está fortemente relacionada à conservação dos ecossistemas locais.
É notório que a luminosidade é fator primordial para o aparecimento de espécies
invasoras, como a leucena, por exemplo, que é originária da América Central, de onde se dispersou
para outras partes do mundo devido à sua versatilidade de utilização. A fragmentação florestal em
áreas antropizadas, como no caso das cidades, favoreceu o desaparecimento de espécies nativas,
contribuindo para a formação de um ambiente propício às espécies mais cosmopolitas, adaptadas
a ambientes alterados.
Contudo, é clara a importância ecológica que os fragmentos urbanos desempenham no
contexto atual das cidades, no entanto, quando aparecem em forma de parques ou hortos florestais,
sua importância se complexifíca, na medida em que adquire funcionalidade não apenas ecológica,
mas social. Por isso, têm que aliar a necessidade da conservação com a obrigatoriedade do

195
provimento ao lazer para a população. A área estudada tem a característica de gerir estes dois
aspectos (ecológico e social), por isso deve ser analisada sob essas duas perspectivas.

2. MATERIAIS E MÉTODO
O trabalho é composto por dois procedimentos metodológicos que visam avaliar as
funções socioambientais do Horto Florestal de Astorga (PR). Para tal, como primeiro
procedimento, foram efetuadas análises de campo e estudo da literatura existente para avaliação
das condições atuais da vegetação remanescente, utilizando adaptações das fichas de levantamento
de campo de Ferreira (2003), onde se observou o aspecto geral da vegetação, verificando a relação
deste fragmento com o espaço construído, analisando os efeitos de borda e a presença de espécies
vegetais invasoras. Optou-se por analisar estes dois parâmetros, pois entende-se que estes
evidenciam o grau de interferência antrópica a que o fragmento é submetido.
A segunda etapa metodológica possibilitou, através de análise de campo, avaliar as
condições de uso público do horto, dando ênfase ao estudo das condições funcionais e estruturais
dos equipamentos do parque para o uso. Para esta etapa foi aplicada uma adaptação da metodologia
desenvolvida por Cardoso (2016), que buscou verificar a ocorrência de cada tipo de equipamento
e serviço presentes nos parques e demais áreas verdes, assim como o seu estado de conservação.
Foram avaliados os serviços: manutenção; limpeza; atendimento ao público; atividades
culturais; e segurança. Quanto aos equipamentos de lazer: pista de caminhada; parque infantil;
quadra esportiva; quiosques; e aparelhos de academia. Quanto aos equipamentos ligados à questão
estética do horto: jardins; portal de acesso; obras de arte; fonte (chafariz); e lago artificial. Também
foram avaliados os equipamentos de utilidade pública, como: a presença ou não de bebedouros;
telefones públicos; sinalização; palco e sanitários.
Os procedimentos metodológicos são complementares e ocorreram de forma
concomitante, pois, apesar das análises serem independentes, estão interligadas. A aplicação da
presente metodologia mostrou-se satisfatória para analisar as condições socioambientais do Horto
Florestal de Astorga (PR), dando subsídios às análises futuras que envolvam planejamento e gestão
da área.

196
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O município de Astorga localiza-se na Região Norte Central Paranaense nas
coordenadas 23º 13’ 57” de latitude Sul e 51º 39’ 57” de longitude Oeste (Figura 1), e foi fundado
oficialmente em 14 de dezembro de 1952. A história se inicia a partir da colonização dirigida pela
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, assim como um grande número de municípios da
região. Astorga tem sua formação fortemente influenciada pela atividade agrícola, em especial a
cafeicultura, influenciando na forma em que foram divididos os lotes, sendo determinante na
organização do espaço geográfico.

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

Neste contexto, o Horto Florestal de Astorga, fundado em 1996, constitui um dos


poucos remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual localizada no espaço urbano, com uma
área de 145.967.79 m², composta por um pequeno fragmento florestal e as demais áreas por

197
gramíneas plantadas e por árvores de arborização urbana, sobretudo a sibipiruna Caesalpinia
peltophoroides. Ocupa uma área de nascente, próximo do ribeirão Medina, que faz parte da bacia
do Pirapó, e de um lago de barragem localizado no seu interior. A área de estudo enquanto
remanescente florestal, configura-se como um potencial corredor de biodiversidade.
Originalmente, a área é pertencente ao Domínio da Floresta Atlântica, considerado como um bloco
florestal heterogêneo, porém com substituições contínuas de suas espécies ao longo de toda sua
extensão (SCUDELLER, 2002).

3.1 Avaliação das condições atuais da vegetação


A partir do ano 2002, foram realizadas inúmeras atividades ligadas ao plantio de
espécies nativas e exóticas no Horto Florestal de Astorga, com objetivo de reflorestar e revitalizar
a função social do espaço em questão.
A ocorrência de espécies exóticas é geralmente maior em locais que já sofreram
perturbações decorrentes da ação do homem. Pelo excesso de luminosidade nas bordas, há um
desenvolvimento maior de espécies vegetais intolerantes à sombra (também chamadas pioneiras),
e uma maior permeabilidade de sementes, dentre elas, diversas exóticas. O aumento da exposição
ao vento causa incremento na taxa de queda e mortalidade de espécies vegetais, e a temperatura e
a umidade tornam-se bem diferentes daquelas do interior (PRIMACK; RODRIGUES, 2001).
Sobre o efeito de borda nas áreas adjacentes ao Horto Florestal, é importante citar que
este se torna realmente agressivo, contribuindo para uma regressão do estado evolutivo das áreas
florestadas, já que as atividades antrópicas, realizadas nas áreas adjacentes ao Horto, não permitem
a expansão natural da floresta. Assim, os limites destes fragmentos não se ampliam, a borda fica
constante, não permitindo que a sucessão ecológica ocorra aumentando a área florestal, ou seja, a
floresta naturalmente procura estender sua área, mas é bloqueada (MARTINS, 2012).
Os efeitos do isolamento de um fragmento podem ser minimizados pela composição
da matriz que o circunda e, numa escala maior, pela composição da paisagem onde o fragmento
está inserido (JORDANO et al., 2012). Neste contexto, o Horto Florestal se apresenta como um
pequeno fragmento, isolado e submetido à forte efeito de borda, com estrato arbóreo
descaracterizado em relação às condições naturais, infestação de lianas agressivas e espécies
invasoras (Figuras 2 e 3).

198
Com isso, é importante salientar a necessidade de integração entre as Unidades de
Conservação, Áreas de Proteção Permanentes e demais fragmentos florestais, por meio de matas
galerias, fundos de vales ou outros tipos de corredores ecológicos que possam possibilitar o fluxo
gênico e consequentemente favorecerem o desenvolvimento da fauna e flora para um estágio mais
próximo do natural.

Figura 2 - Efeito de borda – gramíneas Figura 3 - Leucenas (espécie exótica)

Fonte: Elaborado pelos autores (2017)

Na faixa de borda da floresta as concentrações mais altas de espécies exóticas são


frequentemente encontradas em habitats que foram, em grande parte, alterados pela atividade
humana (PRIMACK; RODRIGUES, 2001). No interior do Horto em uma pequena estrada que
atravessa a floresta foi observada a presença marcante de cipós (figura 4) e na parte externa da área
florestada a mamona e o capim colonião, são as espécies que ocupam uma área mais ampla nos
espaços relativos à borda da vegetação (figura 5).

199
Figura 4 - Interior do Horto com cipós Figura 5 - Efeito de borda no interior do Horto

Fonte: Elaborado pelos autores (2017)

A ação humana no entorno dos fragmentos florestais pode criar condições ambientais
não usuais, tais como pulso de nutrientes, aumento da incidência de queimadas, e/ou de radiação
solar, às quais as espécies exóticas podem se adaptar mais rapidamente do que as nativas
(PRIMACK; RODRIGUES, 2001).

3.2 Análise das condições de uso público


O Horto configura-se como um importante remanescente florestal, além de constituir
espaço livre, possuindo elementos integradores entre as áreas construídas e os espaços verdes da
paisagem urbana, normalmente associados a espaços de lazer, prática esportiva, entre outras
funções relativas à necessidade da população urbana.
De acordo com a metodologia utilizada por Cardoso (2016), observou-se os seguintes
elementos:
➢ Atendimento ao Público – o local conta com escritório da EMATER (Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural) e Departamento de Agricultura e Meio Ambiente,
porém, não há nenhum centro de visitantes para recepção e nenhum local para
desenvolvimento de serviços que possam ser aproveitados pela comunidade, como a
educação ambiental, por exemplo.
➢ Limpeza – a limpeza do Horto é precária, principalmente nas áreas adjacentes ao lago. A
proximidade com conjuntos habitacionais, a presença de pastagem e animais domésticos
200
nas suas imediações, os efeitos indiretos da destruição do habitat, somado às condições
urbanas adjacentes da área e o grande fluxo de pessoas, favorecem o descarte do lixo
orgânico e inorgânico no interior do parque, assim como acúmulo de entulhos (figura 6),
que constituem problemas graves a serem reparados. No entanto, a área possui ponto de
coleta de lixo eletrônico.
➢ Manutenção – no geral, a manutenção do Horto encontra-se em estado precário, os
equipamentos de lazer, academia, bancos e bebedouros estão desativados, abandonados e
cobertos por vegetação, o que reflete a situação de abandono por parte da administração
local. Os pontos de caminhada encontram-se em bom estado de conservação, contudo, as
calçadas no interior do Horto estão fora de condições de uso.

Figura 6 - Acúmulo de lixo e entulhos no interior do Horto

Fonte: Elaborado pelos autores (2017)

➢ Atividades culturais/ Palco – não foram encontradas atividades culturais ocorrendo, assim
como nenhuma estrutura montada para atender esse tipo de atividade.
➢ Segurança – não há nenhum efetivo de segurança na localidade. Encontra-se apenas uma
guarita que está em desuso na maior parte do tempo. As condições de segurança são
péssimas, ampliando ainda mais a sensação de abandono. É importante apontar que as
condições de segurança também envolvem a falta de manutenção de equipamentos de lazer,
uma vez que a falta desta pode colocar em risco os usuários do parque.

201
➢ Equipamentos esportivos - o horto oferece equipamentos e espaços destinados à prática de
atividades esportivas, contudo, em estado precário de conservação, apresentando bancos
quebrados e inadequados ao uso público, assim como a presença de aparelhos de academia
sem o mínimo de manutenção e cuidado (figura 7). O horto conta também com uma quadra
esportiva ao ar livre e um campo de futebol, ambos em estado de abandono, com presença
de vegetação recobrindo a área (figuras 8). Com isso, observa-se a negligência continuada
com os espaços públicos da cidade, originando mais decadência e deterioração, conforme
observa-se em relação às condições atuais das quadras esportivas.

Figura 7 - Equipamentos abandonados Figura 8 – Quadras esportivas abandonadas

Fonte: Elaborado pelos autores (2017)

➢ Quiosque – possui uma lanchonete em bom funcionamento.


➢ Parque infantil – não há aparelhos e áreas destinados ao público infantil.
➢ Jardins – não há presença de jardins para a melhoria estética do parque, também sendo
elemento degradador da imagem e da situação de abandono da área.
➢ Portal de acesso – há um portal de acesso ao Horto, porém, as esquadrilhas metálicas estão
sem vidros.
➢ Obras de arte/Fonte (chafariz) – não há.
➢ Lago artificial – encontra-se poluído, observando-se excesso de matéria orgânica, o que
evidencia sua situação de abandono.

202
➢ Bebedouro – foram identificados bebedouros em poucos pontos, porém, em estado precário
de conservação.
➢ Telefone público: não há.
➢ Sinalização: é precária. Praticamente não existem placas de identificação ou direção. A falta
de sinalização evidencia o abandono do horto, já que não há nenhuma preocupação com os
visitantes que não conhecem a localidade.
➢ Sanitários: foram identificados, porém, fechados em todas as ocasiões de levantamento de
campo.
Atualmente, o Horto Florestal de Astorga está passando por uma reestruturação e
reforma, com investimentos dos Governos Federal e Municipal, com construção de calçadas para
a prática da caminhada, instalação de iluminação rebaixada, calçadas com faixas guias na parte
externa para auxiliar a locomoção de pessoas com limitações físicas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Horto Florestal configura-se como uma das áreas florestais mais importantes do
município de Astorga, contudo, o presente estudo evidenciou uma vegetação florestal bastante
alterada em relação à floresta nativa da região, composta por espécies comuns de áreas que
sofreram alteração antrópica, com pouca diversidade de estrato arbóreo, muitos indivíduos jovens,
isolados por espécies invasoras, e forte influência do efeito de borda, com trilhas no interior do
bosque, clareiras e utilização do espaço para descartes de resíduos sólidos. Além disso, constitui-
se um fragmento praticamente isolado das demais unidades florestais do município, favorecendo a
proliferação de espécies invasoras, em sua maioria de outros biomas, conforme já citadas.
A sua localização na área urbana e a influência que tem na vida da população, o torna
indiscutivelmente importante para a integração social e qualidade de vida, principalmente por ser
um dos poucos remanescentes florestais da região, fazendo-se necessário buscar alternativas de
preservação de nascentes, fauna e flora, fundamentais para a busca de um ecossistema urbano mais
saudável. É preciso, então, implementação urgente de manejo para a recuperação florestal nativa,
a fim de garantir sua função ecológica e social.
Assim, constatou-se, por meio do breve levantamento efetuado, que o parque possui
forte vocação para o provimento de lazer à população, mas que não está cumprindo adequadamente
essa função por motivos de abandono da administração pública, evidenciando-se falta de
203
manutenção dos equipamentos, problemas ligados à segurança dos usuários e falta de limpeza.
Mesmo passando por reformas atuais, o local necessita urgentemente de readequação para o uso
público, uma vez que os espaços se encontram demasiadamente degradados.

REFERÊNCIAS

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Estratégias de Gestão Ambiental na Microrregião de Campo Mourão – PR. 221f. Tese
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DICKMAN, C.R. Habitat Fragmentation and Vertebrate Species Richness in a Urban


Environmet. The Journal of Afflied Ecology, v.24, n.2. London: British Ecological Society,
1987, p.337-351.

FERREIRA, M.E.M.C. Vegetação do Paraná: uma abordagem biogeográfica. Anexo:


Metodologias e técnicas de levantamento biogeográfico. Exemplar do Laboratório de Geografia
Física/Departamento de Geografia. Maringá, Paraná: Universidade Estadual de Maringá, 2003.

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Manual Técnico da


Vegetação Brasileira. n.1, Rio de Janeiro, RJ: 1992. 92p. (Séries Manuais Técnicos em
Geociências).

JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

JORDANO, P.; GALLETI, M; PISO, M.A.; SILVA, W. R. Ligando frugivora e dispersão de


sementes à biologia da conservação. In. MARTINS, S.V.; NETO, A.M; RIBEIRO, T. M.
Ecossistemas degradados: uma abordagem sobre diversidade e técnicas de restauração
ecológica.Viçosa, MG: Ed. UFV, 2012. p.17- 40.

LIMA, et al. Problemas de utilização na conceituação de termos como espaços livres, áreas
verdes e correlatos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ARBORIZAÇÃO URBANA, 2, 1994.
São Luís/MA. Anais... São Luiz: Imprensa EMATER/MA, p. 539-553, 1994.

MARTINS, S. V. Restauração ecológica de ecossistemas degradados. Viçosa, MG: UFV,


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MASCARÓ, L; MASCARÓ, J. L. Vegetação Urbana. Porto Alegre: Masquatro editora, 2010.

PRIMACK, R. B.; RODRIGUES, E. Biologia da conservação. Londrina: E. Rodrigues, 2001.


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204
PUGLIELLI NETO, H.F. Análise da Fragmentação da Cobertura Vegetal como subsídio ao
Planejamento da Paisagem em Áreas Urbanizadas: Aplicação ao Bairro de Santa Felicidade,
Curitiba/PR. 2008. 170f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal do Paraná,
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SAMPAIO, A.C.F. O Processo de degradação e o estado de conservação da flora nos


Fragmentos Florestais da área rural do município de Maringá, Paraná. 264f. Tese
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SANTIN, D.A. A vegetação remanescente do município de Campinas (SP): mapeamento,


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(Doutorado em Biologia) – Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas, Campi-
nas, 2002.

205
SOBRE OS AUTORES

GIULIANO TORRIERI NIGRO


gnigro2011@gmail.com

Graduado em Turismo com ênfase em Ecoturismo e Meio Ambiente pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2008), Licenciado em Geografia pela Unicesumar (2019), Mestre em
Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2016) e Doutorando em Geografia pelo
PGE/UEM (2016). Atua na área de Análise Ambiental, com enfoque biogeográfico da
fragmentação e recomposição florestal no meio urbano. Atualmente é docente colaborador do curso
de Turismo e Meio Ambiente da Universidade Estadual do Paraná – campus de Campo Mourão –
PR.

LOURENÇO JOSÉ NETO MOREIRA


Lourencojose81@gmail.com

Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2004), Licenciado em Ciências


Sociais pela Universidade Metropolitana de Santos (2016), Especialização latu sensu em
Planejamento Ambiental pela Unicesumar (2007) Mestre em Geografia pela Universidade Estadual
de Maringá (2014) e Doutorando em Geografia pelo PGE/UEM (2016). Atua na área de Análise
Ambiental, com enfoque biogeográfico da fragmentação e recomposição da Floresta Estacional
Semidecidual. Atualmente é docente do Colégio Estadual Engenheiro José Faria Saldanha -
Munhoz de Mello - PR.

206
8

ANÁLISE DO CARACOL GIGANTE AFRICANO NA ZONA 07 DO MUNICÍPIO DE


MARINGÁ, PARANÁ: UTILIZAÇÃO DA TEMPERATURA MÉDIA DO AR E MATRIZ
DE PERMUTAÇÃO ORDENÁVEL

Renan Valério Eduvirgem


Maria Eugênia Moreira Costa Ferreira

RESUMO

A cartografia possui diversos métodos fundamentais para tratamento de dados. Nesse estudo
utilizou-se a Neográfica, para compreensão do período de maior atividade da espécie exótica
conhecida como caracol gigante africano (Achatina fulica), correlacionada com a temperatura
média do ar. Compreender o período de maior atividade desse caracol é importante, pois esse
molusco foi listado como uma das cem piores espécies exóticas invasoras do planeta, além de ser
reservatório dos parasitas Angiostrongylus cantonensis e Angiostrongylus costaricensis, que
podem ser transmitidos aos seres humanos. O período elencado nesse estudo foi de três anos, 2005
a 2007, tendo como objetivo analisar os períodos de maior atividade do caracol gigante africano.
A metodologia utilizada foi a matriz de permutação ordenável, que compõe a Neográfica e é
utilizada como tratamento gráfico de informações com o propósito de revelar informações novas.
Nesse método as tabelas são redesenhadas e reconstruídas através da manipulação dos dados até
que a informação seja revelada com clareza, com todas as relações contidas. Para confeccionar a
matriz de permutação ordenável, com propósito de obter a matriz tratada, utilizaram-se os dados
de temperatura média do ar correlacionados com Achatina fulica. Concluiu-se, no período estudado
e com base nos dados de temperatura que os meses mais propensos para atividade da espécie são:
janeiro, fevereiro, março, novembro e dezembro (Grupo 01 – Ideal). Portanto, acredita-se que o
período que o caracol gigante africano pode demonstrar maior atividade é no verão.

Palavras-chave: Caracol. Espécie exótica. Cartografia.

207
INTRODUÇÃO
Popularmente conhecido como caramujo gigante africano, a espécie Achatina fulica
(Figura 01) será tratada neste artigo como caracol gigante africano, pois é uma espécie terrestre e
não aquática, embora essa espécie exótica necessite de umidade para sobreviver.

Figura 01 – Achatina fulica

Fonte: Eduvirgem (2018).

A espécie A. fulica, compõe o Filo Mollusca, que integra o grupo dos invertebrados,
abrangendo a Classe dos Gastrópodes. Essa espécie pode alcançar o tamanho de 08 centímetros de
largura, 20 centímetros de comprimento e pesar até 200 gramas (LUCENA, 1951; PAPAVERO,
1972; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1974; FORCART, 1978; FORCELLI, 2000).
De acordo com os estudos de Lowe et al. (2004), a espécie A. fulica está entre as cem
piores espécies exóticas invasoras do planeta e possui alto potencial de dispersão (EDUVIRGEM;
FERREIRA, 2017). Além disso, é reservatório dos parasitas Angiostrongylus cantonensis e
Angiostrongylus costaricensis, que podem causar agravos aos seres humanos quando a espécie está
contaminada (MORERA; CÉSPEDES, 1971; ALICATA, 1991).
O caracol gigante africano está diretamente relacionado com a temperatura do ar. Esse
elemento climático é essencial para existência da espécie, pois determina se A. fulica estará em
período de atividade ou estivação8, mas também pode ser letal. De acordo com os estudos de

8
Comportamento em que o animal reduz seu metabolismo aguardando períodos com condições climáticas que
corroborem para alimentação e reprodução.
208
Forcart (1978), o Brasil possui regiões com ótimas condições climáticas para o caracol, visto que
as temperaturas letais para A. fulica são mínima de -0,2°C e máxima de 41,2°C (ZHOU et al., 1998
apud KOSLOSKI; FISCHER, 2002). Essas temperaturas corroboram as obtidas por Raut e Ghose
(1984), no que concerne a amplitude de sobrevivência de 0°C a 45°C, com faixa de temperatura
ideal de 22°C a 32°C.
Para o controle do caracol gigante africano, a medida mais utilizada é a catação
manual. Segundo Paiva (2004) essa medida consiste no manuseio do caracol gigante africano e
seus ovos com a utilização de luvas descartáveis ou sacos plásticos, e, na sequência embalando-os
e incinerando.
Para gerar informações no presente trabalho, no tratamento dos dados, utilizou-se a
Neográfica que é utilizada como tratamento gráfico de informações com o propósito de revelar
informações novas. Nesse processo as tabelas são redesenhadas e reconstruídas através da
manipulação dos dados, até que a informação seja revelada com clareza, com todas as relações
contidas. A Neográfica tem como intuito converter o “gráfico ilustração” em “imagem viva”,
modificando a costumeira “imagem figurativa” em imagem operacional (BERTIN, 1986).
A Neográfica utiliza as propriedades das imagens visuais com a finalidade de promover
às relações de diferença, proporcionalidade e ordem entre outros dados. A teoria matricial possui
fundamentação na Semiologia Gráfica, que se constitui de um sistema coerente e homogêneo da
análise da linguagem gráfica, de sua pedagogia e de seu emprego.
De acordo com os estudos de Bertin (1986) a metodologia é desinente da construção
que pode ser utilizável em todos os casos em que a tabela de dados é formada por
diversidade/diversidade, e não ultrapassa x x y = 10.000. As manipulações experimentais podem
ir até 415 x 76 = 31.850 dados. Esse procedimento permite a possibilidade de realizar a permutação
das linhas e colunas, sem necessitar redesenhar a imagem a cada vez, permitindo diversas
possibilidades. Pode-se observar o exemplo que Bertin (1986) denotou em sua obra (Figura 02).

209
Figura 02 – Esquema de representação de matriz de permutação ordenável

Fonte: Bertin (1986).

Estudos utilizando a matriz de permutação ordenável não são facilmente encontrados


na literatura. Dos estudos já realizados, menciona-se como o exemplo o ensaio desenvolvido por
Santos, Sanchez e Mingoti (1998), cujos autores relacionaram a matriz de permutação ordenável
com tratamentos matemático-estatísticos; Kao et al., (2014), com ensaio sobre análise exploratória
de dados simbólicos com valor de intervalo; Eduvirgem e Queiroz (2016), em que os autores
desenvolveram a análise do perfil da produção vegetal no estado do Paraná; Martinelli (2018), na
construção de um mapa de síntese dos tipos de ambiente do estado de São Paulo.
Diante do exposto, esse trabalho tem o objetivo de analisar os períodos de maior
atividade do caracol gigante africano na Zona 07 de Maringá, Paraná, no período de 2005 a 2007.
Promovendo uma análise por meio da temperatura média do ar, e, da matriz de permutação
ordenável. Ressalta-se que esse estudo é o primeiro a utilizar a matriz de permutação ordenável
para compreender os períodos de atividade de Achatina fulica.

2. MATERIAIS E MÉTODO
2.1 LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DA ÁREA
O município de Maringá está localizado na região Norte-Central do estado do Paraná
(Figura 03), no terceiro planalto paranaense, conhecido também como Planalto Arenito-Basáltico,
localizado no interior da unidade denominada de Planaltos e Chapadas da Bacia do Paraná (ROSS,
1996). A população absoluta em 2010, segundo o censo era de 357.077 habitantes. A população
estimada é de 417.010 habitantes para o ano de 2018 (IBGE, 2018).
Na Zona 07 (Figura 03), os lotes iniciaram a comercialização por volta de 1947. Essa zona
está localizada na área centro-norte da zona urbana da cidade de Maringá, com área aproximada de

210
4,8 Km2. A delimitação abrange ao norte a Universidade Estadual de Maringá (UEM), ao sul as
Zonas 09 e 10, a leste as Zonas 11, 23 e 29, a oeste a Zona 14.

Figura 03 - Mapa de localização da Zona 07

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

211
2.2 AQUISIÇÃO DOS DADOS E TRATAMENTO
A metodologia utilizada nesse trabalho, a matriz de permutação ordenável, foi
desenvolvida por Bertin (1986). No processo de pesquisa utilizou-se uma tabela com os dados de
temperatura média do ar, do município de Maringá, Paraná (Tabela 01), cuja aquisição foi realizada
na Estação Climatológica Principal de Maringá (ECPM) localizada dentro da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). A matriz de permutação ordenável permite realizar a permutação em
ambos os eixos, tanto na horizontal, como na vertical. Neste estudo houve a necessidade somente
na horizontal.

Tabela 01 – Temperatura Média do Ar em °C


Anos
Mês
2005 2006 2007
Janeiro 24,95 26,59 25,25
Fevereiro 27,07 25,19 26,01
Março 27,10 25,91 26,32
Abril 25,37 23,52 25,04
Maio 22,73 19,84 20,38
Junho 21,86 20,75 21,46
Julho 18,66 21,95 18,85
Agosto 22,73 22,61 22,11
Setembro 20,21 21,42 25,99
Outubro 24,39 25,48 26,16
Novembro 25,61 25,83 25,04
Dezembro 25,82 26,31 26,29
Fonte: Estação Climatológica Principal de Maringá (ECPM) (2016).

Os dados de ocorrência do caracol gigante africano na Zona 07 foram fornecidos pela


Secretaria de Saúde do município (Figura 04). A participação da população é fundamental para
alimentar os dados da Secretaria de Saúde, pois os dados são registrados via ligações. Um
profissional é enviado para cada residência que realizou a reclamação da espécie exótica para
confirmação e identificação da espécie.

212
Figura 04 – Ocorrências do caracol gigante africano na Zona 07 de Maringá, Paraná, no período de 2005
a 2007

Fonte: Secretaria de Saúde de Maringá (2016).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para obter os resultados foram substituídos os valores de temperatura por códigos (do
1 ao 3) (Tabela 02). Para distribuição dos códigos foi estabelecido três intervalos de temperaturas
para cada código, sendo de 18,66°C a 21,46°C (código 1), de 22,11°C a 23,52°C (código 2) e, de
24,94°C a 27,10°C (código 3). Na sequência, transformou-se em padrões (Tabela 03).

Tabela 02 – Distribuição dos códigos na Temperatura Média do Ar


Anos
Mês
2005 2006 2007
Janeiro 3 3 3
Fevereiro 3 3 3
Março 3 3 3
Abril 3 2 3
Maio 2 1 1
Junho 2 1 1
Julho 1 2 1
Agosto 2 2 2
Setembro 1 1 3
Outubro 2 3 3
Novembro 3 3 3
Dezembro 3 3 3
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).
213
Tabela 03 - Transformação em padrões - Temperatura Média do Ar
Anos
Mês
2005 2006 2007
Janeiro 3 3 3
Fevereiro 3 3 3
Março 3 3 3
Abril 3 2 3
Maio 2 1 1
Junho 2 1 1
Julho 1 2 1
Agosto 2 2 2
Setembro 1 1 3
Outubro 2 3 3
Novembro 3 3 3
Dezembro 3 3 3
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

Após transformar em padrões, ou seja, substituir os códigos pela variável visual valor,
tornou-se possível visualizar a intensidade. Essa fase possibilitou a preparação para o agrupamento
que corresponde à última fase deste procedimento - a matriz tratada. Tal tratamento ocorre quando
se chega à síntese dos dados trabalhados. Pode-se observar que as permutações dos dados
ocorreram na horizontal (meses do ano) (Tabela 04).

214
Tabela 04 – Matriz Tratada - Temperatura Média do Ar

Anos
Mês Grupos
2005 2006 2007
Janeiro
Fevereiro
Março Grupo 01 - Ideal
Novembro
Dezembro
Abril
Outubro Grupo 02 – Boa - ideal
Agosto
Maio
Junho
Grupo 03 - Boa
Julho
Setembro
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

É possível notar que a Tabela 04 possibilitou a visualização e compreensão dos dados


de maneira superior à Tabela 01, haja vista que, somente num instante de percepção é possível
extrair todas as informações que os dados fornecem. Em função da temperatura do ar e da
ocorrência do caracol gigante africano na Zona 07, chegou-se aos grupos 1, 2 e 3 (Ideal; Boa-ideal;
Boa).
No Grupo 01 (Ideal) enquadraram-se os meses de janeiro, fevereiro, março, novembro
e dezembro, com as temperaturas mais altas. Já no Grupo 02 (Boa-ideal) se os meses de abril,
outubro e agosto, com as temperaturas consideradas médias de acordo com os resultados da matriz
tratada e no Grupo 03 (Boa), os meses de maio, junho, julho e setembro.
O estabelecimento dos grupos é fundamental para a compreensão dos meses
preferenciais de atividade do caracol gigante africano e para verificar se há algum mês no qual se
possa impedir o deslocamento da espécie exótica, pelo fator temperatura. A explicação para os três

215
grupos estarem classificados como Ideal, Boa-ideal e Boa, não havendo uma classificação ruim,
ocorreu pelo fato das temperaturas serem ideais para A. fulica.
Raut e Barker (2002), em observações realizadas no Havaí, descreveram as condições
de temperaturas ideais para as atividades de A. fulica, caracterizando a temperatura ideal de 26°C,
mínima de 9°C, e máxima de 29°C. Segundo Borrero et al. (2009), as temperaturas do ar,
favoráveis para a reprodução do caracol gigante africano, estão entre 17°C e 25°C.
No período analisado nesse estudo não foram identificadas temperaturas letais para A.
fulica, que consiste na mínima de -0,2°C e máxima de 41,2°C (ZHOU et al., 1998 apud
KOSLOSKI; FISCHER, 2002), em nenhum dos três grupos classificados. Essa informação
corrobora os resultados obtidos por Eduvirgem (2018); Eduvirgem e Ferreira (2018) em Maringá,
Sarma, Munsi e Ananthram (2015); Raut e Ghose (1984) na Índia.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o período estudado e com base nos dados de temperatura, os meses mais
propensos para atividade da espécie são: janeiro, fevereiro, março, novembro e dezembro (Grupo
01 – Ideal). Deste modo, acredita-se que o período que o caracol gigante africano pode demonstrar
maior atividade é no verão.
Aconselha-se à população ficar atenta ao caracol gigante africano nos períodos de
maior atividade da espécie, Grupo 01 – Ideal, pois as possibilidades de transmissão do
Angiostrongylus, podem intensificar-se. Nesse período, é necessário que a população promova a
catação manual para controle da espécie.
Novos estudos estão sendo realizados com a ampliação temporal (2005-2015),
utilizando-se outros fatores e elementos climáticos para obter mais resultados sobre os meses e
estações do ano que A. fulica, tem maior atividade, principalmente com alusão a umidade e
precipitação.

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Fundação CAPES pela bolsa de estudo de nível de mestrado
concedida ao primeiro autor, que foi fundamental para a realização deste trabalho; ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá por todo apoio e à Secretaria

216
de Saúde Municipal pelo fornecimento dos dados de reclamações da espécie e a UEM pelos dados
de temperatura do ar.

REFERÊNCIAS

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meningitis. Parasitol Today, v. 7, p. 151-153, 1991.

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potential distribution in South America. Tentacle, v. 17, p. 6-8, 2009.

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Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.

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EDUVIRGEM, R. V.; FERREIRA, M. E. M. C. Achatina fulica na zona urbana de Maringá-PR:


na perspectiva da análise ambiental. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 11, n. 07, 2018.

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p. 1-16, 2015.

218
SOBRE OS AUTORES

RENAN VALÉRIO EDUVIRGEM


georenanvalerio@gmail.com

Graduado em Geografia (Bacharelado - 2015) e (Licenciatura - 2015) na Universidade Estadual de


Maringá (UEM). Especialista em Arqueologia pela Universidade Estadual de Maringá (2018).
Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de
Maringá (2018). Título da dissertação defendida: Aspectos biogeográficos do caracol gigante
africano (Achatina fulica) no município de Maringá, Paraná. Atualmente é doutorando em
Geografia no PGE-UEM.

MARIA EUGÊNIA MOREIRA COSTA FERREIRA


eugeniaguart@gmail.com

Possui graduação em Geografia - Bacharelado e Licenciatura - pela Universidade de São Paulo


(1974), mestrado em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1980) e
doutorado em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1995). Atualmente é
professora associada nível A na Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em Geografia da Saúde e Biogeografia. Também é orientadora de mestrado
e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE-UEM).

219
9

AS RELAÇÕES ENTRE OS ASPECTOS FÍSICOS E


SOCIOECONÔMICOS NO ALTO CURSO DA BACIA HIDROGRÁFICA
DO RIO PIRAPÓ – PR

Tsugie Kawano Oyama


Hélio Silveira

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é apresentar as relações entre os solos, o uso e manejo e as


características das propriedades dos produtores rurais do subcompartimento basáltico A, situado
no alto curso da bacia hidrográfica do rio Pirapó-PR. Essa bacia situa-se no Terceiro Planalto
paranaense, nas mesorregiões geográficas Norte Central e Noroeste do Paraná. Para a delimitação
da área de pesquisa, adotou-se a compartimentação da paisagem proposta por Nóbrega et al.
(2015) para a bacia do Pirapó e, para o desenvolvimento, utilizou-se a análise integrada da
paisagem, como propõe Monteiro (2001). Foi observado que as propriedades estudadas
apresentam relevos dissecados, com o predomínio da classe ondulado, associados,
principalmente, com solos rasos, como os Neossolos Litólicos, os Neossolos Regolíticos e, em
menor proporção, os Nitossolos Vermelhos de textura argilosa e os Cambissolos Háplicos. A
reduzida profundidade desses solos, que chega, no máximo, a 50 cm, e as declividades que
ultrapassaram 20% impediram a mecanização, predominando o uso com pastagem e florestas
nativas. Porém, para aumentar a renda de suas propriedades, os produtores rurais desenvolvem
atividades que dependem de pouca ou nenhuma mecanização, como no caso de cultivos de
hortaliças, eucalipto, café e banana, aproveitando as condições naturais que as áreas oferecem e
dando à propriedade agrícola um aspecto de mosaico, situação comum dessa subunidade de
paisagem.

Palavras-chave: Uso e manejo. Pirapó. Bacia hidrográfica.

220
INTRODUÇÃO
A organização e o funcionamento das diferentes unidades de paisagem e,
consequentemente, da bacia hidrográfica, em termos físicos e naturais, são dependentes da sua
estrutura geoecológica; portanto, é ela que influencia a aptidão agrícola das áreas perante as
solicitações do mercado impostas por determinadas formas de ocupação, uso e manejos. Assim,
segundo Nóbrega et al. (2015), dentre os elementos significativos que compõem a estrutura
geoecológica da bacia hidrográfica do rio Pirapó e das suas unidades de paisagem, destacam-se as
rochas e os solos associados. O substrato geológico dessa bacia é constituído pelas rochas de
origem vulcânica, os basaltos da Formação Serra Geral e os arenitos pertencentes, principalmente,
à Formação Caiuá e, em menor ocorrência, ao Santo Anastácio e a Adamantina.
Para tanto, na área onde foi desenvolvida esta pesquisa, os solos associados às áreas de
ocorrência da Formação Serra Geral são os Neossolos Litólicos e os Neossolos Regolíticos, que se
encontram em relevos dissecados e vertentes com declividades maiores, e os Nitossolos Vermelhos
Distroférricos e Eutroférricos, que se estendem pelas médias e baixas vertentes. Os Latossolos
Vermelhos Distroférricos e Eutroférricos de textura argilosa aparecem nos topos e nas altas
vertentes, e os Gleissolos nas várzeas (NÓBREGA et al., 2015).
Assim, segundo Plas e Vilàs (1992), é fundamental o conhecimento dos elementos
ditos significativos, aqueles cuja influência é mais relevante na área em estudo, como as rochas e
os solos associados, e a forma como se distribuem e se relacionam no espaço, ou seja, os elementos
que definem e caracterizam uma estrutura geoecológica, para que se possa compreender a
organização espacial, seu funcionamento e sua dinâmica.
Diante disso, observa-se que o uso da terra está diretamente relacionado com a estrutura
natural. Para tanto, segundo Moro e Silva (2001), durante a década de 1970, a paisagem rural da
bacia do Pirapó era composta, principalmente, pela cafeicultura em solos derivados do basalto,
considerada fértil, apropriada à plantação de café. Atualmente, no setor médio-alto Pirapó, em área
de ocorrência do basalto e de solos de textura argilosa e muito argilosa, com relevo de baixa
declividade, predomina a agricultura de grãos, como a soja, o milho e o trigo. Porém, no alto setor
do Pirapó, onde foi desenvolvido este trabalho, a principal atividade econômica é a pastagem, em
solos rasos associados a relevos dissecados.
A cultura permanente, como o café e a uva, também é encontrada nesse setor da bacia.
Contudo, em áreas em que a topografia permite a mecanização, também estão presentes as culturas
221
de grãos. Portanto, nesse setor da bacia, o uso da terra é bem variado. Diante disso, Nóbrega et al.
(2015) constataram que a variação e a distribuição do uso da terra dessa bacia refletem em parte a
geologia, o relevo e os solos.
Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho é apresentar as relações entre os
solos, o uso e manejo e as características das propriedades dos produtores rurais do
subcompartimento basáltico A, situado no alto curso da bacia hidrográfica do rio Pirapó-PR.

2. MATERIAIS E MÉTODO
A bacia hidrográfica do rio Pirapó, objeto deste estudo, situa-se no Terceiro Planalto
paranaense, nas mesorregiões geográficas Norte Central e Noroeste do Paraná (Figura 1). Localiza-
se entre as latitudes de 22°32’30”S e 23°36’18”S e longitudes de 51°22’42”W e 52°12’30”W
(PAREDES, 1980).
A área total da bacia é de 5.098,12 km², que corresponde a 3% da área do estado (ITCG,
2010). O rio Pirapó nasce no município de Apucarana, a 1.000 m de altitude, e escoa para a direção
norte, percorrendo uma extensão de 168 km até sua foz, no rio Paranapanema, a 300 m de altitude,
no município de Jardim Olinda.
Para a delimitação da área de pesquisa, adotou-se a compartimentação da paisagem
proposta por Nóbrega et al. (2015) para a bacia do Pirapó. Esses autores distinguiram dois grandes
compartimentos: o compartimento 3, que corresponde aos setores médio-baixo e baixo Pirapó, que
têm como substrato geológico os arenitos, principalmente das Formações Caiuá e Santo Anastácio
e, em menor proporção, da Formação Adamantina, e o compartimento 4, que corresponde aos
setores médio-alto e alto Pirapó, o qual está assentado sobre os basaltos da Formação Serra Geral,
que apresenta dois subcompartimentos, o 4a e o 4b.
Essa compartimentação, realizada por Nóbrega et al. (2015), com os seus respectivos
nomes, será renomeada no presente trabalho, baseando-se em substratos geológicos que cada
compartimento possui; assim, o compartimento 3 será denominado compartimento arenítico, o
compartimento 4 passa a ser designado compartimento basáltico, e a sua subdivisão em
subcompartimento A e B (Figura 2).

222
Figura 1 - Localização da bacia hidrográfica do rio Pirapó

Fonte: Oyama, T. K. (2016).

Porém, analisar-se-á apenas o subcompartimento basáltico A, situado no alto setor da


bacia do Pirapó, onde as altitudes são mais elevadas, os relevos são dissecados e os principais solos
são os Neossolos Regolíticos, Neossolos Litólicos e Nitossolos Vermelhos (Figura 2).
Os municípios inseridos total ou parcialmente nessa subunidade de paisagem são:
Apucarana, Cambira, Jandaia do Sul, Mandaguari, Marialva e Maringá.

223
Figura 2 - A bacia hidrográfica do rio Pirapó e os seus compartimentos de paisagem

Fonte: Carlos H. da Graça; Tsugie K. Oyama (2016).

O desenvolvimento deste trabalho baseou-se na análise integrada da paisagem, como


propõe Monteiro (2001). Essa análise permite avaliar, de forma integrada, as variáveis naturais e
antrópicas.
Para a realização desta pesquisa, as atividades foram segmentadas em duas etapas: a
primeira foi sustentada em referências bibliográficas, e a segunda foi sustentada em dados de

224
campo, sendo que, para a coleta desses dados, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas entre
os produtores rurais.
As perguntas previamente estabelecidas se referem às características das propriedades
rurais, dos produtores e às condições de uso e de conservação do solo. A escolha dos entrevistados
foi aleatória. Realizaram-se entrevistas com dois produtores rurais no município de Mandaguari
(propriedades: 1 e 2) e um produtor em Maringá (propriedade 3).
Dessa forma, por meio das informações obtidas em campo, de dados de órgãos oficiais
e de imagens de satélite, foi possível caracterizar as propriedades e os produtores entrevistados da
área tomada como referência para este trabalho.
Para efeito de identificação da propriedade, em função de sua dimensão, elas foram
classificadas como pequena, média e grande. Assim, não importando sua forma de uso e
considerando a Lei nº 8.629/93, art. 4º, a propriedade com até 30 hectares será considerada
pequena, aquela com área entre 30 e 100 hectares será considerada média e, a partir de 100 hectares,
grande.
Foram confeccionados mapas temáticos para cada propriedade e o responsável por ela
foi entrevistado. Os mapas contêm localização; classes de relevo, declividade; classes de solo e
tipos de uso do solo.
A rotina de elaboração da parte cartográfica e a geração dos diretórios de banco de
dados SIG (Sistema de Informações Geográficas) específicos para os elementos expressos na
pesquisa foram realizadas nos softwares ArcGIS versão 10.4.4 “freetrial”, Google Earth e
finalizados no Corel Draw Graphics X4 “Licença UEM”. Os dados de saída foram processados e
editados no sistema de projeção Policônica, Datum horizontal SIRGAS 2000.
Os mapas de hipsometria e de declividade foram elaborados, utilizando imagens SRTM
(Shuttle Radar TopographMission), do projeto TOPODATA (INPE, 2011), com resolução espacial
de 30 m. A declividade (em porcentagem) e as classes de relevo seguiram os intervalos
estabelecidos no Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos (EMBRAPA, 2013). As
informações geológicas mapeadas foram extraídas do Atlas Geológico do Paraná (MINEROPAR,
2001).
As classes de solos na bacia foram obtidas a partir do mapa de solos do Estado do
Paraná, escala 1:250.000 (EMBRAPA, 2007). Para o mapeamento dos solos por propriedade,
seguiu-se a adequação da base existente com observações in loco na ocasião das entrevistas
225
realizadas com os proprietários e, posteriormente, eles foram adequados às classes de declividade,
seguindo o enquadramento descrito em Embrapa (2013).
Os tipos de usos por propriedade foram mapeados, utilizando imagens de alta resolução
(RapidEye) disponibilizadas no Google Earth. Essas imagens apresentam períodos/datas de
passagens de amostragem variados (09/04/2013; 20/04/2013; 12/07/2013; 11/05/2014;
26/06/2014; 10/09/2014; 12/05/2015; 27/07/2015; 17/09/2015; 17/09/2015 e 07/01/2016).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O subcompartimento basáltico A (Figura 3) situa-se no alto setor da bacia do Pirapó,
onde a altitude varia de 385 a 872 m, predominando as altitudes superiores a 500 m (Figura 3A).
O relevo é o mais dissecado dentre os compartimentos de paisagem dessa bacia, dominando a classe
de relevo ondulado (de 8 a 20%), conforme pode ser observado na Figura 3B. A litologia
encontrada é o basalto da Formação Serra Geral (Figura 3C). Verifica-se, na Figura 3D, a presença
do Neossolo Regolítico e do Nitossolo Vermelho de textura argilosa, havendo, ainda, pequenas
manchas de Latossolo Vermelho de textura argilosa.

Figura 3 - Subcompartimento basáltico A; Altitude (A); classes de relevo e declividade (B); geologia (C)
e solos (D)

Fonte: Adaptado pelos autores (2016).

226
As propriedades rurais 1 e 2 possuem classes de relevo ondulado (8-20%), e a
propriedade 3, relevo suave ondulado (3-8%), conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1 - Declividade e classes de relevo predominantes das propriedades rurais


estudadas no subcompartimento basáltico A
Propriedade/Município Declividade predominante (%) Classes de relevo
1 – Mandaguari 8 – 20 Ondulado
2 – Mandaguari 8 – 20 Ondulado
3 – Maringá 3–8 Suave ondulado

Fonte: Embrapa (2013) e pesquisa de campo (2016).

Assim, as propriedades 1 e 2 representam a realidade deste setor da bacia, pois segundo


informações obtidas em Mineropar (2006), o Planalto de Apucarana (em que o subcompartimento
analisado se encontra) possui relevo dissecado. Em relação às formas de relevo, predominam topos
alongados, vertentes convexas e os vales em “V”.
Na propriedade 1 (Figura 4), ocorre o predomínio da classe de relevo ondulado e, em
menor proporção, áreas de relevo forte ondulado (20-45%) e escarpado (45-75%). A associação de
Neossolo Litólico e Neossolo Regolítico de textura argilosa desenvolve-se, principalmente, em
relevos que variam de ondulado a escarpado. Em menor ocorrência, desenvolve-se o Cambissolo
Háplico de textura argilosa, em relevos plano a ondulado, com graus de declividade que variam de
0% a 20% (Quadros 1 e 2). Diante dessas características naturais, o uso da terra é bem diversificado.
O uso predominante dos solos dessa propriedade é a pastagem, em virtude dos solos
rasos e das declividades acentuadas. Em menor proporção, foram constatadas outras atividades
econômicas que favorecem o aumento da renda, tais como o cultivo da lavoura temporária, de
hortaliças, banana e café. A exploração dessa propriedade rural é realizada pelo próprio
proprietário. Segundo Ipardes (2015), nesse setor da bacia do Pirapó, o predomínio de quem
explora a terra é do dono, tanto em número de estabelecimentos como em área ocupada. Quanto à
dimensão desse estabelecimento rural, é de 31,2 ha, sendo considerada média propriedade.

227
Figura 4 – Propriedade nº 1 localizada no município de Mandaguari

Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

No que se refere à utilização das práticas conservacionistas ao explorar a terra, o


produtor preserva os fragmentos florestais em áreas com maiores declividades e solos rasos para
evitar a perda dos solos por erosão. Segundo Bertoni e Lombardi Neto (2014), todas as técnicas
utilizadas para aumentar a resistência do solo ou diminuir as forças do processo erosivo
denominam-se práticas conservacionistas.
Por meio do Quadro 2, pode-se observar que, na propriedade 2, predomina a associação
entre Neossolos Litólicos e Neossolos Regolíticos de textura argilosa.

Quadro 2 - Classes de solos das propriedades rurais estudadas do subcompartimento basáltico A


Propriedade Classes de solos
1 Associação de Neossolo Litólico e Neossolo Regolítico de textura argilosa e
Cambissolo Háplico de textura argilosa.
2 Associação de Neossolo Litólico e Neossolo Regolítico de textura argilosa.
3 Latossolo Vermelho de textura argilosa, Nitossolo Vermelho de textura argilosa,
Neossolo Regolítico de textura argilosa e Gleissolo Háplico.
Fonte: Embrapa (2007) e pesquisa de campo (2016).
228
Os Neossolos, geralmente, estão associados a relevos ondulado e forte ondulado, ou
seja, relevo movimentado (Figuras 5B e 5C). A reduzida profundidade desses solos, que chega, no
máximo, a 50 cm, e as declividades que ultrapassaram 20% impediram a mecanização,
predominando o uso com pastagem e florestas nativas da propriedade 2 (Figura 5D).

Figura 5 – Propriedade nº 2 analisada no município de Mandaguari

Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

Os Neossolos Regolíticos e Litólicos, de acordo com Vieira (1999), devido a sua


grande ocorrência e distribuição no estado do Paraná, ao grande número de limitações, como a
pedregosidade, a pequena profundidade efetiva e a posição em que se encontram na vertente,
inviabilizam o cultivo de culturas anuais mecanizadas; e pelo fato de serem utilizados por pequenos
proprietários, são importantes do ponto de vista econômico e social. Segundo esse mesmo autor,
se não fosse por esses aspectos sociais envolvidos, a maioria absoluta dessas áreas deveria ser
utilizada para a silvicultura ou mantida como área de preservação permanente.
Essa propriedade rural é considerada pequena, visto que a sua área total é de 5 ha, o
que indica que ela se enquadra nas dimensões predominantes desta subunidade de paisagem da

229
bacia do Pirapó, onde o predomínio é o da pequena propriedade, baseada no trabalho familiar.
Além da pastagem, o produtor planta hortaliças, destinadas apenas para o consumo da família.
Observou-se, no produtor, a preocupação com as práticas conservacionistas, pois ele mantém
preservada uma larga faixa de mata ciliar ao longo dos cursos d’água, que supera o que a legislação
atual exige (Figura 5D).
Na propriedade 3 (Figura 6), foi observada a presença do Latossolo Vermelho de
textura argilosa; do Nitossolo Vermelho de textura argilosa; do Neossolo Regolítico de textura
argilosa e do Gleissolo Háplico. Os Nitossolos Vermelhos de textura argilosa também foram
identificados de forma expressiva nesta subunidade de paisagem, uma vez que podem ser
encontrados desde o relevo suave ondulado até o forte ondulado. De acordo com Fasolo et al.
(1988), são solos muito férteis, profundos ou muito profundos e bem drenados que podem ser
utilizados para diversas atividades agropecuárias. Nessa propriedade analisada, o Nitossolo se
estende desde a média alta vertente até a baixa, em relevo predominantemente ondulado. O
Latossolo foi encontrado no topo e na alta vertente em relevo plano e suave ondulado. Devido à
sua característica natural e por se situar em relevo de declividade menor, geralmente o seu uso é
destinado a lavouras mecanizadas.
Na baixa vertente dessa propriedade 3, desenvolvem-se o Neossolo Regolítico de
textura argilosa e, ao longo dos cursos d’água, em área de várzea, encontra-se o Gleissolo Háplico
de textura argilosa, que, segundo o produtor, o impediu de plantar a lavoura temporária, pois a sua
elevada frequência de inundação dificulta a mecanização e o desenvolvimento das plantas.
Em relação ao aspecto socioeconômico dessa propriedade rural, ela é explorada pelo
arrendatário. O uso dos solos dessa propriedade, com a presença de solos mais desenvolvidos e
profundos, como os Nitossolos e os Latossolos, possibilitou o cultivo de culturas temporárias (soja,
milho e trigo), pois o relevo permite a mecanização. Em menor extensão, em Gleissolo Háplico, o
uso foi a pastagem (Figura 6).
Para as práticas conservacionistas, ao explorar a terra, o produtor utiliza, como sistema
de manejo, os terraços em nível, a manutenção da mata ciliar ao longo dos cursos d’água e das
nascentes (Figura 6D), e o solo é cultivado sob plantio direto.

230
Figura 6 – Propriedade nº 3 analisada no município de Maringá

Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

Diante do que foi apresentado nesta pesquisa, constata-se que, em sua maioria, as
atividades socioeconômicas das propriedades estudadas da referida subunidade de paisagem estão
de acordo com as suas estruturas geoecológicas, ou seja, a ocupação, o uso e o manejo das terras
são resultantes da combinação da geologia, dos solos e dos relevos. Contudo, em função da
demanda do mercado e da inovação tecnológica, as lavouras temporárias estão avançando aos
poucos até mesmo em áreas com declividades acentuadas, o que não é correto diante do
entendimento das práticas conservacionistas.
Além dos impedimentos à mecanização, devido aos seus atributos físicos, tais como a
pequena profundidade e declividade acentuada, observou-se que, nessa subunidade, também há
problemas relacionados com a falta de capital, pois durante a pesquisa de campo, verificou-se a
existência de propriedades rurais com infraestrutura precária, mostrando que esse setor da alta bacia
do Pirapó apresenta vulnerabilidade tanto ambiental quanto social.

231
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se observar que as propriedades estudadas apresentam relevos dissecados, com o
predomínio da classe ondulado, associados, principalmente, com solos rasos, como os Neossolos
Litólicos, os Neossolos Regolíticos e, em menor proporção, os Nitossolos Vermelhos de textura
argilosa e os Cambissolos Háplicos.
A reduzida profundidade desses solos, que chega, no máximo, a 50 cm, e as
declividades que ultrapassaram 20% impediram a mecanização, predominando o uso com
pastagem e florestas nativas. Porém, para aumentar a renda de suas propriedades, os produtores
rurais desenvolvem atividades que dependem de pouca ou nenhuma mecanização, como no caso
de cultivos de hortaliças, eucalipto, café e banana, aproveitando as condições naturais que as áreas
oferecem e dando à propriedade agrícola um aspecto de mosaico, situação comum dessa
subunidade de paisagem.
Além da pequena profundidade efetiva das principais classes de solos encontradas,
juntamente com a declividade acentuada, verificou-se também a existência de propriedades rurais
com infraestrutura precária, mostrando vulnerabilidade tanto social como ambiental.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos


dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8629.htm. Acesso em: 06 jun. 2017.

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FASOLO, P. J. et al. Erosão: inventário de áreas críticas no Noroeste do Paraná. Londrina:


IAPAR, 1988. 20 p. (Boletim Técnico, n. 23).

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São José dos Campos: INPE, 2011. Disponível em: http://www.dsr.inpe.br/topodata/. Acesso em:
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232
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Municipais 2015. Curitiba: IPARDES, 2015. Disponível em:
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ITCG (Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná). Produtos cartográficos. Curitiba:


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MINEROPAR. Serviço Geológico do Paraná. Atlas geológico do Estado do Paraná. Curitiba:
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MINEROPAR. Serviço Geológico do Paraná. Atlas geomorfológico do Estado do Paraná.


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MONTEIRO, C. A. de F. Geossistemas: a história de uma procura. 2. ed. São Paulo: Contexto,


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MORO, D. Á.; SILVA, I. M. da. Transformações socioespaciais decorrentes do processo de


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NÓBREGA, M. T. et al. Landscape structure in the Pirapó, Paranapanema 3 and 4 Hydrographic


Unit, in the state of Paraná, Brazil. Brazilian Journal of Biology, v. 75, n. 4, p. 107-119, 2015.
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VIEIRA, M. J. Descrição e uso dos solos de baixa aptidão agrícola. In: CASTRO FILHO, C. de;
MUZILLI, O. (Org.). Uso e manejo de solos de baixa aptidão agrícola. Londrina: IAPAR,
1999. p. 18-52.

233
SOBRE OS AUTORES

TSUGIE KAWANO OYAMA


oycarmen@msn.com

Possui graduação em Geografia (licenciatura em 2012 e bacharelado em 2014) pela Universidade


Estadual de Maringá (UEM), mestrado em Geografia (2017), na área de Análise Ambiental, pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE-UEM). Atualmente, é doutoranda em Geografia
pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(Unicentro), em Guarapuava - PR. Atua nos seguintes temas: Bacia hidrográfica, uso e manejo dos
solos, pequena propriedade, pluriatividade e agricultura familiar. Bolsista CAPES.

HÉLIO SILVEIRA
hesilveira70@hotmail.com

Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (1994), mestrado em


Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998) e doutorado em
Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001).
Atualmente, é professor da Universidade Estadual de Maringá e coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Geografia (PGE). Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em
Pedologia e climatologia, atuando principalmente nos seguintes temas: bacia hidrográfica, cidade
gaúcha, noroeste do Paraná, solo.

234
10

O USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A ANÁLISE GEOMORFOLÓGICA DE BACIA


DE PEQUENA ORDEM

Valquiria Brilhador da Silva


Idjarrury Gomes Firmino
Edison Fortes

RESUMO

Este artigo apresenta o uso de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) e produtos de


Sensoriamento Remoto como subsídio para a análise geomorfológica em bacia hidrográfica de
pequena ordem. Para essa análise foram utilizadas duas metodologias diferentes: o ordenamento
taxonômico das formas do relevo proposto por Ross (1990 e 1992) e o Índice de Concentração de
Rugosidade (ICR) proposto por Hobson (1972). Essas metodologias foram aplicadas para a análise
do relevo da sub-bacia do rio do Campo, município de Campo Mourão-PR. O mapeamento foi
realizado com base na imagem de radar do sensor PALSAR/ALOS-1, com resolução espacial de
12,5 m, que permitiu gerar o mapa de declividade, o mapa de ICR, o mapa hipsométrico com relevo
sombreado e a elaboração de perfis topográficos. Os procedimentos complementares foram a
consulta à carta topográfica na escala 1:50.000 e o reconhecimento de campo. De acordo com a
escala e os materiais utilizados, foi realizado o mapeamento do 3º táxon pela identificação dos
Padrões de Formas Semelhantes, do 4º táxon representado por formas de relevo e 5º táxon pela
identificação dos setores das vertentes. O ICR foi gerado a partir do mapa dos dados de declividade
por meio do Método Estimador de Densidade Kernel. Estes procedimentos foram realizados nos
softwares Global Maper® e ArcGis®. Os resultados obtidos a partir do uso das geotecnologias
contribuíram para a identificação das formas e de áreas com maiores declividades, variáveis
importantes nas análises ambientais.

Palavras-chave: Geomorfologia. Geotecnologias. Dissecação do relevo.

235
INTRODUÇÃO
As geotecnologias tornaram-se indispensáveis nas análises ambientais. De acordo com
Rosa (2005), as geotecnologias são o conjunto de técnicas para coleta, processamento, análise e
oferta de informações com referência geográfica, são exemplos os sistemas de informação
geográfica, cartografia digital, sensoriamento remoto, sistema de posicionamento global e a
topografia. Na maioria dos estudos ambientais, o relevo é uma das variáveis a ser analisada por
meio da utilização de Modelos Digitais de Elevação (MDE). A manipulação desses produtos em
Sistemas de Informações Geográficas (SIG) permite obter mapas de declividade, hipsometria e
determinação da área de bacias hidrográficas, dados necessários para a análise morfométrica
(ROSS, 1992; IBGE, 2009).
Este trabalho teve como objetivo avaliar o uso das geotecnologias para análise do
relevo em bacias de pequena ordem. A partir de dados morfométricos extraídos do MDE obtido
pelo sensor PALSAR/ALOS-1 (©JAXA/METI, 2011), que possui resolução de 12,5 metros, foi
analisado o relevo da sub-bacia do rio do Campo, localizada no município de Campo Mourão-PR,
A análise do relevo foi realizada em ambiente SIG, por meio do ordenamento taxonômico das
formas do relevo proposto por Ross (1990 e 1992) e o Índice de Concentração de Rugosidade
(ICR).

1.1.Localização e contexto geológico e morfológico


A sub-bacia do rio do Campo está inserida nos limites interfluviais da margem esquerda
da porção média da bacia hidrográfica do rio Ivaí, mais precisamente no município de Campo
Mourão-PR (Figura 1). Essa sub-bacia possui uma área aproximada de 118,74 km² e abrange
apenas a área drenada pelo alto curso do rio do Campo. Seus dois principais afluentes são os rios
Águas do Boldão e Águas das Barras. Suas nascentes estão situadas no divisor de águas entre as
bacias do rio Piquiri e do rio Ivaí.
As altitudes variam, em média de 725 m nas cabeceiras até 540 m na desembocadura
da bacia, apresentando uma amplitude média de 180 m (Figura 2). A sub-bacia está situada,
também, sobre a área de transição dos arenitos da Formação Caiuá e os basaltos da Formação Serra
Gera. Os arenitos se distribuem principalmente sobre as cabeceiras de drenagem no topo das
vertentes, próximo dos canais de primeira ordem. Os basaltos se distribuem nas porções média e

236
inferior da bacia, das médias vertentes até os fundos de vale dos rios de primeira ordem e ordens
superiores (Figura 2).

Figura 1: Localização da sub-bacia do rio do Campo no estado do Paraná, inserida


na margem direita da bacia do rio Ivaí.

Fonte: Organizado pelos autores (2018)

1.2. Análise taxonômica do relevo


De acordo com Ross (1990, 1992), a representação gráfica das formas de relevo não
pode negligenciar a sua classificação ou taxonomia, pelo fato de que os diferentes tamanhos de
formas estão diretamente associados à cronologia e a gênese.
O 1º táxon corresponde às Unidades Morfoestruturais, que se definem pelos tipos
genéticos de agrupamentos de litologias e seus arranjos estruturais que determinam as formas de
relevo. Esse táxon pode ser identificado em imagens de radar ou cartas geológicas de boa qualidade.
As Unidades Morfoesculturais compõem o 2º táxon e correspondem aos conjuntos de formas de
relevo que guardam as mesmas características genéticas de idade e de semelhança de padrões de
modelado. Essas formas estão contidas em cada Unidade Morfoestrutural e também podem ser
237
identificadas em imagens de radar e controladas por meio de levantamentos topográficos (ROSS,
1990, 1992).

Figura 2: Mapa topográfico e geológico da área de estudo, indicando a distribuição dos arenitos do Grupo
Caiuá próximos à cabeceira, enquanto os basaltos ocorrem da parte média da bacia hidrográfica até a
desembocadura do canal.

Fonte: Organizado pelos autores. A geologia é adaptada de MINEROPAR (2006).

De acordo com Ross (1992), o 3º táxon pode ser definido como Unidades Morfológicas
ou Unidades de Tipos de Relevos ou Padrões de Formas Semelhantes e estão contidos nas Unidades
Morfoesculturais. São formas de relevo que mostram o mesmo aspecto fisionômico quanto à
rugosidade topográfica ou dissecação do relevo. Essas formas, geneticamente, foram ou estão
sendo geradas por processos de denudação (D), esculpidas pelo desgaste erosivo, e por formas de
acumulação (A) representadas por planícies de diferentes gêneses (fluvial, marinha ou lacustre) e
podem ser observadas por meio de imagens aéreas, imagens de radar ou satélite.
O 4º táxon refere-se a cada uma das formas contidas nos Padrões de Formas
Semelhantes. Mesmo pertencendo a uma mesma categoria em escalas médias, em escalas grandes,
238
cada uma delas apresentam aspectos fisionômicos próprios. O 5º táxon refere-se aos tipos de
vertentes, contidas em cada uma das formas de relevo e são identificadas por seus diversos setores
(Ross, 1992).

2. MATERIAIS E MÉTODOS
A bacia hidrográfica do rio do Campo e sua rede de drenagem, que contempla a área
de pesquisa, foram extraídas a partir dos dados altimétricos de radar do sensor PALSAR/ALOS-1,
com resolução espacial de 12,5 m, através da ferramenta Generate Watershed do software Global
Mapper® 19. Posteriormente, foi feita uma verificação manual do arranjo da rede de drenagem
com o auxílio de imagens do satélite Landsat 8/OLI, disponibilizadas gratuitamente pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A análise morfológica foi feita a partir da organização taxonômica do relevo, proposta
por Ross (1990, 1992) e do Índice de Concentração de Rugosidade (ICR – HOBSON, 1972), que
é uma forma de ordenamento espacial das classes de declividade.
A identificação do 1ª táxon (Morfoestrutura) foi realizada com base no mapa geológico
do Estado do Paraná (MINEROPAR et al., 2008) e o 2º táxon (Morfoescultura) foi identificado
através do MDE referente à área de pesquisa e do mapa geomorfológico do Estado do Paraná
(MINEROPAR; ITCG, 2006). A identificação do 3º táxon (Padrões de Formas Semelhantes) foi
feita por meio da análise visual de MDE com relevo sombreado, que permite observar os aspectos
fisionômicos quanto à rugosidade topográfica e pelo Índice de Dissecação do Relevo (IDR).
Os Padrões de Formas Semelhantes são identificados no mapa por conjuntos de letras
símbolos acompanhados de um conjunto de algarismos arábicos extraídos da matriz do Índice de
Dissecação do Relevo (Quadro 1).
As letras símbolos representam a natureza genética das formas. As formas
agradacionais (acumulação) recebem a primeira letra maiúscula A (de agradação) acompanhadas
de outras duas letras minúsculas que determinam a gênese da forma de agradação, sendo planície
(p), fluvial (f), marinha (m) lacustre (l). As formas de agradação não recebem os algarismos
arábicos, pois não apresentam dissecação por erosão. As formas denudacionais (D) são
acompanhadas de outra letra minúscula que indica a morfologia do topo da forma. As formas
podem apresentar características de topos aguçados (a), convexos (c), tabulares (t) ou planos (p).

239
Os parâmetros para a identificação do Índice de Dissecação do Relevo (ROSS, 1992,
1994), aqui denominado de IDR, foram obtidos a partir das medidas da dimensão interfluvial (DI)
e do grau de entalhamento vertical (EV) para cada vale analisado. A análise foi feita a partir da
geração de perfis transversais gerados por meio da ferramenta Path Profile no software Global
Mapper® 19. Ao todo foram gerados 4 perfis que permitiram a análise de 9 vales fluviais. As
categorias das classes do IDR foram estabelecidas de acordo com os parâmetros de Ross (1992,
1994), sendo classificadas de acordo com a relação entre DI e EV entre “Muito Fraca”, “Fraca”,
Média”, “Forte” e “Muito Forte”, conforme o Quadro 1.

Quadro 1: Matriz do Índice de Dissecação do Relevo (IDR) com a indicação das classes de
dissecação.
Dimensão Interfluvial (DI)
Entalhamento
Muito Baixa (2) Média (3) Alta (4) Muito
Vertical
Baixa (1) 1750 a 750 a 250 a Alta (5)
(EV)
> 3750 m 3750 m 1750 m 750 m < 250 m
Muito fraco (1)
11 12 13 14 15
< 20 m
Fraco (2)
21 22 23 24 25
20 a 40 m
Médio(3)
31 32 33 34 35
40 a 80 m
Forte (4)
41 42 43 44 45
80 a 160 m
Muito forte (5)
51 52 53 54 55
> 160 m
Índice de Dissecação do Relevo (IDR)
Muito Fraca Fraca Média Forte Muito Forte
Fonte: Modificado de Ross (1994).

A identificação do 4º táxon (Formas de Relevo) também foi feita por análise visual dos
perfis traçados sobre MDE, enquanto que a do 5º táxon (Vertentes) foi realizado a partir da análise
do perfil das vertentes traçadas sobre o MDE com o auxílio da carta topográfica e controle de
campo. Os setores de vertentes podem ser tipo escarpada (Ve), convexa (Vc), retilíneas (Vr),
côncavas (Vcc), em patamares planos (Vpp), em patamares inclinados (Vpi), topos convexos (Tc),
topos planos (Tp), entre outras.
O mapa de declividade foi gerado através da ferramenta Slope<Surface<Spatial
Analyst Tools do software ArcGis® 10.3.1 e, também, por meio das bases do PALSAR/ALOS 1.

240
As classes de declividade foram organizadas de acordo com as categorias de Ross (1994) entre
<6% (muito fraca), 6 - 12% (fraca), 12 - 20% (média), 20 - 30% (forte) e >30% (muito forte).
O mapa do Índice de Concentração de Rugosidade (ICR) foi gerado a partir dos dados
do mapa de declividade, empregando o método proposto por Sampaio e Augustin (2014). Os dados
de declividade (raster) foram convertidos para arquivos de pontos (shapefile) através da ferramenta
Raster to Point<From Raster<Conversion Tools no software ArcGis® 10.3.1. O ICR foi extraído
através do Método Estimador de Densidade Kernel, que é um método geoestatístico utilizado em
análise espacial para verificar a dispersão ou concentração de um fenômeno espacial (no caso, dos
valores de declividade para o ICR) por meio de um raio de abrangência (BERTOLINI e
DEODORO, 2018). A Densidade Kernel foi calculada por meio da ferramenta Kernel
Density<Density<Spatial Analyst Tools em ambiente ArcGis® 10.3.1 em um raio de abrangência
de 564 m. Os resultados do ICR foram classificados como “Baixo”, “Médio” e “Alto” em intervalos
equidistantes, como forma de diferenciação das áreas para cada intervalo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A área de estudo se encontra na Unidade Morfoestrutural da Bacia Sedimentar do
Paraná, que corresponde ao 1º táxon e no Terceiro Planalto Paranaense (MAACK, 1981), que
condiz ao 2º nível taxonômico proposto por Ross (1992). A partir da análise realizada, foram
identificados na área de estudo dois Padrões de Formas Semelhantes pertencentes ao 3º táxon, o
Padrão de Forma Denudacional em colinas com topos convexos (Dc) e o Padrão de Forma
Agradacional em planícies de acumulação fluvial (Apf – Figura 3). Há indícios de estas planícies
possam ser áreas de acumulação tanto aluvial quanto coluvial. O processo de acumulação pode ter
sido favorecido nos últimos anos pela interferência antrópica, como a construção de uma barragem
a jusante da confluência dos rios do Campo e dos Papagaios e o avanço da área urbana e rural,
neste caso corresponderia a processos atuais do 6º táxon, o qual não foi analisado neste artigo.
Contudo, Luz e Parolin (2014) estimaram que a idade dos sedimentos turfosos na planície do rio
dos Papagaios é de aproximadamente 7280 anos, o que indica um processo de acumulação
Holocênico e natural.
O 4º táxon é composto por colinas de topos convexos (Perfis 1, 2 e 4) que apresentam
declividade muito fraca (0-6%) no topo e declividade média a forte ao longo da vertente, e por

241
colina de topo amplo (Perfil 3) com declividade predominante muita fraca (0-6%) e fraca (6-12%)
para os perfis analisados.

Figura 3: Modelo Digital de Elevação com relevo sombreado e identificação dos perfis topográficos
traçados para a análise taxonômica e do IDR. As siglas referem-se aos Padrões de Formas
Semelhantes.

Fonte: Elaborado pelos autores, com base em MDE PALSAR/ALOS (2018).

O 5º táxon, representado aqui pelos perfis analisados (Figura 4), é composto


predominantemente por vertentes convexas, algumas com seguimentos retilíneos e outras com
seguimentos côncavos. Os perfis 1 e 2 representam vertentes de menor extensão nas áreas de
cabeceiras drenada por cursos de 2ª e 3ª ordem. O perfil 3 foi traçado propositalmente sem
interceptar canais de drenagem e representa vertente convexa com topo amplo entre dois rios de

242
terceira ordem, principais formadores do rio do Campo. O perfil 4, por sua vez, representa vertentes
do rio do Campo (4ª ordem) e de um dos seus afluentes.

Figura 4: Perfis topográficos traçados para a análise taxonômica e para as medidas do IDR. Suas posições
em planta podem ser visualizadas na Figura 3. Tc – Topo Convexo; Vc – Vertente Convexa; Vr – Vertente
Retilínea; Vcc – Vertente Côncava.

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

A proposta sugerida pelo Índice de Dissecação do Relevo (IDR) foi a análise


morfométrica a partir de alguns perfis topográficos traçados de forma perpendicular ao longo de
243
alguns rios da bacia hidrográfica. Para tanto, foram utilizados os mesmos perfis selecionados pela
análise do 4º táxon, como pode ser observado nas Figuras 3 e 4. Os resultados foram divididos em
unidades e ao todo três tipos de dimensões fluviais foram identificadas. Os padrões de formas
semelhantes (3º táxon) foram classificados como formas denudacionais (D) com topos convexos
(c). As unidades Dc23 apresentam IDR Médio, com dimensão interfluvial entre 750 m e 1750 m e
grau de entalhamento fraco (20 e 40 m). As Unidades Dc33 apresentam IDR Médio, com dimensão
interfluvial entre 750 m e 1750 m e grau de entalhamento médio (40-80 m). As unidades Dc24
apresentam IDR Forte, com dimensão interfluvial entre 250 m e 750 m e grau de entalhamento dos
vales fraco (20-40 m). Os resultados indicam que não há uma distribuição homogênea dos valores
de IDR. Ao todo a dissecação foi média para 6 dos 9 vales analisados. Enquanto aqueles que
apresentaram dissecação forte estão situados principalmente nos cursos de 1ª ordem, na porção
superior da bacia.
O mapa de declividade pode ser observado na Figura 5. A extração das classes de
declividade sugere que há um certo predomínio das classes entre 0 e 6% para quase toda a bacia
hidrográfica, ocorrendo principalmente nos topos e nas médias vertentes, sobretudo na porção
média e inferior da bacia, enquanto que as classes entre 6 e 12% e 12 e 20% ocorrem das média
vertentes até os fundos de vale. Estes dados indicam que as vertentes possuem formas convexas na
maioria dos casos, com menores declividades nos topos e maiores declividades nos fundos de vale,
o que é condizente com os dados da análise taxonômica aplicada nesta pesquisa. Possivelmente
não há nenhuma relação da influência litológica sobre as declividades do terreno. Os arenitos do
Grupo Caiuá ocorrem nas áreas mais altas e ainda são sustentados por terrenos com baixas
declividades. Contudo os pulsos de incisão têm desencadeado a erosão e remoção destas rochas ao
longo do tempo. Nesta bacia, o recuo dos arenitos ocorrem de leste para oeste.
Na porção NW e em alguns locais aleatórios, as classes alcançam entre 20 e 30%. Esse
resultado foi influenciado pelo efeito da vegetação em áreas de reflorestamento, ou mesmo
plantações de eucaliptos (pínus), evidenciado pela forma geométrica e verificado em imagens de
satélite e no campo.
Os dados do ICR podem ser observados na Figura 6. Por meio deste índice foi possível
delinear duas áreas com diferentes classes de declividade: a porção média da bacia, da confluência
dos rios Barras e Boldão até os limites da cabeceira de drenagem, com predomínio de classes
médias e a porção média da bacia até a sua desembocadura, com predomínio de classes baixas.
244
Embora sejam muito parecidos, os resultados do ICR são mais organizados espacialmente que os
resultados de declividade. Isso permite uma análise mais objetiva e clara das formas das vertentes.
Os resultados também permitem entender que as vertentes são convexas na maioria dos casos.
Contudo os dados não são tão refinados quanto os resultados da análise taxonômica ou da análise
do Índice de Dissecação do Relevo (IDR), que permitiu um levantamento mais detalhado das
formas de dissecação. Os dados de ICR também identificaram as declividades influenciadas pela
vegetação.

Figura 5: Mapa de declividade da bacia hidrográfica do rio do Campo. As classes estão representadas em
porcentagem (%).

Fonte: Organizado pelos autores (2018).

É importante destacar que este índice não é muito adequado para análises na escala de
bacias hidrográficas de pequena ordem, pelo fato destas bacias não apresentarem grandes
diferenças morfológicas. O ICR é melhor aproveitado quando empregado em áreas com escala
regional, que englobam duas ou mais unidades de relevo (SAMPAIO e AUGUSTIN, 2014;
BERTOLINI e DEODORO, 2018), o que permite uma maior diferenciação.
245
Figura 6: Mapa de ICR da bacia hidrográfica do rio do Campo. Foram estipuladas 3 classes de ICR
separadas por intervalos equidistantes.

Fonte: Organizado pelos autores (2018).

Geomorfologicamente, a sub-bacia do rio do Campo possui um equilíbrio erosivo-


denudacional, uma vez que os processos erosivos são mais intensos nas cabeceiras de drenagem e
menos intensos próximos à desembocadura.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso do MDE ALOS/PALSAR e dos Sistemas de Informações Geográficas (SIGs)
Global Mapper® e ArcMap 10.3.1® permitiram analisar o relevo a partir de diferentes
metodologias, contribuindo para a compreensão taxonômica do relevo na sub-bacia do rio do
Campo, bem como a identificação de áreas com o predomínio de maiores declividades.

246
A metodologia proposta por Ross (1992) mostrou-se satisfatória, já que permitiu
identificar conjuntos de formas menores do relevo. A análise da imagem de radar do sensor
PALSAR/ALOS-1 permitiu diferenciar áreas de dissecação e áreas de acumulação (relativamente
de pequena extensão) em função da rugosidade topográfica.
Os resultados de declividade e do ICR não se mostraram tão adequados para este tipo
de análise, pelo fato das classes de declividade não possuírem informações homogêneas e pela
escala da bacia hidrográfica não permitir identificar diferentes classes de ICR relativo a diferentes
unidades de relevo, que é a proposta deste índice. Contudo, os resultados destes dois mapeamentos
permitiu concluir, de forma generalizada, que as vertentes da bacia hidrográfica do rio do Campo
são convexas, assim como sugere a análise taxonômica e o IDR. Os resultados do IDR
identificaram os diferentes níveis de dissecação ao longo de alguns dos rios da bacia, o que é ainda
mais condizente com a proposta do trabalho, por isso este índice aliado à análise taxonômica se
mostraram mais adequados à análise da sub-bacia do rio do Campo.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado, ao Grupo de Estudo Multidisciplinar do Ambiente
(GEMA) e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de
Maringá (UEM).

REFERÊNCIAS

©JAXA/METI ALOS-1 PALSAR L 1.5 2011. Disponível em: https://www.asf.alaska.edu/.


Acesso em: 16 mai. 2018.

BERTOLINI, W. Z., DEODORO, S. C. Estudo da dissecação do relevo no alto rio Piranga (MG).
Geociências, São Paulo, UNESP, v. 37, n. 1, p. 183-192, 2018.

HOBSON, R.D. Surface roughness in topography: quantitative approach. In: Chorley (ed.)
Spatial analysis in geomorphology. Harper and Row. New York, NY, p. 225-245, 1972.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA-IBGE. Manual técnico de


geomorfologia. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de Janeiro. 2ºed.
182 p., 2009.

247
LUZ, L. D; PAROLIN, M. Caracterização dos Sedimentos Turfosos em Campo Mourão, Paraná,
Brasil. Revista Brasileira de Geografia Física, v.07, n.02, p. 319-326, 2014.

MAACK, Reinhard. Geografia Física do Estado do Paraná. 2. ed. Livraria José Olympio
Editora, Rio de Janeiro, RJ. 1981.

MINEROPAR; IPARDES; ITCG. Mapa Geomorfológico do Paraná. Curitiba, 2008. Escala


1:250.000 - Modelo Reduzido para 1:500.000. Disponível
em:<http://www.itcg.pr.gov.br/modules/faq/category.php?categoryid=9#>. Acesso em: maio de
2018).

MINEROPAR; ITCG. Mapa Geológico do Paraná. Curitiba, 2006. Escala 1:250. Disponível
em: http://www.itcg.pr.gov.br/modules/faq/category.php?categoryid=9#. Acesso em: 10 mai.
2018.

ROSA, R. Geotecnologias na Geografia aplicada. Revista do departamento de Geografia, São


Paulo, n.16, p. 81-90, 2005.

ROSS, J. L. S. O registro cartográfico dos fatos geomorfológicos e a questão da taxonomia do


relevo. Revista do Departamento de Geografia, FFLCH-USP, São Paulo, p.17-29, 1992.

ROSS, J. L. S. Análise Empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados. Revista


do Departamento de Geografia, FFLCH-USP, São Paulo, n. 8, p. 63-74, 1994.

SAMPAIO, T. V. M., AUGUSTIN, C. H. R. R. Índice de concentração da rugosidade: uma nova


proposta metodológica para o mapeamento e quantificação da dissecação do relevo como
subsídio a cartografia geomorfológica. Revista Brasileira de Geomorfologia, São Paulo, v.15,
n.1, p.47-60, 2014.

248
SOBRE OS AUTORES

VALQUIRIA BRILHADOR DA SILVA


valkiriabs@yahoo.com.br
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá
(2014), doutoranda desde 2018 pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Estadual de Maringá (PGE UEM), integrante do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente
(GEMA).

IDJARRURY GOMES FIRMINO


id_gf@hotmail.com
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá
(2014), doutorando desde 2017 pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Estadual de Maringá (PGE UEM), integrante do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente
(GEMA).

EDISON FORTES
edison-fortes@hotmail.com
Doutor em Geociências e Meio Ambiente, professor associado do Departamento de Geografia da
Universidade Estadual de Maringá (DGE UEM), integrante do Programa de Pós-Graduação em
Geografia (PGE UEM), coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente
(GEMA).

249
PRODUÇÃO DO ESPAÇO E
DINÂMICAS TERRITORIAIS

250
11

A LUTA CAMPONESA EM BARBOSA FERRAZ – PR:


O PRÉ-ASSENTAMENTO IRMÃ DOROTHY

Aline Albuquerque Jorge


Elpídio Serra

RESUMO

Ao longo das transformações do espaço agrário e do desenvolvimento capitalista, os camponeses


foram expulsos e expropriados do campo, intensificando a desigualdade social. Parcela desses
camponeses se juntou aos movimentos sociais, entre esses o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), e passou a lutar por uma reforma agrária ampla e irrestrita. Fazem parte desse
contexto as famílias do pré-assentamento Irmã Dorothy que, em novembro de 2005, ocuparam os
573.20 hectares correspondentes à Fazenda São Paulo e ao Sítio São Vicente, propriedades
limítrofes, pertencentes ao mesmo proprietário, localizadas no município de Barbosa Ferraz, na
mesorregião centro-ocidental do Paraná. Treze anos após a ocupação, essas famílias se mantêm na
área, desafiando as ordens de despejo emitidas pelo Poder Judiciário. Dessa forma, abordar a
história dessa ocupação, as estratégias construídas pelos camponeses e as principais dificuldades
vivenciadas são os objetivos deste trabalho. Para entender o contexto da luta dos trabalhadores,
será elaborado um breve resgate da colonização e das transformações do espaço agrário de Barbosa
Ferraz, município em que se localiza o pré-assentamento. Para atingir os objetivos propostos, serão
utilizadas publicações associadas ao tema, documentos extraídos do processo judicial decorrente
da ocupação e entrevistas realizadas junto a camponeses e a demais pessoas relacionadas ao estudo.

Palavras-chave: Barbosa Ferraz. Movimento Sem Terra. Luta pela terra.

251
INTRODUÇÃO
Este trabalho é parte dos resultados de uma pesquisa de mestrado, que tem como
propósito estudar um dos principais elementos da questão agrária: a luta pela terra, empreendida
pelos camponeses como forma de enfrentar a expulsão e a expropriação geradas a partir das
transformações do espaço agrário e dos avanços das relações capitalistas no campo.
Como base da pesquisa, é estudado o caso do pré-assentamento Irmã Dorothy, cuja
história de formação se iniciou em novembro de 2005, quando um grupo de famílias camponesas
ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou os 573.20 hectares
correspondentes à Fazenda São Paulo e ao Sítio São Vicente, propriedades limítrofes, pertencentes
ao mesmo proprietário, localizadas no município de Barbosa Ferraz, na mesorregião centro-
ocidental do Paraná.
Segundo os camponeses, o que motivou a ocupação foram as denúncias de que a área
apresentava problemas como baixa produtividade, crime ambiental e animais em situação precária.
Para os trabalhadores, essas condições eram indicativas de descumprimento da função social da
propriedade e significavam que a área deveria ser direcionada para a reforma agrária. O ato de
ocupação fez com que o proprietário ajuizasse pedido de reintegração de posse. Desde então, os
camponeses passaram a conviver com ameaças de despejo, que se intensificaram no ano de 2017,
devido às últimas decisões judiciais.
Dessa forma, neste trabalho, pretende-se abordar a história dessa ocupação, as
estratégias jurídicas e políticas utilizadas e as principais dificuldades enfrentadas pelos
trabalhadores na luta pela conquista da terra.
Para entender o conflito social que envolve as famílias do pré-assentamento, é
necessário compreender as transformações do espaço agrário, sobretudo no contexto do
desenvolvimento do capitalismo no campo. Assim, antes de abordar propriamente o pré-
assentamento, serão trabalhadas questões relacionadas à colonização, às formas de uso da terra e
às transformações no espaço agrário de Barbosa Ferraz, município em que se localiza o recorte
geográfico da pesquisa.
Para cumprir os objetivos, o trabalho utiliza publicações como as de Serra (2009), Silva
(1985), Stédile e Fernandes (2012), entre outras. Além dessas, documentos que compõem o
processo judicial e depoimentos coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas em
trabalhos de campo.
Embora os camponeses tenham autorizado a utilização de seus relatos e a exposição de
seus nomes, neste trabalho, opta-se pelo semianonimato como forma de preservar os entrevistados,
principalmente considerando que área estudada é uma área em conflito. Sendo assim, a
identificação das falas é feita apenas pelas iniciais dos nomes dos entrevistados.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
Este trabalho se vale de pressupostos teóricos e de procedimentos empíricos. No que
concerne aos pressupostos teóricos, são utilizadas publicações como as de Fernandes (2000), Serra
(1992; 2009), Andrade (2013), Haracenko (2005), Stédile e Fernandes (2012) Silva (1985), entre
outros. No que tange aos procedimentos empíricos, foram realizados trabalhos de campo com o
objetivo de formular questões, realizar o registro fotográfico e coletar documentos e informações
por meio das entrevistas semiestruturadas realizadas junto aos camponeses, lideranças locais do
MST, pioneiros do município e outros sujeitos ligados ao pré-assentamento e aos trabalhadores.
As entrevistas foram realizadas nas casas dos camponeses e na área comunitária do
pré-assentamento. As técnicas utilizadas foram as da conversação e do questionamento, procurando
não influenciar as respostas dos entrevistados. Todas as informações obtidas nas entrevistas foram
registradas com o uso de um gravador e, depois, foram transcritas na íntegra, sem correções
ortográficas. Trechos das entrevistas são utilizados ao longo deste trabalho. Para preservar os
entrevistados, a identificação das falas é realizada pelo uso apenas das iniciais dos nomes.
As leituras, os dados e as informações serviram para a análise, a intepretação e a reflexão
sobre o processo estudado. Para isso, o método científico utilizado foi o do Materialismo Histórico
Dialético. A escolha desse método se justifica pela relação entre a teoria e a prática e pela
compreensão do mundo como dinâmico, contraditório e histórico; sendo assim, o método permite
entender criticamente o objeto de estudo e compreende a ciência como transformadora da realidade
(COSTA; ROCHA, 2010).

3. COLONIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO AGRÁRIO DE BARBOSA


FERRAZ – PR
Antes de tratar propriamente do pré-assentamento Irmã Dorothy, cabe resgatar, mesmo
que sinteticamente, a história de colonização, as principais características e as transformações do

253
espaço agrário de Barbosa Ferraz, município em que se localiza o recorte geográfico selecionado
para a realização do estudo.
Barbosa Ferraz é um município de 538,6 km² de extensão territorial, localizado na
microrregião de Campo Mourão, inserida na mesorregião centro-ocidental do Paraná e faz limite
com os municípios de Fênix, Campo Mourão, Corumbataí do Sul, Luiziana, entre outros, conforme
mostra a figura a seguir.

Figura 01: Localização do Município de Barbosa Ferraz.

Fonte: IBGE (2015). Organização: JORGE, A. A.

A história do município está relacionada à concessão de terras realizada pelo Estado,


em 1928, em benefício do engenheiro civil Joaquim Vicente de Castro, como forma de pagamento
pela construção de uma estrada que ligava os municípios de Irati e Itapará, assim como assevera
Andrade (2013):

Em 1928, o governo do estado do Paraná concedeu ao engenheiro civil Joaquim Vicente


de Castro uma grande área, que corresponde aos municípios de Barbosa Ferraz,
Corumbataí do Sul e Fênix, [...] Fazenda UBÁ. Essa concessão era parte do pagamento da
construção de uma estrada que ligava o município de Irati e Itapará. (ANDRADE, 2013,
p. 95)

As terras concedidas em 1928 foram, vinte anos depois, em 1948, negociadas com a
Concessionária e Imobiliária Paraná Ltda., que, a partir de então, iniciou a derrubada da mata, a
divisão da área e a comercialização dos lotes (LUCIANI; COLAVITE, 2014).

254
A colonização efetiva do território começou em 1949 com a vinda dos primeiros
colonos oriundos de vários estados brasileiros, sobretudo de São Paulo e de Minas Gerais. O que
cativou esses colonos foram as características naturais da região, tais como o relevo e o solo
proveniente da rocha basalto, popularmente conhecido como “terra roxa”, considerado bom para o
plantio de café, cultura que, na época, era bastante representativa para a economia nacional e
estadual. Parte dessa história é contada em entrevista pelo pioneiro J. R. V. (informação verbal) ao
relembrar a vinda de sua família para Barbosa Ferraz.

Eles foram um dos primeiros a chegar, as primeiras casas, tava só derrubado, eles
derrubavam e queimavam o mato, a cidade já tava cortada, mas não tinha muita coisa, as
primeiras casas foram eles mesmo que ajudaram a construir. Meu avô veio com a família
toda pra cá, meu pai acompanhou ele. Eles vieram de Ouro Fino Minas Gerais, no caso do
meu pai, ele seguiu mais o pai dele, porque eles eram lá em Minas da tradição do café, na
época, e eles vieram visitar aqui e gostaram das terras, que eram vermelhas, e porque tinha
muito espigão que eles chamavam, que era morro, espigão pra eles lá em Minas Gerais
era o lugar de plantar o café, e eles eram apaixonados, gostavam demais do plantio de
café, e eles vieram pra cá entusiasmado com isso, plantar café e foram o que fizeram,
compraram o sítio aqui, derrubaram o mato e plantaram café.

A vinda dos colonos entusiasmados em plantar café foi motivada pela crise da
cafeicultura, que, na segunda metade do século XIX, desestimulou o cultivo nas zonas produtoras
mais antigas, os casos de São Paulo e de Minas Gerais. A crise foi provocada, entre outros fatores,
pelo desgaste do solo nessas regiões, que desencadeou o declínio da produção (SERRA, 1992).
Dessa forma, a formação de correntes migratórias em busca de solos aptos a receber a cultura do
café foi a saída encontrada pelos produtores arraigados à atividade. Esse processo impulsionou a
ocupação efetiva e a colonização de parte do Paraná, principalmente da porção norte do estado.
Mesmo não estando localizado na região norte, mas na mesorregião centro-ocidental,
Barbosa Ferraz teve o início de sua história relacionado ao café, desdobramento dos interesses
econômicos da época e das condições naturais da região. Os cafeeiros plantados no município
seguiam os moldes gerais adotados no norte Paraná, isto é, eram cultivados em “[...] pequena e
média propriedade, onde o lavrador e sua família eram partes da mão de obra da lavoura, o que
diminuía o custo da produção e deixava margem de lucro satisfatória para a nova categoria de
proprietários emergentes [...]” (CANCIAN, 1981, p. 33).
A expectativa do café não durou muito tempo em Barbosa Ferraz. Poucos anos após o
plantio, antes mesmo de os produtores colherem os primeiros frutos, foram surpreendidos com uma

255
forte geada. O senhor J. R. V. relata esse episódio: “Quando o café tava formando, ia começar a
produzir, veio uma geada muito forte, em 1955, eu me lembro disso, eu era criança, ficou todo
mundo a zero, uma dificuldade danada”. Segundo Serra (2009), a geada de 1955, relatada pelo
entrevistado J. R. V., foi um duro golpe para a economia paranaense, “[...] muitos produtores
deixaram a atividade por não suportarem os prejuízos sofridos” (SERRA, 2009, p. 07), inclusive a
maior parte dos produtores de Barbosa Ferraz.
Com o encerramento da cafeicultura, os produtores do município passaram por um
período em que ficaram deslocados, sem uma lavoura que pudesse substituir a expectativa do café.
Essa fase perdurou até o final de 1960, quando uma nova cultura foi inserida no município: o
plantio de hortelã. As primeiras mudas foram trazidas de Presidente Prudente – SP. O objetivo, na
época, não era comercializar a planta in natura, mas o óleo extraído por meio da destilação
realizada em alambiques. A hortelã se adaptou bem às condições naturais do município, possuía
compradores e era negociada com preço satisfatório, o que contribuiu para que a cultura
rapidamente se espalhasse, tornando-se, assim como destaca o senhor N. C. F. (informação verbal),
“uma febre”.
Com relação ao processo produtivo, os pioneiros entrevistados contam que a hortelã
era plantada uma única vez; depois disso, os produtores realizavam cortes manuais,
aproximadamente quatro vezes ao ano, exceto no inverno, período em que a planta não apresentava
crescimento satisfatório. Para a produção ser vantajosa, a hortelã necessitava de solos férteis. O
senhor J. R. V. conta que, após o plantio, os produtores conseguiam realizar cortes pelo período
médio de dois anos; passado esse prazo, as terras ficavam desgastadas, como se a cultura tivesse
consumido todos os nutrientes. Então, para dar continuidade ao ciclo, os produtores abandonavam
as áreas empobrecidas e partiam para a derrubada da mata, em busca de novas terras.
Assim como o café, a hortelã era cultivada em pequenas e em médias propriedades e
demandava muita mão de obra, envolvendo o trabalho de todos os membros da família. Essa
demanda por trabalhadores, junto com propaganda em torno da lucratividade da cultura, fez com
que, na época, Barbosa Ferraz se tornasse um polo de atração populacional, chegando a atingir o
total de 37.455 habitantes de acordo com o censo demográfico de 1970 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o depoimento do senhor N. C. F., a maior parte dos trabalhadores que vinham
para o município era oriunda do estado de Minas Gerais. Esses trabalhadores “[...] chegavam em
256
caminhões chamados ‘pau-de-arara’, diziam que estavam vindo pegar dinheiro com o rastelo que
usavam para juntar as ramas de hortelã”.
Apesar do sucesso obtido, o ciclo da hortelã chegou ao fim no início da década de 1970,
resultado da excessiva exploração que levou ao esgotamento do solo, assim como explica o
pioneiro J. R. V.: “[...] com o tempo, as terras ficaram fracas, né, foi muita exploração por causa
do hortelã, já não produzia mais como antes, já não compensava mais plantar, aí as pessoas foi
desistindo”.
Com o encerramento da produção, o município deixou de ser um atrativo. Parte dos
produtores migrou para outras regiões. Entre os que ficaram, alguns tentaram retomar o plantio de
café, outros ingressaram na produção de algodão, milho e feijão, todavia nenhuma dessas culturas
foram exitosas como a de hortelã.
Na mesma década em que os produtores de Barbosa desistiam da hortelã, o Paraná
inseria-se em um processo que, em outros estados brasileiros, já havia-se consolidado e gerado
profundas transformações para a agricultura; trata-se da modernização agrícola, caracterizada pela
penetração do capitalismo no campo por meio da intensificação do uso da terra e da adoção de um
modelo produtivo dependente da indústria, composto por maquinários, fertilizantes químicos e
defensivos agrícolas (SILVA, 1985).
Esse processo transformou o espaço agrário e gerou profundas consequências sociais.
O principal objetivo foi aumentar verticalmente a produção de gêneros voltados à exportação,
tornando o Brasil, ao mesmo tempo, mercado consumidor das tecnologias produzidas pelos países
em processo de industrialização. Entre as principais características do novo modelo está a
introdução das lavouras mecanizadas de soja, trigo e milho junto com as pastagens plantadas no
lugar das culturas permanentes. No caso de Barbosa Ferraz, esses plantios substituíram o cultivo
de hortelã.
A incorporação da força mecânica no processo produtivo teve como principal efeito o
aumento do nível de exigência técnica da mão de obra, o que se refletiu no desemprego e na rápida
expulsão de grande contingente populacional do campo, no geral, trabalhadores que eram
acostumados com uma agricultura “[...] que utilizava muita mão de obra e pouca mecanização”
(STÉDILE; FERNANDES, 2012, p. 18).
Outro fator que contribuiu para a massiva retirada dos trabalhadores do campo foi a
expropriação originada da concentração fundiária, justificada por o novo modelo depender de
257
grandes áreas para plantio. Em Barbosa Ferraz, essa concentração foi na contramão de uma das
marcas da colonização: a divisão da terra agrícola em pequenas e em médias propriedades, que,
inicialmente, serviram ao cultivo de café e, depois, ao de hortelã.
A expulsão e a expropriação dos trabalhadores rurais resultaram no deslocamento para
o espaço urbano. Serra (2009, p. 08) assevera que, em um primeiro momento, os trabalhadores
seguiram para os núcleos mais próximos, “[...] como nem sempre conseguiam emprego, foram se
aventurando para as cidades de maior porte e, em seguida, para outros estados”. Nesse sentido,
muitas das cidades que, em período anterior, tornaram-se polo de atração populacional,
transformaram-se em polo de dispersão, sendo esse o caso de Barbosa Ferraz, que, dos 37.455
habitantes registrados pelo censo de 1970, registrou uma redução para 12.656, contabilizados no
censo do IBGE de 2010. A maior perda populacional ocorreu justamente entre as décadas de 1980
e 1990, período em que a modernização já causava impacto. No período entre essas décadas, o
contingente populacional do município reduziu de 36.156 habitantes para 18.389, uma contração
de 50,8%.
O rápido esvaziamento do campo fez com que nem as cidades nem os trabalhadores
tivessem tempo para se preparar para as transformações, ocasionando problemas como os
crescentes índices de “[...] subemprego, para não falar na mendicância, prostituição e criminalidade
nas metrópoles brasileiras” (SILVA, 1985, p. 12). Parcela dos trabalhadores excluídos se juntou
aos movimentos sociais de luta pela terra. Entre esses, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), que mantém, como pauta principal, a busca por uma reforma agrária ampla e
irrestrita.
Os assentamentos são processos de reforma agrária que, em sua maior parte,
representam conquistas obtidas pelos movimentos sociais por meio da luta pela terra
(HARACENKO, 2005). Uma das estratégias adotadas na luta é a ocupação de terras, um trunfo
utilizado pelos camponeses para pressionar o poder público.
Em Barbosa Ferraz, existem duas ocupações de terra, ambas ligadas ao MST. Uma
delas é o acampamento Nossa Senhora do Carmo, cuja história se iniciou em junho de 2006, quando
15 famílias oriundas da região de Campo Mourão ocuparam os 80 hectares da fazenda denominada
Os Oitenta (ANDRADE, 2013). A outra é o pré-assentamento Irmã Dorothy, cuja história de
formação, estratégias e dificuldades são assuntos que serão aprofundados na sequência por se tratar
do recorte geográfico delimitado para a realização da pesquisa que dá origem a este trabalho.
258
Entender o conflito que envolve os trabalhadores desse pré-assentamento significa entender os
desafios da luta camponesa em todo o Estado.

4. O PRÉ-ASSENTAMENTO IRMÃ DOROTHY E A LUTA PARA ENTRAR NA TERRA


A história do pré-assentamento Irmã Dorothy teve início no dia 22 de novembro de
2005, quando, aproximadamente, 50 famílias ligadas ao MST ocuparam os 573.20 hectares
correspondentes à Fazenda São Paulo e ao Sítio São Vicente, propriedades limítrofes, pertencentes
ao mesmo proprietário e localizadas no município de Barbosa Ferraz, conforme mapeado na Figura
02.

Figura 02: Localização do pré-assentamento


Irmã Dorothy no município de Barbosa Ferraz.

Fonte: IBGE (2015). Organização: JORGE, A. A.

Segundo os camponeses, o que motivou a ocupação foram as denúncias de que a área


apresentava problemas como baixa produtividade, prática de crimes ambientais e animais (bovinos)

259
em situação precária, que, devido às doenças contraídas, ofereciam risco a outras propriedades da
região. No entendimento dos trabalhadores, essas questões eram indicativas de que a função social
da propriedade não estava sendo cumprida da forma como manda a Constituição Federal de 1988,
ao determinar, em seu Artigo 186, que toda propriedade rural deve ser produtiva e atender aos
seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;


II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Para os camponeses, a área não tinha aproveitamento racional e adequado, não utilizava
corretamente os recursos naturais e a exploração não favorecia o bem-estar, por isso deveria tornar-
se terra de reforma agrária. Parte dessa história é relatada pelo camponês E. L. M. (informação
verbal): “quando nois cheguemo aqui, era completamente abandonado, coberto de mato, tinha
poucas áreas de plantio, que eram arrendadas [...] o gado cheio de doença, tava tudo mal zelado,
tinha crime ambiental, bicho, criação morrendo, aqui era uma ameaça para a sociedade, nois tinha
que fazer a luta pela terra aqui”.
A luta pela terra que o entrevistado E. L.M. menciona teve a ocupação como ponto de
partida, ato que, para os camponeses, é uma forma política de pressionar o poder público. Quando
ocupam, os trabalhadores estão motivados a mudar a realidade, a enfrentar a condição de expulsos
e expropriados do campo. Sobre o significado da luta pela terra e da ocupação, Fernandes (2000,
p. 280) argumenta:

Os expropriados utilizam-se da ocupação da terra como forma de reproduzirem o trabalho


familiar. Assim, na resistência contra o processo de exclusão, os trabalhadores criam uma
forma política - para se ressocializarem, lutando pela terra e contra o assalariamento - que
é a ocupação da terra. Portanto, a luta pela terra é uma luta constante contra o capital. É a
luta contra a expropriação e contra a exploração. E a ocupação é uma ação que os
trabalhadores sem-terra desenvolvem, lutando contra a exclusão causada pelos capitalistas
e ou pelos proprietários de terra.

De acordo com os trabalhadores, no ato da ocupação, não houve conflito, a única


pessoa encontrada na propriedade foi o caseiro, o qual foi convidado a participar da ocupação,
porém não aceitou e se retirou. O camponês L. J. M. conta que o primeiro contato com o
260
proprietário aconteceu três dias depois e esse declarou que procuraria a justiça para resolver a
questão, solicitando a reintegração de posse por meio do processo ajuizado na Justiça Estadual.
Desde então, os camponeses disputam a área, constroem estratégias jurídicas e políticas para
conquistar a terra, isto é, a efetivação do assentamento.
Entre as estratégias jurídicas, os trabalhadores tentam provar o descumprimento da
função social. O maior impedimento é que área não foi vistoriada pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) na época da ocupação, procedimento importante para a
desapropriação por esse caminho. Como prova do descumprimento da função social, os
camponeses utilizam documentos elaborados por órgãos públicos municipais e estaduais e por
profissionais ligados às atividades da propriedade.
Um exemplo desses documentos é o relatório redigido pela Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado do Paraná (SEAB), que descreve a precariedade da propriedade antes da
ocupação, relatando a falta de estruturas como cercas, cochos, curral e pastagens adequadas e
suficientes para o trato dos animais, os quais, de acordo com o documento, encontravam-se arredios
ao manejo, magros e doentes. A Figura 03 reproduz um trecho desse relatório.

Figura 03: Trecho do relatório da SEAB sobre a situação da área antes da


ocupação.

Fonte: Paraná, Comarca de Barbosa Ferraz (2006) .

Além de tentar comprovar o quadro de descumprimento da função social, os


camponeses tentam mostrar que existe interesse da sociedade local na efetivação do assentamento.
Ao mesmo tempo em que os camponeses produzem alimentos que são consumidos pela população

261
do município, eles consomem produtos do comércio local, ou seja, geram um impacto que é bem-
vindo para a economia do município.
Esse interesse da sociedade é demonstrado, no processo judicial, pelas declarações de
apoio redigidas por igreja, sindicatos, escolas, associações de bairro, câmara de vereadores, entre
outros. Como exemplo, é apresentada, na Figura 04, a declaração do Clube de Diretores Lojistas
de Barbosa Ferraz, que destaca que as famílias do pré-assentamento “estão inseridas ativamente no
comércio”, o que “fortalece a economia do município e gera empregos diretos e indiretos”.

Figura 04: Declaração em apoio ao pré-assentamento Irmã Dorothy.

Fonte: Paraná, Comarca de Barbosa Ferraz (2008).

Além disso, a população do município participa das estratégias políticas organizadas


pelos camponeses, tais como passeatas, audiências públicas e abaixo-assinados. Esse apoio que a
sociedade manifesta ao pré-assentamento é fruto do trabalho realizado pelos camponeses para “[...]
romper com o estigma construído para minar a luta pela reforma agrária e que se baseia no
pressuposto de que os sem-terra são indolentes e oportunistas [...]”. (ZENERATTI, 2014, p. 140)
Segundo o depoimento do entrevistado P. G. (informação verbal), “[...] no começo, era
meio esquisito nos mercados, todo lugar era, porque eles não conhecia sem-terra”. Destarte, para
romper com a visão que a população tinha em relação aos trabalhadores, foi preciso utilizar várias
estratégias. Uma delas era realizar compras frequentemente, mesmo que em pequenas quantidades,
no comércio local. Outra foi inserir-se nas atividades sociais do município, participando de eventos
esportivos e religiosos. Essas ações aproximaram as famílias e a comunidade, desconstruindo boa
parte do preconceito pré-existente e construindo relações de vizinhança, que são admitidas como
“[...] um dos sustentáculos para a condição camponesa” (ZENERATTI, 2014, p. 141).

262
Na atualidade, o principal problema enfrentado pelos trabalhadores é o medo de serem
despejados a qualquer momento. Isso porque, na última audiência de conciliação, realizada no dia
31 de julho de 2017, decidiu-se que as famílias teriam até o dia 1º de novembro do mesmo ano para
saírem voluntariamente da área; caso não aceitassem se retirar, seriam despejadas com uso da força
policial. Os camponeses encaminharam uma reposta ao juiz responsável pelo caso, dizendo que
aceitariam a desocupação voluntária até a data estabelecida, desde que o INCRA se responsabiliza-
se pelo seguinte:

1- A abertura de edital de compra, aquisição de terras na região centro-norte do Paraná,


ainda no corrente mês de agosto;
2- Que o INCRA pague as despesas de deslocamento das famílias do pré-assentamento
Irmã Dorothy para eventual área ofertada ou outra área escolhida pelas famílias;
3- Que o INCRA indenize as famílias pelo investimento feito no preparo de produção para
a safra atual. (PARANÁ, COMARCA DE BARBOSA FERRAZ, 2017)

O poder judiciário se posicionou contrário à manifestação dos trabalhadores, alegando


que não havia motivos para responsabilizar o INCRA pela realocação das famílias. Sendo assim,
manteve a decisão de reintegração de posse e a advertência da utilização da força policial, caso a
ordem não fosse cumprida dentro do prazo estipulado (Figura 05).

Figura 05: Resposta judiciária referente à manifestação dos camponeses.

Fonte: Paraná, Comarca de Barbosa Ferraz (2008).

Em julho de 2018, já vencido o prazo da desocupação, os camponeses ainda


continuavam na propriedade. Não sabiam por quanto tempo mais seria possível permanecer, mas
afirmavam que resistiriam, que não sairiam espontaneamente. O que contribuiu para essa
permanência foi que a reintegração de posse determinada pelo judiciário ainda não foi cumprida

263
pelo Estado, o que pode ser justificado por vários motivos, inclusive pelo elevado custo e pela
dificuldade de realizar esse tipo de operação sem que haja confronto entre sem-terra e policiais.
Quando falam sobre a ameaça de despejo, os trabalhadores lembram que já foram
retirados da área uma vez no ano de 2008 e que, 15 dias depois, retornaram e reocuparam. Nesse
sentindo, afirmam que, caso a reintegração de posse se efetive, a intenção do grupo é se organizar
e repetir a ação, ou seja, reocupar mais uma vez.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta camponesa, resultado da expulsão e da expropriação, é realizada acreditando ser
possível a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Desse modo, quando os
camponeses resolvem assumir a luta pela terra, eles assumem a identidade sem-terra e estão
determinados a mudar suas condições de vida.
A ocupação é mais que uma escolha, é uma necessidade, pois é por meio dela que esses
trabalhadores acessam a terra novamente, constroem espaços de resistência e se reproduzem,
traçando um modo de vida que permite que eles se apropriem dos frutos de seu próprio trabalho.
Quando ocupam, os trabalhadores contestam as políticas que favorecem os grandes proprietários
rurais, sobretudo, desafiam a legalidade da propriedade capitalista que permite a acumulação de
terras como reserva patrimonial.
Os camponeses sabem que a luta é difícil, pois implica em privações e resistência, por
isso constroem estratégias políticas e jurídicas e permanecem na terra ocupada mesmo quando há
ordens de reintegração de posse como no caso do pré-assentamento Irmã Dorothy. Depois de treze
anos de ocupação, as famílias afirmam que não desistirão de transformar a área em assentamento,
o que, para eles, significa a luta social convertida em território, a conquista de autonomia.

REFERÊNCIAS

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campo na microrregião geográfica de Campo Mourão-PR. 2013. 310 f. Tese (Doutorado em
Geografia) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2013.

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em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> acesso em:
15 de dezembro de 2017.

264
CANCIAN, N. A. Cafeicultura paranaense. Curitiba: Grafipar, 1981.

FERNANDES, B. M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis RJ: Vozes, 2000.

HARACENKO, A. A. S. A história da reforma agrária e da luta pela terra no noroeste do Paraná:


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AMÉRICA LATINA, X., 2005, São Paulo. Anais… São Paulo: Universidade São Paulo, 2005,
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LUCIANI, A. C.; COLAVITE, A. P. A paisagem rural: um estudo de caso em Barbosa Ferraz –


PR. Revista Geomae, Campo Mourão, v. 05, n. 1,2, p. 42 – 60, 2014.

PARANÁ. Comarca de Barbosa Ferraz. Ação de Reintegração de Posse n° 0000142-


54.2005.8.16.0051. Vara da Fazenda Pública de Barbosa Ferraz, Autor Carlos Alberto Consoni
Gomes, Réu Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, Barbosa Ferraz, PR, 30 de
novembro de 2005.

SERRA, E. Os primeiros processos de ocupação da terra e a organização pioneira do espaço


agrário do Paraná. Boletim de Geografia, Maringá, ano. 10, n. 01, p. 61 – 93, 1992.

SERRA, E. Colonização, uso da terra e conflitos rurais no Paraná. In: ENCUENTRO DE


GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, XII, 2009, Montevidéo. Anais... Montevidéo:
Universidad de le república del Uruguay, 2009. v. 1. p. 1 - 26.

SILVA, J. G. da. O que é questão agrária. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

STEDILE, J. P.; FERNANDES, B. M. Brava gente – a trajetória do MST e a luta pela terra no
Brasil. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

ZENERATTI, F. L. A atualidade da luta camponesa na mesorregião noroeste do Estado do


Paraná. Estudos Geográficos, Rio Claro, v. 12, n. 02, p. 126 – 144, jul. – dez. 2014.

265
SOBRE OS AUTORES

Aline Albuquerque Jorge


albuquerquealine312@gmail.com

Graduada em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2010 – 2014), mestre em


Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE), da Universidade Estadual de
Maringá (2017 – 2019). Atua na área de geografia agrária. Trabalha principalmente com os temas:
colonização, modernização agrícola, reforma agrária, movimentos sociais, luta pela terra e
agroecologia.

Elpídio Serra
serraelpidio@gmail.com

Professor da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá, doutor em


Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp – Rio Claro). Atua na
área de geografia agrária. Trabalha principalmente com os temas: colonização, cooperativismo,
modernização agrícola, reforma agrária, desenvolvimento rural, movimentos sociais e luta pela
terra.

266
12

AÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E COLONIZAÇÃO


DE CAMPO MOURÃO (1940-1960)

Aurea Viana de Andrade


Elpídio Serra
Jocimara Macielm Correia

RESUMO

Na pesquisa abordamos o papel do Estado no processo histórico da territorialização ocasionada


pela colonização dirigida, que se efetivou na metade do século passado. Neste sentido, para discutir
essa dinâmica territorial, temos que pensar na perspectiva do desenvolvimento, visto que os novos
territórios resultam de políticas públicas contraditórias de desenvolvimento rural. A pesquisa tem
um caráter teórico e empírico. Partimos da perspectiva relacional uma vez que abordamos os
movimentos e a questão das relações de poder, com ênfase ao Estado, e no capital. Do mesmo
modo, analisamos os aspectos históricos da formação territorial da região, sobretudo a partir da
ampliação das relações capitalistas, em especial ao período da colonização. Evento que,
assinalamos como construtor da territorialização resulta na expressão concreto-abstrata da
multidimensionalidade de uma rede de relações sociais marcadas pelo poder.

Palavras-chave: Estado. Territorialização. Colonização oficial.

267
INTRODUÇÃO
Neste artigo abordamos o papel do Estado no bojo do desenvolvimento do capital no
campo, bem como do processo de territorialização do espaço. Sendo assim, estabelecemos as
contribuições do aporte analítico e conceitual do território e de seus correlatos com a
experimentação empírica, para compreensão desse processo territorialização de Campo Mourão.
Para melhor apreensão do objeto de estudo, trabalhamos com o tempo histórico, das
sucessões, do processo histórico da territorialização ocasionada pela colonização dirigida, que se
efetivou nas primeiras décadas do século passado. Todavia, para entender as desigualdades
presentes nas territorialidades, consideramos o tempo da simultaneidade, que Santos (2006)
denomina de tempo concreto das coexistências. E Saquet (2004, p. 141) adjetiva-o “de tempos
rápidos e lentos, que se manifestam diferentemente de um lugar para outro e no interior de cada
lugar”. Assim, para entender a tessitura territorial, temos que entender a dinâmica tempo-espaço
fundada no movimento contraditório e nos ritmos diferenciados existentes, sobretudo, a partir dos
processos de ocupação espontânea e colonização oficial. Evento marcado por conflitos entre
ocupantes e colonizadores, legitimado pelas ações do Estado.
Neste sentido, para discutir essa dinâmica territorial, temos que pensar na perspectiva
do desenvolvimento, visto que os novos territórios, bem como a des-reterritorialização resultam de
uma política pública contraditória de desenvolvimento rural.

2. MATERIAIS E MÉTODO
A pesquisa tem um caráter teórico e empírico, que efetivamos em dois momentos. No
primeiro, fundamentamos, em nossa avaliação, o processo de apropriação e produção territorial na
região de Campo Mourão, considerando como elo central de nossas análises a abordagem e
concepções de território e seus derivados. Partimos da perspectiva relacional uma vez que
abordamos os movimentos e a questão das relações de poder, com ênfase ao Estado e no capital.
Contudo, reconhecemos os diferentes poderes, inerentes a todas as relações sociais.
Para tratar teoricamente das abordagens e das concepções com respeito à temática
proposta, buscamos em RAFFESTIN (1993) a análise econômica, política e cultural do território,
bem como as discussões sobre poder e Estado em POULANTZAS (2000), dentre outros.

268
Nesta fase, analisamos os aspectos históricos da formação territorial da região,
sobretudo a partir da ampliação das relações capitalistas, em especial ao período da colonização.
Evento que, assinalamos como construtor da territorialização que resulta na expressão concreto-
abstrata da multidimensionalidade de uma rede de relações sociais marcadas pelo poder.
Para tratar teoricamente das questões de colonização utilizamos, como base teórica, os
estudos de: SERRA (1991); WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1988 (1988);
BERNARDES (1953), dentre outros. Do mesmo modo, buscamos auxílio de materiais
bibliográficos e informativos, por meio de órgãos como: ITCG, MUSEU HISTÓRICO, IBGE,
dentre outros, bem como análise dos Relatórios do DGTC de 1943 e 1947.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O processo de territorialização do espaço correspondente a Campo Mourão,
especialmente a área situada ao “Sul do rio Ivaí, intensificou-se a partir da década de 1940, com a
implementação pelo poder público estadual” (HESPANHOL, 1990, p. 56). O Estado resolveu ser
um empreendedor imobiliário, ou seja, se tornar um agente de repartição e venda das terras, em
nome do desenvolvimento econômico, conforme asseguram Westphalen; Machado; Balhana
(1988):
A partir de 1939, o Governo do Estado resolveu colonizar também suas terras
devolutas e de antigas concessões, no Oeste paranaense, fundando, na margem
esquerda do Piquiri, as colônias Piquiri, Cantú, Goio-Bang e Goio-erê, à margem
direita do Ivaí as colônias Manoel Ribas, Muquilão e Mourão. (WESTPHALEN;
MACHADO; BALHANA, 1988, p. 18).

A ação do Estado na criação dessas colônias, na região, visava conter a “excessiva


expansão e consequentemente o isolamento das famílias de agricultores nacionais cuja tendência é
a exploração de grandes áreas de mata virgem”. A intenção do Estado também era pôr ‘ordem’ no
caos que estava concretizado para, em seguida, continuar uma segunda fase em que o agrimensor
precede o povoador (BERNARDES, 1953, p. 446).
Segundo informações contidas no relatório do Governo Moysés Lupion, de 1947-1951,
“praticamente, toda a área devoluta do Estado, já está destinada à colonização da qual derivará uma
soma incalculável de benefícios à população e de progresso ao nosso Estado”. Além desse plano
de desenvolvimento da colonização, o Estado comandou a medição e demarcação de outras áreas
que denominam de “tratados isolados”. Assim, observamos que o Estado estava mais preocupado
269
em colonizar, povoar, limpar toda área com vista aos “incalculáveis benefícios à população”.
(RELATÓRIO GOVERNO, 1947-1951, p. 370)
Mas, afinal, a qual população estava se referindo? Uma vez que parte dessa população,
que denominamos de precárias, ocupava essas áreas destinadas à colonização, evento que culminou
em vários conflitos de terra, entre governo, ocupantes, posseiros e colonizadores.
O interesse do governo, com a venda das terras devolutas, era povoar as áreas de matas,
ocupar com culturas com técnicas mais avançadas. Segundo Cancian (1981, p. 85), desde o início
da década de 1930, o governo do Paraná com o objetivo de estimular a diversificação de culturas,
realizou algumas ações, dentre as quais a criação do Departamento da Agricultura, para organizar
os serviços agrícolas. Uma das medidas desse Departamento foi a distribuição de sementes,
sobretudo de trigo.

Figura 1 – Orçamento e Arrecadação do Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do


Paraná, período de 1947-1950.

Fonte: Arquivo Público, Ano de 2010. Org.: Andrade, Áurea (2013).

270
Observando a Figura 1 que trata do orçamento e arrecadação do Departamento de
Geografia, Terras e Colonização do estado do Paraná, entre 1947 e 1950, os orçamentos são
superiores à arrecadação em sua fase inicial. Em 1947, havia um orçamento de Cr$ 3.465.800,00
(três milhões, quatrocentos e sessenta e cinco mil e oitocentos cruzeiros) para Cr$ 2.990.892,00
(dois milhões, novecentos e noventa mil e oitocentos e noventa e dois cruzeiros) de arrecadação.
No ano de 1948, ocorreu um orçamento muito superior ao anterior, ou seja, Cr$ 11. 307.000,00
(onze milhões, trezentos e sete mil cruzeiros) para uma arrecadação de pouco mais de Cr$
2.475.581,40 (dois milhões quatrocentos e setenta e cinco mil e quinhentos e oitenta e um cruzeiros
e quarenta centavos). Somente no ano de 1950, a arrecadação passou a ser muito superior ao
orçamento, de Cr$ 11.131.536,00 (onze milhões cento e trinta e um mil, quinhentos e trinta e seis
cruzeiros) para um total de arrecadação de Cr$ 76.751.341,30 (setenta e seis milhões, setecentos
e cinquenta mil, trezentos e quarenta e um cruzeiros e trinta centavos).
Conforme Cancian (1977), o governo do estado do Paraná, em razão do seu
endividamento, visava produzir divisas com a comercialização das terras devolutas. A mesma
autora afirma que essa comercialização era uma das fontes mais promissoras. Assim, “loteadas as
terras, os impostos de transferência rendiam tanto quanto a própria produção agrícola”.
(CANCIAN, 1981, p.32).
Tal objetivo é constatado quando analisamos o Relatório da 5ª Inspetoria de Terras ao
Engenheiro Civil Sady Silva, diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (1943,
p. 285), ao fazer referência à Colônia Mourão.

Para o maior desenvolvimento dessa Colônia, é necessário se fazer o melhoramento


da estrada Pitanga-Campo Mourão, visto a maior parte dos colonos que para lá se
dirigem, virem do sul do Estado e do Estado de Santa Catarina.
Esses colonos nacionais, elementos bons, que já têm longa prática em lavouras,
pelos métodos mais racionais, aflem para esta zona, em suas próprias carroças, e
muitos até, em caminhões. (PARANÁ, DGTC,1947, 1943, [sic]).

De acordo com Gregory (1997), Moysés Lupion se envolveu em negociações


comprometedoras, fato que o tornou conhecido, principalmente, pelo seu suposto envolvimento
com grilagem de terras e problemas agrários no Estado do Paraná. As investidas de Lupion fizeram
com que os colonos do Sudoeste do Paraná se rebelassem em 1957, por meio de conflitos armados.
Esses colonos também exigiam “a intervenção do governo federal para resolver os conflitos
decorrentes das concessões e vendas de terras na região”. (GREGORY, 1997, p. 92).
271
Os estudos de Gregory, apesar de não aprofundar sobre a questão das irregularidades
de Lupion, contribuem para o entendimento dos detentores do poder, isto é, o papel do governo,
do Estado e dos seus agentes no processo de colonização do Paraná.
O discurso da ‘modernidade’ não era uma característica somente dos governantes de
1947-1982, desde o governo de Manoel Ribas, até mesmo no período em que era interventor (1932-
1935), já se encontravam menções nos relatórios.
Nesse sentido, a região em estudo estava incluída em tais objetivos, pois abarcava
grandes áreas de concessões e de colonização, as quais o Estado dividiu em colônias, glebas e lotes.
Colônia, nesse caso, corresponde a um conjunto de glebas, com lotes demarcados, formando um
grupo de pequenas e médias propriedades, para exploração econômica da terra.
Analisando as informações na Figura 2, no período compreendido entre 1947 e 1950
foram realizadas medições em aproximadamente 180 glebas, em uma área de 1.446,082 hectares,
correspondente a 14 colônias, distribuídas em várias regiões do estado do Paraná, das quais seis
pertencentes à região de Campo Mourão, objeto de estudo: Colônia Campo Mourão, Colônia Goio-
erê, Colônia Goio-Bang, Colônia Cantú, Colônia Muquilão, Piquiri e, posteriormente, também foi
criada a Colônia rio Verde.

Figura 2- Relação de Colônias e Glebas entre 1947 e 1950.

Fonte: Arquivo Público do Paraná, 2010.

O Estado, com o objetivo de eliminar os transtornos decorrentes de uma ocupação de


terras desordenada e do mesmo modo atrair recursos para geração de renda para o Paraná,
estabeleceu um plano de ação mais efetivo. Conforme consta no Relatório da Secretaria de Viação
e Obras Públicas, Departamento de Geografia, Terras e Colonização – DGTC (1947, p. 94):

272
Deve-se não obstante reconhecer que essa corrente de braços e capitais para as
terras do norte é conseqüência, em grande parte da iniciativa do governo
paranaense estabelecendo os seus planos de colonização pois, quando iniciaram
os primeiros levantamentos em 1939 e 1940 nas regiões de Campo Mourão,
Paranavaí, Iraça e Centenário, eles foram executados em pleno sertão, despovoado
e inacessível.
Necessária, entretanto se faz a aceleração dos trabalhos de campo e de escritório,
ampliando o campo de ação, para que não se perca a preciosa e inestimável
avalanche de braços e capitais expontaneamente procuram o Paraná ( PARANÁ,
DGTC,1947, p. 94, [sic]).

Para efetivação desses objetivos foram escolhidas algumas regiões que consideravam
mais adequadas, então, elaboraram um plano de ação. Nele, se fixaram as sedes nas colônias, bem
como as extensões das glebas e o número de lotes. Para efeito, a metodologia para verificação na
execução em campo partiu do critério básico do levantamento dos perímetros externos, espigões e
águas internas, a fim de possibilitar o parcelamento em lotes e a construção de estradas de acesso.
Nessa perspectiva, foram adotadas algumas medidas para que não desobedecessem as
exigências legais e técnicas estabelecidas no processo de plano de colonização nacional. Desse
modo, o Departamento de Geografia, Terras e Colonização baixou algumas instruções obrigatórias
para implantação dos projetos nas regiões paranaenses, conforme consta no Relatório do DGTC
(1947):

a) O levantamento topográfico da linha de perímetro;


b) O levantamento topográfico das águas internas;
c) O levantamento altimétrico da gleba;
d) O levantamento topográfico das sedes, com fixadas das benfeitorias
existentes;
e) O levantamento topográfico dos principais divisores de águas;
f) Escolha do local para a sede;
g) O projeto de parcelamento em lotes de toda a área;
h) O projeto das estradas gerais e vicinais;
i) O projeto da sede e sua demarcação;
j) A demarcação dos lotes após a aprovação do projeto;
k) O memorial descritivo e justificativo dos trabalhados executados.
(PARANÁ, DGTC, 1947, p. 91).

Analisando as exigências para o plano de colonização, observamos que as diretrizes


foram às mesmas que se estabeleceram em 1939 para o projeto de colônias em áreas de faixa de
fronteiras.

273
Ainda conforme as informações contidas no Relatório, dentre os projetos, as colônias
foram estabelecidas com as denominações de Jaguapitã, Centenário, Paranavaí, Campo Mourão,
Goio-erê, Goio-Bang, Muquilão, Cancã, Cantú e Piquiri, das quais, algumas já “demarcadas em
sua totalidade e povoadas e outras, em grande parte, entregues aos lavradores interessados em
destiná-las à exploração agrícola” (DGTC,1947, p. 91). Verifica-se na Tabela 1, que foi demarcada
uma área de 326.580 hectares:

Tabela 1: Áreas Demarcadas para Colonização no ano de 1947 no Paraná.


Colônia N. da Gleba Área em hectares N. de Lotes

Piquiri 5,-,4, 7, 2 62.912 360


Mourão 4, 8,1,2,6,15 87.000 280
Goio-bang 1 12.000 50
Muquilão 1 15.000 150
Paranavaí IIIA,6,7,10,12,14,8,9 149.668 439
TOTAL 326.580 1.279
Fonte: Arquivo Público, Relatório do DGTC, 1947. Org.: Andrade, Áurea (2013).

Nesse período, milhares de famílias de várias regiões do país foram atraídas pelas
“terras roxas”, ou seja, área de ocorrência do basalto, originando o Latossolos Vermelhos, propício
à agricultura. Essa massa de trabalhadores rurais e de capitais para as terras do norte foi resultado
da iniciativa do governo paranaense, estabelecida em seus planos de colonização em 1939, nas
regiões de Campo Mourão, Paranavaí, Iraçá e Centenário.
Para que esses planos fossem bem sucedidos, uma das ações do Estado foi acelerar os
trabalhos de campo e a burocracia, para não perder os capitais e pessoas que espontaneamente
procuraram o Paraná. Tendo em vista a existência de terras adequadas à colonização nos sertões
dos baixos Ivaí e Piquiri e ao sul, no vale do rio Paraná, fez-se necessário que o plano de
colonização iniciado alcançasse essas regiões, com o objetivo de atender os colonos que não
conseguiram o acesso à terra no norte do Estado.
Ao se estabelecer a dilatação do programa elaborado em 1939, é de conveniência a
manutenção dos princípios básicos e de rigidez nas normas de sua execução, segundo o Relatório
do DGTC (1947).

274
No princípio da década de 1940, foram iniciados os serviços de medições e
demarcações de várias glebas na região, observando as exigências do Departamento de Geografia,
Terras e Colonização do estado do Paraná, ou seja, o levantamento do perímetro, escolha da
localização das sedes dos municípios.
A Figura 3 representa as Colônias e Glebas da região. Nela verificamos as sete colônias
que abrangem a Mesorregião de Campo Mourão: Mourão, Muquilão, Goio-erê, Goio-Bang, Cantú,
Piquiri e rio Verde. Área de concessões, Manuel Mendes de Camargo, Fazenda Ubá e parte da
concessão à Companhia Melhoramentos Norte do Paraná-CMNP.

Figura 3 – Área de Colonização da Região de Campo Mourão.

Fonte: INCRA, 2010. Org.: Andrade, Áurea (2013).

Porém, há apenas cinco colônias que correspondem à Microrregião de Campo Mourão,


quais sejam: Mourão, Cantú, Goio-Bang, Goio-erê e Muquilão, conforme a Tabela 2. Na Tabela,
observamos que as propriedades variavam de uma colônia para outra, perfazendo uma média de
91,25 ha.
275
Tabela 2: Glebas, Lotes e Área das cinco Colônias da Microrregião Geográfica de Campo Mourão
Colônias da Microrregião de Campo Mourão
Colônia N. de Glebas Área ha Lotes Área Média ha
Mourão 14 171.001.67 1.606 106.48
Cantú 13 201.079,28 1.626 76.22
Goio-Bang 8 105.095,29 2.829 64.63
Goio-erê 21 333.487,08 2.563 117.88
Muquilão 23 216.998,53 2.638 84.67
Total 79 1.027.66,85 11.262 91,25
Fonte: ITCG, 2011. Org.: Andrade, Áurea (2013).

A Colônia Mourão, situada no distrito de Campo Mourão, então município de


Guarapuava, limitava-se ao norte pelo Ribeirão da Lagoa, afluente do rio do Campo, a leste por
este Rio e pelo rio 119, ao sul pela estrada Boiadeira, com uma área de 171.001.67 ha, distribuídas
em 14 Glebas, em 1.606 lotes. Segundo informações contidas no Relatório do DGTC (1943), os
lotes, foram divididos em áreas que variavam de 10 a 50 alqueires.
Analisando as informações do Relatório do DGTC (1943) e da Tabela 2,
constatamos que o planejamento estabelecido com as demarcações foi pouco diferenciada em
relação às demarcações das companhias colonizadoras do Norte paranaense, uma vez que variavam
de 10 a 20 alqueires.
Na Gleba n. 09, os planos das divisões dos lotes visavam territorializar 70 famílias de
colonos. Nessa gleba não houve uma homogeneidade na distribuição das terras, segundo
informações contidas no Relatório, em razão da caracterização imprecisa de parte de uma área
reservada para a vila de Campo Mourão, ou seja, a área urbana e algumas estradas carroçáveis.
Outras glebas foram demarcadas nesse período. A Gleba 11 que se limitava ao norte e nordeste
pelo rio Claro, afluente do rio Mourão, a leste e sudeste pelo rio do Campo, ao sul e sudoeste pelo
Ribeirão da Lagoa, em uma área de 8.096.7 hectares, distribuídas entre 164 lotes, alguns variavam
de 277 a 630 hectares. Na porção sudoeste da Gleba, predominavam áreas de culturas progressivas,
ao passo que, as margens do rio do Campo eram revestidas de matas, porém, com algumas clareiras
de derrubadas e roças. Na margem direita do rio Claro, predominavam os terrenos revestidos de
vegetação, com taquaral e pouca vegetação de Cerrado.
Ainda na Gleba n. 11, foram registradas 36 famílias de ocupantes. “No projeto da
divisão em lotes, foram respeitadas essas ocupações; as linhas de divisa, quando abertas, definirão
276
as áreas efetivamente ocupadas e que serão requeridas por compra ao Estado” (DGTC, 1942, p.
129). De mesmo modo, consta no relatório do DGTC de 1954 o registro de 60 famílias de
nacionais9, na Gleba 5, que corresponde à área do atual município de Araruna. Nesta, a ocupação
se deu, especialmente por colonos descendentes de italianos, que vieram do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina.

Figura 4: Vista parcial de Araruna em 1948

Fonte: Acervo particular de – Bigarella, João José, 1948.

A Colônia Mourão teve seu processo de repartição das terras de 1941 a 1975. Iniciada
ainda sob o domínio de Guarapuava, posteriormente de Pitanga e sua finalização já na emancipação
de Campo Mourão. Nessa Colônia, houve registro de várias famílias que foram colocadas pelo
Estado, em razão de conflitos pela posse da terra em outras regiões do estado, sobretudo no Norte
paranaense. Conforme podemos observar nas considerações do juiz Rafael Rastelli do Cartório
Cível do Fórum da Comarca de Porecatu, Processo n. 491/1952:

9
Os nacionais, segundo Silva (2009), era uma definição da “condição pátria das pessoas para quem eram destinadas, e contrapondo indivíduos
nacionais a um estrangeiro”. [...] “eram apresentados como vadios, racialmente inferiores, mestiços, indisciplinados e toda uma série inumerável
de adjetivos, foi da depreciação do brasileiro que emergiu a valorização do imigrante”. [...] os nacionais eram portadoras de defeitos e deveriam
ser protegidos pelo Estado a fim de que se tornassem ‘socialmente úteis’. (SILVA, 2009, p. 235-237-240).

277
Não se pode negar que o Estado do Paraná, desde 1940, se dispôs a distribuir terras
devolutas aos agricultores que aqui viessem para cultivá-las, o que é fato
momentoso e donde resultou a questão dos posseiros, com grande repercussão
nacional, e donde originou a criação da Comissão de Terras, para resolver esses
casos, estudados todos isoladamente e com a resolução final de indenizar-se cada
um de uma gleba em Campo Mourão. (PRIORI, 2011, p.31).

Westphalen; Machado; Balhana (1988, p.31) ponderam que um “grande número de


famílias foram transferidas, localizadas, à custa do Estado, em terras devolutas e abertas à
colonização, em Campo Mourão, Goio-erê e outras”. Dessa forma, as colônias da região foram
utilizadas pelo Estado também para resolver parte de conflitos de outras regiões paranaenses, pelos
quais o próprio Estado era um dos responsáveis.
A área correspondente à Colônia Cantú e Piquiri também foi palco de muitos conflitos,
uma vez que já se encontrava ocupada por posseiros quando muitos colonos se estabeleceram nas
terras devolutas. Quando o Estado vendeu as terras, lotes e glebas inteiras já se encontravam
ocupados por posseiros. (WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, p. 1988).
A Colônia Cantú, situada à margem esquerda do rio Cantú, estendendo-se até o rio
Piquiri, abarcava uma área de 201.079,28 hectares, 13 glebas e 1.626 lotes, conforme a Tabela 2.
Essa colônia foi autorizada em 1941, quando também deu início a sua demarcação na primeira
Gleba denominada de ‘Barra Bonita’. Porém, de acordo com o Relatório da 5ª Inspetoria, poucas
medições estavam sendo executadas (1943, p. 289)
A Colônia Goio-Bang localizada ao sul da Colônia Mourão, a oeste de Goio-erê, a leste
da Colônia Muquilão e ao sul à margem direita do rio Goio-Bang, em uma área de 105.095,29
hectares, distribuídas em oito glebas e 2.829 lotes. Em relação às demais colônias, esta possui a
menor área de propriedades, ou seja, 64,63 hectares.
A Colônia Goio-erê, conforme a Tabela 2 tem a maior extensão territorial, abarcando
uma área de 333.487,08 hectares, com propriedades com área de, em média, 117.00 ha, bem
superior às colônias Cantú e Goio-Bang.
Segundo Santos (1995,) na Gleba Goio-erê chegavam migrantes das regiões de Alto
Paulista e Noroeste do Estado de São Paulo, alguns a procura de compras de lotes, outros para
empregar-se como arrendatários. Essa corrida aumentou significativamente na década de 1940, em
parte atribui-se ao governador Moisés Lupion de apressar a regularização dos títulos de posse das
terras. Do mesmo modo, Brzezinski (1975, p. 107) afirma que a região de Campo Mourão tomou
278
vulto bastante avançado nesse governo, porque “foi exatamente a fase em que houve maior número
de titulações”.
Carvalho (2008) assegura que esta colônia tem maior registro de compra de lotes por
um mesmo proprietário, o que não significa que esta prática não tenha acontecido nas outras
colônias da região, apenas confirma a existência de concentração fundiária e o favorecimento de
pessoas influentes junto ao governo. A área adquirida pela família Scarpari era vinte vezes maior
do que a média dos lotes de 117,88 hectares, conforme a Tabela 2.
Na Colônia Muquilão não foi diferente, isto é, houve vários casos em que famílias
titulavam vários lotes, um para cada integrante. Nesta Colônia, além de ter várias negociações ao
acesso à terra, como várias titulações, aquisição de latifúndios, também foi área de tratos isolados.
O mais conhecido é o tratado com a Companhia Braviaco em que foram registrados 13 lotes em
uma área de 6.972,4 hectares, conforme consta no processo 3013 no ITCG.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo histórico da territorialização movido pela ocupação espontânea e colonização
nos permite compreender novas e velhas territorialidades. Quando o Estado e as empresas
colonizadoras iniciaram o processo de repartição e comercialização das terras, na região de Campo
Mourão, depararam-se com muitos ‘ocupantes’, os conflitos eram inevitáveis à posse da terra.
Esses conflitos, muitas vezes, eram por meio da violência, outras por meio judicial.
Como exposto, utilizamos em grande medida de informações primárias do ITCG, desse
modo, salientamos que mesmo se tratando de documentos oficiais, os mesmos apresentam
contradições, quando confrontamos com outros documentos disponibilizados pelo ITCG, no
Arquivo Público. Essa dificuldade também foi registrada por outros pesquisadores, como exemplo,
Carvalho (2008) ao discutir a estrutura fundiária da Colonização Campo Mourão. Desse modo,
essas dificuldades nos levam a confirmar que o Estado não apresentava um controle apropriado das
terras que comercializava. Ademais, os arquivos acessados demonstram isso, ou seja, as fichas
cadastrais dos titulares, as quais tivemos acesso, estão borradas, há casos de escrita a lápis, outros
borrados com corretivos. Também observamos que o número de títulos e lotes não correspondem,
o que nos leva, ainda, a confirmar que havia no período de colonização uma tendência à
concentração fundiária, facilitada pelo Estado. Fato confirmado também por ocasião das
entrevistas com os colonizadores da região.
279
A territorialização da Microrregião Geográfica de Campo Mourão se deu a partir da
perspectiva política e econômica com incentivo do Estado para ocupação e produção do espaço.
Assim, o Estado atuou como agente de colonização na região de estudo, influenciando nas relações
de poder sobre a sociedade, bem como nas instituições, buscando a acumulação de capital através
da compra e venda de terras.

REFERÊNCIAS

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Campo na Microrregião Geográfica de Campo Mourão - PR. 2013. 310p. Tese (Doutorado) –
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá.

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Geografia. Out/Dez, 1952. Rio de Janeiro: IBGE, n. 14, 1953.

BRZEZINSKI, F. I. A futura capital. Curitiba: Juruá, 1975.

CANCIAN, N. A. Conjuntura econômica da madeira no norte do Paraná. 1974. 470p.


Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba.

CANCIAN, N. A. Cafeicultura paranaense 1900-1970 - estudo de conjuntura. 1977. 497p.


Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de São Paulo, São
Paulo.

CANCIAN, N. A. Cafeicultura paranaense – 1900/1970. Curitiba: Grafipar, 1981.

CARVALHO, E. B. A Modernização do sertão: terras, florestas, Estado e lavradores na


colonização de Campo Mourão, Paraná, 1939-1964. 2008. 344p. Tese (Doutorado) – Programa
de Pós-Graduação em História. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

GREGORY, V. Os euro-brasileiros e o espaço colonial: a dinâmica da colonização no Oeste do


Paraná nas décadas de 1940 a 1970. 1997. 360p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação
em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói.

HESPANHOL, A. N. O binômio soja/trigo na modernização da agricultura do Paraná: o


caso dos municípios de Ubiratã Campina da Lagoa e Nova Cantú. 1990. 223p. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade Estadual Paulista, Rio
Claro.

LUPION, M. Relatório Governo 1947-1951. Arquivo Público do Paraná Disponível


em:http://www.arquivopublico.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=44. Acesso
em: 02 set. 2010.

280
PARANÁ, Departamento de Geografia Terras e Colonização. Relatório dos serviços
executados pelo Departamento de Geografia Terras e Colonização durante o ano de 1942.
Curitiba, 1943. (Arquivo Público do Paraná).

PARANÁ, Departamento de Geografia Terras e Colonização. Relatório dos serviços


executados pelo Departamento de Geografia Terras e Colonização durante o ano de 1947.
Curitiba, 1947. (Arquivo Público do Paraná).

POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. 4. ed. São Paulo: Graal, 2000.

PRIORI, A. O Levante dos Posseiros: A revolta camponesa de Porecatu e a ação do Partido


Comunista Brasileiro no campo. Maringá: Eduem, 2011.

RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

SANTOS, M. A Natureza do espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 4. ed. São Paulo:
Edusp, 2006.

SANTOS, V. Formação histórica do território da Microrregião de Campo Mourão. A


origem de seus 24 municípios. Curitiba: Compuarts, 1995.

281
SOBRE OS AUTORES

AUREA VIANA DE ANDRADE


aurea.viana@unespar.edu.br

Doutora em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2013). Doutorado


Sanduíche/Estágio no Dipartimento Interateneo di Scienze, Progetto e Politiche del Territorio
(DIST) da Università Politecnico di Torino - Unito, Italia. Mestrado em Geografia pela
Universidade Estadual de Maringá (2005). Graduação em Geografia pela Faculdade Estadual de
Ciências e Letras de Campo Mourão (1997). Professora adjunto da Universidade Estadual do
Paraná - Unespar, campus de Campo Mourão. Atua na área de Epistemologia da Geografia,
Geopolítica e Estudos em desenvolvimento territoriais.

ELPÍDIO SERRA
serraelpidio@gmail.com

Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (1974), mestrado em Organização


do Espaço Urbano e Rural [Rio Claro] pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(1988), doutorado em Organização do Espaço Urbano e Rural [Rio Claro] pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1991) e pós doutorado (2013) pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Presidente Prudente). Professor do Programa de Pós-
graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em Geografia Agrária, modernização da agricultura, cooperativismo,
colonização, reforma agrária e desenvolvimento rural.

JOCIMARA MACIELM CORREIA


jocimara_maciel@hotmail.com

Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão (2016).
Mestranda no Programa de História Pública, pela Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo
Mourão. Especialista em História das Revoluções e Movimentos Sociais pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM) (2018). Especialista no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Meio Ambiente e Ensino
(2018).

282
13

O USO DA CATEGORIA PAISAGEM NAS ANÁLISES GEOGRÁFICAS:


PUBLICAÇÕES DO ENANPEGE - 2013 E 2017

Bruna Morante Lacerda Martins


Larissa Donato

RESUMO

As pesquisas em Paisagem vêm crescendo em número e perspectivas de análise nas últimas décadas
(COSTA, 2017). A Paisagem Natural refere-se aos elementos combinados de terreno, vegetação,
solo, hidrografia, clima (CAVALHEIRO, 2009), enquanto a Paisagem Cultural, humanizada,
inclui todas as modificações feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais (MONBIEG,
1957). Com o objetivo de reconhecer o uso da categoria Paisagem nos trabalhos de Pós-Graduação
em Geografia no Brasil, o presente texto mostra a tabulação e análise das atuais pesquisas em
Mestrado e Doutorado ocorridas no Brasil contemporâneo que fazem parte dos anais do X e XII
ENANPEGE (2013 e 2017). Neste processo foi encontrada dificuldade em relação a
disponibilidade dos dados, pois nem sempre estão disponíveis. Inicialmente foram tabulados os
trabalhos com a presença do termo Paisagem e/ou Paisagens, em seguida foram divididos em
vertentes conforme reconhecimento - Natural, Cultural, Epistemológica e Ensino. Por fim, foram
distribuídos em um mapa que demonstra a espacialização das instituições que mais estudam esta
temática. Como resultado, foi possível perceber que o número de pesquisa em Paisagem/Paisagens
aumentou consideravelmente, assim como, o número geral de publicações deste evento. Além
disso, houve maior abrangência nas unidades federativas com participação de diversas regiões
Brasileiras.

Palavras-chave: Pesquisa em Geografia. Paisagem. Publicações no ENANPEGE.

283
INTRODUÇÃO
Os cenários dos eventos nacionais em Geografia têm se demonstrado como expoente
para a socialização e a publicação da produção científica brasileira (SUERTEGARAY; NUNES,
2001; TEIXEIRA; SILVA, 2013; MELO; MATIAS, 2014). O estudo intitulado “A Natureza da
Geografia Física na Geografia”, realizado por Suertegaray e Nunes (2001) demonstra o
levantamento comparativo das pesquisas em Geografia Física nos anais do Encontro Nacional dos
Geógrafos(ENG), organizado pela Associação Nacional dos Geógrafos (AGB) e do Encontro dos
Geógrafos da América Latina (EGAL) - ambos os eventos reúnem trabalhos de graduandos,
professores do ensino básico, pós-graduandos e pesquisadores.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho concerne em realizar o levantamento do uso da
Paisagem como categoria de análise geográfica nas pesquisas que fazem parte dos anais do “X e
XII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia”
(ENANPEGE). A justificativa para tal escolha está pautada em três argumentos: o fato das autoras
em questão desenvolverem as suas pesquisas de Doutorado em Geografia, com enfoque para a
categoria Paisagem em diferentes perspectivas: natural (CAVALHEIRO, 2000) e cultural
(MONBIEG, 1957). Portanto, o interesse em conhecer a realidade do cenário das pesquisas em
Geografia no ENANPEGE quanto ao uso da Paisagem como categoria de análise na
contemporaneidade.
O segundo argumento pauta-se na relevância da abordagem deste estudo, haja vista que
a categoria Paisagem cresce em número e perspectiva de análise nas últimas décadas na área da
Geografia (COSTA, 2017). A Geografia é uma das ciências, que a partir do final do século XIX,
tem se debruçado no estudo da Paisagem como decorrência da ação do homem entre o natural e o
cultural, em múltiplas escalas e abordagens, acarretando amplitude em seu próprio termo. Quanto
à origem da palavra na literatura geográfica propriamente dita, a palavra “paisagem” apareceu na
Europa com várias traduções, tais como: Landschaft em alemão, Landscape em inglês e Paysage
ou Pays em francês (CLAVAL, 2006).
Na língua alemã, o termo Paisagem (Landschaft) contém uma conotação geográfico-
espacial no prefixo “land”, diferentemente da Paisagem com significado de cenário encontrado
nas artes e na literatura. Os biogeógrafos europeus observaram a Paisagem não apenas como uma
visão estética (como a maioria dos arquitetos da Paisagem), ou como parte do ambiente físico

284
(como a maioria dos geógrafos), mas como uma entidade espacial e visual da totalidade do espaço
de vida humana, integrando geosfera, biosfera e noosfera (grego “noos” - mente) (NUCCI, 2007).
E o terceiro motivo concerne a escolha do evento em questão, que está alicerçado no
alcance, abrangência e na delimitação do público-alvo formado exclusivamente por discentes e
docentes dos Programas de Pós-Graduação em Geografia vinculados às agências de fomento de
pesquisa em âmbito nacional, fato este que exprime as tendências e perspectivas do uso da
categoria Paisagem nas análises geográficas brasileira na contemporaneidade; justifica-se aqui,
inclusive, a escolha do evento de análise deste trabalho.
O ENANPEGE tem por objetivo ampliar o espaço para que os pesquisadores ligados
aos Programas de Pós-Graduação em Geografia discutam seus pontos de vista, suas teorias e suas
práticas na produção do conhecimento geográfico. O evento, organizado pela Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), promove mesas-redondas, conferências,
lançamentos de livros, Grupos de Trabalhos (GTS) em diversos eixos temáticos e Fóruns de
pesquisadores, dos coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Geografia e discentes pós-
graduandos (ENANPEGE, 2017).
Em 1995, ocorreu o I ENANPEGE na Universidade Federal de Sergipe, sob o tema:
“Território brasileiro e globalização”. Na contemporaneidade, o evento encontra-se na XII edição,
que foi realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano de 2017. A ideia de criar
um evento que discutisse as pesquisas em Geografia no nível da pós-graduação, aconteceu a partir
do I Encontro Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ENPG) com a participação da USP,
UNESP-Rio Claro, UFRJ, UFPE e UFSE na Universidade de São Paulo em 1984 (DUARTE,
2003).
Esta iniciativa é resultante do processo histórico de criação da ANPEGE, efetivada em
1993, posteriormente a três edições do ENPG. No ano seguinte, a diretoria da ANPEGE formada
por professores da USP, promoveram o I Encontro Internacional da ANPEGE e, a partir de então,
o encontro acontece geralmente a cada dois anos, porém houve divergências nas realizações dentre
os 23 anos de duração, uma vez que alguns eventos ocorreram num prazo maior ou menor que o
convencional (2 anos) (DUARTE, 2003; TEIXEIRA; SILVA, 2016).
Portanto, este evento consolidou-se como referência para público-alvo formado por
Geógrafos e pesquisadores em Geografia, com o intuito de aproximar o diálogo entre temas, teorias

285
e metodologias da pesquisa em comuns, visando a construção do conhecimento geográfico
brasileiro.
Além da parte introdutória, o trabalho está dividido em três segmentos. No primeiro,
de forma pormenorizada, inicia-se o pensamento da Paisagem Geográfica. O segundo consiste na
explicação da metodologia utilizada no estudo, e por fim, são apresentados os resultados
encontrados no levantamento da Paisagem em foco geográfico de pesquisa.

2. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DA PAISAGEM GEOGRÁFICA


Do ponto de vista científico, as ideias que permeiam a categoria Paisagem surgiram na
Alemanha, antiga Prússia, com Alexandre Von Humboldt junto à cientificação da Geografia, no
século XIX. Nesta escola alemã, a Paisagem é vista como um conjunto de agregados de relações
diretas e indiretas que de forma complexa, homogênea ou não, coincidem na globalidade onde o
homem é parte integrante da natureza que vive graças à troca contínua de formas e movimentos. A
Paisagem é, então, cíclica, integrada e dinâmica (BOLÓS I CAPDEVILA, 1992).
Tradicionalmente, os geógrafos diferenciam entre a Paisagem Natural e a Paisagem
Cultural. A Paisagem Natural refere-se aos elementos combinados de terreno, vegetação, solo,
hidrografia, clima, mesmo com a presença do homem, porém pouco modificada; enquanto a
Paisagem Cultural, humanizada, inclui todas as modificações feitas pelo homem, como nos espaços
urbanos e rurais. De modo geral, o estudo da Paisagem exige um enfoque, do qual se pretende fazer
uma avaliação definindo o conjunto dos elementos envolvidos, a escala a ser considerada e a
temporalidade na Paisagem. Enfim, trata-se da apresentação do objeto em seu contexto geográfico
e histórico, levando em conta a configuração social e os processos naturais e humanos.
Para a Geografia, a Paisagem é categoria base das inter-relações destes elementos
naturais, onde o homem, muitas vezes, se faz presente e torna-se interdependente como todos os
elementos (TROPPMAIR, 2008). Neste sentido e, por acreditar que os sistemas naturais têm uma
dinâmica cíclica biogeográfica que realizam sua própria regularização físico-química, este artigo
busca os dados de estudo sobre as Paisagens, uma vez que estes se preocupam com o avanço
desenfreado das atividades humanas sobre os sistemas naturais.
Segundo Ab’Saber (2003), a Paisagem atual é uma herança de reflexo das formas e dos
processos atuantes nas compartimentações locais, ou seja, toda ação humana, causa reação na
Paisagem e torna-se elemento majoritário de influência real. As nações, herdaram paisagens e as
286
modificaram no decorrer dos anos, muitas vezes sem se preocupar com os avanços negativos dessas
modificações, por este motivo, seu estudo é importante.
Na perspectiva da Paisagem Cultural, busca-se nas balizas teóricas de Monbeig (1957),
compreender que a pesquisa geográfica parte da análise do complexo de fatos formado por um
conjunto de elementos interligados reagindo uns sobre os outros. O pesquisador rastreia os elos dos
fenômenos estudados, que fazem do complexo como um organismo vivo. A categoria Paisagem
possibilita este processo para desenvolver esta ideia, nas palavras do autor:

Este exprime antes de tudo na paisagem, a qual, formada una e indissoluvelmente pelos
elementos naturais e pelos trabalhos dos homens, é a representação concreta do complexo
geográfico. Por esta razão o estudo da paisagem constitui a essência da pesquisa geográfica
(MONBEIG, 1957, p. 11).

Portanto, este movimento de transformação da Paisagem Natural para a Paisagem


Cultural, que na visão de Ab’Saber (2003), são os elementos naturais, por exemplo, circunscrevem
as áreas do território brasileiro, como a visão detalhada da depressão pantaneira, os ecossistemas
amazônicos e a fachada atlântica costeira do país. E a Paisagem como um todo refere-se a um
legado, “Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança de processos
fisiográficos e biológicos e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como
território de atuação de suas comunidades” (AB'SABER, 2003, p. 234).
Sauer (1998) pertencente à Escola Berkeley assinala que existe uma relação primeira
de separação do natural com o cultural, sendo que o homem atua como sujeito de transformação
na apropriação da Paisagem:

Não podemos formar uma ideia de paisagem a não ser em termos de suas relações
associadas ao tempo, bem como suas relações vinculadas ao espaço. Ela está em um
processo constante de desenvolvimento ou dissolução e substituição. Assim, no sentido
corológico, a alteração da área modificada pelo homem e sua apropriação para o seu uso
são de importância fundamental. A área anterior à atividade humana é representada por
um conjunto de fatos morfológicos. As formas que o homem introduziu são um outro
conjunto (SAUER, 1998, p. 42).

A ideia de Paisagem na perspectiva de Sauer (1998), liga-se ao plano temporal,


aquele da construção de interferências e continuidades como resultado da ação dos agentes
culturais, que a sociedade humana realiza a partir da natureza em um processo inacabado sob
múltiplas formas de uso, seja por meio do morar, comer, cheirar, sentir, do lazer e do trabalhar.
287
Para Sauer (1998, p. 59), “A cultura é o agente, e área natural é o meio, e Paisagem cultural é o
resultado”, portanto, uma manifestação da cultura no espaço. Consideramos que, a Paisagem
cultural equivale a um conjunto de elementos produzidos por meio de um processo histórico de
vivências, que assinalam as ressignificações da interação entre os grupos sociais e a natureza.
Ao estudar a categoria Paisagem cultural encontramos em Berque (1998),
importantes considerações para apreendê-la como “marca” e “matriz” do estudo geográfico.
Primeiramente, o autor afirma que o ponto de partida está na descrição e inventariação da Paisagem,
mas, olhar para além do que a vista alcança, ou seja, ultrapassar o sentido concreto da imagem,
considerada como marca de processos anteriores. Em segundo lugar, analisá-la como matriz de
experiências e valores adquiridos entre a sociedade e a natureza, que implica em uma relação
espaço-tempo no desenvolvimento de fatores físicos, culturais e sociais.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente trabalho tem como base metodológica o processo documental de pesquisa
exploratória, que leva em consideração a análise de dados quantitativos relacionados ao uso da
categoria Paisagem nos trabalhos de pesquisas de Pós-Graduação em Geografia no Brasil. Para tal,
utilizou-se como suporte a pesquisa intitulada “A Natureza da Geografia Física na Geografia”
publicada no 17o volume da Revista Terra Livre em 2001 por Suertegaray e Nunes (2001), com
objetivo de analisar as pesquisas realizadas em Geografia Física em dois eventos de socialização
de pesquisas geográficas: Encontro Nacional dos Geógrafos (ENG) e o Encontro dos Geógrafos da
América Latina (EGAL).
Tomando os procedimentos como base, estuda-se aqui a utilização da categoria
Paisagem no evento de socialização das pesquisas em Geografia - o ENANPEGE nos anos de 2013
e 2017. A seleção da base de dados está centrada na disponibilidade dos anais em sites de domínio
público, sendo assim, a escolha destas datas se deu pelo fato de serem os anais mais antigos e os
mais recentes disponíveis em meio eletrônico digital online, ou seja, em sites do evento. Apesar de
existir desde 1995, foi apenas em 2013 que as publicações começaram a ser disponibilizadas em
endereços eletrônicos; antes disso, ou eram impressos ou em meios magnéticos.
De forma geral, os trabalhos foram selecionados quanto a presença do termo
“Paisagem” e/ou “Paisagens” nos títulos dos textos publicados nos anais. Vale ressaltar que
inicialmente, assim como o trabalho base de Suertegaray e Nunes (2001), o intuito era reconhecer
288
o termo Paisagem/Paisagens também nas palavras-chave e nos resumos, no entanto, os anais não
disponibilizam estas informações, tendo divergências em trabalhos de um ano para outro e ainda
falhas de download de alguns arquivos por irregularidades no próprio site de divulgação dos
mesmos, além de informações díspares em fontes oficiais diferenciadas.
Por este motivo, optou-se por garantir a veracidade e os procedimentos metodológicos
reais de acesso a informações concretas, com o menor índice de falhas, ou seja, foram
contabilizados apenas trabalhos que continham o termo “Paisagem” e/ou “Paisagens” em seus
títulos e acessados no site oficial de divulgação do evento/anais. Acredita-se que outros trabalhos
podem referir-se a esta categoria sem citá-las diretamente no título, no entanto, não serão aqui
analisadas.
Posteriormente, a contabilização dos trabalhos que seguem o critério estipulado, as
publicações foram distinguidas em quatro vertentes: Paisagem Natural, Paisagem Cultural,
Paisagem em Ensino e Paisagem e Epistemologia. O conceito de paisagem é diversificado pelo
fato de ser utilizado em diversas áreas das ciências, envolvendo, muitas vezes, questões de
percepção, abstrações e estética. Dentre as inúmeras perspectivas geográficas, para este estudo
adota-se as seguintes balizas conceituais:
A Paisagem Natural, para Mateo Rodríguez (2007) é quando a interface entre Natureza
e Sociedade expressa menor nível de modificações gerido e articulado por processos mais ou menos
brutos, mantendo suas características físicas naturais e locais. É considerada por Mateo Rodríguez
como palco das relações sociedade e natureza.
A Paisagem Cultural, segundo Monbeig (1957), configura-se como uma representação
do complexo geográfico, já que condiz com a ação dos homens sobre os elementos morfológicos.
A partir da metáfora escolhida pelo autor, “espelho da civilização”, significa pensar a maneira da
qual o homem tem construído o seu modo de ser no mundo, no sentido material e subjetivo. Assim,
determinadas paisagens apresentam, na sua configuração, marcas culturais e recebem, portanto,
uma identidade.
A vertente Paisagem em Ensino direciona-se aos trabalhos que não analisam a
Paisagem propriamente dita, mas sim, como a categoria é trabalhada nos livros didáticos ou ações
pedagógicas. Já na vertente de Paisagem e Epistemologia, foram enquadrados os artigos que
discutem a correlação da categoria como parte da Ciência Geográfica, ou ainda, suas diferentes
concepções - inclusive relatos entre Paisagens cultural e natural, sem foco direcionada a uma delas.
289
Salienta-se que, no momento em que estas vertentes não ficavam expressas de forma
direta nos títulos das publicações, o trabalho foi lido na íntegra para não deixar nenhuma dúvida
da expressividade da temática.
Na sequência, foi calculado o número de trabalhos que tem como foco de pesquisa
principal a Paisagem relacionado aos números gerais de trabalhos publicados em cada ano deste
evento em questão. Por fim, os dados foram espacializados, a fim de demonstrar onde se encontram
os Programas de Pós-Graduação mais relacionados a esta temática e comparados entre si.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES: A Paisagem em Foco Geográfico de Pesquisa


Ao tabular e reconhecer as publicações apresentadas nos “Anais do X ENANPEGE”
de 2013, com uso da categoria Paisagem, foi possível encontrar 21 textos: 2,3% do total de 895
publicações gerais em Geografia, sendo que 7 (33,3%) deles se enquadra em Paisagem Natural
com enfoque para áreas de preservação, ou de menor interferência antrópica; 13 (61,9%) em
Paisagem Cultural, com enfoque direcionado ao estudo cultural e, apenas 1 (4,8%) em Paisagem e
Epistemologia - relacionado à ciência e suas contribuições. Nesta edição, não foi encontrado
nenhum trabalho com foco para o Ensino da Paisagem.
Os dados revelam uma predominância da temática direcionada a Paisagem Cultural,
como perspectiva de análise dos trabalhos de Mestrado e Doutorado nos Anais de 2013. Neste
sentido, nota-se que a produção da análise da Paisagem Natural é circunscrita a índices menores de
estudo. Além disso, a preocupação epistemológica de discussão da Paisagem é reduzida.
Em relação ao “Anais do XII ENANPEGE” de 2017, foram encontrados 46 trabalhos:
4,5% do total de 1007 publicações, sendo 15 (32,6%) delas, relacionados a Paisagem Natural; 22
(47,8%) com Paisagem Cultural, 6 (13%) sobre Ensino, com enfoque ao estudo da Paisagem no
ensino escolar e livros didáticos e, apenas 3 (6,5%) sobre Paisagem e Epistemologia;
Estes dados demonstram que a predominância da temática relacionada a Paisagem
Cultural, se mantém em relação às demais, com aumento de 69% entre as duas edições analisadas.
No entanto, houve um aumento no número de publicações sobre a Paisagem Natural de 114,4%,
demonstrando aumento no interesse sobre a temática. Ademais, uma nova tendência foi encontrada
com enfoque para o Ensino da Paisagem em Geografia com publicações anteriormente não
registradas nestas edições do evento, conforme apresentado nos gráficos 1 e 2 a seguir:

290
Gráficos 1 e 2: Número de publicações com uso da categoria Paisagem como foco de pesquisa –
ENANPEGE (2013 e 2017); Número de publicações gerais no ENANPEGE (2013 e 2017).

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Diante destes dados, nota-se o total de 67 trabalhos nas duas edições do evento com a
ocorrência da categoria Paisagem. Em análise comparativa, contata-se o aumento em todos os
índices de pesquisas sobre Paisagem nos trabalhos de pós-graduandos, publicados nos anais do
ENANPEGE (2013 e 2017). No ano de 2013 e 2017, ocorreu um acréscimo de 12,51% no número
geral de publicações (Gráfico 2), com enfoque a 119% mais publicações em pesquisas de Paisagem,
ou seja, número maior que o dobro do ano anterior pesquisado, fato este que demonstra crescente
índice de interesse na temática.
As características corroboram com algumas perspectivas:
● Aumento dos programas de pós-graduação em Geografia em âmbito nacional, uma
vez que em 1992 existiam 9 programas de Mestrados e 4 de Doutorados; em 2003, havia
26 programas de mestrados e 12 de doutorados (DUARTE, 2003), e, atualmente, no ano de
2018, existem 62 de mestrados, 35 de doutorados e 3 em mestrados profissionais
(SUCUPIRA, 2018).
● Ênfase em preocupações voltadas ao meio ambiente em cunho internacional, com
enfoque de qualidade na perspectiva humana.
● Suprimento da Natureza em relação ao Meio Ambiente.
● Preocupações com índice de poluição urbana.
● Presença de segmentação científica dos estudos geográficos disciplinares de campo
de análises da Paisagem.
Ao se espacializar os dados da pesquisa, é possível perceber que a participação
distribuída nas unidades federativas brasileiras, dos pós-graduandos em Geografia, foi mais

291
abrangente em 2017 do que em 2013, com destaque para a ocorrência de trabalhos, principalmente
nos estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, conforme demonstram os mapas 1 e 2 a seguir:

Mapas 1 e 2: Distribuição geográfica da origem dos participantes com publicação no ENANPEGE - 2013
e 2017, respectivamente.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Verifica-se um aumento de 54,5% de participação territorial relacionado ao uso da


categoria Paisagem. No ano de 2013, foram registradas a participação de 11 estados na
ENANPEGE. Já no de 2017, houve a participação de 17 estados com enfoque para maior
participação dos estados da região Norte (Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins). O estado do
Ceará também apresentou aumento considerável, seguido do estado do Rio Grande do Sul. Um
fato curioso relaciona-se ao estado de Goiás que obteve diminuição no número de publicações
relacionadas à Paisagem, porém, manteve participação no evento, diferentemente do estado do
Mato Grosso do Sul que apresentava publicações e deixou de apresentar.
Além disso, nota-se uma concentração no número de publicações oriundos do eixo Rio-
São Paulo, este fato se deve a fatores como:
● Origem precursora dos programas de pós-graduação em Geografia, tais como os da
Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (DUARTE, 2003).
● Valorização em demanda de bolsas de financiamento de pesquisas.
● Conjuntura histórica socioeconômica nacional.
292
É importante dizer que o estado do Paraná não apresentava pesquisas em Paisagem no
ano de 2013 e, em 2017, registrou publicações com 5 textos científicos representando 10,9% de
todas as publicações com enfoque para Paisagem na XII edição do evento.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posteriormente a realização deste trabalho, foi possível considerar que as pesquisas
com a categoria Paisagem tem aumentado em âmbito nacional com perspectivas naturais e
culturais, além de serem, também, foco de análise para epistemologia da ciência e, ainda,
preocupações com processos pedagógicos de disseminação e análise do seu conhecimento. O
enfoque para Paisagem cultural também ficou evidente em relação à Paisagem Natural,
Epistemológica ou voltada para o Ensino.
Algumas dificuldades foram encontradas, tais como o acesso aos anais do evento que,
por ser de grande abrangência nacional, deveriam ser disponibilizados de forma facilitada e
organizada. Em algumas edições os trabalhos não são encontrados na íntegra, em outros casos, há
endereços eletrônicos diferentes de divulgação com divergência entre os arquivos, ou ainda sites
que estão fora do domínio, sem funcionar. Contudo, os dados analisados levam em considerações
as informações oficiais disponíveis para acesso direto e, por isso, foram enquadradas em duas
edições que representam a mais antiga e mais recente em disponibilidade digital dos dados sem
problemas de divulgação dos anais, a fim de garantir cientificação.
Por fim, as autoras demonstram preocupação no detrimento da Natureza pelo Meio
Ambiente que se mostra aparente em pesquisas sobre Paisagem que, cada vez mais, analisam a
participação do homem na interferência do meio. Este contexto mostra a importância da análise
geográfica integradora com elementos que articulem e garantam o desenvolvimento social, porém,
que valorize os âmbitos natural e cultural, necessários para a própria sobrevivência humana,
discussão essa necessária e que não é sanada em um único artigo.

REFERÊNCIAS

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Ateliê Editorial, 2003.

293
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ANAIS. XII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em


Geografia, 12. Porto Alegre, 2017. Disponível em: <www.enanpege.ggf.br/2017>. Acesso em:
10 jul.2018.

BERQUE, A. Paisagem-marca, Paisagem-matriz: Elementos da problemática para uma geografia


cultural. In: CORRÊA; ROZENDAHL (Orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro:
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Paisagens Geográficas: um tributo a Felisberto Cavalheiro. Campo Mourão: Editora da
FECILCAM, 2009. p. 196.

CLAVAL, P. A geografia cultural. Florianópolis: Ed. UFSC, 2006.

COSTA, F. Geografia: correntes de pensamento e conceitos. Curitiba: Editora CRV, 2017.

DUARTE, G. M. A pesquisa e a Pós-graduação em Geografia no Brasil: os dez anos da


ANPEGE. Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia
(ANPEGE), ano 1, nº 1, Curitiba, 2003.

MATEO RODRÍGUEZ, J. M. Aportes para la formulación de una teoría geográfica de la


sostenibilidad ambiental. Tese (Doutorado em Ciências) da Faculdade de Geografia da
Universidade de Habana, Cuba, 2007.

MELO, S.; MATIAS, L. A geografia do crime e da violência no Brasil entre 2017 a 2015.
Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE),
v.12, n.19, jul-dez, 2014, p. 146-165.

MONBEIG, P. Novos estudos da Geografia humana brasileira. São Paulo: Difusão Europeia,
1957.

NUCCI, D. Origem e Desenvolvimento da Ecologia e da Ecologia da Paisagem. Revista


Eletrônica Geografar, Curitiba, v. 2, n. 1, p.77-99, jan./jun., 2007.

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Livre, v.2, n.17, jul-dez, 2001, p. 11-24.

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https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/programa/quantitativos/quantitativo
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TEIXEIRA, V.; SILVA, M. Geografia política: disseminação da produção científica nos Anais
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TROPPMAIR, H. Biogeografia e Meio Ambiente. Rio Claro: Dursa, 2008.

SOBRE OS AUTORES

BRUNA MORANTE LACERDA MARTINS


brunamorante@gmail.com

Doutoranda em Geografia (2016-2020) – Linha de Análise Ambiental no Programa de Pós-


Graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) - conceito 5 e
Bolsista CAPES. Mestre em História (UEM/PPH). Bacharela em Turismo e Meio Ambiente
(UNESPAR). Especialista em Geografia, Meio Ambiente e Ensino (UNESPAR). Membro do
grupo de pesquisa Núcleo de Estudos de Mobilidade e Mobilização- NEMO (UEM). Atualmente
é professora colaboradora no colegiado de Turismo e Meio Ambiente da UNESPAR - campus de
Campo Mourão. Desenvolve pesquisa intitulada “Águas das (re)existências: paisagem e memórias
dos balseiros do rio Ivaí – PR, sob orientação do professor Doutor Henrique Manoel da Silva.

LARISSA DONATO
donato.lari@hotmail.com

Doutoranda em Geografia (2017-2021) – Linha de Análise Ambiental no Programa de Pós-


Graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) - conceito 5,
(Bolsista CAPES), é mestre em Geografia pelo PPG/UEM com o projeto “Análise geográfica da
utilização do sistema agroflorestal na região do Vale do Ribeira” (2013). É graduada em
licenciatura e bacharelado em Geografia pela UEM (2010). Atualmente é professora colaboradora
no colegiado de Geografia da UNESPAR - campus de Campo Mourão ministrando disciplinas de
Cartografia, Planejamento Ambiental, Geografia física para o Ensino, além de Orientação de
Estágio com ênfase em Análise Ambiental, Biogeografia e Ensino.

295
14

O PROCESSO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL NA CIDADE DE OURINHOS-SP

Franciele Miranda Ferreira Dias

RESUMO

O trabalho refere-se à dissertação de mestrado em Geografia, intitulada “Segregação Residencial


na Cidade de Ourinhos-SP”, pesquisa realizada entre os anos de 2011 e 2013. O objetivo da
pesquisa foi analisar a segregação residencial em Ourinhos no ano de 2012. Para tanto, considerou-
se o recorte espacial urbano de Ourinhos-SP, ao passo que o recorte temporal foi estabelecido em
três períodos distintos: 1- A partir da gênese da cidade até a década de 1950; 2- Entre 1950 e 1970;
3- Entre a década de 1970 até meados da década de 2010. A partir daí, procurou-se analisar a
dinâmica do mercado imobiliário e os dispositivos do Plano Diretor da cidade do ano de 2012 que
confluíram para a manifesta segregação residencial citada. Compreendeu-se que esse processo
esteve presente desde a gênese da cidade até meados da década de 1950, quando os serviços, a
infraestrutura e a população de maior poder aquisitivo estabeleceram-se na parte “acima da linha”
férrea da Estrada de Ferro Sorocabana (E.F. Sorocabana) e o restante da cidade “abaixo dessa
linha”. Nas décadas seguintes, mediante a intensificação da urbanização e a expansão urbana,
iniciou-se a complexificação dessa segregação residencial. Em 2012, percebeu-se um processo
social ligado à intensificação da divisão territorial do trabalho, à renda da terra e às vantagens
locacionais produzidas pelo Estado.

Palavras-chave: Segregação Residencial. Espaço Urbano. Ourinhos.

296
INTRODUÇÃO
A bibliografia sobre o tema da segregação residencial, quanto aos referenciais teóricos
e metodológicos, abrange diversas ciências e campos do conhecimento, como: Geografia;
Sociologia; Arquitetura; entre outros. Aponta-se que, desde o século XIX, este tema já aparecia de
forma subjacente em Engels (1975). Nas primeiras décadas do século XX, os estudos sobre
segregação no âmbito urbano proliferaram na sociologia norte-americana. No século XXI,
acentuou-se a diferenciação socioespacial. No caso do Brasil, parte da população ainda hoje reside
em habitações precárias, com infraestrutura e serviços deficientes, em que se evidencia a
intensificação do processo da segregação residencial nos diferentes patamares de cidade.
Por estes e outros motivos, pesquisadores contemporâneos, motivados pelo
crescimento das cidades e o aprofundamento das diferenças expressas na separação das classes
sociais nos espaços urbanos, têm dado cada vez mais atenção ao tema, que pode ainda ser
denominado de social, socioespacial, socioeconômico, dentre outras terminologias.
A segregação, de acordo com Lefebvre (2008), deve ser analisada a partir de três
aspectos ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneo (proveniente das rendas e das ideologias);
voluntário (estabelecendo espaços separados) e programado (sob o pretexto de arrumação do
plano). De tal forma, o autor considera que a segregação relaciona-se à criação de espaços
homogêneos e fragmentados onde não há trocas e sim isolamento.
Harvey (1989) apontou que a segregação associa-se aos rendimentos econômicos das
classes sociais, refletindo a sua respectiva localização no espaço urbano. Para Castells (1983), a
segregação está presente em diferentes cidades, tanto do ponto de vista econômico quanto em
relação ao tamanho das mesmas. Apesar disso, os estudos voltam-se em grande parte (ou
normalmente) às grandes cidades e metrópoles, embora existam discussões relativas às cidades de
porte médio e pequenas cidades, podendo citar Spósito (2004, 2007). Assim, o trabalho refere-se
ao estudo da segregação residencial em Ourinhos-SP, cidade de porte médio com 100.035
habitantes urbanos (IBGE, 2010), localizada no Centro-Oeste Paulista.

2. MATERIAIS E MÉTODO
O procedimento metodológico pautou-se na consulta bibliográfica de autores referentes
à história de Ourinhos, à segregação residencial, bem como quanto à legislação municipal referente
ao Plano Diretor da cidade e a análise do preço da terra, dentre outros elementos. Do ponto de vista
operacional, o trabalho baseou-se em diversas fontes de dados e procedimentos. Inicialmente foram
entrevistados moradores locais, a fim de verificar a segregação residencial em épocas pretéritas na
cidade. Quanto ao período hodierno, trabalhou-se com entrevistas em imobiliárias de Ourinhos, a
fim de compreender a dinâmica do mercado imobiliário local, sendo que os dados primários,
relativos aos preços dos terrenos urbanos, apresentaram a tendência dos preços de terrenos
disponíveis para construção em 2012.
O levantamento gerou o mapa do preço da terra urbana sobre conjuntos habitacionais,
loteamentos, condomínios fechados, dentre outros, e suas respectivas localizações, a partir de
informações levantadas junto à Prefeitura Municipal de Ourinhos, à Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e à Companhia de Habitação Popular
(COHAB). Constatou-se que o preço da terra é menos elevado nos locais com debilidade de
infraestrutura e de serviços urbanos, representando partes da cidade pautadas pela segregação
residencial. Quanto aos preços imobiliários referentes aos terrenos foram utilizadas as informações
disponíveis no Jornal Negocião, semanário especializado na compra e venda de imóveis cuja área
de atuação refere-se a Ourinhos (SP).
O período apresentado nesse artigo contempla de 31/08/2012 a 12/09/2012. A escolha
pela quantificação do valor de acordo com o metro quadrado dos terrenos, em detrimento da
quantidade de residências, justifica-se pela subjetividade que o último item pode apresentar em
função das melhorias, frequentemente promovidas pelos proprietários, na estrutura dos imóveis.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Optou-se por apresentar os resultados quanto ao processo da segregação residencial em
Ourinhos em três partes condizentes com o recorte temporal utilizado. Desse modo, apresenta-se a
gênese da cidade e a segregação atrelada à linha férrea de 1908 a 1950; a expansão urbana,
decorrente da ampliação da urbanização, da inserção do poder público e da atuação do mercado
imobiliário, a partir da década de 1970 até 2010; e o período após 2013, quando se tem a análise
do preço da terra como um auxílio à compreensão de uma realidade urbana ainda mais complexa.

298
3.1 A segregação residencial em Ourinhos entre 1908-1950
Para a análise da segregação residencial entende-se necessária a compreensão de como
se deu a gênese e a expansão urbana de Ourinhos, pois o espaço urbano é construído socialmente
e traz vestígios de outros momentos históricos, uma vez que não se pode analisar a cidade pelo que
ela nos mostra hoje sem considerar como ela chegou à configuração atual.
A ocupação do município de Ourinhos iniciou-se em 1908, momento em que a E.F.
Sorocabana, partindo de São Paulo, atingiu a região do Rio Paranapanema, estabelecendo o
quilômetro 501, atendendo assim à demanda para o escoamento da produção cafeeira paulista que,
naquele momento, estava em forte expansão (D’AMBRÓSIO, 2004). Os primeiros anos referentes
à consolidação do município foram atrelados à denominada frente pioneira (MONBEIG, 1984).
No início, os núcleos urbanos desse período não possuíam separação social, “[...] habitat burguês
e proletário são mal diferenciados e coexistem tanto nas ruas mercantis quanto nas imediações das
estações e nas ruas mais excêntricas” (MONBEIG, 1984, p. 36).
No entanto, devido à expansão urbana e ao aumento populacional, Ourinhos passou
gradativamente a apresentar uma nítida diferença social expressa no padrão das residências, ou
seja, aquelas habitadas por pessoas de maior poder aquisitivo eram majoritariamente de alvenaria
e as habitadas pela população de menor poder aquisitivo eram de madeira. A cidade também passou
a receber, paulatinamente, melhorias quanto à infraestrutura urbana e à inserção de serviços
públicos, sendo esses localizados em determinadas partes da cidade.
Verificou-se, mediante entrevistas com moradores e a partir da leitura dos autores Del
Rios (1992) e D’Ambrósio (2004), que o núcleo urbano inicial de Ourinhos, a parte “abaixo da
linha” referente ao traçado da E.F. Sorocabana, era habitado pela população de menor poder
aquisitivo, situação que permaneceu até meados da década de 1950 como parte segregada da cidade
(FERREIRA DIAS, 2013).
A E.F. Sorocabana dividiu a cidade em duas partes. A parte ao sul da ferrovia,
denominada “acima da linha”, tornou-se a mais desenvolvida, onde se estabeleceram o comércio
principal, as residências de alvenaria, os bancos e a administração municipal. Já a parte ao norte da
ferrovia, denominada “abaixo da linha”, era pautada pela população de baixo poder aquisitivo,
poucos estabelecimentos comerciais e residências de madeira. Assim, a parte “acima da linha” era
composta pelo centro “novo” de Ourinhos, a Vila dos Ferroviários, a Vila Moraes e a Vila Emília.
A foto 1 demonstra o aspecto visual da parte “acima da linha”.
299
Foto 1: Vista parcial da Praça Mello Peixoto em 1940, localizada na parte “acima da linha” de
Ourinhos.

Fonte: Prefeitura Municipal de Ourinhos, 2008.

A Vila Odilon, localizada no extremo sul de Ourinhos, permaneceu isolada quanto ao


núcleo urbano da cidade durante a primeira metade do século XX, porém não era considerada um
loteamento segregado, pois a sua localização estava ligada diretamente à indústria oleira, que não
localizava-se na parte urbana. Deste modo, a Vila Odilon, localizada próxima à fonte de matéria-
prima, a argila do Rio Paranapanema, apresentava características econômicas e sociais distintas do
restante da cidade. Embora não possuísse infraestrutura e serviços semelhantes aos da parte “acima
da linha”, contava com algumas atividades econômicas, com lojas, um clube, a igreja, a escola de
ensino fundamental, o posto de saúde, entre outros espaços que denotavam alguma autonomia ao
bairro (FERREIRA DIAS, 2013).
Quanto à parte “abaixo da linha”, o entrevistado senhor Eitor Martins, escritor sobre
Ourinhos e morador da cidade, afirma:

“No passado a divisão de classes era mais nítida, havia os pós de arroz (para cima
da linha) e os pés de chinelo (para baixo da linha). Hoje é normal. Há uma classe
poderosa, uma classe média e a grande maioria, o ‘povão’. Havia dois tipos de
moradores: para baixo e para cima da linha. Para baixo estavam os pobres e para
cima o progresso. Nessa época não havia quase nenhuma infraestrutura nas ruas”
(Entrevista realizada com o senhor Eitor Martins em 02/05/2011).

Na foto 2 observa-se a Rua Amazonas, localizada “abaixo da linha” cuja infraestrutura


era representada pela iluminação pública com estabelecimentos comerciais em edifícios
relativamente degradados. Essa rua concentrava comércios e serviços destinados à população de
menor poder aquisitivo.

300
Foto 2: Vista parcial da Rua Amazonas em Ourinhos, localizada ao norte da Estrada de Ferro Sorocabana,
década de 1940.

Fonte: Prefeitura Municipal de Ourinhos, 2008.

No mapa 1 destaca-se a localização da parte “acima da linha” e da parte “abaixo da


linha”. As áreas destacadas referem-se aos únicos bairros e vilas existentes em Ourinhos até metade
do século XX. Como se percebe, o município era pouco urbanizado em 1940, contando com uma
população total de 13.123 habitantes, sendo que apenas 25% residiam na área urbana, ou seja, 3.281
habitantes (IBGE, 1940).

301
Mapa 1: Segregação Residencial e áreas ocupadas no espaço urbano de Ourinhos, década de 1940.

Fonte: Prefeitura Municipal de Ourinhos, 2008.


Org: Elaborado pela autora, 2012.

A década de 1950 representou um período de transição devido ao aumento da


população, à intensa urbanização e à periferização de Ourinhos mediante a criação de vários
loteamentos, principalmente aos arredores da indústria oleira, uma vez que a mesma apresentou

302
importância econômica até o início da década de 1980. A área “abaixo da linha” recebeu algumas
melhorias quanto à infraestrutura urbana. As residências no local foram paulatinamente alteradas
para alvenaria. Com isso, a localização gradativamente foi deixando de ser uma área segregada,
sobretudo com a expansão urbana em direção às rodovias Raposo Tavares e Mello Peixoto,
inauguradas entre as décadas de 1950 e 1960 (FERREIRA DIAS, 2013).
Assim, na década de 1950 a população de Ourinhos tornou-se majoritariamente urbana,
sendo que dos 33.293 habitantes, 62% residiam na cidade, ou 24.970 habitantes (IBGE, 1950).
Consequentemente, foi formulado o primeiro Plano Diretor de Ourinhos, coordenado pelo Padre
Lebret, e o Plano de Desenvolvimento Integrado (PDIM), concluído em 1967 pelo Grupo de
Planejamento Integrado (GPI).
O Plano Diretor apontava que a área central ainda era a mais valorizada, do ponto de
vista imobiliário, e também a melhor servida de infraestrutura e de serviços urbanos. Em oposição,
quanto mais longe do Centro, maior a desvalorização de casas e terrenos, sendo até 40 vezes menos
valorizados com relação aos da área central. De acordo com Del Rios (1992), as classes altas viviam
até meados da década de 1950 na Vila Moraes, loteamento atualmente transformado em centro de
especialidades médicas, e na Vila Emília, presentemente área de consultórios médicos, escolas
particulares e órgãos públicos.

3.2 A expansão urbana de Ourinhos e a intensificação da segregação residencial


Observou-se que Ourinhos apresentou a intensificação da urbanização e crescimento
populacional a partir da década de 1950, tendência que se manteve, conforme nota-se na tabela 1.

Tabela 1: Evolução Populacional de Ourinhos: 1950-2000.


Década População Rural População Urbana População Total Taxa de Urbanização (%)
1950 8.012 13.073 21.085 62,00
1960 8.531 24.970 33.393 74,37
1970 8.134 41.059 49.193 83,43
1980 7.100 53.634 60.774 88,31
1990 6.216 70.707 76.923 91,92
2000 4.492 89.367 93.686 95,21
Fonte: IBGE (1960, 1970, 1980, 1990, 2000).
Org: Elaborado pela autora, 2013.

Nota-se que a quantidade da população rural pouco se alterou até a década de 1990, ao
passo que a população urbana aumentou demasiadamente e, por consequência, a quantidade de
303
loteamentos e também a periferização. Assim, na década de 1960 intensificou-se o processo,
efetuado pela população recém-chegada, de autoconstrução de moradias próximas às olarias, à
rodovia Mello Peixoto e às imediações da rodovia Raposo Tavares, área pouco valorizada pelo
mercado imobiliário e caracterizada, principalmente, por novos loteamentos desmembrados das
propriedades rurais dos pioneiros da ocupação do município.
A expansão periférica foi evidente, dentre outros motivos, devido à criação dos
loteamentos Jardim Anchieta, distante 5 km da área central de Ourinhos, localizado próximo à
rodovia Raposo Tavares; e do loteamento Pacheco Chaves, distante 6 km do centro da cidade, nas
proximidades da rodovia Mello Peixoto (FERREIRA DIAS, 2013). Destaca-se ainda o início da
atuação do Estado na construção do espaço urbano municipal através do loteamento Jardim
Paulista, inaugurado em 1963. Este loteamento foi realizado mediante investimentos do Banco
Nacional da Habitação (BNH), sendo voltado para a classe média.
A intensificação da expansão periférica, através da criação de loteamentos em áreas
pouco valorizadas pelo mercado imobiliário e fracamente servidas de infraestrutura e serviços
urbanos, desencadeou uma mudança no processo de segregação residencial que deixou de ser
meramente restrito à ferrovia, até então tida como principal fator divisor. O estabelecimento de
linhas regulares de ônibus, através da empresa AVOA (Auto Viação Ourinhos-Assis) no ano de
1962, apesar dos problemas relativos à periodicidade e ao itinerário percorrido, também
contribuíram para a expansão de loteamentos periféricos na cidade.
A partir da década de 1970, os novos loteamentos passaram a ser gestados pelas
empresas privadas Delfim Verde, Grupo Santa Paula, Imobiliária Novaes S/C Ltda., Cooperativa
Habitacional de Ourinhos e Cooperativa Habitacional Ouro Fino, as duas últimas voltadas à
população de menor poder aquisitivo (DEL RIOS, 1992). Porém, a atuação dessas empresas não
foi suficiente para atender a demanda por habitações, principalmente no tocante à população de
menor poder aquisitivo. Desse modo, a partir da década de 1980 iniciou-se a atuação do Estado na
construção de moradias populares através da CDHU e da COHAB.
Conforme a tabela 2, a atuação da CDHU em Ourinhos inicia-se em 1986 através do
Conjunto Habitacional de Interesse Social Itajubi, localizado próximo à área “abaixo da linha”, ao
passo que os demais se localizam nas imediações da Rodovia Raposo Tavares. O CDHU Parque
Orlando Quagliato diferencia-se por estar atrelado ao programa “Sonho Meu”, direcionado à
população em situação de risco (encostas, proximidade de cursos d’água, ocupações irregulares
304
etc.). Quanto à COHAB, há apenas o Conjunto Habitacional Padre Eduardo Murante, localizado
na Zona Sul da cidade, destinado à população de médio poder aquisitivo, com unidades
habitacionais em terrenos de 200 metros e prestações das residências maiores que aquelas da
CDHU devido à melhor qualidade dos materiais utilizados.

Tabela 2: Conjuntos Habitacionais de Ourinhos


Conjunto Companhia Ano em que Nº de Área Localização
Habitacional Habitacional foi entregue unidades construída m² no espaço
habitacionais urbano
Pe. Eduardo COHAB 1990 129 48,00 Zona Sul
Murante
Jardim Itajubi CDHU entre 1986 e 306 35,72 Zona Norte
1990
Flamboyant CDHU Entre 1991 e 306 52,42 Zona Leste
2003
Caiuá CDHU entre 1992 e 500 35,72 Zona Leste
1995
Asise Chequer CDHU 1994 80 41,92 Zona Leste
Nicolau
Cesira Sândano CDHU 1994 302 41,92 Zona Leste
Migliari
Orlando CDHU entre 1998 e 523 35,72 Zona Leste
Quagliato 2000
Profª. Helena CDHU entre 2005 e 596 43,1 Zona Leste
Braz 2012
Vendramini
Oswaldo CDHU 2012 258 36,85 Zona Leste
Brizola
Regina Brizola CDHU 2012 219 36,85 Zona Leste
Ourinhos H CDHU 2014 75 43,50 Zona Leste
Ourinhos I CDHU 2015 75 59,97 Zona Leste
Fonte: Prefeitura Municipal de Ourinhos e CDHU.
Org: Elaborado pela autora, 2013.

Apesar da aquisição da casa própria ser benéfica à população, pois se elimina o gasto com
aluguel e, em muitos casos, a necessidade de morar em residências mal conservadas e/ou em lugares
degradados, é preciso notar que os conjuntos habitacionais estão localizados nos arrabaldes de Ourinhos
e foram entregues sem obras de acabamento, ficando a cargo dos moradores realizar o revestimento,
colocar o piso, construir muros, calçadas, etc.
De tal modo, não se desenvolveu no decorrer da história de Ourinhos áreas de ocupação
irregular, uma vez que o poder público tem atuado decisivamente nessa perspectiva, o que não
significa que não existam loteamentos que apresentem deficiências quanto aos serviços e à

305
infraestrutura urbana, bem como o fim do processo de segregação residencial que ainda é evidente
(FERREIRA DIAS, 2013).
De 1960 a 2000, a divisão entre os locais que as diversas classes sociais passaram a
habitar deixou de pautar-se apenas em fatores históricos ou barreiras físicas, como a linha férrea,
tornando relevante a atuação do mercado imobiliário quanto à determinação de onde seriam feitos
os novos loteamentos e qual seria o preço da terra nestes locais.

3.3 O preço da terra e a segregação residencial em Ourinhos no ano de 2012


Conforme Rangel (1999), a terra sempre foi considerada no Brasil como uma
mercadoria, sendo que a introdução do capitalismo industrial transformou a terra, principalmente
a urbana, em uma mercadoria com preço e com finalidade de reserva de valor. Isso se deu porque
o processo de industrialização, pelo qual diversas cidades passaram, levou à expansão urbana, bem
como o advento da indústria automobilística, que ofereceu condições à expansão horizontal das
cidades.
O preço da terra é uma problemática brasileira tanto na área rural como urbana e o
mecanismo de formação desse preço deixou-a inacessível ao trabalhador. A especulação
imobiliária, que remete à espera do proprietário por uma renda fundiária que possa existir
futuramente, refere-se à quarta renda preconizada por Rangel (1999), é um elemento essencial do
mercado imobiliário e da formação do preço da terra. Por sua vez, o preço da terra urbana é um
fator que se relaciona à segregação residencial, uma vez que determina o acesso ao espaço urbano.
Porém, Harvey (1980) aponta que os preços dos terrenos também variam devido à topografia, à
densidade demográfica, ao uso predominante do solo, ao grupo social que os habitam, à distância
do centro, pois quanto mais perto, mais caros se tornam os terrenos e o tempo gasto com transporte
em razão da sua localização.
Considerar o preço da terra como elemento da formação do processo de segregação
residencial não é algo novo, pois Beloto (2004) analisou o preço da terra urbana, em relação à
legislação urbanística em Maringá (PR), que levou à produção de espaços intraurbanos
excludentes. Porém, a análise do preço da terra, considerando a atuação do mercado imobiliário,
mostra-se pouco recorrente, sendo aplicado pela presente autora no caso de Ourinhos.
Neste sentido, buscou-se identificar os principais proprietários fundiários urbanos.
Conforme as imobiliárias entrevistadas, a maioria deles possuem apenas dois terrenos e/ou imóveis
306
edificados, existindo alguns proprietários que detêm a maioria das propriedades, atuando
diretamente na formação do preço da terra urbana, bem como direcionando a expansão urbana.
Outro aspecto identificado foi a especulação imobiliária desempenhada pelos proprietários
fundiários citados, ou seja, a manutenção de grandes áreas sem ocupação, desencadeando a
excessiva periferização da cidade, mantendo vazios urbanos com o intuito da valorização futura da
terra e aumentando o preço dos terrenos à venda.
Sendo assim, a metodologia usada consistiu no levantamento de preços dos terrenos
disponíveis a partir do cálculo do valor do m² quanto ao ano de 2012. Não foram analisados os
preços das habitações existentes para venda por este ser um elemento subjetivo, uma vez que, em
muitos casos, as habitações se diferenciam quanto aos materiais empregados em um mesmo
loteamento.
A foto 3 exibe terrenos em áreas com altos e baixos preços quanto ao m². O terreno do
Jardim Santa Fé, cujo m² custava em média R$ 600,00, apresentava infraestrutura adequada e
estava em bom estado de conservação. Na faixa de preços menores que R$ 100,00 o m² está o
terreno do Jardim Anchieta, loteamento segregado desde a sua origem na década de 1970.

Foto 3: Vista parcial de terrenos em Ourinhos, 2012. 1-Vista Parcial de um terreno no Jardim Santa Fé. II
2- Vista Parcial de um terreno no Jardim Anchieta.
1 2

Fonte: Elaborada pela autora, 2013.

O mapa 2, por sua vez, mostra a espacialização dos preços dos terrenos no ano de 2012,
no qual observa-se dez diferentes cores com a finalidade de diferenciar os distintos preços da terra
urbana na cidade de Ourinhos. Observa-se que o Centro da cidade é a área mais valorizada pelo
mercado imobiliário, seguido pela Zona Oeste, adjacente ao Centro, e a Zona Sul, também próxima

307
ao Centro. Os loteamentos mais desvalorizados concentram-se em fundos de vales e pontos
extremos do perímetro urbano. Entretanto, é nítida a concentração de loteamentos e conjuntos
habitacionais desvalorizados a leste da rodovia Raposo Tavares e nos extremos da Zona Norte.
Sendo assim, o loteamento Jardim Guaporé, os conjuntos habitacionais da CDHU, localizados a
leste da rodovia Raposo Tavares, e os loteamentos localizados em fundos de vales mostram-se
menos valorizados pelo mercado imobiliário.

Mapa 2: Preço médio do m² dos terrenos disponíveis para venda em Ourinhos no ano de 2012

Fonte: Jornal Novo Negocião, edição de 31/08 a 12/09/2012.


Org: Elaborada pela autora em 2013.
308
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se que entre a gênese de Ourinhos até a efetivação do processo de
urbanização, ou seja, por volta da década de 1950, a cidade apresentava a segregação residencial
atrelada à divisão causada pela linha férrea da E.F. Sorocabana. A expansão urbana, motivada pelo
expressivo crescimento populacional após a década de 1960, foi direcionada aos arrabaldes
urbanos, dando origem a novas áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário e, em parte,
desassistidas pelo poder público. Essas novas áreas segregadas localizam-se, principalmente, aos
arredores das rodovias Mello Peixoto, no extremo sul de Ourinhos, e no entorno da rodovia Raposo
Tavares, quanto aos conjuntos habitacionais.
Já no ano de 2012 apurou-se que o mercado imobiliário influenciou na alteração dos
preços dos terrenos e em possíveis direcionamentos nos investimentos em infraestrutura e em
serviços públicos na cidade. Consequentemente, impôs às diferentes classes sociais, de acordo com
o poder aquisitivo de cada uma, quais loteamentos ou conjuntos habitacionais elas deveriam
habitar.
À guisa de conclusão faz-se necessário a análise do preço da terra para o período atual,
considerando que a presente crise econômica e seus desdobramentos possivelmente recaem sobre
o mercado imobiliário e também sobre os investimentos públicos nos serviços e na infraestrutura
urbana e, por consequência, no processo de segregação residencial.

REFERÊNCIAS

BELOTO, G. Legislação urbanística: instrumento de regulação e exclusão territorial –


considerações sobre a cidade de Maringá. 2004. Dissertação (Mestrado em Geografia). UEM -
Universidade Estadual de Maringá, Maringá.

CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

D’AMBRÓSIO, O. Ourinhos – Um século de história. São Paulo: Noovha América, série


conto, canto e encanto com a minha história, 2004.

DEL RIOS, J. Ourinhos: memórias de uma cidade paulista. São Paulo: Prefeitura Municipal
de Ourinhos/IMESP, 1992.

ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Porto: Afrontamento, 1975.

309
FERREIRA DIAS, F. Segregação Residencial na cidade de Ourinhos-SP. 2013. Dissertação
(Mestrado em Geografia). UEM – Universidade Estadual de Maringá, Maringá.

HARVEY, D. The urban space. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1989. P. 109-
127.

IBGE. Censo 2010, IBGE Cidades e IBGE Geociências. Disponível em:


http://www.ibge.gov.br/home/. Acesso em: 20 fev. 2018.

IBGE. Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Estatística - Gráfica
IBGE, ano V, 1939-1940.

IBGE. Censo comercial de São Paulo. IX Recenseamento Geral do Brasil-1980. Rio de Janeiro:
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 1984.

IBGE. Censo comercial e dos serviços de São Paulo. VII Recenseamento geral do Brasil, Série
Regional – 1960. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Recenseamento, volume 4, tomo 8, 1960.

IBGE. Recenseamento geral do Brasil - 1970. Estado de São Paulo - Censo Industrial
Comercial e dos Serviços – 1970. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Estatística, série
regional, volume 3, tomo 1, 1970.

IBGE. Recenseamento geral do Brasil - 1980. Estado de São Paulo - Censo Industrial
Comercial e dos Serviços. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Estatística, série regional,
volume 2, tomo 3, 1984.

LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008.

MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Editora Pólis Editora Hucitec,
1984.

PREFEITURA MUNICIPAL DE OURINHOS. Plano Diretor do Município de Ourinhos.


Ourinhos: 2006. Disponível em: www.ourinhos.sp.gov.br/. Acesso em: 23 fev. 2012.

RANGEL, I. Dualidade básica da economia brasileira. São Paulo: Bienal de São Paulo 2º ed.,
1999.

SPÓSITO, M. E. B. (org.). Cidades médias: reestruturação das cidades e reestruturação urbana.


In: Cidades médias: espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

______. Reestruturação Urbana e Segregação Socioespacial no Interior Paulista. Revista Scripta


Nova, V. XI, n. 245 (11), 2007. Barcelona: Universidad de Barcelona. Disponível em:
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-24511.htm. Acesso em 20 fev. 2018.

310
VERCEZI, J. T.; MAGALHÃES A. F. Configurações espaciais urbanas: pensando sobre as
realidades metropolitanas e não-metropolitanas. Geoingá: Revista do Programa de Pós-
Graduação em Geografia, v. 1, p. 3-26, 2009.

SOBRE A AUTORA

FRANCIELE MIRANDA FERREIRA DIAS


franciele.ferreiradias@gmail.com

Licenciada e bacharel em Geografia, Unesp (2009); Mestre em Geografia pela Universidade


Estadual de Maringá (2013); Especialista em Gerenciamento de Recursos Hídricos e Planejamento
Ambiental em Bacias Hidrográficas, Unesp (2016); Doutora em Geografia, Universidade Estadual
de Londrina (2019); Atualmente é professora efetiva de Geografia nos níveis Fundamental II e
Médio (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo) e professora substituta no curso de
Geografia da Unesp, Campus de Ourinhos.

311
15

ANÁLISE DA QUALIDADE DE VIDA NA CIDADE DE BIRIGUI-SP: UMA


PROPOSTA METODOLÓGICA COM A UTILIZAÇÃO DE SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA (SIG)

Márcio Fernando Gomes


Deise Regina Elias Queiroz

RESUMO

Nas últimas décadas, o interesse despertado pela análise da qualidade de vida desencadeou o
desenvolvimento de uma série de pesquisas, com as mais variadas propostas metodológicas
buscando sua conceituação, diagnóstico e avaliação. Diante desse contexto, o presente trabalho
teve como objetivo desenvolver uma proposta metodológica para analisar a qualidade de vida
urbana, a partir da distribuição espacial de indicadores associados à infraestrutura, aos serviços
públicos e a qualidade do ambiente, com a utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIG).
Para avaliação da qualidade de vida urbana foram considerados os seguintes indicadores:
abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, pavimentação viária,
estabelecimentos de saúde, estabelecimento de ensino, transporte público, áreas livres de
inundação, cobertura vegetal e espaços livres e áreas de lazer. A proposta metodológica para análise
da qualidade de vida foi aplicada na cidade de Birigui-SP. A utilização de Sistemas de Informação
Geográfica (SIGs) se mostrou uma ferramenta eficiente na análise espacial da qualidade de vida
urbana. O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) apresentou um padrão espacial com índices
mais elevados nos setores censitários localizados nas proximidades da área central da cidade e
queda gradual em direção à periferia e áreas de transição entre o espaço urbano e rural.

Palavras-chave: Sistemas de Informação Geográfica. Qualidade de Vida. Espaço Urbano.

312
INTRODUÇÃO
A apresentação de alguns conceitos representa um exercício complexo, necessita de
reflexões, análises e, muitas vezes, é de difícil consenso. Esse fato é observado ao conceituar
“qualidade de vida”. A discussão sobre qualidade de vida ocorre desde a antiguidade, cresceu com
o desenvolvimento da sociedade urbano e industrial e se intensificou nas últimas décadas. Segundo
Gomes (2011, p. 19), a temática faz parte do cotidiano de "pesquisadores, gestores públicos,
organizações não governamentais e da sociedade como um todo" e engloba "discursos políticos",
"propostas de planejamento territorial" e a "divulgação de rankings pela mídia".
Apesar de ser um termo amplamente difundido e adotado, conceituar precisamente
qualidade de vida não é uma tarefa fácil. Na literatura brasileira e estrangeira alguns aspectos são
recorrentemente apontados pelos pesquisadores: (I) não há um consenso na definição de qualidade
de vida e existe uma multiplicidade de conceitos; (II) trata-se de um conceito utilizado por diversas
áreas da ciência; (III) inúmeras terminologias são utilizadas como sinônimo ou associadas à
qualidade de vida; (IV) a qualidade de vida pode ser abordada de forma objetiva e/ou subjetiva;
(V) diversos estudos trabalham a qualidade de vida relacionada a uma temática específica.
O interesse despertado pela qualidade de vida desencadeou o desenvolvimento de uma
série de pesquisas, com as mais variadas propostas metodológicas. Nas áreas urbanas, local onde
cada vez mais ocorre a concentração da população, aliado a um padrão desordenado e gerador de
problemas que afetam a qualidade de vida, estes estudos tem sido mais frequentes (SANTOS e
MARTINS, 2002).
As diversas experiências de análise da qualidade de vida urbana indicam que "as
variáveis utilizadas são muito discutidas, pois o que é valorizado ou desvalorizado para determinar
a sua qualidade depende da concepção de cada cidadão, inclusive do pesquisador e do planejador"
(GOMES, 2011, p. 30).
Várias metodologias têm sido propostas na avaliação da qualidade de vida urbana. Os
métodos de análise englobam: dados estatísticos fornecidos pelos censos; pesquisas por
amostragem qualitativas e quantitativas; medições de dados ambientais; medições de condições de
tráfego; entre outras metodologias (MORATO, 2004).
Morato (2004, p. 55) conceitua a qualidade de vida como "o grau de satisfação das
necessidades básicas para a vida humana, que possa proporcionar bem-estar aos habitantes de
determinada fração do espaço geográfico".
313
O conceito adotado no presente trabalho entende que a qualidade de vida urbana está
condicionada a distribuição e a acessibilidade dos bens para atendimento das necessidades básicas,
bem como considera que a qualidade de vida urbana pode ser dimensionada pela distribuição
espacial da infraestrutura, dos serviços públicos e da qualidade ambiental.
Diante da complexidade e abrangência das discussões teóricas e metodológicas na
mensuração da qualidade de vida, este trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta
metodológica para analisar a qualidade de vida urbana na cidade de Birigui-SP, a partir da
distribuição espacial de indicadores associados à infraestrutura, aos serviços públicos e a qualidade
do ambiente e com a utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIG).

2. MATERIAIS E MÉTODO
Este trabalho avaliou a qualidade de vida com base em aspectos de âmbito coletivo e a
partir de uma abordagem objetiva, considerando indicadores associados ao ambiente construído,
através da distribuição espacial da infraestrutura urbana, dos serviços urbanos e das condições
ambientais. É fundamental destacar que a proposta desenvolvida aqui não foca sua análise nas
características da população, muito pelo contrário, a análise se baseia na qualidade de vida
oferecida pelas características de cada área do espaço urbano.
Para análise da qualidade de vida foram utilizados os seguintes indicadores:
abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, estabelecimentos de ensino,
estabelecimentos de saúde, pavimentação viária, transporte público, áreas livres de inundação,
espaços livres e áreas de lazer e cobertura vegetal.
A área de estudo, a cidade de Birigui, está localizada na região noroeste do estado de
São Paulo, nas coordenadas geográficas de latitude 21°17’41”S e longitude 50°20’24”O. Foram
utilizados os setores censitários urbanos (IBGE, 2010) como unidade territorial de análise (figura
1). Segundo Morato (2004, p. 57), “a adoção dos setores censitários como unidade geográfica de
análise permite o uso de técnicas mais simples, devido a maior homogeneidade dos dados”. A
utilização dos setores censitários na análise da qualidade de vida já foi empregada por uma série
de pesquisas (MORATO, 2004; MARQUES, 2008; GOMES, 2011).

314
Figura 1 – Área de estudo: Setores Censitários Urbanos, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

Para a avaliação da qualidade de vida urbana foram construídos dez índices de análise:
Índice de Abastecimento de Água (IAA), Índice de Esgotamento Sanitário (IES), Índice de Coleta
de Lixo (ICL), Índice de Pavimentação Viária (IPV), Índice de Estabelecimentos de Saúde (IESA),
Índice de Estabelecimentos de Ensino (IEE), Índice de Transporte Público (ITP), Índice de Áreas
Livres de Inundação (IALI), Índice de Espaços Livres e Áreas de Lazer (IELAL) e Índice de
Cobertura Vegetal (ICV) (quadro 1).
Os valores para cada um dos índices foram padronizados em um intervalo entre 0 e 1.
Os índices com valores próximos de 1 indicam as melhores condições e os índices próximos de 0
estão associados as piores condições para qualidade de vida
O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) varia entre 0 e 1 e representa a síntese
obtida através do cálculo da média aritmética dos dez índices utilizados na sua avaliação: IAA,
IES, ICL, IPV, IESA, IEE, ITP, IALI, IELAL e ICV (equação 1).

IQVU = IAA + IES + ICL + IPV + IESA + IEE + ITP + IALI + IELAL + ICV (1)
10
Os dez indicadores de análise foram considerados com mesmo peso na avaliação da
qualidade de vida urbana. Não foi objetivo do trabalho determinar qual indicador é mais importante
315
para qualidade de vida, pois essa concepção é subjetiva.
Os mapas temáticos confeccionados para representação dos índices de análise e síntese
da qualidade de vida urbana foram elaborados de acordo com o método de intervalos iguais e em
cinco classes: 0 – 0,200; 0,201 – 0,400; 0,401 – 0,600; 0,601 – 0,800; 0,801 – 1.
Para realização deste trabalho foi fundamental a utilização de um Sistema de
Informação Geográfica, que facilitou o armazenamento, integração, manipulação de dados e a
análise espacial. O software utilizado como SIG foi o ArcGIS 10.2, desenvolvido pela empresa
americana ESRI.

Quadro 1: Índices para análise da qualidade de vida urbana.


Índice Indicador Cálculo Fonte de Dados
Domicílios com Nº domicílios com abastecimento de água por Censo
IAA abastecimento de água por rede geral / Nº total de domicílios Demográfico
rede geral (IBGE, 2010)
Domicílios com esgotamento Nº domicílios com coleta de esgoto por rede Censo
IES sanitário por rede geral geral no setor censitário / Nº total de domicílios Demográfico
no setor censitário (IBGE, 2010)
Domicílios com coleta de lixo Nº domicílios com coleta de lixo por serviço de Censo
ICL por serviço de limpeza limpeza no setor censitário / Nº total de Demográfico
domicílios no setor censitário (IBGE, 2010)
Ortofotos
Extensão das vias com pavimentação no setor 1:10.000
IPV Vias pavimentadas censitário / Extensão total das vias no setor (Emplasa, 2010);
censitário Trabalho de
Campo (2014)
Área atendida por Área do setor censitário inserida no raio de Secretaria de
IESA estabelecimento públicos de influência dos estabelecimentos de saúde / Saúde do
saúde (raio de 1000m) Área total do setor censitário Estado de São
Paulo (2014)
IEE Área atendida por Área inserida no raio de influência dos Secretaria de
estabelecimento de ensino estabelecimentos de ensino infantil, Educação do
(raio de 1000m) fundamental e médio / Área total do setor Estado de São
censitário Paulo (2013)
Área atendida por transporte Área do setor censitário inserida no raio de Teodoro
ITP público (raio de 500m) influência dos pontos de parada de ônibus / Transportes
Área total do setor censitário (2015)
Área do setor censitário sem inundação / Área Trabalho de
IALI Área livre de inundação total do setor censitário Campo/Entrevista
(2014)
[(AIRIELAL / Área do Setor) * 0,5] + Ortofoto 1:10.000
[(AIRIELAL / Área do Setor) * Q] (Emplasa, 2010);
Área atendida por áreas de Prefeitura
IELAL lazer e qualidade das áreas de Onde: Municipal (2014);
lazer AIRIELAL = Área do setor censitário inserida no Trabalho de
raio de influência dos espaços livres e áreas de lazer. Campo (2015).
Q = Qualidade, sendo qualidade boa = 0,5; qualidade
regular = 0,3; e qualidade ruim = 0,1.

316
(NDVI médio do setor censitário - Menor média
Índice de Vegetação por de NDVI entre todos os setores censitários) / Imagem de
ICV Diferença Normalizada (Maior média de NDVI entre todos os setores Satélite
(NDVI) censitário - Menor média de NDVI entre todos (Rapideye, 2010)
os setores censitários)
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Índice de Abastecimento de Água (IAA) foi elaborado com base no percentual de
domicílios com abastecimento público de água por rede geral. Segundo o IBGE (2010), na cidade
de Birigui, 98,92% dos domicílios são atendidos por abastecimento de água por rede geral, 0,91%
por poços ou nascentes na propriedade e 0,17% por outra forma de abastecimento. Os valores do
IAA e o seu padrão de distribuição espacial demonstram que a cidade está próxima da
universalização do serviço de abastecimento público de água por rede geral. Os menores índices
de abastecimento de água por rede geral, exceção na área de estudo, estão situados em setores
limítrofes do perímetro urbano, em áreas com características de uso do solo marcadas pela transição
entre ocupações urbanas e rurais, onde o número de residências é baixo e existe a presença de
chácaras e sítios (figura 2).

Figura 2 – Mapa do Índice de Abastecimento de Água, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).


317
O Índice de Esgotamento Sanitário (IES) expressa o percentual de domicílios com
esgoto coletado por rede geral, considerado pela pesquisa como modalidade mais adequada para a
promoção da qualidade de vida urbana. Na cidade de Birigui, 99,27% dos domicílios possuem
coleta de esgoto por rede geral, 0,37% deposita em fossa séptica, 0,34% deposita em fossa
rudimentar e 0,02 deposita em vala ou outros (IBGE, 2010). A distribuição espacial do IES é
semelhante à verificada no índice de abastecimento de água, com praticamente todos os setores
censitários das cidades com índices superiores a 0,800 (figura 3).

Figura 3 – Mapa do Índice de Esgotamento Sanitário, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

O Índice de Coleta de Lixo (ICL) foi obtido a partir do percentual de domicílios


urbanos atendidos por serviço público de coleta de lixo. O índice de coleta de lixo é elevado na
cidade de Birigui, com quase que a totalidade dos resíduos sólidos domiciliares coletados pelo
serviço público. De acordo com o IBGE (2010), 99,73% dos resíduos domiciliares são coletados,
0,20% são queimados, 0,02% são enterrados na propriedade, 0,02 são jogados em terreno baldio,
0,01 são jogados em rios/lagos e 0,02% possuem outro destino. O ICL na cidade é de 0,998 e a
318
distribuição espacial do índice é homogênea, todos os setores censitários registram índices acima
de 0,801 (figura 4).
O Índice de Pavimentação Viária (IPV) foi calculado a partir do percentual de vias
pavimentadas em cada setor censitário. Foi considerado as vias pavimentadas oferecem mais
qualidade de vida do que as vias sem pavimentação. Os resultados demonstraram que existem
42,20km de vias sem pavimentação na cidade de Birigui, o que, segundo o IBGE (2010), engloba
9,10% dos domicílios. Em geral, os maiores índices de pavimentação ocorrem nas áreas centrais
da cidade, em bairros antigos, próximos à área central e ocupados por população de alta renda, bem
como nos loteamentos implantados nos últimos dez anos. Em contrapartida, a ausência de
pavimentação é recorrente nas regiões periféricas e ocupadas por população de baixa renda,
situadas na divisa entre loteamentos consolidados e grandes áreas “vazias”, provavelmente, em
especulação imobiliária e a espera de valorização para serem loteadas (figura 5).

Figura 4 – Mapa do Índice de Coleta de Lixo, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

319
Figura 5 – Mapa do Índice de Pavimentação Viária, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

O Índice de Estabelecimentos de Saúde (IESA) foi desenvolvido a partir do percentual


do setor censitário abrangido pelo raio de influência dos estabelecimentos públicos de saúde.
Considerou-se um raio de 1000m como área de influência “aceitável” para cada estabelecimento
de saúde. Entende-se que quanto maior a cobertura do setor censitário pelo serviço de saúde, melhor
é a qualidade de vida. Na cidade de Birigui foram diagnosticados nove estabelecimentos públicos
de saúde, ambos caracterizados como Unidades Básicas de Saúde (SECRETARIA DE SAÚDE
DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2013). Aproximadamente 43,80% do espaço urbano estão
inseridos no raio de influência dos estabelecimentos públicos de saúde, sendo que o atendimento
aos setores censitários ocorre de forma integral em 71, parcial em 59 e está ausente em 17. É notável
a queda do IESA nos setores censitários localizados nos bairros periféricos (figura 6).

320
Figura 6 – Mapa do Índice de Estabelecimentos de Saúde, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2014).

O Índice de Estabelecimentos de Ensino (IEE) retrata o percentual de área inserida no


raio de influência das escolas públicas de ensino infantil, fundamental e médio. Para o mapeamento
das áreas de influência dos estabelecimentos de ensino foi considerado um raio de 1000m. Na
abordagem desta pesquisa, a qualidade de vida do local se eleva com a presença e cobertura dos
estabelecimentos públicos de ensino. Foram mapeados 49 estabelecimentos públicos de ensino,
sendo 22 de ensino infantil, 13 de ensino fundamental I e 14 de ensino fundamental II e médio
(SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2013). O Índice de
Estabelecimento de Ensino (IEE) na cidade de Birigui é igual a 0,538. O padrão espacial do IEE é
caracterizado por índices elevados, próximos a 1, nas áreas centrais e nos bairros antigos,
consolidados e densamente ocupados. Os menores índices são verificados em áreas periféricas que,
na grande maioria dos casos, referem-se a loteamentos recentes e/ou de ocupação em
desenvolvimento e/ou no limite/transição do espaço urbano, com usos do solo rurais (figura 7).

321
Figura 7 – Mapa do Índice de Estabelecimentos de Ensino, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

O Índice de Transporte Público (ITP) foi confeccionado com base no percentual de


área do setor censitário inserido no raio de influência dos pontos de parada do sistema de transporte
público. A pesquisa considerou que distâncias inferiores a 500m, entre residências e pontos de
parada, permitem uma acessibilidade regular ao transporte público, conforme proposta de Ferraz e
Torres (2004), e consequentemente contribuem para a qualidade de vida da população. Em Birigui,
a prestação do serviço de transporte público é oferecida, via concessão, pela empresa Theodoro
Transportes. O sistema de transporte possui dez linhas de funcionamento, distribuídas por 98,64
km de extensão e constituída por 276 pontos de parada, com intervalos temporais médios de trinta
minutos entre um ônibus e outro. A cidade de Birigui apresentou índice de 0,667. O arranjo espacial
o ITP revela um padrão decrescente do centro para periferia. As principais carências ocorrem em
bairros e setores censitários situados no limite da área urbana, despovoados, com uso e ocupação
do solo marcado pela presença de terrenos vazios e chácaras (figura 8).
O Índice de Áreas Livres de Inundação (IALI) foi formulado com base no percentual
de área do setor censitário atingido por inundações. O índice varia de 0 (presença de inundação) a
1 (ausência de inundação). A área urbana de Birigui contabiliza sete pontos de inundação,
322
distribuídos por 0,9km², o que equivale a 1,93% da cidade e atinge 27 setores censitários. As
regiões mais críticas estão localizadas no fundo do vale da bacia hidrográfica que circundam a área
central da cidade. O padrão espacial do IALI em Birigui demonstra uma configuração com índices
mais baixos nas áreas centrais e seu entorno, justamente em regiões de fundo de vale, com
presenças de cursos d’água e intensa impermeabilização do solo (figura 9).

Figura 8 – Mapa do Índice de Transporte Público, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

323
Figura 9 – Mapa do Índice de Áreas Livres de Inundação, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

O Índice de Espaços Livres e Áreas de Lazer (IELAL) foi estabelecido pelo percentual
de área do setor censitário situado no raio de influência dos espaços livres e áreas de lazer (500m)
e pela qualidade desses espaços. Na cidade de Birigui foram identificados aproximadamente
382.021,80m² de espaços livres e áreas de lazer. Entre os 60 espaços identificados, 10 tem
qualidade boa, 28 qualidade regular e 22 qualidade ruim. Os espaços livres e áreas de lazer revelam
um padrão de distribuição caracterizado pela presença desses espaços na área central e seu entorno
e ausência nas extremidades da malha urbana. Os espaços livres e área de lazer com qualidade boa
estão concentrados na área central, os com qualidade regular estão situado no entorno do centro e
os com qualidade ruim estão presentes no entorno do centro e nas zonas periféricas. A distribuição
espacial do IELAL apresenta padrão onde os setores censitários da área central e entorno atingem
índices próximos de 1, que vão decrescendo até atingir valores próximos de 0 nas zonas periféricas
(figura 10).

324
Figura 10 – Mapa do Índice de Espaços Livres e Áreas de Lazer, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

O Índice de Cobertura Vegetal (ICV) foi construído com base nos resultados do Índice
de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) médio de cada setor censitário. Considerando os
valores mais altos e mais baixos registrados na cidade, confeccionou-se uma escala de 0 a 1, sendo
que quanto maior o índice, mais abundante é a cobertura vegetal e maiores os benefícios para
qualidade de vida urbana. A espacialização do ICV demonstrou valores baixos, entre 0 – 0,200,
para as áreas centrais, setores industriais e loteamentos recém-implantados na periferia da cidade.
O baixo índice de cobertura vegetal, de 0,201 a 0,400, também é uma realidade para maior parte
dos bairros residenciais. Os índices mais elevados, superiores a 0,600, ocorrem apenas em setores
censitários com características muito particulares, com a presença de fragmento de vegetação
nativa, nas proximidades de áreas de preservação permanente, na transição com a zona rural e nas
adjacências de chácaras (figura 11).

325
Figura 11 – Mapa do Índice de Cobertura Vegetal, Birigui-SP.

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) foi obtido a partir da integração dos
dez índices de análise propostos nesta pesquisa: IAA, IES, ICL, IPV, IESA, IEE, ITP, IALI, IELAL
e ICV.
Birigui registrou IQVU igual a 0,755 e apresenta setores censitários com índices
variando entre 0,499 e 0,949. Os melhores índices de qualidade de vida foram registrados nos
setores censitários localizados na área central, se estendendo para diversos bairros da região Leste,
Sudoeste e Norte da cidade. Na maior parte dos setores censitários localizados nas áreas periféricas,
nos limites do perímetro urbano, o IQVU registrou índices entre 0,601 e 0,800. Os menores índices
de qualidade de vida urbana foram observados em setores censitários localizados nas regiões Sul e
Noroeste, em áreas com predomínio de uso do solo rural e com baixíssima concentração de
população (figura 12).

326
Figura 12 – Mapa do Índice de Qualidade de Vida Urbana, Birigui/SP.

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização de indicadores associados à distribuição espacial da infraestrutura, dos
serviços públicos e das condições ambientais permitiram a confecção de um índice de qualidade
de vida urbana. A adoção de índices com intervalo de 0 – 1 permitiu a comparação e facilitou a
integração dos indicadores de análise e o cálculo do índice sintético de qualidade de vida urbana.
A utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) se mostrou uma ferramenta
eficiente na análise espacial da qualidade de vida urbana. O SIG permitiu a inserção, o
armazenamento, a integração, a manipulação de dados e a representação gráfica das informações
espaciais relacionadas aos indicadores selecionados para análise da qualidade de vida.
Analisando a distribuição espacial do IQVU, pode-se afirmar que, de um modo geral,
a qualidade de vida tende a ser maior nos setores localizados nas proximidades da área central,
sofre uma queda gradual em direção à periferia e atinge os piores índices em áreas de transição
entre o espaço urbano e rural.

327
A proposta metodológica apresentada neste trabalho é um modelo de diagnóstico e
análise da qualidade de vida e, como tal, apresenta uma série de vantagens e limitações.
O estudo da qualidade de vida é complexo, pois se refere a uma temática hibrida e
permeada por indefinições. Há uma multiplicidade de critérios no estudo da qualidade de vida,
relacionados a questões quantitativas e qualitativas, objetivas e subjetivas, aspectos materiais e
imateriais, ao âmbito individual ou coletivo. A metodologia proposta privilegiou os aspectos
quantitativos, objetivos e coletivos, porém podem ser aplicados com outros métodos, como na
avaliação qualitativa, individual e subjetiva, em futuros trabalhos.

REFERÊNCIAS

FERRAZ, A. C. P.; TORRES, I. G. E. Transporte público urbano. 2ª Ed. São Carlos: Editora
Rima, 2004.

GOMES, M. F. A cartografia temática como instrumento de análise e síntese no estudo da


qualidade de vida urbana: O caso da cidade de Birigui: SP. 2011. 217 f. Dissertação (Mestrado
em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual de Maringá,
Maringá, 2011.

GOMES, M. F. Análise da qualidade de vida na Aglomeração Urbana de Araçatuba-SP:


uma proposta metodológica com a utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIGs).
2016. 367 f. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2016.

IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em:


http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/. Acesso em: 10 nov. 2014.

MARQUES. M. A. Qualidade de vida no município de Macaé-RJ: análise por


Geoprocessamento. 2008. 299f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ, Instituto de Geociências – IGEO/ PPGG, Rio de Janeiro, 2008.

MORATO, R. G. Avaliação da Qualidade de Vida Urbana por meio de Geoprocessamento.


2004. 117 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Física), Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

SANTOS, L. D.; MARTINS, I. A Qualidade de Vida Urbana: o caso da cidade do Porto.


Working Papers da FEP, Porto, n.116, 24p. mai. 2002.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Censo Escolar. 2013.


Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/censo-escolar. Acesso em: 26 nov. 2013.

328
SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Consulta de unidades de saúde.
2013. Disponível em: http://sistema.saude.sp.gov.br/consulta_cnes/. Acesso em: 26 nov. 2013.

SOBRE OS AUTORES

MÁRCIO FERNANDO GOMES


marcioparker@hotmail.com

Graduado (2008), Mestre (2011) e Doutor (2016) em Geografia pela Universidade Estadual de
Maringá. Professor Titular do Centro Universitário Toledo de Araçatuba e Líder do Grupo de
Estudos Ambientais Urbanos (GEAU). Atualmente ocupa o cargo de Especialista Ambiental na
Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Desenvolve pesquisas nas
áreas de Cartografia Temática, Geoprocessamento, Sensoriamento Remoto e Sistemas de
Informação Geográfica, com ênfase na análise da qualidade ambiental e de vida.

DEISE REGINA ELIAS QUEIROZ


drequeiroz@gmail.com

Possui graduação em Engenharia Cartográfica pela Universidade Federal do Paraná (1986),


graduação em Letras pela Universidade Tuiuti do Paraná (1981), mestrado em Geografia
(Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1994) e doutorado em Geografia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é professor do
Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência
na área de Geociências, com ênfase em Cartografia Temática, atuando principalmente nos
seguintes temas: cartografia, semiologia gráfica, cognição, padronização de legendas, topografia,
Maringá e diagnóstico.

329
16

A CONSTRUÇÃO DO ATLAS MUNICIPAL ESCOLAR DE APUCARANA- (PR): EM


PESQUISA PARTICIPANTE

Maria do Carmo Carvalho Faria

RESUMO

O intuito deste artigo é apresentar o desenvolvimento do Atlas Municipal Escolar para o município
de Apucarana-PR, destacando os aspectos Históricos, Geográficos, e Ambientais, tomando por
base a Pesquisa Participante. O município localiza-se no norte do estado, no eixo entre Maringá e
Londrina. Este trabalho é resultado da pesquisa de Doutorado apresentada ao Instituto de
Geociências e Ciências Exatas do campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho. A pesquisa contou com a formação de um grupo de estudos composto por
professoras do Ensino Fundamental do município, para a discussão dos temas pertinentes e
realização de atividades. Os conteúdos que abrangem o Atlas foram divididos em páginas,
relacionadas a assuntos Históricos, Geográficos e Ambientais sobre Apucarana, contendo textos,
fotos, desenhos e mapas. A temática abordada no material auxilia na sistematização do conteúdo
no qual encaminha o professor e o aluno no reconhecimento de seu lugar, aproximando-os do
espaço vivido, buscando significados entre a sociedade e a natureza, bem como a recuperação da
origem histórica e da memória local. O Atlas Municipal de Apucarana contribui para a
compreensão e conhecimento mais detalhados do local onde vivem e residem professores e alunos.
Espera-se que os resultados verificados na construção deste material, em Pesquisa Participante,
possibilite posteriormente o desenvolvimento de outros, auxiliando e contribuindo no processo e
nas dinâmicas de ensino e que possa servir de base para desenvolvimento de outros Atlas
Municipais Escolares, adequados à realidade de seus municípios.

Palavras-chave: Atlas. Participante. Município. Professores. Alunos.

330
INTRODUÇÃO
A temática abordada na perspectiva de um material didático, como o Atlas, contribui
com a sistematização de conteúdos. Um Atlas Municipal Escolar caracteriza-se como um
instrumento pedagógico. Assim sendo o lugar, os arredores da escola, o bairro, os bairros vizinhos,
a cidade ou o município podem ser visualizados e explorados, possibilitando conhecimentos mais
aprofundados do espaço geográfico e de suas diferentes representações, por meio de textos,
imagens, fotos que ilustram o passado e o presente, assim como representações cartográficas
antigas e contemporâneas.
Ao realizar esta pesquisa de Doutorado, ocorrido no período de 2011 a 2015, o objetivo
foi apresentar a experiência de elaboração do Atlas Municipal Escolar para o município de
Apucarana-(PR), destacando os aspectos Históricos, Geográficos e Ambientais, tomando por base
a Pesquisa Participante. Durante dois anos, ocorreram discussões por meio de encontros com as
professoras. Os encontros foram pautados em estudos teóricos sobre geografia, cartografia,
formação de professores e o os atlas já existentes, que permitiram a reflexão sobre a teoria na
construção do Atlas. Foram 180 (centro e oitenta) encontros, de aproximadamente duas horas cada,
no período de 16 de março de 2011 a 24 de abril de 2013,
O método adotado foi a Pesquisa Participante, com base em um estudo realizado por
Freire (1984) para a Tanzânia, sendo o ponto de partida para a pesquisa, pois auxiliou na
compreensão das experiências das professoras participantes e da pesquisadora. O estudo foi
realizado a partir de uma vontade comum entre as participantes, o que permitiu a apropriação do
conhecimento gerado pelo grupo e a construção coletiva de um Atlas Municipal Escolar, na
expectativa de que se tornasse uma contribuição educativa e social para Apucarana.
O município foi escolhido para ser recorte espacial, considerando a proximidade
geográfica para a realização da pesquisa, a ausência de uma pesquisa no município e a carência de
um material que abrangesse os assuntos relacionados a geografia, a história e ao meio ambiente.
Apucarana é um município que se localiza na região norte do estado do Paraná, no eixo
entre Londrina - Maringá. Distante 370 km de Curitiba, a capital do Estado. É um importante
entroncamento rodoviário, uma vez que liga o Sul ao Norte e Noroeste do Estado.
Um Atlas Municipal Escolar caracteriza-se como uma possibilidade pedagógica, visto
que o lugar, o cotidiano próximo, os arredores da escola, o bairro e os vizinhos, a cidade ou o

331
município como um todo podem ser visualizados e explorados, possibilitando conhecimento da
existência dos mesmos.
Visando contextualizar a Pesquisa, realizou-se um levantamento de literatura
correspondente às temáticas abordadas. Dentre elas Geografia e Cartografia no Ensino
Fundamental, Cartografia Escolar no Brasil, Formação e os Saberes dos Professores, Pesquisa
Participante e Atlas Escolares no Ensino Fundamental. Nesse sentido, destacamos as contribuições
de alguns autores como Lesann, Castellar, Selbach, Freire, Almeida, Simielli, Archela e Calvente,
cujas obras nos levam a refletir sobre a necessidade de se compreender os temas abordados,
auxiliando no processo de ensino-aprendizagem.
Para professores e alunos é importante entender o significado etimológico do termo
“geografia”, de modo a permitir sua compreensão como área do conhecimento escolar, o qual pode
ser adquirido por meio dos conceitos fundamentais da Geografia. Lesann (2011, p. 42) esclarece
que tais conceitos são: “o espaço, o tempo, a escala e a representação”. A autora sugere que eles
sejam contemplados nas propostas curriculares da disciplina Geografia.
Podemos complementar a ideia da autora acrescentando outros conceitos que devem
ser também contemplados nessa proposta. A Geografia, por meio de suas atividades, envolve
conceitos que vão além dos mencionados, tais como: identidade, lugar, paisagem, território,
memória, entre outros, pois por meio deles os alunos têm a possibilidade de interagirem com o
espaço vivido. Isso os auxiliará a compreender o que os diferencia e os aproxima de outros lugares.
Assim, a partir dessa realidade, podem adquirir maior consciência de vínculo afetivo e de
identidade com o espaço em que vivem.
Na perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 2000), a
Geografia como área de ensino “oferece instrumentos essenciais para compreensão e intervenção
na realidade social”, que deve partir do local para o global e vice-versa. As Diretrizes Curriculares
da Educação Básica em Geografia do Paraná DCE, (PARANÁ, 2008, p. 14), reafirmam a posição
dos PCN, quando acrescentam que o ser humano “[...] é fruto de seu tempo histórico, das relações
sociais em que está inserido”. Nesse sentido, pode ser ao mesmo tempo singular, pois participa e
atua no mundo através do modo como lhe é possível e como o compreende.
O ensino da Geografia deve contribuir para o desenvolvimento do pensamento
geográfico, que é composto pelo modo de pensar o mundo e a realidade que nos cerca. Para isso,
não basta somente aprender os conteúdos por meio de tratamento didático, mas transformá-los em
332
ferramentas simbólicas do pensar. Concordamos com Cavalcanti (2011, p. 72) ao afirmar que:
“Todo processo requer que a Geografia ensinada seja confrontada com a cultura geográfica do
aluno, com a chamada geografia cotidiana, para que esse confronto/encontro possa resultar em
processos de significação e ampliação da cultura do aluno.”
É importante lembrarmos que o aluno traz consigo um repertório de conhecimentos
adquiridos fora da escola, junto à família e ao meio em que vive, o qual pode contribuir na sua
formação para a adequada “leitura do mundo”. Castellar (2005, p. 212) afirma que o que menos se
ensina no ambiente escolar é realizar a “leitura do mundo”. O professor pode e deve utilizar esse
conhecimento do aluno conferindo-lhe valor significativo ao longo do aprendizado escolar.
Sendo assim, a “leitura de mundo” é um dos motivos pelos quais é importante ensinar
Geografia no Ensino Fundamental. E Selbach (2010, p. 37) vai além ao explicar que:

Ensina-se Geografia para que os alunos possam construir uma compreensão do


espaço e do tempo, fazer uma leitura coerente do mundo e dos intercâmbios que
os sustentam, apropriando-se dos conhecimentos específicos e usando-os como
verdadeira ferramenta para o crescimento pessoal e para suas relações com os
outros.

Os PCN identificam que a Geografia é a ciência que “[...] busca decodificar as imagens
presentes no cotidiano, impressas nas paisagens e em suas representações, numa reflexão direta e
imediata sobre o espaço geográfico e o lugar” (BRASIL, 2000, p. 112). De forma tal que a
cartografia se torna o instrumento que a Geografia utiliza para o registro dessas representações.
Conforme Lima e Rosa (2010, p.137), “a Cartografia é uma ciência que possibilita o
raciocínio lógico aplicado às análises espaciais”. Desse modo, passa a ser instrumento privilegiado
da Geografia para alunos e professores, por contribuir na construção do conhecimento local e seguir
à percepção do espaço global.
O significado do vocábulo “cartografia” implica, conforme o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2013), a “descrição de cartas.” Vale destacar, entretanto, que sua
conceituação passou por transformações, de competências e áreas de abrangência, bem como no
que concerne à introdução de recursos tecnológicos.
Relembrando a história do termo, o IBGE (2013, p. 1) destaca que, no Brasil, “há
registros da introdução do termo em 1839, pelo Visconde de Santarém, Manoel Francisco de Barros

333
e Souza de Mesquita de Macedo Leitão.” Em 1949, a Organização das Nações Unidas (ONU)
definiu a Cartografia como ferramenta básica do desenvolvimento econômico.
No Brasil, o tema Cartografia Escolar tornou-se interesse tanto na área da Cartografia
como na Educação. Alguns estudiosos dessas áreas uniram-se em grupos e se organizaram em
forma de Colóquios para as discussões do tema, caracterizados como encontros que reúnem
pesquisadores interessados em investigar assuntos relacionados à Cartografia Escolar e têm
interesse em torna-la uma linha de pesquisa.
A Cartografia Escolar, conforme Almeida (2011, p. 9) pode ser definida como a “[...]
interface entre a Cartografia, a Educação e a Geografia, de maneira que os conceitos cartográficos
tomam lugar no currículo e nos conteúdos de disciplinas voltadas para a formação de professores”.
Além disso ela oferece ao aluno inúmeros recursos visuais, desenhos, fotos, maquetes,
plantas, mapas, imagens de satélites, figuras, tabelas, jogos e representações, o que pode habituá-
lo à linguagem visual, propiciando o desenvolvimento da capacidade de visualização, interpretação
e análise de documentos cartográficos.
Simielli (2007, p. 98) propõe que se inicie o trabalho com a Cartografia no período de
primeira a quarta série do Ensino Fundamental (segundo ao quinto ano, atualmente), de forma
gradativa. O ponto de partida deve ser o estudo que envolve o espaço concreto do aluno, o que está
mais próximo dele, “o espaço de sala de aula, espaço da escola, espaço do bairro”.
A escola que estimula a utilização de técnicas e instrumentos, tais como mapas para a
representação espacial, permite uma melhor formação do aluno no que se refere à compreensão da
sociedade e da natureza. Como comenta Almeida (2001, p. 17), “É função da escola preparar o
aluno para compreender a organização espacial da sociedade, o que exige o conhecimento de
técnicas e instrumentos necessários à representação gráfica desta organização”.
Freitas et al. (2005, p. 17) salienta que os mapas podem ser classificados de diferentes
modos, mas são baseados principalmente na escala, na precisão de sua elaboração e na sua
finalidade. Desse modo, as autoras argumentam que um mapa consiste na “representação gráfica
em uma superfície plana, numa determinada escala, de aspectos relativos ao meio ambiente,
destacando-se os naturais e os humanos (ou culturais) da superfície da Terra”.
Essa foi a perspectiva na qual o Atlas Municipal Escolar de Apucarana - (PR) se
embasou. Almejou-se, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento do modo de pensar

334
geográfico, convidando professor e aluno a construir um modo de pensar o mundo e a realidade
que os cerca, mais aprofundados do espaço geográfico e de suas diferentes representações.

2. MATERIAIS E MÉTODO
A Pesquisa Participante tornou-se a metodologia adotada como base para a
investigação. No caso, formou-se um grupo de estudos com professoras do Ensino Fundamental I
do município de Apucarana – (PR). Essa metodologia manteve o pesquisador engajado junto às
classes populares para a realização da pesquisa e apontou caminhos e práticas de trabalho de
investigação da realidade social. Gabarrón e Landa (2006, p. 113) ressalta que “no processo de
pesquisa – permite uma análise objetiva e autentica da realidade social em que o pesquisador é
participe e aprendiz comprometido no processo”.
A Pesquisa Participante classifica-se como uma investigação qualitativa. Bogdan e
Biklen (1994, p.43) afirmam que ela recorre a diferentes metodologias de investigação, dentre as
quais se destacam: “a observação participante, a análise de documentos a investigação sobre
histórias de vida e as entrevistas em profundidade [...].”
Segundo Brandão (1984), Paulo Freire foi um dos precursores desse tipo de pesquisa,
e, em seus primeiros escritos, sugere o envolvimento de grupos populares e a presença do “agente”,
que pode ser: um educador, um cientista ou um promotor social. Soares e Ferreira (2006) afirmam
que não há consenso quanto à origem da Pesquisa Participante devido, provavelmente, às diversas
contribuições históricas ao seu desenvolvimento. Reafirmam, ainda, que Freire é o seu precursor.
A proposta metodológica baseou-se na sugestão de Paulo Freire para o Instituto de
Educação de Adultos da Universidade de Dar-Es-Salaam, na Tanzânia (FREIRE, 1984). Nessa
proposta, o autor formulou estratégias para uma pesquisa alternativa que envolvesse grupos
populares, traçando um projeto de pesquisa voltado especificamente à Educação de Adultos na
Tanzânia. Esse projeto foi adaptado à realidade de Apucarana e utilizado para sua execução ao
grupo de professoras do município.
Em seu projeto original, Freire (1984), sugere que se realizem cinco etapas para a
concretização da pesquisa:
1ª) Formação da Equipe: na proposta para a Tanzânia, Freire (1984) orienta que, em
primeiro lugar, se forme uma equipe pesquisadora ou um pesquisador que tenha conhecimento da
realidade a ser pesquisada e que se informe sobre a existência ou não de estudos realizados em
335
torno da zona escolhida. Se houver estudos já realizados, estes devem ser estudados pela equipe ou
pesquisador, não importando o método que tenha sido adotado. Nessa etapa, deve-se também
escolher uma região: área urbana ou suburbana, que será o ponto de partida da pesquisa.
Tendo essa proposta como base, organizou-se um grupo de estudo, que se reuniria
quinzenalmente às quintas-feiras, no horário das 15 às 17 horas, com a participação da pesquisadora
e das professoras do Ensino Fundamental I do município, determinado como área de pesquisa. Essa
definição de dias e a frequência, Freire (1984) sugere que se faça na terceira etapa, porém no caso
desta pesquisa, já se definiu na primeira para facilitar a organização.
Para se formar a equipe, houve uma reunião com a Secretaria Municipal da Educação
de Apucarana, na qual foi exposta a intenção de organizar o “Atlas Municipal Escolar Geográfico,
Histórico e Ambiental de Apucarana – (PR)”. Explicou-se a proposta de pesquisa e a necessidade
de professoras para o grupo de estudos e solicitou-se às do terceiro ano do Ensino Fundamental das
escolas municipais que participassem, no total de 25.
Os encontros seriam aproveitados pelas professoras como “horas atividades”,
conforme combinado com a Secretaria de Educação. O trabalho foi executado no período de 16 de
março de 2011 a 24 de abril de 2013, com duração de dois anos. Foram 180 (centro e oitenta)
encontros, de aproximadamente duas horas cada.
2ª) Delimitação da Área: em segundo lugar, a parte conceitual e a pesquisa. A equipe
pesquisadora ou pesquisador fará visitas informais ao local anotando tudo o que chame a atenção
e conversando uns com os outros. É importante identificar nessas visitas exploratórias pontos
importantes e necessários que contribuam para a investigação. Após esse processo, deverá
acontecer a visita às lideranças ou aos organismos a serem pesquisados, para se expor os objetivos
da pesquisa e a possibilidade de um trabalho conjunto.
Nessa etapa, junto ao grupo, levantaram-se os itens que deveriam ser pesquisados sobre
o município, com base nos conteúdos que as professoras ministravam em sala de aula. Incluíram-
se os que não eram contemplados no material oferecido, como História e Geografia relacionadas
ao município.
3ª) Falar da Pesquisa: a terceira etapa será falar da pesquisa, do método adotado, “[...]
do papel do participante, crítico, de todos os que se envolvem nela; do direito que tem os grupos
populares de manifestar-se em torno de seus problemas e de falar de como superá-los”. (FREIRE
1984, p.38 e 39). Definir a frequência dos encontros, local e horário em que ocorreriam as reuniões.
336
Alertar os membros que as reuniões serão gravadas para posterior consulta e que deveria ser
produzida uma síntese de cada reunião ocorrida. Comunicar que será elaborado um documento
final contendo: os relatos, a pesquisa realizada, as reuniões ocorridas, os materiais pesquisados e o
método adotado. Havendo a aceitação da proposta, é fundamental sugerir reuniões mais amplas
para o grupo. Outros pontos definidos na terceira etapa são: a frequência, o local e horário de
ocorrência das reuniões; os problemas considerados fundamentais a serem discutidos e os
participantes que deverão estar presentes nos encontros. Freire (1984) pontua que quando a “voz”
do pesquisador ou equipe pesquisadora se fizer presente, não poderá ser “superior” à do grupo.
Nos encontros, apresentou-se o detalhamento da metodologia. As professoras
expuseram suas dificuldades relacionadas à aplicação dos conteúdos que envolvem História,
Geografia e Meio Ambiente referentes ao município. Discutiu-se também a temática a ser abordada
no Atlas: o município.
Em grupo decidiu-se que cada professora deveria realizar o levantamento da história
de Apucarana, por meio da história do bairro onde se localizava a escola em que lecionavam. Assim
cada uma deveria investigar a origem do nome do bairro, os primeiros moradores, os eventuais
pontos turísticos, e por fim a história da escola. O grupo concluiu que essa tarefa seria uma das
atividades mais significativas, pois permitiria conhecer, trabalhar e vivenciar, no âmbito escolar, o
lugar em que se vive, bem como oportunizar o trabalho com os alunos.
Os encontros quinzenais constituíram a base de todo o processo de construção do Atlas
Municipal Escolar Histórico, Geográfico e Ambiental de Apucarana-(PR). Como comenta Almeida
(2003), a justificativa da existência de um Atlas Municipal Escolar não deve ser apenas a
necessidade desse tipo de material, mas o conhecimento que ele apresenta como material didático.
Outras atividade foram realizadas no grupo de estudo, como as leituras de textos
relacionados ao tema que o grupo se propôs a pesquisar, o Atlas. Dentre as leituras destacam-se o
Atlas Municipais Elaborados por Professores: A Experiência Conjunta de Limeira, Rio Claro e
Ipeúna (ALMEIDA, 2003). Esse texto apresenta um tipo de Atlas elaborado por pesquisadores em
conjunto com os professores, numa pesquisa colaborativa. Nele são expostas as dificuldades e os
acertos na execução da pesquisa e na realização do material didático.
O Lugar e o Mapa (AGUIAR, 2003) foi outro texto que auxiliou no entendimento da
importância do lugar e do mapa que deve ser apropriado pelos alunos. O livro Geografia no Ensino
Fundamental I (LESANN, 2011), traz uma gama de conteúdos sobre como abordar a Geografia
337
em sala de aula. Além desses, outros textos também fizeram parte das discussões, tais como: O
Lugar no Mundo, O Mundo no Lugar (ZACHARIAS et al., 2009); A Geografia e a Linguagem
Cartográfica: de nada adianta saber ler um mapa se não se sabe aonde quer chegar (LASTÓRIA;
FERNANDES, 2012).
As leituras dos textos eram realizadas por todas as participantes do grupo. Faziam-se
as leituras prévias dos textos e cada participante deveria anotar suas dúvidas e o que mais lhe
chamou a atenção no texto. Nos encontros, havia um momento para discussão do texto, o qual
fazia-se a partilha do que foi lido. Porém, algumas professoras apresentavam certa dificuldade em
compreender alguns itens dos textos, que no decorrer dos encontros foram amenizadas.
4ª) Estudo Crítico: nessa etapa, segundo o autor, ocorre o “[...] estudo crítico do
discurso popular. O estudo das metáforas neste discurso e dos diferentes níveis de percepção da
realidade” (FREIRE 1984, p.39). Nesse momento, poderá ser solicitada a contribuição de outros
setores da Universidade para compor a equipe inicial de pesquisadores, com o objetivo de
compreender de forma crítica o discurso popular.
Os dados produzidos durante as atividades realizadas em encontros e observações feitas
durante o processo foram registrados, em um diário. Alguns encontros foram registrados em áudio
e vídeo e também fotografados com câmera digital, por um auxiliar da pesquisadora.
5ª) Pesquisa Transformada em Prática Educativa: a etapa final é retornar a campo e
transformar a pesquisa realizada em prática educativa, com a possibilidade de tornar-se, assim, uma
nova pesquisa. Como a proposta de grupo era a elaboração de Atlas Municipal Escolar, levou-se
para a sala de aula alguns protótipos das páginas do Atlas para verificar sua pertinência junto aos
alunos. Tornando assim a pesquisa uma prática educativa.
Essa metodologia, quando colocada em prática, dá a oportunidade ao pesquisador de
transformar o projeto em um permanente e dinâmico movimento de educar e ser educado, como
afirma Freire (1984, p.36):

[...] fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares.


Voltando à área para pôr em prática os resultados da pesquisa não estou somente
educando ou sendo educado: estou pesquisando outra vez. No sentido aqui
descrito pesquisar e educar se identificam em um permanente e dinâmico
movimento.

338
A Pesquisa Participante auxilia os partícipes a criar maior consciência de seus
potenciais e incentiva-os a desenvolver maior confiança em si mesmos, como confirma Gabarrón
e Landa (2006, p. 113):

Trata-se de um método de pesquisa científica, no qual a participação da


coletividade organizada – no processo de pesquisa – permite uma análise objetiva
e autêntica da realidade social em que o pesquisador é partícipe e a aprendiz
comprometido com o processo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O recorte temático e espacial do Atlas foi o município de Apucarana. Como comenta
Loch (2006), o recorte temático e espacial de um Atlas abrange uma específica área geográfica,
podendo ser uma bacia hidrográfica, um município ou uma cidade, bem como outras
possibilidades. Essa área é definida conforme o público que utilizará o Atlas, nesse caso professores
e alunos do 3º ao 5º ano, com a possibilidade de se estender a comunidade em geral.
França Junior e Zucchi (2013) defendem que um Atlas Municipal Escolar possui um
diferencial em relação aos Atlas convencionais em dois principais aspectos: 1) possuir uma
concepção metodológica de trabalho didático e por seu aspecto estético/artístico; 2) direcionar em
grande parte do conteúdo básico e as características do material ao município escolhido.
Seguindo esses dois diferenciais o Atlas Municipal Histórico, Geográfico e Ambiental
de Apucarana-PR foi elaborado, sendo dividido em cinco seções: Aspectos Históricos, Aspectos
Geográficos, Aspectos Ambientais, Aspectos Cartográficos e Geográficos e Símbolos Oficiais. A
priori é apresentada a história da colonização do Paraná, em específico o Norte, bem como a de
Apucarana. A posteriori são expostas as características geográficas do município, como rede viária,
distritos, bacia hidrográfica do Rio Pirapó e setores de detalhamento. Ademais são destacados os
aspectos ambientais, por exemplo saneamento básico, coleta seletiva, parques municipais e pontos
turísticos. Além disso são explicados conceitos cartográficos e geográficos gerais, dentre eles
representação da Terra e satélites artificiais, sistema solar e fuso horário. Por fim os símbolos
oficiais do município, do estado e do país.
A sequência de dados foi organizada para o ensino do lugar, tendo em vista o que
comenta Aguiar (2003), focar do local para o global e do global para o local, também defendida

339
pelos PCN (2000). Alves e Sahr (2009) defendem que não deverá se hierarquizar, de modo que não
se exclua as questões específicas de cada espaço ou grupo.
A partir dos temas principais: História, Geografia, Meio Ambiente, Conceitos
Cartográficos e Símbolos Oficiais organizamos a pesquisa de campo e bibliográfica (conceitual,
histórica e ilustrativa). Em seguida foram elaborados textos para páginas do atlas e selecionadas
fotografias, imagens e mapas. Cada professora participante fez pesquisas e registros e,
posteriormente, compartilharam-nos com o grupo. Desse modo, seguimos uma sequência
cronológica dos fatos para realizarmos os registros, principalmente dos Aspectos Históricos.
Realizou-se também o levantamento dos Atlas Municipais Escolares publicados no
Brasil, de 1959 a 2013, e se verificou que, dos 43 encontrados, apenas dois utilizaram a
metodologia participativa em sua produção, sendo estes de Medrado (2008) e Benedet (2008).
Observou-se ainda que a baixa demanda dessa metodologia se deve ao fato de que se exige do
pesquisador e dos participantes uma disponibilidade para o trabalho que os envolve intensamente
com o objeto pesquisado, pois não busca somente o resultado, mas valoriza o processo necessário
para se chegar ao resultado ou ao produto final, nesse caso Atlas.

Figura 1: Capa do Atlas

Fonte: FARIA (2015).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desafio proposto foi o desenvolvimento de um Atlas Municipal Escolar que
atendesse às necessidades de professores e alunos do Ensino Fundamental do município de
Apucarana-PR. Para tanto iniciou-se do pressuposto de que era necessário apresentar aos
professores situações que lhes permitissem a reflexão sobre o conteúdo de Geografia em sala de

340
aula. Para isso, trabalhou-se com a hipótese de que, aplicando a Pesquisa Participante, seria
possível elaborar um Atlas Municipal Escolar para o município.
A hipótese foi estabelecida com base nas leituras de publicações de autores que
discutem a metodologia participante, em que os partícipes se tornam conhecedores de sua realidade
ao auxiliarem ativamente na produção do conhecimento, para que ao se apropriarem desse
conhecimento, apoiando-se na sua história e na história de sua classe, aprendam a reescrevê-la. A
partir disso, a intenção foi organizar um material contando com a participação de professoras, com
o intuito de que se apropriassem do conhecimento proposto e que pudessem, apoiadas em suas
realidades, auxiliar na elaboração do material.
O Atlas elaborado pelo grupo tem a visão da pesquisadora, das professoras e dos
alunos. Desse modo, foi possível torná-lo mais próximo da realidade de quem irá utilizá-lo.
Acreditamos que isso contribuiu para que ele se torne mais familiar à sala de aula das escolas de
Apucarana. Esse material, portanto, tornou-se reflexo dos anseios das professoras elaboradoras,
que necessitavam de um que oferecesse suporte às aulas em relação ao município. A abertura que
a metodologia proporcionou gerou expectativa e um sentimento de orgulho com relação ao
resultado final, o que certamente será um diferencial para o modo como este conteúdo será
abordado em sala de aula.
Uma das facetas dessa metodologia é fazer com que os participantes se conscientizem
de sua realidade. Isso acontece em decorrência da participação na produção do conhecimento, do
qual podem tomar posse, mesmo porque ele é escrito a partir da história do indivíduo e coletiva
que pode, assim, ser reescrita, como argumenta Brandão (1984).
A formação do grupo de estudos foi relevante para que a elaboração do Atlas fosse
concluída, considerando que proporcionou acompanhar algumas professoras com seus alunos.
Iniciou-se o grupo com 25 (vinte e cinco) professoras e, após dois anos (2011 a 2013) de estudos e
atividades realizadas, ele encerrou com 5 (cinco). Apesar da quantidade de participantes ter
diminuído ao longo do processo, a qualidade do trabalho melhorou. Nas observações, tanto em sala
de aula como nas aplicações dos protótipos das páginas do Atlas e no grupo de estudos, percebeu-
se a melhora nas atitudes e na forma como as professoras passaram a abordar os conteúdos. As que
encerraram o ciclo afirmaram ter melhorado consideravelmente seu saber geográfico.
O Atlas de um município é o conjunto de informações que apresenta, de maneira
organizada, mapas, imagens, tabelas, textos e fotografias que se referem à população, economia,
341
características físicas, geográficas e históricas, além de apresentar a paisagem e as questões
ambientais. A leitura desse material proporciona aos usuários a oportunidade de obterem
conhecimento sobre o processo histórico de ocupação, as condições geográficas e ambientais,
dentre outros assuntos que caracterizam o município de Apucarana.
Acredita-se que o Atlas Municipal de Apucarana contribuirá para o aprendizado e
aprimoramento do conhecimento dos usuários, levando-os a compreender e conhecer mais
detalhadamente o local onde vivem e sentirem-se parte integrante do município onde residem.
Por fim, o objetivo estabelecido foi cumprido, uma vez que foi elaborado o Atlas
Municipal Escolar para o município de Apucarana-PR, destacando aspectos históricos, geográficos
e ambientais. A versão final do material foi organizada em cinco seções, denominadas: Aspectos
Históricos, Aspectos Geográficos, Aspectos Ambientais, Aspectos Cartográficos e Geográficos e
Símbolos Oficiais. Ele buscou atender à demanda de conteúdo programático das disciplinas de
História, Geografia e questões ambientais, articulando de forma dinâmica e interativa os
conhecimentos sobre esses conteúdos relacionados ao Município de Apucarana, de acordo com as
propostas curriculares educacionais estabelecidas pelos documentos oficiais.
À luz do exposto o Atlas contribuiu para instigar professores e alunos, bem como outros
leitores para o conhecimento e a compreensão da dinâmica dos fenômenos e objetos descritos.
Especificamente para o Ensino Fundamental I, pois apresentou-se um material de apoio para o
estudo da Geografia com base nas informações do município.
Considera-se, ainda, que a aplicação da Pesquisa Participante para elaboração do Atlas
de Apucarana demonstrou que a aplicação e sua aplicação em âmbito escolar não só é possível
como também é viável. Desse modo, pode-se utilizá-la para a realização de mais pesquisas em
outras áreas do conhecimento como Ciências, línguas e Matemática. Além disso, demonstrou-se
que outros municípios podem elaborar seus Atlas com base nesse modo de pesquisa, uma vez que
ela não se fecha em si, mas sim, abre caminhos para novas abordagens.

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ZACHARIAS_Andrea_Aparecida.pdf. Acesso em: 09 jun. 2013.

SOBRE A AUTORA

MARIA DO CARMO CARVALHO FARIA


madocfaria@gmail.com

Possui Graduação em Geografia (Licenciatura) (1995) pela Fundação Faculdade de Filosofia,


Ciências e Letras de Jandaia do Sul - PR (FAFIJAN) e Pós-Graduação em Geografia e Meio
Ambiente (1997) pela mesma instituição. Foi aluna do Mestrado em Geografia (Área: Análise
Ambiental), de 2005 a 2007, pela Universidade Estadual de Maringá (PGE UEM), tendo como
orientador o professor Dr. Messias Modesto dos Passos e dissertação com o título “As
transformações históricas e a dinâmica atual da paisagem na Bacia Hidrográfica do Ribeirão
Biguaçu - Apucarana – PR”. Cursou Doutorado em Geografia (Área: Organização do Espaço), de
2011 a 2015, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Rio Claro (UNESP).

345
17

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E MERCANTILIZAÇÃO: O CASO DO PROJETO


CIDADE INDUSTRIAL DE MARINGÁ (PR)

Ricardo Luiz Töws

RESUMO

O planejamento estratégico está sendo adotado, nas últimas décadas, em processos que envolvem
cidades da América Latina, inclusive chegando às cidades médias brasileiras. Os agentes
produtores do espaço, com suporte principal do Estado, têm alterado suas ações concernentes ao
planejamento urbano, com práticas estratégicas para viabilizar as cidades para o capital. Um desses
exemplos é explorado nesta reflexão, que teve por objetivo identificar ações relacionadas ao
planejamento estratégico na cidade de Maringá (PR) no seio do Projeto Cidade Industrial de
Maringá, com ênfase em algumas de suas características. A partir da análise do referido Projeto,
entendemos que a representação e a construção da imagem do projeto visam à valorização fundiária
e imobiliária, contribuindo para a reprodução ampliada do capital. Logo, alguns elementos do
planejamento estratégico de cidades são utilizados no sentido de inserção da cidade na lógica
global, sobretudo em termos de reprodução de elementos do modelo, mas que, na prática, o que
emerge é a utilização do Estado como provedor legal de fomentos e de aparato para a produção de
espaços que, na essência, reproduz a conhecida e velha lógica de criar espaços de valorização
fundiária e imobiliária. Para a realização da pesquisa, a metodologia foi amparada em referenciais
teórico-metodológico, empírico e técnico.

Palavras-chave: Planejamento estratégico de cidades. Produção do espaço urbano. Estado.

346
INTRODUÇÃO
O planejamento urbano é tema de investigação de pesquisadores de diversas áreas,
inclusive da Geografia. Em nossas investigações anteriores, no campo da geografia urbana, o
planejamento urbano foi adotado na perspectiva de elemento de formação e transformação sócio-
espacial, uma vez que sua adoção, em grande medida pelo Estado, visa regular, controlar ou
viabilizar o espaço para fins específicos. Desse modo, vimos que o planejamento tem vários
enfoques e abordagens, como por exemplo, os planos e plantas de cidades e bairros, o planejamento
regulatório, o planejamento estratégico, entre outras.
Neste caso, abordamos o planejamento estratégico como uma das abordagens ou
movimentos do planejamento urbano em que ocorreu apenas uma mudança no "gerenciamento" do
planejamento, agora "assumidamente empresarial" (ARANTES, 2002, p. 13).
Ao revisitar o referencial que estuda o planejamento estratégico de cidades,
verificamos que a ideia é colocar em evidência a própria cidade ou os espaços de abundância dentro
das cidades, ou ainda, os espaços em decadência, na perspectiva da competição entre elas. Os
agentes viabilizam grandes projetos urbanos, em conexão ou não com megaeventos esportivos,
criam a representação deste grande projeto, por meio da imagem daquilo que se quer vender e
colocam o projeto nas "prateleiras" para ser apresentado para os investidores, geralmente
vinculados às grandes corporações e grandes grupos imobiliários.
É conhecida a forma e a estrutura da ação, com resultados importantes, como Bilbao,
Barcelona, Londres, Baltimore, em primeiro plano e, na sequência, Rio de Janeiro, Buenos Aires,
dentre outras. Porém, o que trazemos para o debate é a apropriação desse discurso e de algumas
práticas convergentes em realidades como a de Maringá (PR), por exemplo. Nesse caso, houve a
captura do discurso pelos agentes locais na perspectiva de atração de investimentos e,
principalmente, na sincronização das estratégias com o Estado para que os espaços em abundância
na cidade pudessem viabilizar a reprodução ampliada do capital. Assim, a investigação partiu do
discurso e dos documentos que apresentaram alguma similaridade com os casos conhecidos de
planejamento estratégico e, em específico, analisamos o caso do Parque Industrial. Com os
resultados, ponderamos as características locais que, certamente, tinham o intuito último de
valorização fundiária e imobiliária e atração de investimentos.
Estudamos a cidade de Maringá (PR). Diversas pesquisas já demonstraram que sua
fundação em 1947 como grande empreendimento imobiliário deu oportunidade para construir um
discurso de que a cidade é planejada em sua totalidade. A cidade foi plantada (REGO, 2009) a
partir de projeto concebido pela empresa colonizadora (CMNP). A partir de sua expansão, houve
sistemáticas legislações, com a aprovação do primeiro Código de Posturas e Obras, em 1959, seu
primeiro Plano Diretor, em 1967, e diversas alterações e implicações na produção do espaço que
podem ser vistas em Beloto (2004) e Töws (2015). O rápido processo de urbanização resultou em
uma estimativa da população de 406 mil habitantes em 2017 (IBGE, 2017), cuja pujança econômica
tem a ver com diversos ciclos e momentos econômicos, entre eles, o café (1960), a modernização
da agricultura (1970), a agroindústria (1980) (MENDES, 1992), a consolidação do polo comercial
e de serviços (1990), a reestruturação produtiva (2000) e o capital especulativo e imobiliário (2010)
(TÖWS, 2015). De modo geral, a drenagem da renda fundiária é vetor importante nos
investimentos locais para a produção do espaço urbano.
A partir dessas características, estruturamos o texto em duas partes: a primeira, sobre
algumas características sobre o planejamento estratégico, sobretudo com base em Castells e Borja
(1996), que fizeram uma "cartilha" sobre as características do planejamento estratégico e, a
segunda, sobre uma das realidades que estudamos na cidade de Maringá (PR), o grande projeto
urbano denominado Parque Industrial.

2. O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: CARTILHA A SER SEGUIDA?


Percebemos que é comum a utilização do termo planejamento estratégico pelo
mercado, mídia e pelos agentes, como forma de divulgar os grandes projetos urbanos que são
idealizados e construídos em nossas cidades. Em Maringá, os agentes adotam o termo como forma
de maximizar a importância dos empreendimentos que são idealizados e/ou construídos na cidade.
A partir das entrevistas realizadas, verificamos que o termo acaba sendo utilizado como consenso
quando as referências são os planos e projetos elaborados para a cidade.
Apreendemos que o planejamento estratégico soa mais como um receituário neoliberal
do que propriamente um conceito, ainda que diversos autores busquem a compreensão do
fenômeno como uma modalidade de planejamento urbano que ocorre na esteira do processo de
globalização e que, consequentemente, faz pares com os conceitos de empreendedorismo urbano

348
(COMPANS, 2005), marketing de cidades, empresariamento urbano (HARVEY, 2005) e cidade-
mercadoria (VAINER, 2002).
Em Maringá esse “conceito” já é adotado em diversas pesquisas, como podemos
verificar, por exemplo, no trabalho do historiador Sergio Gini (2011), quando coloca que “para
legitimar o discurso, foi criado o documento Maringá 2020 a partir de um planejamento estratégico
que pensou a cidade para 24 anos em apenas 8 horas” (GINI, 2011, p. 198). Outros autores que
fazem alusão ao termo são Ferreira (et al, 2013, s/p.) cujo texto sobre o espaço moderno em
Maringá traz a seguinte explicação: “A Urbamar contratou então um arquiteto reconhecido para
conceber o projeto, utilizando-se do planejamento estratégico, com o intuito de atrair interesses
econômicos e chamar a atenção para Maringá, de maneira a avigorar o marketing urbano”.
Cordovil, em seu texto “O Projeto urbano como propaganda (...)” destaca a seguinte reflexão:

A partir do final dos anos noventa (...), a publicidade sobre Maringá intensificou-
se e vai ao encontro do que se convencionou chamar de discurso do Planejamento
Estratégico. Fazendo um paralelo com as características deste, evidenciaram-se,
no discurso publicitário feito para a cidade, os preceitos, transpostos na imagem
urbana e no consenso entre os cidadãos, necessários para sua eficiência
(CORDOVIL, 2007, s/p, grifo nosso).

A partir desses exemplos citados, apreendemos a necessidade de verificar se o termo


planejamento estratégico citado tanto pelo poder público e pelos agentes, bem como pelos autores,
está alinhado com o termo de planejamento estratégico ou gestão estratégica herdado do modelo
de Barcelona e de receituários afins.
Verificamos que Novais (2010) deu importante contribuição para demonstrar como a
lógica do planejamento estratégico saiu das empresas e da universidade para ser transferida para as
cidades na lógica da cidade-mercadoria – processo cuja gênese ocorreu nos Estados Unidos.
Entretanto, Silva (2012) aponta que, em relação ao efetivo uso, “o planejamento estratégico teve o
seu uso generalizado para a administração pública quando Margareth Thatcher esteve no comando
do Reino Unido, a partir de 1979” (p. 281).
Jordi Borja e Manuel Castells estão entre os pioneiros na sistematização do
planejamento estratégico, trazendo-o da realidade empresarial para as cidades (SILVA, 2012).
Estes dois autores foram responsáveis, através do estabelecimento de consultoria internacional,

349
pela difusão internacional desse modelo de planejamento – no caso, o modelo catalão, em particular
na América Latina. Esse novo paradigma, o chamado “Planejamento Estratégico de Cidades”, foi
difundido pelo mundo a partir do “sucesso de Barcelona” (SILVA, 2012).
Ao analisarmos o texto destes autores, intitulado de “A cidade como atores políticos”,
texto esse, segundo os autores, extraído de um relatório preparado para a Conferência Habitat II,
verificamos que é carregado de uma vasta experiência neste modelo, inclusive com participação
política na esteira dos planos que ocorreram na Europa e, em suas análises, tal forma de
planejamento é vendida como ideal. É a partir dessa formulação, além de outras que já citamos e
citaremos, que partimos para uma reflexão sobre o planejamento estratégico de cidades, para, na
sequência, refletirmos sobre um dos processos que está ocorrendo na cidade de Maringá.
A partir da análise dos exemplos europeus, os autores partiram do pressuposto de que
as cidades devem responder a cinco tipos de objetivos: nova base econômica, infraestrutura urbana,
qualidade de vida, integração social e governabilidade. Somente gerando capacidade de resposta a
estes propósitos, as cidades poderão, de um lado, ser competitivas para o exterior e inserir-se nos
espaços econômicos globais, e, de outro lado, dar garantias à sua população de um mínimo de bem-
estar para que a convivência democrática possa se consolidar (CASTELLS; BORJA, 1996).
No âmbito da América Latina, os autores supracitados trazem como características a
absorção do planejamento estratégico tardio em relação aos EUA e Europa. Dentre as
características apontadas para tal fato, as desigualdades e marginalidades, a debilidade da
sustentação sociocultural das cidades e os graves déficits de infraestrutura e serviços públicos,
atrasaram a emergência das cidades como protagonistas, quadro que se alterou sobremaneira na
década de 1990 (CASTELLS; BORJA, 1996).
Após a análise dessas particularidades, Castells e Borja apontam uma espécie de
receituário sobre como devem ser concebidos os planos estratégicos, cujos elementos elencados
ratificam se o modelo pode ou não ser implementado.
Notamos que o documento elaborado pelos autores (criticado por Vainer, 2002, entre
outros), de fato, é uma cartilha cujo mote é uma articulação entre o poder público e os agentes
locais que buscam criar consensos para colocar a cidade à venda para o capital internacional ou
para uma competição entre cidades a partir de vantagens comparativas. No entanto, como há traços
deste receituário na cidade de Maringá, buscamos os elementos correlacionados para entendermos
essa lógica como uma nova fase de planejamento urbano, calcada na elaboração de planos para o
350
futuro (Maringá 2020, Maringá 2030 e Masterplan, que serão sucintamente detalhados) que, em
seu seio, abarcam grandes projetos urbanos para mudar radicalmente a imagem da cidade e, de
fato, “colocá-la numa prateleira à venda”, para utilizar os termos apropriados de entrevista (2015).

3. O PARQUE INDUSTRIAL DENOMINADO CIDADE INDUSTRIAL

É, tudo aquilo está no escopo do repensando, de transformar a cidade. A cidade


estava muito dependente de determinados serviços, estava estrangulada, muita
gente indo embora de Maringá, então começaram a pensar um novo aeroporto, o
porto seco né, a zona de processamento da aduaneira, que acabou não dando certo,
mas que foi uma boa jogada pra alavancar, então favorecer o aeroporto e seu
entorno sempre foi um projeto desse movimento (ENTREVISTA2, 2015).

O entrevistado refere-se ao novo Parque Industrial próximo ao Aeroporto Silvio Name,


pensado na conjuntura do primeiro documento elaborado pelo Codem, o Repensando Maringá, que
gerou o documento Maringá 2020 (Primeiro plano de futuro pensado para a cidade). Naquela
conjuntura, havia a ideia de transformar a cidade em um parque tecnológico que acompanhasse o
desenvolvimento tecnológico que estava ocorrendo em outras cidades, com a ideia de
transformação da cidade de Maringá em um Arranjo Produtivo Local (APL), nesta área de
desenvolvimento. Conforme podemos observar no tópico sobre a ‘área de gestão empresarial’ do
documento Maringá 2020, o objetivo era:

Caracterizar Maringá como um centro de formação e treinamento de recursos


humanos para diversas áreas da produção e da gestão industrial e de serviços,
mediante a instalação de Centro de Tecnologia Industrial, de Incubadoras
Tecnológicas e um Centro de Empreendedorismo, visando a consolidação de uma
Tecnópolis. O objetivo é o de alcançar modelo econômico sustentável, com
atividades de grande agregação de valor que proporcionem elevados níveis de
emprego e renda à população local (CODEM, 2007 apud GINI, 2011, p. 132).

No entanto, as ideias que orbitavam por este projeto não tinham como foco o
desenvolvimento de uma área específica da cidade, ou, ao contrário, havia diversos interesses em
desenvolver diversas áreas com as respectivas instalações. Mas a área específica que teve endereço
certo foi o aeroporto novo, cuja inauguração recebeu o nome de Silvio Name, candidato a prefeito
que faleceu devido acidente aéreo.

351
Além da construção do novo aeroporto, alocado no extremo sudoeste da cidade, na
saída para Campo Mourão (PR), outros projetos vinculados a ele estavam sendo pensados para
constituir um volume suficiente de fatores convergentes para a configuração de uma Tecnópolis.
Enumeraremos apenas alguns destes elementos que, de fato convergiram para que a ideia tivesse
sustentação desde o Movimento Repensando até o novo planejamento estratégico, denominado
Masterplan ou Maringá 2047.
O primeiro projeto era denominado de Zona de Processamento Aduaneiro (ZPA) e
rendeu ao Codem o maior período de exposição positiva na mídia, pois influenciou diretamente a
arrecadação de recursos e, conforme afirmara Gini (2011), é considerado até hoje como a principal
contribuição do Conselho para Maringá.
O projeto da Incubadora Tecnológica teve início em julho de 1998, e, de acordo com
Gini (2011) foi criada pela CODEM, cujo objetivo era unir os setores econômico e científico,
desenvolvendo conceitos de empresas de base tecnológica. A ideia desenvolvida resultou em uma
incubadora tecnológica de empresas, cujo objetivo é promover o aceleramento de ideias para que
empresas do ramo da tecnologia possam ser gestadas no seio da incubadora.
Ainda de acordo com Sergio Gini (2011), outros projetos alinhados com a ideia da
Tecnópolis foram pensados, como os esforços para atração do ramal do gasoduto Bolívia- Brasil;
a criação de novos cursos na Universidade Estadual voltados para a área tecnológica, visando suprir
demandas do arranjo produtivo que estava se formando; a atração da Gol Linhas Aéreas; a
Internacionalização do Aeroporto; a criação de um centro tecnológico; e a construção de um parque
tecnológico.
Percebemos que um projeto pensado na década de 1990 ainda estava em tramitação,
independentemente da gestão que estava no poder. O que diferenciou uma gestão de outra apenas
foram os locais escolhidos e aprovados para receber o aporte tecnológico, empresarial e industrial,
porém, a ideia de abrir novas áreas para a atração de investimentos empresariais e industriais
perpassavam diferentes gestões, justamente por haver entidades organizadas que planejaram o
desenvolvimento da cidade, cujo embrião reportava para o movimento Repensando Maringá.
Todos estes elementos e variáveis acima descritos foram convergentes para que as
ideias fossem mantidas e ampliadas no documento Maringá 2030, cujo mote reproduziu os mesmos
termos e conceitos amplamente utilizados para propagar o desenvolvimento da cidade:

352
A sustentabilidade ambiental e tecnológica são objetivos estratégicos que definem
o caminho escolhido para o desenvolvimento econômico. Com isso objetivos
decorrentes deverão ser perseguidos e entre eles a definição de atividades,
produtos, processos, padrões e materiais permissíveis e os instrumentos, meios e
normas de mitigação ambiental. A sustentabilidade tecnológica conduz à
definição de um objetivo mais amplo e de prazo mais longo, que é o de transformar
a cidade numa tecnópole, mas que deve iniciar em curto prazo (MARINGÁ, 2030,
p. 20-1).

As diretrizes, após selecionadas apenas aquelas que tratam do projeto em si, foram
diversas e as estratégias traçadas no Maringá 2030 para o cumprimento dessas diretrizes foram 10,
mas destacamos apenas as seguintes: (i) criar uma plataforma logística internacional, integrando o
aeroporto com os demais modais de transporte e criando ambiente propício para investimentos
privados; (ii) consolidar os parques industriais com atividades produtivas de alto valor agregado,
dotando-os de toda a infraestrutura necessária; (iii) consolidar o Tecnoparq (todos os esforços
devem estar voltados para a sua efetiva instalação e funcionamento, e para sua inserção no PAC);
(iv) dotar o aeroporto da estrutura necessária à sua operação internacional, bem como proteger o
seu entorno, visando essa condição a longo prazo; (v) dar visibilidade à região através de um portal
de informações e de divulgação; (vi) criar e implantar uma Zona de Processamento Especial – ZPE
integrada ao Aeroporto Internacional.
As diretrizes e estratégias também foram identificadas no projeto e nas ideias do Parque
Industrial, que foi, de fato, inserido também no último documento de planejamento, este sim, com
a maioria dos atributos sugeridos pela cartilha pronta do “planejamento estratégico de cidades”, o
Maringá 2047 ou Masterplan.
A área, portanto, destacada para a realização do projeto, diz respeito à área lindeira ao
Aeroporto Silvio Name, cuja idealização pode ser percebida nas palavras do diretor de
planejamento de Maringá, através de entrevista:

A questão do aeroporto, que foi objeto de investimentos pra aumento do pátio,


reforço do pátio para receber aviões de cargas mais pesadas, agora nós estamos
iniciando um processo de construção daquela Taxiway, porque hoje o que
acontece é o seguinte, você tem que esperar o avião pousar, chegar até aqui o pátio
de manobras, pra sair outro avião, vai até lá, percorrendo a própria pista né, pra
daí decolar, enquanto isto não pode outro avião nem descer nem subir. Com a
taxiway não, enquanto um avião está taxiando outro está descendo, você tem
muito mais possibilidades, aumenta sua capacidade operacional do aeroporto.
Além disso, a questão do Parque Industrial né, que é um outro empreendimento

353
também extremamente importante, Nós tínhamos aqui em Maringá muitos anos
já, uma duzentas e cinquenta ou até mais empresas na fila, esperando terrenos
daquele programa, do Prodem né, pra se instalar na cidade. O Prodem ele financia
de 90, se eu não me engano, até 40% do preço do terreno e o industrial ele não
quer imobilizar capital em imóvel né, em terreno, ele quer direcionar isso aí pra
produção, claro. Então é muito importante né, nesta guerra de atração de indústrias
que a gente estabelece com outros municípios, a gente ter um programa, não de
dar o terreno de graça, mas de subsidiar né, de facilitar, é a contrapartida né, é um
apoio que o município dá (sic) (ENTREVISTA1, 2012).

Sobre o Prodem, verificamos que é uma legislação aprovada na gestão do prefeito


Silvio Barros (Lei N.º 6.936 de 09 de setembro de 2005, com algumas alterações efetuadas pela
Lei N.º 9.367 de 05 de outubro de 2012) e tem por objetivo instituir o Programa de
Desenvolvimento de Maringá (Prodem). É uma legislação que favorece amplamente a aquisição
de lotes no novo parque industrial (que naquele momento era apenas um planejamento), garantindo
a isenção de impostos em alguns setores bem como viabilizando a terra para que a produção do
espaço urbano industrial aconteça.
A legislação é de 2005, porém, uma notícia veiculada no jornal local aponta, em 2011,
que após 13 anos, a cidade abriria novo parque industrial. Naquela reportagem, no entanto, não
havia a demarcação de que o novo parque industrial seria na área que estamos destacando. Apenas
de que havia uma sinalização, cuja matéria apresentava o seguinte subtítulo: “Município separou
R$ 3,2 milhões para aquisição, desapropriou duas áreas e, por meio de chamamento público,
recebeu sete propostas; agora falta definir terreno e fechar negócio” (GATTI, 2011, p. A3). Na
referida matéria, o jornalista faz alusão à legislação, ao apresentar o seguinte texto:

Após 13 anos, a Prefeitura de Maringá está prestes a adquirir uma área para a
abertura de um novo parque industrial. A demanda é grande; a Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Econômico tem uma lista de 202 empresas
interessadas na expansão dos negócios com incentivos do Programa de
Desenvolvimento Econômico de Maringá (Prodem), que prevê subsídios de até
90% para compra de terrenos (GATTI, 2011, p. A3).

Na mesma reportagem, o referido jornalista aponta que “ao todo, segundo dados da
Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o município conta com 19 parques industriais abertos
pela prefeitura, que abrigam cerca de 600 empresas” (GATTI, 2011, p. A3).
Retomando a entrevista realizada em 2012, ressaltamos que a explicação do agente
público demonstra como a terra é revertida para o mercado, não imobiliário apenas, mas também
354
para os proprietários dos meios de produção. Neste caso, é importante a ressalva de que outros
agentes de outros setores econômicos também fizeram ou estão fazendo parte da partilha de terras,
porém, neste momento, salientamos e destacamos os elementos que consubstanciaram na escolha
do local para a construção de um parque industrial novo na cidade de Maringá, alinhado com as
modalidades de transporte visando, objetivamente, o escoamento e o transporte da produção futura.
Para ele, o projeto a ser implementado tinha, em seu escopo de ideias, a proximidade
com o aeroporto e com o projeto Arcosul. O entrevistado ainda sugere que existe a intenção de
‘ligação’ entre as rodovias que ligam Maringá à Campo Mourão (PR-317), à rodovia que Liga
Maringá à Guaíra (BR-323), contribuindo com a construção de ramais rodoviários que dinamizem
toda a região.
Portanto, o projeto proposto, como dissemos, está articulado com o Arcosul, cuja
explicação sobre suas características foi realizada pelo entrevistado (2012). De acordo com a
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Paraná, o Projeto Arcosul é um projeto de
desenvolvimento econômico integrando Paiçandu/Maringá/Sarandi/Marialva e visa não apenas
melhorar o fluxo de tráfego de veículos pelo atual Contorno Sul como também, alavancar o
processo de industrialização de Sarandi e Marialva, uma vez que o novo traçado desse contorno
seguiria as linhas de alta tensão na altura do Conjunto Cidade Alta e sairia no trevo de Marialva.
Margeando a linha férrea, passaria por trás de Sarandi, tirando boa parte do tráfego pesado da
entrada da cidade e facilitaria o processo de industrialização do lado Sul de Sarandi, contemplando
também os municípios de Maringá e Marialva. O projeto está em discussão entre gestores públicos,
apesar de ter recursos negados pela federação em um momento de austeridade fiscal provocada por
um momento político em que governantes estão submissos ao receituário neoliberal elaborado de
fora para (re)colonizar a América Latina. Ainda assim, é um projeto de desenvolvimento regional,
em que a sincronização com o Parque Industrial seria apenas mais um dos elementos desta grande
conjugação de projetos e, como os demais projetos, visa beneficiar os proprietários fundiários em
parte do seu traçado.
Logo, há um plano regional que visa uma integração entre os principais núcleos do
Norte do Paraná, tentativas que, atualmente, destoam daquilo que foi aprovado, quando nos
referimos às regiões metropolitanas de Londrina e Maringá, criadas no final do século passado. Por
sua vez, tais elementos não desfocaram o projeto Arco Sul, que é vislumbrado como elemento
essencial para o desenvolvimento do Parque Industrial de Maringá, uma vez que há a efetiva
355
criação de elementos locacionais que visam atrair empresas por meio da oferta de competitividade
e infraestrutura. Por outro lado, ainda que o Projeto Arco Sul não tenha saído do papel, em Maringá,
o Parque Industrial é realidade.
É realidade em vários sentidos. Primeiro, por ter legislação aprovada, conforme
demonstramos, antes mesmo da consolidação de área específica. Em segundo lugar, por fazer parte
do planejamento Maringá 2020, Maringá 2030 e no planejamento estratégico do Masterplan,
Maringá 2047. Em terceiro lugar, por fazer parte das mesmas estratégias de outros grandes projetos
urbanos, em que a área é escolhida, geralmente em pousio social ou espaço de abundância, ou ainda
desapropriação por proximidade de propriedades que interessa valorizar, há a viabilização legal e
estrutural, por parte do poder público, para que a “máquina seja ligada”; é realizado o marketing
de cidades, por meio da criação de uma imagem e representação.
No caso do Parque Industrial, é dado o nome de “Cidade Industrial de Maringá” e é
propagado, inicialmente, pelo próprio site da prefeitura e pelos veículos locais de comunicação.
Neste quesito, a representação gráfica foi recomendada a um dos designers da cidade, que elaborou
um vídeo em 3 dimensões e divulga, pelos principais meios digitais, a cidade industrial e suas
características.
A representação é gerada e a propaganda é realizada sempre no sentido de destacar
como obra mais importante bem como de dar destaque para os principais setores de
desenvolvimento tecnológico, como Senai, Lactec e Tecpar.
Desse modo, após diversas investigações e conversas informais, constatamos que todas
aquelas tentativas de criar um tecnopólo estão sincronizadas na criação da Cidade Industrial que
objetiva criar um complexo empresarial que aproveita o transporte multimodal e incorpora todas
as ideias de uma Tecnópolis, cujas tentativas anteriores, ora frustradas, ora estratégicas, servirão
para a produção de um espaço urbano específico, com os setores imobiliário e industrial sendo
contemplados em uma nova área de investimentos na cidade de Maringá.
O projeto é implantado na malha viária da cidade, porém, com uma particularidade:
está fora do perímetro urbano.
De acordo com o diretor de Planejamento (Entrevista1, 2012), o perímetro urbano teve
uma estabilidade por diversas gestões, pois o objetivo é ocupar os vazios urbanos. A ideia do
Eurogarden (outro grande projeto urbano não explorado nesta reflexão), por exemplo, é garantir ao
proprietário, a entrada na prefeitura para o parcelamento, para que os instrumentos da política
356
urbana como IPTU progressivo não cause grandes problemas, pois um vazio urbano, com o novo
Plano Diretor, poderá gerar valores exorbitantes a esses proprietários. Por isso, em um
entendimento daquela gestão (2008-2012) e, de igual modo, sincronizado com os documentos de
planejamento elaborados, como o Maringá 2030, há uma ideia de consolidar uma cidade compacta
e com seus vazios urbanos ocupados, bem como com uma contenção do número de habitantes para
o futuro. A ideia é verticalizar cada vez mais para que a cidade fique cada vez mais compacta, pois
isto, na visão daquela gestão, significa qualidade.
Nas palavras do entrevistado, no entanto, a Cidade Industrial irá “puxar o perímetro
urbano para aquela área” (ENTREVISTA1, 2012), o que ainda não ocorreu, ainda que o
arruamento da primeira fase da implantação já esteja elaborado. Para o entrevistado, os agentes
públicos não estão permitindo a ampliação do perímetro urbano, pois isso é como dar um cheque
em branco para o proprietário da terra especular com o preço da terra.
Em termos de valorização fundiária, acreditamos que o fenômeno da maioria dos
loteamentos da cidade que foram aprovados para a Zona Sul nos últimos anos, e não mais para a
Zona Norte, como era na década de 1980 e 1990, é realizado tendo em vista os interesses do poder
público: suas ações são pensadas de forma sincronizada com um pensamento maior, de canalizar
os grandes projetos para essas áreas, o que viabiliza uma valorização imobiliária significativa10. É
importante salientar que a área específica para implantação do projeto foi desapropriada, porém, a
valorização e os investimentos entorno, integrados às aprovações dos loteamentos na parte Sul da
cidade permitiu desenvolvermos a hipótese da valorização imobiliária e fundiária.
De qualquer modo, apesar da realização do arruamento e da infraestrutura para receber
as empresas, o projeto está embargado, não pelos motivos apontados em termos de gestão e
intencionalidade de valorização fundiária, imobiliária e viabilização de interesses apenas do
mercado e dos agentes que fazem parte do poder, mas sim por processos judiciais, entre eles, das
articulações espúrias nas desapropriações dos terrenos que viabilizaram o projeto, que podem ser
consultados na sentença dos autos N. 0001799-84.2014.8.16.0190 do Poder Judiciário do Paraná
- Comarca da Região Metropolitana de Maringá.
Nas palavras de Lefebvre,

10
Apesar da observação empírica e da constatação da canalização dos loteamentos para essa parte da cidade,
indicamos a necessidade de pesquisas que aprofundem as possibilidades comprobatórias dessa hipótese por meio de
levantamento de evolução de preços da terra.
357
As necessidades sociais são tratadas pelo Estado capitalista somente em função
das necessidades da burguesia. O sistema contratual (jurídico), que o Estado
mantém e aperfeiçoa enquanto poder (político), repousa na propriedade privada,
a da terra (propriedade imobiliária) e a do dinheiro (propriedade mobiliária)
(LEFEBVRE, 2001, p. 138).

Assumimos que não tivemos condições e nem era proposta metodológica deste trabalho
levantar os preços dos imóveis e da terra urbana via mercado imobiliário, pois somente isto daria
uma nova investigação, mas é importante considerar que a cidade de Maringá tem um preço do
solo extremamente elevado, se comparado com outras realidades de cidades paranaenses de portes
similares. Na parte sul da cidade isto é verificável de maneira ainda mais assertiva, já que os
projetos divulgados para esta parte da cidade acabam sendo elementos de valorização. De todo o
modo, corroboramos com as palavras de Harvey (2014), que sinalizava que

o interesse que o capital tem na construção da cidade é semelhante à lógica de


uma empresa que visa ao lucro. Isso foi um aspecto importante no surgimento do
capitalismo. E continua a ser. (...) O que temos visto, nos últimos 30 anos, é a
reocupação da maioria dos centros urbanos com megaprojetos. Muitos desses
projetos associam a urbanização ao espetáculo. E fazem um retorno à descrição
de Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo (HARVEY, 2014, S.P.).

Identificamos que em Maringá, nos últimos anos, houve a proliferação de diversos


grandes projetos urbanos, endossando o discurso do planejamento estratégico. Planos de futuro
foram elaborados e, neles, contempladas estratégias para viabilizar projetos urbanos específicos.
Alguns deles não saíram do papel ainda, mas foram elementos de valorização. Outros, como esse
apresentado, saiu do papel apenas no investimento maciço do poder público, que encampou a área,
viabilizou a infraestrutura e ajuda na divulgação para atrair investimentos. É a institucionalização
da especulação imobiliária que precisa ser revista.
Advertimos, por fim, que as relações e tramitações questionáveis merecem ser
investigadas tanto do ponto de vista judicial, como arrolado, quanto do ponto de vista da
necessidade e viabilidade do projeto. Esperamos que, nestes processos de investigação, os agentes
públicos possam enxergar que a mais-valia possa ser retornada para o próprio Estado, na
viabilização de bens de consumo coletivo que contemplem as demais classes da sociedade. A
despeito do atraso de 3 anos, a revisão do Plano Diretor está ocorrendo exatamente em 2019 em

358
Maringá (PR). Pode ser a oportunidade para que o conjunto da população se articule para exigir
que os instrumentos do Estatuto da Cidade possam ser acionados e transformados em dispositivos
legais para a área, como forma de mitigação dos investimentos públicos já realizados e reversão
para os cofres públicos ou como benefícios para a população via outorgas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O planejamento estratégico como mote ou discurso de atuação dos agentes produtores
do espaço urbano têm interferido, nos últimos anos, diretamente na produção e metamorfose do
espaço urbano de Maringá (PR). Ações estratégicas foram pensadas no âmago de uma "sociedade
civil organizada", porém, vinculada ao Estado enquanto provedor legal e estrutural das ações. O
que diferencia das cartilhas e modelos implantados em outras cidades no mundo é que, em Maringá,
ainda não ocorreram grandes investimentos vinculados ao capital financeiro internacional em sua
produção. Ou seja, as ideias são globais e a retórica é de inovação, mas as práticas são locais,
perversas, e de reprodução das mesmas lógicas que visam, sobretudo, a valorização fundiária e
imobiliária. O discurso do planejamento estratégico é amplamente utilizado, inclusive com
algumas ações prévias, de construção de documentos, pela "sociedade civil organizada", como se
autodenominam os agentes, mas há uma participação decisiva do Estado na operacionalização das
ações, tanto em termos de cabedal e subsídio legal, quanto em termos de investimentos e
infraestruturas.
O papel do Estado, portanto, é fundamental, pois, a partir da investigação, foi possível
perceber que é ente decisivo nesse processo. Ficamos, nesse caso, com a hermenêutica, a partir da
empiria que tivemos, de que o planejamento estratégico é montante nos debates para gerar o
desejado e necessário consenso, no entanto, quem oferta o cabedal estrutural para que ocorram as
decisões é o próprio Estado. Portanto, o discurso de modernização e de organização da cidade pelas
empresas não passa de estratégia para desenvolver a cidade aos moldes empresariais e corporativos,
mas que recorre ao fomento do Estado para viabilização de todo ou parte do espectro.
Isso ficou evidente na discussão sobre o objeto pesquisado: o Estado promoveu
discussões e viabilizou interesses para que o grande projeto da Cidade Industrial saísse do papel.
O próprio Estado viabilizou a infraestrutura para que a iniciativa privada pudesse arrolar seus
interesses, antecipadamente conveniados e acertados. Geraram uma imagem, uma representação,
que passou a ser promovida e divulgada pelo próprio poder público. Muitos loteamentos na parte
359
sul da cidade que estão mais próximos à área do projeto foram aprovados, destoando das demais
partes da cidade, o que endossou a tese da valorização fundiária e imobiliária.
Logo, percebemos que há, conforme dizia Arantes (2002), uma mudança no
gerenciamento do planejamento nos últimos anos em Maringá. O planejador, que deveria regular
o espaço, confunde-se agora com o empreendedor. A mercantilização da cidade fica cada vez mais
evidente, em uma lógica, nesse caso, que inclui os setores público, imobiliário, fundiário e, quiçá,
financeiro, cuja hipótese caberá futuros momentos de investigação.Em suma, resguardando as
escalas, o planejamento estratégico virou mote entre os agentes também em Maringá (PR). Cabe
acompanharmos os impactos futuros dessa lógica, cujas variáveis e características já geraram
consequências no presente.

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SOBRE O AUTOR

RICARDO LUIZ TÖWS


ricardotows@gmail.com

Mestre (2010) e Doutor (2015) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade


Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pós-doutorando pelo Intituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Pesquisador do
Observatório das Metrópoles (UEM/UFRJ) e do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR-UEM);
Docente do Instituto Federal do Paraná (IFPR).

362
18

SABERES DOCENTES MOBILIZADOS NO DESENVOLVIMENTO E UTILIZAÇÃO


DE JOGOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA

Tais Pires de Oliveira


Claudivan Sanches Lopes

RESUMO

Este artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa de mestrado. Assim, o presente trabalho
objetiva refletir sobre os saberes docentes, mobilizados por esse profissional para ensinar,
buscando, especificamente, identificar os saberes envolvidos no processo de elaboração e
utilização do jogo, como material lúdico, por docentes de Geografia. Pois o professor adquire
durante seu processo formativo e produz ao longo de sua carreira profissional (experiência em sala
de aula) diversos saberes, que são incitados no âmbito da prática docente. Esses saberes são
também utilizados ao empregar os jogos como um instrumento no processo de ensino-
aprendizagem. Assim, para atingir os objetivos propostos, nessa pesquisa de cunho qualitativo, a
coleta de dados se desenvolveu, por meio de entrevistas semiestruturadas, junto a quatro
professoras de Geografia. Através da análise dos dados, verificou-se que os saberes docentes
envolvidos no processo de utilização dos jogos, de acordo com a categorização proposta pelos
autores, que dão sustentação a este trabalho, sem desconsiderar os demais saberes, são: o saber da
experiência, o conhecimento dos alunos e de suas características e o conhecimento pedagógico do
conteúdo (CPC). Nessa perspectiva, espera-se, por meio das discussões apresentadas, contribuir
para a valorização das práticas docentes dos professores de Geografia e para a utilização de jogos
no ensino de Geografia, de forma que, atrelando forma e conteúdo, possibilitem que o aluno
desenvolva e exercite modos de pensar próprios da ciência geográfica.

Palavras-chave: Ensino de Geografia. Professor. Saberes docentes. Jogos geográficos.

363
INTRODUÇÃO
Durante sua formação inicial, sua formação continuada e ao longo de sua carreira
profissional, o professor adquire diferentes saberes, que são mobilizados para desenvolver suas
práticas pedagógicas (TARDIF, 2002; GAUTHIER et al., 1998; SHULMAN, 2014). Dessa forma,
acumulam no percurso de suas vidas aprendizagens diversificadas e constroem seu conhecimento
profissional, é nessa direção que Montero (2001, p. 144, grifos da autora) afirma que “Aprender a
ensinar tem a ver, em definitivo, com a construção da identidade de um professor. Um processo ao
mesmo tempo estável e provisório.”.
Ao mobilizar esses diferentes conhecimentos o docente alcança o objetivo, dentre
outros, de didatizar os conteúdos que serão trabalhados, isto é, o professor se preocupa, então, com
a busca de tornar os conceitos acessíveis aos alunos. Isso possibilita que o docente articule os
modos de ensinar a lógica científica da Geografia e alcance os meios didáticos para um ensino
significativo. Desse modo, no processo de criação e utilização de jogos, os docentes também
articulam saberes para edificação dessas práticas.
Ao empregar o jogo no processo de ensino-aprendizagem de Geografia, o docente
possibilita, por meio desse material, a construção do conhecimento geográfico pelo aluno. Visto
que, é função do professor selecionar e/ou desenvolver o material que melhor represente a temática
trabalhada e atinja os objetivos de sua prática. Para tanto, o educador necessita conhecer seus
alunos, dominar o conteúdo, além de compreender os aportes teóricos que embasam o uso dos
jogos, ou seja, para que o material possa, de fato, ser um recurso que mobilize desejos no aluno,
para a apropriação do conhecimento, é importante que o docente articule seus diferentes saberes.
Mas quais são os saberes docentes envolvidos no processo de elaboração e
implementação dos jogos por professores de Geografia? Quais saberes se destacam na utilização
desses materiais?
Diante desses questionamentos, este trabalho11 objetiva refletir sobre os saberes
docentes mobilizados por esse profissional para ensinar. Buscando, especificamente, identificar os
saberes envolvidos no processo de elaboração e utilização do jogo, como material lúdico, por
docentes de Geografia.

11
Baseado em pesquisa de mestrado intitulada “A utilização de jogos por professores de Geografia na Educação
Básica”, sob orientação do Prof. Dr. Claudivan Sanches Lopes do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Estadual de Maringá.
2. MATERIAIS E MÉTODO
Visando alcançar os objetivos descritos, buscou-se aportes teóricos em Tardif (2002),
Gauthier et al. (1998) e Shulman (2014), para, assim, compreender o processo de aquisição e
desenvolvimento dos saberes docentes, para que seja possível, compreender quais saberes o
professor desenvolve ou mobiliza ao utilizar um jogo em sala de aula. Outros fundamentos teóricos,
sobre os jogos e o ensino de Geografia, também subsidiaram a discussão da temática em pauta.
À luz das reflexões teóricas, neste estudo, de caráter qualitativo (LÜDKE; ANDRÉ,
1986; BAUER; GASKELL, 2002), o desenvolvimento do trabalho de campo e coleta de
informações12, sobre a temática aqui discutida, ocorreu junto a quatro professoras 13 de Geografia
do Núcleo Regional de Educação de Maringá. As professoras foram elencadas e participaram da
pesquisa por fazerem uso de jogos em sala de aula com mais frequência. Assim, com o intuito de
aprofundar e refletir, acerca dos saberes docentes e o uso de jogos, realizou-se entrevistas
semiestruturas (BAUER; GASKEL, 2002), individualmente, com as quatro professoras.
A entrevista, como ferramenta da coleta de dados, foi adotada por ser uma “[...] técnica
em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo
de obtenção dos dados que interessam à investigação.” (GIL, 2008, p. 109). Dessa forma, para a
realização das entrevistas, foi elaborado um tópico guia que, conforme Gaskell (2002, p. 66), “[...]
não é uma série extensa de perguntas específicas, mas ao contrário, um conjunto de títulos de
parágrafos” e que visa possibilitar ao docente entrevistado falar abertamente sobre suas
experiências e teorias. Permitindo, portanto, como defende o autor, uma flexibilização e possíveis
modificações no roteiro durante as entrevistas.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas, através do
método de análise de conteúdo, baseada em Bardin (1977) e Moraes (1999). Ressalta-se que essa
abordagem metodológica, de análise, pode ser utilizada para descrever e interpretar diferentes tipos
de documentos e textos e ajuda a compreender as mensagens contidas no documento, bem como,
a decifrar seus significados em um nível além de uma leitura comum.
Diante disso, a partir do levantamento dos dados, constitui-se um quadro de
informações, a respeito dos participantes, que foram analisada e serão apresentadas nesse trabalho.

12
Esse processo foi submetido e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (Copep) da UEM, número do Parecer
2.093.453.
13
Para preservar a identidade das professoras, os nomes adotados nesse trabalho são fictícios.
365
3. OS JOGOS E OS SABERES DOCENTES: APORTES TEÓRICOS
O jogo está presente em todas as fases da vida e, como um material lúdico, quando
utilizado em sala de aula, assume o papel de contribuir para o ensino. Conforme afirma Kishimoto
(1994, p. 37), a utilização desses materiais “[...] potencializa a exploração e a construção do
conhecimento, por contar com a motivação interna, típica do lúdico [...].”. Nessa direção, o jogo
pode estimular no aluno as interações sociais e participativas, permitindo que esse se expresse
emocionalmente e realize descobertas pessoais e educacionais.
O jogo se torna, então, um instrumento para o docente e auxilia em suas atividades.
Dessa maneira, cabe ao professor refletir sobre suas práticas e os materiais empregados em suas
aulas, para assim, avaliar se o instrumento utilizado propicia aos alunos o desenvolvimento do
conhecimento. Entretanto é evidente que o jogo, como um recurso didático lúdico, não sana, por si
mesmo, todas as dificuldades encontradas pelo professor em sala de aula. Tal situação exige,
destarte,

[...] que o professor organize os materiais, defina seus objetivos e planeje as aulas,
o que implica ter capacidade de gestão da aula, resultando em uma análise prévia
e conhecimento dos alunos, dos percursos didáticos e do modo como os conteúdos
serão articulados. (CASTELLAR; VILHENA, 2011, p. 44 - 45).

Essa ideia remete aos saberes produzidos e mobilizados no âmbito da prática docente,
que são, conforme implícito no excerto citado anteriormente, utilizados também ao empregar os
jogos como um instrumento no processo de ensino-aprendizagem. Esses saberes que o professor
adquire durante seu processo formativo, que produz ao longo de sua carreira profissional
(experiência em sala de aula), e que são constantemente configurados e reconfigurados no
desenvolvimento das práticas de ensino, são discutidos pelos pesquisadores Tardif (2002), Gauthier
et al. (1998) e Shulman (2014).
As pesquisas desenvolvidas por esses autores foram motivadas por múltiplos fatores,
dentre eles, fomentar a profissão, aumentar a estima e status do professor perante a sociedade e
estimular o caráter profissional da atividade docente, historicamente marcada por processos que
levaram alguns autores a classificá-la como semiprofissão (SACRISTÁN, 1999; NÓVOA, 1999).
Entende-se, em consonância com Lopes (2016), que essas pesquisas objetivam contribuir para a
formalização dos saberes, que emergem no dia a dia da sala de aula e, mais amplamente, cooperar

366
com os processos de desenvolvimento profissional dos professores de Geografia ou de qualquer
outra disciplina.
Tardif (2002) sustenta que o saber do professor é um saber social, sua construção é
permeada de relações com outros atores, afirma, ainda, que tal saber é composto por vários saberes
originários de diferentes fontes, nesse sentido “[...] pode-se definir o saber docente como um saber
plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundo da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2002, p. 36). Nessa
direção, o teórico identificou e definiu quatro diferentes tipos de saberes constitutivos da prática
docente e as relações existentes entre eles, esses saberes são nomeados pelo pesquisador como:
saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes
experienciais.
Para Gauthier et al. (1998), ainda se sabe pouco sobre os fenômenos do ofício de
ensinar, mas é fundamental conhecer esses elementos para que os docentes trabalhem com mais
competência. Dessa maneira, sinalizam uma concepção de ensino, na qual destacam os diversos
saberes que são mobilizados pelo professor nesse processo, assim, para os teóricos, o ato docente
consiste na “[...] mobilização de vários saberes que formam uma espécie de reservatório no qual o
professor se abastece para responder a exigências específicas de sua situação concreta de ensino”
(GAUTHIER et al., 1998, p. 28). Os saberes necessários para o ensino, elencados pelos
pesquisadores são: saberes disciplinares, saberes curriculares, saberes das ciências da educação,
saberes da tradição pedagógica, saberes experienciais e saberes da ação pedagógica.
Shulman (2014) elucida que o ensino se inicia com um professor que sabe algo que os
alunos não sabem ou o sabem parcialmente. Desse modo, ensinar é, em um primeiro momento,
compreender, ou seja, o docente compreende o que deve ser ensinado e a maneira como deve ser
ensinado. Assim, a base de conhecimentos, identificada pelo autor, refere-se ao conhecimento que
os docentes necessitam: um repertório profissional construído ao longo do período de formação
inicial e de sua vida docente, os quais são necessários para promover a aprendizagem nos alunos e
realizar um bom ensino.
O pesquisador apresenta sete categorias que compõem a base do conhecimento
docente, que é necessária para o ensino, são elas: 1. conhecimento do conteúdo; 2. conhecimento
pedagógico geral; 3. conhecimento do currículo; 4. conhecimento dos alunos e de suas

367
características; 5. conhecimento de contextos educacionais; 6. conhecimento dos fins, propósitos e
valores da educação e de sua base histórica e filosófica; 7. conhecimento pedagógico do conteúdo.
Os pesquisadores citados, como se observa, têm alguns pontos em comum, pois buscam
evidenciar e legitimar os professores como produtores de saberes profissionais específicos. Nessa
perspectiva, tem-se que Tardif (2002) elenca os saberes como elementos constitutivos da prática
docente, já para Gauthier et al. (1998) o professor mobiliza saberes que formam um reservatório
para ensinar e Shulman (2014) considera que o professor deve ter uma base de conhecimentos
necessária para o ensino. O primeiro autor enfatiza o saber da experiência docente como os mais
importantes para os professores, Gauthier, por sua vez, considera o saber da ação pedagógica,
aquele referente ao saber experiencial que foi testado por meio de pesquisas acadêmicas, como de
maior relevância. Já, para Shulman, o conhecimento pedagógico do conteúdo tem mais importância
por permitir ao docente unir o pedagógico ao epistemológico e representar distintos corpos de
conhecimento necessários para ensinar.
Ainda que se possa reconhecer diferenças nas categorizações propostas pelos autores
apresentados, essas pesquisas têm em comum a ideia de que os saberes emergentes da prática
docente são os menos estudados e desenvolvidos, constituindo, então, um saber de grande
importância para o reconhecimento e profissionalização do ensino. Nesse sentido, Lopes (2016, p.
28), afirma que “[...] trata-se de teorias que, ao legitimar o professor como produtor e detentor de
um saber profissional específico, enfatizam que estes são fundamentos essenciais no processo de
profissionalização e do exercício da profissionalidade docente.”, salientando que, explicitar, por
meio de estudos, a sabedoria prática docente é uma das tarefas da pesquisa acadêmica.

3.1 A mobilização dos saberes docentes na utilização dos jogos


Tem-se por pressuposto que os professores são, como categoria profissional,
portadores/produtores de saberes e, neste sentido, arquitetos do currículo da própria prática
pedagógica. Desse modo, sem que se assuma uma posição acrítica, investe-se na possibilidade de
refletir, academicamente, sobre a experiência desses professores, com o propósito de produzir
reflexões relacionadas à temática estudada. Pois é necessário instaurar uma nova cultura
profissional baseada, como sugerem alguns dos teóricos do saber docente (SHULMAN, 2014), no
compartilhamento de boas experiências profissionais e que evitem que os professores “levem a
túmulo” sua sabedoria prática.
368
Assim, diante das discussões apresentadas, a fala das professoras entrevistadas, Marta
(22 anos de decência), Ana (7 anos de decência), Elisa (19 anos de decência) e Alice (22 anos de
decência), participantes da investigação, nos revelam que o lúdico está presente em suas práticas
pedagógicas, sendo múltiplos os motivos que as levam a investir no uso desse material didático.
Trata-se, dessa maneira, de professoras inventivas, que mobilizam e produzem saberes também a
partir de suas experiências e práticas em sala de aula.
Como se observa, expresso nas falas das professoras, a produção e a utilização de jogos
na sala de aula exige que os mesmos mobilizem e combinem, habilmente, diferentes tipos de
saberes e com relativa autonomia, articulando, assim, os modos de ensinar a lógica científica da
Geografia e alcance os meios didáticos para um ensino significativo. Nessa perspectiva, para não
ser uma prática vazia de objetivos pedagógicos e que valorize o ensino de Geografia, sua
organização requer constante reflexão docente.
Diante disso, ao ser questionada, sobre quais saberes docentes o professor deve possuir
e mobilizar para empregar os jogos em suas aulas, a Professora Marta afirma que é necessário “ter
conhecimento didático” porque “[...] não é só simplesmente preencher um espaço, você tem que
anexar ele [jogo] ao seu planejamento. Tudo que você for desenvolver dentro da sala de aula tem
que estar dentro de um planejamento com tempo hábil.” (grifos nosso). Então, a fala da professora
expressa a importância de ter um conhecimento pedagógico, que, pautado em Shulman (2014),
traduz-se naqueles conhecimentos de estratégias gerais de organização da aula, para que, por meio
de um plano de aula, possa implementar os jogos e atingir os objetivos desejados com o recurso
didático.
O conhecimento dos alunos e de suas características (SHULMAN, 2014), são, do
mesmo modo, mobilizados pelo docente e necessários para a utilização dos jogos, segundo Marta,
“O conhecimento da turma [é fundamental]”, ela justifica: “[...] foi o que eu falei, as vezes no 9º
A eu consigo trabalhar já no 9º E eu não consigo, então você deve fazer as adaptações necessárias
para você estar trabalhando esses jogos.” (grifos nosso). Dessa maneira, o professor precisa
conhecer seus alunos para realizar um trabalho que seja adequado às suas vivências e expectativas.
A Professora Elisa, por sua vez, ao refletir sobre suas práticas, elenca, além do
conhecimento da turma, o conhecimento do conteúdo, e o conhecimento da experiência, como os
conhecimentos necessários a serem mobilizados pelo docente de Geografia para produzir, adaptar
e utilizar os jogos em sala de aula. Ao refletir sobre, ela sustenta que:
369
Eu acho que nós temos que ter o conhecimento básico, dominar o conteúdo que
você vai trabalhar. Conhecer a turma, não adianta eu querer colocar um jogo
para uma turma que não é o perfil dela, têm perfis de turma que não se adaptam a
determinados jogos [...]. Eu acho que a experiência com os anos também ajuda
muito, tem que ser muito observador na sala de aula, porque se você não observa,
se você não conhece a sua turma, você não consegue desenvolver jogo nenhum.
Mas o principal são os conhecimentos básicos da Geografia, pra conseguirmos
dar sequência em um jogo, porque sem isso não funciona não (PROFESSORA
ELISA, grifos nosso).

Assim, para Elisa, é importante que o professor domine o conteúdo, ou seja, os


conceitos básicos da Geografia, pois é por meio do uso consciente desses conceitos, atrelados ao
pedagógico, que irá selecionar o material adequado a turma. E, dessa maneira, irá possibilitar que
os alunos desenvolvam ferramentas para pensar geograficamente e compreender o espaço em que
vivem, por meio dos conceitos da disciplina.
Para a Professora Alice

O professor tem que ter objetivos já estabelecidos, e aí com o tempo de trabalho,


isso eu adquiri foi com o tempo, eu percebi a necessidade de mudar a minha
forma de trabalhar e eu comecei a observar o que os alunos gostavam, todos
gostam de brincadeira de uma certa forma ou de outra [...] aí eu comecei a pegar
uns jogos e olhar pra esses jogos com olhar de Geografia, de professora, eu
comecei a fazer as adaptações e comecei a trabalhar e hoje eu tenho bastante jogos,
hoje eu utilizo bastante. (PROFESSORA ALICE, grifos nosso).

A fala da professora ressalta a importância de conhecer a turma, a realidade vivenciada


por seus alunos e compreender suas capacidades cognitivas, para estabelecer as práticas que serão
realizadas em cada sala de aula, assim como evidenciado pelas demais entrevistas. Em sua fala
ainda é possível identificar os saberes da experiência e o conhecimento pedagógico do conteúdo
como importantes para o emprego dos jogos no processo de ensino-aprendizagem de Geografia.
Trata-se, como se deduz da fala da professora, de um processo em contínuo movimento de revisão
e aprimoramento, no qual o docente afirma o domínio dessas práticas e os diversifica.
A importância do saber da experiência revela-se, novamente, na fala da Professora
Elisa, quando afirma: “Eu acho que a experiência com os anos também ajuda muito” com o tempo
“[...] eu percebi a necessidade de mudar a minha forma de trabalhar”. Demonstrando, assim, que a
experiência do professor, quando não for um simples exercício de repetição, contribui para uma
370
reflexão mais profunda de suas práticas. Aponta também para a necessidade de adotar outros
instrumentos em sala de aula, que possam despertar outras habilidades, e possíveis caminhos para
se trabalhar com os jogos.
Esses saberes da experiência são os saberes adquiridos no exercício da profissão e
produzidos pelos professores em sua própria prática, não provém de instituições e são pouco
teorizados, porém possibilitam ao docente desenvolver ferramentas ou, nas palavras de Tardif
(2002), habitus, para enfrentar questões presentes em seu cotidiano. É importante para que o
professor possa validar e retraduzir seus saberes e metodologias utilizadas no processo de ensino.
Outro conhecimento importante, revelado nas entrevistas foi o conhecimento das
vivências, experiências e potencialidades dos discentes, ou seja, conhecer os alunos e suas
características emocionais, sociais e cognitivas (SHULMAN, 2014), que é necessário para que o
professor selecione materiais que melhor se adaptam ao perfil da turma, como também realizar as
modificações no jogo de uma turma para outra, pois, como frisou a Professora Elisa, “[...] não
adianta eu querer colocar um jogo para uma turma que não é o perfil dela”. Dessa maneira, o
docente planejará e adequará sua aula e material para que possa atingir os objetivos desejados,
condicionado a realidade dos alunos.
Já, o conhecimento pedagógico do conteúdo (SHULMAN, 2014) é revelado
implicitamente no discurso das professoras, como na fala de Alice, que diz “[...] eu comecei a pegar
uns jogos e olhar pra esses jogos com olhar de Geografia, de professora”. Esse saber representa a
combinação de conteúdo e pedagogia, para expor diversos conteúdos de maneira diferente, de
acordo com as especificidades que apresentam os alunos. Desenvolvido ao longo de sua carreira,
esse conhecimento permite ao docente mais que conhecer o conteúdo, mas também dominar, à luz
dos diferentes contextos da prática, as diferentes formas de ensiná-lo, por meio do amálgama
especial de conteúdo e pedagogia, que é desenvolvido por ele próprio. Dessa maneira, esse saber
permite que o docente, mediando o conhecimento dos alunos, utilize os jogos em sala de aula para
atingir os objetivos desejados e contribuir para o discente raciocinar geograficamente.
Diante disso, as falas das professoras, alicerçadas sobre os fundamentos teóricos
apresentados, revelam a importância do conjunto de saberes. Entretanto, se pode destacar três
principais saberes, que são mobilizados, pelo docente de Geografia, para empregar os jogos em
sala de aula, sem, contudo, diminuir a importância dos demais saberes. São eles: o saber da

371
experiência, o conhecimento dos alunos e de suas características e o conhecimento pedagógico do
conteúdo.
Assim, os conhecimentos elencados são fundamentais, embora não os únicos, para que
o professor possa elaborar, adaptar e implementar os jogos geográficos e contribuir, por meio
desses materiais, para que seus alunos desenvolvam um raciocínio geográfico, compreendendo o
espaço em que vivem e se relacionar com seus pares.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou refletir sobre os saberes docentes mobilizados por esse
profissional para ensinar. Procurando, especificamente, identificar os saberes envolvidos no
processo de elaboração e utilização do jogo, como material lúdico, por docentes de Geografia. Isso
foi possível por meio de entrevista com quatro professoras que, em suas práticas, empregam os
jogos.
Com base na bibliografia estudada e nas análises dos dados coletados na pesquisa de
campo, evidenciou-se que os conhecimentos mais acessados e mobilizados para empregar esses
jogos são: o saber da experiência, o conhecimento dos alunos e de suas características, além do
conhecimento pedagógico do conteúdo, sem desconsiderar que os professores detêm um arcabouço
de diversos outros conhecimentos, adquiridos ao longo da formação e da carreira profissional,
conforme discutido a partir da bibliografia apresentada.
O saber da experiência, produzido e adquirido pelo docente, no exercício de sua
profissão, permite que se desenvolva ferramentas para enfrentar as diferentes situações do
cotidiano e oportuniza que o professor reflita, criativamente, sobre suas práticas e sobre o emprego
diversificado de instrumentos didáticos, mais especificamente o jogo.
O conhecimento das vivências, experiências e potencialidades dos discentes, muito
valorizada pelos professores que participaram da pesquisa, possibilita que o docente selecione/crie
jogos que melhor se adaptam ao perfil da turma. É o tipo de conhecimento que conecta o conteúdo
de ensino ao mundo dos alunos, ou seja, de seus desejos e necessidades.
Enquanto que, o conhecimento pedagógico do conteúdo (CPC), representa a
combinação do domínio do conteúdo a ser ensinado com a pedagogia, para expor os diversos
conteúdos de maneira atraente, acessível e significativa, de acordo, ainda, com as especificidades

372
que apresentam os alunos. Entende-se que o jogo, principalmente aquele compreendido como
geográfico, isto é, quando o material é pensado para explicitar um conceito tanto em seu conteúdo,
como em sua forma, forma também geográfica, é reflexo do conhecimento pedagógico do
conteúdo. Ou seja, o CPC permite ao professor dar ao jogo a geograficidade por ele desejada.
Portanto, evidenciou-se a partir da pesquisa que esses três saberes, em conjunto, ainda
que sem desconsiderar os demais, proporcionam ao docente ferramentas para refletir e planejar sua
aula, assim como o uso do jogo, de tal modo que possa atingir os objetivos desejados, contribuindo
para que os alunos desenvolvam habilidades para raciocinar geograficamente e compreender o
espaço em que vivem e se relacionam com seus pares.
Ressalta-se, como sustentado ao longo do trabalho, que os docentes utilizam os jogos
em sala de aula, e, para tanto, mobilizam saberes que foram adquiridos ao longo de sua profissão
para planejar e realizar práticas pedagógicas, articulando o conhecimento geográfico e o
conhecimento pedagógico, ou seja, desenvolvendo uma didática própria dessa disciplina, para,
dessa maneira, empregar os jogos.
Entende-se, destarte, que a ampliação das possibilidades do uso eficaz do jogo no
ensino de Geografia depende, paralelamente, à ação inventiva dos professores em sala de aula, –
não raramente heroico em função das condições de trabalho oferecidas, de modo geral pela escola
pública no Brasil – de um processo mais sistemático de pesquisa e reflexão teórica que possa
subsidiar suas práticas.
Assim, espera-se, por meio das discussões apresentadas, contribuir para a valorização
das práticas docentes, para o desenvolvimento profissional dos professores de Geografia e para o
reconhecimento da complexidade do ensino e dos saberes docentes. Igualmente, espera-se
promover a utilização de jogos no ensino de Geografia que, atrelando forma e conteúdo,
possibilitam que o aluno desenvolva e exercite modos de pensar próprios da ciência geográfica.

AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

373
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374
SOBRE OS AUTORES

TAIS PIRES DE OLIVEIRA


tais_piresoliveira@hotmail.com

Doutoranda em Geografia, turma 2018, pelo programa de Pós-Graduação em Geografia, linha de


pesquisa: produção do espaço e dinâmicas territoriais, na Universidade Estadual de Maringá,
mestre em Geografia pela mesma instituição, especialista em Ensino e Pesquisa na Ciência
Geográfica pela Universidade Estadual do Centro-Oeste e graduada em Licenciatura em Geografia
pela Universidade Estadual de Maringá. Realiza pesquisas relacionadas ao ensino de Geografia,
mais especificamente a utilização de jogos no processo de ensino-aprendizagem de Geografia. É
participante do Grupo de Pesquisa Educação Geográfica e Formação de Professores de Geografia
(EDUPROGEO).

CLAUDIVAN SANCHES LOPES


claudivanlopes@gmail.com

Possui pós-doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, doutorado em Geografia


Humana pela Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, mestrado em Educação pela Universidade
Estadual de Maringá e graduação em Geografia pela mesma Universidade. Atualmente é Professor
Associado na Universidade Estadual de Maringá (Departamento de Geografia) e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia (PGE) nesta mesma Universidade. É coordenador do Grupo de
Pesquisa Educação Geográfica e Formação de Professores de Geografia (EDUPROGEO). Tem
experiência na área de Geografia, com ênfase em questões relacionadas ao ensino e à formação do
professor dessa disciplina.

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A VILA OLÍMPICA DE MARINGÁ: LÓCUS PARA O LAZER E A SOCIALIZAÇÃO

Tânia Peres de Oliveira


Lisandro Pezzi Schmidt
Valdemir Antonelli

RESUMO

O lazer pode ser compreendido, por alguns autores, como um fenômeno que surge com a
modernidade, em que estão definidos os momentos destinados ao trabalho e aqueles com ausência
de trabalho. Conceitualmente, o lazer é o desenvolvimento de práticas voluntárias e que geram a
sensação de prazer. Dentre os espaços possíveis para a prática do lazer estão os espaços públicos,
pois, além de serem espaços de livre acesso, também são facilitadores da socialização e passíveis
de interações. Assim, o estudo realizado na Vila Olímpica da cidade de Maringá, Paraná, objetivou
identificar as apropriações do espaço, por meio de práticas de lazer, e verificar a existência, ou não,
de interação social entre os grupos que frequentam o complexo esportivo. Para que fosse possível
alcançar o objetivo proposto, além do levantamento bibliográfico, foram realizadas entrevistas
individuais semiestruturadas, que posteriormente foram transcritas, separadas em categorias de
análise, bem como analisadas e interpretadas. Foi possível observar que as formas de apropriação
das práticas de lazer se tornaram diversificáveis, ao longo dos anos, e que a organização espacial
dos equipamentos do complexo esportivo fomentou as interações entre pessoas, inclusive em
situações externas à Vila Olímpica.

Palavras-chave: Espaço Público. Práticas de Lazer. Interações Socioespaciais.

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INTRODUÇÃO
O lazer na contemporaneidade é tido como um momento de contraposição ao trabalho,
no qual o sujeito pode libertar-se dos afazeres obrigatórios. Nesse sentido, os estudos do lazer têm
sido tema de muitas pesquisas. Neste trabalho, o lazer aparece como possibilidade de ensejar
encontros e atividades que não possuem a influência do capital como eixo central, ou seja, o lazer
diretamente vinculado ao consumo, mas sim a prática do lazer como potencializador do
desenvolvimento social, tendo como lócus o Complexo Esportivo Jaime Canet Júnior, conhecido
popularmente como Vila Olímpica, na cidade de Maringá-PR.
O problema desta pesquisa pauta-se em compreender a função da Vila Olímpica e
discutir, por meio das ações de apropriação deste espaço, sua relevância nas relações sociais. O
objetivo central é identificar as formas de apropriação do espaço, por meio de práticas de lazer, e,
a partir disso, compreender se há uma interação social entre os grupos que frequentam o complexo
esportivo Vila Olímpica. Para tanto, apresenta-se um perfil dos frequentadores do local em questão,
além das motivações que levam os sujeitos à apropriação deste espaço para a prática do lazer.
A pesquisa justifica-se porque, inicialmente, a Vila Olímpica foi projetada para ser um
polo com infraestrutura capaz de comportar as mais variadas modalidades esportivas, incluindo
campeonatos de importância nacional. No entanto, observa-se que essa função inicial passou por
transformações, tornando multifacetadas as finalidades do espaço, em decorrência das vastas
possibilidades de usos.
Para melhor compreensão, este artigo foi divido em seções; sendo uma denominada
como materiais e métodos, que contempla a coleta de dados, por meio de levantamento
bibliográfico, observações e entrevistas semiestruturadas; e outra de resultados e discussões, na
qual foi apresentado o perfil dos usuários, revelando não haver uma faixa etária específica, e nem
um gênero predominante entre os usuários do espaço estudado, além das motivações que levam os
usuários à Vila Olímpica, e que decorrem de interesses voltados à diversão, prática de esportes e
relaxamento.
A última seção é dedicada às considerações finais, na qual foi possível notar que o
componente facilitador das diversas formas de uso da Vila Olímpica é a capacidade que o próprio
espaço tem de comportar diversas formas de práticas de lazer, tornando-se, então, conforme aponta
Gomes (2008), um espaço amplo de oportunidades de convívio social, com capacidade para

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festividades lúdicas. Assim, o local atrai várias pessoas que utilizam o espaço para a prática de
lazer e outras diversas atividades, tornando-o passível de realização de encontros e interações.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
Para o desenvolvimento desta pesquisa, num primeiro momento foi realizado o
levantamento bibliográfico. Posteriormente, os trabalhos foram direcionados para o levantamento
qualitativo, realizado em lócus, por meio de entrevista qualitativa, seguindo as diretrizes de análise
do conteúdo sugerida por Gaskell (2002). As entrevistas foram realizadas individualmente, com
vinte pessoas escolhidas de forma aleatória, mediante o aceite de participação, dentro do prazo
estipulado para a coleta dados.
As saídas de campo foram realizadas nos dias 13, 14, 15, e 22 de maio e 11 e 12 de
junho. Excepcionalmente, no dia 13 de maio, por ser uma sexta-feira, as observações e as
entrevistas foram desenvolvidas durante a noite, das 18h30min às 21 horas, e nos outros dias as
entrevistas ocorreram durante a tarde, em virtude de ser o período de maior fluxo de pessoas no
local, conforme observações realizadas na área de estudo. O formato da entrevista foi
semiestruturada, possibilitando maior liberdade de fala ao entrevistado.
Paralelamente às informações coletadas com os entrevistados, foram realizadas,
seguindo as diretrizes de Veal (2011), observações não estruturadas e não invasivas, que resultaram
em um conjunto de notas, realizadas em campo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A modernidade e, consequentemente, o surgimento do lazer, podem ser entendidos por
meio do capitalismo, em que há a divisão dos momentos destinados ao trabalho e aos momentos
de ausência de trabalho. Gebara (1997, p.66) afirma que “é justamente quando o trabalho começa
a tornar-se mercadoria, começa a ser vendido, que as questões de tempo e espaço adquirem novos
significados”.
Da mesma forma, ao abordar o lazer imbricado em outros elementos, Gomes (2004)
apresenta-o como uma dimensão cultural construída socialmente, abarcando quatro elementos
intrinsecamente ligados: o primeiro é o tempo, referente ao presente e não a tempos específicos
para o exercício do lazer; o segundo refere-se ao espaço-lugar, mas não espaço apenas físico, e sim

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como espaço-lugar apropriado pelos sujeitos para realização de encontros e práticas sociais para o
lazer; o terceiro elemento são as manifestações culturais, vivenciadas como forma de
desenvolvimento, diversão ou descanso; e o quarto são as ações com fundamento lúdico, ou seja,
referenciadas no brincar com o outro, consigo e com a realidade.
Dentre estas discussões acerca do lazer, suas atividades e benefícios, explora-se o
espaço no qual este lazer tende a ser desenvolvido, seja um local público ou privado. Os estudos
sobre o espaço público sempre estiveram diretamente ligados ao espaço privado, fazendo parte
desta duplicidade as reflexões realizadas nas Ciências Sociais, com temáticas como: identidade,
cidadania, democracia, cotidiano, espaço vivido, segregação, exclusão, etc (LOBODA, 2008).
Para a realização desta pesquisa, a ênfase dada ao espaço público está na sua relação
com o momento de lazer dos indivíduos e na sua capacidade de socialização, sendo, então, um
espaço de construto social. Nessa perspectiva, o espaço no qual é possível vivenciar o lazer, deve
ser uma proposta que viabilize um direito garantido a todos, bem como deve receber um “olhar”
para além do espaço físico, pensando nas atividades nele desenvolvidas, e, ainda, nas necessidades
da comunidade que o utiliza.
Porém, no contexto do espaço urbano, o cotidiano nas cidades evidencia tanto as
disparidades que a envolvem, quanto a sua função na rede urbana, como as diversas práticas
realizadas em seu território. Assim, considerando esta complexidade, é necessária uma reflexão
sobre as formas e funções da cidade.
Torna-se possível, então, pensar nas relações de poder que são partes constituintes do
espaço e, neste sentido, é pertinente a fala de Pellegrin, (1999), quando afirma que as relações de
apropriação, com o espaço, que se estabelecem nas sociedades, estão diretamente vinculadas ao
controle, à demarcação e ao poder.
Partindo dessa perspectiva, o lazer acaba por merecer destaque nos projetos urbanos,
pois estes não se restringem aos seus concernentes aspectos naturais, em lagoas, rios, praias e
reservas florestais, por exemplo, tornando-se necessária a implantação de infraestrutura, nas
cidades, que permita às pessoas se apropriarem, no seu tempo disponível, de locais preparados para
o lazer (LIMA, 2006). Assim ocorre a criação de equipamentos urbanos de lazer, configurados em
espaços públicos ou privados, como praças, cinemas, centros culturais, parques, dentre outros, onde
as pessoas podem realizar diversas atividades.

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Nesse sentido, os equipamentos urbanos de lazer são os espaços de realização de
diversas atividades de caráter público ou privado. Podem ser enquadrados nessa categoria os
clubes, ginásios, parques, praças, entre outros (PELLEGRIN, 2004).
O consumismo vinculado ao lazer exerce, por sua vez, uma importante função na
segregação dos sujeitos, dividindo-os em grupos, nos quais teremos, então, o grupo dos que
economicamente podem ter acesso a esses serviços e o grupo dos que não possuem tal capacidade.
O geógrafo Milton Santos (2007), corroborando com tal concepção, critica de forma veemente a
privatização de espaços públicos, como praias, montanhas e calçadas, dentre outros.
Todavia, Serpa (2013) enfatiza que o espaço público nem sempre é um espaço, de fato,
democrático. Para ele, o espaço público é um espaço político, onde os diferentes sujeitos se
encontram e os territórios, em grande parte das vezes, são vistos como espaços onde se concentram
os iguais em conflito, pois se encontram em um único espaço, mas que são, ao mesmo tempo,
separados por barreiras simbólicas, o que confere ao espaço público, como, por exemplo, um
parque, a impressão de ser um espaço democrático (SERPA, 2013). Ainda segundo o autor:

Se for certo que “público” significa somente acessibilidade física irrestrita, todo
mundo junto e sendo visível a todos, se isso é o espaço público, então é preciso
reconhecer que ele está completamente esvaziado de sua dimensão política. E,
estranhamente – ou talvez nem tão estranhamente assim –, fala-se muito de
território justo no momento em que o espaço público se esvazia de sua dimensão
política e se torna um espaço de justaposição de diferentes territórios, todos juntos,
mas, de fato, separados (SERPA, 2013, p.64).

Tais desigualdades podem ser percebidas em diversos aspectos e um deles é a diferença


entre os próprios sujeitos, que acabam por se reunir em pequenos grupos, de acordo com suas
afinidades, classe social, dentre outras características que, de acordo com De Certeau (1958; 1994
apud COSTA, 2010, p.2), segregam os sujeitos, causando alterações nas práticas sociais e na
materialidade dos espaços.
Diante do exposto e da expressiva presença do capitalismo nas relações humanas,
Sobarzo (2006) acredita que o espaço público não pode ser pensando como um local de convívio
próximo da diversidade, mas sim, como um facilitador de encontros civilizados, respeitando a
lógica do sistema capitalista, ou seja, uma lógica de desigualdades.
Todavia, o mesmo autor reconhece a capacidade que os espaços públicos sempre
exerceram para o construto social, referindo-se à capacidade que tais espaços possuem de
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proporcionar os encontros, a discussão, a fala, os olhares, enfim, a sociabilidade (SOBARZO,
2006).
Mesmo considerando que o lazer na sociedade contemporânea é tido como “lazer de
mercadoria”, ressaltando as práticas efêmeras, alienantes, consumistas e, ainda, desconectadas da
dinâmica social, as experiências voltadas para uma vertente crítica, e que estimulem a criatividade
no lazer, buscam resistir à lógica de exclusão pregada pelo capital (GOMES, 2008). O lazer precisa
ser pensando por suas capacidades, tanto de socialização, quanto de libertação da alienação, para
além do consumo, e ser visto em seu potencial de “vivência como forma de expressão humana”
(MARCELLINO, 1983). Dentre as necessidades sociais, com fundo antropológico, Lefebvre
(2006) cita, com propriedade, que:

O ser humano tem também a necessidade de acumular energias e a necessidade


de gastá-las, e mesmo de desperdiçá-las no jogo. Tem necessidade de ver, de
ouvir, de tocar, de degustar, e a necessidade de reunir essas percepções num
“mundo”. A essas necessidades antropológicas socialmente elaboradas, que não
satisfazem os equipamentos comerciais e culturais que são mais ou menos
parcimoniosamente levados em consideração pelos urbanistas. Trata-se da
necessidade de uma atividade criadora, de obra (e não apenas de produtos e de
bens materiais consumíveis), necessidades de informação, de simbolismo, de
imaginário, de atividades lúdicas (LEFEBVRE, 2006, p.103-104).

Assim, é possível refletir sobre o espaço da Vila Olímpica, tendo em vista que não se
difere, no que concerne a sua produção, dos interesses das forças produtivas, e, outrossim, possui
a capacidade de socialização entre os sujeitos, por meio do seu objetivo principal, que é o
favorecimento das práticas esportivas.
A Vila Olímpica está localizada na área central de cidade de Maringá, conforme Figura
1, mais especificamente no bairro denominado como Zona 7.

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Figura 1 – Localização da área de estudo. Vila Olímpica de Maringá, 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

A cidade, atualmente com 71 anos, é classificada, segundo o Instituto de Geografia e


Estatística (IBGE), como uma cidade de porte médio, possuindo, segundo o levantamento realizado
pelo instituto supracitado, em 2010, cerca de 357.077 mil habitantes, com estimativa de 406.693
habitantes para o ano 2017.
Maringá, localizada na região noroeste do estado do Paraná, é uma cidade planejada, e
foi criada em 1940 pela Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná, em um contexto de ação
urbanizadora, motivada pela expansão do cultivo do café. Mesmo passando por algumas
adaptações, Maringá manteve, em seu plano piloto, parques e bosques com grandes extensões de
áreas verdes, que, mesmo sendo, alguns deles, fechados por questão de preservação ambiental, tem
seu entorno, nos finais de semana, utilizado para práticas diversas.
A Vila Olímpica, também considerada como espaço público e passível de práticas de
lazer, possui certa de 122 mil m² e contempla: o Estádio Regional Willie Davids, construído em
1953, com capacidade para até 20.000 pessoas; o Ginásio de Esportes Chico Neto, com capacidade
para acomodar 4.500 pessoas, construído em 1976; o Ginásio Valdir Pinheiro, que também possui
um espaço para os atletas se alojarem; um Parque Aquático, com duas piscinas; pista para
atletismo; quadra com chão de areia; três quadras poliesportivas com chão em concreto; um
velódromo; e, ainda, o Restaurante Popular de Maringá, inaugurado em 2010, mas que,
anteriormente, tinha outras funções (TORRECILHA, 2013).
Fica claro que, no que tange à produção, na Vila Olímpica em estudo, “as forças
produtivas veem a vila como um espaço de consumo individual e coletivo dentro de uma visão
materialista do espaço de uso e de troca, o que difere do seu uso principal, que é a prática do esporte
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e lazer” (TORRECILHA, 2013, p.175). Cabe ressaltar, portanto, que, apesar dos interesses,
principalmente os de capital, envolvidos na produção da Vila Olímpica, esta pesquisa corrobora
com a ideia de que a apropriação pelos sujeitos, que dão vida ao espaço, faz-se cada vez mais
presente e relevante.
Segundo as abordagens de Torrecilha (2013), na Vila Olímpica de Maringá as formas
de uso e territorialidades são as mais diversas, abarcando as práticas esportivas profissionais,
práticas de lazer e algumas práticas comerciais, como a feira do produtor e a comercialização de
carros, que acontecem, desde 1980, no local.
Outras formas de apropriação encontradas pelo autor supracitado foram atribuídas aos
pichadores, skatistas, patinadores(as), ciclistas, jogadores não profissionais, pessoas que passeiam
com animais de estimação, fazem caminhadas e utilizam o ATI e, ainda, às crianças que se divertem
descendo com um papelão a barreira de contenção do estádio, com acentuado declive e recoberto
pelo gramado.
Porém, após quatro anos, as formas de uso se tornaram ainda mais diversificadas,
congregando grupos diferenciados em um único espaço e intensificando atividades já existentes.
Algumas destas atividades podem ser verificadas na Figura 2.

Figura 2 – Algumas das atividades realizadas na Vila Olímpica.

Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

Durante os finais de semana e finais de tarde, de segunda a sexta-feira, encontra-se o grupo


de hip-hop, que se reúne na Vila Olímpica, geralmente embaixo da marquise, onde encontra-se o
restaurante popular, para divulgar a dança e realizar campeonatos. Em relação à música, o espaço
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estudado também tem sido apropriado por grupos musicais, compostos, basicamente, por
estudantes universitários de vários cursos, que utilizam a área de estacionamento do Ginásio Chico
Neto para a realização de ensaios, para simples lazer e para possíveis apresentações.
Notou-se, no decorrer dos dias em que as observações foram realizadas, que o número de
usuários que optam por realizar piqueniques, em diferentes pontos da Vila Olímpica, é maior nos
finais de semana. Essas pessoas encontram-se, geralmente reunidas em grupos, que são compostos
por famílias, casais ou amigos. Concomitantemente, foram vistas pessoas desacompanhadas, que
costumam sentar nas arquibancadas, para observarem as pessoas ao redor, enquanto ouvem música
com seus fones de ouvido. Notou-se, ainda, a presença de pessoas que optam pela prática da leitura
enquanto aproveitam o sol de inverno nos espaços abertos do local estudado
É importante ressaltar que, apesar de a Vila Olímpica ter sido criada com uma finalidade
específica, ou seja, para a prática de esportes, o espaço tem se tornado lócus para a realização de
manifestações culturais, políticas, dentre outras, que ocorrem anualmente ou esporadicamente.
Para a exemplificação desses usos variados dos espaços, podem ser citados os eventos:
campeonatos de balonismo; festa junina das academias da terceira idade; colônia de férias, com
foco principal nas crianças; e manifestações de grupos que reivindicam visibilidade e direitos,
como as comunidades de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), e do grupo de
mulheres negras, dentre outros.
O perfil dos usuários da Vila Olímpica é variado, pois, apesar da faixa etária dos
entrevistados variar de 16 a 43 anos, facilmente podem ser vistas, no local, crianças pequenas e
bebês, acompanhados por familiares, e idosos.
As entrevistas foram realizadas com oito homens e doze mulheres, todavia, nas observações
feitas, quanto ao gênero, não há uma distinção expressiva em relação à quantidade de mulheres ou
de homens que frequentam este espaço. O grau de escolaridade dos usuários variou entre ensino
médio incompleto, ensino superior incompleto e completo.
Quanto à residência dos usuários, os bairros mais citados foram a Vila Esperança, localizada
ao lado da Zona 7, o centro da cidade (Zona 1), Jardim Alvorada, que é um dos bairros mais antigos
da cidade, e o Jardim Paris; no entanto, a maior parte dos usuários reside no próprio bairro onde
está localizada a Vila Olímpica, ou seja, na Zona 7.
Em relação à frequência de visitação e uso, constatou-se que o espaço recebe visitantes com
relativa frequência, sendo que, a maioria, relatou frequentar o espaço no mínimo uma vez ao mês;
384
e, sequencialmente, tem-se os que frequentam o espaço semanalmente; e apenas dois usuários
relataram que raramente utilizam a Vila Olímpica, como é o caso do I17:

[...] eu moro lá no Jardim Paris, é meio longe daqui, mas daí eu aproveito quando
venho na casa da minha irmã que mora aqui perto, hoje mesmo a gente almoçou
e trouxe as crianças pra brincar de escorregar alí, ah..e pra aproveitar o sol também
né (risos) (informação verbal)14.

A proximidade do local onde residem foi uma das razões mais citadas pelos usuários quando
abordados sobre os motivos que os levam a frequentar a Vila Olímpica. Considerando que a maioria
dos frequentadores pesquisados são moradores do bairro onde está localizada a Vila Olímpica, o
fato de não necessitarem de carro ou transporte coletivo é um facilitador ao acesso. Os outros
motivos que aparecem em destaque são a tranquilidade do local e a possibilidade de realização de
várias atividades, conforma revela a I13:

[...] até daria pra ir alí na UEM ... mas é mais complicado porque eu tenho duas
crianças pequenas, enquanto um quer andar de patins, o outro quer jogar bola,
pelo menos aqui da pra fica de olho nos dois, ninguém me escapa (risos)[...]
(informação verbal)15

Quando questionados sobre a frequência de uso de outros espaços da cidade para a prática
do lazer, alguns pontos relatados pelos usuários chamaram a atenção. O primeiro ponto destacado
refere-se à presença da esfera do público e do privado e a segunda à relação entre o espaço da
universidade e o lazer. Quanto à esfera do público, os espaços da praça onde está localizada a
Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória, na área central da cidade, foi o espaço público
mais mencionado.
A referida praça é conhecida por sua dupla função, sendo um espaço dedicado às práticas
religiosas, como as missas, que ocorrem dentro e fora da igreja, sendo as externas em datas
específicas; e porque pessoas de vários pontos da cidade se reúnem para passar as tardes de sábado

Entrevista concedida por I17. Entrevistas 17. [jun, 2016]. Entrevistadora: Tânia Peres de Oliveira.
14

Maringá, 2016. 17 arquivo mp3.


Entrevista concedida por I13. Entrevistas 13. [jun, 20116]. Entrevistadora: Tânia Peres de Oliveira.
15

Maringá, 2016. 13 arquivo mp3.


385
e domingo no local, principalmente no período de verão, quando o horário de ocupação da praça
pelos usuários se estende até a noite.
Quanto à esfera do privado, surgiram, nas falas dos entrevistados, os bares e as pizzarias,
facilmente encontrados na Zona 7, pois estão reunidos em uma única avenida, que tem mostrado
um aumento expressivo de bares, restaurantes e lanchonetes, sendo, alguns destes, pertencentes a
grandes franquias, e tornando a via um ponto de concentração de jovens e adultos, moradores ou
não do bairro.
Outro ponto que se destaca é a afirmação de uma usuária sobre a utilização do campus sede
da Universidade Estadual de Maringá para a prática da caminhada. A partir desta fala, é possível
evocar uma discussão que envolve o lazer e o trabalho, não apenas do trabalho propriamente dito,
mas do espaço em que cabe ao sujeito o cumprimento de normas e obrigações.
No que se refere a esse apontamento é interessante destacar dois autores. Primeiramente
Dumazedier (2002), que enfatiza a relação entre lazer e trabalho como opostos entre si, pois, para
este autor, o lazer seria uma forma de libertação das obrigações diárias. Em contraposição, Gomes
(2008) defende a ideia de que, ao interpretar a relação existente entre trabalho e lazer, é preciso
compreender o dinamismo que envolve o fenômeno e para, além disso, perceber todas as relações
e contradições nele existentes.
As práticas de lazer descritas pelos usuários da Vila Olímpica, mediante seus interesses,
não se distanciam daquelas já mencionadas, detectadas nas observações realizadas em campo.
Essas práticas são realizadas, normalmente, com a presença de amigos, companheiro ou
companheira, com os filhos e/ou com animais de estimação.
A permanência dos entrevistados no espaço estudado tem uma variabilidade significativa,
mais especificamente de 30 minutos, conforme relata a I 5:

[...] e aí depois que tive que colocar essas coisa no joelho o médico falou pra mim
fazer meia hora de caminhada direta todo o dia entende?! Sem parar mesmo...
então eu venho mais pra isso mesmo, daí quando tem feira a tarde, eu venho a
tarde, se não eu venho de manhã porque já me livro [...](informação verbal)16.

16
Entrevista concedida por I5. Entrevista 5. [jun, 2016]. Entrevistadora: Tânia Peres de Oliveira. Maringá,
2016. 5 arquivo mp3.
386
Ou durante horas: [...] a gente compra bastante coisa pra comer e beber, estica um lençol e
fica aqui a tarde inteira...as vezes a gente fica lendo, ou então as vezes ... as vezes não ... isso é
raro, mas as vezes acontece de trazer o violão e tals[...](informação verbal)17.
As duas últimas questões das entrevistas foram direcionadas para a sociabilidade existente
no local e as possíveis interações. Tal questionamento surgiu a partir do apontamento de Serpa
(2013), em que alerta sobre a não homogeneidade entre os grupos presentes em um único espaço,
em decorrência da influência do capital, das questões culturais e econômicas. Em virtude disso, os
grupos poderiam até ocupar o mesmo espaço, civilizadamente, o que não significaria que este
espaço de fato poderia ser entendido como reflexo de igualdade.
Sobarzo (2006) ressalta a importância da apropriação dos espaços públicos da cidade como
forma de “salto escalar”, percebendo as diferenças e injustiças. As observações em campo, nesta
pesquisa, somadas à fala de Sobarzo (2006), ocasionaram uma inquietação que precisava ser
esclarecida, pois foram verificadas, na Vila Olímpica, algumas interações que mereciam ser
explanadas.
Assim, a penúltima questão foi pautada na possibilidade de interações que resultassem em
relações afetivas, mais especificamente, em amizades, e os resultados mostraram que dez dos
entrevistados nunca fizeram amizades durante os momentos que permanecerem na Vila Olímpica,
e outros seis responderam que, dependendo da situação, acabaram conversando com outras pessoas
no local, mas que não mantinham contato posterior. Um destes entrevistados foi o I15, que revelou
seu receio em manter um diálogo:

[...] é foda esse lance de fazer amizade aqui, as vezes eu vejo um outro cara com
um skate massa e até pergunto umas coisa, mas das duas vezes eu acho que não
rolou legal, parece que os cara não curte conversar, aí eu fico meio assim e fico
só na minha galera mesmo[...](informação verbal)18.

Outras quatro pessoas entrevistadas alegaram que conheceram alguém e mantiveram


contato posterior, sendo uma delas a informante I13, já mencionada anteriormente: “Ah sim...olha

17
Entrevista concedida por I6. Entrevista 6. [jun, 2016]. Entrevistadora: Tânia Peres de Oliveira. Maringá,
2016. 6 arquivo mp3.
Entrevista concedida por I15. Entrevista 15. [jun, 2016]. Entrevistadora: Tânia Peres de Oliveira.
18

Maringá, 2016. 15 arquivo mp3.


387
aqui oh..., hoje nós três somos amigas, e nos conhecemos aqui mesmo, por causa das crianças,
nessa delas fazerem amizade, a gente acaba fazendo também (risos), as vezes quando dá certo nós
até subimos juntas”.
Os entrevistados I10 e I16 igualmente mencionaram ter feito amizades. O primeiro em
virtude da necessidade de formação de times para os jogos de futebol de areia, e o outro que, por
ser mãe, acabara conhecendo outras mães na brincadeira do skibunda.
A última pergunta fazia referência à interação entre os grupos que frequentam a Vila
Olímpica, e, nesse sentido, a indagação foi direcionada para saber se os entrevistados costumavam
conversar com as pessoas que estavam realizando outras atividades.
Dos vinte entrevistados, três responderam que sim, sendo um deles o I10: “[...] Ah quando
falta gente aqui eu chamo o povo que tá aí pra jogar, e o povo aceita, as vezes joga até descalço
mesmo[...]” (informação verbal)19. Tal relato evidência a articulação entre sujeitos que, mesmo
desconhecidos, movem-se para uma interação motivada pela prática esportiva.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Complexo Esportivo denominado Vila Olímpica foi fundado para fins de
competições esportivas nacionais e internacionais, no entanto, o interesse neste espaço foi ampliado
porque local proporciona a obtenção de lucro em seu entorno, principalmente por meio da
especulação imobiliária.
Todavia, o local, considerado como público, tem apresentando características
interessantes e vem promovendo interações sociais para além da superficialidade, ou seja, para
além do fato de grupos diferenciados estarem ocupando o mesmo espaço.
No caso específico da Vila Olímpica, as observações apontaram para uma apropriação
e dinâmica entre os sujeitos, nas quais as interações aparecem hora com maior, hora com menor
intensidade, aferindo a este espaço características que parecem estar mais próximas ao ideal de
espaço público.

Entrevista concedida por I10. Entrevista 10. [jun, 2016]. Entrevistadora: Tânia Peres de Oliveira.
19

Maringá, 2016. 10 arquivo mp3.


388
Diante do exposto, pode-se dizer que o lazer e o espaço aparecem de forma unificada
no processo de valorização da Vila Olímpica como lócus da vivência entre os sujeitos que dela
usufruem.
O lazer cumpre, então, a função socializadora, já que, por meio de atividades ligadas
ao esporte, à leitura, à música, às brincadeiras e aos jogos, conectam pessoas com os mesmos
interesses, além de possibilitar que outros participem de tais atividades. No caso da Vila Olímpica,
as práticas de lazer e as interações ocasionadas em seus ambientes estão diretamente vinculadas à
organização do espaço, que concentra os indivíduos em determinadas áreas, aproximando-os em
relações que, algumas vezes, ultrapassam o espaço da Vila Olímpica, bem como, os territórios ali
constituídos.
Por fim, espera-se que os levantamentos realizados por Torrecilha (2013) e os
resultados obtidos nesta pesquisa contribuam e possibilitem novas pesquisas.
Como possibilidade de pesquisa na área estudada, é interessante um levantamento que
foque nas necessidades de melhorias no espaço, partindo do pressuposto de dar voz ao sujeito que
utiliza o espaço, fazendo dele um local de vivência, para desfrutar de seus momentos de lazer,
sendo, portanto, o maior conhecedor da Vila Olímpica.

REFERÊNCIAS

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territorialidades e espaço urbano eixo: espaços de resistências e insurreições. In: XVI Encontro
Nacional dos Geógrafos. 2010. Porto Alegre – RS. Anais... Porto Alegre, p. 1-4, 2010.

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VEAL, A. J. Metodologia de pesquisa em lazer e turismo. São Paulo: Aleph, 2011.

SOBRE OS AUTORES

TÂNIA PERES DE OLIVEIRA


tani.peres@gmail.com

Graduação de Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2014).


Especialização em Ensino e Pesquisa na Ciência Geográfica pela Universidade Estadual do Centro-
Oeste/UNICENTRO (2015/2016). Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá
(2015/2017). Atualmente, atua como professora na Educação a Distância, como membro de banca
elaboradora de questões para concursos públicos e elaboradora de questões para banco de questões
de instituições de ensino superior.

LISANDRO PEZZI SCHMIDT


lisandrops@hotmail.com

Graduação de Licenciatura em Geografia pelo Centro Universitário Franciscano (1998),


Bacharelado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (1999) e Mestrado em
Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2000/2002), Doutorado em Geografia pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2009). Atualmente é Docente dos Cursos de Licenciatura
e Bacharelado em Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade
Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO, Campus Cedeteg, Guarapuava-PR.

VALDEMIR ANTONELI
vaantoneli@gmail.com.br

Possui graduação em GEOGRAFIA pela Universidade Estadual do Centro Oeste (2002) e


Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2002/2004), Doutorado em
Geografia pela UFPR (2011). Atualmente é professor do curso de Geografia da Universidade
Estadual do Centro Oeste Campus de Irati- PR. Membro do Corpo Docente do Curso de Pós-
Graduação em Geografia da UNICENTRO e Membro do corpo docente do Programa de Pós-
graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental – UNICENTRO

391
20

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES E COMERCIAIS: OS


MUNICÍPIOS DE ITAÍ/SP E PIRAPOZINHO/SP

Tassiana Justino Fernandes


Maria das Graças de Lima

RESUMO

O presente artigo consiste no diagnóstico da gestão e do gerenciamento de resíduos sólidos


domiciliares e comerciais em pequenos municípios, com população inferior a 30.000 habitantes.
Partindo deste pressuposto, o trabalho foi desenvolvido com o objetivo principal de analisar a
gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos domésticos e comerciais nos municípios de Itaí e
Pirapozinho - SP, no sentido de se demonstrar como as pequenas localidades organizam as etapas
desse sistema. Para atingir esse propósito, os objetivos específicos buscaram apresentar as etapas
do sistema de gerenciamento dos resíduos sólidos domiciliares e comerciais nos municípios
analisados, comparar a gestão e o gerenciamento realizados nessas localidades e pontuar os
principais entraves e as soluções encontradas para a realização de uma gestão adequada. Os
principais procedimentos metodológicos utilizados foram: levantamento e revisão bibliográfica;
uso de dados e informações publicadas em órgãos oficiais; além da realização de pesquisas de
campo nos municípios de Itaí e Pirapozinho - SP; registro fotográfico; confecção e aplicação de
questionários aos técnicos responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos nestes
municípios; confecção de mapas; e edição de imagens aéreas por meio de programas
computacionais. Por fim, os resultados obtidos permitiram comprovar que, apesar das semelhanças,
ambos os municípios analisados tomaram rumos diferentes no que diz respeito à disposição final
dos resíduos urbanos, ao passo que Itaí vem gerenciando seus resíduos individualmente, enquanto
Pirapozinho necessita do estabelecimento de consórcio público intermunicipal para garantir a
adequação do gerenciamento de seus resíduos.

Palavras-chave: Análise Comparativa. Educação Ambiental. Gestão Pública Municipal. Resíduos


Sólidos Urbanos.

392
INTRODUÇÃO
Um dos principais desafios existentes na atualidade é a resolução de problemas
vinculados à geração de resíduos sólidos, haja vista a complexidade dessa questão, que envolve
aspectos diversos, os quais incorporam variáveis sociais, ambientais, econômicas, políticas,
educacionais e de saúde pública. Concomitantemente, a mudança nos modos de vida e padrões de
consumo contribui para a exploração maciça dos recursos naturais e, consequentemente, para o
aumento na geração de resíduos.
Conforme dados publicados no Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos
(2017), referentes à base de informações e dados do Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS), cerca de 62,5 milhões de toneladas de resíduos domiciliares e públicos foram
geradas no Brasil em 2015. Esse número expressivo alerta para a necessidade urgente da adoção
de mecanismos que colaborem para a realização de uma gestão e gerenciamento eficientes e
adequados desses resíduos, de modo a considerar tanto a responsabilidade do Poder Público
municipal quanto da coletividade como um todo.
Nesse sentido, é apropriado ressaltar o importante papel desses agentes na implantação
de medidas que busquem: garantir a qualidade ambiental; o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado; o apoio aos programas de coleta seletiva e logística reversa; e o
amparo à categoria de trabalhadores catadores de materiais recicláveis, muitas vezes relegados às
margens da sociedade (MONTEIRO, 2001).
A realização deste artigo busca apresentar os resultados da Dissertação de Mestrado da
presente autora, cuja pesquisa realizada justificou-se pela necessidade de verificar como o Poder
Público municipal, juntamente com a comunidade local dos pequenos municípios, com população
inferior a 30.000 habitantes, realizam a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos domiciliares
e comerciais. Esse limite populacional, definido para a escolha das áreas a serem analisadas nesta
pesquisa, foi delimitado respeitando a resolução do CONAMA nº 308/2002, que define os
procedimentos para o licenciamento ambiental de áreas de destinação final de resíduos sólidos
urbanos gerados em municípios com até 30.000 habitantes e que geram até 30 toneladas diárias de
resíduos urbanos.
O recorte possibilitou a padronização desses locais de análise frente ao respaldo
legislativo e à permissão para construção de aterros controlados em valas, considerados como
alternativa viável para pequenos municípios devido à simplificação e barateamento do processo.
393
A partir disso, julgou-se importante comparar os processos de gestão e gerenciamento
de resíduos sólidos domiciliares e comerciais realizados em dois pequenos municípios, no sentido
de verificar as semelhanças e as diferenças nas ações empregadas por essas localidades bem como
os principais entraves e dificuldades encontrados.
Nesse aspecto, foram considerados os municípios de Itaí e Pirapozinho – SP, cujas
localidades foram selecionadas por vários motivos, sendo o primeiro deles o fato de que esses
municípios se situam no estado de São Paulo e são respaldados pelas mesmas legislações estaduais
(além das federais); pelas políticas públicas estaduais; programas ambientais estratégicos; e pelos
órgãos ambientais competentes como: a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do
Estado de São Paulo (CETESB) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA), responsáveis
pelo apoio e fiscalização de atividades ligadas ao meio ambiente.
O segundo motivo que justificou a escolha desses municípios nesta pesquisa refere-se
às várias características similares encontradas, como: o número da população total; o amplo grau
de urbanização; o desempenho de papéis análogos dentro da hierarquia urbana; o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) considerado médio, sendo 0,713 para Itaí e 0,776 para
Pirapozinho; o Produto Interno Bruto (PIB) constituído em maior porcentagem pelo setor terciário,
sendo aproximadamente R$ 438.439.000,00 em Itaí e R$ 648.960.000,00 em Pirapozinho,
demonstrando que nesses municípios há uma dependência na prestação de serviços de municípios
maiores e considerados mais relevantes na hierarquia urbana.
Essas características levantaram a hipótese de haver as mesmas oportunidades nestes
municípios para a realização de uma gestão e gerenciamento congêneres. Além disso, tanto em Itaí
quanto em Pirapozinho, a quantidade de resíduos sólidos urbanos gerados é equivalente e as formas
de administração pública nas etapas do gerenciamento como: acondicionamento, armazenamento,
coleta convencional e transporte também são parecidas, conforme quadros comparativos que serão
detalhados a seguir. Ademais, nessas localidades existem poucos recursos financeiros e baixo
número de pessoal capacitado disponível para desempenhar funções relevantes no sistema de
resíduos.
O terceiro e último fator relevante para a escolha desses municípios foi o
acompanhamento contínuo, realizado pela autora dessa pesquisa, dos processos de gestão e
gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos nessas áreas, facilitando a aquisição de dados.

394
Diante do exposto, o presente trabalho destaca como objetivo geral analisar a gestão e
o gerenciamento dos resíduos sólidos domésticos e comerciais nos municípios de Itaí e Pirapozinho
- SP, no sentido de demonstrar como as pequenas localidades organizam as etapas deste sistema.
Para tanto, foram elencados os objetivos específicos que visam apresentar as etapas do sistema de
gerenciamento dos resíduos sólidos domiciliares e comerciais nos municípios a serem analisados,
comparar a gestão e o gerenciamento realizados nessas localidades e pontuar os principais entraves
e as soluções encontradas para a realização de uma gestão adequada, responsável e sustentável.
Além dos objetivos geral e específicos, este trabalho apresenta os materiais e métodos,
apontando os procedimentos metodológicos utilizados, bem como os resultados encontrados e as
respectivas discussões.
Por fim, nas considerações finais, buscou-se demonstrar o atendimento aos objetivos
propostos, pontuando as diferentes formas que o Poder Público e a coletividade encontraram,
mesmo diante de dificuldades diversas, para alcançar uma gestão mais adequada de seus resíduos
nos dois municípios objeto de análise.

2. MATERIAIS E MÉTODO
Para atingir os objetivos dessa pesquisa, os procedimentos metodológicos utilizados
abrangeram as seguintes atividades: levantamento e revisão bibliográfica; embasamento conceitual
em legislações federais, estaduais e municipais pertinentes e, ainda, normas técnicas; uso de dados
e informações relevantes publicadas em órgãos oficiais.
Além desses procedimentos, foram realizadas pesquisas de campo nos municípios de
Itaí e Pirapozinho nos meses de maio de 2017 e janeiro de 2018 para levantar dados a respeito das
etapas do gerenciamento dos resíduos sólidos domiciliares e comerciais e realizar o registro
fotográfico.
Desse modo, também foram confeccionados questionários e realizadas entrevistas com
os técnicos responsáveis pelo gerenciamento público dos resíduos urbanos em seus respectivos
municípios, proporcionando a aquisição de dados relevantes para a compilação dos quadros-síntese
comparativos de Itaí e Pirapozinho.
A base cartográfica do trabalho foi realizada por meio de programas como Corel
DRAW X5 e Auto CAD 2014 (para os mapas de espacialização e localização dos municípios), e
do Google Earth Pro (para delimitação de áreas por meio de imagens aéreas).
395
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Grande parte da sociedade contemporânea, formada sob a lógica de produção e
exploração maciça dos recursos naturais, tem adquirido hábitos cada vez mais consumistas e
despreocupados com o meio ambiente e as gerações futuras, atendendo à reprodução ampliada do
capital (BAUMAN, 2008).
Atrelado a essa cultura do consumismo e à emergência da utilização de produtos
descartáveis, pode-se observar o crescente número de resíduos provenientes do descarte precoce
de vários materiais, os quais são lançados em locais inapropriados, causando a poluição natural e
visual ou, ainda, são enviados para locais de disposição final sem a devida análise de seu valor,
contribuindo significativamente para a redução do tempo de vida útil dessas áreas.
Esse comportamento social torna-se incoerente, principalmente num momento cujos
ideais ambientalistas têm se tornado cada vez mais expressivos. O número de programas de coleta
seletiva vem aumentando paulatinamente, juntamente com esforços para a regularização de áreas
de disposição final dos resíduos e apoio à formação de cooperativas e/ou associações de catadores
de materiais recicláveis, em um cenário em que a evolução do direito ambiental vem respaldar
legalmente as medidas protetivas do meio ambiente (ANTUNES, 1992).
Neste sentido, Leff (2002) chama atenção para a necessidade da incorporação dos
valores do ambiente na ética individual, nos direitos humanos e na norma jurídica dos atores
econômicos e sociais; além da democratização dos processos produtivos e do poder político. E
nesse aspecto, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010)
configurou-se como um marco regulatório, ressaltando a necessidade da efetivação de sistemas de
gestão e gerenciamentos integrados, capazes de considerar as dimensões política, ambiental,
cultural, social, dentre outras.
Ao analisar comparativamente a gestão e o gerenciamento do sistema de resíduos
sólidos urbanos nos municípios de Itaí e Pirapozinho, foi possível elucidar exemplos de como o
Poder Público municipal de pequenas localidades atua nesses processos e como a comunidade
contribui para a melhoria contínua dessas ações, sobretudo, no que se refere aos resíduos sólidos
domiciliares e comerciais.
Nesse sentido, a realização dessa pesquisa possibilitou o levantamento e análise das
principais semelhanças e diferenças nesse processo entre Itaí e Pirapozinho, as quais serão
demostradas por meio de quadros comparativos.
396
Ao analisar o mapa 1, é possível compreender que a localização de ambos municípios
no mesmo estado, respalda-os pelas mesmas normativas estaduais, bem como programas
estratégicos e políticas públicas decorrentes da gestão ambiental estadual.

Mapa 1 – Localização dos municípios de Itaí e Pirapozinho no estado de São Paulo

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Além disso, esses locais apresentam várias características similares que serão
pontuadas a seguir, como: as características físicas gerais; o número da população total; o alto
índice de urbanização; o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); e o Produto Interno Bruto
(PIB), constituído em maior porcentagem pelo setor terciário.
Partindo desse ponto, foi possível apresentar, em forma de quadros-síntese, as variáveis
identificadas em cada uma dessas localidades, no intuito de facilitar a comparação dos dados e
permitir uma análise mais clara e objetiva.
Assim, o primeiro quadro-síntese, que aborda os aspectos de localização, aspectos
físicos e socioeconômicos, permite uma primeira comparação dessas localidades.
397
Quadro 1 - Análise dos aspectos locacionais, físicos e socioeconômicos de Itaí e Pirapozinho - SP
Quadro-Síntese 1- Localização, Aspectos Físicos e Socioeconômicos

Variáveis Itaí - SP Pirapozinho - SP


Localização Sudoeste do estado de São Paulo Oeste do estado de São Paulo
Região Administrativa Sorocaba - SP Presidente Prudente - SP
Área do município 1.082 km² 490 km²
Altitude 614 m 460 m
Predominância de colinas com topos Predominância de colinas suaves com
Relevo
convexos topos aplainados
Solo Predominância de Latossolos Predominância de Argissolos
Clima Tropical de altitude Tropical úmido
(14) Unidade Hidrográfica do Alto (22) Unidade Hidrográfica do Pontal do
UGRHI
Paranapanema Paranapanema
População Total 26.287 habitantes 26.810 habitantes
Índice de Urbanização 78% 95%
IDH 0,713 0,776
PIB R$ 438.439.000,00 R$ 648.960.000,00
PIB Per Capta Anual R$ 17.991,48 R$ 27.161,56
Economia Predominância do setor de serviços Predominância do setor de serviços
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Após a análise do primeiro quadro comparativo, a hipótese primária levantada na


realização desta análise sustentou-se na tese de que a existência de semelhanças referentes aos
aspectos populacionais, econômicos, legislativos e financeiros equiparasse as ações do Poder
Público municipal diante da gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos.
Além disso, tanto em Itaí quanto em Pirapozinho, a quantidade de resíduos sólidos
urbanos gerados é equivalente e as formas de administração pública nas etapas do gerenciamento
como: acondicionamento, armazenamento, coleta convencional e transporte também são similares,
permitindo a realização de uma análise comparativa acerca desses locais.
Dessa forma, outras semelhanças também puderam ser apontadas no segundo quadro-
síntese, apresentado a seguir.

398
Quadro 2 – Semelhanças encontradas na gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos em Itaí e
Pirapozinho - SP
Quadro-Síntese 2 - Resíduos Sólidos Urbanos e Programas de Gestão e Gerenciamento

Variáveis Itaí - SP Pirapozinho - SP


Quantidade de resíduos
14,45 toneladas/dia 20,38 toneladas/dia
gerados (dados CETESB)
Quantidade de resíduos
gerados (dados Prefeitura 25 toneladas/dia 28 toneladas/dia
Municipal)
Responsabilidade do
Administração Pública Administração Pública
gerenciamento
Tipo de cobrança Taxa embutida no IPTU Taxa embutida no IPTU
Acondicionamento Sacos e sacolas plásticas Sacos e sacolas plásticas
Em frente às residências e Em frente às residências e
Armazenamento
estabelecimentos. estabelecimentos.
Coleta convencional 100% da cidade e zona rural 100% da cidade e zona rural
4 caminhões compactadores
2 caminhões compactadores e 2
Caminhões para coleta (sendo 1 para zona rural), 2
caminhões caçamba (sendo 1 para
convencional caminhões caçamba e 1 poli
zona rural).
guindaste para entulhos
Setorização da coleta
3 setores urbanos e 1 roteiro rural 4 setores urbanos e 1 roteiro rural
convencional
Transporte Realizado pelo município Realizado pelo município
Plano Municipal de
Gerenciamento Integrado de Sim Sim
Resíduos Sólidos
Programa Aterro Sanitário
Sim Sim
Controlado em Valas
FECOP Sim Sim
FEHIDRO No momento não No momento não
Município Verde Azul Não possui o certificado Não possui o certificado
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

No que se refere aos procedimentos de gestão e gerenciamento de resíduos urbanos nos


municípios analisados, as principais similaridades são: a existência de Planos de Gerenciamento
Integrados de Resíduos Sólidos; a forma de armazenamento dos resíduos em geral; a oferta de
coleta convencional em 100% da área urbana, bem como a setorização desse processo; a quantidade
de caminhões disponíveis para a realização da coleta; e a possibilidade de participar de programas
de políticas públicas disponibilizados pelos órgãos ambientais competentes, como o projeto
Município Verde Azul, e os fundos de apoio, como FECOP e FEHIDRO.
Todavia, apesar das semelhanças pontuadas, as diferenças mais relevantes entre os
procedimentos de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos urbanos em Itaí e Pirapozinho se
deram através do enfoque diferenciado dado por essas localidades ao que concerne à disposição
399
final ambientalmente adequada dos resíduos domiciliares e comerciais; o fomento e apoio à
organização da coleta seletiva municipal, e, principalmente, o tratamento dado aos catadores de
materiais recicláveis existentes em seus respectivos municípios. Essa sistematização pode ser
analisada no terceiro quadro-síntese.

Quadro 3 – Principais diferenças encontradas na gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos em
Itaí - SP e Pirapozinho - SP
Quadro-Síntese 3 - Gerenciamento dos Resíduos Sólidos Urbanos

Variáveis Itaí - SP Pirapozinho - SP


Coleta seletiva Sim Não
Caminhões disponíveis para
2 0
coleta seletiva
Área de cobertura da coleta
100% da área urbana e zona rural Não há
seletiva
Disposição final dos resíduos Aterro controlado em valas
Área de transbordo (licenciada)
urbanos (licenciado)
IQR atual 9,5 3,8
Existência de consórcio público
Não Sim
intermunicipal
Cesta básica de alimentos, cessão
do barracão e caminhões de coleta, Pagamento de 01 salário mínimo para
instrumentos básicos como prensa os ex-catadores do antigo lixão e
Apoio aos catadores
e balança e divulgação do projeto procedimentos de capacitação para
com fomento à educação formação de cooperativa.
ambiental.
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diante deste cenário, é possível compreender que, apesar das semelhanças


apresentadas em ambos municípios, a busca por soluções para atender às legislações vigentes e
enquadrar seus territórios às normas ambientais, sanitárias e de saúde pública vem sendo
incorporada por caminhos diferenciados nos dois municípios abordados.
No caso de Itaí, é possível afirmar que há esforços realizados pela administração
pública e pela comunidade para garantir uma gestão e gerenciamento de resíduos adequados.
Mesmo frente a entraves econômicos e à falta de equipamentos em quantidade suficiente para
realizar as ações necessárias, o município tem caminhado para uma situação regular e em
conformidade com a legislação, no que diz respeito aos resíduos sólidos domésticos e comerciais
gerados em seu território.
Segundo dados do Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Urbanos de 2016, a área
destinada ao aterro controlado em valas de Itaí, conforme imagem 1, recebe uma das maiores notas
400
de adequação do estado de São Paulo (IQR de 9,5), tornando-se exemplo da capacidade que um
pequeno município tem de gerir a disposição final de seus resíduos de forma eficiente.

Imagem 1 – Localização do Aterro Controlado em Valas de Itaí - SP

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

No tocante à coleta seletiva de Itaí, vale ressaltar que o projeto foi implantado com
apoio da prefeitura, que cedeu os caminhões necessários para este serviço, assumiu os gastos
envolvidos nesse processo e, ainda, subsidiou o trabalho junto aos catadores de rua, no intuito de
esclarecê-los sobre a importância do trabalho de forma associativa e convidá-los a utilizar o espaço
e os equipamentos cedidos pela prefeitura para realização dos trabalhos de forma mais segura,
consolidando a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Itaí (Recicla Itaí), que hoje
possibilita a geração de emprego e renda para aproximadamente 10 famílias.

401
Foto 1 – Coleta seletiva em Itaí-SP

Fonte: Arquivo pessoal (2018).

Nesse sentido, é possível ressaltar também que uma das maiores dificuldades refere-se
à alta rotatividade dos trabalhadores dentro da Associação e à resistência de muitos catadores a
aderirem ao trabalho associativo, já que estes continuam realizando a catação isoladamente, sendo
difícil precisar a quantidade, haja vista que essa função isolada acaba sendo esporádica e temporária
para a grande maioria dos catadores fora da associação.
Essa situação tem prejudicado a associação de catadores de Itaí, haja vista que os
catadores autônomos acabam recolhendo os materiais mais nobres antes que o caminhão da coleta
seletiva municipal inicie os trabalhos, além de causar problemas de saúde pública, quando esses
catadores transformam os quintais de suas residências em verdadeiros depósitos de resíduos,
atraindo vetores causadores de doenças.
Uma alternativa viável para a consolidação de um grupo mais sólido no trabalho
associativo seria a contratação do serviço desses trabalhadores pela Prefeitura Municipal, a qual
garantiria o mínimo possível de sobrevivência econômica desses catadores por meio de um salário
mínimo mensal, sendo o montante proveniente das vendas dos materiais recicláveis um
complemento desse salário, que viria a motivá-los no trabalho, despertar o espírito da coletividade,
e ainda prestar um serviço público eficaz para a municipalidade e a comunidade como um todo.

402
Já no município de Pirapozinho pode-se afirmar que, houve grande resistência por parte
do Poder Público em se adequar à Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Essa negligência
ocasionou uma série de impactos negativos ao município e à população. A falta da coleta seletiva
acelerou o fim da vida útil do aterro, que atualmente possui IQR 3,8 (um dos mais baixos do
estado), sendo que, hoje, a prefeitura desembolsa mensalmente um valor de aproximadamente
R$90.000,00 para enviar seus resíduos para fora do município por meio de uma área de transbordo,
conforme imagem 2.

Imagem 2 – Área de transbordo de resíduos em Pirapozinho-SP

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Contudo, apesar das dificuldades em solucionar seus entraves, Pirapozinho vem


buscando, por meio da parceria com outros 5 pequenos municípios contíguos, conforme mapa 2,
via Consórcio Público Intermunicipal, a regularização da área de disposição final de seus resíduos.
Neste aspecto, é importante pontuar que a maior dificuldade para o início desse processo está na
angariação de verbas e fundos extra municipais, via respaldo estadual e/ou federal, já que os
municípios membros deste consórcio são considerados pobres.

403
Mapa 2 – Localização dos municípios integrantes do Consórcio de Resíduos Sólidos

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

A implantação da coleta seletiva, item obrigatório para a operação do novo aterro


consorciado, também precisa ocorrer de forma efetiva, de modo a considerar o apoio aos catadores
e a sensibilização da comunidade por intermédio de projetos contínuos de Educação Ambiental.
Nesse sentido, para que haja sucesso nessa etapa, é imprescindível, sobretudo no início, que haja
um respaldo da administração municipal no que se refere aos aspectos jurídicos, contábeis e de
assistência social, bem como o fornecimento de materiais e equipamentos (inclusive um caminhão
para a coleta dos recicláveis), além do auxílio na negociação destes diretamente com as indústrias
recicladoras.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

404
Diante dos estudos realizados neste trabalho, tornou-se inegável conceber a
importância da análise da gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, sobretudo nas
pequenas cidades, onde as dificuldades e entraves na realização dessas ações se acentuam. Nesse
aspecto, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos configurou-se como um marco regulatório,
ressaltando a necessidade da efetivação de sistemas de gestão e gerenciamentos integrados, capazes
de considerar as dimensões política, ambiental, cultural, social, dentre outras, integrando também
todos os representantes da sociedade, sejam provenientes de órgãos governamentais ou não;
empresas privadas; catadores de materiais recicláveis; e, de forma geral, os responsáveis pela
geração direta ou indireta de resíduos.
No que diz respeito às etapas de coleta, transporte e destinação final dos resíduos
sólidos domésticos e do pequeno comércio, objetos de análise desta pesquisa, a responsabilidade
na realização do gerenciamento dessas etapas cabe à administração pública municipal. No entanto,
muitos municípios, especialmente os menores, não dispõem de recursos financeiros e técnicos
suficientes para se adequarem às exigências legais no que diz respeito à realização de uma gestão
e gerenciamento adequados, sendo que outro agravante se dá na troca de gestão política e
administrativa, a qual muitas vezes não garante a continuidade dos projetos iniciados na gestão
anterior.
No caso dos dois municípios analisados comparativamente (Itaí e Pirapozinho), foi
possível perceber que, apesar das semelhanças entre eles, essas localidades desempenharam
processos diferenciados com o objetivo de alcançar a adequação da gestão e gerenciamento de
resíduos. Vale ressaltar que esses municípios geram quantidades diárias semelhantes de resíduos
sólidos, os quais estão sob a responsabilidade de gerenciamento das administrações públicas
municipais, que cobram a prestação desses serviços aos munícipes por meio de taxas fixadas no
IPTU.
No caso de Itaí – SP, verificou-se os esforços realizados para garantir uma gestão e
gerenciamento de resíduos adequados, seja no fomento material às etapas de coleta, transporte e
disposição final dos resíduos, seja na etapa da conscientização ambiental da população, que atua
intensivamente na separação seletiva dos resíduos sólidos recicláveis. Nesse sentido, o respaldo
municipal foi e continua sendo imprescindível também para a consolidação dessas ações e da
Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Itaí, que, hoje, possibilita a geração de
emprego e renda para muitas famílias.
405
Já no município de Pirapozinho – SP, notou-se que, por um período prolongado, houve
resistência por parte do Poder Público em se adequar à Política Nacional dos Resíduos Sólidos,
tanto pela falta de programas de coleta seletiva e respaldo aos catadores na formação de associações
e/ou cooperativas quanto pelo descaso na resolução da problemática envolvendo a área de
disposição final.
Essa negligência ocasionou uma série de impactos negativos ao município e à
população, como impactos ambientais, já que a falta da coleta seletiva acelerou o fim da vida útil
do aterro, gerando um passivo ambiental sem precedentes; impactos econômicos, já que,
atualmente, a prefeitura desembolsa mensalmente um valor muito alto para enviar seus resíduos
para fora do município; e impactos sociais, haja vista que uma parcela de catadores ficou à mercê
dos benefícios temporários e paliativos do Poder Público municipal. Contudo, apesar das
dificuldades em solucionar seus entraves, Pirapozinho vem buscando, por meio da parceria com
outros municípios, via Consórcio Público Intermunicipal, a regularização da área de disposição
final de seus resíduos.
Em suma, por meio da realização dessa pesquisa, foi possível concluir que, apesar dos
entraves e dificuldades citados, os municípios analisados estão buscando sua adequação perante
aos órgãos fiscalizadores e à sociedade, seja de forma individual ou através de consórcio junto a
outros municípios. E, para que essas ações não percam suas funcionalidades, é importante frisar a
necessidade de uma gestão e gerenciamento integrados, que contemplem os fundamentos da
Educação Ambiental, no intuito de comprometer a sociedade em atitudes socioambientais
responsáveis, dotadas de valores éticos e de respeito às futuras gerações.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, P. B. Curso de direito ambiental: Doutrina, Legislação e Jurisprudência. 2. ed. Rio


de Janeiro: Renovar, 1992.

BAUMAN, Z. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de


Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 308, de 21 de março de 2002. Dispõe sobre o licenciamento


ambiental de sistemas de disposição final dos resíduos sólidos urbanos gerados em municípios de
pequeno porte. Brasília, DF, 21 mar. 2002. Disponível em: <http://www.m
p.go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/rsulegis_11.pdf>. Acesso em: 3 out. 2017.

406
BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos. Brasília, DF, 2010 a. 2 ago. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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de resíduos sólidos urbanos, 2015. Brasília, DF, SNIS, 2015. Disponível em:
http://www.snis.gov.br/dia gnostico-residuos-solidos/diagnostico-rs-2015. Acesso em: 10 mar.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). População de Itaí -


SP. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil/sp/itai/panorama. Acesso em: 9 maio
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ITAÍ. Lei nº 172, de 27 de dezembro de 2012. Institui o Plano Diretor Urbanístico. Itaí, SP: 27
dez. 2012. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-itai-sp. Acesso em: 30 set.
2017.

LEFF, E. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela. Revisão técnica de Paulo


Freire Vieira. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MONTEIRO, J. H. P. et al. Manual de gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Rio de


Janeiro: IBAM, 2001.

PIRAPOZINHO. Lei nº 3.361, de 10 de maio de 2007. Institui o Plano Diretor Urbanístico.


Pirapozinho, SP: 10 maio 2007. Disponível em:
http://www.camarapirapozinho.sp.gov.br/legislacao/leisordi narias/2007/lei_3_361_07.html. Acesso
em: 11 mai. 2017.

SÃO PAULO. CETESB. Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Urbanos 2016. Disponível
em: http://cetesb.sp.gov.br/residuossolidos/wp-content/uploads/sites/26/2017/06/inventario-
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SÃO PAULO. Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO). Disponível em:


http://www.ambiente.sp.gov.br/fehidro/. Acesso em: 23 set. 2017.

______. Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição (FECOP). Disponível em:


http://www.ambiente.sp.gov.br/tag/fecop/. Acesso em: 24 set. 2017.

______. Programa Município VerdeAzul. Disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/


municipioverdeazul/o-projeto/. Acesso em: 12 out. 2017.

407
SOBRE OS AUTORES

TASSIANA JUSTINO FERNANDES


tassianageo@gemail.com

Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de


Maringá – UEM (2016-2018), área de concentração: Análise Regional e Ambiental, linha de
pesquisa: Produção do Espaço e Dinâmicas Territoriais. Especialista em Gestão Ambiental pela
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (2009-2010). Bacharel e Licenciada em Geografia
pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (2003-2007). Atualmente é professora mediadora
no curso de Licenciatura em Geografia do Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Tem
experiência na área de ciências humanas e ambientais, com ênfase na gestão e no gerenciamento
de Resíduos Sólidos urbanos, atuando principalmente em projetos que fomentam a Educação
Ambiental.

MARIA DAS GRAÇAS DE LIMA


mglima@uem.br

Doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP (1996-2001). Mestre em Geografia
pela Universidade de São Paulo – USP (1988-1993). Graduada em Geografia pela Universidade
Estadual de Londrina – UEL (1981-1985). Atualmente é professora titular do Departamento de
Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). É membro do Conselho Editorial da
Revista Teoria e Prática da Educação (UEM) e da Revista Eletrônica Estudos Geográficos
(UNESP). Tem experiência na área de Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes
temas: Planejamento territorial, social e regional; Políticas educacionais, ambientais e do ensino de
Geografia; Ensino e conhecimento didático na Geografia; e Geografia Agrária.

408
21

IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA MECANIZAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR NO


NOROESTE DO PARANÁ

Ariana Castilhos dos Santos Toss Sampaio


Márcia Marolo

RESUMO

A expansão da cultura canavieira no Brasil ocorreu por meio de incentivos do Estado mediante a
programas como o Programa Nacional do Álcool- PROÁLCOOL, alavancando e expandindo as
suas fronteiras. Atualmente, o Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar do mundo. Segundo
a Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, em 2017, o país produziu 39 milhões de
toneladas, contabilizando um dos maiores faturamentos do campo de R$ 52 bilhões de reais. Este
aumento na produção decorre do processo de mecanização da cana-de-açúcar que, hoje em dia,
perpassa o plantio até a colheita. A mão de obra utilizada na colheita da cana foi sendo substituída
pelas máquinas. Desde 2008, na região noroeste do Paraná, o caso da Cooperativa Agrícola
Regional de Produtores de Cana - COOPCANA vem adquirindo máquinas que substituíram e
desempregaram cerca de 2.450 cortadores de cana. Desta forma, este trabalho justifica-se pela
importância de compreender os impactos sociais ocasionados pela modernização da colheita da
cana, mesmo que ainda a colheita não seja totalmente mecanizada. Para obter os resultados,
realizamos pesquisas bibliográficas sobre o assunto, entrevistas com o presidente do sindicato de
Tamboara e entrevistas semiestruturadas com cortadores de cana desempregados após a
implantação das máquinas. Os resultados obtidos evidenciam que, dos vinte entrevistados, 20%
trabalham em abatedouros de frango, 55% de “boias-frias” nas lavouras de mandioca, 10% em
fecularia, 10% de pedreiros e 5% de tratorista. Logo, isso reflete a escassez de políticas públicas
que amenizem o impacto social ocasionado pela mecanização da cana nesta região.

Palavras-chave: Trabalho. Mecanização. Cana-de-açúcar

409
INTRODUÇÃO
A Geografia é uma ciência que tem como objeto de estudo o espaço Geográfico, “um
espaço formado por um conjunto indissociável de sistema de objetos e sistema de ações”
(SANTOS, 2006, p. 39.) e que vem buscando compreender as inúmeras transformações ocorridas
no espaço/tempo, os quais o homem tem modificado constantemente.
Com a inserção das técnicas, o cultivo do solo foi sendo realizado. Inicialmente, eram
utilizadas técnicas rudimentares, como arado puxado por animais para preparar a terra. Muitos
destes trabalhadores camponeses sobreviviam deste trabalho. Com o avanço das técnicas, foi sendo
alterado o modo de produzir, (SANTOS, 2006) ocasionando no aumento da produção por meio da
inserção de máquinas agrícolas no preparo do solo, insumos e sementes geneticamente
modificadas.
Este aumento da produção apenas foi possível com a expulsão do camponês de suas
terras pelos grandes latifundiários que produzem para a exportação. Consequentemente, o capital
derrubou qualquer barreira que impedisse a acumulação capitalista (HARVEY, 2011).
Contudo, estas mudanças não ocorreram espontaneamente. Desde o século XVI, o
nosso país passou por várias fases na economia. A princípio, o processo de exploração que ocorreu
no nosso país foi a extração do pau-brasil na costa leste brasileira, por volta de 1500 e 1539. Nesta
época, para demarcar o território e evitar que franceses pudessem ocupar suas terras, Portugal
delimitou todo o seu território em Capitanias Hereditárias, cujo objetivo era dividir as terras em
grandes faixas para serem doadas aos donatários. Estes teriam que povoar, defender as terras de
invasões e cultivar a cana-de-açúcar.
Entretanto, devido às grandes extensões de terra e as dificuldades em ocupar estas
áreas, algumas capitanias não tiveram êxito. Após 1549, o período colonial ficou marcado pela
extração do ouro e a inserção do cultivo da cana-de-açúcar no Brasil. Esta fase também foi marcada
pela intensa exploração de mão de obra indígena e, posteriormente, negra que sustentou o avanço
da economia brasileira. Desta forma, constituía-se a formação da grande propriedade fundiária
baseada na monocultura para exportação e no trabalho escravo.
Neste primeiro momento do cultivo da cana-de-açúcar no nosso país, a exploração da
mão de obra escrava era explícita. Os negros tinham que trabalhar longas jornadas de trabalho no
corte, no carregamento da cana e no engenho. Devido às péssimas condições de trabalho e às
exaustivas horas, muitos negros morriam nas senzalas.
A expansão da cana-de-açúcar neste momento ocorreu na região nordeste. A produção
desta lavoura em grande parte era exportada para Portugal e comercializada com outros países. O
governo sempre se preocupou em regular a comercialização da produção de açúcar. Contudo,
devido ao crescimento da produção dos concorrentes, como exemplo: o açúcar fabricado nas
Antilhas, houve queda no preço, o que afetou a produção do Brasil. Por causa da estagnação do
plantio desta lavoura no Brasil, esta foi sendo substituída ao decorrer do tempo por lavouras
cafeeiras.
Apesar disso, é importante ressaltar que a mão de obra africana foi a que manteve todos
os ciclos econômicos, desde a produção de açúcar até o cultivo e colheita do café, marcando as
primeiras relações de trabalho no campo brasileiro (CARVALHO, 2008).
E, com incentivo do governo brasileiro, atualmente, o cultivo da cana-de-açúcar tem
possibilitado o aumento do Produto Interno Bruto (PIB), alavancado pelas políticas públicas e pelo
acelerado processo de mecanização. Assim, este trabalho tem como objetivo relatar os impactos
sociais ocasionados pela mecanização da cana-de-açúcar na região noroeste do Paraná.

1. 1 Avanço da Produção de Café no Brasil


A História do Brasil foi marcada por inúmeros ciclos econômicos. No final do século
XVIII e início do século XIX, estava-se passando por mudanças na produção agrícola, devido às
condições favoráveis do clima e solo e o aumento do preço do café no exterior, o que possibilitou
o avanço das áreas plantadas.
Neste período, ocorreu no Brasil a abolição da escravidão em 1888, com a Lei Áurea,
permitindo que os negros se tornassem “livres”, uma liberdade falsa, pois, sem trabalho, sem
moradia e sem dinheiro para começar uma nova vida, muitos foram morar nas periferias das
cidades, e outros ficaram nas fazendas, sendo sujeitados ao poder dos fazendeiros. Iniciou-se, neste
período, um grande incentivo do Estado para a imigração de italianos a fim de trabalharem nas
lavouras de café. Campanhas foram realizadas em jornais dizendo que, no Brasil, seriam prósperos.
No entanto, ao chegarem ao território brasileiro e se depararem com as exigências dos
fazendeiros e as enormes dívidas que adquiriram com o custo da viagem, os imigrantes perceberam
que a propaganda a qual dizia que aqui colheriam leite e mel foi realmente uma farsa.

411
De acordo com o contrato de parceria, o fazendeiro financiava o transporte de seu
país de origem até o porto Santos, adiantava o custo do transporte de Santos até a
fazenda, bem como os gêneros e instrumentos necessários aos imigrantes, até que
estes pudessem pagá-los com o produto de suas primeiras colheitas (STOLCKE,
1986, p.20).

Os imigrantes, ao adentrarem no Brasil, iniciaram o trabalho nas lavouras de café no


sistema de parceria. Devido aos altos valores cobrados pelos fazendeiros nos custos da viagem,
ocorreu uma insatisfação dos imigrantes, o que possibilitou a substituição deste sistema pelo regime
de colonato.
No regime de colonato, o governo, pressionado pelos fazendeiros, passou a custear as
despesas dos imigrantes. Martins (2013, p. 65) corrobora relatando que, “além de custear e
financiar a terra e as despesas iniciais, mantinha um regime de tutela sobre o colonato geralmente
durante um período de dois anos”.
Neste regime, a família toda trabalhava. Na época da colheita, a mulher e os filhos mais
velhos “ajudavam”. Os fazendeiros mantinham contrato apenas com os pais, sendo que, por um
contrato individual, permitia-se que o fazendeiro tivesse maior lucro. O cultivo do café que teve
início no Rio de Janeiro se expandiu para outras regiões brasileiras, como São Paulo e Paraná.
O café, de acordo com Villela e Suzigan (1973), destacou-se como o principal produto
das exportações brasileiras entre 1889 e 1933, contribuindo com 60% das exportações. Contudo,
devido à queda da bolsa de valores de Nova York, em 1930, que atingiu a economia cafeeira no
mercado internacional e o cancelamento da ajuda financeira aos cafeicultores por parte do governo
(TEIXEIRA, 1988), surgiu um novo modelo de desenvolvimento.
Assim, os cafeicultores paulistas optaram pelo cultivo da cana-de-açúcar como forma
de diminuir os prejuízos com a conjuntura externa desfavorável.

1.2 A queda da cultura cafeeira e a substituição do espaço por lavouras de cana.


Após a expansão da cultura cafeeira no norte paranaense, o ciclo do café entrou em
crise no Brasil, devido à queda do preço no exterior e aos grandes estoques nos armazéns:

[...] a atividade cafeeira começou entrar em crise desde o início dos anos 1950
pela concorrência de outros produtores, pelo crescimento dos estoques
reguladores e o aumento da área plantada, o que pouco tempo mais tarde levaria

412
a uma superprodução com consequente queda de preços (ANDRADE, 2005,
p.46).

De igual modo, devido à geada e à queda do preço, o ciclo do café na região noroeste
se encerrou e, gradativamente, foi sendo substituído por grandes pastagens, o que ocasionou o
êxodo rural.
Com a queda do café, a situação do pequeno agricultor se agravou, devido a dívidas
adquiridas no cultivo. Muitos perderam as suas terras: “Há uma clara concentração da propriedade
fundiária, mediante a qual pequenos lavradores perdem ou deixam a terra, que é o seu principal
instrumento de trabalho, em favor das grandes fazendas” (MARTINS, 1982, p. 54).
Nestas lavouras de café trabalhavam toda a família, enquanto, nas fazendas ocupadas
por milhares de cabeças de gados, poucos trabalhadores cuidam de grandes extensões de terras
cultivadas com pastagem, conforme ilustra a Tabela 1.

Tabela 1- utilização das terras - mesorregião noroeste e Paraná - 1995


NOROESTE PARANÁ
ITEM ha % ha %
Lavouras 391.373 17,4 5.490.781 34,4
Permanentes 64.402 2,9 311.374 2,0
Temporárias 305.933 13,6 4.789.135 30,0
Temporárias em descanso 21.038 0,9 390.272 2,4
Pastagens 1.663.747 74,0 6.677.312 41,9
Naturais 70.077 3,1 1.377.484 8,6
Plantadas 1.593.670 70,9 5.299.828 33,2
Matas e florestas 128.212 5,7 2.797.713 17,5
Naturais 110.848 4,9 2.081.587. 13,1
Plantadas 17.364 0,8 713.126 4,5
Terras produtivas não utilizadas 10.874 0,5 258.872 1,6
Terras inaproveitáveis 54.492 2,4 729.954 4,5
Total 2.248.697 100,0 15.946.632 100,0
Fonte: IBGE- Censo Agropecuário. Dados Trabalhados pelo IPARDES (1995).

Sendo assim, podemos observar na tabela 1, que a região noroeste possui 1.663.747 ha
ocupados por pastagem, o que contabiliza 74,0% da área.
Concomitantemente a isso, na tabela 2, observamos que os estabelecimentos com mais
de 500 ha contam apenas com 2,0%, contudo, ocupam a maior porcentagem da área com 38,4 %.
Ou seja, esta situação agrava a concentração de terras no noroeste do Paraná.

413
Tabela 2 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários e área, Mesorregião Noroeste e Paraná - 1995
DISTRIBUIÇÃO (%)
ESTRATO DA ÁREA Mesorregião Noroeste Paraná
(ha)
Estabelecimento Área Estabelecimento Área
0 -| 10 40,3 3,7 41,8 5,0
10 -| 20 22,3 5,4 23,2 7,7
20 -| 50 19,3 10,6 20,9 15,0
50 -| 100 7,3 9,0 6,8 11,1
100 -| 200 4,8 11,7 3,6 11,8
200 -| 500 4,0 21,2 2,5 17,9
500 e mais 2,0 38,4 1,1 31,4
TOTAL (Abs) 38.816 2.248.696 369.875 15.946.632
Fonte: IBGE –Censo Agropecuário. Dados Trabalhados pelo IPARDES (1995)

Esta concentração de terras é amparada pelo próprio Estado, que promove políticas
públicas que favorecem os grandes latifundiários para alavancar a economia. Deste modo, a aliança
entre Estado, latifúndio e grupos multinacionais tem possibilitado a expansão das commodities,
transformando o interior do Brasil em um lugar privilegiado da acumulação capitalista (CAMPOS,
2011).

1.3 A Expansão do Cultivo de Cana-de-Açúcar


A inserção das lavouras de cana no território brasileiro é centenária e vem expandindo-
se para as regiões sudeste, sul e centro oeste (Figura 1), onde o Estado promoveu políticas públicas,
favorecendo o avanço do Agronegócio.
O desenvolvimento da agroindústria canavieira no Brasil, na década de 1960, ocorreu
devido às políticas que tinham como objetivo incrementar as exportações de açúcar, como também
ampliar o parque industrial por meio do Plano de Expansão da Agroindústria Açucareira Nacional
de 1964 (BRAY, 2000, p. 37). Essa política apoiou-se na expectativa de aumento das exportações
nacionais de açúcar decorrente da exclusão de Cuba do mercado preferencial norte americano.

414
Figura 1: A expansão da lavoura de cana-de-açúcar no território Brasileiro

Fonte: CONAB (2017)

O Governo promoveu alguns programas para modernizar e aumentar a produção da


agroindústria canavieira como: o Programa Nacional de Melhoramento de Cana-de-Açúcar (1971),
o Programa de Racionalização da Agroindústria Açucareira (1971) e o Programa de Apoio à
Agroindústria açucareira (1973) cujo intuito (ANDRADE, 1994, p. 42) “era de melhorar as
condições agrícolas, orientar a produção de novas variedades de cana, mediante a criação de
estações experimentais, e modernizar o combate às pragas que atingiam os canaviais”.
Contudo, em 1974, ocorreu o aniquilamento das exportações de açúcar para o mercado
norte americano, como também a crise energética de 1973, que elevou o preço do petróleo, cujos
grupos usineiros e o governo federal buscaram uma saída de substituição de energia por meio da
agricultura canavieira.
Nesta conjuntura surge o Programa Nacional do Álcool PROÁLCOOL (Decreto n°
76.593, de 14 de novembro de 1975), cujo objetivo foi de “aumentar a produção de safras
agroenergéticas e a capacidade industrial de transformação, visando à obtenção de álcool para a
substituição da gasolina, assim como incrementar o uso no setor químico” (BRAY; FERREIRA;
RUAS, 2.000, p. 56). Mediante a estes programas, várias outras usinas foram implantadas.
O PROÁLCOOL dividiu-se em três fases: a primeira de 1975 a 1979 previa o aumento
da produção para 3,0 bilhões de litro de álcool; a segunda fase, 1980 a 1985, visava a produzir 10,7
bilhões de litro de álcool; e a terceira fase a partir de 1986, em que o governo suspendeu os
415
financiamentos e subsídios para as novas destilarias (BRAY; FERREIRA; RUAS, 2.000). Como
podemos observar, várias são as ações por parte do governo para manter a agroindústria canavieira.

1.4 Instalação de usina sucroalcooleira no noroeste do Paraná


Como exemplo da expansão da agroindústria na região noroeste do Paraná temos a
Cooperativa Agrícola Regional de Produtores de Cana Ltda – COOPCANA; a sua instalação foi
possível graças aos subsídios oriundos do PROÁLCOOL, possibilitando a territorialização do
agronegócio e alterando as relações sociais desta região.

[...] o agronegócio deve ser compreendido como uma completa articulação de


capitais direta e indiretamente vinculados com os processos produtivos
agropecuários, que se consolida no contexto neoliberal sob a hegemonia de grupos
multinacionais e que, em aliança com o latifúndio e o Estado, têm transformado o
interior do Brasil em um locus privilegiado de acumulação capitalista, produzindo
simultaneamente, riqueza para poucos e pobreza para muitos e, por conseguinte,
intensificando as múltiplas desigualdades sociais (CAMPOS, 2011, p. 106).

Desta forma, a COOPCANA foi instalada em 22 de setembro 1979, na cidade de São


Carlos do Ivaí (PR), devido à região ter clima e solo adequados para o seu plantio. O processo de
moagem iniciou-se em outubro de 1982, contando com uma produção inicial de 3.800.000 litros
de álcool. Recentemente, de acordo com o site da COOPCANA (2017):

Hoje a Coopcana com uma produção de 1.820.000 toneladas de cana destila 140
milhões de litros de álcool ano, sendo divido em Álcool Anidro, Álcool
Carburante ou Hidratado. Crescimento possível devido a investimentos nas áreas
agrícolas, industriais e aumento na capacidade de armazenamento do álcool.
Procurando diversificar mercado, a Coopcana investiu mais de 15.000.000,00 de
reais na montagem de uma Fábrica de Açúcar, está produz mais de 6.000 sacas de
açúcar VHP20 (exportação) por dia (COOPCANA, 2017).

Este aumento da produção culminou no avanço de grandes extensões territoriais e num


grande impacto ambiental, poluição de rios, desmatamentos, expropriação de pequenos
agricultores, como nos relata Silva:

20
O açúcar VHP (açúcar de polaridade muito alta) também conhecida como Hi-Pol Sugar é um açúcar marrom claro
bruto. (COOPCANA, 2018).
416
[...] uma usina de açúcar, quando adquire um sítio em suas proximidades, derruba
as cercas e árvores frutíferas, casa do morador, etc., convertendo todas as terras
em canaviais, de modo que dificilmente depois de alguns anos se poderá
identificar qualquer vestígio da outra unidade de produção que ali existiu (SILVA,
2001, p.34).

Contudo, em prol do desenvolvimento econômico, o Estado financia obras para a


expansão do agronegócio, possibilitando o avanço da mecanização do campo e pouco preocupa-se
com os problemas sociais e ambientais que certas empresas ocasionam nas regiões onde são
instaladas.

O impacto do agronegócio, por exemplo em relação ao meio ambiente, a ofensiva


política ideológica atua no sentido de criar o consenso de que as vantagens do
agronegócio superam as desvantagens, numa análise simplista de custo-benefício
que supervaloriza o retorno financeiro dos investimentos e desconsidera os custos
socioeconômicos e ambientais (CAMPOS, 2011, p. 120).

A expansão das lavouras de cana destrói a biodiversidade local e desapropria inúmeros


pequenos agricultores, que, empurrados pelo mar de cana, veem-se obrigados a vender ou arrendar
as suas pequenas propriedades e se mudarem para as cidades vizinhas, continuando o êxodo rural.

O que se tem observado no Brasil, particularmente no meio rural, é esse processo


de expropriação. Ele está articulado não só com as transformações das relações de
trabalho na agropecuária, tal como ocorre com o trabalho volante ou “boia fria”,
mas também com as migrações para a cidade (MARTINS, 1982, p. 54).

Muitos destes trabalhadores, por falta de melhores condições de trabalho, passam a


trabalhar nas lavouras de cana da região, cuja a mão de obra, atualmente, está sendo substituída
pela mecanização da colheita da cana. Devido à mecanização as relações de trabalho estão sendo
alteradas, aumentando ainda mais a insatisfação dos trabalhadores.

1.5 O Processo de modernização das lavouras de cana de-açúcar


O processo de modernização das lavouras de cana, no Brasil, tanto no preparo do solo
como no plantio, ocorreu desde 1960, contudo, a mecanização da colheita da cana iniciou-se em
São Paulo somente em 1973 (RIPOLI; VILLANOVA, 1992).

417
A mecanização da cana foi impulsionada por alguns fatores como: os problemas
ambientais causados pelo fogo, as ações judiciais contra a prática da queimada e o cumprimento
da Norma Reguladora 31 (2013), que trata da segurança e saúde no trabalho dentro da agricultura.
Além destes fatores, a mecanização foi impulsionada após a segunda fase do PROÁLCOOL, bem
como a crescente demanda de açúcar e álcool para exportação.
Hoje em dia, o Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar do mundo. Segundo a
Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB – em 2017, produziu-se 39 milhões de
toneladas, o que contabiliza um dos maiores faturamento do campo, cerca de R$ 52 bilhões de
reais.
Estudos realizados (VIEIRA, 2003) relatam que o custo do corte mecanizado é 52%
menor que o do corte manual, o que impulsiona o aumento da mecanização do corte de cana. Na
região noroeste do Paraná, no caso da COOPCANA, desde 2008, vem-se investindo a aquisição de
máquinas para cortar cana. Hoje, a usina possui 40 máquinas que substituem o trabalho de
aproximadamente 2.450 cortadores de cana.
Em 2008, de acordo com o Sindicato dos trabalhadores rurais de Tamboara (2018),
trabalhavam no corte de cana 3.500 cortadores; atualmente, este número reduziu para 1.050, o que
reflete o desemprego ocasionado pela mecanização da colheita. Mesmo que alguns destes
trabalhadores foram inseridos em outros setores como: tratoristas, mecânicos, condutores de
colheitadeiras, entre outros, grande parte desta mão de obra foi descartada principalmente as que
têm menor escolaridade.
A mecanização não tem possibilitado melhoria nas condições de trabalho dos
cortadores de cana, e, sim, diminuído o rendimento do trabalho. As canas que a colheitadeira não
corta são geralmente canas tombadas e canas em terrenos acidentados (ALESSI; NAVARRO,
1997), o que diminui a produção no corte e faz o trabalhador se esforçar além do seu limite,
prejudicando a sua saúde.
A situação destes trabalhadores tende a piorar, pois a mecanização total da cana-de
açúcar é só questão de tempo, o que aumenta as exigências no trabalho e torna-o ainda mais
estafante. Atualmente, o plantio já está sendo realizado para as colheitadeiras não deixarem canas
para trás e, com relação à declividade de até 12%, o que não possibilita a colheita da cana
mecanizada (VIEIRA; SIMON, 2005), sendo que novas áreas estão sendo ocupadas com menor
declividade.
418
Assim, o que nos preocupa é o impacto social que a mecanização está ocasionando com
o desemprego e a necessidade do governo em promover capacitação e geração de empregos para
estes trabalhadores, que apresentam em pesquisas realizadas baixa escolaridade.
2. MATERIAIS E MÉTODO
Para obter os resultados, realizamos pesquisas bibliográficas sobre o assunto,
entrevistas com o presidente do sindicato de Tamboara e entrevistas semiestruturadas
(COLOGNESE; MELO, 1998) com vinte ex-cortadores de cana-de-açúcar. A entrevista foi
individual, realizada na residência dos trabalhadores no município de Tamboara. O roteiro
específico aborda questões a respeito de quais são os motivos que levaram esses indíviduos a sair
do trabalho de cortar cana; a influência da mecanização na redução do número de cortadores; qual
a função que estes trabalhadores estão desempenhando no momento. Após organizar os resultados
da pesquisa, obtivemos os resultados que serão abordados a seguir.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados obtidos na pesquisa realizada com vinte ex-cortadores de cana da cidade
de Tamboara evidenciam que 55% estão trabalhando como boias-frias, 20%, em abatedouros de
frango, 10 %, em fecularia, 10% de pedreiros e 5%, de tratorista. Assim, podemos relatar que o
processo de mecanização das lavouras de cana-de-açúcar acontece sem a devida preocupação com
o desemprego que ela ocasiona, pois 55% destes trabalhadores continuam trabalhando na área rural
e agora sem garantias trabalhistas por ser um trabalho informal.
Este fato está relacionado diretamente ao processo de mecanização, pois, a partir de
2008 a COOPCANA, adquiriu quarenta colheitadeiras de cana, desempregando 2.450 cortadores
de cana. Desta forma, podemos relatar que poucos destes trabalhadores foram remanejados para
outros setores desta agroindústria canavieira como: motoristas, tratoristas, mecânicos, condutores
de colheitadeiras, entre outros (MORAES, 2007).
Estes postos de trabalho na indústria foram ocupados apenas pelos que passaram por
qualificações profissionais, o que representa apenas uma pequena fração destes trabalhadores,
excluindo os de baixa escolaridade. A maioria destes trabalhadores composto por mulheres e
homens com baixa escolaridade e sem qualificação, estão ocupando cargos que não exigem
qualificação, ampliando o processo de exploração e se tornando como Marx (1989) relata, apenas
exército de reserva.
419
Com relação as ações realizadas pelo poder público são incipientes, estes trabalhadores
precisam para a qualificação se deslocar no período noturno para cidades polos da região noroeste
como exemplo Paranavaí, onde são oferecidos apenas alguns cursos técnicos como Saúde Bucal,
Técnico em enfermagem, Segurança do Trabalho entre outros. O que não possibilita a certeza de
emprego nestas áreas devido à concorrência.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O avanço da modernização da agricultura canavieira sempre obteve incentivos por
parte do Estado. Várias políticas públicas foram realizadas para o fortalecimento do setor
sucroalcooleiro. Na região noroeste do Paraná, como já citado no caso da COOPCANA, instalada
por meio de subsídios do governo, consolidou-se em uma importante indústria para a região
noroeste do Paraná.
Contudo, devido aos avanços tecnológicos e à acelerada mecanização do corte de cana,
estão surgindo consequências sociais negativas para os cortadores de cana. Como indica a pesquisa,
a mecanização ocasionou desemprego de muitos trabalhadores, que, atualmente, estão trabalhando
informalmente, sem nenhuma garantia trabalhista, comprometendo a sua vida financeira.
Muitos destes trabalhadores ocupam cargos informais, o que não garante renda fixa, e
os registrados relataram ganhar menos de dois salários mínimos, e o que é ainda pior: alguns
analfabetos estão em situação de desemprego, o que piora a situação social e econômica.
Por fim, acreditamos que a qualificação profissional destes trabalhadores é muito
importante. O envolvimento do Estado e dos municípios na realização de políticas públicas para
geração de emprego e o desenvolvimento de projetos para a qualificação e ocupação desta mão de
obra podem minimizar estes impactos sociais e econômicos que estão ocorrendo nesta região.

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1989-1945. IPEA/INPES, 1973.

422
SOBRE OS AUTORES

ARIANA CASTILHOS DOS SANTOS TOSS SAMPAIO


ariana_marcos@hotmail.com

Graduada em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual do Paraná-UNESPAR.


Pós Graduada em Educação Ambiental; Metodologia do Ensino Religioso; Educação Especial e
Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação, pela Faculdade São Braz-Curitiba.
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Bolsista da CAPES. Participo do Grupo de Estudos de Geografia da Saúde
GREGS_UEM. Tenho experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Agrária,
atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho; desigualdade; saúde e gênero.

MÁRCIA MAROLO
marciamarolo@hotmail.com

Graduada em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá - (UEM).


Pós Graduada em Educação Ambiental e Metodologia no Ensino de História e Geografia pela
Faculdade Eficaz. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE) da
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista CAPES com experiência na área de Geografia
Agrária Paranaense. Participo do Grupo de Estudos de Geografia da Saúde GREGS UEM.

423
22

O ESPAÇO DE FÉ FABRICADO NA EXPRESSÃO ECONÔMICA DO SAGRADO

Francisco John Lennon Alves Paixão Lima


Maria das Graças de Lima

RESUMO

O presente artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa de doutorado em andamento


intitulada “Santuários Católicos e a fabricação do espaço da fé na região sul do Brasil:
desenvolvimento, cultura e significados” (LIMA, 2018) acerca do conceito de santuário fabricado.
O referencial teórico está embasado em autores da Geografia Cultural e da Geografia da Religião,
como exemplo: França (1975), Pereira (2003), Rosendahl (1999), Costa (2009), Cosgrove (2014)
e Eliade (1992), esse último pertencente à Sociologia. Metodologicamente, realizou-se
levantamento bibliográfico referente ao tema, sobretudo ao conceito de Santuário e aplicou-se
questionário (MARANGONI, 2005) a representantes dos santuários a partir do método etnográfico
(BRANDÃO, 2007ª; GEERTZ, 2008), seguido da análise dos dados coletados e da analogia como
estratégia à problematização dos espaços geográficos estudados. A pesquisa tem o intuito de
mostrar que os santuários católicos fazem parte do aporte econômico da cidade e podem ser
identificados como de relevância tradicional, contemporânea ou fabricada. Tradicional ou
contemporânea por uma questão temporal, estrutural e tecnológica, de dinâmica de funcionamento
e de tradição. São relevantes porque possuem, de forma tangível, os elementos necessários à
manutenção de sua função religiosa, com base em França (1975). Já os fabricados correspondem
àqueles que oficialmente são reconhecidos como santuários, mas não possuem tais elementos (ou
esses são inexpressivos), sobretudo, a peregrinação; além disso, na economia, sua participação é
mínima ou nula. Até o momento, foram analisados quatro campos e todos os santuários
demonstraram ser do tipo fabricado. Este artigo centrará sua análise nessa categoria.

Palavras-chave: Geografia Cultural. Santuário Fabricado. Economia.

424
INTRODUÇÃO
A pesquisa em Geografia Cultural no Brasil, sobretudo em Geografia da Religião, ainda
é muito escassa se comparada a outros campos e paradigmas geográficos. Com pouco mais de 100
anos de existência oficial, a Geografia Cultural fez e continua fazendo escola mundo afora, mas,
no Brasil, somente após 1990, sua aplicação de fato se fortaleceu mediante inserção no currículo
escolar do ensino básico. Assim, não é estranho que a pesquisa na qual este artigo está embasado
seja algo relativamente novo, sobretudo por se tratar de um estudo em Geografia da Religião
vinculado à perspectiva econômica do fato. Espera-se, portanto, um amadurecimento satisfatório
de seu conteúdo para que possa servir de apoio a outras pesquisas de mesmo enfoque.
Este artigo tem como objetivo apresentar à comunidade acadêmica os resultados
obtidos, até a presente data, acerca do conceito de santuário fabricado, proveniente da tese de
doutorado, em desenvolvimento, intitulada “Santuários Católicos e a fabricação do espaço da fé na
região sul do Brasil: desenvolvimento, cultura e significados”, de Lima (2018). Logo, não se trata
de um trabalho completo, mas parcial, sujeito a alterações e a atualizações conforme a necessidade
da pesquisa. A tese tem enfoque em três perspectivas sobre santuário católico: santuário tradicional,
santuário contemporâneo e santuário fabricado. Até o momento da produção deste artigo,
obtiveram-se resultados referentes aos santuários considerados aqui como fabricados e, portanto,
este artigo centrará sua narrativa nessa categoria.

2. MATERIAIS E MÉTODO
Embasado no arcabouço da Geografia Cultural e centrado metodologicamente na
etnografia, no que diz respeito ao campo prático, aplicação de questionário e coleta de dados via
internet e telefone (por meio de entrevista), o trabalho tem como espaço de enfoque a região sul
brasileira representada por 10 santuários. No entanto, até a escrita deste artigo, fora realizada
pesquisa e problematizados os dados coletados de apenas quatro santuários, respeitando o
cronograma de pesquisa da tese.
O trabalho se iniciou com 123 santuários, porém, com o aprofundamento da pesquisa,
esse quantitativo foi reduzido para 101 e, posteriormente, no campo prático, para 10 santuários
com base num conjunto de critérios selecionados previamente à escolha dos espaços sagrados. Para
a seleção desses critérios, foram utilizados alguns conceitos de santuário, ou seja, pesquisou-se, em

425
vários autores, a conceituação de santuário, tanto na Geografia quanto nas outras áreas do
conhecimento científico e/ou acadêmico, como na História, na Teologia, na Sociologia e no próprio
código canônico. Aqueles elementos conceituais que se apresentavam nesses autores em demasia
repetidos, expressando, assim, certo padrão de entendimento, passaram a compor o quadro de
critérios utilizados na referida tese (Quadro 1).

Quadro 1 – Critérios gerais de definição de santuário


1 - Espaço de peregrinação;
2 - Ocorrência de Milagre/Aparição;
3 - Existência de relíquias (objetos sagrados);
4 - Estrutura arquitetônica/pintura/escultura;
5 - Festa religiosa;
6 - Ex-votos;
7 - Lugar turístico;
8 - Igreja/lugar sagrado;
9 - Sala dos milagres.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).

Como é possível observar no quadro, foram selecionados nove critérios que se


apresentaram com certo padrão nos autores pesquisados a respeito do conceito de santuário. Desses
elementos elencados no Quadro 1, foram extraídos e priorizados critérios geográficos que possuem
um significado mais próximo da ciência Geografia, como “peregrinação”, “festa religiosa”, “lugar
turístico” e “lugar sagrado”. Esses elementos geográficos possuem maior significância à pesquisa
por estarem diretamente vinculados aos dogmas geográficos e, portanto, sua ocorrência/existência
nesses espaços sagrados possuiu maior peso no ato de escolha dos 10 santuários.
Dentre os autores utilizados na formulação dos critérios do Quadro 1, pode-se citar
Pereira (2003) em texto sobre os centros de devoção. Segundo esse autor (2003), os santuários são
oficiais quando reconhecidos pela igreja, mas também podem ser reconhecidos apenas pela
devoção dos fiéis que, periodicamente, visitam aquele espaço a fim de fazer valer sua fé. Tais
presença e dinâmica desses espaços não oficiais confundem-se com os santuários oficiais,
entretanto, o não reconhecimento pela igreja os caracteriza como centro de devoção (PEREIRA,
2003). As características desses dois tipos de espaços sagrados se confundem, mas a ausência de
registro ou reconhecimento por parte da mitra (bispo) separa-os em oficial e em não oficial. Além
disso, Pereira (2003) também aponta a capacidade de manutenção e de reprodução desses espaços
426
oficiais em relação à organização da sala dos milagres e a qualidade dos ex-votos. Se a sala dos
milagres continua recebendo peças (ex-votos), isso é sinal de que o santo(a) padroeiro(a) continua
fazendo “sucesso” entre os devotos, contribuindo, assim, à manutenção da crença naquele espaço
sagrado. Quando ocorre o contrário, significa que o santo está perdendo espaço e uma crise de
crença está instalando-se. Percebe-se também que esses dois eventos interferem direta e
indiretamente na dinâmica econômica daquele espaço: se o santo continua forte e a presença de
peregrinos continua aumentando, isso é sinal de que o comércio e o turismo religioso continuarão
marcantes no cotidiano daquele espaço sacroprofano. Assim, o fracasso do santuário é avaliado
segundo a qualidade da sala dos milagres (PEREIRA, 2003).
Somado ao que Pereira (2003) explica sobre a importância da manutenção da sala dos
milagres como termômetro de crise da crença, o campo desta pesquisa (tese) mostrou que, além da
sala dos milagres, os critérios geográficos de peregrinação e de turismo religioso também
representam a qualidade e a força do santo e do santuário sobre uma determinada comunidade e
seu espaço de abrangência. Não haver movimento de peregrinos àquele espaço de adoração é sinal
de que o santuário não está cumprindo com seu papel dentro da função religiosa esperada e, com
isso, perde não só o santuário, enquanto espaço vinculado ao turismo religioso, mas, também e,
sobretudo, o comércio formal e informal de venda de artigos religiosos. Portanto, esses dois
elementos geográficos também são termômetros de aceitação, manutenção e qualidade do santo e
do santuário.
Além de Pereira (2003), também se utilizaram os estudos de Gonçalves (2014). O autor
faz um levantamento histórico-temporal do conceito de santuário numa perspectiva evolutiva desde
os primórdios aos dias atuais e fala da necessidade que o homem tem de criar tais espaços,
utilizando-se das singularidades geográficas dispostas no espaço.

No Paleolítico Superior, temos as primeiras evidências de santuários, como os definiu


André Leroi-Gourhan, algumas grutas como lugares de santuário. A geografia de arte
rupestre que hoje conhecemos por todo o planeta, onde chegou o homem, parece indicar
a existência desses espaços, em que as artes se associavam às singularidades geográficas,
como elevações, montes ou montanhas, cursos de água e vales, grutas e abrigos, entre
outros espaços. A emergência da agricultura e das sociedades complexas levou o homem
à construção de estruturas que se tornaram espaços centrais de devoção, em aglomerados
urbanos e em lugares naturais. Construíram-se grandes infra-estruturas(sic), mas também
se veneraram pequenos locais. Podemos afirmar que o santuário é comum a toda a
humanidade, independentemente da religião ou do posicionalmente religioso. Cada
cultura, cada sociedade constrói os seus santuários, porque reflectem(sic) as preocupações
humanas em cada momento. O Santuário é a diversidade da humanidade. Hoje o conceito
427
de santuário utiliza-se numa pluralidade de situações e de espaços espelhando a
complexidade e heterogeneidade desta fase da história humana, onde a globalização
através da tecnologia da informação nos tornou mais próximos, mas onde não deixamos
de querer conhecer os nossos santuários mais próximos, que nos ligam a raízes locais.
(GONÇALVES, 2014, p. 1)

Segundo Gonçalves (2014), a história apresenta o santuário como espaço religioso


central de devoção; surgido como reflexo de um milagre, de uma aparição ou pela presença de
relíquias; um lugar de encontro cultural; espaço artístico; uma estrutura arquitetônica com a
presença de pinturas, esculturas, imagens etc.; um espaço de romaria onde a festa religiosa é um
fenômeno social total com apresentações artísticas (música, dança, teatro, roupas específicas e
comidas típicas.); um espaço de peregrinação por ordem de um ritual religioso.
Rosendahl (2014), por outro lado, aborda o aspecto da cidade santuário como espaço
de convergência de peregrinos, a qual possui uma organização funcional e social do espaço. Tal
organização pode ser permanente ou ocorrer em períodos onde as festividades do sagrado se
realizam, segundo o tempo de festa próprio de cada espaço-santuário. Já Steil (2003) traz, em seus
estudos, o aspecto do turismo como determinante desses espaços sacroprofanos. Segundo o autor
(2003), o santuário não é mais um espaço sagrado teofânico, mas um lugar turístico de inúmeras
características e curiosidades. Steil (2003) menciona, inclusive, a participação dos agentes do
sagrado na transformação e na conexão das atividades do sagrado e das peregrinações à linguagem
turística.
Esses são apenas alguns conceitos e estudos utilizados na tese acerca do fenômeno
santuário e que deram suporte à categorização dos critérios utilizados na conceituação de santuário.
Graças a isso, juntamente com os resultados parciais da pesquisa, chegou-se ao seguinte conceito
de santuário: um complexo estrutural diversificado, dedicado às peregrinações e às atividades do
sagrado em comunicação direta e indireta com o profano, o que inclui o turismo religioso, serviços
e o comércio.
Após a escolha dos 10 santuários (Quadro 2), aplicou-se questionário (MARANGONI,
2005) e coletou-se dados diversos como imagens (via máquina fotográfica/celular), informativos,
como panfletos e jornais, e quaisquer outros documentos avaliados como relevantes à pesquisa.
Para tal, optou-se por dialogar com as secretarias de cada santuário por essas possuírem dados
concretos sobre a dinâmica de funcionamento desses espaços, suas características administrativas
e econômicas.
428
Quadro 2 - Santuários selecionados segundo critérios de definição de santuário
Fundação Santuário Cidade/Estado Movimento de
devotos
1907 Santuário de Angelina Florianópolis – SC Contínuo
1915 N. Sra. Ros. de Pompeia Pinto Bandeira – RS Contínuo
1958 Nossa Senhora da Graça Prudentópolis – PR Contínuo
------- Nossa Senhora do Rocio Paranaguá – PR Contínuo
1989 N. Sra. do Rosário de Fátima Porto Alegre – RS Contínuo
1997 N. Sra. Aparecida Londrina – PR Dia específico
2002 N. Sra. Aparecida Campo Mourão – PR Dia específico
2005 Eucarístico Diocesano Cianorte – PR ?
2006 Santuário Santa Paulina Nova Trento – SC Contínuo
2016 N. Sra. de Fátima Cruz Alta – RS Contínuo
Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

Na tabela, os santuários destacados em negrito correspondem aos espaços pesquisados


em campo, cujo resultado será exposto aqui em tópico específico. Como é possível perceber, foram
pesquisados, até então, três santuários do estado do Paraná e um do estado do Rio Grande do Sul.
Todos estão definidos por identificação do ano de fundação ou de emancipação à categoria
santuário, nome do santuário, localização geográfica e a frequência de peregrinos. O tratamento
dos dados e a problematização dos elementos conquistados ocorreram em escritório.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
As características apresentadas por cada santuário pesquisado (Quadro 2) mostraram-
se demasiadamente repetidas e em acordo com a categoria de santuário fabricado, o que será
discorrido a seguir. Em Porto Alegre, o santuário do Rosário de Fátima (Figura 1) teve sua
emancipação em 15 de setembro de 1989, sendo, portanto, um santuário novo/contemporâneo. Esse
santuário recebe peregrinos todos os finais de semana, possui um período de baixa estação bem
identificado – período de férias escolares/verão – e uma escola intimamente ligada a ele física e
organizacionalmente. De acordo com a secretaria do santuário, a motivação da visita dos peregrinos
é a devoção, mas o número de devotos é incipiente, mesmo ocorrendo todo final de semana.

429
Figura 1 – Santuário do Rosário de Fátima

Fonte: arquidiocesepoa.org.br (2018)

Além disso, há a ocorrência de um turismo desvinculado da padroeira do santuário,


algo que não amplia ou instiga a qualidade e a eficiência da santa, o que acabou por motivar a
construção de um espaço “estranho”, se pensado num viés tradicional, de adoração de outros santos
dentro do santuário (Figura 2). É também uma forma de captação de novos fiéis. Os recursos para
a construção do santuário de Porto Alegre, sobretudo do templo, vieram de doações de seus fiéis,
do dízimo e dos recursos da loja do santuário: uma única e pequena loja que vende artigos
religiosos, vale ressaltar. Hoje, o santuário sobrevive basicamente da ajuda da comunidade e da
festa da padroeira.
Dos critérios utilizados na categorização de santuário apresentados no Quadro 1, esse
espaço sacroprofano de Porto Alegre demonstrou possuir todos os nove elementos. Entretanto, sua
classificação enquadra-se dentro do rol de santuários fabricados, pois os elementos ou critérios,
apesar de existirem e/ou ocorrem naquele espaço, não demonstram força ou relevância capazes de
cumprir com a função religiosa (FRANÇA, 1975) esperada de um santuário, já que não se
apresentam de forma qualitativa. Assim, qualitativamente, um santuário deve: promover a
satisfação espiritual e festiva dos fiéis (FRANÇA, 1975; ROSENDAHL, 1999); gerar
peregrinações e/ou romarias como característica marcante capaz de provocar uma dinamização
social e espacial de sua área de entorno, influenciando a prática do turismo religioso e a venda de

430
objetos sagrados (hierofanias21) por meio do comércio formal e/ou informal; proporcionar o
reencontro de amigos e familiares (LIMA, 2016); ter uma sala dos milagres organizada com o
recebimento periódico de ex-votos (PEREIRA, 2003); possuir uma expressividade religiosa
marcante na paisagem; entre outros.

Figura 2 – Espaço para santos populares

Fonte: Diário Gaucho (2018)

Já os santuários fabricados correspondem àqueles que oficialmente são reconhecidos


como santuários pela igreja, mas não possuem o fator tradição (ou possuem uma tradição criada),
nem mesmo um ato milagroso que justifique sua criação. Suas atividades são encorajadas pela
aceitação do povo e sua função religiosa (FRANÇA, 1975) não se faz marcante/relevante,
sobretudo no que diz respeito às peregrinações, caracterizando-se como inexistentes ou pouco
proeminentes. Também não possuem a capacidade de dinamizar a economia local, não criam
espaços de comercialização informal, não promovem uma peregrinação capaz de alterar o cotidiano
do espaço de abrangência do santuário, sendo, portanto, ineficientes enquanto atrativos ao turismo
religioso. Portanto, no viés econômico, sua participação é mínima ou inexistente. Pode surgir
também como tentativa de se criar um atrativo turístico à cidade.
Uma cidade que possui um santuário religioso – também conhecida como cidade
santuário, a depender de sua relevância e interação entre santuário e cidade – deve possuir uma

21
Manifestação do sagrado em objetos materiais (ELIADE, 1992).
431
função religiosa. Segundo França (1975, p. 11), uma cidade de função religiosa corresponde a uma
cidade “congestionada, contínua ou periodicamente, por uma população flutuante de devotos em
busca de satisfação espiritual e atraída pelo ritual das grandes comemorações festivas”. No caso de
Porto Alegre ou mesmo do entorno do santuário, esse congestionamento é incipiente, mesmo no
período das festividades. E assim é com os demais santuários até então investigados (vide Tabela
1).
Por ser a peregrinação um fator indispensável ao turismo religioso, à sobrevivência e à
qualidade de um santuário, do ponto de vista de sua relevância e da economia da cidade, o baixo
quantitativo de visitantes nesse espaço sagrado de Porto Alegre, sua ineficiência em termos de
dinamização econômica da cidade e a inexistência de uma sala dos milagres, que é um termômetro
da relevância e da eficiência dos santuários (PEREIRA, 2003), caracteriza-o como santuário do
tipo fabricado, sem expressão espacial, sacroprofana e de apelo popular incipiente.
O santuário fabricado busca inserir-se no calendário religioso da cidade como um ponto
turístico do tipo religioso sem, necessariamente, haver um apelo simbólico “milagroso” que
justifique tal inserção. Pode-se exemplificar esse apelo com “aparições” e/ou testemunhos de cura
atrelados a um ser divino, seja um santo, seja uma outra entidade sagrada. Entende-se, porém, que
o trabalho de maturação e de construção de uma identidade cultural sacroprofana que esteja
vinculada, mesmo que a posteriori, à produção econômica da cidade e à aglomeração de fiéis não
ocorre a curto prazo, sobretudo quando não há apelo popular e/ou ocorrência de um fato
“milagroso”, como ocorre nos casos de Aparecida do Norte, no estado de São Paulo, e de Nossa
Senhora de Fátima, em Fátima, Portugal. Entretanto, um santuário fabricado pode, a longo prazo,
construir elementos que fortaleçam sua função religiosa.
Na mesma perspectiva, os santuários de Nossa Senhora Aparecida de Londrina e de
Campo Mourão, bem como o santuário Eucarístico Diocesano de Cianorte, todos no Paraná,
também se configuram como santuários do tipo fabricado. O santuário de Nossa Senhora Aparecida
de Londrina – PR (Figura 3), por exemplo, tem sua origem como capela no ano de 1940, quando
fora trazida uma imagem de Aparecida e rezadas as primeiras missas e terços naquela comunidade.
Nos anos seguintes, mais precisamente em 1965, começaram as mudanças estruturais na antiga
capela, como, por exemplo, a construção da torre e, em seguida, da casa paroquial. Em outubro
daquele ano, recebeu a imagem de Aparecida vinda da Basílica de Aparecida do Norte.

432
Figura 3 – Santuário de Aparecida (Londrina - PR)

Fonte: elaborado pelo autor (2017)

Já o santuário de mesma padroeira, Nossa Senhora Aparecida, localizado em Campo


Mourão – PR (Figura 4) é bastante novo se comparado a outros santuários levantados na pesquisa,
pois sua emancipação data de 12 de outubro de 2002. Trata-se de um santuário contemporâneo,
portanto. De acordo com a secretaria desse santuário (2017), a história de nascimento da capela,
que, posteriormente, tornar-se-ia o santuário de Aparecida de Campo Mourão, iniciou-se em 1967,
quando frei Honorato, dialogando com a comunidade, aconselhou a criação de um espaço próprio
à adoração e à realização das missas no local. Inclusive, quem escolheu Nossa Senhora Aparecida
como padroeira do santuário foi o próprio frei.

Figura 4: Santuário de Aparecida (Campo Mourão - PR)

Fonte: elaborado pelo autor (2017)


433
A inauguração da primeira capela, um barracão de aproximadamente 90 metros em um
espaço total de dois lotes doados por um casal pertencente à comunidade, data de 1971, portanto,
levaram-se 31 anos da construção da capela até sua emancipação à categoria de santuário.
O santuário Eucarístico Diocesano de Nossa Senhora de Fátima (Figura 5), em
Cianorte, como mencionado anteriormente, também se mostrou do tipo fabricado. Sua
emancipação se deu em 13 de maio de 2005 por desejo da Diocese de Umuarama, cidade distante
cerca de 124 km. Sua construção ocorreu por meio de doações de seus fiéis e de recursos próprios.
A história do santuário se inicia a partir da doação de um quadro de Nossa Senhora de Fátima a
uma antiga e pequena capela de madeira que hoje dá lugar ao referido santuário. Com essa doação
e com a primeira missa foi adotado Fátima como nome e padroeira oficial da paróquia.

Figura 5 – Santuário de Nossa Senhora de Fátima (Cianorte - PR)

Fonte: Prefeitura Municipal (2018)

Hoje, o santuário sobrevive, basicamente, do dízimo via carnê mensal, o que converge
com a realidade dos demais santuários estudados. Além disso, o santuário promove campanhas
motivacionais à doação, visando sua manutenção no tempo e no espaço.
Os três santuários descritos, do ponto de vista do conceito de santuário fabricado,
recebem pouco ou quase nunca recebem peregrinos. Quando ocorre um movimento religioso
migratório temporário para as referidas cidades, esse se dá de forma inexpressiva, não afetando o
comércio local nem gerando grandes movimentações e investimentos no espaço de entorno dos
santuários para a recepção daquele contingente, seja com a criação de estacionamentos específicos
434
para fiéis e espaços para o comércio informal, seja com o engajamento de hotéis e pousadas, de
restaurantes ou mesmo de agências de viagem. Embora alguns desses elementos tenham sido
percebidos nos santuários, como no caso do santuário de Fátima de Porto Alegre e de Cianorte,
esses se dão de forma ineficientes para grandes aglomerações. O turismo religioso é, portanto,
incipiente.
Os moradores do entorno desses santuários frequentam esses espaços de adoração em
sua cotidianidade (cada um em sua respectiva cidade). Participam do dia a dia do santuário, porém,
não porque se trata de um santuário oficial reconhecido pela igreja católica ou mesmo por ser um
espaço diferenciado, mas por uma opção de proximidade espacial. Ressalta-se, no entanto, que esse
dado sobre os moradores das respectivas cidades está embasado, a priori, numa perspectiva
positivista do fato, pois, até o presente momento, ainda não se concluíram as observações e as
investigações diretas com tais moradores, o que deverá ocorrer no devir da pesquisa para a
formulação da tese de doutorado.
Ademais, o movimento de peregrinos para esses espaços ocorre, principalmente, no
período das festividades do(a) padroeiro(a); já fora desse período, tal movimento se configura como
inexpressivo. Apesar disso e mesmo de forma tímida, percebe-se um impacto do turismo religioso
na paisagem de alguns desses espaços de adoração, como é o caso do santuário de Fátima de
Cianorte: o santuário é bem estruturado do ponto de vista da arquitetura do sagrado, dos elementos
que compõem seu quadro arquitetônico e da estrutura que compõe o roteiro devocional. Contudo,
sem um movimento forte de peregrinos, esses elementos não favorecem o crescimento da cidade
ou mesmo do santuário. O movimento de peregrinos é fundamental na vida de um santuário, sem
ele, não há dinâmica de maturação e de manutenção espaço-temporal do complexo e, assim, perde
seu significado real de espaço de aglomeração.
De acordo com os dados preliminares da pesquisa (2018), alguns desses santuários
recebem visitas de turistas desvinculados do religioso, caso do santuário de Fátima de Cianorte e
de Porto Alegre, o que, do ponto de vista do santuário enquanto espaço de convergência de
peregrinos, não se vincula à função religiosa.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de esse artigo trazer dados ainda preliminares da pesquisa explicitada (tese de

435
doutorado), pôde-se compreender um pouco sobre a dinâmica de funcionamento dos santuários até
então pesquisados, no que diz respeito aos santuários do tipo fabricado. A existência desse tipo de
santuário mostra que, apesar de sua oficialidade, quando reconhecido pela igreja, sua
representatividade está pouco vinculada às peregrinações devido à inexpressividade dos elementos
e dos equipamentos que visam a atração de turistas religiosos e de peregrinos a esse espaço,
desqualificando-o enquanto centro do mundo (ELIADE, 1992). Além disso, a função religiosa
(FRANÇA, 1975) que se espera de um santuário não se aplica a esse tipo de espaço sacroprofano
pelo baixo quantitativo de peregrinos, o que se encerra num turismo religioso inepto e que pouco
influencia a economia local. Isso, inclusive, põe em questionamento sua capacidade de manutenção
e de existência no tempo e no espaço.

REFERÊNCIAS

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437
SOBRE OS AUTORES

FRANCISCO JOHN LENNON ALVES PAIXÃO LIMA


johnlima_ce@yahoo.com.br

Graduação em Geografia pela Universidade Federal do Ceará, mestrado em Geografia Cultural


pela Universidade Estadual de Maringá e, atualmente, doutorando por esta mesma instituição. O
ingresso na pós-graduação (mestrado) em Geografia ocorreu em 2014 e culminou na dissertação
“Canindé é quando dé: trabalho e recompensa”, defendida em 2016, um trabalho acerca da
influência do santuário de São Francisco das Chagas no comércio e na vida dos moradores da
cidade. Já ao doutorado compelem, em Geografia Cultural, os aspectos conceitual, característico e
econômico de santuários católicos do sul do Brasil, cunhando uma nova categoria de santuário
denominada de Santuário Fabricado.

MARIA DAS GRAÇAS DE LIMA


mglima@uem.br

Graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina, Mestrado, Doutorado e Estágio


Pós-doutoral em Geografia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora Associada C
do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá e orientadora nos cursos de
Pós Graduação (Mestrado e Doutorado) em Geografia desta mesma universidade. É membro do
Conselho Editorial da Revista Teoria e Prática da Educação (UEM) e da Revista Eletrônica Estudos
Geográficos (UNESP). Atua principalmente nos seguintes temas: Geografia Agrária, Geografia
Cultural, políticas educacionais e ensino de Geografia, educação no campo, Pedagogia da
Alternância, formação de professores, planejamento territorial, social e regional, dentre outros.

438
23

GEOGRAFIA, ARTE, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO

Gustavo Gabriel Garcia


Lucas da Silva Salmeron
Henrique Manoel da Silva

RESUMO

Atualmente, o ensino de Geografia tem avançado no sentido de superar as velhas práticas de


memorização, que não possibilitam ao aluno aprender o conteúdo. O presente artigo visa contribuir
para o progresso dessa discussão, principalmente no ensino de geografia enquanto disciplina
escolar. Dessa forma, serão apresentadas a importância do ensino e o seu papel para além da prática
meramente tecnicista e acrítica, que propicie a emancipação humana, por meio da Arte e da Ciência
possibilitando, assim, uma relação construtivista dos saberes, mediado pelo docente. A pesquisa
que originou esse texto foi fundamentada após levantamentos bibliográficos em conjunto com a
disciplina “Educação geográfica: referenciais teóricos e metodológicos para a prática docente” –
ofertada pelo programa de pós-graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) –, que proporcionou as reflexões presentes ou suscitadas ao longo do artigo,
cooperando não só para a produção de conhecimento entre os docentes, mas também para
questionamentos futuros. Esse trabalho está subdividido em três partes: Arte e Ciência; a Geografia
e a Literatura; e, por fim, a Teoria Desenvolvimental com base na Literatura. Essa subdivisão em
temas visa facilitar a compreensão por parte do leitor. Portanto, cada tópico colabora
particularmente para o desenvolvimento do artigo, possibilitando uma leitura que integre os temas
propostos ou abordados.

Palavras-chave: Ensino. Geografia. Literatura.

439
INTRODUÇÃO
Durante as aulas da disciplina “Educação geográfica: referenciais teóricos e
metodológicos para a prática docente”, – ministrada pelo professor Dr. Claudivan Sanches Lopes,
como parte do programa de Pós-graduação em Geografia (PGE), da Universidade Estadual de
Maringá (UEM), surgiu o interesse de repensar o ensino da ciência geográfica enquanto disciplina
escolar, com base na teoria do ensino desenvolvimental, e, seu papel no processo de
desenvolvimento humano. Este conceito foi concebido e articulado pelo psicólogo Vasili
Vasilievich Davydov. Nascido na Rússia em 31 de agosto de 1930, Davydov pertenceu à terceira
geração de psicólogos daquele país e deixou um legado inestimável para a reflexão sobre os
métodos de ensino. Faleceu aos 67 anos em 19 de março de 1998.
A partir da teoria do ensino desenvolvimental, buscar-se-á articular a literatura
brasileira, como recurso didático para ensinar conteúdos geográficos, visando a intersecção entre
Arte e Ciência, fomentando um diálogo construtivista que propicie o desenvolvimento intelectual
do aluno.
Essa proposta busca superar a visão tecnicista e produtivista da educação, que está em
voga na atualidade, devido ao modelo de produção capitalista, baseado na busca de promoção do
avanço da racionalidade científica e técnica em detrimento da arte. De acordo com Luckesi:

A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema


capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto,
emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia
comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos "competentes"
para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas,
objetivas e rápidas. (LUCKESI, 2003, p.61).

Faz-se necessário superar essa lógica hegemônica de educação que não incentiva o
desenvolvimento da reflexão no aluno, que visa apenas formar pessoas aptas ao mercado de
trabalho, não atendendo às especificidades humanas de esclarecimento racional e estético, as quais,
para além dos parâmetros capitalistas, representam a elevação da natureza humana. De acordo com
Saviani (2001, p. 15), a pedagogia unicamente tecnicista não possibilitou o avanço da educação de
forma democrática e necessária para emancipação, pois “acabou por contribuir para aumentar o
caos no campo educativo, gerando tal nível de descontinuidade” que resultou em uma educação

440
que não atende às necessidades humanas, mas àquelas do mercado de trabalho capitalista, nas quais
a busca constante do lucro é feita em detrimento da condição humana.
Na atualidade, em meio a tantos conflitos econômicos, sociais e políticos,
principalmente no Brasil, uma série de requisitos necessitam ser executados, tais quais: que a escola
cumpra sua função de forma eficiente; permita, como instituição, a formação da consciência;
promova a liberdade e ensine a responsabilidade; viabilize o avanço social de forma efetiva e
concreta, a fim de superar as mazelas de um país de característica subdesenvolvida. Conforme
destacou Paulo Freire (2001, p.67) em sua “Terceira carta pedagógica”, “se a educação sozinha,
não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Para que esse desenvolvimento seja possível é necessário repensar a educação e propor
novas veredas, apontar novas perspectivas, que estimulem a autocrítica, e permitam o pensamento
de um novo amanhã. Com o objetivo de realizar a transformação do cenário de aprendizagem, de
modo integrante, são esses os fatores que nos levam a propor novas perspectivas para o ensino da
Geografia.
Para facilitar a compreensão do leitor, o artigo foi desenvolvido a partir da divisão
temática, em três partes: Arte e Ciência; a Geografia e a Literatura; e a Teoria Desenvolvimental
com base na Literatura.

2. MATERIAIS E MÉTODO
O artigo foi elaborado a partir de questões que surgiram ao longo da disciplina
“Educação geográfica: referenciais teóricos e metodológicos para a prática docente”, as quais
permitiram refletir sobre a importância da Arte e da Literatura no ensino da Geografia. A pesquisa
que resultou na produção deste trabalho acadêmico está embasada em referencias teóricos extraídos
de levantamentos bibliográficos.

2.1 Arte e Ciência


A arte sempre acompanhou a humanidade. Desde a pré-história, com as pinturas
rupestres feitas em superfícies rochosas, representando a fauna e a flora do meio natural,
constituindo a representatividade do mundo vivido dos homens primitivos –, até as obras
cinematográficas atuais, de ficção cientifica, que compõem o imaginário dos jovens. De acordo
com Gomes (1996, p.314) a arte é considerada “como o elemento de mediação entre a vida e o
441
universo das representações”. É fundamental ressaltar que a arte foi indispensável para o
desenvolvimento da humanidade, precedendo a ciência moderna. Segundo Ferreira:

O termo art que é utilizado na língua inglesa desde o século XIII, vem da
precursora imediata art, do francês antigo que, por sua vez, é originária da palavra
artem, do latim, de cuja raiz deriva e cujo significado é “habilidade”. Até o final
do século XVIII, o termo é utilizado em assuntos tão diversos como a habilidade
na matemática, na medicina ou na pesca com vara. (FERREIRA, 2010, p.263).

A atual distinção que existe entre arte e ciência é fruto da modernidade, pois, com o
advento do sistema capitalista durante o século XV, houve a necessidade de valorizar o método
pragmático e as técnicas de investigações, buscando materializar na racionalidade humana a
objetividade, visando a neutralidade do pesquisador em relação ao objeto investigado,
distanciando-se da subjetividade das múltiplas perspectivas.

Nos séculos XVI e XVII, enquanto a ciência se consolidava como forma de


produção de conhecimento baseada nos princípios da razão, da lógica e do
pensamento matemático, visando a uma interferência ativa e objetiva na natureza,
as preocupações teóricas do campo da Arte vão incorporar a subjetividade [...]
(FERREIRA, 2010, p.264).

A distinção entre Arte e Ciência se fortaleceu ao longo da modernidade com o


surgimento das teorias cartesiana (René Descartes, 1596-1650), empirista (John Locke, 1632 –
1704), e positivista (Auguste Comte, 1798- 1857). Era defendido o emprego da razão lógica na
solução de problemas, baseando-se em leis gerais que explicassem o mundo de forma pragmática
e objetiva, promovendo o avanço cientifico, que resultaria em um futuro no qual todos os
problemas da humanidade seriam superados, e não haveria mais domínio da ignorância, pois seria
suplantada pela razão humana.
A ciência moderna sempre buscou construir modelos científicos, que, segundo Ferreira
(2010, p.265.), “se constitui a partir de uma lógica matemática que se torna o instrumento
privilegiado de análise, assim como a investigação e a representação da própria estrutura da
matéria”. Esse modelo, científico formulado e estruturado ao longo da modernidade, também se
tornou um “modelo totalitário na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de
conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos, e pelas suas regras
metodológicas.” (Santos, B. de S. 2004. apud Ferreira 2010, p.267).

442
Para o avanço do ensino na atualidade, é necessário romper com essa lógica totalitária
da ciência industrializada, que, dissimuladamente, é imposta como modelo de educação
conteudista, tecnicista e pragmática, desqualificando outras formas de saberes. Arte e a Ciência
podem ajudar, de forma democrática, a pensar em uma nova perspectiva que estimule a
aprendizagem e a visão de mundo formada por meio da reflexão e análise crítica. De acordo com
Ferreira (2010, p.271) “a busca por um diálogo entre a arte e a ciência reforça essa tentativa de
criação de novos lugares, diferentes territórios, que possam levar à criação de outras formas de
pensar, estudar e ensinar”.
A arte, por sua vez, permite desenvolver uma linguagem subjetiva, atenta às condições
humanas, representando a subjetividade da vida, de modo que possibilite ao aluno sistematizar uma
nova maneira de ver e refletir sobre o mundo, permitindo-lhe pensá-las de formas diferentes.
Segundo Morin, existem duas linguagens, que são as seguintes:

[...] o ser humano produz duas linguagens a partir de sua língua: uma, racional,
empírica, prática, técnica; outra, simbólica, mítica, mágica. A primeira tende a
precisar, denotar, definir, apóia-se sobre a lógica e ensaia objetivar o que ela
mesma expressa. A segunda utiliza mais a conotação, a analogia, a metáfora, ou
seja, esse halo de significações que circunda cada palavra, cada enunciado e que
ensaia traduzir a verdade da subjetividade. (MORIN, 2008, p.35).

Para que seja possível o desenvolvimento e emancipação do aluno, faz-se pertinente


superar as fronteiras impostas pela modernidade, entre ciência e arte, permitindo o diálogo integral
entre ambas, resultando em uma relação construtiva e progressiva no desenvolvimento da
consciência humana do mundo vivido.
No ensino da Geografia, essa articulação é importantíssima, pois permite trabalhar
diversos conteúdos de forma relacional, desenvolvendo no aluno o conhecimento disciplinar
cientifico, com base no cotidiano, no espaço vivido e em suas experiências, não alienando o teor,
que, nesse sentido, passa integrar à sua realidade. Como diz o saudoso poeta Fernando Pessoa:

O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no


mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo
pensamento que a emoção provoca, que o homem mais realmente vive na terra, a
sua verdadeira experiência, resgista-a ele nos fatos das suas emoções e não na
crônica do seu pensamento científico, ou nas histórias dos seus regentes e dos seus
donos. (PESSOA, 1976, p. 218).

443
Os professores que ensinam Geografia em suas aulas devem buscar essa articulação
entre o conteúdo científico e a vida, pois os conceitos e o pragmatismo não pertencem à realidade
vivida pelos alunos. Estes estudantes vivem e articulam conhecimentos distintos, baseados no
senso comum de determinado lugar, possuem meios de compreender e ver a vida, e criam suas
próprias ideias em relação dialógica com a comunidade. Logo, a arte permite aproximação entre a
vida e a ciência, estimulando a conexão entre criatividade e imaginação.
De acordo com Antônio Candido (1999, p.83), “a necessidade de ficção se manifesta a
cada instante; aliás, ninguém pode passar um dia sem consumi-la, ainda que sob a forma de palpite
na loteria, devaneio, construção ideal ou anedota”. No entanto, essa fantasia não é pura, pois tem
suas bases na realidade vivida pelo homem, seus conflitos, formas de entendimento, o indivíduo se
torna produtor e produto dessa forma de se relacionar com o mundo através da arte.
A literatura brasileira é um recurso didático que pode ser utilizado pelo professor nas
aulas de Geografia, visando combinar ciência e arte, pois, estimulando o diálogo construtivista,
permite trabalhar diversas categorias científicas e estéticas. A literatura permite o aluno construir
sua própria interpretação através da intermediação do professor, concedendo certa autonomia no
momento da aprendizagem. De acordo com Candido:

Seja como for, a sua função educativa é muito mais complexa do que pressupõe
um ponto de vista estritamente pedagógico. A própria ação que exerce nas
camadas profundas afasta a noção convencional de uma atividade delimitada e
dirigida segundo os requisitos das normas vigentes. A literatura pode formar; mas
não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente como um
veículo da tríade famosa, — o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme os
interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Longe
de ser um apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio,
novamente em grande voga), ela age com o impacto indiscriminado da própria
vida e educa como ela, — com altos e baixos, luzes e sombras. Daí as atitudes
ambivalentes que suscita nos moralistas e nos educadores, ao mesmo tempo
fascinados pela sua força humanizadora e temerosos da sua indiscriminada
riqueza. (CANDIDO, 1999, p.84).

Por isso, a literatura aborda questões peculiares da vida, não se limitando a uma única
visão de mundo, mas abrindo um leque de interpretações que cooperam para o desenvolvimento
humano, possibilitando a emancipação em seu sentido profundo, pois não se limita apenas a
aspectos conteudistas, “dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda

444
a sua gama, é artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta”
(CANDIDO, 1999, p.84).
Todos os alunos possuem a predisposição para aprender. No entanto, muitas das vezes,
o professor não tem encontrado o caminho para estimular seus alunos. Nesse momento,
entendemos o motivo dessa dificuldade, em três pontos: o primeiro é o antagonismo entre Ciência
e Arte exercida pelos manuais científicos e reforçado no modelo de ensino tradicional; o segundo
é não levar em consideração a realidade vivida pelos alunos em sua comunidade, e apreciar o
mesmo como tábula rasa como quer acreditar John Locke (1632 – 1704); e o terceiro ponto, é supor
um desenvolvimento unidirecional que não dá importância à condição da existência humana, a
consciência e a liberdade, que é conhecer a si e o mundo. Assim, a arte, através de sua expressão
criativa e de uma educação efetiva, condiciona o homem a exercitar sua emancipação ou
autonomia.
Desta forma, propomos a literatura como um instrumento pedagógico que pode ser
utilizado pelo professor de Geografia como uma maneira de apresentar o conteúdo e relacioná-lo
com a narrativa, que, por sua vez, representa inúmeras situações humanas. Diante desta
possibilidade, o aluno é estimulado a praticar a leitura interpretativa com base nos conceitos
geográficos, tornando-se, portanto, autor de seu saber, através da intermediação do docente.

2.2 Geografia e Literatura


A Literatura apresenta potencial riquíssimo para os geógrafos que buscam apreender
sobre costumes, hábitos, relações sociais, visão de mundo e determinados comportamentos em
épocas diferentes, além de permitir análises de conceitos como paisagem, território, lugar e espaço,
os quais se apresentam como pano de fundo da narrativa. Cabe ao geógrafo fazer a interpretação
da narrativa a fim de levantar novas indagações que proporcionem múltiplas reflexões sobre como
conceber a relação homem-meio em diferentes épocas.
A subjetividade do enredo das narrativas torna o homem consciente das inúmeras
possibilidades de ver e viver o mundo. Esse processo possui uma vivacidade que transmite ao
leitor, além das ações dos personagens, suas visões de mundo e toda uma gama de sentimentos e
pressupostos, que se movimentam e fluem através das páginas, permitindo uma relação dialética
com a obra.

445
As abordagens de obras literárias, debatidas sob viés geográfico, datam de 1940,
principalmente por geógrafos franceses. Eles procuravam fazer investigações a fim de compreender
aspectos sociais, principalmente em romances, contos, e crônicas. A literatura se torna uma farta
fonte bibliográfica, principalmente o romance.
As análises de obras literárias não requerem o abandono dos conhecimentos científicos
geográficos, mas, sim, seu inverso, pois demanda um refinamento teórico conceitual e linguístico,
cujo objetivo é produzir uma análise consistente, que, por meio do olhar geográfico, exponha
integralmente a essência da obra. É fundamental trabalhar a literatura para ensinar os conteúdos
geográficos, pois promove a ampliação de categorias de análises, contribuindo para a formação
crítica e o domínio linguístico. Para que o ensino seja efetivo, é necessário relacionar a obra
escolhida com o conteúdo científico e o cotidiano do aluno, que, através da dialética, o mesmo
venha a desenvolver uma observação crítica, correlacionando os fatos apresentados pelo autor, na
obra literária, e o conteúdo ministrado em sala de aula. Esse processo condiciona interação do
universo ficcional com a realidade do aluno, intermediado pela ciência Geografia, resultando em
aprendizagem profunda sobre os aspectos humanos e naturais, ou seja: “Ela não corrompe nem
edifica, portanto, mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal,
humaniza em sentido profundo, porque faz viver. (CANDIDO, 2002, p.85)”.
O Brasil possui inúmeras obras literárias que retratam as riquezas das regiões
brasileiras, e suas diversas culturas. Entre tantos escritores que se destacaram no cenário da
Literatura brasileira, pode-se apontar que Bernardo Guimarães, Franklin Távora, e Graciliano
Ramos buscaram inspiração para escrever na paisagem e nos conflitos sociais que os cingiam cuja
experiência foi retratada sob olhar consciente, de modo a manifestar a identidade da região e sua
substância: Segundo Coutinho:

Essa substância decorre, primeiramente, do fundo natural; clima, topografia, flora,


fauna etc. como elementos que afetam a vida humana na região; em segundo lugar,
das maneiras peculiares da sociedade humana estabelecida naquela região e que a
fizeram distinta de qualquer outra. Este último sentido é o regionalismo autêntico
(COUTINHO, 1995, p.202).

A obra literária não pode ser analisada em partes, pois é resultado de um todo,
apresentado pelo autor, que busca expressar a realidade em sua complexidade. Os enredos trazem
a existência daquilo que é invisível aos olhos, como os sentimentos, as experiências dos

446
personagens no tempo e espaço vividos. A literatura não se define por conceitos científicos. Quem
escreve exerce sua função livremente, fazendo uso de sua vivência e humanidade.
A literatura pode ser uma ferramenta valiosa no ensino da Geografia, porém é
necessário que o professor tenha pleno domínio do conteúdo e, sempre que possível, trabalhar com
a interdisciplinaridade, por estabelecer relação entre as duas disciplinas, possibilitando ao aluno
dominar o conhecimento teórico e simbólico. Segundo Libâneo (2004, p.12.) “apropriar-se desses
conteúdos – das ciências, das artes, da moral – significa, em última instância, apropriar-se das
formas de desenvolvimento do pensamento”. Sendo assim, pode-se conceber um ensino que vise
o desenvolvimento do pensamento e garanta a emancipação do discente.
No entanto, para que essa didática baseada nas obras literárias seja satisfatória é
necessário que o docente consiga articular a didática e a didática especifica. O conteúdo deve ser
apresentado de forma coerente, permitindo a aprendizagem do método investigativo da ciência
geográfica por meio da literatura.
Nesse sentido, a teoria do Ensino Desenvolvimental pode auxiliar no aprendizado dos
saberes vinculado ao conteúdo disciplinar da ciência geográfica. Esta metodologia, por oferecer
bases conceituais que permitem repensar a didática, mediante aquisição dos conceitos e métodos
de investigação geográfica, apresenta meios que incentivam a emancipação do aluno.

2.3 A Teoria Desenvolvimental


A Teoria Desenvolvimetal do ensino foi proposta pelo psicólogo russo Vasilievich
Davydo. Com base nos fundamentos da psicologia de L. S. Vygotsky e A. N. Leontiev, fundadores
da teoria histórico-cultural, buscaram relacionar o desenvolvimento cognitivo da criança com a
cultura, linguagem, e a mediação simbólica.
De acordo com Davydov, o ensino promove apropriação da cultura, que é realizada por
intermédio do professor, cujo papel é promover o diálogo entre o aluno e o conteúdo,
proporcionando o ambiente de aprendizagem, onde o aluno possa desenvolver seu pensamento.
Nessa ocasião, o docente deve trabalhar na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) do aluno,
que significa:
[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um

447
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1991,
p.97).

Cabe ao professor buscar conhecer os alunos e o contexto atual em que estão


relacionadas à aprendizagem de determinados conteúdos, de modo a obter uma leitura prévia dos
conhecimentos adquiridos, para, em seguida, elaborar o ponto de partida que promova o
“desenvolvimento dos processos psíquicos dos indivíduos, estimulando e fazendo avançar,
provocando mudanças nas esferas intelectual, emocional e individual, por meio da generalização e
formação de conceitos (LIBÂNEO, 2016, p. 357). Libâneo cita Davydov que, por sua vez,
menciona a tese central de Vygotsky a respeito da importância (ZTP), relacionando-a com a
educação:

[...] aspecto essencial da educação é que ela cria zonas de desenvolvimento


proximal, isto é, chama a criança para a vida, desperta e aciona uma série de
processos internos de desenvolvimento, para o que se requer inter-relações com
os que a rodeiam e a colaboração com os companheiros. (LIBÂNEO, 2016, P.
357).

Essa intermediação possibilita ao aluno internalizar conceitos que são, “ao mesmo
tempo, um reflexo do ser e um procedimento da operação mental”. (DAVYDOV apud LIBÂNEO,
2004, p.15), que propicia o desenvolvimento real do mesmo:

[...] ao aprender um conteúdo, o aluno adquire os métodos e estratégias cognitivas


gerais intrínsecos a este conteúdo, convertendo-os em proced-imentos mentais
para analisar e resolver problemas e situações concretas da vida prática. O
pensamento teórico se desenvolve, portanto, pela formação de conceitos e pelo
domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que, pelo seu caráter
generalizador, permitem sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem.
(LIBÂNEO, 2016, p.358 – 359.).

A Teoria do Ensino Desenvolvimental, diferente de outras teorias, tem como objetivo,


“ensinar aos estudantes as habilidades de aprenderem por si mesmos, ou seja, aprender a pensar”.
(LIBÂNEO, 2004, p.20), possibilitando a construção do próprio conhecimento, que permite a
emancipação e o desenvolvimento do pensamento, não se limitando a um ensino baseado apenas
no conhecimento empírico, descritivo, classificatório” (LIBÂNEO, 2016, p.358), que não concebe
o desenvolvimento integral do aluno.

448
A narrativa literária permite ao professor trabalhar a dinâmica da natureza e da
sociedade, que é uma relação universal da ciência geográfica, além dos signos culturais presentes
na obra. Partindo do conhecimento que o aluno dispõe, a formação de zonas de desenvolvimento
proximal (ZTP), propiciam a aprendizagem dos conceitos nucleares princípio aglutinador do
conteúdo ensinado, evidenciando a relação universal do objeto estudado, o qual dá oportunidade
para que o aluno se aproprie de novos processos mentais que não dispunha até então. segundo
Libâneo:

[...] a função preponderante da escola é assegurar os meios para os alunos


formarem um modo de pensar teórico- conceitual apropriando-se dos
conhecimentos. Esse modo de pensar consiste em formar conceitos enquanto
modos de operação mental com o objeto de estudo, tendo como base os processos
lógicos e investigativos da ciência ensinada. O processo de apropriação dos
conhecimentos na forma de conceitos produz mudanças no desenvolvimento
psíquico dos alunos, propiciando novas capacidades intelectuais para apropriação
de conhecimentos de nível mais complexo. (LIBÂNEO, 2016, p. 368).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Portanto, a interpretação de um texto literário pode ser proposta como uma atividade
durante a aula de Geografia, pois propicia o diálogo dos alunos com o texto e com seus pares, e
fomenta a aprendizagem, através da intermediação do professor. Uma referência textual poética
que pode ser utilizada como exemplo de exercício baseado no modelo de ensino desenvolvimental
é o consagrado poema de “Gonçalves Dias (1823 - 1846), “Canção do Exilio”:

CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas.


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, á noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
449
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, á noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu´inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. (Dias, 2003, p. 19)

O poema acima permite ao docente trabalhar o conceito de paisagem, segundo a


ciência geográfica, e toda a rede de conceitos que lhe dá suporte. São abordados conceitos já
internalizados anteriormente, e novos que devem ser apresentados pelo professor que:

[...] recorre aos saberes constituídos na sua disciplina, decorrentes da investigação


científica. No caso da geografia, trata-se de reconstituir historicamente o percurso
lógico e histórico do campo geográfico e consolidado até o presente nos produtos
da investigação. (LIBÂNEO, 2016, p. 371).

Dessa forma, a atividade de interpretação de um poema, com base nos conceitos


geográficos, como o caso apresentado, estabelece a interdisciplinaridade promovendo a relação
entre saberes, e o avanço da aprendizagem por parte do aluno, que, através desse processo, vai
desenvolver novas perspectivas de leituras.
A paisagem como um texto configura a metáfora central da geografia cultural, pois o
processo de descrição de uma paisagem compõe-se de diversos elementos, captados pelos cinco
sentidos e pela percepção, e posteriormente, a partir do processo cognitivo. No entanto, o processo
oposto, que é a leitura de uma paisagem em forma textual, permite o investigador delinear ou
esboçar mentalmente a paisagem, através de sua imaginação que constitui conhecimentos e
sentimentos, despertando uma sinestesia criativa possibilitando novas formas de analisá-la. É
necessário começar pela linguagem, na forma de olhar com a mente. Logo, nota-se a importância
do conceito, que “significa um conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares de
uma relação abstrata”. (CHAIKLIN,1999, apud, Libâneo, 2016, p. 358).

450
No caso do poema “Canção do Exilio”, o docente pode propor aos discentes identificar
a relação do eu-lírico com a natureza; quais são os aspectos ressaltados e por que; qual seria o
significado da terra para o mesmo; e o que ele busca expressar na composição.
Essa proposta visa favorecer a relação da Ciência com a Arte, através da literatura como
recurso didático que favoreça a compreensão dos conceitos geográficos:

Esta nova aproximação quer mais do que identificar elementos “reais” na


descrição das paisagens e dos lugares. Quer estabelecer um entrelaçamento de
saberes que se tecem também pelos fios do entendimento da espacialidade e da
geograficidade, enquanto elementos indissociáveis de qualquer narrativa ou
manifestação cultural. (MARANDOLA JR. E OLIVEIRA 2009, p. 09).

Dessa maneira, por meio do ensino desenvolvimental, pode-se conceber a literatura


neste caso, a poesia – como uma atividade que desperte nos alunos novas formas de olhar e
compreender o mundo, através dos conceitos da ciência geográfica, e que despertem a reflexão e o
desenvolvimento cognitivo, como bem coloca Libâneo:

[...] aprender um conteúdo é ter o domínio e o uso consciente do conceito teórico


geral desse conteúdo, formado com base nos princípios lógicos e investigativos
que dão suporte ao campo científico que dá origem ao conteúdo. A culminância
esperada da aprendizagem é que ao aprender, o aluno se apropria do processo
histórico real da gênese e desenvolvimento da geografia, internalizando métodos
e estratégias cognitivas gerais dessa ciência, formando conceitos científicos (no
caso da geografia, procedimentos mentais “geográficos”), de modo a servir-se
deles para analisar e resolver problemas e situações concretas de vida.
(LIBÂNEO, 2016, p.376).

Diante de tudo que já foi apresentado ou abordado, fica evidente a importância da Arte
e da Ciência para o ensino emancipatório, e como a literatura pode ser proposta como exercício
didático, para que o aluno possa se apropriar de novos conceitos, e adquirir uma nova forma de
análise e procedimento cientifico que desenvolverão sua capacidade de pensamento, para além do
puro tecnicismo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino deve possuir a condição de permitir a emancipação do aluno. Nesse quesito,
o artigo buscou articular a Arte e a Ciência como ferramentas de reflexão, em um momento em que
é imposta uma visão técnico-científica do ensino, que cujo objetivo deve ser o de garantir processo
de abordagem acrítica e desprovida de reflexões teóricas, as quais não garantem o desenvolvimento
451
do discente, enquanto sujeito. Essa visão moderna de ensino, baseada em modelos técnicos e
científicos, deteriora toda forma de conhecimento que não seja do interesse do sistema de produção
capitalista, além de negligenciar as diferenças e buscar a padronização de todo o sistema
educacional. Dado este cenário, a formação de mão de obra especializada para atender a demanda
do mercado é o principal reflexo deste processo para a sociedade.
No entanto, para superar esse modelo de ensino é necessário propor novos caminhos e
submeter o sistema de ensino vigente a críticas, que apontem os pontos discutíveis e proponham
avanços na formação de um aluno autônomo, emancipado, como quer a teoria do Ensino
Desenvolvimental. Para que haja evolução, é fundamental que as diversas disciplinas estejam
comprometidas no estímulo à reflexão, e, sempre que possível, buscar a interdisciplinaridade. O
caso da literatura como recurso didático para o ensino da Geografia demonstra o caráter integrador
do modelo que busca relacionar duas áreas distintas de conhecimento.
Portanto, esse artigo propõe promover uma leitura que vise o avanço do ensino de
geografia baseado em aprendizagem que garanta a emancipação do aluno como resultado do
processo. Por meio da integração da Ciência e da Arte, mediante a literatura de cunho nacional,
que possa ser utilizada pelo professor de geografia como recurso didático durante as aulas, como
possibilidade de permitir novas perceptivas.

REFERÊNCIAS

BÂNEO, J. C. A Teoria do Ensino para o Desenvolvimento Humano e o Planejamento de


Ensino. Goiânia, v. 19, n. 2, p. 353-387, maio/ago. 2016.

CANDIDO. A. Textos de intervenção. São Paulo: Duas Cidades, 2002.

COUTINHO, A. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

DIAS, G. Poemas de Gonçalves Dias: seleção, introdução e notas de Péricles Eugênio da Silva
Ramos. 15. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

FAVALESSA, L. A.; BARROS, D. E. C. Leitura literária no contexto escolar: os clássicos em


cena. Revista Práticas de Linguagem. Vol.1, n. 2, jul./dez.2011.

FERREIRA, F. R. Ciência e arte: investigações sobre identidades, diferenças e diálogos. Educ.


Pesqui., São Paulo, v. 36, n. 1, abr. 2010. Disponível em:

452
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151797022010000100005&lng=en&n
rm=iso>. Acesso em: 20 Jul. 2018.

FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Apresentação de


Ana Maria Araújo Freire. Carta-prefácio de Balduino A. Andreola. São Paulo: Editora UNESP,
2000.

GOMES, P.C. da C. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

LIBÂNEO, J. C. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a teoria histórico-cultural


da atividade e a contribuição de Vasili Davydov. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro,
n. 27, 2004.

LUKESI, C. C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 2003.

MARANDOLA JR, E.; GRATÂO, L. H. B. Geografia e Literatura: Ensaios sobre


geograficidade, poética e imaginação. Londrina: EDUEL, 2010.

PESSOA, F. Obras em prosa em um volume. Rio de janeiro: Nova Aguilar, 1976.

SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: autores associados, 20001.

SOBRE OS AUTORES

GUSTAVO GABRIEL GARCIA


gustavogabriel009@hotmail.com

Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá em 2017. Ingresso no curso


de Mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Geografia (PGE) em 2018.

LUCAS DA SILVA SALMERON


lucas_salmeron@hotmail.com.br

Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Paraná em 2017. Ingresso no curso de


Mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Geografia (PGE) em 2018.

HENRIQUE MANOEL DA SILVA


h-manoel@uol.com.br

Possui graduação em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1988),
cursou pós-graduação em Ciência Política na Universidade de São Paulo (1992), mestrado em
História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000) e doutorado em
História pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007). Atualmente é professor adjunto da
Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PGE), além
de colaborador do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem.
453
24

MUNICÍPOS E PEQUENAS CIDADES DO CONTESTADO PARANAENSE

Juliana Castilho Bueno


Ângela Maria Endlich

RESUMO

O território é a dimensão do espaço que dá margem à reivindicação da sua apropriação. O sentido


do conceito de território tem a ver com o espaço permeado pela posse. O território é considerado
como o espaço pertencente a um povo e, portanto, suas riquezas pertenceriam a ele. Contudo,
sabemos que não é assim que o mundo tem funcionado. Por isso, a ideia é reivindicar o espaço em
nome do território e construir uma apropriação verdadeira. Ter um território como apropriação, é
também possuir todas as riquezas que a ele está vinculada. Nesse contexto, os movimentos sociais
têm papel fundamental na reivindicação e apropriação de um território, pois envolvem além de
aspectos físicos, questões culturais, econômicas e sociais. Compreender o Sudoeste do estado do
Paraná é interpretar movimentos sociais como a Guerra do Contestado, fundamental para a
formação da região, e a Revolta dos Posseiros, responsável pela organização de pequenas
propriedades. Analisando as localidades que nela estão inseridas, através de parâmetros
desenvolvidos por outros autores, considerando o número de habitantes da área urbana e
estabelecimentos terciários, são destacadas três classificações, sendo: municípios, pequenas
cidades e médias cidades. A população foi um dos aspectos adotados para o desenvolvimento do
trabalho, devido ao surpreendente número de municípios e pequenas cidades na classificação.
Verificar a dinâmica de perdas e ganhos populacionais e as políticas de desenvolvimentos que
proporcionam tais resultados, que são capazes de interferir em aspectos físicos e humanos de
determinadas localidades.

Palavras-chave: Municípios. Pequenas Cidades. Contestado. População. Paraná.

454
INTRODUÇÃO
Para o presente artigo foi desenvolvido uma pesquisa sobre a Região Sudoeste do
estado do Paraná, conhecida como região do Contestado paranaense. Esse território foi anexado ao
Paraná e, consequentemente, ao Brasil em pouco mais de 100 (cem) anos e por fruto da ocorrência
do movimento social denominado de Guerra do Contestado, que envolveram conflitos
internacionais e nacionais e passaram a configurar a estrutura territorial paranaense dos dias atuais.
É relevante compreender o território como um espaço que envolve questões físicas,
sociais, econômicas e culturais. Reivindicar e apropriar-se de uma espacialidade permite adquirir
as riquezas e possibilidades que nela estão inclusas.
Tendo em vista os atributos da área analisada neste trabalho, dedicou-se, de modo
específico a analisar o conjunto de localidades urbanas existentes nesta área, com objetivo de
identificá-las e classificá-las. Trata-se de uma região que se destaca pela concentração de pequenas
cidades e localidades. Por isso, o ponto em destaque do trabalho foram os municípios e as pequenas
cidades. Buscou-se aplicar, como forma metodológica, alguns critérios para a conclusão do
objetivo, com base em autores e pesquisas cientificas realizadas, capazes de demonstrar a diferença
entre municípios e cidades, e esclarecer a classificação em pequenas, médias e grandes cidades.
Para tal classificação, os principais aspectos da metodologia foram a população e os
estabelecimentos comerciais terciários.
A tarefa de conceituar e definir pequena cidade consiste em buscar, justamente,
elementos, processos ou atributos que permitam compreender o limiar de uma cidade, e para tanto
é preciso também considerar uma área de comparabilidade, pois os mesmos atributos ou critérios
podem ter pesos e significados diferentes no tempo e no espaço. (ENDLICH, 2017). Para este
trabalho buscou-se fazer essa avaliação tendo em vista a região mencionada como uma área de
comparabilidade, pelo conceito e definição definidas por Endlich.
Além da Guerra do Contestado, a Região Sudoeste passou, em meados do século XX,
pela Revolta dos Posseiros, responsável por uma divisão espacial em pequenas propriedades, o que
a diferencia com relação ao estado e que a configura, em sua grande maioria, no trabalho familiar.
Em meio à classificação entre municípios e pequenas cidades, o trabalho aborda
aspecto populacional, destacando as localidades que mais ganham e as que mais perdem população,
pontuando o que essas fazem e desenvolvem para manter seus habitantes. Nesta perspectiva,
realiza-se uma análise particular de alguns casos em destaque.
455
2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
Segundo a Lei Estadual nº 15.825 de 2008, o estado do Paraná foi dividido em sub-
regiões que correspondem a um conjunto de características comuns. A região estudada, de acordo
com o relevo paranaense, localiza-se no terceiro planalto e pode ser observada na Figura 1.

Figura 1: Mapa da Região Sudoeste do estado do Paraná.

Fonte: IBGE (2019).

Fazendo divisa internacional com a Argentina e Nacional com o estado de Santa


Catarina, a Região Sudoeste do Estado do Paraná, segundo os levantamentos do ano de 2016 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vem sendo a região do estado com melhores
resultados de crescimento econômico do Paraná com índice de 0,25% acima da média do estado,
que podem ser ocasionados, justamente, por movimentos históricos que modificam a estrutura
territorial, econômica e social.
2.1 Os movimentos sociais no Sudoeste Paranaense
Compreendendo melhor a formação territorial paranaense, no que diz respeito ao
trecho entre Guaíra e Foz do Iguaçu, que posteriormente forma-se o Território Nacional do Iguaçu,
e foca a Região Sudoeste, podemos verificar que, “[...], a Argentina alegava possuir plenos direitos
456
sobre o território. Iniciou-se a chamada “Questão de Palmas”, ou mais conhecida entre os
argentinos como La Cuestión de Missiones, na qual a Argentina reivindicava a posse de parte dos
atuais territórios do Paraná e Santa Catarina. [...] 1895, o território em litígio foi incorporado ao
Brasil” (PRIORI [et al., 2012).
O arbitramento não pôs fim às disputas travadas nessa região e os confrontos
continuaram durante a segunda década do século XX. Nesse período, iniciou-se um litígio
territorial nacional entre os estados do Paraná e Santa Catarina por 48.000km², que ficou conhecido
como Contestado. Paralelamente a essa disputa, desenvolveu-se na área um conflito messiânico
que causou a morte de milhares de pessoas entre os anos de 1912 e 1916. Após o fim desse conflito
a questão territorial foi decidida judicialmente. (PRIORI [et al.], 2012).
Como podemos notar, as Regiões Oeste de Santa Catarina e Oeste e Sudoeste do
Paraná, onde mais tarde foi criado o Território Federal do Iguaçu, estiveram quase sempre
envolvidas em disputas territoriais. (PRIORI [et al.], 2012).
De forma especial, as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas por uma efervescente
movimentação social no campo brasileiro [...] (AMÂNCIO, 2009).
A maior parte dessa movimentação foi ocasionada pela lei de Terras de 1850, o que
impedia a apropriação de terras, e a partir dessa data a terra lhe era concedida pela movimentação
de compra. Dessa forma as terras pertenciam ao Estado, que designou companhias imobiliárias
para realizar as vendas. Contudo, em grande parte das terras, já haviam moradores denominados
de colonos ou posseiros, que passaram por processo de expropriação.
Dessa forma, em resposta a toda ação expropriadora das companhias de terras, somada
às frustradas buscas legais para a resolução do problema, os posseiros e colonos decidiram lutar à
sua maneira. No lugar de ações pacíficas sem retorno prático, foi instalado um processo de
violência de ambos os lados. O primeiro confronto entre jagunços e posseiros aconteceu em 2 de
agosto de 1957, no distrito de Verê, quando um grupo de colonos armados marchou em direção ao
escritório da Companhia Comercial. Na ocasião vinha à frente um colono envolvido em uma
bandeira do Brasil; ele foi morto ali mesmo por Jagunços. (PRIORI [et al.], 2012).
Inúmeros indícios de violência fizeram parte da Revolta dos Posseiros, como estupros,
covardias e violências físicas. Atingiram diversas categorias da sociedade,

457
a presença de companhias imobiliárias na região não perturbava apenas os colonos
e posseiros, mas também os moradores das cidades, que se viam prejudicados pela
paralisação das lavouras. Dessa forma, não apenas os posseiros e os colonos
discutiam a situação, mas também comerciantes e profissionais liberais passaram
a posicionar-se contra as companhias. (PRIORI [et al.], 2012, p.152).

Porém, para que os frutos da revolta pudessem ser realmente colhidos, o processo de uma
concreta definição jurídica para as terras do Sudoeste precisou ser tramitado no campo político.
(AMÂNCIO, 2009)
O estado paranaense cria o Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste (Getsop),

assim, por meio da atuação de GETSOP, órgão responsável pela demarcação e


divisão dos lotes de terras do Sudoeste paranaense, entre os posseiros da região, a
Revolta de 1957, alcançou seu triunfo: o fim da indefinição jurídica por tantos
anos, vividas pelos colonos e posseiros sudoestianos. (PRIORI [et al.], 2012,
p.156)

O fato da interferência da Getsop, fez com que a região sudoeste tivesse várias
pequenas propriedades, uma característica específica no estado; um dos motivos que colocam a
Revolta dos posseiros como um movimento vantajoso.

2.2 Identificação de municípios e pequenas cidades


Municípios e cidades detêm definições distintas, o primeiro termo pode ser
compreendido como correspondente da localidade, já o segundo corresponde à área urbana.
O município pode ser considerado como a institucionalização formal da escala local no
Brasil. Em outros países podem existir outras instituições, mas sempre haverá alguma similar ou
equivalente, como por exemplo o caso das comunas na França. Quanto à cidade é preciso que
existam algumas características que nem sempre estão em todas as sedes municipais ou pequenas
aglomerações. Podemos assinalar que, concretamente, existem mais municípios do que cidades, já
que muitas sedes não poderão ser consideradas como tal (ENDLICH, 2017).
Diante desses aspectos, alguns critérios de classificação foram adotados, para
identificar e diferenciar municípios e pequenas cidades, contudo, antes de delimitar, é preciso uma
compreensão,
[...] ao observarmos na história da instituição do município que com a formação
dos Estados nacionais ele foi generalizado por todo o território e estendido como
forma de administração, obviamente não havia concretamente uma cidade em

458
todas as áreas. Assim, existe uma localidade que é sua sede, mas não exatamente
uma cidade (ENDLICH, 2017. p. 38).

É preciso considerar que existem essas três possibilidades quanto a essa atividade
comparativa que é classificar e enquadrar uma localidade quanto ao seu tamanho demográfico,
territorial e funcional (ENDLICH, 2017).
Tendo em vista os aspectos de classificação e tomando por referência especialmente os
aspectos funcionais e a centralidade urbana, para identificar uma cidade podem ser utilizados dois
tipos de dados – a população intraurbana e o número de estabelecimentos vinculados ao setor
terciário. Este dado tem como objetivo captar a centralidade urbana e a complexidade mínima
necessária para se reconhecer a existência de uma cidade. Deste modo, adotamos como critérios
para fazer essa análise na região de estudo os seguintes critérios: população da área urbana inferior
a 5 mil habitantes e número de estabelecimentos menor que 50. As localidades não serão
consideradas cidades, apenas municípios; população na área urbana entre 5 a 50 mil habitantes e
acima de 50 a 800, serão consideradas pequenas cidades. Como podemos observar na citação
abaixo, a trilha conceitual e de definição das pequenas cidades:

Adequando os critérios para a região estudada poderiam ser reunidos os critérios


demográficos (mínimo de 5 mil habitantes) e o número de estabelecimentos
terciários existentes em cada município (igual ou maior que cinquenta
estabelecimentos) para se considerar a existência de uma cidade no seu limiar
mínimo. O limiar máximo seria de 50 mil habitantes e até oitocentos
estabelecimentos terciários (ENDLICH, 2017, p.43).

Consideramos, portanto, esta definição dos parâmetros e a utilizamos como base para
a classificação das localidades da Região Sudoeste do estado do Paraná.

3. MATERIAIS E MÉTODO
Levando em consideração a definição de municípios e pequenas cidades do Sudoeste,
realizou-se primeiramente um levantamento bibliográfico quantitativo. Levantou-se um
arrolamento da bibliografia existente em institutos como o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes),
utilizando os cadernos municipais, sempre fazendo uso dos materiais mais recentes, que no caso
foram os dados do período de 2010 e 2016.

459
Em seguida, construiu-se uma planilha contendo a população urbana e os dados
encontrados acerca dos estabelecimentos terciários, para identificar e classificar os espaços entre
municípios e pequenas cidades. Também foram levantados aspectos como população total, índice
de ganhos ou perdas populacionais, data de emancipação ou fundação das localidades,
macrorregião. Cada localidade recebeu um número na planilha para ser localizada posteriormente
no mapa. Utilizou-se de estudos de outros autores que como forma de comparatibilidade e
formando um parâmetro para classificar que pode ser observada na Quadro 1:

Quadro 1: Quadro para classificação de localidades do Sudoeste do Paraná em 2018.


CLASSIFICAÇÃO HABITANTES ESTABELECIMENTOS TERCIÁRIOS
APENAS MUNICÍPIO <5.000 < 50
= ou < 5.000 e <
PEQUENA CIDADE = ou > 50 e < 500
49.999
MÉDIA CIDADE = ou > 50.000 = ou > 500
Fonte: Endlich (2018).

Numa etapa posterior, foi realizada a análise dos dados populacionais e dos índices
também contidos na tabela elaborada, identificando nos municípios e nas pequenas cidades os que
perdem e ganham população. Posteriormente, dando ênfase para o que mais ganha e o que mais
perde de cada classificação, foi realizada uma pesquisa documental e também em prefeituras das
localidades selecionadas, buscando explicações para tais resultados, seja ele positivo ou negativo.
Outro aspecto que também foi considerado e analisado como consequência da classificação que
obtivemos, foi a data de emancipação ou fundação das localidades, podendo ser interpretado como
uma das explicações para o resultado da classificação.
Para expressar todas as análises realizadas, utilizou-se mapas como ferramenta, e sua
elaboração foi através do Softwares Qgis (QuantunGis) na versão 2.18.20.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Aplicando a metodologia, obtivemos a planilha que pode ser observada no Quadro 2.
A Região Sudoeste é subdividida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em

460
quatro microrregiões geográficas, para essa divisão são utilizados alguns critérios que envolvem
economia, cultura, dentre outros, portanto também expressamos esse dado na planilha.

Quadro 2: Quadro de classificação das localidades do Sudoeste do Estado do Paraná em 2018.

ESTABELECIMEN
MACRORREGIÃO

CLASSIFICAÇÃO
EMANCIPAÇÃO
COMERCIAIS
TERCIÁRIOS
POPULAÇÃO

POPULAÇÃO

FUNDAÇÃO/

ÍNDICE DE
PERDA OU
NÚMERO

URBANA

GANHO
TOTAL

DATA
TOS
NOME

PEQUENA
1 Ampére 17.308 13.257 200 28/11/1961 +1,03
CIDADE
2 Bela Vista do Caroba 4.136 1.041 27 01/01/1997 -1,31 MUNICÍPIO
MRG CAPANEMA

PEQUENA
3 Capanema 18.526 11.150 250 14/12/1952 +0,16
CIDADE
4 Pérola do Oeste 6.761 3.187 90 27/11/1961 -0,84 MUNICÍPIO
PEQUENA
5 Planalto 13.649 6.068 121 11/11/1993 +0,34
CIDADE
6 Pranchita 5.628 3.605 65 01/02/1983 -1,06 MUNICÍPIO
PEQUENA
7 Realeza 16.338 11.796 288 12/11/1963 +0,19
CIDADE
Santa Izabel do PEQUENA
8 13.132 7.421 153 13/12/1964 +1,15
Oeste CIDADE
PEQUENA
9 Barracão 9.735 7.008 138 14/12/1952 +0,49
CIDADE
Boa Esperança do
10 2.764 953 21 01/01/1993 -1,16 MUNICÍPIO
Iguaçu
11 Bom Jesus do Sul 3.733 933 18 01/01/1997 -0,90 MUNICÍPIO
MRG FRANCISCO BELTRÃO

12 Cruzeiro do Iguaçu 4.278 2.623 32 01/01/1993 +0,27 MUNICÍPIO


PEQUENA
13 Dois Vizinhos 34.001 28.095 521 28/11/1961 +1,24
CIDADE
14 Enéias Marques 6.103 2.126 48 14/12/1964 +0,45 MUNICÍPIO
15 Flor da Serra do Sul 4.726 1.644 39 01/01/1993 +0,68 MUNICÍPIO
MÉDIA
16 Francisco Beltrão 72.509 67.449 1.118 14/12/1952 +1,63
CIDADE
17 Manfrinópolis 3.127 652 15 01/01/1997 -1,90 MUNICÍPIO
PEQUENA
18 Marmeleiro 13.900 8.824 160 25/11/1961 +0,17
CIDADE
Nova Esperança do
19 5.098 1.744 50 01/01/1993 -0,31 MUNICÍPIO
Sudoeste
Nova Prata do PEQUENA
20 10.377 6.067 110 01/02/1983 -0,02
Iguaçu CIDADE
21 Pinhal de São Bento 2.625 1.166 17 01/01/1993 +0,25 MUNICÍPIO
22 Renascença 6.812 3.485 61 29/11/1961 +0,21 MUNICÍPIO

461
23 Salgado Filho 4.403 2.254 35 14/12/1964 -1,91 MUNICÍPIO
PEQUENA
24 Salto do Lontra 13.689 7.431 153 13/12/1964 +0,71
CIDADE
Santo Antônio do PEQUENA
25 18.893 13.711 208 14/12/1952 +0,56
Sudoeste CIDADE
PEQUENA
26 São Jorge d´Oeste 9.085 5.214 92 23/11/1953 +0,24
CIDADE
27 Verê 7.878 3.281 68 26/10/1963 -1,01 MUNICÍPIO
28 Bom Sucesso do Sul 3.293 1.581 26 01/01/1993 +0,30 MUNICÍPIO
PEQUENA
MRG PATO BRANCO

29 Chopinzinho 19.679 12.508 207 14/12/1952 +0,43


CIDADE
PEQUENA
30 Coronel Vivida 21.749 15.445 249 14/12/1955 +0,69
CIDADE
PEQUENA
31 Itapejara d’Oeste 11.685 6.987 108 14/12/1964 +1,40
CIDADE
32 Mariópolis 6.268 4.469 71 28/11/1961 +0,41 MUNICÍPIO
MÉDIA
33 Pato Branco 72.370 68.091 1.111 14/12/1952 +1,52
CIDADE
34 Vitorino 6.513 3.988 59 29/11/1961 +0,36 MUNICÍPIO
PEQUENA
35 Clevelândia 17.240 14.758 199 28/06/1892 -0,64
CIDADE
Coronel Domingos
36 7.230 1.753 32 01/01/1997 -0,33 MUNICÍPIO
Soares
MRE PALMAS

37 Honório Serpa 5.965 1.988 60 01/01/1993 -1,46 MUNICÍPIO


PEQUENA
38 Mangueirinha 17.048 8.394 167 30/11/1946 -0,41
CIDADE
MÉDIA
39 Palmas 42.888 39.795 402 14/04/1879 +2,11
CIDADE
PEQUENA
40 São João 10.599 6.735 117 15/11/1961 -0,56
CIDADE
41 Saudade do Iguaçu 5.028 2.503 44 01/01/1993 +0,88 MUNICÍPIO
42 Sulina 3.394 1.390 24 01/01/1989 -1,43 MUNICÍPIO
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018)

De acordo com os critérios de classificação foram obtidos na Região Sudoeste três


grupos distintos dentre os seus 42 municípios que se enquadraram sendo: municípios, pequenas
cidades e médias cidades, visto na Figura 2. Outro aspecto levantado na planilha de dados foi a
data de emancipação dos municípios. Ao perceber através do levantamento realizado que a grande
maioria das que não são considerados cidades, por não atingiram número de população urbana e
estabelecimentos terciários nos padrões utilizados, tiveram sua emancipação decretada apenas na
década de 1990. Um enfoque mais detalhado foi dado aos municípios e as pequenas cidades,
levando em consideração os índices populacionais, fazendo uso dos dados de porcentagem de perda
populacional, como observado na Figura 3.
462
Figura 2: Classificação das localidades do Sudoeste do Paraná em 2019.

Fonte: IBGE (2019)

463
Figura 3: Índices de perdas populacionais dos municípios e pequenas cidades do Sudoeste do Paraná em
2019.

Fonte: IBGE (2019).

Como pode ser observado através da Figura 5, as pequenas localidades tendem a perder
população, Segundo Endlich (2017): “(...) portanto, as pequenas cidades, especialmente as não

464
metropolitanas, tendem a perder centralidade no atual período”, isso se dá ao fato da procura pelas
grandes centralidades que proporcionam maiores quantidades de empregos.
4.1 A Região Sudoeste
Ao levantar os dados em uma planilha para classificação das localidades, encontrou-se
dificuldade em diferenciar os municípios, havendo a necessidade de adotarmos os critérios de
população superior a 5 mil habitantes e mais de 50 estabelecimentos para compor as pequenas
cidades, como já foi pontuado anteriormente. Diante desses aspectos, houve a possibilidade de
construção de um mapa comparando a média populacional do Paraná com a região de estudo. O
resultado pode ser observado na Figura 4.

Figura 4: Comparação dos habitantes entre as localidades do Sudoeste e as cidades do Paraná.

Fonte: IBGE (2018).

De acordo com os resultados, é perceptível que as localidades do Sudoeste, região,


como já tivemos oportunidade de pontuar, conhecida como Contestado paranaense, tem uma média
de população inferior ao estado, com apenas 4 dos 42 estando acima da média estadual de 26.176
(vinte e seis mil, cento e setenta e seis) habitantes, aproximadamente.
Diante dos resultados, era esperado encontrar nessa região uma quantidade maior de
municípios do que cidades, sendo assim, foram classificados 21 municípios, 19 pequenas cidades
e apenas 2 médias cidades que ultrapassaram a média que 50 mil habitantes e 800 estabelecimentos.
Com relação aos municípios, percebe-se que do total de 21, 12 foram emancipados
apenas na década de 1990, o que reforça o fato de serem municípios recentes. Essas emancipações
podem estar relacionadas ao movimento histórico da Revolta dos Posseiros ocorridas na década de
465
50 e que trouxe uma configuração territorial diferenciada para a região, ou seja, região constituída
de pequenas propriedades que favorecem o trabalho familiar. Dentre a classe dos municípios e
pequenas cidades foi realizada uma análise do aspecto populacional e selecionado dessa categoria
a que mais perde e a que mais ganha população.
O município que mais ganha população é Saudade do Iguaçu, como pode ser observado
no Quadro 2. Em desenvolvimento de pesquisa e levantamentos de dados, segundo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este município tem o maior Produto Interno Bruto
(PIB) do estado do Paraná e encontra-se na 20ª (vigésima) posição no Brasil. Isso acontece porque
o município é palco de uma hidroelétrica que faz parte da Engaie, empresa franco-Bélgica, que
atualmente é a maior geradora de energia privada do Brasil, sendo ao todo 31 Usinas Hidroelétricas
em todo o país. Esta realidade faz com que o referido município seja um atrativo para a população
que busca empregos, uma vez que a média salarial da cidade, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, é de R$ 3.100, 00 (três mil e cem reais). Contudo, fazemos aqui uma
ressalva: dentro da usina não há empregos para todos. Deste modo, há uma necessidade de
desenvolver atividades para empregar a população, fazendo com que seu líder político invista para
atrair empresas que proporcione trabalho. Neste sentido, foi incentivado a instalação da Baggio,
indústria de confecção, que foi inaugurada na cidade com intuito de gerar empregos. O município,
também com o intuito de gerar empregos, mesmo que periódicos, realiza um tradicional
campeonato de pesca de lambaris, que atraí diversos visitantes em determinados períodos do ano.
A liderança política viabilizou o uso de áreas próximas à barragem da usina de Salto Santiago, para
desenvolver condomínios de lazer, sendo utilizados na maioria dos casos como segunda residência.
A construção civil também foi uma abertura de trabalho para a população.
Já o município que mais perde população é Salgado Filho. Ao levantar dados sobre
essa localidade, foi observado que ele tem características de um município que tenta investir na
diversidade, explorando a sua agricultura familiar na produção de queijos e vinhos para manter a
população do município. Diante disso, tentam desenvolver a rota dos queijos e vinhos, para atrair
ao município visitantes que passarem rumo ao Termas de Verê. Outras iniciativas estão sendo
tomadas, como a caminhada dos queijos e vinhos, que acontece no mês de abril, na qual os
visitantes passam por algumas vinícolas e produções de queijos familiares, conhecendo um pouco
sobre a história e a produção dos mesmos. Outra iniciativa que ocorre há mais de 20 anos é a Festa
dos Queijos e Vinhos, no mês de julho. Essa festa acontece no bosque da cidade e são feitas
466
algumas disputas entre os melhores queijos e melhores vinhos da festa. O município tem uma
cooperativa chamada de Cooperativa de leite e Agricultura de Salgado filho (Coopersal), fundada
em 2003, que vem se desenvolvendo e ajudando os produtores na venda e distribuição dos
produtos.
Em relação às pequenas cidades do Sudoeste, a que mais ganha população é Palmas.
Essa é a cidade que representa o Contestado, pois foi a primeira a surgir na Região Sudoeste.
Segundo pesquisas realizadas, a cidade vem ganhando população e crescendo devido a sua
organização e aos investimentos diversificados. Foi a primeira do sul do país a desenvolver e
utilizar energia eólica, é a maior produtora de maçã e pioneira na produção de morango
hidropônico. Devido ao clima e solo favoráveis é a maior produtora de trigo do Paraná. É um
município que também investe na diversidade produzindo batata, feijão, milho, dentre outros
produtos. No ramo da agropecuária se destaca da produção de gado da raça branco-pardas, sendo
a maior produtora do país. Investe em turismo, conhecida como a Gramado paranaense, explorando
seus recursos naturais. Atualmente a cidade disputa para ser palco para investimentos de Usinas
Eólicas.
Dentre as pequenas cidades, a que mais perde população é Clevelândia. Segundo
estudos realizados, como os de Endlich, a cidade tem um condizente histórico muito rico nos
aspectos de colonização da cidade e também desde a formação do Sudoeste. A atual Clevelândia
era chamada como antigos campos de Palmas. O principal ponto turístico é a igreja construída toda
de pedra e sua praça. Na cidade também ocorrem os festivais do pinhão, onde é selecionada a rainha
da festa. Ainda existe nessa localidade a produção de erva-mate, contudo pode ser apontado como
um dos fatores oriundos da perda populacional a agricultura da soja, que ocorre em cerca de 80%da
área da cidade, segundo dados do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social). Como a produção da soja é mecanizada, há uma menor necessidade de mão-de-obra. A
falta de uma produção mais diversificada faz com que muitos moradores busquem outras cidades
como Pato Branco para atender suas necessidades, principalmente as que envolvem trabalho.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois das análises feitas sobre a Região Sudoeste, constatou-se que ela foi
recentemente incorporada ao território paranaense e brasileiro, diante de movimentos sociais, que

467
por sua vez também influenciaram nos desenvolvimentos dos municípios e das cidades. Trata-se
de uma região onde predominam as pequenas localidades, algumas como foi possível apreender
neste trabalho possuem atributos que objetivamente permitem que sejam consideradas como
cidades, ainda que pequenas. Outras localidades não alcançam o que seria a complexidade mínima,
mas são relevantes pontos de apoio para a população nelas residentes, ainda que sejam apenas sedes
dos municípios. Foi preciso adequar os critérios do modo como foi utilizado em outros estudos
similares para que eles fossem adequados para a região, dessa forma, conseguimos chegar a
resultados para análise.
Segundo a frase de Santos (1991): “A guerra dos lugares”, em seu livro: “A natureza
do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, ao analisar um dos casos acima apresentados, fica
claro que os aspectos naturais do território foi capaz de atrair uma empresa multinacional, porém
o dinheiro gerado por esse território não permanece nele, nem no estado e nem país. O lucro e o
alto Produto Interno Bruto (PIB) que ali é gerado volta para os países de origem da empresa e o
que resta ao município são as consequências dos impactos sobre a paisagem, a fauna e a flora
daquela localidade. A pesca de lambari é uma demonstração das consequências de alteração na
diversidade. É perceptível, através das localidades analisadas, que o investimento em diversidade
é capaz de obter desenvolvimentos coletivos e não apenas para grupos específicos ou isolados.
Na história, os períodos de maior riqueza artística e intelectual expressam a ideia de
coletividade e se configuram em movimentos. O valor desses períodos não se deve a um só artista
ou cientista, mas justamente porque reuniu vários deles. O que há de melhor é produzido
coletivamente e é produto da interação social. Expressam a sinergia, que é mais do que os esforços
individuais, mais do que a mera soma das partes. A soma delas cria algo diferente e superior às
suas somas individuais. (ENDLICH, 2017)
Com um olhar sobre a pequena cidade, percebemos a perda populacional para outras
cidades que oferecem maiores diversidades em trabalho, moradia, necessidades básicas, dentre
outros,
Segundo Ricardo Abramovay (1992), o camponês tem papel de grande importância
devido a sua agricultura familiar realizada em pequenas propriedades, o que proporciona para a
localidade diversidade e oportunidade de abastecimento de localidades próximas, auxiliando assim
no desenvolvimento econômico.

468
Quando os dados são analisados, espera-se que aqueles municípios que apresentam de
forma quantitativa números superiores ou melhores apresentem uma qualidade de vida da
população que corresponda aos seus dados, entretanto, através de estudos como o aqui apresentado
é possível romper com estereótipos, e observar, que muitas vezes, o pequeno apresenta nível
qualitativo superior.

REFERÊNCIAS

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Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. 342 p.

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os eixos de mudança. Brasília: Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2008. v. 1. 138 p.

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jun. 2018.

CADERNO ESTATÍSTICO DO MUNICÍPIO DE SAUDADE DO IGUAÇU. IPARDES.


Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=85568.
Acesso em: 06 jun. 2018.

CADERNO ESTATÍSTICO DO MUNICÍPIO DE PALMAS. IPARDES. Disponível em:


http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=84670. Acesso em: 06 jun.
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ENDLICH, A. M. Cooperações Intermunicipais: alguns aportes. Maringá: PGE – UEM, 2017.


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469
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espaciais. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006. 254 p.

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Dezembro de 2013, Serv. Soc. Rev., Londrina, V. 16, N .1, p. 66-88, jul./dez. 2013

PERFIL DA REGIÃO SUDOESTE DO ESTADO DO PARANÁ. IPARDES. Disponível em:


http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?codlocal=707&btOk=ok. Acesso
em: 09 mai. 2018.

PLANO CARTOGRÁFICO DO ESTADO DO PARANÁ. IPARDES. Curitiba-PR, 2010.


Disponível em: http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/Plano-Cartográfic-2010- aprovado.pdf.
Acesso em: 10 mai. 2018.

PRIORI, A.; POMARI, L. R.; AMÂNCIO, S. M.; IPÓLITO, V. K. História do Paraná: séculos
XIX e XX. Eduem-UEM, Maringá- PR, Brasil, 2012. 264 p.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec,
1996. 467 p.

470
SOBRE OS AUTORES

JULIANA CASTILHO BUENO


Julianacastilho94@gmail.com

Possui graduação em História pelo Centro Universitário de Maringá (2018) e graduação em


Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (2015). Tem experiência na área de Geografia.
Vinculada ao PGE-UEM como aluna para o desenvolvimento do mestrado acadêmico turma de
2018, cujo propósito é utilizar a cartografia como ferramenta de estudos sobre o Sudoeste do
Paraná.

ÂNGELA MARIA ENDLICH


amendlich@hotmail.com

Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e Doutorado
em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Tese: Pensando os
papéis e significados das pequenas cidades na região Noroeste do Paraná - 2006), com a orientação
de Maria Encarnação Beltrão Sposito. Estágio pós-doutoral na Universidade de Barcelona (2013-
2014). Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual de Maringá, onde atua no ensino
de graduação e pós-graduação. Área de atuação no ensino e de pesquisa: Geografia Urbana,
Geografia Regional, Geografia Econômica e Planejamento. Temas principais de trabalho:
pequenas cidades, rede urbana, urbanização e urbanidade.

471
25

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO E A RELAÇÃO COM OS CONJUNTOS


HABITACIONAIS DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA EM MARINGÁ/PR
E NOS DISTRITOS DE FLORIANO E IGUATEMI

Livia Fiorillo Nunes

RESUMO

Este artigo apresenta algumas considerações sobre as relações das habitações sociais no processo
de produção do espaço urbano brasileiro. De modo mais preciso, quais as possíveis relações entre
o Programa Minha Casa, Minha Vida, sua parceria com os grandes agentes e os processos de
segregação socioespacial. Ao promover grandes reassentamentos populacionais, principalmente
para os Distritos no caso de algumas cidades médias brasileiras, os sujeitos são submetidos a um
processo de empobrecimento territorial. É o que acontece no município de Maringá no Estado do
Paraná. Apesar do programa habitacional fornecer acesso à moradia, os indivíduos acabam sendo
submetidos a certas condições, na medida em que, são realocados para residir em áreas periféricas
afastadas dos grandes centros, de um modo que acaba dificultando o acesso à cidade, além de
também gerar grandes vazios urbanos. Nesse sentido, o presente artigo busca mostrar os efeitos
territoriais existentes ligados as habitações sociais que são destinadas às classes de menor renda,
nesse caso em específico, as habitações do Programa Minha Casa, Minha Vida. Portanto, é
fundamental e urgente que o geógrafo com sua perspectiva interescalar problematize tal questão,
para que assim, consiga elaborar formas concretas de se pensar as circunstâncias de vida das
classes trabalhadoras, no arranjo da morfologia urbana.

Palavras-chave: Segregação Socioespacial. Programa Minha Casa Minha Vida. Habitações


Sociais.

472
INTRODUÇÃO
Os cidadãos brasileiros têm uma herança histórica de processos sociais que excluem
boa parte da população das possibilidades de ter uma vida digna. Dentre eles, temos a apropriação
desigual do espaço, que se intensifica com o modo de produção capitalista em conjunto com a
produção do espaço urbano. No que se refere a esta produção, é visível a presença do capital
incorporado ao interesse do mercado imobiliário em relação a valorização articulada no preço das
terras e dos imóveis. São características e contornos desiguais que se manifestam em diferentes
escalas e, certamente, são ligados por processos políticos e econômicos mais amplos.
Essa é uma prática recorrente na mercantilização do solo urbano, pois fornece as
condições para justificar o alto valor imobiliário de certas áreas da cidade, mais precisamente
daquelas mais privilegiadas em termos infraestruturais. Nesse aspecto, o Estado, um dos agentes
envolvidos no processo de produção do espaço urbano, como destaca Corrêa (1995), desempenha
um papel fundamental na constituição de desigualdades territoriais, através da definição de áreas
para a provisão das infraestruturas sociais básicas
Nesse sentido, para entender os problemas e ajudar na compreensão das estratégias
para elevar as condições da cidadania brasileira e encurtar as desigualdades é fundamental a
consideração da dimensão espacial. Sua importância tem sido percebida por diversas políticas
públicas e, mais que isso, incorporando elaborações teóricas de geógrafos brasileiros. É o caso, por
exemplo, de programas habitacionais, como o “Minha Casa, Minha Vida” que busca facilitar o
acesso à casa própria para famílias de baixa renda. Contudo, à medida que o programa fornece a
moradia, cria-se obstáculos para efetivar o direito à cidade, uma vez que, as famílias, alvo de
políticas de habitação social, são realocadas de seus espaços constituídos, para outros mais
precários; afastados dos centros urbanos e, muitas vezes, sem infraestruturas necessárias, gerando
assim, um fortalecimento das desigualdades territoriais e da segregação socioespacial.

2. MATERIAIS E MÉTODO
Desde o final do século XX e início de século XXI, o Brasil passou por inúmeras e
importantes transformações. Dentre elas, uma parte importante decorre das políticas sociais e
habitacionais adotadas nos últimos anos pelo Governo Federal. Portanto, só muito recentemente,
a proteção social, em especial a saúde e a assistência social, tornou-se direito acessível a todos.
Foi com a Constituição Federal de 1988 que esses importantes avanços foram conquistados.
473
Assim, para compreender algumas dimensões desse processo na organização do espaço urbano,
bem como no seu conteúdo social, é necessário levar em consideração a grande extensão
territorial do Brasil, que condiciona e expressa inúmeras desigualdades, as quais se dão em
múltiplas escalas: entre regiões, entre Estados, entre cidades e entre lugares da cidade. Tais
políticas implicaram em grandes mudanças na organização do espaço urbano, na sua morfologia,
bem como no seu conteúdo social.
O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), certamente, exerceu um importante
papel nas transformações espaciais pelas quais passaram as cidades, colocando em relação uma
multiplicidade de agentes: Estado, em seus diversos níveis, e os agentes imobiliários, sobretudo.
São estes, como destaca Corrêa (1995), os principais agentes do processo de produção do espaço
urbano.
De acordo com Milton Santos, o processo de urbanização brasileira produziu cidades
com uma estrutura desigual e fragmentada. Suas obras, “Manual de geografia urbana” (1981) e
“Metrópole corporativa fragmentada” (2009), expõem como nossas cidades foram se
constituindo e qual sua lógica de seu funcionamento. O êxodo rural e o crescimento das cidades,
aliado a um urbanismo segregador, levaram os pobres a ter como única opção as áreas mais
afastadas do centro urbano, desprovidas de infraestrutura básica e distante dos locais de trabalho
e centros de comércio. Condicionados pelos baixos rendimentos, bem como pela ausência de
renda, os pobres são levados a morar em áreas pobres do ponto de vista territorial (SANTOS,
2007). Esse é um paradigma das cidades capitalistas que geram a segregação da moradia
vinculada às condições de renda dos indivíduos, o que reflete uma sociedade segmentada e
desigual. Em sua obra “O espaço do cidadão”, Milton Santos destaca que, na cidade capitalista
“cada homem vale pelo lugar onde está” (2007, p. 107).
Aqui há alguns elementos importantes que podem ser elaborados e usados para
compreender a dinâmica atual do mercado imobiliário nas cidades médias. Primeiro que morar
no centro e morar na periferia não são a mesma coisa. A diferença se dá em função do contexto
territorial. A presença ou ausência de infraestruturas básicas (públicas e privadas de uso coletivo)
denotam a riqueza ou a pobreza do lugar. Por conseguinte, esse contexto territorial condiciona a
resiliência dos indivíduos. A riqueza territorial, que é produção social, torna-os menos ou mais
cidadãos, menos ou mais vulneráveis, menos ou mais pobres, a depender da localização. Na
medida em que vivem e trabalham na cidade, os cidadãos estão, constantemente, criando valor
474
e produzindo riqueza urbana. Assim, o trabalhador produz riqueza, mas ao final não pode,
plenamente, usufruir dela. Esse processo – produção social da riqueza e sua apropriação seletiva
por agentes específicos – pode ser bem compreendido pela ideia de “bem comum urbano”,
apresentada por David Harvey (2014), em sua obra Cidades Rebeldes - do Direito à Cidades à
Revolução Urbana.
No ano de 2003, foi criado o Ministério das Cidades que tinha como objetivo reformar
o sistema de crédito imobiliário. Em 2005, cria-se o Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social e, também, o Fundo Nacional de Habilitação de Interesse Social, pela Lei nº 11124/05,
que agregou todos os programas de habitação. Já em 2008, o Plano Nacional de Habitação
(PlanHab) incluiu a política urbana juntamente com a política habitacional para propor ajustes
às famílias de baixa renda, como também manter o crescimento do país frente a uma crise
mundial. Surge então, em 2009, o Programa “Minha Casa, Minha Vida” com o intuito de ampliar
o acesso à casa própria para as famílias, de acordo com a faixa de renda, além de fornecer mais
empregos através do investimento, exercendo um papel importante na dinâmica econômica das
cidades médias (AMORE, 2015).
De acordo com Amore (2015, p. 15):

O “Minha Casa, Minha Vida” é, antes de tudo, uma “marca”, sob a qual se
organiza uma série de subprogramas, modalidades, fundos, linhas de
financiamento, tipologias habitacionais, agentes operadores, formas de acesso ao
produto “casa própria” – esta sim uma característica que unifica as diferentes
experiências.

Assim, o PMCMV criou subsídios para as famílias com rendimentos de até


R$1.600,00 (cerca de três salários mínimos, em 2011) entrarem no programa, concentrando-se,
portanto, na faixa de maior déficit habitacional. São principalmente essas famílias que passaram
por processos de periferização, reforçando a segregação socioespacial já tão marcante nas
cidades brasileiras.
De 2009 até junho de 2014, o Programa Minha Casa, Minha Vida admitiu a produção
de 3,6 milhões de unidades habitacionais, com investimentos de R$ 225 bilhões, sendo 46%
destinado às famílias com rendimento de até três salários mínimos. Do ponto de vista
estritamente econômico, essa política habitacional gerou efeitos positivos em cadeia,
dinamizando a economia ao gerar empregos diretos e indiretos. Em 2013, os investimentos no
475
PMCMV geraram cerca de 1,3 milhão de postos de trabalho diretos e indiretos na cadeia da
construção civil: construtoras, prestadoras de serviços, comércio, indústria de materiais de
construção, entre outros (BRASIL, 2014). Em 2016, iniciou-se a terceira fase do Programa, onde
houve algumas alterações, como a criação da faixa 1,5 - que beneficia famílias com uma renda
bruta mensal de até R$ 2.350,00 e, o aumento dos limites nas faixas. O teto da faixa 1 passou de
R$ 1,6 mil para 1,8 mil, faixa 2 vai de R$ 3.275 para R$ 3,6 mil e a faixa 3 admite famílias com
renda de até R$ 6,5 mil (Ministério das Cidades, 2016).
É fato que o programa fornece acesso à moradia, mas por outro lado, obstaculiza o
direito à cidade, principalmente para essas famílias de baixa renda que são reconduzidas para
locais distantes, pois não possuem dos meios para acessar os melhores espaços. O geógrafo
David Harvey enfatiza que o acesso à cidade é um direito coletivo e não individual, pois todos
estão envolvidos nas transformações urbanas e deveriam ter a liberdade de construir e reconstruir
tanto a si mesmo como as cidades. Em seu livro “Cidades Rebeldes - do Direito à Cidades à
Revolução Urbana” (2014), o autor aponta uma perda da comunalidade urbana onde os impactos
dos interesses da classe capitalista moldam as relações sociais e a vida urbana em geral. De
acordo com este geógrafo:

Grande parte da corrupção que assola a política urbana relaciona-se ao modo


como os investimentos públicos são alocados para produzir algo que se
assemelhe a comum, mas que promove ganhos em valores patrimoniais privados
de proprietários privilegiados de bens imóveis. (HARVEY, 2014 p. 154)

Temos, portanto, um programa em desenvolvimento pelo Estado, juntamente com


outros agentes, que diz ser em benefício do comum, mas que acaba privilegiando agentes
financeiros, proprietários de terras, agentes imobiliários, empreiteiras e incorporadores. São
esses agentes, portanto, que definem a morfologia urbana de acordo com os seus interesses em
maximizar as margens de lucro, ou seja, foi estabelecido de acordo com os interesses de poder
do capital imobiliário. Enquanto as classes trabalhadoras ficam com a falsa visão de estarem
inclusas no processo, quando na verdade, são excluídas das decisões mais importantes sobre os
rumos da cidade e, portanto, de sua vida. Lembra-nos Milton Santos (2000), que enquanto os
trabalhadores, os mais pobres, têm a cidade como abrigo, isto é, como elemento essencial para
a vida cotidiana, para os agentes econômicos, o território é apenas recurso, ou seja, um meio

476
através do qual se pode extrair lucro.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Maringá, localizada na mesorregião centro-norte do Estado do Paraná (Figura 1) se
destaca como uma das principais cidades médias do estado assim como Londrina e desempenha
importante papel no âmbito da rede urbana regional pois, desde o início do seu desenvolvimento,
apresenta diferencial em relação às outras cidades norte-paranaenses. Na publicação “Regiões de
Influência das Cidades 2007” (IBGE, 2008), o norte do Paraná conta com duas Capitais Regionais
B, Londrina e Maringá. O município ocupa, portanto, posição importante na atual rede urbana do
estado do Paraná. Dessa forma, como destaca Sposito (2004, p. 126), cidades médias “são centros
regionais importantes, em função de serem os elos entre cidades maiores e menores”. Apesar de
ser uma referência regional e apresentar características urbanísticas famosas como grandes parques
urbanos, Maringá apresenta níveis de pobreza, desigualdade e segregação socioespacial.

Figura 1- Localização do município de Maringá/PR.

Fonte: Endlich, (1998) adaptado por Andrade e Cordovil (2008).


477
O povoamento de Maringá teve início em 1938, mas foi a partir dos primeiros anos da
década de 40 que surgiram as primeiras edificações urbanas. Passados os anos e com uma malha
urbana de certa forma já configurada, Maringá é fundada em 10 de maio de 1947 como um Distrito
de Mandaguari. Somente em 1951, com a Lei nº 790 de 14/11/1951, é que Maringá foi elevada ao
patamar de município tendo como Distritos: Iguatemi, Floriano e Ivatuba (que posteriormente
desmembrou-se de Maringá).
Projetada para ser um centro urbano regional de prestador de serviços e produção de
mercadorias, a cidade de Maringá experimentou um rápido crescimento demográfico, diretamente
ligado à expansão da fronteira agrícola, através da venda de pequenos lotes na região sob
responsabilidade da CMNP (Companhia Melhoramentos Norte do Paraná), onde pequenos
produtores puderam se instalar e produzir.
Para Rodrigues et al. (2010), ao mesmo tempo em que a cidade crescia demográfica e
economicamente, a expansão da malha urbana provocou uma diferenciação na ocupação
residencial, em outras palavras, uma segmentação socioespacial, em que as classes populares se
localizavam em áreas mais afastadas do centro da cidade. Em suas áreas residenciais centrais, os
preços elevados privilegiam assim moradores de alto poder de renda. Políticas habitacionais até
chegam ao município, mas sempre sendo instaladas em porções mais distantes das áreas centrais.
Entre a periferia que se consolidava e o centro, grandes porções de vazios urbanos eram mantidos
à espera de valorização, ou seja, em sua maioria, esses vazios são dados como reservas de valor
que são gradualmente loteados e vendidos para a população de renda média e alta ou ainda,
destinados a grupos privilegiados, enquanto para acomodar a camada social de baixa renda na
cidade, sobram as áreas menos valorizadas.
No Plano Local de Habitação de Interesse Social - PLHIS de Maringá (2010), segundo
os arquitetos entrevistados, em relação a questão habitacional em Maringá, a oferta de habitação
para as famílias com renda de três a seis salários mínimos é considerável e adequada, oposto da
oferta a famílias de zero a três salários mínimos, que estão dispersas pela cidade vivendo
precariamente.
Ainda, segundo o arquiteto Claudinei José Vechi (2010), os empreendimentos do
Programa Minha, Casa Minha Vida não atingem a demanda devido ao elevado custo da terra em
Maringá, levando os conjuntos para os distritos e municípios vizinhos. De acordo com o arquiteto,
478
atualmente, nos distritos existe interesse dos empreendimentos imobiliários para o setor de zero a
três salários mínimos e de três a seis salários mínimos (conjuntos habitacionais), devido à
proximidade com as indústrias, onde trabalha a população. O fator se inverte em relação da faixa
3 do Programa, que engloba de seis a dez salários mínimos. Ainda segundo o arquiteto, as zonas
sul e central de Maringá movimentam o setor imobiliário.
A questão habitacional de Maringá em relação ao alto custo da terra proporciona a
criação da Lei Complementar nº 820/2010, que aprova conjuntos habitacionais a serem
implantados nos distritos do município, para atendimento ao PMCMV. Dois conjuntos
habitatacionais foram citados e implantados com a lei em vigor: Conjunto Habitacional Pioneiro
Gonçalo Vieira dos Santos, em Floriano e o Conjunto Habitacional Albino Meneguetti, em
Iguatemi, todos referente a faixa 1 do programa. Além de outras Leis Complementares que
transformam em Zona Especial para a Habitação De Interesse Social – ZEIS - as áreas destinas
para implementação do Programa.
Sendo assim, observa-se que desde o surgimento do município, Maringá registrou
processos segregadores que, juntamente como outros fatores, provocaram dinâmicas sociais
excludentes, principalmente do ponto de vista das suas espacialidades. Dessa forma, conforme a
cidade crescia, uma parte da população foi distanciada ainda mais dos seus locais de trabalho, lazer
e estudos com a política habitacional estabelecida pelo município como pode ser observado no
Mapa 1. Ainda que o indivíduo ganhe o acesso a moradia própria, estes são transferidos para locais
mais afastados, ou seja, percebe-se que, a maioria dos conjuntos habitacionais do Programa Minha
Casa Minha Vida foram implantados longe das áreas centrais, nos distritos de Iguatemi e Floriano.
Apenas três dos conjuntos foram construídos na parte norte da cidade, ou seja, independentemente
de estarem dentro dos limites da cidade, ainda se encontram em áreas periféricas e afastadas da
área central, promovendo assim, a segregação socioespacial. São eles: o Conjunto Habitacional
Jardim Oriental com rendimento de até seis salários mínimos (faixa 2) e os Condôminos
Residenciais Santa Clara e Santa Júlia, ambos com rendimento de até três salários mínimos (faixa
1).

479
Figura 2 - Conjuntos implantados pelo Programa Minha Casa Minha Vida (faixa 1 e 2)

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

De acordo com Negri (2008), a segregação socioespacial é um fenômeno de múltiplos


aspectos, como o econômico, social, estrutural, entre outros. Conforme a classe mais alta busca
valorizar, de acordo com seus interesses, certos espaços urbanos, as classes mais baixas acabam
sendo deslocadas para áreas com menor valor imobiliário, o que produz a segregação
socioespacial.
Essa é uma prática recorrente na mercantilização do solo urbano, pois fornece as
condições para justificar o alto valor imobiliário de certas áreas da cidade, mais precisamente
daquelas mais privilegiadas em termos infraestruturais.
O Programa Minha Casa, Minha Vida é um exemplo de política que nasce com o intuito
de resolver o problema habitacional no Brasil e promover acesso à moradia, mas não se torna capaz
de intervir na lógica de produção do espaço urbano que, guiado pela ação do mercado imobiliário,
permitiu a especulação imobiliária. A manutenção de tal processo continuou a gerar fragmentação,
desigualdades territoriais e, portanto, segregação socioespacial. Nesse contexto, o Programa
acabou reforçando a desigualdade territorial no município de Maringá, principalmente pelo fato do
alto valor do terreno na cidade sede e por esse motivo, implantam nos distritos, onde o preço da
terra é mais banal para a criação de conjuntos habitacionais referentes ao faixa 1 e 2 que englobam
renda de zero a seis salários mínimos.

480
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa Minha Casa Minha Vida de fato ampliou o acesso a casa própria, onde
famílias que de forma geral, encontravam-se às margens das políticas públicas de acesso à moradia.
No caso de Maringá, como já observado, na medida em que os programas habitacionais facilitam
o acesso à moradia, as populações são deslocadas para áreas mais distantes do centro urbano onde
se concentra a maior parte dos serviços públicos e privados, para áreas onde o custo da terra urbana
é menor e, por consequência, onde há ainda ausência de uma grande parte de infraestruturas
necessárias à sua vida cotidiana. Com isso, acirram-se as desigualdades territoriais e também a
segregação socioespacial. Este cenário demonstra continuidade do processo de periferização das
moradias populares em cidades médias, ou ainda, como no caso aqui estudado, em distritos.
Além do seu afastamento da cidade sede, o que gera vários vazios urbanos e novas
demandas de investimento público, com a necessidade de ampliação da infra-estrutura, os
conjuntos habitacionais do mesmo programa localizam-se, em sua grande maioria, um ao lado do
outro, principalmente em Iguatemi e Floriano, o que motiva o surgimento de grandes conjuntos
configurados como bairros.

REFERÊNCIAS

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cidade?: Avaliação do programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros. Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 11-28.

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"requalificações urbanas". Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las
Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de
Barcelona, 26-30 de mayo de 2008.

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Brasília, DF: MCIDADES; SNH; SAE-PR; IPEA, 2014.

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ENDLICH, A. M. Maringá e o tecer da rede urbana regional. Dissertação (Mestrado em


geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente
Prudente: 1998.

481
HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins
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IBGE. Regiões de Influência das Cidades (2007). Rio de Janeiro, 2008.

NEGRI, S. M. Segregação socioespacial. Coletâneas do Nosso Tempo, 2008.

NUNES, L. F. Mapeamento da inclusão/exclusão social da cidade de Maringá-PR. Trabalho


de conclusão de curso. Universidade Estadual de Maringá, Maringá 2017.

PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. Brasil. (2009). Disponível em:


http://www.minhacasaminhavida.gov.br/habitacao-cidades/programa-minha-casa-minha-vida-
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Secretaria de Planejamento Urbano. In: VECHI, C. J, 2010. Disponível em:
http://www2.maringa.pr.gov.br/sistema/arquivos/f4137b19bb56.pdf. Acesso em 21 de maio de
2018.

ROGRIGUES, A. L.; TONELLA, C. (Orgs.) Retratos da Região Metropolitana de Maringá:


subsídios para a elaboração de políticas públicas participativas. Eduem, 2010.

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_____. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2007.

_____ . O papel ativo da geografia: um manifesto. Revista Território, Rio de Janeiro, n. 9, p.


103-109, jul./dez. 2000.

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avaliação através do caso do Conjunto Albino Meneguetti em Maringá-PR. Seminario
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SPOSITO, M. E. B. Novos conteúdos nas periferias urbanas nas cidades médias do estado de São
Paulo, Brasil. Revista Investigaciones Geográficas, Boletín del Instituto de Geografia-UNAM,
Cidade do México, n.54, 2004.p. 114-139.

SOBRE A AUTORA
LIVIA FIORILLO NUNES
lih.fiorillo@gmail.com

Licenciada em Geografia no ano de 2015 pela Universidade Estadual de Maringá e também


bacharel em Geografia no ano de 2017 pela mesma Universidade. Atualmente, mestranda pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Estadual de Maringá no período de
março de 2018 até março de 2020.
482
26

GEOGRAFIA, ENSINO MÉDIO E REFORMAS EDUCACIONAIS

Lucas da Silva Salmeron


Gustavo Gabriel Garcia
Claudivan Sanches Lopes

RESUMO

O Ensino Médio no Brasil constantemente carregou uma grande especificidade em sua estrutura e
organização, apresentando uma dualidade estrutural marcante entre formação propedêutica e a
formação técnica voltada para o mercado de trabalho. Diante desta “crise de identidade” do Ensino
Médio cabe refletir sobre as finalidades desta etapa do ensino, e como tais finalidades se
configuraram ao longo das reformas vivenciadas nos mais diferentes períodos e contextos
históricos. O presente artigo refere-se aos resultados obtidos até o momento com uma pesquisa de
Mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de
Maringá, constituindo-se de pesquisas bibliográficas em referenciais teóricos que abordam a
questão do Ensino Médio, de sua historicidade e seus desafios. O objetivo deste artigo é analisar o
Ensino Médio ao longo das diversas reformas educacionais vivenciadas em nosso sistema de
ensino, e, dentro do atual contexto de reformas que presenciamos na atualidade, como tal etapa se
encontra estruturada. Além disso, cabe destacar o papel da Geografia Escolar em meio a estes
diferentes contextos, e como esta disciplina se encontra agora em relação à Lei nº 13.415/2017,
que normatizará a estrutura curricular das escolas de todo país, afetando de forma direta a Geografia
que vivencia um contexto de dúvidas e incertezas a respeito de seu futuro nos currículos. Não
obstante, a dualidade estrutural entre uma formação propedêutica e uma formação técnica ainda
não se encontra superada, e assim questiona-se se a Lei nº 13.415 pode acabar agravando esta
dualidade que há décadas acompanha o Ensino Médio.

Palavras-chave: Ensino Médio. Ensino de Geografia. Reforma do Ensino Médio.

483
INTRODUÇÃO
O Ensino Médio, ao longo dos anos de sua existência no ensino brasileiro, esteve
fortemente marcado pelas influências sociais, políticas e econômicas de cada período da nossa
história, revelando, ainda nos dias atuais, dificuldades e situações problemas ainda não superadas,
sendo uma etapa do ensino que apresenta diversas especificidades que precisam ser melhores
compreendidas.
Neste contexto, é possível observar que desde o Período Colonial até a
contemporaneidade o sistema de ensino brasileiro passou por diferentes modificações em sua
estrutura e organização, mas manteve uma característica bastante marcante e que ainda não foi
superada: a dualidade estrutural entre formação propedêutica e intelectual e a formação
profissionalizante voltada para o mercado de trabalho. Este dualismo acaba por evidenciar que
ainda existe nas escolas brasileiras diferenciados caminhos para diferentes classes sociais.
Assim, as políticas educacionais que conhecemos ao longo dos anos para o Ensino
Médio brasileiro vieram acompanhadas deste dualismo que tem suas bases na divisão social do
trabalho, ou seja, na forma como a sociedade se organiza, que expressa as relações e contradições
do capital e trabalho (NASCIMENTO, 2007). É por conta disso que ainda se tem um Ensino Médio
que apresenta fragilidades em sua estrutura e organização e diversas especificidades, dado o seu
caráter que esteve atrelado à políticas que ora o direciona para a formação humanística, ora
direciona para a profissionalização, ou ainda que se apresenta como um projeto integrado de
educação e trabalho (BOTELHO, 2017).
Pensar nas fragilidades e nas possibilidades do Ensino Médio, portanto, se faz cada
vez mais necessário, e recentemente com a Lei nº 13.415, aprovada em 16 de fevereiro de 2017,
maiores mudanças irão ocorrer com esta etapa da formação do educando, já que a “Reforma do
Ensino Médio”, tal como ficou conhecida, irá normatizar a estrutura curricular das escolas de todo
o país. Se torna necessário então compreender como a referida reforma afetará o
ensino/aprendizagem nas escolas brasileiras e também refletir sobre o lugar da Geografia neste
“Novo Ensino Médio”.
É neste contexto que apresentamos o presente artigo visando levantar questões sobre
as Reformas Educacionais vivenciadas na educação brasileira, ressaltando as discussões referentes
ao Ensino Médio, seu caráter histórico e dualístico, bem como as atuais reestruturações que está
presenciando. Num primeiro momento apresentaremos uma retomada histórica das Reformas
Educacionais vivenciadas na educação brasileira, enfatizando a etapa do Ensino Médio para análise
ao longo destas reformas e evidenciando a dualidade estrutural que o acompanha ao longo desta
história. Além disso, será destacado o papel da Geografia enquanto disciplina escolar em meio à
algumas destas reformas. Posteriormente, trataremos sobre o atual Ensino Médio, abordando a
recente Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.

2. MATERIAIS E MÉTODO
O presente artigo refere-se aos resultados obtidos com uma pesquisa de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que
busca compreender a inserção da Geografia no atual contexto de reformas educacionais
presenciados na atualidade, principalmente no que se refere ao contexto da Lei nº 13.415/2017, no
qual se procura entender a Geografia necessária para a etapa do Ensino Médio, que, historicamente,
apresenta uma crise de identidade marcante, e que acaba por refletir, assim, nas disciplinas que
compõem o currículo escolar desta etapa.
Neste contexto, este artigo buscou compreender o Ensino Médio nas diferentes
reformas e políticas educacionais presenciadas no sistema educacional brasileiro, principalmente a
partir da década de 1930, período em que as reformas no mundo da educação e intensificaram.
Buscou-se, também, compreender a atual Reforma do Ensino Médio. Buscou-se assim realizar uma
retomada histórica das reformas educacionais do passado para a compreensão das atuais reformas
em curso no país.
Para tanto, pesquisas bibliográficas foram realizadas, buscando referenciais teóricos
que abordassem a questão do Ensino Médio inserida nas diferentes políticas e reformas
educacionais presenciadas no ensino brasileiro após a década de 1930. Neste sentido, tais
informações foram encontradas em autores como Nascimento (2007; Ramos e Heinsfeld (2017);
Motta e Frigotto (2017); além de autores da Geografia, como Pizzato (2001) e Pontuschka,
Paganelli e Cacete (2007) para entender com maior profundidade a disciplina em questão em meio
a estas reformas. Somado a este resgate histórico, algumas análises sobre as problemáticas do
Ensino Médio e sobre a Lei nº 13.415 também foram tecidas com o objetivo de aprofundar a
discussão aqui proposta.

485
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES: AS DETERMINAÇÕES HISTÓRICAS DO ENSINO
MÉDIO NO BRASIL
Como já mencionado anteriormente, o Ensino Médio possui uma especificidade
marcante, já que nas diversas reformas educacionais vivenciadas no Brasil prevaleceu uma etapa
marcada pela dualidade, um EM que destinou-se à diferentes camadas sociais, havendo, portanto,
uma crise de identidade desta etapa do ensino que se encontra marcada pela formação integral do
sujeito versus formação técnica para o mercado de trabalho.
Dentro desta concepção histórica do EM no qual nos referimos não se pode deixar
de considerar que, durante diferentes períodos, tivemos diferentes contextos políticos, sociais e
econômicos, e como bem nos lembra Pizzato (2001), para que possamos compreender os objetivos,
conceitos e definições existentes nas legislações educacionais é essencial desvendar as
transformações no mundo do trabalho, perceber a ruptura com o passado, os novos processos de
produção, o desemprego decorrente e como tudo isso influenciou nas novas diretrizes educacionais.

3.1 A reforma campos e a reforma capanema


Como ressalta Nascimento (2007), na década de 1930 dava-se início ao período de
consolidação da ordem econômico-social capitalista brasileira através do processo de
industrialização do país. A partir deste período o processo de consolidação no Brasil da ordem
econômico-social capitalista intensificou-se, e assim houveram consequentes transformações na
sociedade.

Com o crescimento urbano, surgiu a necessidade de dar padrões mínimos de


comportamento social à população e com a expansão da indústria, a procura por
mão-de-obra qualificada. Essas necessidades prementes mobilizaram as elites
intelectuais e dirigentes políticos a reivindicar por reforma e a expansão do
sistema educacional brasileiro (NASCIMENTO, 2007, p. 80).

Com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930, tendo Francisco


Campos como seu primeiro titular, vários decretos foram instituídos com a finalidade de reformar
o Ensino Superior, o Ensino Secundário e o Ensino Comercial. A reforma Campos, tal como ficou
conhecida, organizou o Ensino Secundário em duas etapas, sendo elas: a fundamental, com duração
de 5 anos, e a complementar, com duração de 2 anos. O curso fundamental oferecia uma formação
486
básica geral, enquanto o ciclo complementar promovia cursos propedêuticos que buscavam se
articular com o ingresso aos cursos superiores (RAMOS; HEINSFELD, 2017).
Os autores destacam ainda que a Reforma Francisco Campos propôs romper com o
caráter propedêutico do Ensino Secundário de formação para o Ensino Superior com a implantação
do Ensino Comercial, mas que, no entanto, esse ensino profissionalizante não dava acesso ao nível
superior, ficando destinado apenas “às massas”. Logo, o ensino propedêutico permanecia restrito
à elite, que podia se dedicar apenas aos estudos. Consagra-se a dualidade do sistema de ensino que
acompanha o Ensino Médio ao longo de sua história no Brasil.
Com relação à Geografia, Pizzato (2001) destaca o período é significativo em termos
de renovação para a disciplina, pois começa a se firmar uma orientação moderna no ensino da
Geografia escolar, introduzindo transformações em termos de finalidades e metodologias.
A autora acima mencionada corrobora que se ampliou a participação da Geografia no
currículo, que passa agora a constar nas cinco séries do curso fundamental. É neste período que o
Estado valoriza de sobremaneira a ciência geográfica e a Geografia enquanto disciplina escolar.
Percebe-se que esta valorização se dá por conta das finalidades atribuídas ao seu ensino, no qual
percebe-se a exacerbação do seu caráter de difusão da ideologia do nacionalismo patriótico
(PIZZATO, 2001).
Na década de 1940, sob iniciativa do Ministro da Educação Gustavo Capanema
consolida-se o movimento que ficou conhecido como Reforma Capanema. Pizzato (2001) aponta
que a Reforma Capanema demonstrou toda uma concepção de “educar para a pátria”, distanciando-
se dos princípios escolanovistas que eram os de “educar para a sociedade”.
O ministro iniciou a reforma de alguns ramos do ensino, que ficou conhecido pelo
nome “Leis Orgânicas do Ensino”, que estruturaram o ensino propedêutico em primário e
secundário e o ensino técnico-profissional em industrial, comercial, normal e agrícola.
É também neste período que se tem a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial - SENAC - e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI. Explicita-se,
assim, o caráter complementar do Estado para a educação, ou seja, “[...] não se gastaria energia e
investimentos para formação industrial se estes órgãos o fizessem” (PIZZATO, 2001, p. 113).
Ramos e Heinsfeld (2017) destacam que o Ensino Secundário passa a ser organizado
em dois ciclos: o ginasial, com quatro anos de duração, e o colegial com três anos e duas opções
de cursos: o clássico e o científico. O aluno que concluísse o curso clássico ou o curso científico
487
tinha o direito assegurado para ingressar em qualquer curso superior, mediante a realização dos
exames de licença do período. Contudo, o ensino técnico-profissional, cujo objetivo era atender a
demanda por mão de obra qualificada para os diversos setores produtivos da economia brasileira,
não possibilitava acesso ao nível superior.
O que se viu com as Leis Orgânicas implementadas no período referido foi uma
transferência de responsabilidade da formação profissional dos trabalhadores para os
empregadores, que deveria ser preocupação do Governo. Ainda, acentua-se o dualismo que se
iniciou na Reforma Campos ao se oficializar a separação entre o ensino propedêutico, formador
das elites do país, e o ensino profissionalizante, formador de mão de obra técnica.
Em relação ao que cabia à Geografia Escolar no período das políticas da Reforma
Capanema, Pizzato (2001) observa que a legislação, ao oficializar para a disciplina o papel de
garantir o estudo mais profundo da realidade brasileira, de fato, queria garantir o papel de difusão
do nacionalismo patriótico que a Geografia deveria desempenhar.
Após vários anos de debates entre educadores foi outorgada a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no ano de 1961. De tal modo, a LDB nº 4.024/1961
estruturou o Ensino Secundário, que passou a ser ministrado em dois ciclos: o ginasial, com quatro
anos de duração, e o colegial, de três anos. (RAMOS; HEINSFELD, 2017).

3.2 A educação e o ensino médio no governo militar


Nos anos seguintes, ainda na década de 1960, o país vivencia o período do regime
militar, e frente a reação conservadora de 1964, a legislação educacional passa por um processo de
“tecnificização” e expansão controlada (PIZZATO, 2001). O período do governo militar brasileiro
se caracteriza pelo autoritarismo, pela ênfase no crescimento econômico e pelas reformas
institucionais, aí incluso a educação.

A política educacional do governo militar para o Ensino Médio tem uma visão
utilitarista, sob inspiração da ‘teoria do capital humano’, ao pretender estabelecer
uma relação direta entre sistema educacional e sistema operacional, subordinando
a educação à produção. Desta forma, a educação passava a ter a função principal
de habilitar ou qualificar para o mercado de trabalho (NASCIMENTO, 2007, p.
83).

488
Neste contexto, a educação no referido período se volta para o desenvolvimento
econômico do país, com a forte ideia de progresso da nação. Tais pensamentos e concepções
influenciam diretamente na estrutura e organização do ensino que visa atender às necessidades da
expansão capitalista.
Algumas reformas educacionais foram realizadas neste período, tal como a reforma
para o Ensino Médio, realizada por meio da Lei Nº 5692/71, que criou o ensino de 1º e 2º graus.
Com tal legislação o ensino de 2º grau passa a ser obrigatoriamente profissionalizante. Objetivava-
se uma terminalidade a esta etapa do ensino, com pretensões também que um grande contingente
de alunos saíssem do sistema escolar e ingressassem diretamente no mercado de trabalho.
No entanto, apesar da generalização da profissionalização para todos, a reforma do 2º
grau não alcançou os resultados esperados pelo Governo, já que houve uma falta de recursos
humanos e materiais para concretização da reforma (NASCIMENTO, 2007).
Conforme destacam Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), com a Lei 5.692/71
assiste-se à extinção do exame de admissão ao ginásio - que até o momento se fazia presente - e à
fusão do ginásio ao primário. Tais medidas se constituíram como um avanço, mas, no entanto,
aconteceu que as verbas destinadas à educação permaneceram as mesmas, se mostrando
insuficientes para atender ao aumento do público a ser escolarizado.
A proposta de implementação da profissionalização do 2º grau foi alterada pela Lei n.º
7044/82, que extingue a escola única de profissionalização obrigatória, que na verdade nunca
chegou a existir concretamente (NASCIMENTO, 2007). Contudo, a dualidade estrutural que aqui
tanto mencionamos também não conseguiu ser superada com as reformas do período militar.
Se a Geografia Escolar implementada no Brasil nos anos 30 e 40 foram instituições
voltadas para enaltecer o nacionalismo patriótico do país - corroborando no ideal de consolidação
do Estado-nação que se estruturava -, no regime militar que buscou-se um incessante crescimento
econômico, exigindo funcionários especializados que pudessem aumentar a produtividade do
trabalho, o ensino da Geografia , assim como as demais ciências humanas, atravessou este período
de forma instável. De tal modo, foram privilegiadas as disciplinas técnicas, ditas
profissionalizantes, em detrimento das disciplinas das humanidades (PIZZATO, 2001).

Se na Legislação anterior havia sofrido uma revalorização, de acordo com o


Parecer Nº 853/71 e na Resolução nº 8/71, a Geografia passou à categoria de
conteúdo na matéria de Estudos Sociais do Núcleo Comum do currículo de ensino
489
de 1º Grau, ensinada concomitantemente com a História. No 2 º Grau, a Geografia
teve caráter de obrigatoriedade, porém com caráter opcional dependendo da
natureza da habilitação. Os Estudos Sociais vigoraram até l986 realizando seu
papel de preparar ideologicamente os jovens e adolescentes, onde os conteúdos
serviam mais para dissimular a realidade do sistema repressivo que buscava
ocultar, dificultando a formação de uma consciência crítica (PIZZATO, 2001, p.
119).

A legislação que foi imposta de forma autoritária tinha enquanto intenções transformar
a Geografia e a História em disciplinas inexpressivas no interior do currículo, fragmentando seus
respectivos conhecimentos. Os Estudos Sociais apresentavam conteúdos difusos e mal
determinados, que ora apareciam como um sinônimo de Geografia Humana, ora usurpava o lugar
das Ciências Humanas ou da História ou mesmo pretendia impor-se como uma espécie de
aglutinação de todas as ciências humanas (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007).
Como Vesentini (2004) afirma, o sistema escolar passa por constantes processos de
reestruturação, e o ensino da Geografia também passa por questionamentos, propostas de mudanças
e de valorização deste saber, ou mesmo por tentativas de eliminação ou minimização da disciplina.
O que se observou neste período foi uma minimização desta disciplina, que ficou diluída nos
Estudos Sociais.

3.3 A lei de diretrizes e bases de 1996 e as novas finalidades para a educação básica
Com a redemocratização do país após o final do regime militar houve a promulgação
da Constituição de 1988, que trouxe diversas transformações políticas, econômicas e sociais. Tais
mudanças também ocorreram no âmbito do ensino, e assim a Constituição de 1988 proporcionou
condições institucionais para mudanças na educação que já vinham sendo debatidas por
profissionais da área desde a década de 1970.
Nascimento (2007) afirma que o encaminhamento de vários projetos de LDB ao
Congresso foi seguido de longos debates e pressões de alguns segmentos da sociedade, até que,
por fim, no ano de 1996, a nova LDB foi aprovada pelos poderes legislativo e executivo, que
articulava os interesses do Governo. No entanto, o ator ainda destaca que esta nova LDB não
atendeu às aspirações dos educadores, alimentadas por quase duas décadas de discussões.
A aprovação da nova LDB de 1996 compreende um período cuja mundialização da
economia e os novos padrões de organização do trabalho determinaram profundas mudanças nas
demandas da sociedade frente aos sistemas de ensino. Assim sendo, a alteração no modo de
490
organização do trabalho e das relações sociais impõe que uma das tarefas centrais da escola seja de
se adaptar a um tempo cujo princípio é a mudança (PIZZATO, 2001).
Neste contexto da década de 1990, tinha-se uma economia brasileira internacionalizada
na nova fase do capitalismo, e portanto o nível educacional é considerado um fator determinante
na competitividade entre os países. De tal modo, o sistema educacional brasileiro foi
profundamente transformado com as reformas promovidas sob fortes influências dos organismos
multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), além da presença
de organismos multilaterais de financiamento como o Banco Mundial, que passou a definir as
prioridades e estratégias para a educação (NASCIMENTO, 2007).
Com a nova LDB (Lei nº 9.394/1996), a Educação Básica agora compreende a
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, como direito de todos e dever do Estado
e da família. O Ensino Médio, assim, passa a ser legalmente uma competência dos estados, se
constituindo como a última etapa da Educação Básica, passando a ter um caráter formativo e de
terminalidade, superando a ideia de uma etapa intermediária.
De acordo com as novas diretrizes, as disciplinas do Ensino Médio dividiram-se em
dois blocos fundamentais de conhecimentos: uma de base comum - composta por três áreas de
conhecimento: linguagem e código, ciências da natureza e matemática e ciências humanas - e outra
base diversificada – que ocupava 25% da carga horária total e incluía pelo menos uma língua
estrangeira (NASCIMENTO, 2007). Tal proposta se mostra bastante similar à apresentada pela Lei
nº 13.415, recentemente aprovada no ano de 2017, como será colocado no tópico seguinte.
No entanto, o Governo Federal priorizou seus investimentos para o Ensino
Fundamental, deixando para os Estados arcarem com a expansão do Ensino Médio. Os cursos
técnicos profissionais, fortemente presentes nas outras reformas educacionais aqui já mencionadas,
foram desvinculados do nível médio para serem oferecidos concomitante ou sequencialmente.
Ainda assim a dualidade estrutural desta etapa do ensino não conseguiu ser superada,
apesar de determinados avanços terem sidos conquistados com a LDB de 1996. Ramos e Heinsfeld
(2017) corroboram que a proposta de avanço da LDB nº 9394/1996 em tornar o ensino unitário não
conseguiu resolver esta questão da dualidade do sistema de ensino já que estava envolto de questões
econômicas, políticas e sociais.

491
Neste mesmo sentido, diversos autores na atualidade questionam se a atual Reforma
do Ensino Médio poderia vir a aprofundar o abismo já existente entre o ensino
propedêutico/profissionalizante e o detrimento da formação humana. A seguir uma breve
caracterização da referida Reforma do Ensino Médio será realizada, destacando suas
características, finalidades e críticas que foram levantadas por diversos profissionais da educação.

3.4 A lei 13.415: o “novo ensino médio” brasileiro


Como observa-se por meio deste resgaste histórico realizado, o Ensino Médio
brasileiro sempre tem aparecido como um elemento de difícil enquadramento, uma “crise de
identidade” que perdura até os dias atuais. Assim, no dia 22 de setembro de 2016 o Governo Federal
encaminha, no formato de uma Medida Provisória (MP nº 746), medidas que alterariam a estrutura
e a organização desta etapa do ensino, sob a alegação de que era necessário resolver algumas
questões que envolvem o Ensino Médio brasileiro. Assistimos, então, à aprovação da Lei nº 13.415
no dia 16 de fevereiro de 2017, que irá afetar o ensino nas escolas de todo o Brasil.
Tal reforma foi amplamente divulgada pelo Governo Federal nas mídias com
propagandas que ressaltavam a urgência e a necessidade de mudanças para o Ensino Médio. A Lei
em questão:

Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei
no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no11.161, de 5 de agosto de
2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
Médio em Tempo Integral (BRASIL, 2017).

Um dos principais argumentos utilizado pelo Governo para tal “urgência” da reforma
foi o dos baixos índices do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, calculado com
base em resultados de avaliações externas e taxas de evasão. Os maus resultados do Brasil nos
programas de avaliação internacionais, publicados enquanto o projeto já estava em discussão no
Congresso, acabaram servindo para justificar a necessidade de uma “mudança” nesta etapa da
Educação Básica. Além disso, argumentos como o alto índice de evasão, a falta de identificação da
juventude com a atual estrutura do Ensino Médio, a necessidade de flexibilização do currículo e os
492
altos números de jovens fora da escola também foram apontados enquanto questões problemas para
justificar a reforma, alegando-se que a nova proposta irá ajudar a atrair e manter os jovens na
escola.
Cabe destacar que a implantação da reforma depende ainda da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), conjunto de orientações que irá nortear os currículos (SENADO FEDERAL,
2017). A BNCC pretende estabelecer os conhecimentos e habilidades essenciais que deverão fazer
parte dos currículos de todas as escolas, públicas e privadas, porém ainda com muitas incertezas a
respeito de como e quando tais mudanças chegarão de fato nas escolas.
Os autores Neto, Lima e Rocha (2017) relembram que a referida reforma tem dividido
opiniões, no qual de um lado se encontram os que acreditam que essa reforma é necessária e que
solucionará os problemas enfrentados pelo Ensino Médio; e de outro estão os que são contrários à
reforma, pois acreditam que é um velho discurso, com uma nova roupagem.
Inseridos neste contexto, vivenciamos reformas nos mais diferentes âmbitos da
sociedade. Simões (2017) ao contextualizar a Lei 13.415, afirma:

Neste momento emblemático da história do País, as justificativas, a rapidez, as


estratégias, as parcerias e a forma legal apresentada pelo governo federal, por
meio do Ministério da Educação (MEC), para desencadear sua reforma do ensino
médio (E.M.) são indicativos de que estamos vivenciando a hegemonia dos
interesses empresariais-financeiros-neoliberais no campo educacional (SIMÕES,
2017, p. 47).

Neste sentido, destaca-se que se trata de uma reforma inserida em um governo de


propostas neoliberais, alimentadas pelas demandas do atual momento do capitalismo. Como
corroboram Motta e Frigotto (2017), a educação profissional nesta sociedade da atualidade é um
fator importante para a retomada do crescimento econômico, uma vez que o investimento em
capital humano potencializa a produtividade. Sobre esta ideia de investimento em capital humano
como motor para o desenvolvimento econômico, os autores afirmam que “[...] no atual ciclo de
globalização neoliberal, esse investimento é justificado pelo aumento da competitividade no
mercado internacional e para gerar condições de empregabilidade (MOTTA; FRIGOTTO, 2017,
p. 358).
Neto, Lima e Rocha (2017) nos mostram as principais diferenças existentes entre a Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que foram alterados pela Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de

493
2017. Em relação à carga horária do Ensino Médio, A LDB/1996 prevê que, nos três anos do Ensino
Médio, os alunos tenham no mínimo 800 horas de aula. Já com a Lei nº 13.415, deve-se ampliar
progressivamente a carga horária para 1.400 horas, sem muitos detalhes de como tal carga horária
será gradualmente ampliada dentro de cada realidade escolar.
A respeito dos docentes, a lei nº 9.394/96 exigia que os mesmos fossem trabalhadores
de educação com diploma técnico ou superior em área pedagógica ou afim. Contudo, a nova
reforma do Ensino Médio lança um ponto polêmico ao permitir que as redes de ensino e escolas
contratem profissionais com o denominado “notório saber" para atender a formação técnica e
profissional, que estariam, assim, possibilitados a lecionar, desde que as aulas fossem relacionadas
a sua formação, “atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais
da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado” (BRASIL, 2017).
Outro ponto bastante preocupante é a obrigatoriedade de determinadas disciplinas, que
correm o risco de se tornarem facultativas, ou mesmo de desaparecerem dos currículos,
principalmente as disciplinas que compõem o grupo das Ciências Humanas. Conforme Ramos e
Heinsfeld (2017), embora a Lei de 2017 proponha que os currículos considerem a formação integral
do aluno, determinados conhecimentos científicos permanecem mais valorizados do que os demais,
havendo com isso maior estímulo à determinadas áreas.
Deste modo, os currículos passarão a ser divididos entre conteúdo comum e assuntos
específicos de acordo com o itinerário formativo escolhido pelo estudante, similar ao que
assistimos na LDB/1996, como já mencionado. O texto aprovado permite que as escolas escolham
como vão ocupar 40% da carga horária dos três anos do Ensino Médio, enquanto os outros 60%
será composto de um conteúdo mínimo obrigatório que será realizado com base na BNCC. O
restante do tempo será definido de acordo com a proposta da escola, que deverá ofertar aos
estudantes pelo menos um dos cinco itinerários formativos a serem oferecidos: linguagens e suas
tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências
humanas e sociais aplicadas e a formação técnica e profissional.
De tal modo, o ensino da língua portuguesa e de matemática será obrigatório nos três
anos do Ensino Médio, assim como o ensino da língua inglesa, artes, educação física, filosofia e
sociologia. Porém, há de se destacar que na versão original enviada pelo governo, a Medida
Provisória deixava claro que somente matemática e português seriam obrigatórios, e assim gerou-
se uma grande polêmica e diversas discussões entre educadores na época que o texto foi divulgado.
494
Geografia e História, por exemplo, não aparecem mais como um componente curricular
obrigatório para o Ensino Médio, reduzidas ao itinerário formativo “ciências humanas e sociais
aplicadas”, gerando uma insegurança e um contexto de incertezas para muitos profissionais na área,
além de uma formação fragilizada que poderia ser colocada aos educandos, fragmentando-se cada
vez mais o ensino.
Diversas são as críticas que se fazem sobre este Novo Ensino Médio, e muito se
questiona se os educandos terão o direito à um ensino que propicie a formação de cidadãos críticos
e pensantes e que sejam capazes de exercer da liberdade política e intelectual. Uma discussão com
alunos, professores, estudiosos da área da educação e com a sociedade como um todo deveria ter
sido levada em consideração para continuar buscando o ensino de qualidade. Contudo, tal debate
não ocorreu. O que ocorreu foi o surgimento de uma medida provisória que, dentro de poucos
meses, foi sancionada enquanto Lei, não ouvindo os profissionais da educação sobre como e de
que maneira tal reforma poderia ser pensada para que de fato o Ensino Médio pudesse minimizar,
ou mesmo superar as problemáticas que há décadas o acompanha.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resgaste histórico das reformas educacionais e das políticas públicas para o Ensino
Médio nos mostram que esta última etapa da Educação Básica ainda apresenta diversos desafios
que, historicamente, não foram superados e que ainda precisam ser repensados, caso se busque a
melhoria da qualidade do ensino brasileiro. Neste contexto, questões do âmbito social, político e
econômico contribuíram para que a educação não conseguisse superar tais problemáticas e gerar
os resultados que se espera.
As transformações ocorridas ao longo da história educacional do nosso país
demonstram que o ensino sempre esteve fortemente atrelado aos interesses do modo de produção
capitalista, e assim até os dias atuais estas reformas não conseguiram romper estruturas que foram
conservadoras, ou como Pizzato (2001) coloca, foram “ré-formas” que procuraram garantir a
manutenção dos privilégios de uma elite condutora do país.
A dualidade do Ensino Médio ainda está posta dentro do sistema educacional brasileiro,
e atualmente existe a preocupação da Lei nº 13.415/2017 aumentar ainda mais o abismo entre uma
formação intelectual do indivíduo e a formação voltada para inserção dos jovens no mercado de

495
trabalho. Destaca-se que a lei em questão pode acabar reforçando as desigualdades entre os jovens,
fragmentando-se em uma formação voltada para continuação dos estudos e uma outra formação
voltada para o trabalho, sem acesso à educação de nível superior.
Muitas dúvidas ainda permeiam o meio educacional a respeito da implementação do
“Novo Ensino Médio”, e mesmo que por vezes a Lei apresente uma previsão de quando tais
medidas devem entrar em vigor, ela ainda se mostra bastante genérica e imprecisa, rodeada de
dúvidas à questões como quais serão as disciplinas que farão parte dos currículos; como se dará a
inserção do ensino integral nas diferentes realidades escolares; como irá se dar a contratação de
profissionais com notório saber; a implementação dos itinerários formativos e do ensino técnico-
profissional, dentre outros questionamentos cujas respostas ainda não foram oferecidas.
Muito também se discute sobre os investimentos que seriam realizados para a educação
brasileira, já que se torna contraditório o governo assegurar a urgência de uma reforma do Ensino
Médio para o desenvolvimento do país quando se tem, ao mesmo tempo, cortes de verbas e de
recursos para a educação, como a PEC 55 (Proposta de Emenda à Constituição) que estabelece um
teto para os gastos públicos, aprovada em novembro de 2016.
Portanto, concordamos com Nascimento (2007) que não é suficiente apenas reformar
as legislações para transformar a realidade educacional em uma sociedade que se encontra dividida
pelas relações estabelecidas entre capital e trabalho, cuja linha das políticas para o Ensino Médio
tem atendido em geral aos interesses do capital. Por conta disso, as recentes legislações mantêm
esta lógica de uma escola estruturalmente dualista.

REFERÊNCIAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm. Acesso em: 23 mai.
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BOTELHO, J. M. L. A geografia no ensino médio: o desafio da formação de competências e


habilidades para o trabalho. Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, vol. 21, n. 3, p. 75-86,
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MOTTA, V. C.; FRIGOTTO, G. Por que a urgência da reforma do ensino médio? Medida
provisória nº 746/2016 (Lei nº 13.415/2017). Revista Educ. Soc., Campinas, v. 38, n. 139,
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496
NASCIMENTO, M. N. M. Ensino médio no Brasil: determinações históricas. Publ. UEPG
Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, v. 15, n. 1, jun. 2007, p. 77-
87.

NETO, E. C.; LIMA, E. M.; ROCHA, A. C. Breve reflexão acerca da reforma do ensino médio e
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PIZZATO, M. D. A geografia no contexto das reformas educacionais brasileiras. Revista


Geosul, Florianópolis, v. 16, n. 32, jul./dez. 2001.

PONTUSCHKA, N. N.; PAGANELLI, T. I.; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender


Geografia. 1º ed. São Paulo: Cortez, 2007.

RAMOS, F. R. O.; HEINSFELD, B. D. S. S. Reforma do ensino médio de 2017 (Lei nº


13.415/2017): um estímulo à visão utilitarista do conhecimento. In: CONGRESSO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO, 13, 2017, Curitiba. Anais... Curitiba: 2017. p. 01-17.

SENADO FEDERAL. Sancionada Lei da Reforma do Ensino Médio. Disponível, 2017. em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/16/sancionada-lei-da-reforma-no-
ensino-medio>. Acesso em: 16 de jul. 2018.

SIMÕES, W. O lugar das Ciências Humanas na “reforma” do ensino médio. Revista Retratos da
Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 45-59, jan./jun. 2017.

VESENTINI, W. J. Realidades e perspectivas do ensino de Geografia no Brasil. In: VESENTINI,


W. J. (Org.) O ensino de Geografia no século XXI. Campinas: Papirus, 2004, p. 219-248.

497
SOBRE OS AUTORES

LUCAS DA SILVA SALMERON


lucas_salmeron@hotmail.com.br

Graduado em Geografia, pela Unespar, Campus de Campo Mourão. Mestrando do Programa de


Pós-graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de Maringá (2018-2020).

GUSTAVO GABRIEL GARCIA


gustavogabriel009@hotmail.com

Graduado em Geografia, pela Universidade Estadual de Maringá. Mestrando do Programa de Pós-


graduação em Geografia (PGE) da Universidade Estadual de Maringá (2018-2020).

CLAUDIVAN SANCHES LOPES


claudivanlopes@gmail.com

Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá. Mestrado em Educação pela


mesma universidade e doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo -
FFLCH/USP. Professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em
Geografia (PGE) na Universidade Estadual de Maringá.

498
27

MICRORREGIÕES COMO PROPOSTA DO ESTATUTO DA METRÓPOLE PARA


GESTÃO COMPARTILHADA EM ÁREAS NÃO METROPOLITANAS

Marinalva dos Reis Batista


Angela Maria Endlich

RESUMO

A gestão compartilhada, seja em forma de consórcios, comarcas, mancomunidades, dentre outros,


é uma necessidade, principalmente, em pequenas localidades, porém tem-se criado as RMs para
essa finalidade. A gestão compartilhada pode preencher as lacunas da política territorial no Paraná
e no Brasil, desde que bem estruturados priorizando as demandas de cada município ou de cada
associação de municípios. Neste texto apresenta-se uma breve explanação sobre o uso exagerado
da figura da Região Metropolitana no Brasil. Esse uso apenas figurativo, pois de fato poucas devem
ser consideradas como tal. Inclusive, tendo chances de ser revisto a formalização como Região
Metropolitana. O próprio Estatuto da Metrópole traz opções como as aglomerações urbanas e as
microrregiões como formas de gestão em detrimento as Região Metropolitanas. Esse fato deixa
lacunas a serem preenchidas como a possibilidade de as microrregiões tornarem-se escala de
gestão. Como muito aportes no Estatuto da Metrópole não vem esclarecido, toma-se como intuito
investigar se as microrregiões atuais correspondem a proposta do Estatuto da Metrópole.

Palavras-chave: Municípios não metropolitanos. Associativismo Interfederativo. Pequenas


localidades.

499
INTRODUÇÃO
A institucionalização de Regiões Metropolitanas tem marcado fortemente a realidade
brasileira, desde as primeiras formalizadas na década de 1970. A criação de Regiões
Metropolitanas tem suas expectativas exacerbadas, sobretudo porque mais de 87,3 milhões de
pessoas vivem nessas regiões (COSTA, 2011). Desse montante, também há muitos
questionamentos, se são realmente metropolitanos todos os municípios que compõem as mais de
70 Regiões Metropolitanas existentes no Brasil, pois podem fazer parte, porém não participa da
sua dinâmica metropolitana. Somente no Paraná há oito RMs22 (Figura 1), as quais abrangem 193
municípios.

Figura 1: Regiões metropolitanas – Paraná – 2015.

Fonte: Elaborado por Pedro Henrique C. Fernandes.

22
Região Metropolitana de Apucarana, Campo Mourão, Cascavel, Curitiba, Londrina, Maringá, Toledo, Umuarama.
500
Notadamente tem-se utilizado para os mais diversos arranjos essa forma de governança
supramunicipal23. A formalização exagerada de regiões metropolitanas no Brasil tem sido alvo de
constantes debates no meio acadêmico, sobretudo porque o Estatuto da Metrópole, Lei nº 13.089
de 12 de janeiro de 2015, aprovado após dez anos de trâmites no Senado Federal, traz outras figuras
supramunicipais (microrregiões e aglomerados) para gerir as dinâmicas regionais e outras
dubiedades como a classificação de metrópoles para se estabelecer uma Região Metropolitana-RM.
Notadamente tem-se utilizado para os mais diversos arranjos essa forma de governança
supramunicipal24.
A formalização exagerada de regiões metropolitanas no Brasil tem sido alvo de
constantes debates no meio acadêmico, sobretudo porque o Estatuto da Metrópole, Lei nº 13.089
de 12 de janeiro de 2015, aprovado após dez anos de trâmites no Senado Federal, traz outras figuras
supramunicipais (microrregiões e aglomerados) para gerir as dinâmicas regionais e outras
dubiedades como a classificação de metrópoles para se estabelecer uma Região Metropolitana-RM.
Isso significa que a figura da região metropolitana vem sendo priorizada para políticas
territoriais em detrimento, por exemplo, de microrregiões e aglomerados urbanos, que são outras
formas de unidades territoriais, e que seriam mais adequadas em determinados casos, como prevê
o Estatuto da Metrópole (Lei n°13.089/2015).
Essa institucionalização exagerada de RMs, certamente, em conjunto com os processos
operados pelo capitalismo, gera graves consequências, dentre elas, concentra ainda mais a
população e o emprego de acordo com Lencioni (2006), Santos (2001), Firkowsk (2014), Endlich
(2015), entre outros. Klink aponta que “Os problemas de governança metropolitana no cenário
brasileiro não podem mais ser analisados em uma escala única, é necessária uma abordagem multi-
escalar, que reconhece as contradições geradas pela reestruturação do regime de organização”
(KLINK, 2001 p.85). Nesse sentido, a escala metropolitana tem-se mostrado como a escala mais
duvidosa no cenário nacional.

2. MATERIAIS E MÉTODO

23
Os arranjos supramunicipais significam uma instância superior aos municípios.
24
Os arranjos supramunicipais significam uma instância superior aos municípios.
501
As microrregiões do Estado do Paraná, propostas pelo IBGE, foram baseadas num
conjunto de determinações socioeconômicas, socioespaciais e também políticas. Tal divisão,
baseada em dinâmicas similares, aproxima ainda mais os municípios sobre essa espacialidade e,
assim, poderia tender para a gestão compartilhada. Porém, não se tem certeza se são essas
microrregiões de que trata o Estatuto da Metrópole. O Estado do Paraná, a exemplo, é formado por
399 municípios, que se dividem em 3925 microrregiões (Figura 2).
De acordo com IBGE (1990), as microrregiões foram definidas como partes das
mesorregiões que apresentam especificidade referentes à estrutura de produção agropecuária,
industrial, extrativismo mineral ou pesca. A organização se deu também pela vida de relações ao
nível local, isto é, pela interação entre as áreas de produção e locais de beneficiamento e pela
possibilidade de atender às populações através do comércio de varejo ou atacado ou dos setores
sociais básicos. Assim, estrutura da produção para identificação das microrregiões é considerada
em sentido totalizante constituindo-se pela produção propriamente dita, distribuição, troca e
consumo, incluindo atividades urbanas e rurais.

25
Paranavaí (29), Umuarama (21), Cianorte (11), Goioerê (11), Campo Mourão (14), Astorga (22), Porecatu (8); Floraí
(7), Maringá (5), Apucarana (9), Londrina (6), Faxinal (7), Ivaiporã (15), Assaí (8), Cornélio Procópio (14),
Jacarezinho (6), Ibaiti (8), Wenceslau Braz (10), Telêmaco Borba (6), Jaguariaíva (4), Ponta Grossa (4), Toledo (21),
Cascavel (18), Foz do Iguaçu (11), Capanema (8), Francisco Beltrão (19), Pato Branco (10), Pitanga (6), Guarapuava
(18), Palmas (5), Prudentópolis (7), Irati (4), União da Vitória (7), São Mateus do Sul (3), Cerro Azul (3), Lapa (2),
Curitiba (19), Paranaguá (7) e Rio Negro (6).
502
Figura 2: Microrregiões no Estado do Paraná.

Fonte: extraído de IBGE, 2017.

Na metodologia operacional, o IBGE utilizou os seguintes parâmetros para


identificação das mesorregiões: o processo social como determinante, o quadro natural como
condicionante, rede de comunicação e de lugares como elemento da articulação espacial. Entre as
etapas obteve-se: a) instrumental para o estudo dos processos sociais e das condicionantes do
quadro natural; b) análise bibliográfica de textos sobre história social, povoamento e estudos
geográficos; c) análise cartográfica do mapa isolado Atlas nacional, regional e estadual; d) análise
de outras fontes de documentação específica. e) instrumental para o estudo da articulação espacial;
f) análise de cartogramas sobre a área de influência dos centros metropolitanos e regionais; g)
análise de mapas rodoviários do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - (DNER) e de
comunicação e fluxograma de transporte quando houver.
Para a identificação das microrregiões foram selecionados dois indicadores básicos: o
primeiro incide na estrutura da produção que implica na análise de estruturas da produção primária
baseada na utilização da terra, orientação da agricultura, estrutura dimensional dos
estabelecimentos, relação de produção, nível tecnológico e emprego de capital, e no grau de
diversificação da produção agropecuária. O segundo indicador e a interação espacial ficam por
503
conta da área de influência dos centros sub-regionais e centros de zona enquanto elementos
articuladores dos processos de coleta, beneficiamento e expedição de produtos rurais de
distribuição de bens e serviços ao campo e a outras cidades.
Nos procedimentos operacionais foram estabelecidas seis etapas visando à definição
das microrregiões a saber:

Etapa 1: a partir da identificação das mesorregiões buscou-se avaliar o grau


de consistência interna das microrregiões inseridas no território das
mesorregiões identificadas através do teste estatístico de coeficiente de
variação. A operacionalização dessa etapa foi feita via sistema de arquivo
de dados com base no senso agropecuário de 1980. Etapa 2: os resultados
obtidos via computados da etapa anterior foram mapeados. Esse
mapeamento importou na seleção de indicadores e variáveis conforme
listagem em anexo. Etapa 3: foram organizadas tabelas e elaborados mapas
de indicadores e variáveis a partir dos dados de 1985, conforme
informações da Sinopse preliminar do senso agropecuário produção
agrícola municipal - (PAM) e Produção da Pecuária Municipal - (PPM)
avaliou-se a partir da justaposição de indicadores mapeados o grau de
similaridade dos municípios que compõem as microrregiões. Foram
identificadas e analisadas as especificidades da estrutura de produção
relacionando-as com as dimensões determinantes e os elementos
condicionados definindo estruturas espaciais em escala microrregional.
Etapa 4: foi elaborado acrograma com os fluxos de comercialização de
produtos rurais. Analisou-se a interação de área e lugares identificando
formas de organização do espaço com base no cartograma já existente com
o fluxo de bens e serviços. Compararam-se as interpretações estabelecidas
com os mapas rodoviários das respectivas unidades da federação de forma
a identificar as possibilidades de interação entre lugares e áreas. Etapa 5:
foram justapostos indicadores da estrutura da posição aos de interação
espacial buscando identificar as especificidades da estrutura geográfica de
cada espaço microrregional no contexto regional mais amplo isso é a
mesorregião. Etapa 6: os agregados espaciais foram delimitados num
cartograma. Foram organizadas as respectivas listagens por Unidade da
Federação. Estão sendo elaborados textos sumariando as principais
características das microrregiões (IBGE, 1990 p. 20).

Essa metodologia do IBGE para criação das microrregiões, demonstra que essa divisão
é bem fundamentada, o que falta para a divisão proposta em Regiões Metropolitanas (RMs). Para
as microrregiões deve-se colocar em prática a gestão compartilhada já prevista na Constituição de
1988, no Estatuto da Cidade (2001) e no Estatuto da metrópole (2015), porém é preciso pensar em

504
que tipo de intermunicipalidade seria definida, o que provavelmente, por sua natureza, seria
decidido a partir de escalas superiores como as comarcas.
As microrregiões no Estatuto da Metrópole é “uma previsão de figura supramunicipal
não metropolitana e que possa atender aos anseios desse conjunto de municípios que vêm
reivindicando a formação de regiões metropolitanas, sem que possuam os atributos para assim
serem consideradas” (ENDLICH, 2015, p. 8). A Constituição de 1988 gerou um modelo de gestão
dos municípios em que os prefeitos são os atores fundamentais da dinâmica local e
intergovernamental, o que acarretou em dificuldades para a resolução de alguns problemas mais
abrangentes, como o microrregional, estadual, ou mesmo federal, provocando um isolamento dos
municípios e dificuldades em pensar para além do território municipal, isto é, o supramunicipal.
De acordo com o Estatuto da Metrópole, a governança interfederativa é o
compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de
organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum. Nesse sentido, “as
políticas públicas estariam vinculadas ao atendimento de demandas específicas, tendo como meta
a maximização do bem-estar coletivo e a busca de patamares de equalização e justiça social”
(SOUZA, 2006). A gestão compartilhada pode ser utilizada para atenuar as diferenças e torná-los
mais próximos dos municípios com porte similar e com interações espaciais para fortalecê-los.
Existem novas propostas de alteração no Estatuto da Metrópole que incidem
diretamente sobre as microrregiões. Foram apresentadas 31 propostas de alterações, classificadas
em quatro categorias, sendo: i) alteração de texto, sem modificação de conteúdo; ii) adequação de
texto às modificações propostas; iii) proposta de reflexão; e iv) alteração de conteúdo. A categoria
“adequação de texto às modificações propostas” refere-se àquelas alterações que decorrem de
mudanças de conteúdo propostas. Por exemplo: a proposta 1 sugere que o Estatuto da Metrópole
seja aplicável também às microrregiões, impactando em diversos dispositivos cuja redação original
menciona somente as RMs e as aglomerações urbanas (IPEA, 2018).
De acordo com o estudo do Ipea, algumas proposições foram classificadas em mais de
uma categoria, por abrangerem mais de uma situação. As propostas 1 e 10 sugerem que o Estatuto
da Metrópole contemple também as microrregiões, pois a Constituição Federal não fez distinção
entre as diferentes unidades territoriais. As propostas 8 e 22 referem-se ao Plano Diretor de
Desenvolvimento integrado (PDUI): tendo em vista que a subcomissão sugere que o estatuto seja

505
aplicável também às microrregiões, inclusive rurais (não consta na proposta justificativa para essa
inclusão, nem mesmo qual critério de “rural” foi utilizado pela comissão).
Ainda outra modificação que chama a atenção é a troca da expressão Plano de
Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) para Plano Regional de Desenvolvimento Integrado
(PRDI), o que é mais coerente no que se objetiva com estabelecimento de diretrizes para o
desenvolvimento regional, e não só no setor urbano. E, por fim, o PRDI deverá ser executado
também em microrregiões, o que gera dúvidas e lacunas, pois não se sabe o perímetro dessas
microrregiões e muitas estão nas áreas de regiões metropolitanas, como é o caso do estado do
Paraná. Nesse sentido, se não forem bem elaboradas as próximas alterações ainda teremos as
mesmas divergências ou poucas dúvidas serão sanadas.
Essas tentativas do Estatuto da Metrópole em estabelecer critérios para a gestão do
território no Brasil ainda são muito incipientes, certo que deveria se tratar apenas das metrópoles,
mas não o faz, inclui em sua redação as dimensões: aglomerados e as microrregiões. O que significa
que esta lacuna existente no Estatuto da Metrópole deve ser pensada com muita cautela, isto porque,
trata-se de estabelecer uma escala de gestão em que tenha viabilidade no ordenamento territorial.
Das instituições que trabalham com uma escala regional de gestão temos conhecimento
das comarcas espanholas que têm tido algum êxito, como será apresentado no item a seguir.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os conflitos territoriais que culminam em regiões metropolitanas nos estados,
configuram um processo que se iniciou na década de 1970 pretendendo uma política de
desenvolvimento regional. Contudo, as leis, ainda incipientes, abordam a questão do ordenamento
de forma superficial e pouco instrumentaliza essas regiões criadas. Os debates sobre metrópole e
regiões metropolitanas se confundem e, assim, além dos dados populacionais, “é necessário
analisar a cidade em sua inter-relação com outras cidades de um determinado recorte espacial, e,
nesse sentido, duas dimensões são fundamentais: a centralidade e a região de influência”
(FIRKOWSK, 2014, p. 23). De acordo com Fresca (2014), existem correntes teóricas que buscam
a interpretação sobre a funcionalidade da metrópole que definiriam tal terminologia, enquanto
outros autores ponderam os diversos aspectos da produção do espaço urbano nas áreas
metropolitanas. De fato, o caráter conceitual da metrópole, de acordo com a autora, vincula-se ao

506
poder econômico oriundo de diferentes atividades, passando historicamente pelo comércio
regional, pela indústria e pelo sistema financeiro (FRESCA, 2014, p. 19).
Firkowski (2013) entende que a metrópole corresponde à cidade principal de uma
região, aos nós de comando e coordenação de uma rede urbana que não só se destaca pelo tamanho
populacional e econômico, como também pelo desempenho de funções complexas e diversificadas
(FIRKOWSKI, 2013, p.34). Já a Região Metropolitana para Eros Grau (1975), corresponde a “um
conjunto territorial intensamente urbanizado, com marcante densidade demográfica” (GRAU,
1975, p. 25). Esse território se constitui como um polo de atividades econômicas, industriais e
atividades intensas rurais, com dinamicidade própria definida por funções privadas e fluxos
peculiares.
Entendemos que a metrópole extrapola o institucional. A Região Metropolitana é uma
mera institucionalização. No entanto, houve e continua ocorrendo o uso exagerado dessa figura
institucional no Paraná, bem como em outros estados. Além disso, há um exagero no número de
municípios que foram vinculados a essas regiões metropolitanas e os problemas resultantes desta
inclusão, como abordado por Batista (2017), tomando como exemplo, a Região Metropolitana de
Maringá.
Essa dinâmica regional independente de ter se instalado ou não a Região Metropolitana
permanece a mesma, em alguns casos acentua-se a dependência da cidade polo, isto porque, a
grande parte dos municípios depende dos serviços e da demanda por mão de obra existente na
cidade sede, o que significa que a dinâmica metropolitana é incipiente e a região metropolitana não
respondeu concretamente suas metas de gestão compartilhada, o que significa a necessidade de
novas modalidades de gestão compartilhada, ou ainda pensar em uma escala menor, ou seja, as
microrregiões. O que até o momento não vem sendo pensada como escala de gestão. A proposta
apenas aparece no Estatuto da Metrópole, entretanto, pouco desenvolvida.
No referido estatuto, fala-se das microrregiões como formas mais convenientes para
agrupar municípios para a gestão compartilhada. Entretanto, não esclarece se teria uma nova
divisão ou se seriam utilizadas as microrregiões já estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
O fato de o Estatuto da Metrópole trazer outras opções para gestão compartilhada
significa que existe uma lacuna em política territorial no Brasil no que diz respeito as áreas não

507
metropolitanas26, do mesmo modo indica a necessidade de gestão compartilhada nestas áreas. De
acordo com Monteiro (2002, p. 6) a Gestão Compartilhada “é aquela que sob variadas formas,
articula diferentes tipos de gestão, criando novos canais de interação entre as pessoas, grupos,
movimentos, organizações pertencentes à sociedade”. Na mesma esteira, Ferreira expõe que a
Gestão Compartilhada “busca superar obstáculos através da interação entre as forças sociais,
políticas e culturais de uma determinada região, onde as diversas instâncias, agentes, programas e
projetos formam um sistema integrado, compartilhado por todos” (FERREIRA, 2006, p.35). De
fato, a gestão compartilhada, seja em forma de consórcios, comarcas, mancomunidades27, dentre
outros, podem preencher as lacunas da política territorial no Paraná e no Brasil, desde que bem
estruturados, priorizando as demandas de cada município ou de cada associação de municípios.
As microrregiões não dispõem de regulamentação, ou seja, não há definição de
atribuições e competências específicas, entretanto, se assemelham às comarcas espanholas -
agrupadas por critérios estabelecidos em instâncias superiores.
As comarcas espanholas surgiram com interesse em formação de mercados
secundários, entretanto, mais recentemente apresentam objetivos mais pontuais, tais como:
transporte; proteção ambiental; agricultura; esporte; gestão industrial, dentre outros (ENDLICH,
2017). De acordo com Toscano Gil (2018, p. 05),

La decisión de crear una Comarca o un Área Metropolitana no responde


habitualmente a una iniciativa de los Municipios afectados, sino del nivel de
gobierno de ámbito territorial superior, la Comunidad Autónoma. Aunque los
Municipios pueden oponerse a su creación en el caso de la Comarca, no ocurre así
en el del Área Metropolitana, que se crea por ley del parlamento autonómico. Son
entidades de constitución obligatoria, que responden a una potestad autonómica
de coordinación de los Municipios afectados, no a una decisión de estos
Municipios de cooperar entre sí. El Área Metropolitana se crea para la
planificación conjunta y la coordinación de servicios y obras de grandes
aglomeraciones urbanas, entre cuyos núcleos de población existan vinculaciones
económicas y sociales que hagan necesaria esta coordinación. La Comarca se crea
para gestionar interesses comunes o prestar servicios de ámbito comarcal.

As comarcas espanholas de acordo com Gutiérrez et al (2005) são definidas por leis
específicas, as quais definem suas funções e competências, bem como a delimitação territorial. E

26
Existem áreas metropolitanas que não fazem parte de RMs, entende-se também por não metropolitano os municípios
que estão inseridos em uma RM, mas não fazem parte da dinâmica metropolitana.
27
Associação voluntária de municípios na Espanha.
508
os municípios podem escolher fazer parte ou não Toscano Gil (2018). As comarcas estão presentes
nas comunidades de Aragon, Catalunha, Castela e Leão, Galícia e País Vasco na Espanha, todas
instaladas entre 1986 a 1996. No quadro 01, observa-se que o número de iniciativas comarcais são
mais expressivas na Galícia, Catalunha e Aragon todas com mais de 30 iniciativas comarcais,
entretanto, a mais expressiva em número de municípios é a comunidade autônoma de Castela e
Leão com 36 municípios em média na iniciativa e também a detém maior território com quase
3.000 Km². Já a mais expressiva em números populacionais é a comunidade autônoma da Galícia,
com número médio de 6 municípios por comarca, mas com o maior número de municípios também,
o que contribui para ser a maior em números populacionais com quase 500 mil habitantes.

Quadro 1: Comunidades de comarcas na Espanha, em 2005.


Comunidades Nº de iniciativas de Nº médio de População por Superfície por
Autónomas comarcas municípios por Iniciativa iniciativa (km2)
iniciativa
Aragon 33 21 36.398 1431.57
Catalunha 41 23 154.713 787.63
Castela e Leão 1 36 129.861 2997.42
Galícia 53 6 498.542 553.34
País Vasco 7 7 41.047 630.92
Total Espanha 135 19 860.561 5845.00
Fonte: Gutiérrez et al, 2005. *tradução do autor

Na Espanha, as experiências comarcais são consideradas como um intermédio entre a


entidade municipal e a provinciana, o que permite mais alcances que as atuações municipais de
forma independente.
No Brasil, as microrregiões (Quadro 2) são vistas como a compartimentação das
mesorregiões. A área das microrregiões em sua maioria excede aos 2.000Km², as que se destacam
neste quesito é a microrregião de Guarapuava localizada na mesorregião centro sul com 16.115,00
Km², a microrregião de Paranavaí e Umuarama com 10.182,50km² e 10.232,60, respectivamente,
ambas localizadas na Mesorregião Noroeste.

509
Quadro 2: Microrregiões no Paraná-Brasil, em 2010.
Microrregiões N° de Municípios População Área
por microrregião
Apucarana 9 286.984 2.276,70
Assaí 8 71.173 2.238,70
Astorga 22 183.911 5.116,90
Campo Mourão 14 217.374 7.069,80
Capanema 8 95.292 2.317,30
Cascavel 18 432.978 8.515,90
Cerro Azul 3 29.041 3.472,00
Cianorte 11 142.433 4.074,00
Cornélio Procópio 14 176.281 4.536,50
Curitiba 19 3.060.332 8.541,20
Faxinal 7 46.358 2.265,00
Floraí 7 34.695 1.299,70
Foz do Iguaçu 11 408.800 5.579,90
Francisco Beltrão 19 242.411 5.451,50
Goioerê 11 116.751 4.865,70
Guarapuava 18 378.086 16.115,00
Ibaiti 8 77.359 3.034,30
Irati 4 97.449 2.834,10
Ivaiporã 15 137.649 6.154,30
Jacarezinho 6 122.552 2.755,90
Jaguariaíva 4 100.299 5.654,10
Lapa 2 49.446 2.280,40
Londrina 6 724.570 3.501,30
Maringá 5 540.477 1.573,20
Palmas 5 90.369 5.405,90
Paranaguá 7 265.392 6.057,20
Paranavaí 29 270.794 10.182,50
Pato Branco 10 159.424 3.883,10
Pitanga 6 75.735 4.904,60
Ponta Grossa 4 429.981 6.706,10
Porecatu 8 82.539 2.368,60
Prudentópolis 7 128.327 6.154,00
Rio Negro 6 89.531 2.474,00
São Mateus do Sul 3 62.312 2.532,80
Telêmaco Borba 6 158.999 9.489,80
Toledo 21 377.780 8.754,90
Umuarama 21 265.092 10.232,60
União da Vitória 7 116.691 5.485,70
Wenceslau Braz 10 98.859 3.161,20
Total 399 10.444.526 199.316,40
Fonte: IBGE, 1990. IPEADATA, 2010.

A microrregião de Paranavaí ainda se destaca por abranger o maior número de


municípios, com 29 no total, já Umuarama conta-se 21 municípios em sua microrregião. Porém, a
microrregião de Curitiba é a que detém maior número de habitantes e sendo esta a região mais

510
dinâmica do estado que se distancia muito das demais por ter como característica a indústria como
força motriz e as demais marcadas por uma dinâmica balizada pelos aparatos agrícolas.
De acordo com Vidigal et al. (2012), em uma análise das Microrregiões do Paraná, as
microrregiões de Curitiba, Londrina e Maringá ocupam as primeiras colocações no ranking com
as melhores condições de habitação e com maior densidade demográfica. As microrregiões de
Paranaguá, Jaguariaíva, Floraí apresentam as piores condições de habitação e as menores
densidades demográficas. No que se refere à questão econômica, as microrregiões de Paranaguá,
Ponta Grossa e Jaguariaíva se mostraram em melhor estado no Paraná, enquanto as microrregiões
de Cerro azul, Faxinal e Ivaiporã apresentaram as piores condições. Destaca-se a primeira posição
para a microrregião de Paranaguá, na qual está presente o Porto Paranaguá, segundo maior porto
brasileiro em movimentação de cargas e o maior complexo para embarque de granéis sólidos da
América Latina (VIDIGAL et al. 2012).
Analisando os Quadros 1 e 2 observa-se que tanto as comarcas espanholas e as
microrregiões não têm um número definido de municípios para comporem a área, todavia, como
já destacamos antes, a metodologia do IBGE foi embasada nas similaridades entre os municípios e
estarem próximos entre si. Nas comarcas os municípios também devem estar próximos e são
estabelecidas para outros fins, como mencionado anteriormente. Essa modalidade abrange 2.064
municípios nas 135 iniciativas nas cinco comunidades autônomas, totalizando 860.561 habitantes
em área das comarcas. Contrapondo com as microrregiões paranaenses, estas somam 10.444.526
habitantes, ou seja, toda a população do estado do Paraná, já que elas estão presentes em todo o
território paranaense. A área média das microrregiões é em torno de 5.100,00 km², o que chega
bem perto do total de área de abrangência das comarcas na Espanha, que é de 5845,00 km².
As experiências na Espanha de acordo com Gutiérrez (2005), em Aragon, por exemplo,
das iniciativas, destacam-se pelo planejamento do território e do urbanismo, meio ambiente e
gestão de transportes. Em Castela e Leão destacam-se o planejamento territorial, planejamento
urbano e saúde. Dentre outras iniciativas que são bem definidas por meio das leis que deram suas
iniciativas. Nas microrregiões não há planos para esta escala, existe apenas os planos estaduais que,
por consequência, atinge a área das microrregiões.

511
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo pretendeu-se apresentar uma breve contribuição acerca do tema
microrregiões como proposta do Estatuto da Metrópole para gestão compartilhada em áreas não
metropolitanas. Ainda, iniciamos um comparativo entre a ideia sinalizada no Estatuto da Metrópole
de utilizar a figura das microrregiões como escala de gestão compartilhada e as comarcas
espanholas, visando entender as similaridades e se há a possibilidade de usar como um exemplo a
ser seguido pelas microrregiões. Contudo, será necessário buscar muitas outras experiências para
apontar como um modelo possível de aplicação.
O Estatuto da Metrópole também não trouxe grandes esclarecimentos sobre como
deveria ser essa unidade regional – microrregião, gerando dúvidas entre os gestores municipais
sobre quais e como deveriam ser incluídos novos municípios, e se realmente a institucionalização
de uma região metropolitana é a melhor opção para propor a gestão compartilhada. A lei se intitula
Estatuto da Metrópole, o que, seguramente, deveria tratar somente das metrópoles, todavia, não é
o que a lei traz, pois também faz menção às microrregiões e aglomerados urbanos, mesmo que de
modo insuficiente. Esse fato indica que a definição tem sido usada incorretamente e a própria lei
indica alternativas além desta.
Ainda, analisando o Estatuto da Metrópole, do ponto de vista das pequenas localidades,
nota-se que não há nenhuma menção a esses espaços. Este fator é no mínimo intrigante, pois as
cidades com menos de 20 mil habitantes são um fenômeno numeroso no cenário brasileiro e,
inclusive, nas regiões metropolitanas, e por sua escala as microrregiões estariam mais próximas às
pequenas localidades. No referido estatuto, fala-se das microrregiões como formas mais
convenientes para agrupar municípios para a gestão compartilhada. Entretanto, não esclarece se
teria uma nova divisão ou se seriam utilizadas as microrregiões já estabelecidas pelo IBGE. Se já
existe um padrão de subdivisão, a questão das regiões metropolitanas entra como um modismo no
território brasileiro que cria novas unidades regionais sem ao menos ter desenvolvido plenamente
as que já existem. Como já dito anteriormente, há novas mudanças propostas no Estatuto da
Metrópole, no entanto, requer serem pensadas com mais cuidado, inclusive, sob a possibilidade de
não reconhecer até mesmo as que já foram formalizadas.
O foco neste estudo são as microrregiões do Estado do Paraná propostas pelo IBGE,
estas foram baseadas num conjunto de determinações socioeconômicas, socioespaciais e também
políticas. Tal divisão, baseada em dinâmicas similares, aproxima ainda mais os municípios sob
512
essa espacialidade e assim poderia tender para a gestão compartilhada com os recortes já
estabelecidos e uma dinâmica que já lhe é própria, ou seja, gestão microrregional.
Nesse sentido, seguiremos a análise nas próximas legislações que forem referentes a
escala de gestão microrregional, esperamos sejam mais elucidativas que as atuais.

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nas microrregiões do Paraná: uma análise multivariada. Revista de Economia, v. 38, n. 2, 2012.

514
SOBRE OS AUTORES

MARINALVA DOS REIS BATISTA


geografia23@gmail.com
Bacharel em Geografia pela Universidade do Paraná – UNESPAR. Mestra em Arquitetura e
Urbanismo e Geografia pela Universidade Estadual de Maringá-UEM. Doutoranda – PGE-UEM.

ANGELA MARIA ENDLICH


amendlich@hotmail.com

Professora adjunta da Universidade Estadual de Maringá - UEM, onde atua no ensino de


graduação e pós-graduação. Área de atuação no ensino e de pesquisa: Geografia Urbana,
Geografia Regional, Geografia Econômica e Planejamento.

515
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REPRESENTAÇÕES GEOLÓGICAS, SEMIÓTICA E O ENSINO DA GEOGRAFIA


ESCOLAR

Thays Zigante Furlan


Fernando Luiz de Paula Santil

RESUMO

O conteúdo das Placas Tectônicas se apresenta como um dos temas na geografia escolar que merece
atenção dos professores do ensino fundamental. Embora existentes, as feições mais imediatas das
placas tectônicas são possíveis de visualização apenas pelo relevo, expressando somente uma
pequena parte das características destas formações. O professor ao buscar sua “didatização” deve
se atentar nessa distância cognitiva e também perceber que suas representações (mapas, diagramas
e fotografias) são construídas diante de potencialidades comunicativas distintas. Neste sentido, o
objetivo desta pesquisa está consolidado em oferecer subsídios aos docentes para analisar as
particularidades destes signos comumente utilizados no ensino fundamental de geografia. Este
trabalho se valeu da análise semiótica, desenvolvida por Peirce (1980), diante das representações
que buscam ilustrar as placas tectônicas nos livros didáticos e estão inseridas no sexto ano de
geografia de ensino fundamental. Podemos considerar em relação às análises dos livros usando a
semiótica, que os signos analisados: fotografia, mapa e diagrama, embora se reportem a aspectos
relacionados às placas tectônicas, valorizam aspectos distintos de um objeto dinâmico semelhante
e, por vezes, podem desenvolver nas crianças um entendimento equivocado sobre tal conteúdo.

Palavras-chave: Representações geológicas. Semiótica. Ensino de geografia.

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INTRODUÇÃO
Esse artigo tem como proposta realizar discussões que contribuam para o ensino de
geografia e áreas afins que se valem dos conteúdos referentes aos das Placas Tectônicas.
Pretende-se mostrar como se manifestam os diferentes signos que representam um mesmo tipo
de fenômeno situado no espaço geográfico. Cada signo que denota as placas tectônicas possui
como característica e uma determinada potencialidade semiótica a ser desenvolvida pelo
intérprete.
Epistemologicamente, a teoria das placas tectônicas foi construída ao longo do
século XX e trata-se de uma explicação fundamentada em diversas hipóteses das quais se
afirmam que as maiores estruturas da superfície da Terra, denominadas de placas tectônicas ou
litosféricas, são criadas a partir de movimentos realizados pelo interior da Terra (Celino;
Marques; Leite, 2003). De acordo com Kearey, Klepeis e Vine (2014), esses argumentos
justificam, especificamente, a dinâmica da natureza das placas sobrepostas pela litosfera na
superfície terrestre (Kearey; Klepeis; Vine, 2014).
As discussões que permeiam os conteúdos geológicos no ensino básico de geografia
física discorrem de um longo percurso, iniciado no ensino fundamental e estendendo-se até os
últimos anos do ensino médio de geografia (PCN’s, 1998). Isso se explica que, além da
geografia tratar de um conhecimento pautado nas relações sociais, essa ciência também se
encontra pautada nas relações que se estabelecem com a natureza, da qual necessita de estudos
como estes (geologia), para compreender de modo mais significativo como os diversos
elementos naturais do espaço terrestre influenciam e são influenciados pela sociedade em geral
(Moreira, 2012).
No entanto, o entendimento deste tipo de conteúdo no ensino geográfico carece de
questionamentos que devem sim, ser – sempre – melhores explanados. De acordo com Dodick
e Orion (2006) e Oliveira (2013), a base de um conteúdo geológico se constrói a partir de muitos
conceitos e ilustrações abstratas pelo aluno porque alguns conteúdos como, por exemplo, o
ciclo das rochas, os grandes domínios morfoestruturais e, especialmente, as placas tectônicas,
tratam de fenômenos distantes de suas realidades e, principalmente, porque são fenômenos
perceptíveis somente em grandes escalas, como é o caso da escala geológica.
Mesmo em meio de tantos recursos didáticos nos dias atuais, ainda verificamos uma
real necessidade sobre como encontrar processos que sejam, de fato, eficazes à internalização
deste tipo de conteúdo na disciplina de geografia. Isso nos proporciona a pensar que talvez o
problema destes conteúdos não esteja somente relacionado com a didática adotada pelo

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professor, mas também esteja inserida na maneira como eles são construídos e se apresentam
mediante suas representações.
No transcurso do ensino de geografia escolar, os professores ao lecionarem este
conteúdo podem se valer de diversos recursos, entre eles: documentários, a lousa, o livro
didático e maquetes. No que tange o livro didático, Andrade (1987) realça que o docente se
submete a utilizar esse tipo de recurso e deve apresentar uma posição crítica e independente em
relação aos conteúdos nele compostos, justamente visando não contextualizar algum conteúdo
equivocado.
A estrutura de um livro didático é composta de textos e principalmente de
representações das quais possuem como finalidade exemplificar, por meio de ilustrações, seus
contextos teóricos. Contudo, não se trata somente em abordar um diagrama, uma fotografia ou
um mapa para ilustrar algum conteúdo, mas, segundo Castrogiovanni e Goulart (1988), é para
que haja correta representação gráfica ou cartográfica nos livros didáticos de geografia; deve-
se ter preocupação em relação aos fatores que constroem a imagem como, por exemplo, sua
escala e simbologia.
Além disso, as representações ainda se inserem em um cenário minimamente
explorado no que diz respeito às suas práticas no ensino escolar – o que de fato não deveria
ocorrer porque, segundo Novaes (2011), a ciência geográfica apresenta muito de suas
concepções caracterizadas pelo aspecto visual. Isto propõe pensar em novas possibilidades de
análises diante das representações no ensino geográfico, cujas funções podem exemplificar ou
confundir determinados temas na geografia, como é o caso da teria das placas tectônicas.
Assim, a teoria intitulada “Semiótica”, desenvolvida por Charles Sanders Peirce
(1839- 1914), possui seu fundamento na fenomenologia que, conforme afirma Ziles (2007), é
voltado para atitude de reflexão do fenômeno que se expõe aos nossos olhos e,
consequentemente, para relação que estabelecemos com os outros no “mundo”. Nesse sentido,
a semiótica Peirceana se denota como um estudo sobre todas as representações (ou também
denominada “signos”) e todas as linguagens e acontecimentos culturais como se fossem
fenômenos produtores de significado, definido por esse percurso de semiose (Peirce, 1980).
Em relação às representações utilizadas no ensino de geografia escolar, a teoria da
semiótica de Peirce se apresenta como uma possibilidade de análise. Por meio dela, é possível
identificar as particularidades semióticas que compõem um mapa, um diagrama e uma
fotografia, por exemplo.

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Por meio deste artigo, realizou-se uma breve discussão sobre como o conteúdo
geológico, referente ao das placas tectônicas, insere-se nos livros didáticos do sexto ano do
ensino fundamental de geografia. Pretendemos com isto, observar e definir os aspectos
predominantes que determinadas representações possuem ou não ao ilustrarem um conteúdo, e,
portanto, se as apresentações constituem em sua abordagem: lógica com o conteúdo textual;
boa ilustração gráfica; noções de escala espacial e temporal e se o processo é capaz de
demonstrar as formas em que se organizam os signos na mente dos alunos da disciplina de
geografia, relaciona-se com os processos envolvidos na dinâmica da semiose estabelecida pela
teoria peirceana.

2. COMPREENSÃO DA TEORIA E IDENTIFICAÇÃO DE SUAS COMPLEXIDADES


AO TENTAR “VÊ-LA”
Atualmente, a teoria das placas tectônicas refere-se em ser a mais aceita diante às
ciências na explicação dos movimentos continentes. Entre os maiores autores que colaboraram
no desenvolvimento da atual teoria destacam-se Alfred Lothar Wegener, de suas contribuições
à Deriva Continental; Harry Hammond Hess e Robert Dietz, dos seus estudos sobre o fundo do
mar (Expansão do Assoalho Oceânico) e John Tuzo Wilson, de suas pesquisas mais recentes
embasadas nos estudos anteriores (Kearey; Klepeis; Vine, 2013).
Geologicamente, as constatações de Wilson afirmam que o globo terrestre é
recoberto por diversos blocos continentais denominados placas tectônicas ou litosféricas, das
quais se deslocam entre si em constante movimento (Wincander; Monroe, 2009).
Por meio das correntes de convecção desenvolvidas pelo interior da Terra, a crosta
oceânica consegue se deslocar até as fossas oceânicas, absorvendo um novo processo de fusão
em virtude das altas temperaturas existentes internamente à Terra e, posteriormente, submeter-
se novamente ao manto em um processo contínuo de fusão (Kearey; Klepeis; Vine, 2014;
Teixeira, 2009). A Figura 1 ilustra o processo geológico interno da Terra em função dos
movimentos tectônicos.

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Figura 1 – O conceito de expansão dos assoalhos oceânicos de Hess (1962)

Fonte: Kearey, Klepeis e Vine (2014, p. 7).

De acordo com Mansano (2006, p. 32), “o ponto de partida para ler o mundo pode ser a
decodificação da paisagem, que muitas vezes é vista, mas nem sempre é percebida conscientemente”.
No decorrer do ensino fundamental, pretende-se que o aluno de geografia construa em seu aparato
cognitivo esse tipo de pensamento o qual lhe proporcione o entendimento do seu meio e,
consequentemente, o “induza” diante de suas experiências ampliar os significados das paisagens a sua
volta.
Christofoletti (1998) atribui à paisagem a concepção de conceito-chave da geografia que
proporciona a compreensão do espaço geográfico como um sistema ambiental, físico e socioeconômico,
com estruturação, funcionamento e dinâmica dos elementos físicos, biogeográficos, sociais e
econômicos. De acordo com Oliveira e Amorim (2008, p. 178), “as relações e distribuições espaciais
desses fenômenos são compreendidas na atualidade com o estudo da complexidade inerente as
organizações espaciais”.
Na concepção do francês Georges Bertrand (2004, p. 141), podemos considerar ainda que
a paisagem

[..] não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma


determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo
dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e
indissociável, em perpétua evolução. A dialética tipo-indivíduo é próprio
fundamento do método de pesquisa.

No caso das placas tectônicas, os alunos não conseguem vivenciar na prática ou reproduzir
suas respectivas dinâmicas que a torna um fator complexo a ser contextualizado e entendido.
Em suma, as paisagens identificadas pelas placas tectônicas são indícios de seus próprios
processos geológicos e, entretanto, não é e nunca será o próprio fenômeno. Portanto, entende-se que tais
indícios são fonte de informações para coleta e processamento de dados que, consequentemente, são

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transformados em signos expostos pelos livros didáticos (fotografias, mapas, diagramas). A Figura 2
exemplifica os processos realizados na construção dos signos das placas.

Figura 2 – Relação entre a paisagem, o levantamento e os signos das placas tectônicas

Fonte: Baseado em Garbin (2016, p. 81). Elaborado pelo autor (2019).

Na ciência geográfica, o entendimento de um determinado fenômeno sobre o espaço, tal


como a compreensão das placas tectônicas, pode ser adquirido por meio de categorias, entre elas a
paisagem. A paisagem, por se tratar de uma categoria sobreposta no aspecto visual, possui
particularidades geográficas que nos proporciona olhar e analisar um determinado fenômeno diante do
espaço (BRASIL, 1998).
No decorrer do ensino, os signos devem ser trabalhados muito além do que são
apresentados aos alunos. Torna-se necessário observar se os livros didáticos ressaltam a ideia de as
placas tectônicas estarem sendo conciliadas com o meio do aluno e relacionadas, sobretudo com as
questões sociais nas quais estamos inseridos, tornando este conteúdo mais próximo do educando, e não
abstrato.

3. MATERIAIS E MÉTODO
Existem diversos recursos didáticos como, por exemplo, mapas, diagramas,
desenhos na lousa, fotografias, entre outros meios utilizados pelo professor, com a principal
finalidade de “tentar” escolher o melhor signo à construção do conhecimento pelo aluno. Diante
desta diversidade de opções, optou-se por selecionar o livro didático, delimitando-o em três
grupos de representações para análise: fotografias, diagramas e mapas.
Para realização das análises, selecionaram-se os livros do sexto ano fundamental de
geografia que obtiveram maiores distribuições no ano de 2017, segundo as informações
contidas pelo Programa Nacional do Livro Didático (2017). Os livros foram “Expedições
geográficas” – (L1), escrito pelos autores Adas e Adas (2015); “Vontade de Saber Geografia”
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– (L2), escrito pela autora Torrezani (2015) e o livro “Geografia: Para Viver Juntos” – (L3),
escrito por Santos (2015). A Figura 3 mostra a capa dos livros utilizados nesta pesquisa.

Figura 3 – Livros definidos para análise

Fonte: Adas e Adas (2015); Torrezani (2015); Sampaio (2015)

A técnica utilizada para a análise destes signos foi a semiótica aplicada. Esta
consiste na transposição das discussões realizadas por Peirce como meios para se analisar um
determinado signo, considerando as categorias fenomenológicas.
De acordo com Santaella (2013), compreende-se na primeira categoria
(Primeiridade) o signo como pura possibilidade qualitativa. Nessa fase, identifica-se a
capacidade para apreender quali-signos diante de linhas, cores, formas, volumes, texturas, sons,
movimentos e temporalidades sugeridas pelo signo.
A Secundidade é valorizada na análise a partir do olhar observacional. Nesse nível,
Santaella (2013) ressalta a necessidade de se analisar a existência particular do fenômeno, ou
seja, sua dimensão de sin-signo, valorizando sua singularidade.
A terceira etapa da análise semiótica valoriza os aspectos da Terceiridade e propõe
extrair o geral do particular (legi-signo), extraindo-se de um dado fenômeno aquilo que ele tem
em comum com todos os outros que participam de uma classe geral (Santaella, 2013).
Deve-se deixar claro que a valorização dos aspectos de qualidade (primeiridade), o
objeto (secundidade) e a mente (terceiridade) possibilitam a visualização de um itinerário dos
fenômenos, dos seus aspectos mais incontroláveis e sugestivos (qualidades da primeiridade) até
a regularidade e representação de algo por outro fenômeno (signo genuíno na terceiridade),
afirma Peirce (1980). De acordo com o autor, as categorias expressam os modos de existência
dos fenômenos ao se revelarem a uma mente, devendo ser trabalhadas de forma integrada;
observando sempre qual a predominância que um fenômeno possui à luz das três categorias
fenomenológicas.

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De maneira geral, os resultados obtidos nestas três análises relacionam-se ao
verificar no signo existente como suas qualidades (Primeiridade) são materializadas
(Secundidade) e quais os processos que regulam sua existência (Terceiridade), como ilustra a
Figura 4.

Figura 4 – Relação entre as etapas da pesquisa

Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os mapas, os diagramas e as fotografias envolvem uma espécie de tradução do
percebido para outros signos: uma semiose. Tais características percebidas funcionam como
filtros do seu objeto dinâmico1 que geram signos e só estão, em certa medida, representando
outros signos. O mapa, por exemplo, possui como existente os limites tectônicos abordados
pela superfície terrestre. O diagrama e a fotografia apresentam como existente um tipo de
movimento (divergente) realizado pela dinâmica das placas.
A visualização desta relação é fundamental, segundo os fundamentos de Garbin
(2016, p. 81), porque ao se considerar que os três grupos de signos (mapa, diagrama e
fotografia) tratam-se daqueles que apresentam uma “codificação orientada por uma conexão
dinâmica promovida pelos processos de obtenção e processamento de dados relativos ao objeto
dinâmico28” e, nesse sentido, pelas paisagens geradas pelo fenômeno geológico das placas

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Segundo Peirce (1980), há um objeto externo ao signo e um objeto interno ao signo, sendo o externo denominado
de objeto dinâmico e o interno de objeto imediato. Entende-se como objeto dinâmico tudo aquilo que determina o
signo e, consequentemente, o que ele se aplica. Santaella (2013, p. 45) diz que: “trata -se, portanto, daquilo com
que o intérprete de um signo deve estar familiarizado, quer dizer, com que o intérprete deve ter tido ou ter
experiência colateral ao signo para que o signo possa ser interpretado”.
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litosféricas. Pode-se esclarecer que nenhum signo dos três grupos consegue representar o
próprio fenômeno das placas tectônicas. Todavia, eles somente apresentam as suas dinâmicas
desenvolvidas por intermédios de suas paisagens. Respalda-se que, para essa potencialidade
seja aproveitada, é necessária uma mente para desenvolver uma semiose.
Em relação ao interpretante, de acordo com Santaella (2012), toda semiose possui
como essência um propósito final. Deve-se ressaltar que o interpretante final ou processo da
significação é o efeito produzido pelo signo sobre o intérprete em condições que permitam ao
signo exercitar seu efeito total. Isto é, trata-se do resultado interpretativo a que todo e qualquer
intérprete está destinado a chegar, se o signo receber a suficiente consideração.
Ao analisar as placas tectônicas por meio do grupo de fotografias (Figura 5),
observou-se que o objeto ao qual as paisagens do fenômeno geológico se reportam é
essencialmente visual. Todavia, a semiose desenvolvida no entendimento de suas formas está
situada no domínio da terceira categoria de Peirce (terceiridade). Baseando-se em Peirce (1980),
essa terceiridade não é atingida e, por isto, as fotografias só conseguem indicar seu existente
(secundidade); elas “camuflam” o que está sendo representado. O aluno pode visualizar esse
tipo de representação e fixá-lo equivocadamente, não se dando conta que o fenômeno das placas
é um sistema integrado em constante transformação. Entender as dinâmicas das placas,
“somente” por meio das fotografias, pode não ser, portanto, a melhor opção. De fato. O aluno
só consegue “imaginar” tais dinâmicas, subsidiado de explicações e outras representações
anteriores abordadas pelo professor.

Figura 5 – Grupo sígnico de fotografia

Fonte: a) Sampaio (2015, p. 121); b) Adas e Adas (2015, p. 114); c) Torrezani (2015, p. 95).

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Do ponto de vista semiótico dos mapas (Figura 6), assim como das fotografias,
também estão inseridos no domínio da terceira tricotomia peirceana. As relações estabelecidas
entre suas qualidades com seus objetos dinâmicos (oceanos, continentes e placas tectônicas)
são possíveis quando o aluno tem noção da lógica cartográfica apresentada. Essa orientação
icônica, indicial e simbólica permite que as crianças portadoras do conhecimento cartográfico
visualizem processos invisíveis, distantes da possibilidade de serem captados pela mente. Para
esse tipo de signo, é pertinente que o professor trabalhe com o aluno, em um primeiro momento,
as noções de cartografia

Figura 6 – Grupo sígnico de mapas

A B

C
Fonte: a) Sampaio (2015, p. 119); b) Adas e Adas (2015, p. 99); c) Torrezani (2015, p. 91).

Sobre a análise dos diagramas (Figura 7), verificou-se que suas predominâncias
fenomenológicas também se inserem no terceiro domínio da categoria de Peirce. Para tanto,
suas relações são pautadas em indicar e simbolizar as formas que correspondem o fenômeno
geológico próximo do real. Para esta representação, a noção de espacialidade e formas são
fundamentais para uma apreensão eficaz. Diferente dos mapas, os diagramas exigem mais dos
alunos no sentido de “imaginar” o fenômeno que está sendo indicado. Recomenda-se que os
professores trabalhem com os alunos as escalas de espaço e tempo para esse tipo de signo.

Figura 8 – Grupo sígnico de diagramas

Fonte: a) Sampaio (2015, p. 120); b) Torrezani (2015, p. 95); c) Adas e Adas (2015, p. 120).
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Embora os processos envolvidos na dinâmica da semiose estabelecida pela teoria
peirceana estejam organizados em três únicos processos (primeiridade, secundidade e
terceiridade), os signos que representam as placas tectônicas realizam suas manifestações
semióticas de formas contraditórias a teoria elencada, conforme pode-se ver. No geral, os três
grupos de signos se manifestam, primeiramente, pela terceiridade exigindo do aluno uma
compreensão já com ele armazenada para que possa, então, compreender tais dinâmicas
geológicas. Entende-se que o aluno precisa, necessariamente, de um aporte teórico estruturado
para que possa perceber a formação e movimentações do fenômeno, mediante suas
representações.
Trabalhar com representações individuais não é o bastante, torna-se necessário que
o professor se apoie de diferentes representações como os mapas, os diagramas e as fotografias,
para construir o imaginário do seu aluno. Esse processo é desenvolvido a partir da diversidade
de signos por eles postos. Não se pode determinar qual signo é equivocado, mas demonstrar o
quão um específico fenômeno no espaço geográfico é dinâmico e se faz diante de diferentes
signos para uma compressão possível de ser completa cognitivamente, à luz da semiótica.
Conforme se notou em todos os livros, a visão geográfica das representações e
também a parte teórica, perde sentido para as considerações e perspectivas geológicas. Apesar
de a paisagem ser considerada como um conceito-chave da disciplina de geografia, sugere-se
que o espaço seja o objeto existente e a paisagem a imagem da essência, se o processo não
consegue ser atingido. As representações são construídas somente a partir de um físico,
descartando a ideia de uma paisagem socializada e relacionada com a vivência do aluno, por
exemplo.
Cabe ao aluno perceber que, diante das representações expostas e do ensino
mediado pelo professor, o fenômeno das placas tectônicas é composto por diversas dinâmicas
geológicas. Entretanto, estas dinâmicas são decodificadas como objetos no espaço geográfico.
Tais objetos estão interligados entre si, transformam-se constantemente e influenciam a
sociedade seja ela de maneira direta ou indireta.
Sobre as noções de tempo, dois tipos de escalas estão introduzidos a partir das
placas tectônicas: o geológico e o histórico. Baseado nas concepções de Cervato e Frodeman
(2013), quando se fala em tempo geológico, estamos tratando de uma escala de tempo que
costuma ser medida em milhões ou até bilhões de anos, tal como a classificação das eras
geológicas e seus respectivos períodos. Contudo, quando se fala em tempo histórico, incluímos

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a pré-história na qual há o surgimento da humanidade, isto corresponde ao uso de medidas de
dezenas, centenas e até milhares de anos.
Na maioria dos signos analisados, as noções de escala não foram mencionadas, tão
pouco as diferenças existentes entre as escalas: geológica e histórica presentes no fenômeno das
placas tectônicas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desse artigo foi mostrar a importância de se aproximar as discussões da
semiótica com o ensino de geografia, na medida em que permite o professor verificar qual
aspecto de um fenômeno uma determinada representação contempla. O resultado deste
processo, como se pode ser notado, não se resume em concluir algo, mas apresentar e sugerir
análises que visem a contribuir no processo deste conhecimento e do ensino fundamental de
geografia, por meio de diferentes signos. Como possibilidade de aprimoramento destas
discussões, é pertinente que se desenvolva pesquisas voltadas nessa temática, aplicada em
outros conteúdos geográficos.

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SOBRE OS AUTORES

THAYS ZIGANTE FURLAN


thaysfurlan@gmail.com

Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (2015), mestra
em Geografia (2018) e atual doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em
Geografia da Universidade Estadual de Maringá – UEM (2018 a 2021).

FERNANDO LUIZ DE PAULA SANTIL


santilflp@gmail.com

Professor adjunto no Curso de Engenharia de Agrimensura e Cartográfica da Universidade


Federal de Uberlândia, Campus de Monte Carmelo – MG. Possui graduação em Engenharia
Cartográfica pela Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente –
UNESP (1991), mestrado em Ciências Cartográficas pela Faculdade de Ciências e Tecnologia
Campus de Presidente Prudente – UNESP (2001), doutorado em Ciências Geodésicas pela
Universidade Federal do Paraná – UFPR (2008) e pós-doutorado em Geografia pela
Universidade Federal do Paraná – UFPR (2013).

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