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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
GEOGRAFIA

A EXPANSÃO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA


FRUTICULTURA IRRIGADA DO NORDESTE SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A
SUJEIÇÃO DA TERRA CAMPONESA

WELTON PAULO DO NASCIMENTO

NATAL/RN
2023
WELTON PAULO DO NASCIMENTO

A EXPANSÃO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA


FRUTICULTURA IRRIGADA DO NORDESTE SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A
SUJEIÇÃO DA TERRA CAMPONESA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para
a obtenção do título de doutor em Geografia.

Área de concentração: Dinâmica socioespacial e


reestruturação do território.
Linha de pesquisa: Território, Estado e Planejamento.

Discente: Welton Paulo do Nascimento.


Orientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo.

NATAL/RN
2023
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Nascimento, Welton Paulo do.


A expansão de objetos técnico-científicos-informacionais na
fruticultura irrigada do Nordeste semiárido brasileiro e a
sujeição da terra camponesa / Welton Paulo do Nascimento. -
Natal, 2023.
Orientação: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de
Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia. Natal, 2023.
315 f.: il. color.

1. Fruticultura irrigada - Tese. 2. Nordeste Semiárido -


Tese. 3. Sujeição - Tese. 4. Renda da Terra - Tese. 5. Capital -
Tese. I. Azevedo, Francisco Fransualdo de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 634.1

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710


WELTON PAULO DO NASCIMENTO

A EXPANSÃO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA


FRUTICULTURA IRRIGADA DO NORDESTE SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A
SUJEIÇÃO DA TERRA CAMPONESA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para
a obtenção do título de doutor em Geografia.

Aprovada em: 22/08/2023

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Orientador

_____________________________________________
Profa. Dra. Iara Rafaela Gomes
Universidade Federal do Ceará - UFC
Examinador externo

_____________________________________________
Prof. Dr. Marcos Antônio Silvestre Gomes
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
Examinador externo

_____________________________________________
Prof. Dr. Rafael Pereira da Silva
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
Examinador externo

_____________________________________________
Prof. Dr. Silvio Braz de Souza
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Examinador interno
AGRADECIMENTOS

Ao iniciar esta seção de agradecimentos, é com humildade que reconheço o papel de


todos aqueles que ao longo dos últimos anos contribuíram para a realização desta pesquisa.
Cada palavra que compartilho vem de um sentimento de gratidão.
Expresso minha sincera gratidão ao CNPq e à CAPES, cujo apoio financeiro ao longo
da minha jornada acadêmica tornou possível a realização das pesquisas científicas às quais tive
a honra de me envolver, seja durante a iniciação científica, o mestrado ou doutorado. Sou
imensamente grato por todas essas oportunidades e pela capacidade de transformar a vida
daqueles que, diante das históricas injustiças sociais em nosso país, cresceram duvidando de
seus próprios potenciais. Gratidão em especial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do
Partido dos Trabalhadores, que lutou ao longo de sua jornada para que filhos de sujeitos pobres
também pudessem ingressar na universidade.
Agradeço ao meu orientador, o Professor Fransualdo, que acreditou desde o início da
graduação no meu interesse pela pesquisa. Obrigado por possibilitar todos os momentos de
partilha de conhecimentos e descobertas. Sou grato pelas portas abertas e pela amizade
construída ao longo desses anos.
Meus agradecimentos a todos os professores que foram importantes nessa jornada
acadêmica, em especial aqueles que contribuíram para minha formação na UFRN. Sem cada
um de vocês, nada disso seria possível. Agradeço em especial aos professores que contribuíram
no exame de qualificação deste trabalho mediante uma análise crítica e criteriosa no sentido de
melhoria do texto de qualificação, sendo eles o professor e amigo Rafael Silva, ao qual sou
grato pelos diálogos construtivos e indicações de caminhos a serem percorridos, ao professor
Silvio Braz (UFRN) e a professora Ideni Antonello (UEL).
Expresso profunda gratidão à minha família, que sempre acreditou que meu interesse
pelos estudos me levaria a conquistas para além dos meus sonhos. Sou grato por cada palavra
de encorajamento, incentivo e contribuição para o alcance dos objetivos que planejamos juntos.
Mãe (Josefa), Pai (Wilson) e minha irmã Glaucia, sou eternamente grato pelo esforço
incansável que fizeram para tornar possível aquilo que sempre desejei: estudar.
Agradeço de coração a Danyel, por ser tanto em minha vida e pela ajuda na organização
de alguns dos dados da pesquisa. A Leonardo, com quem compartilhei conquistas, angústias e
anseios, sou profundamente grato por sua companhia e excelente trabalho no campo do
Submédio São Francisco. A João Victor que continua sendo um grande amigo. Às três
maranhenses Nayara, Thiara e Andreza, que sempre souberam usar as palavras certas de
incentivo, além comemorar cada conquista ao longo do mestrado e doutorado.
Sou imensamente grato aos amigos que me receberam e acolheram em Jaguaruana/CE,
como as apodienses Kécia e Lamon, que também me ajudaram no campo de Apodi, e a Ciro e
Nathan, sempre disponíveis para incentivar, refletir e compartilhar bons momentos. Aos amigos
que fiz, como Joel Neto, companheiro de trabalho e pesquisa de campo no Acampamento Zé
Maria do Tomé, e Matheus Gomes, que sempre expressou palavras de admiração e amizade.
Agradeço por tornarem tudo mais leve.
Por fim, porém não menos importante, minha sincera gratidão a cada agricultor que se
sensibilizou e viabilizou a realização das pesquisas de campo nas diferentes áreas visitadas.
Agradeço especialmente a Patrícia, Thiago e família, que me receberam de braços abertos em
sua residência em Quixeré, bem como me ajudaram na visita a agricultores em suas unidades
produtivas. Sou grato a Francisco Pereira e sua família, pela imensurável ajuda e apoio no
campo do acampamento Zé Maria do Tomé, a Dona Lindomar de Cajazeiras, a qual me ofereceu
sua atenção e uma rede para deitar no alpendre de sua casa quando o cansaço tomou conta de
mim durante o trabalho de campo, a Edmilson que me recebeu prontamente em Apodi e
explicou detalhadamente sobre o processo de cultivo de uva, a Novinho e Edimilson, em
Petrolina, que foram atenciosos e indicaram possíveis locais para realizar entrevistas. A todos
que dedicaram um pouco do seu tempo precioso no cotidiano rural para dialogar e explicar os
processos aos quais só eles podem expressar como realidade vivida, meu muito obrigado.

A todos os que contribuíram para a realização deste trabalho, minha eterna gratidão!
RESUMO
A expansão do uso de objetos técnicos-científicos-informacionais como insumos e máquinas
agrícolas na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido se efetiva mediante a constante
evolução das demandas associadas ao consumo produtivo agrícola no campo. Essa dinâmica
espacial trata-se de uma consequência das transformações nas bases técnicas da agricultura
brasileira desde a década de 1960, quando os pacotes tecnológicos da Revolução Verde foram
introduzidos no setor. Na região semiárida, essa expansão esteve associada à implementação de
perímetros públicos irrigados nos vales dos principais rios, aproveitando as condições
ambientais e sociais favoráveis para a produção de frutas destinadas aos mercados nacional e
internacional. Atualmente, diversos agentes, processos e eventos contribuem para a
disseminação desses insumos e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada, de forma a atender
as demandas do setor agroindustrial e da agricultura camponesa, mesmo que de forma desigual
entre os agentes e sujeitos e no território. Nessa perspectiva, esta tese tem como objetivo
principal analisar a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais como vetor
de sujeição da renda camponesa da terra ao capital no contexto da fruticultura irrigada do
Nordeste Semiárido. Para tanto, baseamo-nos nas proposições teórico-conceituais do professor
Milton Santos, em especial nos conceitos de espaço e território (a partir da noção de usos do
território) e as categorias de análise divisão territorial do trabalho e os pares dialéticos: território
como abrigo e como recurso, e território como norma e território normado. Adicionalmente,
recorremos às contribuições de Martins (1990) para uma compreensão teórica sobre a sujeição
da agricultura camponesa ao capital no âmbito de sua reprodução e de Oliveira (2007, 2014) ao
conceituar os processos de territorialização do capital monopolista e monopolização do
território pelo capital na agricultura. Do ponto de vista metodológico, vale mencionar a coleta
e sistematização de dados do IBGE, em particular o Censo Agropecuário de 2017, a fim de
compreendermos a distribuição da produção de frutas no Brasil e no Nordeste Semiárido. Tais
dados foram fundamentais também para a condução da pesquisa empírica nas principais áreas
de produção de frutas irrigadas da região, nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará,
Pernambuco e Bahia, incluindo a realização de entrevistas com agricultores camponeses
produtores de frutas irrigadas. Como resultado, constatamos que o processo de expansão do uso
de objetos técnicos-científicos-informacionais como insumos e máquinas agrícolas configura-
se como um dos meios através do qual o capital se apropria da renda camponesa da terra
associada a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido. Esse processo, ao qual envolve vários
agentes e uma base territorial formada por estruturas que viabilizam diferentes modos de
reprodução no campo, por vezes contraditórios e complementares, está associado sobretudo ao
papel dos atravessadores como agentes indutores do uso dos objetos técnicos a serem utilizados
na produção, tendo como base as normas e padrões produtivos de frutas conforme o mercado
internacional e na reprodução ampliada do capital na agricultura.
Palavras-Chave: Fruticultura irrigada; Nordeste Semiárido; Sujeição; Renda da Terra;
Capital.
ABSTRACT

The expansion of the use of technical-scientific-informational objects such as inputs and


agricultural machinery in irrigated fruit growing in the semi-arid Northeast takes place through
the constant evolution of the demands associated with productive agricultural consumption in
the countryside. This spatial dynamic is a consequence of changes in the technical bases of
Brazilian agriculture since the 1960s, when the technological packages of the Green Revolution
were introduced in the sector. In the semiarid region, this expansion was associated with the
implementation of public irrigated perimeters in the valleys of the main rivers, taking advantage
of the favorable environmental and social conditions for the production of fruits destined for
the national and international markets. Currently, several agents, processes and events
contribute to the dissemination of these inputs and agricultural machinery in irrigated fruit
growing, in order to meet the demands of the agro-industrial sector and peasant agriculture,
even if unevenly between agents and subjects and in the territory. From this perspective, the
main objective of this thesis is to analyze the expansion of the use of technical-scientific-
informational objects as a vector of subjection of peasant income from land to capital in the
context of irrigated fruit growing in the Semiarid Northeast. For that, we base ourselves on the
theoretical-conceptual propositions of Professor Milton Santos, in particular on the concepts of
space and territory (from the notion of uses of the territory) and the categories of analysis
territorial division of labor and the dialectic pairs: territory as shelter and as a resource, and
territory as norm and norm territory. Additionally, we resort to the contributions of Martins
(1990) for a theoretical understanding of the subjection of peasant agriculture to capital within
the scope of its reproduction and Oliveira (2007, 2014) when conceptualizing the processes of
territorialization of monopoly capital and monopolization of the territory by capital in
agriculture. From a methodological point of view, it is worth mentioning the collection and
systematization of IBGE data, in particular the 2017 Agricultural Census, in order to understand
the distribution of fruit production in Brazil and in the Semiarid Northeast. Such data were also
essential for conducting empirical research in the main areas of irrigated fruit production in the
region, in the states of Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco and Bahia, including
conducting interviews with peasant farmers producing irrigated fruit. As a result, we found that
the process of expanding the use of technical-scientific-informational objects such as inputs and
agricultural machinery is one of the means through which capital appropriates peasant income
from land associated with irrigated fruit growing in the Semiarid Northeast. This process, which
involves several agents and a territorial base formed by structures that make possible different
modes of reproduction in the field, sometimes contradictory and complementary, is mainly
associated with the role of middlemen as agents that induce the use of technical objects to be
used in production based on the norms and productive standards of fruit according to the
international market and on the expanded reproduction of capital in agriculture.

Keywords: Irrigated fruit growing; Northeast Semiarid; Subjection; Land Income; Capital.
RESUMEN

La expansión del uso de objetos técnico-científico-informativos como insumos y maquinaria


agrícola en la fruticultura bajo riego en el Semiárido Nordeste se da a través de la constante
evolución de las demandas asociadas al consumo productivo agrícola en el campo. Esta
dinámica espacial es consecuencia de cambios en las bases técnicas de la agricultura brasileña
desde la década de 1960, cuando se introdujeron en el sector los paquetes tecnológicos de la
Revolución Verde. En la región semiárida, esta expansión estuvo asociada a la implementación
de perímetros públicos de riego en los valles de los principales ríos, aprovechando las
condiciones ambientales y sociales favorables para la producción de frutas destinadas al
mercado nacional e internacional. En la actualidad, diversos agentes, procesos y eventos
contribuyen a la difusión de estos insumos y maquinarias agrícolas en la fruticultura bajo riego,
con el fin de atender las demandas del sector agroindustrial y de la agricultura campesina,
aunque de forma desigual entre agentes y sujetos y en el territorio. Desde esta perspectiva, el
objetivo principal de esta tesis es analizar la expansión del uso de objetos técnico-científico-
informativos como vector de sujeción de la renta campesina de la tierra al capital en el contexto
de la fruticultura irrigada en el Nordeste Semiárido. Para ello, nos apoyamos en los
planteamientos teórico-conceptuales del profesor Milton Santos, en particular sobre los
conceptos de espacio y territorio (a partir de la noción de usos del territorio) y las categorías de
análisis división territorial del trabajo y los pares dialécticos: el territorio como refugio y como
recurso, y el territorio como norma y territorio norma. Adicionalmente, recurrimos a los aportes
de Martins (1990) para una comprensión teórica de la sujeción de la agricultura campesina al
capital en el ámbito de su reproducción y de Oliveira (2007, 2014) al conceptualizar los
procesos de territorialización del capital monopolista y monopolización del territorio por capital
en la agricultura. Desde el punto de vista metodológico, se destaca la recolección y
sistematización de datos del IBGE, en particular del Censo Agropecuario de 2017, para
comprender la distribución de la producción frutícola en Brasil y en el Noreste Semiárido. Esos
datos también fueron esenciales para realizar investigaciones empíricas en las principales áreas
de producción de frutas de riego en la región, en los estados de Rio Grande do Norte, Ceará,
Pernambuco y Bahía, incluida la realización de entrevistas con campesinos productores de
frutas de riego. Como resultado, encontramos que el proceso de expansión del uso de objetos
técnico-científicos-informativos como insumos y maquinaria agrícola es uno de los medios a
través del cual el capital se apropia de la renta campesina de las tierras asociadas a la fruticultura
irrigada en el Noreste Semiárido. Este proceso, que involucra varios agentes y una base
territorial formada por estructuras que posibilitan diferentes modos de reproducción en el
campo, a veces contradictorios y complementarios, está asociado principalmente al papel de los
intermediarios como agentes que inducen el uso de objetos técnicos para ser utilizados en la
producción con base en las normas y estándares productivos de la fruta según el mercado
internacional y en la reproducción ampliada del capital en la agricultura.

Palablas clave: Fruticultura de regadío; Noreste Semiárido; Sujeción; Renta de la Tierra;


Capital.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01. Classificação do capital de acordo com a produção do mais valor e seu caráter de
movimento................................................................................................................................80
Figura 02. Alto do Rodrigues/RN: canal de conexão às áreas de produção irrigada no vale do
rio Piranhas-Açu......................................................................................................................109

Figura 03. Pau dos Ferros/RN: canal de conexão aos reservatórios abastecidos pelo rio Apodi-
Mossoró...................................................................................................................................109
Figura 04. Nordeste: cidades de origem e fluxos gerados pela circulação de insumos agrícolas
(2018)......................................................................................................................................125

Figura 05. Nordeste: cidades de origem e fluxos gerados pela circulação de máquinas e
implementos agrícolas (2018).................................................................................................126

Figura 6. Jaguaruana/CE: captação de água por tubulações pela Meri Pobo Agropecuária
LTDA (2022)...........................................................................................................................133

Figura 7. Juazeiro/BA: empresa exportadora Special Fruit (2023).........................................136

Figura 8. Lagoa Grande/PE: vinícola Mandacaru (2023).......................................................136

Figura 9. Limoeiro do Norte/CE: coleta das caixas de bananas da agricultura camponesa por
intermediários (2022)..............................................................................................................139

Figura 10. Petrolina/BA: central de Comercialização e Distribuição de Frutas do Distrito de


Irrigação Senador Nilo Coelho (2022)...................................................................................139

Figura 11. Mossoró/RN: trator utilizado em colheita de melão em safra arrendada para
intermediários (2023)..............................................................................................................139

Figura 12. Juazeiro/BA: caminhão utilizado em colheita de manga em safra arrendada para
intermediários (2023)..............................................................................................................139

Figura 13. Petrolina/PE: estabelecimento para embalagem de uvas de agricultor cooperado à


COOPEXVALE (2023)..........................................................................................................140

Figura 14. Petrolina/PE: pesagem e embalagem das uvas em estabelecimento cooperado à


COOPEXVALE (2023)..........................................................................................................140

Figura 15. Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: Perímetro Irrigado


Jaguaribe-Apodi (2022)..........................................................................................................171

Figura 16. Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: fundação de área


destinada ao plantio de bananeiras (2022)..............................................................................171

Figura 17 (A e B). Limoeiro do Norte/CE: doação de alimentos pelos membros do


Acampamento Zé Maria do Tomé à APAE e a Pastoral Carcerária (2022)...........................172

Figura 18. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: produção de melão irrigado em área de agricultura
camponesa (2022)...................................................................................................................176
Figura 19. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: produção de mamão irrigado em área de agricultura
camponesa (2022) ..................................................................................................................176

Figura 20. Projeto São Romão, Mossoró/RN: cultivo de melão em área coletiva (2022).....179

Figura 21. Projeto São Romão, Mossoró/RN: área de cultivo coco da baía (2022)..............179
Figuras 22 (A e B). DIBA, Alto do Rodrigues/RN: prédios em situação de quase abandono ou
desuso (2023)..........................................................................................................................186

Figura 23. Sítio Sacramento, Ipanguaçu/RN: agricultor em propriedade de produção de manga


(2023)......................................................................................................................................187

Figura 24: Sítio Pau de Jucá, Ipanguaçu/RN: fundação de área para produção de bananas
(2023)......................................................................................................................................187

Figuras 25 (A e B). Jati/CE: canal do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco
(2023)......................................................................................................................................189

Figura 26. Petrolina/PE: canal de conexão entre o lago Sobradinho e o Distrito Irrigado
Senador Nilo Coelho (2023)...................................................................................................190

Figura 27. Sobradinho/BA: Lago Sobradinho (2023)............................................................190

Figura 28. Sobradinho/BA: Usina Hidrelétrica de Sobradinho (2023)..................................191

Figura 29. Sobradinho/BA: restituição das águas ao leito natural do Rio São Francisco na Usina
Hidrelétrica de Sobradinho (2023)..........................................................................................191

Figura 30. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: Estação de Bombeamento 27


(2023)......................................................................................................................................192

Figura 31. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: canal de irrigação (2023)...............192

Figura 32 (A e B). N9/Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: lote de agricultor camponês
com produtividade elevada de uvas (2023)..............................................................................197

Figura 33 (A e B). N9/Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: lote de agricultor camponês
com produtividade reduzida de acerola (2023)........................................................................197

Figura 34. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: prédio do setor administrativo


(2023)......................................................................................................................................201

Figura 35. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: Associação de Pequenos Produtores


de Uva do Bebedouro (2023)...................................................................................................201

Figura 36. Lagoa Grande/PE: placa na entrada da cidade com a frase “capital da uva e do vinho
do Nordeste (2023)..................................................................................................................205

Figura 37. Lagoa Grande/PE: monumento no centro da cidade representando a produção de


uva e vinho (2023)...................................................................................................................205
Figura 38. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: residência de produtor de mangas envolta por
caixas plásticas organizadoras de frutas (2023)......................................................................208

Figura 39. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: prédio da Associação de Agricultores e escola
em estado de abandono (2023)................................................................................................208

Figura 40. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: rebanho de cabras criadas localmente
(2023)......................................................................................................................................208

Figura 41. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: curral para confinamento de gado bovino
(2023)......................................................................................................................................208

Figura 42. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: vista aérea dos loteamentos agrícolas
(2021)......................................................................................................................................210

Figura 43. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: lote de produção de manga e criação animal
(2023)......................................................................................................................................210

Figura 44. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: canoa para transporte da população
(2023)......................................................................................................................................211

Figura 45. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: balsa utilizada para o transporte de pessoas, carros
e caminhões de cargas leves (2023).........................................................................................211
Figura 46. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: Camponesa produtora de manga
(2023)......................................................................................................................................212

Figura 47. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: caixas de mangas devolvidas pelo intermediário
(2023)......................................................................................................................................212

Figura 48. Mandacaru, Juazeiro/BA: lote de produção de banana (2023).............................215

Figura 49. Mandacaru II, Juazeiro/BA: lote de produção manga (2023)..............................215

Figura 50. Maniçoba, Juazeiro/BA: lote de produção coco (2023).........................................219

Figura 51. Maniçoba, Juazeiro/BA: sacas de limão produzido por agricultor camponês
(2023)......................................................................................................................................219

Figura 52 (A e B). Apodi/RN: trabalhadores agrícolas na amarração dos ramos de videiras


(2022)......................................................................................................................................225
Figura 53. Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: agricultor individual na
produção de frutas irrigadas (2022)........................................................................................229

Figura 54. Distrito de Mandacaru, Juazeiro/BA: camponês e trabalhador rural no corte manual
de cachos de bananas (2023)....................................................................................................229

Figura 55. Petrolina/PE: uva branca sem semente colhida seletivamente em unidade agrícola
camponesa (2023)...................................................................................................................236

Figura 56. Petrolina/PE: parreiral de uva Thompson cultivada em unidade agrícola camponesa
(2023)......................................................................................................................................236
Figura 57 (A e B). Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: depósito de
insumos e instrumentos técnicos de uso agrícola associado a produção de bananas
(2022)......................................................................................................................................251

Figura 58 (A e B). Apodi/RN: depósito de insumos e instrumentos técnicos de uso agrícola


associado a produção de uvas (2022).......................................................................................252

Figura 59 (A e B). Quixeré/CE e Ipanguaçu/RN: silagem utilizada para a criação de gado


bovino e geração de adubo orgânico utilizado no cultivo de bananas (2022, 2023).................259

Figura 60 (A e B). Juazeiro/BA: lojas de insumos Brasil Agrícola e Central de Adubos


(2023)......................................................................................................................................262

Figura 61 (A e B). Mossoró/RN: lojas de insumos agrícolas Terra Fértil e Crop Agrícola
(2015)......................................................................................................................................262

Figura 62. N7/Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: fertilizantes comprados em
Petrolina para produção de manga (2023)................................................................................263

Figura 63. Assentamento São Romão, Mossoró/RN: sementes compradas em Mossoró para
produção de melancia (2022)...................................................................................................263

Figura 64. Perímetro Irrigado Mandacaru, Juazeiro/BA: aplicação de agrotóxicos na lavoura


de melão (2023).......................................................................................................................271

Figura 65. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: tenda para o preparo da fertirrigação em lavoura de
melão e melancia (2023).........................................................................................................271

Figura 66. N9, Petrolina/PE: cultivo protegido dos parreirais de uvas (2023).........................275

Figura 67. N9, Petrolina/PE: difusor para fertirrigação dos parreirais de uvas (2023)............275

Figura 68. Assentamento São Romão, Mossoró/RN: cultivo de feijão em área de cultivo
protegido de melão (2022).......................................................................................................276
Figura 69. Assentamento São Romão, Mossoró/RN: estoque de manta agrotêxtil para o cultivo
de melão (2022).......................................................................................................................276

Figura 70. Apodi/RN: mangueiras compradas para irrigação por gotejamento no cultivo de uva
(2022)......................................................................................................................................278

Figura 71. Perímetro Irrigado Mandacaru, Juazeiro/BA: mangueiras de irrigação para descarte
no cultivo de manga (2022).....................................................................................................278

Figura 72 (A e B). Apodi/RN e Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE:


pulverizador manual e acoplado utilizados nos cultivos de uvas (2022-2023).......................282

Figura 73 (A e B). Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE e Distrito Irrigado


Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE – instrumentos técnicos utilizados no cultivo de bananas e
uvas (2022-2023).....................................................................................................................282

Figura 74. Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: triciclo com carroceria
utilizado para colheita de bananas (2022)...............................................................................284
Figura 75. Perímetro Irrigado Mandacaru II, Juazeiro/BA: quadriciclo utilizado como
pulverizador de 400 litros no cultivo de mangas (2022)...........................................................284

LISTA DE MAPAS
Mapa 1. Nordeste Semiárido – localização dos municípios selecionados para a realização da
pesquisa empírica......................................................................................................................57
Mapa 02. Brasil – Produção agrícola da fruticultura (2017)...................................................................94

Mapa 03. Brasil – Produtividade agrícola da fruticultura (2017)..............................................95

Mapa 04. Semiárido brasileiro: municípios com projetos de irrigação coordenados pelo
DNOCS e CODEVASF (2017)...............................................................................................107

Mapa 05. Nordeste Semiárido: produtividade da fruticultura e estabelecimentos irrigados


(2017)......................................................................................................................................114
Mapa 06: Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco: exportações de bananas em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................145

Mapa 07: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia: exportações de castanha de caju
em preço FOB (2012-2022)....................................................................................................146

Mapa 08. Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Pernambuco: exportações de mamão em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................149

Mapa 09. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melancia em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................150

Mapa 10. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melão em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................152

Mapa 11. Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará: exportações de manga em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................155

Mapa 12. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: exportações de uva em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................156

Mapa 13. Nordeste Semiárido: produção e estabelecimentos agrícolas associados a fruticultura


camponesa (2017)...................................................................................................................163

Mapa 14. Brasil: total acumulado das importações de adubos/fertilizantes em peso líquido
(2012-2022).............................................................................................................................172
LISTA DE CARTOGRAMAS

Cartograma 01. Brasil: distribuição espacial do uso de irrigação nas lavouras temporárias e
permanentes (2017).................................................................................................................101
Cartograma 02. Brasil: Distribuição espacial dos estabelecimentos agrícolas das lavouras
temporárias e permanentes por tipo de irrigação realizada (2017)...........................................103

Cartograma 03. Brasil: valor investido e contratos fechados mediante os programas de Crédito
Rural (2013-2022)...................................................................................................................246
Cartograma 04. Pesquisa empírica: dependência interna e fluxos gerados pela compra de
insumos na fruticultura irrigada camponesa (2022-2023)........................................................261

LISTA DE CARTAS IMAGENS

Carta Imagem 01. Limoeiro do Norte e Quixeré/CE: localização do Acampamento Zé Maria


do Tomé e Comunidade do Tomé (2022).................................................................................170

Carta Imagem 02. Aracati/CE e Mossoró/RN: localização da Vila de Cajazeiras e


Assentamento São Romão (2022)............................................................................................174

Carta Imagem 03. Projeto São Romão: parcelamento e proximidade com as fazendas
agroindustriais de frutas irrigadas (2022)................................................................................178

Carta Imagem 04. Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra e Ipanguaçu/RN: comunidades


visitadas na pesquisa empírica (2023).....................................................................................181

Carta Imagem 05. Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra/RN: Parcelamento do Distrito Irrigado
do Baixo Açu (2022)................................................................................................................184

Carta Imagem 06. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: Núcleos de
Povoamento (2023).................................................................................................................193

Carta Imagem 07. Projeto Público Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: Núcleo de


Povoamento (2023).................................................................................................................198

Carta Imagem 08. Lagoa Grande/PE: localização da comunidade Cruz do Pontal e


Assentamento Ilha Grande do Pontal (2023)...........................................................................206

Carta Imagem 09. Juazeiro/BA: núcleos de povoamento do projeto Mandacaru e perímetro


irrigado de Maniçoba (2023)...................................................................................................213
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: principais produtos exportados
em US$ FOB (2012-2022).......................................................................................................143

Gráfico 02. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: produção agrícola e valor
bruto da produção por setores (2016-2021).............................................................................195

Gráfico 03. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: produção agrícola e valor bruto da
produção por setores (2016-2021)...........................................................................................199

Gráfico 04. Perímetros Irrigados Senador Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE: destino das
frutas produzidas pela agricultura camponesa (2023).............................................................202

Gráfico 05. Perímetros Irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE: agentes que
estabelecem o preço da produção (2023).................................................................................203

Gráfico 06. Perímetro Irrigado Maniçoba, Juazeiro/BA: Valor Bruto da Produção por setores
agrícolas (2016-2021).............................................................................................................216

Gráfico 07. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: destino das frutas
produzidas pela agricultura camponesa (2023).......................................................................217

Gráfico 08. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: agentes que


estabelecem o preço da produção (2023).................................................................................218

Gráfico 09. Empregos formais na fruticultura nos municípios visitados pela pesquisa empírica
(2011-2021).............................................................................................................................224
Gráfico 10. Pesquisa empírica: pessoas do núcleo familiar que trabalham na fruticultura
irrigada (2011-2021)...............................................................................................................228
Gráfico 11. Pesquisa empírica: horas trabalhadas pelos agricultores camponeses de frutas
irrigadas no Nordeste Semiárido (2011-2021)........................................................................230
Gráfico 12. Pesquisa empírica: rendimento mensal da família mediante a fruticultura irrigada
(2022 - 2023)...........................................................................................................................232

Gráfico 13. Pesquisa empírica: valor médio mensal pago a cada membro da família mediante
o trabalho na fruticultura irrigada (2022 e 2023)....................................................................232
Gráfico 14. Pesquisa empírica: número de trabalhadores remunerados por unidade agrícola
campesina com produção de frutas irrigadas (2022-2023).....................................................235

Gráfico 15. Pesquisa empírica: natureza dos vínculos de trabalho na fruticultura camponesa
(2022 e 2023)..........................................................................................................................238
Gráfico 16. Pesquisa empírica: há local de armazenamento dos insumos
agrícolas?................................................................................................................................250
Gráfico 17. Pesquisa empírica: o local de armazenamento é
suficiente?...............................................................................................................................250
Gráfico 18. Pesquisa empírica: há relação entre a compra dos insumos e as exigências de
produção impostas pelos atravessadores e/ou agroindústrias? (2022-2023)............................266
Gráfico 19. Pesquisa empírica: frequência de uso e de compra dos materiais de irrigação
utilizados na fruticultura (2022-2023).....................................................................................277

LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Municípios selecionados para a pesquisa empírica: relação entre os
estabelecimentos associados a fruticultura (2017).....................................................................61
Quadro 02. Pesquisa empírica: condição dos agricultores camponeses em relação às terras
associadas a produção de frutas irrigadas.................................................................................166

Quadro 03. DIBA, Alto do Rodrigues/RN: uso da terra por segmentos produtivos
(2023)......................................................................................................................................182
Quadro 04. Distrito Irrigado Nilo Coelho: área irrigável e quantidade de usuários (2020 e
2023).......................................................................................................................................194
Quadro 05. Pesquisa empírica: agricultores camponeses com financiamento ativo (2022 e
2023).......................................................................................................................................249
Quadro 06. Pesquisa empírica: máquinas e instrumentos agrícolas utilizados na fruticultura
irrigada camponesa (2022-2023).............................................................................................280

LISTA DE TABELAS
Tabela 01. Amostra de entrevistas a serem realizadas nos estabelecimentos da agricultura
camponesa com uso de irrigação por unidade da federação.......................................................62
Tabela 02. Pesquisa empírica: motivações sobre o atendimento às exigências sobre o uso de
insumos pelos atravessadores (2022-2023).............................................................................268
LISTA DE SIGLAS

ABRAFRUTAS – Associação Brasileira de Produtores Exportadores de Frutas e Derivados


ADAB – Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia
ANA – Agência Nacional das Águas
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ASA – Articulação Semiárido Brasileiro
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
ASCAC – Associação Comunitária de Cajazeiras Pedro Soares Rodrigues
BACEN – Banco Central do Brasil
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CNAE – Cadastro Nacional das Atividades Econômicas
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CEAGESP - Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo
CEASA – Centrais Estaduais de Abastecimento
CEPEA – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
COANA – Cooperativa Agrícola Nova Aliança
COEX – Comitê Executivo de Fruticultura do Rio Grande do Norte
COGERH – Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará
CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
COOPA – Cooperativa Agrícola de Petrolina
COOPEXVALE – Cooperativa de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco
COOPYFRUTAS - Cooperativa dos Fruticultores da Bacia Potiguar
CONCLA – Comissão Nacional de Classificação
COVID-19 – Coronavirus Disease 2019
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DIBA - Distrito Irrigado do Baixo Açu
DIB – Distrito Irrigado de Bebedouro
EXPORFRUIT – Feira Internacional da Fruticultura Tropical Irrigada
EPI – Equipamentos de Proteção Individual
FAAF – Frente Parlamentar Mista do Agronegócio e Agricultura Familiar
FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
FOB – Free On Board
FENAGRI – Feira Nacional da Agricultura Irrigada
GPS – Sistema de Posição Geográfica
GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDIARN – Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária
INCAPER – Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência técnica e Extensão Rural
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INOVAGRO - Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária
INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial
INSA – Instituto Nacional do Semiárido
LTDA – Sociedade Limitada
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCR – Manual do Crédito Rural
MDR – Ministério do Desenvolvimento Regional
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
ME – Ministério da Economia
MODERFROTA - Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos
Associados e Colheitadeiras
MODERAGRO - Programa de Modernização da Agricultura e Conservação de Recursos
Naturais
MSC – Mediterraneam Shipping Company
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NCM – Nomenclatura Comum do Mercosul
OMA – Organização Mundial das Alfândegas
P1MC – Programa Um Milhão de Cisternas
PROAGRO Mais – Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura Familiar
PROCAP-Agro – Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias
PRODECOOP – Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à
Produção Agropecuária
PROIRRIGA – Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada e ao Cultivo Protegido
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONAMP - Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural
PSI Rural - Programa de Sustentação do Investimento Rural
RBA – Receita Bruta Agropecuária Anual
REGIC – Regiões de Influência das Cidades
RPA – Regiões Produtivas do Agronegócio
RIMA – Relatório de Impacto Ambiental
S.A – Sociedade Anônima
SH – Sistema Harmonizado de Codificação e Designação de Mercadorias
SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática
SIGEF – Sistema de Gestão e Fiscalização
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
SISCOMEX – Sistema de Comércio Exterior
SNSM – Sistema Nacional de Sementes e Mudas
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUVALE – Superintendência do Vale do São Francisco
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VBP – Valor Bruto da Produção
VINHOVASF – Instituto do Vinho do Vale do São Francisco
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 22
1. O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA: DO PLANO
ABSTRATO-FORMAL À REALIDADE EMPÍRICO-CONCRETA ........................................... 28
1.1. O PLANO TEÓRICO DA INVESTIGAÇÃO ...................................................................... 30
1.1.1 O espaço geográfico como instância social .......................................................................... 31
1.1.2 Os conceitos privilegiados ....................................................................................................... 35
1.1.3 As categorias de análise........................................................................................................... 42
1.2. A PESQUISA DOCUMENTAL ........................................................................................... 48
1.3. COLETA E SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS SECUNDÁRIOS ................................... 48
1.3.1 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ...................................... 49
1.3.2 Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ......................................................... 50
1.3.3 Dados do Ministério da Economia (ME) .............................................................................. 50
1.3.4 Dados do Banco Central do Brasil (BACEN) ...................................................................... 51
1.3.5 Dados da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(CODEVASF) .................................................................................................................................. 52
1.4. A ELABORAÇÃO DOS MAPAS E CARTOGRAMAS ..................................................... 53
1.5. O UNIVERSO DA PESQUISA EMPÍRICA ........................................................................ 55
2. RENDA DA TERRA, TÉCNICA E AGRICULTURA ............................................................ 65
2.1. RELAÇÕES ENTRE A RENDA DA TERRA, TÉCNICA E AGRICULTURA ................. 66
2.2. A SUJEIÇÃO DA RENDA DA TERRA AO CAPITAL E SEUS NEXOS COM A
PRODUÇÃO CAMPONESA DE FRUTAS IRRIGADAS .............................................................. 83
3. FRUTICULTURA IRRIGADA NO BRASIL E NORDESTE SEMIÁRIDO ....................... 91
3.1. PANORAMA ATUAL DA FRUTICULTURA NO BRASIL ............................................. 92
3.2. A FRUTICULTURA IRRIGADA NO NORDESTE SEMIÁRIDO .................................. 105
3.3. A DIFUSÃO DOS OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA
FRUTICULTURA IRRIGADA ...................................................................................................... 117
4. O TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O AGRONEGÓCIO:
TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL, MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO E
INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA................................................................... 129
4.1 TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O AGRONEGÓCIO: TERRITORIALIZAÇÃO DO
CAPITAL E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ................................................................. 131
4.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA IRRIGADA ..................................... 142
5. O TERRITÓRIO COMO ABRIGO PARA OS CAMPONESES: RESISTÊNCIAS E
SUJEIÇÃO NOS ARRANJOS TERRITORIAIS PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS 159
5.1 A AGRICULTURA CAMPONESA NO CONTEXTO DOS ARRANJOS TERRITORIAIS
PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS .................................................................................. 161
5.1.1 Acampamento Zé Maria do Tomé: “ocupar, produzir e resistir” ............................... 167
5.1.2 A Vila Cajazeiras (CE) e o Assentamento São Romão (RN): fruticultura camponesa na
terra do melão brasileiro .......................................................................................................... 173
5.1.3 A fruticultura irrigada no Baixo-Açu: o caso do DIBA e outras comunidades agrícolas
..................................................................................................................................................... 180
5.1.4 A fruticultura irrigada nas margens (e no meio) do Velho Chico: dos perímetros
públicos irrigados à Ilha Grande do Pontal ............................................................................ 188
5.1.4.1 O Distrito de Irrigação Nilo Coelho e Bebedouro – Petrolina/PE ............................... 190
5.4.1.2 Assentamento Cruz do Pontal e Ilha Grande do Pontal (Lagoa Grande/PE): a
agricultura camponesa na “capital da uva e do vinho do Nordeste” ....................................... 204
5.4.1.3 Os projetos de irrigação Mandacaru e Maniçoba – Juazeiro/BA ................................ 212
6. A SUJEIÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA TERRA AO CAPITAL: TRABALHO,
NORMAS E A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-
INFORMACIONAIS NA FRUTICULTURA IRRIGADA ........................................................... 220
6.1 A EXPROPRIAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO CAMPONESA ..................................... 222
6.2 TÉCNICA E NORMA: O EMBATE ENTRE AS LÓGICAS GLOBAIS E LOCAIS DE
PRODUÇÃO DE FRUTAS IRRIGADAS ..................................................................................... 240
6.3 A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS
COMO VETOR DE SUBORDINAÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA TERRA AO
CAPITAL... ..................................................................................................................................... 257
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 286
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 292
ANEXO 1 ........................................................................................................................................... 305
ANEXO 2 ........................................................................................................................................... 310
ANEXO 3 ........................................................................................................................................... 316
22

INTRODUÇÃO

Este trabalho corresponde ao amadurecimento de um conjunto de ideias que têm


persistido em nossa trajetória acadêmica ao longo do tempo, sempre adquirindo uma roupagem
específica de acordo com a evolução das nossas reflexões. Trata-se de uma análise sobre a
expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na fruticultura irrigada no
Nordeste Semiárido do Brasil, um tema conhecido na Geografia, porém pouco explorado de
forma aprofundada.
Dois momentos antecederam as reflexões postas neste trabalho de investigação. O
primeiro foi a elaboração do trabalho de conclusão do curso de Bacharelado em Geografia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no qual analisamos a comercialização
de insumos agropecuários a partir da centralidade de Mossoró na rede urbana potiguar.
Posteriormente, por meio de um esforço mais significativo de pesquisa no Programa de Pós-
Graduação e Pesquisa em Geografia na mesma instituição, estudamos o comércio de insumos
agropecuários como vetor de expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na
agricultura do Rio Grande do Norte, mediante o papel das cidades no fornecimento de insumos
materiais para a produção realizada no campo.
Neste ponto, nos deparamos com a tese que propomos defender neste trabalho, estando
articulada aos estudos e resultados das pesquisas anteriores, sendo, inclusive, fruto das reflexões
realizadas. Trata-se da análise sobre expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais (insumos e máquinas agrícolas) na agricultura camponesa sob o viés da sujeição
da renda da terra ao capital.
Assim, compreendemos que a expansão do uso dos objetos técnico-científicos-
informacionais na fruticultura irrigada se realiza mediante o movimento de pessoas, produtos e
capitais associados aos diferentes usos do território. Tais usos referem-se, sobretudo, àqueles
realizados pela agricultura camponesa e pela produção agroindustrial, gerando relações
conflituosas, contradições e complementariedades entre os agentes desses vetores produtivos.
A variável de análise está intrinsecamente relacionada ao consumo produtivo agrícola,
ou seja, ao consumo dos materiais essenciais para a produção agrícola no campo. Como objetos
técnico-científico-informacionais, os insumos e máquinas agrícolas não se limitam a ser meros
produtos físicos, pois também representam componentes que incorporam conhecimento técnico
e científico. Esses elementos desempenham um papel fundamental no avanço da agricultura
contemporânea, agregando um valor significativo em termos de informação e conhecimento à
produção agrícola (Santos, 2018).
23

Com base nessa perspectiva, os insumos e máquinas agrícolas podem ser categorizados
em diferentes grupos, de acordo com suas distintas funções no processo de produção. Conforme
Graziano da Silva (1981), é possível classificá-los da seguinte forma:

• Insumos Biológicos: abrangem elementos de origem biológica, como sementes de


plantas, estimulantes de crescimento e condicionantes naturais do solo. São cruciais para
a promoção da saúde e vitalidade das culturas, contribuindo para maior produção
agrícola;
• Insumos Minerais ou Químicos: engloba produtos como calcário, adubos e fertilizantes,
bem como venenos agrícolas. São responsáveis por fornecer nutrientes essenciais às
plantas, corrigir deficiências do solo e evitar a proliferação de insetos e espécies
invasoras nas culturas;
• Insumos Mecânicos: incluem equipamentos como tratores, colheitadeiras, sistemas de
irrigação, arados, grades, pulverizadores, entre outros. Desempenham um papel crucial
na mecanização das lavouras, aumentando a eficiência e a produtividade.

Seguindo a lógica das especializações produtivas no campo brasileiro e aderir ao


discurso da modernização agrícola aos moldes da agricultura capitalista globalizada, o uso de
insumos e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido tem impulsionado
o aumento da produção em manchas e pontos seletivos do território. Esse processo tem levado
às transformações das bases técnicas da agricultura, bem como tem provocado impactos de
diversas ordens como a dependência dos agricultores sobre produtos industrializados e danos
ambientais à natureza, como empobrecimento e poluição do solo, contaminação das águas,
assoreamento dos rios e degradação da fauna e flora.
Na fruticultura, a expansão do uso dos insumos e máquinas agrícolas se configura a
partir de duas lógicas distintas, porém articuladas. Uma se refere a demanda da agricultura
camponesa, em parte submetida (de forma direta ou induzida) às normas produtivas dos agentes
capitalistas (agroindústrias, atravessadores e outros), tendo de recorrer à compra dos insumos
em cidades próximas às áreas de produção agrícola. A outra se relaciona a compra direta dos
pacotes tecnológicos pelas agroindústrias às empresas produtoras e/ou importadoras localizadas
em diferentes áreas do território. Ambas decorrem das lógicas e estratégias espaciais específicas
em adquirir os produtos minimizando suas despesas de produção.
Nesse contexto, observamos que na expansão dos insumos e máquinas agrícolas na
fruticultura irrigada, alguns atores do setor agroindustrial têm maior capacidade de incorporar
esses materiais ao processo de produção, enquanto outros, como os agricultores camponeses,
24

utilizam materiais produzidos em suas próprias unidades produtivas e/ou aqueles exigidos pelas
diretrizes normativas de agentes externos, como estabelecidos pelos atravessadores na
comercialização de frutas. Neste último caso, compreende-se que são impostos padrões de
produção com base nas exigências do mercado internacional, o que leva os agricultores a adotar
atitudes de subordinação sob o risco de exclusão do processo de produção (Santos, 1999).
Tais imposições estão relacionadas ao fato de que os agricultores camponeses são,
muitas vezes, proprietários das terras e dos meios de produção, criando uma espécie de barreira
(ao menos em termos de propriedade legal da terra) para a extração de lucro pelos capitalistas
nessas terras. Dessa forma, os capitalistas, visando a reprodução do capital, estabelece o
processo de sujeição da renda da terra ao capital, conforme destacado por Martins (1990, p.
175). Essas estratégias de subordinação dos agricultores podem ocorrer de três maneiras
principais: por meio de empréstimos bancários, que transferem a renda para o capital financeiro;
pela aquisição de insumos agrícolas, resultando na apropriação da renda pelo capital industrial;
e pela comercialização dos alimentos por meio dos intermediários, atacadistas e redes de
supermercados (Paulino; Almeida, 2010).
Apresentamos, portanto, nossa análise sobre a expansão do uso de insumos técnico-
científicos na fruticultura irrigada camponesa no Nordeste Semiárido. Considerando que parte
da sujeição da renda da terra ao capital ocorre por meio da aquisição dos insumos agrícolas,
compreendemos que, antes mesmo da expansão desses materiais na fruticultura camponesa, são
estabelecidas imposições normativas (sejam formais ou informais) que subordinam a renda da
terra camponesa ao capital. Compreendemos que isso também se aplica a expansão das
máquinas agrícolas e outros bens duráveis na produção camponesa.
Tais elementos nos levaram a refletir sobre a problematização central desta pesquisa:
Como a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais tem contribuído como
um mecanismo de sujeição da renda camponesa da terra ao capital na fruticultura irrigada no
Nordeste Semiárido?
Os questionamentos secundários relacionados à questão central abrangem os seguintes
aspectos: Como a sujeição da renda da terra ao capital está relacionada à expansão da técnica
na agricultura, em especial na produção camponesa de frutas irrigadas? Quais são as
características da dinâmica da fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido e como ocorreu a
disseminação do uso de objetos técnico-científicos-informacionais no setor produtivo? Quais
agentes, processos e eventos estão envolvidos e têm impactado na ampliação do uso de insumos
e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada praticada pelos agricultores camponeses? De que
25

forma as relações normativas no território contribuem para a sujeição da fruticultura irrigada


camponesa ao capital?
Na busca por respostas às perguntas problematizadoras, a presente pesquisa teve como
objetivo central analisar a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na
agricultura camponesa, especificamente na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido, como
mecanismo de subordinação da renda da terra ao capital. Acreditamos que isso ocorre
principalmente devido às imposições normativas dos agentes capitalistas nas principais áreas
de produção de frutas irrigadas, como atravessadores, agroindústrias e empresas de insumos,
que ditam os produtos a serem utilizados com base nos parâmetros do mercado internacional.
Para alcançar esse objetivo, estabelecemos como objetivos específicos: compreender a
relação entre a sujeição da renda da terra ao capital e a expansão do uso de insumos e máquinas
agrícolas na produção camponesa de frutas irrigadas; apresentar as características da dinâmica
da fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido e a difusão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais no respectivo ramo produtivo; identificar e analisar os agentes, processos e
eventos envolvidos e que tem impactado na ampliação do uso de insumos e máquinas agrícolas
na fruticultura irrigada praticada pelos agricultores camponeses; e compreender as relações
normativas no território que contribuem a sujeição da fruticultura irrigada camponesa ao
capital.
É importante destacar que a expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais na agricultura brasileira é uma dinâmica em constante evolução, impulsionada
pelas demandas produtivas de diferentes usos agrícolas do território. Corresponde a um
processo contínuo e em constante movimento, no qual a busca por objetos técnicos adequados
se adapta às necessidades específicas de cada contexto agrícola.
Na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido, destaca-se o amplo uso de insumos e
máquinas agrícolas, especialmente impulsionado pelas empresas agroindustriais em sua busca
por aumentar a produção em áreas geograficamente limitadas. O tema em questão já foi
abordado de maneira abrangente por Castro (1994, 2000) e Ramos (2008, 2013). Nesse
contexto, a produção camponesa também se adapta, sofrendo influência de lógicas externas que
orientam o uso desses meios de produção e promovem mudanças significativas na dinâmica
produtiva. Essa questão, no entanto, ainda é pouco explorada em estudos de cunho espacial.
Diante do exposto, a motivação para o desenvolvimento desta pesquisa em uma
perspectiva geográfica surgiu do interesse pessoal e acadêmico em compreender as
transformações em curso na agricultura do Nordeste Semiárido, relacionadas à expansão dos
objetos técnico-científicos-informacionais no campo. No contexto atual, marcado pela
26

integração da técnica, ciência e informação, esse vetor desencadeia a reorganização das bases
técnicas da agricultura aprofundando as desigualdades sociais por meio de diferentes formas de
uso e apropriação do território. Além disso, traz consigo impactos ambientais, sociais, culturais,
econômicos e políticos. É nesse contexto multifacetado que se justifica a relevância desta
pesquisa.
No tocante a escrita deste trabalho, subdividimos o mesmo em seis seções. Na primeira
seção, intitulada de “O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA: DO
PLANO ABSTRATO-FORMAL À REALIDADE EMPÍRICO-CONCRETA”,
apresentamos os elementos relacionados à operacionalização da pesquisa. Nessa seção,
abordamos os pressupostos teóricos, como conceitos, categorias, noções e ideias, que
fundamentam nosso pensamento sobre o objeto de pesquisa. Além disso, discutimos os
procedimentos metodológicos e técnicos adotados, como pesquisa bibliográfica e documental,
análise de dados secundários, produção cartográfica e realização da pesquisa empírica. Essas
etapas nos permitiram compreender o fenômeno tanto em sua dimensão abstrata-formal quanto
em sua realidade empírica-concreta.
Na segunda seção, intitulada "RENDA DA TERRA, TÉCNICA E
AGRICULTURA", a análise se concentra na relação entre esses três temas amplamente
discutidos na Geografia e em áreas correlatas. Exploramos as contribuições de diversos autores
que desenvolveram perspectivas críticas sobre esses temas. Nosso objetivo foi apresentar os
pressupostos fundamentais relacionados à sujeição da renda da terra ao capital no contexto da
expansão do uso de insumos e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada do Nordeste
Semiárido. Esses pressupostos foram gradualmente retomados ao longo deste trabalho,
fornecendo uma base sólida para as seções subsequentes.
A terceira seção, intitulada "A FRUTICULTURA IRRIGADA NO BRASIL E NO
NORDESTE SEMIÁRIDO", realizamos uma análise abrangente do panorama recente da
fruticultura no país, com foco especial na fruticultura irrigada e na sua relação com a divisão
territorial do trabalho no campo brasileiro. Além disso, foram apresentadas as especificidades
desse fenômeno no contexto do Nordeste Semiárido, remontando aos eventos que contribuíram
e contribuem para a configuração da dinâmica atual da produção de frutas irrigadas. São
explorados os vínculos entre essa dinâmica e a expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais no território, oferecendo uma compreensão mais completa do tema.
Na quarta seção, intitulada "TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O
AGRONEGÓCIO: TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL, MONOPOLIZAÇÃO DO
TERRITÓRIO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA", apresentamos
27

uma análise do território como uma fonte de recursos para os agentes capitalistas, especialmente
no que diz respeito à reprodução ampliada do capital. Além disso, buscamos compreender as
ações dos agentes capitalistas na exploração do trabalho camponês por meio da comercialização
da produção agrícola. Para tanto, fundamentamos a análise a partir das ideias de
territorialização do capital monopolista na agricultura e a monopolização do território pelo
capital monopolista (Oliveira, 2014). Considerando à participação do agronegócio na
exportação de frutas in natura para o mercado internacional, examinamos os fluxos recentes
que contribuíram para posicionar o Nordeste como a principal região exportadora desses
produtos no Brasil.
A quinta seção, intitulada " O TERRITÓRIO COMO ABRIGO PARA OS
CAMPONESES: RESISTÊNCIAS E SUJEIÇÃO NOS ARRANJOS TERRITORIAIS
PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS", discorremos sobre os usos do território por
parte dos agricultores camponeses que buscam estratégias de sobrevivência e adaptação nas
áreas dominadas pelo agronegócio de frutas irrigadas. Nessa seção, analisamos as dinâmicas
das comunidades visitadas empiricamente, considerando sua participação nos arranjos
territoriais produtivos, a fim de compreender os agentes, processos e eventos que contribuem
para a manutenção da produção camponesa de frutas irrigadas.
Por fim, a sexta seção denominada “A SUJEIÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA
TERRA AO CAPITAL: TRABALHO, NORMAS E A EXPANSÃO DO USO DE
OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA FRUTICULTURA
IRRIGADA” teve como objetivo aprofundar a compreensão do processo de subordinação da
renda camponesa ao capital. Para isso, abordamos três perspectivas interligadas no contexto da
produção agrícola: a expropriação do trabalho camponês pelo capital, considerando a
importância do trabalho na extração da renda da terra; as ações normativas no território,
implementadas de forma a subjugar a agricultura camponesa ao capital por meio de diferentes
agentes; e a sujeição da renda camponesa ao capital através da expansão do uso de objetos
técnicos-científicos na fruticultura irrigada.
28

1. O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA:


DO PLANO ABSTRATO-FORMAL À REALIDADE EMPÍRICO-
CONCRETA

Locais visitados durante a pesquisa empírica.


Figura: Google Earth Pro (2022).
29

A elaboração de qualquer trabalho de tese exige uma análise cuidadosa das bases
teóricas e metodológicas que permitem uma abordagem do objeto empírico-concreto. Nesse
contexto, adotamos neste trabalho um percurso teórico-metodológico que buscou satisfazer as
demandas analíticas do objeto geográfico, sendo responsabilidade do pesquisador a definição
do caminho a ser percorrido. Assim, seguimos a perspectiva de Althusser (1978, p. 16), que
enfatiza que "todo conhecimento, portanto todo discurso teórico, tem como objetivo final o
conhecimento desses objetos reais, concretos e singulares".
Os elementos teóricos correspondem a dimensão abstrato-formal capaz de viabilizar a
compreensão da realidade empírica. Nesta pesquisa, buscamos compreender o objeto de análise
a luz da teoria do espaço geográfico apresentada pelo geógrafo Milton Santos, recorrendo
também à temas, conceitos, categorias e noções formuladas por outros autores de forma a
manter uma coerência entre os aspectos teóricos-metodológicos na investigação.
Sobre os elementos empíricos, trata-se da singularidade dos objetos concretos, aos quais
possuem determinada configuração, traços, disposições particulares que o qualifica como
existente. Na análise sobre a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, compreendemos tal variável espacial como uma
manifestação singular de processos, seja na sua individualidade (estrutura) ou em seu modo de
individualidade (conjuntura).
No âmbito científico, essa diferenciação entre elementos teóricos e empíricos se faz
pertinente, pois é necessária a distinção entre os discursos sobre os objetos reais-concretos e os
discursos sobre os objetos abstrato-formais. “[...] os primeiros discursos (concretos) supõe a
existência dos segundos (abstratos) e por outro lado, o alcance dos segundos discursos
(abstratos) ultrapassa infinitamente o objeto dos primeiros” (Althusser, 1978, p. 27).
Ao nos concentrarmos nos objetos técnico-científicos-informacionais, especialmente
aqueles voltados para a fruticultura, estamos lidando com uma terminologia abstrata,
fundamentada nas ideias de Santos (2017) sobre os objetos geográficos no contexto atual do
meio técnico-científico-informacional. Porém, trata-se de uma abstração oriunda da existência
dos objetos que são utilizados na agricultura (insumos e máquinas agrícolas), dispersos no
território mediante a ação de diversos agentes sociais.
O fato é que estamos diante de uma variável capaz de fornecer instrumentos teóricos
que são indispensáveis a análise geográfica, sobretudo pensando seus impactos no território.
Assim, se faz necessária a apresentação do conjunto de procedimentos (reflexões abstratas e
procedimentos técnicos de pesquisa) que viabilizaram uma aproximação com a realidade.
30

Sobre os procedimentos seguidos nesta pesquisa, houve uma preocupação na elaboração


desses de forma a atender as demandas do objeto de análise. Tais procedimentos
corresponderam as necessidades da investigação em seu processo operacional, auxiliando o
pesquisador a atingir os objetivos da pesquisa e a comprovar ou refutar a tese levantada.
Esses procedimentos são intrínsecos ao método de pesquisa, este não podendo ser
confundido com o método de interpretação. O primeiro, “refere-se ao conjunto de técnicas
utilizadas em determinado estudo. Relaciona-se, assim, mais aos problemas operacionais que a
seus fundamentos”, enquanto o segundo “diz respeito à concepção de mundo do pesquisador,
sua visão da realidade, da ciência, do movimento” (Moraes; Costa, 1987, p. 27).
O método de pesquisa corresponde ao “conjunto das atividades sistematizadas e
racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos
válidos e verdadeiros – traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as
decisões do cientista” (Marconi; Lakatos, 2010, p.65). A escolha e uso de uma determinada
técnica de pesquisa não é capaz de definir as diretrizes interpretativas e o perfil ideológico do
pesquisador, porém é inegável sua contribuição na operacionalização do trabalho científico e
na forma em que o pesquisador interpreta a realidade (Moraes; Costa, 1987).
Sendo assim, o percurso teórico-metodológico desta pesquisa considerou três pilares
centrais: a base epistemológica, os procedimentos operacionais de análise da realidade e a
pertinência geográfica do objeto (Corrêa, 2003). Considerando isso, os procedimentos
utilizados na efetivação desta investigação foram: seleção e leitura do plano teórico, coleta e
sistematização de dados secundários (quantitativos e qualitativos), pesquisa documental,
produção cartográfica e a realização da pesquisa empírica.

1.1. O PLANO TEÓRICO DA INVESTIGAÇÃO

A base teórica-metodológica desta pesquisa se apoiou em um referencial conceitual e


de informações empíricas contidas em livros, teses, dissertações, monografias e artigos
científicos. Foram recursos incorporados na pesquisa no sentido de uma aproximação “entre o
pesquisador e o objeto de conhecimento” (Corrêa, 2003, p. 9). Revisitamos a teoria, conceitos,
categorias, noções e ideias capazes de proporcionar um exercício de abstração sobre a realidade
geográfica do objeto investigado, sendo os mesmos apresentados a seguir.
31

1.1.1 O espaço geográfico como instância social

A fundamentação teórica-metodológica desta pesquisa partiu da compreensão do espaço


geográfico como instância social proposta pelo professor Milton Santos. Como tal, o espaço
contém e é contido por outras instâncias: “a economia está no espaço, assim como o espaço está
na economia. O mesmo se dá com o político-institucional e com o cultural-ideológico. Isso quer
dizer que a essência do espaço é social” (Santos, 2020, p.12).
O espaço realiza-se como uma construção histórica, sendo constituído “através de
funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos
do passado e do presente” (Santos, 1986, p. 122). Ele pode ser analisado pela sua condição
existencial, pela inseparabilidade entre forma-conteúdo que inclui a distribuição dos objetos
naturais e artificiais articulados às ações humanas dotadas de intencionalidades.
Na análise sobre a construção histórica do espaço geográfico, Santos (2017, p. 29)
admite que a noção da técnica, entendida como a principal forma de relação entre o homem e o
ambiente natural, contribui na compreensão das configurações dos arranjos espaciais em cada
momento. Para o autor, as técnicas são “um conjunto de meios instrumentais e sociais com os
quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço”.
Nessa perspectiva, o autor propõe uma periodização acerca da história das
transformações da natureza mediante o trabalho humano, isto é, das mudanças na formação
espacial viabilizadas pela evolução das técnicas, sendo dividida em três meios: o meio natural,
o meio técnico e o meio técnico-científico-informacional.
O meio natural correspondeu aquele em que o homem utilizava o ambiente sem
promover grandes transformações, “as técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da
natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação” (Santos, 2017, p. 235). Nessa época,
os sistemas técnicos não possuíam uma existência autônoma e os objetos técnicos não eram tão
prejudiciais ao meio ambiente. As normas sociais e territoriais eram predominantes, e práticas
como o pousio, a rotação das terras e a agricultura itinerante eram exemplos claros dessa
interação.
O meio técnico é caracterizado pelo surgimento do espaço mecanizado, que teve início
no século XVIII com a Revolução Industrial. Gradualmente, o espaço foi sendo dominado pela
presença de objetos artificializados, impulsionados pelas ações "superiores" que visavam
aumentar a eficiência nos processos produtivos. No entanto, é importante ressaltar que essa
técnica estava restrita a alguns países e regiões, o que resultou em sérios problemas ambientais
e sociais, além de grandes desigualdades entre as nações (Santos; Silveira, 2008).
32

O terceiro período corresponde ao chamado meio técnico-científico-informacional que


começou após a Segunda Guerra Mundial e se estende até os dias atuais. Nele, a união entre a
técnica e ciência se realiza a partir das lógicas de mercado, este sendo agora mercado global.
Os objetos técnicos tendem a ser técnicos, científicos e informacionais ao mesmo tempo, eles
já são produzidos mediante racionalidades preestabelecidas (Santos; Silveira, 2008).
Nesse período, os objetos técnicos – agora podendo ser também científicos e
informacionais – são chamados a fazerem parte do processo de tecnificação do espaço (nas
cidades e no campo). Sobre isso, Santos (2017, p. 239) afirma:

Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores


hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados
plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico-
informacional é a aparência geográfica da globalização.

A periodização dos meios geográficos não se reduz a rupturas, como se o tempo e o


espaço tivessem um começo, um meio e um fim. Para Santos (2017), alguns objetos de um
período pretérito fizeram e fazem parte daqueles que os sucederam, tanto que, para falar sobre
isso, o autor fundamenta a ideia de rugosidades como sendo o “que fica do passado como forma,
espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição,
com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares” (Santos, 2017, p. 140).
Não obstante, o autor apresenta a ideia de sucessões e coexistências como pertinentes à
análise espaço-temporal dos meios geográficos. O eixo das sucessões é tomado pela ideia de
que “em cada lugar, os sistemas sucessivos do acontecer social distinguem períodos diferentes,
permitindo falar de hoje e de ontem” (Santos, 2017, p. 158). No espaço geográfico, isso se
reflete na existência de objetos do presente e do passado, diferenciando-se entre si pela forma
e conteúdo que apresentam em cada período.
Quanto ao eixo das coexistências, é importante ressaltar a ideia de que "no viver comum
de cada instante, os eventos não são sucessivos, mas concomitantes" (Santos, 2017, p. 158).
Isso implica que, em cada lugar, as temporalidades são distintas para os diferentes agentes
sociais, porém elas se manifestam simultaneamente no espaço. A presença dos objetos do
passado e do presente ocorre de forma sincrônica, ainda que sua distribuição pelo território seja
seletiva, e as ações se realizam de maneira indissociável.
Com base no exposto, Santos (2017, p. 63) define o espaço geográfico como
33

um conjunto indissociável, solidário e contraditório de sistemas de objetos e


sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único
no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por
objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos
fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo
com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina.

Os objetos geográficos compreendem todas as materialidades existentes na superfície


do planeta, sendo o resultado da herança histórica natural e de todo trabalho humano objetivado.
Santos (2017), com base na leitura de Baudrillard (1970), afirma que os objetos não devem ser
considerados isoladamente, mas em interdependência funcional uns com os outros, pois,
atualmente, são poucos os objetos oferecidos sós.
Assim, os objetos de interesse dos geógrafos são todos aqueles dispersos em uma
extensão contínua, aos quais possuem um duplo caráter: o de fluidez, como os automóveis,
aviões, navios, insumos industriais e agropecuários, e o de fixidez, como as estradas, portos,
aeroportos, cidades, barragens, plantações, florestas e montanhas. Todos eles apresentam um
papel funcional ou simbólico, sendo utilizados diferencialmente pelos distintos grupos humanos
que os criaram ou herdaram.
Quanto as ações, Santos (2017, p. 78) citando Morgenstern (1960), as definem como
processos dotados de propósitos “no qual um agente, mudando alguma coisa, muda a si
mesmo”. Esse duplo movimento já estava presente nas contribuições de Marx e Engels ao
analisar o trabalho humano sobre o meio, havendo uma mudança intima do sujeito e do meio
ambiente externo ao qual ele ajudou a transformar.
Tais como os objetos, as ações devem ser tomadas como sistemas, isso porque elas se
efetivam em sincronia e complementariedade, independentemente da sua escala de ocorrência.
Uma característica marcante das ações na contemporaneidade é que elas são subordinadas as
normas (escritas ou não, formais ou informais), e como tal, são

cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar. Daí a
necessidade de operar uma distinção entre a escala de realização das ações e
a escala do seu comando. Essa distinção se torna fundamental no mundo de
hoje: muitas ações que se exercem num lugar são o produto de necessidades
alheias, de funções cuja geração é distante e das quais apenas a resposta é
localizada naquele ponto preciso da superfície da Terra (Santos, 2017, p. 80).

O fato é que objetos e ações tomados como sistema, não devem jamais ser considerados
isoladamente. Os objetos e sua eficiência, neste período atual, já nascem predeterminados às
ações dos agentes sociais, ou seja, essas últimas definem um sentido para a criação dos
primeiros. Destarte, mediante o conteúdo em técnica, ciência e informação contidos nos objetos,
estes também exercem um forte papel na transformação e valorização das ações.
34

Essa abordagem nos direciona à consideração do espaço enquanto totalidade, a qual


designa o “conjunto de todas as coisas e de todos os homens, em sua realidade, isto é, em suas
relações, e em seu movimento” (Santos, 2017, p. 116). Tal definição parte da compreensão da
totalidade como categoria filosófica que representa a unidade formada por tudo que existe no
universo, tal qual apresenta Jean-Paul Sartre.
Santos (2020) defende que a análise na Geografia deve estar voltada a compreensão do
espaço banal, o espaço de todos os alcances e determinações. Isso requer considerar todos os
elementos espaciais: os sujeitos e seus trabalhos, as instituições e suas diferentes atividades e
forças, as firmas em seus distintos poderes, as infraestruturas e seus suportes na realização do
trabalho social e o meio ecológico em sua base física para o trabalho humano e existência de
todos os demais elementos. Esses, por sua vez, devem ser tomados em interação, pois

O estudo das interações entre os diversos elementos do espaço é um dado


fundamental da análise. Na medida em que função é ação, a interação supõe
interdependência funcional entre os elementos. Através do estudo das
interações, recuperamos a totalidade social, isto é, o espaço como um todo e,
igualmente, a sociedade como um todo (Santos, 2020, p.18).

Nessa perspectiva, o geógrafo deve escolher “os elementos que lhe parece fundamentais
e, a partir deles, descobrir o complexo de relações” (Silveira, 1999, p. 24), trata-se da cisão da
totalidade em partes viabilizando a compreensão das partes que compõe o todo.
É nessa perspectiva que ressaltamos a pertinência da apresentação daqueles elementos
espaciais, tomando como base a contribuição de Santos (2020), que fizeram parte do escopo
desta investigação. Na verdade, correspondem aqueles elementos que estão diretamente
vinculados ao processo de expansão do uso de objetos técnicos (insumos e máquinas agrícolas)
e a sujeição da renda da terra ao capital na agricultura camponesa, pecando por não ser um
levantamento exaustivo em virtude da característica multifacetada dessa dinâmica.
Nesta investigação, consideramos os seguintes atores envolvidos na expansão do uso de
insumos e máquinas agrícolas na produção de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido:
agricultores camponeses, atravessadores responsáveis pela compra das frutas dos agricultores,
agroindústrias produtoras de frutas (que possuem influência direta ou indireta sobre o uso de
insumos em produções não capitalistas) e empresas comerciais de insumos localizadas nas
cidades próximas às áreas de produção agrícola.
Além disso, foi importante considerar o papel dos indivíduos que, como proprietários
dos meios de produção de insumos e máquinas agrícolas, atuam tanto de forma individual como
coletiva, com objetivos comerciais ou não, em nível nacional ou internacional. Esses sujeitos
35

não apenas produzem tais materiais, mas também disseminam esses objetos pelo espaço por
meio de suas ações.
O Estado desempenha um papel significativo como incentivador seletivo da produção
agrícola de frutas irrigadas, especialmente ao considerar a diferenciação entre os setores
espaciais. Nesta investigação, foi essencial destacar sua relevância como instituição, uma vez
que foi necessário avaliar as políticas voltadas para a atividade agrícola, com ênfase na
expansão do uso de insumos e máquinas agrícolas. Isso abrange tanto as políticas de alcance
nacional, como a Política de Crédito Rural, quanto as iniciativas conduzidas por entidades de
assistência técnica e extensão rural nos estados onde a produção de frutas é realizada.
As infraestruturas consideradas nesta análise corresponderam aquelas materialidades
que dão suporte a realização da produção de frutas irrigadas e a circulação dos insumos
agrícolas no território. Se referem aos estabelecimentos agrícolas, estruturas de abastecimento
hídrico como os canais de irrigação, tanques de reserva hídrica, poços, açudes, estradas e as
vias de circulação da produção e dos objetos técnicos.
As empresas, como as principais fornecedoras de insumos e máquinas agrícolas, foram
analisadas em um duplo aspecto: pelo papel que assumem aquelas situadas em localidades
próximas as áreas de produção, geralmente nas cidades centros regionais; e pela ação das
empresas do ramo de fabricação e importação de insumos para a agricultura que, atuando em
escalas nacionais e internacionais, impulsionam o uso desses materiais. Foram consideradas
também as agroindústrias mediante suas imposições tecnológicas à agricultura, ditando a forma
e o grau de tecnificação nas áreas de produção (Graziano da Silva, 1990).
Sobre o meio ecológico, consideramos toda a base física que viabiliza a realização da
fruticultura, especialmente as condições de disponibilidade hídrica, fortemente marcada na
fruticultura pelo fornecimento de água através dos principais rios do semiárido, a
disponibilidade de solos férteis com potencial para irrigação, e as condições de precipitação nas
principais áreas de produção. Os danos ambientais causados pelo uso de insumos e máquinas
agrícolas também serão considerados, sobretudo pelos seus impactos na fauna, flora, solo e na
saúde humana.

1.1.2 Os conceitos privilegiados

Segundo Sposito (2004, p. 61) “o conceito, que é elaborado pela descrição de um


fenômeno, expressa esse fenômeno como concepção que parte dos sentidos e que pode ser
abordado empiricamente. Em outras palavras, o conceito é construído cientificamente”. Como
36

construções teóricas, os conceitos se baseiam em um referencial científico e filosófico, sendo


identificados a partir dos seus autores, grupos de autores ou tendências científicas.
O conhecimento dos objetos reais, concretos e singulares pode ser viabilizado pela
seleção dos conceitos capazes de fornecer uma aproximação com a realidade. Logo,
apresentaremos a seguir aqueles que foram basilares no processo de investigação, sendo eles,
fundamentalmente, o de território e o de lugar.
O território é um conceito que apresenta diferentes perspectivas analíticas na ciência
geográfica, dentre as quais se destacam o território como sendo a área dos Estados Nacionais
(político-administrativo), o território como entidade constituída por e a partir das relações de
poder (múltiplas formas e funções) e o aquele compreendido a partir da noção de território
usado, este sendo o que fundamentará a compreensão do objeto de análise.
Para Santos (1999, p. 19) o território em si não é a categoria de análise, mas sim o
território usado, pois

o território tem de ser visto como algo que está em processo. Ele é muito
importante, ele é o quadro da vida de todos nós, na sua dimensão global, na
sua dimensão nacional, nas suas dimensões intermediárias e na sua dimensão
local. Por conseguinte, é o território que constitui o traço de união entre
passado e o futuro imediato. Ele tem de ser visto – e a expressão de novo é de
François Perroux – como um campo de forças, como o lugar do exercício de
dialéticas e contradições entre o vertical e o horizontal, entre o Estado e o
mercado, entre o uso econômico e o uso social dos recursos.

O território usado “pode ser definido pela implantação de infraestruturas, para as quais
estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de engenharia, mas também pelo
dinamismo da economia e da sociedade” (Santos; Silveira, 2008, p. 21)1. Como lócus das
dialéticas e contradições, ele pode ser interpretado a partir das ações dos diferentes agentes
sociais, mas também dos objetos que são chamados a fazerem parte dos processos, não importa
sua área de ocorrência ou seu alcance espacial.
Sob essa perspectiva, Silveira (2014, p. 17) ressalta que falar de território usado é referir-
se ao

1
É válido considerar que “território usado” em Milton Santos centrada na luta pelo uso do território (análise social
e prática política) se justapõe em alguns pontos a categoria de “território praticado” da socióloga Ana Clara Torres
Ribeiro (2003) centrada na análise das práticas sociais e na ação política da sociedade.
37

território feito com técnicas, normas e ações. É a condição do movimento,


inerente a existência do território usado, que permitiria estender a sinonímia à
de formação socioespacial, uma vez que “a formação social, totalidade
abstrata, não se realiza na totalidade concreta, mas por uma metamorfose onde
o espaço representa o primeiro papel” (Santos, 1996, p. 24). Sendo o princípio
da seletividade espacial um produto da realização da história, mas também a
sua condição, o território utilizado é ativo na evolução histórica2.

Sendo assim, as ações realizadas no território configuram usos específicos, dentre os


quais podemos ressaltar nesta pesquisa o uso pela atividade agrícola (agricultura camponesa e
agroindustrial), os usos pela atividade industrial (empresas fabricantes de insumos) e os usos
pela atividade comercial (empresas fornecedoras de insumos ao campo).
Ao considerarmos os distintos usos realizados pelos atores específicos, torna-se possível
compreender o território como uma entidade em constante utilização. Isso ocorre porque,
conforme Santos (2017) e Silveira (2006) argumentam, embasados na ontologia do ser e na
noção de dasein, que significa "ser-aí" ou "ser-em-situação", como defendido por Heidegger
(1958), o ser humano, ao projetar-se para além de si, inevitavelmente se especializa (Dantas,
2014).
Embasada na ideia de “ser aí”, Silveira (2006, p.86) ressalta que “existir é estar no
mundo, existir não é unicamente estar dentro de mim, mas estar fora de mim”. Não obstante,
Dantas (2014, p. 52) afirma que “a ação do verbo ser é sendo e é sendo que o ente existe e ‘sua
essência deve ser investigada a partir de sua existência’”. Ou seja, o sujeito em sua
especificidade no território, sua forma de existência, é um dado fundamental.
O existir do sujeito – tomado não apenas como o ser humano stricto sensu, mas também
como todas as variáveis espaciais que ele ajudou a criar com o exercício de sua força de trabalho
– irá definir como ele virá a ser, sua presença. Sobre isso, Dantas (2014, p. 52) afirma que “a
presença se constitui criando modos de ser único, daí Heidegger falar em existências,
considerando que as circunstâncias impõem restrições ao que posso fazer”.
A partir de tais pressupostos, podemos afirmar que a forma como as variáveis se
apresenta no território, incluindo todas as infraestruturas, as técnicas e seu dinamismo, será
definido pela sua forma de ser e pelas circunstâncias3 que significam a sua existência.

2
Tradução nossa do fragmento: “Se trata del territorio hecho y el territorio haciéndose con técnicas, normas y
acciones. Es la condición de movimiento, inherente a la existencia del territorio usado, lo que permitiría extender
la sinonimia a la idea de formación socio-espacial, ya que ‘la formación social, totalidad abstracta, no se realiza
en la totalidad concreta sino por una metamorfosis donde el espacio representa el primer papel’ (Santos, 1996, p.
24). Como el principio de selectividad espacial es producto de la realización de la historia pero también su
condición, el territorio usado es activo en el devenir histórico” Silveira (2014, p. 17)
3
O conceito de circunstância exposto refere-se aquele apresentado por Ortega y Gasset (1977) ao defender a teoria
do homem-circunstância, isto é, o homem é o homem em sua circunstância (entorno, meio exterior). Circunstância
para o autor corresponde a tudo aquilo que rodeia o eu, a realidade cósmica.
38

Como exemplo, podemos mencionar que o território em sendo usado pela agricultura
camponesa na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido associa-se às circunstâncias as quais
tal dinâmica encontra-se inserida. A relação entre os agricultores e outros que atuam sobre as
áreas de produção, sua dependência ao crédito bancário, as possíveis formas de comercialização
dos produtos, as normas de produção estabelecidas nas áreas agrícolas (mesmo a partir de
lógicas externas), são exemplos das circunstâncias as quais esses agentes se inserem em seu uso
do território.
Isso nos leva a pensar em outra ideia apresentada por Heidegger (1958), a de situação.
Concordamos com o pensamento de que

A área de ocorrência pode ser assimilada à ideia de situação e a técnica permite


identificar e classificar os elementos que constroem as situações. É a ordem,
sempre diversa, com que os objetos técnicos e as formas de organização
chegam a cada lugar e nele criam um arranjo singular, que define as situações,
permitindo entender as tendências e as singularidades do espaço geográfico.
(Silveira, 1999, p. 25).

A situação não pode ser reduzida à área de ocorrência visto que ela “supõe uma
localização material e relacional (sítio e situação)” além de conduzir a pergunta pela coisa,
sobre sua construção e seu movimento histórico (Silveira, 1999. p.22). É preciso conhecer a
existência material dos objetos geográficos e seus elementos organizacionais.
Ainda sobre a relação entre situação e técnica, sobretudo neste meio técnico-científico-
informacional em que as situações são fortemente influenciadas pelos diferentes usos do
território, é preciso compreender

as técnicas que se tornaram território, com sua incorporação ao solo (rodovias,


ferrovias, hidrelétricas, telecomunicações, emissoras de rádio e TV etc.),
como os objetos técnicos ligados à produção (veículos, implementos) e os
insumos técnico-científicos (sementes, adubos, propaganda, consultoria)
destinados a aumentar a eficácia, a divisão e a especialização do trabalho nos
lugares (Santos; Silveira, 2008, p. 22).

Conforme apresenta Santos (2017) as técnicas possuem naturezas distintas e funções


sociais específicas, atendendo as necessidades humanas cotidianas como alimentação,
deslocamento e moradia. Tal perspectiva baseia-se na definição Ortega y Gasset (1963, p.83-
84) que define a técnica como “um manancial de atividade humanas, em princípio, ilimitadas.
Esta nova consciência da técnica como tal coloca o homem pela primeira vez, numa situação
radicalmente distinta da que jamais experimentou”.
As técnicas, como esse manancial de atividades humanas, ao ganhar valor pela
sociedade, não devem ser consideradas isoladamente, pois sozinhas não explicam nada. Trata-
39

se de um sistema, elas coexistem e configuram um fenômeno técnico (Jaques Ellul, 1964). No


território, a implementação das técnicas nos lugares configura arranjos territoriais singulares,
situações específicas que as diferem daquelas formadas em outras áreas.
Para Silveira (2012), no período atual é preciso compreender o fenômeno técnico para
além de suas manifestações particulares, ou seja, é preciso analisar sua origem, seu contexto e
seus desdobramentos. Pensar a técnica dessa maneira seria considerar a divisão territorial do
trabalho, as situações e os diferentes usos do território (pelos diversos agentes, empresas e
instituições), ou seja, seria compreender o território no sentido de “como, onde, por quem, por
quê e para que ele é usado” (Ramos, 2013).
Ainda de acordo com Silveira (2012, p. 217) é necessário pensar a técnica na
contemporaneidade a partir da pergunta “quem usa e quem regula?”. Tal proposta parte da
constatação de que “em nenhum caso a difusão dos objetos técnicos se dá uniformemente ou
de modo homogêneo. Essa heterogeneidade vem da maneira como eles se inserem
desigualmente na história e no território, no tempo e no espaço” (Santos, 2017, p. 39).
Sobre a manifestação da técnica no território, isso ocorre sobretudo pela difusão dos
objetos técnicos, sejam os fixos ao solo como rodovias, ferrovias e hidrelétricas, ou os que se
movem no espaço como veículos (carros, aviões, navios), insumos industriais e agrícolas
(máquinas, implementos, tecnologias de irrigação) e outros. A técnica se minifesta também pelo
trabalho humano, cada vez mais especializado como os da engenharia, medicina, veterinária,
tecnologias da informação e comunicação etc. (Santos; Silveira, 2008).
Assim, compreendemos a expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido como uma dinâmica espacial
representativa e em constante movimento mediante os diferentes usos do território. Como tal,
faz parte de um amplo e complexo processo de circulação de pessoas, produtos e capitais que
se realiza de forma seletiva espacialmente e em determinados segmentos produtivos.
Os objetos técnicos considerados nesta pesquisa são os insumos e máquinas agrícolas
enviados à fruticultura irrigada realizada pelos agricultores camponeses. Mesmo ocorrendo em
menor proporção em relação ao uso desses materiais pela produção agroindustrial, acreditamos
que tal processo encontra-se em expansão no território, especialmente a partir das imposições
normativas advindas da agricultura capitalista globalizada, contribuindo no aprofundamento da
divisão territorial do trabalho entre as áreas rurais e nas especializações produtivas.
Uma vez a inserção desses objetos ocorrem em locais específicos do território mediante
a maior produção agrícola verificada em certas áreas, chamamos a atenção sobre a necessidade
40

de se pensar nos impactos locais gerados pela inserção desses objetos geográficos. Isso nos leva
ao segundo conceito privilegiado nesta pesquisa, o de lugar.
Para Milton Santos (2010) o conceito de lugar pode ser analisado a partir da globalização
contemporânea, esta que, por sua vez, pode ser entendida a partir de três tendências: a
mundialização dos sistemas técnicos, marcado pelas técnicas e pelos objetos técnicos que
formam redes em escala global; a convergência dos momentos, que se refere a simultaneidade
das informações no globo, ou seja, pelo conhecimento instantâneo dos eventos, principalmente,
através das tecnologias; e a mais-valia universal, comandada pelos agentes e empresas de
diversos ramos que atuam mundialmente.
Nesse contexto da globalização, o lugar pode ser visto como como uma expressão de
singularidade, visto que

cada lugar é, à sua maneira, o mundo. Ou, como afirma M. A. de Souza (1995,
p. 65), “todo os lugares são virtualmente mundiais”. Mas, também, cada lugar,
irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se
exponencialmente diferente dos demais. A uma maior globalidade
corresponde uma maior individualidade (Santos, 2017, p. 314).

O mundo, tal qual se apresenta, se realiza a partir da efetivação do trabalho e dos


processos produtivos nos lugares, sendo cada um deles caracterizados por elementos
específicos e singulares. Ao se apresentar “irrecusavelmente imerso numa comunhão com o
mundo” (Santos, 2017, p. 314), cada lugar se apresenta dotado de elementos originados em
outros, porém com uma realidade própria, uma característica que o difere dos demais.
Ao articular o conceito de lugar com a noção de técnica, Santos (2017, p. 58) considera:

É o lugar que atribui às técnicas o princípio da realidade histórica,


relativizando seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua
abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica. E, num determinado
lugar, não há técnicas isoladas, de tal modo que o efeito de idade de uma delas
é sempre condicionado pelo das outras. O que há num determinado lugar é a
operação simultânea de várias técnicas, por exemplo, técnicas agrícolas,
industriais, de transporte, comércio ou marketing, técnicas que são diferentes
segundo os produtos e qualitativamente diferentes para um mesmo produto,
segundo as respectivas formas de produção.

Levando em conta a compreensão das especificidades dos lugares, Santos (2017) sugere
que a noção de evento seja fundamental, isso porque articula o lugar e o mundo a partir desse
incessante movimento de pessoas, mercadorias, dinheiro, capital, informações e ordens,
expressas a partir das redes de diversas naturezas e diferentes escalas espaciais.
A noção de eventos nos faz considerar a relação entre o lugar e o mundo, este primeiro
sendo obrigatoriamente o depósito final dos eventos, ou seja, o lugar é “um conjunto de objetos
41

e, ao mesmo tempo, o receptáculo de um feixe de determinações, não apenas de algumas [...],


mas de todas as determinações” (Santos, 1996, p. 8).
Para o autor, é a partir do evento que as técnicas se instalam nos lugares, resultando no
reordenamento de sua base material, possibilitando falar da idade do lugar (data de instalação
das técnicas em uma dada realidade), assim como de densidade técnica (tecnificação das
atividades produtivas nos lugares e no território).
Ao dissertar sobre a noção de eventos, Santos (2017, p.144) afirma que

Se considerarmos o mundo como um conjunto de possibilidades, o evento é


um veículo de uma ou algumas dessas possibilidades existentes no mundo.
Mas o evento também pode ser o vetor das possibilidades existentes numa
formação social, isto é, num país, ou numa região, ou num lugar, considerados
esse país, essa região, esse lugar como um conjunto circunscrito e mais
limitado que o mundo.

O autor refere-se à noção de evento como fundamental para a compreensão do espaço


na era na globalização, pois resolve questões de método de análise geográfica, permitindo “unir
o mundo ao lugar; a história que se faz e a história já feita; o futuro e o passado que aparece
como presente”, unindo tempo e espaço como categoria única (Santos, 1999, p.15).
Ao defender os eventos como produções sociais, Silveira (2006, p.88) elenca que eles
“transformam as essências e possibilidades em qualidade quantidades num lugar determinado.
São os eventos que operam a metamorfose entre possibilidade e existência”. São os eventos os
responsáveis pela criação da situação geográfica, visto que transformam os lugares
“modificando o dinamismo preexistente e criando uma nova organização das variáveis”
(Silveira, 1999, p.25).
Os eventos sugerem compreender a relação local-global por meio dos
arranjos/segmentações denominados de horizontalidades e verticalidades.

As horizontalidades são, sobretudo, a fábrica da produção propriamente dita e


o lócus de uma cooperação mais limitada, as verticalidades dão, sobretudo,
conta dos outros momentos da produção (circulação, distribuição, consumo),
sendo o veículo de uma cooperação mais ampla, tanto econômica e
politicamente, como geograficamente (Santos, 2017, p.284).

O fato é que quanto mais o mundo se globaliza, mais fragmentado ele se apresenta, ou
seja, ao tempo em que falamos do espaço como unidade (mundo) também o admitimos
enquanto constituído pela diversidade (lugares).
Santos (1996) propõe considerar o lugar a partir dos seus novos significados, sendo o
cotidiano a dimensão capaz de abarcar os objetos, as ações, a técnica, o tempo e os eventos. O
cotidiano “é delimitado pelo espaço contínuo, onde todos os tipos de homens, todos os tipos de
42

empresas, todos os tipos de instituições trabalham juntos, funcionam juntos e juntos estruturam
a vida da comunidade e o espaço ao mesmo tempo” (Santos, 1996, p.11).
Além de tomarmos como base os conceitos de território e lugar, consideramos pertinente
elencar outros conceitos, categorias, noções e ideias que foram importantes ao longo desta
análise, dentre as quais se destacam: a categoria renda da terra baseando-se em David Ricardo
(1982) e Karl Marx (2013, 2017), com especificidade na sujeição da renda da terra ao capital a
partir de Martins (1990), Oliveira (1977) e Oliveira (2007); e as conceituações sobre técnica,
progresso técnico e consumo produtivo agrícola ancoradas Marx (2013, 2011), Graziano da
Silva (1981, 1990) e Santos (2017).
Nos reportamos também com frequência aos autores que ao longo de suas carreiras, na
Geografia ou em áreas afins, contribuíram no âmbito da abstração sobre a região Nordeste e do
semiárido brasileiro, a saber: Manuel Correia de Andrade (2011) ao abordar aspectos sociais
(questão agrária) e físico-ambientais da região; Tania Bacelar de Araújo (2000) ao discorrer
sobre os aspectos econômicos e os contrastes regionais; Iná Elias de Castro (1994, 2000)
abordando as relações políticas, modernização e uso das tecnologias no Nordeste; Soraia de
Fátima Ramos (2008, 2013) ao analisar a evolução dos sistemas técnicos na fruticultura
irrigada; e Elias (2010, 2013) analisando a agricultura nordestina no contexto da globalização.
Ressaltamos também a contribuição daqueles que a partir de suas análises contribuíram
com informações empíricas sobre temas associados a fruticultura no Nordeste Semiárido,
como: Juscelino Eudâmidas Bezerra (2012), ao analisar a internacionalização, conflitos e
precarização do trabalho na fruticultura irrigada; Andrade (2013, 2018) em suas respectivas
análises sobre a internacionalização da fruticultura; e Cavalcante (2019) ao discorrer sobre o
agronegócio e a questão agrária no Baixo Jaguaribe.

1.1.3 As categorias de análise

No trabalho científico, cabe ao pesquisador escolher as categorias de análise capazes de


auxiliá-lo no processo de construção do conhecimento sobre o objeto ou fenômeno real,
concreto e singular. Tal escolha deve se basear no objetivo da pesquisa e na concordância entre
as categorias e o referencial teórico e metodológico adotado (Sposito, 2004).
Partindo da compreensão do espaço como totalidade, teorizada por Santos (2020)
tomamos como plano de fundo da investigação as categorias de análise espacial forma, função,
estrutura e processo. Estas, por sua vez, nos auxiliaram ao longo da pesquisa como elementos
basilares ao raciocínio geográfico sobre o objeto de análise, sempre auxiliando no caminho
teórico-metodológico percorrido ao longo da investigação.
43

A forma corresponde ao aspecto visível do objeto, a exterioridade da coisa ou do


conjunto de coisas materiais. A função sugere as tarefas ou atividades desempenhadas pelas
formas, pessoas, instituições, firmas ou coisas. Por estrutura, compreende-se a natureza social,
cultural, econômica, política de uma sociedade, ou seja, sua forma de organização ou
construção, implicando admitir suas relações com todas as partes de um todo. Já o processo
pode ser definido como as ações direcionadas a obtenção de resultados, o que sugere a
consideração dos conceitos de tempo e mudança.
Para a compreensão do objeto apresentado nesta pesquisa, julgamos pertinente
considerar as categorias específicas divisão territorial do trabalho, os pares dialéticos território
como abrigo e território como recurso, território como norma e território normado.
Acreditamos que elas viabilizaram o alcance de respostas aos questionamentos levantados na
investigação, bem como atingirmos os objetivos previamente estabelecidos.
A categoria divisão territorial do trabalho viabiliza operacionalizar a análise sobre a
diversidade dos processos de trabalho e sua espacialização diversificada no território.
Goldenstein e Seabra (1982, p. 21), com base na leitura de Lipietz (1977), afirmam que tal
categoria advém da divisão do trabalho social, tomada em dois aspectos: em sua divisão
“horizontal” que remete a diferenciação entre os ramos das atividades, a divisão campo-cidade,
divisão interurbana etc.; e a divisão “vertical” que se refere a diferenciação entre os grupos
sociais (que também é divisão técnica do trabalho), entre os dominantes e dominados, os
possuidores e despossuídos dos meios de produção.
Para os autores, os dois aspectos não devem ser considerados isoladamente, visto que
um está contido no outro. Por exemplo, a divisão “horizontal” do trabalho está contida na
divisão “vertical” dominada pelos agentes que subordinam a dimensão econômica, política e
social das atividades e, como consequência, os sujeitos coletivos (explorados e dominados).
Sob essa ótica,

Qualquer processo de trabalho, em suas etapas intelectuais ou na produção


strictu sensu, implica na utilização dos meios materiais, que têm uma
dimensão espacial, o que leva a divisão social e técnica do trabalho a ter uma
dimensão territorial. Essa divisão territorial, não sendo alheia aos dados
objetivos representados pela diversidade das condições naturais, é a dimensão
espacial das formas de divisão social do trabalho (Goldenstein; Seabra, 1982,
p. 21).

Ao defender que a divisão social do trabalho numa perspectiva geográfica, Santos


(2017, p. 132) assevera que ela se associa a diversificação da natureza, podendo “ser vista como
um processo pelo qual os recursos disponíveis se distribuem social e geograficamente”. Para
44

ele, os recursos são todas as possibilidades, materiais ou não, de ações oferecidas aos agentes
sociais, ou seja, coisas naturais, artificiais, relações compulsórias e espontâneas, sentimentos,
ideias, valores etc.
Assim, o autor considera que a divisão social do trabalho se expressa duas formas,
complementares entre si: uma a qual considera a repartição do trabalho vivo no Mundo ou no
Lugar, mas também o trabalho morto representado pelo espaço construído; e outra que a admite
mediante a distribuição espacial do trabalho e dos recursos (divisão territorial do trabalho).
O fato é que a divisão territorial do trabalho supõe a criação de uma hierarquia entre os
lugares, de acordo com uma distribuição espacial e com a capacidade de ação das pessoas,
firmas e instituições (Santos, 2017). Quanto mais circulação e movimento num país ou região,
maior o aprofundamento da divisão territorial do trabalho, resultando, consequentemente, em
maiores especializações no território (Dantas, 2016). Soma-se a isso, maiores relações
conflituosas mediante interesses distintos, práticas distintas e obtenção de resultados também
diferenciados no âmbito do aproveitamento dos recursos.
Nessa perspectiva, a divisão territorial do trabalho no meio técnico-científico-
informacional

Aumenta a necessidade de intercâmbio, que agora se dá em espaços mais


vastos. Afirma-se uma especialização dos lugares que, por sua vez, alimenta
a especialização do trabalho. É o império, no lugar, de um saber-fazer
ancorado num dado arranjo de objetos destinados à produção. Isso vem talvez
nos mostrar o lado mais ativo da mencionada divisão territorial do trabalho
(Santos; Silveira, 2008, p. 135).

Hoje os objetos técnico-científicos-informacionais são distribuídos mais rapidamente


no território, todavia não de forma uniforme. Determinados pontos e áreas concentram os
mesmos, enquanto outras porções experimentam parcialmente sua presença. No Brasil, isso
pode ser verificado pela existência da Região Concentrada e do “resto” do território como
defendido por Santos e Silveira (2008).
A Região Concentrada, composta pelos estados de Paraná, Santa Catarina, Rio Grande
do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e porções do Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Goiás
corresponde aquela em que o meio técnico-científico-informacional apresenta maior
expressividade, com maiores especializações produtivas e maior divisão social do trabalho
fortemente influenciada pelo papel das cidades.
Já o “resto” do território, composto, sobretudo, pelos estados do Norte, Nordeste e partes
do Centro-Oeste, compreende as áreas onde se localizam as manchas e pontos em que o
45

respectivo meio se faz presente. Como exemplo tem-se as capitais estaduais, cidades médias e
regiões agrícolas em que os objetos e as ações apresentam maior dinamismo e complexidade.
No interior da Região Concentrada ou em certas porções do restante do território, apenas
alguns vetores e lugares são privilegiados com a presença das inovações (sobretudo
tecnológicas), porém cada área apresenta uma complexidade que lhe é particular. Como
exemplo, podemos exemplificar os novos objetos chamados a fazerem parte da dinâmica da
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, sendo empregados de forma mais dinâmica em
lugares que compreende o vale dos rios São Francisco na Bahia e Pernambuco, Jaguaribe no
Ceará, Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró no Rio Grande do Norte.
A expansão do uso dos objetos técnico-científicos-informacionais nessas áreas de
produção agrícola se realiza sobretudo pelo papel das empresas agroindustriais (comandadas
por agentes hegemônicos), as quais possuem forte poder sobre o arranjo espacial das coisas
envolvidas direta ou indiretamente aos seus processos de produção. Destarte, verifica-se
também o papel dos agricultores organizados em trabalho de base familiar que contribuem na
disseminação de alguns desses novos objetos mediante estratégias de adaptação às exigências
dos agentes hegemônicos sobre os parâmetros produtivos do meio atual.
Esse debate nos levou a considerar outras categorias que foram importantes neste
trabalho de pesquisa, o par dialético território como recurso e território como abrigo, que
consiste na análise das diferenciações dos agentes sociais no território a partir das diferentes
lógicas de uso e apropriação dele.

Para os atores hegemônicos o ‘território usado’ é um recurso, garantia de


realização de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas
ações conduz a uma constante adaptação do seu uso, com adição de uma
materialidade funcional ao exercício das atividades exógenas ao lugar,
aprofundando a divisão social e territorial do trabalho, mediante a seletividade
dos investimentos econômicos que gera um uso corporativo do território. (...)
Os atores hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando
constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que
recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares (Santos et al.,
2000, p. 12).

O território como recurso se manifesta através das ações das empresas que exigem das
áreas e agentes uma adaptação contínua às suas formas de uso e domínio. Na agricultura, as
empresas agroindustriais ligadas aos circuitos espaciais produtivos globalizados definem tais
usos, influenciando as decisões sobre a utilidade das estruturas pré-existentes, impondo novas
repartições do trabalho e novos movimentos de pessoas, produtos e capitais (Silveira, 2010).
46

Já o território como abrigo, forma-se com base no trabalho dos agentes marginalizados,
marcados pela escassez dos recursos fundamentais à sua reprodução. No campo, o uso do
território como abrigo pela agricultura camponesa, por exemplo, é visto como “irracionalidade”
ou “contrarracionalidade” pelos agentes hegemônicos. Na verdade, trata-se de “outras formas
de racionalidades” marcadas “pela sua incapacidade de subordinação completa às
racionalidades dominantes, já que não dispõe dos meios para ter acesso à modernidade material
contemporânea” (Santos, 2017, p. 309).
O território como recurso nos direcionou a compreensão das ações dos agentes
hegemônicos nas áreas de produção de frutas irrigadas, com destaque às empresas
agroindustriais e seu potencial em controlar as materialidades e os processos produtivos nos
lugares. Por outro lado, o território como abrigo nos viabilizou conhecer a dimensão da
produção camponesa, os recursos disponíveis à produção de frutas irrigadas (inclusive os
insumos e máquinas utilizados) e suas estratégias de sobrevivência frente ao domínio da
produção agroindustrial.
Esse par de categorias, requer especial atenção pela existência de relações de
concorrência e complementariedade entre os agentes associados a produção de frutas irrigadas,
viabilizando a correlação entre as demandas das diferentes formas de produção no campo e o
consumo dos insumos e máquinas agrícolas. Logo, foi averiguada a dependência da agricultura
camponesa quanto as normas estabelecidas pelas agroindústrias sobre o uso dos insumos
agrícolas, corroborando, ou não, para a expansão de objetos técnico-científicos-informacionais
no campo mediante a sujeição da renda da terra ao capital.
Outro par dialético de categorias fundamentais nesta investigação, também propostas
por Santos (2017, 1994) e reforçadas por Antas Junior (2005), refere-se a de território normado
e o território como norma. Tal escolha se faz importante porque

A norma, para a geografia, pode ser vista como o resultado da tensão e/ou da
harmonia entre objetos e ações que constituem o espaço geográfico; dito de
outro modo, como decorrência da indissociabilidade entre configuração
territorial e uso do território, determinantes de diferentes tipos de normas
(Antas Júnior, 2005, p. 61).

Nessa mesma perspectiva, Antas Júnior (2005) ressalta que as normas, criadas
intencionalmente, oriundas da relação entre os objetos e ações, são: aquelas derivadas dos
objetos técnicos influenciando diretamente as ações; as originadas das ações sociais mediante
seus usos sobre os objetos; e as normas que limitam as possibilidades de usos dos objetos
técnicos ou sistemas de objetos, validando o interesse da maioria ou apenas de determinados
47

grupos que dispõe de meios para efetivá-la. São esses elementos que propiciam a análise das
dinâmicas territoriais num dado período.
Nesse interim, Antas Júnior (2005), citando Milton Santos, afirma que é possível
abordar o território normado como sendo o originado pelas ações, ou seja, ele é objeto da ação.
Ele ressalta que o território normado apresenta uma dimensão repressiva acentuada, sendo
configurado pelas intenções arbitrárias da sociedade.
No mundo globalizado, o território normado é regulado pela ação do Estado
(operacionalizado pelas políticas públicas) e, sobretudo, pelas grandes empresas, estas que são
hoje as “locomotivas do seu desempenho e rentabilidade” (Santos, 2017, p. 230). Sua análise é
pertinente, pois é cada vez mais difícil considerar apenas as funções exercidas localmente,
sendo preciso conhecer também suas motivações e fundamentos, visto que a ordem global é
cada vez mais normativa e normatizada.
Já o território como norma está associado a configuração territorial existente, sendo as
“normas que derivam das ações e do próprio território como ele se apresenta arranjado. Esse
conjunto de características materiais e não-materiais constituem o que se pode chamar de Lei
do Lugar” (Santos, 1994, p. 3). Como tal, as normas sociais e culturais existem concretamente
nos lugares, cuja razão é orgânica, instituídas regulando os comportamentos e as ações.

Território como norma significa condicionamento dos usos das técnicas, de


seus produtos (os objetos técnicos) e, por extensão, das relações sociais. A
cada criação e implementação de objetos técnicos no território, configuram-
se demandas por normas de uso e demandas sociais por regulação, e da soma
destas resulta a densidade normativa que, de fato, é imensurável (Antas Júnior,
2005, p. 39).

Ao relacionar a ideia de situação com a normas, Santos (2017, p. 338) afirma:

O universal é o Mundo como norma, uma situação não espacial, mas que cria
e recria espaços locais; o particular é dado pelo país, isto é, o território
normatizado; e o individual é o lugar, o território como norma. [...] Em todos
os casos há combinações diferentes de normas e formas. No caso do Mundo,
a forma é sobretudo norma, no caso do Lugar a norma é sobretudo forma.

Consideramos importante pensar nas ações das empresas agroindustriais no âmbito da


fruticultura irrigada, impondo ações normativas – mediadas pela ação do Estado através de
políticas públicas ou não – à produção camponesa sobre a expansão do uso dos objetos técnico-
científicos-informacionais, submetendo-a às suas lógicas (território normado). Não obstante,
viabiliza a compreensão das normas preexistentes associadas a agricultura camponesa, as
normas sociais herdadas que inclui toda a base material e o sistema de ações.
48

O arcabouço teórico, composto pela teoria do espaço geográfico, os conceitos principais


e secundários e as categorias de análise, corresponde as diretrizes interpretativas desta
investigação. Ele, por sua vez, foi complementado pelo conjunto de procedimentos
metodológicos e técnicos, tais como a pesquisa documental, coleta e sistematização dos dados
secundários, produção cartográfica e pesquisa empírica.

1.2. A PESQUISA DOCUMENTAL

Como um importante meio para a obtenção de informações oficiais, a pesquisa


documental viabilizou a análise daqueles materiais associados ao nosso objeto da pesquisa. Isso
foi necessário, pois “os documentos podem dizer muito acerca dos princípios e normas que
regem o comportamento de um grupo e as relações entre diferentes grupos” (Silva; Mendes,
2013, p. 210).
Os documentos pertinentes às análises desta pesquisa puderam ser classificados em dois
grupos: os disponíveis em plataformas virtuais oficiais do Estado e órgãos competentes, sob
forma de leis, decretos, instruções normativas, atos, portarias, resoluções e relatórios
configurando-se como marcos legais sobre a expansão fruticultura irrigada, produção,
comercialização e uso dos insumos agrícolas; e aqueles documentos que versam sobre os
perímetros irrigados (construção, administração, funcionamento, manutenção etc.), podendo ser
obtidos através relatórios disponíveis em portais virtuais ou impressos adquiridos nos distritos
irrigados visitados empiricamente.
Em relação a esse segundo grupos de documentos, privilegiamos a análise sobre
regulamentos dos perímetros irrigados existentes em algumas das áreas de maior produção de
frutas irrigadas. Para tanto, foram consultados documentos como ofícios e relatórios técnicos
sobre as áreas de produção de frutas irrigadas, com informações sobre os agricultores
beneficiados nos perímetros produtividade, sistemas de irrigação utilizados, entre outros. Com
isso, pretendia-se obter tais documentos através dos portais virtuais e/ou presencialmente nas
sedes e unidades municipais do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e
da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF)
e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

1.3. COLETA E SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS SECUNDÁRIOS

Os procedimentos metodológicos, os quais incluem a coleta e sistematização dos dados


secundários (quantitativos e qualitativos), encontram-se vinculados aos pressupostos
49

epistemológicos da investigação, possibilitando vislumbrar elementos sociais, econômicos e


políticos associados ao objeto investigado.
Por ser uma variável espacial complexa, houve uma preocupação com a confiabilidade
e contundência das informações adquiridas mediante dados disponíveis através órgãos oficiais
como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), Ministério da Economia (ME), Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) e o Banco Central do Brasil (BACEN).

1.3.1 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Uma das principais fontes de dados utilizadas para a realização da pesquisa


correspondeu ao Censo Agropecuário de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)4, disponíveis através do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA).
Recorremos às informações associadas a fruticultura irrigada no Brasil e no Nordeste
Semiárido, de forma a agrupar os dados em dois grupos, considerando seus usos na presente
pesquisa5.
O primeiro grupo de dados referia-se aos estabelecimentos agrícolas, quantidade
produzida em toneladas e área colhida em hectares para os diferentes cultivos da fruticultura,
abrangendo tanto produções permanentes quanto temporárias. Esses dados foram utilizados
para mapear a produção agrícola, fornecendo informações essenciais para análises espaciais
relacionadas a esse setor.
Essas informações foram importantes para o cálculo da produtividade dos diversos
cultivos agrícolas associados à fruticultura. Posteriormente, os dados foram agrupados em um
único conjunto consolidado por municípios brasileiros, permitindo a identificação das áreas
com maior dinâmica produtiva e aquelas em que esses processos são menos representativos.
Já o segundo conjunto de dados se referiu ao uso de irrigação (por método de irrigação)
nos estabelecimentos agrícolas relacionados à fruticultura irrigada. Esses dados
desempenharam um papel fundamental na análise da relação entre as diferentes técnicas de
irrigação e a produção de frutas irrigadas, além de auxiliarem na definição dos sujeitos a serem
entrevistados na pesquisa empírica.

4
O respectivo censo teve como período de referência de 1 de outubro de 2016 a 30 de setembro de 2017.
5
O número e nomenclatura das tabelas disponíveis no SIDRA que foram utilizadas e/ou que serão utilizadas ao
longo da presente pesquisa podem ser visualizadas no anexo 1 deste trabalho.
50

1.3.2 Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

O acesso aos dados oriundos do Ministério do Trabalho e Emprego foi realizado por
meio da plataforma Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de acordo com seus
parâmetros de pesquisa (espacial e vetores econômicos) dispostos na mesma.
Sobre as variáveis tomadas como importantes na pesquisa, foram baseadas na
Classificação Nacional das Atividades Econômicas 2.0 (CNAE 2.0) a qual entrou em vigor em
2007, elaborada pela Comissão Nacional de Classificação (CONCLA) sob a orientação técnica
do IBGE. Utilizada no sistema estatístico nacional e nos cadastros administrativos do Brasil, a
classificação encontra-se dividida em 21 seções, 87 divisões, 285 grupos, 673 classes e 1.301
subclasses, sendo as atividades econômicas definidas de acordo com sua natureza e dinâmica.
Por meio dessa fonte, consideramos os dados relativos aos vínculos de trabalho nos
estabelecimentos rurais voltados para a produção de frutas irrigadas. Nesse momento,
priorizamos os dados dos municípios selecionados previamente para a pesquisa empírica,
levando em conta a necessidade de estabelecer relações entre os dados já consolidados pelo
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e as relações de trabalho associadas à fruticultura
irrigada nesses municípios.
Com o objetivo de obter informações sólidas sobre o trabalho nas áreas mencionadas
nos últimos anos, optamos por analisar o comportamento do setor frutícola ao longo de uma
década (2011 a 2021). Dessa forma, podemos compreender as tendências e variações
relacionadas ao trabalho na fruticultura irrigada ao longo desse período, fornecendo uma visão
mais abrangente e embasada para a pesquisa.

1.3.3 Dados do Ministério da Economia (ME)

Os dados do Ministério da Economia foram coletados através do Sistema de Comércio


Exterior, em especial através da plataforma COMEX STAT que disponibiliza estatísticas do
comércio exterior com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM 8 dígitos)6 a partir
do Sistema Harmonizado de Codificação e Designação de Mercadorias (SH) da Organização
Mundial das Alfândegas (OMA).
Os dados de destaque foram os referentes às exportações de frutas irrigadas pelos
principais estados exportadores do Nordeste brasileiro, levando em consideração a importância
das produções frutícolas nas áreas semiáridas dessa região.

6
As nomenclaturas completas de acordo com cada seção e grupos de produtos podem ser visualizados por meio
do link: https://portalunico.siscomex.gov.br/classif/#/sumario
51

Esses dados coletados possibilitaram uma análise abrangente do movimento de


exportação de frutas irrigadas pelos principais estados exportadores no Brasil: Pernambuco,
Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte. Cada estado possui suas particularidades em termos de
cultivo e participação no comércio exterior de frutas.
Além disso, por meio do respectivo sistema, foi possível obter dados sobre as
importações de insumos agrícolas, com destaque para os fertilizantes agrícolas. Essa abordagem
foi motivada pela relevância do Brasil no cenário mundial das importações desse tipo de
produto, assim como pela significativa utilização desses insumos pelos agricultores envolvidos
na produção de frutas irrigadas.
De acordo com os parâmetros de pesquisa do COMEX STAT7, foram coletados dados
sobre os últimos dez anos (2012 a 2022) a fim de percebermos o comportamento das
exportações de frutas e das importações de fertilizantes na última década.
A análise privilegiou a relação entre o Brasil, particularmente os principais estados
exportadores do Nordeste, e cada país importador das frutas, possibilitando compreender o
papel que determinados países assumem na compra desses produtos. Sobre esses dados,
consideramos o preço FOB em dólar americano gerados pelo comércio internacional.
Já em relação às importações de insumos, buscamos identificar os países de origem
sobretudo dos fertilizantes agrícolas, estabelecendo correlação entre os eventos geográficos que
tem contribuído para o aumento do preço recente desses produtos no mercado nacional. A fim
de compreensão sobre a quantidade de produtos importados, consideramos o pelo total líquido
desses produtos importados.

1.3.4 Dados do Banco Central do Brasil (BACEN)

A análise dos dados oriundos do Banco Central do Brasil se fez importante para
averiguarmos a ação do Estado no âmbito do financiamento da agricultura. Corresponderam
aos dados sobre custeio, investimento e comercialização agrícola associados aos diferentes
programas vinculados ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR).
Visto que esta investigação centra atenção na expansão do uso de objetos técnicos-
científicos na fruticultura irrigada, analisamos dados sobre programas que viabilizam
financiamento para fins de investimento e aquisição de insumos, máquinas e outros
instrumentos agrícolas como, sendo eles: o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf); Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura

7
Os códigos e aa nomenclaturas dos produtos encontram-se nos quadros 3, 4 e 5 no anexo 1 deste trabalho.
52

Familiar (Proagro Mais); Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp);
Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro), Programa de
Modernização da Agricultura Irrigada e Conservação dos Recursos Naturais (Moderagro),
Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e
Colheitadeiras (Moderfrota), Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de
Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica
na Produção Agropecuária (Inovagro) e o Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada e
ao Cultivo Protegido (Proirriga).
Foram consideradas as diretrizes normativas que definem os agricultores que podem
recorrer de cada programa para o financiamento da agricultura. Tais dados indicaram o
comportamento dos diferentes vetores produtivos agrícolas e suas ações quanto a aquisição de
insumos e máquinas agrícolas8. Não obstante, a espacialização no território dos contratos e
recursos direcionados à agricultura nos últimos anos (de acordo com os dados disponíveis por
unidades da federação), viabilizou identificar os contrastes espaciais quanto aos recursos
direcionados à agricultura no Brasil, o que pressupõe também rebatimentos na fruticultura
irrigada no Nordeste Semiárido.
Considerando que os recursos de cada programa são dirigidos à vetores específicos na
agricultura, buscamos estabelecer um paralelo entre os programas que direcionam os recursos
para a agricultura camponesa e aqueles que atendem às demandas por recursos das
agroindústrias. Tal fato possibilitou uma melhor compreensão sobre os contrastes quanto aos
financiamentos agrícolas, especialmente sobre o privilégio de determinados grupos quanto a
concentração de recursos em detrimentos de outros.

1.3.5 Dados da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba


(CODEVASF)

Os dados oriundos do portal online da CODEVASF foram fundamentais para melhor


aproximação sobre a realidade dos Perímetros Públicos de Irrigação coordenados pela
respectiva instituição, em especial relacionados aos projetos Nilo Coelho, Bebedouro,
Mandacaru (I e II) e Maniçoba no Submédio São Francisco. Além disso, se configurou como
essencial para a comprovação de observações realizadas via pesquisa empírica nesses locais.
Os dados contemplados pela respectiva instituição dizem respeito aos referentes ao
histórico, área ocupada, fonte hídrica, informações sobre o funcionamento, infraestrutura dos

8
As diretrizes normativas de cada programa estão disponíveis no Manual do Crédito Rural (MCR) do BACEN,
disponível em: http://www3.bcb.gov.br/mcr/completo.
53

perímetros e produção agrícola e características da produção por tipo de cultivo, tanto em


relação a produção de base familiar ou empresarial. Tais dados, foram coletados no portal
virtual do respectivo ou através dos Planos Operativos Anuais (POA) referente ao ano de 2021.
Não obstante, também recorremos aos dados disponibilizados pelos portais oficinais dos
próprios distritos irrigados, a fim de confrontarmos e complementarmos os dados supracitados.
Vale ressaltar que essa última fonte foi essencial no fornecimento das informações geoespaciais
sobre o parcelamento dos perímetros públicos irrigados, dados esses que foram utilizados para
melhor representar tais áreas. Junto a isso, os dados coletados empiricamente nos respectivos
distritos foram fundamentais para a fundamentação dos argumentos neste trabalho.
Além das fontes de dados apresentadas, foram utilizadas outras a partir das demandas
explicativas sobre temas gerais e específicos ao longo do trabalho. O conjunto dos dados
coletados foram sistematizados através do uso do programa Excel, podendo ser apresentados
através de diferentes recursos como quadros, tabelas, gráficos, mapas, cartogramas e cartas
imagens, considerando a forma mais didática para uma leitura clara e objetiva.

1.4. A ELABORAÇÃO DOS MAPAS E CARTOGRAMAS

Os mapas e cartogramas apresentados na presente pesquisa, como “representações,


socialmente construídas, da espacialidade dos nossos objetos de investigação” (Corrêa, 2003,
p. 8), correspondem a alguns dos produtos gerados mediante o processo analítico e técnico da
sistematização dos dados de natureza primária e secundária.
A elaboração desses recursos engloba procedimentos da estatística espacial para a
representação das informações, sendo utilizados os programas de Software ArcGis (versão
10.3) e Quantum GIS (versão 10.12.18) e shepefiles disponíveis pelo IBGE ou criados a fim de
atender a representação daqueles dados sistematizados com uso do programa Excel. No intuito
de representação de forma clara e objetiva, de acordo com a natureza das informações, podemos
exemplificar a confecção dos mapas a partir de dois grupos, a saber: copétricos com
sobreposição de círculos proporcionais e mapas de fluxos.
Por meio de mapas coropléticos com sobreposições de círculos proporcionais, foi
possível representar os dados obtidos a partir do Censo Agropecuário do IBGE de 2017. No
que diz respeito aos mapas relacionados à fruticultura irrigada, optamos por representar a
produção agrícola de frutas por municípios brasileiros, possibilitando uma análise tanto a nível
nacional quanto no contexto do Nordeste Semiárido.
Para realizar essa representação, realizamos o cálculo da produtividade da fruticultura.
Esse cálculo consiste na divisão da quantidade produzida (em toneladas) pela área colhida (em
54

hectares) de cada cultura, considerando os dados por município. Essa informação foi importante
para identificar as áreas com maior produção de frutas e estabelecer uma correlação com o
número de estabelecimentos agrícolas que utilizam irrigação. Dessa forma, foi possível
identificar as áreas que seriam foco da pesquisa empírica9.
A representação visual desses dados por meio dos mapas proporcionou uma
visualização clara e comparativa das regiões de maior produção de frutas, relacionando-as à
utilização de técnicas de irrigação. Essa abordagem permitiu uma análise geográfica mais
precisa e embasada, direcionando a pesquisa empírica para as áreas de maior relevância na
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido.
Já em relação aos mapas de fluxos foram elaborados com base nos dados fornecidos
pelo Ministério da Economia, por meio do portal COMEX STAT. Considerando a importância
dos dados sobre importação de insumos, principalmente fertilizantes, e exportação de produtos
da fruticultura no semiárido, a criação de mapas que representassem a interação entre o Brasil
e outros países foi uma maneira pertinente para visualização didática das informações.
Os mapas de fluxos foram desenvolvidos utilizando setas com espessuras proporcionais,
viabilizando uma representação visual clara e compreensível da magnitude dos fluxos. Dessa
forma, foi possível visualizar de forma eficiente a dinâmica das importações de insumos
agrícolas e das exportações de produtos frutícolas, estabelecendo uma conexão geográfica entre
o Brasil e outros países.
Com o objetivo de representar de forma precisa as áreas visitadas durante a pesquisa
empírica e obter uma visão aérea mais detalhada das comunidades, optamos pela produção de
cartas imagens. Essas cartas aéreas foram elaboradas para melhor identificar os perímetros
públicos irrigados, o parcelamento das terras destinadas à produção agrícola e as infraestruturas
presentes nas comunidades agrícolas. Dessa forma, foi possível obter uma representação
detalhada e abrangente das características geográficas das áreas estudadas, contribuindo para
uma compreensão mais precisa do contexto em que ocorre a fruticultura irrigada.
É importante destacar que as produções cartográficas mencionadas vão além da mera
criação técnica de mapas, cartogramas e cartas imagens. Elas representam também uma
atividade de interpretação da realidade geográfica do objeto em seus diferentes contextos e
especificidades. Essas produções não apenas retratam visualmente as informações, mas também
envolvem uma análise aprofundada e uma compreensão mais ampla do objeto pesquisado.

9
De acordo com a metodologia do Censo Agropecuário do IBGE de 2017 não é possível a obtenção de informações
sobre o número de estabelecimentos da fruticultura que fazem uso de irrigação. Por isso, decidimos fazer uma
relação entre os dados sobre a produtividade de frutas e os dados dos estabelecimentos irrigados.
55

1.5. O UNIVERSO DA PESQUISA EMPÍRICA

Para alcançar os objetivos da pesquisa, conduzimos uma investigação abrangente nas


áreas de maior produção de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido. Essa etapa envolveu a
realização de visitas técnicas para observação direta das áreas e a realização de entrevistas para
coletar informações relevantes junto aos agricultores camponeses produtores de frutas irrigadas.
Essa abordagem combinada nos permitiu obter uma compreensão aprofundada da realidade das
áreas visitadas e sobre os diferentes processos produtivos

Realização das visitas técnicas

Durante essa etapa, a pesquisa adotou uma abordagem exploratória, que teve início com
o planejamento das visitas aos locais de produção de frutas irrigadas e culminou em
experiências enriquecedoras vivenciadas pelo pesquisador em cada uma das comunidades
visitadas. Essa abordagem permitiu a coleta de dados significativos e a observação direta de
elementos relevantes para a pesquisa.
Para tanto, a definição das áreas foi realizada levando em consideração o levantamento
dos principais municípios do Nordeste Semiárido que se destacam na produção de frutas
irrigadas. Para isso, foram combinados os dados disponíveis no Censo Agropecuário de 2017
do IBGE, que forneciam informações sobre a produção e a área de cultivo de frutas irrigadas.
Esse levantamento permitiu identificar os municípios com as maiores produtividades nesse
setor, estabelecendo uma base sólida para a pesquisa.
Após a identificação dos municípios alvo da pesquisa empírica, realizou-se o
reconhecimento das áreas específicas dentro desses municípios que seriam alvo das visitas
técnicas. Para isso, foram consideradas diversas fontes de informação sobre as localidades com
agricultores produtores de frutas irrigadas. Essas fontes incluíram os conhecimentos prévios do
pesquisador, relatos de terceiros e pesquisa em portais virtuais e Google Earth. Essa abordagem
abrangente permitiu obter uma visão abrangente das áreas de produção e selecionar as áreas
mais relevantes para as visitas técnicas.
Com base em um roteiro de campo previamente planejado, iniciou-se a realização das
visitas técnicas. Foram visitados os escritórios vinculados aos perímetros públicos irrigados,
onde muitas vezes obteve-se informações sobre a localização dos agricultores a serem
entrevistados, bem como dados gerais sobre os perímetros. Nos casos em que as áreas de
produção não se enquadravam como perímetros irrigados, a localização dos agricultores foi
obtida com a ajuda de informantes locais durante as visitas às comunidades.
56

Durante esse processo, foram realizadas observações simples e sistemáticas, além de


registros fotográficos relevantes. Essas atividades preparatórias marcaram o início das
entrevistas com os agricultores camponeses, permitindo a coleta direta de informações desses
indivíduos envolvidos na produção de frutas irrigadas.

Realização de entrevistas

As entrevistas ocorreram com os agricultores camponeses, sobretudo pela necessidade


de compreensão das reais condições desses agentes quanto a expansão do uso dos objetos
técnico-científicos-informacionais na fruticultura irrigada. Tais entrevistas foram baseadas em
formulários semiestruturados e priorizou a obtenção de informações capazes de atender aos
objetivos da pesquisa e comprovar a tese levantada10.
Os dados e informações privilegiadas nessa fase foram:

✓ As características da produção familiar e unidade produtiva, com base em dados sobre


a condição do agricultor em relação as terras, rendimento, uso agrícola da propriedade,
tamanho e área utilizada para produção no estabelecimento;
✓ A dinâmica da fruticultura, baseando-se em dados sobre as culturas da fruticultura
produzidas nos estabelecimentos, uso dos sistemas de irrigação, fornecimento de água,
financiamento e relações de comercialização da produção;
✓ O uso de insumos agrícolas, como os tipos de produtos utilizados na produção, relações
entre o uso e as exigências produtivas do agronegócio, origem dos insumos e frequência
de compra, uso de máquinas e implementos agrícolas;
✓ Características sobre a assistência técnica utilizada, com base nos tipos de serviços
utilizados, periodicidade no uso, a origem das orientações e os principais problemas e
carências sobre seu uso;
✓ Relações de trabalho na produção de frutas irrigadas, com informações organização
familiar quanto a produção, jornada de trabalho e presença de trabalho assalariado
(demanda, periodicidade de contratação, remuneração, função etc.).

Como mencionado anteriormente, a seleção dos municípios para a pesquisa empírica foi
baseada na produtividade da fruticultura no Nordeste Semiárido, com ênfase naqueles com
destaque na produção de frutas. O Mapa 1 apresenta os municípios selecionados para as
entrevistas com os agricultores camponeses, bem como outros visitados durante a pesquisa.

10
A proposta de formulário a ser aplicado pode ser visualizada no anexo II deste trabalho.
57

Mapa 01. Nordeste Semiárido: municípios selecionados para a realização das entrevistas e outros
visitados empiricamente (2022-2023).
58

Os municípios escolhidos para a pesquisa empírica estão localizados na região


geográfica do Semiárido brasileiro, que se estende pelos nove estados do Nordeste e abrange
parte dos municípios na porção norte de Minas Gerais. Essa região representa 12% dos
municípios do país, com uma população de 27.870.241 habitantes, a maioria vivendo em áreas
urbanas (62%) e rurais (38%).
Sobre às características edafoclimáticas da região, destaca-se a pluviosidade anual que
pode atingir 800 milímetros, com um período chuvoso entre novembro e abril, e altas taxas de
evapotranspiração, o que contribui para o risco constante de escassez de água. Mesmo assim, o
Semiárido brasileiro, em comparação com outras regiões semiáridas, é o que mais chove em
todo planeta.
O bioma predominante no Semiárido brasileiro é a Caatinga, cujo nome, de origem tupi-
guarani, significa "mata branca." Este bioma é composto por uma diversidade de plantas,
incluindo leguminosas, gramíneas, euphorbiáceas, bromeliáceas e cactáceas, abrangendo um
total de pelo menos 228 famílias, 2.810 gêneros e 11.036 espécies. No que diz respeito aos
cactáceos, existem 3.350 exemplares que pertencem a 27 espécies e 12 gêneros diferentes. A
vegetação nesse bioma é caracterizada por uma mata espinhosa tropical, geralmente composta
por um estrato herbáceo gramíneo que envolve árvores e arbustos (INSA, 2023).
Os solos na região do Semiárido brasileiro exibem uma ampla diversidade em termos
de composição e morfologia. Essa diversidade inclui solos rasos e pouco profundos,
normalmente com profundidades variando de 50cm a 100cm, que frequentemente são
pedregosos. Além disso, encontram-se solos mais profundos e bem desenvolvidos,
caracterizados por sua alta concentração de argila e significativa capacidade de retenção de
nutrientes. Também são comuns os solos arenosos, que possuem naturalmente baixa fertilidade.
Há ainda solos endurecidos com maiores profundidades, porém com uma capacidade limitada
de drenagem.
As características mencionadas, combinadas com a interferência humana, como
desmatamentos, notadamente associados à atividade ceramista em algumas áreas, práticas
agrícolas inadequadas em relação ao manejo do solo e sistemas de irrigação, e atividades ligadas
à pecuária extensiva, têm contribuído para a salinização do solo, tornando-o mais suscetível à
degradação. De acordo com o INSA (2023), 85% da região do Semiárido brasileiro está
passando por um processo de desertificação moderada, enquanto 9% já se encontra em estado
efetivamente desertificado.
Essas características, aliadas à prevalência de estiagens prolongadas na região do
Semiárido brasileiro, tornam a situação do acesso à água ainda mais crítica, afetando
59

negativamente os 1.262 municípios da área e impactando o desenvolvimento das atividades


econômicas, incluindo a agricultura e a indústria.
Ao longo do tempo, a região do Semiárido brasileiro, especialmente sua porção
nordestina, tem se destacado como uma área central para programas direcionados à convivência
com a seca e políticas de desenvolvimento regional. Entre essas iniciativas, merece destaque o
Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), concebido pela Articulação Semiárido Brasileiro
(ASA) em 1999 e oficialmente integrado às ações do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) em 2003. O programa tinha como principais metas assegurar o acesso
à água de qualidade para consumo humano e garantir a segurança alimentar e nutricional
necessária para as condições básicas de sobrevivência. De acordo com Santos et al. (2023), com
base nos dados fornecidos pela ASA, até março de 2019, foram construídas 619.555 cisternas
no Semiárido, beneficiando um número de 2.506.038 pessoas.
No âmago deste programa, a ASA expandiu a abrangência do P1MC e, em 2007, lançou
o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), com o objetivo de promover uma convivência
sustentável para comunidades rurais no Semiárido brasileiro diante dos desafios da escassez de
água. O programa concentra seus esforços na construção de cisternas de placas para a captação
e armazenamento de água da chuva, bem como na implementação de tecnologias sociais
voltadas para o uso responsável dos recursos hídricos. Até 2019, o programa já havia
implementado pelo menos 103.568 dessas tecnologias sociais, que incluem cisternas calçadão
(53.483), barragens subterrâneas (1.424), tanques de pedra ou caldeirão (821), bombas d’água
populares (495), barreiros-trincheira (10.497), barraginhas (1.812), e cisternas de enxurrada
(33.906) (ASA, 2019; Santos et al. 2023).
Os municípios selecionados para a pesquisa empírica desta investigação estão
localizados nessa vasta região do Semiárido brasileiro. Ao enfocar os dados relacionados à
produtividade agrícola na fruticultura nessa área, conseguimos identificar os municípios que
foram alvo de nossa pesquisa. Vale ressaltar que, embora esses municípios fossem
proeminentes na produção agrícola da região semiárida, eles não estavam sozinhos nesse
destaque. Existiam outras áreas igualmente significativas na produção agrícola, que também
foram devidamente considerados e analisados no plano teórico. Entretanto, nossa escolha recaiu
sobre esses municípios em razão de sua notável produção, da presença ou ausência de sistemas
de engenharia voltados para a fruticultura irrigada e da demanda mais expressiva por insumos
técnicos e científicos, não apenas na região semiárida, mas possivelmente em todo o Nordeste
brasileiro.
60

É importante ressaltar também a especificidade da escolha do município de Apodi, no


Rio Grande do Norte, em relação a outros municípios com índices de produção semelhantes ou
até superiores. Apodi foi selecionado devido à sua representatividade como uma área de
produção com produtividade intermediária. No entanto, o que torna o município ainda mais
relevante para a pesquisa é o fato de que nos últimos anos tem se destacado por realizar
experimentos pioneiros na porção norte do Nordeste Semiárido, como a produção de uva
irrigada. Essa característica única potencializou as análises realizadas no município.
Considerando isso, a definição da base amostral (Rogerson, 2012) a ser utilizada no
cálculo da quantidade de entrevistas a serem realizadas na pesquisa empírica, baseou-se nos
estabelecimentos da agricultura camponesa, das culturas temporárias e permanentes (as quais a
produção de frutas faz parte), com uso da irrigação na produção.
A escolha metodológica do número de estabelecimento da agricultura camponesa com
uso de irrigação nas lavouras temporárias e permanentes se deu pelo fato de o Censo
Agropecuário do IBGE de 2017, fonte para a definição da base amostral, não apresentar os
dados específicos sobre a agricultura camponesa com uso de irrigação na produção de frutas.
Sendo assim, sabe-se que nos estabelecimentos das lavouras temporárias e permanentes pode
haver o uso de irrigação em outros processos produtivos que não sejam na fruticultura, porém
consideramos a fruticultura como importante setor em que se faz uso de irrigação.
Tal fato pode ser evidenciado pela relação de proporcionalidade nos municípios
selecionados entre o número de estabelecimentos da agricultura camponesa que produzem
frutas em geral com o número de estabelecimentos da agricultura camponesa com uso de
irrigação nas lavouras temporárias e permanentes (Quadro 1).
61

Quadro 01. Municípios selecionados para a pesquisa empírica - relação entre os estabelecimentos
associados a fruticultura (2017).

Estabelecimentos da agricultura
Estabelecimentos da agricultura
Município camponesa com uso de irrigação nas
camponesa com produção de frutas
lavouras temporárias e permanentes
Afonso Bezerra 122 46
Alto do Rodrigues 114 72
Ipanguaçu 232 92
Baraúna 225 182
Mossoró 254 104
Apodi 372 262
Aracati 898 133
Quixeré 120 133
Limoeiro do Norte 322 297
Petrolina 3682 2442
Lagoa Grande 504 305
Juazeiro 3150 2043
Total 9995 6111

Fonte: IBGE (2018). Elaboração: Welton Nascimento.

Com base no exposto, optamos pelo uso da amostragem não probabilística, uma vez que
a seleção da população que compõe a base amostral dependeu, em certa medida, do julgamento
do pesquisador sobre o objeto pesquisado (Mattar, 1999). O método específico utilizado foi a
amostragem por quotas (proporcional) que consiste em um tipo de amostra intencional “em que
o pesquisador procura obter uma amostra que seja similar à população sob algum aspecto”
(Oliveira, 2001, p. 6).
Logo, o universo (N) considerado para a definição da amostra totaliza 6.111
estabelecimentos da agricultura camponesa com uso de irrigação11, distribuídos nos estados da
Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Esse universo corresponde a 61% (p) do
número de estabelecimentos produtores de frutas.
A margem de erro dessa pesquisa é 5%, o que representa que as respostas podem variar
em no máximo 5% para mais ou para menos. O intervalo de confiança foi de 90%.

11
Os dados dos estabelecimentos da agricultura camponesa com uso de irrigação foram considerados mesmo
sabendo-se que neles se inclui a irrigação associadas a outras culturas que não corresponde a produção de frutas.
Trata-se de uma escolha metodológica em decorrência da ausência de dados específicos sobre a agricultura
camponesa que faz uso de irrigação na produção de frutas. Porém, sabe-se que, através da literatura especializada
e de outros dados que serão expostos ao longo desde trabalho, o uso da irrigação na agricultura nessas áreas
predomina a partir da produção de frutas.
62

O cálculo para a definição do tamanho da amostra com população finita é:

n= ____∂2.p.q .N____
e2.(N-1)+ ∂2.p.q
Em que:
N = universo
n = amostra que será calculada
∂ = nível de confiança
e = erro amostral
p.q = porcentagem pelo qual o fenômeno ocorre.

Seguindo esses critérios, primeiramente a população foi dividida em grupos (por


unidades da federação, considerando a amplitude do recorte espacial em análise), sendo os
grupos mutuamente exclusivos (determinado indivíduo só pode pertencer a um grupo
específico). Assim, a amostra estimada foi 260 estabelecimentos rurais com uso de irrigação,
sendo distribuídos proporcionalmente entre as unidades federativas - quotas (tabela 1).

Tabela 01. Amostra de entrevistas a serem realizadas nos estabelecimentos da agricultura camponesa
com uso de irrigação por unidade da federação.

Estabelecimentos da agricultura Amostra


Unidades da Federação Proporção (%)
camponesa com uso de irrigação (n)
RN 758 12,40% 32
CE 563 9,21% 24
PE 2747 44,95% 117
BA 2043 33,43% 87

Elaboração: Welton Nascimento. Fonte: Baseado nos dados do IBGE (2018).

Oliveira (2001, p. 6), em acordo com Curwin e Slater (1991), ressalta que “depois de
serem identificadas as proporções de cada tipo a ser incluído na amostra, o pesquisador
estabelece um número ou quota de pessoas que possuem as características determinadas e que
serão contatadas pela pesquisa”. Aqui optamos pela técnica de amostra por conveniência, em
que qualquer sujeito da população (agricultores camponeses que fazem uso de irrigação), nos
respectivos estados e, particularmente, nos municípios de ocorrência, pode ser participante
elegível para fazer parte das entrevistas a serem realizadas.
Diante do tamanho da amostra ora estimada para a aplicação de formulários de
entrevistas, em 260 estabelecimentos agrícolas com uso de irrigação, é válido realizarmos
63

algumas ressaltas. Tal quantitativo foi elaborado a partir do total de 6.111 estabelecimentos da
agricultura camponesa com uso de irrigação, visto que a fonte de dados utilizada, o IBGE, não
apresentava especificamente em sua metodologia dados sobre agricultura camponesa com uso
de irrigação na fruticultura.
Isso significa que o tamanho da amostra excede o número real de entrevistas que
deveríamos realizar nesta pesquisa, especialmente nos municípios selecionados com muitos
estabelecimentos irrigados. Em relação a esses municípios em particular, vários fatores
contribuíram para não atingirmos a amostra quantitativa originalmente planejada, e podemos
identificar pelo menos três fatores que inviabilizaram sua realização.
O primeiro, corresponde a um elemento básico da geografia, o fator distância, que aqui
se expressa tanto em relação à distância entre o local de residência do pesquisador e as áreas
visitadas, como também as distâncias de um local de produção para outro no interior dos
municípios visitados, o que demanda tempo, recursos financeiros e recursos humanos. No caso
específico da Bahía e Pernambuco, os municípios visitados são consideravelmente extensos
territorialmente, tendo Petrolina 4.562 Km², Lagoa Grande 1.852 Km² e Juazeiro 6.501 Km².
Em contexto, somados esses municípios são quase duas vezes maiores que todos os 39
municípios da Região Metropolitana de São Paulo juntos.
O segundo fator corresponde a um fenômeno recorrente nas comunidades visitadas, a
ausência dos agricultores em suas residências (comumente nas próprias áreas de produção de
frutas) ou a recusa e indisponibilidade dos agricultores em responder as entrevistas. Nas
comunidades visitadas em Petrolina, Lagoa Nova e Juazeiro era constante a visita às residências
e propriedades agrícolas, porém sem nenhuma evidência sobre a presença de agricultores ou
familiares. Já em relação às recusas dos agricultores, somaram um total de 26 recusas nesses
municípios12.
O terceiro fator está relacionado à repetição das respostas dos agricultores entrevistados.
Devido às suas realidades produtivas semelhantes no contexto da fruticultura, as respostas às
perguntas se tornaram repetitivas, independentemente de os agricultores pertencerem à mesma
comunidade ou estarem localizados em áreas distantes umas das outras. Nesse sentido,
avaliamos que as entrevistas realizadas durante a pesquisa empírica, especialmente
considerando a variabilidade das relações entre os sujeitos e o acesso à terra, foram suficientes
para esta investigação e para comprovar a tese proposta.

12
Os argumentos relacionados às recusas eram diversos, tais como: ocupação dos agricultores na roça no momento
da abordagem para a realização das entrevistas e a insatisfação quanto às experiências prévias com entrevistas
realizadas por outros órgãos (sem nenhum retorno ao agricultor, segundo os próprios).
64

Diante desse panorama, em especial sobre estados de Pernambuco e Bahia, julgamos


pertinente incorporar na definição do público a ser entrevistado, critérios qualitativos que
permitiram explorar as perspectivas individuais dos agricultores camponeses, de maneira a
compreender seus contextos e experiências de maneira mais detalhada. Para esses estados, a
combinação de abordagens quantitativas e qualitativas demonstraram uma abordagem
metodológica abrangente, capaz de capturar nuances relevantes no contexto produtivo ao qual
os agricultores estão inseridos.
Dessa forma, levando em consideração a natureza dos dados e a viabilidade da pesquisa
nos municípios selecionados, optamos por cumprir integralmente o número estabelecido de
entrevistas nos estados do Rio Grande do Norte (32 entrevistas) e Ceará (24 entrevistas). No
entanto, nos estados da Bahia e Pernambuco, não foi possível atingir o número planejado.
Nesses estados, foram realizadas um total de 60 entrevistas, sendo 20 em Petrolina e Lagoa
Grande, em Pernambuco, e 20 em Juazeiro, na Bahia. Foram nesses municípios que optamos
por uma abordagem qualitativo no âmbito das entrevistas realizadas.
Nesse contexto, as comunidades visitadas nos respectivos municípios foram:
Acampamento Zé Maria do Tomé (Limoeiro do Norte), Comunidade do Tomé e Sítio
Boqueirão (Quixeré) e Vila Cajazeiras (Aracati) no Ceará; Loteamento São Romão (Mossoró),
Sítio Velame 1 (Baraúna), Sítio Sacramento, Sítio Pau de Jucá (Ipanguaçu), Canto Grande
(Afonso Bezerra) e Distrito de Irrigação do Baixo Açu (Alto do Rodrigues), e Apodi no Rio
Grande do Norte; Núcleo de Moradores 9/N9, Núcleo de Moradores 7/N7 e Distrito de irrigação
do Perímetro Irrigado de Bebedouro (Petrolina), Assentamento Cruz do Pontal e Ilha do Pontal
(Distrito de Vermelho/Lagoa Grande) em Pernambuco; Mandacaru I, Mandacaru II e Maniçoba
(Juazeiro) na Bahia. Além dessas localidades, também foi realizada uma visita técnica na Usina
Hidrelétrica de Sobradinho, a fim de visualizarmos os canais de irrigação interligados a
respectiva estrutura e que abastece os distritos irrigados de Petrolina e Juazeiro, e uma visita
técnica ao Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco, no município de Jati, Ceará.
Considerando as localidades visitadas, é importante ressaltar que cada uma, a sua
maneira, corresponde a um universo de relações que contribuem para usos do território
associado a fruticultura. Sendo assim, as comunidades visitadas serão trabalhadas ao longo
deste trabalho em conjunto ou em especificidade, de acordo com as abordagens realizadas e
com a natureza das informações ou fenômenos elencados.
65

2. RENDA DA TERRA, TÉCNICA E AGRICULTURA

Produção de bananas no Acampamento Zé Maria do Tomé em


Limoeiro do Norte, Ceará-Brasil.
Fotografia: Welton Nascimento (2022).
66

Esta seção discorre sobre a relação entre os temas renda da terra, técnica e agricultura,
debatendo os elementos teóricos fundamentais na compreensão do nosso objeto de análise. Para
tanto, expomos as perspectivas abstrato-formais que, em diferentes áreas do conhecimento e
em diferentes momentos, podem contribuir no avanço desta investigação.
David Ricardo e Karl Marx são alguns dos autores que teorizaram sobre a renda da terra
e sua formação o âmbito dos processos produtivos agrícolas, articulando suas conceituações
com o papel da técnica na agricultura e na composição do lucro capitalista no campo. Já autores
contemporâneos como José de Souza Martins, José Graziano da Silva e Ariovaldo Umbelino
de Oliveira contribuíram nessa temática sob a ótica da sujeição da renda da terra ao capital,
especialmente pela sua manifestação na agricultura camponesa.
Considerando tais debates como pertinentes nesta análise, subdividimos esta seção em
dois momentos: no primeiro, realizaremos um debate conceitual sobre categoria renda da terra,
resgatando contribuições construídas historicamente a fim de relacionamos com a análise sobre
o emprego das técnicas na agricultura; no segundo momento, discutiremos a sujeição da renda
da terra ao capital e o papel das técnicas nesse processo.
Mediante os respectivos debates, apresentamos algumas pressuposições elaboradas no
sentido de articular os temas com o objeto de pesquisa em tela. São pressupostos que, se
comprovados ao longo da construção deste trabalho, viabilizarão comprovar a hipótese levanta
e alcançarmos os objetivos estabelecidos.

2.1. RELAÇÕES ENTRE A RENDA DA TERRA, TÉCNICA E AGRICULTURA

O interesse sobre o estudo da renda da terra teve suas origens com os chamados pré-
clássicos nas ciências econômicas no século XVII, sendo os conhecimentos sobre ela
publicados ainda nos escritos mercantilistas. Nestes, a renda era abordada como categoria
secundária, sempre em relação ao valor da terra, da taxa de juros e sendo considerada “um dos
principais fluxos monetários da época” (Lenz, 1993, p. 143).
Foi no século XVIII que a renda da terra apresentou importância maior nos estudos de
natureza científica com o filósofo e economista Adam Smith em “A Riqueza das Nações” de
1776. Nessa obra, o autor mostrava interesses pela observação geográfica ao perceber que “a
especialização do trabalho era limitada pela extensão do mercado” (Claval, 2005, p. 12).
Ao analisar a renda da terra, Smith apresenta contribuições meritórias ao relacioná-la
com o valor e os preços das mercadorias no âmbito da produção capitalista no campo, a
apresentando como “o preço pago pelo uso da terra, é naturalmente a maior que o arrendatário
pode permitir-se pagar, nas circunstâncias efetivas da terra” (Smith, 1996, p. 185).
67

Lenz (19993) afirma que, na leitura de Smith, o proprietário da terra ganharia de duas
formas: com o aumento do produto e com a redução da quantidade de trabalho empregado na
produção. Seria comum ainda que o proprietário da terra exigisse um aumento da renda se ele
fosse o responsável, durante o arrendamento, pelas melhorias efetivadas na terra.
Quanto a variação da renda, ela ocorreria a partir de dois fatores: a localização das terras
e sua fertilidade. As terras mais distantes das cidades deveriam comandar “mais trabalho a fim
de compensar o custo com o transporte, reduzindo, assim, o excedente de onde saem o lucro e
a renda da terra” (Lenz, 1993, p. 156). Tais elementos corresponderiam a existência da renda
da terra diferencial na obra de Smith.
Isso fica ainda mais perceptível quando Smith (1996, p. 190) afirma que “com a
continuidade dos melhoramentos, a renda e o lucro das pastagens não melhoradas vêm a ser
regulados, até certo ponto, pela renda e pelo lucro daquelas que tiveram melhoria”. Ou seja, a
regulação da renda ocorreria a partir da terra com maior fertilidade a qual produz o alimento
mais nobre, o trigo – produto de consumo comum pela população europeia quando o autor
escrevia suas contribuições.
Como elemento na composição da renda da terra, especialmente no valor13 dos produtos,
os “melhoramentos” considerados por Smith (1996) seriam os investimentos em dois tipos de
capitais para o aperfeiçoamento dos processos de produção, de forma que pudessem contribuir
na geração da renda ou lucro a quem os emprega. São eles o capital fixo e o capital circulante.
O capital fixo seria aquele que proporciona renda ou lucro sem circular ou mudar de
proprietário, sendo direcionado ao aprimoramento da terra, compra de máquinas, instrumentos
de trabalho ou outros materiais que sejam capazes de viabilizar a geração de lucro. Eles podem
ser divididos em: máquinas e instrumentos que facilitam e abreviam o trabalho; as
infraestruturas que geram renda como armazéns e sedes de propriedade rural; as melhorias ou
benfeitorias realizadas nas terras como roçar, capinar, drenar e cercar; e as habilidades
individuais adquiridas em sociedade (capital fixo encarnado).
O capital circulante seria o ativo corrente que, na evolução normal de um determinado
negócio (incluindo os processos de compra, produção e venda das mercadorias) se transformam
no dinheiro ao qual permite o pagamento das dívidas oriundas dos processos produtivos. Esse
capital gera lucro mediante a comercialização da mercadoria produzida ou pelas trocas
sucessivas dela. Enquanto ela permanecer sob a posse do comerciante, ela não gera nada.

13
Em Smith a palavra valor apresenta dois significados: aquele que se baseia na utilidade de um objeto em
particular, sendo denominado de valor de uso; e o poder de comprar outros bens, conferido pela posse daquele
objeto, denominado de valor de troca.
68

Sobre os capitais fixos e circulantes na agricultura, o autor explica que

A parte do capital do agricultor que é empregada nos instrumentos agrícolas


constitui capital fixo; e a empregada nos salários e na manutenção de seus
empregados é capital circulante. O agricultor aufere lucro do capital fixo,
conservando-o em sua própria posse; e do capital circulante, gastando-o. O
preço ou valor de seu gado empregado na agricultura é capital fixo, bem como
o dos instrumentos e equipamentos agrícolas; sua manutenção é um capital
circulante, da mesma forma como a manutenção dos empregados (Smith,
1996, p. 288-289).

Percebe-se que há existência de uma interdependência funcional entre o capital fixo e o


capital circulante na agricultura. As máquinas e os demais instrumentos utilizados na produção
agrícola não geram nada se não houver um capital circulante para os manter. Capital fixo e
capital circulante apresentam uma única finalidade: manter e aumentar o capital que pode ser
reservado ao consumo imediato.
Nessa perspectiva, a abordagem de Smith sobre a técnica nos processos de produção a
considerava como algo em processo, baseando-se em dois elementos: na divisão do trabalho
capaz de criar máquinas capazes de aperfeiçoar o trabalho humano, em que o trabalhador logo
perceberia métodos fáceis e rápidos de execução de trabalhos; e, concomitantemente, a mesma
divisão do trabalho se tornaria uma “filosofia” capaz de gerar o progresso técnico.
Tais contribuições teóricas foram fundamentais para as análises futuras realizadas por
outros autores, a exemplo das contribuições de David Ricardo que apresentou preocupações
conceituais sobre a renda da terra.
Na obra The Works and correspondence of David Ricardo editada por Pierro Sraffa, a
qual realiza uma análise sobre as correspondências entre Ricardo e seus contemporâneos, Sraffa
afirma que Ricardo em agosto de 1813, mediante uma carta enviada a Thomas Matlhus, já
apresentava preocupações sobre a relação entre o emprego das técnicas na geração da renda da
terra na agricultura. Nesse momento ele afirmava que “apenas melhorias na agricultura, ou
novas facilidades para a produção de alimentos, podem prevenir que o aumento do capital
diminua a taxa de lucros” (Ricardo, 1813 apud Safra, 2005, p. 3) 14.
Dois anos depois, no contexto de fortes discussões políticas relacionadas ao liberalismo
econômico na Inglaterra, mediante as chamadas leis de cereais (Corn Laws) promulgadas em
1815, a questão central era “Qual é a melhor política, o protecionismo ou o livre comércio?”
(Claval, 2005, p. 13). Nesse debate, em que o objetivo era restringir ou proibir a importação do

14
Tradução do trecho “that is only improvements in agriculture, or new facilities for the production of food, that
can prevent an increase of capital from lowering the rate of profits” (RICARDO, 1813 apud SAFRA, 2005, p. 3).
69

trigo estrangeiro naquele país, as discussões sobre a renda da terra se acirraram, tornando-se
um elemento de interesse público.
Foi nesse contexto que Thomas Malthus publicou o panfleto “Uma investigação sobre
a natureza e o progresso da renda e os princípios pelos quais ela é regulada”, seguida da
publicação “Os motivos de um parecer sobre a política de restrição da importação de milho
estrangeiro” em 03 e 10 de fevereiro de 1815, respectivamente, anunciando a teoria da renda
da terra. Outro autor que discorreu sobre a teoria foi Edward West em seu “Ensaio sobre
aplicação de capital à terra” publicada em 13 de fevereiro do mesmo ano.
Destarte, foi Ricardo em seu “Ensaio acerca da influência do baixo preço do cereal
sobre os lucros do capital”, de 24 de fevereiro de 1815, que realizou uma análise contundente
sobre a renda da terra. Nessa obra, publicada por Cláudio Napoleoni, Ricardo (1978, p. 196)
concorda com Malthus em sua definição sobre renda da terra ao afirmar que

O senhor Malthus define muito corretamente a renda da terra como “a parte


do valor do produto total que resta ao proprietário após o pagamento de todas
as despesas de qualquer espécie correspondentes ao cultivo, incluindo-se
nestas despesas os lucros do capital empregado, calculados segundo a taxa
usual comum dos lucros do capital agrícola no período de tempo considerado”.

Partindo dessa definição, Ricardo enumera um conjunto de hipóteses que servem como
base para a fundamentação da teoria da renda, sendo as principais: está circunscrita ao modo de
produção capitalista; resulta das relações técnicas viabilizadas pelos diferentes graus de
fertilidade do solo; é determinada pelas condições e pela divisão da sociedade em classes
(capitalistas, proprietários fundiários e trabalhadores); os salários pagos aos trabalhadores são
estabelecidos pelas necessidades fisiológicas de sua reprodução e manutenção de sua família; e
deve ser analisada sob a ótica da distribuição da produção, identificando-a de acordo com a
renda paga ao proprietário da terra.
O fato é que Ricardo defende a tese de que a taxa de lucro agrícola determina a taxa de
lucro geral da economia. Para ele, enquanto o produto total gerado na produção for igual em
valor às despesas geradas nos processos produtivos, não é possível se obter renda nem lucro.
Assim, um dos elementos necessários para se obter um lucro maior corresponde a melhoria na
produção agrícola através do uso das técnicas na agricultura.
É a partir disso que o autor apresenta seu conceito sobre a renda fundiária:
70

Por renda fundiária entendo sempre a remuneração conferida ao proprietário


fundiário pela utilização da capacidade originária e peculiar da terra. Se o
proprietário fundiário gasta capital em sua própria terra, ou se o capital de um
arrendatário anterior permanece na terra ao final desse arrendamento, pode
obter o que de fato se chama uma renda maior; contudo, uma parcela desta
renda evidentemente é paga pela utilização do capital. A outra é paga
unicamente pela utilização da capacidade original da terra (Ricardo, 1978, p.
203).

Assim, o aumento dos lucros advindos da produção agrícola estariam condicionados a


diminuição do valor de troca dos alimentos, sendo isso possível a partir de três causas: a redução
dos salários dos trabalhadores, permitindo que o proprietário fundiário leve maior quantidade
de excedente ao mercado; as melhorias na agricultura ou nos implementos agrícolas
aumentando o excedente; ou a descoberta de novos mercados consumidores que sejam capazes
de comprar cereais a baixo preço em relação aos custos com a produção.
Com base na leitura do autor, é evidente a importância que Ricardo atribui as “melhorias
agrícolas”, ou seja, o emprego de equipamentos técnicos na produção, como elemento
importante no aumento do lucro na produção, sendo inclusive a base para a formulação de sua
própria conceituação sobre a renda da terra.
Outra obra em que Ricardo discorreu sobre a teoria da renda da terra foi “Princípios da
Economia Política e Tributação” de 1817 ao expor defesas sobre uma política de livre comércio
para a Inglaterra. Nela, ele reafirmou a tese de que a taxa de lucro geral da economia era
estabelecida pela taxa de lucro agrícola e sustentou a ideia de que o crescimento populacional
gerava a necessidade do cultivo de novas terras até então não inseridas na produção gerando
renda da terra (ideia superada nas reflexões científicas contemporâneas).
A renda da terra nessa obra é mais precisamente definida como

a parcela do produto da terra que é paga ao proprietário pelo uso das forças
originais e indestrutíveis do solo [...] é sempre a diferença entre os produtos
obtidos com o emprego de duas quantidades iguais de capital e de trabalho
(Ricardo, 1982, p. 65-67, passim).

Com isso, o valor na produção agrícola seria regulado pela maior quantidade de trabalho
necessário à produção em condições menos favoráveis, ou seja, a diferença de fertilidade entre
as terras acaba resultando numa diferenciação do seu valor. Essa é a base conceitual sobre a
renda diferencial na obra de Ricardo.
Ao analisar o valor de troca da produção agrícola, Ricardo defende que a quantidade
relativa de trabalho e o uso de implementos, ferramentas e edifícios etc. viabilizam a
transferência de valor à produção. Sobre o trabalho empregado, trata-se da força humana
71

dedicada à produção imediata e àquela utilizada na fabricação de todos os instrumentos


utilizados na produção. Já em relação ao valor transferido dos instrumentos às mercadorias, há
variações de acordo com a durabilidade dos objetos.
A partir dessa variação de durabilidade dos objetos utilizados na produção, eles podem
ser classificados, segundo Ricardo, como capital fixo ou capital circulante. Para ele, o primeiro
corresponde ao que é investido na produção e a obtenção de retorno é verificada por um período
mais longo. Na agricultura, ele estará presente em diferentes períodos produtivos sendo
representados pelas máquinas, implementos, edificações etc. Já o capital circulante refere-se
àquele empregado num período determinado e o desgaste dele ocorre durante seu uso, como as
matérias primas, combustíveis, materiais auxiliares e outros.
Assim, Ricardo defende a introdução das melhorias na agricultura – que estamos aqui
igualmente lendo como técnicas empregadas aos processos produtivos – como um dos
condicionantes principais ao aumento da riqueza em um determinado país15. O autor afirma que
tais melhoramentos podem ser de dois tipos:

os que aumentam a capacidade produtiva da terra, e os que nos permitem, pelo


aperfeiçoamento da maquinaria, obter o produto com menos trabalho. Ambos
levam a uma diminuição no preço dos produtos agrícolas e ambos afetam a
renda, mas não a afetam da mesma maneira. Se não ocasionassem uma
redução no preço dos produtos agrícolas, não seriam melhoramentos, pois a
sua característica essencial é diminuir a quantidade de trabalho exigida para
produzir uma mercadoria, e esta diminuição não pode ocorrer sem uma queda
no seu preço ou valor relativo (Ricardo, 1982, p. 71).

Essas técnicas que aumentam a capacidade produtiva da terra seriam: o uso intensivo
do solo com rotação no uso das terras e eficiência adequada a cada tipo de cultivo, criação
seletiva de animais, o uso dos melhores materiais como os fertilizantes agrícolas (a depender
de cada tipo de produção), máquinas agrícolas e o cultivo mais intensivo do solo.
Esses processos contribuiriam na obtenção da mesma produção, porém numa extensão
menor de terra, na formação de um capital empregado na agricultura, no rebaixamento do preço
relativo dos produtos e da renda em dinheiro, além de ter como efeito a redução da necessidade
do emprego de mão de obra na agricultura.
Sobre o rebaixamento da renda mediante o emprego dos melhoramentos na agricultura
numa sociedade capitalista, isso influenciaria negativamente em curto prazo, uma vez que o
efeito imediato do emprego rotação de terras e do uso dos melhores insumos é o rebaixamento

15
Os outros condicionantes, segundo o autor, são o crescimento das terras férteis disponíveis utilizadas na
produção e a eliminação das restrições sobre as importações (Ricardo, 1982).
72

renda. Porém, em longo prazo isso resultaria em benefício aos proprietários fundiários16, pois
os melhoramentos empregados influenciariam no crescimento populacional e,
consequentemente, no cultivo das terras menos férteis gerando a renda da terra.
Outro autor que se destacou na análise sobre a renda da terra, sendo contemporâneo de
Ricardo e considerado precursor das teorias econômicas espaciais, foi o economista alemão
Alexander von Thünen em sua obra “O Estado Isolado em Relação à Agricultura e Economia
Política” de 1826. Nesta ele considerou problemas espaciais como a influência das cidades no
preço do produto agrícola (relação cidade-campo), o papel dos transportes na economia, a
melhor localização das culturas agropecuárias e a renda fundiária (Benko, 1999).
Thünen pressupunha que o cultivo agrícola se realizava em uma planície isotrópica, ou
seja, numa área de uniformidade das condições naturais, havendo apenas um tipo de transporte,
mediante a presença de uma única cidade-mercado, com as mesmas tecnologias e uma única
forma de utilização de recursos. Tais elementos ajudariam a compreender a repartição das
diferentes culturas mediante a maximização do rendimento do produtor agrícola.
A renda da terra paga ao proprietário fundiário seria uma função inversa à distância, ou
seja, quanto maior à distância ao mercado, menor seria a renda paga e maior o custo de
transporte. Sob essa ótica, a qual se baseava na hipótese de que as condições geográficas seriam
idênticas em todos os pontos (planície isotrópica), haveria, para cada produto cultivado, uma
distância limite a partir da qual sua produção deixaria de ser rentável.
A maximização do lucro do produtor seria sempre resultante da opção que ele faria pelo
cultivo daquele produto mais rentável. Não obstante,

Haverá, para cada produto, uma distância limite a partir da qual a produção
deixará de ser rentável. Para maximizar o seu lucro, o produtor vai sempre
escolher a produção mais rentável. A localização de cada tipo de cultura
seguirá a lógica da redução dos custos de transporte, que são função da
distância a percorrer e do peso (Benko, 1999, p. 39).

Thünen considerava que naquelas localidades (anéis) próximas às cidades, a compra de


adubos nas cidades viabilizaria o aumento da fertilidade do solo a ponto de provocar sua
capacidade de produção máxima. A circulação de pessoas, produtos e capitais seriam mais
intensas em decorrência da constante necessidade do emprego de melhorias ao solo.
Em contraste, naqueles anéis mais distantes dos centros comerciais, a prática de pousio
seria um elemento necessário e a renda da terra não repousaria nas terras em descanso. Tal

16
Para Ricardo, os proprietários fundiários se constituem numa classe social improdutiva, uma vez que só a classe
industrial e dos comerciantes são os responsáveis pelo crescimento e riqueza de um país. Tal perspectiva acaba
excluindo da análise a classe trabalhadora.
73

prática seria necessária em decorrência do alto custo com os transportes no âmbito da circulação
(de adubos, por exemplo), elemento que não traria lucro ao produtor.
Os elementos apresentados até aqui, sob a ótica dos respectivos autores, viabilizam
compreender a base teórica sobre a relação entre renda da terra e as técnicas empregadas na
agricultura. Contribui também na compreensão sobre a transferência do valor do trabalho e das
técnicas empregadas na produção agrícola. Porém, é válido fazer a seguinte ressalva:

A opinião dos clássicos quanto à evolução da participação da renda no modo


de produção capitalista era bastante pessimista, especialmente no caso de
Ricardo. Para este autor, com a expansão da demanda de produtos agrícolas,
devido ao crescimento relativo das atividades não agrícolas no conjunto do
sistema econômico, seria necessário cultivar cada vez mais terras de pior
qualidade, com maiores custos. Isto levaria a uma crescente elevação real dos
preços dos produtos agrícolas e a uma consequente redução na taxa de lucro
da economia em geral, o que tenderia a interromper o próprio processo de
acumulação (Graziano da Silva, 1980, p. 18).

Além disso, tais perspectivas contribuíram para a formulação da intitulada “lei dos
rendimentos decrescentes” bastante presente, por exemplo, na teoria de Malthus, justificando a
ideia equivocada de que “toda inversão adicional do trabalho e capital na agricultura não seria
acompanhada da obtenção de uma quantidade correspondente de produtos, mas de uma
quantidade cada vez menor” (Graziano da Silva, 1980, p. 19).
Inquietações sobre as teorias dos clássicos da Economia Política levou o teórico Karl
Marx a defender que o progresso técnico seria capaz de superar o decréscimo da fertilidade do
solo mediante a incorporação das terras menos férteis ou mal localizadas. Além disso limitaria
o crescimento da renda da terra, seja em sua forma absoluta ou diferencial. Foi nessa perspectiva
que o autor buscou aperfeiçoar a teoria da renda da terra e sua relação com a técnica.
A renda da terra em Marx apresenta-se como uma temática dispersa no decorrer de suas
publicações. Porém, o livro três de “O capital” de 189417, na seção sobre a “Transformação do
lucro extra em renda fundiária”, aborda o tema de forma mais verticalizada.
Antes da análise dessa categoria, é válido ressaltar que a preocupação de Marx com a
renda da terra antecede a publicação de sua principal obra, sendo possível destacar dois fatos
principais que evidenciam isso. Ambos, correspondem à momentos em que o autor escreveu

17
A livro primeiro de “O Capital”, sobre o processo de produção do capital, foi publicado em 1867 pelo próprio
Marx. Já o livro dois e três, sobre o processo de circulação do capital e o processo global de produção capitalista,
foram publicados em 1885 e 1894, respectivamente, por Friedrich Engels a partir dos escritos de Marx, sendo
assim obras póstumas do autor.
74

cartas endereçadas à Engels, explicitando sua crítica às abordagens da economia política até
então produzida (Lenz, 1992).
Na primeira carta, datada de 7 de janeiro de 1851, o autor expôs uma crítica à teoria
elaborada por Ricardo sobre a renda da terra. Ele alegava que os acontecimentos históricos
contradiziam à teoria ricardiana sobre a lei da tendência de produtividade decrescente do solo.
Já na segunda carta, de 2 de agosto de 1862, o autor expõe que, ao Ricardo considerar uma
identidade entre o valor e o preço de custo da produção, isso tornaria impossível perceber a
existência de uma renda desvinculada das diferenças de fertilidade do solo e da localização dos
terrenos (renda diferencial).
Marx, ao verificar que Ricardo negava a existência de uma renda absoluta, afirmava que
isso não correspondia a realidade uma vez que os dados estatísticos sobre a economia inglesa
comprovaram a sua existência pelo menos nos últimos 25 anos. Foi mediante tal fato que o
autor dedicou esforços na comprovação da existência da renda absoluta. Seu objetivo no estudo
da renda seria basicamente analisar as relações de produção e circulação mediante a aplicação
de capitais na agricultura, sendo isso condição sine qua non para uma análise do capital.
Nesse sentido, Marx em “O capital” (2017), ao discorrer sobre a propriedade fundiária,
parte dos seguintes pressupostos: o modo de produção capitalista exerce domínio sobre todas
as esferas da sociedade civil, inclusive na agricultura; esta, por sua vez, é operada por capitais
diferentes dos de outros setores pela forma que é empregado na produção e no trabalho
(assalariado); a forma da propriedade fundiária é uma forma histórica específica, transformada
pelo modo de produção capitalista; na agricultura o capitalismo se baseia na expropriação do
trabalhador rural e sua subordinação ao capitalista; e sua abordagem se limita às produções dos
principais produtos agrícolas, especialmente o trigo (tal qual considerado em Smith e Ricardo).
Assim, a propriedade fundiária seria baseada no poder de monopólio de algumas pessoas
sobre determinadas porções da superfície do globo terrestre, sendo exclusivamente baseadas na
vontade privada em detrimento de todas as outras classes ou indivíduos. O monopólio seria,
então, uma premissa histórica, ferramenta de exploração da massa da população, presente no
capitalismo e nos modos de produção que o antecedeu.
Logo, o autor apresenta o que seria o “pré-requisito para o modo de produção
capitalista” ao mesmo tempo em que expõe sua definição de renda da terra:
75

os verdadeiros cultivadores do solo são assalariados, empregados por um


capitalista, o arrendatário, que só se dedica à agricultura como campo de
exploração específico do capital, como investimento de seu capital numa
esfera particular da produção. Esse capitalista-arrendatário paga ao
proprietário fundiário, ao proprietário da terra por ele explorada, em prazos
determinados, digamos anualmente, uma soma em dinheiro fixada por
contrato (exatamente do mesmo modo que o mutuário de capital monetário
paga por ele juros determinados) em troca da permissão de aplicar seu capital
nesse campo particular da produção. Essa soma de dinheiro se chama renda
fundiária, não importando se é paga por terra cultivável, terreno para
construções, minas, pesqueiros, bosques etc. Ela é paga por todo o tempo
durante o qual o proprietário da terra emprestou, alugou por contrato, o solo
ao arrendatário (Marx, 2017, p. 679).

A renda da terra é então a forma na qual a propriedade fundiária se realizada


economicamente, sendo “um lucro extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto
no campo como na cidade. O lucro extraordinário é a fração apropriada pelo capitalista acima
do lucro médio” (Oliveira, 2007, p. 43). Como tal, a renda designa uma parte específica da
mais-valia18.
Quanto a valorização da renda efetivada na agricultura, ela pode resultar de dois modos:
de maneira transitória, baseando-se nas melhorias de natureza química como o uso de adubos e
fertilizantes; e de maneira mais permanente, com a construção de canais, obras de irrigação,
nivelamento do solo, construção estabelecimentos agrícolas e outros. Isso se refere, grosso
modo, a aplicação de diferentes técnicas de produção na agricultura.
Para Marx, é necessária a distinção entre a renda da terra e os juros. Para ele, os juros
correspondem a função exercida pelo dinheiro como capital e, ao ser pago ao proprietário
fundiário, devido o emprego de capitais fixos à terra, pode se configurar como parte da renda,
mas não corresponde à renda propriamente dita paga estritamente pelo uso da terra.
Isso ocorre porque, tanto os capitais temporários investidos exclusivamente pelos
arrendatários, quanto aqueles investimentos predominantemente com sua força de trabalho,
acabam sendo incorporados ao solo que é do proprietário fundiário. Com isso, ao fim de um
determinado contrato sobre uma terra a qual foi incorporada tais capitais fixos, acrescenta-se à
renda fundiária os juros incorporados à terra pelo emprego dos capitais.
Tal fato corresponde a um dos grandes obstáculos no modo de produção capitalista
enfrentados pela “agricultura racional”, compreendida como aquela praticada com base na

18
Concordamos com Oliveira (2007, p. 43) ao afirmar, a partir da leitura de Marx, que “mais-valia é, no modo
capitalista de produção, a forma geral da soma de valor (trabalho excedente e realizado além do trabalho necessário
que por sua vez é pago sob a forma de salário) de que se apropriam os proprietários dos meios de produção
(capitalistas e ou proprietários de terras) sem pagar o equivalente aos trabalhadores (trabalho não pago) sob as
formas metamorfoseadas, transfiguradas de lucro e de renda fundiária”.
76

redução da área da propriedade da terra, aplicação de conhecimentos científicos e com


consciência agronômica. Os arrendatários acabam evitando qualquer melhoria na terra que não
o dê retorno no período em que usufruirá dela, para que não ocorra o risco de pagar os juros.
Apresentada resumidamente a conceituação de renda fundiária e alguns de seus nexos
com a aplicação da técnica nos processos produtivos, adentraremos no debate sobre cada tipo
de renda, especialmente aquelas que consideram o emprego das técnicas na agricultura.
Em Marx, existem três tipos de renda da terra baseadas em relações capitalista de
produção: a renda diferencial I e II, esta última ganhando um enfoque maior neste trabalho pelo
papel que assume na análise do nosso objeto de pesquisa; a renda absoluta e a renda de
monopólio, as quais abordaremos brevemente neste momento, podendo ser retomadas ao longo
do trabalho na medida que solicitadas na investigação.

A renda diferencial (I e II)

Alguns pressupostos básicos norteiam a fundamentação de Marx sobre a renda


diferencial, sendo eles: a abordagem se baseia nas terras direcionadas à produção de trigo; a
renda diferencial surge no interior do ramo agrícola; a existência da propriedade privada da
terra; e os produtos agrícolas que pagam a renda diferencial são comercializados à preço de
produção (Lenz, 1992).
Sobre esse último pressuposto, isso ocorre porque alguns produtores realizam a
produção em condições excepcionais se beneficiando de determinadas condições naturais como
a fertilidade do solo ou a localização vantajosa das terras e empregam menor quantidade de
mão de obra. Como resultado, apresentam uma maior produtividade em relação as condições
médias do setor agrícola, obtendo um lucro suplementar ou extraordinário que será utilizado
para o pagamento da renda da terra19.
Sendo assim, a renda diferencial

resulta da variação de fertilidade natural do tipo de solo (aqui ainda


desconsideramos a localização), a qual é dada conforme o grau de
desenvolvimento do cultivo em cada caso; resulta, portanto, da extensão
limitada das melhores terras e da circunstância de que capitais iguais têm de
ser investidos em tipos de solos desiguais, que, por isso, rendem um produto
desigual para o mesmo capital (Marx, 2017, p. 722).

19
Lucro suplementar é “sempre produzido como diferença entre o produto de duas quantidades iguais de capital
e trabalho, e esse lucro extra se transforma em renda do solo quando duas quantidades iguais de capital e trabalho
são empregadas em terrenos de mesmo tamanho e com resultados diferentes” (MARX, 2017, p. 713).
77

A renda diferencial I é aquela gerada pela diferença de fertilidade dos distintos tipos de
solos, fazendo com que “os capitais investidos na terra deem resultados ou produtos desiguais,
considerados pela grandeza igual dos capitais ou por sua grandeza proporcional” (Marx, 2017,
p. 740).
Isso pressupõe que a renda diferencial I é totalmente independente do capital empregado
numa determinada produção, sendo simplesmente causada pela diferença de fertilidade natural
dos solos (todos os seus fatores incluídos na fertilidade) e da localização (privilegiada) do
terreno. Esses dois fatores podem atuar também no sentido contrário, ou seja, ser bem
localizado e ter pouca fertilidade, vice-versa.
O que chama atenção na definição sobre a renda diferencial I é que ela não depende da
aplicação de objetos técnicos na agricultura. Como ela não é resultado do trabalho humano, o
capital não é capaz de homogeneizar a terra, tanto em termos de fertilidade do solo, como em
termos de proporcionar à todas as localidades condições iguais de produção e circulação.
Por outro lado, a renda diferencial II, comum no estágio mais avançado do capitalismo
rural, “emana da diferente produtividade de sucessivos investimentos de capital na mesma
porção de terra” (Marx, 2017, p. 802). Isso se realiza porque a diferença de fertilidade do solo
em terras distintas acaba provocando a necessidade do aumento do uso de capitais direcionados
as melhorias na fertilidade daqueles solos menos férteis.
Na perspectiva de Marx, o progresso técnico não é considerado sem conteúdo histórico,
ele é visto como “o progresso das técnicas capitalistas de produção, ou seja, como um dos
elementos da dominação do capital sobre o trabalho” (Graziano da Silva, 1981, p. 24). Como
tal, corresponde a um dos elementos necessários ao capitalismo visto que as inovações
técnicas20 são fundamentais à extorsão da mais valia.
Como assinala Coriat (1976), na obra de Marx alguns pressupostos sobre o progresso
técnico estão implícitos, como: relaciona-se ao aumento da produtividade do trabalho; o
desenvolvimento das técnicas não pode se dissociar das condições em que são empregadas; e o
objetivo central do progresso técnico no capitalismo é a submissão do trabalho ao capital.
Na agricultura, considerando o capital investido em materiais técnicos empregados no
melhoramento do solo, bem como o valor transferido desses materiais ao produto agrícola,
depreende-se que sempre haverá um encarecimento desse último visto que nele foi empregado

20
De acordo com Graziano da Silva (1981, 1990) as inovações técnicas na agricultura podem ser classificadas em:
inovações mecânicas, afetando diretamente o ritmo da jornada de trabalho; inovações físico-químicas, as quais
modificam as condições naturais do solo e elevam a produtividade; inovações biológicas, vinculadas as reduções
dos períodos de produção; e as inovações agronômicas, associada aos novos métodos de organização da produção
por meio dos recursos disponíveis.
78

algo que antes não era preciso para sua produção. Assim, a reposição do capital investido nesses
materiais, desgastados durante o período produtivo, é efetivada mediante a reposição dos seus
valores nos produtos agrícolas.
No caso de alguns recursos naturais empregados na agricultura, cuja aplicação na
produção não resultou de pagamentos, eles não são ingressos na produção como capital, apenas
como forças naturais gratuitas do trabalho (força produtiva do capital). Porém, se for necessária
uma produção maior do que aquela que os elementos naturais possam proporcionar, sendo
necessário a fabricação ou compra de algum instrumento para suprir a demanda produtiva, esse
material adicional acaba entrando como capital na produção.
Na renda diferencial II, o uso das técnicas na produção naqueles solos menos férteis está
sempre relacionado com a existência natural de fertilidade em outro solo. São as melhorias
permanentes que “consiste quase sempre em conferir a determinada extensão de terra, ao solo
de um lugar determinado e restrito, características que são naturais em outros solos, situados
em outros lugares, com frequência nas imediações” (Marx, 2017, p. 806).
As melhorias permanentes indicam que sempre existe um maior tratamento a ser
realizado naqueles solos com menor fertilidade. Por exemplo: o nivelamento de um terreno é
preciso devido a existência de um outro naturalmente nivelado, a drenagem artificial de um solo
é necessária devido a capacidade natural de drenagem do outro, a adubação é necessária em
decorrência da fertilidade natural de outro solo e assim por diante.
Isso pressupõe que haverá, conforme a necessidade de cada solo, uma busca frequente
pela compra de materiais a serem utilizados na produção (insumos, máquinas e equipamentos
agrícolas em geral), indicando, no caso da agricultura, um consumo maior desses materiais e,
consequentemente, uma transferência dos seus valores ao produto.
Sobre os capitais investidos nos objetos técnicos utilizados na produção, é válido
adentrar a conceituação de capital constante e variável, de acordo com o caráter de exploração
dos trabalhadores (produção do mais-valor), e de capital fixo e circulante, conforme o caráter
de rotação existente entre cada um deles (movimento do capital). Mesmo correspondendo a um
debate que, em Marx, assume um sentido amplo quanto aos processos de produção capitalista,
enfocamos aqui a agricultura como plano de fundo na análise.
O capital constante corresponde aquela “parte do capital que se converte em meios de
produção, isto é, em matérias-primas, matérias auxiliares e meios de trabalho”, enquanto o
capital variável refere-se a parte do capital que “transforma-se continuamente de uma grandeza
constante numa grandeza variável” (Marx, 2013, p. 286).
79

O capital constante é investido nos meios de produção (meios de trabalho) como


edifícios fabris, máquinas e equipamentos, materiais auxiliares e combustíveis e o valor desses
materiais passa, em parte, para os produtos sem que haja alteração de sua grandeza. Essa
transferência de valor é determinada pela duração média de sua função desde o momento de
sua entrada como meio de produção até o seu desgaste completo.
Enquanto o meio de trabalho sempre permanece na etapa de produção, transferindo
valor durante toda sua vida útil, o produto que ele ajudou a produzir é retirado da etapa da
produção e inserido no processo de circulação (agora como mercadoria) levando consigo a parte
do valor transferido pelos objetos técnicos utilizados em sua criação.
Já o capital variável refere-se àquela fração direcionada à compra da força de trabalho,
isto é, no pagamento dos salários aos empregados. O valor é assim modificado ao longo do
processo de produção, pois ela não reproduz apenas o que é equivalente ao seu próprio valor,
mas também um excedente (mais-valor) que varia de acordo com as circunstâncias.
Quanto ao capital fixo, Marx (2014) define como aquela outra parte do capital que não
é repassada ao produto no processo de produção. Trata-se da fração do capital que é fixada em
função dos meios de trabalho. O valor, nesse caso, decresce continuamente, sendo distribuído
a uma massa de produtos de maneira contínua, até que os meios de trabalho – máquinas,
equipamentos e outros objetos técnicos – deixem de existir.

Na agricultura, por exemplo, uma parte dos materiais empregados no


melhoramento da terra incorpora-se às plantas como elemento formador do
produto. Por outro lado, seu efeito se distribui por um período mais longo, por
exemplo, de quatro ou cinco anos. Uma parte desses materiais é, portanto,
materialmente incorporada no produto e, ao mesmo tempo, transfere seu valor
ao produto, enquanto outra parte também fixa seu valor em sua antiga forma
de uso. Ela perdura como meio de produção e, desse modo, assume a forma
do capital fixo (Marx, 2014, p. 242).

Ressalta-se que o fato de um meio de produção permanecer por um tempo maior no


processo de trabalho não faz com que ele se converta em capital fixo. Por exemplo, as sementes
agrícolas não são capitais fixos, pois correspondem a uma matéria prima presente no processo
de produção por aproximadamente um ano. Isso contribui ao entendimento de que todo o capital
inserido como capital produtivo é, em certa medida, fixado no processo de produção
independentemente da sua forma material e sua função.
Por sua vez, o capital circulante é aquela parte do capital constante investido em
matérias primas, combustíveis e materiais auxiliares e seu valor aparece no produto,
simplesmente, como valor transferido. Ele é também direcionado ao pagamento da força de
80

trabalho que, ao ser exercida no processo de produção, adiciona ao produto um valor


correspondente ao trabalho exercido ou reproduz seu real valor.
Sobre o capital investido em matérias primas, combustíveis e materiais auxiliares, o
capital circulante é totalmente consumido na produção, transferindo todo seu valor ao produto.
Este, por sua vez, leva consigo o valor já transferido e é vendido como mercadoria em troca de
dinheiro que será, posteriormente, convertido nos meios de produção de outras mercadorias.
Nesse ciclo, a rotação não é interrompida pois os elementos do capital produtivo não param de
ser renovados.
Já em relação àquela porção do capital circulante direcionado à mão de obra, sabe-se
que ele funciona durante um tempo determinado e após o contratado (trabalhador) ter cumprido
seu trabalho, é necessário que seja novamente contratado nos prazos habituais. Logo, o valor é
adicionado ao produto de acordo com o tempo que foi exercida a força de trabalho e o produto
é convertido em dinheiro ao ser comercializado como mercadoria, sendo utilizado novamente
para o pagamento da força de trabalho.
Os capitais aqui analisados de acordo com suas características específicas, podem ser
esquematizados conforme a figura 1, em que cada tipo de capital corresponde a formas
materiais específicas, conforme seu comportamento no interior do processo de produção.

Figura 01. Classificação do capital de acordo com a produção do mais valor e seu caráter de
movimento.

Elaboração: Welton Nascimento. Adaptado de: Instituto de economia da academia de ciência de ciências da
U.R.S.S (1956); Marx (2013, 2014).
81

Sobre o uso de matérias primas e dos materiais auxiliares, ora como capital constante,
ora como capital circulante, é preciso ter clareza quanto a diferenciação dos materiais que os
compõe. Conforme apresenta Storch (1823), na agricultura a matéria prima (materière) e os
materiais auxiliares (matèriaux) apresentam características específicas.
As matérias primas são aqueles materiais que passam por algum tipo de preparação ou
transformação posterior ao agente que o fornece, sendo o meio principal, material agregado na
produção de um produto. As sementes agrícolas são exemplos de matéria prima que permanece
no processo de produção por um período e faz parte da composição final do produto agrícola.
Já os materiais auxiliares são àqueles completamente utilizados no processo de
produção, podendo se comportar apenas auxiliando a produção e não sendo agregados
materialmente ao produto propriamente dito (apenas o seu valor é agregado). Na
contemporaneidade, são exemplos de acréscimos à matéria prima a fim de operar em sua
mudança material os adubos/fertilizantes (químicos ou naturais) e os venenos agrícolas, que são
completamente utilizados no processo de produção, permanecendo no solo por um determinado
período, mas sempre tendo de ser renovados.
O fato é que, na obra de Marx, os capitais empregados na produção acompanham o ritmo
do progresso técnico no sistema capitalista. O progresso se configuraria no motor da
acumulação do capital e numa forma de superar as barreiras do crescimento. Quanto mais o
sistema econômico se desenvolve, empregando novos objetos oriundos das inovações técnicas,
maior a riqueza concentrada em um número reduzido de capitalistas.
No âmbito produtivo, o emprego dos capitais associados ao progresso técnico seriam
uma forma contemplar os possuidores desses capitais mediante os lucros gerados. Na
agricultura, por exemplo, ocorreria o emprego de insumos técnicos que resultariam no aumento
da produtividade com um menor número de trabalhadores. O resultado seria o crescimento da
população trabalhadora excedente e a diminuição do valor de troca da força de trabalho.

A renda absoluta e renda de monopólio

A renda absoluta é definida como aquela

derivada do excedente do valor sobre o preço de produção, é apenas parte do


mais-valor agrícola, a transformação desse mais-valor em renda, a captação
dele pelo proprietário da terra; exatamente como a renda diferencial se origina
da transformação de lucro extra em renda, da captação deste último pela
propriedade da terra, com um preço geral de produção regulador (Marx, 2017,
p. 824).
82

Como sobra além do valor das mercadorias, corresponde a renda embolsada pelo
capitalista a partir do seu direito de proprietário da terra. Por ser uma fração do valor, isso
significa que possui diferentes origens. “Quando resulta da concorrência entre produtores
agrícolas capitalistas é renda da terra diferencial I ou II, porém, quando resulta do monopólio é
renda da terra da terra absoluta” (Oliveira, 2007, p. 55).
A particularidade da renda absoluta é que o lucro extraordinário que os proprietários
fundiários embolsam não é oriundo dos trabalhadores de uma porção de terra específica, mas
sim de todos os trabalhadores da sociedade em geral. Isso é possível pois trata-se de uma renda
que gerada pelo aumento dos preços dos produtos agrícolas acima do preço geral de produção
(Oleiveira, 2007).
A renda absoluta e a diferencial são as únicas consideradas normais em uma economia
capitalista concorrencial, tal qual era a Inglaterra de 1860 (Graziano da Silva, 1980). Fora
dessas duas formas, só é gerada renda a partir do “preço monopólico propriamente dito, que
não é determinado nem pelo preço de produção nem pelo valor das mercadorias, mas pela
necessidade e pela solvência dos compradores” (Marx, 2017, p. 824).
Nesse interim, é de conhecimento que, ao estudarem a obra de Marx, autores de
diferentes áreas no conhecimento divergem sobre a existência da renda de monopólio como
uma forma particular de renda fundiária. Aqui, concordamos com a leitura de Oliveira (2007,
p. 58) ao admiti-la como o

lucro suplementar oriundo do preço do monopólio de uma mercadoria


produzida em uma porção de superfície terrestre dotada de qualidades
especiais. Este preço de monopólio é, por sua vez, determinado apenas pelo
desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores, não dependendo,
portanto, do valor dos produtos (quantidade de trabalho necessário para ser
produzida) ou mesmo do preço geral de produção.

Para Marx, o lucro suplementar acima do lucro médio é o excedente entre o preço de
monopólio e o preço de produção particular. Diferentemente da renda absoluta que é, em certa
medida, regulada no mercado em decorrência das pressões sociais pela necessidade do
consumo, a renda de monopólio está pouco sujeita a essas pressões uma vez que não depende
do consumo dos produtos pela população.
Verifica-se então que a renda de monopólio está diretamente associada a questões
geográficas que viabilizam àquela localidade uma produção específica de um determinado
produto. Isso se verifica, por exemplo, na produção do vinho do Porto em Portugal em que
determinados agentes obtém uma renda em decorrência de seu monopólio sobre a terra nessa
83

região específica (terras excepcionais para essa produção). Quando os vinhos são
comercializados a preço de monopólio, é gerada a renda monopolizada (Oliveira, 2007)21.
Ora apresentado apontamentos sobre a relação entre a renda da terra, a técnica (a partir
dos capitais investidos na produção) e agricultura, é válido discorrer sobre elementos que
ultrapassam o viés econômico clássico – sem deixar de reconhecer sua importância analítica –
e ressaltar algumas abordagens que acrescentam às discussões, elementos que possam
contribuir na análise do capitalismo no campo na contemporaneidade.
Isso se faz necessário devido as formas que o capital encontra neste meio técnico-
científico-informacional em adquirir mais-valor a partir da exploração da força de trabalho
inclusive daqueles que não fazem parte de sua mesma lógica produtiva. Tal fato, como uma
realidade acentuada nos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, necessita de análises
verticalizadas sobre cada processo particular.

2.2. A SUJEIÇÃO DA RENDA DA TERRA AO CAPITAL E SEUS NEXOS COM A


PRODUÇÃO CAMPONESA DE FRUTAS IRRIGADAS

Conforme o debate exposto, a discussão sobre a renda da terra, especialmente em sua


manifestação como renda diferencial II, relaciona-se diretamente com o emprego da técnica na
agricultura. Sob a ótica do avanço do capitalismo no campo, o emprego dos capitais
materializados em objetos técnicos resulta na transferência de valor ao produto cultivado,
tornando ainda mais complexa a dinâmica da produção agrícola.
Nesse contexto, a valorização da renda da terra na agricultura pode ser realizada de duas
maneiras: transitória, através do emprego de materiais que irão transferir valor aos produtos
numa durabilidade relativa, de acordo com a natureza dos instrumentos; e permanente, com a
construção de infraestruturas em determinadas extensões das terras capazes de viabilizar a
produção num período prolongado.
Nesse sentido, os capitais investidos em técnicas na agricultura capitalista podem ser
classificados em capitais constantes, intrínsecos ao processo de exploração da mais-valia e/ou
em capitais fixos ou circulantes de acordo com a natureza do movimento do capital. O
investimento nesses capitais e realizado devido a um fator central: a terra é também um meio
de produção, diferente dos demais meios por ser limitada em disponibilidade física, tanto
quantitativamente como qualitativamente.

21
O debate sobre a renda de monopólio será retomado ao longo deste trabalho, especialmente na seção quatro ao
abordar a territorialização do capital monopolista e a monopolização do território pelo capital.
84

Por ser um meio limitado e que não pode ser reproduzida pelo trabalho humano, a terra
não fornece as condições desejadas ao capitalista para alcançar a reprodução do capital, pois

ela sozinha não é suficiente para promover a extração da riqueza da terra, para
efetivar a produção agrícola. O capitalista precisará, ainda, empregar
ferramentas, adubos, inseticidas, combinados com a força de trabalho, para
que a terra dê os seus frutos. Os instrumentos e os objetos de trabalho, além
da própria força de trabalho, é que são o verdadeiro capital, capaz de fazer a
terra produzir sob o seu controle e domínio (Martins, 1990, p. 162).

Sob essa ótica, todos os materiais que são utilizados como meio de produção no processo
produtivo correspondem a objetos a partir dos quais o trabalho é efetivado. Mesmo sendo
capitais do agente capitalista, correspondem aos meios de trabalho dos trabalhadores, em que
ele exercerá sua força de trabalho para, no capitalismo, gerar lucro.
Como apresenta Graziano da Silva (1990, p. 28), o emprego de capitais na agricultura
ocorre devido a necessidade do capitalista em “fabricar terras apropriadas” nos diferentes
vetores produtivos no campo, “por exemplo, quando adubamos uma certa gleba e obtemos dela
o dobro da produção esperada, é como se tivéssemos fabricado uma outra parcela equivalente
de terras”.
Como não é interessante ao agente capitalista pagar a renda da terra ao proprietário
fundiário, ele acaba utilizando o emprego dos objetos técnicos na agricultura para potencializar
o uso das terras arrendadas, chegando-se à extração da mais-valia sem expandir em extensão a
área. Nesses casos, o aumento da produção é quase sempre acompanhado do crescimento da
produtividade do trabalho. Essa é uma regra geral quando o aumento da produção está associado
ao emprego de inovações tecnológicas na agricultura.
Se um produtor capitalista em terras arrendadas quiser aumentar sua taxa de lucro,
porém mantendo a extensão de terras, ele terá necessariamente que adotar tecnologias eficazes.
O emprego dos melhores adubos, materiais de irrigação necessários a cada tipo de plantio, uso
de máquinas e implementos etc. resultariam no aumento da produtividade do trabalho e
reduziriam a renda da terra por unidade de produto gerado.
Logo, o papel do progresso técnico na agricultura em relação a composição da renda da
terra paga ao proprietário fundiário é
85

uma redução da participação relativa da renda no produto, especialmente


daquelas formas históricas e naturais, como a renda absoluta e as rendas
diferenciais de localização e fertilidade. Ora, isso significa que, do ponto de
vista global, o crescimento da produtividade da terra permite compatibilizar a
elevação da renda com o processo de acumulação de capital na agricultura.
[...]. É isso que explica a aliança de interesse entre proprietários da terra e
indústrias que fabricam meios de produção para a agricultura, para uma
modernização do setor rural que implique rendimentos físicos crescentes por
unidade de área explorada das várias atividades (Graziano da Silva, 1990, p.
35).

Tem-se aí as estratégias dos capitalistas em desviar os lucros auferidos na agricultura ao


pagamento pelo uso da terra dos proprietários fundiários. Porém, isso só é válido, conforme
apresenta Graziano da Silva (1990), em duas realidades: naqueles países em que todas as terras
já são propriedades privadas, não existindo “terras livres” para serem incorporadas à produção
agrícola, e naqueles países em que os proprietários fundiários e os agentes capitalistas que
cultivam o solo apresentam interesses antagônicos.
Ao se pensar o quadro agrário brasileiro, a análise feita não é válida, pois em seu
território sempre ocorreu “uma expansão da fronteira agrícola através de incorporação, pela
posse, de novas terras e onde o proprietário fundiário sempre foi simultaneamente o dirigente
do processo produtivo” (Graziano da Silva, 1990, p. 30).
No âmbito político-econômico, a visualização dessa realidade é possível ao se pensar
na influência da bancada ruralista no Congresso Nacional do Brasil em defesa dos interesses
dos proprietários rurais na posse sobre a terra e na expansão da fronteira agrícola em direção a
região Norte. Os impactos territoriais são desastrosos: retirada da vegetação nativa, queimadas,
erosão do solo, destruição dos habitats naturais de diferentes espécies da fauna, poluição dos
rios por produtos químicos, conflitos por terras, violência no campo, mortes (inclusive de povos
indígenas), trabalho análogo a escravidão, sujeição da agricultura camponesa ao capital e muitas
outras mazelas.
Num país de dimensões continentais como o Brasil, a possibilidade de expansão da
fronteira agrícola funciona como alternativas ao aumento da produção naquelas terras já
incorporadas na produção agropecuária. A implicação disso é: “enquanto for possível expandir
a extensão global das terras, não é imperioso aumentar a produção por unidade de área
cultivada, que se chama corriqueiramente de ‘produtividade da terra’, para esses produtos”
(Graziano da Silva, 1990, p. 32).
A possibilidade da expansão das terras agriculturáveis se configura como uma possível
vantagem no âmbito da reprodução capitalista no campo. Com a forte participação dos
proprietários fundiários (dirigentes produtivos) na produção agrícola, verifica-se uma tendência
86

de aumento das rendas diferenciais, sobretudo da renda diferencial II associada a aplicação de


tecnologias na agricultura, gerando um sobrelucro que será direcionado ao próprio capitalista.
O chamado processo de “modernização da agricultura”22 se configura assim de maneira
parcial em determinadas produções ou em regiões produtivas. Isso ocorre porque, além da
restrição sobre o uso de certas tecnologias às condições físico-ambientais particulares que
dificultam seu uso, a propriedade privada da terra exerce um papel de barreira à difusão
generalizada das inovações no setor agropecuário (Graziano da Silva, 1990).
Acreditamos que essa seja uma realidade na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido
do Brasil, em que condições preexistentes (fatores de ordem natural e social) exerceu forte papel
na atração da produção capitalista no campo. O Submédio São Francisco (Pernambuco e Bahia),
o Baixo Jaguaribe (Ceará) e os vales dos rios Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró no Rio Grande
do Norte são exemplos de áreas no território em que agroindústrias empregam tecnologias
modernas vinculadas as demandas do mercado global.
Diante dos elementos expostos, analisados até aqui sob a ótica da produção capitalista
no campo, como poderíamos pensar na realidade atual da expansão técnica na agricultura de
forma a considerar a produção camponesa (não capitalista) enquanto vetor que pode ser
submetida a sujeição da renda da terra ao capital?
Tal questionamento deriva do fato que em determinados setores produtivos, como a
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, a agricultura camponesa exerce um papel
importante no âmbito da produção, que por sua vez é extraída, em maior parte, pelos agentes
intermediários. Para tanto, torna-se alvo, inclusive, de imposições normativas baseadas em
parâmetros tecnológicos e uso de insumos e máquinas agrícolas advindos da agricultura
capitalista globalizada. Esse processo deriva do desenvolvimento desigual, contraditório e
combinado da reprodução do capital no campo brasileiro (Oliveira, 2007, 2014).
Assim, é necessário abrir um parêntese para apresentar uma definição conceitual
fundamental nesta pesquisa: a agricultura camponesa e o próprio camponês. Esses conceitos
desempenham um papel crucial ao longo de toda a análise, devido à sua relevância e dinâmica
na temática abordada.
Partimos da conceituação exposta pelo sociólogo Theodor Shanin (1980, 2005, 2008)
ao conceituar a agricultura camponesa como modo de vida e forma de produção agrícola
caracterizada pela propriedade coletiva ou familiar da terra, a qual apresenta produção voltada
para subsistência e pelo uso de métodos tradicionais agrícolas. Logo,

22
Retomaremos o debate sobre a “modernização da agricultura” em momento posterior deste texto.
87

a própria existência do camponês, como uma entidade social específica,


depende da presença de estabelecimentos rural familiares como a unidade
básica da economia e da sociedade. O camponês deve ser compreendido,
portanto, através da investigação das características do estabelecimento rural
familiar camponês, tanto internas quanto externas, isto é, suas especificidades
reações e interações com o contexto social mais amplo (Shanin, 2005, p. 18).

Sendo assim, concordamos com Oliveira (2007) ao defender que as relações não
capitalistas de produção, a qual inclui a produção camponesa, é resultado do próprio
desenvolvimento contraditório do capital, visto que

A expansão do modo capitalista de produção, além de redefinir antigas


relações, subordinando-as à sua produção, engendra relações não-capitalistas
igual e contraditoriamente necessárias à sua reprodução.
Na agricultura, esse processo de subordinação das relações não-capitalistas de
produção se dá sobretudo, pela sujeição da renda da terra ao capital. O capital
redefiniu a renda da terra pré-capitalista existente na agricultura. Ele agora
apropria-se dela, transformando-a em renda capitalizada da terra (Oliveira,
2007, p. 40).

Essa subordinação da renda da terra ao capital no âmbito da agricultura camponesa


ocorre porque sua (re)criação camponesa resulta da

flexibilidade de adaptação, o objetivo de reproduzir seu modo de vida e não o


de acumulação, o apoio e a ajuda mútua encontrados nas famílias e fora das
famílias em comunidades camponesas, bem como a multiplicidade de
soluções encontradas para o problema de como ganhar a vida são qualidades
encontradas em todos os camponeses que sobrevivem às crises. E, no centro
dessas possibilidades camponesas, está a natureza da economia familiar
(unidades de produção e consumo) (Shanin, 2008, p. 25-26).

No Brasil, em que a base do desenvolvimento do capitalismo no campo é a apropriação


das grandes porções de terras, os capitalistas promovem a formação de setores em que a renda
da terra é alta, como é o caso da produção de cana de açúcar, soja e pecuária de corte. Onde a
renda é baixa, como no caso dos cultivos realizados pela agricultura camponesa, ou seja, nos
setores de consumo generalizado, as propriedades não são arrogadas aos capitalistas, porém
eles criam “as condições para extrair o excedente econômico, ou seja, especificamente renda
onde ela aparentemente não existe” (Martins, 1990, p. 175).
Nas localidades onde o produtor continua proprietário da terra e dos instrumentos de
produção, sem o uso do trabalho assalariado, apenas com o seu trabalho e de sua família, o
capitalista não consegue tornar-se proprietário real dos meios de produção e,
consequentemente, não pode extrair lucro nem renda. Assim, eles estabelecem diretrizes para
que o agricultor camponês se ponha numa relação de sujeição ao capital, ou seja,
88

O que hoje acontece com a pequena lavoura de base familiar é que o produtor
está sempre endividado com o banco, a sua propriedade sempre comprometida
como garantia de empréstimos para investimento e sobretudo para custeio de
lavouras. Sem qualquer alteração aparente na sua condição, mantendo-se
proprietário, mantendo o seu trabalho organizado com base na família, o
lavrador entrega ao banco anualmente os juros dos empréstimos que faz, tendo
como garantia não só os instrumentos, adquiridos com os empréstimos, mas a
terra. Por esse meio, o banco extrai do lavrador a renda da terra, sem ser o
proprietário dela. O lavrador passa imperceptivelmente da condição de
proprietário real a proprietário nominal, pagando ao banco a renda da terra que
nominalmente é sua. Sem o perceber, ele entra numa relação social com a terra
mediatizada pelo capital, em que além de ser o trabalhador é também de fato
o arrendatário (Martins, 1990, p. 176-177).

Evidentemente tais processos indicam uma apropriação da renda diferencial pelo capital
na fase da circulação da produção agrícola. O agricultor, uma vez endividado e com a
necessidade do pagamento anual dos juros ao banco, acaba comercializando sua produção a
baixo preço, sobretudo através do papel dos intermediários (também conhecidos popularmente
no Nordeste como atravessadores ou corretores de frutas) que, por sua vez, comercializa a
produção nos mercados próximos ou com as agroindústrias.
Isso significa que a riqueza criada pelo trabalho na agricultura de base familiar “realiza-
se em mãos estranhas às suas, como renda que flui disfarçadamente para os lucros bancários,
como alimento de custo industrial e incrementa a taxa de lucro das grandes empresas urbanas”
(Martins, 1990, p. 177). Porém, isso se configura apenas como uma parte dos problemas
enfrentados por aqueles que são responsáveis pela alimentação diária da população brasileira.
Acrescentamos a isso, alguns pressupostos que consideramos como fundamentais para
a compreensão da sujeição da renda da terra ao capital no âmbito da expansão do uso de objetos
técnico-científicos-informacionais na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, objeto de
estudo neste trabalho. Eles não estão desvinculados da análise até agora realizada sobre a
relação entre renda da terra, técnica e a sujeição da renda da terra ao capital, pelo contrário,
asseveram a compreensão desses processos no âmbito da agricultura camponesa.
O primeiro pressuposto corresponde às demandas heterogêneas por objetos técnico-
científicos-informacionais no interior da dinâmica da produção de frutas irrigadas. As
demandas das agroindústrias e da agricultura camponesa por insumos e máquinas agrícolas são
distintas tanto em termos quantitativos como qualitativos. Tais diferenças não ocorrem apenas
entre as diferentes formas de produção, mas também entre os estabelecimentos agrícolas de um
mesmo ramo produtivo (agricultura camponesa ou empresarial).
Conforme já analisado por Nascimento (2018), as estratégias para a aquisição dos
insumos, máquinas e equipamentos agrícolas utilizados na produção também são diversas,
89

obedecendo lógicas distintas de redução dos gastos no âmbito da compra desses materiais, o
que corrobora na configuração de interações espaciais em múltiplas escalas no território.
Na produção capitalista de frutas irrigadas, as empresas produtoras recorrem às
indústrias fabricantes ou importadoras de objetos técnicos que estão localizadas em diferentes
áreas do país, a partir de alianças preestabelecidas, como já ressaltado por Graziano da Silva
(1990). Já na agricultura camponesa tais objetos são, predominantemente, adquiridos nos
mercados locais, especialmente nas empresas comerciais situadas nas cidades próximas às áreas
de produção, muitas vezes com imposições técnicas determinadas pelas agroindústrias.
Dessa forma, tais imposições sobre o uso de objetos técnicos na produção de base
familiar causa uma dependência desse vetor sobre a compra dos produtos no comércio próximo
às áreas de produção, por vezes sem orientação técnica e agronômica. Acreditamos que isso
decorre do fato que na fruticultura irrigada, os insumos modernos são concentrados na produção
agroindustrial e esta, por sua vez, é tida como referência pelos atravessadores no âmbito dos
parâmetros de qualidade exigidos aos agricultores camponeses.
De acordo com o interesse dos capitalistas nessas áreas mais dinâmicas em drenar a
produção da agricultura camponesa, eles acabam impondo padrões técnicos normativos
baseados na agricultura capitalista globalizada (uso de sementes geneticamente modificadas,
adubos e fertilizantes químicos, venenos agrícolas etc.). Essas imposições acabam direcionando
os agricultores a “uma atitude de subordinação a essas normas, porque sem obediência a estas
eles serão excluídos” (Santos, 1999, p. 24).
Quanto aos responsáveis às imposições normativas:

O impulso maior vem [...] do ramo da indústria de bens de produção


(máquinas, defensivos, fertilizantes) e das agroindústrias. São esses dois
setores que impõe os parâmetros tecnológicos à agricultura, determinando a
forma e o grau de modernização da produção. Por isso, também, os progressos
tecnológicos não se generalizam por si mesmos, necessitando dos constantes
incentivos (creditício, por exemplo), e até mesmo de programas sistemáticos
de extensão (Graziano da Silva, 1990, p. 36).

Uma vez obedecendo os parâmetros normativos sobre o uso dos insumos e máquinas
agrícolas, o agricultor camponês, na maioria das vezes, se endivida com os bancos que são
responsáveis pelos empréstimos para a aquisição desses materiais. Em consequência há o
pagamento da renda da terra que é disfarçado de juros anuais pagos pelos empréstimos.
O segundo pressuposto, que seria uma consequência do anterior, se refere a
transferência do valor dos objetos técnicos agrícolas para os produtos que serão convertidos em
mercadorias. Como as demandas por insumos e máquinas são diferentes na produção de base
90

familiar em relação à produção agroindustrial, a transferência do valor desses objetos para as


frutas também é distinta de acordo com as características de cada material acrescido à produção.
Isso quer dizer que na maioria das propriedades produtoras de frutas associadas ao
agronegócio o uso dos objetos técnicos contribui ao aumento da produtividade por área,
resultando num aumento da renda diferencial e do sobrelucro embolsado pelo capitalista. Para
tanto, se faz o uso de máquinas e implementos agrícolas modernos (capital fixo), que irão
transferir valor para o produto durante um período maior, e de um conjunto de matérias primas,
insumos e materiais auxiliares como as melhores sementes, adubos, biocidas e agrotóxicos
(capital circulante) que irão transferir valor em um período determinado.
Em contrapartida, na produção camponesa dedicada a produção de frutas, em que o
agricultor é o detentor dos meios de produção, os materiais utilizados são, em parte, comprados
como mercadorias a preços altos, e produzidos pelo próprio agricultor.
Como o objetivo principal da agricultura camponesa não é o aumento da produtividade,
são comprados basicamente aqueles instrumentos necessários a produção e outros que atendam
às exigências normativas das empresas agroindustriais situadas em locais próximos. Logo, a
transferência de valor do instrumento para o produto é, geralmente, restrita a um período
relativamente curto, tendo que ser novamente comprado e utilizado.
Isso nos direciona à consideração do terceiro pressuposto, o da sujeição do agricultor
camponesa ao capital no âmbito da circulação dos produtos agrícolas. À medida que o produtor
de base familiar paga pelo uso de insumos e máquinas empregados na produção,
concomitantemente, ele é submetido aos preços abusivos pagos por determinados agentes pela
produção que ele criou com sua força de trabalho. Assim, ele se vê submetido ao capital, que
lhe vende produtos caros e lhe paga preço baixo pelos produtos agrícolas (Oliveira, 2007).
Sendo assim, grande parte dos fruticultores camponeses cultivam os produtos e os
submetem às lógicas de exploração dos intermediários. Estes, por sua vez, comercializam os
produtos, agora como mercadorias, a um preço elevado em comparação ao que foi pago ao
produtor. Os destinos dos produtos são basicamente os mercados nas cidades e as agroindústrias
que agora drena a produção a qual ela impôs parâmetros sobre o uso dos objetos técnicos.
É fundamental considerar esses pressupostos de forma articulada, evitando abordá-los
isoladamente durante a construção da análise sobre o objeto de estudo. São elementos que, se
verdadeiros, serão comprovados nas demais seções deste trabalho e contribuirão para a
confirmação da tese levantada. Portanto, é crucial explorar as especificidades da fruticultura
irrigada no Brasil e no Nordeste Semiárido, a fim de compreender os elementos que configuram
o ramo produtivo e os diferentes usos do território presentes nessa realidade.
91

3. FRUTICULTURA IRRIGADA NO BRASIL E NORDESTE


SEMIÁRIDO

Perímetro Público Irrigado Nilo Coelho, Petrolina-Pernambuco.


Fotografia: Welton Nascimento (2022).
92

De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e


Derivados (ABRAFRUTAS), a partir dos dados fornecidos pela Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura, em 2020 o Brasil despontou em terceiro lugar dentre
os países que mais produzem frutas no mundo, ficando atrás apenas da China e Índia. Isso
evidencia que, considerando a dimensão continental e a posição geográfica do país, com clima
e solos favoráveis à produção, corresponde a uma dinâmica produtiva complexa e
multifacetada, gerando rebatimentos territoriais de diversas ordens e complexidades.
Considerando a amplitude dessa variável, dissertamos sobre a dinâmica da fruticultura
irrigada no Brasil e no Nordeste Semiárido, apresentando suas principais características e as
especificidades espaciais na dinâmica agrícola no território, além dos seus nexos com a
expansão sobre o uso de objetos técnicos-científicos no respectivo vetor.
Para tanto, a subdividimos em três momentos: o primeiro visa apresentar um panorama
da fruticultura irrigada no Brasil, enquanto vetor representativo no âmbito da divisão territorial
do trabalho na agricultura; o segundo versa sobre a particularidade que a fruticultura irrigada
assume no Nordeste Semiárido, em que retomamos alguns eventos que contribuíram para a
configuração atual do segmento de produção; já o terceiro momento atenta as relações entre a
fruticultura irrigada e a expansão atual do uso dos objetos técnicos na agricultura.

3.1. PANORAMA ATUAL DA FRUTICULTURA NO BRASIL

Julgamos necessário apresentarmos alguns dados e informações a respeito da produção


de frutas no Brasil, devido a necessidade da compreensão das especificidades espaciais que o
respectivo vetor assume nas diferentes regiões, tanto em termos de produção, quanto sobre seus
rebatimentos territoriais em diferentes escalas espaciais.
Compreendemos a “fruticultura” como o ramo da agricultura que “trata da produção
racional e econômica de plantas frutíferas” (Goulart, 1991, p. 81). Como tal, ela pode ser
considerada como o vetor que produz e comercializa frutas (produtos doces e comestíveis -
diretamente aproveitáveis), frutos (órgão que conduz sementes) e pseudofrutos (estruturas
carnosas que não se originam do ovário da flor, mas de outras partes florais) (Goulart, 1991).
De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, a fruticultura no Brasil se desenvolve,
nas lavouras permanentes e temporárias, através das produções de: abacate, abacaxi, açaí
(fruto), acerola, ameixa, amora, atemoia, azeitona, banana, cacau (fruto), caju (castanha e fruto),
caqui, carambola, coco-da-baía, cupuaçu (fruto), dendê (coco), figo, fruta-de-conde, goiaba,
graviola, guaraná (fruto), jabuticaba, jaca, jambo, kiwi, citrus (laranja, lima, limão e tangerina),
lichia, maçã, manga, mamão, maracujá, melancia, melão, morango, nectarina, nêspera, noz
93

(europeia, pecã), pera, pêssego, pitaia, pitanga, pupunha, tomate (rasteiro industrial e
estaqueado) e uva (mesa, vinho ou suco).
Sobre essas culturas, considerando o período de referência do respectivo censo (IBGE,
2018), foi realizada uma produção de 24.899.150 toneladas somada aos 1.610.636 frutos
contabilizados em unidade (graviola, jaca, abacaxi e coco-da-baía). Essa produção foi realizada
em, pelo menos, 2.407.604 hectares, número sobre o qual não inclui as áreas direcionados a
produção de morangos e tomates estaqueados. A ocorrência da produção de frutas no país
abrangeu 4.340 municípios.
Dados recentes da Associação Brasileira de Produtores Exportadores de Frutas e
Derivados – ABRAFRUTAS (2019)23, informam que a fruticultura no país abrange em torno
de 3 milhões de hectares no país, com pelo menos 6 milhões de empregos diretos e uma
produção anual em torno de 37 milhões de toneladas. Realizada nas diferentes regiões do Brasil,
país de extensão continental, com grande diversidade de solos, clima e diferentes condições
sobre o uso dos recursos hídricos, se configura como uma variável complexa e com
rebatimentos territoriais específicos de acordo com cada tipo de produção.
Ao se pensar na produtividade por área associada a fruticultura no Brasil, o que inclui a
consideração da complexidade de condições ambientais, da ordem técnica e organizacional dos
lugares, consideramos aquilo que Santos (2017, p. 248) denomina de “produtividade espacial
ou produtividade geográfica, noção que se aplica a um lugar, mas em função de uma
determinada atividade ou conjunto de atividades”.
Nesse contexto, apresentamos o Mapa 2 que detalha a produção absoluta da fruticultura
no Brasil por municípios, revelando a capacidade que certas áreas do país possuem em termos
de volume total de frutas produzidas. Paralelamente, o Mapa 3 proporciona uma compreensão
mais profunda da produtividade agrícola associada à fruticultura brasileira. Esse mapa é
elaborado a partir do cálculo da produtividade por cultura em cada município do país. Essas
representações cartográficas desempenham um papel crucial na análise das especializações
produtivas relacionadas a esse segmento, permitindo uma abordagem analítica mais
aprofundada dos complexos e variados processos que ocorrem no território.

23 Disponível em: https://abrafrutas.org/2019/03/07/brasil-e-o-terceiro-maior-produtor-de-frutas-do-mundo-diz-


abrafrutas/
94

Mapa 02. Brasil – Produção agrícola da fruticultura (2017).


95

Mapa 03. Brasil – Produtividade agrícola da fruticultura (2017).


96

No que diz respeito à produção absoluta de frutas irrigadas no Brasil, é evidente que
apenas algumas áreas se destacam como principais polos de produção agrícola. Destaque
notável é a região Sudeste, com ênfase nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
No Nordeste, as atenções se voltam para os municípios localizados na região do Submédio São
Francisco, notadamente Petrolina em Pernambuco e Juazeiro e Casa Nova na Bahia. Em outras
partes do país, existem municípios que também se destacam como produtores de frutas, embora
de forma mais pontual.
Em relação a produtividade agrícola, verifica-se uma forte diferenciação espacial sobre
a produção da fruticultura no território. Isso ocorre porque em determinado vetor “subespaços
não são igualmente capazes de rentabilizar uma produção. Cada combinação tem uma própria
lógica e autoriza formas de ação específicas a agentes econômicos e sociais específicos”
(Santos, 2017, p. 247). Soma-se a isso, a diversidade das condições edafoclimáticas no Brasil,
possuindo áreas com condições propícias a algumas culturas enquanto outras isso não é
possível.
Tal fato pode ser depreendido a partir da análise das áreas que apresentam maior
produção de frutas, com particularidades quanto as especializações produtivas e os processos a
ela vinculados. Isso não nos faz negligenciar aqueles locais onde essa variável não ocorre ou
que apresenta baixa produção, ora vista que consideramos que essas características estão quase
sempre associadas a importância que outros vetores agrícolas assumem nos lugares.
Quanto as áreas com maior produção de frutas, podemos ressaltar a região da Serra
Gaúcha, no Rio Grande do Sul, historicamente influenciada pelas tradições alemãs e italianas,
com a forte presença do cooperativismo e com condições climáticas favoráveis a produção de
uvas (vinho, suco e mesa) e maçãs (o estado é o maior produtor dessas duas culturas no país).
Outras produções de destaque na região referem-se a de pêssego, caqui, ameixa, laranja e kiwi.
No estado de São Paulo, ganha destaque a produção de Citrus (laranja, limão e
tangerina) no Noroeste Paulista e na região Central do estado. Esse vetor que, dentre outros,
também é efetivado nos municípios da Região Administrativa de Sorocaba, é responsável pelo
percentual de 78,7% da produção nacional de laranjas (IBGE, 2018). Outras produções
realizadas no estado são os cultivos de bananas, manga, mamão e tomate rasteiro. Sobre a
produção de frutas no Noroeste Paulista, Locatel e Hespanhol (2002) dissertam sobre a sujeição
da renda da terra ao capital no âmbito da expansão da fruticultura.
Ainda no Sudeste, outra área que tem se destacado na produção de frutas corresponde
ao estado do Espírito Santo, sobretudo em sua porção do Litoral Norte. As favoráveis condições
do clima tropical úmido e o forte incentivo produtivo do Instituto Capixaba de Pesquisa,
97

Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), em parceria com entidades públicas e privadas,
tem promovido na área o fortalecimento das cadeias produtivas nos principais ramos da
fruticultura, chegando a figurar como uma das principais manchas de produção do país.
No Centro-Oeste a maior produção de frutas encontra-se no Distrito Federal e nos
municípios ao leste do estado de Goiás. As produções que se despontam são o tomate rasteiro,
citrus (laranja e tangerina) e a banana. Atualmente encontra-se em debate a criação da Rota da
Fruticultura no Centro-Oeste mediante a ação da Superintendência Federal da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento do Distrito Federal, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales
do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), do Ministério do Desenvolvimento Regional
(MDR) e da Frente Parlamentar Mista do Agronegócio e Agricultura Familiar (FAAF), além
de instituições parceiras24.
A particularidade do Centro-Oeste refere-se à ausência da produção de frutas em áreas
contíguas (exceto a anteriormente mencionada), como evidente nos estados de Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, além do estado de Tocantins na região Norte. No âmbito da
divisão territorial da agricultura brasileira, são áreas que apresentam a consolidação de
processos vinculados a expansão da fronteira agrícola no país, sobretudo mediante a produção
de grãos e gado bovino por grupos agroindustriais.
Na região Norte do Brasil, as condições edafoclimáticas, com a presença de abundantes
recursos hídricos para irrigação, favorecem a produção de frutas em diversas áreas e de forma
diversificada. As produções mais representativas na região correspondem ao cultivo de
produtos para o consumo in natura como de citrus, sobretudo limão e laranja, mamão, abacaxi,
melancia, banana, maracujá e acerola. Outros frutos exóticos típicos da região como a pupunha,
o açaí e o cupuaçu também são importantes, sendo inclusive comercializadas para outros
estados brasileiros na forma de sorvetes, doces e polpas.
Uma das características importantes da fruticultura na região Norte é que ela se efetiva
principalmente nas margens dos principais rios como: Amazonas e Negro (estado do
Amazonas), Tapajós, Amazonas, Tocantins e Guamá (Pará), rio Acre no estado de mesmo
nome, e nos rios Branco, Mucajaí e Uraricoera (Roraima). Nesse contexto, o estado que se
sobressai na produção de frutas é o Pará.
Outra característica peculiar é que os municípios com maior produção são as capitais
estaduais e/ou os municípios situados no entorno destas. Dentre as capitais se destacam Rio
Branco no Acre, Boa Vista em Roraima, já os municípios adjacentes a Manaus no Amazonas e

24
Consultar fonte em: https://www.codevasf.gov.br/noticias/2019/proposta-de-criacao-da-rota-da-fruticultura-
no-centro-oeste-e-debatida-em-brasilia
98

Belém no Pará também apresentam produções representativas, além de outros municípios


interioranos como Santarém e Mojuí dos Campos.
Considerando a extensão territorial desses estados, e com base na leitura de Nascente
(2005), a maior produção nas capitais ou municípios adjacentes decorre de um fator
essencialmente geográfico: a proximidade aos meios de escoamento (infraestruturas) dos
produtos que são direcionados ao mercado nacional e internacional (em menor quantidade).
Vinculado a isso, acreditamos que tal fato também se associa ao consumo produtivo agrícola
(bens e serviços) ofertados pelas empresas situadas nessas cidades, inclusive dos materiais e
equipamentos utilizados para irrigação dessas culturas.
Na região Nordeste, a produção de frutas se desenvolve no corredor que compreende a
faixa litorânea dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e partes de Alagoas,
Sergipe e a região Sul Baiana, ligadas à fruticultura de estação (obedecendo as estações do ano)
e ao uso de técnicas modernas em seus processos produtivos. Contudo, a maior produção
encontra-se no sertão, fortemente influenciada pelas bacias dos principais rios e os perímetros
irrigados criados pelo Estado para atender demandas produtivas (mesmo que seletiva espacial
e setorialmente) da região de clima Semiárido.
No Semiárido, se sobressaem os estados da Bahia (segundo maior produtor de frutas do
país, atrás apenas de São Paulo), Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, onde a produção
voltada para exportação se faz presente. Segundo Castro (2000, p. 51), na região semiárida
“esse setor é paradigmático das seletividades territoriais possíveis como resultado do impacto
das relações entre a economia global e local”.
Essas seletividades podem ser verificadas na Bahia e em Pernambuco, sobretudo nos
municípios situados ao longo do Vale rio São Francisco, com destaque ao polo fruticultor
irrigado na sua porção submédia, compreendendo importantes municípios como Juazeiro
(Bahia) e Petrolina (Pernambuco). As maiores produções se associam as culturas de mamão,
uva (mesa, vinho ou suco), tomate rasteiro, coco-da-baía, melancia, manga, banana, maracujá,
melão, goiaba e acerola. Pereira (2012) faz uma análise pertinente sobre a relação entre a
fruticultura, emprego e migração nessa região produtora.
Na região do oeste baiano também se configuram manchas de produção de frutas no
território. Situada no bioma do Cerrado, em que a produção está associada a disponibilidade
hídrica do rio Grande e seus afluentes, pertencente à bacia do rio São Francisco, há a
predominância da produção de mamão, citros (laranja e limão), melancia, coco-da-baía, banana,
manga, maracujá e tomate rasteiro. Santos Filho (1989) analisando a agricultura nessa área já
99

discorria sobre o papel das agroindústrias na normatização da produção agrícola mediante a


definição dos fluxos e estabelecendo o preço dos produtos (Santos; Silveira, 2008).
Outra região produtora de frutas no Nordeste, também no Sertão, refere-se ao polo
fruticultor situado ao Oeste do estado do Rio Grande do Norte, fortemente influenciado pela
bacia hidrográfica Piancó-Piranhas-Açu e do rio Apodi-Mossoró. Essa área, encontra-se em
contiguidade à outra importante região produtora da região, a do Vale do rio Jaguaribe no Ceará.
Elias e Pequeno (2010), dissertam com clareza sobre as contradições na agricultura sobre
expansão agroindustrial de frutas irrigadas na região.
Nessas áreas, as maiores produções se associam as culturas de mamão, banana,
melancia, melão, manga, caju (fruto e castanha), coco-da-baía (predominantemente nos
municípios de Ceará). Em menor quantidade destacam-se as culturas de acerola, goiaba, citros
(limão e laranja) e tomate rasteiro (especificamente em Baraúna). Sobre essa região produtora,
Andrade (2013, 2018) analisa o circuito espacial de produção de melão e a internacionalização
da agricultura associada a fruticultura tropical.
A distribuição espacial da produção da fruticultura no Brasil, além de representar a
localização da produção, designa também a ocorrência de processos diversos vinculados ao
setor (movimentos de pessoas, produtos e capitais). Nas áreas marcadas por especializações
produtivas, o que se verifica é aquilo que Santos (2017) denominou de acontecer homólogo,
havendo uma interdependência que se estabelece horizontalmente entre os lugares, inclusive
sob a influência de um meio técnico-científico-informacional.
Cada vetor associado a fruticultura configura-se circuitos espaciais produtivos e círculos
de cooperação no espaço, este primeiro conceito se referindo as diversas etapas pelas quais
passaria um produto, desde o início dos processos produtivos até o consumo final do produto,
enquanto o segundo compreende as relações entre os lugares e os agentes envolvidos na
produção como a origem do capital investido na atividade, mão de obra, os insumos utilizados,
matéria prima etc. (Santos, 2014; Moraes, 1985).
Como tal, os processos produtivos articulam a etapa da produção propriamente dita,
passando pela fase de comercialização, até o consumo dos produtos. Esse circuito articula
diferentes lugares que são hoje pontos de convergência entre diversos circuitos espaciais, mas
também agentes com lógicas de produção distintas (Santos, 2014).
Na fruticultura o que se verifica são elevados graus de complementariedades e
contradições entre os diferentes agentes e empresas envolvidos na produção. Tanto na produção
que atende o mercado interno, quanto naquela direcionada ao mercado internacional, o que se
verifica são distintas lógicas de produção e, sobretudo, de escoamento dos produtos.
100

Isso ocorre porque na fruticultura, assim como em outros vetores de produção no campo
brasileiro, há a presidência da racionalidade capitalista marcada pela “modernização da
agricultura” comandada por grupos agroindustriais, subjugando determinados agentes e os
submetendo aos seus ditames. Esse fato pode ser verificado, conforme apresenta Castro (2000),
de forma mais intensa nas áreas de produção de frutas irrigadas do Nordeste, onde se
apresentam as “ilhas de tecnologias” na agricultura, sobretudo em sua porção semiárida.
Considerando que os dados sobre produção de frutas podem viabilizar uma análise mais
verticalizada sobre aqueles cultivos que fazem uso de irrigação, foco da análise na presente
pesquisa, julgamos pertinente a apresentação dos dados que permitam redirecionar a análise à
especificidade da fruticultura irrigada.
Nesse sentido, os dados de irrigação ajudam a refletir sobre o uso dessas técnicas
utilizadas na produção de frutas no país. De fato, deveríamos apresentar diretamente os dados
sobre o uso da irrigação na fruticultura, porém a fonte utilizada para a obtenção deles, o Censo
Agropecuário do IBGE, conforme sua metodologia de pesquisa, não permite análises
verticalizadas sobre as produções específicas com uso de irrigação, apenas mediante os recortes
temáticos das culturas permanentes e temporárias (englobando a produção de frutas).
O Cartograma 1, sobre o uso de irrigação no país – com dados sobre áreas irrigadas e os
estabelecimentos com uso dessas técnicas agrícolas – corrobora na análise sobre as relações
entre as áreas anteriormente identificadas como as principais produtoras de frutas e aquelas em
que se faz uso efetivo da irrigação.
101

Cartograma 01. Brasil - distribuição espacial do uso de irrigação nas lavouras temporárias e permanentes (2017).
102

As áreas em que o uso de irrigação na atividade agrícola se faz presente coincide em


alguns casos com a espacialização das áreas de maior produção de frutas, conforme já debatido.
O contraste entre as áreas irrigadas e o número de estabelecimentos agrícolas nas culturas
temporárias e permanentes, permite perceber as diferenças espaciais sobre os processos
produtivos aos quais fazem uso dessas técnicas.
As principais áreas irrigadas associa-se a alta produção de grãos nos latifúndios através
do agronegócio no país, tais como: na Campanha Gaúcha e outros municípios do Oeste do Rio
Grande do Sul com a produção de arroz irrigado; o Noroeste de Minas Gerais e o Oeste da
Bahia com a produção de soja, milho e feijão, além da laranja, café (na primeira região), algodão
e frutas (na segunda região); e o Oeste de Tocantins por onde avança a fronteira agrícola do
país atualmente, sobretudo associada ao cultivo de soja, milho, feijão e arroz.
Outras áreas de destaque referem-se aquelas onde se efetivam significativas produções
de frutas no país, como no norte do Espírito Santo e nas áreas que compreendem o Vale do rio
São Francisco (especialmente sua porção submédia). Municípios como Casa Nova, Juazeiro
(BA) e Petrolina (PE) são exemplos dos que figuram entre os maiores produtores de frutas e
que utilizam maiores áreas irrigadas na porção semiárida.
Sobre o número de estabelecimentos agrícolas que fazem das técnicas de irrigação, é
possível observar um comportamento diferenciado em relação aos dados de área irrigada. A
região do submédio do rio São Francisco, que corresponde a uma das manchas de alta produção
de frutas no país, notadamente se desponta na escala nacional como sendo a que possui o maior
quantitativo de estabelecimentos com uso de irrigação.
Nessa área, além da participação nas grandes empresas agroindustriais produtoras de
frutas irrigadas direcionadas ao mercado internacional, existem também médios produtores
rurais e agricultores camponeses em que a irrigação está associada aos sistemas de engenharia
(perímetros irrigados) coordenados pelo DNOCS e a CODEVASF, bem como a partir de outros
meios de abastecimento hídrico. Outras áreas que se destacam estão alguns dos municípios da
porção central do estado da Bahia, ligada a influência do rio São Francisco, seus afluentes e/ou
alguns dos perímetros irrigados coordenados por esses dois órgãos.
A análise sobre a relação entre o uso da irrigação nos estabelecimentos agrícolas nas
culturas permanentes e temporárias com a produção de frutas irrigadas é possível também ao
pensarmos nas formas específicas da irrigação no território (Cartograma 2).
103

Cartograma 02. Brasil - distribuição espacial dos estabelecimentos agrícolas das lavouras temporárias
e permanentes por tipo de irrigação realizada (2017).
104

No Brasil, o uso de irrigação localizada se faz predominante com 127.973


estabelecimentos que utilizam esse método na agricultura. Sua espacialização no território
evidencia forte concentração na região do Semiárido onde a escassez hídrica se faz presente
como uma condição a maioria das atividades agrícolas (Andrade, 2011).
No Nordeste Semiárido, marcado pela forte insolação e a presença de altas temperaturas
durante a maior parte do ano, o uso da irrigação localizada se configura como técnica associada
ao aproveitamento efetivo das águas disponíveis (menores volumes, sob pressão e alta
frequência). Essa forma de irrigação, muito demandada pela produção de frutas, se concentra
espacialmente naquelas áreas da porção semiárida onde, efetivamente, a fruticultura se faz
presente, como é possível verificar também na produção ao norte do Espírito Santo.
A irrigação subsuperficial e por molhação corresponde ao segundo maior número de
unidades que fazem uso dessas técnicas, somando 49.963 estabelecimentos agrícolas. Sua
ocorrência no país se concentra na região Norte e em municípios dos estados de Minas Gerais
e Bahia. Trata-se de uma forma de irrigação atrelada ao fornecimento de água de forma mais
econômica e com menor uso objetos técnicos. Sua alta ocorrência na região Norte do país,
associa-se aos elevados índices de precipitação e a presença de corpos rios.
O uso da irrigação por aspersão também é representativo no contexto nacional, com
49.029 dos estabelecimentos agrícolas irrigados. Na fruticultura, o uso do pivô central e
aspersão convencional são os mais representativos, vinculando-se a elevada produção de frutas
no leste de Goiás e Distrito Federal, no polo produtor Juazeiro-Petrolina na Bahia e Pernambuco
e a porção norte do Espírito Santo (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, 2017).
Já a irrigação por superfície corresponde ao menor número de unidades com uso de
irrigação com 23.939 estabelecimentos. A distribuição das unidades com esse tipo de irrigação
apresenta-se de forma bem delineada, o que supõe usos bem específicos do território pela
agricultura. Ganha destaque o a irrigação na região da Campanha Gaúcha vinculado a produção
de arroz, o Oeste baiano com a produção de grãos e frutas, o polo fruticultor Petrolina-Juazeiro
e o vale do rio Jaguaribe no Ceará, também produtor de frutas.
É válido ressaltar que, mesmo com menor número de estabelecimentos irrigados em
relação as áreas já mencionadas, outros municípios brasileiros também se destacam quanto ao
uso da irrigação. Neles, a produção pode vincular-se ao comando e controle das empresas
agroindustriais, dominando a produção irrigada no local e totalizando poucos estabelecimentos
com uso da técnica num dado município. O fato é que tais elementos corroboram na
compreensão sobre a importância da irrigação nas áreas de produção de frutas, especialmente
no Nordeste Semiárido, foco da análise a seguir.
105

3.2. A FRUTICULTURA IRRIGADA NO NORDESTE SEMIÁRIDO

A análise sobre a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido se faz pertinente não


apenas como demanda oriunda da presente pesquisa, mas também pela necessidade de
esclarecimentos sobre a ocorrência da respectiva variável na região, geralmente apresentada
restrita aos perímetros públicos irrigados. De fato, algumas das principais produções
encontram-se nessas áreas, porém elas não são as únicas onde o vetor de realiza.
Pensar a ocorrência da fruticultura irrigada restrita aos perímetros comprova a assertiva
de Correia (2011, p. 35) ao afirmar que o Nordeste é uma das “regiões geográficas mais
discutidas e menos conhecidas do País”. Assim, neste momento buscamos estabelecer um
debate, a partir da retomada de eventos históricos que foram importantes na configuração da
dinâmica do vetor na contemporaneidade, bem como explicitaremos as particularidades atuais
mediante dados e informações recentes.
Autores como Manuel Correia de Andrade, Orlando Valverde, Francisco de Oliveira,
Celso Furtado, Iná Elias de Castro e Tânia Bacelar de Araújo contribuíram significativamente
em suas obras na análise sobre os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos do
Nordeste e da sua porção semiárida, estabelecendo nexos entre a respectiva região e as demais
áreas do território. Assim, permitimo-nos avançar na análise sobre a temática específica da
fruticultura irrigada, recorrendo aos respectivos autores na medida que for necessário nesta e
nos demais momentos deste trabalho.
É consenso na literatura especializada a importância que a irrigação assume no Brasil a
partir da segunda metade do século XX. O surto irrigatório evidenciado nesse período fez Celso
Furtado pensar, com o apoio do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
(GTDN), em propostas de políticas protecionistas de produção de alimentos para o
abastecimento do mercado interno, considerada a situação de miséria e de pobreza no Nordeste.
A criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1958,
pensada por Furtado e se contrapondo a tese de “combate à seca” até então defendida pelo
DNOCS, aparecia como uma alternativa de mudança sobre a problemática da fome perante a
escassez hídrica. Dentre as prioridades do órgão, estava a produção de alimentos no Sertão e
em terras do litoral (próximas aos reservatórios hídricos e em porções dos latifúndios
açucareiros), a criação de assentamentos de famílias em terras férteis do Maranhão, a criação
de áreas irrigadas e de indústrias para a absorção da mão de obra local (Andrighetti, 1998).
Com o Golpe Militar de 1964 o que se efetivou foram ideias antagônicas às
apresentadas, sendo privilegiada uma “agricultura voltada à exportação para outras regiões do
106

país e para o exterior. Foi o período chamado ‘milagre brasileiro’, quando o Governo fazia a
propaganda de ‘exportar é desenvolver’” (Andrade, 2011, p. 270). Foi nesse contexto que o
Brasil foi inserido na chamada Revolução Verde que ocorria em escala mundial, tendo como
cerne o discurso de “modernização da agricultura”.
O Nordeste, até então reserva para a produção capitalista globalizada, foi,
paulatinamente, adentrando às áreas das ações das grandes empresas agroindustriais. Com isso,
a partir dos anos 1970, se reduzia as áreas de produção de culturas como algodão, mamona,
mandioca e sisal enquanto expandia-se as produções de arroz, cana-de-açúcar, feijão, laranja e
milho. Outras culturas não tradicionais, porém, com alto valor de mercado, também cresciam
como o cacau e o abacaxi (no Sertão e Agreste), o tomate, café, soja e borracha (em certas áreas
do Vale do São Francisco, Agreste e Zona da Mata), e a produção de frutas irrigadas nas áreas
banhadas pelos principais rios nordestinos, sobretudo na porção semiárida (Araújo, 2000).
A produção de frutas irrigadas no semiárido transformou as dinâmicas socioespaciais
das áreas onde as empresas agrícolas se instalaram, como no submédio do São Francisco e
alguns de seus afluentes, principalmente no estado da Bahia, e nos vales dos rios Jaguaribe, no
Ceará, Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró no Rio Grande do Norte.

Inicialmente, foram desenvolvidas culturas como a de cebola, a do tomate, a


do algodão, a da vinha, visando a produção de uvas de mesa e de vinho, de
frutas, como a melancia, o melão, a manga, a goiaba, e outros produtos, como
a atemóia, a alcachofra, o alho, a mamona etc. Os projetos desenvolvidos pela
SUDENE e pela CODEVASF, que a princípio se voltavam em benefício dos
pequenos produtores, [...] foram transformados em projetos dependentes de
empresas pertencentes a grupos econômicos da própria região ou da região
Sudeste ou até mesmo internacionais (Andrade, 2011, p. 271).

O Estado – importante elemento estruturador dessa nova realidade do semiárido – desde


os anos 1970 implementou mais de 70 projetos de irrigação nos vales dos principais rios. Não
obstante, o Plano Nacional de Irrigação, elaborado em 1982, possibilitou a concessão de
recursos financeiros para a implantação de obras de infraestruturas nos perímetros irrigados,
sendo esses projetos efetivados através da atuação do DNOCS e da CODEVASF. Nesse
contexto,
Os perímetros irrigados são espaços de produção agrícola delimitados,
geralmente, pelo Estado. Neles são implantados um conjunto de
infraestruturas de irrigação. Trata-se, portanto, de uma intervenção técnica de
modo a garantir a produção de culturas agrícolas em áreas cuja carência de
chuvas interfere na realização da agricultura. O uso e ocupação dos perímetros
irrigados públicos estão condicionados à distribuição de lotes para pequenos
e grandes produtores obedecendo aos critérios estabelecidos pelos Governos
(Bezerra, 2012, p.123)
107

Na contemporaneidade, somam-se 64 municípios nordestinos com estruturas de


irrigação criados e coordenados por esses dois órgãos, abrangendo uma área de 158.492
hectares irrigados, possuindo um contingente populacional de 2.795.208 pessoas (rurais e
urbanas) e com uma taxa de urbanização de torno de 70% (inferior a taxa brasileira e do
Nordeste) (Buainain; Garcia, 2015).
O mapa 3, apresenta a espacialização dos municípios que apresentam os perímetros
públicos irrigados na região semiárida brasileira coordenados pelos respectivos órgãos, bem
como o curso dos principais rios da região.

Mapa 04. Semiárido brasileiro: municípios com projetos de irrigação coordenados pelo DNOCS e
CODEVASF (2017).

Sobre a implementação dos perímetros irrigados, Bezerra (2012, p. 124) alerta que
108

A despeito de garantir o desenvolvimento das comunidades que habitam o


Sertão, as instituições como DNOCS e CODEVASF contribuíram,
eficazmente, para pincelar iniciativas de investimento público e privado para
a agricultura. Observando, a partir do viés puramente econômico, alguns
projetos de irrigação tornaram-se bastante competitivos e polos
disseminadores de uma agricultura conectada aos parâmetros da
modernização da agricultura.
Contudo, não podemos deixar de destacar que esse processo não ocorreu sem
que houvesse uma verdadeira “limpeza” dos agentes sociais, identificados
como entraves. Leiam-se: camponeses, meeiros, posseiros, parceiros,
pequenos produtores, comunidades tradicionais que há séculos desenvolvem
estratégias de sobrevivência no Sertão e que sem considerar sua contribuição
para o estabelecimento de um saber-fazer histórico, foram expulsos em nome
da eficiência da produção e a viabilização da agricultura empresarial.

Com a implementação de infraestruturas para irrigação em diferentes subespaços, nem


todas as áreas que receberam tais estruturas continuaram a produzir frutas nas décadas que
sucederam a criação dos perímetros, não configurando em “ilhas de tecnologias” como aponta
Castro (2000) para o submédio São Francisco (BA e PE) e os vales dos rios Piranhas-Açu e
Apodi-Mossoró (RN) e Jaguaribe (CE). Logo, as demandas sobre o uso de insumos e máquinas
agrícolas em algumas dessas áreas apresentam-se hoje pouco expressivas ou inexistentes.
Existe fortes contrastes entre aquelas áreas onde atuam empresas agroindustriais e as
áreas em que os perímetros irrigados dependem, em maior proporção, do fenômeno climático
da chuva. Não obstante, fatores de ordem humana como a falta de investimentos do Estado para
a manutenção das materialidades de determinados perímetros públicos irrigados, colaboram a
manter disparidades quanto aos processos produtivos desenvolvidos no semiárido.
Como resultado, tem-se, em pleno Nordeste Semiárido, áreas com produção efetiva de
frutas irrigadas ao mesmo tempo que se observa a existência de estruturas praticamente
esquecidas e sem nenhuma funcionalidade no fornecimento da água àqueles que,
historicamente, sofrem com o fenômeno da estiagem prolongada. Esse contraste pode ser visto
nas figuras 2 e 3 que correspondem a dois dos perímetros localizados no Rio Grande do Norte.
109

Figura 02. Alto do Rodrigues/RN: canal de Figura 03. Pau dos Ferros/RN: canal de
conexão às áreas de produção irrigada no vale conexão aos reservatórios abastecidos pelo rio
do rio Piranhas-Açu. Apodi-Mossoró.

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2018).

Nas áreas onde há o fornecimento hídrico a partir dos principais rios, se efetiva a
produção de frutas irrigadas associada ao agronegócio, configurando sistemas complexos, com
uso intensivo de capitais e insumos e máquinas agrícolas. Já nas localidades em que os
perímetros já não apresentam funcionalidade, os sertanejos dos perímetros públicos irrigados
(colonos) e outros agricultores camponeses recorrem a criação de animais como gado bovino,
cabras, ovelhas e galináceos como meio de manutenção do uso e posse sobre a propriedade da
terra, isso quando não se deslocam para as cidades para servir de mão de obra no comércio,
serviços e construção civil. Silva (2019), em sua análise sobre as políticas de irrigação para o
Rio Grande do Norte, evidencia as especificidades desses processos.
Ressalta-se também a esperança dos agricultores camponeses, situados nas áreas onde
os perímetros irrigados apresentam pouca funcionalidade, sobre o abastecimento hídrico a partir
da transposição das águas do rio São Francisco, projeto fortemente exposto por políticos do Rio
Grande do Norte e Ceará. Se trata “de um projeto que necessita ser analisado com o maior
cuidado devido aos impactos de ordem econômica, social e ecológica que pode provocar”
(Andrade, 2011, p. 259).
Associado as áreas com maior produção de frutas irrigadas, algumas das quais se faz
presente os perímetros públicos irrigados, Araújo (2000, p. 173) assinala que

Tendências da acumulação privada reforçadas pela ação estatal, quando não


comandadas pelo Estado brasileiro, fizeram surgir e se desenvolver no
Nordeste diversos subespaços dotados de estruturas econômicas na região.
Tais estruturas são tratadas na literatura especializada ora como “frentes de
expansão”, ora como “polos dinâmicos”, ora como “manchas ou focos” de
dinamismo e até como “encraves”.
110

Esses eventos relacionados aos projetos de irrigação atraíram empresas ligadas a


produção de frutas tropicais ou relacionadas ao seu processamento, resultando em maiores
dinamismos em certas áreas mediante o aproveitamento dos recursos naturais existentes como
a água e a terra, elementos fundamentais à fruticultura irrigada. Enquanto isso, outras áreas do
semiárido apresentavam sérios problemas com a falta de abastecimento hídrico, contribuindo
para a situação de miséria e pobreza.
Tal realidade evidencia que, mesmo com amplos projetos associados a irrigação no
Nordeste Semiárido, sob o argumento de “modernização da agricultura”, o que se efetivou foi
um processo de “modernização” conservadora, com a manutenção da estrutura fundiária de
outrora e o agravamento da questão agrária (Graziano da Silva, 1981, 1990).
No alvorecer do século XXI, em que o Brasil já figurava como um importante
exportador de produtos agrícolas, o Banco do Nordeste do Brasil (2003), seguindo as diretrizes
do “Programa Brasil em Ação”, apresentou que o maior dinamismo produtivo, em decorrência
da presença de recursos naturais, tecnologias e concentração de infraestruturas básicas
centradas no vetor econômico principal, a fruticultura irrigada, encontrava-se na área integrada
Açu-Mossoró no Rio Grande do Norte contígua ao Baixo Jaguaribe no Ceará e a área integrada
Petrolina-Juazeiro em Pernambuco e Bahia.
No âmbito da Lei nº 12.787 de janeiro de 2013, da Política Nacional de irrigação, no
ano de 2019 foi instituída a criação do Polo de Irrigação do Oeste da Bahia, o primeiro do
Nordeste, prevendo uma área irrigada de 192 mil hectares distribuídos em 17 municípios
baianos. O projeto, que inclui a criação de sistemas de engenharia e o apoio a expansão sobre
o uso de objetos técnicos na agricultura, visa atender as produções de soja, milho, algodão,
banana, limão e cacau.
Essa iniciativa, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Regional, já realizada nos
estados do Rio Grande do Sul e Goiás, ocorre no Oeste baiano justamente na área de expansão
da fronteira agrícola brasileira, o que indica o favorecimento de vetores bem definidos da
agricultura na Bahia. Esse projeto que merece ser analisado com cautela, sobretudo pelos
impactos que pode gerar sobre os diferentes usos do território no setor e pelo potencial de
aprofundamento das desigualdades sociais no campo.
Pensando sua dinâmica espacial da fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido hoje, ela
poder ser compreendida como um
111

processo produtivo que requer capital, pesquisas, experimentos, logística para


comercialização, suporte de infraestrutura de transporte, portos adequados,
energia e mão de obra, redefine a dinâmica dos territórios em que se instala,
tomando mais numerosos e diferenciados os atores sociais e mais complexas
suas demandas. Estes atores - privados e públicos - articulam-se localmente
para criar as condições favoráveis à produtividade e à competitividade
(Castro, 2000, p. 46).

Os ambientes marcados pelas especializações territoriais produtivas associadas a


fruticultura irrigada na porção semiárida do Nordeste corresponde a áreas de densidades
técnicas, de comunicação e trocas de informações, baseadas na produção de frutas in natura,
destinadas ao mercado nacional e internacional. Os produtos aí cultivados apresentam um
elevado valor agregado pela alta aplicação de tecnologias na produção, diferenciando-se
bastante das atividades agrícolas tradicionais de outras porções do semiárido (Castro, 2000).
Como áreas de seletividade espacial, com produção e processos concentrados em
lugares restritos no território, contribui significativamente para o aprofundamento da divisão
territorial trabalho do espaço agrário nordestino, mas também do Brasil pelo peso que
representa na agricultura do país.
Para Castro, uma das características fundamentais da fruticultura irrigada é, justamente,
“a sua associação com a tecnologia de ponta para alcançar, na agricultura, níveis de
produtividade e competitividade, nacional e internacional” (Castro, 2000, p. 54). Assim, esse
ramo produtivo deve ser visto a partir dos seus desdobramentos em diferentes escalas:

✓ Escala local: com base nos recursos necessários a produção (solo, sol, água, mão de
obra e sistemas de engenharia) e nas mediações políticas locais (administração pública,
sindicatos, associações e representantes políticos);
✓ Escala regional: constituída como mercado e como mediação para recursos oriundos de
fundos públicos;
✓ Escala nacional: importante mercado e fonte dos recursos (públicos e privados)
direcionados à produção;
✓ Escala internacional: definidora dos parâmetros de qualidade dos produtos e da sua
competitividade, o que envolve os padrões técnicos dos produtos e de qualidade desses
mercados.

Tais escalas estão diretamente relacionadas a indissociabilidade entre tamanho das áreas
de ocorrência da fruticultura e a dimensão real desse fenômeno geográfico (Castro, 2010). Isso
significa que, da escala local à internacional, a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido
112

envolve os complexos processos de movimento de pessoas, produtos, informações, dinheiro,


capital e ordens. São verdadeiros e circuitos espaciais produtivos e círculos de cooperação que
se estabelecem no espaço (Santos, 2014).
Considerando essas proposições, é necessário apresentarmos alguns elementos
essenciais para uma aproximação da dimensão real da fruticultura irrigada no Nordeste
Semiárido. Isso é necessário para não reduzirmos a dinâmica, apenas, às áreas onde se faz
presente os perímetros públicos irrigados, como é de costume verificar em alguns trabalhos que
versam sobre esse objeto. De fato, alguns dos municípios onde se encontram esses sistemas de
engenharia se despontam na produção regional de frutas, porém não corresponde a amplitude
dessa variável na respectiva porção do território.
A fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido se caracteriza pela produção de culturas
diversificadas e ocorrendo na maior parte dos municípios, porém com fortes contrastes entre as
áreas mais produtivas e aquelas em que o vetor se faz pouco presente. As produções de frutas
em geral referem-se a de abacate, açaí, acerola, ameixa, amora, atemoia, azeitona, banana, caju
(castanha e fruto), caqui, carambola, dendê, figo, fruta-do-conde (pinha), goiaba, graviola,
guaraná, jabuticaba, jaca, jambo, kiwi, citros (laranja, lichia, lima, limão e tangerina), maçã,
manga, mamão, maracujá, nectarina, nêspera, noz (europeia), pera, pêssego, pitaia, pitanga, uva
(mesa, vinho ou suco, pupunha, cupuaçu, abacaxi, melancia, melão, tomate (rasteiro e
estaqueado), coco-da-baía e cacau (amêndoa).
Os dados do Censo Agropecuário 2017 revelam que, na fruticultura em geral no
Nordeste Semiárido, os estabelecimentos produtores representam, pelo menos, 37% do total
das 736.423 unidades produtoras das lavouras permanentes e temporárias (as quais a maioria
das produções de frutas faz parte). Em relação ao Brasil, o número de estabelecimentos
produtores de frutas cai para 12%, representativo considerada a extensão país.
Do total de estabelecimentos agrícolas no Brasil com uso de irrigação (502.379), 40%
encontram-se nos municípios que compõe a região semiárida (incluindo o Norte de Minas
Gerais), porém, ao considerar a área irrigada (6.694.245 hectares), apenas 11% estão nessa
porção do país. Quanto ao Nordeste Semiárido, representa 36% dos estabelecimentos com uso
de irrigação, já o percentual de área se reduz para 9% em relação ao resto do território. Tais
dados revelam fortes desigualdades sobre o uso da água no campo brasileiro e, sobretudo, na
agricultura dessa região com graves problemas de abastecimento hídrico.
Em relação a irrigação na porção semiárida do Nordeste, o total de estabelecimentos
com uso das técnicas de irrigação é de 182.843 e uma área total de 586.514 hectares. A partir
disso, verifica-se que apenas os municípios de Petrolina, Juazeiro, Casa Nova, Orocó, Santa
113

Maria de Boa Vista, Abaré e Curaçá, situados no submédio do São Francisco (onde predomina
a produção de frutas irrigadas), concentram 10% dos estabelecimentos e 18,5 da área irrigada
da região. Apenas os três primeiros municípios apresentam perímetros públicos irrigados.
Esses dados não revelam a dimensão específica dos estabelecimentos produtores de
frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, mas nos ajuda a compreender a importância do vetor,
considerando as particularidades da produção de frutas, bem como as especificidades quando
sua ocorrência espacial.
A aproximação analítica sobre a dimensão da fruticultura irrigada pode ser evidenciada
mediante a sobreposição dos dados sobre produção agrícola da fruticultura e o número de
estabelecimentos com uso de irrigação – culturas temporárias e permanentes (Mapa 4).
114

Mapa 05. Nordeste Semiárido: produtividade da fruticultura e estabelecimentos irrigados (2017).


115

Para a continuidade da análise, é necessário o esclarecimento de dois pontos. O primeiro


é que a ausência da produção de frutas em certos municípios não significa que eles não
desenvolvam outras produções irrigadas. Culturas das lavouras permanentes, temporárias,
horticultura, produção de mudas e sementes certificadas e produção florestal, podem fazer uso
da irrigação, evidenciando ainda mais a complexidade da agricultura irrigada.
O segundo ponto está relacionado ao fato de que os dados apresentados se referem a
produção de frutas em geral, podendo estar associadas a produção com uso de irrigação e/ou a
fruticultura de sequeiro. Justamente por isso, a sobreposição dos dados sobre estabelecimento
com uso de irrigação se fez importante na análise, para uma melhor compreensão da
convergência dos dados que, na metodologia do Censo Agropecuário de 2017, são trabalhados
separadamente e não permitem verificar o uso de irrigação na produção por culturas agrícolas
(especialmente a produção de frutas irrigadas).
A fim de verticalizarmos a análise sobre as culturas amplamente conhecidas na literatura
como sendo as que fazem o maior uso de irrigação, sendo elas a banana, caju (castanha e fruto),
manga, mamão, uva (mesa, vinho ou suco), melancia, melão e coco-da-baía, é importante a
apresentação de alguns dados que evidenciam a representatividade desses processos
desenvolvidos nas áreas mais dinâmicas do espaço agrário nordestino e do Brasil.
Essas produções representam 55% do número de estabelecimentos agrícolas da
fruticultura em geral da região semiárida nordestina, correspondendo a cerca de 63,3% da
produção no respectivo vetor. Quanto a área de ocorrência, encontram-se, predominantemente,
naqueles municípios situados na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e nos dos principais
rios da Bacia Hidrográfica Atlântico Nordeste Oriental (Jaguaribe, Piancó-Piranhas-Açu e
Apodi-Mossoró).
Segundo Vidal e Ximenes (2019, p. 1) ao abordarem os dados de exportação de frutas
pelo Nordeste em 2018, que totalizou US$ 614.193.827,00:

O Vale do São Francisco responde por mais de 80% do valor das exportações
brasileiras de manga e por 99% do faturamento do País com exportações de
uva. Do Ceará e Rio Grande do Norte saem 98,4% das exportações nacionais
de melão e o Ceará responde ainda por 81% do valor total de castanha de caju
comercializada pelo Brasil no mercado externo.

Esses dados evidenciam a importância que algumas das culturas apresentadas como
sendo as principais no Nordeste Semiárido assumem no contexto regional o nacional. Não
obstante, pressupõe a importância da produção nos lugares e seus desdobramentos na escala de
articulação internacional dos processos associados a fruticultura, não apenas no contexto das
116

exportações dos produtos, mas também das imposições normativas baseadas em lógicas de
produção da agricultura capitalista mecanizada.
Com base em Castro (2000), a propriedade fundiária e os agentes envolvidos na
fruticultura tropical irrigada, podem ser consideramos a partir de situações e características
distintas: pelas grandes propriedades agrícolas, comandadas pelas empresas do agronegócio,
garantindo espaços para a rotação de terras e sendo reserva para expansão; as médias
propriedades onde a produção se efetiva a partir dos sujeitos que compõe o grupo do que se
poderia chamar de classe média rural, fornecendo frutas para as agroindústrias; e as pequenas
propriedades em que o acesso à tecnologia abre um novo leve de possibilidades de produção.
Nessa perspectiva, com base na autora, diferentes situações se configuram mediante a
ação dos agentes nesses ambientes produtivos:

✓ A oportunidade aberta de mercados de consumo de frutas frescas e variadas no Brasil e


no exterior;
✓ A constituição de uma economia altamente capitalizada, tecnicamente sofisticada e
competitiva (nacional e internacionalmente);
✓ O uso de mão de obra qualificada e numerosa em determinados processos, de acordo
com a legislação trabalhista vigente;
✓ Vantagens competitivas no território em decorrência da falta de chuvas, capacidade de
inovação e competitividade para expansão dos mercados; e a
✓ Permanência das possibilidades de complementação da produção (das grandes empresas
do agronegócio) com médios produtores e a agricultura camponesa através da
terceirização da produção.

Sobre essa última situação, poderíamos afirmar que esse processo de complementação
da produção agroindustrial, sobretudo mediante o trabalho dos agricultores camponeses, se
realiza a partir de relações de sujeição da renda da terra ao capital. Esta, por sua vez,
acreditamos que se realiza tanto na etapa da comercialização da produção agrícola (frutas
irrigadas), como já comprovado através de diversos estudos de caso, como também ainda na
fase de expansão sobre o uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura, como
tese a ser comprovada neste trabalho.
É a partir desses elementos expostos que se torna pertinente a apresentação sobre o
como, numa perspectiva espaço-temporal, ocorreu a expansão sobre o uso de objetos técnicos
na agricultura, associada a tecnificação no setor. Não obstante, se faz importante a apresentação
do panorama atual sobre tal dinâmica no Nordeste Semiárido.
117

3.3. A DIFUSÃO DOS OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA


FRUTICULTURA IRRIGADA

Este debate se ancora nas fundamentações de Santos (2017, p. 234) ao “admitir que a
história do meio geográfico pode ser grosseiramente dividida em três etapas: o meio natural, o
meio técnico, o meio técnico-científico-informacional”. Não obstante, baseia-se na proposição
de Ramos (2013, p. 68) ao denominar sistemas técnicos agrícolas “o conjunto de objetos e de
ações que caracterizam o sistema de produção em um determinado lugar”, ou seja, as diferentes
etapas que compõe os circuitos espaciais produtivos e círculos de cooperação no espaço.
Tais bases teóricas nos viabilizam uma aproximação sobre o modo que ocorreu, numa
perspectiva espaço-temporal, a difusão sobre o uso dos objetos técnico-científicos-
informacionais e a configuração dos sistemas técnicos agrícolas atrelados a fruticultura irrigada
na região semiárida nordestina, especialmente naquelas áreas com maior produtiva do vetor.
É consenso entre alguns teóricos como Oliveira (2014), Graziano da Silva (1981, 1990),
Santos e Silveira (2008), Ramos (2001, 2013) e Castro (2000) que as transformações nas bases
técnicas da agricultura brasileira, a qual inclui a expansão do uso de insumos e máquinas
agrícolas, ampliou-se após a década de 1960 no seio do capitalismo mundializado com o
incentivo do Estado através de políticas e programas direcionados a maior inserção do país no
contexto da agricultura capitalista global.
Foi um período marcado por transformações em escala global associadas aos novos
objetos e ações chamados a fazerem parte da produção no campo, despertando o interesse de
cientistas como Rachel Carson, autora do livro “Primavera Silenciosa”, publicado em 1962,
com seu estudo sobre os riscos ambientais causados pelo uso de pesticidas e outros elementos
químicos utilizados de forma crescente na agricultura.
No Brasil, produtos como insumos minerais ou químicos (oriundos das rochas ou
produzidos artificialmente pela indústria como calcário, adubos/fertilizantes e venenos
agrícolas), insumos mecânicos (tratores, arados, roçadeiras, adubadoras e materiais de
irrigação) e produtos de origem vegetal ou animal (sementes, estercos e resíduos de abate de
animais) passaram a ser inseridos às áreas, porém de forma seletiva espacial e setorialmente.
Algumas áreas, como a região concentrada (principalmente o estado de São Paulo),
presenciou as primeiras transformações, enquanto o resto do território passou a experimentar
os novos objetos e ações em apenas alguns pontos e manchas. Isso contribuiu para o
aprofundamento da divisão territorial do trabalho na agricultura, sobre a qual se ancora as
118

desigualdades sociais no campo marcado pelo acesso diferenciado aos objetos geográficos e as
políticas públicas direcionadas ao setor produtivo25.
Acompanhando as transformações ocorridas em escala nacional, o Nordeste passou a
despertar interesses dos novos agentes capitalistas no campo, sobretudo por grupos
agroindustriais, sendo diferentes áreas, progressivamente, utilizadas para a produção. As
produções priorizadas realizavam-se em “áreas descontínuas e especializadas (frutas, legumes
industrializáveis, soja, laranja), cuja expansão é limitada pela posição subordinada da produção
local nos circuitos comerciais ou industriais” (Ramos, 2008, p. 120)26.
A porção semiárida do Nordeste, marcada por problemas de natureza edafoclimáticos,
porém com outras condições favoráveis a produção de frutas irrigadas (insolação na maior parte
do ano, recursos hídricos disponíveis a partir dos principais rios da região, incentivos do Estado
à produção, mão de obra etc.), passou a presenciar produções em grande realizada de forma a
atender as exigências de uma divisão internacional do trabalho sob a égide do mercado global.
Correspondia a produção de frutas para comercialização in natura com o mercado externo
(Estados Unidos da América, Europa e Ásia) como banana, manga, caju (castanha e fruto),
melão, melancia, mamão e outros.
As áreas privilegiadas foram os vales dos rios São Francisco, principalmente sua porção
submédia entre os estados da Bahia e Pernambuco, o Jaguaribe no Ceará, o Piranhas-Açu e
Apodi-Mossoró no Rio Grande do Norte, onde a fruticultura que antes era majoritariamente
baseada no processo de vazante, passou a presenciar a inserção de rodas d’água, moto bombas
e, posteriormente, motores elétricos, materiais fundamentais à irrigação (Andrade, 1970).
Sobre as técnicas de irrigação e os objetos técnicos utilizados na produção irrigada no
vale do rio São Francisco, Andrade (1970, p. 101) já sinalizava que os agricultores
desenvolviam, nos pontos mais favoráveis, a agricultura de vazante com o uso recente de “rodas
d’água [...] e, posteriormente, com o emprego de bombas a óleo Diesel e elétricas”.
Sobre esse subespaço Ramos (2001, 2013), afirma que a expansão da técnica dependeu
do poder público a partir da criação dos perímetros irrigados, alterando o dinamismo do raamo
produtivo e inserindo a região nordeste no competitivo mercado internacional.
A autora identifica pelo menos três fases dos sistemas técnicos agrícolas nesse
subespaço: a primeira corresponde desde o período colonial ao final do século XIX (período

25
Sobre os contrastes recentes evidenciados pela distribuição de recursos através dos diferentes programas do
Crédito Rural no Brasil, inclusive aqueles que apresentam em suas diretrizes normativas especificações sobre o
financiamento para a compra de insumos e máquinas agrícolas, retomaremos esse debate na seção 6 deste trabalho.
26
Citação da autora com base em Ana Fernandes, Milton Santos Filho, Paulo H. de Almeida (1988).
119

pré-técnico), marcado pelas imposições da natureza sobre a produção; a segunda compreende


o final do século XIX aos anos 1960 (período técnico), com a ampliação da produção mediante
a mecanização do território; e a terceira fase se refere aos anos de 1970 ao século XXI (período
técnico-científico-informacional), marcado pelas transformações sobre o uso de tecnológicas
na agricultura associadas aos circuitos globalizados de produção de frutas.
A prática da agricultura de vazante e o uso de objetos técnicos na produção que eram
utilizados no Vale do São Francisco se assemelhavam aos ressaltados por Valverde e Mesquita
(1961), ao dissertarem sobre a agricultura irrigada no Baixo Açu, no Rio Grande do Norte, em
que as primeiras ações do Estado sobre o incentivo a irrigação tiveram

início nos trabalhos do Plano de Valorização do Vale do Açu, depois de 1955.


Este serviço distribuiu 81 motobombas, até o ano de 1959, que foram alugadas
por ano, além de 22 vendidas. Distribuiu também 1800 metros de cano de
duralumínio e deu auxílio para a construção de 41 cacimbões, 45 tanques e
cruzetas e 1.100 metros de canais de alvenaria. Com esses apetrechos e
instalações foram irrigados 800 hectares, que incluem praticamente a
totalidade dos pomares (Valverde; Mesquita, 1961, p. 473).

Nascimento (2018), ao analisar a expansão do uso de objetos técnico-científicos-


informacionais na agropecuária do Rio Grande do Norte, apresenta pelo menos três momentos
associados a difusão desses materiais no território, também estabelecendo relações com as
ações do Estado quanto a criação dos perímetros públicos irrigados.
O primeiro compreende o período de 1969 a 1974, marcado pelo surgimento das duas
primeiras empresas comerciais de insumos agrícolas até o ano que antecede a criação dos
perímetros públicos irrigados no estado27. O segundo momento corresponde a 1975 a 1993
marcados pela inauguração de três perímetros irrigados (Cruzeta, Itans, Sabugi e Pau dos
Ferros) e pelo surgimento de 15 empresas comerciais de insumos agrícolas, sobretudo em
cidades próximas as áreas de produção agrícola. Já o terceiro momento compreende de 1994 a
2010, marcado pela inauguração do perímetro irrigado do Baixo-Açu e pelo surgimento de,
pelo menos, 65 empresas comerciais de materiais para a agricultura no RN. Esse último período
é um importante indicador do peso que a fruticultura irrigada assume no contexto da expansão
de insumos técnico-científicos (insumos e máquinas agrícolas) na agricultura potiguar.

27
Tais momentos se baseia na pesquisa empírica realizada pelo autor com base nas 92 entrevistas aplicadas nas
empresas comerciais de insumos técnico-científicos no RN, não tendo relação direta com as fases anteriormente
apresentadas por Ramos (2001, 2013) com base nas proposições de Santos (2017). Sabe-se que, antes mesmo do
surgimento da primeira empresa, dentre as entrevistadas, poderiam existir outras que deixaram de funcionar ao
longo do tempo, porém, mesmo assim, é perceptível o surgimento significativo de firmas associadas a demanda
do campo a partir da inauguração dos perímetros públicos irrigados.
120

Na área de produção de frutas irrigadas que compreende o Baixo Jaguaribe no Ceará, a


expansão do uso dos objetos técnicos também veio acompanhada da criação dos perímetros
irrigados, sendo eles o Jaguaribe-Apodi (em operação desde 1989), Jaguaruana (1977), Morada
Nova (1970) e Tabuleiros de Russas (2004) (Freitas, 2010). Uma vez que corresponde a uma
área contígua à produção do Baixo-Açu no Rio Grande do Norte, compondo um único arranjo
territorial produtivo agrícola, a expansão de objetos técnico-científicos-informacionais nessa
área ocorreu/ocorre fortemente influenciado pelo papel de Mossoró no fornecimento de bens e
serviços ao campo e do consumo produtivo agrícola na região (Elias; Pequeno, 2010).
Essas três áreas, identificadas neste trabalho como sendo as que hoje efetivam as
maiores produções de frutas irrigadas, são representações nítidas, conforme ressalta Carvalho
(1988), da segunda fase da história da SUDENE, comandada pelos governos militares. Nesse
momento, os perímetros irrigados se propagavam pela região Nordeste como vetor de progresso
na agricultura aos moldes da Revolução Verde, sendo defendido pelo autor como um período
de “modernização conservadora”. Tal perspectiva se contrapunha àquela apresentada
inicialmente por Celso Furtado e o GTDN na criação da superintendência, baseados nas
“modernizações com reformas” mediadas pelas ações do Estado Nacional.
De acordo com Paulino (2006) o discurso de “modernização da agricultura” –
intensificada durante os governos militares e em uso até a contemporaneidade nos discursos
dos capitalistas no setor econômico, fortemente propagados pela mídia e outros meios de
comunicação – merece especial atenção por ser tomado, geralmente, como sinônimo de
progresso ou como meio de transformação das relações carentes de mudanças.
Conforme a autora, com base na leitura de Harvey (2003), o próprio conceito de
“moderno” se configura como um mito na medida que aponta para uma ruptura entre o passado
e o presente, o que de fato não corresponde à realidade no âmbito da análise espacial. É nesse
sentido que a ideia de ruptura, em que o campo aparece como subespaço de atraso, deve ser
vista como um discurso manipulado. Assim, “não é admissível que a modernização em questão
seja naturalizada pela força das mudanças tecnológicas, como se não estivesse em jogo a
promessa includente, mas o processo excludente que a caracteriza” (Paulino, 2006, p. 7).
No Nordeste Semiárido, o resultado dessas transformações sob a perspectiva da
“modernização da agricultura” foi a reconfiguração das bases técnicas em apenas algumas
manchas e pontos seletivos da região (Santos; Silveira, 2008), marcados pela expansão sobre o
uso de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas baseados em tecnologias de ponta.
121

Por se tratarem de áreas pequenas, inseridas no amplo sertão semiárido, estas


constituem verdadeiras "ilhas de tecnologia" que se diferenciam
profundamente do seu entorno. Assim, da mesma forma que essa Região tem
sido, historicamente, um desafio para explicar a persistente pobreza de parcela
significativa da sua população, na atualidade, estas "ilhas" estimulam a
reflexão sobre as possibilidades de ruptura tanto do imaginário de uma
natureza desfavorável como das condições estruturais que favorecem a
persistência do atraso na maior parte do território (Castro, 2000, p. 26).

Esses ambientes passaram a receber objetos técnicos diversos, seja através da aplicação
de capitais constantes na agricultura (para a compra de máquinas, implementos agrícolas,
sementes de diferentes cultivares, adubos/fertilizantes, venenos agrícolas etc.) ou através da
aplicação de capitais variáveis no pagamento dos salários da mão de obra (especializada ou
não) chamada a fazer parte das novas dinâmicas produtivas.
É válido ressaltar que, mesmo desenvolvendo culturas que apresentam similitudes
quanto ao uso de objetos técnico-científicos-informacionais, a fruticultura realizada no Vale do
São Francisco, diferencia-se daquela realizada no Polo de Desenvolvimento Integrado Assú-
Mossoró28 e Baixo Jaguaribe. Sobre a primeira área, Ramos (2013, p. 67) ressalta

Esta parcela do Submédio do Vale do São Francisco possui elementos que o


caracterizam como uma região singular. Ao lado dos investimentos em
equipamentos e serviços essenciais à modernização da atividade agrícola,
Petrolina e Juazeiro estabelecem novas relações, ultrapassando os limites dos
municípios de sua área de influência, sendo cada vez mais intensas as
transações comerciais com outros países. Atualmente este subespaço está
associado à noção de fluidez e instantaneidade, concentrando fluxos
financeiros e populacionais.

Além dessas características, a autora ressalta a dialética entre os sistemas técnicos


datados de períodos distintos em coexistência e o uso das novas técnicas de irrigação dotadas
de informações e saber técnico e científico.
Algumas das características mencionadas também podem ser visualizadas no Polo de
Desenvolvimento Integrado Assú-Mossoró e no Baixo Jaguaribe, porém Castro (2000, p. 55)
ressalta especificidades de outra ordem nessas áreas como

o menor peso da ação do poder público, aqui limitado quase que


exclusivamente à construção de uma barragem, uma vez que a implantação de
um perímetro público de irrigação ficou muito aquém do projetado (Valêncio,
1995); o maior porte das empresas aí instaladas, em função da ausência de
limites para a apropriação fundiária [...] e a presença importante de capital e
de empresários regionais ou mesmo estaduais.

28
Essa nomenclatura de baseia na junção das duas áreas de produção de frutas irrigadas no Rio Grande do Norte
(vale dos rios Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró), conforme definido pelo Banco do Nordeste do Brasil no final dos
anos 1990.
122

Somado as particularidades apresentadas pelas autoras, estando inclusive associadas a


configuração de cada um dos arranjos espaciais produtivos em debate, ressaltamos as
diferenciações espaciais sobre o movimento de expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais na fruticultura irrigada. Trata-se de um vetor que está imbricado às demandas
produtivas no campo a partir dos diferentes usos do território.
A fim de compreensão sobre a dialética dos sistemas técnicos que coexistem nos lugares
associadas a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, retomaremos esse debate nas seções
subsequentes, sobretudo ao abordarmos a dinâmica do agronegócio e da agricultura camponesa
e suas especificidades quanto ao poder de expansão do uso de objetos técnicos na agricultura,
em especial nas áreas visitadas empiricamente.
A expansão do uso de insumos e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada nordestina,
especialmente nas áreas de maior produção, corresponde na atualidade a uma dinâmica que
viabiliza o constante processo de tecnificação agrícola no respectivo vetor. As demandas
contínuas por objetos em geral, chamados a fazerem parte da produção mediante os diferentes
usos do território, tem contribuído para que essas áreas se despontem como as que possuem os
maiores índices de tecnificação da agricultura na porção semiárida (Lima, 2016).
Assim como na agricultura brasileira em geral, tal processo encontra-se intrinsicamente
vinculado à intensificação dos danos ambientais e sociais mediante o uso desordenado desses
objetos (Oliveira, 2014). No âmbito ambiental, o desmatamento de áreas florestadas, a
degradação da fauna local, a contaminação dos rios e lençol freático, o desgaste dos solos e sua
erosão causada pelo manejo inadequado evidenciam o desprezo da produção agrícola capitalista
com o meio ambiente, danificando assim um conjunto de seres bióticos e abióticos do complexo
ecossistema na região semiárida.
No âmbito social, os impactos correspondem: a substituição da força de trabalho
agrícola por máquinas; os fortes contrastes sobre o uso dos instrumentos técnicos e sobre o
acesso aos programas direcionados à aquisição dos mesmos entre os agricultores e as empresas
rurais; o desenvolvimento de doenças em civis a partir do consumo de alimentos contaminados
por produtos químicos, bem como a intoxicação e mortes de trabalhadores rurais pelo contato
direto com os venenos agrícolas, como ocorre significativamente na produção de frutas no
Baixo Jaguaribe no Ceará, evidenciado por Bombardi (2016); e a reconfiguração das
características tradicionais de produção de base familiar pelo incremento de lógicas advindas
das empresas agroindustriais.
123

No processo de difusão dos objetos técnicos na fruticultura irrigada é importante


ressaltar papel das cidades no âmbito da oferta de produtos destinados a suprir as demandas da
agricultura desenvolvida no campo. As cidades disponibilizam insumos materiais (bens de
capital ou intermediários) e intelectuais (mão de obra especializada, assistência técnica e outros)
necessários ao aceleramento das atividades produtivas, enquanto o campo põe a sua disposição
os produtos (frutas) a serem comercializados no mercado nacional e internacional.
No caso das áreas visitadas empiricamente ao longo desta investigação evidenciou-se,
a partir do relato dos agricultores camponeses, que as empresas comerciais de insumos situadas
nas cidades próximas às principais áreas de produção como Mossoró, Juazeiro e Petrolina,
exercem um predomínio sobre o fornecimento dos insumos e máquinas necessárias sobretudo
a pequena e média produção realizada localmente. O resultado é a formação de um complexo
de relações estabelecidas localmente e regionalmente entre as empresas e agricultores.
Já em relação aos materiais adquiridos pelas agroindústrias de frutas irrigadas, a compra
é realizada mediante acordos com empresas produtoras e importadoras situadas em diferentes
áreas do território brasileiro, a fim de redução de custos de produção. Nesse caso, as relações
entre a empresa e os fornecedores dos insumos e máquinas agrícolas ultrapassam a dimensão
local, sendo baseada sobretudo em transações e acordos previamente estabelecidos entre as
empresas situadas em locais longínquos no território.
Isso significa que no âmbito das principais áreas de produção de frutas irrigadas, certas
empresas conseguem exercer certo domínio de mercado sobre a comercialização de insumos e
máquinas agrícolas, o que corresponde também o domínio sobre os preços dos produtos no
âmbito local e regional. Não obstante, é válido ressaltar o poder sobre o controle das orientações
técnicas a partir do trabalho de agentes especializados como agrônomos, técnicos agrícolas e
outros, o que confere uma certa vantagem para a empresa uma vez que seus próprios agentes
definem o que será utilizado na produção. Sobre as especificidades desses processos,
retomaremos o debate na seção 6 deste trabalho a partir de uma análise mais verticalizada sobre
seus reflexos na produção camponesa de frutas irrigadas.
Essas demandas da agricultura por insumos, máquinas, equipamentos e serviços
direcionados ao aperfeiçoamento da produção agrícola no campo refere-se ao que Santos
(2018), com base nas contribuições de Marx (2001)29, chama de consumo produtivo agrícola.

29
A ideia de consumo produtivo de Marx (2011), ancorada na análise da produção material da sociedade, advém
das contribuições de Newman (1835, p. 296) que defende o consumo produtivo como o consumo que “faz parte
de um processo de produção. Deve-se notar que, nesses casos, não há consumo de valor, - o mesmo valor existente
sob uma nova forma. Talvez, então, o consumo produtivo possa ser considerado com alguma propriedade, como
apenas a transformação do capital, que antes era uma parte do processo de produção”.
124

O consumo produtivo cria uma demanda heterogênea segundo os subespaços.


Os equipamentos mercantis tendem a ser diferentes. O consumo produtivo
rural não se adapta às cidades, mas, ao contrário, as adapta. A arquitetura dos
diversos subsistemas é, desse modo, diversa. Há, na realidade, superposições
dos efeitos do consumo consuntivo e do consumo produtivo, contribuindo
para ampliar a escala da urbanização e para aumentar a importância dos
centros urbanos, fortalecendo-os, tanto do ponto de vista demográfico, quanto
do ponto de vista econômico, enquanto a divisão do trabalho entre cidades se
torna mais complexa (Santos, 2018, p. 55).

As figuras 4 e 5 apresentam a origem e os fluxos gerados pela circulação dos insumos e


máquinas e implementos agrícolas, respectivamente, demandados pela agricultura nordestina
em 2018 (IBGE, 2020). Tais fluxos são gerados pela circulação desses materiais a partir do
comércio realizado pelas empresas nas cidades, geralmente em locais estratégicos que
viabilizam maiores circulações.
125

Figura 04. Nordeste: cidades de origem e fluxos gerados pela circulação de


insumos agrícolas (2018).

Fonte: REGIC/IBGE (2020).


126

Figura 05. Nordeste: cidades de origem e fluxos gerados pela circulação de


máquinas e implementos agrícolas (2018).

Fonte: REGIC/IBGE (2020).

Na dinâmica da comercialização de insumos agrícolas as cidades assumem papel


fundamental enquanto centros de distribuição de bens e serviços. Porém, as análises que focam
no papel das cidades na rede urbana, tal qual apresentada pela REGIC (2020), não devem
considerar apenas a hierarquia das cidades, isso porque considerar apenas as hierarquias
127

pressupõe levar em conta a ideia de níveis que, por sua vez, foi muito prejudicial às abordagens
sobre o espaço geográfico (Castro, 2010).
Acreditamos na pertinência de considerar as interações espaciais e seu conteúdo
dinâmico no âmbito das redes constituídas pela circulação de pessoas, produtos e capitais. Isso
nos faz refletir sobre a ideia de heterarquia urbana (Catelan, 2013), que designa as interações
espaciais em diversas escalas resultantes da articulação entre as cidades sem necessariamente
ter a intermediação de um centro urbano de “nível maior ou menor”. A hierarquia não deixa de
existir, porém agora ela coexiste com múltiplas redes no espaço.
No caso do comércio de insumos agrícolas no Nordeste, verifica-se o significativo papel
que algumas cidades assumem no contexto de cada estado, se sobressaindo Luís Eduardo
Magalhães (fora da porção semiárida) e Barreiras na Bahia, associadas às demandas da
produção de frutas e grãos no Oeste baiano. Ainda no respectivo estado, se destaca também
Vitória da Conquista atendendo demandas regionais, inclusive de municípios da porção Norte
de Minas Gerais.
Fora da porção semiárida, porém em outras áreas do Nordeste, se destacam as cidades
de Imperatriz e Balsas no estado do Maranhão atendendo as demandas regionais por insumos
agrícolas. Dentre as capitais nordestinas se sobressaem Maceió, Recife e Fortaleza, atendendo
as escalas estaduais e regionais por insumos.
Na porção semiárida, particularmente nas áreas com maior produção de frutas irrigadas,
efetivam-se etapas produtivas que exigem das cidades próximas insumos com especificações
bem definidas sobre as normas técnicas. É o caso da área conturbada de Petrolina-Juazeiro em
Pernambuco e Bahia atendendo as demandas por insumos da agricultura realizada em escala
regional, bem como Mossoró no Rio Grande do Norte que, além de atender as demandas
regionais, corresponde a um centro urbano no Nordeste que mantém fortes articulações com a
grande metrópole nacional São Paulo quanto a compra de insumos para a agricultura.
Sobre a origem e circulação de máquinas e implementos agrícolas, é válido destacar o
comportamento semelhante ao dos insumos agrícolas, porém é evidente uma maior intensidade
dos fluxos gerados pela circulação desses materiais. Tal comportamento reafirma o papel das
cidades anteriormente mencionadas, bem como ressalta a importância de outras quanto as
demandas da agricultura. Na porção semiárida, o polo Petrolina-Juazeiro (Bahia) e Mossoró
(Rio Grande do Norte) também se destacam regionalmente pelo fornecimento desses produtos.
Pensando na fruticultura irrigada no Semi e o complexo de relações entre os diferentes
sujeitos mediante diferentes formas de usos do território, defendemos que a expansão do uso
128

de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura camponesa ocorre a partir da


sujeição do camponês e da expropriação da sua renda da terra pelo capital.
Tal fato baseia-se no pressuposto de que, nas áreas de produção de frutas irrigadas, as
imposições normativas induzidas pela produção agroindustrial sobre os tipos de objetos
técnicos utilizados na produção da agricultura camponesa, causa a dependência desses sujeitos
sobre a compra dos produtos nas cidades próximas às áreas de produção, por vezes sem
orientação técnica agronômica ou uso adequado no processo produtivo.
Tais relações ocorrem devido ao fato de que a fruticultura irrigada nessa região, as áreas
rurais estão submetidas às leis da globalização. Essas, por sua vez, incluindo todos os agentes
envolvidos nos processos produtivos, são intimadas a participarem do movimento de
reprodução do capital, mesmo que, para tanto, subjuguem relações preexistentes e imponham
novas práticas e lógicas produtivas (Santos, 1999).
Contudo, entendemos que a expansão do uso de insumos corresponde a um dos amplos
e complexos processos realizados a partir dos diferentes usos do território. Trata-se de um vetor
que corrobora para a configuração de particularidades e para a complexificação das dinâmicas
no interior da própria região do Nordeste Semiárido.
É partindo dessa perspectiva que sinalizamos para a necessidade de atentarmos para o
debate acima exposto com o que será abordado na seção 6 deste trabalho, apresentados aqui em
diferentes momentos apenas para fins de melhor estruturação do presente texto. Tal conexão
entre as seções deve ser feita tendo em vista a necessidade de compreensão sobre esta primeira
aproximação teórica e com base em estudos já realizados sobre o tema com a abordagem da
sujeição da renda camponesa da terra ao capital, considerando as relações de trabalho, relações
normativas e a expansão sobre o uso dos objetos técnicos na agricultura camponesa a partir do
trabalho empírico realizado durante a presente investigação.
Para tanto, torna-se necessário apresentarmos a seguir a análise sobre os diferentes
agentes, processos e eventos associados a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, em
especial a partir das diferentes perspectivas de uso e apropriação do território. Nos referimos
ao território como recurso para o agronegócio de frutas irrigadas, considerando o seu poder de
territorialização do capital, monopolização do território e internacionalização da economia, e o
território como abrigo, a partir daqueles que buscam trabalhar e sobreviver no território
mediante a realização do trabalho de base familiar nos diferentes arranjos territoriais produtivos
de frutas irrigadas.
129

4. O TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O AGRONEGÓCIO:


TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL, MONOPOLIZAÇÃO DO
TERRITÓRIO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA

Captação de água do rio Jaguaribe pela empresa


Meri Pobo Agropecuária, Jaguaruana- Ceará.
Fotografia: Welton Nascimento (2023).
130

A noção de usos do território, vinculada a ideia de espaço banal (Santos, 2020), requer
a compreensão dos diferentes sujeitos, grupos sociais ou empresas que estabelecem usos
específicos do território, sejam através das suas reais necessidades ou interesses em auferir
algum aproveitamento dos recursos ali existentes. Isso supõe que, para entender as relações
e/ou conflitos de interesses localmente exercidos, é preciso considerar suas motivações, uma
vez que podem ter fundamentos distantes.
É nessa perspectiva que Santos e Silveira (2008), a fim de propor um caráter analítico
totalizador que fundamente a compreensão dos diferentes interesses que definem usos do
território, propõe considerar as categorias analíticas de território como recurso e território como
abrigo. Como recurso porque para alguns o território é assumido pelo seu caráter funcional e
mercantil, fonte de riqueza e obtenção de lucro, como abrigo pois para muitos o território se
revela como meio de sobrevivência cotidiana.
A fim de compreender as relações estabelecidas no território sobre domínio e controle
do agronegócio de frutas irrigadas, abordaremos nesta seção a categoria de análise do território
como recurso, ancorada nas proposições de Santos (2000, 2017), a partir das lógicas produtivas
do agronegócio e dos interesses específicos dos agentes capitalistas vinculados ao setor30.
O uso de noções como territorialização do capital monopolista na agricultura
trabalhada em conjunto com monopolização do território pelo capital monopolista,
fundamentadas por Oliveira (2014), também se farão presentes nesta análise. Estas contribuirão
na compreensão sobre os processos estabelecidos nas áreas de especializações produtivas
mediante as relações que se estabelecem no território sobre o comando do agronegócio,
articulando as escalas locais as dinâmicas globais e convocando diversos agentes a fazer parte
das suas formas de usos e apropriação do território.
Será analisado também o processo de internacionalização da fruticultura irrigada do
Nordeste Semiárido, haja vista os indicadores recentes que configuram essa região como uma
das principais do país quanto as exportações de frutas in natura e outros produtos derivados
que são integrados aos circuitos espaciais produtivos em escala global.

30
A separação das categorias território como recurso e território como abrigo neste trabalho, em duas seções
distintas, só se efetiva para fins estruturais da redação, visto que ambas devem ser vislumbradas em conjunto numa
visão dialética do espaço e do território. A todo momento nesta seção e na subsequente, existirá articulações entre
aqueles que visam o território como fonte de reprodução do capital (empresas do agronegócio e intermediários
etc.) e aqueles sujeitos que o enxerga como abrigo (agricultores camponeses).
131

4.1 TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O AGRONEGÓCIO: TERRITORIALIZAÇÃO


DO CAPITAL E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

A abordagem sobre o território como recurso perpassa a dimensão analítica local,


devendo ser tomada mediante a inserção do campo brasileiro numa lógica contraditória de
mundialização do capital31. Isso se dá pois é devido a essa lógica contraditória que o
agronegócio se expandiu no Brasil, se alinhando a um projeto internacional do capitalismo que
mira na totalidade dos recursos existentes no território.
Atendendo aos interesses provenientes de diferentes partes do planeta, as empresas
agroindustriais são as responsáveis por atuarem nas diferentes porções do espaço a fim de
usufruir dos recursos ali existentes. Ou seja, se estabelece usos corporativos do território,
associados as demandas internacionais por mercadorias mediante o estabelecimento de uma
função econômica da terra. Não obstante, tais usos exercem controle sobre os objetos e ações a
fim de satisfazer suas demandas produtivas, dominando a produção realizada localmente e,
sobretudo, extraindo lucro e renda.
Considerando a conjuntura econômica produtiva do campo brasileiro, Matos e Pessoa
(2011, p.21) ressaltam que
Com a participação na financeirização da agricultura pelas grandes
corporações do agronegócio, instala-se novo modelo de dominação do capital
privado sobre os produtores, a economia e o território. Além de
financiamentos, essas corporações controlam a produção e monopolizam as
exportações, reestruturando as relações de produção para atender a lógica de
um mercado cada vez mais globalizado, no qual a ciência se constitui numa
força de trabalho que visa angariar maior produtividade e lucratividade na
produção agropecuária.

Nesse contexto, podemos afirmar que estamos diante daquilo que Santos (2017)
denomina, ao teorizar o espaço e o território, de áreas onde acontecem a solidariedade
organizacional32. Tais áreas são aquelas associadas às lógicas e razões globais, onde as redes
agregam valor ao território, seja por meio da circulação de pessoas, informações, mercadorias,
capitais, dinheiro, pessoas e ordens.

31
Concordamos com François Chesnais (1996, p. 32) ao afirmar que “a mundialização deve ser pensada como
uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das
regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas”. Para o autor o movimento de mundialização do
capital é excludente.
32
De acordo com Santos (2017, p. 166) a noção de solidariedade aqui considerada é aquela “encontrada em
Derkheim e não tem conotação moral, chamando atenção para a realização compulsória das tarefas comuns,
mesmo que o projeto não seja comum”.
132

No âmbito das áreas aqui analisadas, é possível perceber a solidariedade organizacional


sobretudo pela ação das empresas de frutas irrigadas nas principais áreas produtoras, bem como
sua relação direta com o mercado internacional a partir do comércio dessas mercadorias. Tais
empresas, sejam de capitais nacionais ou internacionais, são as responsáveis pelo comércio
direto de frutas in natura ou produtos derivados como sucos e vinhos para o mercado exterior.
De acordo com Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e
Derivados (ABRAFRUTAS, 2022), as empresas associadas à instituição que mantém forte
papel na exportação de frutas no Ceará são a Agrícola Famosa Ltda (em Icapuí), Brok Fresh
Fruit Comercial Ltda (Limoeiro do Norte) e Itaueira Agropecuária S/A (Fortaleza). Além
dessas, Cavalcante (2019) ressalta mais empresas no Baixo Jaguaribe especializadas na
produção de frutas, especialmente para exportação, sendo elas: Bananas do Nordeste S/A
(BANESA) (Limoeiro do Norte), Del Monte Fresh Produce (Limoeiro do Norte e Quixeré),
Terra Santa Imp. e Exp. de Frutas LTDA (Quixeré), Meri Pobo Agropecuária LTDA
(Jaguaruana e Russas) e Fazenda Frutacor LTDA.
Sobre essa última empresa, a Meri Pobo Agropecuária, do empresário austríaco Johann
Feldgrill, apresenta dois estabelecimentos agroindustriais, um no município de Jaguaruana, com
aproximadamente 500 hectares cultivados, especialmente de acerola orgânica (a maior fazenda
para esse tipo de cultivo do Brasil), além de mamão e pitaya; já em Russas, no Distrito Irrigado
Tabuleiro de Russas, sua produção agrícola se dá em aproximadamente 300 hectares, com as
produções de acerola, goiaba e coco.
Sobre a localização dessa empresa na cidade de Jaguaruana, ressalta-se a proximidade
dos seus terrenos ao rio Jaguaribe, a partir do qual se retira a água por meio de tubulações,
sendo esse corpo hídrico fonte da água utilizada na produção (Figura 6). Outras formas de
captação de água pela empresa são os poços tubulares e outorga para o uso da água mediante a
Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará associada à Companhia de Gestão de Recursos
Hídricos (COGERH).
133

Figura 6. Jaguaruana/CE: captação de água por tubulações pela Meri Pobo Agropecuária LTDA
(2022).

Fonte: Welton Nascimento (2022).

Na Bahia as empresas associadas, especialmente nos municípios de Lagoa Grande e


Juazeiro, no Vale do São Francisco, são Agrícola Araújo do Vale Ltda – Sebastião da Manga,
Grand Valle Agrícola Importadora e Exportadora Ltda, Greenyard Fresh Brazil Ltda, Ibacem
Agrícola Com. e Exportação-Eireli, Santa Felicidade Agropecuária Ltda e Special Fruit Imp
Exp. Ainda no Submédio São Francisco, porém na porção do estado de Pernambuco, no
município de Petrolina, se destacam a Agricultura do Vale Ltda- Agrivale, Cooperativa
Agrícola de Petrolina – COOPA, Cooperativa Agrícola Nova Aliança – COANA, Cooperativa
de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco – COOPEXVALE, Finobrasa
agroindustrial S/A – Finoagro S/A, Gold Fruit imp. Exp. Ltda, GVS Fruit Company Ltda, Sweet
Fruits comércio atacadista, importação e exportação de frutas Ltda, Timbaúba S/A e Clorofila
Agropecuária e Consultoria (Cabrobó).
De acordo com o Comitê Executivo de Fruticultura do Rio Grande do Norte/COEX
(2022) dentre as empresas filiadas à instituição que atuam no estado, especialmente na região
dos vales dos rios Piancó-Piranhas-Açu, na produção de banana, manga, mamão, melão e
134

melancia estão: Agrícola Campo Verde Eireli, Agrícola Famosa Ltda, Agropecuária Modelo,
Agrosol - Jiem Agrícola e Comercial Ltda, Agropecuária Vitamais Eireli – Me – Eco Fértil,
Agrícola Salutaris Ltda - Terra Brasilis, Agrícola Potiguar Ltda, Brazil Melon Prod. Exp. E
Imp. Ltda, Bollo Brasil Prod. Comercialização de Frutas Ltda, Cris Frutas Ltda - Fazenda Otani,
Dinamarca Industrial Agrícola Ltda – COOPYFRUTAS, Faz. Fruta Vida Prod. Import. e Expor.
Ltda – COOPYFRUTAS, Faz. Agrícola Bom Jesus – COOPYFRUTAS, Norfruit – Nordeste
de Frutas Ltda – COOPYFRUTAS, Cooperativa dos Fruticultores da Bacia Potiguar –
COOPYFRUTAS, E.W. Empreendimentos Agrícola Ltda, Faz. Angel Agrícola Ltda, Faz.
Agrícola Jardim Prod. e Com. de Frutas – Eireli, Mata Fresca Produção e Comercialização Ltda
(Melão Mossoró), W.G Produção e Distribuição de Frutas Ltda, Fazenda Olho D'agua
Finobrasa, Fazenda Ubarana e Malheiros – Finobrasa, CMR Brasil Prod. e Com. Hortifrutícola
Ltda, Doce Vida Produção e Distribuição de Fruta Ltda, Renovare Upanema Agroindustrial
Ltda – Melancia.
Além dessas empresas, Cavalcante (2019) também ressalta pelo menos mais 15
empresas que atuavam no setor de exportação de frutas em 2018, a saber: Frutas Solo
Agroindustrial, CY Matsumoto, Interfruit Alimentos Ltda, Del Monte Fresh Produce, CTM
Agrícola, UGBP Produção e Exportação LTDA, Asa Agrícola Santo Antônio S/A, Itaueira
Agropecuária, Luso Tropical, Agrícola Salutaris, Agronol Agroindustrial S/A, RR Ferreira
Comércio de Frutas, WG Fruticultura, Doce Fruit, Sociedade Agrícola Bela Flor LTDA.
A respeito das empresas associadas a produção de melão no Rio Grande do Norte,
Andrade (2018, p. 187-188), ao analisar a internacionalização do melão produzido no
respectivo estado, especialmente nos municípios de Mossoró e Baraúna, chama atenção para
um fato interessante sobre aquelas que cultivam o produto e estabelecem estratégias para a
compra de insumos agrícolas, ao elencar que

A Cooperativa dos Fruticultores da Bacia Potiguar (COOPYFRUTAS) é


formada por outras empresas, que usam da cooperativa para baratearem os
custos de produção. Essas empresas fazem a compra dos insumos de produção
coletivamente em nome da cooperativa e rateiam os custos. Essa tática ocorre
como forma de manter a competitividade uma vez que os insumos para a
atividade são importados.
As empresas usam do sistema aduaneiro drawback, que consiste na eliminação
dos impostos de produtos importados que serão usados em produtos para
exportação. Com isso os contêineres que saem do país carregados de melão
retornam carregados de insumos agrícolas.

Ainda de acordo com o autor, as empresas agroindustriais ora mencionadas apresentam


titularidade das terras utilizadas para a produção, visto que essa condição é necessária para a
aquisição de recursos provenientes dos bancos públicos para a concessão de crédito nas
135

atividades de custeio e investimento (Andrade, 2018). Tal fator, contribuindo para a extração
do lucro pela atividade agroindustrial e, sobretudo, a renda extraída dessas atividades revelam
uma verdadeira territorialização do capital monopolista na fruticultura irrigada.
Dentre as empresas com notoriedade na produção de frutas para exportação, é possível
mencionar a Del Monte Fresh Produce no Vale do Assu, destacando-se na produção de bananas,
possuindo também fazendas de melão, melancia, abacaxi, banana e coco verde em Quixeré e
Limoeiro do Norte (CE). Ao todo, somam-se 15 fazendas da respectiva empresa, chegando a
gerar cerca de 15 mil empregos diretos em suas áreas de atuação e uma produção de 15 milhões
de caixas de frutas em aproximadamente 12 mil hectares. Ela atende principalmente os
mercados da Europa, África e Oriente Médio (Del Monte, 2023).
Em relação ao Distrito Irrigado do Baixo-Açu evidenciou-se, através de entrevista com
a coordenação do perímetro, que, somente na área que compreende o distrito, nos municípios
de Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra, em seus 8 setores (cada setor com 29 lotes), existem
39 empresas registradas com o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), sejam elas de
pequeno, médio ou grande porte, ocupando áreas que variam de 37 a 150 hectares para produção
de frutas e outros produtos. Esse quantitativo de empresas é elevado se comparado com o
Distrito Irrigado de Bebedouro, em Petrolina, no qual apresenta 200 lotes, porém apenas 5
sendo utilizados por empresas agrícolas.
Além das empresas indicadas, ressalta-se que existem aquelas que cultivam frutas
direcionadas à produção de sucos, polpas e vinhos. Sobre estas, ganha destaque as vinícolas do
Vale do São Francisco, responsáveis pela produção de vinhos fino e nobre, espumante natural
e vinho moscatel espumante, que, por meio de demanda do Instituto do Vinho do Vale do São
Francisco (Vinhovasf), recebeu no dia primeiro de novembro de 2022 a primeira Indicação
Geográfica de vinhos tropicais do mundo, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI) com base em critérios produtivos equivalentes aos países da União Europeia.
Dentre as empresas associadas a produção de vinhos nessa região estão: Adega
Bianchetti Tedesco (Bianchetti), Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli), Vitivinícola
Quintas de São Braz (São Braz), Vitivinícola Santa Maria/Global Wines (Rio Sol), Vinícola
Mandacaru (Cereus jamacaru), Vinícola Terranova (Miolo), Vinícola Terroir do São Francisco
(Garziera), Vinícola Vinum Sancti Benedictus (VSB) (Forbes Agro, 2023).
As figuras 7 e 8 representam duas das empresas que atuam na região do Vale do São
Francisco, sendo a Special Fruit, em Juazeiro, associada a produção de frutas para exportação
(via aérea), possuindo ao menos quatro marcas (Suemi, Delícia Tropical, Suemi Premium e a
própria Special Fruit), e no Distrito de Vermelhos, em Lagoa Grande, a Vinícola Mandacaru,
136

pertencente ao grupo São Braz, do Ceará, que produz coquetéis de vinho, sucos e a linha de
vinhos de mesa Vale das Videiras.

Figura 7. Juazeiro/BA: empresa exportadora Figura 8. Lagoa Grande/PE: vinícola


Special Fruit (2023). Mandacaru (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

A territorialização do capital se evidencia no caso das principais produções de frutas


como de melão, banana, manga, mamão, melancia e uva no Nordeste Semiárido, uma vez que
é comum nessas culturas que o “capitalista da indústria, proprietário de terra e capitalista da
agricultura têm um só nome, são uma só pessoa ou uma só empresa” em que, para produzir,
utilizam da força de trabalho assalariado (chamados boias-frias) (Oliveira, 2014, p. 477)33.
Considerando tais especializações produtivas no Nordeste Semiárido como uma
construção histórica evidente deste a década de 1960 e intensificada a partir da década de 1980,
o capital se territorializou retirando do campo os trabalhadores que passaram, paulatinamente,
a procurar as cidades para a realização de trabalho na indústria, comércio, serviços e até mesmo
para servirem de trabalhadores assalariados no campo.
Essa reprodução ampliada do capital na fruticultura, marcada pela presença de
agroindústrias que atuam no território ocupando grandes extensões de terras, com níveis
organizacionais altamente integrados aos circuitos produtivos globais, pode ser sentida
diretamente no âmbito das relações de trabalho na agricultura camponesa.
No Acampamento Zé Maria do Tomé (Limoeiro do Norte/CE), na Comunidade do
Tomé (Quixeré/CE), na Vila Cajazeiras (Aracati/CE) e no Sítio São Romão (Mossoró/RN),

33
Nas agroindústrias produtoras de frutas, especialmente na região do Submédio São Francisco, é comum no início
da manhã e nos finais de tarde a chegada e saída de ônibus e vans responsáveis pelo transporte dos trabalhadores
agrícolas nas cidades próximas como Juazeiro e Petrolina. Tal movimento diário se assemelha com aquele
visualizado em regiões metropolitanas, em que as indústrias (de alimentos, bebidas ou confecções, por exemplo)
são responsáveis pelo transporte dos trabalhadores, para evitar pagamentos pelo movimento diário deles.
137

áreas localizadas próximas às de atuação de algumas das empresas mencionadas no Ceará e Rio
Grande do Norte, a ausência de trabalhadores rurais para a realização de trabalhos agrícolas nas
culturas de banana, melão e melancia é uma característica marcante.
Relatos dos agricultores entrevistados nessas comunidades evidenciam que, na maioria
das vezes, a produção se limita ao núcleo familiar devido à ausência de trabalhadores rurais,
mesmo que para o trabalho temporário. Dentre as motivações, está a captação da mão de obra
local pelas empresas agroindustriais, mediante trabalhos a partir de vínculos formais e/ou
informais, a impossibilidade de criação das lavouras próprias pelo produtor de base familiar
visto que as terras próximas já estão dominadas pelas empresas agroindustriais, e a
criminalidade em áreas rurais que tem levado os jovens a se afastarem da agricultura (Pesquisa
Empírica, 2022-2023). Essas características diferem, por exemplo, dos relatos dos agricultores
que iniciaram a produção recente de uvas (há quatro anos) na Chapada do Apodi, onde a
disponibilidade de mão de obra se faz maior.
Além do processo de territorialização do capital monopolista, é válido ressaltar também
outro processo marcado pela ação dos agentes capitalistas no campo, a monopolização do
território pelo capital monopolista. Nesse caso,

o próprio capital cria as condições para que os camponeses produzam


matérias-primas para as indústrias capitalistas, ou mesmo viabilizem o
consumo dos produtos industriais no campo [...]. Nessas condições, o capital
sujeita a renda da terra produzida pelos camponeses à sua lógica, realizando a
metamorfose da renda da terra em capital. Portanto, a produção do capital
nunca é gerada por relações especificamente capitalistas de produção
(Oliveira, 2014, p. 478)34.

Ainda de acordo com o autor, ao exemplificar a produção de fumo no sul do Brasil, a


monopolização do território pelo capital se dá de duas maneiras: a primeira é definida a partir
da extração da renda da terra pelas agroindústrias mediante a compra da produção camponesa,
sendo aqui o camponês o proprietário da terra e trabalhador ao mesmo tempo; a segunda ocorre
quando há a presença de três agentes, o proprietário da terra (rentista), o camponês rendeiro e
a agroindústria que compra a matéria prima cultivada pelas mãos do camponês.
No caso da fruticultura irrigada nas comunidades visitadas no Ceará, Rio Grande do
Norte, Pernambuco e Bahia, a monopolização do território pelo capital na agricultura
camponesa se efetiva de diferentes maneiras, a saber: a compra da produção campesina pelos
intermediários, bem como a compra pelos mesmos agentes através do arrendamento da safra

34 Tal perspectiva converge com as contribuições de Martins (1990), já apresentadas na seção dois deste trabalho,
ao teorizar a sujeição da renda da terra ao capital.
138

agrícola; a compra da produção auferida pelas cooperativas agrícolas aos agricultores


cooperados; e, em menor quantidade, a compra de produtos agrícolas pelas agroindústrias.
A forma predominante, sobretudo nos cultivos de bananas, acerolas, coco, mamão e uva,
refere-se à ação dos intermediários, oriundos de localidades próximas ou longínquas às
propriedades agrícolas, aos quais monopolizam a compra das frutas produzidas a partir do
trabalho de base familiar da agricultura camponesa35. Tais sujeitos compram as frutas colhidas
pelo próprio produtor, ou por meio de mão de obra temporária contratada pelos próprios
intermediários.
Não obstante, existe também a prática de arrendamento da safra mediante acordo
previamente estabelecido entre o agricultor camponês e o intermediário, em que o agricultor
tem a responsabilidade por todos os processos de cultivo das frutas (fertilização do solo,
irrigação, controle de pragas etc.) e o intermediário, no período da colheita, responsável pela
coleta dos frutos nas roças, utilizando-se da força de trabalho assalariada também oriunda de
fora das comunidades rurais. Esse processo é comum nas produções de melão, no Rio Grande
do Note, e de manga, em Pernambuco e Bahia.
As figuras 9, 10, 11 e 12 apresentam a coleta de frutas nas propriedades agrícolas de
produção campesina, o galpão comercial de venda de frutas da CODEVASF (com box
individuais de compra de frutas por intermediários aos agricultores locais) e veículos utilizados
para a colheita de melão e mangas em safras arrendadas para os intermediários.

35
Tal característica se assemelha aquela já anunciada por Kautsky em sua obra A Questão Agrária, de 1899, ao
afirmar que “O camponês [...] com poucos produtos para vender, não consegue atingir o grande mercado. Ele faz
os seus negócios através do intermediário que vive na cidade pequena mais próxima, ou simplesmente o visita.
[...]. Este é, por vezes, [...] a pessoa que não deixa de considerar sem importância o pequeno negócio da aldeia, e
é ela que, em função da procura revelar-se bem maior que a oferta, pode, no campo, exigir lucros maiores e
normalmente os obtém, pois, enquanto a situação do camponês se apresenta melindrosa a superioridade econômica
desses capitalistas é, em relação ao camponês, simplesmente incomensurável” (Kautsky, 1998, p. 150).
139

Figura 9. Limoeiro do Norte/CE: coleta das Figura 10. Petrolina/BA: central de


caixas de bananas da agricultura camponesa Comercialização e Distribuição de Frutas do
por intermediários (2022). Projeto Senador Nilo Coelho (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Figura 11. Mossoró/RN: trator utilizado em Figura 12. Juazeiro/BA: caminhão utilizado
colheita de melão em safra arrendada para em colheita de manga em safra arrendada para
intermediários (2023). intermediários (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Quanto ao destino dos produtos agrícolas comprados pelos intermediários destacam-se


as centrais de abastecimento regionais do Nordeste como a CEASA de Natal/RN, Fortaleza/CE,
Juazeiro/BA, Recife/PE e as do Sudeste como do Rio de Janeiro e a Companhia de Entrepostos
e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP). Não obstante, também destinam os produtos
para os supermercados e hipermercados das cidades próximas às respectivas áreas de cultivo,
bem como às empresas exportadoras de frutas, situadas em diferentes cidades do país, as quais
exigem produtos cultivados com critérios fitossanitários para exportação.
Outra forma de monopolização do território pela produção de frutas é aquela perpetrada
pelas cooperativas de frutas. Sobre elas, é válido ressaltar que a COOPA, em Petrolina, exerce
140

forte papel na comercialização da produção oriunda da agricultura campesina. Criada em 2017,


hoje apresenta mais de 20 produtores cooperados, ocupando juntos cerca de 200 hectares a
partir da produção de 7 variedade de uvas (Vitória, Isis, Timpson, RedGlobe, Núbia, Benitaka,
Crimson, Italia Muscat). Dentre os certificados internacionais de qualidade e boas práticas
agrícolas que a cooperativa apresenta estão a Global G.A.P., a GRASP e SMETA.
A respeito da COANA, cooperativa fundada em 2005, possui hoje 20 produtores
cooperados, ocupando 376 hectares com a produção de 11 variedades de uvas (Crimson, Sable,
Arra 12-7+5, Sweet Jubilee, Sweet Globe, Candy Snaps, Autumn Crisp e Vitória). Ela também
apresenta 6 certificados internacionais de boas práticas agrícolas e de sustentabilidade social e
ambiental, chegando a comercializar uvas para 11 países.
Outra cooperativa representativa na produção de frutas em Petrolina é a
COOPEXVALE, fundada em 2013, tendo como principal atividade a atividade comercial
atacadista de frutas, verduras, raízes, tubérculos, hortaliças e legumes frescos. Ao todo, a
cooperativa apresenta em torno de 27 cooperados, totalizando em cerca de 400 hectares de área
cultivada. As figuras 13 e 14 apresentam o interior de um estabelecimento agrícola cooperado,
bem como o trabalho de pesagem e embalagem das uvas de mesa.

Figura 13. Petrolina/PE: estabelecimento para Figura 14. Petrolina/PE: pesagem e


embalagem de uvas de agricultor embalagem das uvas em estabelecimento
cooperado à COOPEXVALE (2023). cooperado à COOPEXVALE (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Sobre a COOPYFRUTAS, no Rio Grande do Norte, trata-se de uma cooperativa


fundada em 2005, possuindo características que diferem das anteriormente mencionadas. Isso
porque ela não é formada predominantemente por agricultores camponeses, mas sim empresas
rurais, organizadas em fazendas, sendo uma no município de Baraúna (Agrícola Bom Jesus) e
quatro em Mossoró (Norfruit, Dinamarca, Fruta Vida e Agrícola Jardim) direcionadas a
141

produção de melão e melancia, totalizando 1.500 hectares de área plantada anualmente. Ela
apresenta certificações internacionais de produção como a Global G.A.P, Tesco Nurture, Sedex,
F2F e ETI, exportando seus produtos (aproximadamente 1.100 containers por ano) para o
mercado inglês, europeu e mediterrâneo através das companhias marítimas Maersk e CMA
CGM, por meio dos portos do Pecém, Mucuripe e Natal.
Sobre o certificado Global G.A.P, concedidos a COOPA e a COOPYFRUTAS ressalta-
se que
na prática, o cumprimento às regras do GLOBAL G.A.P significa a
necessidade de realizar investimentos vultosos nas fazendas para adequar toda
a infraestrutura de packing house, o treinamento dos trabalhadores, o controle
de pesticidas, entre outros. É justamente por esses critérios que começamos a
identificar as primeiras contradições que envolvem a adoção de certificações
privadas, pois os produtores, sobretudo os pequenos, não possuem as
condições necessárias para se adequarem às normas da certificação (Bezerra,
2012, p. 193-194).

As certificações internacionais de produção, de forma geral, uma vez que não são meras
normas e orientações técnicas orquestradas para o processo de produção, configuram-se em
verdadeiros mecanismos de controle sobre o trabalho, o impactando significativamente. Uma
vez orientadas sob a égide de um padrão de qualidade internacional, baseada da exigência de
mercado por frutos de boa aparência (sem manchas), tamanho, uniformidade da fruta (sem
violações físicas) etc., se configura em uma forma de “vigilância” da produção, sendo uma

Uma espécie de regulação assistida por esquemas de certificação criados nos


países compradores, cuja influência na escala local é marcante por condicionar
o cumprimento das normas à realização dos contratos entre
importadores/supermercados e os produtores diretos (Bezerra, 2012, p. 195).

Uma outra forma de monopolização do território pelo capital, se configura através da


ação das agroindústrias que compram as frutas de agricultores camponeses, mesmo sendo uma
prática mencionada de forma menos frequente pelos produtores entrevistados. Das cento e
quarenta entrevistas realizadas com os produtores camponeses, apenas sete afirmaram que
destinam parte de sua produção para as agroindústrias.
Nesse caso, a ausência de relações entre a agricultura camponesa e a produção
agroindustrial de frutas evidencia uma verdadeira divisão territorial do trabalho no interior das
manchas de produção de frutas no Nordeste Semiárido. No Ceará e Rio Grande do Norte, a
separação entre os que produzem para exportação (agroindústrias) e os que produzem frutas in
natura para abastecimento interno (por meio dos intermediários) é algo marcante nos diálogos
estabelecidos com os camponeses. Já em Pernambuco e Bahia o que se percebe é que há uma
142

maior participação da agricultura camponesa nas exportações das frutas, porém marcado quase
sempre pelo comércio realizado por intermediários às empresas exportadoras.

4.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA IRRIGADA

A internacionalização da economia agrícola do Nordeste Semiárido permaneceu


praticamente inalterada até a década a década de 1980, quando compunha o chamado exército
de reserva ao capitalismo global (SANTOS, 2018). A partir de então, manchas e pontos
seletivos da região foram inseridos no contexto do capitalismo internacional, atingindo
fortemente determinadas áreas, como a fruticultura irrigada, contribuindo para o avanço do
capitalismo no campo (Elias, 2010).
Nas três últimas décadas, áreas de especializações produtivas na fruticultura irrigada
têm provocado a inserção do Nordeste Semiárido na economia e no consumo globalizado,
demarcando a emergência de um novo processo de acumulação econômica e incorporação dos
lugares na economia-mundo (Furtado, 1999). Ao tempo que se tornaram fornecedoras de
produtos agrícolas, tais áreas também se transformaram em receptoras de infraestruturas e
objetos dotados de conteúdo em técnica, ciência e informação, sendo o agronegócio o promotor
de muitas novas verticalidades e horizontalidades (Elias; Pequeno, 2006).
Essa nova fase de mundialização da economia está intimamente ligada à globalização
do capital, na qual a política e a economia estão interligadas, permitindo a consolidação ampla
do plano rentista e usurário do capital por parte dos Estados e das empresas, resultando em
novas formas de acumulação de capital. De forma geral, a mundialização pode ser
compreendida como um processo impulsionador do capitalismo durante o período de
globalização, caracterizando uma nova forma de superexploração dos lugares (Chesnais, 1996).
Sob essa ótica,

O processo de mundialização da economia encontra-se num nível avançado,


observável na expansão das infra-estruturas econômicas e na filosofia
dominante para a condução dos sistema capitalista. As redes técnicas
largamente desenvolvidas nesse processo recobrem, atualmente, expressivas
extensões territoriais e ultrapassam as fronteiras nacionais, dinamizando as
trocas, acelerando a circulação e promovendo maior acumulação de capitais
(Antas Júnior, 2005, p. 139).

Conforme aponta Furtado (1999), a mundialização apresenta as dimensões financeira,


produtiva, tecnológica, comercial e territorial. Esta última apresenta hierarquia fortalecida uma
vez que se faz inserir as economias periféricas em um sistema de disputa com outras economias,
143

sobretudo as economias centrais, viabilizando uma integração territorial hierarquizada a partir


das especializações produtivas, fortalecendo o debate sobre a competitividade nacional.
Sobre a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, sendo hoje uma dessas
especializações produtivas no Brasil, ressalta a região como a principal exportadora de frutas
do país, sendo também um dos pontos luminosos no âmbito global sobre o setor frutícola.
Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte são os principais estados que enviam frutas
para o exterior, totalizando US$ 780 milhões de dólares de exportações no segmento, em 2021.
Outros estados exportadores são: São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará, Santa Catarina, Espírito
Santo e Paraná, que juntos totalizam US$ 371 milhões em exportações (ABRAFRUTAS, 2021).
É válido ressaltar que Pernambuco se consolidou como principal exportador de frutas,
arrecadando US$ 244 milhões, principalmente pelo papel do município de Petrolina no contexto
produtivo agrícola. A Bahia foi o segundo maior produtor e exportador, alcançando US$ 191
milhões, seguido do Ceará que arrecadou US$ 178 milhões e do Rio Grande do Norte que
alcançou US$ 167 milhões (ABRAFRUTAS, 2022).
Para fins analíticos, estabelecemos um recorte temporal de dez anos (2012 a 2022) para
averiguarmos o comportamento das exportações e o alcance espacial a partir das exportações
de frutas pelos principais exportadores do Nordeste (Gráfico 01).

Gráfico 01. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: principais produtos exportados em
US$ FOB (2012-2022).

250.000.000

200.000.000

150.000.000
US$

100.000.000

50.000.000

0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022

BANANA CASTANHA DE CAJU MAMÃO MANGA

MELANCIA MELÕES UVA

Fonte: Ministério da Economia/Comex Stat (2023).


144

Sobre as exportações no respectivo período, é válido ressaltar o comportamento de


deflação do valor gerado pela exportação de banana, produto com menor valor pelo envio da
fruta ao exterior desde 2014. Sobre esse produto, ao qual totalizou US$ 117.242.889 ao longo
de todo período, os principais estados exportadores são o Ceará, representando 62% do valor
total e Rio Grande do Norte com 37%.
De acordo com o relatório Organização das Nações Unidas Para Alimentação e
Agricultura/FAO (2022), se tem verificado uma tendência preocupante de queda nas
exportações de bananas em escala mundial nos últimos anos. Dentre as caudas estão as
condições climáticas adversas, uso insuficiente de fertilizantes, aumento no custo dos insumos
agrícolas e com os transportes, valorização do dólar americano em relação às moedas locais e
doenças de plantas como a Fusarium Tropical Race 4 e o fungo Fusarium oxysporum
f. sp. Cubense (mal-do-Panamá).
Outro produto que segue uma tendência de deflação significativa das exportações na
respectiva década, mesmo figurando em terceiro lugar no valor gerado pelas exportações no
período, arrecadando o total de US$ 1.257.583.046, é a castanha de caju, sendo o Ceará o
principal estado brasileiro a exportar (84% do valor total), seguido do Rio Grande do Norte
(15,8%).
Sobre as causas do declínio apresenta-se acentuado das exportações desde o início do
período analisado, um dos principais motivos refere-se ao aumento das importações desses
produtos oriundos da Costa do Marfim e o declínio na compra desse produto cultivado
principalmente no Ceará, sobretudo pelo seu principal comprador, os Estados Unidos.
Os mapas 5 e 6 representam as relações entre os principais estados exportadores de
bananas e castanha de caju do Nordeste (Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte) e
os países importadores desses produtos. Tais dados são representados em valor FOB, a partir
dos dados disponibilizados pelo Ministério da Economia através do Comex Stat36.

36
De acordo com a nomenclatura oficial do MERCOSUL, as bananas exportadas são “bananas frescas ou secas”,
bem como “bananas-da-terra, frescas ou secas”, essa primeira predominando em valor de exportação. Já a
nomenclatura utilizada para a exportação da castanha é “castanha de caju, fresca ou seca, sem casca”. A sigla FOB
corresponde a expressão inglesa Free On Board ou em português “Livre a bordo” que significa o pagamento em
transporte marítimo de mercadorias.
145

Mapa 06: Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco: exportações de bananas em preço FOB (2012-2022).
146

Mapa 07: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia: exportações de castanha de caju em preço FOB (2012-2022).
147

Sobre as exportações de bananas, apenas quatro países foram responsáveis por 71,4%
do valor arrecadado no respectivo período, sendo eles o Reino Unido (27,9%), Holanda
(15,5%), Espanha (15%) e Alemanha (13%). Outros 49 países também importaram o produto.
Já as exportações de castanha de caju, três países representaram 65,2% do valor arrecadado,
sendo o principal comprador os Estados Unidos (42,4%), seguido da Holanda (13,2%) e Canadá
(9,6%). Outros 62 países também compraram o produto.
No âmbito desses verdadeiros circuitos espaciais de produção de frutas, constituídos por
relações estabelecidas entre os estados emissores das mercadorias agrícolas e os países
importadores, ressalta-se o papel dos sistemas de engenharia e objetos geográficos, como meios
de transporte, estradas, portos e/ou aeroportos, importantes para a efetivação das transações
comerciais e interações espaciais entre os lugares.
Nesse contexto, as cidades, como meios de “produção material e imaterial, lugar de
consumo e nó de comunicação” (Silveira, 2009), configuram-se como pontos de convergência
entre os fluxos associados aos circuitos espaciais produtivos de frutas.
Isso se efetiva de diferentes formas, como pela ação das empresas exportadoras,
responsáveis pelo processamento das frutas ou simplesmente por sediar escritórios onde se
tomam decisões sobre o processo de exportação, como evidente em Mossoró (RN) e em
Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) (Elias; Pequeno, 2010); e pela ação das empresas importadoras
nos países de destino, responsáveis por receber e distribuir as mercadorias nas diferentes
cidades e redes de supermercados espalhados pelo país.
Sobre esse segundo caso, tais empresas são importantes na formação das redes de
comercialização de frutas entre as cidades nos países importadores, consolidando um circuito
superior da economia urbana em que seus elementos mais representativos são os monopólios
(empresas importadoras e grandes redes de supermercados). Tais monopólios, constituídos pela
modernização tecnológica e que apresenta como quadro de referência a escala nacional e
internacional, apresentam como características: uso intensivo de tecnologias, uma vez
necessário o controle pela importação dos produtos; modernos meios de transportes,
organização burocrática; forte presença de capital; mão de obra formal assalariada; e
predominância de relações impessoais com os clientes (Santos, 1979; Santos, 2003).
Outros dois produtos importantes no faturamento pela exportação de frutas pelos
principais estados nordestinos são o mamão e melancia, que geraram melhor valor que o
comércio de banana desde 2014. Sobre o mamão, ele acumulou o total de US$ 200.441.826,
mantendo-se relativamente constante entre 2015 e 2019 a partir de quando ocorreu um leve
148

declínio em decorrência da redução das exportações devido pandemia de COVID-19. O


principal estado responsável pela exportação desse produto foi o Rio Grande do Norte,
representando 52% do valor gerado pelo comércio, seguido da Bahia com 37,7% e Ceará com
10%. Pernambuco teve pouco papel em termos de exportações.
O valor arrecadado pela exportação de melancia tem apresentado uma constante inflação
desde o início de 2012, com exceção de 2018 que apresentou declínio em relação ao ano anterior
devido ao excesso de frutas produzidas na Espanha direcionadas ao mercado Europeu, afetando
diretamente a importação da fruta produzidas no Brasil (HF Brasil, 2018). O valor arrecadado
pelo comércio internacional da fruta foi de US$ 362.868.685, sendo o principal emissor o Rio
Grande do Norte com 66% e Ceará com 33%. Pernambuco e Bahia foram pouco representativos
no comércio internacional dos produtos. Os mapas 7 e 8 representam as exportações de mamão
e melancia no período em análise.
149

Mapa 08. Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Pernambuco: exportações de mamão em preço FOB (2012-2022).
150

Mapa 09. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melancia em preço FOB (2012-2022).
151

Os estados nordestinos apresentam destinos bem delineados quando se trata de


exportações de mamão, em que apenas seis países concentram 83% dos valores gerados pela
compra do produto, sendo eles a Espanha (22,7%), Alemanha (17,2%), Holanda (17,7%),
Portugal (15%), Reino Unido (10,7%) e França (7,8%). Outros 51 países também importam o
produto, gerando menor arrecadação. Sobre as exportações de melancia, o destino das
exportações é ainda mais claro, se despontando o Reino Unido (42,3%) e Holanda (47,5%).
Outros 60 países também são importadores do produto.
No tocante aos quatro produtos até então expostos, os estados do Ceará e Rio Grande
do Norte se sobressaem em termos de valor arrecado pelas exportações, o que sugere
especializações produtivas no interior da região Nordeste Semiárido quanto a produção de
frutas. Destarte, o principal produto com maior valor arrecadado pelas exportações foi o melão,
totalizando US$ 1.658.214.169, sendo hoje o segundo produto mais exportado pelos estados
nordestinos, atrás apenas do valor gerado pela exportação de manga.
O estado nordestino responsável pela maior arrecadação a partir das exportações de
melões foi o Rio Grande do Norte, com destaque ao município de Mossoró como principal
produtor da fruta do Brasil. O estado representa 54,4 do valor total pelo comércio do produto,
seguido do Ceará que gerou 44,3% do valor de exportação. Pernambuco e Bahia possui pouca
representatividade no comércio internacional do respectivo fruto no período em análise. O mapa
9 apresenta a relação dos estados nordestinos com os países de destino da fruta.
152

Mapa 10. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melão em preço FOB (2012-2022).
153

A produção de melão, sobretudo no Rio Grande do Norte e Ceará, apresenta


compradores internacionais bem definidos no período em análise. Apenas três países são
responsáveis por 90,8% do total valor arrecadado pelas exportações, sendo a Holanda (38,5),
Reino Unido (28,5%) e Espanha (23,6%). Além desses, outros 58 países também realizam
importações do produto.
Ao pesquisar sobre a fruticultura tropical potiguar no contexto da internacionalização,
Andrade (2018, p. 180) estabelece relações entre o cultivo de melão e a perspectiva dos usos
do território como recurso ao afirmar que

O cultivo de melão no Rio Grande do Norte é reflexo da expansão de um


modelo de produção pautado na sobre-exploração dos recursos naturais e na
força de trabalho. Esse modelo se difunde pela ação de diferentes agentes que
consideram o território como recurso e buscam promover, por meio de usos
cada vez mais científicos e tecnológicos, uma acumulação que extrapola a
esfera nacional.

O mesmo autor, ao discorrer sobre a comercialização da produção de melão no Rio


Grande do Norte, especificamente em Mossoró, ressalta que

nenhuma empresa do Rio Grande do Norte mantém escritório no exterior, a


comercialização dos melões ocorre em negociações realizadas nas feiras de
fruticultura, sendo a principal delas a Feira Internacional da Fruticultura
Tropical Irrigada (EXPORFRUIT), o maior evento do setor no país, que
ocorre anualmente no município de Mossoró. Na feira, os contratos são
celebrados com condição de entrega futura, considerando estimativas de
produção. Ocorrem várias modalidades de pagamento, podendo ser adiantado,
parcelado ou no fim da safra. Essa modalidade de venda é denominada pelos
produtores de "venda da safra".
Em virtude da forma de comercialização, é necessário o emprego de elevada
tecnologia que garanta a produção estabelecida em contrato ao fornecedor. O
mercado da venda de melão é seleto em virtude das reivindicações de
certificação fitossanitária exigidas pelos países estrangeiros e pelos
compradores. Mas recentemente, além das certificações de fitossanidade os
produtores de Mossoró conseguiram o selo de indicação de procedência, o que
garante maior valor agregado ao melão (Andrade, 2018, p. 186).

A partir do exposto pelo autor, depreende-se que há uma relação direta entre a forma de
comercialização da produção de melão e o uso dos objetos técnico-científico-informacionais
utilizados para o cultivo, principalmente pelas empregas agroindustriais situadas nos
municípios produtores de melão, como é o caso daquelas localizadas em Mossoró. Antes
mesmo da produção, existe condições sobre o uso de insumos, máquinas agrícolas e outros
objetos técnicos a serem utilizados, atendendo normas externas.
154

Tal realidade revela a necessidade em considerar a relação direta entre as etapas que
antecedem a produção propriamente dita e a comercialização das frutas ao seu comprador, no
amplo e complexo processo associado aos circuitos espaciais produtivos de frutas. Seja na
produção agroindustrial ou na produção camponesa (que também realiza a comercialização da
safra, tendo como comprador o intermediário), tais relações podem viabilizar a compreensão
sobre as condições impostas aos produtores sobre a forma de uso e expansão dos objetos
técnicos na agricultura.
Focando o olhar sobre os produtos exportados que tem o Submédio do rio São Francisco
como sua principal origem, a produção de manga e uva ganha destaque. Sobre a exportação de
manga, o valor arrecadado pela comercialização internacional do produto totalizou US$
1.907.644.233, sendo a principal fruta exportada pelos estados nordestinos desde 2014, porém
apenas o estado da Bahia arrecadou 54% do valor de exportação, se destacando o município de
Juazeiro no âmbito produtivo, seguido de Pernambuco que representou 40%. O Rio Grande do
Norte representou 5,0%, enquanto o Ceará apenas 1,0%.
No âmbito das exportações de uva, o valor pelo comércio internacional do produto
alcançou US$ 1.080.043.238, sendo o estado de Pernambuco sua principal origem, chegando a
72% do valor de venda, sobretudo pelo papel de Petrolina no contexto da produção do
Submédio São Francisco, seguido pelo estado da Bahia com 27,9%37. A participação do Rio
Grande do Norte e Ceará nesse contexto é praticamente irrisória. Os mapas 10 e 11 apresentam
a relação dos estados nordestinos e os países de destino da fruta no contexto das exportações.

37
O contexto produtivo do polo fruticultor Petrolina-Juazeiro será retomado ao longo deste trabalho, visto que as
características naturais, principalmente de solos, desses dois municípios influenciam diretamente o contexto
produtivo e a participação desses municípios nas exportações. Se de um lado do rio, em Juazeiro, o principal
produto é a manga, do outro lado, em Petrolina, a uva é o carro chefe.
155

Mapa 11. Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará: exportações de manga em preço FOB (2012-2022).
156

Mapa 12. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: exportações de uva em preço FOB (2012-2022).
157

Sobre os principais importadores das mangas oriundas dos respectivos estados


nordestinos, cinco países são responsáveis por gerar 88,9% do valor de comercialização, sendo
eles a Holanda (43,7), Estados Unidos (18%), Espanha (14,4%), Reino Unido (7%) e Portugal
(5,8%). Além desses, outros 66 países também realizam importações da fruta, gerando cada
um, baixo valor pela importação.
Em relação a compra das uvas produzidas sobretudo em Pernambuco e Bahia, são três
os países que concentram 84,6% do valor arrecadado pela comercialização do produto,
principalmente a Holanda (44,4%), o Reino Unido (27%) e os Estados Unidos (13,2%). Em
menores quantitativos de valor gerado por país, outros 59 países efetivaram compra do produto.
Diante do quadro de exportações apresentado, é válido realizar uma ressalva sobre
aquele que se configura como um dos principais importadores de frutas no continente europeu,
a Holanda. O maior rendimento gerado pela importação nesse país se deve ao fato de que “boa
parte das frutas produzidas no Brasil e enviadas à Europa passa pela Holanda, principalmente
pelo estratégico porto de Roterdã, o maior do continente, que recebe 300 milhões de toneladas
de produtos a cada ano” (ABRAFRUTAS, 2019).
Sobre a safra de frutas de agosto de 2020 a março de 2021, o envio para a Europa se deu
através contêineres refrigerados (reefers), sendo transportado por meio da linha NWC, operada
pela Mediterranean Shipping Company (MSC) que cobre sete portos no continente europeu,
sendo eles: Porto de Roterdã (Holanda), Porto de Bremerhaven e Hamburgo (Alemanha), Porto
de Londres (Inglaterra), Porto de Antuérpia (Bélgica); Porto de Le Havre (França) e Porto de
Sines (Portugal). O envio no Brasil se dá pelo Porto de Pecém (CE), Porto de Natal (RN), Porto
de Fortaleza (CE), Porto de Salvador (BA) e Porto de Santos (SP) (ABRAFRUTAS, 2019b).
Sobre o Porto de Roterdã, especificamente, companhias importadoras atuam no âmbito
da recepção e distribuição das frutas enviadas pelo Brasil com outros países da União Europeia,
a exemplo da tradicional Total Produce, em operação desde 1850, pertencendo hoje a
multinacional agrícola irlandesa Dole plc, que é a principal fornecedora mundial de produtos
frescos, possuindo sede em Dublin, Irlanda.
Uma vez distribuídas por companhias como a Total Produce/Dole plc, as frutas
importadas são distribuídas para diferentes redes varejistas, como a multinacional Aldi, que
possui mais de 10 mil lojas no continente europeu e nos Estados Unidos, e a Lidl, com mais de
10,5 mil lojas em pelo menos 30 países, ambas as empresas da Alemanha. Além dessas, outras
empresas como a Waitrose e a Tesco, britânicas, também são algumas das responsáveis por
dispersar as frutas brasileiras no continente europeu (ABRAFRUTAS, 2019).
158

Processos semelhantes de recepção e distribuição na Europa das frutas enviadas pelo


Nordeste Semiárido acontecem em outros dos principais países importadores, como Reino
Unido, Espanha e Alemanha. Segue sempre lógicas semelhantes no amplo e complexo circuito
espacial de produção de frutas: a empresa agroindustrial produz nas principais áreas com
condições favoráveis aos processos produtivos, utilizando-se de objetos técnicos e máquinas
dotadas de conteúdo em técnica, ciência e informação; envia seus produtos diretamente ao
comprador no exterior (geralmente multinacionais) através de uma complexa logística de
transporte das mercadorias agrícolas; distribui as frutas com multinacionais e empresas
varejistas de supermercados até chegar finalmente ao consumidor, cada vez mais exigente sobre
a origem e a qualidade dos produtos, inclusive certificados.
Sobre essa inserção da fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido, via empresas
agroindustriais, na internacionalização econômica do capital, depreende-se que

o avanço do agronegócio ao modernizar a produção da riqueza transformou a


maneira como a sociedade em determinados lugares do Nordeste lida com a
terra, extraindo uma riqueza obtida diretamente da exploração comercial, das
trocas internacionais, da formação de conglomerados empresariais imersos na
globalização. Neste ínterim, as relações de trabalho também são modificadas
passando a apresentar nítidos contornos, que caracterizam o processo de
modernização da agricultura (Bezerra, 2012, p. 142).

Diante do exposto, acreditamos que é possível mensurar o desafio para agricultores


camponeses e outros trabalhadores rurais envolvidos direto ou indiretamente na expansão do
agronegócio de frutas irrigadas, principalmente nas seletas áreas escolhidas ao seu
desenvolvimento no Nordeste Semiárido. Trata-se de um verdadeiro embate entre o capital e o
trabalho, sobretudo quanto esse primeiro obriga trabalhadores rurais a vivenciar experiências
laborais externas ao seu universo (Bezerra, 2012).
Além dessa lógica de exploração, concebida pela ideia de território como recurso para
os grandes agentes capitalistas, torna-se importante também discorrer sobre uma outra
concepção do território, sua aceitação como abrigo, fonte de sobrevivência, do estabelecimento
de adaptações e estratégias para a manutenção do produtor camponês na agricultura.
159

5. O TERRITÓRIO COMO ABRIGO PARA OS CAMPONESES:


RESISTÊNCIAS E SUJEIÇÃO NOS ARRANJOS TERRITORIAIS
PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS

Residência de camponês fruticultor no Assentamento


Cruz do Pontal em Lagoa Grande, Pernambuco.
Fotografia: Welton Nascimento (2023).
160

Se por um lado o território como recurso pressupõe seus usos pelos agentes
hegemônicos, especificamente pelas ações das empresas agroindustriais ligadas diretamente
aos processos produtivos ligados ao agronegócio globalizado, por outro o território como abrigo
remete a abordagem sobre os sujeitos hegemonizados que buscam criar e recriar estratégias de
sobrevivência ao meio geográfico ao qual estão inseridos (Santos, 2017).
A abordagem do território como abrigo pressupõe a compreensão do trabalho dos
agentes marginalizados por um sistema que é, por natureza, excludente. Isto é, tem como base
a compreensão das ações dos sujeitos marcados pela escassez de recursos fundamentais à sua
reprodução, mas também pela sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades
dominantes (Santos, 2017).
Na agricultura nordestina, assim como em outros setores da agricultura brasileira, a
análise do território pelos agricultores de base familiar pressupõe a compreensão das ações de
adaptações e das estratégias traçadas por eles para a continuidade na produção. No caso da
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, desenvolvida pelos camponeses, o que se verifica
é uma subordinação da renda da terra auferida por eles aos agentes externos ao processo direto
de produção, estes que, por sua vez, visam a geração de lucro mediante demandas de mercado
local, nacional e/ou internacional.
Nesse contexto, a presente seção busca abordar os agentes, processos e eventos que
contribuíram para a consolidação, no tempo e no espaço, da agricultura campesina de frutas
irrigadas no Nordeste Semiárido. Para tanto, abordaremos esses elementos a luz das noções de
configuração territorial (Santos, 2017) e Regiões Produtivas do Agronegócio (Elias, 2011,
2016) a fim de aproximação analítica sobre a diversidade produtiva e condições as quais os
agricultores campesinos estão inseridos frente ao domínio do agronegócio globalizado.
Para melhor representação das dinâmicas produtivas de cada área visitada, optou-se por
subdividir esta seção em subseções de forma a apresentar o que foi vislumbrado pelo
pesquisador em cada área. Para tanto, utilizamos dados de fontes diversas como o IBGE,
CODEVASF, informações disponíveis nos portais virtuais dos distritos irrigados visitados e
dados de campo, adquiridos a partir de entrevistas com os agricultores ou por meio das visitas
às coordenações dos perímetros públicos irrigados.
161

5.1 A AGRICULTURA CAMPONESA NO CONTEXTO DOS ARRANJOS TERRITORIAIS


PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS

Partimos da compreensão que, a agricultura campesina, no contexto das comunidades


rurais, propriedades agrícolas e outras áreas visitadas durante as visitas empíricas realizadas
nesta pesquisa como porções do espaço onde o trabalho humano se efetiva e se singulariza,
apresentando conteúdos diferenciados e características distintas de um lugar para outro.
Tais áreas, geralmente próximas às da produção capitalista globalizada, que também se
materializa na escala local, formam verdadeiras configurações territoriais marcadas por etapas
produtivas inerentes aos circuitos espaciais produtivos de frutas, dando “aos lugares
especificidades, criando diferenciações espaciais e dotando os lugares de aptidões” (Dantas,
2016, p.197).
Por configuração territorial entende-se o

conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa


dada área e pelos acréscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas
naturais. A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem
da sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a
anima. A configuração territorial, ou configuração geográfica, tem, pois, uma
existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência
real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais (Santos, 2017, p. 62).

Não obstante a essa perspectiva, Gomes (2009, p. 25) associa as configurações


territoriais aos arranjos espaciais das coisas existentes em determinada área, ou seja, a
distribuição das pessoas, objetos e fenômenos, tendo “coerência, lógicas, razões, que presidem
essa distribuição”. Sob essa ótica, é preciso compreender a trama locacional das atividades
humanas a partir do jogo de posições relativas para sua dispersão no território (Gomes, 2013).
Para a compreensão das tramas locacionais que envolvem a produção de frutas, é válido
considerar o que é ressaltado por Santos (2014, p.13) ao afirmar que “só a produção
propriamente dita tem relação direta com o lugar e dele adquire uma parcela das condições de
sua realização”. Não obstante, Dantas (2016, p.197), ao referir-se aos circuitos espaciais
produtivos, afirma que “a produção propriamente dita é a face mais evidente de todo o processo,
é ela que lhe dá corporeidade e significação. Essa corporeidade produz uma topologia que
permite a análise da distribuição das áreas de produção e dos lugares de produção”.
Grosso modo, o conjunto dos arranjos produtivos moldados pela fruticultura nas
principais áreas de produção agrícola do Nordeste Semiárido, se associam a configuração de
importantes Regiões Produtivas do Agronegócio (RPAs), ou seja, “lugares propícios ao
162

exercício dos capitais hegemônicos, porquanto apresentam novas possibilidades para a


acumulação, cada vez com menor capacidade de resistir às ingerências exógenas, como a
crescente financeirização da atividade agrícola” (ELIAS, 2016, p. 71).
Sendo assim, a presente análise considera duas RPA’s, aos quais são formadas

pelas microrregiões do Baixo Jaguaribe (CE), Mossoró e Vale do Açu (ambas


no RN), destaca-se pela produção de frutas tropicais, especialmente melão,
banana e abacaxi, tem seu espaço comandado a partir de Mossoró, cidade de
porte médio, a segunda mais importante do Estado do Rio Grande do Norte;
uma segunda RPA formada pelas microrregiões de Juazeiro (BA) e Petrolina
(PE) , nacionalmente conhecida por ser um dos primeiros vales úmidos do
Nordeste ocupado pela produção intensiva de frutas tropicais, especialmente
uva, é uma região comandada a partir da cidade de Petrolina (ELIAS, 2011,
p. 157).

Tais ressalvas são essenciais para a exposição das distintas condições vivenciadas pelos
agricultores camponeses nas diferentes RPA’s, visto que eles participam, mesmo que de forma
marginalizada, frente ao comando e controle das grandes empresas, nacionais e internacionais,
dos processos produtivos. As diferenças de condições vivenciadas pelos agricultores
camponeses puderam ser observadas não apenas de uma comunidade para outra, mas também
no interior de uma mesma comunidade, pela particularidade dos próprios agricultores, a partir
de formas distintas de produção, de manuseio da terra e de concepção do território como abrigo.
Conforme já discorrido na seção um deste trabalho, o IBGE, através do último Censo
Agropecuário (2017), não dispõe de dados específicos sobre a fruticultura camponesa com uso
de irrigação. Sendo assim, optamos por apresentar dados sobre a produtividade agrícola da
fruticultura e os estabelecimentos associados a produção de frutas pela agricultura campesina,
a fim de uma aproximação analítica do objeto de pesquisa, como apresentado no Mapa 12.
163

Mapa 13. Nordeste Semiárido: produtividade e estabelecimentos agrícolas


associados a fruticultura camponesa (2017).
164

Numa aproximação analítica do respectivo mapa, logo se percebe a importância do


estado da Bahia no que se refere a produção de frutas pela agricultura camponesa, porém
algumas especificidades precisam ser evidenciadas. Além de Juazeiro e Campo Formoso, na
porção baiana do submédio São Francisco, poucos municípios apresentam variedade de
produção de frutas.
O que tem ocasionado a maior produtividade em municípios do Parque Nacional da
Chamada Diamantina (Morro do Chapéu, João Dourado, América Dourada, Lapão, Ibititá,
Canarana, Cafarnaum, Mulungu do Morro, Barra da Estiva e Ibicoara), é a elevada produção
de tomate rasteiro para a indústria. Logo, o que se evidencia nessas áreas é uma especialização
territorial produtiva nesse setor, proporcionada pelas temperaturas ideais e altitude elevada (em
média mil metros de altura em relação ao nível do mar), condição propícia a produção de
variedades de tomates.
A respectiva área de produção contribui para que o estado da Bahia fique em segundo
lugar com maior produção de tomates do Brasil, com 12% da produção nacional, atrás apenas
do estado de Goiás que tem a participação de 58% (IBGE, 2017). Pedroso (2020, p. 15), em
estudo exploratório da produção de tomates para a indústria no Brasil, encomendado pela
Embrapa, afirma que

Em termos gerais, o produtor de tomate para a indústria organiza o seu plantio


somente após firmar contrato com a empresa processadora de tomate. É muito
comum que a indústria de processamento forneça todos os insumos, a
assistência técnica, a logística e os serviços de plantio de mudas, de colheita e
de transporte dos frutos entre o estabelecimento agropecuário e a indústria
(algumas indústrias têm frota própria, enquanto outras terceirizam o serviço
de transporte). A cadeia produtiva também conta com viveiristas, que
fornecem as mudas de tomate.

Ainda de acordo com a publicação, as relações estabelecidas entre os agricultores a as


indústrias de processamento de tomates (destinadas a produção de extratos, molhos, polpas,
temperos e outros) são definidas em contrato, maneira de formalizar relações de subordinação
na agricultura perante a lei, uma vez que
165

De acordo com a quantidade de toneladas de tomate que consta do contrato, a


indústria de processamento auxilia os produtores no planejamento e na
execução do cronograma, além de organizar toda a logística. A indústria de
processamento precisa atuar nessa área para garantir que o fluxo de matéria
prima seja contínuo (eventualmente, a indústria processadora importa a polpa
de tomate), pois eventuais interrupções no fornecimento da matéria prima
acarretariam prejuízos significativos no processamento industrial. Por esta
exigência do sistema de produção, os contratos costumam ser bastante rígidos
e, além disso, o produtor precisa se sujeitar às orientações tecnológicas da
indústria e, nesse ponto, vai sendo construída uma relação de subordinação do
produtor aos imperativos do comprador de seu produto. Configura-se, assim,
a figura do “contract farming”, uma forma de relacionamento dos produtores
com as firmas das cadeias produtivas, uma faceta cada vez mais corriqueira
dos modernos sistemas agroalimentares (Pedroso, 2020, p. 16).

Além dessas áreas onde são realizadas a produção de tomates na Bahia, outros
municípios se destacam com elevada produtividade de mamão, como em Serra do Ramalho
(Oeste baiano), Inhambupe (no Nordeste do estado) e Rodelas (Submédio São Francisco); a
produção de laranja, tangerina e manga em Jaguaquara (Leste Baiano); e produção de bananas,
coco da baía, manga, melancia e maracujá como Itaguaçu da Bahia (Vale São Franciscano
Baiano), Erico Cardoso e Piatã (Parque Nacional da Chapada Diamantina) e Santa Maria da
Vitória (Oeste baiano).
Fora do estado da Bahía e da porção do Submédio do São Francisco, que abrange
também Pernambuco, percebe-se um padrão de dispersão dos municípios com elevada
produtividade de frutas pela agricultura campesina. Na porção do semiárido de Sergipe se
destaca Aquidabã, com produções de manga, abacaxi e banana. Em Pernambuco, na porção
leste do estado, se sobressaem São João, Altinho, São Joaquim do Monte e Bezerros, com
produções de tomate rasteiro (industrial), banana, caju, maracujá e melancia.
Na Paraíba, especificamente na porção leste do estado, se sobressaem Alagoa Nova,
Matinhas e Lagoa Seca, com produções de jabuticaba, laranja, banana, jaca, manga, maracujá,
tangerina, limão e acerola. Já na porção oeste do estado, se sobressai o município de Conceição,
com a produção de tomate rasteiro, banana, maracujá e goiaba.
No Rio Grande do Norte o principal município em termos de produtividade é Baraúna,
município contíguo a Quixeré, no Ceará, ambos se destacando com os cultivos de mamão,
banana, melão, melancia, limão, acerola, manga, tomate rasteiro, coco e goiaba. Ainda no
Ceará, outros municípios de destaque são: Crato, no Sul cearense, com produções de banana,
tomate rasteiro, melancia, melão e caju; Quixeramobim, na porção central do estado,
produzindo mamão e melancia; e os municípios do noroeste cearense Cariré, São Benedito,
166

Ibiapina, Ubajara e Viçosa do Ceará, com cultivos de maracujá, limão, tangerina, laranja,
banana, caju, acerola, coco, manga, melancia, mamão e tomate rasteiro.
Nesse ínterim, torna-se válida uma ressalva: os dados apresentados no mapa através de
intervalos numéricos, com a produtividade agrícola da fruticultura campesina, apresentam
significativas disparidades quando pensados a partir da realidade produtiva de cada município,
sobretudo considerando a extensão territorial deles. Cada município apresenta uma
especificidade sobre as dinâmicas agrícolas que os envolvem.
Centrando a análise nos municípios foco da pesquisa empírica, definidos a partir da
produtividade geral da fruticultura no Nordeste Semiárido (particularmente pela relação entre
os estabelecimentos da agricultura camponesa com produção de frutas e os estabelecimentos da
agricultura camponesa com irrigação nas lavouras temporárias e permanentes) é importante
ressaltar a condição dos agricultores entrevistados em relação às terras utilizadas para o
processo de produção de frutas, conforme exposto no Quadro 02.

Quadro 02. Pesquisa empírica: condição dos agricultores camponeses em relação às terras associadas
a produção de frutas irrigadas (2022, 2023).

Proprietário/
Proprietário Assentado Arrendatário Ocupante Colono Total
Arrendatário
CE
Limoeiro do
Norte 14 14
Quixeré 5 5
Aracati 3 2 1 6
RN
Apodi 2 2
Mossoró 4 6 10
Ipanguaçu 7 7
Alto do
Rodrigues 3 3
Afonso
Bezerra 4 4
Baraúna 6 6
PE
Petrolina 19 20
Lagoa Grande 4 16 20
Casa Nova 1
BA
Juazeiro 1 5 14 20
Total 36 6 7 14 53 1 117

Fonte: Pesquisa empírica (2022, 2023). Elaboração: Welton Nascimento.


167

A condição dos fruticultores em relação às terras, mediante a pesquisa empírica


realizada, assume importância analítica por aproximar o leitor à realidade dos agricultores
campesinos, bem como aos arranjos espaciais diversos que são formados mediante as formas
distintas de uso, posse e propriedade da terra. Não obstante, contribui também ao revelar a
dimensão da produção campesina nos lugares com suas demandas, carências e necessidades
frente a uma política de reforma agrária incompleta e a um sistema produtivo que subordina
tais sujeitos ao capital financeiro.

5.1.1 Acampamento Zé Maria do Tomé: “ocupar, produzir e resistir”

O Acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte (CE), trata-se de uma das


comunidades mais emblemáticas que visitamos durante a pesquisa empírica. Ele surgiu em
2014 quando um grupo de trabalhadores sem-terra ocupou 1.000 hectares em uma área de 1.700
hectares que já era reivindicada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Numa perspectiva histórica, nas proximidades do que hoje é o acampamento,
agricultores foram desapropriados, ainda no período da ditadura militar, para que pudesse ser
realizada a construção do perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi pelo DNOCS.
De acordo com o Dossiê Perímetros Irrigados (2014):

Para implantação do projeto Jaguaribe-Apodi, ocorreu, oficialmente, a


desapropriação de 10.284,26 hectares. De acordo com estudo realizado por
Freitas (2010), 268 posseiros e/ou proprietários detinham área de 15.106,68
hectares, assim distribuída: 201 minifúndios; 52 pequenos, 14 médios e 1
grande proprietário. Apenas 15 proprietários (14 médios e 1 grande)
concentravam 43% da área total, e os 57% restante distribuída entre 253
pequenos, a maioria minifúndios posseiros.

Já nas décadas de 1980 e 1990, se instalaram na região empresas especializadas na


produção de frutas para exportação, dando início também ao fenômeno da grilagem de terras
públicas. Cavalcante (2019) relata que o fenômeno de grilagem na região da Chapada do Apodi
já era de conhecimento popular, porém passou a ser veiculada a mídia apenas em 2008. Segundo
o autor,
168

Ainda em 2008, acatando uma Ação Civil Pública da Procuradoria Geral da


República, foi criado um grupo trabalho pelo Dnocs com o objetivo de realizar
o diagnóstico completo da situação fundiária do perímetro irrigado, tanto da
primeira quanto da segunda etapa. Acerca da realização desse diagnóstico, o
então diretor do Dnocs afirmou que se fosse efetivamente comprovado que as
empresas estavam se apropriando ilegalmente de terras da União iria ele
mesmo “expulsá-las”, ao passo que outro funcionário do órgão assegurou que
a questão fundiária do perímetro “envolve muitos interesses que nem sempre
as grandes instituições estão dispostas a intervir” (Cavalcante, 2019, p. 209).38

O autor constatou também através de dados do DNOCS que, do total de 9.605,71


hectares do perímetro público irrigado Jaguaribe-Apodi, 3.817,66 hectares de terras estavam
em situação de irregularidade, ou seja, um total de 40% da área de todo perímetro.
Em 2010 outro acontecimento chamou a atenção da população e autoridades do estado
do Ceará, quando em 21 de abril desse ano o agricultor e ambientalista José Maria Filho foi
assassinado com mais de 20 tiros à queima-roupa próximo a sua residência na comunidade do
Tomé, em Limoeiro do Norte. Zé Maria do Tomé, como era popularmente conhecido, mesmo
nome do acampamento que surgiria em 2014 em sua homenagem, destacou-se nas comunidades
locais pela luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi,
proporcionando debates acerca da saúde das populações que viviam próximas às áreas
pulverizadas, além de enfrentar diretamente grandes empresas do agronegócio.
Hoje o Acampamento Zé Maria do Tomé abriga mais de 100 famílias e vive em
constantes ameaças de reintegração de posse, como afirma uma das moradoras do
acampamento:

Nos entristece saber que mais uma vez nosso acampamento está ameaçado de
despejo com o fim da ADPF 828, que proíbe os despejos. Nós só queremos o
direito de morar e produzir para sustentar nossas famílias, queremos viver da
terra, cuidar dela, cuidar da nossa mãe terra (fala de agricultora entrevistada
por Aline Oliveira, para a página virtual do MST, 2022)39.

O acampamento, que apresenta como lema “ocupar, resistir e produzir”, encontra-se


situado em local envolto por áreas de produção de frutas por grandes empresas do agronegócio
como a Del Monte, Banesa e Frutacor, estas que inclusive ocupam lotes que são fruto de

38
As falas mencionadas na citação do autor referem-se aquelas presentes em matéria publicada no jornal Diário
do Nordeste, em abril de 2008, com o título “Perímetro é motivo de disputas de terra”.
39
A ADPF 828 refere-se à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, estabelecido pelo STF, contra as
ordens de remoção e despejos e desocupações de áreas coletivas habitadas durante o período de pandemia do
COVID-19. Em 2022 o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso havia prorrogado até
31 de outubro desse ano a suspensão de despejos e desocupações, devido ao período pandêmico, de acordo com
os critérios previstos na Lei 14.216/2021.
169

grilagem (DNOCS, 2012; Cavalcante, 2019)40. A localização do acampamento Zé Maria do


Tomé, em Limoeiro do Norte, a comunidade do Tomé em Quixeré e outras áreas de produção
de frutas pelas empresas agroindustriais, inclusive com uso de irrigação por pivô central, são
representadas na Carta Imagem 01.

40
Em sua tese de doutorado, Cavalcante (2019) apresenta locais aproximados dos lotes grilados pelas grandes
empresas do agronegócio de frutas irrigadas.
170

Carta Imagem 01. Limoeiro do Norte e Quixeré/CE: localização do Acampamento Zé Maria do Tomé e Comunidade do Tomé (2022).
171

O Acampamento Zé Maria do Tomé está situado às margens de um dos ramais do canal


de irrigação Jaguaribe-Apodi, o que viabiliza o aproveitamento da água pelos camponeses
fruticultores, geralmente por tubulações conectadas a um motor e a bomba movida a
eletricidade, de forma a proporcionar vazão e pressão correta. Uma vez retirada a água do canal,
os agricultores realizam seu uso para a irrigação das lavouras, sobretudo na cultura de bananas,
haja vista que a maioria dos agricultores da área destinam as terras ocupadas para essa produção.
As figuras 15 e 16 apresentam o canal principal de irrigação e tubulações conectadas ao
mesmo, bem como uma nova área em fundação para um novo plantio de bananas, com uso de
irrigação por aspersão com mangueiras.

Figura 15. Acampamento Zé Maria do Tomé, Figura 16. Acampamento Zé Maria do Tomé,
Limoeiro do Norte/CE: Perímetro Irrigado Limoeiro do Norte/CE: fundação de área
Jaguaribe-Apodi (2022). destinada ao plantio de bananeiras (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2022). Fonte: Welton Nascimento (2022).

Na área ocupada, o uso da água proveniente do canal é predominante (9 dos 14


agricultores entrevistados afirmaram que utilizam o canal como principal fonte de
abastecimento hídrico), porém outros agricultores também fazem o uso de água oriunda dos
poços tubulares (4 dos entrevistados) e apenas um utiliza as duas respectivas fontes de água.
Quanto ao uso da terra pelos grupos familiares entrevistados no local, 8 afirmaram que
as atividades se voltam apenas para a produção de frutas irrigadas, outros 5 que, além da
fruticultura, também realiza a criação animal, já outro agricultor afirmou que realiza a produção
de frutas e hortaliças. Sobre os cultivos considerados mais importantes para a composição da
renda familiar, 12 agricultores afirmaram que a produção de banana é o carro chefe do
acampamento. Os demais agricultores cultivam banana e mamão em conjunto numa mesma
área, bem como hortaliças e cajueiro irrigado.
172

As características produtivas ora mencionadas se assemelham com as verificadas na


comunidade do Tomé (Km 60) e no Sítio Boqueirão em Quixeré, em que há predominância na
produção de frutas irrigadas, em especial de banana e mamão. Destarte, nessa primeira
localidade se sobressai o uso de poços tubulares como fonte de água para irrigação, já na
segunda se sobressai a conexão direta com o leito central do rio Jaguaribe, mediante tubulação
com uso de motor e bomba de pressão para a captação de água.
A pesquisa empírica realizada nas localidades evidencia certa especialização territorial
produtiva sobre o cultivo de bananas e mamão nos municípios de Limoeiro do Norte e Quixeré,
comprovando o cálculo da produtividade agrícola dessas culturas com base nos dados do Censo
Agropecuário de 2017. Esse primeiro município apresenta uma produtividade de mamão é de
32,35 toneladas por hectare², enquanto sua produção de bananas fica em 29,86 toneladas por
hectare². Já Quixeré se destaca pela produção elevada de mamão, com 80,75 toneladas por
hectare², enquanto a produção de banana fica em 21,59 toneladas por hectare²41.
Sobre a produção realizada no Acampamento Zé Maria do Tomé, ressalta-se também o
compromisso alimentar para com os mais vulneráveis em realidade próximas. Em junho de
2022, por exemplo, membros do acampamento realizaram doações de mais de duas mil
toneladas de alimentos como banana, mamão, limão, milho verde, macaxeira e jerimum,
destinadas a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a Pastoral Carcerária no
próprio município (Figuras 17 A e B).

Figuras 17 (A e B). Limoeiro do Norte/CE: doação de alimentos pelos agricultores do


Acampamento Zé Maria do Tomé à APAE e a Pastoral Carcerária (2022).

Fonte: MST (2022). Fonte: MST (2022).

41
Os respectivos dados de produtividade agrícola referem-se à produção total dessas culturas nos respectivos
municípios, compreendendo tanto a produção agroindustrial quanto a produção a partir da agricultura camponesa.
173

A partir do exposto, o acampamento Zé Maria do Tomé configura-se numa


representação clara da concepção do território como abrigo para os agricultores camponeses.
Mesmo diante de problemas estruturais, como falta de serviços básicos (educação, saúde,
abastecimento etc.), condições precárias de algumas das moradias (inclusive com casas de taipa
produzidas pelos próprios agricultores) e constantes ameaças de despejo, sobretudo a partir de
pressões de empresas privadas, tais agricultores seguem produzindo e retirando seu sustento a
partir dos recursos ali presentes, sobretudo terra e água.
Na respectiva área, o que se evidencia são resquícios de uma solidariedade orgânica
constituída por relações familiares de produção, tal qual a noção teorizada por Santos (2017),
relacionada a uma ordem de relações localmente definidas e compartilhadas. Compreende-se
que se trata de resquícios de uma solidariedade orgânica devido à presidência, na região a qual
o acampamento faz parte, de uma solidariedade organizacional atrelada a uma razão global de
produção, presidida pelas empresas do agronegócio de frutas irrigadas.

5.1.2 A Vila Cajazeiras (CE) e o Assentamento São Romão (RN): fruticultura camponesa
na terra do melão brasileiro

A vila de Cajazeiras, no distrito de Mata Fresca, em Aracati, e o Assentamento São


Romão, na zona rural de Mossoró, correspondem a duas particularidades dinâmicas no Nordeste
Semiárido por se situarem em áreas especializadas na produção de melão e melancia, além de
outros cultivos como o cajueiro irrigado e coco da baía, estando a apenas 15 quilômetros de
distância uma da outra.
Em uma aproximação da área por meio de imagens de satélite, entre o encontro da BR-
304 e a RN-013, em Mossoró, e o encontro da BR-304 com a CE-263, em Aracati, verifica-se
uma forte especialização produtiva de frutas, em especial o melão. Na respectiva área, a
produção campesina coexiste com grupos agroindustriais como as empresas Brazil Melon,
Norfruit Nordeste Frutas, Dinamarca Agroindustrial, Mata Fresca (responsável pelas marcas
Melão Mossoró, Melancia Mossoró e Macaxeira Mossoró), Agrícola Jardim, Agrícola Famosa,
Bollo Brasil e outras. A Carta Imagem 02, apresenta a localização da vila Cajazeiras e do
assentamento São Romão.
174

Carta Imagem 02. Aracati/CE e Mossoró/RN: localização da Vila de Cajazeiras e Assentamento São Romão (2022).
175

As respectivas localidades se situam próximas ao que antes era a Mossoró


Agroindustrial S/A (MAISA), onde hoje é a Vila Maisa. Essa empresa, fundada na década de
1960 em Fortaleza e instalada em Mossoró na década de 1980, foi uma pioneira na produção
de frutas tropicais irrigadas no Rio Grande do Norte, a qual atendia o mercado interno e o
comércio exterior.
A mesma, foi uma das empresas que, ao longo da história do segmento de produção de
frutas irrigadas no estado, recebeu consideráveis investimentos governamentais mediante
benefícios como isenção de impostos, perfuração de poços, melhoria de acesso e do sistema de
energia. A MAISA se manteve na liderança no segmento de produção de frutas por mais de 25
anos, encerrando suas atividades em 2001, sendo lembrada como uma empresa que impulsionou
o surgimento de outras do segmento, ressaltando o potencial produtivo do setor frutícola do
Oeste potiguar (Santos, 2010).
A vila Cajazeiras, se trata de uma comunidade rural com cerca de 911 habitantes, tendo
um total de 336 endereços, sendo 274 domicílios particulares42. Corresponde a uma comunidade
rural de agricultores camponeses que tem como principais atividades agrícolas o cultivo de
banana, melão, melancia e mamão, a partir do uso da água advinda, predominantemente, de
poços tubulares. A forma de irrigação predominante é a irrigação por gotejamento, devido às
fortes insolações verificadas na maior parte do ano, principalmente de junho a dezembro que
compreende o período seco.
Conforme as informações adquiridas em entrevista realizada com o presidente da
Associação Comunitária de Cajazeiras Pedro Soares Rodrigues (ASCAC), cerca de 14
agricultores, em sua maioria fruticultores, compõe a associação, destarte verifica-se certa
desarticulação organizacional entre eles, distanciando-os dos princípios do associativismo. As
figuras 18 e 19 apresentam uma área de produção de melão e outra de produção de mamão pela
agricultura camponesa na respectiva comunidade.

42 Informações disponíveis em: <https://informacoesdobrasil.com.br/rua/ce/aracati/vila-cajazeiras+1159>.


Acesso em 12 de dezembro de 2022.
176

Figura 18. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: Figura 19. Vila Cajazeiras, Aracati/CE:
produção de melão irrigado em área de produção de mamão irrigado em área de
agricultura camponesa (2022). agricultura camponesa (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2022). Fonte: Welton Nascimento (2022).

Na produção desenvolvida localmente, verifica-se a autonomia dos fruticultores na


comercialização dos produtos colhidos, destinando-os, predominantemente, para
intermediários, evidenciando uma relativa desarticulação entre eles quanto a organização em
associativismo no âmbito da comercialização da produção. Os intermediários, por sua vez,
comercializam os frutos com compradores de Fortaleza, Natal, Mossoró e Aracati,
predominantemente.
A maior articulação dos agricultores refere-se à disponibilidade de máquinas agrícolas,
como o trator para o corte da terra em períodos de fundação da roça. Há também maior
articulação entre eles para a elaboração de planos de trabalho destinados a solicitação de crédito
à secretaria estadual de desenvolvimento agrário e outros programas governamentais destinados
a investimentos e aquisição de equipamentos, serviços técnicos, contratação de empresas de
assessoria técnica, acompanhamento agrícola e outros fins.
As falas a seguir evidenciam a perspectiva dos agricultores camponeses quanto a relação
deles com os intermediários no âmago da comercialização da produção:

Aqui o atravessador ganha mais que o agricultor. Hoje o trabalho em


associação quebra um pouco essa dependência do atravessador (Entrevistado
Fruticultor 32).
O atravessador sempre quer ganhar mais. Aqui não tem programas para a
comercialização da produção (Entrevistado Fruticultor 35).
O baixo nível de articulação para a elaboração de uma cooperativa ou
associação causa dependência ao atravessador (Entrevistado Fruticultor 36).
177

Tais relatos corroboram para a compreensão que, mesmo havendo a associação dos
fruticultores, a ausência de um nível organizacional mínimo voltado ao associativismo,
contribui para que os sujeitos sejam submetidos a relações de dependência sobre a compra pelos
intermediários, aos quais retém parte da renda que é extraída do trabalho dos agricultores.
Na comunidade de Cajazeiras, um relato comum entre os agricultores é a falta de mão
de obra para o trabalho na fruticultura. De acordo com eles, décadas atrás a disponibilidade de
trabalhadores para a agricultura era maior, porém diversos fatores têm contribuído para sua
redução como o êxodo de trabalhadores para cidades próximas e o aumento da criminalidade
em áreas rurais, afastando jovens do trabalho no campo. Assim, é comum que os trabalhadores
agrícolas exerçam força de trabalho na agricultura em Cajazeiras, mas residam em outras
comunidades rurais próximas, como no Distrito de Mata Fresca (Aracati) e na Maísa (Mossoró).
O projeto de Assentamento São Romão (PA São Romão), tem suas origens através de
decreto presidencial publicado em 12 de janeiro de 2001, em que se instituía a desapropriação
da Fazenda São Romão, com a declaração de que a área era de interesse social para fins de
reforma agrária, sendo criado em 29 de outubro de 2001 pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA). Encontra-se situado no território da cidadania Açu-Mossoró e
apresenta 1.547,1 hectares, com a capacidade de abrigar 123 famílias (INCRA, 2023).
Sobre a produção de frutas irrigadas realizados no respectivo assentamento, se destacam
a produção de melão, melancia, banana, coco da baía e caju, com uso de sistemas de irrigação
por micro aspersão e por gotejamento. Sobre esse último,

a área cultivada não é integralmente molhada, o que acarreta menores perdas


por percolação, escoamento superficial e evaporação, culminando em
economia de água, além disso, o solo permanece com umidade desejável,
aproximando-se do nível de capacidade de campo ideal para o melhor
aproveitamento pelas plantas. O bombeamento é realizado através de bombas
submersas instaladas em poços tubulares considerados rasos com
profundidade de até 100 metros e vazão média de 35 a 50 m³/h (Formiga
Júnior, 2014, p. 30-31).

O Projeto São Romão totaliza 980,2 hectares de terras, sendo 8,0 hectares por agricultor
assentado, além da existência de uma área coletiva direcionada à produção, totalizando 229,6
hectares. Além disso, a área ocupada pela agrovila, onde residem os agricultores, corresponde
a 27,9 hectares e a área de reserva legal nas proximidades, para a conservação dos recursos
naturais, corresponde a 304,9 hectares (Carta Imagem 03).
178

Carta Imagem 03. Projeto São Romão, Mossoró/RN: parcelamento e proximidade com as fazendas agroindustriais de frutas irrigadas (2022).
179

As figuras 20 e 21 apresentam uma das áreas utilizadas para a produção de melão, em


área de cultivo coletivo, bem como a produção de coco da baía, em área individual de agricultor
assentado, com uso de tubulações associadas a irrigação por microaspersão.

Figura 20. Projeto São Romão, Mossoró/RN: Figura 21. Projeto São Romão, Mossoró/RN:
cultivo de melão em área coletiva (2022). área de cultivo coco da baía (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2022). Fonte: Welton Nascimento (2022).

Um fato observado na fala dos 14 dentre os 15 entrevistados no Assentamento São


Romão e na Vila Cajazeiras é que, quando questionados se a escassez de chuvas em períodos
de seca prolongada afetava o sistema de irrigação utilizado na produção de frutas, a resposta foi
positiva. Em primeira aproximação, tais respostas pareceriam esperadas em realidades em que
a irradiação solar global média diária é de cerca de 5.600 Wh/m², com a temperatura média
anual de 27,8 ºC e a pluviosidade média anual em torno de 555 milímetros, porém, nessas duas
comunidades em particular, outra condição do meio ambiente físico se faz fundamental ao
desenvolvimento da fruticultura, as condições geomorfológicas e pedológicas.
As duas comunidades estão situadas em coberturas sedimentares consolidas do
Paleogeno, em unidade geomorfológico de tabuleiros costeiros, com padrão de tabuleiros
dissecados. Quanto a unidade litoestratigráfica, consiste em rochas do tipo argilito-arenoso e
arenito-conglomerático. Já o solo é do tipo latossolo Amarelo, apresentando grandes
profundidades, com textura arenosa e fertilidade baixa, condições físicas favoráveis à retenção
de umidade e eficiência de permeabilidade (Pfaltzgraff; Torres, 2010).
O fato é que tais condições estão associadas a proximidade que tais comunidades
encontram-se em relação a zona costeira, ambas a menos de 25 km em linha reta dos limites
praiais do Rio Grande do Norte e Ceará. Tal proximidade com o mar favorece a salinização das
180

águas dos poços tubulares devido à ausência precipitações nos períodos secos, configurando-se
numa espécie de barreira quanto ao fornecimento de água para seu uso na fruticultura.
Sendo assim, verifica-se nessas localidades que algumas características climáticas locais
são favoráveis aos principais cultivos realizados, como a produção de melão e melancia que
requer temperaturas entre 25 e 30 ºC, alta intensidade luminosa, baixa umidade relativa e a
presença de solos arenosos. Destarte, são justamente as condições do solo, a proximidade das
localidades à zona praial e a escassez de chuva (em períodos de seca prolongada) que provocam
dificuldades quanto ao fornecimento eficiente de água para a produção.
Devido as características naturais dos solos, tanto em Cajazeiras quanto no
Assentamento São Romão, é comum que se faça o uso constante de fertilizantes químicos que
contenham macro e micronutrientes em sua composição, a fim de suprir as necessidades
nutricionais das plantas. Dentre os principais nutrientes utilizados na produção de melão,
melancia e outras frutas são o nitrogênio, fósforo, potássio e magnésio43.
Outra localidade visitada durante a pesquisa empírica foi o Sítio Velame I, em Baraúna,
também integrado ao Polo Fruticultor Açu-Mossoró, em que os agricultores camponeses
também relataram dependência quando aos fertilizantes químicos, comercializados tanto na
respectiva sede municipal quanto em Mossoró. Porém, nessa comunidade não se verificou
relatos associados ao problema da salinidade da água dos poços tubulares durante os períodos
de seca prolongada, mas sim a diminuição do nível da água nos mesmos, afetando diretamente
a produção local.

5.1.3 A fruticultura irrigada no Baixo-Açu: o caso do DIBA e outras comunidades


agrícolas

No vale do rio Piancó-Piranhas-Açu, três comunidades foram visitadas durante a


pesquisa empírica, em três municípios distintos, sendo elas o Distrito Irrigado do Baixo Açu
(DIBA)/Projeto de Irrigação Oswaldo Amorim (Alto do Rodrigues), Canto Grande (Afonso
Bezerra), o Sitio Sacramento e Sítio Pau de Jucá (Ipanguaçu), cada uma com singularidades
quanto ao desenvolvimento da fruticultura irrigada (Carta Imagem 04).

43
Sobre o uso dos fertilizantes na produção de frutas realizadas nas respectivas localidades, retomaremos posterior,
devido a característica de dependência dos agricultores locais sobre o comércio desses produtos comercializados
em empresas situadas na cidade de Mossoró/RN.
181

Carta Imagem 04. Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra e Ipanguaçu/RN: comunidades visitadas na pesquisa empírica (2023).
182

O DIBA, está situado na porção centro-oeste do estado do Rio Grande do Norte, na


margem direta do curso principal do rio Piranhas-Açu (entre esse e o rio Pataxó), nos
municípios de Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra. A disponibilidade hídrica é realizada por
meio dos canais de irrigação conectados a Barragem Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves,
situada entre os municípios de Assu, Itajá e São Rafael, com capacidade de 2,4 bilhões de m³
de água, administrada pelo DNOCS.
Com implantação iniciada 1989, cinco anos após a conclusão da Barragem Armando
Ribeiro Gonçalves, os serviços de administração e manutenção da infraestrutura de uso comum
no distrito irrigado só começou a se efetivar em 1994 pelo DNOCS. Esse processo se realizou
em duas etapas: a primeira com 2.701,86 hectares, sendo 1.729,19 hectares (64%) pertencentes
ao DNCOS e 972,67 hectares (36%) ao governo do Estado; e a segunda etapa com 3.258,91
hectares (DIBA, 2023).
A primeira etapa se iniciou com uma concorrência pública, em março de 1993, a fim de
seleção dos 75 primeiros irrigantes do projeto (Nunes; Ortega; Godeiro, 2007), totalizando nas
décadas seguintes o loteamento 187 áreas para produtores familiares, com 8,16 hectares cada
unidade. Nessa etapa, os lotes empresariais se somaram em 13 áreas.
Já a segunda etapa, iniciada em 2022, ocorreu o loteamento de 26 lotes empresariais ou
agroindustriais. Tanto na primeira quanto na segunda etapa, os lotes
empresariais/agroindustriais variam entre 37 e 150 hectares (Pesquisa Empírica, 2023). O
Quadro 03 apresenta os quantitativos em hectares de acordo com o uso da terra por cada ramo
produtivo na primeira e segunda etapa de loteamentos no distrito irrigado.

Quadro 03. DIBA: uso da terra por segmentos produtivos (2023).

Áreas (hectares)
Categoria 1ª etapa 2ª etapa
Em operação Paralisadas Em operação Paralisadas
Familiar 930,24 456,96 0 0
Técnico 114,24 48,96 0 0
Empresarial 785,28 366,18 0 2.179,94
Agroindustrial - - 38,62 40,35
Total 1829,76 872,1 38,62 2220,29

Fonte: DIBA (2023).

Evidencia-se que a primeira etapa de loteamentos se direcionou aos segmentos de


produção familiar e empresarial, enquanto a segunda etapa privilegiou o setor empresarial e
agroindustrial. Quanto aos investimentos direcionados à implantação do Projeto Baixo-Açu,
183

foram provenientes do Ministério da Integração Nacional e do DNOCS, sendo na primeira etapa


investido no total R$ 42.534.813,47 (R$ 38.542.115,00 de recursos federais e R$ 3.992.698,47
estadual) e na segunda etapa o total de R$ 13.624.653,80 (R$ 11.717.243,04 federal e R$
1.907.410,76 estadual) (DIBA, 2023).
Na segunda etapa do projeto, salienta-se que o momento converge com investimentos
do Governo do Estado do Rio Grande do Norte em 2022 para a modernização da infraestrutura
e melhoria na eficiência do sistema de irrigação por meio de duas etapas. Conforme relatado na
matéria publicada pela Secretaria de Estado do Planejamento e Finanças/SEPLAN - Rio Grande
do Norte (2022),

Na primeira etapa os valores recebidos do Governo do RN por meio do


Governo Cidadão chegaram a R$ 8,3 milhões e incrementaram a área de
irrigação, que passou de 2,7 mil hectares para 5,7 mil hectares de extensão,
contando com 21 quilômetros de canal de irrigação, rede elétrica e estação de
bombeamento, que foram renovados. Em uma segunda etapa de obras foram
aplicados mais de R$ 3,5 milhões. Ainda foram destinados R$ 4,4 milhões
para oito Subprojetos de Iniciativas de Negócios Sustentáveis de Inclusão
Produtiva.

Hoje, as principais produções de frutas realizadas no DIBA são de banana


(representando 40,41% da produção nos loteamentos), coco verde e seco (10,57%), mamão
(4,29%), manga (3,01%) e limão taiti (1,47%). Outras culturas desenvolvidas são de feijão
(11,74%), feno (7,4%), grama (5,34%), milho (3,64%) e Jerimum Melancia (3,05%). As áreas
loteadas na primeira e segunda etapa do DIBA são representadas na Carta Imagem 05.
184

Carta Imagem 05. Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra/RN: parcelamento do Distrito Irrigado do Baixo Açu (2022).
185

Apesar de corresponder a uma das áreas mais dinâmicas da região do vale do rio Açu,
quiçá do Rio Grande do Norte, sendo a única área do estado, fora de sua porção leste onde se
concentra a produção de cana de açúcar, que possui concentração de irrigação por pivô central
(representando 30% da irrigação realizada no perímetro, sendo os outros 70% a irrigação por
aspersão convencional), o DIBA apresenta uma série de problemas, tanto de ordem estrutural
como organizacional. Com base em Hepanhol (2016), Silva (2019) e na própria pesquisa
empírica realizada no distrito, ressaltamos os seguintes problemas evidentes:

• Dependência dos agricultores camponeses quanto aos intermediários na compra


dos produtos cultivados por eles, devido à ausência de políticas públicas do
Estado brasileiro em programas de crédito para comercialização da produção;
• Acúmulo de loteamentos, resultando em repasses (prática proibida em lei
quando se trata de terras públicas para projetos de irrigação), arrendamentos ou
concessões de lotes mediante uso de nomes de familiares ou parentes;
• A rotatividade dos irrigantes, inclusive dos contemplados na primeira etapa do
projeto, não conseguindo se manter na produção e resultando em acúmulo de
terras paralisadas dentre aquelas direcionadas à agricultura camponesa;
• O alto custo para a manutenção dos lotes, principalmente no que tange o custo
com energia elétrica no bombeamento das águas do canal principal até às áreas
de produção de frutas;
• Elevado custo para manutenção da Associação do Distrito de Irrigação Baixo
Açu (R$ 2.100,00 mensalmente, como relatado no momento da realização das
entrevistas com uma das agricultoras, em janeiro de 2023);
• Ausência de investimentos estatais na gestão, manutenção e monitoramento do
perímetro, inclusive destinado ao próprio núcleo habitacional onde se evidencia
prédios e estruturas em situação de quase abandono ou em desuso;
• Irregularidade ou insuficiência da assistência técnica prestada aos agricultores
camponeses;
• Dependência dos agricultores sobre os preços estabelecidos pelas empresas
comerciais de insumos nas cidades próximas, relatado como um descaso do
governo Bolsonaro no controle da inflação sobre o preço dos produtos diante da
crise provocada pela guerra da Ucrânia;
186

• Desarticulação sociopolítica e vulnerabilidade organizacional entre os colonos


no que se refere às relações baseadas nos princípios do associativismo.

As figuras 22 (A e B) apresentam prédios localizados no núcleo habitacional do DIBA


em situação de quase abandono e desuso.

Figuras 22 (A e B). DIBA, Alto do Rodrigues/RN: prédios em situação de quase


abandono ou desuso (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Uma particularidade relatada pelos próprios fruticultores entrevistados se refere a


presença de agricultores naturais de municípios da Paraíba, aos quais se deslocaram para o Rio
Grande do Norte, especificamente para o Vale do Açu, devido a possibilidade do
desenvolvimento de trabalho na agricultura, sobretudo na primeira fase do projeto de irrigação.
Segundo os relatos, tais sujeitos migraram devido à escassez de chuvas e a impossibilidade de
trabalhar na agricultura com uso de água de forma permanente no estado vizinho.
Ressalta-se ainda que em Alto do Rodrigues desenvolve-se produções agroindustriais
que ressalta o vale do Açu como área de elevado nível de tecnificação da agricultura, sobretudo
pelo papel da irrigação por pivô central (Lima, 2015). Como exemplo, a Santana Agroindustrial,
nas proximidades do DIBA, atua na produção, beneficiamento, armazenamento e
comercialização de produtos para alimentação animal e humano (feijão, milho, algodão, arroz,
sorgo, mamona, girassol, torta para pecuária, óleo vegetal, mudas de coco, criação e recriação
de gado), utilizando-se também de máquinas agrícolas modernas.
Outra área visitada durante a pesquisa empírica foi a comunidade Canto Grande, no
município de Afonso Bezerra, na porção oeste da rodovia RN-118, a cerca de um quilômetro
de distância do leito principal do rio Açu. Trata-se de uma comunidade onde a fruticultura se
desenvolve em menor proporção se comparado à outras áreas da região do vale do Açu.
187

Uma particularidade dessa área é que, mesmo com distância relativamente curta do leito
principal do rio Açu, o principal meio de abastecimento hídrico para a irrigação
(predominantemente por aspersão convencional) é por meio de poços tubulares. Já os cultivos
realizados pelos agricultores entrevistados referem-se ao cultivo de banana e mamão para venda
in natura aos atravessadores e o cultivo de acerola, goiaba, cajarana e graviola para a produção
própria de polpas e comercialização com indústrias de polpas.
Já o Sítio Sacramento e o Sítio Pau de Jucá, situadas a leste da sede municipal de
Ipanguaçu, correspondem à duas comunidades, próximas uma da outra, compostas por grupos
familiares associados a produção de frutas irrigadas, principal atividade desenvolvida
localmente, além da criação de gado bovino, criação de ovelhas, galinhas e frangos.
A principal fonte de abastecimento hídrico das respectivas comunidades corresponde
as águas do rio Pataxó, há menos de um quilômetro de distância do Sítio Sacramento e as
margens do Sítio Pau de Jucá, a partir do qual a captação da água se dá por meio de tubulações
conectadas a motores e bombas de pressão. Quanto aos principais cultivos de frutas nas duas
localidades, se destacam as produções de banana e manga.
A figura 23, mostra um agricultor em sua área de produção de manga no Sítio
Sacramento, produto direcionado à Paraíba e Pernambuco mediante o papel do atravessador. Já
a figura 24 retrata a fundação de uma área para produção de banana no Sítio Pau de Jucá.

Figura 23. Sítio Sacramento, Ipanguaçu/RN: Figura 24: Sítio Pau de Jucá, Ipanguaçu/RN:
agricultor em propriedade de produção de fundação de área para produção de bananas
manga (2023). (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).


188

Mediante a análise das respectivas áreas visitadas no vale do rio Piranhas-Açu,


depreende-se que o arranjo espacial associado a produção de frutas irrigadas, organizado
sobretudo mediante a disponibilidade hídrica dos principais rios da região e ao contexto de
relações solidárias entre os agricultores camponeses locais, ressalta tal área à uma condição de
particularidade dinâmica no contexto fruticultura potiguar.

5.1.4 A fruticultura irrigada nas margens (e no meio) do Velho Chico: dos perímetros
públicos irrigados à Ilha Grande do Pontal

Um leigo sobre a temática da fruticultura irrigada desenvolvida no Submédio São


Francisco acreditaria que textos acadêmicos apresentariam certo exagero ou distorção da
realidade quando se trata desse segmento na região. Ledo engano! Uma única viagem aos
principais municípios produtores de frutas como Petrolina e Juazeiro, mediante a observação
da paisagem rural que margeia as principais rodovias de acesso às cidades, seria suficiente para
se ter ideia da dimensão da produção de frutas na região.
Os estudos já ressaltados de Andrade (2011), Araújo (2000), Castro (2000) e os dados
apresentados pelo IBGE (2017), apresentam reflexões e informações bem-sucedidas sobre a
fruticultura no Vale do São Francisco. Sendo assim, permite-se aqui uma verticalização da
análise às áreas visitadas empiricamente.
Em decorrência da distância ao local de residência do pesquisador, a experiência de
viagem para a realização da pesquisa empírica no submédio São Francisco, passando pelos
estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Pernambuco, viabilizou observações e
reflexões diversas a respeito da agricultura nordestina. Dentre elas, ressalta-se a importância
dos sistemas de engenharia associados a transposição do principal rio nordestino, como em seu
eixo norte, na porção oeste de Pernambuco e sul do Ceará (Figuras 25, A e B).
189

Figuras 25 (A e B). Jati/CE: canal do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

O Eixo Norte da transposição do rio São Francisco possui 260 km de canais,


transbordando as águas do reservatório de Milagres, em Pernambuco, até o reservatório de Jati,
no Ceará. Já o Eixo Leste possui uma extensão de 217 km, se estendendo de Floresta, em
Pernambuco, até Monteiro, na Paraíba. Vale lembrar que o projeto de transposição teve início
em 2007, na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (do Partido dos
Trabalhadores), ao qual previa a construção de 699km de canais, sendo 477km nos eixos Norte
e Leste, somados aos ramais Apodi (115 km), Agreste (71 km) e Salgado (36 km). Tal projeto
sofreu mudanças em 2013 com a redução de 699 km para 477 de extensão (ESTADÃO, 2023).
Sobre o respectivo projeto, é válido elencar

a Transposição do Rio São Francisco como uma política/ação de lastro


territorial, uma vez que assegura a instalação e funcionamento de redes de
abastecimento de água no semiárido, as quais podem ser consideradas como
uma variável técnica para ocorrência do processo de urbanização do território,
sobretudo no Nordeste brasileiro. Já no contexto das áreas rurais tal política
revela em suas tramas a existência de relação simbiótica entre as ações do
Estado e os interesses do capital agrícola (Silva, 2019, p. 89).

Sobre os impactos do projeto nas áreas rurais, Silva (2019) ressalta ainda a estreita
relação entre a Transposição do Rio São Francisco e o discurso ideológico do fortalecimento
do agronegócio e do capital agrícola no campo nordestino, em prol de uma agricultura baseada
na técnica e ciência no campo, em detrimento das múltiplas possibilidades e demandas de uso
das águas desse que é o maior rio nordestino.
Feitas tais ressalvas sobre o projeto de transposição, chega-se a principal área de
produção de frutas irrigadas do Nordeste Semiárido, o Submédio São Francisco. Tal área,
190

converge com aquela denominada de Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do


Polo Petrolina e Juazeiro, criada mediante a lei complementar nº113, de 19 de setembro de
2001, sendo regulamentada pelo decreto nº4.366, de 9 de setembro de 2002.
Os municípios que fazem parte da respectiva região são Lagoa Grande, Orocó, Petrolina,
Santa Maria da Boa Vista, no Estado de Pernambuco, e os municípios de Casa Nova, Curaçá,
Juazeiro e Sobradinho, na Bahia. Estes, por sua vez, são considerados pelo Ministério da
Integração Nacional como um polo de desenvolvimento tecnológico da fruticultura irrigada,
implantado pela CODEVASF. Destes municípios, concentrou-se atenção na pesquisa empírica
aos municípios de Petrolina, Juazeiro e Lagoa Grande.

5.1.4.1 O Distrito de Irrigação Nilo Coelho e Bebedouro – Petrolina/PE

O Distrito de Irrigação Nilo Coelho (DINC) é um dos projetos irrigados mais extensos
do Nordeste Semiárido, sobretudo no que tange ao alcance espacial das áreas de produção
agrícola e a quantidade de sujeitos vinculados ao mesmo. Trata-se de uma das particularidades
mais dinâmicas da fruticultura na região, ressaltando a mesma como uma mancha de tecnologia
associada a agricultura e foco de investimentos por setores públicos e privados.
O projeto teve seu início de funcionamento no ano de 1984, composto por 976 km de
canais, 818 km de adutoras, 711 km de estradas, 263 km de drenos, 39 estações de
bombeamento. Os canais que transportam as águas ao projeto são interconectados ao lago de
Sobradinho, a partir do represamento das águas do rio São Francisco, sendo um dos maiores
lagos artificiais do mundo, com 4.214 km² de área e 32,2 km³ de água. As figuras 26, 27, 28 e
29 apresentam alguns dos sistemas de engenharia associados ao respectivo projeto.

Figura 26. Petrolina/PE: canal de conexão Figura 27. Sobradinho/BA: Lago Sobradinho
entre o lago Sobradinho e o Projeto Nilo (2023).
Coelho (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).


191

Figura 29. Sobradinho/BA: restituição das


Figura 28. Sobradinho/BA: Usina águas ao leito natural do Rio São Francisco na
Hidrelétrica de Sobradinho (2023). Usina Hidrelétrica de Sobradinho (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Tais sistemas de engenharia, entendidos como “um conjunto de instrumentos de


trabalho agregados à natureza e de outros instrumentos de trabalho que se localizam sobre estes”
(Santos, 2014, p. 88) evidenciam, em certa medida, a dimensão que a fruticultura assume no
seio do vale do rio São Francisco, uma vez considerados fundamentais para o processo de
captação, distribuição e regulação da disponibilidade hídrica para os canais de irrigação.
Sobre o sistema de funcionamento do DINC destacam-se um complexo sistema de
infraestrutura dotado de conteúdo em técnica, ciência e informação sendo composto pelo canal
principal (com 62, 230 km de extensão), o canal secundário (89 km), uma rede de drenagem
(936 km), 39 estações de bombeamento/EB com potência e vazão variadas e transformadores
elétricos de 10 MVA cada, 199 grupos de eletrobombas, 514,231 km de tubos com diâmetro de
150 a 800 mm, 726,75 km de estradas de serviços, estação elevatória, reservatórios com
capacidade que varia entre 14.700 e 1.005.000 m², centros supervisórios de controle de
telemetria através de software (um na Estação de Bombeamento Principal – EBP e outro na
sede do DINC), três estações meteorológicas (no C1, N8 e Ana Tereza) e os núcleos
habitacionais (DINC, 2023).
As figuras 30 e 31 apresenta uma das subestações de bombeamento e um dos canais de
irrigação ao qual são conectadas às tubulações das propriedades agrícolas.
192

Figura 30. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Figura 31. Distrito Irrigado Nilo Coelho,
Petrolina/PE: Estação de Bombeamento 27 Petrolina/PE: canal de irrigação (2023).
(2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

No Projeto Nilo Coelho, as áreas são distribuídas de acordo com os onze núcleos de
povoamento44, onde residem a maioria dos colonos produtores de frutas, além de três núcleos
de serviços, 15 escolas, postos de saúde e policiais, biblioteca e áreas comerciais (CODEVASF,
2023). Os núcleos, com destaque aos núcleos visitados na pesquisa empírica, são representados
na Carta Imagem 06.

44
Os onze núcleos de povoamento são intitulados de acordo com a numeração atribuída aos mesmos, por exemplo:
Núcleo 1 (N1), Núcleo 2 (N2), Núcleo 3 (N3) etc. Outras áreas do respectivo projeto compreende o Núcleo C3 e
a zona povoada e agricultável Maria Tereza, extensão do projeto Nilo Coelho.
193

Carta Imagem 06. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: Núcleos de Povoamento (2023).
194

O DINC, abrange uma superfície irrigada de 22.574,50 hectares, nos municípios de


Petrolina/PE e Casa Nova/BA, sendo os principais cultivos realizados os de manga (9.645,30
ha), uva (6.888,25 ha), coco (2.046,26 ha), goiaba (1.150,44 ha), acerola (954,32 ha) e banana
997,49 ha. Outros tipos de produções ocupam 892,44 há (DINC, 2023).
Sobre a importância das culturas de manga e uva no perímetro irrigado, ressalta-se a
influência dos tipos de solos predominantes aos quais favorecem às respectivas produções,
sendo eles o Neossolo Quartzarenico (profundos e muito profundos e excessivamente
drenados), Argissolo Amarelo (originados de materiais argilosos ou areno argilosos, boa
retenção física e boa permeabilidade) e Latossolo Amarelo (profundos e muito profundos, bem
drenados e com predominância de textura argilosa e muito argilosa) todos com boa fertilidade
natural (EMBRAPA, 2023).
Ao longo da implantação do DINC, desde a década de 1980, as condições naturais
favoráveis à produção de determinadas culturas na região, atrelado ao desenvolvimento
tecnológico e a mão de obra abundante ao trabalho, impulsionaram migrações de pessoas
oriundas do Rio Grande do Sul, que aproveitaram os projetos de irrigação em desenvolvimento
no Nordeste para o cultivo de videiras, prática advinda de gerações nas regiões de clima frio.
Hoje, esses agricultores são conhecidos como “gaúchos” na respectiva região.
Quanto ao uso da terra, o Quadro 04 apresenta o quantitativo de áreas irrigadas e
quantidade de usuários da terra por categorias de produtores para os anos de 2020 e 2023.

Quadro 04. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: área irrigável e quantidade de usuários
(2020 e 2023).

Quantidade de
Área Irrigável
Categoria usuários
2020 2023 2020 2023
Pequenos produtores 11.656,09 - 1.962 1.969
Pequenas e médias empresas 5.313,02 - 316 320
Grandes empresas 6.633,68 - 53 55
Total 23.602,79 22.574,50 2.331 2.344

Fonte: DINC (2020, 2023).

Dentre as produções realizadas no projeto, ao longo dos últimos anos, de acordo com os
setores produtivos ali existentes, há a predominância produtiva do setor empresarial em
detrimento da agricultura de base familiar, considerando o Valor Bruto da Produção
Agropecuária, conforme apresenta o Gráfico 02 sobre o período de 2016 a 2021.
195

Gráfico 02. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: produção agrícola e valor bruto
da produção por setores (2016-2021).

Fonte: CODEVASF (2023). Elaboração: CODEVASF (2022).

Ao longo dos últimos seis anos, se evidencia maior produção agrícola pelo setor
empresarial no Projeto Nilo Coelho, exceto no ano de 2020 quando a produção familiar superou
a produção empresarial. Isso ocorreu devido ao impacto direto da pandemia do COVID-19 na
produção de frutas, afetando a produtividade empresarial, setor mais suscetível as crises
econômicas internacionais devido suas relações de dependência aos circuitos produtivos
globais. Sobre esse momento,

foram adotadas as medidas contingenciais e restritivas e como ação de


emergência se definiu a suspensão de atividades que estivem dissociadas de:
atendimentos de manutenção corretiva, demandas emergenciais e aquelas
ligadas à operação do sistema (operação de estações, comportas, canais, etc.),
portanto serviços administrativos e as atividades de manutenção preventiva e
preditiva foram paralisadas e o quadro de funcionários diretamente ligados a
essas atividades foi temporariamente dispensado ou posto para atuação
remota, caos dos serviços administrativos (financeiro, RH, suprimentos, etc.)
(DINC, 2021, p. 16).

Apesar das características apresentadas e dos desafios recentes sobre a produção


agrícola diante o contexto pandêmico, ressalta-se que o Projeto Nilo Coelho apresenta uma série
de problemas de ordem operacional e organizacional, como evidenciado por próprio DINC
(2021) e pela pesquisa empírica, sendo os principais:
196

• Necessidade de agilidade nas negociações entre a CODEVASF e o INCRA na


transferência de titularidade e concessão de áreas abandonadas pertencentes a terceiros;
• Lentidão na substituição da rede adutora constituída por cimento amianto,
descumprindo a lei que proíbe o uso desse material;
• Alto custo para a manutenção das tubulações conectadas a rede adutora, devido ao
esgotamento do tempo de vida útil dos tubos que operam desde a criação do perímetro;
• Perda da capacidade de armazenamento de água nos reservatórios devido ao acúmulo
de materiais nos sucessivos anos, apesar da manutenção realizada pelo DINC e da
CODEVASF;
• Ausência de organização sociopolítica e vulnerabilidade entre os agricultores
camponeses, sobretudo considerado que a percepção dos agricultores locais sobre boa
produção agrícola é aquela realiza pelos produtores vinculados a cooperativas agrícolas.
Dos 16 entrevistados nos núcleos N7, C3 e N9, 2 agricultores participam de associações
de produtores rurais (Pesquisa empírica, 2023);
• A forte dependência dos agricultores camponeses sobre a ação dos intermediários e
intempéries dos preços de mercado nacional e internacional;
• A dependência dos agricultores sobre as orientações técnicas de algumas empresas
comerciais de insumos agrícolas, essas que mantém poder sobre o mercado local e
influência sobre os tipos de produtos utilizados da produção (Pesquisa empírica, 2023).

Além desses problemas, considera-se importante mencionar também as fortes


disparidades das condições socioeconômicas entre os próprios agricultores camponeses ao
longo dos núcleos de povoamento que compõe o DINC. De acordo com as entrevistas realizadas
e com as visitas nos loteamentos dos agricultores, se percebeu fortes disparidades quanto ao
nível organizacional, de acesso aos insumos e máquinas agrícolas, assistência técnica recebida
e até mesmo de contratação de mão de obra para produção. As Figuras 32 (A e B) e 33 (A e B)
ilustram algumas das áreas de agricultores camponeses nos núcleos N7 e C3.
197

Figura 32 (A e B). N9/Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE:


lote de agricultor camponês com produtividade elevada de uvas (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Figura 33 (A e B). N9/ Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: lote de agricultor
camponês com produtividade reduzida de acerola (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Outro projeto de irrigação no município de Petrolina, a aproximadamente 45


quilômetros da sede municipal pela Br 428, é o Distrito Irrigado de Bebedouro (DIB), também
coordenado pela CODEVASF. Ele entrou em operação em 1968 como uma experiência
pioneira no Vale do São Francisco sendo empreendido pela extinta Superintendência do Vale
do São Francisco (SUVALE). A área que compreende o projeto e o núcleo principal de
povoamento são representados na Carta Imagem 07.
198

Carta Imagem 07. Projeto Público Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: Núcleo de Povoamento (2023).
199

De acordo com entrevista realizada na coordenação do DIB, a área total do projeto é de


9.000,00 ha, possuindo uma área irrigável em 2022 de 1.854,95 ha, dos quais 75,8% são
ocupados por 195 pequenos produtores e 24,2% por 5 empresas que atuam na área (uma delas
sendo a EMBRAPA/Semiárido). Sobre a infraestrutura de uso comum no projeto, ele apresenta
uma estação principal com vazão de 13.320 m³/h, com capacidade instalada de 546 KW, cinco
estações secundárias, dois reservatórios com capacidade de armazenar 85.000m³ de água, 38
km de canais, 70 km de drenos superficiais e 45 km de estradas para escoamento e serviços.
Sobre a produção realizada no DIB, é possível verificar uma realidade diferente daquela
observada no Projeto Nilo Coelho, tendo em vista o maior número de produtores de base
familiar presente no mesmo. Os dados de valor bruto da produção agrícola entre os anos de
2016 e 2021 evidencia tal fato (Gráfico 03).

Gráfico 03. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: produção agrícola e valor bruto da
produção por setores (2016-2021).

Fonte: CODEVASF (2023). Elaboração: CODEVASF (2022).

Em 2022, a área plantada totalizou 1.194,82 ha, dos quais 53,07% eram ocupadas pela
produção de manga (com 105 produtores), 29,65% pela produção de uva (99 produtores),
5,16% pela produção de banana Prata (14 produtores), 3,80% pela produção de caju (3
produtores), 1,23% pela produção de acerola (9 produtores), 1,07% pela produção de goiaba (7
200

produtores) e 1,04% pela produção de limão (5 produtores). Outras produções somavam 4,08
da área plantada no projeto45.
Os principais cultivos realizados apresentam certa variedade em termos cultivares,
agregando preço de produção de acordo com a espécie e representando um conteúdo em técnica,
ciência e informação no seio da agricultura camponesa, sendo as principais. Os principais tipos
de manga são Tommy e Palmer, já os de uvas são Itália Melhorada, Vitória, Núbia, Benitaka e
Red Globe. Tais produções representam 88,30% de todo valor gerado da fruticultura no projeto
Bebedouro que totalizou R$ 100.085.054,00 em 2022 (ver anexo III).
Apesar da representatividade do DIB na produção agrícola do Vale do São Francisco,
alguns desafios estruturais e organizacionais são enfrentados localmente, evidenciados pelo
próprio DIB (2023) ou através da pesquisa empírica, sendo alguns deles:

• A necessidade de partilha de herança dos lotes iniciais fez dobrar o número de


loteamentos iniciais, prática que conflita a Lei de Irrigação a qual proíbe a divisão ou
repasses;
• Aumento do custo de gestão de infraestrutura, diminuição da arrecadação dos lotes
empresariais e encolhimento das receitas, devido ao desmembramento e subtração dos
400,0 hectares da área empresarial, ocasionado pelas ocupações de famílias sem-terra;
• Fragilidade na organização sociopolítica dos agricultores camponeses, resultando em
certa independência deles quanto aos processos de comercialização da produção, os
sujeitando aos preços abusivos dos intermediários (Pesquisa empírica 2023);
• Ausência de políticas direcionadas a comercialização direta da produção;
• Obsolescência aparente de estruturas potenciais à maior articulação entre os agricultores
camponeses, a exemplo do prédio da Associação de Pequenos Produtores de Uva do
Bebedouro (Pesquisa empírica 2023);
• Sujeição aos preços dos insumos pelas empresas comerciais desses produtos nas cidades
próximas, sem o aumento do preço das frutas no mercado.

As Figuras 34 e 35 apresentam a sede administrativa do DIB e o prédio da Associação


de Pequenos Produtores de Uva do Bebedouro.

45
Dados oriundos da entrevista realizada no projeto Bebedouro em janeiro de 2023, com base no documento
disponibilizado pela coordenação do DIB, disponível no Anexo III deste trabalho.
201

Figura 35. Perimetro Irrigado de Bebedouro,


Figura 34. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: Associação de Pequenos
Petrolina/PE: prédio do setor administrativo Produtores de Uva do Bebedouro (2023).
(2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Na agricultura realizada tanto no Projeto Nilo Coelho quanto Projeto Bebedouro, em


Petrolina, é possível verificar forte relação entre os agricultores camponeses e os agentes
intermediários. Estes, por sua vez, também são denominados de corretores agrícolas,
nomenclatura essa popularizada pelos próprios sujeitos que praticam a compra e venda das
frutas auferidas pelo trabalho do agricultor camponeses e sua família.
Os corretores, ou melhor, os intermediários ou atravessadores, tem como papel
intermediar a compra e venda dos produtos, agora como mercadorias agrícolas, de forma a
acompanhar toda a transação desde a embalagem das frutas até o seu destino. É justamente
nessa etapa de ampla circulação dos produtos que o intermediário extrai lucro da agricultura
camponesa. A Gráfico 04 apresenta os principais destinos das frutas produzidas pela agricultura
camponesa, com destaque ao papel dos intermediários.
202

Gráfico 04. Perímetros Irrigados Senador Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE:


destino das frutas produzidas pela agricultura camponesa (2023).

Agroindústrias e intermediários

Feiras-livres

Supermercados

Cooperativas

Intermediários

Agroindústrias

Consumo próprio

0 5 10 15 20

Nº de agricultores camponeses

Fonte: Pesquisa empírica (2023).

A menor ocorrência de comercialização da produção para outros destinos se justifica


sobretudo pela ausência de relações fortalecidas entre os agricultores camponeses e os
compradores de sua produção, carência de recursos para comercialização da produção de forma
direta ao comprador (inclusive de meios de transportes para a produção) e ausência de políticas
públicas direcionadas ao fortalecimento da comercialização da produção de base familiar.
Ainda de acordo com as entrevistas realizadas nas respectivas áreas, é válido ressaltar
os sujeitos que foram citados pelos próprios agricultores camponeses como sendo aqueles que
estabelecem o preço da produção. Sobre esse caso, os agricultores camponeses sequer citaram
a si próprio como sujeitos que participam da definição dos preços dos produtos criados por eles
mesmos, evidenciando uma total ausência deles no respectivo processo (Gráfico 05) 46.

46
A pergunta realizada através do formulário de entrevista previamente estruturado se configurou como pergunta
aberta (Quem estabelece o preço dos produtos?), conforme o anexo II, o que permitiu um levantamento mais
fidedigno e acurado sobre a realidade dos agricultores.
203

Gráfico 05. Perímteros Irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE: agentes que estabelecem
o preço da produção (2023).

Os compradores

Mercado

Agroindústria e
atravessador

Atravessador

Cooperativa

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Nº de agricultores entrevistados

Fonte: Pesquisa empírica (2023).

Quando analisado o preço da produção estabelecido pelos intermediários, a relação de


sujeição fica ainda mais clara. O preço da uva, por exemplo, de acordo com os dados informados
pelos agricultores, custava em média R$ 4,85, abaixo da média que custava R$ 5,44 (para uvas
não embaladas), ou seja, praticamente 60 centavos de diferença por 1kg de uva. Já em relação
ao preço da manga, essa diferença se atenua, custando R$ 0,85 (média entre os entrevistados),
enquanto a média em Petrolina estava em R$ 0,9947.
A relação entre a média de preços de outras frutas comercializadas pelos camponeses
entrevistados e a média de preço da produção em Petrolina se torna inviável, seja devido pela
ausência de dados sobre outros cultivos pelo Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada (CEPEA) e/ou pela divergência das unidades de medidas informadas pelo respectivo
órgão e a aquelas informadas pelos agricultores entrevistados (venda em caixas, por cem
unidades, de acordo com a maturação da fruta etc.).
Destarte, de forma geral o preço da acerola varia entre R$ 1,20 (madura) e R$ 3,00
(verde) ou, em média, R$ 20,00 a caixa com 20 kg; a banana custa em média R$ 20,00 (cem

47
Os dados da média de preço de uvas em Petrolina são oriundos de pesquisa realizada pelo CEPEA para o dia 13
de janeiro de 2023, data mais próxima ao dia da realização da pesquisa empírica em Petrolina, em 10 de janeiro
de 2023. Os dados têm como referência três níveis de mercado: produção, beneficiamento e atacado. Já em relação
ao preço da manga, corresponde à média de preço pelas variedades Palmer e Tommy, em 12 de janeiro de 2023.
Disponível em: <https://www.hfbrasil.org.br/br/banco-de-dados-precos-medios-dos-
hortifruticolas.aspx?produto=3&regiao%5B%5D=71&periodicidade=mensal&ano_inicial=2023&ano_final=202
3&pagina=2>.
204

unidades), R$ 45,00 (a caixa) ou R$ 3,00 o kg da banana prata; a goiaba varia entre R$ 50,00 e
R$ 70,00 a caixa com 20 kg; e o coco que custa em média R$ 0,40 a unidade.
Quando questionados sobre a periodicidade das vendas dos produtos aos compradores,
os agricultores camponeses afirmaram que varia de acordo com a produção. A comercialização
da uva é realizada diariamente ou semanalmente (safra), a da manga é realizada uma ou duas
vezes ao ano (safra e entre safra), a da acerola e goiaba é efetivada diariamente ou semanalmente
(safra), a da banana é realizada semanalmente ou mensalmente, e o coco varia entre 15 e 45
dias durante todo ano.
Com base na amostra dos agricultores camponeses nos projetos públicos irrigados
visitados em Petrolina, depreende-se que tais dados revelam uma sujeição contínua desses
sujeitos aos agentes intermediários, ao menos no âmbito da comercialização da produção
auferida nos lotes de produção de base familiar, visto que a subordinação da agricultura
camponesa ao capital perpassa a etapa de comercialização propriamente dita.

5.4.1.2 Assentamento Cruz do Pontal e Ilha Grande do Pontal (Lagoa Grande/PE): a


agricultura camponesa na “capital da uva e do vinho do Nordeste”

Das áreas de produção de frutas irrigados visitadas durante a pesquisa empírica, a


realidade do Assentamento Cruz do Pontal e Ilha do Grande do Pontal, em Lagoa Grande,
Pernambuco, se destaca pela predominância da solidariedade organizacional, imposta pelas
empresas do agronegócio, sobre a solidariedade orgânica composta pelos sujeitos
hegemonizados aos quais concebem tais áreas como território vivido.
Como parte da Região Produtiva do Agronegócio de Petrolina/Juazeiro, tais localidades
fazem parte dos

espaços do fazer do agronegócio globalizado, nas quais as verticalidades têm


predominância sobre as horizontalidades. Mas, em contrapartida, as
horizontalidades são extremamente difundidas, devido a fatores como:
expansão das atividades econômicas; aumento da população e do mercado de
trabalho; chegada dos novos agentes econômicos; fluxos de população e de
cargas; diversidade e quantidade de fluxos entre o campo e a cidade (Elias,
2016, p. 71-72).

Conhecida como “a capital da uva e do vinho do Nordeste”, Lagoa Grande faz parte da
região produtora de frutas do Submédio São Francisco, se despontando no cenário nacional pela
produção de vinhos finos (seco e suave de mesa) e suco de uva durante o ano inteiro, produção
essa favorecida pelas condições climáticas e ambientais favoráveis. As Figuras 36 e 37
apresentam marcos simbólicos da produção de uvas e vinhos na sede do município.
205

Figura 36. Lagoa Grande/PE: placa na Figura 37. Lagoa Grande/PE: monumento no
entrada da cidade com a frase “capital da uva centro da cidade representando a produção de
e do vinho do Nordeste (2023). uva e vinho (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

A realidade produtiva em Lagoa Grande, distante dos holofotes dos sujeitos promotores
de discursos em benefício das empresas agroindustriais, sob a justificativa da geração de
emprego e rendimento para a população local, revela, na verdade, negligência para com os
agricultores camponeses. Isso é evidenciado pelo contraste entre agronegócio e a agricultura
campesina, revelado na produção propriamente dita ou na paisagem rural.
O cultivo de uvas no município é centrado na fabricação de vinhos pelas agroindústrias,
formando verdes parreirais em extensas porções de terras, com uma vasta rede de acesso aos
estabelecimentos produtores e ampla gama de serviços prestados ao beneficiamento da
produção. Já os produtores de base familiar cultivam outras produções, predominantemente a
manga e/ou criação de animais como alternativa de renda complementar, em localidades que,
mesmo próximas às áreas de produção agroindustrial, possuem características distintas.
A Carta Imagem 08 representa as áreas visitadas, com destaque a Comunidade Cruz do
Pontal e o Assentamento Ilha Grande do Pontal, bem como das principais fazendas do
agronegócio de uvas e vinhos no Distrito de Vermelho, Lagoa Grande.
206

Carta Imagem 08. Lagoa Grande/PE: localização da comunidade Cruz do Pontal e Assentamento Ilha Grande do Pontal (2023).
207

A comunidade Cruz do Pontal se localiza na Estrada de Vermelhos, a cerca de 7 km de


distância do respectivo distrito, próxima às principais vinícolas produtoras de uva e vinhos. A
área apresenta condições naturais propícias a produção de frutas, com Argilossolos Amarelos e
Neossolos Flúvicos, de grande potencial agrícola, temperatura média anual de 24,8ºC, curto
período chuvoso (nos verões quentes e úmidos) e alta temperaturas, podendo chegar a 40ºC em
algumas ocasiões48.
Quanto as características da produção camponesa na comunidade, verifica-se verdadeira
resistência das famílias quanto ao domínio do agronegócio de uvas e vinhos sobre as terras ao
entorno. No local, residem agricultores de base familiar, proprietários de terras, herdadas de
familiares ou compradas, que utilizam os terrenos para a produção de manga e criação de
animais como gado bovino, cabras galinhas.
Situada em área com a predominância das fazendas com variedades de uvas para a
produção de vinhos finos49, a comunidade Cruz do Pontal, mesmo com características
ambientais semelhantes ao seu entorno, difere em relação a paisagem verde dos parreirais
próximos. A paisagem ali apresenta traços culturais e geográficos do Sertão nordestino,
caracterizada pela proximidade interpessoal entre os membros da comunidade e pelos aspectos
marcantes do bioma da Caatinga, com árvores de porte relativamente baixo, arbustos e plantas
com troncos finos e distorcidos e solos com superfície pedregoso e seco, mesmo à cerca de 800
metros do rio São Francisco.
O abastecimento hídrico para a produção de mangas realizada localmente é oriundo do
leito do Rio São Francisco, mediante uma tubulação conectada a um motor de alta pressão,
instalada pela Associação Cruz do Pontal50. Destarte, a respectiva associação, mesmo com
agricultores vinculados, apresenta fragilidades em termos organizacionais e estruturais, relato
exposto pelo próprio presidente da associação (Pesquisa Empírica, 2023).
Como meio de renda complementar, membros da comunidade Cruz do Pontal
desenvolvem a criação de animais, como gado bovino, cabras e galinhas para o consumo
próprio, comércio e/ou trocas. As Figuras 38, 39, 40 e 41 ilustram a casa de um agricultor, o

48
Cardoso (2019) discorre de forma minuciosa sobre o contexto histórico do desenvolvimento da fruticultura
irrigada na área, em especial a produção de uvas, que se iniciou na década de 1970 e se intensificou no final dos
anos 1980 através das empresas agroindustriais.
49
Uma das fazendas com produção de vinhos finos é a Vinícola Mandacaru, já ressaltada em momento anterior
deste texto, pertencente ao grupo São Braz.
50
Dos cinco agricultores entrevistados na comunidade, todos afirmaram que a principal atividade econômica
dentre os moradores é a produção de mangas, seja em propriedades ao entorno ou situadas próximas.
208

prédio da Associação Cruz do Pontal e de uma escola municipal, em estado de abandono51, um


rebanho de cabras criadas localmente e um curral para o confinamento do gado bovino.

Figura 38. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 39. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE:
residência de produtor de mangas envolta por prédio da Associação de Agricultores e escola
caixas organizadoras de frutas (2023). em estado de abandono (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Figura 40. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 41. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE:
rebanho de cabras criadas localmente curral para confinamento de gado bovino
(2023). (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Outro fator importante no contexto da área visitada é que os cinco agricultores


camponeses entrevistados afirmaram que o destino das mangas produzidas localmente é,
exclusivamente, para agentes intermediários. Tal compra, varia entre uma ou duas vezes na
safra e entressafra, e quem estabelece o preço da produção são os intermediários (resposta de

51
De acordo com relato dos moradores locais, o fechamento da escola ocorreu sob justificativa de “gastos” com a
educação pelo poder público municipal, sendo, na perspectiva deste, mais vantajosa a disponibilidade de um ônibus
escolar para o deslocamento das crianças para o Distrito de Vermelhos, à 7 km da comunidade.
209

três dos entrevistados), e o mercado por meio de uma tabela de preço que existe na Ceasa de
Juazeiro/BA. Quanto ao preço da produção, varia entre R$ 15,00 e R$ 18,00 a caixa de manga
com 20 kg ou de R$ 0,80 a R$ 1,30 o kg, de acordo com a variedade (a manga Palm estava
mais barata que a Tommy).
Em relação aos aspectos estruturais dos estabelecimentos agrícolas, por vezes se resume
a própria residência dos agricultores, local esse utilizado também para guardar ou armazenar os
instrumentos e insumos agrícolas quando necessário. Não obstante, alguns dos moradores da
comunidade Cruz do Pontal tem sua residência na comunidade, porém suas lavouras de manga
estão situadas na Ilha Grande do Pontal, fator esse que direcionou atenção a essa nova área que
antes não estava presente no roteiro pré-estabelecido na pesquisa empírica.
A Ilha Grande do Pontal trata-se de uma ilha fluvial cercada por dois canais do Rio São
Francisco, abrigando um projeto de assentamento de reforma agrária de mesmo nome, fundado
em 21 de maio de 1996, com uma área de aproximadamente 692 ha e capacidade de abrigar
169 famílias distribuídas em unidades agrícolas.
De acordo com Cardoso (2019, p. 4), a respeito da agricultura no início da implantação
do assentamento,

Até os anos 90 praticamente toda produção agrícola da Ilha Grande do Pontal


era de plantações de ciclo rápido, que têm como característica o tempo de
plantio até a colheita mais curto, comparado a plantas de maior porte, levando
em torno de 60 a 90 dias entre o processo de plantio à colheita, como por
exemplo, a cebola, o feijão, a melancia, o milho entre outros.

Atualmente na ilha se desenvolve a agricultura campesina voltada a fruticultura de


manga e uva, além de outros cultivos como mamão, banana, coco, hortaliças, milho, feijão,
criação de animais e outros. A produção ali é favorecida por três fatores principais: o solo com
fertilidade natural, caracterizado por terrenos planos e pouco pedregoso, fator facilitador para a
aração e cultivo, o acesso direto às águas do rio São Francisco, drenadas por meio de tubulações
conectadas a bombas de pressão, e as altas temperaturas durante todo o ano.
As figuras 42 e 43 mostram uma imagem aérea da ilha e de uma propriedade agrícola
com produção de mangas e criação de animais (ovinos).
210

Figura 42. Ilha do Pontal, Lagoa Figura 43. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE:
Grande/PE: vista aérea dos loteamentos lote de produção de manga e criação animal
agrícolas (2021). (2023).

Fonte: Adriano Kirihara (2021). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Sobre as famílias assentadas na Ilha do Pontal, a maioria são constituídas por pessoas
em situação de baixa renda ou de vulnerabilidade socioeconômica, habitando moradias de
alvenaria ou de taipa, ficando ao entorno delas a área de produção agrícola. Tal realidade
econômica das famílias assentadas se contrasta com a importância da fruticultura na Ilha do
Pontal, sobretudo pelas centenas de toneladas de manga e uva que são produzidas localmente.
Um elemento essencialmente geográfico fundamental para a análise da condição dos
camponeses na fruticultura na Ilha do Pontal diz respeito a mobilidade52, isso porque as únicas
formas de deslocamento até a ilha são por meio de uma balsa ou canoas, essa primeira
funcionando durante o turno diurno, capaz de transportar pessoas e veículos (carros e caminhões
de cargas mais leves), inclusive com as frutas produzidas pelos camponeses (Figuras 44 e 45).

52
Aqui é assumida a conceituação de mobilidade proposta por Castillo (2017, p. 645) que “além da movimentação
ou locomoção de si mesmo, envolve a capacidade do agente (indivíduo, empresa, instituição) de fazer movimentar
bens ou mercadorias e informação banal ou produtiva. Isso significa que o grau de mobilidade de um agente
também se mede por seu poder político e/ou econômico de desencadear fluxos materiais e fluxos informacionais”.
211

Figura 44. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 45. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE:
canoa para transporte da população (2023). balsa utilizada para o transporte de pessoas,
carros e caminhões de cargas leves (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

De acordo com as entrevistas realizadas com dezesseis dos agricultores camponeses da


Ilha do Pontal, ficou evidente que tal realidade os coloca numa condição ainda maior de sujeição
quanto a venda das frutas aos intermediários, visto que se torna menos caro (ao menos do ponto
de vista do custeio com o transporte) vende-las tais sujeitos do que o próprio agricultor custear
o transporte da produção até o continente.
Dos dezesseis agricultores entrevistados, produtores de manga, uva, banana, acerola e
coco, todos eles afirmaram ter relação direta com agentes intermediários. Apenas um deles
respondeu que, além dessa relação, realiza também comercialização da produção em feira livre.
Sobre a frequência e preço da venda aos intermediários, varia de acordo com o cultivo: a manga
varia entre uma e duas vezes na safra (custando entre R$ 0,80 e R$ 1,10 ou ainda R$ 25,00 a
caixa de 20 kg)53, a banana semanalmente ou a cada quinze dias (pelo preço de R$ 20,00 o
cento), a uva ao menos três vezes na safra (R$ 6,00 o kg), o coco a cada quinze dias (entre R$
0,50 e R$ 0,80 a unidade) e a acerola três vezes na safra (R$ 55,00 a caixa com 20 kg).
Quando questionados sobre quem estabelece o preço da produção, 14 agricultores
responderam que, exclusivamente, quem define o preço da produção é o atravessador. Outro
agricultor afirmou que é o atravessador com base no mercado e um outro respondeu que é o
comércio com base em pesquisas de preço da produção localmente.
De acordo com uma das agricultoras entrevistadas, práticas de abusos nas negociações
pelos intermediários são realizadas, a exemplo da devolução das frutas ao agricultor caso o

53
Uma das entrevistadas afirmou que há cerca de três meses atrás ao momento da entrevista, o preço da manga
estava de R$ 0,30, evidenciando uma desvalorização considerável da produção, do trabalho do agricultor e uma
distorção em relação ao preço dos insumos utilizados na produção.
212

comprador perceba (no momento da venda às empresas exportadoras), que o produto não está
no padrão de qualidade para exportações. As figuras 46 e 47 representam produções devolvidas
por não atender as exigências de qualidade do mercado de exportação.

Figura 46. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 47. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE:
camponesa produtora de manga (2023). caixas de mangas devolvidas pelo
intermediário (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Devido à dificuldade para comercializar e transportar as frutas devolvidas pelos


intermediários, os agricultores as comercializam localmente (o que é difícil devido a
abundância de produção de frutas na ilha), doam para terceiros ou dispõe para o consumo
animal. Nesse caso, todo o trabalho, insumos utilizados, desgaste dos equipamentos técnicos e
serviços prestados, ou seja, todo o consumo produtivo agrícola, é banalizado mediante a lógica
do mercado global que chega ao agricultor camponês por meio do agente intermediário.

5.4.1.3 Os projetos de irrigação Mandacaru e Maniçoba – Juazeiro/BA

A fruticultura irrigada no município de Juazeiro, na Bahia, como parte da Região


Produtiva do Agronegócio do Submédio São Francisco, assume papel importante na produção
de frutas no Nordeste Semiárido. Destarte, mesmo com a característica de integração, tal
dinâmica possui particularidades importantes no âmbito na produção que a diferencia daquela
observada em Petrolina. Concentramos atenção sobre o caso dos projetos de irrigação
Mandacaru (com seus dois núcleos de povoamento) e Maniçoba (Carta Imagem 09).
213

Carta Imagem 09. Juazeiro/BA: núcleos de povoamento do projeto Mandacaru e perímetro irrigado de Maniçoba (2023).
214

O Projeto Mandacaru foi construído em 1971 e 1972 por investimentos publicados


direcionados a construção dos dois projetos-pilotos no Submédio São Francisco (o outro foi o
Projeto Bebedouro, em Petrolina) através dos estudos de implantação elaborados pela
SUDENE, sendo o primeiro perímetro público irrigado de Juazeiro. Nesse momento, sua área
abrangia uma superfície irrigável de 419 ha, sendo 368ha ocupados por pequenos irrigantes e
51ha ocupados por dois lotes empresariais54.
Atualmente o Projeto Mandacaru apresenta um sistema de infraestruturas composto por
25 km de canais de irrigação, 30 km de drenos, 17 km de estradas e uma estação de
bombeamento. Abrange uma área de 445 ha, sendo 393 ha de lote familiares55 e 52 hectares de
lotes empresariais, inclusive a EMBRAPA com um campo experimental. Tais áreas são
destinadas a produção de manga (representando 62% do valor bruto da produção local e 47%
da área cultivada), seguido da banana (12% do valor da produção), melão (6%), mamão (6%)
e cebola (6%).
Um fator importante de ressalta a respeito dos cultivos realizados em Juazeiro é que a
produção da uva, cultivo que figura dentre os principais no município vizinho Petrolina, não se
faz predominante como uma das produções em Juazeiro. Tal fato se explica pelas características
naturais diferentes dos solos nos respectivos municípios.
Especificamente no Perímetro Irrigado de Mandacaru, o tipo de solo existente é o
Vertissolo, com característica de pouca permeabilidade, o que restringe sua drenagem, além de
não apresentar atributos físicos favoráveis ao manejo por ser muito duro e seco. Além disso, o
intervalo de tempo para que esse tipo de solo retenha umidade adequada para o preparo do
terreno para produção é muito curto (EMBRAPA, 2021). Devido a tal fator, uma característica
marcante no respectivo projeto é o uso de insumos em maior quantidade, sobretudo o estrume
orgânico de origem bovina e adubos e fertilizantes químicos aplicados nas plantas cultivadas.
As figuras 48 e 49 apresentam dois dos cultivos realizados em lotes de produtores camponeses
em Mandacaru.

54
Para um detalhamento maior sobre o contexto histórico, assim como características físico-ambientais associadas
ao desenvolvimento da agricultura no Projeto Mandacaru, ver Souza (2013).
55
De acordo com relato dos agricultores camponeses entrevistados, cada colono deve pagar uma taxa fixa de R$
470,00 ao Distrito Irrigado de Mandacaru, correspondendo a uma taxa fixa paga mensalmente.
215

Figura 48. Mandacaru, Juazeiro/BA: lote de Figura 49. Mandacaru II, Juazeiro/BA: lote
produção de banana (2023). de produção manga (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

A cerca de 15 km de distância de Mandacaru (28,9 km pela rodovia BA – 210), fica o


Projeto Público de Irrigação Maniçoba, este que foi construído entre os anos de 1975 e 1981,
iniciando seu funcionamento em 1980. Diferentemente dos perímetros anteriormente
ressaltados, o de Maniçoba desde o início privilegiou a ação das empresas do agronegócio em
detrimento da agricultura camponesa, uma vez que no início de seu funcionamento, a ocupação
das terras pelo setor empresarial se sobressaiu. Naquele ano, do total de 4.293ha, os 234 lotes
direcionados aos pequenos irrigantes somavam 1.889ha, enquanto os 80 lotes empresariais
somavam 2.379ha.
Assim como os demais projetos, a fonte hídrica tem como base as águas do Rio São
Francisco, sendo distribuída por três estações de bombeamento através de 156 km de canais de
irrigação. Conta também com 8 km de adutoras, 97 km de drenos, 223 km de estradas para
serviços, 2 núcleos de povoamento e um centro administrativo.
Dados da CODEVASF (2022) revelam que o projeto abrange um total de 4.847ha, com
uma característica de centralização da produção em três culturas principais, sendo elas: 63%
das terras ocupadas pelo cultivo de manga (representando 61% do Valor Bruto da Produção no
projeto Maniçoba), 21% ocupadas pelo cultivo da cana-de-açúcar (11% do VBP) e 5%
ocupadas pelo cultivo de uva (18% do VBP). Outros cultivos representam 11% da área ocupada
para agricultura.
Esses dados pressupõem que, mesmo ocupando uma área menor de produção, a uva
corresponde a uma cultura rentável na respectiva área. Não obstante, é válido ressaltar que
216

A área cultivada em lotes familiares correspondeu a 49% do total da área


cultivada no projeto e a sua contribuição para o VBP foi de foi de 50%. A
cultura da manga em lotes familiares, sozinha, representou 40% do total do
VBP. Em contrapartida, o montante resultante da comercialização de uva e da
cana-de-açúcar foi, em quase sua totalidade, originado da área empresarial do
projeto, e representou 28% do VBP total (CODEVASF, 2022).

A participação da agricultura de base familiar no contexto produtivo de Maniçoba,


constatou que nos últimos anos tal segmento representou um papel importante na produção
local, inclusive se sobressaindo em comparação a produção empresarial, mesmo diante da
desigualdade considerável quanto a distribuição das terras no projeto. O Gráfico 06 revela a
importância da agricultura de base familiar no contexto do Valor Bruto da Produção local no
período de 2016 a 2021.

Gráfico 06. Perímetro Irrigado Maniçoba, Juazeiro/BA: Valor Bruto da Produção por setores agrícolas
(2016-2021).

Fonte: CODEVASF (2022). Elaboração: CODEVASF (2022).

Diante da importância que a agricultura de base familiar assume nos projetos irrigados
Mandacaru e Maniçoba, formam-se também relações e contradições entre os agentes
envolvidos na fruticultura irrigada nas respectivas áreas. Sobre a comercialização da produção,
as respostas dos agricultores camponeses entrevistados nos respectivos perímetros revelam
verdadeira dependência deles sobre a compra dos agentes intermediários (Gráfico 07).
217

Gráfico 07. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: destino das frutas produzidas
pela agricultura camponesa (2023).

Agroindústria

Atravessador e feiras livres

Supermercados e feiras livres

Agroindústria e atravessador

Atravessador

Cooperativa

0 5 10 15 20
Nº de agricultores entrevistados

Fonte: Pesquisa empírica (2023).

Sobre a venda das frutas aos atravessadores, tais dados, assim como os das outras áreas
pesquisadas, revelam a frequente sujeição no âmbito da comercialização da produção. Não
obstante, fica perceptível uma clara divisão territorial do trabalho entre os agricultores
camponeses e as agroindústrias produtoras de frutas, vinhos e sucos, visto que tais segmentos
produtivos pouco estabelecem relações no âmbito da comercialização da produção (apenas 3
agroindústrias compram as frutas da agricultura camponesa).
As condições de sujeição aos preços estabelecidos por terceiros às frutas cultivadas
pelos agricultores camponeses em Mandacaru e Maniçoba se torna mais variável se comparada
as realidades já expostas neste trabalho. Quando questionados sobre quem dita o preço da
produção, o atravessador também se sobressai, mas outros agentes também são mencionados
como definidores dos preços (Gráfico 08).
218

Gráfico 08. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: agentes que estabelecem o
preço da produção (2023)56.

Atravessador e mercado
Mercado
Atravessador e comprador da Ceasa
Ceasa/Juazeiro
Acordo entre agricultor e atravessador
Atravessador
Acordo entre agricultor e agroindústria
Agroindústria
0 2 4 6 8 10

Nº Agricultores entrevistados

Fonte: Pesquisa empírica (2023).

O papel do atravessador na definição dos preços das frutas é predominante, mesmo que
a definição dos preços seja estabelecida via acordo com o agricultor camponês. Não obstante,
os compradores das frutas na Ceasa de Juazeiro, que também se configuram como
intermediários uma vez que retém parte da comissão sobre a venda das frutas aos varejistas e
empresas exportadoras, também foram mencionados como agentes definidores de preços.
Em relação a frequência de venda das frutas aos diferentes compradores, há variação de
acordo com o cultivo: a manga é comercializada diariamente ou entre 1 e 2 vezes na safra (há
a prática de colheita em apenas uma única vez, comum no arrendamento da safra aos
intermediários), sendo comercializada geralmente a R$ 0,70 e R$ 2,00 o kg ou R$ 25,00 a caixa
com 20 kg; a banana é vendida semanalmente ou quinzenalmente, por uma média de preço de
R$ 25,00 o cento; o melão é comercializado a cada 65 ou 70 dias, custando cerca de R$ 3,00 o
kg; a acerola é comercializada semanalmente no período de safra, com uma média de preço de
R$ 2,50 o kg; e o coco sendo comercializado a cada 40 dias, contendo um menor valor agregado
por unidade, custando apenas R$ 0,55 a unidade.
A Figura 50 representa um lote de agricultor familiar direcionado a produção de coco,
já a Figura 51 mostra sacas de limão comercializados aos intermediários, estas que, assim como

56
As respostas sobre os agentes que definem os preços das frutas são aquelas mencionadas pelos agricultores
camponeses, vista a necessidade de melhor compreensão desse processo. Porém, sabe-se que o atravessador e os
compradores da Ceasa se configuram, nesse caso, como um único agente ao qual acaba lucrando sobre o comércio
das frutas.
219

já relatado sobre casos na Ilha do Pontal, em Pernambuco, também foram devolvidas ao


agricultor sob o argumento de não atender aos padrões de qualidade do mercado.

Figura 50. Maniçoba, Juazeiro/BA: lote de Figura 51. Maniçoba, Juazeiro/BA: sacas de
produção coco (2023). limão produzido por agricultor camponês
(2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Sobre a devolução das sacas de limão produzidos por agricultores loteados em


Maniçoba, o processo se realiza da seguinte forma: o intermediário busca tais produtos no
loteamento agrícola e os encarrega até a Ceasa onde possivelmente serão comercializados,
quando não são escolhidos pelos compradores, tais produtos são encaminhados de volta ao
agricultor que fica sem ter uma destinação certa para o produto, o inserindo no mercado local
da comunidade a um preço bem abaixo do que poderia adquirir (a saca de limão da figura acima
estava à venda por R$ 10,00 ou R$ 15,00 a qualquer comprador).
Percebemos, assim, que as ações dos agentes intermediários, nesse movimento dialético,
se referem a apenas um dos amplos processos aos qual os agricultores camponeses estão
submetidos. A subordinação que os agricultores estão sujeitos nos amplos circuitos espaciais
de produção perpassa a ação dos compradores e envolve também outros agentes, empresas e
instituições que viabiliza, direto ou indiretamente, a produção aos moldes de planos econômicos
superiores, inclusive as decisões sobre o uso e expansão da técnica na agricultura.
220

6. A SUJEIÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA TERRA AO


CAPITAL: TRABALHO, NORMAS E A EXPANSÃO DO USO DE
OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA
FRUTICULTURA IRRIGADA

Aplicação de agrotóxicos em cultivo de melão no


Distrito Mandacaru, Juazeiro, Bahía-Brasil.
Fotografia: Welton Nascimento (2023).
221

Esta seção, fundamental para a confirmação da tese levantada na pesquisa, buscará


debater sobre as especificidades da expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais na fruticultura sob a ótica da produção camponesa no Nordeste Semiárido. Para
tanto, abordaremos processos intrinsicamente ligados ao tema central, sendo eles: a sujeição do
trabalho e da renda camponesa da terra ao capital, as relações normativas no território e a
expansão do consumo produtivo agrícola na produção campesina de frutas irrigadas.
Iniciaremos a abordagem com a análise da exploração do trabalho campesino ao capital
e sua especificidade nas áreas visitadas pela pesquisa empírica. Assim, utilizaremos a categoria
de análise Trabalho, onde retomaremos o escopo teórico-conceitual exposto por Martins (1990)
ao discorrer que, no âmbito da sujeição da renda da terra na agricultura, há um processo de
expropriação do trabalho pelo capital. Logo, como plano de fundo da análise, tomamos como
base os pressupostos de Marx (2017), já expostos em momento oportuno neste trabalho, ao
discorrer sobre a propriedade fundiária e a expropriação do trabalhador rural no capitalismo.
Em seguida, abordaremos as normas e o território no contexto da fruticultura, sobretudo
a partir da ótica dos agricultores camponeses e os impactos sobre eles de um sistema normativo
regido por decisões tomadas externamente aos locais de produção. Grosso modo, trata-se das
relações normativas no território e seus conflitos no âmbito das lógicas globais e locais
associadas a fruticultura irrigada. Para isso, nos apoiaremos nas fundamentais teóricas de Santos
(2017, 1994) e Antas Junior (2005) a partir das categorias de análise território normado e
território como norma.
Por fim, abordaremos a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais
como vetor de sujeição da agricultura camponesa ao capital no contexto da fruticultura irrigada
do Nordeste Semiárido. Assim, utilizaremos a noção de consumo produtivo agrícola ancorada
em Santos (2018, 1999), mediante as proposições de Marx (2011), a fim de compreendermos,
nesse movimento dialético de exploração do trabalho e da renda da terra ao capital, a expansão
do uso de objetos técnicos na fruticultura irrigada.
Além das bases teóricas consideradas nesta seção, os dados e informações coletados
através da pesquisa de campo serão expostos, seja a partir das entrevistas realizadas com os
agricultores ou através das observações (simples e sistematizadas) realizadas pelo pesquisador.
Correspondem aos dados primários que foram sistematizados através de diferentes recursos a
fim de representações didáticas sobre o objeto de análise.
222

6.1 A EXPROPRIAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO CAMPONESA

Ao investigarmos a sujeição da agricultura camponesa ao capital no contexto da


expansão do uso de objetos técnicos na fruticultura, foi possível evidenciar processos de
exploração (e precarização) do trabalho ao capital. Na incessante necessidade de sua reprodução
ampliada, o capital acaba dominando as etapas a montante e a jusante dos processos produtivos,
inclusive onde a agricultura campesina se desenvolve.
Sobre a categoria trabalho, fundamentada por Marx nas diferentes seções dos livros “O
capital” (2013) e “Grundisse” (2011), compreendemos toda atividade humana através da qual
os seres humanos interagem com a natureza e transformam a matéria para atender às suas
necessidades e obter algum resultado. Como tal, o trabalho não é limitante a mera atividade
física, mas também engloba a aplicação de habilidades, conhecimentos e criatividade.
Ao estabelecer relações entre o trabalho e a ciência geográfica, Thomas Junior (2002,
p. 4) se aproxima das contribuições de Marx ao ressaltar que, perante a dialética do processo
social, o trabalho é a “expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza, sendo
que nesse seu ir sendo ou em seu vir a ser está inscrita a intenção ontologicamente ligada ao
processo de humanização do homem”57.
De acordo com o autor, o movimento de reestruturação produtiva do capital “provoca
um extenso conjunto de modificações no âmbito do trabalho e isso remete a profundas
alterações no espaço e no território” (Thomaz Junior, 2002, p. 6). Nesse percurso, quanto mais
aumenta a competitividade e a concorrência intercapitalista, mais cruéis são as consequências
para o trabalho, em especial para a classe-que-vive-do-trabalho. Nesse sentido, ele elenca duas
consequências:

De um lado, a precarização, a dilapidação e a (des)efetivação extremadas e


sem paralelos da força humana que vive-do-trabalho, e por outro lado, a
degradação crescente e sem limites que destrói o meio ambiente e
consequentemente afeta diretamente a relação metabólica entre o homem e a
natureza. A vinculação desses elementos à lógica societal ancorada na
produção de mercadorias, na extração de mais-valia e, portanto, na
valorização do capital nos remete, então, ao conceito de metabolismo
societário do trabalho (Thomaz Junior, 2002, p. 6).

57 Thomaz Junior (2002, p.4) ressalta ainda a partir da “leitura” de Carlos Nelson Coutinho e Sérgio Lessa com
base na Ortologia do Ser Social de Gyorgy Lukács que “trabalho é resultado de um pôr teleológico através do qual
o ser social cria e renova as próprias condições da sua reprodução. O trabalho enquanto fonte primária da
articulação entre causalidade e teleologia é um processo entre atividade humana e natureza que se sintetiza na
célula do ser social”.
223

A reestruturação produtiva do capital no território, a exemplo daquela acometida no


Nordeste brasileiro nos anos 1990, provocou profundas alterações na dinâmica do trabalho em
diferentes setores econômicos, tais como na fruticultura irrigada nos vales úmidos dos
principais rios, no turismo no litoral leste, sobretudo nas capitais e seus entornos, na extração
de petróleo no litoral baiano, sergipano, alagoano e litoral norte potiguar e cearense, na
produção de sal no litoral norte do Rio Grande do Norte, a pecuária leiteira no Seridó e parte
do Agreste e o comércio e serviços nas capitais (Azevedo, 2013)58.
Sobre a fruticultura irrigada no Nordeste, Bezerra (2012) ao aborda a multiescalaridade
da precarização do trabalho na agricultura. Utilizando-se de dados de 1990 e 2010, para fins da
análise evolutiva, sobre os empregos formais, o autor evidencia uma superposição entre a
dinâmica produtiva e a criação de postos de trabalhos formais no contexto da agropecuária
brasileira e nordestina, em especial nas microrregiões da fruticultura irrigada, em que em 1990
apresentava 8.069 empregos formais e passou para 29.956 em 2010. Para o autor, existem
especificidades para essa empregabilidade elevada.

Este fato pode ser explicado pela importância do polo de produção de frutas
localizado no Vale do São Francisco. É o caso da cultura da uva, carro chefe
da produção e da exportação do Vale. O cultivo de uva demanda uma grande
quantidade de trabalhadores devido ao tipo de trabalho executado, que é
caracterizado pela forte dependência do trabalho manual nos tratos culturais.
Esses exigem um cuidado minucioso no raleio e controle dos cachos
(CAVALCANTI, 1999). As demais microrregiões apresentaram dinâmica
crescente, mas com características bem diferentes. Nas microrregiões de
Mossoró e Vale do Açu, no Rio Grande do Norte, e do Baixo Jaguaribe, no
Ceará, as culturas do melão e da banana possuem destaque especial. Nas
microrregiões potiguares, embora o crescimento tenha sido mais tímido com
variação relativa de 72% para Mossoró e 4% no Vale do Açu, quando
observamos historicamente, essas regiões apresentaram momentos de
crescimento e queda no conjunto dos empregos formais (Bezerra, 2012, p.
2012-213).

A fim de contribuirmos com uma análise mais recente sobre a dinâmica do emprego
formal no setor da fruticultura irrigada, o Gráfico 09 apresenta uma amostra de dados do período
de dez anos (entre 2011 e 2021) sobre a empregabilidade nos principais municípios produtores
de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, sobretudo as produções de banana, manga, melão,
melancia, uva, caju, coco-da-baía e mamão.

58
Sobre os impactos dessas atividades produtivas no território, inclusive sobre o trabalho em cada setor produtivo,
o Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da UFRN apresenta uma série de dissertações de mestrado
e teses de doutorado de pesquisadores que, cada um em seu tempo, analisaram os impactos das transformações
provocadas pela reestruturação produtiva do território no Rio Grande do Norte. São exemplos os trabalhos de
Alves (2012), Costa (2011), Andrade (2013, 2018), Silva (2014, 2019) e Lima (2016).
224

Gráfico 09. Empregos formais na fruticultura nos municípios visitados pela pesquisa empírica (2011-2021).

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Limoeiro do Norte Quixeré Aracati Mossoró Baraúna Apodi


Alto do Rodrigues Afonso Bezerra Ipanguaçu Petrolina Lagoa Grande Juazeiro

Fonte: RAIS (2023). Elaboração: Welton Nascimento.


225

Os dados expostos corroboram para a compreensão que Petrolina se desponta quanto ao


principal município que gera emprego formal no setor da fruticultura, em especial dos cultivos
supracitados. Não obstante, os municípios de Lagoa Grande e Juazeiro, também no submédio
São Francisco, apresentam tendência de crescimento nos postos de emprego formal.
Outros dois municípios que tem apresentado uma tendência de crescimento gradual do
número de empregos formais na fruticultura é Apodi, no Oeste potiguar, e Afonso Bezerra, no
Vale do Açu. Sobre o município, ele tem apresentado maior dinamicidade no setor frutícola nos
últimos anos, como na produção de banana, melão, melancia e mamão, além de ter vivenciado
a experiência pioneira no Rio Grande do Norte sobre a produção de uvas. Já o município de
Afonso Bezerra, enquanto inserido no polo produtor do Vale do Açu, tem ganhado destaque
sobretudo pela recente inauguração do DIBA, com foco no setor empresarial de frutas irrigadas
(manga, mamão, banana, coco-da-baía, melão e melancia).
As Figuras 52 (A e B) apresentam dois trabalhadores nas propriedades agrícolas
pioneiras na produção de uvas irrigadas em Apodi. O primeiro, trata-se de um trabalhador
oriundo de Pernambuco, ao qual se deslocou com sua família para o respectivo município a fim
de trabalhar no cultivo de uva, prática já realizada anteriormente pelo mesmo em Petrolina. O
segundo corresponde a um trabalhador local que migrou de outros setores da economia para
trabalhar na produção de uvas, cultivo até então pouco conhecido por ele.

Figura 52 (A e B). Apodi/RN: trabalhadores agrícolas na amarração dos ramos de videiras (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2022).

Ainda sobre os dados expostos, é válido ressaltar que os demais municípios, como os
do Baixo Jaguaribe (Limoeiro, Quixeré e Aracati), do Baixo Jaguaribe (Alto do Rodrigues e
Ipanguaçu) e Baraúna no Oeste Potiguar, apresentaram uma tendência de queda no número de
226

vínculos formais associados as respectivas produções. Já o município de Mossoró apresentou


uma tendência de crescimento gradual até 2017, quando volto a recuar até 2021.
Nesses últimos casos, é válido considerar que “a avaliação da dinâmica do emprego
formal no setor da agropecuária é bastante delicada, uma vez que, as interferências naturais
somadas à conjuntura econômica jogam bastante peso para a variação dos números de
empregos” (Bezerra, 2012, p. 213). Sobre isso, a seca registrada entre o período de 2012 e 2017,
considerada a pior da história no Brasil, com índice pluviométrico abaixo da média e estiagem
prolongada, apresentou forte influência nos indicadores de emprego vinculado a fruticultura.
Soma-se a isso, a reconfiguração das empresas multinacionais e grupos empresariais no setor.
Diante dos dados apresentados, consideramos pertinente elencar que os postos de
empregos formais apresentados correspondem a amplitude de vínculos com carteira assinada,
realidade majoritariamente predominante no agronegócio de frutas irrigadas. Destarte, ressalta-
se que

Os empregos formais gerados pelo agronegócio, a despeito de ser uma relação


de conquista e melhoria de vida e de imersão no setor formal, caracterizado
pela maior cobertura social do Estado mediante a garantia de direitos
trabalhistas historicamente constituídos, não isentam os trabalhadores da
experiência de precarização. Entendemos por precarização do trabalho, a
expressão nefasta para os trabalhadores da exploração desmedida do trabalho
pelo capital (Bezerra, 2012, p. 221).

Ao discorrer sobre a precariedade do emprego formal e as desigualdades sociais no


brasileiro, em especial no meio rural, Martins (1997, 1999), já enfatizava que o emprego formal
por si só não é garantia da dignidade e melhoria das condições de vida dos trabalhadores, visto
que suas consequências podem ser diversas como precariedade laboral, exclusão social,
permanência da desigualdade e limitações no acesso a direitos trabalhistas. Para ele, é preciso
ir além do simples acesso formal ao emprego e buscar a garantia de direitos trabalhistas efetivos,
com salários justos, condições de trabalho adequadas e proteção social abrangente.
Sob essa ótica, verticalizando a análise sobre a produção frutícola camponesa, é bem
verdadeira a premissa de que a expropriação do trabalho camponês ao capital se efetiva através
da apropriação direta da força de trabalho. Esse processo resulta em sérios problemas aos
sujeitos explorados, uma vez que sua autonomia sobre o processo de produção é rompida
mediante lógicas capitalistas de produção.
Conforme já ressaltado em momento oportuno neste trabalho, essa sujeição do trabalho
camponês ao capital se efetiva na realidade de muitas comunidades dentre as visitadas na
pesquisa empírica, a saber o assentamento São Romão (Mossoró), os distritos irrigados do
227

Submédio São Francisco e Baixo Açu, devido ao choque de interesses dos agentes capitalistas
em se apropriar das terras camponesas garantidas pela reforma agrária.
Assim, o resultado é o estabelecimento de condições favoráveis a sujeição real desses
agricultores ao capital, que passa a controlar as relações não capitalistas de produção a partir
do movimento de oferta e dependência dos insumos, máquinas agrícolas, circulação e
comercialização da produção camponesa. Nesse sentido,

embora seja o trabalho, a partir da reprodução simples camponesa que


comande a produção, o controle do capital surge em um outro movimento, na
oferta e dependência dos insumos e máquinas e na circulação e
comercialização, ao comprar as mercadorias camponesas. O capital não tem o
controle completo do trabalho na produção, pois, como afirma Martins (1981),
não é neste momento que o trabalho está subordinado, existindo uma
significativa diferença entre a subordinação no modo de produção capitalista
e não-capitalista (Lima, 2020, p. 173).

Retomarmos posteriormente o debate sobre a subordinação no agricultor camponês ao


capital no contexto de sua dependência dos insumos e máquinas agrícolas. Por ora, a respeito
da subordinação direta da força de trabalho ao capital, é importante abordar três variáveis
importantes no âmbito da exploração da força de trabalho camponesa pelo capital: a
participação dos membros das famílias que trabalham na fruticultura, a jornada de trabalho e o
rendimento médio pago aos membros da família pela atividade agrícola.
Sobre a participação dos membros do núcleo familiar nas 117 unidades campesinas
visitadas no Nordeste Semiárido, somaram-se 291 pessoas envolvidas com as atividades da
fruticultura irrigada, uma média de 2,5 pessoas por propriedade agrícola. A particularidade da
participação das pessoas envolvidas na fruticultura irrigada em cada área visitada é representada
no Gráfico 10.
228

Gráfico 10. Pesquisa empírica: pessoas do núcleo familiar que trabalham na fruticultura irrigada
(2011-2021).

9
8
Nº propriedades camponesas

7
6
5
4
3
2
1
0
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas

2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas

3 pessoas

2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas

2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas

2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas

2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
1 pessoa

1 pessoa

1 pessoa

1 pessoa

1 pessoa

1 pessoa

Não declarado
1 pessoa
5 pessoas

5 pessoas

5 pessoas
Baixo Mossoró e Apodi Baixo Açu Petrolina Juazeiro Lagoa Grande
Jaguaribe Baraúna

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023). Elaboração: Welton Nascimento.

Sob posse desses dados, considerando a variação sobre o número de entrevistas


realizadas em cada área, é perceptível que o número de propriedades camponesas que
apresentam entre 1 e 3 membros do grupo familiar é predominante, sendo que em pelo menos
20 propriedades agrícolas, as atividades são desenvolvidas unicamente pelo papel de um único
camponês, seja ele colono, assentado, ocupante, proprietário ou arrendatário. Esse último dado
releva que o peso de todas as atividades produtivas, ou quase todas considerando que alguns
deles contratam serviços de trabalhadores rurais, recai sobre um único agricultor.
Nesse caso, parece-nos que a perspectiva crítica de John Stuart Mill, em sua obra
Princípios da Economia Política, é pertinente para a análise do trabalho camponês na
fruticultura ao afirmar que “eles trabalham com afinco desde a manhã até a noite e fazem por
saber que trabalham em proveito próprio. Eles trabalham sem parar, diariamente, ano após ano;
são tão pacientes, incansáveis e perseverantes, ou mesmo mais, que os seus animais de carga”
(Kaustky, 1998, p. 153, apud Mill, sem ano e página).
Sobre as propriedades em que os membros do núcleo familiar ultrapassam 3 pessoas
vinculadas ao trabalho na fruticultura, chegando até 5 pessoas vinculadas à produção, há uma
concentração dessa realidade nos municípios do Submédio São Francisco. Como já elencado
anteriormente por Bezerra (2012), isso acontece devido a importância que algumas culturas
como a da uva assumem no contexto local. Não obstante, verificou-se, especialmente em
229

Petrolina e Juazeiro, que existe o fortalecimento da busca por cursos técnicos,


profissionalizantes e acadêmicos por filhos de agricultores camponeses, que retornam ao seio
familiar munidos de conhecimentos técnicos, sendo também sujeitos aos ditames do capital no
contexto da expropriação da força de trabalho (Pesquisa Empírica, 2023).
As Figuras 53 e 54 apresenta dois agricultores camponeses, um que exerce, sozinho, o
trabalho em acampamento de reforma agrário, em Limoeiro do Norte/CE, produzindo mamão,
banana, tomate rasteiro e hortaliças, e outro agricultor no Distrito de Mandacaru, em
Juazeiro/BA, que trabalha na produção de bananas juntamente com um trabalhador rural
contratado para exercer trabalho semanalmente.

Figura 53. Acampamento Zé Maria do Tomé, Figura 54. Distrito de Mandacaru,


Limoeiro do Norte/CE: agricultor individual Juazeiro/BA: camponês e trabalhador rural no
na produção de frutas irrigadas (2022). corte manual de cachos de bananas (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2022). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Outro fator importante no contexto da exploração da força de trabalho pelo capital,


considerando, evidentemente, que a maior parte da produção final é extraída pelo papel do
intermediário, como já comprovado em momento anterior deste trabalho, diz respeito a intensa
jornada de trabalho a qual o camponês deve cumprir a fim de atender a pressão pela
produtividade a ele imposta.
Sob a ótica do que é apresentado por Marx (2013), ao teorizar “A jornada de trabalho”,
vemos o tempo de trabalho na agricultura camponesa de frutas irrigadas do Nordeste Semiárido,
considerando todo o contexto socioespacial a qual está inserida, como uma forma direta de
exploração da força de trabalho do camponês. Esse processo está estritamente relacionado a
uma das formas que o capitalismo encontra de gerar mais-valia absoluta da agricultora, na
medida em que os agentes intermediários buscam prolongar a jornada de trabalho dos
agricultores camponeses através da pressão para reduzir os preços de venda das frutas, levando
230

os agricultores a aumentar sua produção para compensar a queda na receita, o que, por sua vez,
exige mais trabalho e esforço por parte dos agricultores59.
O Gráfico 11, evidencia o panorama geral da jornada de trabalho pelos agricultores
camponeses produtores de frutas no Nordeste Semiárido.

Gráfico 11. Pesquisa empírica: horas trabalhadas pelos agricultores camponeses de frutas irrigadas no
Nordeste Semiárido (2011-2021).

80

70
Camponeses entrevistados

60

50

40

30

20

10

0
14h 12h 10h 9h 8h 7h 6h 5h 4h Não
declarou
Jornada de trabalho diária

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023). Elaboração: Welton Nascimento.

Apesar da grande maioria dos agricultores afirmarem trabalhar oito horas diárias, em
consonância com a jornada de trabalho estabelecida pelas leis trabalhistas brasileiras (mesmo
que o camponês na maioria das vezes não goze da proteção do Estado como acontece em outras
atividades econômicas), é importante considerar a realidade específica desses agricultores no
contexto da produção de frutas no Nordeste Semiárido.
Os camponeses fruticultores muitas vezes estão inseridos em realidade com condições
de trabalho com demandas distintas as de outros setores da economia60, dependendo de fatores
específicos que influenciam na organização da jornada de trabalho como: tamanho da
propriedade, a sazonalidade das colheitas, dependência das condições climáticas, falta de

59
Esse debate vincula-se aquele já exposto em momento oportuno deste trabalho ao dissertar sobre a renda absoluta
na visão do próprio Marx (2017) e de Oliveira (2007).
60
Kaustsky (1998, p.486) afirma que “a agricultura demanda uma flexibilidade bem menor que a indústria. O
plano de trabalho de um estabelecimento agrícola estende-se ao ano inteiro, enquanto o plano do empreendimento
industrial se altera de acordo com a conjuntura”.
231

infraestrutura voltada a produção, dificuldades no acesso a serviços básicos como assistência


técnica e, sobretudo, a pressão por produtividade elevada pelos agentes capitalistas.
Os impactos das longas jornadas de trabalho sobre os camponeses podem ser diversos,
diante das atividades físicas intensas (plantio, manejo das plantas, colheita, transporte etc.), as
quais exigem esforço prolongado, levantamento de cargas pesadas, posturas ergonômicas
inadequadas e repetitivas, exposição a insolação e outros. É possível que eles desenvolvam
uma série de problemas relacionados a saúde como lesões musculoesqueléticas, fadiga física e
mental, exposição a produtos nocivos como agrotóxicos e outros agentes químicos, exaustão
térmica associada a desidratação e a exposição intensa a forte radiação solar. Tais condições
podem levar a impactos negativos sobre a qualidade de vida dos camponeses, como dificuldades
no desenvolvimento de atividades diárias, problemas relacionados ao sono e estresse.
Expostas tais circunstâncias, a fim de aprofundar ainda mais o debate sobre a
expropriação do trabalho pelo capital na fruticultura irrigada, ressalta-se também a rendimento
associado a fruticultura camponesa nas áreas visitados na pesquisa empírica. Isso se torna
importante pela necessidade de compreendermos a real condição desses agricultores, visto que,
conforme nos apresenta Paulino (2003, p. 45), com base na leitura de Chayanov (1974)61,

A acumulação monetária dentro das unidades camponesas tem por critério a


garantia da satisfação das necessidades de consumo da família, através do
princípio de equilíbrio entre trabalho e consumo às expensas da diminuição
da auto-exploração (Paulino, p. 45).

Sob essa perspectiva, os Gráficos 12 e 13 apresentam dados sobre o rendimento mensal


por família e por membro da família vinculado a fruticultura irrigada62.

61
Para Chayanov (1974) a renda é um fenômeno real, econômico e social, criado a partir de uma gama de relações
sociais, que surgiram a partir da produção agrícola.
62
É válido ressaltar que, de acordo com o formulário de entrevista presente no Anexo 2 deste trabalho, a pergunta
sobre o rendimento familiar já era bem definida com classes previamente elaboradas, a fim de uma aproximação
sobre a realidade de cada família. Já em relação ao rendimento por membro da família diretamente vinculado a
produção de frutas, apresentou-se como questão aberta, a fim de melhor especificação sobre o real rendimento por
cada membro da família em relação a produção de frutas.
232

Gráfico 12. Pesquisa empírica: rendimento mensal da família mediante a fruticultura irrigada
(2022 - 2023).

50
45
Nº de camponeses entrevistados

40
35
30
25
20
15
10
5
0
Menos de 1 De 1 a 2 De 2,1 a 3 De 3,1 a 4 Acima de 4 Não declarou
salários salários salários salários salários
mínimo mínimos mínimos mínimos mínimos
Rendimento mensal da família

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023). Elaboração: Welton Nascimento.

Gráfico 13. Pesquisa empírica: valor médio mensal pago a cada membro da família
mediante o trabalho na fruticultura irrigada (2022 e 2023).

45
40
Nº de camponeses entrevistados

35
30
25
20
15
10
5
0
Menos de 1 1 salário 1,5 salários Entre 2 e 3 Entre 4 e 5 2 mil por Não
salário mínimo mínimos salários salários semana declarou
mínimo mínimos mínimos
Rendimento mensal pago a cada membro da família

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023). Elaboração: Welton Nascimento.

A partir dos dados é evidente que a grande a maioria das famílias dos agricultores
entrevistados apresenta um rendimento mensal de até 3 salários-mínimos, com uma forte
concertação de famílias que recebiam entre 1 e 2 salários-mínimos. Quando analisado o gráfico
de rendimento por cada membro da família, é perceptível que a faixa de 1 salário-mínimo
233

praticamente se mantém, sendo tal fator um indicativo de que nessas propriedades visitadas há
a predominância do trabalho desenvolvido unicamente pelo papel de um único agricultor
camponês, utilizando-se ou não de mão-de-obra contratada.
Ainda com base nos dados, é possível verificar que, mesmo que o rendimento familiar
tenha sido elencado estando entre 2,1 e 4 salários-mínimos por pelo menos 27 entrevistados,
quando comparado ao rendimento por membro da família há uma queda significativa sobre a
faixa de pessoas que recebe entre 2 e 5 salários-mínimos. Isso se deve a dois fatores: a divisão
do rendimento familiar entre seus membros que trabalham na fruticultura faz com que o
rendimento individual caia para menos de 1 salário-mínimo; e alguns desses agricultores se
enquadram no grupo de entrevistados que não declararam qual o rendimento mensal de cada
membro da família.
Sobre o caso particular dos três agricultores que afirmaram receber em média 2 mil reais
por semana, corresponde a um caso específico de três irmãos no município de Quixeré/CE que,
após a morte do seu pai, ocorreu a divisão das terras em propriedades menores. De acordo com
os entrevistados, devido as características semelhantes das propriedades em relação ao tamanho
e cultivos realizados, em especial da banana, acabam também tendo um rendimento médio
semelhante entre a fruticultura que é realizada entre uma propriedade e outra.
Apesar de não verificarmos grande distorções sobre o rendimento dos agricultores
entrevistados nas diferentes áreas visitadas empiricamente, sobretudo no âmbito da proporção
de entrevistas realizadas entre uma área e outra, é possível elencarmos alguns fatores que podem
contribuir para a existência de divergências sobre o rendimento dos agricultores camponeses,
tais como: o tipo de fruta cultivada, o tamanho da propriedade e da área para o cultivo, o acesso
a água, o acesso a recursos técnicos para a produção, conhecimento técnico e capacitação, as
relações com os compradores e outros.
Diante do exposto, depreende-se que o baixo rendimento dos agricultores camponeses,
grupo esse que vive-do-trabalho (Thomaz Junior, 2002), decorre de um contexto de assimetria
das reações entre o agricultor e os agentes intermediários, bem como da dependência sobre eles.
Não obstante, resulta também da ausência de uma organização coletiva na maioria das áreas
visitadas, falta de certificações de qualidades reconhecidas e até mesmo a desvalorização da
produção local, visto que em muitos casos há um certo preconceito sobre a origem geográfica
das frutas, podendo levar à sua desvalorização.
Ressalta-se ainda sobre o trabalho na agricultura camponesa que se tem, além da força
de trabalho do próprio agricultor, o trabalho daqueles que são empregados com vínculos formais
ou não na agricultura. Sobre os sujeitos que não apresentam vínculos formais protegidos pelo
234

Estado perante as leis trabalhistas que regem o contrato social, é evidenciado que corresponde
a maioria nas áreas visitadas empiricamente, visto que a realidade do contrato formal em
carteira assinada é uma prática muitas vezes desconhecida pela maioria dos trabalhadores rurais
associados a fruticultura irrigada no Semiárido (Bezerra, 2012).
No universo amostral dos camponeses entrevistados, 65 deles afirmaram que utilizam
mão de obra remunerada para a realização de trabalhos na produção de frutas, sejam esses
trabalhadores com vínculos formais (no caso das propriedades com nível organizacional mais
elevado, evidente predominantemente no Submédio São Francisco) ou informais como diaristas
ou contratados semanalmente (Gráfico 14). Outros 50 agricultores afirmaram não utilizar mão
de obra remunerada, ou seja, utilizando-se da mão de obra apenas de familiares para realizar
atividades produtivas. Outros 2 agricultores se abstiveram da resposta a essa questão. Dos que
afirmaram possuir trabalhador remunerado no momento da entrevista, 56 dos camponeses
responderam sobre a quantidade de trabalhadores contratados naquele momento. Os demais não
quiseram responder à pergunta.
235

Gráfico 14. Pesquisa empírica: número de trabalhadores remunerados por unidade agrícola campesina com produção de frutas irrigadas (2022-2023).

10

8
Nº de unidades campesinas visitadas

0
1a5 6 a 12 13 a 26 1a5 1a5 6 a 12 1a5 6 a 12 1a5 6 a 12 13 a 26 27 a 30 1a5 1a5
Baixo Jaguaribe Mossoró e Apodi Baixo Açu Petrolina Juazeiro Lagoa
Baraúna Grande

Nº de trabalhadores agrícolas

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023). Elaboração: Welton Nascimento.


236

É perceptível que, em todas as áreas visitadas pela pesquisa empírica, o número de


unidades agrícolas campesinas que apresentam entre 1 e 5 trabalhadores remunerados é
predominante. Claramente esse comportamento varia de acordo com as características das
demandas produtivas nas propriedades visitas, como o tipo de cultivo realizado em cada uma
delas, o tamanho da unidade agrícola, a estrutura organizacional, a presença de tecnologias no
processo de produtivo, o acesso a água para produção (quanto mais amplo o sistema de
irrigação, maior a demanda para serviços de manutenção etc.) e outros63.
Destarte, é visível que o município de Petrolina apresenta maior amplitude no número
de trabalhadores associados às unidades produtivas campesinas. Esse fato deriva, em especial,
daquelas unidades agrícolas visitadas em que a principal atividade produtiva é o cultivo de uvas.
Neste, o trabalho manual se efetiva de maneira intensiva, em que os trabalhadores precisam
realizar tarefas como a poda das videiras, amarração dos galhos, desbaste dos cachos, colheita
seletiva e acondicionamento adequado das uvas.

Figura 55. Petrolina/PE: uva branca sem Figura 56. Petrolina/PE: parreiral de uva
semente colhida seletivamente em unidade Thompson cultivada em unidade agrícola
agrícola camponesa (2023). camponesa (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

No caso das unidades produtoras de uvas, é válido salientar que os trabalhadores podem
ser contratados temporariamente para realizar tarefas sazonais, ou podem ser contratados por
períodos mais longos, de acordo com a demanda de cada unidade produtiva. Conforme relatos
dos próprios fruticultores, dentre os cultivos realizados na fruticultura irrigada no Submédio
São Francisco, o de uva é o que necessita de maior cuidado sobre a regularização dos vínculos

63
Além desses fatores, o número de entrevistas realizadas em cada área visitada pela pesquisa empírica também
implica na diferença do número de trabalhadores por unidade campesina. Mesmo que estejamos resguardados pelo
cálculo estatístico sobre o número de entrevistas realizadas, tal ponderação torna-se válida.
237

formais de trabalho, visto que essas unidades são mais focadas pelos órgãos fiscais sobre o
direito dos trabalhadores rurais (Pesquisa Empírica, 2023)64.
Ainda de acordo com as entrevistas realizadas nas vinícolas em Petrolina constatou-se,
sobretudo entre os agricultores camponeses mais capitalizados, a preferência por contratar
mulheres para o trabalho na produção de uvas, sob a justificativa de apresentarem maior
habilidade e delicadeza para o tratamento com as frutas, desenvoltura no trabalho em equipe e
resistência ao calor (Pesquisa Empírica, 2023). O fato é que tais fatores somam-se a
disponibilidade de mão de obra local, sobretudo nos núcleos de povoamento do projeto Nilo
Coelho, e aos estereótipos de gênero aos quais associam as mulheres à trabalhos agrícolas
considerados “leves” ou “adequados”, fator que leva a um debate sobre desigualdade de gênero
no respectivo ramo produtivo.
Sobre a natureza dos vínculos de trabalho nas unidades produtivas da agricultura
campesina, o trabalho temporário se faz predominante em todas as áreas visitadas. Já o trabalho
permanente sequer aparece existente nas unidades visitadas, como em Mossoró (RN) e Lagoa
Grande (PE) (Gráfico 15). Os vínculos aqui considerados são aqueles relacionados às unidades
produtivas da agricultura campesina, a partir da relação de contrato formal ou não entre o
camponês e o trabalhador. Essa ressalva é importante haja vista a existência de outros
trabalhadores que atuam nas unidades produtivas campesinas, a exemplo daqueles contratados
pelos agentes intermediários que trabalham na colheita e embalagem de frutas como mangas,
uvas e melão em períodos de safra.

64
Em fevereiro de 2023, cerca de 215 homens foram encontrados em condições de trabalho análogo a escravidão
na colheita de uva no Rio Grande do Sul, conforme aponta o Ministério Público do Trabalho do RS. Disponível
em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/02/24/operacao-deflagra-trabalho-analogo-a-escravidao-na-colheita-
da-uva-no-rio-grande-do-sul>.
238

Gráfico 15. Pesquisa empírica: natureza dos vínculos de trabalho na fruticultura camponesa
(2022 e 2023).

A – Trabalho Permanente

B – Trabalho Temporário

A e B - Permanente e temporário

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023). Elaboração: Welton Nascimento.

Apesar da variação do número de unidades camponesas visitadas, a existência dos


vínculos empregatícios depende do tipo de atividade desenvolvida e da sazonalidade das
culturas. Isso é evidente nos municípios visitados no Submédio São Francisco, em que Petrolina
apresenta maior número de trabalhos permanentes, visto que tal natureza de vínculo sequer
aparece nas unidades visitadas em Juazeiro e Lagoa Grande.
Essa particularidade de Petrolina deriva da especialização da produção de uvas no
município, sendo uma cultura que exige constante cuidado e manuseio das plantas e frutas. Não
obstante, é válido constar que se trata do cultivo de uva de mesa, o que requer diversas etapas
para o escoamento da produção como a seleção das frutas, limpeza, classificação (obedecendo
critérios de tamanho, cor e qualidade), embalagem, etiquetagem, armazenamento e expedição.
Esse maior número de vínculos formais permanentes na fruticultura em Petrolina converge com
os dados já apresentados da RAIS/MTE para o período de 2011 a 2021.
Nas unidades produtoras visitadas em Mossoró e Baraúna, sequer apareceu vínculos
permanentes de trabalho. Segundo relatos de alguns camponeses entrevistados, isso se deve
pelo forte papel dos agentes intermediários e, consequentemente, dos trabalhadores por eles
239

empregados para a colheita de melão e melancia65. Assim, resta ao produtor camponês


contratar, temporariamente, trabalhadores para a montagem das áreas destinadas ao cultivo e
sua manutenção ao longo das safras (Pesquisa Empírica, 2023).
No Baixo-Jaguaribe, os vínculos permanentes associados a agricultura campesina
referem-se ao caso já relatado anteriormente dos três agricultores mais capitalizados que
herdaram as terras do pai e que atualmente cultivam bananas, necessitando de vínculos
permanentes para a manutenção das tarefas em suas terras. Já no Baixo-Açu, apenas um
agricultor camponês possui trabalhador com vínculo temporário e permanente na fruticultura,
principalmente no desempenho de trabalho associada a produção de polpas de frutas.
Quando questionados sobre os períodos de maiores demandas de mão de obra na
agricultura, o que requer compreender que se refere ao período com maior aplicação da força
de trabalho na produção, os agricultores afirmaram que são no período da colheita, montagem
de área, na floração (caso das mangas que precisam de um relativo cuidado sobre a aplicação
de produtos químicos na produção), continuamente na safra e/ou de acordo com a demanda.
Sobre os tipos de trabalho realizados foi mencionado, predominantemente, o trabalho de
colheita e serviços gerais.
Sobre a origem dos trabalhadores agrícolas contratados para trabalhar na fruticultura, os
agricultores responderam que derivam, predominantemente, do próprio local e/ou de
comunidades próximas. Sobre a remuneração, os valores pagos aos trabalhadores são
semelhantes entre todas as áreas visitadas, sendo R$ 60,00 a diária de serviços prestados, R$
300,00 o contrato semanal e um salário-mínimo para os trabalhadores permanentes (com ou
sem comissões por horas extras e gratificações).
Sobre a escolaridade dos trabalhadores, apenas 43 agricultores entrevistados afirmaram
saber o grau de escolaridade dos trabalhadores que prestam serviço em suas unidades
produtivas. Desses, é predominante as menções sobre trabalhadores sem o ensino fundamental
completo, sendo que apenas cinco agricultores afirmaram que o nível de escolaridade dos
trabalhadores é médio completo e incompleto.

65
No caso do Assentamento São Romão, em Mossoró, trabalhadores campesinos relatam sobre a existência do
que compreendemos, com base em Martins (1996), como trabalho acessório, prática caracterizada quando o
agricultor camponês trabalha em seu lote e complementa sua renda a partir do trabalho em atividades diversas em
propriedades de frutas situadas em localidades próximas, sejam em outras propriedades campesinas ou em
agroindústrias de frutas em tarefas de poda, limpeza e outras. Quando não é o próprio agricultor camponês
trabalhando na agroindústria, esses “serviços de bico”, como é localmente denominado, são feitos por membros
do núcleo familiar que disponibilizam sua força de trabalho (aperfeiçoada no trabalho familiar ao longo do tempo)
a fim de complementar a renda da família.
240

Diante da conjuntura exposta sobre o emprego do trabalho na produção camponesa, seja


pelo próprio camponês e/ou pelos sujeitos contratados por eles para o trabalho na agricultura, é
importante considerar que o capital não tem o controle completo do trabalho na agricultura
camponesa. Conforme alerta Martins (1990), mesmo reconhecendo a importância do trabalho
a partir de sua reprodução simples no comando da produção agrícola, o movimento de controle
do capital sobre a produção camponesa se dá mediante a oferta e dependência por objetos
técnicos, bem como pela circulação e comercialização da produção agrícola.
Isso nos direciona a emergência da relação direta entre a técnica e a norma nas atividades
produtivas contemporâneas, uma vez que

A técnica, e não somente a força-trabalho, é o modo pelo qual os homens se


relacionam com a natureza (natural e recriada), atribuindo à materialidade
intencionalidades condicionadoras das ações. Em outros termos, a partir de
uma dada configuração dos objetos técnicos. Intencionalmente estabelecida,
decorre a repetição de um certo conjunto de ações (embora não impossibilite
ações inusitadas). Assim emerge a norma: como a resultante de um
condicionamento que produz a rotinização de um dado evento. Mas para que
seja norma, é condição sine qua non que o condicionador tenha origem social
(Antas Júnior, 2005, p. 58-59).

Assim, estamos diante daquilo que Marx (2017) teoriza como renda diferencial II, que
considera os investimentos direcionados à melhoria da produção em uma certa porção de terra,
seja pelo emprego de objetos técnicos avançados, irrigação eficiente, uso de fertilizantes
adequados, controle de pragas e doenças etc. Ora utilizados, esses materiais acabam
transferindo valor para o produto agrícola, sendo que, na agricultura de base familiar, há um
verdadeiro descompasso entre os preços ofertados ao agricultor e o preço estabelecido pelos
intermediários sobre a compra dos produtos agrícolas. Esse problema, comum na produção de
frutas no Nordeste Semiárido, será apresentado a seguir.

6.2 TÉCNICA E NORMA: O EMBATE ENTRE AS LÓGICAS GLOBAIS E LOCAIS DE


PRODUÇÃO DE FRUTAS IRRIGADAS

Partimos da base conceitual proposta por Milton Santos (2017), segundo a qual as
categorias técnica e norma são fundamentais para compreender o espaço geográfico. Nesse
sentido, o espaço geográfico consiste em um conjunto de sistemas de objetos inseparáveis dos
sistemas de ações. Assim, compreendemos que os produtos do trabalho humano, ou seja, os
objetos artificiais, são moldados por normas, uma vez que "requerem e geram extensa
regulamentação para desempenhar a função desejada por seus investidores, sejam eles
empresários, entidades estatais ou uma comunidade local" (Antas Júnior, 2005, p. 57).
241

Já em relação ao conjunto de ações, as quais supõe a existência dos agentes imbuídos


de intencionalidades, elas

Só se realizam por meio da técnica e da norma, e atualmente de modo


intensificado, pois as ações se tornaram sobremaneira complexas e estão
dividias em uma grande quantidade de etapas realizadas por objetos técnicos
e definidas igualmente por um detalhado ordenamento de normas, sejam elas
jurídicas, técnicas ou morais (Antas Júnior, 2005, p. 58).

Dessa forma, Santos (2017) nos ensina que no período histórico atual, a “organização”
das “coisas” no território é um dado fundamental, pois, nos diferentes arranjos espaciais, é
necessário, de um lado, a adoção dos objetos suscetíveis a participar dessa ordem e, de outro,
as regras de ação e comportamento que regulam a distribuição dos objetos no território. Citando
Godelier (1972), o autor afirma também que as normas são criadas intencionalmente e que no

mundo globalizado, isso supõe, para entender o espaço, a necessidade de ir


além da função localmente exercida e de também considerar suas motivações,
que podem ser distantes e até mesmo um fundamento planetário. Como as
ações, as normas também se classificam em função da escala de sua atuação e
pertinência. A ordem mundial é cada vez mais normativa e, também, cada vez
mais normatizada. Esse fato responde à preeminência da técnica em todos os
aspectos da vida social. Já que o propósito do fenômeno técnico é ser, a um
tempo, normativo e normatizado (J. -P. Séris, 1994, p. 71) (Santos, 2017, p.
229).

Nessa perspectiva relacional entre as normas e as técnicas, Milton Santos ressalta a


possibilidade de falarmos sobre a normatização da técnica, relacionada a padronização das
práticas produtivas e ao estabelecimento de regulamentos que direcionam a sua implementação,
e a normatividade da técnica, referente às imposições feitas pelos atores dominantes sobre
padrões técnicos e práticas consideradas eficientes e/ou corretas aos processos produtivos.
No âmbito da fruticultura irrigada, intrínseca aos circuitos espaciais produtivos
globalizados, tanto a normatização da técnica quanto a normatividade da técnica são efetivas.
A normatização da técnica está relacionada às normas estabelecidas e impostas por instituições
reguladoras, que estabelecem critérios e diretrizes a serem seguidos para garantir a qualidade,
segurança e sustentabilidade das práticas técnicas ao longo de todo o processo de cultivo das
frutas. Por outro lado, a normatividade da técnica está ligada à disseminação de modelos que
priorizam critérios de produtividade agrícola, eficiência e rentabilidade no cultivo das frutas.
Assim, normatização e a normatividade da técnica estão estritamente relacionadas a
categoria de território normado (Santos, 2017), associado ao papel do Estado na regulação sobre
o uso dos objetos técnicos nas atividades produtivas e, sobretudo, pela importância dos atores
hegemônicos capitalistas na disseminação dos objetos técnicos. Através dessas normas,
242

impostas hierarquicamente, o objetivo é que haja um controle, direcionamento sobre a


ocupação, o uso e a apropriação do território.
Considerando o papel do Estado, compreendemos o mesmo como uma estrutura
responsável por

organizar a sociedade e, para isto, utiliza vários mecanismos a fim de não


permitir que as pessoas vivam no caos ou no estado de natureza fazendo aquilo
que julgam ser melhor para si mesmos. Este instrumento passa assim a
defender, cuidar e manter os princípios de igualdade, liberdade e propriedade
privada como sendo direitos naturais dos indivíduos (Anacleto, 2013, p.81).

De acordo Jessop (2009), baseando na leitura Poulantzas (1978), o Estado como


estrutura formada por agentes sociais, caracteriza-se como uma relação social, que no atual
período histórico encontra-se subordinado aos ditames do sistema capitalista de produção.
Trata-se de uma estrutura formada de acordo com cada formação social, organizado
hierarquicamente a partir das classes sociais que o constitui, onde a dominação política se
realiza a partir do projeto hegemônico sobre as demais classes sociais.
Na agricultura brasileira, o Estado desempenha um claro papel na promoção e apoio ao
agronegócio, sendo um facilitador e promotor das grandes empresas agrícolas, por meio de
incentivos e subsídios, ofertadas por políticas que favorecem o setor econômico. Tal relação
simbiótica entre o Estado e agronegócio, resulta numa série de problemas sociais, econômicos
e ambientais no país, em especial nas regiões mais vulneráveis.
Assim, o Estado regulamenta as atividades agrícolas, inclusive a expansão da técnica na
mesma, através de um conjunto de diretrizes normativas, estabelecidas em leis e decretos que
dispõe de critérios a ser seguidos na produção. No Nordeste Semiárido, onde a água é um
recurso escasso devido à sua má distribuição, a atuação do Estado se faz essencial no
gerenciamento seu uso, incentivando práticas sustentáveis de irrigação e promover o
desenvolvimento da fruticultura na região.
No âmbito das regulamentações estabelecidas pelo Estado brasileiro através de leis e
decretos, refletindo diretamente na fruticultura no país, destacam-se: Lei Nº 12.787/2013 -
Política Nacional de Irrigação que estabelece diretrizes para o desenvolvimento da irrigação no
país, promovendo a utilização racional e sustentável dos recursos hídricos; Lei Nº 9.433/1997
- Política Nacional de Recursos Hídricos a qual estabelece os fundamentos, os objetivos e os
instrumentos da política nacional de recursos hídricos, incluindo a gestão dos recursos em
bacias hidrográficas, importante para a irrigação das culturas; e a Lei Nº 8.171/1991 – Política
Agrícola que prevê recursos e estabelece ações relativas as atividades agropecuárias.
243

Não obstante, sobre as leis que estabelecem diretrizes normativas associadas a expansão
do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura brasileira, bem como
financiamentos direcionados a aquisição deles, destacam-se:

• Lei Nº 4.829/1965 – Crédito Rural: define os princípios e diretrizes voltadas a fomentar


o desenvolvimento do setor agrícola por meio do acesso ao financiamento adequado
para os produtores rurais;
• Lei Nº 10.711/2003 - Sistema Nacional de Sementes e Mudas (SNSM) ao qual
estabelece diretrizes de produção, comercialização e uso de sementes agrícolas;
• Lei Nº 7.802/1989 – Regulamentação de Agrotóxicos: estabelece diretrizes para o
controle e a fiscalização dos agrotóxicos, envolvendo a regulamentação da produção,
importação, exportação, transporte, armazenamento, comercialização, propaganda,
utilização e descarte desses produtos. Prevê também a necessidade de registros e
autorizações para a fabricação e o uso dos agrotóxicos no país;
• Lei Nº 6.894/1980 - Inspeção e fiscalização da produção e comércio de fertilizantes e
insumos agrícolas: estabelece as disposições sobre a inspeção e a fiscalização da
produção e do comércio de fertilizantes, corretivos, inoculantes, estimulantes ou
biofertilizantes, remineralizadores e substratos para plantas, destinados à agricultura; e
• Decreto Nº 11.014/2022 - Registro Nacional de Tratores e Máquinas Agrícolas
(Renagro): estabelece o registro dos tratores e demais aparelhos automotores destinados
a puxar ou a arrastar maquinaria agrícola ou executar trabalhos agrícolas.

Além das leis e decretos estabelecidos no âmbito nacional, das quais visam a
normatização da técnica no território, também são importantes as regulamentações criadas no
âmbito de cada estado, sobretudo considerando suas particularidades produtivas agrícolas.
Como exemplo, a respeito da difusão dos insumos e máquinas agrícolas, inclusive para atender
as demandas da fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, é possível mencionar no âmbito
do estado de Pernambuco o Decreto Nº 40.260/1956 que estabelece normas para importação e
distribuição de máquinas e implementos agrícolas e a Lei Nº 17.042/2020 que dispõe sobre as
diretrizes para o armazenamento de insumos agropecuários.
No estado da Bahia, podemos citar o Decreto Nº 11.414/2009 que dispõe sobre a Defesa
Sanitária Vegetal, inclusive sobre à inspeção e fiscalização dos insumos agrícolas pela Agência
Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB e a Lei Nº 6.455/1993 que dispõe sobre o
244

controle da produção, da comercialização, do uso, do consumo, do transporte e armazenamento


de agrotóxicos, seus componentes e afins.
No Rio Grande do Norte, se destaca o Decreto Nº 26.594/2017 que dispõe sobre o
controle da produção, comércio, uso, armazenamento, transporte interno e o destino de
embalagens e resíduos de agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como o Decreto Nº
31.825/2022 que dispõe sobre a isenção nas operações com insumos e produtos
hortifrutigranjeiros, agropecuários e extrativos, animais e vegetais.
Já no estado do Ceará, destacam-se o Decreto nº 34.022/2021, e o Decreto nº
34.184/2021, respectivamente, que prorrogam o Convênio ICMS 100/1997, direcionado a
redução da base de cálculo do ICMS nas saídas dos insumos agropecuários, bem como o
Decreto nº 23.705/1995 que dispõe sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o
armazenamento dos agrotóxicos, componentes e afins, além da fiscalização, uso, comércio,
armazenamento e transporte interno destes produtos.
Sobre as regulamentações citadas no âmbito federal, elas possuem um papel
significativo no contexto das atividades agropecuárias, destacando-se a Política Nacional de
Crédito Rural devido às suas implicações territoriais na operacionalização dos programas de
financiamento. Essa política desempenha um papel fundamental ao direcionar recursos
financeiros para o setor agropecuário, impulsionando a instrumentalização do território e a
geração de ações dotadas de conteúdos dinâmicos.
De acordo com o Manual do Crédito Rural (MCR), do Banco Central (2023), o crédito
rural se realiza através de programas nas categorias de custeio, investimento e comercialização.
Os beneficiários são pessoas físicas ou jurídicas, que podem ser classificadas de acordo com a
Receita Bruta Agropecuária Anual (RBA), sendo: o pequeno produtor, aquele que possui receita
até R$500.000,00 (quinhentos mil reais); médio produtor, com receita acima de R$500.000,00
(quinhentos mil reais) até R$2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais); e grande
produtor com receita acima de R$2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
Os programas de financiamento vigentes direcionados a agropecuária nacional podem
ser classificados de acordo com o público aos quais são direcionados, conforme a natureza das
instruções normativas contidas no MCR, sendo: aqueles com enfoque a agricultura de base
familiar, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o
Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura Familiar (Proagro Mais); os
direcionados ao médio produtor rural como Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor
Rural (Pronamp); e aqueles endereçados aos grupos agroindustriais e a cooperativas,
financiados com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
245

(BNDES), como o Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro),


Programa de Modernização da Agricultura Irrigada e Conservação dos Recursos Naturais
(Moderagro), Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos
Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), Programa de Desenvolvimento Cooperativo para
Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), Programa de Incentivo à Inovação
Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro) e o Programa de Financiamento à
Agricultura Irrigada e ao Cultivo Protegido (Proirriga).
Sob uma perspectiva crítica, observa-se que, com exceção do Pronaf e Proagro Mais, os
demais programas apresentam diretrizes normativas bem definidas, as quais favorecem
principalmente a produção agrícola alinhada com as lógicas do agronegócio. Essa constatação
é evidenciada pelo Cartograma 03, que exibe dados sobre os investimentos e contratos
realizados no Brasil no período de 2013 a 2022, revelando disparidades significativas entre as
regiões.
246

Cartograma 03. Brasil: valor investido e contratos fechados mediante os programas de Crédito Rural (2013-2022).
247

Os financiamentos e contratos firmados no primeiro grupo de programas destacam a


importância das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste no contexto do Crédito Rural, reforçando
o papel da Região Concentrada na consolidação do agronegócio integrado aos circuitos
produtivos globais (Santos; Silveira, 2008). Por outro lado, observa-se uma significativa
disparidade nos valores de investimentos e contratos nos respectivos programas entre as regiões
Nordeste e Norte do país, que ficam consideravelmente atrás nesse aspecto.
Os dados relativos ao Pronaf revelam disparidades significativas no que diz respeito à
agricultura familiar no Brasil ao longo da última década. Embora a região Nordeste tenha
apresentado o maior número de contratos, é nas regiões Sul e Sudeste que se concentra mais de
71% do valor total dos financiamentos para o período em questão. Salienta-se que tal
divergência pode ser explicada, em parte, por fatores como: a diferença na estrutura agrícola
entre as regiões, com o Sul e Sudeste apresentando menor número de estabelecimentos agrícolas
camponeses, porém com maior disponibilidade de recursos e capitalização, o que viabiliza
investimentos mais expressivos; a capacidade produtiva e o potencial de geração de renda nas
propriedades; a diversidade de culturas e a produção agropecuária; além das condições
climáticas favoráveis ao desenvolvimento de cultivos variados.
No entanto, esses fatores não diminuem a urgência de fortalecer a agricultura de base
familiar no Nordeste brasileiro, especialmente em sua região semiárida. Nessa área, os desafios
são numerosos, como a escassez de água devido a períodos prolongados de seca e condições
climáticas adversas em determinadas áreas. Além disso, existem desigualdades
socioeconômicas, falta de assistência técnica e capacitação para agricultores e trabalhadores
rurais, falta de acesso a tecnologias e outras ferramentas para melhorar a produção e,
principalmente, a necessidade de fortalecer relações comerciais justas para a comercialização
da produção agrícola, considerada a atual conjuntura de quase total dependência aos agentes
intermediários.
Observa-se também a carência de fortalecimento da agricultura de base familiar na
região Norte, onde os desafios são igualmente diversos, sobretudo devido ao estágio atual de
expansão da fronteira agrícola. Essa expansão tem ocasionado diversos problemas nas áreas
agrícolas, tais como conflitos fundiários, infraestrutura básica limitada, fragilidade dos solos e
problemas de fertilidade, desmatamento, entre outros.
No caso do Centro-Oeste, a menor quantidade de financiamentos pelo Pronaf pode ser
explicada pela estrutura agrícola voltada para grandes propriedades, concentração fundiária e
menor presença da agricultura de base familiar em comparação com outras regiões.
248

As disparidades no meio rural se tornam evidentes quando analisamos as normas


estabelecidas pelos programas em questão, que direcionam claramente os investimentos para o
agronegócio em detrimento da agricultura camponesa. Esse fato pode ser percebido pela
“extrema desigualdade na distribuição dos recursos entre esses dois vetores da agricultura que
são de certa forma extrínsecos e antagônicos” (Azevedo; Pessôa, 2011, p. 490).
O padrão de desigualdade no financiamento da agricultura brasileira se repete também
quando observamos os dados relacionados ao Proirriga, que teoricamente abrange a fruticultura
irrigada em todo o território nacional, incluindo o Nordeste Semiárido. Durante o período de
2013 a 2022, dos R$ 11.936.097.177,58 destinados ao financiamento, as regiões Sul e Sudeste
receberam pouco mais de 87% dos investimentos, enquanto o Nordeste ficou com apenas 6%,
seguido pelo Centro-Oeste com 4,8% e o Norte com apenas 1,5%.
Embora seja uma oportunidade valiosa para qualquer agricultor, seja pessoa física ou
jurídica, bem como para cooperativas de produtores rurais envolvidas na agricultura irrigada, o
Proirriga, em suas diretrizes normativas, claramente enfatiza a proteção da fruticultura em
regiões de clima temperado contra a incidência de granizo. Os itens financiáveis pelo programa
incluem sistemas de irrigação, infraestrutura elétrica, reservatórios de água, equipamentos para
monitoramento da umidade do solo, aquisição de equipamentos, estações meteorológicas e
softwares necessários para sua operacionalização. Essa seleção de itens ressalta, novamente, a
focalização do programa em áreas geográficas específicas do país e na resposta às demandas
hegemônicas da fruticultura no país.
Apesar da proteção contra a incidência de granizo seja uma necessidade importante em
regiões de clima temperado, é necessário considerar outras áreas do país que também poderiam
se beneficiar desse programa, como aquelas propensas a outros desafios climáticos, como é o
caso da seca no Nordeste, ou com necessidades específicas relacionadas à agricultura irrigada.
Considerando a dificuldade enfrentada pelo Estado em suprir todas as demandas de
financiamento no contexto da dinâmica produtiva agrícola no país, de forma a considerar as
reais especificidades dos agricultores camponeses no âmbito da produção, não é surpreendente
que o seu direcionamento às necessidades dos fruticultores de base familiar no Nordeste
Semiárido seja limitado. Entre os 117 agricultores entrevistados, apenas 13 deles possuíam
contratos de financiamento ativos no momento da entrevista. Além disso, dois outros
agricultores mencionaram ter realizado contratos de financiamento no passado, mas já haviam
quitado suas dívidas na época da entrevista. Por outro lado, um agricultor afirmou ter realizado
um financiamento anteriormente e já o ter quitado até o momento da entrevista.
249

Vale ressaltar a ocorrência de relatos em comum entre os entrevistados as quais


expressam claras insatisfações com o sistema bancário no que diz respeito ao financiamento de
atividades agrícolas, devido às altas taxas de juros associadas ao crédito rural.
O Quadro 05 apresenta os bancos pelos quais os financiamentos foram realizados,
além do número de agricultores beneficiados e os respectivos valores.

Quadro 05. Pesquisa empírica: agricultores camponeses com financiamento ativo


(2022 e 2023).

Banco financiador Nº agricultores Financiamento rural (mil R$)


Banco do Nordeste (BN) 5 5 205 40 40 25
Banco do Brasil (BB) 6 400 400 400 200 50 X*
BN e BB 1 100
Não informado 1 66

Fonte: Pesquisa Empírica (2022, 2023).


* Valor do financiamento não informado.

Os financiamentos solicitados pelos fruticultores provêm de estabelecimentos agrícolas


localizados nos municípios de Limoeiro do Norte, Quixeré e Aracati (CE), Petrolina e Lagoa
Grande (PE), Juazeiro (BA) e Ipanguaçu (RN). Em relação à posse da terra, os agricultores são
ocupantes, proprietários ou colonos, sendo esse um elemento facilitador para a obtenção de
empréstimos, uma vez que podem oferecer garantias aos bancos.
A análise desses dados sobre a condição do agricultor em relação às terras é de extrema
importância. Isso ocorre porque os empréstimos bancários frequentemente requerem garantias,
como instrumentos, máquinas e outros materiais adquiridos, além da própria terra. Essa
exigência reflete uma forma pela qual o capital busca extrair renda da terra, uma vez que, do
ponto de vista da posse, o banco não pode possui-la (Martins, 1990).
No caso dos três fruticultores com financiamento ativo no valor de R$ 400.000,00, trata-
se dos três irmãos mencionados anteriormente neste trabalho no município de Quixeré. Cada
um deles possui sua parcela de terra, herdada da família. No entanto, não ficou claro se o
financiamento se refere a empréstimos individuais, cada um com o seu valor, ou se é um
empréstimo conjunto, envolvendo os três irmãos.
É importante ressaltar que os financiamentos concedidos aos fruticultores possuem
diferentes condições de pagamento, dependendo das linhas de crédito utilizadas. No entanto,
constatou-se uma semelhança entre os agricultores entrevistados que possuíam financiamentos
ativos: a presença de um período de carência antes do início dos pagamentos ao banco.
250

Geralmente, esse período varia de 1 a 2 anos, após o qual é iniciado o pagamento anual do valor
do crédito.
O agricultor mutuário de Ipanguaçu, que obteve um empréstimo de R$ 66.000,00 por
meio do Pronaf, relatou que utilizou o crédito para aquisição de insumos, defensivos agrícolas
e equipamentos de irrigação. Em outro contexto, uma agricultora no município de Lagoa
Grande mencionou durante a entrevista a existência de problemas relacionados à cotação
praticada pelo banco em comparação com a cotação praticada pela loja de insumos agrícolas.
Ela considerou essa diferença como uma questão problemática associada aos empréstimos, pois
a cotação do banco sempre é mais alta do que a cotação real dos insumos no mercado.
É relevante destacar um aspecto importante identificado por meio da pesquisa empírica
e relatado por alguns agricultores: a falta de acesso adequado ao crédito rural, especialmente na
modalidade de investimento agrícola, de acordo com as reais condições dos agricultores
camponeses, pode acarretar uma série de problemas relacionados ao armazenamento dos
objetos técnicos essenciais, tais como insumos, ferramentas, máquinas e implementos agrícolas.
Com base nas entrevistas conduzidas, observa-se uma prevalência de agricultores que
possuem algum tipo de área para armazenamento dos materiais mencionados. No entanto,
quando questionados se esses locais são suficientes para atender plenamente às suas
necessidades, verifica-se uma redução desses números (Gráficos 16 e 17).

Gráfico 16. Pesquisa empírica: há local Gráfico 17. Pesquisa empírica: o local de
de armazenamento dos insumos armazenamento é suficiente?
agrícolas?

30% 34%

66%
70%

O local de armazenamento é
Há local de armazenamento suficiente
Não tem ou o local de
Não há local de armazenamento armazenamento é insuficiente

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).


251

Os dados levantados revelam uma questão relevante: embora a maioria das unidades
produtivas camponesas possuam locais de armazenamento para insumos, máquinas,
implementos e outros materiais de uso agrícola, isso não garante necessariamente que esses
locais sejam adequados para essa finalidade. Há variações significativas entre os
estabelecimentos agrícolas em termos de organização espacial para o armazenamento dos
materiais. Essas variações estão relacionadas ao grau de capitalização dos agricultores
camponeses, o que resulta em diferentes níveis de organização do ambiente, controle de
temperatura e umidade, segurança e manutenção regular.
A falta de atendimento aos critérios básicos de armazenamento pode acarretar uma série
de problemas. Entre eles estão a deterioração dos objetos técnicos, o risco de furtos e roubos
(relatado como prática frequente no submédio São Francisco, em especial em Petrolina e
Juazeiro), a desorganização e dificuldade de acesso, bem como danos ambientais, como a
contaminação do solo e a poluição hídrica.
As Figuras 57 (A e B) e 58 (A e B), representam distintos casos de locais de
armazenamento dos insumos e materiais de uso agrícola. Por um lado, tem-se um depósito em
uma unidade produtiva camponesa menos capitalizada, de agricultor acampado no município
de Limoeiro do Norte, em que a organização e disposição dos objetos se efetivam sem uma
lógica organizativa. Por outro lado, evidencia-se uma unidade campesina mais capitalizada, de
agricultor proprietário da terra, com depósito controlado de fertilizantes, agrotóxicos e outros
materiais.

Figura 57 (A e B). Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: depósito de


insumos e instrumentos técnicos de uso agrícola associado a produção de bananas (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).


252

Figura 58 (A e B). Apodi/RN: depósito de insumos e instrumentos técnicos de uso agrícola


associado a produção de uvas (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

No âmbito da normatização da técnica pelo estado brasileiro, tais realidades evidenciam


condições distintas dos agricultores em relação as regulamentações direcionadas ao
armazenamento de insumos agrícolas na fruticultura campesina. Portanto, não basta apenas
criar as normas a serem seguidas, é preciso proporcionar condições favoráveis para que os
agricultores possam de fato implementar essas regulamentações de maneira efetiva. Isso requer
uma abordagem que leve em consideração as particularidades da fruticultura e as necessidades
dos agricultores.
Até o presente momento desta subseção, destacou-se o papel do Estado na normatização
da técnica no desenvolvimento da fruticultura irrigada no Brasil, especialmente no Nordeste
Semiárido. No entanto, limitar a análise da relação entre as normas e as técnicas na fruticultura
irrigada apenas ao papel do Estado na regulação territorial seria um equívoco, pois implicaria
considerar que ele é o único responsável por toda a regulação social. Além disso, no contexto
atual do período técnico-científico-informacional, controlado por agentes econômicos de
natureza global, é essencial compreender a atuação desses agentes na regulação do território.
É importante destacar que além da normatização da técnica, também devemos
considerar sua normatividade, ou seja, sua disseminação no território por meio da difusão de
modelos produtivos baseados em critérios econômicos globais. Nesse sentido, nas relações
entre normas e técnica, especialmente nesse período marcado pela unicidade técnica descrita
por Milton Santos, o conjunto de sistemas de objetos e ações passa por reconfigurações no
território, influenciado por lógicas racionais superiores e frias (Antas Júnior. 2005, p. 141).
253

Na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido, essas lógicas que promovem a


disseminação do uso dos objetos técnicos são implementadas por um conjunto de agentes
capitalistas, não se restringindo a apenas alguns. Elas se manifestam de diversas formas,
incluindo a concentração de terras pelas agroindústrias (como discutido na seção sobre a
territorialização do capital e a monopolização do território); o acesso ao crédito, o que
possibilita o acesso aos insumos e máquinas agrícolas por meio de políticas direcionadas aos
capitalistas (conforme mencionado anteriormente); a pressão por padrões de mercado baseados
em critérios de qualidade (nacional e internacional); e a integração vertical nas áreas de
produção, na qual os agentes capitalistas estabelecem relações de controle sobre a produção
camponesa.
Quando se trata dos padrões de mercado baseados em critérios internacionais, é
importante reconhecer que os fruticultores camponeses enfrentam diversas formas de pressão
para atender às exigências do mercado externo. Uma abordagem relevante é a proposta por
Bezerra (2012), que destaca as diferentes formas de governança exercidas pelos agentes
envolvidos, como supermercados, fornecedores e empresas importantes dos principais países
importadores. Esses agentes desempenham um papel significativo na definição das normas e
requisitos de qualidade, tornando-se influentes na cadeia produtiva da fruticultura. Eles acabam
exercendo “maior relação de poder no interior da rede de produção, sobretudo quando
considerados a crescente regulação realizada pelo setor privado mediante a adoção de esquemas
de auditória e certificação” (Bezerra, 2012, p. 182).
Essa realidade corresponde a um sistema complexo, dotado de regulamentações e
normas formais criadas para atender cadeiras de abastecimento agroalimentar. Nesse contexto,
observamos predominantemente a produção de frutas por grupos agroindustriais66, cooperativas
e alguns agricultores de base familiar associados a eles. Esse sistema é caracterizado por uma
extensa rede de intermediários, onde as interações entre produtores e consumidores são
praticamente inexistentes. Bezerra (2012) realiza uma análise admirável das certificações na
fruticultura brasileira, destacando especialmente o certificado Global Gap e sua concentração
nas principais áreas de produção de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido.
Tais certificações contribuem para que, tanto a agroindústria produtora de frutas, quanto
os médios agricultores e camponeses associados às cooperativas agrícolas (como a COOPA e
a COOPYFRUTAS, já mencionadas neste trabalho) obedeçam a critérios bem estabelecidos
sobre os padrões de qualidade e boas práticas agrícolas. A justificativa é o atendimento, pelos

66
Sob a perspectiva dos padrões normativos associados às cadeias de produção global, Lawrence e; Buch (2007)
abordam a “regulamentação e normas nas cadeias de abastecimento agroalimentar”, na parte dois do seu livro.
254

supermercados dos países importadores, “às expectativas de um novo perfil de consumidor,


muito mais propenso a escolher produtos que respeitem o meio ambiente e as questões
trabalhistas nas regiões onde as frutas são produzidas” (Bezerra, 2012, p. 182).
Além dos agricultores camponeses cooperados, é importante destacar que há também
aqueles agricultores camponeses que apresentam certa autonomia no processo produtivo e de
comercialização. Mesmo não estando diretamente vinculados às regulamentações e normas
formais sobre produtos de qualidade e boas práticas agrícolas, os camponeses enfrentam
pressões relacionadas ao atendimento das exigências impostas pelos atravessadores que escoam
a produção para o mercado nacional e internacional.
Os camponeses, nesse contexto, são pressionados a garantir a qualidade dos produtos
(ao menos no âmbito aparente quanto ao tamanho, cor e textura da fruta), inclusive com uso de
insumos como agroquímicos, para atender às demandas dos consumidores e garantir a
competitividade no mercado, mesmo sem estarem submetidos a certificações específicas.
Essa forma de pressão ou imposição se manifesta nas relações cotidianas estabelecidas
entre os camponeses e os atravessadores. Dessa maneira, “se criam ordens menos formais e até
mesmo ordens informais, onde as normas são recriadas ao sabor das conjunturas localmente
definidas” (Santos, 2017, p. 231). Nesse contexto,

A simples menção ao fator incorporação já estabelece um divisor de águas em


relação ao fator imposição [...]. Assim, ao incorporar certas determinações,
supõe-se que o sujeito as internaliza e, de certa forma, as redimensiona de
acordo com seus interesses e possibilidades reais de fazê-lo (Tomiasi, 2004,
p. 9)67.

Assim, é claro que, se o agricultor não cultivar produtos dentro do padrão de qualidade
exigido, ele corre o risco de não conseguir comercializar sua produção, uma vez que os
atravessadores se recusam a comprar. Se o agricultor persistir em enviar frutas que não estejam
dentro dos rígidos padrões de mercado, ele acaba sendo excluído do sistema de
comercialização.
Sob essa perspectiva de imposições normativas advindas de patamares superiores,
evidencia-se que, na fruticultura irrigada praticada pelos camponeses, “o controle do seu tempo

67
A autora realiza essa ressalva ao analisar a relação entre a agricultura camponesa e as cooperativas e
agroindústrias na avicultura e siricicultura no norte do Paraná. A partir da pesquisa empírica realizada nas
principais áreas de produção de frutas irrigadas no Nordeste semiárido, a reflexão exposta pela autora corrobora
na análise sobre a realidade dos agricultores camponeses fruticultores e suas relações com os atravessadores.
255

e do espaço cede lugar à necessária observância do tempo do capital, materializado no


artificialismo com que se revestem os processos produtivos (Tomiasi, 2004, p. 8-9)68.
Grosso modo, às relações de sujeição no âmbito da comercialização da produção
camponesa nos sugerem falar em pelo menos dois tipos de normas: as provindas das exigências
dos atravessadores, influenciadas pelos requisitos de mercado, demandas de certificação (no
caso dos camponeses cooperados), conformidade das regulamentações sanitárias e de boas
práticas agrícolas; e as normas internas, no seio da agricultora camponesa, constituídas a partir
relações pessoais mais diretas, frequentes e menos pragmáticas, mediante a experiência e
conhecimento acumulado ao longo de gerações, sendo transmitidas oralmente e por meio de
práticas agrícolas tradicionais (Santos, 2017).
Diante desse panorama, os caminhos trilhados pelos agricultores camponeses em busca
de se adequar às diretrizes impostas pelos atravessadores são diversos. O primeiro que podemos
elencar é a busca pelo conhecimento do mercado e dos requisitos de qualidade exigidos pelo
mercado-alvo. Esses sujeitos realizam pesquisas, dialogam com outros produtores locais,
participam de feiras e eventos agrícolas (como a Feira Internacional da Fruticultura Irrigada-
Expofruit, em Mossoró, e a Feira Nacional da Agricultura Irrigada-Fenagri, em Petrolina) e,
claro, mantém contato direto com os atravessadores para entender as expectativas sobre a
qualidade das frutas em cada safra.
Outra prática realizada refere-se ao estabelecimento de relações com outros camponeses
a fim de formar associações, mesmo que apresente carências em sua estrutura organizacional,
como já retratado em momento anterior neste trabalho. O intuito dos agricultores, nesse caso, é
a solicitação conjunta de recursos financeiros aos órgãos responsáveis, como através de
programas estaduais direcionados a vetores produtivos estratégicos como a fruticultura, ou
crédito conjunto aos bancos, bem como negociações coletivas com os intermediários.
Não obstante, há também uma incessante busca, sobretudo no Submédio São Francisco,
pelo ingresso dos agricultores às cooperativas agrícolas, o que acaba de certa forma
contribuindo para um maior cuidado e rigor no âmbito produtivo da unidade camponesa haja
vista a possibilidade, mesmo que distante, de sua inserção. Nesse caso, a simples possibilidade
já coloca o camponês numa posição de busca pelo atendimento aos critérios de manejo, boas
práticas agrícolas e qualidade dos produtos.

68
A respectiva autora realiza essa ressalva ao analisar a relação entre a agricultura camponesa e a avicultura e
siricicultura no norte do Paraná. Porém, a partir da pesquisa empírica realizada nas principais áreas de produção
de frutas irrigadas no Nordeste semiárido, essa reflexão exposta pela autora corrobora na análise sobre a realidade
dos agricultores camponeses fruticultores e suas relações com os atravessadores.
256

Outro movimento constante entre os agricultores camponeses é a busca pelo acesso a


informações e capacitação, como demandas de qualidade do mercado e as técnicas utilizados
no processo produtivo capazes atendê-las. Nos referimos a busca por informações e apoio
técnico especializado no manejo no sistema agrícola, considerando que a realidade de muitos
produtores é o cultivo de mais de uma cultura em suas propriedades.
Sobre a busca pelo apoio técnico especializado, é válido lembrar o papel importante,
nos distritos irrigados visitados, dos técnicos agrícolas, agrônomos e outros especialistas aos
quais dão suporte às unidades camponesas dos perímetros. Destarte, é válido lembrar que, em
alguns casos, como no Distrito Irrigado do Baixo-Açu e no Distrito Irrigado de Mandacaru,
apenas um ou dois técnicos são responsáveis por atender a grande maioria dos agricultores, o
que ocasiona uma sobrecarga do profissional e uma relativa espera pelos agricultores.
Nesse interim, ressalta-se também o papel de órgãos institucionais como a Codevasf
com apoio técnico especializado nas áreas dos perímetros no vale do São Francisco, a
EMBRAPA com seu apoio a pesquisa no setor agropecuário, a exemplo do seu Campo
Experimental de Mandacaru, em Juazeiro, o Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária
(IDIARN) no Vale do Açu, dentre outros. Tais órgãos, mantém um papel importante nessas
áreas, por meio de orientações técnicas, emissão de resultados de estudos e pesquisas, além de
orientações sobre novos cultivares e insumos viáveis quanto ao uso na produção69.
Por fim, outro caminho que pode ser mencionado como importante ao processo de
adequação às diretrizes impostas aos atravessadores corresponde a melhoria das práticas
agrícolas, com toda amplitude de tarefas a ela associadas. A busca por essas práticas se
relaciona à adoção de insumos e máquinas agrícolas adequadas a produção, adoção de técnicas
de manejo integrado as pragas e doenças, o manejo correto da irrigação, fundamental nas
diferentes técnicas utilizadas para irrigar as plantas, e colheita no ponto ideal de maturação,
sobretudo considerado que, na fruticultura, passar do ponto de maturação significa na maioria
das vezes agregar menor valor a fruta.
Levando em consideração o contexto apresentado da normatização e normatividade da
técnica, torna-se importante apresentarmos o que consideramos como fundamental para a
comprovação da tese defendida inicialmente neste trabalho, o processo de expansão do uso de
objetos técnicos na fruticultura irrigada camponesa. Assim, partimos da ideia central de que as

69
Embora reconhecidos como órgãos atuantes nessas áreas, a pesquisa empírica revelou problemas relacionados
a ausência de assistência técnica ofertada pelo poder público, o que viabiliza a sujeição dos agricultores
camponeses às orientações técnicas advindas das empresas de insumos agrícolas situadas nas cidades próximas.
Esse tema voltará a ser abordado na subseção subsequente, pela importância que assume na comprovação da tese
defendida neste trabalho de pesquisa.
257

ações relacionadas às imposições normativas diversas ordens sobre os agricultores camponeses,


conforme acima apresentado, viabilizam o processo de expansão do uso dos objetos técnicos
na fruticultura e, junto a isso, o processo de sujeição da renda camponesa da terra ao capital.

6.3 A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS


COMO VETOR DE SUBORDINAÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA TERRA AO
CAPITAL

Observamos uma relação direta entre as normas e os objetos técnicos exigidos para
integrar o processo de produção camponesa de frutas irrigadas, o que tem impulsionado a
expansão desses materiais na fruticultura irrigada. Vejamos agora como esses objetos têm se
propagado no setor produtivo, sujeitando os agricultores camponeses ao domínio do capital.
Inicialmente, é relevante lembrar, conforme nos ensina Martins (1990), que, embora o
trabalho seja fundamental na agricultura e na sua reprodução simples, é por meio da
dependência em relação ao uso de insumos e máquinas agrícolas, bem como na comercialização
da produção, que se constata o domínio do capital sobre a produção camponesa.
Segundo o autor, o uso dos insumos, máquinas e ferramentas na agricultura implica no
seu desgaste, indicando que, durante o processo produtivo, o valor desses materiais é transferido
para os produtos agrícolas cultivados. Isso indica, na relação entre produção e consumo, haver
uma reciprocidade em que cada um fornece seu objeto ao outro, ou seja, “cada um deles não
apenas é imediatamente o outro, nem tampouco apenas o medeia, mas cada qual cria o outro à
medida que se realiza” (Marx, 2011, p. 48).
Essa transferência do valor dos objetos técnicos para os produtos agrícolas, resultando
no seu desgaste ao longo do processo produtivo, tendo de ser substituídos por outros, é o que é
denominado por Santos (2018) de consumo produtivo agrícola70. O fato é que, a substituição
desses materiais por outros, exige verdadeiras trocas entre os subespaços campo e cidade, uma
vez que a resposta imediata a necessidade agrícola, sobretudo na agricultura camponesa, deve
ser encontrada em cidades próximas (Santos, 2017). Nesse contexto,

O consumo produtivo cria uma demanda heterogênea segundo os subespaços.


Os equipamentos mercantis tendem a ser diferentes. O consumo produtivo
rural não se adapta às cidades, mas, ao contrário, as adapta. A arquitetura dos
diversos subsistemas é, desse modo, diversa (Santos, 2018, p. 55).

70
Tal noção deriva daquela apresentada por Marx (2011) ao argumentar que, nos processos gerais de produção, o
consumo produtivo envolve o desgaste dos instrumentos utilizados na produção de outros bens. Por outro lado, o
consumo consuntivo refere-se ao consumo dos produtos destinados a um uso final, que se esgotam em si mesmos.
258

Isso significa que as áreas urbanas precisam se adaptar às particularidades produtivas


das áreas rurais, sobretudo em termos de disponibilidade de insumos, técnicas de produção,
oferta de força de trabalho especializa e necessidades específicas. Sendo assim, nas principais
regiões de produção agrícola há o aumento da “circulação de mercadorias, produtos,
informações, capitais e pessoas, alterando a organização territorial, alterando as relações campo
e cidade” (Nardoque, 2016, p.2).
No contexto da agricultura camponesa de frutas irrigadas, é essencial compreender que
o consumo produtivo agrícola, envolvendo o uso de sementes, adubos/fertilizantes, agrotóxicos,
máquinas, implementos e outros equipamentos agrícolas, não pode ser considerado
isoladamente ou desconectado dos demais setores produtivos presentes no território.
Especialmente quando a agricultura familiar e a produção agroindustrial coexistem em áreas
próximas, a abordagem predominante da tecnificação agrícola é quase sempre baseada na ideia
de modernização, seguindo os padrões estabelecidos pela indústria de insumos e máquinas
agrícolas, pelas empresas agroindustriais e pelo mercado em geral que exige produtos
aparentemente de boa qualidade, ao menos em seu aspecto visível.
Sobre essa ótica,

O fato desse padrão de modernização contribuir significativamente para a


acumulação do setor industrial, faz com que haja uma tendência de custos
crescentes de produção e apropriação decrescente da renda, pois a majoração
dos produtos da indústria para a agricultura não está atrelada à política de
preços mínimos ao produtor. Não obstante, a relação inversamente
proporcional entre custos e escala de produção afeta desproporcionalmente os
camponeses que, em diferentes medidas, recorrem a maquinários, insumos,
armazenagem, transporte etc. (Paulino, 2006, p. 12).

É a partir dessa perspectiva que nos propomos retomar o debate acerca dos pressupostos
lançados na seção sobre renda da terra, técnica e agricultura deste trabalho, a fim de centrarmos
atenção sobre a sujeição da renda camponesa da terra ao capital, ou seja, na transformação da
renda camponesa em renda capitalizada da terra (Oliveira, 2007)71.
O primeiro trata-se das demandas heterogêneas sobre a compra dos insumos e máquinas
agrícolas entre a produção camponesa e a produção agroindustrial de frutas irrigadas. Nas
principais áreas de produção de frutas visitadas, os agricultores são enfáticos ao relatarem que

71
Foram três pressupostos levantados inicialmente, sendo dois deles relacionados ao processo de expansão do uso
dos insumos, máquinas e equipamentos agrícolas na produção camponesa (aos quais serão retomados adiante), e
outros associado a sujeição dos agricultores camponeses no âmbito da comercialização da produção agrícola,
conforme já debatido e comprovado ao longo deste trabalho.
259

a estratégia das agroindústrias situadas próximas é a compra dos insumos agrícolas em grande
volume, baseando-se em tecnologias modernas, com base em padrões estabelecidos e na busca
por rendimento elevado e eficiência (Pesquisa Empírica, 2022-2023).
Esse fato, já relatado por Graziano da Silva (1990) como prática comum na produção
agropecuária associada ao agronegócio brasileiro, deriva da estreita relação estabelecida entre
as agroindústrias e os fornecedores de insumos mediante alianças previamente estabelecidas.
Assim, fluxos diversos são formados no território, tanto no âmbito global, visto que o Brasil
bate recorde na importação de produtos como fertilizantes e agrotóxicos72, como no âmbito
nacional, a partir dos fornecimentos desses materiais pelas indústrias produtoras no país.
Já na produção de base familiar, os insumos utilizados tendem a ser mais acessíveis, por
vezes produzidos no interior da própria unidade campesina, como é o caso do adubo orgânico
(esterco) derivado da produção bovina também realizada localmente, daí a importância de se
considerar a ideia de sistema agrícola, visto que é comum na produção camponesa a
coexistência de diferentes atividades em uma única área. As Figuras 59 (A e B) refere-se ao
estoque de silagem utilizada por agricultores camponeses para a criação de gado bovino, que
por sua vez produz o adubo orgânico que passa a ser utilizado nos bananais nos municípios de
Quixeré/CE e Ipanguaçu/RN.

Figura 59 (A e B). Quixeré/CE e Ipanguaçu/RN: silagem utilizada para a criação de gado bovino
e geração de adubo orgânico utilizado no cultivo de bananas (2022, 2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

72
De acordo com a Câmara dos Deputados, desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo,
conforme disponível em: <https://www.camara.leg.br/radio/programas/444200-brasil-e-o-maior-consumidor-
mundial-de-
agrotoxicos#:~:text=Desde%202008%2C%20o%20Brasil%20%C3%A9,consumidor%20e%20do%20meio%20a
mbiente>. Não obstante, o país também bate recorde na importação de fertilizantes agrícolas, conforme disponível
em: https://www.fazcomex.com.br/comex/importacoes-de-adubos-e-fertilizantes/
260

Destarte, há também na produção campesina as demandas por insumos e outros


materiais derivados da indústria do segmento, em que o agricultor, predominantemente, recorre
às cidades mais próximas para os adquirir. Eles buscam as empresas já conhecidas ou indicadas
por outros agentes, onde compram produtos importados ou produzidos nacionalmente,
utilizando-os com orientação técnica ou não.
Na pesquisa empírica realizada, verificou-se que 84% dos agricultores entrevistados
adquirem os insumos agrícolas em varejo, enquanto 10% compram tanto em atacado como em
varejo. Apenas 6% dos agricultores afirmaram adquirir os insumos exclusivamente em atacado.
Esses dados não apenas revelam a forma de compra dos insumos, mas também evidenciam a
predominância das compras locais desses produtos.
Dentro do contexto da fruticultura irrigada desenvolvida no Nordeste Semiárido,
observamos um processo que, em nossa perspectiva, contribui para a subjugação dos
agricultores camponeses pelo capital: a influência das empresas comerciais de insumos
agrícolas. Essas empresas, que dominam o mercado local de insumos, ao vender esses produtos
a preços elevados, contribuem para a redução da renda da terra dos agricultores e,
consequentemente, os sujeitam às demandas do capital.
Na pesquisa empírica, foi constatado que, embora haja muitas empresas comerciais em
algumas das principais cidades conhecidas como locais de compra frequente de insumos73,
máquinas e outros produtos agrícolas, apenas algumas dessas empresas foram mencionadas
como locais onde ocorre a compra dos insumos específicos para a produção de frutas irrigadas
na agricultura camponesa. Entre as empresas citadas estão a Terra Fértil (Limoeiro do Norte,
Baraúna e Mossoró), Agrovale (Limoeiro do Norte), Crop Agrícola (Baraúna e Mossoró),
Central do Adubos e Seiva do Vale (Juazeiro e Petrolina), Juagro e Brasil Agrícola (Juazeiro)
e Agromatos (Assú) (Pesquisa Empírica, 2023).
O Cartograma 04 ilustra os fluxos decorrentes da aquisição dos insumos agrícolas
utilizados na produção camponesa. Essas informações são baseadas na frequência com que os
agricultores camponeses mencionaram os municípios de origem dos produtos, revelam um
padrão de dependência interna aos municípios onde se situam as empresas previamente
mencionadas, além de outras empresas localizadas próximas as áreas de produção visitadas.

73
Elias e Pequeno (2010) já apresentavam uma relação de empresas comerciais de insumos agrícolas em Mossoró,
sendo tais dados atualizados por Nascimento (2018) para todo o estado do Rio Grande do Norte. Esse último autor,
ao analisar a comercialização dos insumos agrícolas no território potiguar, já alertava sobre o padrão de densidade
nos fluxos gerados pelo comércio de insumos em Mossoró, representando uma forte dependência dos agricultores
quanto a busca pelos insumos agrícolas na respectiva cidade.
261

Cartograma 04. Pesquisa empírica: dependência interna e fluxos gerados pela compra de insumos na
fruticultura irrigada camponesa (2022-2023).
262

Durante as visitas empíricas realizadas, constatou-se que em alguns municípios os


agricultores não dependem do comércio local de insumos, como é o caso de Aracati, Quixeré,
Apodi e Afonso Bezerra. Por outro lado, nas localidades visitadas em Mossoró, Baraúna,
Limoeiro do Norte, Petrolina e Juazeiro, os agricultores apresentam uma forte dependência em
relação ao comércio local de insumos agrícolas. Em Lagoa Grande, por sua vez, os agricultores
adquirem os insumos tanto localmente, principalmente através do distrito de Vermelho e das
empresas ali existentes, como também dependem da compra de insumos em Petrolina. Algumas
das lojas de insumos agrícolas são representadas nas figuras 60 (A e B) e 61 (A e B).

Figura 60 (A e B). Juazeiro/BA: lojas de insumos Brasil Agrícola e Central de Adubos (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Figura 61 (A e B). Mossoró/RN: lojas de insumos agrícolas Terra Fértil e Crop Agrícola (2015).

Fonte: Welton Nascimento (2015). Fonte: Welton Nascimento (2015).


263

A distribuição dos insumos até as unidades agrícolas camponesas é realizada,


predominantemente, por meio da própria empresa comercial de insumos (49 % dos
entrevistados afirmaram usufruir desse serviço), seguido do transporte dos produtos pelo
próprio agricultor (31%) e através de ambas as formas (20%). Os veículos utilizados para o
transporte dessas mercadorias são diversos, como a Picape, Strada, caminhão (F41000, por
exemplo), caminhonete, carro pequeno (popular), S10, D10 e até mesmo motos.
As Figuras 62 e 63 representam fertilizantes utilizados nos processos produtivos de
manga, no N7 em Petrolina, produzidos nacionalmente no estado de São Paulo, e sementes
utilizadas para a produção de melancia melão em São Romã, em Mossoró, tendo como país de
origem a Tailândia.

Figura 62. N7/Projeto Senador Nilo Coelho, Figura 63. Assentamento São Romão,
Petrolina/PE: fertilizantes comprados em Mossoró/RN: sementes compradas em
Petrolina para produção de manga (2023). Mossoró para produção de melancia (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

O fato é que a comercialização dos insumos realizada localmente pelas empresas


comerciais do setor contribui para o fortalecimento das relações cidade-campo nas principais
áreas de produção agrícola, configurando verdadeiras áreas de densidade sobre os fluxos
gerados pelo comércio desses materiais.
Isso ocorre devido à própria natureza desses materiais, que podem ser considerados
como capital circulante na agricultura camponesa, conceito previamente discutido neste
trabalho com base nas contribuições de Marx (2014). Esses insumos são utilizados em um único
ciclo do processo produtivo, exigindo muitas vezes reposição imediata após o uso. Como
resultado, há um fluxo frequente de movimentação entre o campo e a cidade (e vice-versa), com
o próprio agricultor se deslocando para acessar empresas de insumos localizadas nas cidades,
264

assim como profissionais do setor agrícola (agrônomos, técnicos agrícolas e outros) que muitas
vezes atendem às demandas dos agricultores no campo.
Ao analisar os fluxos gerados pela circulação dos insumos agropecuários no Rio Grande
do Norte, Nascimento (2018) destaca uma dinâmica peculiar entre Mossoró, os municípios
vizinhos e a produção de frutas irrigadas. Embora Mossoró não abrigue o maior número de
empresas comerciais do setor no estado (a capital Natal abriga o maior número de empresas), é
na interação entre essa cidade e sua região imediata que os fluxos se intensificam
significativamente. Isso evidencia o papel fundamental desempenhado por essas empresas no
fornecimento de insumos aos agricultores locais.
Assim, a busca pela aquisição dos insumos destinados à produção camponesa não deve
ser interpretada como uma prática espontânea resultante de decisões voluntárias dos próprios
agricultores, mas sim como resultado das lógicas produtivas estabelecidas pelo capital para a
agricultura. Essa característica é comum em áreas que se enquadram no conceito de acontecer
homólogo (Santos, 2017), ou seja, em regiões agrícolas onde prevalecem atividades com
semelhanças nos processos produtivos, impulsionadas pela modernização e pela disseminação
de informações especializadas, resultando em uma interdependência funcional na agricultura.
Sobre as empresas citadas pelos fruticultores camponeses como sendo os locais de
compra dos insumos agrícolas, é válido salientar o que

Várias dessas lojas, além da venda do produto, prestam também assistência


técnica, logística, de manejo, das culturas, o que faz com que alguns dos
funcionários-vendedores tenham formação superior, como em Agronomia.
Esses profissionais especializados estão entre os que realizam fluxos diários
entre o campo e a cidade [...] quando praticam o que chamam de visitas
técnicas (Elias; Pequeno, 2010, p. 150).

Apesar da ressalva dos autores ser focada na análise sobre as empresas fornecedoras de
insumos para a dinâmica produtiva da região influenciada pela cidade de Mossoró, é válido
salientar que essa dinâmica se efetiva também de forma semelhante nas demais áreas
fruticultoras visitadas na pesquisa empírica. Destarte, algumas ressalvas precisam ser
levantadas relativas à ação das empresas de insumos agrícolas associadas a fruticultura irrigada.
Essas empresas exercem uma posição dominante no mercado de insumos, máquinas e
equipamentos agrícolas, conferindo-lhes um controle significativo, especialmente em nível
local, sobre os preços, a disponibilidade e a qualidade dos insumos utilizados na produção.
Além disso, por meio dos canais de assistência técnica que estabelecem com os agricultores,
essas empresas têm um poder adicional no que diz respeito às escolhas dos agricultores,
265

fornecendo orientações sobre o uso dos insumos e, consequentemente, promovendo uma


espécie de fidelidade tanto às empresas como às marcas que elas comercializam.
Quando se trata da influência das empresas de insumos agrícolas na produção
camponesa, os dados coletados na pesquisa de campo desempenham um papel importante na
análise. Entre os 117 agricultores entrevistados, 64% afirmaram receber ou contratar algum tipo
de assistência técnica, enquanto os outros 36% afirmaram não receber ou contratar assistência.
Dentro do grupo de agricultores que contam com assistência técnica, 23% dos entrevistados
afirmaram receber assistência exclusivamente das empresas comerciais de insumos, enquanto
outros 19% mencionaram receber assistência de agrônomos e/ou técnicos agrícolas, sem
especificar a origem desses profissionais. Essa falta de especificação pode indicar um aumento
ainda maior no percentual de agricultores que dependem dos profissionais vinculados às lojas
de insumos agrícolas (Pesquisa Empírica, 2022-2023).
Essa relação de dependência sobre as empresas comerciais de insumos agrícolas, ao qual
afeta diretamente a agricultura camponesa, se realiza porque a ação do capital

na esfera do consumo produtivo, ou seja, no monopólio dos preços dos


insumos necessários à produção, é necessário frisar que o campesinato [...]
não está excluído do processo de modernização da base técnica da agricultura.
Nessa perspectiva, sua produção comercial pressupõe a utilização de
máquinas e insumos, ainda que numa escala compatível com os recursos
materiais de que dispõe.
É justamente a incorporação de tecnologia que o obriga a pagar um pesado
tributo ao capital industrial e comercial, tributo esse representado pelo
consumo das mercadorias que entram no processo produtivo (Paulino, 2006,
p. 13).

Tais ressalvas nos faz considerar que a ação das empresas de insumos agrícolas nas
áreas de produção camponesa contribui para uma dependência desse segmento sobre a compra
desses produtos no comércio próximo às áreas de produção. Isso significa que, o agricultor
camponês, agora tem que destinar parte significativa da sua renda para a compra desses
recursos, reduzindo, consequentemente, parte substancial da sua renda, ou seja, configura-se
em um tributo pago pelo agricultor para produzir.
Além das empresas comerciais de insumos agrícolas, há outros agentes que
desempenham um papel significativo na extração da renda da terra, exercendo pressão sobre o
uso específico de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas para atender às suas próprias
exigências de qualidade dos produtos agrícolas. Esses agentes são os atravessadores de frutas.
Nossa defesa é que esses agentes desempenham um papel direto na submissão da agricultura
camponesa ao domínio do capital no contexto da fruticultura irrigada no semiárido do Nordeste.
266

Uma questão importante na pesquisa empírica direcionada a compreensão da relação


entre os agricultores camponeses e os compradores de seus produtos agrícolas foi a seguinte:
"Existe uma relação entre a compra de insumos e as exigências de produção impostas pelos
atravessadores e/ou agroindústrias?". Os resultados obtidos chamaram nossa atenção, pois uma
quantidade significativa de agricultores respondeu afirmativamente a essa pergunta específica,
como pode ser observado no Gráfico 18.

Gráfico 18. Pesquisa empírica: há relação entre a compra dos insumos e as exigências de produção
impostas pelos atravessadores e/ou agroindústrias? (2022-2023).

6%1%

93%

Sim, há relação Não, não há relação Não se aplica

Fonte: Welton Nascimento (2023).

No que diz respeito a esses dados, é importante ressaltar que a resposta dos agricultores
quase sempre se vinculou ao papel dos atravessadores na compra dos produtos agrícolas, visto
que poucos agricultores apresentavam relação direta com as agroindústrias do setor.
Sobre os dados, a única exceção à pergunta mencionada é encontrada no agricultor
dedicado à agricultura orgânica no acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte.
Na mesma localidade, outros quatro agricultores envolvidos no cultivo de bananas afirmaram
que não há uma relação direta entre o uso de insumos e as exigências impostas pelo atravessador
que compra sua produção. Para eles, esses aspectos operam de maneira dissociada: por um lado,
o agricultor realiza sua produção utilizando insumos sem qualquer interferência dos
atravessadores em relação aos materiais utilizados; por outro lado, o papel do atravessador se
limita a coletar os frutos (em padrão de qualidade para exportação).
Os outros três agricultores que responderam de forma similar estão associados a
unidades camponesas localizadas em Petrolina, onde cultivam acerola e uva. Dois deles não
quiseram justificar o fato de não haver relação entre o uso dos insumos e exigências dos
267

atravessadores, outro afirmou que “as empresas importadoras não sabem os insumos usados”
(Pesquisa Empírica, 2023).
Em relação aos agricultores que declararam ter uma ligação direta entre o uso de
insumos e essas exigências, eles atribuem aos atravessadores a imposição sobre o uso de
insumos agrícolas, frequentemente associada à qualidade das frutas produzidas localmente.
Foram mencionadas diversas motivações para o cumprimento dessas imposições, algumas das
quais estão representadas no Tabela 2.
268

Tabela 02. Pesquisa empírica: motivações sobre o atendimento às exigências sobre o uso de insumos pelos atravessadores (2022-2023).

Locais visitados Agricultores Relatos dos agricultores sobre os motivos de atendimento às exigências impostas pelos
atravessadores
Acampamento Zé Maria do Fruticultor 1 "Se não utilizar, não tem como comercializar para os atravessadores. Os outros produtores usam, eu
Tomé (Limoeiro do Norte) também uso”.
Fruticultor 12 “Se não usar, não vai ter a produção em quantidade e qualidade que os atravessadores exigem”.
Sítio Boqueirão (Quixeré) Fruticultor 17 “Pois é necessário atender às exigências das exportações. A análise para o produto bom sair do Brasil
é rigorosa”.
Fruticultor 18 “De acordo com a exigência de exportação (análise fora do Brasil). Os insumos são utilizados de
acordo com as exigências das empresas compradoras”.
Vila Cajazeiras (Aracati) Fruticultor 32 "O mercado é cada dia mais exigente. Com isso, o atravessador acaba exigindo".
Assentamento São Romão Fruticultor 23 “Os atravessadores indicam produtos bons para usar na produção”.
(Mossoró) Fruticultor 27 “Quanto mais uso desses insumos, mais agrega valor na fruta”.
Sítio Vélame 1 (Baraúna) Fruticultor 114 “Só usa porque precisa ter um retorno de renda com a produção”.
Fazenda de Uva (Apodi) Fruticultor 20 “Pois para tirar uma fruta de qualidade é preciso utilizar. Tem muitas pragas: minitripes, tripes,
ácaro rajado e broca (tronco da uva)”.
DIBA (Alto do Rodrigues) Fruticultor 105 “Se não investir na mercadoria, não há clientes”
Fruticultor 107 “A exigência é de quem compra, o consumidor. A vista pela boa qualidade do fruto vem do
consumidor”.
C3 e N7 (Petrolina) Fruticultor 38 “Se perder a qualidade o corretor não compra”.
Fruticultor 51 “É a primeira coisa que veem: o produto limpo”.
Fruticultor 48 A aplicação dos produtos se dá por causa das condições climáticas.
Mandacaru (Juazeiro) Fruticultor 58 “Devido a qualidade do produto. Pego informação com a agroindústria”.
Maniçoba (Juazeiro) Fruticultor 72 “Porque se o produto não tiver qualidade, não vende”.
Fruticultor 74 “Só compra os produtos porque o mercado exige fruto de qualidade”.
Ilha do Pontal (Lagoa Fruticultor 84 “É obrigatório. Se ficar ruim, a venda cai para polpa e vende a preço baixo”.
Grande) Fruticultor 88 “Só usa para ter uma fruta doce e bonita”.
Fruticultor 95 “Eles exigem boa qualidade. Pra isso só usando insumos”.

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023).


269

Os relatos obtidos nas diversas localidades visitadas reforçam a compreensão de que há


um controle na comercialização dos produtos agrícolas provenientes do trabalho camponês, no
qual os atravessadores exercem influência sobre os preços de compra das frutas, impondo
condições desfavoráveis aos agricultores camponeses e apropriando-se de uma parcela
significativa da renda gerada pela produção agrícola.
No contexto do cumprimento das exigências relacionadas ao uso de insumos agrícolas,
é evidente que muitos agricultores camponeses reconhecem a influência dos atravessadores
nesse processo, compreendendo sua função essencial no esquema de lucratividade desses
intermediários. Além disso, os agricultores estão cientes de que a utilização de insumos na
produção contribui para a valorização das colheitas, sendo parte integrante de um amplo projeto
que visa a sangria dos frutos de seu trabalho (Paulino, 2006, p. 16).
Entre os insumos mencionados como os mais utilizados, devido às exigências de
produtos agrícolas de alta qualidade, destacam-se os adubos/fertilizantes, como o NPK
(nitrogênio, fósforo e potássio), Magnum Banana (composto de nitrogênio, potássio, fósforo,
magnésio, enxofre e outros), MAP (fosfato monoamônico - fertilizante mineral), Amiorgan
(nitrogênio, potássio e enxofre), Dormex, ureia concentrada, nitrato de cálcio, magnésio e
potássio. Além disso, também é importante mencionar o uso de agrotóxicos, como o Abamectin
(acaricida e fungicida), Trifimine, Score, Amistar Top, Kumulos, Cercobin (fungicidas),
Provado, Klorpan, Prêmio, Sperto (inseticidas), além de pesticidas.
Sobre o uso dos adubos na produção agrícola as contribuições kautskyana já alertava
que é preciso atentar

para a adubação cuidado mediante o qual o solo recebe as substâncias solúveis


de que a planta necessita para seu crescimento, em proporção adequada. A
química não familiariza, apenas o agricultor com suas substâncias, mas chega
inclusive a produzir as artificiais que faltam ao solo, substâncias que ele não
teria condições de produzir em quantidade suficiente no próprio
estabelecimento sem arcar com o ônus do custo excessivo (Kautsky, 1998, p.
85).

Diante disso, ressalta-se que alguns dos agricultores entrevistados, também envolvidos
na criação de gado bovino, têm a capacidade de produzir adubos em seus próprios
estabelecimentos. Essa prática representa uma vantagem econômica, pois reduz a dependência
da compra desses produtos de fontes externas, bem como os custos associados a essa aquisição.
Além disso, é válido ressaltar a importância de aplicar fertilizantes nas proporções
corretas para o desenvolvimento da produção agrícola camponesa. No entanto, muitas vezes,
esses produtos são utilizados sem a devida orientação de técnicos especializados, justamente
270

pela ausência desses em algumas das áreas visitadas, o que pode comprometer a atender às reais
necessidades das plantas. Pelo contrário, a aplicação inadequada desses produtos pode anular
seus efeitos e levar ao desgaste e exaustão do solo.
No que diz respeito ao uso de agrotóxicos, ou melhor, os venenos agrícolas utilizados
na produção de frutas irrigadas, é fundamental que sejam observadas as diretrizes estabelecidas
pela Lei Nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Essa legislação estabelece regras específicas para a
produção, transporte, armazenamento e comercialização desses produtos. Além disso, é
obrigatório que as empresas comerciais estejam devidamente cadastradas na Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Nesse contexto, o problema central está diretamente relacionado ao momento da
aplicação dos agrotóxicos, no qual a falta de orientação técnica acaba levando os agricultores a
cometerem erros. Nas áreas de produção de frutas, é comum a utilização de pulverizadores
costais para a manipulação e aplicação dos produtos químicos, porém, frequentemente, os
agricultores e trabalhadores rurais não utilizam os Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
O uso inadequado de máscaras de tecido é bastante comum nesse contexto, o que compromete
a proteção adequada tanto dos aplicadores envolvidos.
É relevante destacar o conteúdo em técnica, ciência e informação contido nesses
insumos utilizados, sobretudo aqueles voltados a atender às demandas produtivas do
agronegócio globalizado e, muitas vezes, impostos ao agricultor camponês a utilizar na
produção sob o argumento de melhoria da produção.
O conhecimento técnico embutido nesses insumos é justificado como variável de
melhoria no rendimento das culturas, aumento da qualidade dos produtos agrícolas e otimização
da utilização dos recursos disponíveis, embora seja importante ressaltar os impactos que eles
podem ocasionar no meio ambiente e à saúde humana, seja pelo contato direto com os produtos
químicos, uso exacerbado deles ou pelo consumo de alimentos contaminados.
Sobre os impactos do uso dos agrotóxicos pelo agronegócio brasileiro no âmbito dos
impactos na saúde e no meio ambiente, Bombardi (2011, 2012) denuncia esse problema que
afeta diferentes estados brasileiros. Segundo a autora, no Nordeste, os principais estados
marcados pelo maior índice de intoxicação e mortes pelo uso de agrotóxicos são Pernambuco
e Ceará, tendo assim um forte papel do agronegócio de frutas irrigados nesse contexto.
A Figura 64 retrata a aplicação de agrotóxicos na produção de melão no município de
Juazeiro, na Bahia, onde trabalhadores agrícolas estão manuseando esses produtos em uma área
de produção camponesa. Por outro lado, a Figura 65 mostra uma tenda montada para o processo
de dissolução de fertilizantes na água utilizada para irrigação (fertirrigação) nos cultivos de
271

melão e melancia a partir da irrigação por gotejamento em estabelecimento camponês na Vila


Cajazeiras no município de Aracati, Ceará.

Figura 64. Perímetro Irrigado Mandacaru, Figura 65. Vila Cajazeiras, Aracati/CE:
Juazeiro/BA: aplicação de agrotóxicos na tenda para o preparo da fertirrigação em
lavoura de melão (2023). lavoura de melão e melancia (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Ao discutir o uso de fertilizantes químicos na produção camponesa, é importante


considerar o impacto da conjuntura econômica internacional atual sobre o preço desses
produtos. Uma das questões relevantes é a crise decorrente do conflito entre Ucrânia e Rússia,
relacionado às disputas territoriais no leste europeu. Esse conflito tem gerado como resultado a
valorização dos fertilizantes intermediários nos principais centros de negociação globais,
especialmente devido ao papel desempenhado por esses países no fornecimento de insumos e
commodities agrícolas para várias nações.
Desde o anúncio em 24 de fevereiro de 2022 sobre o início das operações militares de
invasão da Rússia à Ucrânia, o mundo tem enfrentado uma crise no fornecimento de
fertilizantes nitrogenados e potássicos74. Essa crise tem impactado diversos países, incluindo o
Brasil, que é um dos grandes compradores desses insumos agrícolas utilizados na produção de
commodities agrícolas e em outros cultivos. Historicamente, a Rússia tem sido o principal
fornecedor desses produtos para o Brasil, como revelado no Mapa 13, ao longo dos últimos dez
anos.

74
Nascimento (2022) apresenta um estudo detalhado sobre os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia no
mercado de fertilizantes brasileiros. Já Seixas (2022), em pesquisa realizada para a Embrapa faz uma análise sobre
o impacto da crise dos fertilizantes no aumento da insegurança alimentar global.
272

Mapa 14. Brasil: total acumulado das importações de adubos/fertilizantes em peso líquido (2012-2022)75.

75
A relação dos adubos/fertilizantes considerados consta do quadro 4 do anexo 1 deste trabalho.
273

Ao considerar o período entre 2012 e 2022, observa-se que os principais fornecedores


de fertilizantes para o Brasil foram a Rússia, Canadá, China, Estados Unidos, Belarus e
Marrocos. Entre esses países, o Canadá tem desempenhado um papel de destaque, aumentando
suas exportações de fertilizantes para o Brasil desde 2012. A China também tem apresentado
um crescimento contínuo a partir de 2016, com um salto significativo em 2021, fornecendo
58% a mais em comparação ao ano anterior, quando tinha totalizado 3.070.518.028 kg. Em
2022, o país em questão ocupou a segunda posição como fornecedor de insumos ao Brasil,
ficando logo atrás da Rússia. Porém, é importante ressaltar que a Rússia, Belarus e Marrocos
apresentaram uma redução nas exportações direcionadas ao Brasil entre 2021 e 2022 (COMEX
STAT, 2023).
As importações globais de fertilizantes agrícolas, especialmente provenientes da Rússia
e Belarus, foram afetadas pelas sanções aplicadas pelos Estados Unidos, Canadá e União
Europeia contra a Rússia. Além disso, as sanções impostas a Belarus em 2021, antes mesmo do
conflito no leste europeu, também contribuíram para a redução das exportações de fertilizantes
desse país. Sobre as sanções a esse último país, o argumento foi o que o presidente Alexander
Lukashenko facilitou o contrabando de migrantes para a União Europeia, violou os direitos
humanos e desrespeitou às normas internacionais. O Reino Unido adotou como ação o
congelamento dos bens de uma das maiores produtoras de fertilizantes do mundo, a estatal
belarussa Ojsc Belaruskali. Esses fatores desempenharam um papel significativo na queda das
exportações de fertilizantes por parte de Belarus.
Diante desse cenário, observou-se um expressivo aumento nos preços médios dos
fertilizantes intermediários tanto no mercado brasileiro como global, principalmente durante o
primeiro semestre de 2022. A escassez e o encarecimento desses insumos têm gerado
preocupações relevantes para o setor agrícola brasileiro, ocasionando impactos diretos na
produção e rentabilidade dos agricultores, especialmente aqueles mais vulneráveis às crises
econômicas em escala global, como é o caso dos fruticultores camponeses do Nordeste
Semiárido, aos quais constantemente expressam suas insatisfações quanto ao descompasso
entre o preço dos insumos no mercado e a tendência de manutenção ou declínio sobre o preço
dos produtos agrícolas por eles cultivados.
Os fatos até aqui expostos levam-nos a considerar que, na agricultura camponesa, a
dependência dos agricultores em relação às exigências dos atravessadores por produtos
agrícolas de alta qualidade, destinados a atender às demandas do mercado, resulta em um
elevado grau de dependência desses agricultores em relação aos insumos que aceleram e
274

aprimoram o valor das frutas. É o caso dos agrotóxicos e os fertilizantes químicos, amplamente
disponíveis nos mercados locais.
O fato é que na agricultura camponesa de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, é
imposto aos produtores o uso de insumos como fertilizantes e agrotóxicos por parte de agentes
externos à própria produção, como os atravessadores. Esses agentes têm como referência a
produção agroindustrial, a qual também ocorre em localidades próximas às áreas de produção
camponesa. Seu objetivo é alcançar maior produtividade agrícola e rentabilidade, utilizando
esses produtos em larga escala sem considerar os impactos nas demais formas de produção que
também ocorrem localmente.
Diante disso, podemos confirmar o segundo pressuposto inicialmente levantado nesta
pesquisa: a transferência de valor dos elementos técnicos utilizados na produção de frutas
irrigadas varia de acordo com as características de cada material incorporado, incluindo
insumos, sementes, máquinas, implementos e outros materiais utilizados.
Tal fato pode ser comprovado, dentre outras culturas alcançadas na pesquisa empírica,
a partir da técnica da plasticultura utilizada na produção de melão e uva. O uso do plástico na
agricultura, também conhecido como cultivo protegido, impedindo a luz do sol da produção,
contribui para a proteção contra espécies de plantas invasoras prevenindo o uso de produtos
como herbicidas, tendo contribuído também para a diminuição do uso da água em detrimento
da menor perda por evaporação (EMBRAPA, 2015).
No contexto do cultivo de uva, sobretudo no Submédio São Francisco, o uso de plástico
desempenha um papel crucial na criação de um microclima específico em comparação com o
ambiente ao redor. Essa técnica visa atender às demandas por frutos com cores mais uniformes,
maior doçura e menor suscetibilidade a doenças, resultando em uma redução da necessidade de
aplicação constante de produtos químicos. Frequentemente, essa prática é combinada com a
implantação de quebra-ventos ao redor dos parreirais, que consiste na colocação de árvores nas
áreas de produção. Esses quebra-ventos, por sua vez, desempenham um papel importante ao
reduzir a velocidade do vento e minimizar o risco de viragem excessiva das folhas das plantas,
evitando assim a queima causada pela exposição direta à radiação solar (Figuras 66 e 67).
275

Figura 66. N9, Petrolina/PE: cultivo protegido Figura 67. N9, Petrolina/PE: difusor para
dos parreirais de uvas (2023). fertirrigação dos parreirais de uvas (2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Já na produção de melão e melancia, especialmente na região produtora do Rio Grande


do Norte e Ceará, é comum utilizar a técnica de cobertura do solo com plástico e mantas de
agrotêxtil (tecido TNT). Essa técnica tem como objetivo principal aumentar a produtividade
das culturas e combater pragas como a mosca minadora e a mosca branca Bemisia tabaci
(Genn.), que são os principais vetores de ataque nessas plantações. A utilização desses materiais
de cobertura contribui para criar um ambiente mais favorável ao crescimento das plantas,
protegendo-as das condições adversas do clima e reduzindo a incidência de doenças.
Na produção camponesa, de acordo com relatos dos produtores locais do Assentamento
São Romão, é comum adquirir produtos como plástico e mantas agrotêxtil de segunda mão.
Esses materiais são geralmente comprados de agroindústrias situadas nas proximidades que
adquirem esses materiais como parte de seus processos produtivos e, após o uso em uma única
safra, os disponibilizam para venda. Os camponeses então os compram e reutilizam em diversas
safras, utilizando-os até que estejam completamente desgastados. Assim, a transferência do
valor desses materiais aos produtos agrícolas perpassar um período maior, até o seu desgaste
completo (Pesquisa Empírica, 2022). A utilização de plástico na produção e o estoque de mantas
agrotêxtil são exemplificados nas figuras X e Y, respectivamente.
276

Figura 68. Assentamento São Romão, Figura 69. Assentamento São Romão,
Mossoró/RN: cultivo de feijão em área de Mossoró/RN: estoque de manta agrotêxtil para
cultivo protegido de melão (2022). o cultivo de melão (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

A figura que retrata o cultivo de feijão em uma área destinada à produção de melão, na
qual um agricultor camponês está pulverizando a plantação, representa um caso emblemático.
O agricultor assentado relatou que adquiriu a cobertura de plástico para o cultivo de melão em
uma empresa agroindustrial próxima. No entanto, após a colheita do melão e sua venda aos
atravessadores, ele não obteve dinheiro suficiente para cobrir todos os custos da safra, incluindo
a compra da cobertura de plástico. Diante dessa situação, ele decidiu utilizar a mesma área para
o cultivo de feijão (cultura de ciclo curto), a partir da qual poderia gerar um retorno financeiro
a curto prazo, permitindo-lhe pagar pela cobertura de plástico. Apesar desse relato, o agricultor
deixou claro que não poderia interromper a pulverização (agora aplicada a fim de atender a
demanda rápida pelo retorno financeiro) para responder detalhadamente às perguntas da
entrevista devido à escassez de tempo que ele dispunha naquele momento (Pesquisa Empírica,
2022).
Apesar dos exemplos citados anteriormente relacionados aos cultivos de melão e uva,
ressalta-se a relevância de diversos outros materiais frequentemente utilizados na produção de
frutas irrigadas em todas as áreas pesquisadas. Esses materiais, equipamentos e substâncias
(canos, mangueiras, filtros e outros) são essenciais para garantir a eficiência da irrigação ao
longo de todo o ciclo produtivo e podem ser chamados de insumos de irrigação.
Além disso, devemos destacar a importância de equipamentos e componentes
mecânicos no processo de distribuição de água e operação dos sistemas de irrigação nas
unidades produtivas rurais. Bombas, tubulações, aspersores, gotejadores, válvulas e outros
277

elementos desempenham um papel crucial nesse contexto. Esses componentes são conhecidos
como insumos para irrigação na fruticultura.
Quando questionados sobre a frequência de uso e de compra dos materiais de irrigação
na fruticultura, a exemplo dos acima supracitados, as respostas dos agricultores camponeses
nos viabilizaram resultados satisfatórios para a compreensão da expansão desses materiais no
ramo produtivo (Gráfico 19).

Gráfico 19. Pesquisa empírica: frequência de uso e de compra dos materiais de irrigação utilizados na
fruticultura (2022-2023).

120

100

80

60

40

20

0
Contínuo Demanda Não respondeu
Frequência de uso Frequência de compra

Fonte: Welton Nascimento (2023).

Além dos dados expostos, é relevante acrescentar as respostas de outros seis agricultores
em relação a aquisição dos materiais de irrigação utilizados. Um agricultor mencionou comprar
os materiais com baixa frequência, enquanto dois agricultores afirmaram comprar apenas
durante períodos de fundação de novas áreas de produção. Um agricultor relatou realizar
compras a cada três meses, outro uma vez por ano, e um último agricultor mencionou reutilizar
materiais previamente utilizados por terceiros.
Esses dados revelam a importância geral dos materiais de irrigação, mas chamam a
atenção para o uso frequente desses materiais nos sistemas de irrigação, o que é um elemento
comum no ramo produtivo da fruticultura. Sobre à compra desses materiais, observa-se uma
tendência predominante de adquiri-los conforme as demandas surgem, principalmente para fins
de manutenção dos sistemas de irrigação, além da prática contínua de compra desses materiais.
A transferência de valor desses materiais de irrigação para a produção agrícola
desempenha um papel fundamental, mesmo que ocorra em um período mais prolongado em
278

comparação a outros insumos agrícolas. Isso fica evidente pela frequência com que os
agricultores os adquirem de forma contínua ou de acordo com as demandas específicas dos
processos produtivos. Essas práticas são justificadas pela necessidade de evitar interrupções no
fornecimento de água para o cultivo, caso contrário pode comprometer significativamente a
qualidade final da produção. Por sua vez, isso afeta diretamente a capacidade do agricultor
camponês de gerar renda por meio da comercialização dos produtos agrícolas.
As figuras 70 e 71 representam alguns desses materiais adquiridos para serem utilizados
nos sistemas de irrigação nas unidades camponesas visitadas.

Figura 70. Apodi/RN: mangueiras compradas Figura 71. Perímetro Irrigado Mandacaru,
para irrigação por gotejamento no cultivo de Juazeiro/BA: mangueiras de irrigação para
uva (2022). descarte no cultivo de manga (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

No contexto da dinâmica produtiva de frutas irrigadas, é importante notar que certos


cultivos exigem mais materiais para a manutenção da irrigação em comparação a outros, devido
às suas características específicas de desgaste resultante do uso intensivo desses materiais. Um
exemplo notável é a produção de melão, melancia e uva, em que a demanda constante por água
acarreta um desgaste mais acentuado dos materiais utilizados na irrigação.
Em relação ao amplo intervalo na transferência de valor dos materiais utilizados na
agricultura, é relevante destacar a importância das máquinas, implementos e outras ferramentas
técnicas, ou seja, bens de consumo duráveis empregados na fruticultura. Esses itens, em
conjunto com alguns dos já citados, também podem ser denominados de insumos mecânicos
(bens duráveis) na agricultura, resultando das “inovações mecânicas, que afetam de modo
particular a intensidade e o ritmo da jornada de trabalho” (Graziano da Silva, 1990, p. 40).
279

A transferência de valor das máquinas, implementos e outros equipamentos técnicos


para as frutas produzidas pelos camponeses, ocorre assim porque “na agriculta as máquinas são
utilizadas, em sua maioria, apenas por pouco tempo durante o ano” (Kautsky, 1998, p. 73).
Nesse caso, o valor desses materiais, aos quais mencionamos na seção dois deste trabalho como
capital fixo (Marx, 2014), decresce de maneira contínua de forma a ser distribuído a uma massa
de produtos até que eles deixem funcionar e existir.
Não obstante, o uso das máquinas e implementos na agricultura requer atentar também
a existência do consumo produtivo associado a manutenção desses instrumentos, ampliando
ainda mais o leque de custos que o agricultor deve atentar para a manutenção da eficiência
produtiva. Tais insumos produtivos das máquinas e implementos podem ser os combustíveis,
óleos, energia elétrica, graxas, lubrificantes e o próprio trabalho exercido na manutenção desses
instrumentos, seja do próprio agricultor, quando oportuno, ou de mão de obra especializada.
Na fruticultura irrigada das localidades visitadas empiricamente, observa-se uma ampla
variedade de máquinas, equipamentos e instrumentos técnicos utilizados na produção. Ao
analisar o uso desses recursos, é importante considerar uma série de condições que influenciam
sua variação na produção de frutas. As condições incluem: a natureza da produção, uma vez
que culturas de alto valor agregado pode exigir um uso mais intensivo de máquinas e outros
instrumentos em comparação com outras culturas; o período de uso ao longo das safras, pois
diferentes etapas do ciclo da cultura, como poda, pulverização, colheita e transporte, podem
demandar diferentes instrumentos e equipamentos; o tipo de insumos utilizados no cultivo das
frutas também desempenha um papel significativo, uma vez que a aplicação de fertilizantes e
agrotóxicos, por exemplo, pode exigir o uso de pulverizadores costais ou máquinas
especializadas; e a demanda pela irrigação, pois sistemas eficientes e adequados de irrigação
são necessários para fornecer a quantidade correta de água e nutrientes às plantas.
Considerando a ampla variedade de condições encontradas nas áreas visitadas em
relação ao uso de máquinas, instrumentos e outros materiais na fruticultura, o Quadro 06 destaca
alguns desses instrumentos específicos, com base em cada área e a quantidade existente nas
unidades de produção camponesa.
280

Quadro 06. Pesquisa empírica: máquinas e instrumentos agrícolas utilizados na fruticultura irrigada camponesa (2022-2023).

São Romão Assentamento


Acampamento Zé Sítio Fazenda Vila Mandacaru I e
Máquinas e (Mossoró) e C3, N7 e N9 Cruz do Pontal Vale
Maria do Tomé Boqueirão de uvas Cajazeiras II / Maniçoba
instrumentos Sítio Velame (Petrolina) e Ilha do Pontal do Açu
(Limoeiro do Norte) (Quixeré) (Apodi) (Aracati) (Juazeiro)
(Baraúna) (Lagoa Grande)

Arado 1 8 1 2 2 8 2 1 2
Carro de mão 15 14 4 28 4 36 44 35 29

Colheitadeira 4 1 1 2 3 0 0 6 2

Enxada 83 138 18 69 23 118 108 53 52


Empilhadeira 0 0 0 5 0 0 0 0 1
Grades de
1 6 1 10 1 6 1 2 6
disco

Motosserra 0 4 1 9 1 3 3 4 7

Plantadeira 8 5 1 4 2 9 8 5 4
Pulverizador 15 13 10 32 5 42 54 37 32
Roçadeira 23 5 2 18 2 25 32 24 14
Sulcador 2 3 0 12 1 1 7 7 5
Subsoladora 0 1 0 3 0 2 0 0 0
Tratores 4 13 2 11 1 16 2 2 5

Fonte: Pesquisa Empírica (2022-2023).


281

Os dados revelam uma presença significativa de instrumentos tradicionais, como


enxadas e roçadeiras manuais, nas unidades de produção camponesa. No entanto, ficou notável
empiricamente a baixa adesão de roçadeiras movidas a gasolina ou elétricas nesses
estabelecimentos, tecnologia geralmente restrita aos agricultores mais capitalizados, como
observado no Submédio do São Francisco, onde o uso dessas máquinas é mais comum nos
processos produtivos. Nas demais áreas visitadas, essa tecnologia ainda é pouco adotada, sendo
encontrada principalmente em associações ou restrita a apenas alguns agricultores (Pesquisa
Empírica, 2022-2023).
Este exemplo ilustra bem o potencial de uma tecnologia capaz de otimizar o tempo de
trabalho do agricultor camponês nos processos de produção. As roçadeiras movidas a gasolina
ou elétricas oferecem vantagens significativas, como maior mobilidade e flexibilidade, maior
potência de desempenho e maior praticidade em comparação com as roçadeiras manuais. Essas
características permitem ao agricultor executar suas tarefas de maneira mais eficiente,
resultando em ganhos de produtividade e redução do esforço físico necessário.
Os carros de mão, além de serem considerados bens duráveis, desempenham um papel
fundamental no trabalho dos agricultores camponeses. Esses instrumentos são amplamente
utilizados para o transporte de materiais diversos na roça. São essenciais não apenas para
transportar insumos e outros materiais necessários na produção, mas também para o transporte
das frutas colhidas, especialmente aquelas de tamanho menor.
É evidente o expressivo uso de pulverizadores, uma vez que eles desempenham um
papel crucial na aplicação de produtos químicos, como fertilizantes, herbicidas, inseticidas e
fungicidas, nas plantas frutíferas. Os números apresentados chamam a atenção devido à maior
prevalência de pulverizadores entre os agricultores das regiões especializadas na produção de
cultivos específicos, como é o caso da manga em Mandacaru e Maniçoba. Nesses cultivos em
particular, é necessário dedicar uma atenção especial durante o período de floração, sendo
considerado fundamental seu uso para garantir um manejo eficaz das plantas nessa fase crítica
do desenvolvimento.
É importante ressaltar que os pulverizadores mencionados pelos agricultores em
entrevistas abrangem tanto os modelos manuais, conhecidos como pulverizadores costais,
amplamente utilizados pelos camponeses, quanto os modelos acoplados ao trator, que são mais
comuns em unidades camponesas com maior capitalização, especialmente nos cultivos de uvas.
282

Além dos instrumentos identificados, como colheitadeira, empilhadeira, motosserra,


plantadeira, sulcador e subsolador, foram identificados outros instrumentos e materiais diversos
utilizados na produção de frutas irrigadas. Entre eles estão a foice, o machado, a cavadeira, as
balanças, as tesouras (especialmente as adequadas ao cultivo de videiras) e o cultivador. Os
modelos de pulverizadores supracitados e alguns dos instrumentos técnicos utilizados na
produção são representados nas figuras 72 (A e B) e 73 (A e B).

Figura 72 (A e B). Apodi/RN e Projeto Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: pulverizador manual
e acoplado utilizados nos cultivos de uvas (2022-2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Figura 73 (A e B). Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE e Projeto Senador


Nilo Coelho, Petrolina/PE – instrumentos técnicos utilizados no cultivo de bananas e uvas
(2022-2023).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).


283

Chama atenção a menor frequência de máquinas e implementos essenciais no manejo


do solo e na produção agrícola, como tratores, arados e grades de disco, conforme revelado
pelos dados. Essa observação pode estar associada às características específicas dos cultivos
permanentes, como banana, manga, mamão, coco-da-baía e uva. No entanto, é importante
ressaltar que a falta de acesso a esses instrumentos indispensáveis para a produção não se limita
apenas às particularidades desses cultivos, mas também reflete a limitação financeira enfrentada
pela maioria dos agricultores camponeses. No sistema agrícola, é possível que haja outros
cultivos que demandam o uso desses equipamentos, tornando sua aquisição ainda mais difícil
para esses agricultores.
Nas áreas visitadas, a escassez desses instrumentos na produção resulta em uma
limitação significativa para muitos agricultores, que se veem praticamente restritos a três
opções quando precisam utilizá-los: depender de associações locais para o fornecimento (seja
o agricultor associado ou não), o que muitas vezes implica em aguardar agendamento devido
às demandas existentes entre os produtores; recorrer à contratação de serviços ou ao aluguel de
tratores e implementos agrícolas de terceiros, uma prática comum entre os agricultores
entrevistados; ou contar com a disponibilidade de outros agricultores que, porventura, possuam
esses equipamentos (Pesquisa Empírica, 2022-2023).
A realidade exposta nos leva a acreditar que esses fatores, juntamente como a falta de
recursos financeiros enfrentada por um amplo número de agricultores camponeses, os levam a
buscar outras alternativas ou adaptações dos objetos já existentes para suprir a ausência
daqueles que muitas vezes não estão a seu alcance. Isso se evidencia porque na agricultura
camponesa, enquanto dinâmica inserida ao processo de globalização, os objetos técnicos são
requeridos para otimizar a produção agrícola, de acordo com as características dos
estabelecimentos produtivos (Santos, 2017).
O fato é que, nessa conjuntura, muitos dos agricultores camponeses encontram novos
usos e finalidades para os objetos e técnicas, e junto a isso novas articulações práticas e novas
normas se efetivam localmente. O exemplo disso, encontrado em algumas das áreas visitadas
empiricamente, são os triciclos e quadriciclos criados pelos próprios agricultores e/ou sujeitos
locais a fim de servir como meio para a colheita de frutas nas lavouras, para pulverização da
lavoura e outras atividades associadas (Figura 74 e 75).
284

Figura 74. Acampamento Zé Maria do Tomé, Figura 75. Projeto Mandacaru II, Juazeiro/BA:
Limoeiro do Norte/CE: triciclo com carroceria quadriciclo utilizado como pulverizador de 400
utilizado para colheita de bananas (2022). litros no cultivo de mangas (2022).

Fonte: Welton Nascimento (2023). Fonte: Welton Nascimento (2023).

Segundo relatos dos próprios agricultores, os triciclos e quadriciclos representam uma


alternativa viável diante da escassez de recursos para a aquisição de máquinas agrícolas, visto
que são veículos que os permitem aumentar a produtividade, uma vez que desempenham papel
fundamental nas atividades agrícolas.
Numa perspectiva teórica, tal realidade evidencia o que Santos (2017) chama de
“flexibilidade tropical”, constituída pelos novos usos e finalidades as quais a população pobre
efetiva sobre os objetos e técnicas, resultando em novas articulações práticas e novas normas.
Assim como nas cidades, os pobres do campo ao não conseguirem ter acesso aos objetos e
técnicas das classes mais abastadas, configuram uma divisão do trabalho imitativa, encontrando
nela razões para se instalar e se reproduzir.
No caso específico do triciclo utilizado na colheita de bananas, essa medida foi adotada
para facilitar o transporte dos produtos da área de cultivo até a residência do agricultor.
Geralmente, é nesse local que ocorre a coleta dos frutos por parte dos atravessadores, que os
adquirem dos agricultores. O triciclo desempenha um papel importante também no
carregamento dos insumos e fertilizantes quando necessária a aplicação na plantação, podendo
também ser considerado um instrumento essencial a produção.
Já o relato do agricultor proprietário do quadriciclo é o de que foi mais vantajoso para
ele adquirir uma motocicleta e todos os materiais necessários para criar esse objeto técnico, em
vez de recorrer a empréstimos bancários para comprar máquinas agrícolas. Essa escolha foi
motivada, principalmente, pelos altos juros dos empréstimos direcionados à aquisição de
285

maquinários. Dessa forma, o agricultor encontrou uma solução mais econômica ao investir na
adaptação da motocicleta para atender às suas necessidades no cultivo de mangas.
É importante destacar que os agricultores camponeses continuam realizando adaptações
na fruticultura irrigada de forma contínua, independentemente dos materiais utilizados ou do
nível técnico envolvido no processo. Essas estratégias de adaptação na agricultura camponesa
representam alternativas viáveis dentro das limitações financeiras enfrentadas pelos próprios
agricultores, visando aumentar a produtividade e eficiência em suas atividades.
Portanto, essas ações dos agricultores camponeses podem ser compreendidas como
formas de resistência, ou contraracionalidade como mencionado por Santos (2017), às
imposições estabelecidas pelo sistema capitalista na agricultura. Elas representam uma maneira
de contornar as restrições impostas pelo capital e a falta de recursos financeiros, contribuindo
para a manutenção dos agricultores como sujeitos ativos e produtivos em um contexto em que
as relações são dominadas pelas produções capitalistas.
Diante do exposto, evidencia-se o forte papel dos insumos, máquinas e outros
instrumentos agrícolas no âmbito da sujeição da renda camponesa da terra ao capital. A
dependência por esses produtos cria uma demanda contínua e onerosa para os agricultores, aos
quais recorrem às empresas situadas localmente para os fornecimentos desses produtos,
empresas essas inseridas no mercado capitalista.
Essa dependência em relação aos insumos e máquinas agrícolas, juntamente com a
necessidade de capital financeiro para adquiri-los, coloca os agricultores em uma posição
vulnerável e subordinada ao capital no sistema de produção de frutas irrigadas. A falta de
recursos financeiros limita suas opções produtivas e comerciais e sujeita-os a condições
desfavoráveis impostas pelo mercado. Em resumo, os agricultores enfrentam altos custos de
insumos, máquinas e equipamentos, além dos juros de empréstimos, o que compromete sua
renda e autonomia na produção.
Por fim, os agricultores, mesmo diante desses desafios, estão constantemente buscando
estratégias adaptativas e se organizando coletivamente para resistir às imposições do capital.
Além disso, eles desenvolvem práticas de manejo mais sustentáveis, baseadas em
conhecimentos tradicionais, e promovem a troca de experiências para enfrentar os desafios da
produção. Essas ações refletem sua persistência e resistência em meio a um sistema opressor e
excludente.
286

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa, dedicamo-nos à análise da expansão do uso de objetos técnico-


científicos-informacionais como um mecanismo de subordinação da renda camponesa da terra
ao capital. Por meio da perspectiva dos usos do território, pudemos compreender a
complexidade dessa variável e suas repercussões nos diferentes usos do território, em especial
a produção camponesa nas principais áreas de cultivo de frutas irrigadas.
Observou-se que a variável em questão não corresponde a uma dinâmica isolada, mas
associada aos amplos e complexos processos vinculados a produção de frutas irrigadas no
Nordeste Semiárido, envolvendo diferentes agentes, processos e eventos, modificando as
configurações territoriais preexistentes e o próprio conteúdo em técnica do espaço geográfico.
Por isso mesmo, nos debruçamos sobre uma análise minuciosa sobre a maneira que esses
processos se efetivam no respectivo ramo produtivo.
As apreciações teóricas apresentadas, embasadas em autores que se dedicaram à análise
do emprego das técnicas na agricultura, tanto sob a perspectiva do capitalismo quanto da
produção camponesa, permitiram-nos compreender uma série de questões cruciais. A principal
delas, que serviu como fundamento para a elaboração de nossa pesquisa de tese, corresponde à
forma pela qual os objetos técnicos são introduzidos na agricultora camponesa, como meio de
extração renda da terra pelo capital.
Nessa abordagem, buscamos compreender a importância desempenhada pela
agricultura camponesa nas principais regiões de produção de frutas irrigadas no Nordeste
Semiárido, estabelecendo nexos com o domínio e controle da produção agroindustrial sobre o
setor. Tais empresas, que atuam de maneira a estabelecer formas de monopolização do
território, exercem forte influência no emprego de normas técnicas alinhadas aos padrões
produtivos globalizados, refletindo diretamente nas práticas de cultivo adotadas pelos
camponeses na fruticultura.
No Submédio São Francisco, o Baixo-Jaguaribe e os vales do rio Piranhas-Açu e Apodi
Mossoró, torna-se evidente o papel da agricultura camponesa na produção de frutas. No entanto,
é importante ressaltar que essa participação não isenta esse segmento da intensa extração de
renda da terra pelo capital, pelo contrário, é submetido ainda mais às lógicas externas e
estranhas às condições tradicionais de produção no campo.
O fato é que nessas áreas, a condição dos agricultores em relação às terras (assentados,
colonos, proprietários, por exemplo) inviabiliza a apropriação formal da renda da terra pelo
287

capital. Sendo assim, ele encontra mecanismos de explorar a renda dos agricultores
camponeses, sobretudo através de mecanismos de espoliação.
Um dos mecanismos que evidencia essa dinâmica é a dependência do comércio de
insumos agrícolas, por meio da atuação das empresas desse setor localizadas nas proximidades
das áreas de produção, as quais atendem às demandas de consumo produtivo do campo. Aqui,
tem-se como exemplos representativos as cidades de Mossoró, Petrolina e Juazeiro, fornecendo
para o campo os materiais considerados essenciais a produção.
Isso decorre da existência de dois nichos de mercado distintos associados a produção de
frutas irrigadas: um está vinculado à produção agroindustrial, que adquire tais insumos em
grande escala, estabelecendo interações espaciais em âmbito nacional e internacional; e outro
está relacionado à produção camponesa, que adquire os insumos em quantidades menores e
adaptadas às demandas e condições específicas, gerando fluxos locais baseados na busca por
produtos necessários ao consumo temporário.
Assim, as empresas de insumos agrícolas desempenham um papel significativo na
agricultura camponesa, fornecendo os produtos necessários para a produção de frutas, como
insumos, máquinas e equipamentos agrícolas diversos. Ao serem utilizados na fruticultura
irrigada, esses elementos contribuem para a valorização da renda da terra de duas maneiras
principais: de forma transitória, devido ao desgaste rápido de produtos como fertilizantes e
agrotóxicos (capital circulante); e de forma permanente, por meio das infraestruturas
incorporadas aos processos de produção, como estradas, armazéns e, em alguns casos, máquinas
e equipamentos agrícolas (capital fixo).
As empresas de insumos desempenham um papel crucial na determinação dos preços,
qualidade e disponibilidade desses produtos. Nesse contexto, a assistência técnica fornecida por
profissionais como agrônomos e técnicos agrícolas torna-se essencial, sendo muitas vezes a
única opção acessível aos produtores. Essa combinação de fornecimento de insumos e
assistência técnica cria um poder adicional das empresas, influenciando as escolhas dos
camponeses e gerando certa fidelidade às mesmas e até a certas marcas de produtos.
Um outro mecanismo, muito representativo nas diferentes áreas de produção de frutas
irrigadas, corresponde a ação dos atravessadores no controle da comercialização das frutas
produzidas pela agricultura camponesa. Essas relações estabelecidas entre camponeses e
atravessadores são contraditórias e interdependentes, visto que no âmbito da comercialização
agrícola, um depende do outro para se reproduzir, mesmo que esses segundos tenham maior
poder sobre os primeiros.
288

Nas relações entre camponeses e atravessadores no Nordeste Semiárido, observam-se


imposições de normas consuetudinárias, construídas de maneira informal, sobre o uso de
insumos e materiais para a produção de frutas, especialmente in natura, de acordo com os
padrões produtivos globais. Isso inclui características como aparência sem manchas, tamanho
uniforme e ausência de danos físicos. Caso os produtos dos agricultores camponeses não
atendam a essas condições, eles não são comprados e, se persistirem em produzir frutas fora do
padrão, são excluídos do processo de comercialização.
Esse fato foi constatado em várias áreas relacionadas à produção de frutas irrigadas,
sendo em algumas delas mais acentuadas que outras. Um exemplo é o Acampamento Zé Maria
do Tomé, onde há um controle rigoroso por parte dos atravessadores na compra de bananas
cultivadas localmente. Além disso, destaca-se o caso do Assentamento Ilha Grande do Pontal,
onde a intervenção dos atravessadores desempenha um papel vital na comercialização de
mangas, bananas e uvas, sendo reconhecida como importante pelos próprios agricultores devido
às dificuldades geográficas decorrentes da localização do assentamento, situado em uma ilha
no meio do Rio São Francisco.
Nessas e nas outras áreas visitadas empiricamente, as ações dos atravessadores na
compra dos produtos impõem preços desvantajosos aos agricultores camponeses, resultando na
apropriação de uma parcela significativa da renda gerada por eles e suas famílias. Isso os coloca
em uma posição de submissão frente ao mercado de frutas irrigadas, em que sua capacidade de
negociação e autonomia são reduzidas e limitadas.
Outro aspecto relevante nesse contexto são os contratos estabelecidos entre os
atravessadores e os camponeses, formalizando as condições de venda das safras. Essa prática é
comumente observada em diversas áreas visitadas durante a pesquisa, mas se destaca
especialmente nas produções de melão no Rio Grande do Norte e Ceará, assim como na
produção de manga em Juazeiro/Bahia. Esses contratos impõem aos agricultores uma série de
obrigações, incluindo restrições quanto aos insumos a serem utilizados, diretrizes específicas
para as práticas de cultivo e exigências em relação aos padrões de qualidade das frutas.
Esses contratos mencionados guardam semelhanças com aqueles firmados por alguns
dos agricultores entrevistados junto às cooperativas agrícolas, especialmente aquelas associadas
ao cultivo de uvas em Petrolina. Essas cooperativas, por sua vez, impõem regras no que diz
respeito à aquisição da produção das famílias agricultoras, impondo taxas e tarifas pelos
serviços prestados, como o fornecimento de insumos, assistência técnica, armazenamento e
comercialização das frutas. Não obstante, exercem controle sobre os preços de venda,
estabelecendo-os de forma unilateral.
289

Assim, fica evidente que a sujeição da agricultura camponesa ao capital, por meio da
expansão do uso de objetos técnicos-científicos na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido,
se dá através de um conjunto complexo de relações, simultaneamente complementares e
contraditórias, que são dinâmicas e se estabelecem de forma intensa no território.
Com base nas proposições de Santos (1999, 2000) e Martins (1990, 1999), fica evidente
que a sujeição da agricultura camponesa ao capital na fruticultura irrigada ocorre devido sua
inserção em uma lógica globalizada que impõe restrições, perda de autonomia e condições
desfavoráveis aos seus usos do território. Essa dinâmica é fortemente influenciada pelas
imposições de produção estabelecidas pelo capital, difundidas no território por meio das ações
das empresas agroindustriais, empresas comerciais de insumos agrícolas e até mesmo pelo
Estado, que financia tais processos por meio de políticas direcionadas a agricultura.
Não obstante, depreende-se que a sujeição da agricultura camponesa associada à
fruticultura irrigada ao capital não se limita apenas à exploração da força de trabalho, mas se
estende aos meios de produção essenciais para sua efetivação. Além dos insumos, máquinas e
implementos agrícolas, é crucial destacar a importância da infraestrutura de suporte à produção
camponesa, como canais de irrigação, estradas, armazéns, instalações de processamento e
comercialização. Esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento das atividades
agrícolas e sua ausência ou inadequação impõe sérios entraves à capacidade produtiva, ou seja,
sua forma particular de usos do território.
Apesar das condições impostas pelo capital, é possível observar resistências por parte
dos agricultores camponeses em relação ao uso de materiais alinhados com a produção
capitalista globalizada. Essa resistência surge da sua incapacidade de se submeterem
completamente ao domínio do capital, resultando na manutenção de práticas produtivas e
métodos de cultivo tradicionais, preservação de valores culturais, saberes localmente
compartilhados, e sobretudo sua conexão com a terra. Trata-se de características típicos da
concepção de território como abrigo para os camponeses.
Exemplos notáveis de resistência e preservação de tradições camponesas podem ser
encontrados nos agricultores do Sítio Sacramento em Ipanguaçu e do Sítio Boqueirão em
Quixeré. Em face da expansão do cultivo de bananas em suas unidades produtivas, eles se
destacam pela manutenção das práticas tradicionais associadas à criação animal.
Um aspecto relevante é a manutenção da tradição do cultivo baseado no uso de adubos
orgânicos produzidos internamente nas próprias unidades camponesas. Isso resulta em uma
redução da dependência em relação aos insumos provenientes do mercado local. Ao adotarem
essa abordagem, os agricultores reforçam a autonomia e a sustentabilidade de suas práticas
290

agrícolas, preservando a qualidade dos solos e evitando a contaminação ambiental decorrente


do uso intensivo de fertilizantes químicos oriundos da indústria agroquímica.
Diante do recorte empírico realizado para a efetivação da pesquisa, é válido considerar
que na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido existe uma diversidade significativa de
camponeses, cada um com suas particularidades no âmbito das práticas e abordagens distintas
sobre o cultivo e manejo das frutas. Essa diversidade pode ser elencada tanto em relação as
técnicas utilizadas na produção, como no tamanho das unidades produtivas, nas variedades de
frutas e estratégias de comercialização da produção.
O acesso à água desempenha um papel fundamental na fruticultura do Nordeste
Semiárido, pois a disponibilidade hídrica eficiente contribui para o cultivo de pomares e o
aumento da renda da terra camponesa. Os distritos irrigados Nilo Coelho e Bebedouro em
Petrolina, e Mandacaru e Maniçoba em Juazeiro são exemplos contundentes desse processo,
porém ainda enfrentam sérios problemas relacionados a ação dos atravessadores na retenção de
parte significativa da produção.
A adoção de técnicas avançadas de irrigação, como o gotejamento e a microaspersão,
tem permitido que os agricultores camponeses otimizem o uso da água, direcionando-a
diretamente às raízes das plantas. Isso reduz as perdas por evaporação e melhora a eficiência
geral do sistema de irrigação. Ao aproveitar ao máximo os recursos hídricos disponíveis, os
agricultores conseguem garantir o desenvolvimento saudável das plantas e auferir renda que
possa o beneficiar no contexto produtivo local.
Com base nas realidades identificadas ao longo desta pesquisa, é evidente que a tese
inicialmente proposta foi confirmada. Os processos de apropriação da renda proveniente da
agricultura camponesa por parte dos agentes capitalistas que operam nas diversas regiões de
cultivo de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, através da imposição de normas
consuetudinárias sobre o uso de objetos técnico-científicos-informacionais, representam um
mecanismo de sujeição da renda da terra ao capital.
Entretanto, é relevante ressaltar algumas limitações metodológicas e analíticas que
impediram uma investigação mais aprofundada sobre a realidade da fruticultura irrigada na
agricultura camponesa do Nordeste Semiárido. Em primeiro lugar, é notável a carência de
dados, especialmente fornecidos pelo IBGE através do Censo Agropecuário, sobre a agricultura
familiar que realiza o cultivo de frutas com o uso de irrigação. Isso é problemático,
considerando a relevância desse setor na dinâmica produtiva da região semiárida do Nordeste.
Além disso, a falta de informações do Banco Central do Brasil sobre os valores e contratos
291

relacionados ao financiamento da agricultura por municípios brasileiros também limita a análise


e pesquisa nesse campo.
Entre as limitações encontradas na pesquisa empírica realizada nas áreas visitadas,
destacam-se a falta de profissionais nos órgãos administrativos de alguns perímetros públicos
irrigados, o que dificultou o acesso a informações atualizadas e confiáveis sobre a realidade
recente da fruticultura nessas comunidades. Adicionalmente, a resistência de alguns
agricultores e empresas agroindustriais em participar das entrevistas para coleta de informações
sobre os processos produtivos representou um desafio, especialmente levando em consideração
as longas distâncias percorridas pelo pesquisador para conduzir a pesquisa.
Diante da Tese apresentada, alguns insights surgiram associados ao tema trabalhado, ao
qual propomos como reflexões para possíveis pesquisas relacionadas ao tema, sendo elas:
Como o Estado tem contribuído para a manutenção dos mecanismos elaborados pelo capital
para a extração da renda da terra camponesa na fruticultura irrigada? Como se configuram as
relações de trabalho no interior da dinâmica de produção de frutas irrigadas no Nordeste
Semiárido? Quais os impactos ambientais e sobre a saúde humana mediante o uso, por vezes
sem orientação técnica, dos agroquímicos utilizados na fruticultura? Como as transformações
recentes das novas tecnologias agrícolas sustentáveis podem contribuir para a produção agrícola
camponesa de forma a reduzir sua dependência sobre o uso de insumos agroquímicos?
Por fim, espera-se que a presente pesquisa, direcionada à compreensão de uma variável
ligada a um dos setores mais dinâmicos da agricultura brasileira, possa contribuir para reflexões
profundas sobre a dinâmica do espaço agrário do país. Além disso, é esperado que esse estudo
abra um amplo leque de discussões sobre a importância da agricultura camponesa no contexto
da segurança alimentar, na preservação dos recursos naturais e na promoção da agricultura
sustentável. Adicionalmente, espera-se que os resultados desta pesquisa sejam capazes de
fornecer embasamento para a formulação de políticas públicas e estratégias que fortaleçam a
produção camponesa, bem como para a compreensão e o reconhecimento desse vetor como
uma forma de produção relevante e resiliente.
292

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<https://oll.libertyfund.org/titles/113>. Acesso em: 28 de jul. 2020.
STORCH, Heinrich Friedrich. Cours d’Economie Politique ou Exposition des Principes
qui Déterminent la Pros-périté des Nations. Aillaut: Paris, 1823.
THOMAZ JUNIOR, Antônio. Por uma Geografia do trabalho. Revista Pegada,
Presidente Prudente, v. 3, n. Especial, p. 04-17, ago. 2002.

VALVERDE, Orlando; MESQUITA, Myriam G. C. Geografia Agrária do Baixo Açu.


Revista Brasileira de Geografia. v. 23, n. 3, p. 455–494, 1961.
VIDAL, Maria de Fátima; XIMENES, Luciano. Comércio exterior do agronegócio do
Nordeste: frutas, nozes e castanhas. Caderno Setorial do Escritório Técnico de Estudos
Econômicos do Nordeste – ETENE. Ano 4. nº 73, mar. 2019.
305

ANEXO 1

Quadro 01 – Número e nomenclaturas das tabelas consideradas na pesquisa disponíveis


no Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA)76.

Número da Nomenclatura
tabela
Produção, Valor da produção, Venda, Valor da venda, Colheita, Área plantada
6956 e Efetivos das plantações da lavoura permanente nos estabelecimentos
agropecuários, por tipologia, produtos da lavoura permanente e grupos de área
total.
Produção, Valor da produção, Venda, Valor da venda e Área colhida da
6959 lavoura temporária nos estabelecimentos agropecuários, por tipologia,
produtos da lavoura temporária e grupos de área total.
Número de estabelecimentos agropecuários com uso de irrigação e Área
6857 irrigada dos estabelecimentos agropecuários, por tipologia, método utilizado
para irrigação, sexo do produtor, classe de idade do produtor e existência de
energia elétrica.
Número de estabelecimentos agropecuários com recursos hídricos, por
6860 tipologia, tipo de recurso hídrico, sexo do produtor, classe de idade do produtor
e condição do produtor em relação às terras.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, forma de obtenção
6781 de informações técnicas recebidas pelo estabelecimento, sexo do produtor,
condição do produtor em relação às terras, classe de idade do produtor e
escolaridade do produtor.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, uso de adubação,
6847 sexo do produtor, classe de idade do produtor, escolaridade do produtor e
forma de obtenção de informações técnicas recebidas pelo estabelecimento.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, uso de calcário
6850 e/ou outros corretivos do pH do solo, origem da orientação técnica recebida e
grupos de área total.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, uso de agrotóxicos,
6851 sexo do produtor, condição do produtor em relação às terras, escolaridade do
produtor e associação do produtor à cooperativa e/ou à entidade de classe.
Número de estabelecimentos agropecuários e Número de tratores,
implementos e máquinas existentes nos estabelecimentos agropecuários, por
6872 tipologia, tratores, implementos e máquinas existentes no estabelecimento
agropecuário, sexo do produtor e classe de idade do produtor.
Número de estabelecimentos agropecuários que não utilizaram sistema de
6855 preparo do solo, Número de estabelecimentos agropecuários que utilizaram
sistema de preparo do solo, Número de estabelecimentos agropecuários que
utilizaram cultivo convencional, Número de estabelecimentos agropecuários
que utilizaram cultivo mínimo, Número de estabelecimentos agropecuários
que utilizaram plantio direto na palha e Área com plantio direto na palha, por
tipologia, sexo do produtor, classe de idade do produtor e condição do produtor
em relação às terras.

76 Dados relativos ao período (ano) de referência (1/10/2016 a 30/09/2017).


306

Quadro 02 – Códigos e subclasses consideradas na pesquisa a partir da classificação das


atividades econômica CNAE 2.0

Código CNAE 2.0


Nomenclatura
Classe Subclasse
0119-9/01 Cultivo de abacaxi
0119-9/07 Cultivo de melão
01.19-9
0119-9/08 Cultivo de melancia
0119-9/09 Cultivo de tomate rasteiro
01.31-8 0131-8/00 Cultivo de laranja
01.32-6 0132-6/00 Cultivo de uva
0133-4/01 Cultivo de açaí
0133-4/02 Cultivo de banana
0133-4/03 Cultivo de caju
0133-4/04 Cultivo de cítricos, exceto laranja
0133-4/05 Cultivo de coco-da-baía
0133-4/06 Cultivo de guaraná
01.33-4
0133-4/07 Cultivo de maçã
0133-4/08 Cultivo de mamão
0133-4/09 Cultivo de maracujá
0133-4/10 Cultivo de manga
0133-4/11 Cultivo de pêssego
0133-4/99 Cultivo de frutas de lavoura permanente não especificadas anteriormente
01.35-1 0135-1/00 Cultivo de cacau
01.39-3 0139-3/05 Cultivo de dendê
0161-0/01 Serviço de pulverização e controle de pragas agrícolas
01.61-0 0161-0/03 Serviço de preparação de terreno, cultivo e colheita
0161-0/99 Atividades de apoio à agricultura não especificadas anteriormente
20.12-6 2012-6/00 Fabricação de intermediários para fertilizantes
20.13-4 2013-4/00 Fabricação de adubos e fertilizantes
20.51-7 2051-7/00 Fabricação de defensivos agrícolas
28.31-3 2831-3/00 Fabricação de tratores agrícolas, peças e acessórios
28.32-1 2832-1/00 Fabricação de equipamentos para irrigação agrícola, peças e acessórios
28.33-0 2833-0/00 Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária,
peças e acessórios, exceto para irrigação
33.14-7 33.14-7 /12 Manutenção e reparação de tratores agrícolas
4623-1 4623-1/06 Comércio atacadista de sementes, flores, plantas e gramas
Comércio atacadista de matérias-primas agrícolas com atividade de
4623-1/08
fracionamento e acondicionamento associada
4623-1
4623-1/99 Comércio atacadista de matérias-primas agrícolas não especificadas
anteriormente
46.61-3 4661-3/00 Comércio atacadista de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso
agropecuário; partes e peças
46.83-4 4683-4/00 Comércio atacadista de defensivos agrícolas, adubos, fertilizantes e
corretivos do solo
307

46.92-3 4692-3/00 Comércio atacadista de mercadorias em geral, com predominância de


insumos agropecuários
74.90-1 7490-1/03 Serviços de agronomia e de consultoria às atividades agrícolas e
pecuárias
75.00-1 7500-1/00 Atividades veterinárias
77.31-4 7731-4/00 Aluguel de máquinas e equipamentos agrícolas sem operador

Quadro 03 – Códigos e nomenclaturas das frutas e sementes exportadas e/ou importadas


pelo Brasil de acordo com a Nomenclatura Comum do Mercosul.

Códigos NCM - Produtos


0702.00.00 Tomates, frescos ou refrigerados.
0801.11.00 Cocos dessecados
0801.12.00 Cocos na casca interna (endocarpo)
0801.19.00 Outros cocos
0801.31.00 Castanha de caju com casca
0801.32.00 Castanha de caju sem casca
0803.10.00 Bananas-da-terra (Bananas-pão*) (Plátanos*)
0803.90.00 Outras bananas
0804.20.10 Figos frescos
0804.20.20 Figos secos
0804.30.00 Abacaxis (ananases)
0804.40.00 Abacates
0804.50.10 Goiabas
0804.50.20 Mangas
0805.10.00 Laranjas
0805.21.00 Mandarinas (incluindo as tangerinas e as satsumas)
0805.22.00 Clementinas
0805.40.00 Toranjas e pomelos
0805.50.00 Limões (Citrus limon, Citrus limonum) e limas (Citrus aurantifolia, Citrus latifolia)
0806.10.00 Uvas frescas
0806.20.00 Uvas secas (passas)
0807.11.00 Melancias
0807.19.00 Melões
0807.20.00 Mamões (papaias)
0808.10.00 Maçãs
0808.30.00 Peras
0809.30.10 Pêssegos, excluindo as nectarinas
0809.30.20 Nectarinas
0809.40.00 Ameixas e abrunhos
0810.10.00 Morangos
0810.20.00 Framboesas, amoras, incluindo as silvestres, e amoras-framboesas
0811.20.00 Framboesas, amoras, incluindo as silvestres, amoras-framboesas e groselhas
0810.50.00 Kiwis (quivis)
0810.70.00 Caquis
308

0810.90.11 Carambolas
0810.90.13 Jacas
0810.90.14 Lechias
0810.90.15 Maracujás
0810.90.16 Pitaias
0813.20.10 Ameixas com caroço
0813.20.20 Ameixas sem caroço
1801.00.00 Cacau inteiro ou partido, em bruto ou torrado
1207.70.10 Sementes de melão, para semeadura
1207.70.90 Sementes de melão, exceto para semeadura

Quadro 04: Códigos e nomenclaturas dos fertilizantes importados pelo Brasil de acordo
com a Nomenclatura Comum do Mercosul.

Códigos NCM - Produtos


Adubos (fertilizantes) de origem animal ou vegetal, mesmo misturados entre si ou tratados
31010000 quimicamente; adubos (fertilizantes) resultantes da mistura ou do tratamento químico de
protudos de origem animal ou vegetal
Ureia, mesmo com solução aquosa, com teor de nitrogênio (azoto) superior a 45%,
31021010
calculado sobre o produto anidro no estado seco
31021090 Outra ureia, mesmo em solução aquosa
31022100 Sulfato de amônio
31022910 Sulfonitrato de amônio
31022990 Outros sais duplos e misturas, de sulfato de amônio e nitrato de amônio
31023000 Sulfato de amônio, mesmo em solução aquosa
Misturas de nitrato de amônio com carbonato de cálcio ou com outras matérias inorgânicas
31024000
desprovidas de poder fertilizante

31025011 Nitrato de sódio, natural, com teor de nitrogênio (azoto) não superior a 16,3% em peso

31025019 Outros nitratos de sódio, naturais


31026000 Sais duplos e misturas de nitrato de cálcio e nitrato de amônio

31028000 Misturas de ureia com nitrato de amônio em soluções aquosas ou aminoacais

Outros adubos ou fertilizantes minerais/químicos, nitogenados, incluindo as misturas não


31029000
mencionadas das subposições precedentes

31031010 Superfosfatos, com teor de pentóxico de fósforo (P2O5) não superior a 22%, em peso

Superfosfatos, com teor de pentóxico de fósforo (P2O5) não superior a 22% mas não
31031020
superior a 45%, em peso
31031030 Superfosfatos, com teor de pentóxico de fósforo (P2O5) superior a 45%, em peso
Hidrogeno-ortofosfato de cálcio, com teor de pentóxido de fósforo (P2O5) não superior a
31039011
46%, em peso
31039019 Outros hidrogenos-ortofosfatos de cálcio
31039090 Outros adubos ou fertilizantes minerais/químicos, fosfatados
309

31042010 Cloreto de potássio, com teor de óxido de potácio (K2O) não superior a 60%, em peso
31042090 Outros cloretos de potássio
31043010 Sulfato de potássio, com teor de óxido de potássio (K2O) não superior a 52%, em peso
31043090 Outros sulfatos de potássio
Sulfato duplo de potássio e magnésio, com teor de óxido de potássio (K2O) superior a
31049010
30%, em peso

31049090 Outros adubos ou fertilizantes minerais/químicos, potássicos

Adubos ou fertilizantes apresentados em tabletes ou formas semelhantes, ou ainda em


31051000
embalagens com peso bruto não superior a 10 kg
Adubos (fertilizantes) minerais ou químicos que contenham os três elementos fertilizantes:
31052000
nitrogênio, fósforo e potássio
Hidrogeno-ortofosfato de diamônio (fosfato diamônico ou diamoniacal, com teor de
31053010
arsênio superior ou igual a 6 Mg/Kg

31053090 Outros hidrogeno-ortofosfato de diamônio (fosfato diamônico ou diamoniacal)

Diidrogeno-ortofosfato de amônio (fosfato monoamônico ou monoamoniacal) mesmo


31054000
misturado com hidrogeno-ortofosfato de diamônio (fosfato diamônico ou diamoniacal)
31055100 Adubos ou fertilizantes que contenham nitratos ou fosfatos
31055900 Outros adubos/fertilizantes minerais químicos, com nitrogênio e fósforo
Adubos (fertilizantes) minerais ou químicos que contenham os dois elementos
31056000
fertilizantes: fósforo e potássio
Nitrato de sódio potássico, com teor de nitrogênio (azoto) não superior a 15% em peso, e
31059011
de óxido de potássio (k2o) não superior a 15%, em peso

31059019 Outros nitratos de sódio potássico


31059090 Outros adubos/fertilizantes minerais químicos, com nitrogênio e potássio
310

ANEXO 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

DOUTORANDO Welton Paulo do Nascimento


ORIENTADOR Prof. Dr. Francisco Fransualdo, de Azevedo
Fruticultura irrigada e sujeição da renda da terra ao capital: a
TÍTULO DA TESE expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais
no Nordeste Semiárido

ROTEIRO DE ENTREVISTA
Agricultores familiares camponeses

IDENTIFICAÇÃO DO AGRICULTOR
Município: _____________________________________ Data: ____/____/_____ Horário:_____:______
Nome do entrevistado: ________________________________________________________________________
Nome da propriedade/Sítio: _________________________________________________________
Vinculado à perímetro irrigado? Qual? _________. _________________________________________________

I - CARACTERÍSTICAS DA PRODUÇÃO FAMILIAR E UNIDADE PRODUTIVA


1. Condição do agricultor em relação as terras:
(a) Proprietário (b) Assentado (c) Arrendatário (d) Comodatário (e) Ocupante
(f) Colono (g) Parceiro Outro:_______________________________________________________
2. Há quanto tempo trabalha como agricultor?
(a) De 1 a 10 anos (b) De 11 a 20 anos (c) De 21 a 30 anos (d) De 31 a 40 anos (e) > 41 anos
3. Qual motivo da permanência na atividade? _____________________________________________
__________________________________________________________________________________

4. O rendimento mensal da família mediante o rendimento na agricultura equivale a:


(a) Menos de 1 salário mínimo (b) De 1,1 a 2 salários mínimos (c) De 2,1 a 3 salários mínimos
(d) De 3,1 a 4 salários mínimos (e) Outro _______________________________________________
5. A família é beneficiada por algum programa governamental? (a) Sim (b) Não
Qual? _____________________________________________________________________________
6. Participa de associação de produtores ou sindicato de trabalhadores rurais?
(a) Sim (b) Não Se sim, qual?_____________________________________________________
7. Quanto ao uso agrícola da propriedade, é utilizada para as atividades de:
(a) Produção vegetal (b) Criação animal (c) Fruticultura irrigada (d) Horticultura (e) Pesca
311

(f) Produção de sementes e mudas Outras:_______________________________________________


8. Qual a atividade mais importante na composição da renda familiar?__________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
9. Qual o tamanho total da propriedade? __________________________________________________
10. Qual o tamanho da área utilizada para a agricultura? _____________________________________

II – CARACTERÍSTICAS DA FRUTICULTURA IRRIGADA


11. Há quanto tempo trabalha com a fruticultura irrigada?
(a) De 1 a 10 anos (b) De 11 a 20 anos (c) De 21 a 30 anos (d) De 31 a 40 anos (e) > 41 anos
12. Qual o tamanho da área utilizada para a fruticultura irrigada? ______________________________
13. Produções da fruticultura irrigada na propriedade familiar camponesa

Cultura agrícola Quantidade Área colhida Destino da Valor da


produzida/Safra (Hectare) produção agrícola produção
Banana
Caju (fruto e
castanha)
Coco da baía
Manga
Mamão
Melancia
Melão
Uva (mesa)
Uva (vinho ou
suco)

13.1. Produções de outros tipos de frutas irrigadas? (a) Sim (b) Não (c) Quais?
Cultura agrícola Quantidade Área colhida (ha) Destino da Valor da
produzida (ton) produção agrícola produção

14. Quais os sistemas de irrigação utilizados?


(a) Gotejamento (b) Microaspersão (c) Inundação (d) Sulcos (e) Carretel enrolador
(f) Pivô central (g) Aspersão convencional (h) Outros ___________________________________
15. Em quais períodos do ano se faz uso mais intenso de irrigação?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
16. Quais as fontes hídricas utilizadas no fornecimento de água para irrigação?
(a) Nascentes (b) Rios ou riachos (c) Açudes (d) Poços (e) Cisternas
312

(f) Outros __________________________________________________________________________


17. As baixas pluviométricas do semiárido (secas) afetam o abastecimento dos sistemas de irrigação?
(a) Sim (b) Não
Quais os impactos na produção irrigada de frutas?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
18. É utilizado financiamento (custeio, investimento e comercialização) na produção de frutas irrigadas?
(a) Sim (b) Não
18.1 Em caso positivo, a partir de quais programas e bancos? ________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

18.2 Qual o valor do financiamento? ____________________________________________________

18.3 Qual a forma de pagamento? ______________________________________________________

19. A comercialização é realizada pelos membros da família? (a) sim (b) não
20. Qual o destino das frutas produzidas na propriedade?
(a) Consumo na propriedade (b) Venda para agroindústria (c) Venda para intermediários
d) Venda para cooperativa (e) Venda para supermercados (f) Venda em feiras livres
21. Havendo a venda para intermediários (atravessadores), quais os produtos fornecidos e valores pagos?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
21.1. Qual a periodicidade das vendas aos intermediários (atravessadores)?
__________________________________________________________________________________
22. Qual a condição do preço de comercialização das frutas produzidas?
(a) Preço fixo (b) Preço pós-fixado (consignação) (C) Misto
Outra condição:____________________________________________________________________

23. O produtor realiza comercialização via políticas públicas como o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) ou Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)?

(a) Sim (b) Não Se sim, como os avalia? ____________________________________________


__________________________________________________________________________________
313

III – OBTENÇÃO E USO DOS INSUMOS AGRÍCOLAS

24. Quais os insumos utilizados na propriedade?

Insumos Cultivos aplicados Frequência de uso Frequência de compra

( ) Sementes

( ) Adubos/Fertilizantes

( ) Agrotóxicos

( ) Calcário

( ) Materiais de irrigação

( ) Máquinas e
Implementos

( ) Outros

25. Por que tais insumos são utilizados na produção? _______________________________________


__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

26. Há uma relação entre a compra dos insumos e as exigências de produção impostas pelos
atravessadores e/ou agroindústrias?

(a) Sim (b) Não Se sim, qual? __________________________________________________


__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
27. Quais os produtos mais utilizados a partir das exigências? ________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
28. Qual o motivo no atendimento das exigências sobre a compra dos insumos agrícolas?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
29. Qual a origem dos insumos utilizados e a frequência na compra?
Origem Localidade Menos Moderadamente Mais Muito
Frequente Frequente frequente Frequente
1.
2.
Regional 3.
4.
314

5.

30. Qual a origem nacional e internacional dos insumos agrícolas? _________________________


__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

30. Há local de armazenamento dos insumos agrícolas?

(a) Sim (b) Não Se sim, onde? ________________________________________________

31. O local de armazenamento é suficiente?

(a) Sim (b) Não


31.1. Tamanho do estoque: ____________________________________________________________
31.2 Dificuldades no armazenamento:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
32. A compra dos insumos se realizada em: (a) Atacado (b) Varejo (c) Ambos
33. A logística de entrega dos insumos na propriedade é feita:
(a) Por conta própria (b) Pela empresa comercial onde foi comprado

34. Quais os veículos utilizados para a entrega?


__________________________________________________________________________________

35. Quais máquinas e equipamentos existem na propriedade?


Arados Plantadeiras/semeadoras
Carroças de mão Pulverizadores
Colheitadeiras Roçadeiras
Enxadas Sulcadores
Empilhadeiras/Enfardadoras Subsoladoras
Grades de disco Tratores
Motosserra Outros:

IV – SOBRE ASSISTÊNCIA TÉCNICA

36. Recebe ou contrata assistência técnica na produção de frutas? (a) Sim (b) Não

36.1. Se sim, quais os tipos de assistência mais utilizadas e os profissionais prestadores?


__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

37. Qual a periodicidade do recebimento de assistência técnica na produção de frutas irrigadas?

__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

38. Quanto a origem da orientação técnica, é proveniente:


315

Instituição ou empresa Serviços


Própria ou do próprio produtor
Cooperativas ou associações
Empresas privadas de planejamento
Sistema S
INCRA
Secretaria munic. de Agricultura
Outros

39. Existem carências ou deficiências nos serviços técnicos prestados prelos respectivos órgãos sobre a
produção de frutas irrigadas? Quais? ____________________________________________________
__________________________________________________________________________________

V – RELAÇÕES DE TRABALHO NA PRODUÇÃO DE FRUTAS IRRIGADAS

40. Quantos membros da família trabalham na produção? ____________________________________

41. Qual a jornada de trabalho diário? ___________________________________________________

42. Qual a média do valor pago ao membro da família que trabalha na produção? _________________

__________________________________________________________________________________

43. Há a presença de trabalhadores remunerados na produção? (a) Sim (b) Não

Quantos? __________________________________________________________________________

44. Havendo trabalho remunerado, ele é: (a) permanente (b) temporário

45. Em sendo temporário, qual o período de maior demanda? _________________________________

46. Qual a origem da mão de obra remunerada? ___________________________________________

47. Qual a remuneração média dos trabalhadores? __________________________________________

48. Quais as funções dos trabalhadores remunerados na produção de frutas?


__________________________________________________________________________________

49. Qual a escolaridade dos trabalhadores remunerados?


__________________________________________________________________________________

50. Observações gerais_______________________________________________________________

__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
316

ANEXO 3
317

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