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NATAL/RN
2023
WELTON PAULO DO NASCIMENTO
NATAL/RN
2023
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Orientador
_____________________________________________
Profa. Dra. Iara Rafaela Gomes
Universidade Federal do Ceará - UFC
Examinador externo
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcos Antônio Silvestre Gomes
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
Examinador externo
_____________________________________________
Prof. Dr. Rafael Pereira da Silva
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
Examinador externo
_____________________________________________
Prof. Dr. Silvio Braz de Souza
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Examinador interno
AGRADECIMENTOS
A todos os que contribuíram para a realização deste trabalho, minha eterna gratidão!
RESUMO
A expansão do uso de objetos técnicos-científicos-informacionais como insumos e máquinas
agrícolas na fruticultura irrigada do Nordeste Semiárido se efetiva mediante a constante
evolução das demandas associadas ao consumo produtivo agrícola no campo. Essa dinâmica
espacial trata-se de uma consequência das transformações nas bases técnicas da agricultura
brasileira desde a década de 1960, quando os pacotes tecnológicos da Revolução Verde foram
introduzidos no setor. Na região semiárida, essa expansão esteve associada à implementação de
perímetros públicos irrigados nos vales dos principais rios, aproveitando as condições
ambientais e sociais favoráveis para a produção de frutas destinadas aos mercados nacional e
internacional. Atualmente, diversos agentes, processos e eventos contribuem para a
disseminação desses insumos e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada, de forma a atender
as demandas do setor agroindustrial e da agricultura camponesa, mesmo que de forma desigual
entre os agentes e sujeitos e no território. Nessa perspectiva, esta tese tem como objetivo
principal analisar a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais como vetor
de sujeição da renda camponesa da terra ao capital no contexto da fruticultura irrigada do
Nordeste Semiárido. Para tanto, baseamo-nos nas proposições teórico-conceituais do professor
Milton Santos, em especial nos conceitos de espaço e território (a partir da noção de usos do
território) e as categorias de análise divisão territorial do trabalho e os pares dialéticos: território
como abrigo e como recurso, e território como norma e território normado. Adicionalmente,
recorremos às contribuições de Martins (1990) para uma compreensão teórica sobre a sujeição
da agricultura camponesa ao capital no âmbito de sua reprodução e de Oliveira (2007, 2014) ao
conceituar os processos de territorialização do capital monopolista e monopolização do
território pelo capital na agricultura. Do ponto de vista metodológico, vale mencionar a coleta
e sistematização de dados do IBGE, em particular o Censo Agropecuário de 2017, a fim de
compreendermos a distribuição da produção de frutas no Brasil e no Nordeste Semiárido. Tais
dados foram fundamentais também para a condução da pesquisa empírica nas principais áreas
de produção de frutas irrigadas da região, nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará,
Pernambuco e Bahia, incluindo a realização de entrevistas com agricultores camponeses
produtores de frutas irrigadas. Como resultado, constatamos que o processo de expansão do uso
de objetos técnicos-científicos-informacionais como insumos e máquinas agrícolas configura-
se como um dos meios através do qual o capital se apropria da renda camponesa da terra
associada a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido. Esse processo, ao qual envolve vários
agentes e uma base territorial formada por estruturas que viabilizam diferentes modos de
reprodução no campo, por vezes contraditórios e complementares, está associado sobretudo ao
papel dos atravessadores como agentes indutores do uso dos objetos técnicos a serem utilizados
na produção, tendo como base as normas e padrões produtivos de frutas conforme o mercado
internacional e na reprodução ampliada do capital na agricultura.
Palavras-Chave: Fruticultura irrigada; Nordeste Semiárido; Sujeição; Renda da Terra;
Capital.
ABSTRACT
Keywords: Irrigated fruit growing; Northeast Semiarid; Subjection; Land Income; Capital.
RESUMEN
Figura 01. Classificação do capital de acordo com a produção do mais valor e seu caráter de
movimento................................................................................................................................80
Figura 02. Alto do Rodrigues/RN: canal de conexão às áreas de produção irrigada no vale do
rio Piranhas-Açu......................................................................................................................109
Figura 03. Pau dos Ferros/RN: canal de conexão aos reservatórios abastecidos pelo rio Apodi-
Mossoró...................................................................................................................................109
Figura 04. Nordeste: cidades de origem e fluxos gerados pela circulação de insumos agrícolas
(2018)......................................................................................................................................125
Figura 05. Nordeste: cidades de origem e fluxos gerados pela circulação de máquinas e
implementos agrícolas (2018).................................................................................................126
Figura 6. Jaguaruana/CE: captação de água por tubulações pela Meri Pobo Agropecuária
LTDA (2022)...........................................................................................................................133
Figura 9. Limoeiro do Norte/CE: coleta das caixas de bananas da agricultura camponesa por
intermediários (2022)..............................................................................................................139
Figura 11. Mossoró/RN: trator utilizado em colheita de melão em safra arrendada para
intermediários (2023)..............................................................................................................139
Figura 12. Juazeiro/BA: caminhão utilizado em colheita de manga em safra arrendada para
intermediários (2023)..............................................................................................................139
Figura 18. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: produção de melão irrigado em área de agricultura
camponesa (2022)...................................................................................................................176
Figura 19. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: produção de mamão irrigado em área de agricultura
camponesa (2022) ..................................................................................................................176
Figura 20. Projeto São Romão, Mossoró/RN: cultivo de melão em área coletiva (2022).....179
Figura 21. Projeto São Romão, Mossoró/RN: área de cultivo coco da baía (2022)..............179
Figuras 22 (A e B). DIBA, Alto do Rodrigues/RN: prédios em situação de quase abandono ou
desuso (2023)..........................................................................................................................186
Figura 24: Sítio Pau de Jucá, Ipanguaçu/RN: fundação de área para produção de bananas
(2023)......................................................................................................................................187
Figuras 25 (A e B). Jati/CE: canal do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco
(2023)......................................................................................................................................189
Figura 26. Petrolina/PE: canal de conexão entre o lago Sobradinho e o Distrito Irrigado
Senador Nilo Coelho (2023)...................................................................................................190
Figura 29. Sobradinho/BA: restituição das águas ao leito natural do Rio São Francisco na Usina
Hidrelétrica de Sobradinho (2023)..........................................................................................191
Figura 31. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: canal de irrigação (2023)...............192
Figura 32 (A e B). N9/Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: lote de agricultor camponês
com produtividade elevada de uvas (2023)..............................................................................197
Figura 33 (A e B). N9/Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: lote de agricultor camponês
com produtividade reduzida de acerola (2023)........................................................................197
Figura 36. Lagoa Grande/PE: placa na entrada da cidade com a frase “capital da uva e do vinho
do Nordeste (2023)..................................................................................................................205
Figura 39. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: prédio da Associação de Agricultores e escola
em estado de abandono (2023)................................................................................................208
Figura 40. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: rebanho de cabras criadas localmente
(2023)......................................................................................................................................208
Figura 41. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: curral para confinamento de gado bovino
(2023)......................................................................................................................................208
Figura 42. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: vista aérea dos loteamentos agrícolas
(2021)......................................................................................................................................210
Figura 43. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: lote de produção de manga e criação animal
(2023)......................................................................................................................................210
Figura 44. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: canoa para transporte da população
(2023)......................................................................................................................................211
Figura 45. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: balsa utilizada para o transporte de pessoas, carros
e caminhões de cargas leves (2023).........................................................................................211
Figura 46. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: Camponesa produtora de manga
(2023)......................................................................................................................................212
Figura 47. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: caixas de mangas devolvidas pelo intermediário
(2023)......................................................................................................................................212
Figura 51. Maniçoba, Juazeiro/BA: sacas de limão produzido por agricultor camponês
(2023)......................................................................................................................................219
Figura 54. Distrito de Mandacaru, Juazeiro/BA: camponês e trabalhador rural no corte manual
de cachos de bananas (2023)....................................................................................................229
Figura 55. Petrolina/PE: uva branca sem semente colhida seletivamente em unidade agrícola
camponesa (2023)...................................................................................................................236
Figura 56. Petrolina/PE: parreiral de uva Thompson cultivada em unidade agrícola camponesa
(2023)......................................................................................................................................236
Figura 57 (A e B). Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: depósito de
insumos e instrumentos técnicos de uso agrícola associado a produção de bananas
(2022)......................................................................................................................................251
Figura 61 (A e B). Mossoró/RN: lojas de insumos agrícolas Terra Fértil e Crop Agrícola
(2015)......................................................................................................................................262
Figura 62. N7/Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: fertilizantes comprados em
Petrolina para produção de manga (2023)................................................................................263
Figura 63. Assentamento São Romão, Mossoró/RN: sementes compradas em Mossoró para
produção de melancia (2022)...................................................................................................263
Figura 65. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: tenda para o preparo da fertirrigação em lavoura de
melão e melancia (2023).........................................................................................................271
Figura 66. N9, Petrolina/PE: cultivo protegido dos parreirais de uvas (2023).........................275
Figura 67. N9, Petrolina/PE: difusor para fertirrigação dos parreirais de uvas (2023)............275
Figura 68. Assentamento São Romão, Mossoró/RN: cultivo de feijão em área de cultivo
protegido de melão (2022).......................................................................................................276
Figura 69. Assentamento São Romão, Mossoró/RN: estoque de manta agrotêxtil para o cultivo
de melão (2022).......................................................................................................................276
Figura 70. Apodi/RN: mangueiras compradas para irrigação por gotejamento no cultivo de uva
(2022)......................................................................................................................................278
Figura 71. Perímetro Irrigado Mandacaru, Juazeiro/BA: mangueiras de irrigação para descarte
no cultivo de manga (2022).....................................................................................................278
Figura 74. Acampamento Zé Maria do Tomé, Limoeiro do Norte/CE: triciclo com carroceria
utilizado para colheita de bananas (2022)...............................................................................284
Figura 75. Perímetro Irrigado Mandacaru II, Juazeiro/BA: quadriciclo utilizado como
pulverizador de 400 litros no cultivo de mangas (2022)...........................................................284
LISTA DE MAPAS
Mapa 1. Nordeste Semiárido – localização dos municípios selecionados para a realização da
pesquisa empírica......................................................................................................................57
Mapa 02. Brasil – Produção agrícola da fruticultura (2017)...................................................................94
Mapa 04. Semiárido brasileiro: municípios com projetos de irrigação coordenados pelo
DNOCS e CODEVASF (2017)...............................................................................................107
Mapa 07: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia: exportações de castanha de caju
em preço FOB (2012-2022)....................................................................................................146
Mapa 08. Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Pernambuco: exportações de mamão em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................149
Mapa 09. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melancia em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................150
Mapa 10. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melão em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................152
Mapa 11. Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará: exportações de manga em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................155
Mapa 12. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: exportações de uva em preço
FOB (2012-2022)....................................................................................................................156
Mapa 14. Brasil: total acumulado das importações de adubos/fertilizantes em peso líquido
(2012-2022).............................................................................................................................172
LISTA DE CARTOGRAMAS
Cartograma 01. Brasil: distribuição espacial do uso de irrigação nas lavouras temporárias e
permanentes (2017).................................................................................................................101
Cartograma 02. Brasil: Distribuição espacial dos estabelecimentos agrícolas das lavouras
temporárias e permanentes por tipo de irrigação realizada (2017)...........................................103
Cartograma 03. Brasil: valor investido e contratos fechados mediante os programas de Crédito
Rural (2013-2022)...................................................................................................................246
Cartograma 04. Pesquisa empírica: dependência interna e fluxos gerados pela compra de
insumos na fruticultura irrigada camponesa (2022-2023)........................................................261
Carta Imagem 03. Projeto São Romão: parcelamento e proximidade com as fazendas
agroindustriais de frutas irrigadas (2022)................................................................................178
Carta Imagem 05. Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra/RN: Parcelamento do Distrito Irrigado
do Baixo Açu (2022)................................................................................................................184
Carta Imagem 06. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: Núcleos de
Povoamento (2023).................................................................................................................193
Gráfico 02. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: produção agrícola e valor
bruto da produção por setores (2016-2021).............................................................................195
Gráfico 03. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: produção agrícola e valor bruto da
produção por setores (2016-2021)...........................................................................................199
Gráfico 04. Perímetros Irrigados Senador Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE: destino das
frutas produzidas pela agricultura camponesa (2023).............................................................202
Gráfico 05. Perímetros Irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE: agentes que
estabelecem o preço da produção (2023).................................................................................203
Gráfico 06. Perímetro Irrigado Maniçoba, Juazeiro/BA: Valor Bruto da Produção por setores
agrícolas (2016-2021).............................................................................................................216
Gráfico 07. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: destino das frutas
produzidas pela agricultura camponesa (2023).......................................................................217
Gráfico 09. Empregos formais na fruticultura nos municípios visitados pela pesquisa empírica
(2011-2021).............................................................................................................................224
Gráfico 10. Pesquisa empírica: pessoas do núcleo familiar que trabalham na fruticultura
irrigada (2011-2021)...............................................................................................................228
Gráfico 11. Pesquisa empírica: horas trabalhadas pelos agricultores camponeses de frutas
irrigadas no Nordeste Semiárido (2011-2021)........................................................................230
Gráfico 12. Pesquisa empírica: rendimento mensal da família mediante a fruticultura irrigada
(2022 - 2023)...........................................................................................................................232
Gráfico 13. Pesquisa empírica: valor médio mensal pago a cada membro da família mediante
o trabalho na fruticultura irrigada (2022 e 2023)....................................................................232
Gráfico 14. Pesquisa empírica: número de trabalhadores remunerados por unidade agrícola
campesina com produção de frutas irrigadas (2022-2023).....................................................235
Gráfico 15. Pesquisa empírica: natureza dos vínculos de trabalho na fruticultura camponesa
(2022 e 2023)..........................................................................................................................238
Gráfico 16. Pesquisa empírica: há local de armazenamento dos insumos
agrícolas?................................................................................................................................250
Gráfico 17. Pesquisa empírica: o local de armazenamento é
suficiente?...............................................................................................................................250
Gráfico 18. Pesquisa empírica: há relação entre a compra dos insumos e as exigências de
produção impostas pelos atravessadores e/ou agroindústrias? (2022-2023)............................266
Gráfico 19. Pesquisa empírica: frequência de uso e de compra dos materiais de irrigação
utilizados na fruticultura (2022-2023).....................................................................................277
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Municípios selecionados para a pesquisa empírica: relação entre os
estabelecimentos associados a fruticultura (2017).....................................................................61
Quadro 02. Pesquisa empírica: condição dos agricultores camponeses em relação às terras
associadas a produção de frutas irrigadas.................................................................................166
Quadro 03. DIBA, Alto do Rodrigues/RN: uso da terra por segmentos produtivos
(2023)......................................................................................................................................182
Quadro 04. Distrito Irrigado Nilo Coelho: área irrigável e quantidade de usuários (2020 e
2023).......................................................................................................................................194
Quadro 05. Pesquisa empírica: agricultores camponeses com financiamento ativo (2022 e
2023).......................................................................................................................................249
Quadro 06. Pesquisa empírica: máquinas e instrumentos agrícolas utilizados na fruticultura
irrigada camponesa (2022-2023).............................................................................................280
LISTA DE TABELAS
Tabela 01. Amostra de entrevistas a serem realizadas nos estabelecimentos da agricultura
camponesa com uso de irrigação por unidade da federação.......................................................62
Tabela 02. Pesquisa empírica: motivações sobre o atendimento às exigências sobre o uso de
insumos pelos atravessadores (2022-2023).............................................................................268
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 22
1. O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA: DO PLANO
ABSTRATO-FORMAL À REALIDADE EMPÍRICO-CONCRETA ........................................... 28
1.1. O PLANO TEÓRICO DA INVESTIGAÇÃO ...................................................................... 30
1.1.1 O espaço geográfico como instância social .......................................................................... 31
1.1.2 Os conceitos privilegiados ....................................................................................................... 35
1.1.3 As categorias de análise........................................................................................................... 42
1.2. A PESQUISA DOCUMENTAL ........................................................................................... 48
1.3. COLETA E SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS SECUNDÁRIOS ................................... 48
1.3.1 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ...................................... 49
1.3.2 Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ......................................................... 50
1.3.3 Dados do Ministério da Economia (ME) .............................................................................. 50
1.3.4 Dados do Banco Central do Brasil (BACEN) ...................................................................... 51
1.3.5 Dados da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(CODEVASF) .................................................................................................................................. 52
1.4. A ELABORAÇÃO DOS MAPAS E CARTOGRAMAS ..................................................... 53
1.5. O UNIVERSO DA PESQUISA EMPÍRICA ........................................................................ 55
2. RENDA DA TERRA, TÉCNICA E AGRICULTURA ............................................................ 65
2.1. RELAÇÕES ENTRE A RENDA DA TERRA, TÉCNICA E AGRICULTURA ................. 66
2.2. A SUJEIÇÃO DA RENDA DA TERRA AO CAPITAL E SEUS NEXOS COM A
PRODUÇÃO CAMPONESA DE FRUTAS IRRIGADAS .............................................................. 83
3. FRUTICULTURA IRRIGADA NO BRASIL E NORDESTE SEMIÁRIDO ....................... 91
3.1. PANORAMA ATUAL DA FRUTICULTURA NO BRASIL ............................................. 92
3.2. A FRUTICULTURA IRRIGADA NO NORDESTE SEMIÁRIDO .................................. 105
3.3. A DIFUSÃO DOS OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA
FRUTICULTURA IRRIGADA ...................................................................................................... 117
4. O TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O AGRONEGÓCIO:
TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL, MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO E
INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA................................................................... 129
4.1 TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O AGRONEGÓCIO: TERRITORIALIZAÇÃO DO
CAPITAL E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ................................................................. 131
4.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA IRRIGADA ..................................... 142
5. O TERRITÓRIO COMO ABRIGO PARA OS CAMPONESES: RESISTÊNCIAS E
SUJEIÇÃO NOS ARRANJOS TERRITORIAIS PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS 159
5.1 A AGRICULTURA CAMPONESA NO CONTEXTO DOS ARRANJOS TERRITORIAIS
PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS .................................................................................. 161
5.1.1 Acampamento Zé Maria do Tomé: “ocupar, produzir e resistir” ............................... 167
5.1.2 A Vila Cajazeiras (CE) e o Assentamento São Romão (RN): fruticultura camponesa na
terra do melão brasileiro .......................................................................................................... 173
5.1.3 A fruticultura irrigada no Baixo-Açu: o caso do DIBA e outras comunidades agrícolas
..................................................................................................................................................... 180
5.1.4 A fruticultura irrigada nas margens (e no meio) do Velho Chico: dos perímetros
públicos irrigados à Ilha Grande do Pontal ............................................................................ 188
5.1.4.1 O Distrito de Irrigação Nilo Coelho e Bebedouro – Petrolina/PE ............................... 190
5.4.1.2 Assentamento Cruz do Pontal e Ilha Grande do Pontal (Lagoa Grande/PE): a
agricultura camponesa na “capital da uva e do vinho do Nordeste” ....................................... 204
5.4.1.3 Os projetos de irrigação Mandacaru e Maniçoba – Juazeiro/BA ................................ 212
6. A SUJEIÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA TERRA AO CAPITAL: TRABALHO,
NORMAS E A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-
INFORMACIONAIS NA FRUTICULTURA IRRIGADA ........................................................... 220
6.1 A EXPROPRIAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO CAMPONESA ..................................... 222
6.2 TÉCNICA E NORMA: O EMBATE ENTRE AS LÓGICAS GLOBAIS E LOCAIS DE
PRODUÇÃO DE FRUTAS IRRIGADAS ..................................................................................... 240
6.3 A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS
COMO VETOR DE SUBORDINAÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA TERRA AO
CAPITAL... ..................................................................................................................................... 257
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 286
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 292
ANEXO 1 ........................................................................................................................................... 305
ANEXO 2 ........................................................................................................................................... 310
ANEXO 3 ........................................................................................................................................... 316
22
INTRODUÇÃO
Com base nessa perspectiva, os insumos e máquinas agrícolas podem ser categorizados
em diferentes grupos, de acordo com suas distintas funções no processo de produção. Conforme
Graziano da Silva (1981), é possível classificá-los da seguinte forma:
utilizam materiais produzidos em suas próprias unidades produtivas e/ou aqueles exigidos pelas
diretrizes normativas de agentes externos, como estabelecidos pelos atravessadores na
comercialização de frutas. Neste último caso, compreende-se que são impostos padrões de
produção com base nas exigências do mercado internacional, o que leva os agricultores a adotar
atitudes de subordinação sob o risco de exclusão do processo de produção (Santos, 1999).
Tais imposições estão relacionadas ao fato de que os agricultores camponeses são,
muitas vezes, proprietários das terras e dos meios de produção, criando uma espécie de barreira
(ao menos em termos de propriedade legal da terra) para a extração de lucro pelos capitalistas
nessas terras. Dessa forma, os capitalistas, visando a reprodução do capital, estabelece o
processo de sujeição da renda da terra ao capital, conforme destacado por Martins (1990, p.
175). Essas estratégias de subordinação dos agricultores podem ocorrer de três maneiras
principais: por meio de empréstimos bancários, que transferem a renda para o capital financeiro;
pela aquisição de insumos agrícolas, resultando na apropriação da renda pelo capital industrial;
e pela comercialização dos alimentos por meio dos intermediários, atacadistas e redes de
supermercados (Paulino; Almeida, 2010).
Apresentamos, portanto, nossa análise sobre a expansão do uso de insumos técnico-
científicos na fruticultura irrigada camponesa no Nordeste Semiárido. Considerando que parte
da sujeição da renda da terra ao capital ocorre por meio da aquisição dos insumos agrícolas,
compreendemos que, antes mesmo da expansão desses materiais na fruticultura camponesa, são
estabelecidas imposições normativas (sejam formais ou informais) que subordinam a renda da
terra camponesa ao capital. Compreendemos que isso também se aplica a expansão das
máquinas agrícolas e outros bens duráveis na produção camponesa.
Tais elementos nos levaram a refletir sobre a problematização central desta pesquisa:
Como a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais tem contribuído como
um mecanismo de sujeição da renda camponesa da terra ao capital na fruticultura irrigada no
Nordeste Semiárido?
Os questionamentos secundários relacionados à questão central abrangem os seguintes
aspectos: Como a sujeição da renda da terra ao capital está relacionada à expansão da técnica
na agricultura, em especial na produção camponesa de frutas irrigadas? Quais são as
características da dinâmica da fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido e como ocorreu a
disseminação do uso de objetos técnico-científicos-informacionais no setor produtivo? Quais
agentes, processos e eventos estão envolvidos e têm impactado na ampliação do uso de insumos
e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada praticada pelos agricultores camponeses? De que
25
integração da técnica, ciência e informação, esse vetor desencadeia a reorganização das bases
técnicas da agricultura aprofundando as desigualdades sociais por meio de diferentes formas de
uso e apropriação do território. Além disso, traz consigo impactos ambientais, sociais, culturais,
econômicos e políticos. É nesse contexto multifacetado que se justifica a relevância desta
pesquisa.
No tocante a escrita deste trabalho, subdividimos o mesmo em seis seções. Na primeira
seção, intitulada de “O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA: DO
PLANO ABSTRATO-FORMAL À REALIDADE EMPÍRICO-CONCRETA”,
apresentamos os elementos relacionados à operacionalização da pesquisa. Nessa seção,
abordamos os pressupostos teóricos, como conceitos, categorias, noções e ideias, que
fundamentam nosso pensamento sobre o objeto de pesquisa. Além disso, discutimos os
procedimentos metodológicos e técnicos adotados, como pesquisa bibliográfica e documental,
análise de dados secundários, produção cartográfica e realização da pesquisa empírica. Essas
etapas nos permitiram compreender o fenômeno tanto em sua dimensão abstrata-formal quanto
em sua realidade empírica-concreta.
Na segunda seção, intitulada "RENDA DA TERRA, TÉCNICA E
AGRICULTURA", a análise se concentra na relação entre esses três temas amplamente
discutidos na Geografia e em áreas correlatas. Exploramos as contribuições de diversos autores
que desenvolveram perspectivas críticas sobre esses temas. Nosso objetivo foi apresentar os
pressupostos fundamentais relacionados à sujeição da renda da terra ao capital no contexto da
expansão do uso de insumos e máquinas agrícolas na fruticultura irrigada do Nordeste
Semiárido. Esses pressupostos foram gradualmente retomados ao longo deste trabalho,
fornecendo uma base sólida para as seções subsequentes.
A terceira seção, intitulada "A FRUTICULTURA IRRIGADA NO BRASIL E NO
NORDESTE SEMIÁRIDO", realizamos uma análise abrangente do panorama recente da
fruticultura no país, com foco especial na fruticultura irrigada e na sua relação com a divisão
territorial do trabalho no campo brasileiro. Além disso, foram apresentadas as especificidades
desse fenômeno no contexto do Nordeste Semiárido, remontando aos eventos que contribuíram
e contribuem para a configuração da dinâmica atual da produção de frutas irrigadas. São
explorados os vínculos entre essa dinâmica e a expansão do uso de objetos técnico-científicos-
informacionais no território, oferecendo uma compreensão mais completa do tema.
Na quarta seção, intitulada "TERRITÓRIO COMO RECURSO PARA O
AGRONEGÓCIO: TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL, MONOPOLIZAÇÃO DO
TERRITÓRIO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA", apresentamos
27
uma análise do território como uma fonte de recursos para os agentes capitalistas, especialmente
no que diz respeito à reprodução ampliada do capital. Além disso, buscamos compreender as
ações dos agentes capitalistas na exploração do trabalho camponês por meio da comercialização
da produção agrícola. Para tanto, fundamentamos a análise a partir das ideias de
territorialização do capital monopolista na agricultura e a monopolização do território pelo
capital monopolista (Oliveira, 2014). Considerando à participação do agronegócio na
exportação de frutas in natura para o mercado internacional, examinamos os fluxos recentes
que contribuíram para posicionar o Nordeste como a principal região exportadora desses
produtos no Brasil.
A quinta seção, intitulada " O TERRITÓRIO COMO ABRIGO PARA OS
CAMPONESES: RESISTÊNCIAS E SUJEIÇÃO NOS ARRANJOS TERRITORIAIS
PRODUTIVOS DE FRUTAS IRRIGADAS", discorremos sobre os usos do território por
parte dos agricultores camponeses que buscam estratégias de sobrevivência e adaptação nas
áreas dominadas pelo agronegócio de frutas irrigadas. Nessa seção, analisamos as dinâmicas
das comunidades visitadas empiricamente, considerando sua participação nos arranjos
territoriais produtivos, a fim de compreender os agentes, processos e eventos que contribuem
para a manutenção da produção camponesa de frutas irrigadas.
Por fim, a sexta seção denominada “A SUJEIÇÃO DA RENDA CAMPONESA DA
TERRA AO CAPITAL: TRABALHO, NORMAS E A EXPANSÃO DO USO DE
OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA FRUTICULTURA
IRRIGADA” teve como objetivo aprofundar a compreensão do processo de subordinação da
renda camponesa ao capital. Para isso, abordamos três perspectivas interligadas no contexto da
produção agrícola: a expropriação do trabalho camponês pelo capital, considerando a
importância do trabalho na extração da renda da terra; as ações normativas no território,
implementadas de forma a subjugar a agricultura camponesa ao capital por meio de diferentes
agentes; e a sujeição da renda camponesa ao capital através da expansão do uso de objetos
técnicos-científicos na fruticultura irrigada.
28
A elaboração de qualquer trabalho de tese exige uma análise cuidadosa das bases
teóricas e metodológicas que permitem uma abordagem do objeto empírico-concreto. Nesse
contexto, adotamos neste trabalho um percurso teórico-metodológico que buscou satisfazer as
demandas analíticas do objeto geográfico, sendo responsabilidade do pesquisador a definição
do caminho a ser percorrido. Assim, seguimos a perspectiva de Althusser (1978, p. 16), que
enfatiza que "todo conhecimento, portanto todo discurso teórico, tem como objetivo final o
conhecimento desses objetos reais, concretos e singulares".
Os elementos teóricos correspondem a dimensão abstrato-formal capaz de viabilizar a
compreensão da realidade empírica. Nesta pesquisa, buscamos compreender o objeto de análise
a luz da teoria do espaço geográfico apresentada pelo geógrafo Milton Santos, recorrendo
também à temas, conceitos, categorias e noções formuladas por outros autores de forma a
manter uma coerência entre os aspectos teóricos-metodológicos na investigação.
Sobre os elementos empíricos, trata-se da singularidade dos objetos concretos, aos quais
possuem determinada configuração, traços, disposições particulares que o qualifica como
existente. Na análise sobre a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, compreendemos tal variável espacial como uma
manifestação singular de processos, seja na sua individualidade (estrutura) ou em seu modo de
individualidade (conjuntura).
No âmbito científico, essa diferenciação entre elementos teóricos e empíricos se faz
pertinente, pois é necessária a distinção entre os discursos sobre os objetos reais-concretos e os
discursos sobre os objetos abstrato-formais. “[...] os primeiros discursos (concretos) supõe a
existência dos segundos (abstratos) e por outro lado, o alcance dos segundos discursos
(abstratos) ultrapassa infinitamente o objeto dos primeiros” (Althusser, 1978, p. 27).
Ao nos concentrarmos nos objetos técnico-científicos-informacionais, especialmente
aqueles voltados para a fruticultura, estamos lidando com uma terminologia abstrata,
fundamentada nas ideias de Santos (2017) sobre os objetos geográficos no contexto atual do
meio técnico-científico-informacional. Porém, trata-se de uma abstração oriunda da existência
dos objetos que são utilizados na agricultura (insumos e máquinas agrícolas), dispersos no
território mediante a ação de diversos agentes sociais.
O fato é que estamos diante de uma variável capaz de fornecer instrumentos teóricos
que são indispensáveis a análise geográfica, sobretudo pensando seus impactos no território.
Assim, se faz necessária a apresentação do conjunto de procedimentos (reflexões abstratas e
procedimentos técnicos de pesquisa) que viabilizaram uma aproximação com a realidade.
30
cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar. Daí a
necessidade de operar uma distinção entre a escala de realização das ações e
a escala do seu comando. Essa distinção se torna fundamental no mundo de
hoje: muitas ações que se exercem num lugar são o produto de necessidades
alheias, de funções cuja geração é distante e das quais apenas a resposta é
localizada naquele ponto preciso da superfície da Terra (Santos, 2017, p. 80).
O fato é que objetos e ações tomados como sistema, não devem jamais ser considerados
isoladamente. Os objetos e sua eficiência, neste período atual, já nascem predeterminados às
ações dos agentes sociais, ou seja, essas últimas definem um sentido para a criação dos
primeiros. Destarte, mediante o conteúdo em técnica, ciência e informação contidos nos objetos,
estes também exercem um forte papel na transformação e valorização das ações.
34
Nessa perspectiva, o geógrafo deve escolher “os elementos que lhe parece fundamentais
e, a partir deles, descobrir o complexo de relações” (Silveira, 1999, p. 24), trata-se da cisão da
totalidade em partes viabilizando a compreensão das partes que compõe o todo.
É nessa perspectiva que ressaltamos a pertinência da apresentação daqueles elementos
espaciais, tomando como base a contribuição de Santos (2020), que fizeram parte do escopo
desta investigação. Na verdade, correspondem aqueles elementos que estão diretamente
vinculados ao processo de expansão do uso de objetos técnicos (insumos e máquinas agrícolas)
e a sujeição da renda da terra ao capital na agricultura camponesa, pecando por não ser um
levantamento exaustivo em virtude da característica multifacetada dessa dinâmica.
Nesta investigação, consideramos os seguintes atores envolvidos na expansão do uso de
insumos e máquinas agrícolas na produção de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido:
agricultores camponeses, atravessadores responsáveis pela compra das frutas dos agricultores,
agroindústrias produtoras de frutas (que possuem influência direta ou indireta sobre o uso de
insumos em produções não capitalistas) e empresas comerciais de insumos localizadas nas
cidades próximas às áreas de produção agrícola.
Além disso, foi importante considerar o papel dos indivíduos que, como proprietários
dos meios de produção de insumos e máquinas agrícolas, atuam tanto de forma individual como
coletiva, com objetivos comerciais ou não, em nível nacional ou internacional. Esses sujeitos
35
não apenas produzem tais materiais, mas também disseminam esses objetos pelo espaço por
meio de suas ações.
O Estado desempenha um papel significativo como incentivador seletivo da produção
agrícola de frutas irrigadas, especialmente ao considerar a diferenciação entre os setores
espaciais. Nesta investigação, foi essencial destacar sua relevância como instituição, uma vez
que foi necessário avaliar as políticas voltadas para a atividade agrícola, com ênfase na
expansão do uso de insumos e máquinas agrícolas. Isso abrange tanto as políticas de alcance
nacional, como a Política de Crédito Rural, quanto as iniciativas conduzidas por entidades de
assistência técnica e extensão rural nos estados onde a produção de frutas é realizada.
As infraestruturas consideradas nesta análise corresponderam aquelas materialidades
que dão suporte a realização da produção de frutas irrigadas e a circulação dos insumos
agrícolas no território. Se referem aos estabelecimentos agrícolas, estruturas de abastecimento
hídrico como os canais de irrigação, tanques de reserva hídrica, poços, açudes, estradas e as
vias de circulação da produção e dos objetos técnicos.
As empresas, como as principais fornecedoras de insumos e máquinas agrícolas, foram
analisadas em um duplo aspecto: pelo papel que assumem aquelas situadas em localidades
próximas as áreas de produção, geralmente nas cidades centros regionais; e pela ação das
empresas do ramo de fabricação e importação de insumos para a agricultura que, atuando em
escalas nacionais e internacionais, impulsionam o uso desses materiais. Foram consideradas
também as agroindústrias mediante suas imposições tecnológicas à agricultura, ditando a forma
e o grau de tecnificação nas áreas de produção (Graziano da Silva, 1990).
Sobre o meio ecológico, consideramos toda a base física que viabiliza a realização da
fruticultura, especialmente as condições de disponibilidade hídrica, fortemente marcada na
fruticultura pelo fornecimento de água através dos principais rios do semiárido, a
disponibilidade de solos férteis com potencial para irrigação, e as condições de precipitação nas
principais áreas de produção. Os danos ambientais causados pelo uso de insumos e máquinas
agrícolas também serão considerados, sobretudo pelos seus impactos na fauna, flora, solo e na
saúde humana.
o território tem de ser visto como algo que está em processo. Ele é muito
importante, ele é o quadro da vida de todos nós, na sua dimensão global, na
sua dimensão nacional, nas suas dimensões intermediárias e na sua dimensão
local. Por conseguinte, é o território que constitui o traço de união entre
passado e o futuro imediato. Ele tem de ser visto – e a expressão de novo é de
François Perroux – como um campo de forças, como o lugar do exercício de
dialéticas e contradições entre o vertical e o horizontal, entre o Estado e o
mercado, entre o uso econômico e o uso social dos recursos.
O território usado “pode ser definido pela implantação de infraestruturas, para as quais
estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de engenharia, mas também pelo
dinamismo da economia e da sociedade” (Santos; Silveira, 2008, p. 21)1. Como lócus das
dialéticas e contradições, ele pode ser interpretado a partir das ações dos diferentes agentes
sociais, mas também dos objetos que são chamados a fazerem parte dos processos, não importa
sua área de ocorrência ou seu alcance espacial.
Sob essa perspectiva, Silveira (2014, p. 17) ressalta que falar de território usado é referir-
se ao
1
É válido considerar que “território usado” em Milton Santos centrada na luta pelo uso do território (análise social
e prática política) se justapõe em alguns pontos a categoria de “território praticado” da socióloga Ana Clara Torres
Ribeiro (2003) centrada na análise das práticas sociais e na ação política da sociedade.
37
2
Tradução nossa do fragmento: “Se trata del territorio hecho y el territorio haciéndose con técnicas, normas y
acciones. Es la condición de movimiento, inherente a la existencia del territorio usado, lo que permitiría extender
la sinonimia a la idea de formación socio-espacial, ya que ‘la formación social, totalidad abstracta, no se realiza
en la totalidad concreta sino por una metamorfosis donde el espacio representa el primer papel’ (Santos, 1996, p.
24). Como el principio de selectividad espacial es producto de la realización de la historia pero también su
condición, el territorio usado es activo en el devenir histórico” Silveira (2014, p. 17)
3
O conceito de circunstância exposto refere-se aquele apresentado por Ortega y Gasset (1977) ao defender a teoria
do homem-circunstância, isto é, o homem é o homem em sua circunstância (entorno, meio exterior). Circunstância
para o autor corresponde a tudo aquilo que rodeia o eu, a realidade cósmica.
38
Como exemplo, podemos mencionar que o território em sendo usado pela agricultura
camponesa na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido associa-se às circunstâncias as quais
tal dinâmica encontra-se inserida. A relação entre os agricultores e outros que atuam sobre as
áreas de produção, sua dependência ao crédito bancário, as possíveis formas de comercialização
dos produtos, as normas de produção estabelecidas nas áreas agrícolas (mesmo a partir de
lógicas externas), são exemplos das circunstâncias as quais esses agentes se inserem em seu uso
do território.
Isso nos leva a pensar em outra ideia apresentada por Heidegger (1958), a de situação.
Concordamos com o pensamento de que
A situação não pode ser reduzida à área de ocorrência visto que ela “supõe uma
localização material e relacional (sítio e situação)” além de conduzir a pergunta pela coisa,
sobre sua construção e seu movimento histórico (Silveira, 1999. p.22). É preciso conhecer a
existência material dos objetos geográficos e seus elementos organizacionais.
Ainda sobre a relação entre situação e técnica, sobretudo neste meio técnico-científico-
informacional em que as situações são fortemente influenciadas pelos diferentes usos do
território, é preciso compreender
de se pensar nos impactos locais gerados pela inserção desses objetos geográficos. Isso nos leva
ao segundo conceito privilegiado nesta pesquisa, o de lugar.
Para Milton Santos (2010) o conceito de lugar pode ser analisado a partir da globalização
contemporânea, esta que, por sua vez, pode ser entendida a partir de três tendências: a
mundialização dos sistemas técnicos, marcado pelas técnicas e pelos objetos técnicos que
formam redes em escala global; a convergência dos momentos, que se refere a simultaneidade
das informações no globo, ou seja, pelo conhecimento instantâneo dos eventos, principalmente,
através das tecnologias; e a mais-valia universal, comandada pelos agentes e empresas de
diversos ramos que atuam mundialmente.
Nesse contexto da globalização, o lugar pode ser visto como como uma expressão de
singularidade, visto que
cada lugar é, à sua maneira, o mundo. Ou, como afirma M. A. de Souza (1995,
p. 65), “todo os lugares são virtualmente mundiais”. Mas, também, cada lugar,
irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se
exponencialmente diferente dos demais. A uma maior globalidade
corresponde uma maior individualidade (Santos, 2017, p. 314).
Levando em conta a compreensão das especificidades dos lugares, Santos (2017) sugere
que a noção de evento seja fundamental, isso porque articula o lugar e o mundo a partir desse
incessante movimento de pessoas, mercadorias, dinheiro, capital, informações e ordens,
expressas a partir das redes de diversas naturezas e diferentes escalas espaciais.
A noção de eventos nos faz considerar a relação entre o lugar e o mundo, este primeiro
sendo obrigatoriamente o depósito final dos eventos, ou seja, o lugar é “um conjunto de objetos
41
O fato é que quanto mais o mundo se globaliza, mais fragmentado ele se apresenta, ou
seja, ao tempo em que falamos do espaço como unidade (mundo) também o admitimos
enquanto constituído pela diversidade (lugares).
Santos (1996) propõe considerar o lugar a partir dos seus novos significados, sendo o
cotidiano a dimensão capaz de abarcar os objetos, as ações, a técnica, o tempo e os eventos. O
cotidiano “é delimitado pelo espaço contínuo, onde todos os tipos de homens, todos os tipos de
42
empresas, todos os tipos de instituições trabalham juntos, funcionam juntos e juntos estruturam
a vida da comunidade e o espaço ao mesmo tempo” (Santos, 1996, p.11).
Além de tomarmos como base os conceitos de território e lugar, consideramos pertinente
elencar outros conceitos, categorias, noções e ideias que foram importantes ao longo desta
análise, dentre as quais se destacam: a categoria renda da terra baseando-se em David Ricardo
(1982) e Karl Marx (2013, 2017), com especificidade na sujeição da renda da terra ao capital a
partir de Martins (1990), Oliveira (1977) e Oliveira (2007); e as conceituações sobre técnica,
progresso técnico e consumo produtivo agrícola ancoradas Marx (2013, 2011), Graziano da
Silva (1981, 1990) e Santos (2017).
Nos reportamos também com frequência aos autores que ao longo de suas carreiras, na
Geografia ou em áreas afins, contribuíram no âmbito da abstração sobre a região Nordeste e do
semiárido brasileiro, a saber: Manuel Correia de Andrade (2011) ao abordar aspectos sociais
(questão agrária) e físico-ambientais da região; Tania Bacelar de Araújo (2000) ao discorrer
sobre os aspectos econômicos e os contrastes regionais; Iná Elias de Castro (1994, 2000)
abordando as relações políticas, modernização e uso das tecnologias no Nordeste; Soraia de
Fátima Ramos (2008, 2013) ao analisar a evolução dos sistemas técnicos na fruticultura
irrigada; e Elias (2010, 2013) analisando a agricultura nordestina no contexto da globalização.
Ressaltamos também a contribuição daqueles que a partir de suas análises contribuíram
com informações empíricas sobre temas associados a fruticultura no Nordeste Semiárido,
como: Juscelino Eudâmidas Bezerra (2012), ao analisar a internacionalização, conflitos e
precarização do trabalho na fruticultura irrigada; Andrade (2013, 2018) em suas respectivas
análises sobre a internacionalização da fruticultura; e Cavalcante (2019) ao discorrer sobre o
agronegócio e a questão agrária no Baixo Jaguaribe.
ele, os recursos são todas as possibilidades, materiais ou não, de ações oferecidas aos agentes
sociais, ou seja, coisas naturais, artificiais, relações compulsórias e espontâneas, sentimentos,
ideias, valores etc.
Assim, o autor considera que a divisão social do trabalho se expressa duas formas,
complementares entre si: uma a qual considera a repartição do trabalho vivo no Mundo ou no
Lugar, mas também o trabalho morto representado pelo espaço construído; e outra que a admite
mediante a distribuição espacial do trabalho e dos recursos (divisão territorial do trabalho).
O fato é que a divisão territorial do trabalho supõe a criação de uma hierarquia entre os
lugares, de acordo com uma distribuição espacial e com a capacidade de ação das pessoas,
firmas e instituições (Santos, 2017). Quanto mais circulação e movimento num país ou região,
maior o aprofundamento da divisão territorial do trabalho, resultando, consequentemente, em
maiores especializações no território (Dantas, 2016). Soma-se a isso, maiores relações
conflituosas mediante interesses distintos, práticas distintas e obtenção de resultados também
diferenciados no âmbito do aproveitamento dos recursos.
Nessa perspectiva, a divisão territorial do trabalho no meio técnico-científico-
informacional
respectivo meio se faz presente. Como exemplo tem-se as capitais estaduais, cidades médias e
regiões agrícolas em que os objetos e as ações apresentam maior dinamismo e complexidade.
No interior da Região Concentrada ou em certas porções do restante do território, apenas
alguns vetores e lugares são privilegiados com a presença das inovações (sobretudo
tecnológicas), porém cada área apresenta uma complexidade que lhe é particular. Como
exemplo, podemos exemplificar os novos objetos chamados a fazerem parte da dinâmica da
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, sendo empregados de forma mais dinâmica em
lugares que compreende o vale dos rios São Francisco na Bahia e Pernambuco, Jaguaribe no
Ceará, Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró no Rio Grande do Norte.
A expansão do uso dos objetos técnico-científicos-informacionais nessas áreas de
produção agrícola se realiza sobretudo pelo papel das empresas agroindustriais (comandadas
por agentes hegemônicos), as quais possuem forte poder sobre o arranjo espacial das coisas
envolvidas direta ou indiretamente aos seus processos de produção. Destarte, verifica-se
também o papel dos agricultores organizados em trabalho de base familiar que contribuem na
disseminação de alguns desses novos objetos mediante estratégias de adaptação às exigências
dos agentes hegemônicos sobre os parâmetros produtivos do meio atual.
Esse debate nos levou a considerar outras categorias que foram importantes neste
trabalho de pesquisa, o par dialético território como recurso e território como abrigo, que
consiste na análise das diferenciações dos agentes sociais no território a partir das diferentes
lógicas de uso e apropriação dele.
O território como recurso se manifesta através das ações das empresas que exigem das
áreas e agentes uma adaptação contínua às suas formas de uso e domínio. Na agricultura, as
empresas agroindustriais ligadas aos circuitos espaciais produtivos globalizados definem tais
usos, influenciando as decisões sobre a utilidade das estruturas pré-existentes, impondo novas
repartições do trabalho e novos movimentos de pessoas, produtos e capitais (Silveira, 2010).
46
Já o território como abrigo, forma-se com base no trabalho dos agentes marginalizados,
marcados pela escassez dos recursos fundamentais à sua reprodução. No campo, o uso do
território como abrigo pela agricultura camponesa, por exemplo, é visto como “irracionalidade”
ou “contrarracionalidade” pelos agentes hegemônicos. Na verdade, trata-se de “outras formas
de racionalidades” marcadas “pela sua incapacidade de subordinação completa às
racionalidades dominantes, já que não dispõe dos meios para ter acesso à modernidade material
contemporânea” (Santos, 2017, p. 309).
O território como recurso nos direcionou a compreensão das ações dos agentes
hegemônicos nas áreas de produção de frutas irrigadas, com destaque às empresas
agroindustriais e seu potencial em controlar as materialidades e os processos produtivos nos
lugares. Por outro lado, o território como abrigo nos viabilizou conhecer a dimensão da
produção camponesa, os recursos disponíveis à produção de frutas irrigadas (inclusive os
insumos e máquinas utilizados) e suas estratégias de sobrevivência frente ao domínio da
produção agroindustrial.
Esse par de categorias, requer especial atenção pela existência de relações de
concorrência e complementariedade entre os agentes associados a produção de frutas irrigadas,
viabilizando a correlação entre as demandas das diferentes formas de produção no campo e o
consumo dos insumos e máquinas agrícolas. Logo, foi averiguada a dependência da agricultura
camponesa quanto as normas estabelecidas pelas agroindústrias sobre o uso dos insumos
agrícolas, corroborando, ou não, para a expansão de objetos técnico-científicos-informacionais
no campo mediante a sujeição da renda da terra ao capital.
Outro par dialético de categorias fundamentais nesta investigação, também propostas
por Santos (2017, 1994) e reforçadas por Antas Junior (2005), refere-se a de território normado
e o território como norma. Tal escolha se faz importante porque
A norma, para a geografia, pode ser vista como o resultado da tensão e/ou da
harmonia entre objetos e ações que constituem o espaço geográfico; dito de
outro modo, como decorrência da indissociabilidade entre configuração
territorial e uso do território, determinantes de diferentes tipos de normas
(Antas Júnior, 2005, p. 61).
Nessa mesma perspectiva, Antas Júnior (2005) ressalta que as normas, criadas
intencionalmente, oriundas da relação entre os objetos e ações, são: aquelas derivadas dos
objetos técnicos influenciando diretamente as ações; as originadas das ações sociais mediante
seus usos sobre os objetos; e as normas que limitam as possibilidades de usos dos objetos
técnicos ou sistemas de objetos, validando o interesse da maioria ou apenas de determinados
47
grupos que dispõe de meios para efetivá-la. São esses elementos que propiciam a análise das
dinâmicas territoriais num dado período.
Nesse interim, Antas Júnior (2005), citando Milton Santos, afirma que é possível
abordar o território normado como sendo o originado pelas ações, ou seja, ele é objeto da ação.
Ele ressalta que o território normado apresenta uma dimensão repressiva acentuada, sendo
configurado pelas intenções arbitrárias da sociedade.
No mundo globalizado, o território normado é regulado pela ação do Estado
(operacionalizado pelas políticas públicas) e, sobretudo, pelas grandes empresas, estas que são
hoje as “locomotivas do seu desempenho e rentabilidade” (Santos, 2017, p. 230). Sua análise é
pertinente, pois é cada vez mais difícil considerar apenas as funções exercidas localmente,
sendo preciso conhecer também suas motivações e fundamentos, visto que a ordem global é
cada vez mais normativa e normatizada.
Já o território como norma está associado a configuração territorial existente, sendo as
“normas que derivam das ações e do próprio território como ele se apresenta arranjado. Esse
conjunto de características materiais e não-materiais constituem o que se pode chamar de Lei
do Lugar” (Santos, 1994, p. 3). Como tal, as normas sociais e culturais existem concretamente
nos lugares, cuja razão é orgânica, instituídas regulando os comportamentos e as ações.
O universal é o Mundo como norma, uma situação não espacial, mas que cria
e recria espaços locais; o particular é dado pelo país, isto é, o território
normatizado; e o individual é o lugar, o território como norma. [...] Em todos
os casos há combinações diferentes de normas e formas. No caso do Mundo,
a forma é sobretudo norma, no caso do Lugar a norma é sobretudo forma.
4
O respectivo censo teve como período de referência de 1 de outubro de 2016 a 30 de setembro de 2017.
5
O número e nomenclatura das tabelas disponíveis no SIDRA que foram utilizadas e/ou que serão utilizadas ao
longo da presente pesquisa podem ser visualizadas no anexo 1 deste trabalho.
50
O acesso aos dados oriundos do Ministério do Trabalho e Emprego foi realizado por
meio da plataforma Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de acordo com seus
parâmetros de pesquisa (espacial e vetores econômicos) dispostos na mesma.
Sobre as variáveis tomadas como importantes na pesquisa, foram baseadas na
Classificação Nacional das Atividades Econômicas 2.0 (CNAE 2.0) a qual entrou em vigor em
2007, elaborada pela Comissão Nacional de Classificação (CONCLA) sob a orientação técnica
do IBGE. Utilizada no sistema estatístico nacional e nos cadastros administrativos do Brasil, a
classificação encontra-se dividida em 21 seções, 87 divisões, 285 grupos, 673 classes e 1.301
subclasses, sendo as atividades econômicas definidas de acordo com sua natureza e dinâmica.
Por meio dessa fonte, consideramos os dados relativos aos vínculos de trabalho nos
estabelecimentos rurais voltados para a produção de frutas irrigadas. Nesse momento,
priorizamos os dados dos municípios selecionados previamente para a pesquisa empírica,
levando em conta a necessidade de estabelecer relações entre os dados já consolidados pelo
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e as relações de trabalho associadas à fruticultura
irrigada nesses municípios.
Com o objetivo de obter informações sólidas sobre o trabalho nas áreas mencionadas
nos últimos anos, optamos por analisar o comportamento do setor frutícola ao longo de uma
década (2011 a 2021). Dessa forma, podemos compreender as tendências e variações
relacionadas ao trabalho na fruticultura irrigada ao longo desse período, fornecendo uma visão
mais abrangente e embasada para a pesquisa.
6
As nomenclaturas completas de acordo com cada seção e grupos de produtos podem ser visualizados por meio
do link: https://portalunico.siscomex.gov.br/classif/#/sumario
51
A análise dos dados oriundos do Banco Central do Brasil se fez importante para
averiguarmos a ação do Estado no âmbito do financiamento da agricultura. Corresponderam
aos dados sobre custeio, investimento e comercialização agrícola associados aos diferentes
programas vinculados ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR).
Visto que esta investigação centra atenção na expansão do uso de objetos técnicos-
científicos na fruticultura irrigada, analisamos dados sobre programas que viabilizam
financiamento para fins de investimento e aquisição de insumos, máquinas e outros
instrumentos agrícolas como, sendo eles: o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf); Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da Agricultura
7
Os códigos e aa nomenclaturas dos produtos encontram-se nos quadros 3, 4 e 5 no anexo 1 deste trabalho.
52
Familiar (Proagro Mais); Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp);
Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro), Programa de
Modernização da Agricultura Irrigada e Conservação dos Recursos Naturais (Moderagro),
Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e
Colheitadeiras (Moderfrota), Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de
Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica
na Produção Agropecuária (Inovagro) e o Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada e
ao Cultivo Protegido (Proirriga).
Foram consideradas as diretrizes normativas que definem os agricultores que podem
recorrer de cada programa para o financiamento da agricultura. Tais dados indicaram o
comportamento dos diferentes vetores produtivos agrícolas e suas ações quanto a aquisição de
insumos e máquinas agrícolas8. Não obstante, a espacialização no território dos contratos e
recursos direcionados à agricultura nos últimos anos (de acordo com os dados disponíveis por
unidades da federação), viabilizou identificar os contrastes espaciais quanto aos recursos
direcionados à agricultura no Brasil, o que pressupõe também rebatimentos na fruticultura
irrigada no Nordeste Semiárido.
Considerando que os recursos de cada programa são dirigidos à vetores específicos na
agricultura, buscamos estabelecer um paralelo entre os programas que direcionam os recursos
para a agricultura camponesa e aqueles que atendem às demandas por recursos das
agroindústrias. Tal fato possibilitou uma melhor compreensão sobre os contrastes quanto aos
financiamentos agrícolas, especialmente sobre o privilégio de determinados grupos quanto a
concentração de recursos em detrimentos de outros.
8
As diretrizes normativas de cada programa estão disponíveis no Manual do Crédito Rural (MCR) do BACEN,
disponível em: http://www3.bcb.gov.br/mcr/completo.
53
hectares) de cada cultura, considerando os dados por município. Essa informação foi importante
para identificar as áreas com maior produção de frutas e estabelecer uma correlação com o
número de estabelecimentos agrícolas que utilizam irrigação. Dessa forma, foi possível
identificar as áreas que seriam foco da pesquisa empírica9.
A representação visual desses dados por meio dos mapas proporcionou uma
visualização clara e comparativa das regiões de maior produção de frutas, relacionando-as à
utilização de técnicas de irrigação. Essa abordagem permitiu uma análise geográfica mais
precisa e embasada, direcionando a pesquisa empírica para as áreas de maior relevância na
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido.
Já em relação aos mapas de fluxos foram elaborados com base nos dados fornecidos
pelo Ministério da Economia, por meio do portal COMEX STAT. Considerando a importância
dos dados sobre importação de insumos, principalmente fertilizantes, e exportação de produtos
da fruticultura no semiárido, a criação de mapas que representassem a interação entre o Brasil
e outros países foi uma maneira pertinente para visualização didática das informações.
Os mapas de fluxos foram desenvolvidos utilizando setas com espessuras proporcionais,
viabilizando uma representação visual clara e compreensível da magnitude dos fluxos. Dessa
forma, foi possível visualizar de forma eficiente a dinâmica das importações de insumos
agrícolas e das exportações de produtos frutícolas, estabelecendo uma conexão geográfica entre
o Brasil e outros países.
Com o objetivo de representar de forma precisa as áreas visitadas durante a pesquisa
empírica e obter uma visão aérea mais detalhada das comunidades, optamos pela produção de
cartas imagens. Essas cartas aéreas foram elaboradas para melhor identificar os perímetros
públicos irrigados, o parcelamento das terras destinadas à produção agrícola e as infraestruturas
presentes nas comunidades agrícolas. Dessa forma, foi possível obter uma representação
detalhada e abrangente das características geográficas das áreas estudadas, contribuindo para
uma compreensão mais precisa do contexto em que ocorre a fruticultura irrigada.
É importante destacar que as produções cartográficas mencionadas vão além da mera
criação técnica de mapas, cartogramas e cartas imagens. Elas representam também uma
atividade de interpretação da realidade geográfica do objeto em seus diferentes contextos e
especificidades. Essas produções não apenas retratam visualmente as informações, mas também
envolvem uma análise aprofundada e uma compreensão mais ampla do objeto pesquisado.
9
De acordo com a metodologia do Censo Agropecuário do IBGE de 2017 não é possível a obtenção de informações
sobre o número de estabelecimentos da fruticultura que fazem uso de irrigação. Por isso, decidimos fazer uma
relação entre os dados sobre a produtividade de frutas e os dados dos estabelecimentos irrigados.
55
Durante essa etapa, a pesquisa adotou uma abordagem exploratória, que teve início com
o planejamento das visitas aos locais de produção de frutas irrigadas e culminou em
experiências enriquecedoras vivenciadas pelo pesquisador em cada uma das comunidades
visitadas. Essa abordagem permitiu a coleta de dados significativos e a observação direta de
elementos relevantes para a pesquisa.
Para tanto, a definição das áreas foi realizada levando em consideração o levantamento
dos principais municípios do Nordeste Semiárido que se destacam na produção de frutas
irrigadas. Para isso, foram combinados os dados disponíveis no Censo Agropecuário de 2017
do IBGE, que forneciam informações sobre a produção e a área de cultivo de frutas irrigadas.
Esse levantamento permitiu identificar os municípios com as maiores produtividades nesse
setor, estabelecendo uma base sólida para a pesquisa.
Após a identificação dos municípios alvo da pesquisa empírica, realizou-se o
reconhecimento das áreas específicas dentro desses municípios que seriam alvo das visitas
técnicas. Para isso, foram consideradas diversas fontes de informação sobre as localidades com
agricultores produtores de frutas irrigadas. Essas fontes incluíram os conhecimentos prévios do
pesquisador, relatos de terceiros e pesquisa em portais virtuais e Google Earth. Essa abordagem
abrangente permitiu obter uma visão abrangente das áreas de produção e selecionar as áreas
mais relevantes para as visitas técnicas.
Com base em um roteiro de campo previamente planejado, iniciou-se a realização das
visitas técnicas. Foram visitados os escritórios vinculados aos perímetros públicos irrigados,
onde muitas vezes obteve-se informações sobre a localização dos agricultores a serem
entrevistados, bem como dados gerais sobre os perímetros. Nos casos em que as áreas de
produção não se enquadravam como perímetros irrigados, a localização dos agricultores foi
obtida com a ajuda de informantes locais durante as visitas às comunidades.
56
Realização de entrevistas
Como mencionado anteriormente, a seleção dos municípios para a pesquisa empírica foi
baseada na produtividade da fruticultura no Nordeste Semiárido, com ênfase naqueles com
destaque na produção de frutas. O Mapa 1 apresenta os municípios selecionados para as
entrevistas com os agricultores camponeses, bem como outros visitados durante a pesquisa.
10
A proposta de formulário a ser aplicado pode ser visualizada no anexo II deste trabalho.
57
Mapa 01. Nordeste Semiárido: municípios selecionados para a realização das entrevistas e outros
visitados empiricamente (2022-2023).
58
Quadro 01. Municípios selecionados para a pesquisa empírica - relação entre os estabelecimentos
associados a fruticultura (2017).
Estabelecimentos da agricultura
Estabelecimentos da agricultura
Município camponesa com uso de irrigação nas
camponesa com produção de frutas
lavouras temporárias e permanentes
Afonso Bezerra 122 46
Alto do Rodrigues 114 72
Ipanguaçu 232 92
Baraúna 225 182
Mossoró 254 104
Apodi 372 262
Aracati 898 133
Quixeré 120 133
Limoeiro do Norte 322 297
Petrolina 3682 2442
Lagoa Grande 504 305
Juazeiro 3150 2043
Total 9995 6111
Com base no exposto, optamos pelo uso da amostragem não probabilística, uma vez que
a seleção da população que compõe a base amostral dependeu, em certa medida, do julgamento
do pesquisador sobre o objeto pesquisado (Mattar, 1999). O método específico utilizado foi a
amostragem por quotas (proporcional) que consiste em um tipo de amostra intencional “em que
o pesquisador procura obter uma amostra que seja similar à população sob algum aspecto”
(Oliveira, 2001, p. 6).
Logo, o universo (N) considerado para a definição da amostra totaliza 6.111
estabelecimentos da agricultura camponesa com uso de irrigação11, distribuídos nos estados da
Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Esse universo corresponde a 61% (p) do
número de estabelecimentos produtores de frutas.
A margem de erro dessa pesquisa é 5%, o que representa que as respostas podem variar
em no máximo 5% para mais ou para menos. O intervalo de confiança foi de 90%.
11
Os dados dos estabelecimentos da agricultura camponesa com uso de irrigação foram considerados mesmo
sabendo-se que neles se inclui a irrigação associadas a outras culturas que não corresponde a produção de frutas.
Trata-se de uma escolha metodológica em decorrência da ausência de dados específicos sobre a agricultura
camponesa que faz uso de irrigação na produção de frutas. Porém, sabe-se que, através da literatura especializada
e de outros dados que serão expostos ao longo desde trabalho, o uso da irrigação na agricultura nessas áreas
predomina a partir da produção de frutas.
62
n= ____∂2.p.q .N____
e2.(N-1)+ ∂2.p.q
Em que:
N = universo
n = amostra que será calculada
∂ = nível de confiança
e = erro amostral
p.q = porcentagem pelo qual o fenômeno ocorre.
Tabela 01. Amostra de entrevistas a serem realizadas nos estabelecimentos da agricultura camponesa
com uso de irrigação por unidade da federação.
Oliveira (2001, p. 6), em acordo com Curwin e Slater (1991), ressalta que “depois de
serem identificadas as proporções de cada tipo a ser incluído na amostra, o pesquisador
estabelece um número ou quota de pessoas que possuem as características determinadas e que
serão contatadas pela pesquisa”. Aqui optamos pela técnica de amostra por conveniência, em
que qualquer sujeito da população (agricultores camponeses que fazem uso de irrigação), nos
respectivos estados e, particularmente, nos municípios de ocorrência, pode ser participante
elegível para fazer parte das entrevistas a serem realizadas.
Diante do tamanho da amostra ora estimada para a aplicação de formulários de
entrevistas, em 260 estabelecimentos agrícolas com uso de irrigação, é válido realizarmos
63
algumas ressaltas. Tal quantitativo foi elaborado a partir do total de 6.111 estabelecimentos da
agricultura camponesa com uso de irrigação, visto que a fonte de dados utilizada, o IBGE, não
apresentava especificamente em sua metodologia dados sobre agricultura camponesa com uso
de irrigação na fruticultura.
Isso significa que o tamanho da amostra excede o número real de entrevistas que
deveríamos realizar nesta pesquisa, especialmente nos municípios selecionados com muitos
estabelecimentos irrigados. Em relação a esses municípios em particular, vários fatores
contribuíram para não atingirmos a amostra quantitativa originalmente planejada, e podemos
identificar pelo menos três fatores que inviabilizaram sua realização.
O primeiro, corresponde a um elemento básico da geografia, o fator distância, que aqui
se expressa tanto em relação à distância entre o local de residência do pesquisador e as áreas
visitadas, como também as distâncias de um local de produção para outro no interior dos
municípios visitados, o que demanda tempo, recursos financeiros e recursos humanos. No caso
específico da Bahía e Pernambuco, os municípios visitados são consideravelmente extensos
territorialmente, tendo Petrolina 4.562 Km², Lagoa Grande 1.852 Km² e Juazeiro 6.501 Km².
Em contexto, somados esses municípios são quase duas vezes maiores que todos os 39
municípios da Região Metropolitana de São Paulo juntos.
O segundo fator corresponde a um fenômeno recorrente nas comunidades visitadas, a
ausência dos agricultores em suas residências (comumente nas próprias áreas de produção de
frutas) ou a recusa e indisponibilidade dos agricultores em responder as entrevistas. Nas
comunidades visitadas em Petrolina, Lagoa Nova e Juazeiro era constante a visita às residências
e propriedades agrícolas, porém sem nenhuma evidência sobre a presença de agricultores ou
familiares. Já em relação às recusas dos agricultores, somaram um total de 26 recusas nesses
municípios12.
O terceiro fator está relacionado à repetição das respostas dos agricultores entrevistados.
Devido às suas realidades produtivas semelhantes no contexto da fruticultura, as respostas às
perguntas se tornaram repetitivas, independentemente de os agricultores pertencerem à mesma
comunidade ou estarem localizados em áreas distantes umas das outras. Nesse sentido,
avaliamos que as entrevistas realizadas durante a pesquisa empírica, especialmente
considerando a variabilidade das relações entre os sujeitos e o acesso à terra, foram suficientes
para esta investigação e para comprovar a tese proposta.
12
Os argumentos relacionados às recusas eram diversos, tais como: ocupação dos agricultores na roça no momento
da abordagem para a realização das entrevistas e a insatisfação quanto às experiências prévias com entrevistas
realizadas por outros órgãos (sem nenhum retorno ao agricultor, segundo os próprios).
64
Esta seção discorre sobre a relação entre os temas renda da terra, técnica e agricultura,
debatendo os elementos teóricos fundamentais na compreensão do nosso objeto de análise. Para
tanto, expomos as perspectivas abstrato-formais que, em diferentes áreas do conhecimento e
em diferentes momentos, podem contribuir no avanço desta investigação.
David Ricardo e Karl Marx são alguns dos autores que teorizaram sobre a renda da terra
e sua formação o âmbito dos processos produtivos agrícolas, articulando suas conceituações
com o papel da técnica na agricultura e na composição do lucro capitalista no campo. Já autores
contemporâneos como José de Souza Martins, José Graziano da Silva e Ariovaldo Umbelino
de Oliveira contribuíram nessa temática sob a ótica da sujeição da renda da terra ao capital,
especialmente pela sua manifestação na agricultura camponesa.
Considerando tais debates como pertinentes nesta análise, subdividimos esta seção em
dois momentos: no primeiro, realizaremos um debate conceitual sobre categoria renda da terra,
resgatando contribuições construídas historicamente a fim de relacionamos com a análise sobre
o emprego das técnicas na agricultura; no segundo momento, discutiremos a sujeição da renda
da terra ao capital e o papel das técnicas nesse processo.
Mediante os respectivos debates, apresentamos algumas pressuposições elaboradas no
sentido de articular os temas com o objeto de pesquisa em tela. São pressupostos que, se
comprovados ao longo da construção deste trabalho, viabilizarão comprovar a hipótese levanta
e alcançarmos os objetivos estabelecidos.
O interesse sobre o estudo da renda da terra teve suas origens com os chamados pré-
clássicos nas ciências econômicas no século XVII, sendo os conhecimentos sobre ela
publicados ainda nos escritos mercantilistas. Nestes, a renda era abordada como categoria
secundária, sempre em relação ao valor da terra, da taxa de juros e sendo considerada “um dos
principais fluxos monetários da época” (Lenz, 1993, p. 143).
Foi no século XVIII que a renda da terra apresentou importância maior nos estudos de
natureza científica com o filósofo e economista Adam Smith em “A Riqueza das Nações” de
1776. Nessa obra, o autor mostrava interesses pela observação geográfica ao perceber que “a
especialização do trabalho era limitada pela extensão do mercado” (Claval, 2005, p. 12).
Ao analisar a renda da terra, Smith apresenta contribuições meritórias ao relacioná-la
com o valor e os preços das mercadorias no âmbito da produção capitalista no campo, a
apresentando como “o preço pago pelo uso da terra, é naturalmente a maior que o arrendatário
pode permitir-se pagar, nas circunstâncias efetivas da terra” (Smith, 1996, p. 185).
67
Lenz (19993) afirma que, na leitura de Smith, o proprietário da terra ganharia de duas
formas: com o aumento do produto e com a redução da quantidade de trabalho empregado na
produção. Seria comum ainda que o proprietário da terra exigisse um aumento da renda se ele
fosse o responsável, durante o arrendamento, pelas melhorias efetivadas na terra.
Quanto a variação da renda, ela ocorreria a partir de dois fatores: a localização das terras
e sua fertilidade. As terras mais distantes das cidades deveriam comandar “mais trabalho a fim
de compensar o custo com o transporte, reduzindo, assim, o excedente de onde saem o lucro e
a renda da terra” (Lenz, 1993, p. 156). Tais elementos corresponderiam a existência da renda
da terra diferencial na obra de Smith.
Isso fica ainda mais perceptível quando Smith (1996, p. 190) afirma que “com a
continuidade dos melhoramentos, a renda e o lucro das pastagens não melhoradas vêm a ser
regulados, até certo ponto, pela renda e pelo lucro daquelas que tiveram melhoria”. Ou seja, a
regulação da renda ocorreria a partir da terra com maior fertilidade a qual produz o alimento
mais nobre, o trigo – produto de consumo comum pela população europeia quando o autor
escrevia suas contribuições.
Como elemento na composição da renda da terra, especialmente no valor13 dos produtos,
os “melhoramentos” considerados por Smith (1996) seriam os investimentos em dois tipos de
capitais para o aperfeiçoamento dos processos de produção, de forma que pudessem contribuir
na geração da renda ou lucro a quem os emprega. São eles o capital fixo e o capital circulante.
O capital fixo seria aquele que proporciona renda ou lucro sem circular ou mudar de
proprietário, sendo direcionado ao aprimoramento da terra, compra de máquinas, instrumentos
de trabalho ou outros materiais que sejam capazes de viabilizar a geração de lucro. Eles podem
ser divididos em: máquinas e instrumentos que facilitam e abreviam o trabalho; as
infraestruturas que geram renda como armazéns e sedes de propriedade rural; as melhorias ou
benfeitorias realizadas nas terras como roçar, capinar, drenar e cercar; e as habilidades
individuais adquiridas em sociedade (capital fixo encarnado).
O capital circulante seria o ativo corrente que, na evolução normal de um determinado
negócio (incluindo os processos de compra, produção e venda das mercadorias) se transformam
no dinheiro ao qual permite o pagamento das dívidas oriundas dos processos produtivos. Esse
capital gera lucro mediante a comercialização da mercadoria produzida ou pelas trocas
sucessivas dela. Enquanto ela permanecer sob a posse do comerciante, ela não gera nada.
13
Em Smith a palavra valor apresenta dois significados: aquele que se baseia na utilidade de um objeto em
particular, sendo denominado de valor de uso; e o poder de comprar outros bens, conferido pela posse daquele
objeto, denominado de valor de troca.
68
14
Tradução do trecho “that is only improvements in agriculture, or new facilities for the production of food, that
can prevent an increase of capital from lowering the rate of profits” (RICARDO, 1813 apud SAFRA, 2005, p. 3).
69
trigo estrangeiro naquele país, as discussões sobre a renda da terra se acirraram, tornando-se
um elemento de interesse público.
Foi nesse contexto que Thomas Malthus publicou o panfleto “Uma investigação sobre
a natureza e o progresso da renda e os princípios pelos quais ela é regulada”, seguida da
publicação “Os motivos de um parecer sobre a política de restrição da importação de milho
estrangeiro” em 03 e 10 de fevereiro de 1815, respectivamente, anunciando a teoria da renda
da terra. Outro autor que discorreu sobre a teoria foi Edward West em seu “Ensaio sobre
aplicação de capital à terra” publicada em 13 de fevereiro do mesmo ano.
Destarte, foi Ricardo em seu “Ensaio acerca da influência do baixo preço do cereal
sobre os lucros do capital”, de 24 de fevereiro de 1815, que realizou uma análise contundente
sobre a renda da terra. Nessa obra, publicada por Cláudio Napoleoni, Ricardo (1978, p. 196)
concorda com Malthus em sua definição sobre renda da terra ao afirmar que
Partindo dessa definição, Ricardo enumera um conjunto de hipóteses que servem como
base para a fundamentação da teoria da renda, sendo as principais: está circunscrita ao modo de
produção capitalista; resulta das relações técnicas viabilizadas pelos diferentes graus de
fertilidade do solo; é determinada pelas condições e pela divisão da sociedade em classes
(capitalistas, proprietários fundiários e trabalhadores); os salários pagos aos trabalhadores são
estabelecidos pelas necessidades fisiológicas de sua reprodução e manutenção de sua família; e
deve ser analisada sob a ótica da distribuição da produção, identificando-a de acordo com a
renda paga ao proprietário da terra.
O fato é que Ricardo defende a tese de que a taxa de lucro agrícola determina a taxa de
lucro geral da economia. Para ele, enquanto o produto total gerado na produção for igual em
valor às despesas geradas nos processos produtivos, não é possível se obter renda nem lucro.
Assim, um dos elementos necessários para se obter um lucro maior corresponde a melhoria na
produção agrícola através do uso das técnicas na agricultura.
É a partir disso que o autor apresenta seu conceito sobre a renda fundiária:
70
a parcela do produto da terra que é paga ao proprietário pelo uso das forças
originais e indestrutíveis do solo [...] é sempre a diferença entre os produtos
obtidos com o emprego de duas quantidades iguais de capital e de trabalho
(Ricardo, 1982, p. 65-67, passim).
Com isso, o valor na produção agrícola seria regulado pela maior quantidade de trabalho
necessário à produção em condições menos favoráveis, ou seja, a diferença de fertilidade entre
as terras acaba resultando numa diferenciação do seu valor. Essa é a base conceitual sobre a
renda diferencial na obra de Ricardo.
Ao analisar o valor de troca da produção agrícola, Ricardo defende que a quantidade
relativa de trabalho e o uso de implementos, ferramentas e edifícios etc. viabilizam a
transferência de valor à produção. Sobre o trabalho empregado, trata-se da força humana
71
Essas técnicas que aumentam a capacidade produtiva da terra seriam: o uso intensivo
do solo com rotação no uso das terras e eficiência adequada a cada tipo de cultivo, criação
seletiva de animais, o uso dos melhores materiais como os fertilizantes agrícolas (a depender
de cada tipo de produção), máquinas agrícolas e o cultivo mais intensivo do solo.
Esses processos contribuiriam na obtenção da mesma produção, porém numa extensão
menor de terra, na formação de um capital empregado na agricultura, no rebaixamento do preço
relativo dos produtos e da renda em dinheiro, além de ter como efeito a redução da necessidade
do emprego de mão de obra na agricultura.
Sobre o rebaixamento da renda mediante o emprego dos melhoramentos na agricultura
numa sociedade capitalista, isso influenciaria negativamente em curto prazo, uma vez que o
efeito imediato do emprego rotação de terras e do uso dos melhores insumos é o rebaixamento
15
Os outros condicionantes, segundo o autor, são o crescimento das terras férteis disponíveis utilizadas na
produção e a eliminação das restrições sobre as importações (Ricardo, 1982).
72
renda. Porém, em longo prazo isso resultaria em benefício aos proprietários fundiários16, pois
os melhoramentos empregados influenciariam no crescimento populacional e,
consequentemente, no cultivo das terras menos férteis gerando a renda da terra.
Outro autor que se destacou na análise sobre a renda da terra, sendo contemporâneo de
Ricardo e considerado precursor das teorias econômicas espaciais, foi o economista alemão
Alexander von Thünen em sua obra “O Estado Isolado em Relação à Agricultura e Economia
Política” de 1826. Nesta ele considerou problemas espaciais como a influência das cidades no
preço do produto agrícola (relação cidade-campo), o papel dos transportes na economia, a
melhor localização das culturas agropecuárias e a renda fundiária (Benko, 1999).
Thünen pressupunha que o cultivo agrícola se realizava em uma planície isotrópica, ou
seja, numa área de uniformidade das condições naturais, havendo apenas um tipo de transporte,
mediante a presença de uma única cidade-mercado, com as mesmas tecnologias e uma única
forma de utilização de recursos. Tais elementos ajudariam a compreender a repartição das
diferentes culturas mediante a maximização do rendimento do produtor agrícola.
A renda da terra paga ao proprietário fundiário seria uma função inversa à distância, ou
seja, quanto maior à distância ao mercado, menor seria a renda paga e maior o custo de
transporte. Sob essa ótica, a qual se baseava na hipótese de que as condições geográficas seriam
idênticas em todos os pontos (planície isotrópica), haveria, para cada produto cultivado, uma
distância limite a partir da qual sua produção deixaria de ser rentável.
A maximização do lucro do produtor seria sempre resultante da opção que ele faria pelo
cultivo daquele produto mais rentável. Não obstante,
Haverá, para cada produto, uma distância limite a partir da qual a produção
deixará de ser rentável. Para maximizar o seu lucro, o produtor vai sempre
escolher a produção mais rentável. A localização de cada tipo de cultura
seguirá a lógica da redução dos custos de transporte, que são função da
distância a percorrer e do peso (Benko, 1999, p. 39).
16
Para Ricardo, os proprietários fundiários se constituem numa classe social improdutiva, uma vez que só a classe
industrial e dos comerciantes são os responsáveis pelo crescimento e riqueza de um país. Tal perspectiva acaba
excluindo da análise a classe trabalhadora.
73
prática seria necessária em decorrência do alto custo com os transportes no âmbito da circulação
(de adubos, por exemplo), elemento que não traria lucro ao produtor.
Os elementos apresentados até aqui, sob a ótica dos respectivos autores, viabilizam
compreender a base teórica sobre a relação entre renda da terra e as técnicas empregadas na
agricultura. Contribui também na compreensão sobre a transferência do valor do trabalho e das
técnicas empregadas na produção agrícola. Porém, é válido fazer a seguinte ressalva:
Além disso, tais perspectivas contribuíram para a formulação da intitulada “lei dos
rendimentos decrescentes” bastante presente, por exemplo, na teoria de Malthus, justificando a
ideia equivocada de que “toda inversão adicional do trabalho e capital na agricultura não seria
acompanhada da obtenção de uma quantidade correspondente de produtos, mas de uma
quantidade cada vez menor” (Graziano da Silva, 1980, p. 19).
Inquietações sobre as teorias dos clássicos da Economia Política levou o teórico Karl
Marx a defender que o progresso técnico seria capaz de superar o decréscimo da fertilidade do
solo mediante a incorporação das terras menos férteis ou mal localizadas. Além disso limitaria
o crescimento da renda da terra, seja em sua forma absoluta ou diferencial. Foi nessa perspectiva
que o autor buscou aperfeiçoar a teoria da renda da terra e sua relação com a técnica.
A renda da terra em Marx apresenta-se como uma temática dispersa no decorrer de suas
publicações. Porém, o livro três de “O capital” de 189417, na seção sobre a “Transformação do
lucro extra em renda fundiária”, aborda o tema de forma mais verticalizada.
Antes da análise dessa categoria, é válido ressaltar que a preocupação de Marx com a
renda da terra antecede a publicação de sua principal obra, sendo possível destacar dois fatos
principais que evidenciam isso. Ambos, correspondem à momentos em que o autor escreveu
17
A livro primeiro de “O Capital”, sobre o processo de produção do capital, foi publicado em 1867 pelo próprio
Marx. Já o livro dois e três, sobre o processo de circulação do capital e o processo global de produção capitalista,
foram publicados em 1885 e 1894, respectivamente, por Friedrich Engels a partir dos escritos de Marx, sendo
assim obras póstumas do autor.
74
cartas endereçadas à Engels, explicitando sua crítica às abordagens da economia política até
então produzida (Lenz, 1992).
Na primeira carta, datada de 7 de janeiro de 1851, o autor expôs uma crítica à teoria
elaborada por Ricardo sobre a renda da terra. Ele alegava que os acontecimentos históricos
contradiziam à teoria ricardiana sobre a lei da tendência de produtividade decrescente do solo.
Já na segunda carta, de 2 de agosto de 1862, o autor expõe que, ao Ricardo considerar uma
identidade entre o valor e o preço de custo da produção, isso tornaria impossível perceber a
existência de uma renda desvinculada das diferenças de fertilidade do solo e da localização dos
terrenos (renda diferencial).
Marx, ao verificar que Ricardo negava a existência de uma renda absoluta, afirmava que
isso não correspondia a realidade uma vez que os dados estatísticos sobre a economia inglesa
comprovaram a sua existência pelo menos nos últimos 25 anos. Foi mediante tal fato que o
autor dedicou esforços na comprovação da existência da renda absoluta. Seu objetivo no estudo
da renda seria basicamente analisar as relações de produção e circulação mediante a aplicação
de capitais na agricultura, sendo isso condição sine qua non para uma análise do capital.
Nesse sentido, Marx em “O capital” (2017), ao discorrer sobre a propriedade fundiária,
parte dos seguintes pressupostos: o modo de produção capitalista exerce domínio sobre todas
as esferas da sociedade civil, inclusive na agricultura; esta, por sua vez, é operada por capitais
diferentes dos de outros setores pela forma que é empregado na produção e no trabalho
(assalariado); a forma da propriedade fundiária é uma forma histórica específica, transformada
pelo modo de produção capitalista; na agricultura o capitalismo se baseia na expropriação do
trabalhador rural e sua subordinação ao capitalista; e sua abordagem se limita às produções dos
principais produtos agrícolas, especialmente o trigo (tal qual considerado em Smith e Ricardo).
Assim, a propriedade fundiária seria baseada no poder de monopólio de algumas pessoas
sobre determinadas porções da superfície do globo terrestre, sendo exclusivamente baseadas na
vontade privada em detrimento de todas as outras classes ou indivíduos. O monopólio seria,
então, uma premissa histórica, ferramenta de exploração da massa da população, presente no
capitalismo e nos modos de produção que o antecedeu.
Logo, o autor apresenta o que seria o “pré-requisito para o modo de produção
capitalista” ao mesmo tempo em que expõe sua definição de renda da terra:
75
18
Concordamos com Oliveira (2007, p. 43) ao afirmar, a partir da leitura de Marx, que “mais-valia é, no modo
capitalista de produção, a forma geral da soma de valor (trabalho excedente e realizado além do trabalho necessário
que por sua vez é pago sob a forma de salário) de que se apropriam os proprietários dos meios de produção
(capitalistas e ou proprietários de terras) sem pagar o equivalente aos trabalhadores (trabalho não pago) sob as
formas metamorfoseadas, transfiguradas de lucro e de renda fundiária”.
76
19
Lucro suplementar é “sempre produzido como diferença entre o produto de duas quantidades iguais de capital
e trabalho, e esse lucro extra se transforma em renda do solo quando duas quantidades iguais de capital e trabalho
são empregadas em terrenos de mesmo tamanho e com resultados diferentes” (MARX, 2017, p. 713).
77
A renda diferencial I é aquela gerada pela diferença de fertilidade dos distintos tipos de
solos, fazendo com que “os capitais investidos na terra deem resultados ou produtos desiguais,
considerados pela grandeza igual dos capitais ou por sua grandeza proporcional” (Marx, 2017,
p. 740).
Isso pressupõe que a renda diferencial I é totalmente independente do capital empregado
numa determinada produção, sendo simplesmente causada pela diferença de fertilidade natural
dos solos (todos os seus fatores incluídos na fertilidade) e da localização (privilegiada) do
terreno. Esses dois fatores podem atuar também no sentido contrário, ou seja, ser bem
localizado e ter pouca fertilidade, vice-versa.
O que chama atenção na definição sobre a renda diferencial I é que ela não depende da
aplicação de objetos técnicos na agricultura. Como ela não é resultado do trabalho humano, o
capital não é capaz de homogeneizar a terra, tanto em termos de fertilidade do solo, como em
termos de proporcionar à todas as localidades condições iguais de produção e circulação.
Por outro lado, a renda diferencial II, comum no estágio mais avançado do capitalismo
rural, “emana da diferente produtividade de sucessivos investimentos de capital na mesma
porção de terra” (Marx, 2017, p. 802). Isso se realiza porque a diferença de fertilidade do solo
em terras distintas acaba provocando a necessidade do aumento do uso de capitais direcionados
as melhorias na fertilidade daqueles solos menos férteis.
Na perspectiva de Marx, o progresso técnico não é considerado sem conteúdo histórico,
ele é visto como “o progresso das técnicas capitalistas de produção, ou seja, como um dos
elementos da dominação do capital sobre o trabalho” (Graziano da Silva, 1981, p. 24). Como
tal, corresponde a um dos elementos necessários ao capitalismo visto que as inovações
técnicas20 são fundamentais à extorsão da mais valia.
Como assinala Coriat (1976), na obra de Marx alguns pressupostos sobre o progresso
técnico estão implícitos, como: relaciona-se ao aumento da produtividade do trabalho; o
desenvolvimento das técnicas não pode se dissociar das condições em que são empregadas; e o
objetivo central do progresso técnico no capitalismo é a submissão do trabalho ao capital.
Na agricultura, considerando o capital investido em materiais técnicos empregados no
melhoramento do solo, bem como o valor transferido desses materiais ao produto agrícola,
depreende-se que sempre haverá um encarecimento desse último visto que nele foi empregado
20
De acordo com Graziano da Silva (1981, 1990) as inovações técnicas na agricultura podem ser classificadas em:
inovações mecânicas, afetando diretamente o ritmo da jornada de trabalho; inovações físico-químicas, as quais
modificam as condições naturais do solo e elevam a produtividade; inovações biológicas, vinculadas as reduções
dos períodos de produção; e as inovações agronômicas, associada aos novos métodos de organização da produção
por meio dos recursos disponíveis.
78
algo que antes não era preciso para sua produção. Assim, a reposição do capital investido nesses
materiais, desgastados durante o período produtivo, é efetivada mediante a reposição dos seus
valores nos produtos agrícolas.
No caso de alguns recursos naturais empregados na agricultura, cuja aplicação na
produção não resultou de pagamentos, eles não são ingressos na produção como capital, apenas
como forças naturais gratuitas do trabalho (força produtiva do capital). Porém, se for necessária
uma produção maior do que aquela que os elementos naturais possam proporcionar, sendo
necessário a fabricação ou compra de algum instrumento para suprir a demanda produtiva, esse
material adicional acaba entrando como capital na produção.
Na renda diferencial II, o uso das técnicas na produção naqueles solos menos férteis está
sempre relacionado com a existência natural de fertilidade em outro solo. São as melhorias
permanentes que “consiste quase sempre em conferir a determinada extensão de terra, ao solo
de um lugar determinado e restrito, características que são naturais em outros solos, situados
em outros lugares, com frequência nas imediações” (Marx, 2017, p. 806).
As melhorias permanentes indicam que sempre existe um maior tratamento a ser
realizado naqueles solos com menor fertilidade. Por exemplo: o nivelamento de um terreno é
preciso devido a existência de um outro naturalmente nivelado, a drenagem artificial de um solo
é necessária devido a capacidade natural de drenagem do outro, a adubação é necessária em
decorrência da fertilidade natural de outro solo e assim por diante.
Isso pressupõe que haverá, conforme a necessidade de cada solo, uma busca frequente
pela compra de materiais a serem utilizados na produção (insumos, máquinas e equipamentos
agrícolas em geral), indicando, no caso da agricultura, um consumo maior desses materiais e,
consequentemente, uma transferência dos seus valores ao produto.
Sobre os capitais investidos nos objetos técnicos utilizados na produção, é válido
adentrar a conceituação de capital constante e variável, de acordo com o caráter de exploração
dos trabalhadores (produção do mais-valor), e de capital fixo e circulante, conforme o caráter
de rotação existente entre cada um deles (movimento do capital). Mesmo correspondendo a um
debate que, em Marx, assume um sentido amplo quanto aos processos de produção capitalista,
enfocamos aqui a agricultura como plano de fundo na análise.
O capital constante corresponde aquela “parte do capital que se converte em meios de
produção, isto é, em matérias-primas, matérias auxiliares e meios de trabalho”, enquanto o
capital variável refere-se a parte do capital que “transforma-se continuamente de uma grandeza
constante numa grandeza variável” (Marx, 2013, p. 286).
79
Figura 01. Classificação do capital de acordo com a produção do mais valor e seu caráter de
movimento.
Elaboração: Welton Nascimento. Adaptado de: Instituto de economia da academia de ciência de ciências da
U.R.S.S (1956); Marx (2013, 2014).
81
Sobre o uso de matérias primas e dos materiais auxiliares, ora como capital constante,
ora como capital circulante, é preciso ter clareza quanto a diferenciação dos materiais que os
compõe. Conforme apresenta Storch (1823), na agricultura a matéria prima (materière) e os
materiais auxiliares (matèriaux) apresentam características específicas.
As matérias primas são aqueles materiais que passam por algum tipo de preparação ou
transformação posterior ao agente que o fornece, sendo o meio principal, material agregado na
produção de um produto. As sementes agrícolas são exemplos de matéria prima que permanece
no processo de produção por um período e faz parte da composição final do produto agrícola.
Já os materiais auxiliares são àqueles completamente utilizados no processo de
produção, podendo se comportar apenas auxiliando a produção e não sendo agregados
materialmente ao produto propriamente dito (apenas o seu valor é agregado). Na
contemporaneidade, são exemplos de acréscimos à matéria prima a fim de operar em sua
mudança material os adubos/fertilizantes (químicos ou naturais) e os venenos agrícolas, que são
completamente utilizados no processo de produção, permanecendo no solo por um determinado
período, mas sempre tendo de ser renovados.
O fato é que, na obra de Marx, os capitais empregados na produção acompanham o ritmo
do progresso técnico no sistema capitalista. O progresso se configuraria no motor da
acumulação do capital e numa forma de superar as barreiras do crescimento. Quanto mais o
sistema econômico se desenvolve, empregando novos objetos oriundos das inovações técnicas,
maior a riqueza concentrada em um número reduzido de capitalistas.
No âmbito produtivo, o emprego dos capitais associados ao progresso técnico seriam
uma forma contemplar os possuidores desses capitais mediante os lucros gerados. Na
agricultura, por exemplo, ocorreria o emprego de insumos técnicos que resultariam no aumento
da produtividade com um menor número de trabalhadores. O resultado seria o crescimento da
população trabalhadora excedente e a diminuição do valor de troca da força de trabalho.
Como sobra além do valor das mercadorias, corresponde a renda embolsada pelo
capitalista a partir do seu direito de proprietário da terra. Por ser uma fração do valor, isso
significa que possui diferentes origens. “Quando resulta da concorrência entre produtores
agrícolas capitalistas é renda da terra diferencial I ou II, porém, quando resulta do monopólio é
renda da terra da terra absoluta” (Oliveira, 2007, p. 55).
A particularidade da renda absoluta é que o lucro extraordinário que os proprietários
fundiários embolsam não é oriundo dos trabalhadores de uma porção de terra específica, mas
sim de todos os trabalhadores da sociedade em geral. Isso é possível pois trata-se de uma renda
que gerada pelo aumento dos preços dos produtos agrícolas acima do preço geral de produção
(Oleiveira, 2007).
A renda absoluta e a diferencial são as únicas consideradas normais em uma economia
capitalista concorrencial, tal qual era a Inglaterra de 1860 (Graziano da Silva, 1980). Fora
dessas duas formas, só é gerada renda a partir do “preço monopólico propriamente dito, que
não é determinado nem pelo preço de produção nem pelo valor das mercadorias, mas pela
necessidade e pela solvência dos compradores” (Marx, 2017, p. 824).
Nesse interim, é de conhecimento que, ao estudarem a obra de Marx, autores de
diferentes áreas no conhecimento divergem sobre a existência da renda de monopólio como
uma forma particular de renda fundiária. Aqui, concordamos com a leitura de Oliveira (2007,
p. 58) ao admiti-la como o
Para Marx, o lucro suplementar acima do lucro médio é o excedente entre o preço de
monopólio e o preço de produção particular. Diferentemente da renda absoluta que é, em certa
medida, regulada no mercado em decorrência das pressões sociais pela necessidade do
consumo, a renda de monopólio está pouco sujeita a essas pressões uma vez que não depende
do consumo dos produtos pela população.
Verifica-se então que a renda de monopólio está diretamente associada a questões
geográficas que viabilizam àquela localidade uma produção específica de um determinado
produto. Isso se verifica, por exemplo, na produção do vinho do Porto em Portugal em que
determinados agentes obtém uma renda em decorrência de seu monopólio sobre a terra nessa
83
região específica (terras excepcionais para essa produção). Quando os vinhos são
comercializados a preço de monopólio, é gerada a renda monopolizada (Oliveira, 2007)21.
Ora apresentado apontamentos sobre a relação entre a renda da terra, a técnica (a partir
dos capitais investidos na produção) e agricultura, é válido discorrer sobre elementos que
ultrapassam o viés econômico clássico – sem deixar de reconhecer sua importância analítica –
e ressaltar algumas abordagens que acrescentam às discussões, elementos que possam
contribuir na análise do capitalismo no campo na contemporaneidade.
Isso se faz necessário devido as formas que o capital encontra neste meio técnico-
científico-informacional em adquirir mais-valor a partir da exploração da força de trabalho
inclusive daqueles que não fazem parte de sua mesma lógica produtiva. Tal fato, como uma
realidade acentuada nos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, necessita de análises
verticalizadas sobre cada processo particular.
21
O debate sobre a renda de monopólio será retomado ao longo deste trabalho, especialmente na seção quatro ao
abordar a territorialização do capital monopolista e a monopolização do território pelo capital.
84
Por ser um meio limitado e que não pode ser reproduzida pelo trabalho humano, a terra
não fornece as condições desejadas ao capitalista para alcançar a reprodução do capital, pois
ela sozinha não é suficiente para promover a extração da riqueza da terra, para
efetivar a produção agrícola. O capitalista precisará, ainda, empregar
ferramentas, adubos, inseticidas, combinados com a força de trabalho, para
que a terra dê os seus frutos. Os instrumentos e os objetos de trabalho, além
da própria força de trabalho, é que são o verdadeiro capital, capaz de fazer a
terra produzir sob o seu controle e domínio (Martins, 1990, p. 162).
Sob essa ótica, todos os materiais que são utilizados como meio de produção no processo
produtivo correspondem a objetos a partir dos quais o trabalho é efetivado. Mesmo sendo
capitais do agente capitalista, correspondem aos meios de trabalho dos trabalhadores, em que
ele exercerá sua força de trabalho para, no capitalismo, gerar lucro.
Como apresenta Graziano da Silva (1990, p. 28), o emprego de capitais na agricultura
ocorre devido a necessidade do capitalista em “fabricar terras apropriadas” nos diferentes
vetores produtivos no campo, “por exemplo, quando adubamos uma certa gleba e obtemos dela
o dobro da produção esperada, é como se tivéssemos fabricado uma outra parcela equivalente
de terras”.
Como não é interessante ao agente capitalista pagar a renda da terra ao proprietário
fundiário, ele acaba utilizando o emprego dos objetos técnicos na agricultura para potencializar
o uso das terras arrendadas, chegando-se à extração da mais-valia sem expandir em extensão a
área. Nesses casos, o aumento da produção é quase sempre acompanhado do crescimento da
produtividade do trabalho. Essa é uma regra geral quando o aumento da produção está associado
ao emprego de inovações tecnológicas na agricultura.
Se um produtor capitalista em terras arrendadas quiser aumentar sua taxa de lucro,
porém mantendo a extensão de terras, ele terá necessariamente que adotar tecnologias eficazes.
O emprego dos melhores adubos, materiais de irrigação necessários a cada tipo de plantio, uso
de máquinas e implementos etc. resultariam no aumento da produtividade do trabalho e
reduziriam a renda da terra por unidade de produto gerado.
Logo, o papel do progresso técnico na agricultura em relação a composição da renda da
terra paga ao proprietário fundiário é
85
22
Retomaremos o debate sobre a “modernização da agricultura” em momento posterior deste texto.
87
Sendo assim, concordamos com Oliveira (2007) ao defender que as relações não
capitalistas de produção, a qual inclui a produção camponesa, é resultado do próprio
desenvolvimento contraditório do capital, visto que
O que hoje acontece com a pequena lavoura de base familiar é que o produtor
está sempre endividado com o banco, a sua propriedade sempre comprometida
como garantia de empréstimos para investimento e sobretudo para custeio de
lavouras. Sem qualquer alteração aparente na sua condição, mantendo-se
proprietário, mantendo o seu trabalho organizado com base na família, o
lavrador entrega ao banco anualmente os juros dos empréstimos que faz, tendo
como garantia não só os instrumentos, adquiridos com os empréstimos, mas a
terra. Por esse meio, o banco extrai do lavrador a renda da terra, sem ser o
proprietário dela. O lavrador passa imperceptivelmente da condição de
proprietário real a proprietário nominal, pagando ao banco a renda da terra que
nominalmente é sua. Sem o perceber, ele entra numa relação social com a terra
mediatizada pelo capital, em que além de ser o trabalhador é também de fato
o arrendatário (Martins, 1990, p. 176-177).
Evidentemente tais processos indicam uma apropriação da renda diferencial pelo capital
na fase da circulação da produção agrícola. O agricultor, uma vez endividado e com a
necessidade do pagamento anual dos juros ao banco, acaba comercializando sua produção a
baixo preço, sobretudo através do papel dos intermediários (também conhecidos popularmente
no Nordeste como atravessadores ou corretores de frutas) que, por sua vez, comercializa a
produção nos mercados próximos ou com as agroindústrias.
Isso significa que a riqueza criada pelo trabalho na agricultura de base familiar “realiza-
se em mãos estranhas às suas, como renda que flui disfarçadamente para os lucros bancários,
como alimento de custo industrial e incrementa a taxa de lucro das grandes empresas urbanas”
(Martins, 1990, p. 177). Porém, isso se configura apenas como uma parte dos problemas
enfrentados por aqueles que são responsáveis pela alimentação diária da população brasileira.
Acrescentamos a isso, alguns pressupostos que consideramos como fundamentais para
a compreensão da sujeição da renda da terra ao capital no âmbito da expansão do uso de objetos
técnico-científicos-informacionais na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, objeto de
estudo neste trabalho. Eles não estão desvinculados da análise até agora realizada sobre a
relação entre renda da terra, técnica e a sujeição da renda da terra ao capital, pelo contrário,
asseveram a compreensão desses processos no âmbito da agricultura camponesa.
O primeiro pressuposto corresponde às demandas heterogêneas por objetos técnico-
científicos-informacionais no interior da dinâmica da produção de frutas irrigadas. As
demandas das agroindústrias e da agricultura camponesa por insumos e máquinas agrícolas são
distintas tanto em termos quantitativos como qualitativos. Tais diferenças não ocorrem apenas
entre as diferentes formas de produção, mas também entre os estabelecimentos agrícolas de um
mesmo ramo produtivo (agricultura camponesa ou empresarial).
Conforme já analisado por Nascimento (2018), as estratégias para a aquisição dos
insumos, máquinas e equipamentos agrícolas utilizados na produção também são diversas,
89
obedecendo lógicas distintas de redução dos gastos no âmbito da compra desses materiais, o
que corrobora na configuração de interações espaciais em múltiplas escalas no território.
Na produção capitalista de frutas irrigadas, as empresas produtoras recorrem às
indústrias fabricantes ou importadoras de objetos técnicos que estão localizadas em diferentes
áreas do país, a partir de alianças preestabelecidas, como já ressaltado por Graziano da Silva
(1990). Já na agricultura camponesa tais objetos são, predominantemente, adquiridos nos
mercados locais, especialmente nas empresas comerciais situadas nas cidades próximas às áreas
de produção, muitas vezes com imposições técnicas determinadas pelas agroindústrias.
Dessa forma, tais imposições sobre o uso de objetos técnicos na produção de base
familiar causa uma dependência desse vetor sobre a compra dos produtos no comércio próximo
às áreas de produção, por vezes sem orientação técnica e agronômica. Acreditamos que isso
decorre do fato que na fruticultura irrigada, os insumos modernos são concentrados na produção
agroindustrial e esta, por sua vez, é tida como referência pelos atravessadores no âmbito dos
parâmetros de qualidade exigidos aos agricultores camponeses.
De acordo com o interesse dos capitalistas nessas áreas mais dinâmicas em drenar a
produção da agricultura camponesa, eles acabam impondo padrões técnicos normativos
baseados na agricultura capitalista globalizada (uso de sementes geneticamente modificadas,
adubos e fertilizantes químicos, venenos agrícolas etc.). Essas imposições acabam direcionando
os agricultores a “uma atitude de subordinação a essas normas, porque sem obediência a estas
eles serão excluídos” (Santos, 1999, p. 24).
Quanto aos responsáveis às imposições normativas:
Uma vez obedecendo os parâmetros normativos sobre o uso dos insumos e máquinas
agrícolas, o agricultor camponês, na maioria das vezes, se endivida com os bancos que são
responsáveis pelos empréstimos para a aquisição desses materiais. Em consequência há o
pagamento da renda da terra que é disfarçado de juros anuais pagos pelos empréstimos.
O segundo pressuposto, que seria uma consequência do anterior, se refere a
transferência do valor dos objetos técnicos agrícolas para os produtos que serão convertidos em
mercadorias. Como as demandas por insumos e máquinas são diferentes na produção de base
90
(europeia, pecã), pera, pêssego, pitaia, pitanga, pupunha, tomate (rasteiro industrial e
estaqueado) e uva (mesa, vinho ou suco).
Sobre essas culturas, considerando o período de referência do respectivo censo (IBGE,
2018), foi realizada uma produção de 24.899.150 toneladas somada aos 1.610.636 frutos
contabilizados em unidade (graviola, jaca, abacaxi e coco-da-baía). Essa produção foi realizada
em, pelo menos, 2.407.604 hectares, número sobre o qual não inclui as áreas direcionados a
produção de morangos e tomates estaqueados. A ocorrência da produção de frutas no país
abrangeu 4.340 municípios.
Dados recentes da Associação Brasileira de Produtores Exportadores de Frutas e
Derivados – ABRAFRUTAS (2019)23, informam que a fruticultura no país abrange em torno
de 3 milhões de hectares no país, com pelo menos 6 milhões de empregos diretos e uma
produção anual em torno de 37 milhões de toneladas. Realizada nas diferentes regiões do Brasil,
país de extensão continental, com grande diversidade de solos, clima e diferentes condições
sobre o uso dos recursos hídricos, se configura como uma variável complexa e com
rebatimentos territoriais específicos de acordo com cada tipo de produção.
Ao se pensar na produtividade por área associada a fruticultura no Brasil, o que inclui a
consideração da complexidade de condições ambientais, da ordem técnica e organizacional dos
lugares, consideramos aquilo que Santos (2017, p. 248) denomina de “produtividade espacial
ou produtividade geográfica, noção que se aplica a um lugar, mas em função de uma
determinada atividade ou conjunto de atividades”.
Nesse contexto, apresentamos o Mapa 2 que detalha a produção absoluta da fruticultura
no Brasil por municípios, revelando a capacidade que certas áreas do país possuem em termos
de volume total de frutas produzidas. Paralelamente, o Mapa 3 proporciona uma compreensão
mais profunda da produtividade agrícola associada à fruticultura brasileira. Esse mapa é
elaborado a partir do cálculo da produtividade por cultura em cada município do país. Essas
representações cartográficas desempenham um papel crucial na análise das especializações
produtivas relacionadas a esse segmento, permitindo uma abordagem analítica mais
aprofundada dos complexos e variados processos que ocorrem no território.
No que diz respeito à produção absoluta de frutas irrigadas no Brasil, é evidente que
apenas algumas áreas se destacam como principais polos de produção agrícola. Destaque
notável é a região Sudeste, com ênfase nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
No Nordeste, as atenções se voltam para os municípios localizados na região do Submédio São
Francisco, notadamente Petrolina em Pernambuco e Juazeiro e Casa Nova na Bahia. Em outras
partes do país, existem municípios que também se destacam como produtores de frutas, embora
de forma mais pontual.
Em relação a produtividade agrícola, verifica-se uma forte diferenciação espacial sobre
a produção da fruticultura no território. Isso ocorre porque em determinado vetor “subespaços
não são igualmente capazes de rentabilizar uma produção. Cada combinação tem uma própria
lógica e autoriza formas de ação específicas a agentes econômicos e sociais específicos”
(Santos, 2017, p. 247). Soma-se a isso, a diversidade das condições edafoclimáticas no Brasil,
possuindo áreas com condições propícias a algumas culturas enquanto outras isso não é
possível.
Tal fato pode ser depreendido a partir da análise das áreas que apresentam maior
produção de frutas, com particularidades quanto as especializações produtivas e os processos a
ela vinculados. Isso não nos faz negligenciar aqueles locais onde essa variável não ocorre ou
que apresenta baixa produção, ora vista que consideramos que essas características estão quase
sempre associadas a importância que outros vetores agrícolas assumem nos lugares.
Quanto as áreas com maior produção de frutas, podemos ressaltar a região da Serra
Gaúcha, no Rio Grande do Sul, historicamente influenciada pelas tradições alemãs e italianas,
com a forte presença do cooperativismo e com condições climáticas favoráveis a produção de
uvas (vinho, suco e mesa) e maçãs (o estado é o maior produtor dessas duas culturas no país).
Outras produções de destaque na região referem-se a de pêssego, caqui, ameixa, laranja e kiwi.
No estado de São Paulo, ganha destaque a produção de Citrus (laranja, limão e
tangerina) no Noroeste Paulista e na região Central do estado. Esse vetor que, dentre outros,
também é efetivado nos municípios da Região Administrativa de Sorocaba, é responsável pelo
percentual de 78,7% da produção nacional de laranjas (IBGE, 2018). Outras produções
realizadas no estado são os cultivos de bananas, manga, mamão e tomate rasteiro. Sobre a
produção de frutas no Noroeste Paulista, Locatel e Hespanhol (2002) dissertam sobre a sujeição
da renda da terra ao capital no âmbito da expansão da fruticultura.
Ainda no Sudeste, outra área que tem se destacado na produção de frutas corresponde
ao estado do Espírito Santo, sobretudo em sua porção do Litoral Norte. As favoráveis condições
do clima tropical úmido e o forte incentivo produtivo do Instituto Capixaba de Pesquisa,
97
Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), em parceria com entidades públicas e privadas,
tem promovido na área o fortalecimento das cadeias produtivas nos principais ramos da
fruticultura, chegando a figurar como uma das principais manchas de produção do país.
No Centro-Oeste a maior produção de frutas encontra-se no Distrito Federal e nos
municípios ao leste do estado de Goiás. As produções que se despontam são o tomate rasteiro,
citrus (laranja e tangerina) e a banana. Atualmente encontra-se em debate a criação da Rota da
Fruticultura no Centro-Oeste mediante a ação da Superintendência Federal da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento do Distrito Federal, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales
do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), do Ministério do Desenvolvimento Regional
(MDR) e da Frente Parlamentar Mista do Agronegócio e Agricultura Familiar (FAAF), além
de instituições parceiras24.
A particularidade do Centro-Oeste refere-se à ausência da produção de frutas em áreas
contíguas (exceto a anteriormente mencionada), como evidente nos estados de Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, além do estado de Tocantins na região Norte. No âmbito da
divisão territorial da agricultura brasileira, são áreas que apresentam a consolidação de
processos vinculados a expansão da fronteira agrícola no país, sobretudo mediante a produção
de grãos e gado bovino por grupos agroindustriais.
Na região Norte do Brasil, as condições edafoclimáticas, com a presença de abundantes
recursos hídricos para irrigação, favorecem a produção de frutas em diversas áreas e de forma
diversificada. As produções mais representativas na região correspondem ao cultivo de
produtos para o consumo in natura como de citrus, sobretudo limão e laranja, mamão, abacaxi,
melancia, banana, maracujá e acerola. Outros frutos exóticos típicos da região como a pupunha,
o açaí e o cupuaçu também são importantes, sendo inclusive comercializadas para outros
estados brasileiros na forma de sorvetes, doces e polpas.
Uma das características importantes da fruticultura na região Norte é que ela se efetiva
principalmente nas margens dos principais rios como: Amazonas e Negro (estado do
Amazonas), Tapajós, Amazonas, Tocantins e Guamá (Pará), rio Acre no estado de mesmo
nome, e nos rios Branco, Mucajaí e Uraricoera (Roraima). Nesse contexto, o estado que se
sobressai na produção de frutas é o Pará.
Outra característica peculiar é que os municípios com maior produção são as capitais
estaduais e/ou os municípios situados no entorno destas. Dentre as capitais se destacam Rio
Branco no Acre, Boa Vista em Roraima, já os municípios adjacentes a Manaus no Amazonas e
24
Consultar fonte em: https://www.codevasf.gov.br/noticias/2019/proposta-de-criacao-da-rota-da-fruticultura-
no-centro-oeste-e-debatida-em-brasilia
98
Isso ocorre porque na fruticultura, assim como em outros vetores de produção no campo
brasileiro, há a presidência da racionalidade capitalista marcada pela “modernização da
agricultura” comandada por grupos agroindustriais, subjugando determinados agentes e os
submetendo aos seus ditames. Esse fato pode ser verificado, conforme apresenta Castro (2000),
de forma mais intensa nas áreas de produção de frutas irrigadas do Nordeste, onde se
apresentam as “ilhas de tecnologias” na agricultura, sobretudo em sua porção semiárida.
Considerando que os dados sobre produção de frutas podem viabilizar uma análise mais
verticalizada sobre aqueles cultivos que fazem uso de irrigação, foco da análise na presente
pesquisa, julgamos pertinente a apresentação dos dados que permitam redirecionar a análise à
especificidade da fruticultura irrigada.
Nesse sentido, os dados de irrigação ajudam a refletir sobre o uso dessas técnicas
utilizadas na produção de frutas no país. De fato, deveríamos apresentar diretamente os dados
sobre o uso da irrigação na fruticultura, porém a fonte utilizada para a obtenção deles, o Censo
Agropecuário do IBGE, conforme sua metodologia de pesquisa, não permite análises
verticalizadas sobre as produções específicas com uso de irrigação, apenas mediante os recortes
temáticos das culturas permanentes e temporárias (englobando a produção de frutas).
O Cartograma 1, sobre o uso de irrigação no país – com dados sobre áreas irrigadas e os
estabelecimentos com uso dessas técnicas agrícolas – corrobora na análise sobre as relações
entre as áreas anteriormente identificadas como as principais produtoras de frutas e aquelas em
que se faz uso efetivo da irrigação.
101
Cartograma 01. Brasil - distribuição espacial do uso de irrigação nas lavouras temporárias e permanentes (2017).
102
Cartograma 02. Brasil - distribuição espacial dos estabelecimentos agrícolas das lavouras temporárias
e permanentes por tipo de irrigação realizada (2017).
104
país e para o exterior. Foi o período chamado ‘milagre brasileiro’, quando o Governo fazia a
propaganda de ‘exportar é desenvolver’” (Andrade, 2011, p. 270). Foi nesse contexto que o
Brasil foi inserido na chamada Revolução Verde que ocorria em escala mundial, tendo como
cerne o discurso de “modernização da agricultura”.
O Nordeste, até então reserva para a produção capitalista globalizada, foi,
paulatinamente, adentrando às áreas das ações das grandes empresas agroindustriais. Com isso,
a partir dos anos 1970, se reduzia as áreas de produção de culturas como algodão, mamona,
mandioca e sisal enquanto expandia-se as produções de arroz, cana-de-açúcar, feijão, laranja e
milho. Outras culturas não tradicionais, porém, com alto valor de mercado, também cresciam
como o cacau e o abacaxi (no Sertão e Agreste), o tomate, café, soja e borracha (em certas áreas
do Vale do São Francisco, Agreste e Zona da Mata), e a produção de frutas irrigadas nas áreas
banhadas pelos principais rios nordestinos, sobretudo na porção semiárida (Araújo, 2000).
A produção de frutas irrigadas no semiárido transformou as dinâmicas socioespaciais
das áreas onde as empresas agrícolas se instalaram, como no submédio do São Francisco e
alguns de seus afluentes, principalmente no estado da Bahia, e nos vales dos rios Jaguaribe, no
Ceará, Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró no Rio Grande do Norte.
Mapa 04. Semiárido brasileiro: municípios com projetos de irrigação coordenados pelo DNOCS e
CODEVASF (2017).
Sobre a implementação dos perímetros irrigados, Bezerra (2012, p. 124) alerta que
108
Figura 02. Alto do Rodrigues/RN: canal de Figura 03. Pau dos Ferros/RN: canal de
conexão às áreas de produção irrigada no vale conexão aos reservatórios abastecidos pelo rio
do rio Piranhas-Açu. Apodi-Mossoró.
Nas áreas onde há o fornecimento hídrico a partir dos principais rios, se efetiva a
produção de frutas irrigadas associada ao agronegócio, configurando sistemas complexos, com
uso intensivo de capitais e insumos e máquinas agrícolas. Já nas localidades em que os
perímetros já não apresentam funcionalidade, os sertanejos dos perímetros públicos irrigados
(colonos) e outros agricultores camponeses recorrem a criação de animais como gado bovino,
cabras, ovelhas e galináceos como meio de manutenção do uso e posse sobre a propriedade da
terra, isso quando não se deslocam para as cidades para servir de mão de obra no comércio,
serviços e construção civil. Silva (2019), em sua análise sobre as políticas de irrigação para o
Rio Grande do Norte, evidencia as especificidades desses processos.
Ressalta-se também a esperança dos agricultores camponeses, situados nas áreas onde
os perímetros irrigados apresentam pouca funcionalidade, sobre o abastecimento hídrico a partir
da transposição das águas do rio São Francisco, projeto fortemente exposto por políticos do Rio
Grande do Norte e Ceará. Se trata “de um projeto que necessita ser analisado com o maior
cuidado devido aos impactos de ordem econômica, social e ecológica que pode provocar”
(Andrade, 2011, p. 259).
Associado as áreas com maior produção de frutas irrigadas, algumas das quais se faz
presente os perímetros públicos irrigados, Araújo (2000, p. 173) assinala que
✓ Escala local: com base nos recursos necessários a produção (solo, sol, água, mão de
obra e sistemas de engenharia) e nas mediações políticas locais (administração pública,
sindicatos, associações e representantes políticos);
✓ Escala regional: constituída como mercado e como mediação para recursos oriundos de
fundos públicos;
✓ Escala nacional: importante mercado e fonte dos recursos (públicos e privados)
direcionados à produção;
✓ Escala internacional: definidora dos parâmetros de qualidade dos produtos e da sua
competitividade, o que envolve os padrões técnicos dos produtos e de qualidade desses
mercados.
Tais escalas estão diretamente relacionadas a indissociabilidade entre tamanho das áreas
de ocorrência da fruticultura e a dimensão real desse fenômeno geográfico (Castro, 2010). Isso
significa que, da escala local à internacional, a fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido
112
Maria de Boa Vista, Abaré e Curaçá, situados no submédio do São Francisco (onde predomina
a produção de frutas irrigadas), concentram 10% dos estabelecimentos e 18,5 da área irrigada
da região. Apenas os três primeiros municípios apresentam perímetros públicos irrigados.
Esses dados não revelam a dimensão específica dos estabelecimentos produtores de
frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, mas nos ajuda a compreender a importância do vetor,
considerando as particularidades da produção de frutas, bem como as especificidades quando
sua ocorrência espacial.
A aproximação analítica sobre a dimensão da fruticultura irrigada pode ser evidenciada
mediante a sobreposição dos dados sobre produção agrícola da fruticultura e o número de
estabelecimentos com uso de irrigação – culturas temporárias e permanentes (Mapa 4).
114
O Vale do São Francisco responde por mais de 80% do valor das exportações
brasileiras de manga e por 99% do faturamento do País com exportações de
uva. Do Ceará e Rio Grande do Norte saem 98,4% das exportações nacionais
de melão e o Ceará responde ainda por 81% do valor total de castanha de caju
comercializada pelo Brasil no mercado externo.
Esses dados evidenciam a importância que algumas das culturas apresentadas como
sendo as principais no Nordeste Semiárido assumem no contexto regional o nacional. Não
obstante, pressupõe a importância da produção nos lugares e seus desdobramentos na escala de
articulação internacional dos processos associados a fruticultura, não apenas no contexto das
116
exportações dos produtos, mas também das imposições normativas baseadas em lógicas de
produção da agricultura capitalista mecanizada.
Com base em Castro (2000), a propriedade fundiária e os agentes envolvidos na
fruticultura tropical irrigada, podem ser consideramos a partir de situações e características
distintas: pelas grandes propriedades agrícolas, comandadas pelas empresas do agronegócio,
garantindo espaços para a rotação de terras e sendo reserva para expansão; as médias
propriedades onde a produção se efetiva a partir dos sujeitos que compõe o grupo do que se
poderia chamar de classe média rural, fornecendo frutas para as agroindústrias; e as pequenas
propriedades em que o acesso à tecnologia abre um novo leve de possibilidades de produção.
Nessa perspectiva, com base na autora, diferentes situações se configuram mediante a
ação dos agentes nesses ambientes produtivos:
Sobre essa última situação, poderíamos afirmar que esse processo de complementação
da produção agroindustrial, sobretudo mediante o trabalho dos agricultores camponeses, se
realiza a partir de relações de sujeição da renda da terra ao capital. Esta, por sua vez,
acreditamos que se realiza tanto na etapa da comercialização da produção agrícola (frutas
irrigadas), como já comprovado através de diversos estudos de caso, como também ainda na
fase de expansão sobre o uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura, como
tese a ser comprovada neste trabalho.
É a partir desses elementos expostos que se torna pertinente a apresentação sobre o
como, numa perspectiva espaço-temporal, ocorreu a expansão sobre o uso de objetos técnicos
na agricultura, associada a tecnificação no setor. Não obstante, se faz importante a apresentação
do panorama atual sobre tal dinâmica no Nordeste Semiárido.
117
Este debate se ancora nas fundamentações de Santos (2017, p. 234) ao “admitir que a
história do meio geográfico pode ser grosseiramente dividida em três etapas: o meio natural, o
meio técnico, o meio técnico-científico-informacional”. Não obstante, baseia-se na proposição
de Ramos (2013, p. 68) ao denominar sistemas técnicos agrícolas “o conjunto de objetos e de
ações que caracterizam o sistema de produção em um determinado lugar”, ou seja, as diferentes
etapas que compõe os circuitos espaciais produtivos e círculos de cooperação no espaço.
Tais bases teóricas nos viabilizam uma aproximação sobre o modo que ocorreu, numa
perspectiva espaço-temporal, a difusão sobre o uso dos objetos técnico-científicos-
informacionais e a configuração dos sistemas técnicos agrícolas atrelados a fruticultura irrigada
na região semiárida nordestina, especialmente naquelas áreas com maior produtiva do vetor.
É consenso entre alguns teóricos como Oliveira (2014), Graziano da Silva (1981, 1990),
Santos e Silveira (2008), Ramos (2001, 2013) e Castro (2000) que as transformações nas bases
técnicas da agricultura brasileira, a qual inclui a expansão do uso de insumos e máquinas
agrícolas, ampliou-se após a década de 1960 no seio do capitalismo mundializado com o
incentivo do Estado através de políticas e programas direcionados a maior inserção do país no
contexto da agricultura capitalista global.
Foi um período marcado por transformações em escala global associadas aos novos
objetos e ações chamados a fazerem parte da produção no campo, despertando o interesse de
cientistas como Rachel Carson, autora do livro “Primavera Silenciosa”, publicado em 1962,
com seu estudo sobre os riscos ambientais causados pelo uso de pesticidas e outros elementos
químicos utilizados de forma crescente na agricultura.
No Brasil, produtos como insumos minerais ou químicos (oriundos das rochas ou
produzidos artificialmente pela indústria como calcário, adubos/fertilizantes e venenos
agrícolas), insumos mecânicos (tratores, arados, roçadeiras, adubadoras e materiais de
irrigação) e produtos de origem vegetal ou animal (sementes, estercos e resíduos de abate de
animais) passaram a ser inseridos às áreas, porém de forma seletiva espacial e setorialmente.
Algumas áreas, como a região concentrada (principalmente o estado de São Paulo),
presenciou as primeiras transformações, enquanto o resto do território passou a experimentar
os novos objetos e ações em apenas alguns pontos e manchas. Isso contribuiu para o
aprofundamento da divisão territorial do trabalho na agricultura, sobre a qual se ancora as
118
desigualdades sociais no campo marcado pelo acesso diferenciado aos objetos geográficos e as
políticas públicas direcionadas ao setor produtivo25.
Acompanhando as transformações ocorridas em escala nacional, o Nordeste passou a
despertar interesses dos novos agentes capitalistas no campo, sobretudo por grupos
agroindustriais, sendo diferentes áreas, progressivamente, utilizadas para a produção. As
produções priorizadas realizavam-se em “áreas descontínuas e especializadas (frutas, legumes
industrializáveis, soja, laranja), cuja expansão é limitada pela posição subordinada da produção
local nos circuitos comerciais ou industriais” (Ramos, 2008, p. 120)26.
A porção semiárida do Nordeste, marcada por problemas de natureza edafoclimáticos,
porém com outras condições favoráveis a produção de frutas irrigadas (insolação na maior parte
do ano, recursos hídricos disponíveis a partir dos principais rios da região, incentivos do Estado
à produção, mão de obra etc.), passou a presenciar produções em grande realizada de forma a
atender as exigências de uma divisão internacional do trabalho sob a égide do mercado global.
Correspondia a produção de frutas para comercialização in natura com o mercado externo
(Estados Unidos da América, Europa e Ásia) como banana, manga, caju (castanha e fruto),
melão, melancia, mamão e outros.
As áreas privilegiadas foram os vales dos rios São Francisco, principalmente sua porção
submédia entre os estados da Bahia e Pernambuco, o Jaguaribe no Ceará, o Piranhas-Açu e
Apodi-Mossoró no Rio Grande do Norte, onde a fruticultura que antes era majoritariamente
baseada no processo de vazante, passou a presenciar a inserção de rodas d’água, moto bombas
e, posteriormente, motores elétricos, materiais fundamentais à irrigação (Andrade, 1970).
Sobre as técnicas de irrigação e os objetos técnicos utilizados na produção irrigada no
vale do rio São Francisco, Andrade (1970, p. 101) já sinalizava que os agricultores
desenvolviam, nos pontos mais favoráveis, a agricultura de vazante com o uso recente de “rodas
d’água [...] e, posteriormente, com o emprego de bombas a óleo Diesel e elétricas”.
Sobre esse subespaço Ramos (2001, 2013), afirma que a expansão da técnica dependeu
do poder público a partir da criação dos perímetros irrigados, alterando o dinamismo do raamo
produtivo e inserindo a região nordeste no competitivo mercado internacional.
A autora identifica pelo menos três fases dos sistemas técnicos agrícolas nesse
subespaço: a primeira corresponde desde o período colonial ao final do século XIX (período
25
Sobre os contrastes recentes evidenciados pela distribuição de recursos através dos diferentes programas do
Crédito Rural no Brasil, inclusive aqueles que apresentam em suas diretrizes normativas especificações sobre o
financiamento para a compra de insumos e máquinas agrícolas, retomaremos esse debate na seção 6 deste trabalho.
26
Citação da autora com base em Ana Fernandes, Milton Santos Filho, Paulo H. de Almeida (1988).
119
27
Tais momentos se baseia na pesquisa empírica realizada pelo autor com base nas 92 entrevistas aplicadas nas
empresas comerciais de insumos técnico-científicos no RN, não tendo relação direta com as fases anteriormente
apresentadas por Ramos (2001, 2013) com base nas proposições de Santos (2017). Sabe-se que, antes mesmo do
surgimento da primeira empresa, dentre as entrevistadas, poderiam existir outras que deixaram de funcionar ao
longo do tempo, porém, mesmo assim, é perceptível o surgimento significativo de firmas associadas a demanda
do campo a partir da inauguração dos perímetros públicos irrigados.
120
Esses ambientes passaram a receber objetos técnicos diversos, seja através da aplicação
de capitais constantes na agricultura (para a compra de máquinas, implementos agrícolas,
sementes de diferentes cultivares, adubos/fertilizantes, venenos agrícolas etc.) ou através da
aplicação de capitais variáveis no pagamento dos salários da mão de obra (especializada ou
não) chamada a fazer parte das novas dinâmicas produtivas.
É válido ressaltar que, mesmo desenvolvendo culturas que apresentam similitudes
quanto ao uso de objetos técnico-científicos-informacionais, a fruticultura realizada no Vale do
São Francisco, diferencia-se daquela realizada no Polo de Desenvolvimento Integrado Assú-
Mossoró28 e Baixo Jaguaribe. Sobre a primeira área, Ramos (2013, p. 67) ressalta
28
Essa nomenclatura de baseia na junção das duas áreas de produção de frutas irrigadas no Rio Grande do Norte
(vale dos rios Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró), conforme definido pelo Banco do Nordeste do Brasil no final dos
anos 1990.
122
29
A ideia de consumo produtivo de Marx (2011), ancorada na análise da produção material da sociedade, advém
das contribuições de Newman (1835, p. 296) que defende o consumo produtivo como o consumo que “faz parte
de um processo de produção. Deve-se notar que, nesses casos, não há consumo de valor, - o mesmo valor existente
sob uma nova forma. Talvez, então, o consumo produtivo possa ser considerado com alguma propriedade, como
apenas a transformação do capital, que antes era uma parte do processo de produção”.
124
pressupõe levar em conta a ideia de níveis que, por sua vez, foi muito prejudicial às abordagens
sobre o espaço geográfico (Castro, 2010).
Acreditamos na pertinência de considerar as interações espaciais e seu conteúdo
dinâmico no âmbito das redes constituídas pela circulação de pessoas, produtos e capitais. Isso
nos faz refletir sobre a ideia de heterarquia urbana (Catelan, 2013), que designa as interações
espaciais em diversas escalas resultantes da articulação entre as cidades sem necessariamente
ter a intermediação de um centro urbano de “nível maior ou menor”. A hierarquia não deixa de
existir, porém agora ela coexiste com múltiplas redes no espaço.
No caso do comércio de insumos agrícolas no Nordeste, verifica-se o significativo papel
que algumas cidades assumem no contexto de cada estado, se sobressaindo Luís Eduardo
Magalhães (fora da porção semiárida) e Barreiras na Bahia, associadas às demandas da
produção de frutas e grãos no Oeste baiano. Ainda no respectivo estado, se destaca também
Vitória da Conquista atendendo demandas regionais, inclusive de municípios da porção Norte
de Minas Gerais.
Fora da porção semiárida, porém em outras áreas do Nordeste, se destacam as cidades
de Imperatriz e Balsas no estado do Maranhão atendendo as demandas regionais por insumos
agrícolas. Dentre as capitais nordestinas se sobressaem Maceió, Recife e Fortaleza, atendendo
as escalas estaduais e regionais por insumos.
Na porção semiárida, particularmente nas áreas com maior produção de frutas irrigadas,
efetivam-se etapas produtivas que exigem das cidades próximas insumos com especificações
bem definidas sobre as normas técnicas. É o caso da área conturbada de Petrolina-Juazeiro em
Pernambuco e Bahia atendendo as demandas por insumos da agricultura realizada em escala
regional, bem como Mossoró no Rio Grande do Norte que, além de atender as demandas
regionais, corresponde a um centro urbano no Nordeste que mantém fortes articulações com a
grande metrópole nacional São Paulo quanto a compra de insumos para a agricultura.
Sobre a origem e circulação de máquinas e implementos agrícolas, é válido destacar o
comportamento semelhante ao dos insumos agrícolas, porém é evidente uma maior intensidade
dos fluxos gerados pela circulação desses materiais. Tal comportamento reafirma o papel das
cidades anteriormente mencionadas, bem como ressalta a importância de outras quanto as
demandas da agricultura. Na porção semiárida, o polo Petrolina-Juazeiro (Bahia) e Mossoró
(Rio Grande do Norte) também se destacam regionalmente pelo fornecimento desses produtos.
Pensando na fruticultura irrigada no Semi e o complexo de relações entre os diferentes
sujeitos mediante diferentes formas de usos do território, defendemos que a expansão do uso
128
A noção de usos do território, vinculada a ideia de espaço banal (Santos, 2020), requer
a compreensão dos diferentes sujeitos, grupos sociais ou empresas que estabelecem usos
específicos do território, sejam através das suas reais necessidades ou interesses em auferir
algum aproveitamento dos recursos ali existentes. Isso supõe que, para entender as relações
e/ou conflitos de interesses localmente exercidos, é preciso considerar suas motivações, uma
vez que podem ter fundamentos distantes.
É nessa perspectiva que Santos e Silveira (2008), a fim de propor um caráter analítico
totalizador que fundamente a compreensão dos diferentes interesses que definem usos do
território, propõe considerar as categorias analíticas de território como recurso e território como
abrigo. Como recurso porque para alguns o território é assumido pelo seu caráter funcional e
mercantil, fonte de riqueza e obtenção de lucro, como abrigo pois para muitos o território se
revela como meio de sobrevivência cotidiana.
A fim de compreender as relações estabelecidas no território sobre domínio e controle
do agronegócio de frutas irrigadas, abordaremos nesta seção a categoria de análise do território
como recurso, ancorada nas proposições de Santos (2000, 2017), a partir das lógicas produtivas
do agronegócio e dos interesses específicos dos agentes capitalistas vinculados ao setor30.
O uso de noções como territorialização do capital monopolista na agricultura
trabalhada em conjunto com monopolização do território pelo capital monopolista,
fundamentadas por Oliveira (2014), também se farão presentes nesta análise. Estas contribuirão
na compreensão sobre os processos estabelecidos nas áreas de especializações produtivas
mediante as relações que se estabelecem no território sobre o comando do agronegócio,
articulando as escalas locais as dinâmicas globais e convocando diversos agentes a fazer parte
das suas formas de usos e apropriação do território.
Será analisado também o processo de internacionalização da fruticultura irrigada do
Nordeste Semiárido, haja vista os indicadores recentes que configuram essa região como uma
das principais do país quanto as exportações de frutas in natura e outros produtos derivados
que são integrados aos circuitos espaciais produtivos em escala global.
30
A separação das categorias território como recurso e território como abrigo neste trabalho, em duas seções
distintas, só se efetiva para fins estruturais da redação, visto que ambas devem ser vislumbradas em conjunto numa
visão dialética do espaço e do território. A todo momento nesta seção e na subsequente, existirá articulações entre
aqueles que visam o território como fonte de reprodução do capital (empresas do agronegócio e intermediários
etc.) e aqueles sujeitos que o enxerga como abrigo (agricultores camponeses).
131
Nesse contexto, podemos afirmar que estamos diante daquilo que Santos (2017)
denomina, ao teorizar o espaço e o território, de áreas onde acontecem a solidariedade
organizacional32. Tais áreas são aquelas associadas às lógicas e razões globais, onde as redes
agregam valor ao território, seja por meio da circulação de pessoas, informações, mercadorias,
capitais, dinheiro, pessoas e ordens.
31
Concordamos com François Chesnais (1996, p. 32) ao afirmar que “a mundialização deve ser pensada como
uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das
regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas”. Para o autor o movimento de mundialização do
capital é excludente.
32
De acordo com Santos (2017, p. 166) a noção de solidariedade aqui considerada é aquela “encontrada em
Derkheim e não tem conotação moral, chamando atenção para a realização compulsória das tarefas comuns,
mesmo que o projeto não seja comum”.
132
Figura 6. Jaguaruana/CE: captação de água por tubulações pela Meri Pobo Agropecuária LTDA
(2022).
melancia estão: Agrícola Campo Verde Eireli, Agrícola Famosa Ltda, Agropecuária Modelo,
Agrosol - Jiem Agrícola e Comercial Ltda, Agropecuária Vitamais Eireli – Me – Eco Fértil,
Agrícola Salutaris Ltda - Terra Brasilis, Agrícola Potiguar Ltda, Brazil Melon Prod. Exp. E
Imp. Ltda, Bollo Brasil Prod. Comercialização de Frutas Ltda, Cris Frutas Ltda - Fazenda Otani,
Dinamarca Industrial Agrícola Ltda – COOPYFRUTAS, Faz. Fruta Vida Prod. Import. e Expor.
Ltda – COOPYFRUTAS, Faz. Agrícola Bom Jesus – COOPYFRUTAS, Norfruit – Nordeste
de Frutas Ltda – COOPYFRUTAS, Cooperativa dos Fruticultores da Bacia Potiguar –
COOPYFRUTAS, E.W. Empreendimentos Agrícola Ltda, Faz. Angel Agrícola Ltda, Faz.
Agrícola Jardim Prod. e Com. de Frutas – Eireli, Mata Fresca Produção e Comercialização Ltda
(Melão Mossoró), W.G Produção e Distribuição de Frutas Ltda, Fazenda Olho D'agua
Finobrasa, Fazenda Ubarana e Malheiros – Finobrasa, CMR Brasil Prod. e Com. Hortifrutícola
Ltda, Doce Vida Produção e Distribuição de Fruta Ltda, Renovare Upanema Agroindustrial
Ltda – Melancia.
Além dessas empresas, Cavalcante (2019) também ressalta pelo menos mais 15
empresas que atuavam no setor de exportação de frutas em 2018, a saber: Frutas Solo
Agroindustrial, CY Matsumoto, Interfruit Alimentos Ltda, Del Monte Fresh Produce, CTM
Agrícola, UGBP Produção e Exportação LTDA, Asa Agrícola Santo Antônio S/A, Itaueira
Agropecuária, Luso Tropical, Agrícola Salutaris, Agronol Agroindustrial S/A, RR Ferreira
Comércio de Frutas, WG Fruticultura, Doce Fruit, Sociedade Agrícola Bela Flor LTDA.
A respeito das empresas associadas a produção de melão no Rio Grande do Norte,
Andrade (2018, p. 187-188), ao analisar a internacionalização do melão produzido no
respectivo estado, especialmente nos municípios de Mossoró e Baraúna, chama atenção para
um fato interessante sobre aquelas que cultivam o produto e estabelecem estratégias para a
compra de insumos agrícolas, ao elencar que
atividades de custeio e investimento (Andrade, 2018). Tal fator, contribuindo para a extração
do lucro pela atividade agroindustrial e, sobretudo, a renda extraída dessas atividades revelam
uma verdadeira territorialização do capital monopolista na fruticultura irrigada.
Dentre as empresas com notoriedade na produção de frutas para exportação, é possível
mencionar a Del Monte Fresh Produce no Vale do Assu, destacando-se na produção de bananas,
possuindo também fazendas de melão, melancia, abacaxi, banana e coco verde em Quixeré e
Limoeiro do Norte (CE). Ao todo, somam-se 15 fazendas da respectiva empresa, chegando a
gerar cerca de 15 mil empregos diretos em suas áreas de atuação e uma produção de 15 milhões
de caixas de frutas em aproximadamente 12 mil hectares. Ela atende principalmente os
mercados da Europa, África e Oriente Médio (Del Monte, 2023).
Em relação ao Distrito Irrigado do Baixo-Açu evidenciou-se, através de entrevista com
a coordenação do perímetro, que, somente na área que compreende o distrito, nos municípios
de Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra, em seus 8 setores (cada setor com 29 lotes), existem
39 empresas registradas com o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), sejam elas de
pequeno, médio ou grande porte, ocupando áreas que variam de 37 a 150 hectares para produção
de frutas e outros produtos. Esse quantitativo de empresas é elevado se comparado com o
Distrito Irrigado de Bebedouro, em Petrolina, no qual apresenta 200 lotes, porém apenas 5
sendo utilizados por empresas agrícolas.
Além das empresas indicadas, ressalta-se que existem aquelas que cultivam frutas
direcionadas à produção de sucos, polpas e vinhos. Sobre estas, ganha destaque as vinícolas do
Vale do São Francisco, responsáveis pela produção de vinhos fino e nobre, espumante natural
e vinho moscatel espumante, que, por meio de demanda do Instituto do Vinho do Vale do São
Francisco (Vinhovasf), recebeu no dia primeiro de novembro de 2022 a primeira Indicação
Geográfica de vinhos tropicais do mundo, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI) com base em critérios produtivos equivalentes aos países da União Europeia.
Dentre as empresas associadas a produção de vinhos nessa região estão: Adega
Bianchetti Tedesco (Bianchetti), Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli), Vitivinícola
Quintas de São Braz (São Braz), Vitivinícola Santa Maria/Global Wines (Rio Sol), Vinícola
Mandacaru (Cereus jamacaru), Vinícola Terranova (Miolo), Vinícola Terroir do São Francisco
(Garziera), Vinícola Vinum Sancti Benedictus (VSB) (Forbes Agro, 2023).
As figuras 7 e 8 representam duas das empresas que atuam na região do Vale do São
Francisco, sendo a Special Fruit, em Juazeiro, associada a produção de frutas para exportação
(via aérea), possuindo ao menos quatro marcas (Suemi, Delícia Tropical, Suemi Premium e a
própria Special Fruit), e no Distrito de Vermelhos, em Lagoa Grande, a Vinícola Mandacaru,
136
pertencente ao grupo São Braz, do Ceará, que produz coquetéis de vinho, sucos e a linha de
vinhos de mesa Vale das Videiras.
33
Nas agroindústrias produtoras de frutas, especialmente na região do Submédio São Francisco, é comum no início
da manhã e nos finais de tarde a chegada e saída de ônibus e vans responsáveis pelo transporte dos trabalhadores
agrícolas nas cidades próximas como Juazeiro e Petrolina. Tal movimento diário se assemelha com aquele
visualizado em regiões metropolitanas, em que as indústrias (de alimentos, bebidas ou confecções, por exemplo)
são responsáveis pelo transporte dos trabalhadores, para evitar pagamentos pelo movimento diário deles.
137
áreas localizadas próximas às de atuação de algumas das empresas mencionadas no Ceará e Rio
Grande do Norte, a ausência de trabalhadores rurais para a realização de trabalhos agrícolas nas
culturas de banana, melão e melancia é uma característica marcante.
Relatos dos agricultores entrevistados nessas comunidades evidenciam que, na maioria
das vezes, a produção se limita ao núcleo familiar devido à ausência de trabalhadores rurais,
mesmo que para o trabalho temporário. Dentre as motivações, está a captação da mão de obra
local pelas empresas agroindustriais, mediante trabalhos a partir de vínculos formais e/ou
informais, a impossibilidade de criação das lavouras próprias pelo produtor de base familiar
visto que as terras próximas já estão dominadas pelas empresas agroindustriais, e a
criminalidade em áreas rurais que tem levado os jovens a se afastarem da agricultura (Pesquisa
Empírica, 2022-2023). Essas características diferem, por exemplo, dos relatos dos agricultores
que iniciaram a produção recente de uvas (há quatro anos) na Chapada do Apodi, onde a
disponibilidade de mão de obra se faz maior.
Além do processo de territorialização do capital monopolista, é válido ressaltar também
outro processo marcado pela ação dos agentes capitalistas no campo, a monopolização do
território pelo capital monopolista. Nesse caso,
34 Tal perspectiva converge com as contribuições de Martins (1990), já apresentadas na seção dois deste trabalho,
ao teorizar a sujeição da renda da terra ao capital.
138
35
Tal característica se assemelha aquela já anunciada por Kautsky em sua obra A Questão Agrária, de 1899, ao
afirmar que “O camponês [...] com poucos produtos para vender, não consegue atingir o grande mercado. Ele faz
os seus negócios através do intermediário que vive na cidade pequena mais próxima, ou simplesmente o visita.
[...]. Este é, por vezes, [...] a pessoa que não deixa de considerar sem importância o pequeno negócio da aldeia, e
é ela que, em função da procura revelar-se bem maior que a oferta, pode, no campo, exigir lucros maiores e
normalmente os obtém, pois, enquanto a situação do camponês se apresenta melindrosa a superioridade econômica
desses capitalistas é, em relação ao camponês, simplesmente incomensurável” (Kautsky, 1998, p. 150).
139
Figura 11. Mossoró/RN: trator utilizado em Figura 12. Juazeiro/BA: caminhão utilizado
colheita de melão em safra arrendada para em colheita de manga em safra arrendada para
intermediários (2023). intermediários (2023).
produção de melão e melancia, totalizando 1.500 hectares de área plantada anualmente. Ela
apresenta certificações internacionais de produção como a Global G.A.P, Tesco Nurture, Sedex,
F2F e ETI, exportando seus produtos (aproximadamente 1.100 containers por ano) para o
mercado inglês, europeu e mediterrâneo através das companhias marítimas Maersk e CMA
CGM, por meio dos portos do Pecém, Mucuripe e Natal.
Sobre o certificado Global G.A.P, concedidos a COOPA e a COOPYFRUTAS ressalta-
se que
na prática, o cumprimento às regras do GLOBAL G.A.P significa a
necessidade de realizar investimentos vultosos nas fazendas para adequar toda
a infraestrutura de packing house, o treinamento dos trabalhadores, o controle
de pesticidas, entre outros. É justamente por esses critérios que começamos a
identificar as primeiras contradições que envolvem a adoção de certificações
privadas, pois os produtores, sobretudo os pequenos, não possuem as
condições necessárias para se adequarem às normas da certificação (Bezerra,
2012, p. 193-194).
As certificações internacionais de produção, de forma geral, uma vez que não são meras
normas e orientações técnicas orquestradas para o processo de produção, configuram-se em
verdadeiros mecanismos de controle sobre o trabalho, o impactando significativamente. Uma
vez orientadas sob a égide de um padrão de qualidade internacional, baseada da exigência de
mercado por frutos de boa aparência (sem manchas), tamanho, uniformidade da fruta (sem
violações físicas) etc., se configura em uma forma de “vigilância” da produção, sendo uma
maior participação da agricultura camponesa nas exportações das frutas, porém marcado quase
sempre pelo comércio realizado por intermediários às empresas exportadoras.
Gráfico 01. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: principais produtos exportados em
US$ FOB (2012-2022).
250.000.000
200.000.000
150.000.000
US$
100.000.000
50.000.000
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
36
De acordo com a nomenclatura oficial do MERCOSUL, as bananas exportadas são “bananas frescas ou secas”,
bem como “bananas-da-terra, frescas ou secas”, essa primeira predominando em valor de exportação. Já a
nomenclatura utilizada para a exportação da castanha é “castanha de caju, fresca ou seca, sem casca”. A sigla FOB
corresponde a expressão inglesa Free On Board ou em português “Livre a bordo” que significa o pagamento em
transporte marítimo de mercadorias.
145
Mapa 06: Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco: exportações de bananas em preço FOB (2012-2022).
146
Mapa 07: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia: exportações de castanha de caju em preço FOB (2012-2022).
147
Sobre as exportações de bananas, apenas quatro países foram responsáveis por 71,4%
do valor arrecadado no respectivo período, sendo eles o Reino Unido (27,9%), Holanda
(15,5%), Espanha (15%) e Alemanha (13%). Outros 49 países também importaram o produto.
Já as exportações de castanha de caju, três países representaram 65,2% do valor arrecadado,
sendo o principal comprador os Estados Unidos (42,4%), seguido da Holanda (13,2%) e Canadá
(9,6%). Outros 62 países também compraram o produto.
No âmbito desses verdadeiros circuitos espaciais de produção de frutas, constituídos por
relações estabelecidas entre os estados emissores das mercadorias agrícolas e os países
importadores, ressalta-se o papel dos sistemas de engenharia e objetos geográficos, como meios
de transporte, estradas, portos e/ou aeroportos, importantes para a efetivação das transações
comerciais e interações espaciais entre os lugares.
Nesse contexto, as cidades, como meios de “produção material e imaterial, lugar de
consumo e nó de comunicação” (Silveira, 2009), configuram-se como pontos de convergência
entre os fluxos associados aos circuitos espaciais produtivos de frutas.
Isso se efetiva de diferentes formas, como pela ação das empresas exportadoras,
responsáveis pelo processamento das frutas ou simplesmente por sediar escritórios onde se
tomam decisões sobre o processo de exportação, como evidente em Mossoró (RN) e em
Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) (Elias; Pequeno, 2010); e pela ação das empresas importadoras
nos países de destino, responsáveis por receber e distribuir as mercadorias nas diferentes
cidades e redes de supermercados espalhados pelo país.
Sobre esse segundo caso, tais empresas são importantes na formação das redes de
comercialização de frutas entre as cidades nos países importadores, consolidando um circuito
superior da economia urbana em que seus elementos mais representativos são os monopólios
(empresas importadoras e grandes redes de supermercados). Tais monopólios, constituídos pela
modernização tecnológica e que apresenta como quadro de referência a escala nacional e
internacional, apresentam como características: uso intensivo de tecnologias, uma vez
necessário o controle pela importação dos produtos; modernos meios de transportes,
organização burocrática; forte presença de capital; mão de obra formal assalariada; e
predominância de relações impessoais com os clientes (Santos, 1979; Santos, 2003).
Outros dois produtos importantes no faturamento pela exportação de frutas pelos
principais estados nordestinos são o mamão e melancia, que geraram melhor valor que o
comércio de banana desde 2014. Sobre o mamão, ele acumulou o total de US$ 200.441.826,
mantendo-se relativamente constante entre 2015 e 2019 a partir de quando ocorreu um leve
148
Mapa 08. Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Pernambuco: exportações de mamão em preço FOB (2012-2022).
150
Mapa 09. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melancia em preço FOB (2012-2022).
151
Mapa 10. Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia: exportações de melão em preço FOB (2012-2022).
153
A partir do exposto pelo autor, depreende-se que há uma relação direta entre a forma de
comercialização da produção de melão e o uso dos objetos técnico-científico-informacionais
utilizados para o cultivo, principalmente pelas empregas agroindustriais situadas nos
municípios produtores de melão, como é o caso daquelas localizadas em Mossoró. Antes
mesmo da produção, existe condições sobre o uso de insumos, máquinas agrícolas e outros
objetos técnicos a serem utilizados, atendendo normas externas.
154
Tal realidade revela a necessidade em considerar a relação direta entre as etapas que
antecedem a produção propriamente dita e a comercialização das frutas ao seu comprador, no
amplo e complexo processo associado aos circuitos espaciais produtivos de frutas. Seja na
produção agroindustrial ou na produção camponesa (que também realiza a comercialização da
safra, tendo como comprador o intermediário), tais relações podem viabilizar a compreensão
sobre as condições impostas aos produtores sobre a forma de uso e expansão dos objetos
técnicos na agricultura.
Focando o olhar sobre os produtos exportados que tem o Submédio do rio São Francisco
como sua principal origem, a produção de manga e uva ganha destaque. Sobre a exportação de
manga, o valor arrecadado pela comercialização internacional do produto totalizou US$
1.907.644.233, sendo a principal fruta exportada pelos estados nordestinos desde 2014, porém
apenas o estado da Bahia arrecadou 54% do valor de exportação, se destacando o município de
Juazeiro no âmbito produtivo, seguido de Pernambuco que representou 40%. O Rio Grande do
Norte representou 5,0%, enquanto o Ceará apenas 1,0%.
No âmbito das exportações de uva, o valor pelo comércio internacional do produto
alcançou US$ 1.080.043.238, sendo o estado de Pernambuco sua principal origem, chegando a
72% do valor de venda, sobretudo pelo papel de Petrolina no contexto da produção do
Submédio São Francisco, seguido pelo estado da Bahia com 27,9%37. A participação do Rio
Grande do Norte e Ceará nesse contexto é praticamente irrisória. Os mapas 10 e 11 apresentam
a relação dos estados nordestinos e os países de destino da fruta no contexto das exportações.
37
O contexto produtivo do polo fruticultor Petrolina-Juazeiro será retomado ao longo deste trabalho, visto que as
características naturais, principalmente de solos, desses dois municípios influenciam diretamente o contexto
produtivo e a participação desses municípios nas exportações. Se de um lado do rio, em Juazeiro, o principal
produto é a manga, do outro lado, em Petrolina, a uva é o carro chefe.
155
Mapa 11. Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará: exportações de manga em preço FOB (2012-2022).
156
Mapa 12. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte: exportações de uva em preço FOB (2012-2022).
157
Se por um lado o território como recurso pressupõe seus usos pelos agentes
hegemônicos, especificamente pelas ações das empresas agroindustriais ligadas diretamente
aos processos produtivos ligados ao agronegócio globalizado, por outro o território como abrigo
remete a abordagem sobre os sujeitos hegemonizados que buscam criar e recriar estratégias de
sobrevivência ao meio geográfico ao qual estão inseridos (Santos, 2017).
A abordagem do território como abrigo pressupõe a compreensão do trabalho dos
agentes marginalizados por um sistema que é, por natureza, excludente. Isto é, tem como base
a compreensão das ações dos sujeitos marcados pela escassez de recursos fundamentais à sua
reprodução, mas também pela sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades
dominantes (Santos, 2017).
Na agricultura nordestina, assim como em outros setores da agricultura brasileira, a
análise do território pelos agricultores de base familiar pressupõe a compreensão das ações de
adaptações e das estratégias traçadas por eles para a continuidade na produção. No caso da
fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, desenvolvida pelos camponeses, o que se verifica
é uma subordinação da renda da terra auferida por eles aos agentes externos ao processo direto
de produção, estes que, por sua vez, visam a geração de lucro mediante demandas de mercado
local, nacional e/ou internacional.
Nesse contexto, a presente seção busca abordar os agentes, processos e eventos que
contribuíram para a consolidação, no tempo e no espaço, da agricultura campesina de frutas
irrigadas no Nordeste Semiárido. Para tanto, abordaremos esses elementos a luz das noções de
configuração territorial (Santos, 2017) e Regiões Produtivas do Agronegócio (Elias, 2011,
2016) a fim de aproximação analítica sobre a diversidade produtiva e condições as quais os
agricultores campesinos estão inseridos frente ao domínio do agronegócio globalizado.
Para melhor representação das dinâmicas produtivas de cada área visitada, optou-se por
subdividir esta seção em subseções de forma a apresentar o que foi vislumbrado pelo
pesquisador em cada área. Para tanto, utilizamos dados de fontes diversas como o IBGE,
CODEVASF, informações disponíveis nos portais virtuais dos distritos irrigados visitados e
dados de campo, adquiridos a partir de entrevistas com os agricultores ou por meio das visitas
às coordenações dos perímetros públicos irrigados.
161
Tais ressalvas são essenciais para a exposição das distintas condições vivenciadas pelos
agricultores camponeses nas diferentes RPA’s, visto que eles participam, mesmo que de forma
marginalizada, frente ao comando e controle das grandes empresas, nacionais e internacionais,
dos processos produtivos. As diferenças de condições vivenciadas pelos agricultores
camponeses puderam ser observadas não apenas de uma comunidade para outra, mas também
no interior de uma mesma comunidade, pela particularidade dos próprios agricultores, a partir
de formas distintas de produção, de manuseio da terra e de concepção do território como abrigo.
Conforme já discorrido na seção um deste trabalho, o IBGE, através do último Censo
Agropecuário (2017), não dispõe de dados específicos sobre a fruticultura camponesa com uso
de irrigação. Sendo assim, optamos por apresentar dados sobre a produtividade agrícola da
fruticultura e os estabelecimentos associados a produção de frutas pela agricultura campesina,
a fim de uma aproximação analítica do objeto de pesquisa, como apresentado no Mapa 12.
163
Além dessas áreas onde são realizadas a produção de tomates na Bahia, outros
municípios se destacam com elevada produtividade de mamão, como em Serra do Ramalho
(Oeste baiano), Inhambupe (no Nordeste do estado) e Rodelas (Submédio São Francisco); a
produção de laranja, tangerina e manga em Jaguaquara (Leste Baiano); e produção de bananas,
coco da baía, manga, melancia e maracujá como Itaguaçu da Bahia (Vale São Franciscano
Baiano), Erico Cardoso e Piatã (Parque Nacional da Chapada Diamantina) e Santa Maria da
Vitória (Oeste baiano).
Fora do estado da Bahía e da porção do Submédio do São Francisco, que abrange
também Pernambuco, percebe-se um padrão de dispersão dos municípios com elevada
produtividade de frutas pela agricultura campesina. Na porção do semiárido de Sergipe se
destaca Aquidabã, com produções de manga, abacaxi e banana. Em Pernambuco, na porção
leste do estado, se sobressaem São João, Altinho, São Joaquim do Monte e Bezerros, com
produções de tomate rasteiro (industrial), banana, caju, maracujá e melancia.
Na Paraíba, especificamente na porção leste do estado, se sobressaem Alagoa Nova,
Matinhas e Lagoa Seca, com produções de jabuticaba, laranja, banana, jaca, manga, maracujá,
tangerina, limão e acerola. Já na porção oeste do estado, se sobressai o município de Conceição,
com a produção de tomate rasteiro, banana, maracujá e goiaba.
No Rio Grande do Norte o principal município em termos de produtividade é Baraúna,
município contíguo a Quixeré, no Ceará, ambos se destacando com os cultivos de mamão,
banana, melão, melancia, limão, acerola, manga, tomate rasteiro, coco e goiaba. Ainda no
Ceará, outros municípios de destaque são: Crato, no Sul cearense, com produções de banana,
tomate rasteiro, melancia, melão e caju; Quixeramobim, na porção central do estado,
produzindo mamão e melancia; e os municípios do noroeste cearense Cariré, São Benedito,
166
Ibiapina, Ubajara e Viçosa do Ceará, com cultivos de maracujá, limão, tangerina, laranja,
banana, caju, acerola, coco, manga, melancia, mamão e tomate rasteiro.
Nesse ínterim, torna-se válida uma ressalva: os dados apresentados no mapa através de
intervalos numéricos, com a produtividade agrícola da fruticultura campesina, apresentam
significativas disparidades quando pensados a partir da realidade produtiva de cada município,
sobretudo considerando a extensão territorial deles. Cada município apresenta uma
especificidade sobre as dinâmicas agrícolas que os envolvem.
Centrando a análise nos municípios foco da pesquisa empírica, definidos a partir da
produtividade geral da fruticultura no Nordeste Semiárido (particularmente pela relação entre
os estabelecimentos da agricultura camponesa com produção de frutas e os estabelecimentos da
agricultura camponesa com irrigação nas lavouras temporárias e permanentes) é importante
ressaltar a condição dos agricultores entrevistados em relação às terras utilizadas para o
processo de produção de frutas, conforme exposto no Quadro 02.
Quadro 02. Pesquisa empírica: condição dos agricultores camponeses em relação às terras associadas
a produção de frutas irrigadas (2022, 2023).
Proprietário/
Proprietário Assentado Arrendatário Ocupante Colono Total
Arrendatário
CE
Limoeiro do
Norte 14 14
Quixeré 5 5
Aracati 3 2 1 6
RN
Apodi 2 2
Mossoró 4 6 10
Ipanguaçu 7 7
Alto do
Rodrigues 3 3
Afonso
Bezerra 4 4
Baraúna 6 6
PE
Petrolina 19 20
Lagoa Grande 4 16 20
Casa Nova 1
BA
Juazeiro 1 5 14 20
Total 36 6 7 14 53 1 117
Nos entristece saber que mais uma vez nosso acampamento está ameaçado de
despejo com o fim da ADPF 828, que proíbe os despejos. Nós só queremos o
direito de morar e produzir para sustentar nossas famílias, queremos viver da
terra, cuidar dela, cuidar da nossa mãe terra (fala de agricultora entrevistada
por Aline Oliveira, para a página virtual do MST, 2022)39.
38
As falas mencionadas na citação do autor referem-se aquelas presentes em matéria publicada no jornal Diário
do Nordeste, em abril de 2008, com o título “Perímetro é motivo de disputas de terra”.
39
A ADPF 828 refere-se à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, estabelecido pelo STF, contra as
ordens de remoção e despejos e desocupações de áreas coletivas habitadas durante o período de pandemia do
COVID-19. Em 2022 o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso havia prorrogado até
31 de outubro desse ano a suspensão de despejos e desocupações, devido ao período pandêmico, de acordo com
os critérios previstos na Lei 14.216/2021.
169
40
Em sua tese de doutorado, Cavalcante (2019) apresenta locais aproximados dos lotes grilados pelas grandes
empresas do agronegócio de frutas irrigadas.
170
Carta Imagem 01. Limoeiro do Norte e Quixeré/CE: localização do Acampamento Zé Maria do Tomé e Comunidade do Tomé (2022).
171
Figura 15. Acampamento Zé Maria do Tomé, Figura 16. Acampamento Zé Maria do Tomé,
Limoeiro do Norte/CE: Perímetro Irrigado Limoeiro do Norte/CE: fundação de área
Jaguaribe-Apodi (2022). destinada ao plantio de bananeiras (2022).
41
Os respectivos dados de produtividade agrícola referem-se à produção total dessas culturas nos respectivos
municípios, compreendendo tanto a produção agroindustrial quanto a produção a partir da agricultura camponesa.
173
5.1.2 A Vila Cajazeiras (CE) e o Assentamento São Romão (RN): fruticultura camponesa
na terra do melão brasileiro
Carta Imagem 02. Aracati/CE e Mossoró/RN: localização da Vila de Cajazeiras e Assentamento São Romão (2022).
175
Figura 18. Vila Cajazeiras, Aracati/CE: Figura 19. Vila Cajazeiras, Aracati/CE:
produção de melão irrigado em área de produção de mamão irrigado em área de
agricultura camponesa (2022). agricultura camponesa (2022).
Tais relatos corroboram para a compreensão que, mesmo havendo a associação dos
fruticultores, a ausência de um nível organizacional mínimo voltado ao associativismo,
contribui para que os sujeitos sejam submetidos a relações de dependência sobre a compra pelos
intermediários, aos quais retém parte da renda que é extraída do trabalho dos agricultores.
Na comunidade de Cajazeiras, um relato comum entre os agricultores é a falta de mão
de obra para o trabalho na fruticultura. De acordo com eles, décadas atrás a disponibilidade de
trabalhadores para a agricultura era maior, porém diversos fatores têm contribuído para sua
redução como o êxodo de trabalhadores para cidades próximas e o aumento da criminalidade
em áreas rurais, afastando jovens do trabalho no campo. Assim, é comum que os trabalhadores
agrícolas exerçam força de trabalho na agricultura em Cajazeiras, mas residam em outras
comunidades rurais próximas, como no Distrito de Mata Fresca (Aracati) e na Maísa (Mossoró).
O projeto de Assentamento São Romão (PA São Romão), tem suas origens através de
decreto presidencial publicado em 12 de janeiro de 2001, em que se instituía a desapropriação
da Fazenda São Romão, com a declaração de que a área era de interesse social para fins de
reforma agrária, sendo criado em 29 de outubro de 2001 pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA). Encontra-se situado no território da cidadania Açu-Mossoró e
apresenta 1.547,1 hectares, com a capacidade de abrigar 123 famílias (INCRA, 2023).
Sobre a produção de frutas irrigadas realizados no respectivo assentamento, se destacam
a produção de melão, melancia, banana, coco da baía e caju, com uso de sistemas de irrigação
por micro aspersão e por gotejamento. Sobre esse último,
O Projeto São Romão totaliza 980,2 hectares de terras, sendo 8,0 hectares por agricultor
assentado, além da existência de uma área coletiva direcionada à produção, totalizando 229,6
hectares. Além disso, a área ocupada pela agrovila, onde residem os agricultores, corresponde
a 27,9 hectares e a área de reserva legal nas proximidades, para a conservação dos recursos
naturais, corresponde a 304,9 hectares (Carta Imagem 03).
178
Carta Imagem 03. Projeto São Romão, Mossoró/RN: parcelamento e proximidade com as fazendas agroindustriais de frutas irrigadas (2022).
179
Figura 20. Projeto São Romão, Mossoró/RN: Figura 21. Projeto São Romão, Mossoró/RN:
cultivo de melão em área coletiva (2022). área de cultivo coco da baía (2022).
águas dos poços tubulares devido à ausência precipitações nos períodos secos, configurando-se
numa espécie de barreira quanto ao fornecimento de água para seu uso na fruticultura.
Sendo assim, verifica-se nessas localidades que algumas características climáticas locais
são favoráveis aos principais cultivos realizados, como a produção de melão e melancia que
requer temperaturas entre 25 e 30 ºC, alta intensidade luminosa, baixa umidade relativa e a
presença de solos arenosos. Destarte, são justamente as condições do solo, a proximidade das
localidades à zona praial e a escassez de chuva (em períodos de seca prolongada) que provocam
dificuldades quanto ao fornecimento eficiente de água para a produção.
Devido as características naturais dos solos, tanto em Cajazeiras quanto no
Assentamento São Romão, é comum que se faça o uso constante de fertilizantes químicos que
contenham macro e micronutrientes em sua composição, a fim de suprir as necessidades
nutricionais das plantas. Dentre os principais nutrientes utilizados na produção de melão,
melancia e outras frutas são o nitrogênio, fósforo, potássio e magnésio43.
Outra localidade visitada durante a pesquisa empírica foi o Sítio Velame I, em Baraúna,
também integrado ao Polo Fruticultor Açu-Mossoró, em que os agricultores camponeses
também relataram dependência quando aos fertilizantes químicos, comercializados tanto na
respectiva sede municipal quanto em Mossoró. Porém, nessa comunidade não se verificou
relatos associados ao problema da salinidade da água dos poços tubulares durante os períodos
de seca prolongada, mas sim a diminuição do nível da água nos mesmos, afetando diretamente
a produção local.
43
Sobre o uso dos fertilizantes na produção de frutas realizadas nas respectivas localidades, retomaremos posterior,
devido a característica de dependência dos agricultores locais sobre o comércio desses produtos comercializados
em empresas situadas na cidade de Mossoró/RN.
181
Carta Imagem 04. Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra e Ipanguaçu/RN: comunidades visitadas na pesquisa empírica (2023).
182
Áreas (hectares)
Categoria 1ª etapa 2ª etapa
Em operação Paralisadas Em operação Paralisadas
Familiar 930,24 456,96 0 0
Técnico 114,24 48,96 0 0
Empresarial 785,28 366,18 0 2.179,94
Agroindustrial - - 38,62 40,35
Total 1829,76 872,1 38,62 2220,29
Carta Imagem 05. Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra/RN: parcelamento do Distrito Irrigado do Baixo Açu (2022).
185
Apesar de corresponder a uma das áreas mais dinâmicas da região do vale do rio Açu,
quiçá do Rio Grande do Norte, sendo a única área do estado, fora de sua porção leste onde se
concentra a produção de cana de açúcar, que possui concentração de irrigação por pivô central
(representando 30% da irrigação realizada no perímetro, sendo os outros 70% a irrigação por
aspersão convencional), o DIBA apresenta uma série de problemas, tanto de ordem estrutural
como organizacional. Com base em Hepanhol (2016), Silva (2019) e na própria pesquisa
empírica realizada no distrito, ressaltamos os seguintes problemas evidentes:
Uma particularidade dessa área é que, mesmo com distância relativamente curta do leito
principal do rio Açu, o principal meio de abastecimento hídrico para a irrigação
(predominantemente por aspersão convencional) é por meio de poços tubulares. Já os cultivos
realizados pelos agricultores entrevistados referem-se ao cultivo de banana e mamão para venda
in natura aos atravessadores e o cultivo de acerola, goiaba, cajarana e graviola para a produção
própria de polpas e comercialização com indústrias de polpas.
Já o Sítio Sacramento e o Sítio Pau de Jucá, situadas a leste da sede municipal de
Ipanguaçu, correspondem à duas comunidades, próximas uma da outra, compostas por grupos
familiares associados a produção de frutas irrigadas, principal atividade desenvolvida
localmente, além da criação de gado bovino, criação de ovelhas, galinhas e frangos.
A principal fonte de abastecimento hídrico das respectivas comunidades corresponde
as águas do rio Pataxó, há menos de um quilômetro de distância do Sítio Sacramento e as
margens do Sítio Pau de Jucá, a partir do qual a captação da água se dá por meio de tubulações
conectadas a motores e bombas de pressão. Quanto aos principais cultivos de frutas nas duas
localidades, se destacam as produções de banana e manga.
A figura 23, mostra um agricultor em sua área de produção de manga no Sítio
Sacramento, produto direcionado à Paraíba e Pernambuco mediante o papel do atravessador. Já
a figura 24 retrata a fundação de uma área para produção de banana no Sítio Pau de Jucá.
Figura 23. Sítio Sacramento, Ipanguaçu/RN: Figura 24: Sítio Pau de Jucá, Ipanguaçu/RN:
agricultor em propriedade de produção de fundação de área para produção de bananas
manga (2023). (2023).
5.1.4 A fruticultura irrigada nas margens (e no meio) do Velho Chico: dos perímetros
públicos irrigados à Ilha Grande do Pontal
Figuras 25 (A e B). Jati/CE: canal do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco (2023).
Sobre os impactos do projeto nas áreas rurais, Silva (2019) ressalta ainda a estreita
relação entre a Transposição do Rio São Francisco e o discurso ideológico do fortalecimento
do agronegócio e do capital agrícola no campo nordestino, em prol de uma agricultura baseada
na técnica e ciência no campo, em detrimento das múltiplas possibilidades e demandas de uso
das águas desse que é o maior rio nordestino.
Feitas tais ressalvas sobre o projeto de transposição, chega-se a principal área de
produção de frutas irrigadas do Nordeste Semiárido, o Submédio São Francisco. Tal área,
190
O Distrito de Irrigação Nilo Coelho (DINC) é um dos projetos irrigados mais extensos
do Nordeste Semiárido, sobretudo no que tange ao alcance espacial das áreas de produção
agrícola e a quantidade de sujeitos vinculados ao mesmo. Trata-se de uma das particularidades
mais dinâmicas da fruticultura na região, ressaltando a mesma como uma mancha de tecnologia
associada a agricultura e foco de investimentos por setores públicos e privados.
O projeto teve seu início de funcionamento no ano de 1984, composto por 976 km de
canais, 818 km de adutoras, 711 km de estradas, 263 km de drenos, 39 estações de
bombeamento. Os canais que transportam as águas ao projeto são interconectados ao lago de
Sobradinho, a partir do represamento das águas do rio São Francisco, sendo um dos maiores
lagos artificiais do mundo, com 4.214 km² de área e 32,2 km³ de água. As figuras 26, 27, 28 e
29 apresentam alguns dos sistemas de engenharia associados ao respectivo projeto.
Figura 26. Petrolina/PE: canal de conexão Figura 27. Sobradinho/BA: Lago Sobradinho
entre o lago Sobradinho e o Projeto Nilo (2023).
Coelho (2023).
Figura 30. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Figura 31. Distrito Irrigado Nilo Coelho,
Petrolina/PE: Estação de Bombeamento 27 Petrolina/PE: canal de irrigação (2023).
(2023).
No Projeto Nilo Coelho, as áreas são distribuídas de acordo com os onze núcleos de
povoamento44, onde residem a maioria dos colonos produtores de frutas, além de três núcleos
de serviços, 15 escolas, postos de saúde e policiais, biblioteca e áreas comerciais (CODEVASF,
2023). Os núcleos, com destaque aos núcleos visitados na pesquisa empírica, são representados
na Carta Imagem 06.
44
Os onze núcleos de povoamento são intitulados de acordo com a numeração atribuída aos mesmos, por exemplo:
Núcleo 1 (N1), Núcleo 2 (N2), Núcleo 3 (N3) etc. Outras áreas do respectivo projeto compreende o Núcleo C3 e
a zona povoada e agricultável Maria Tereza, extensão do projeto Nilo Coelho.
193
Carta Imagem 06. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: Núcleos de Povoamento (2023).
194
Quadro 04. Distrito Irrigado Nilo Coelho, Petrolina/PE: área irrigável e quantidade de usuários
(2020 e 2023).
Quantidade de
Área Irrigável
Categoria usuários
2020 2023 2020 2023
Pequenos produtores 11.656,09 - 1.962 1.969
Pequenas e médias empresas 5.313,02 - 316 320
Grandes empresas 6.633,68 - 53 55
Total 23.602,79 22.574,50 2.331 2.344
Dentre as produções realizadas no projeto, ao longo dos últimos anos, de acordo com os
setores produtivos ali existentes, há a predominância produtiva do setor empresarial em
detrimento da agricultura de base familiar, considerando o Valor Bruto da Produção
Agropecuária, conforme apresenta o Gráfico 02 sobre o período de 2016 a 2021.
195
Gráfico 02. Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: produção agrícola e valor bruto
da produção por setores (2016-2021).
Ao longo dos últimos seis anos, se evidencia maior produção agrícola pelo setor
empresarial no Projeto Nilo Coelho, exceto no ano de 2020 quando a produção familiar superou
a produção empresarial. Isso ocorreu devido ao impacto direto da pandemia do COVID-19 na
produção de frutas, afetando a produtividade empresarial, setor mais suscetível as crises
econômicas internacionais devido suas relações de dependência aos circuitos produtivos
globais. Sobre esse momento,
Figura 33 (A e B). N9/ Distrito Irrigado Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: lote de agricultor
camponês com produtividade reduzida de acerola (2023).
Carta Imagem 07. Projeto Público Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: Núcleo de Povoamento (2023).
199
Gráfico 03. Perímetro Irrigado de Bebedouro, Petrolina/PE: produção agrícola e valor bruto da
produção por setores (2016-2021).
Em 2022, a área plantada totalizou 1.194,82 ha, dos quais 53,07% eram ocupadas pela
produção de manga (com 105 produtores), 29,65% pela produção de uva (99 produtores),
5,16% pela produção de banana Prata (14 produtores), 3,80% pela produção de caju (3
produtores), 1,23% pela produção de acerola (9 produtores), 1,07% pela produção de goiaba (7
200
produtores) e 1,04% pela produção de limão (5 produtores). Outras produções somavam 4,08
da área plantada no projeto45.
Os principais cultivos realizados apresentam certa variedade em termos cultivares,
agregando preço de produção de acordo com a espécie e representando um conteúdo em técnica,
ciência e informação no seio da agricultura camponesa, sendo as principais. Os principais tipos
de manga são Tommy e Palmer, já os de uvas são Itália Melhorada, Vitória, Núbia, Benitaka e
Red Globe. Tais produções representam 88,30% de todo valor gerado da fruticultura no projeto
Bebedouro que totalizou R$ 100.085.054,00 em 2022 (ver anexo III).
Apesar da representatividade do DIB na produção agrícola do Vale do São Francisco,
alguns desafios estruturais e organizacionais são enfrentados localmente, evidenciados pelo
próprio DIB (2023) ou através da pesquisa empírica, sendo alguns deles:
45
Dados oriundos da entrevista realizada no projeto Bebedouro em janeiro de 2023, com base no documento
disponibilizado pela coordenação do DIB, disponível no Anexo III deste trabalho.
201
Agroindústrias e intermediários
Feiras-livres
Supermercados
Cooperativas
Intermediários
Agroindústrias
Consumo próprio
0 5 10 15 20
Nº de agricultores camponeses
46
A pergunta realizada através do formulário de entrevista previamente estruturado se configurou como pergunta
aberta (Quem estabelece o preço dos produtos?), conforme o anexo II, o que permitiu um levantamento mais
fidedigno e acurado sobre a realidade dos agricultores.
203
Gráfico 05. Perímteros Irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, Petrolina/PE: agentes que estabelecem
o preço da produção (2023).
Os compradores
Mercado
Agroindústria e
atravessador
Atravessador
Cooperativa
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Nº de agricultores entrevistados
47
Os dados da média de preço de uvas em Petrolina são oriundos de pesquisa realizada pelo CEPEA para o dia 13
de janeiro de 2023, data mais próxima ao dia da realização da pesquisa empírica em Petrolina, em 10 de janeiro
de 2023. Os dados têm como referência três níveis de mercado: produção, beneficiamento e atacado. Já em relação
ao preço da manga, corresponde à média de preço pelas variedades Palmer e Tommy, em 12 de janeiro de 2023.
Disponível em: <https://www.hfbrasil.org.br/br/banco-de-dados-precos-medios-dos-
hortifruticolas.aspx?produto=3®iao%5B%5D=71&periodicidade=mensal&ano_inicial=2023&ano_final=202
3&pagina=2>.
204
unidades), R$ 45,00 (a caixa) ou R$ 3,00 o kg da banana prata; a goiaba varia entre R$ 50,00 e
R$ 70,00 a caixa com 20 kg; e o coco que custa em média R$ 0,40 a unidade.
Quando questionados sobre a periodicidade das vendas dos produtos aos compradores,
os agricultores camponeses afirmaram que varia de acordo com a produção. A comercialização
da uva é realizada diariamente ou semanalmente (safra), a da manga é realizada uma ou duas
vezes ao ano (safra e entre safra), a da acerola e goiaba é efetivada diariamente ou semanalmente
(safra), a da banana é realizada semanalmente ou mensalmente, e o coco varia entre 15 e 45
dias durante todo ano.
Com base na amostra dos agricultores camponeses nos projetos públicos irrigados
visitados em Petrolina, depreende-se que tais dados revelam uma sujeição contínua desses
sujeitos aos agentes intermediários, ao menos no âmbito da comercialização da produção
auferida nos lotes de produção de base familiar, visto que a subordinação da agricultura
camponesa ao capital perpassa a etapa de comercialização propriamente dita.
Conhecida como “a capital da uva e do vinho do Nordeste”, Lagoa Grande faz parte da
região produtora de frutas do Submédio São Francisco, se despontando no cenário nacional pela
produção de vinhos finos (seco e suave de mesa) e suco de uva durante o ano inteiro, produção
essa favorecida pelas condições climáticas e ambientais favoráveis. As Figuras 36 e 37
apresentam marcos simbólicos da produção de uvas e vinhos na sede do município.
205
Figura 36. Lagoa Grande/PE: placa na Figura 37. Lagoa Grande/PE: monumento no
entrada da cidade com a frase “capital da uva centro da cidade representando a produção de
e do vinho do Nordeste (2023). uva e vinho (2023).
A realidade produtiva em Lagoa Grande, distante dos holofotes dos sujeitos promotores
de discursos em benefício das empresas agroindustriais, sob a justificativa da geração de
emprego e rendimento para a população local, revela, na verdade, negligência para com os
agricultores camponeses. Isso é evidenciado pelo contraste entre agronegócio e a agricultura
campesina, revelado na produção propriamente dita ou na paisagem rural.
O cultivo de uvas no município é centrado na fabricação de vinhos pelas agroindústrias,
formando verdes parreirais em extensas porções de terras, com uma vasta rede de acesso aos
estabelecimentos produtores e ampla gama de serviços prestados ao beneficiamento da
produção. Já os produtores de base familiar cultivam outras produções, predominantemente a
manga e/ou criação de animais como alternativa de renda complementar, em localidades que,
mesmo próximas às áreas de produção agroindustrial, possuem características distintas.
A Carta Imagem 08 representa as áreas visitadas, com destaque a Comunidade Cruz do
Pontal e o Assentamento Ilha Grande do Pontal, bem como das principais fazendas do
agronegócio de uvas e vinhos no Distrito de Vermelho, Lagoa Grande.
206
Carta Imagem 08. Lagoa Grande/PE: localização da comunidade Cruz do Pontal e Assentamento Ilha Grande do Pontal (2023).
207
48
Cardoso (2019) discorre de forma minuciosa sobre o contexto histórico do desenvolvimento da fruticultura
irrigada na área, em especial a produção de uvas, que se iniciou na década de 1970 e se intensificou no final dos
anos 1980 através das empresas agroindustriais.
49
Uma das fazendas com produção de vinhos finos é a Vinícola Mandacaru, já ressaltada em momento anterior
deste texto, pertencente ao grupo São Braz.
50
Dos cinco agricultores entrevistados na comunidade, todos afirmaram que a principal atividade econômica
dentre os moradores é a produção de mangas, seja em propriedades ao entorno ou situadas próximas.
208
Figura 38. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 39. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE:
residência de produtor de mangas envolta por prédio da Associação de Agricultores e escola
caixas organizadoras de frutas (2023). em estado de abandono (2023).
Figura 40. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 41. Cruz do Pontal, Lagoa Grande/PE:
rebanho de cabras criadas localmente curral para confinamento de gado bovino
(2023). (2023).
51
De acordo com relato dos moradores locais, o fechamento da escola ocorreu sob justificativa de “gastos” com a
educação pelo poder público municipal, sendo, na perspectiva deste, mais vantajosa a disponibilidade de um ônibus
escolar para o deslocamento das crianças para o Distrito de Vermelhos, à 7 km da comunidade.
209
três dos entrevistados), e o mercado por meio de uma tabela de preço que existe na Ceasa de
Juazeiro/BA. Quanto ao preço da produção, varia entre R$ 15,00 e R$ 18,00 a caixa de manga
com 20 kg ou de R$ 0,80 a R$ 1,30 o kg, de acordo com a variedade (a manga Palm estava
mais barata que a Tommy).
Em relação aos aspectos estruturais dos estabelecimentos agrícolas, por vezes se resume
a própria residência dos agricultores, local esse utilizado também para guardar ou armazenar os
instrumentos e insumos agrícolas quando necessário. Não obstante, alguns dos moradores da
comunidade Cruz do Pontal tem sua residência na comunidade, porém suas lavouras de manga
estão situadas na Ilha Grande do Pontal, fator esse que direcionou atenção a essa nova área que
antes não estava presente no roteiro pré-estabelecido na pesquisa empírica.
A Ilha Grande do Pontal trata-se de uma ilha fluvial cercada por dois canais do Rio São
Francisco, abrigando um projeto de assentamento de reforma agrária de mesmo nome, fundado
em 21 de maio de 1996, com uma área de aproximadamente 692 ha e capacidade de abrigar
169 famílias distribuídas em unidades agrícolas.
De acordo com Cardoso (2019, p. 4), a respeito da agricultura no início da implantação
do assentamento,
Figura 42. Ilha do Pontal, Lagoa Figura 43. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE:
Grande/PE: vista aérea dos loteamentos lote de produção de manga e criação animal
agrícolas (2021). (2023).
Sobre as famílias assentadas na Ilha do Pontal, a maioria são constituídas por pessoas
em situação de baixa renda ou de vulnerabilidade socioeconômica, habitando moradias de
alvenaria ou de taipa, ficando ao entorno delas a área de produção agrícola. Tal realidade
econômica das famílias assentadas se contrasta com a importância da fruticultura na Ilha do
Pontal, sobretudo pelas centenas de toneladas de manga e uva que são produzidas localmente.
Um elemento essencialmente geográfico fundamental para a análise da condição dos
camponeses na fruticultura na Ilha do Pontal diz respeito a mobilidade52, isso porque as únicas
formas de deslocamento até a ilha são por meio de uma balsa ou canoas, essa primeira
funcionando durante o turno diurno, capaz de transportar pessoas e veículos (carros e caminhões
de cargas mais leves), inclusive com as frutas produzidas pelos camponeses (Figuras 44 e 45).
52
Aqui é assumida a conceituação de mobilidade proposta por Castillo (2017, p. 645) que “além da movimentação
ou locomoção de si mesmo, envolve a capacidade do agente (indivíduo, empresa, instituição) de fazer movimentar
bens ou mercadorias e informação banal ou produtiva. Isso significa que o grau de mobilidade de um agente
também se mede por seu poder político e/ou econômico de desencadear fluxos materiais e fluxos informacionais”.
211
Figura 44. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 45. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE:
canoa para transporte da população (2023). balsa utilizada para o transporte de pessoas,
carros e caminhões de cargas leves (2023).
53
Uma das entrevistadas afirmou que há cerca de três meses atrás ao momento da entrevista, o preço da manga
estava de R$ 0,30, evidenciando uma desvalorização considerável da produção, do trabalho do agricultor e uma
distorção em relação ao preço dos insumos utilizados na produção.
212
comprador perceba (no momento da venda às empresas exportadoras), que o produto não está
no padrão de qualidade para exportações. As figuras 46 e 47 representam produções devolvidas
por não atender as exigências de qualidade do mercado de exportação.
Figura 46. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE: Figura 47. Ilha do Pontal, Lagoa Grande/PE:
camponesa produtora de manga (2023). caixas de mangas devolvidas pelo
intermediário (2023).
Carta Imagem 09. Juazeiro/BA: núcleos de povoamento do projeto Mandacaru e perímetro irrigado de Maniçoba (2023).
214
54
Para um detalhamento maior sobre o contexto histórico, assim como características físico-ambientais associadas
ao desenvolvimento da agricultura no Projeto Mandacaru, ver Souza (2013).
55
De acordo com relato dos agricultores camponeses entrevistados, cada colono deve pagar uma taxa fixa de R$
470,00 ao Distrito Irrigado de Mandacaru, correspondendo a uma taxa fixa paga mensalmente.
215
Figura 48. Mandacaru, Juazeiro/BA: lote de Figura 49. Mandacaru II, Juazeiro/BA: lote
produção de banana (2023). de produção manga (2023).
Gráfico 06. Perímetro Irrigado Maniçoba, Juazeiro/BA: Valor Bruto da Produção por setores agrícolas
(2016-2021).
Diante da importância que a agricultura de base familiar assume nos projetos irrigados
Mandacaru e Maniçoba, formam-se também relações e contradições entre os agentes
envolvidos na fruticultura irrigada nas respectivas áreas. Sobre a comercialização da produção,
as respostas dos agricultores camponeses entrevistados nos respectivos perímetros revelam
verdadeira dependência deles sobre a compra dos agentes intermediários (Gráfico 07).
217
Gráfico 07. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: destino das frutas produzidas
pela agricultura camponesa (2023).
Agroindústria
Agroindústria e atravessador
Atravessador
Cooperativa
0 5 10 15 20
Nº de agricultores entrevistados
Sobre a venda das frutas aos atravessadores, tais dados, assim como os das outras áreas
pesquisadas, revelam a frequente sujeição no âmbito da comercialização da produção. Não
obstante, fica perceptível uma clara divisão territorial do trabalho entre os agricultores
camponeses e as agroindústrias produtoras de frutas, vinhos e sucos, visto que tais segmentos
produtivos pouco estabelecem relações no âmbito da comercialização da produção (apenas 3
agroindústrias compram as frutas da agricultura camponesa).
As condições de sujeição aos preços estabelecidos por terceiros às frutas cultivadas
pelos agricultores camponeses em Mandacaru e Maniçoba se torna mais variável se comparada
as realidades já expostas neste trabalho. Quando questionados sobre quem dita o preço da
produção, o atravessador também se sobressai, mas outros agentes também são mencionados
como definidores dos preços (Gráfico 08).
218
Gráfico 08. Perímetros Irrigados Mandacaru e Maniçoba, Juazeiro/BA: agentes que estabelecem o
preço da produção (2023)56.
Atravessador e mercado
Mercado
Atravessador e comprador da Ceasa
Ceasa/Juazeiro
Acordo entre agricultor e atravessador
Atravessador
Acordo entre agricultor e agroindústria
Agroindústria
0 2 4 6 8 10
Nº Agricultores entrevistados
O papel do atravessador na definição dos preços das frutas é predominante, mesmo que
a definição dos preços seja estabelecida via acordo com o agricultor camponês. Não obstante,
os compradores das frutas na Ceasa de Juazeiro, que também se configuram como
intermediários uma vez que retém parte da comissão sobre a venda das frutas aos varejistas e
empresas exportadoras, também foram mencionados como agentes definidores de preços.
Em relação a frequência de venda das frutas aos diferentes compradores, há variação de
acordo com o cultivo: a manga é comercializada diariamente ou entre 1 e 2 vezes na safra (há
a prática de colheita em apenas uma única vez, comum no arrendamento da safra aos
intermediários), sendo comercializada geralmente a R$ 0,70 e R$ 2,00 o kg ou R$ 25,00 a caixa
com 20 kg; a banana é vendida semanalmente ou quinzenalmente, por uma média de preço de
R$ 25,00 o cento; o melão é comercializado a cada 65 ou 70 dias, custando cerca de R$ 3,00 o
kg; a acerola é comercializada semanalmente no período de safra, com uma média de preço de
R$ 2,50 o kg; e o coco sendo comercializado a cada 40 dias, contendo um menor valor agregado
por unidade, custando apenas R$ 0,55 a unidade.
A Figura 50 representa um lote de agricultor familiar direcionado a produção de coco,
já a Figura 51 mostra sacas de limão comercializados aos intermediários, estas que, assim como
56
As respostas sobre os agentes que definem os preços das frutas são aquelas mencionadas pelos agricultores
camponeses, vista a necessidade de melhor compreensão desse processo. Porém, sabe-se que o atravessador e os
compradores da Ceasa se configuram, nesse caso, como um único agente ao qual acaba lucrando sobre o comércio
das frutas.
219
Figura 50. Maniçoba, Juazeiro/BA: lote de Figura 51. Maniçoba, Juazeiro/BA: sacas de
produção coco (2023). limão produzido por agricultor camponês
(2023).
57 Thomaz Junior (2002, p.4) ressalta ainda a partir da “leitura” de Carlos Nelson Coutinho e Sérgio Lessa com
base na Ortologia do Ser Social de Gyorgy Lukács que “trabalho é resultado de um pôr teleológico através do qual
o ser social cria e renova as próprias condições da sua reprodução. O trabalho enquanto fonte primária da
articulação entre causalidade e teleologia é um processo entre atividade humana e natureza que se sintetiza na
célula do ser social”.
223
Este fato pode ser explicado pela importância do polo de produção de frutas
localizado no Vale do São Francisco. É o caso da cultura da uva, carro chefe
da produção e da exportação do Vale. O cultivo de uva demanda uma grande
quantidade de trabalhadores devido ao tipo de trabalho executado, que é
caracterizado pela forte dependência do trabalho manual nos tratos culturais.
Esses exigem um cuidado minucioso no raleio e controle dos cachos
(CAVALCANTI, 1999). As demais microrregiões apresentaram dinâmica
crescente, mas com características bem diferentes. Nas microrregiões de
Mossoró e Vale do Açu, no Rio Grande do Norte, e do Baixo Jaguaribe, no
Ceará, as culturas do melão e da banana possuem destaque especial. Nas
microrregiões potiguares, embora o crescimento tenha sido mais tímido com
variação relativa de 72% para Mossoró e 4% no Vale do Açu, quando
observamos historicamente, essas regiões apresentaram momentos de
crescimento e queda no conjunto dos empregos formais (Bezerra, 2012, p.
2012-213).
A fim de contribuirmos com uma análise mais recente sobre a dinâmica do emprego
formal no setor da fruticultura irrigada, o Gráfico 09 apresenta uma amostra de dados do período
de dez anos (entre 2011 e 2021) sobre a empregabilidade nos principais municípios produtores
de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, sobretudo as produções de banana, manga, melão,
melancia, uva, caju, coco-da-baía e mamão.
58
Sobre os impactos dessas atividades produtivas no território, inclusive sobre o trabalho em cada setor produtivo,
o Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da UFRN apresenta uma série de dissertações de mestrado
e teses de doutorado de pesquisadores que, cada um em seu tempo, analisaram os impactos das transformações
provocadas pela reestruturação produtiva do território no Rio Grande do Norte. São exemplos os trabalhos de
Alves (2012), Costa (2011), Andrade (2013, 2018), Silva (2014, 2019) e Lima (2016).
224
Gráfico 09. Empregos formais na fruticultura nos municípios visitados pela pesquisa empírica (2011-2021).
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Figura 52 (A e B). Apodi/RN: trabalhadores agrícolas na amarração dos ramos de videiras (2022).
Ainda sobre os dados expostos, é válido ressaltar que os demais municípios, como os
do Baixo Jaguaribe (Limoeiro, Quixeré e Aracati), do Baixo Jaguaribe (Alto do Rodrigues e
Ipanguaçu) e Baraúna no Oeste Potiguar, apresentaram uma tendência de queda no número de
226
Submédio São Francisco e Baixo Açu, devido ao choque de interesses dos agentes capitalistas
em se apropriar das terras camponesas garantidas pela reforma agrária.
Assim, o resultado é o estabelecimento de condições favoráveis a sujeição real desses
agricultores ao capital, que passa a controlar as relações não capitalistas de produção a partir
do movimento de oferta e dependência dos insumos, máquinas agrícolas, circulação e
comercialização da produção camponesa. Nesse sentido,
Gráfico 10. Pesquisa empírica: pessoas do núcleo familiar que trabalham na fruticultura irrigada
(2011-2021).
9
8
Nº propriedades camponesas
7
6
5
4
3
2
1
0
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
3 pessoas
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
1 pessoa
1 pessoa
1 pessoa
1 pessoa
1 pessoa
1 pessoa
Não declarado
1 pessoa
5 pessoas
5 pessoas
5 pessoas
Baixo Mossoró e Apodi Baixo Açu Petrolina Juazeiro Lagoa Grande
Jaguaribe Baraúna
os agricultores a aumentar sua produção para compensar a queda na receita, o que, por sua vez,
exige mais trabalho e esforço por parte dos agricultores59.
O Gráfico 11, evidencia o panorama geral da jornada de trabalho pelos agricultores
camponeses produtores de frutas no Nordeste Semiárido.
Gráfico 11. Pesquisa empírica: horas trabalhadas pelos agricultores camponeses de frutas irrigadas no
Nordeste Semiárido (2011-2021).
80
70
Camponeses entrevistados
60
50
40
30
20
10
0
14h 12h 10h 9h 8h 7h 6h 5h 4h Não
declarou
Jornada de trabalho diária
Apesar da grande maioria dos agricultores afirmarem trabalhar oito horas diárias, em
consonância com a jornada de trabalho estabelecida pelas leis trabalhistas brasileiras (mesmo
que o camponês na maioria das vezes não goze da proteção do Estado como acontece em outras
atividades econômicas), é importante considerar a realidade específica desses agricultores no
contexto da produção de frutas no Nordeste Semiárido.
Os camponeses fruticultores muitas vezes estão inseridos em realidade com condições
de trabalho com demandas distintas as de outros setores da economia60, dependendo de fatores
específicos que influenciam na organização da jornada de trabalho como: tamanho da
propriedade, a sazonalidade das colheitas, dependência das condições climáticas, falta de
59
Esse debate vincula-se aquele já exposto em momento oportuno deste trabalho ao dissertar sobre a renda absoluta
na visão do próprio Marx (2017) e de Oliveira (2007).
60
Kaustsky (1998, p.486) afirma que “a agricultura demanda uma flexibilidade bem menor que a indústria. O
plano de trabalho de um estabelecimento agrícola estende-se ao ano inteiro, enquanto o plano do empreendimento
industrial se altera de acordo com a conjuntura”.
231
61
Para Chayanov (1974) a renda é um fenômeno real, econômico e social, criado a partir de uma gama de relações
sociais, que surgiram a partir da produção agrícola.
62
É válido ressaltar que, de acordo com o formulário de entrevista presente no Anexo 2 deste trabalho, a pergunta
sobre o rendimento familiar já era bem definida com classes previamente elaboradas, a fim de uma aproximação
sobre a realidade de cada família. Já em relação ao rendimento por membro da família diretamente vinculado a
produção de frutas, apresentou-se como questão aberta, a fim de melhor especificação sobre o real rendimento por
cada membro da família em relação a produção de frutas.
232
Gráfico 12. Pesquisa empírica: rendimento mensal da família mediante a fruticultura irrigada
(2022 - 2023).
50
45
Nº de camponeses entrevistados
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Menos de 1 De 1 a 2 De 2,1 a 3 De 3,1 a 4 Acima de 4 Não declarou
salários salários salários salários salários
mínimo mínimos mínimos mínimos mínimos
Rendimento mensal da família
Gráfico 13. Pesquisa empírica: valor médio mensal pago a cada membro da família
mediante o trabalho na fruticultura irrigada (2022 e 2023).
45
40
Nº de camponeses entrevistados
35
30
25
20
15
10
5
0
Menos de 1 1 salário 1,5 salários Entre 2 e 3 Entre 4 e 5 2 mil por Não
salário mínimo mínimos salários salários semana declarou
mínimo mínimos mínimos
Rendimento mensal pago a cada membro da família
A partir dos dados é evidente que a grande a maioria das famílias dos agricultores
entrevistados apresenta um rendimento mensal de até 3 salários-mínimos, com uma forte
concertação de famílias que recebiam entre 1 e 2 salários-mínimos. Quando analisado o gráfico
de rendimento por cada membro da família, é perceptível que a faixa de 1 salário-mínimo
233
praticamente se mantém, sendo tal fator um indicativo de que nessas propriedades visitadas há
a predominância do trabalho desenvolvido unicamente pelo papel de um único agricultor
camponês, utilizando-se ou não de mão-de-obra contratada.
Ainda com base nos dados, é possível verificar que, mesmo que o rendimento familiar
tenha sido elencado estando entre 2,1 e 4 salários-mínimos por pelo menos 27 entrevistados,
quando comparado ao rendimento por membro da família há uma queda significativa sobre a
faixa de pessoas que recebe entre 2 e 5 salários-mínimos. Isso se deve a dois fatores: a divisão
do rendimento familiar entre seus membros que trabalham na fruticultura faz com que o
rendimento individual caia para menos de 1 salário-mínimo; e alguns desses agricultores se
enquadram no grupo de entrevistados que não declararam qual o rendimento mensal de cada
membro da família.
Sobre o caso particular dos três agricultores que afirmaram receber em média 2 mil reais
por semana, corresponde a um caso específico de três irmãos no município de Quixeré/CE que,
após a morte do seu pai, ocorreu a divisão das terras em propriedades menores. De acordo com
os entrevistados, devido as características semelhantes das propriedades em relação ao tamanho
e cultivos realizados, em especial da banana, acabam também tendo um rendimento médio
semelhante entre a fruticultura que é realizada entre uma propriedade e outra.
Apesar de não verificarmos grande distorções sobre o rendimento dos agricultores
entrevistados nas diferentes áreas visitadas empiricamente, sobretudo no âmbito da proporção
de entrevistas realizadas entre uma área e outra, é possível elencarmos alguns fatores que podem
contribuir para a existência de divergências sobre o rendimento dos agricultores camponeses,
tais como: o tipo de fruta cultivada, o tamanho da propriedade e da área para o cultivo, o acesso
a água, o acesso a recursos técnicos para a produção, conhecimento técnico e capacitação, as
relações com os compradores e outros.
Diante do exposto, depreende-se que o baixo rendimento dos agricultores camponeses,
grupo esse que vive-do-trabalho (Thomaz Junior, 2002), decorre de um contexto de assimetria
das reações entre o agricultor e os agentes intermediários, bem como da dependência sobre eles.
Não obstante, resulta também da ausência de uma organização coletiva na maioria das áreas
visitadas, falta de certificações de qualidades reconhecidas e até mesmo a desvalorização da
produção local, visto que em muitos casos há um certo preconceito sobre a origem geográfica
das frutas, podendo levar à sua desvalorização.
Ressalta-se ainda sobre o trabalho na agricultura camponesa que se tem, além da força
de trabalho do próprio agricultor, o trabalho daqueles que são empregados com vínculos formais
ou não na agricultura. Sobre os sujeitos que não apresentam vínculos formais protegidos pelo
234
Estado perante as leis trabalhistas que regem o contrato social, é evidenciado que corresponde
a maioria nas áreas visitadas empiricamente, visto que a realidade do contrato formal em
carteira assinada é uma prática muitas vezes desconhecida pela maioria dos trabalhadores rurais
associados a fruticultura irrigada no Semiárido (Bezerra, 2012).
No universo amostral dos camponeses entrevistados, 65 deles afirmaram que utilizam
mão de obra remunerada para a realização de trabalhos na produção de frutas, sejam esses
trabalhadores com vínculos formais (no caso das propriedades com nível organizacional mais
elevado, evidente predominantemente no Submédio São Francisco) ou informais como diaristas
ou contratados semanalmente (Gráfico 14). Outros 50 agricultores afirmaram não utilizar mão
de obra remunerada, ou seja, utilizando-se da mão de obra apenas de familiares para realizar
atividades produtivas. Outros 2 agricultores se abstiveram da resposta a essa questão. Dos que
afirmaram possuir trabalhador remunerado no momento da entrevista, 56 dos camponeses
responderam sobre a quantidade de trabalhadores contratados naquele momento. Os demais não
quiseram responder à pergunta.
235
Gráfico 14. Pesquisa empírica: número de trabalhadores remunerados por unidade agrícola campesina com produção de frutas irrigadas (2022-2023).
10
8
Nº de unidades campesinas visitadas
0
1a5 6 a 12 13 a 26 1a5 1a5 6 a 12 1a5 6 a 12 1a5 6 a 12 13 a 26 27 a 30 1a5 1a5
Baixo Jaguaribe Mossoró e Apodi Baixo Açu Petrolina Juazeiro Lagoa
Baraúna Grande
Nº de trabalhadores agrícolas
Figura 55. Petrolina/PE: uva branca sem Figura 56. Petrolina/PE: parreiral de uva
semente colhida seletivamente em unidade Thompson cultivada em unidade agrícola
agrícola camponesa (2023). camponesa (2023).
No caso das unidades produtoras de uvas, é válido salientar que os trabalhadores podem
ser contratados temporariamente para realizar tarefas sazonais, ou podem ser contratados por
períodos mais longos, de acordo com a demanda de cada unidade produtiva. Conforme relatos
dos próprios fruticultores, dentre os cultivos realizados na fruticultura irrigada no Submédio
São Francisco, o de uva é o que necessita de maior cuidado sobre a regularização dos vínculos
63
Além desses fatores, o número de entrevistas realizadas em cada área visitada pela pesquisa empírica também
implica na diferença do número de trabalhadores por unidade campesina. Mesmo que estejamos resguardados pelo
cálculo estatístico sobre o número de entrevistas realizadas, tal ponderação torna-se válida.
237
formais de trabalho, visto que essas unidades são mais focadas pelos órgãos fiscais sobre o
direito dos trabalhadores rurais (Pesquisa Empírica, 2023)64.
Ainda de acordo com as entrevistas realizadas nas vinícolas em Petrolina constatou-se,
sobretudo entre os agricultores camponeses mais capitalizados, a preferência por contratar
mulheres para o trabalho na produção de uvas, sob a justificativa de apresentarem maior
habilidade e delicadeza para o tratamento com as frutas, desenvoltura no trabalho em equipe e
resistência ao calor (Pesquisa Empírica, 2023). O fato é que tais fatores somam-se a
disponibilidade de mão de obra local, sobretudo nos núcleos de povoamento do projeto Nilo
Coelho, e aos estereótipos de gênero aos quais associam as mulheres à trabalhos agrícolas
considerados “leves” ou “adequados”, fator que leva a um debate sobre desigualdade de gênero
no respectivo ramo produtivo.
Sobre a natureza dos vínculos de trabalho nas unidades produtivas da agricultura
campesina, o trabalho temporário se faz predominante em todas as áreas visitadas. Já o trabalho
permanente sequer aparece existente nas unidades visitadas, como em Mossoró (RN) e Lagoa
Grande (PE) (Gráfico 15). Os vínculos aqui considerados são aqueles relacionados às unidades
produtivas da agricultura campesina, a partir da relação de contrato formal ou não entre o
camponês e o trabalhador. Essa ressalva é importante haja vista a existência de outros
trabalhadores que atuam nas unidades produtivas campesinas, a exemplo daqueles contratados
pelos agentes intermediários que trabalham na colheita e embalagem de frutas como mangas,
uvas e melão em períodos de safra.
64
Em fevereiro de 2023, cerca de 215 homens foram encontrados em condições de trabalho análogo a escravidão
na colheita de uva no Rio Grande do Sul, conforme aponta o Ministério Público do Trabalho do RS. Disponível
em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/02/24/operacao-deflagra-trabalho-analogo-a-escravidao-na-colheita-
da-uva-no-rio-grande-do-sul>.
238
Gráfico 15. Pesquisa empírica: natureza dos vínculos de trabalho na fruticultura camponesa
(2022 e 2023).
A – Trabalho Permanente
B – Trabalho Temporário
A e B - Permanente e temporário
65
No caso do Assentamento São Romão, em Mossoró, trabalhadores campesinos relatam sobre a existência do
que compreendemos, com base em Martins (1996), como trabalho acessório, prática caracterizada quando o
agricultor camponês trabalha em seu lote e complementa sua renda a partir do trabalho em atividades diversas em
propriedades de frutas situadas em localidades próximas, sejam em outras propriedades campesinas ou em
agroindústrias de frutas em tarefas de poda, limpeza e outras. Quando não é o próprio agricultor camponês
trabalhando na agroindústria, esses “serviços de bico”, como é localmente denominado, são feitos por membros
do núcleo familiar que disponibilizam sua força de trabalho (aperfeiçoada no trabalho familiar ao longo do tempo)
a fim de complementar a renda da família.
240
Assim, estamos diante daquilo que Marx (2017) teoriza como renda diferencial II, que
considera os investimentos direcionados à melhoria da produção em uma certa porção de terra,
seja pelo emprego de objetos técnicos avançados, irrigação eficiente, uso de fertilizantes
adequados, controle de pragas e doenças etc. Ora utilizados, esses materiais acabam
transferindo valor para o produto agrícola, sendo que, na agricultura de base familiar, há um
verdadeiro descompasso entre os preços ofertados ao agricultor e o preço estabelecido pelos
intermediários sobre a compra dos produtos agrícolas. Esse problema, comum na produção de
frutas no Nordeste Semiárido, será apresentado a seguir.
Partimos da base conceitual proposta por Milton Santos (2017), segundo a qual as
categorias técnica e norma são fundamentais para compreender o espaço geográfico. Nesse
sentido, o espaço geográfico consiste em um conjunto de sistemas de objetos inseparáveis dos
sistemas de ações. Assim, compreendemos que os produtos do trabalho humano, ou seja, os
objetos artificiais, são moldados por normas, uma vez que "requerem e geram extensa
regulamentação para desempenhar a função desejada por seus investidores, sejam eles
empresários, entidades estatais ou uma comunidade local" (Antas Júnior, 2005, p. 57).
241
Dessa forma, Santos (2017) nos ensina que no período histórico atual, a “organização”
das “coisas” no território é um dado fundamental, pois, nos diferentes arranjos espaciais, é
necessário, de um lado, a adoção dos objetos suscetíveis a participar dessa ordem e, de outro,
as regras de ação e comportamento que regulam a distribuição dos objetos no território. Citando
Godelier (1972), o autor afirma também que as normas são criadas intencionalmente e que no
Não obstante, sobre as leis que estabelecem diretrizes normativas associadas a expansão
do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura brasileira, bem como
financiamentos direcionados a aquisição deles, destacam-se:
Além das leis e decretos estabelecidos no âmbito nacional, das quais visam a
normatização da técnica no território, também são importantes as regulamentações criadas no
âmbito de cada estado, sobretudo considerando suas particularidades produtivas agrícolas.
Como exemplo, a respeito da difusão dos insumos e máquinas agrícolas, inclusive para atender
as demandas da fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido, é possível mencionar no âmbito
do estado de Pernambuco o Decreto Nº 40.260/1956 que estabelece normas para importação e
distribuição de máquinas e implementos agrícolas e a Lei Nº 17.042/2020 que dispõe sobre as
diretrizes para o armazenamento de insumos agropecuários.
No estado da Bahia, podemos citar o Decreto Nº 11.414/2009 que dispõe sobre a Defesa
Sanitária Vegetal, inclusive sobre à inspeção e fiscalização dos insumos agrícolas pela Agência
Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB e a Lei Nº 6.455/1993 que dispõe sobre o
244
Cartograma 03. Brasil: valor investido e contratos fechados mediante os programas de Crédito Rural (2013-2022).
247
Geralmente, esse período varia de 1 a 2 anos, após o qual é iniciado o pagamento anual do valor
do crédito.
O agricultor mutuário de Ipanguaçu, que obteve um empréstimo de R$ 66.000,00 por
meio do Pronaf, relatou que utilizou o crédito para aquisição de insumos, defensivos agrícolas
e equipamentos de irrigação. Em outro contexto, uma agricultora no município de Lagoa
Grande mencionou durante a entrevista a existência de problemas relacionados à cotação
praticada pelo banco em comparação com a cotação praticada pela loja de insumos agrícolas.
Ela considerou essa diferença como uma questão problemática associada aos empréstimos, pois
a cotação do banco sempre é mais alta do que a cotação real dos insumos no mercado.
É relevante destacar um aspecto importante identificado por meio da pesquisa empírica
e relatado por alguns agricultores: a falta de acesso adequado ao crédito rural, especialmente na
modalidade de investimento agrícola, de acordo com as reais condições dos agricultores
camponeses, pode acarretar uma série de problemas relacionados ao armazenamento dos
objetos técnicos essenciais, tais como insumos, ferramentas, máquinas e implementos agrícolas.
Com base nas entrevistas conduzidas, observa-se uma prevalência de agricultores que
possuem algum tipo de área para armazenamento dos materiais mencionados. No entanto,
quando questionados se esses locais são suficientes para atender plenamente às suas
necessidades, verifica-se uma redução desses números (Gráficos 16 e 17).
Gráfico 16. Pesquisa empírica: há local Gráfico 17. Pesquisa empírica: o local de
de armazenamento dos insumos armazenamento é suficiente?
agrícolas?
30% 34%
66%
70%
O local de armazenamento é
Há local de armazenamento suficiente
Não tem ou o local de
Não há local de armazenamento armazenamento é insuficiente
Os dados levantados revelam uma questão relevante: embora a maioria das unidades
produtivas camponesas possuam locais de armazenamento para insumos, máquinas,
implementos e outros materiais de uso agrícola, isso não garante necessariamente que esses
locais sejam adequados para essa finalidade. Há variações significativas entre os
estabelecimentos agrícolas em termos de organização espacial para o armazenamento dos
materiais. Essas variações estão relacionadas ao grau de capitalização dos agricultores
camponeses, o que resulta em diferentes níveis de organização do ambiente, controle de
temperatura e umidade, segurança e manutenção regular.
A falta de atendimento aos critérios básicos de armazenamento pode acarretar uma série
de problemas. Entre eles estão a deterioração dos objetos técnicos, o risco de furtos e roubos
(relatado como prática frequente no submédio São Francisco, em especial em Petrolina e
Juazeiro), a desorganização e dificuldade de acesso, bem como danos ambientais, como a
contaminação do solo e a poluição hídrica.
As Figuras 57 (A e B) e 58 (A e B), representam distintos casos de locais de
armazenamento dos insumos e materiais de uso agrícola. Por um lado, tem-se um depósito em
uma unidade produtiva camponesa menos capitalizada, de agricultor acampado no município
de Limoeiro do Norte, em que a organização e disposição dos objetos se efetivam sem uma
lógica organizativa. Por outro lado, evidencia-se uma unidade campesina mais capitalizada, de
agricultor proprietário da terra, com depósito controlado de fertilizantes, agrotóxicos e outros
materiais.
66
Sob a perspectiva dos padrões normativos associados às cadeias de produção global, Lawrence e; Buch (2007)
abordam a “regulamentação e normas nas cadeias de abastecimento agroalimentar”, na parte dois do seu livro.
254
Assim, é claro que, se o agricultor não cultivar produtos dentro do padrão de qualidade
exigido, ele corre o risco de não conseguir comercializar sua produção, uma vez que os
atravessadores se recusam a comprar. Se o agricultor persistir em enviar frutas que não estejam
dentro dos rígidos padrões de mercado, ele acaba sendo excluído do sistema de
comercialização.
Sob essa perspectiva de imposições normativas advindas de patamares superiores,
evidencia-se que, na fruticultura irrigada praticada pelos camponeses, “o controle do seu tempo
67
A autora realiza essa ressalva ao analisar a relação entre a agricultura camponesa e as cooperativas e
agroindústrias na avicultura e siricicultura no norte do Paraná. A partir da pesquisa empírica realizada nas
principais áreas de produção de frutas irrigadas no Nordeste semiárido, a reflexão exposta pela autora corrobora
na análise sobre a realidade dos agricultores camponeses fruticultores e suas relações com os atravessadores.
255
68
A respectiva autora realiza essa ressalva ao analisar a relação entre a agricultura camponesa e a avicultura e
siricicultura no norte do Paraná. Porém, a partir da pesquisa empírica realizada nas principais áreas de produção
de frutas irrigadas no Nordeste semiárido, essa reflexão exposta pela autora corrobora na análise sobre a realidade
dos agricultores camponeses fruticultores e suas relações com os atravessadores.
256
69
Embora reconhecidos como órgãos atuantes nessas áreas, a pesquisa empírica revelou problemas relacionados
a ausência de assistência técnica ofertada pelo poder público, o que viabiliza a sujeição dos agricultores
camponeses às orientações técnicas advindas das empresas de insumos agrícolas situadas nas cidades próximas.
Esse tema voltará a ser abordado na subseção subsequente, pela importância que assume na comprovação da tese
defendida neste trabalho de pesquisa.
257
Observamos uma relação direta entre as normas e os objetos técnicos exigidos para
integrar o processo de produção camponesa de frutas irrigadas, o que tem impulsionado a
expansão desses materiais na fruticultura irrigada. Vejamos agora como esses objetos têm se
propagado no setor produtivo, sujeitando os agricultores camponeses ao domínio do capital.
Inicialmente, é relevante lembrar, conforme nos ensina Martins (1990), que, embora o
trabalho seja fundamental na agricultura e na sua reprodução simples, é por meio da
dependência em relação ao uso de insumos e máquinas agrícolas, bem como na comercialização
da produção, que se constata o domínio do capital sobre a produção camponesa.
Segundo o autor, o uso dos insumos, máquinas e ferramentas na agricultura implica no
seu desgaste, indicando que, durante o processo produtivo, o valor desses materiais é transferido
para os produtos agrícolas cultivados. Isso indica, na relação entre produção e consumo, haver
uma reciprocidade em que cada um fornece seu objeto ao outro, ou seja, “cada um deles não
apenas é imediatamente o outro, nem tampouco apenas o medeia, mas cada qual cria o outro à
medida que se realiza” (Marx, 2011, p. 48).
Essa transferência do valor dos objetos técnicos para os produtos agrícolas, resultando
no seu desgaste ao longo do processo produtivo, tendo de ser substituídos por outros, é o que é
denominado por Santos (2018) de consumo produtivo agrícola70. O fato é que, a substituição
desses materiais por outros, exige verdadeiras trocas entre os subespaços campo e cidade, uma
vez que a resposta imediata a necessidade agrícola, sobretudo na agricultura camponesa, deve
ser encontrada em cidades próximas (Santos, 2017). Nesse contexto,
70
Tal noção deriva daquela apresentada por Marx (2011) ao argumentar que, nos processos gerais de produção, o
consumo produtivo envolve o desgaste dos instrumentos utilizados na produção de outros bens. Por outro lado, o
consumo consuntivo refere-se ao consumo dos produtos destinados a um uso final, que se esgotam em si mesmos.
258
É a partir dessa perspectiva que nos propomos retomar o debate acerca dos pressupostos
lançados na seção sobre renda da terra, técnica e agricultura deste trabalho, a fim de centrarmos
atenção sobre a sujeição da renda camponesa da terra ao capital, ou seja, na transformação da
renda camponesa em renda capitalizada da terra (Oliveira, 2007)71.
O primeiro trata-se das demandas heterogêneas sobre a compra dos insumos e máquinas
agrícolas entre a produção camponesa e a produção agroindustrial de frutas irrigadas. Nas
principais áreas de produção de frutas visitadas, os agricultores são enfáticos ao relatarem que
71
Foram três pressupostos levantados inicialmente, sendo dois deles relacionados ao processo de expansão do uso
dos insumos, máquinas e equipamentos agrícolas na produção camponesa (aos quais serão retomados adiante), e
outros associado a sujeição dos agricultores camponeses no âmbito da comercialização da produção agrícola,
conforme já debatido e comprovado ao longo deste trabalho.
259
a estratégia das agroindústrias situadas próximas é a compra dos insumos agrícolas em grande
volume, baseando-se em tecnologias modernas, com base em padrões estabelecidos e na busca
por rendimento elevado e eficiência (Pesquisa Empírica, 2022-2023).
Esse fato, já relatado por Graziano da Silva (1990) como prática comum na produção
agropecuária associada ao agronegócio brasileiro, deriva da estreita relação estabelecida entre
as agroindústrias e os fornecedores de insumos mediante alianças previamente estabelecidas.
Assim, fluxos diversos são formados no território, tanto no âmbito global, visto que o Brasil
bate recorde na importação de produtos como fertilizantes e agrotóxicos72, como no âmbito
nacional, a partir dos fornecimentos desses materiais pelas indústrias produtoras no país.
Já na produção de base familiar, os insumos utilizados tendem a ser mais acessíveis, por
vezes produzidos no interior da própria unidade campesina, como é o caso do adubo orgânico
(esterco) derivado da produção bovina também realizada localmente, daí a importância de se
considerar a ideia de sistema agrícola, visto que é comum na produção camponesa a
coexistência de diferentes atividades em uma única área. As Figuras 59 (A e B) refere-se ao
estoque de silagem utilizada por agricultores camponeses para a criação de gado bovino, que
por sua vez produz o adubo orgânico que passa a ser utilizado nos bananais nos municípios de
Quixeré/CE e Ipanguaçu/RN.
Figura 59 (A e B). Quixeré/CE e Ipanguaçu/RN: silagem utilizada para a criação de gado bovino
e geração de adubo orgânico utilizado no cultivo de bananas (2022, 2023).
72
De acordo com a Câmara dos Deputados, desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo,
conforme disponível em: <https://www.camara.leg.br/radio/programas/444200-brasil-e-o-maior-consumidor-
mundial-de-
agrotoxicos#:~:text=Desde%202008%2C%20o%20Brasil%20%C3%A9,consumidor%20e%20do%20meio%20a
mbiente>. Não obstante, o país também bate recorde na importação de fertilizantes agrícolas, conforme disponível
em: https://www.fazcomex.com.br/comex/importacoes-de-adubos-e-fertilizantes/
260
73
Elias e Pequeno (2010) já apresentavam uma relação de empresas comerciais de insumos agrícolas em Mossoró,
sendo tais dados atualizados por Nascimento (2018) para todo o estado do Rio Grande do Norte. Esse último autor,
ao analisar a comercialização dos insumos agrícolas no território potiguar, já alertava sobre o padrão de densidade
nos fluxos gerados pelo comércio de insumos em Mossoró, representando uma forte dependência dos agricultores
quanto a busca pelos insumos agrícolas na respectiva cidade.
261
Cartograma 04. Pesquisa empírica: dependência interna e fluxos gerados pela compra de insumos na
fruticultura irrigada camponesa (2022-2023).
262
Figura 60 (A e B). Juazeiro/BA: lojas de insumos Brasil Agrícola e Central de Adubos (2023).
Figura 61 (A e B). Mossoró/RN: lojas de insumos agrícolas Terra Fértil e Crop Agrícola (2015).
Figura 62. N7/Projeto Senador Nilo Coelho, Figura 63. Assentamento São Romão,
Petrolina/PE: fertilizantes comprados em Mossoró/RN: sementes compradas em
Petrolina para produção de manga (2023). Mossoró para produção de melancia (2022).
assim como profissionais do setor agrícola (agrônomos, técnicos agrícolas e outros) que muitas
vezes atendem às demandas dos agricultores no campo.
Ao analisar os fluxos gerados pela circulação dos insumos agropecuários no Rio Grande
do Norte, Nascimento (2018) destaca uma dinâmica peculiar entre Mossoró, os municípios
vizinhos e a produção de frutas irrigadas. Embora Mossoró não abrigue o maior número de
empresas comerciais do setor no estado (a capital Natal abriga o maior número de empresas), é
na interação entre essa cidade e sua região imediata que os fluxos se intensificam
significativamente. Isso evidencia o papel fundamental desempenhado por essas empresas no
fornecimento de insumos aos agricultores locais.
Assim, a busca pela aquisição dos insumos destinados à produção camponesa não deve
ser interpretada como uma prática espontânea resultante de decisões voluntárias dos próprios
agricultores, mas sim como resultado das lógicas produtivas estabelecidas pelo capital para a
agricultura. Essa característica é comum em áreas que se enquadram no conceito de acontecer
homólogo (Santos, 2017), ou seja, em regiões agrícolas onde prevalecem atividades com
semelhanças nos processos produtivos, impulsionadas pela modernização e pela disseminação
de informações especializadas, resultando em uma interdependência funcional na agricultura.
Sobre as empresas citadas pelos fruticultores camponeses como sendo os locais de
compra dos insumos agrícolas, é válido salientar o que
Apesar da ressalva dos autores ser focada na análise sobre as empresas fornecedoras de
insumos para a dinâmica produtiva da região influenciada pela cidade de Mossoró, é válido
salientar que essa dinâmica se efetiva também de forma semelhante nas demais áreas
fruticultoras visitadas na pesquisa empírica. Destarte, algumas ressalvas precisam ser
levantadas relativas à ação das empresas de insumos agrícolas associadas a fruticultura irrigada.
Essas empresas exercem uma posição dominante no mercado de insumos, máquinas e
equipamentos agrícolas, conferindo-lhes um controle significativo, especialmente em nível
local, sobre os preços, a disponibilidade e a qualidade dos insumos utilizados na produção.
Além disso, por meio dos canais de assistência técnica que estabelecem com os agricultores,
essas empresas têm um poder adicional no que diz respeito às escolhas dos agricultores,
265
Tais ressalvas nos faz considerar que a ação das empresas de insumos agrícolas nas
áreas de produção camponesa contribui para uma dependência desse segmento sobre a compra
desses produtos no comércio próximo às áreas de produção. Isso significa que, o agricultor
camponês, agora tem que destinar parte significativa da sua renda para a compra desses
recursos, reduzindo, consequentemente, parte substancial da sua renda, ou seja, configura-se
em um tributo pago pelo agricultor para produzir.
Além das empresas comerciais de insumos agrícolas, há outros agentes que
desempenham um papel significativo na extração da renda da terra, exercendo pressão sobre o
uso específico de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas para atender às suas próprias
exigências de qualidade dos produtos agrícolas. Esses agentes são os atravessadores de frutas.
Nossa defesa é que esses agentes desempenham um papel direto na submissão da agricultura
camponesa ao domínio do capital no contexto da fruticultura irrigada no semiárido do Nordeste.
266
Gráfico 18. Pesquisa empírica: há relação entre a compra dos insumos e as exigências de produção
impostas pelos atravessadores e/ou agroindústrias? (2022-2023).
6%1%
93%
No que diz respeito a esses dados, é importante ressaltar que a resposta dos agricultores
quase sempre se vinculou ao papel dos atravessadores na compra dos produtos agrícolas, visto
que poucos agricultores apresentavam relação direta com as agroindústrias do setor.
Sobre os dados, a única exceção à pergunta mencionada é encontrada no agricultor
dedicado à agricultura orgânica no acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte.
Na mesma localidade, outros quatro agricultores envolvidos no cultivo de bananas afirmaram
que não há uma relação direta entre o uso de insumos e as exigências impostas pelo atravessador
que compra sua produção. Para eles, esses aspectos operam de maneira dissociada: por um lado,
o agricultor realiza sua produção utilizando insumos sem qualquer interferência dos
atravessadores em relação aos materiais utilizados; por outro lado, o papel do atravessador se
limita a coletar os frutos (em padrão de qualidade para exportação).
Os outros três agricultores que responderam de forma similar estão associados a
unidades camponesas localizadas em Petrolina, onde cultivam acerola e uva. Dois deles não
quiseram justificar o fato de não haver relação entre o uso dos insumos e exigências dos
267
atravessadores, outro afirmou que “as empresas importadoras não sabem os insumos usados”
(Pesquisa Empírica, 2023).
Em relação aos agricultores que declararam ter uma ligação direta entre o uso de
insumos e essas exigências, eles atribuem aos atravessadores a imposição sobre o uso de
insumos agrícolas, frequentemente associada à qualidade das frutas produzidas localmente.
Foram mencionadas diversas motivações para o cumprimento dessas imposições, algumas das
quais estão representadas no Tabela 2.
268
Tabela 02. Pesquisa empírica: motivações sobre o atendimento às exigências sobre o uso de insumos pelos atravessadores (2022-2023).
Locais visitados Agricultores Relatos dos agricultores sobre os motivos de atendimento às exigências impostas pelos
atravessadores
Acampamento Zé Maria do Fruticultor 1 "Se não utilizar, não tem como comercializar para os atravessadores. Os outros produtores usam, eu
Tomé (Limoeiro do Norte) também uso”.
Fruticultor 12 “Se não usar, não vai ter a produção em quantidade e qualidade que os atravessadores exigem”.
Sítio Boqueirão (Quixeré) Fruticultor 17 “Pois é necessário atender às exigências das exportações. A análise para o produto bom sair do Brasil
é rigorosa”.
Fruticultor 18 “De acordo com a exigência de exportação (análise fora do Brasil). Os insumos são utilizados de
acordo com as exigências das empresas compradoras”.
Vila Cajazeiras (Aracati) Fruticultor 32 "O mercado é cada dia mais exigente. Com isso, o atravessador acaba exigindo".
Assentamento São Romão Fruticultor 23 “Os atravessadores indicam produtos bons para usar na produção”.
(Mossoró) Fruticultor 27 “Quanto mais uso desses insumos, mais agrega valor na fruta”.
Sítio Vélame 1 (Baraúna) Fruticultor 114 “Só usa porque precisa ter um retorno de renda com a produção”.
Fazenda de Uva (Apodi) Fruticultor 20 “Pois para tirar uma fruta de qualidade é preciso utilizar. Tem muitas pragas: minitripes, tripes,
ácaro rajado e broca (tronco da uva)”.
DIBA (Alto do Rodrigues) Fruticultor 105 “Se não investir na mercadoria, não há clientes”
Fruticultor 107 “A exigência é de quem compra, o consumidor. A vista pela boa qualidade do fruto vem do
consumidor”.
C3 e N7 (Petrolina) Fruticultor 38 “Se perder a qualidade o corretor não compra”.
Fruticultor 51 “É a primeira coisa que veem: o produto limpo”.
Fruticultor 48 A aplicação dos produtos se dá por causa das condições climáticas.
Mandacaru (Juazeiro) Fruticultor 58 “Devido a qualidade do produto. Pego informação com a agroindústria”.
Maniçoba (Juazeiro) Fruticultor 72 “Porque se o produto não tiver qualidade, não vende”.
Fruticultor 74 “Só compra os produtos porque o mercado exige fruto de qualidade”.
Ilha do Pontal (Lagoa Fruticultor 84 “É obrigatório. Se ficar ruim, a venda cai para polpa e vende a preço baixo”.
Grande) Fruticultor 88 “Só usa para ter uma fruta doce e bonita”.
Fruticultor 95 “Eles exigem boa qualidade. Pra isso só usando insumos”.
Diante disso, ressalta-se que alguns dos agricultores entrevistados, também envolvidos
na criação de gado bovino, têm a capacidade de produzir adubos em seus próprios
estabelecimentos. Essa prática representa uma vantagem econômica, pois reduz a dependência
da compra desses produtos de fontes externas, bem como os custos associados a essa aquisição.
Além disso, é válido ressaltar a importância de aplicar fertilizantes nas proporções
corretas para o desenvolvimento da produção agrícola camponesa. No entanto, muitas vezes,
esses produtos são utilizados sem a devida orientação de técnicos especializados, justamente
270
pela ausência desses em algumas das áreas visitadas, o que pode comprometer a atender às reais
necessidades das plantas. Pelo contrário, a aplicação inadequada desses produtos pode anular
seus efeitos e levar ao desgaste e exaustão do solo.
No que diz respeito ao uso de agrotóxicos, ou melhor, os venenos agrícolas utilizados
na produção de frutas irrigadas, é fundamental que sejam observadas as diretrizes estabelecidas
pela Lei Nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Essa legislação estabelece regras específicas para a
produção, transporte, armazenamento e comercialização desses produtos. Além disso, é
obrigatório que as empresas comerciais estejam devidamente cadastradas na Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Nesse contexto, o problema central está diretamente relacionado ao momento da
aplicação dos agrotóxicos, no qual a falta de orientação técnica acaba levando os agricultores a
cometerem erros. Nas áreas de produção de frutas, é comum a utilização de pulverizadores
costais para a manipulação e aplicação dos produtos químicos, porém, frequentemente, os
agricultores e trabalhadores rurais não utilizam os Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
O uso inadequado de máscaras de tecido é bastante comum nesse contexto, o que compromete
a proteção adequada tanto dos aplicadores envolvidos.
É relevante destacar o conteúdo em técnica, ciência e informação contido nesses
insumos utilizados, sobretudo aqueles voltados a atender às demandas produtivas do
agronegócio globalizado e, muitas vezes, impostos ao agricultor camponês a utilizar na
produção sob o argumento de melhoria da produção.
O conhecimento técnico embutido nesses insumos é justificado como variável de
melhoria no rendimento das culturas, aumento da qualidade dos produtos agrícolas e otimização
da utilização dos recursos disponíveis, embora seja importante ressaltar os impactos que eles
podem ocasionar no meio ambiente e à saúde humana, seja pelo contato direto com os produtos
químicos, uso exacerbado deles ou pelo consumo de alimentos contaminados.
Sobre os impactos do uso dos agrotóxicos pelo agronegócio brasileiro no âmbito dos
impactos na saúde e no meio ambiente, Bombardi (2011, 2012) denuncia esse problema que
afeta diferentes estados brasileiros. Segundo a autora, no Nordeste, os principais estados
marcados pelo maior índice de intoxicação e mortes pelo uso de agrotóxicos são Pernambuco
e Ceará, tendo assim um forte papel do agronegócio de frutas irrigados nesse contexto.
A Figura 64 retrata a aplicação de agrotóxicos na produção de melão no município de
Juazeiro, na Bahia, onde trabalhadores agrícolas estão manuseando esses produtos em uma área
de produção camponesa. Por outro lado, a Figura 65 mostra uma tenda montada para o processo
de dissolução de fertilizantes na água utilizada para irrigação (fertirrigação) nos cultivos de
271
Figura 64. Perímetro Irrigado Mandacaru, Figura 65. Vila Cajazeiras, Aracati/CE:
Juazeiro/BA: aplicação de agrotóxicos na tenda para o preparo da fertirrigação em
lavoura de melão (2023). lavoura de melão e melancia (2023).
74
Nascimento (2022) apresenta um estudo detalhado sobre os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia no
mercado de fertilizantes brasileiros. Já Seixas (2022), em pesquisa realizada para a Embrapa faz uma análise sobre
o impacto da crise dos fertilizantes no aumento da insegurança alimentar global.
272
Mapa 14. Brasil: total acumulado das importações de adubos/fertilizantes em peso líquido (2012-2022)75.
75
A relação dos adubos/fertilizantes considerados consta do quadro 4 do anexo 1 deste trabalho.
273
aprimoram o valor das frutas. É o caso dos agrotóxicos e os fertilizantes químicos, amplamente
disponíveis nos mercados locais.
O fato é que na agricultura camponesa de frutas irrigadas no Nordeste Semiárido, é
imposto aos produtores o uso de insumos como fertilizantes e agrotóxicos por parte de agentes
externos à própria produção, como os atravessadores. Esses agentes têm como referência a
produção agroindustrial, a qual também ocorre em localidades próximas às áreas de produção
camponesa. Seu objetivo é alcançar maior produtividade agrícola e rentabilidade, utilizando
esses produtos em larga escala sem considerar os impactos nas demais formas de produção que
também ocorrem localmente.
Diante disso, podemos confirmar o segundo pressuposto inicialmente levantado nesta
pesquisa: a transferência de valor dos elementos técnicos utilizados na produção de frutas
irrigadas varia de acordo com as características de cada material incorporado, incluindo
insumos, sementes, máquinas, implementos e outros materiais utilizados.
Tal fato pode ser comprovado, dentre outras culturas alcançadas na pesquisa empírica,
a partir da técnica da plasticultura utilizada na produção de melão e uva. O uso do plástico na
agricultura, também conhecido como cultivo protegido, impedindo a luz do sol da produção,
contribui para a proteção contra espécies de plantas invasoras prevenindo o uso de produtos
como herbicidas, tendo contribuído também para a diminuição do uso da água em detrimento
da menor perda por evaporação (EMBRAPA, 2015).
No contexto do cultivo de uva, sobretudo no Submédio São Francisco, o uso de plástico
desempenha um papel crucial na criação de um microclima específico em comparação com o
ambiente ao redor. Essa técnica visa atender às demandas por frutos com cores mais uniformes,
maior doçura e menor suscetibilidade a doenças, resultando em uma redução da necessidade de
aplicação constante de produtos químicos. Frequentemente, essa prática é combinada com a
implantação de quebra-ventos ao redor dos parreirais, que consiste na colocação de árvores nas
áreas de produção. Esses quebra-ventos, por sua vez, desempenham um papel importante ao
reduzir a velocidade do vento e minimizar o risco de viragem excessiva das folhas das plantas,
evitando assim a queima causada pela exposição direta à radiação solar (Figuras 66 e 67).
275
Figura 66. N9, Petrolina/PE: cultivo protegido Figura 67. N9, Petrolina/PE: difusor para
dos parreirais de uvas (2023). fertirrigação dos parreirais de uvas (2023).
Figura 68. Assentamento São Romão, Figura 69. Assentamento São Romão,
Mossoró/RN: cultivo de feijão em área de Mossoró/RN: estoque de manta agrotêxtil para
cultivo protegido de melão (2022). o cultivo de melão (2022).
A figura que retrata o cultivo de feijão em uma área destinada à produção de melão, na
qual um agricultor camponês está pulverizando a plantação, representa um caso emblemático.
O agricultor assentado relatou que adquiriu a cobertura de plástico para o cultivo de melão em
uma empresa agroindustrial próxima. No entanto, após a colheita do melão e sua venda aos
atravessadores, ele não obteve dinheiro suficiente para cobrir todos os custos da safra, incluindo
a compra da cobertura de plástico. Diante dessa situação, ele decidiu utilizar a mesma área para
o cultivo de feijão (cultura de ciclo curto), a partir da qual poderia gerar um retorno financeiro
a curto prazo, permitindo-lhe pagar pela cobertura de plástico. Apesar desse relato, o agricultor
deixou claro que não poderia interromper a pulverização (agora aplicada a fim de atender a
demanda rápida pelo retorno financeiro) para responder detalhadamente às perguntas da
entrevista devido à escassez de tempo que ele dispunha naquele momento (Pesquisa Empírica,
2022).
Apesar dos exemplos citados anteriormente relacionados aos cultivos de melão e uva,
ressalta-se a relevância de diversos outros materiais frequentemente utilizados na produção de
frutas irrigadas em todas as áreas pesquisadas. Esses materiais, equipamentos e substâncias
(canos, mangueiras, filtros e outros) são essenciais para garantir a eficiência da irrigação ao
longo de todo o ciclo produtivo e podem ser chamados de insumos de irrigação.
Além disso, devemos destacar a importância de equipamentos e componentes
mecânicos no processo de distribuição de água e operação dos sistemas de irrigação nas
unidades produtivas rurais. Bombas, tubulações, aspersores, gotejadores, válvulas e outros
277
elementos desempenham um papel crucial nesse contexto. Esses componentes são conhecidos
como insumos para irrigação na fruticultura.
Quando questionados sobre a frequência de uso e de compra dos materiais de irrigação
na fruticultura, a exemplo dos acima supracitados, as respostas dos agricultores camponeses
nos viabilizaram resultados satisfatórios para a compreensão da expansão desses materiais no
ramo produtivo (Gráfico 19).
Gráfico 19. Pesquisa empírica: frequência de uso e de compra dos materiais de irrigação utilizados na
fruticultura (2022-2023).
120
100
80
60
40
20
0
Contínuo Demanda Não respondeu
Frequência de uso Frequência de compra
Além dos dados expostos, é relevante acrescentar as respostas de outros seis agricultores
em relação a aquisição dos materiais de irrigação utilizados. Um agricultor mencionou comprar
os materiais com baixa frequência, enquanto dois agricultores afirmaram comprar apenas
durante períodos de fundação de novas áreas de produção. Um agricultor relatou realizar
compras a cada três meses, outro uma vez por ano, e um último agricultor mencionou reutilizar
materiais previamente utilizados por terceiros.
Esses dados revelam a importância geral dos materiais de irrigação, mas chamam a
atenção para o uso frequente desses materiais nos sistemas de irrigação, o que é um elemento
comum no ramo produtivo da fruticultura. Sobre à compra desses materiais, observa-se uma
tendência predominante de adquiri-los conforme as demandas surgem, principalmente para fins
de manutenção dos sistemas de irrigação, além da prática contínua de compra desses materiais.
A transferência de valor desses materiais de irrigação para a produção agrícola
desempenha um papel fundamental, mesmo que ocorra em um período mais prolongado em
278
comparação a outros insumos agrícolas. Isso fica evidente pela frequência com que os
agricultores os adquirem de forma contínua ou de acordo com as demandas específicas dos
processos produtivos. Essas práticas são justificadas pela necessidade de evitar interrupções no
fornecimento de água para o cultivo, caso contrário pode comprometer significativamente a
qualidade final da produção. Por sua vez, isso afeta diretamente a capacidade do agricultor
camponês de gerar renda por meio da comercialização dos produtos agrícolas.
As figuras 70 e 71 representam alguns desses materiais adquiridos para serem utilizados
nos sistemas de irrigação nas unidades camponesas visitadas.
Figura 70. Apodi/RN: mangueiras compradas Figura 71. Perímetro Irrigado Mandacaru,
para irrigação por gotejamento no cultivo de Juazeiro/BA: mangueiras de irrigação para
uva (2022). descarte no cultivo de manga (2022).
Quadro 06. Pesquisa empírica: máquinas e instrumentos agrícolas utilizados na fruticultura irrigada camponesa (2022-2023).
Arado 1 8 1 2 2 8 2 1 2
Carro de mão 15 14 4 28 4 36 44 35 29
Colheitadeira 4 1 1 2 3 0 0 6 2
Motosserra 0 4 1 9 1 3 3 4 7
Plantadeira 8 5 1 4 2 9 8 5 4
Pulverizador 15 13 10 32 5 42 54 37 32
Roçadeira 23 5 2 18 2 25 32 24 14
Sulcador 2 3 0 12 1 1 7 7 5
Subsoladora 0 1 0 3 0 2 0 0 0
Tratores 4 13 2 11 1 16 2 2 5
Figura 72 (A e B). Apodi/RN e Projeto Senador Nilo Coelho, Petrolina/PE: pulverizador manual
e acoplado utilizados nos cultivos de uvas (2022-2023).
Figura 74. Acampamento Zé Maria do Tomé, Figura 75. Projeto Mandacaru II, Juazeiro/BA:
Limoeiro do Norte/CE: triciclo com carroceria quadriciclo utilizado como pulverizador de 400
utilizado para colheita de bananas (2022). litros no cultivo de mangas (2022).
maquinários. Dessa forma, o agricultor encontrou uma solução mais econômica ao investir na
adaptação da motocicleta para atender às suas necessidades no cultivo de mangas.
É importante destacar que os agricultores camponeses continuam realizando adaptações
na fruticultura irrigada de forma contínua, independentemente dos materiais utilizados ou do
nível técnico envolvido no processo. Essas estratégias de adaptação na agricultura camponesa
representam alternativas viáveis dentro das limitações financeiras enfrentadas pelos próprios
agricultores, visando aumentar a produtividade e eficiência em suas atividades.
Portanto, essas ações dos agricultores camponeses podem ser compreendidas como
formas de resistência, ou contraracionalidade como mencionado por Santos (2017), às
imposições estabelecidas pelo sistema capitalista na agricultura. Elas representam uma maneira
de contornar as restrições impostas pelo capital e a falta de recursos financeiros, contribuindo
para a manutenção dos agricultores como sujeitos ativos e produtivos em um contexto em que
as relações são dominadas pelas produções capitalistas.
Diante do exposto, evidencia-se o forte papel dos insumos, máquinas e outros
instrumentos agrícolas no âmbito da sujeição da renda camponesa da terra ao capital. A
dependência por esses produtos cria uma demanda contínua e onerosa para os agricultores, aos
quais recorrem às empresas situadas localmente para os fornecimentos desses produtos,
empresas essas inseridas no mercado capitalista.
Essa dependência em relação aos insumos e máquinas agrícolas, juntamente com a
necessidade de capital financeiro para adquiri-los, coloca os agricultores em uma posição
vulnerável e subordinada ao capital no sistema de produção de frutas irrigadas. A falta de
recursos financeiros limita suas opções produtivas e comerciais e sujeita-os a condições
desfavoráveis impostas pelo mercado. Em resumo, os agricultores enfrentam altos custos de
insumos, máquinas e equipamentos, além dos juros de empréstimos, o que compromete sua
renda e autonomia na produção.
Por fim, os agricultores, mesmo diante desses desafios, estão constantemente buscando
estratégias adaptativas e se organizando coletivamente para resistir às imposições do capital.
Além disso, eles desenvolvem práticas de manejo mais sustentáveis, baseadas em
conhecimentos tradicionais, e promovem a troca de experiências para enfrentar os desafios da
produção. Essas ações refletem sua persistência e resistência em meio a um sistema opressor e
excludente.
286
CONSIDERAÇÕES FINAIS
capital. Sendo assim, ele encontra mecanismos de explorar a renda dos agricultores
camponeses, sobretudo através de mecanismos de espoliação.
Um dos mecanismos que evidencia essa dinâmica é a dependência do comércio de
insumos agrícolas, por meio da atuação das empresas desse setor localizadas nas proximidades
das áreas de produção, as quais atendem às demandas de consumo produtivo do campo. Aqui,
tem-se como exemplos representativos as cidades de Mossoró, Petrolina e Juazeiro, fornecendo
para o campo os materiais considerados essenciais a produção.
Isso decorre da existência de dois nichos de mercado distintos associados a produção de
frutas irrigadas: um está vinculado à produção agroindustrial, que adquire tais insumos em
grande escala, estabelecendo interações espaciais em âmbito nacional e internacional; e outro
está relacionado à produção camponesa, que adquire os insumos em quantidades menores e
adaptadas às demandas e condições específicas, gerando fluxos locais baseados na busca por
produtos necessários ao consumo temporário.
Assim, as empresas de insumos agrícolas desempenham um papel significativo na
agricultura camponesa, fornecendo os produtos necessários para a produção de frutas, como
insumos, máquinas e equipamentos agrícolas diversos. Ao serem utilizados na fruticultura
irrigada, esses elementos contribuem para a valorização da renda da terra de duas maneiras
principais: de forma transitória, devido ao desgaste rápido de produtos como fertilizantes e
agrotóxicos (capital circulante); e de forma permanente, por meio das infraestruturas
incorporadas aos processos de produção, como estradas, armazéns e, em alguns casos, máquinas
e equipamentos agrícolas (capital fixo).
As empresas de insumos desempenham um papel crucial na determinação dos preços,
qualidade e disponibilidade desses produtos. Nesse contexto, a assistência técnica fornecida por
profissionais como agrônomos e técnicos agrícolas torna-se essencial, sendo muitas vezes a
única opção acessível aos produtores. Essa combinação de fornecimento de insumos e
assistência técnica cria um poder adicional das empresas, influenciando as escolhas dos
camponeses e gerando certa fidelidade às mesmas e até a certas marcas de produtos.
Um outro mecanismo, muito representativo nas diferentes áreas de produção de frutas
irrigadas, corresponde a ação dos atravessadores no controle da comercialização das frutas
produzidas pela agricultura camponesa. Essas relações estabelecidas entre camponeses e
atravessadores são contraditórias e interdependentes, visto que no âmbito da comercialização
agrícola, um depende do outro para se reproduzir, mesmo que esses segundos tenham maior
poder sobre os primeiros.
288
Assim, fica evidente que a sujeição da agricultura camponesa ao capital, por meio da
expansão do uso de objetos técnicos-científicos na fruticultura irrigada no Nordeste Semiárido,
se dá através de um conjunto complexo de relações, simultaneamente complementares e
contraditórias, que são dinâmicas e se estabelecem de forma intensa no território.
Com base nas proposições de Santos (1999, 2000) e Martins (1990, 1999), fica evidente
que a sujeição da agricultura camponesa ao capital na fruticultura irrigada ocorre devido sua
inserção em uma lógica globalizada que impõe restrições, perda de autonomia e condições
desfavoráveis aos seus usos do território. Essa dinâmica é fortemente influenciada pelas
imposições de produção estabelecidas pelo capital, difundidas no território por meio das ações
das empresas agroindustriais, empresas comerciais de insumos agrícolas e até mesmo pelo
Estado, que financia tais processos por meio de políticas direcionadas a agricultura.
Não obstante, depreende-se que a sujeição da agricultura camponesa associada à
fruticultura irrigada ao capital não se limita apenas à exploração da força de trabalho, mas se
estende aos meios de produção essenciais para sua efetivação. Além dos insumos, máquinas e
implementos agrícolas, é crucial destacar a importância da infraestrutura de suporte à produção
camponesa, como canais de irrigação, estradas, armazéns, instalações de processamento e
comercialização. Esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento das atividades
agrícolas e sua ausência ou inadequação impõe sérios entraves à capacidade produtiva, ou seja,
sua forma particular de usos do território.
Apesar das condições impostas pelo capital, é possível observar resistências por parte
dos agricultores camponeses em relação ao uso de materiais alinhados com a produção
capitalista globalizada. Essa resistência surge da sua incapacidade de se submeterem
completamente ao domínio do capital, resultando na manutenção de práticas produtivas e
métodos de cultivo tradicionais, preservação de valores culturais, saberes localmente
compartilhados, e sobretudo sua conexão com a terra. Trata-se de características típicos da
concepção de território como abrigo para os camponeses.
Exemplos notáveis de resistência e preservação de tradições camponesas podem ser
encontrados nos agricultores do Sítio Sacramento em Ipanguaçu e do Sítio Boqueirão em
Quixeré. Em face da expansão do cultivo de bananas em suas unidades produtivas, eles se
destacam pela manutenção das práticas tradicionais associadas à criação animal.
Um aspecto relevante é a manutenção da tradição do cultivo baseado no uso de adubos
orgânicos produzidos internamente nas próprias unidades camponesas. Isso resulta em uma
redução da dependência em relação aos insumos provenientes do mercado local. Ao adotarem
essa abordagem, os agricultores reforçam a autonomia e a sustentabilidade de suas práticas
290
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304
ANEXO 1
Número da Nomenclatura
tabela
Produção, Valor da produção, Venda, Valor da venda, Colheita, Área plantada
6956 e Efetivos das plantações da lavoura permanente nos estabelecimentos
agropecuários, por tipologia, produtos da lavoura permanente e grupos de área
total.
Produção, Valor da produção, Venda, Valor da venda e Área colhida da
6959 lavoura temporária nos estabelecimentos agropecuários, por tipologia,
produtos da lavoura temporária e grupos de área total.
Número de estabelecimentos agropecuários com uso de irrigação e Área
6857 irrigada dos estabelecimentos agropecuários, por tipologia, método utilizado
para irrigação, sexo do produtor, classe de idade do produtor e existência de
energia elétrica.
Número de estabelecimentos agropecuários com recursos hídricos, por
6860 tipologia, tipo de recurso hídrico, sexo do produtor, classe de idade do produtor
e condição do produtor em relação às terras.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, forma de obtenção
6781 de informações técnicas recebidas pelo estabelecimento, sexo do produtor,
condição do produtor em relação às terras, classe de idade do produtor e
escolaridade do produtor.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, uso de adubação,
6847 sexo do produtor, classe de idade do produtor, escolaridade do produtor e
forma de obtenção de informações técnicas recebidas pelo estabelecimento.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, uso de calcário
6850 e/ou outros corretivos do pH do solo, origem da orientação técnica recebida e
grupos de área total.
Número de estabelecimentos agropecuários, por tipologia, uso de agrotóxicos,
6851 sexo do produtor, condição do produtor em relação às terras, escolaridade do
produtor e associação do produtor à cooperativa e/ou à entidade de classe.
Número de estabelecimentos agropecuários e Número de tratores,
implementos e máquinas existentes nos estabelecimentos agropecuários, por
6872 tipologia, tratores, implementos e máquinas existentes no estabelecimento
agropecuário, sexo do produtor e classe de idade do produtor.
Número de estabelecimentos agropecuários que não utilizaram sistema de
6855 preparo do solo, Número de estabelecimentos agropecuários que utilizaram
sistema de preparo do solo, Número de estabelecimentos agropecuários que
utilizaram cultivo convencional, Número de estabelecimentos agropecuários
que utilizaram cultivo mínimo, Número de estabelecimentos agropecuários
que utilizaram plantio direto na palha e Área com plantio direto na palha, por
tipologia, sexo do produtor, classe de idade do produtor e condição do produtor
em relação às terras.
0810.90.11 Carambolas
0810.90.13 Jacas
0810.90.14 Lechias
0810.90.15 Maracujás
0810.90.16 Pitaias
0813.20.10 Ameixas com caroço
0813.20.20 Ameixas sem caroço
1801.00.00 Cacau inteiro ou partido, em bruto ou torrado
1207.70.10 Sementes de melão, para semeadura
1207.70.90 Sementes de melão, exceto para semeadura
Quadro 04: Códigos e nomenclaturas dos fertilizantes importados pelo Brasil de acordo
com a Nomenclatura Comum do Mercosul.
31025011 Nitrato de sódio, natural, com teor de nitrogênio (azoto) não superior a 16,3% em peso
31031010 Superfosfatos, com teor de pentóxico de fósforo (P2O5) não superior a 22%, em peso
Superfosfatos, com teor de pentóxico de fósforo (P2O5) não superior a 22% mas não
31031020
superior a 45%, em peso
31031030 Superfosfatos, com teor de pentóxico de fósforo (P2O5) superior a 45%, em peso
Hidrogeno-ortofosfato de cálcio, com teor de pentóxido de fósforo (P2O5) não superior a
31039011
46%, em peso
31039019 Outros hidrogenos-ortofosfatos de cálcio
31039090 Outros adubos ou fertilizantes minerais/químicos, fosfatados
309
31042010 Cloreto de potássio, com teor de óxido de potácio (K2O) não superior a 60%, em peso
31042090 Outros cloretos de potássio
31043010 Sulfato de potássio, com teor de óxido de potássio (K2O) não superior a 52%, em peso
31043090 Outros sulfatos de potássio
Sulfato duplo de potássio e magnésio, com teor de óxido de potássio (K2O) superior a
31049010
30%, em peso
ANEXO 2
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Agricultores familiares camponeses
IDENTIFICAÇÃO DO AGRICULTOR
Município: _____________________________________ Data: ____/____/_____ Horário:_____:______
Nome do entrevistado: ________________________________________________________________________
Nome da propriedade/Sítio: _________________________________________________________
Vinculado à perímetro irrigado? Qual? _________. _________________________________________________
13.1. Produções de outros tipos de frutas irrigadas? (a) Sim (b) Não (c) Quais?
Cultura agrícola Quantidade Área colhida (ha) Destino da Valor da
produzida (ton) produção agrícola produção
19. A comercialização é realizada pelos membros da família? (a) sim (b) não
20. Qual o destino das frutas produzidas na propriedade?
(a) Consumo na propriedade (b) Venda para agroindústria (c) Venda para intermediários
d) Venda para cooperativa (e) Venda para supermercados (f) Venda em feiras livres
21. Havendo a venda para intermediários (atravessadores), quais os produtos fornecidos e valores pagos?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
21.1. Qual a periodicidade das vendas aos intermediários (atravessadores)?
__________________________________________________________________________________
22. Qual a condição do preço de comercialização das frutas produzidas?
(a) Preço fixo (b) Preço pós-fixado (consignação) (C) Misto
Outra condição:____________________________________________________________________
23. O produtor realiza comercialização via políticas públicas como o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) ou Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)?
( ) Sementes
( ) Adubos/Fertilizantes
( ) Agrotóxicos
( ) Calcário
( ) Materiais de irrigação
( ) Máquinas e
Implementos
( ) Outros
26. Há uma relação entre a compra dos insumos e as exigências de produção impostas pelos
atravessadores e/ou agroindústrias?
5.
36. Recebe ou contrata assistência técnica na produção de frutas? (a) Sim (b) Não
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
39. Existem carências ou deficiências nos serviços técnicos prestados prelos respectivos órgãos sobre a
produção de frutas irrigadas? Quais? ____________________________________________________
__________________________________________________________________________________
42. Qual a média do valor pago ao membro da família que trabalha na produção? _________________
__________________________________________________________________________________
Quantos? __________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
316
ANEXO 3
317