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O Nordeste desconstruído ou reconstruído?

journals.openedition.org/confins/21089

Texte intégral

Os elementos relativos à construção do imaginário social coletivo do Nordeste brasileiro


foram postos antes mesmo de sua configuração como região, nos termos da política de
divisão regional implementada no Brasil a partir da segunda metade do século XX
(Figura, 1). A dinâmica de regionalização empreendida, além de culminar na construção
da região (esboço do final dos anos 1960 e revalidada no final dos anos 1980, como uma
categoria objetiva e concreta, alvo das ações das políticas públicas de planejamento),
suscitou uma ambiência propícia ao reforço de sentimento de pertencimento
(regionalismo) impar no país e ainda vigente, mesmo com transformações de ordem
política empreendidas na segunda metade do século XX e no início do século XXI.

Figura 1 – Esboços de regionalização do país no século XX

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Na segunda metade do século XX, assentadas em um discurso regionalista, as elites
locais (maior peso políticas) são embaladas em movimento de desconstrução de
conjunto de representações diversas do Nordeste, explicito em nível de complexidade a
envolver variáveis múltiplas: de caráter natural, econômico e político.
A citada desconstrução se deu a partir do Governo dos Militares (1964 a 1985), com
adoção de estratégia a: i. suplantar limite de representação associado à escala dos
estados (das antigas Capitanias Hereditárias); ii. adequar elementos simbólicos
preexistente (do passado) à configuração espacial hodierna da região.

Como uma construção da segunda metade do século XX, nos perguntamos se ela ainda
persiste no adentrar do século XXI. Primeiro face aos desdobramentos da Crise do
Estado Moderno, especificamente o empoderamento dos Estados Locais na Reforma
Constitucional (1989). Segundo em relação aos governos que se sucederam nos últimos
anos.

Trabalharemos, neste sentido, com um recorte arbitrário, a lidar com elementos


representativos de uma construção atinente à: i. Quinta República – instauração da
Ditadura Militar no país, de 1964 a 1985; ii. Sexta República – movimento de
redemocratização iniciado em 1985 (com o Movimento Diretas Já) e consolidado na
contemporaneidade em contraponto à representação do Nordeste no recorte temporal
anterior.

Quinta República
Na Quinta República, a política de homogeneização-pasteurização idealizada rompe com
imagem de um Nordeste diverso, vislumbrada em síntese construída por Manuel Correia
de Andrade em “A Terra e o Homem do Nordeste” (1ª edição 1963). Ao partir da noção
Lablachiana de Região Geográfica ele soube caracterizar conjunto de sub-regiões
(Figura 2) a denotar níveis de complexidade na configuração espacial da região.

Figura 2 – Regiões geográficas do Nordeste brasileiro

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Fonte: Adaptado de Andrade (1964 apud DANTAS, 2000).

Na apreensão de dinâmicas atinentes à Zona da Mata e ao Sertão, Andrade dialoga com


cronistas do passado e possibilita vislumbre de elementos construtivos de imaginário
social coletivo diverso, a cotejar embate (pela hegemonia política na região) entre as
áreas mais dinâmicas do Nordeste. No primeiro caso, a Zona da Mata, representativa de
uma construção simbólica encabeçada por Gilberto Freire em “Casa Grande e Senzala”
(1ª edição 1933), a remeter a uma ambiência natural, de terra roxa fértil, validada em
ambiência social e econômica a justificar uma elite política hegemônica (ator principal
Senhores de Engenho) dependente da produção de açúcar para o estrangeiro e pautada
no trabalho escravo. No segundo caso, o Sertão, a apresentar outra imagem concebida
por Djacir de Menezes em “O Outro Nordeste” (1ª edição 1937), a descrever uma
ambiência natural semi-árida (caatinga) em relação à qual se assentava uma sociedade
cujo ator principal era o Coronel em convivio com os moradores das fazendas, em uma
economia diferenciada, inicialmente de caráter regional (produção de carne seca) e a
adentrar, na segunda metade do século XIX, no sistema mundo como fornecedora de
algodão às industrias inglesas.

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A desconstrução desta imagem diversa implica na indicação de um outro Nordeste,
marcado pela oligarquia do Sertão, que se estabelece graças à tomada do controle
político regional, arrancando-o lenta e gradualmente das mãos da oligarquia do Nordeste
da Cana de Açúcar (Zona da Mata) (OLIVEIRA, 1981). Tal passagem é possível
apreender nas interpretações romanescas. Elas desenham uma realidade concreta cujos
elementos permitem a constituição de um imaginário social a tornar compreensível os
simbolismos representativos das relações entre os homens e dos homens com o meio,
subjacentes, além das representações, aos discursos regionalistas. A citada
caracterização resulta da extensão dos limites espaciais do Sertão ao do Nordeste inteiro
(DANTAS, 2000), posto sertanejo (Habitante do Sertão) tornar-se sinônimo de
Nordestino. Assim, a noção de pobreza vinculada à de semiaridez é generalizada a partir
da delimitação do Polígono das Secas (curva das isoietas) pela lei nº 1348 (10/02/1951)
(Figure 3).

Figure 3 – Polígono das Secas

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Source: ANDRADE, Manuel Correia de (2006). Sertão ou Sertões. In: SILVA, J.B.;
DANTAS, E.W.C. ; ZANELLA, M.E.; MEIRELES, A. J. A. Litoral e Sertão. Fortaleza:
Expressão Gráfica.

E a partir da premissa acima que a natureza, « fundamento geográfico da produção »,


adquire importância como base material da construção do imaginário sociopolítico e
recurso ideológico favorável a certos atores (CASTRO, 1996). Nasce assim uma
oligarquia agrária muito influente na escala regional e nacional, graças ao
estabelecimento de acordos com outras elites regionais do Centro-Sul, inicialmente com
a oligarquia e posteriormente com a burguesia industrial.

A inserção pautada em discurso regionalista suscita o delineamento de um sistema


socioespacial dependente das ajudas e subvenções do governo federal a permitirem: i. a
construção de vias promotoras da integração do Sertão ao Mercado: as ferrovias e as
estradas; ii. o estabelecimento de organismos públicos federais no Nordeste e sobretudo
nas capitais: organismos públicos diversos (universidades, bancos públicos,
especificamente o Banco do Nordeste do Brasil - BNB) e organismos públicos de
planejamento (DNOCS e SUDENE) ; iii. a política de industrialização dos anos 1960.

Nestes termos, a tônica da crítica passa a repousar nas crises climatéricas seguidas
(Secas), consideradas responsáveis pelo desmonte da base de produção agropecuária e
a justificar adesão das elites locais à política de industrialização do país e conforme
orientações da SUDENE, associadas ao ideário do combate aos desequilíbrios regionais
no país.

Grosso modo, o desdobramento de tal política, apoiada em seus primórdios em


subsídios públicos, suscitou resultados controversos. De um lado, não resta dúvida que
sua consolidação implicou em nível de modernização sem precedentes na Região, com
consequente ampliação da classe média e constituição de uma elite urbana associada
não somente ao setor primário, mas também ao secundário e terciário. De outro lado,
não conseguiu lidar com desafios apresentados, relativos aos desequilíbrios regionais e
à resolução de problemas sociais.

No primeiro domínio, dos desequilíbrios regionais, ainda se vislumbra concentração das


indústrias, no século XXI, favorável a outras regiões do país e, paradoxalmente, a
política implementada gerou outro nível de desequilíbrio e a denotar quadro de
concentração das indústrias na Zona Costeira e, principalmente, nos núcleos urbanos de
Salvador, Recife e Fortaleza e suas regiões metropolitanas (Figura 4).

Figura 4 – Distribuição de Empresas Industriais no Brasil

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Fonte: THERY; DE MELLO-THERY (2018).

No segundo domínio, problemas sociais, considerando a série histórica de concentração


de renda no grupo dos 1% mais rico do país, vislumbra-se aumento do volume de
concentração da riqueza, a atingir os patamares mais elevados da curva histórica
(MARRERO, 2015) (Gráfico 1).

Gráfico 1 –  Série histórica da concentração de renda nas mãos do 1% mais rico da


população do Brasil (1925/2015)

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Fonte: Marreiro (2015) - Adaptação do autor a partir de estudo feito por Pedro Ferreira de
Souza, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da UnB, com
base na Receita Federal e órgãos predecessores, Ministério da Fazenda, IBGE e outros.

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Sexta República
Em virtude da falência do modelo de estado moderno no Brasil, na segunda metade dos
anos 1980, as políticas públicas de planejamento indicadas anteriormente se mostraram
inapropriadas. Com a reforma constitucional de 1989, o modelo centralizador e ditatorial
de governo é substituído por modelo democrático reforçado em política de
descentralização do poder.

A reforma constitucional permite, de um lado, a transferência de recursos controlados


pelo governo central para os estados e municípios e, de outro lado, a possibilidade de
captação direta de recursos financeiros no estrangeiro. Estes dois aspectos são
basilares na constituição de lógica na qual os estados brasileiros passam a estruturar e
assegurar as políticas locais de desenvolvimento. Significa fim de modelo representativo
de uma articulação dependente das escalas local e regional à escala nacional, na
medida em que a reforma constitucional permitiu o estabelecimento de relações mais
amplas, integrando a escala internacional e a permitir estabelecimento de parcerias dos
governos locais/organismos regionais (notadamente o Banco do Nordeste) com os
organismos internacionais de financiamento, principalmente o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).

Tal nível de inserção implica no abalo do imaginário da seca como tragédia e


consubstancia novos espaços de produção, um espaço econômico, social e político
fundado na agricultura irrigada e no turismo, a evidenciar novos atores regionais: i.
segmento importante da elite política, notadamente os detentores de grande poder de
assimilação e reprodução; ii. pequeno número de empreendedores privados e
funcionários da administração pública (CASTRO, 1996).

Os atores supracitados são agentes e depositários de novo discurso, veiculado no meio


empresarial por revistas e jornais que exploram: aspectos ligados às possibilidades
oferecidas pelo Nordeste aos investimentos privados, tanto seus recursos naturais como
sua localização (proximidade) em relação ao mercado internacional. Nestes termos,
indica discurso de caráter técnico associado ao semiárido e a versar sobre: a) a ausência
de chuvas e as taxas de insolação elevadas como dado importante e positivo no
desenvolvimento da agricultura irrigada; b) a paisagem litorânea e o clima como
importantes mercadorias turísticas.

Da imagem de região habitada por miseráveis converge-se à de uma região rica em


oportunidades e a dispor de uma natureza excepcional, totalmente adaptada a uma
demanda internacional de alimentos (grão nobres e frutos tropicais) e de ambiências
turísticas nas praias, restando algumas questões a resolver: acesso à água e construção
e reforço da infraestrutura de transporte terrestre e aéreo.

Do posto vislumbra-se uma fragmentação da região, convergindo dos gêneros de vida


representativos das relações entre os homens e destes com seu meio a políticas de
desenvolvimento econômico [Silva, 1999], responsável da constituição de um Nordeste

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do Agronegpócio e de um outro do Turismo, o primeiro assentado nas zonas de várzea,
nos platôs e cerrado e o segundo na zona costeira. (Figure 5).

Figure 5 – Fragmentação do Nordeste

Nordeste do Agronegócio
A produção de grãos nobres e de frutas se encontra em crescimento no Nordeste,
reforçando especialização da região em produtos valorizados no mercado internacional.
A partir de financiamentos gerenciados pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), dez
polos são criados no Nordeste (cf. la Figure 6). Nestes termos, a região retoma sua
posição como produtora de alimentos na escala internacional, especificamente grãos
(soja) e frutas tropicias (abacaxi, banana, côco, goiaba, limão, mamão, manga, melancia,
melão e uva).

O desdobramento desta racionalidade é indicado em documento do Plano Nacional de


Ordenamento Territorial do Ministério da Integração Regional (PNOT, 2006): i. a denotar
forte presença da soja na região e a justificar mudança de lógica de produção de grãos,
na qual o citado produto ocupa 74,3% da superfície cultivada e assegura 2/3 da
produção de grãos nos polos; ii. a caracterizar os polos de irrigação como produtores de
frutos, existindo dentre eles polos de produção mista, como registrado nos polos 3, 4 e 6;
iii. a explicitar destinação, sobretudo, à exportação, permanecendo uma parte da
produção no mercado local.

Os desdobramentos no nível de ordenamento do território tem forte incidência no


redimensionamento da estrutura urbana no campo, em processo de urbanização a
favorecer fortalecimento das cidades médias (concentradoras de volume de serviços e
bens necessários à pujante economia do agronegócio), bem como intensa e precária
urbanização de pequenos núcleos urbanos, a concentrar contingente populacional no
entorno das áreas de produção (ELIAS, 2006).

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O Nordeste do Turismo
No final dos anos 1980, a atividade turística recebe especial atenção nas políticas de
desenvolvimento adotadas pelos estados nordestinos, destoando do quadro de
ordenamento do espaço preexistente.

A espacialização dos investimentos nos programas de desenvolvimento do turismo


(PRODETUR I e PRODETUR II) nos levam a compreender a essência das políticas
públicas. Voltados à disponibilização de infraestrutura, é implementada uma
racionalidade diferenciada da anterior e que convidava o sertão a se abrir. À lógica
anterior, se estabelece uma logística pautada no aeroporto e articulada às vias
litorâneas, instituindo uma racionalidade de ocupação paralela à zona costeira. Os
investimentos na construção de vias litorâneas e de aeroportos, inclusive reformas,
modifica plenamente a dinâmica urbana da região. Nela as capitais se instituem como
lócus de recepção e de distribuição dos fluxos turístico na zona costeira e de preferência
nos municípios litorâneos das principais regiões metropolitanas do Nordeste: Fortaleza,
Natal, Recife e Salvador (DANTAS, 2013).

Do apresentado, vislumbra-se tônica de modernização das metrópoles nordestinas e


respectivas regiões metropolitanas, pautada em padrão de urbanização dispersa,
marcada pela: i) linearidade - ditada por dinâmica a acompanhar paralelamente a zona
costeira, e com largura ínfima; ii) fragmentação - representativa de uma urbanização não
contínua e, consequentemente, focada em algumas parcelas do território metropolitano;
iii) sazonalidade – derivada da natureza da atividade turística, focada na alta estação, e a
suscitar uma problemática em relação à qual a instituição da vilegiatura marítima e dos
esportes náuticos e aquáticos é vislumbrada como complementar (DANTAS, 2013).

As políticas de desenvolvimento indicadas acima forma, grosso modo, implementadas no


governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB, no período de 1995 a 2003,
aproveitando-se de reformas econômicas, políticas e administrativas delineadas,
principalmente, pelos governantes do PMDB: José Sarney (1985 a 1989) com a reforma
da constituição e Itamar Franco (1992 a 1995) com o Plano Real, respectivamente ações
de caráter político/administrativo e econômico).

Impossível questionar o quanto ao Nordeste foi acrescentada uma imagem positiva,


derivada da capacidade das elites locais estabelecerem alianças no sentido de
modernizar seus estados. O regionalismo é assim fragilizado e a temática da gestão,
capacidade organizacional dos estados locais, ocupa espaço principal no cenário político
e a denotar conjunto de estados dinâmicos em contraponto a estados a vivenciarem
problemas de ordem diversas, a impedir honrar seus compromissos em relação aos
organismos internacionais e ao estado central.

Entretanto, a tônica imposta dispôs de um viés conservador, a não lidar devidamente


com os problemas sociais existentes. Não por acaso acompanhamos a persistência de
temas clássicos na agenda política nacional, como o da fome, a justificar slogan do

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primeiro governo do PT (Lula) (2002-2010), e o da participação política da sociedade civil
organizada no governo.

No primeiro domínio, de combate à fome, se justifica implementação de conjunto de


programas, com destaque ao Bolsa-Família (2004), carro-chefe dos programas sociais,
criado com reformulação e fusão de programas já existentes e a beneficiar famílias em
situação de pobreza; ii. Programa Cisternas, política de acesso à água, principalmente, à
população do campo. No relativo ao primeiro programa, Thery e Mello-Thery (2012) são
enfáticos ao externalizar importância do mesmo em relação às demais regiões do país,
“atingindo entre 150 e 260 beneficiários em cada mil habitantes” (Figura 6). Quanto ao
segundo e vis-à-vis a existência de índices elevados de insegurança hídrica a afetarem
as populações menos abastadas no semiárido, foram entregues mais de 1 milhão de
tecnologias sociais de acesso à água, sendo 877 mil cisternas de placas para o consumo
humano, 143 mil para a produção de alimentos e 4 mil cisternas escolares.

Figura 6 – Beneficiários da Bolsa Família

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Fonte: THERY; DE MELLO-THERY (2018).

Concomitantemente, as políticas de modernização no domínio da infraestrutura hídrica,


viária e aeroportuária associada direta e indiretamente ao domínio do agronegócio e do
turismo, foram continuadas: i. Programa de Aceleração do Crescimento; ii. Transposição
do Rio São Francisco; iii. TransNordestina, projeto de infraestrutura ferroviária.

No segundo domínio, da participação política da sociedade civil organizada no poder, o


governou focou em política de reforço do judiciário e das instâncias de representação
popular no governo. No país fica evidente o processo de fortalecimento do judiciário,
ênfase dada ao Ministério Público, e instituição de lógica de composição dos Conselhos
de Instituições e Organismos Públicos com membros da sociedade civil organizada.

Entretanto, as ações não se fizeram sentir como esperado. De um lado a temática da


fome ainda permanece na ordem do dia, mesmo considerando maior amplitude dada as
políticas sociais no governo do PT (Lula e Dilma Roussef). De outro lado, o
fortalecimento do judiciário e a mudança de orientações políticas em relação à

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participação popular convergem ao trato de problemas estruturais persistentes no país:
corrupção na “máquina pública” e priorização dos interesses econômicos em relação aos
da sociedade.

A construção do Nordeste do Agronegócio e do Turismo (sobretudo no domínio


socioeconômico), bem como as ajudas direcionadas aos menos abastados, não
possibilitaram eliminação da fome na região.

O Nordeste ainda é a região mais afetada, com os dados de segurança alimentar mais
baixos do país. A região permanece ainda na última posição (Gráfico 1), se
considerarmos os dados de 2004 (à esquerda) e 2013 (à direita) com nível de segurança
alimentar de 46,4% (2004) e 58,1% (2013).

Source: IBGE: Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílio – PNAD, 2004 et 2013.

Com o judiciário (autônomo) fortalecido, práticas de corrupção a envolver inúmeros


partidos políticos e figuras públicas são investigadas e atingem até o PT, com
desdobramentos impensados à época: impeachment de Dilma Rousseff, aprisionamento
de Lula após julgamento em segunda instância. Vivencia-se, nestes termos, uma crise
política cujos desdobramentos culminaram na fragilização de partidos consolidados no
país: de um lado, PMDB, PSDB e DEM (com menor representatividade no Congresso e
Senado após a eleição de 2018 e se comparada à eleição anterior) e, de outro, o PT (a
não eleger candidato à presidência da república, perdendo assim para o PSL, partido
pelo qual Jair Bolsonaro concorreu e a dispor, hoje, da segunda maior bancada do
Congresso).

O inusitado neste domínio é que independente da minimização dos discursos


regionalistas vigentes no Nordeste e vis-à-vis a região fragmentada a se conformar no
fortalecimento dos estados locais, a leitura da mídia nacional, reforçada por bom número
de especialistas e políticos, retoma a ideia do Nordeste homogêneo e, no caso em foco,
último baluarte do PT, isto mesmo face a existência de um comportamento médio de
votação a externalizar também comportamento destoante do universo dicotômico (PT-
PSL) apresentado e a indicar uma terceira via, a do candidato do PDT, Ciro Gomes (ex-
governador do Ceará).

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Figura 8 – Eleições 2018, 1º Turno

Fonte: GAZETA DO POVO, 2018.

Embora a participação da sociedade civil organizada nos conselhos consultivos e


deliberativos tenha impactado enormemente na cultura das instituições publicas
brasileiras, lhes dando uma nova dinâmica, a referida se deparou com grandes
dificuldades em fazer valer seus interesses em detrimento dos de magnitude econômica.

É possível vislumbrar a questão acima no concernente à Questão Ambiental e


independente dos avanços registrados, se comparado a um passado relativamente
recente. Na ação dos governos dos estados locais há, predominantemente, uma adesão
quase cega à dimensão econômica, tornando difícil o atingimento de metas
ambientalistas de redução do carbono, a título de exemplo. No estado ainda se
apresenta possibilidade de atuação pelas vias judiciárias e a contar com a parceria do
Ministério Público. Nas próprias comunidades tradicionais a luta se torna cada vez mais
difícil e posto em seu interior existirem indivíduos seduzidos pelo ideário das políticas de
modernização voltadas a seus territórios tradicionais.

Paradoxalmente, vislumbramos a convivência de uma prática do passado


(ambientalmente incorreta) com lógica contemporânea de valoração das questões
ambientais no cenário nacional e a coadunar com o internacional. De uma região, dada
sua densidade histórica, afetada por processo intenso de degradação do semiárido com

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práticas agropastoris, vislumbra-se sua ampliação aos cerrados (adquirindo proporções
similares aos fronts de modernização da agricultura em escala nacional) e, em
movimento ímpar, às zonas de praia.

Na última zona, a deixar marcas na paisagem litorânea da região metropolitana,


representa processo cujas proporções evidenciam problemática social e ambiental sem
precedentes na região, com reforço de fenômeno de expulsão das populações
tradicionais (CAVALCANTE, 2012), do desmonte de dunas, aterro de rios e lagoas (a
culminar intensificação do processo erosivo e a ameaçar o patrimônio construído)
(MEIRELES, 2011; CARVALHO; MEIRELES, 2008). 

Considerações Finais
No recorte temporal aqui evidenciado, vislumbra-se claramente como as mudanças
políticas, econômicas e sociais pelas quais passou a região não suscitou suplantação
plena das imagens negativas do Nordeste. Grosso modo é ela que permeia (ainda) uma
primeira aproximação dos desavisados (principalmente de boa parte dos políticos). Difícil
ainda para os mesmos o vislumbre do Nordeste fragmentado e virtual, explicado, em
parte, por se constituir em uma construção relativamente recente.

Face ao concebido e construído no Nordeste fragmentado, principalmente pelos


governantes do PSDB e do PT, lamentavelmente ainda é frequente o apego dos
representantes do governo atual (Jair Bolsonaro do PSL) à máxima da “Região
Problema”.

Governo eleito em substrato de um partido novo e cuja política pública a implementar é,


no mínimo, desconhecida, vislumbra-se ações voltadas a questões consideradas chaves
e em relação às quais idealizam atuar, especificamente a Reforma da Previdência e o
Combate à Corrupção. As demais questões, dentre elas a “Questão Nordeste”, somente
podemos vislumbrar a partir de alguns pronunciamentos a enfatizarem a problemática da
água, fazendo apelo à necessidade de importação de tecnologias de Israel.

Retomam um conceito obstáculo do passado, da semiaridez, sem a consequente


preocupação em dar continuidade, aprimorar ou redimensionar as ações adotadas em
um passado relativamente recente. Aparentemente não percebem o quanto as políticas
públicas adotada na Sexta República mudaram o cenário da região. A integração das
Bacias Hidrográficas (na escala dos estados e apontamento da regional) e ações no
micro (como a política de construção de cisternas) transformaram a região. Ela
consolidou-se como produtora de alimentos e as populações do campo e das cidades
(principalmente suas metrópoles) não são mais tão duramente afetadas, como no
passado, pelas secas. O problema deixou de ser a existência de água e atualmente se
volta à do consumo, em relação à quem se destina, com prioridade dada aos habitantes
das grandes cidades em detrimento das média e pequenas, e aos empreendedores do
agronegócio, vis-à-vis a agricultura familiar.

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O viés reformista do atual governo, conectado com padrão estabelecido em vários
países na escala mundial, impossibilita vislumbrar o como, no tempo: i. a tônica de
concentração de renda no país impõe pensar em ações paliativas direcionadas às
populações menos abastadas; ii. a estruturação de conselhos consultivos e deliberativos
impactaram na cultura política do país e permitiram a retomada de discussões balizadas,
focadas em temas diversos e segundo interesses múltiplos e, obviamente representativo
de um Nordeste diverso.

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Disparidades e dinâmicas do território, Edições da Universidade de São Paulo
EDUSP, São Paulo 3é ed. 2018

Table des illustrations

Titre Figura 1 – Esboços de regionalização do país no século XX

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Titre Figura 2 – Regiões geográficas do Nordeste brasileiro

Crédits Fonte: Adaptado de Andrade (1964 apud DANTAS, 2000).

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Titre Figure 3 – Polígono das Secas

Crédits Source: ANDRADE, Manuel Correia de (2006). Sertão ou Sertões. In:


SILVA, J.B.; DANTAS, E.W.C. ; ZANELLA, M.E.; MEIRELES, A. J. A.
Litoral e Sertão. Fortaleza: Expressão Gráfica.

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Titre Figura 4 – Distribuição de Empresas Industriais no Brasil

Crédits Fonte: THERY; DE MELLO-THERY (2018).

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Titre Gráfico 1 –  Série histórica da concentração de renda nas mãos do 1%


mais rico da população do Brasil (1925/2015)

Crédits Fonte: Marreiro (2015) - Adaptação do autor a partir de estudo feito por
Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) e da UnB, com base na Receita Federal e
órgãos predecessores, Ministério da Fazenda, IBGE e outros.

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Titre Figure 5 – Fragmentação do Nordeste

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Titre Figura 6 – Beneficiários da Bolsa Família

Crédits Fonte: THERY; DE MELLO-THERY (2018).

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Crédits Source: IBGE: Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílio – PNAD,


2004 et 2013.

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Titre Figura 8 – Eleições 2018, 1º Turno

Crédits Fonte: GAZETA DO POVO, 2018.

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Pour citer cet article

Référence électronique

Eustogio Wanderley Correia Dantas, « O Nordeste desconstruído ou


reconstruído? », Confins [En ligne], 501 | 2019, mis en ligne le 08 septembre 2019,
consulté le 22 décembre 2022. URL : http://journals.openedition.org/confins/21089 ; DOI :
https://doi.org/10.4000/confins.21089

Droits d’auteur

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Creative Commons - Attribution - Pas d’Utilisation Commerciale - Partage dans les
Mêmes Conditions 4.0 International - CC BY-NC-SA 4.0

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/

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