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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.628.478 - MG (2016/0252768-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE


RECORRENTE : SERSA - PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS
AGROPECUARIOS S.A
RECORRENTE : MARCIO ANTUNES FILGUEIRA
RECORRENTE : MARIA DE FATIMA FILGUEIRA PEREIRA
RECORRENTE : CILSON NOGUEIRA DE LIMA
RECORRENTE : CLENIO ANTONIO GONCALVES
RECORRENTE : REJANE MARQUES OLIVEIRA GONCALVES
ADVOGADOS : BERNARDO RIBEIRO CAMARA - MG076740
JOAO ALMEIDA CUNHA RIBEIRO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) -
MG094771
RECORRIDO : JOSE ROBERTO BARBOSA
RECORRIDO : ARILMA APARECIDA GONCALVES BARBOSA
ADVOGADOS : CRISTINA BONTEMPO ALVARES E OUTRO(S) - MG145391
ELEUSA APARECIDA RAMOS - MG147942
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. VENDA DE QUINHÃO DE COISA COMUM INDIVISA. DIREITO


DE PREFERÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
INOBSERVÂNCIA AO DIREITO DE PREEMPÇÃO DOS DEMAIS CONDÔMINOS. AUSÊNCIA
DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA QUE SE DEU APENAS COM O REGISTRO
DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. DISSONÂNCIA ENTRE O PREÇO DO
NEGÓCIO E AQUELE ESTAMPADO NO TÍTULO TRANSLATIVO REGISTRADO EM
CARTÓRIO. PRÁTICA DE PREÇO SIMULADO. ABUSO DO DIREITO. OFENSA À BOA-FÉ
OBJETIVA. PREVALÊNCIA DO DOCUMENTO LAVRADO PELO TABELIÃO E LEVADO A
REGISTRO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a
forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino
na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a
ser considerado para tal fim.
2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução
da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na
aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro
estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a
contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em
decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro
meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do
negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991,
este último aplicado por analogia.
4. Aperfeiçoada a venda (no caso imobiliária) ao terceiro, com a lavratura de escritura
pública e o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis, sem a devida observância
ao direito de preempção, surge para os coproprietários preteridos o direito de ajuizamento de
ação anulatória ou de direito de preferência c/c adjudicação compulsória, desde que o faça
dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do registro da escritura,
cuja publicidade implica a presunção de ciência acerca da venda e das condições do negócio
estampadas no título.

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5. Praticado preço simulado pelas partes, fazendo constar da escritura pública preço a
menor, que não reflita o valor real do negócio, deve prevalecer aquele exarado na escritura
devidamente registrada para fins do direito de preferência, sendo que o registro do título
(que tem como atributo dar publicidade da alienação imobiliária a toda a sociedade,
conferindo efeito erga omnes) é o ato substitutivo da notificação, que deveria ter sido
anteriormente remetida ao coproprietário, mas não foi, não podendo o condômino alienante
valer-se da própria torpeza, a qual denota o abuso do direito infringente da boa-fé objetiva.
6. Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer
do recurso especial, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 03 de novembro de 2020 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se de recurso especial interposto por SERSA - PARTICIPAÇÕES E


EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A. e OUTROS contra acórdão prolatado pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Compulsando os autos, verifica-se que JOSÉ ROBERTO BARBOSA e


ARILMA APARECIDA GONÇALVES BARBOSA ajuizaram ação anulatória de negócio
jurídico cumulada com declaratória de direito de preferência em desfavor de SERSA -
PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A., MÁRCIO ANTUNES
FILGUEIRA, MARIA DE FÁTIMA FILGUEIRA PEREIRA, CILSON NOGUEIRA DE LIMA,
CLÊNIO ANTÔNIO GONÇALVES e REJANE MARQUES OLIVEIRA GONÇALVES, visando
a desconstituição da venda, realizada pela primeira corré para os dois últimos corréus, de
fração de imóvel indiviso de que são coproprietários os autores, exercendo, ademais, o
seu direito de preferência.

O Juízo de primeiro grau proferiu sentença de improcedência dos pedidos,


sobrevindo reforma pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mediante recurso
de apelação, para julgar procedente o pedido de anulação da alienação, determinando,
com isso, a expedição de mandado de registro de aquisição da cota-parte indivisa em prol
dos autores.

O acórdão está assim ementado (e-STJ, fl. 506):

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - ATO JURÍDICO - COMPRA


E VENDA - DIREITO DE PREFERÊNCIA - CONDÔMINO - ALIENAÇÃO
DE PARTE DO IMÓVEL PARA TERCEIRO - AUSÊNCIA DE
NOTIFICAÇÃO - EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA -
DEPÓSITO DO VALOR DA COMPRA E VENDA - ANULAÇÃO DO
NEGÓCIO - TRANSMISSÃO COMPULSÓRIA - SENTENÇA
REFORMADA.
- Evidenciado ser o imóvel em condomínio indivisível, o condômino
que desejar alienar sua fração ideal deve obrigatoriamente notificar os
demais condôminos para que possam exercer o direito de preferência
na aquisição, nos termos do art. 504 do Código Civil.
- O condômino que não teve a oportunidade de exercer o direito de
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preferência poderá fazê-lo após a alienação do imóvel, depositando o
preço e havendo para si a parte vendida sem seu prévio
conhecimento.
- Havendo dúvidas sobre o valor do imóvel deverá ser tomado como
aquele utilizado da Escritura Pública de Compra e Venda, tendo em
vista ser o que dá ciência aos terceiros em relação ao montante da
negociação.

Os embargos de declaração opostos pelos réus foram rejeitados.

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 551-566), interposto com


fundamento na alínea a do permissivo constitucional, os recorrentes apontam a existência
de afronta aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015; e 504,
884 e 1.322 do Código Civil.

Sustentam, em caráter preliminar, haver negativa de prestação jurisdicional


e, no mérito, ter sido devidamente realizada a notificação aos demais condôminos
(recorridos) necessária ao exercício do direito de preferência da cota-parte da coisa
indivisa, sendo prescindível a sua efetivação através de notificação formal, visto que a lei
não exige forma específica para a consecução do ato. Aduzem, além disso, que o preço a
ser pago pelo coproprietário deve corresponder ao valor de avaliação do imóvel ou o
montante pelo qual foi realizada a venda.

Contrarrazões às fls. 572-594 (e-STJ), nas quais os recorridos, além de


refutarem as mencionadas teses recursais, asserem que o contrato particular de compra
e venda juntado aos autos na contestação é simulado.

Admitido o recurso especial na origem, os autos ascenderam a esta Corte


Superior.

É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação


jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de
preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o
parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim.

Relativamente à suscitada preliminar, fundada em nulidade do aresto


hostilizado por deficiência na prestação jurisdicional, verifica-se que o Tribunal estadual
manifestou-se clara e devidamente acerca de todas as questões precípuas alegadas pelas
partes, inexistindo, com isso, negativa de prestação jurisdicional.

Adentrando a análise do mérito, registra-se que a controvérsia precípua recai


sobre o direito de preferência do coproprietário na aquisição do quinhão de coisa comum
indivisível previsto no art. 504 do CC/2002, que assim dispõe:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua


parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O
condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá,
depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o
requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver


benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão
maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os
comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

Na mesma diretriz, estabelece o art. 1.322 do CC/2002, in verbis:

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem


adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o
apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o
condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na
coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão
maior.

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na


coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais,
realizar-se-á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa
àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licitação entre os
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condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal
oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino
ao estranho.

Da leitura do dispositivo legal primevo (art. 504), denota-se que o comunheiro


que pretende alienar o seu quinhão a terceiro estranho ao condomínio deve, antes de
efetivada a venda, dar ciência aos demais condôminos, os quais terão preferência na
aquisição da quota, desde que assim requeiram, no prazo decadencial de 180 (cento e
oitenta) dias, depositando o preço equivalente àquele ofertado ao terceiro.

Nessa óptica, leciona Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro:


contratos e atos unilaterais, volume 3, 17ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2020,
livro digital):

A venda de parte indivisa a estranho somente se viabiliza, portanto,


quando: a) for comunicada previamente aos demais condôminos; b)
for dada preferência aos demais condôminos para aquisição da parte
ideal, pelo mesmo valor que o estranho ofereceu; c) os demais
condôminos não exercerem o direito de preferência dentro do prazo
legal. O direito de preferência é de natureza real, pois não se resolve
em perdas e danos. O condômino que depositar o preço haverá para
si a parte vendida. Tal não ocorrerá se este fizer contraproposta
diferente da que ofereceu o estranho.

Como se vê, é vedado ao coproprietário em coisa comum indivisa vender o


seu quinhão a estranhos, caso outro condômino tenha interesse, tanto por tanto. O
alienante somente se desonera dessa obrigação legal, se notificar, devida e previamente,
os demais consortes e não houver manifestação no prazo legal ou houver desinteresse na
aquisição.

No caso dos autos, ressai incontroversa a condição de indivisão do imóvel,


bem como o ajuizamento da ação anulatória consubstanciada no aludido direito de
preferência dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Em relação à notificação, saliente-se que esta deve ser, em regra, judicial ou


extrajudicial, de modo expresso e com comprovante de recebimento, a fim de demonstrar
a inequívoca ciência, por parte dos outros condôminos, da intenção de venda. Nesse
sentido, assenta-se a doutrina:

Para que um condômino venda sua parte ideal a estranhos sobre


coisa indivisível, deve oferecê-la aos demais condôminos para que
possam livremente exercer seu direito de preferência a essa compra.
Por tal razão, deve ser dado conhecimento dessa venda por
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instrumento que liberará o condômino vendedor de responsabilidade.
Esse instrumento pode ser uma interpelação judicial ou extrajudicial,
por Cartório de Títulos e Documentos ou por carta protocolada, ou
com ciência de recebimento em sua cópia, sempre provando que esse
conhecimento foi dado.
(AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e
atípicos, volume 4, São Paulo: Saraiva Educação, 2019, livro digital)

Nada impede, contudo, que, nos termos do art. 107 do CC/2002, o


conhecimento aos outros consortes se dê por meios informais, uma vez que a lei não
prevê forma específica para tal ato, muito embora se entreveja certa dificuldade de se
comprovar a ciência inequívoca mediante outra prova que não seja a documental.

Aliás, tal cognição já se encontra positivada no art. 27, in fine, da Lei n.


8.245/1991, que regulamenta o direito de preferência na relação locatícia, aplicando-se à
hipótese dos autos (art. 504 do CC/2002) por analogia.

Confira-se, a propósito, a redação do dispositivo legal:

Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa


de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem
preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições
com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio
mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência
inequívoca. (Sem grifo no original)

Importa ponderar, outrossim, que a validade da notificação pressupõe a


informação expressa não só da intenção de venda da fração ideal de titularidade do
coproprietário alienante, mas também das condições do negócio ofertadas ao terceiro, a
exemplo do preço, do tempo e do modo de pagamento.

Nessa linha de intelecção, assenta-se a seguinte lição doutrinária:

A comunicação aos demais consortes, pelo interessado em vender


sua parte ideal, pode ser feita por meios judiciais e extrajudiciais,
como carta, telegrama, notificação pelo oficial de títulos e documentos
etc., de modo expresso e com comprovante de recebimento, devendo
mencionar as condições de preço e pagamento para a venda,
negociadas com o estranho.
(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos
unilaterais - volume 3, 17ª edição, São Paulo: Saraiva Educação,
2020, livro digital)

No presente caso, bem concluiu o TJMG, ao asseverar que a notificação


deve ser expressa e incontestável, via de regra através de documento, e, mesmo que

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admitida a sua realização de forma verbal, como defendem os recorrentes, não é possível
extrair dos depoimentos constantes do feito que foi dada ciência aos autores da real
intenção de venda, bem como do respectivo preço.

Corrobora essa ilação o seguinte excerto do aresto hostilizado (e-STJ, fl.


510, sem grifo no original):

Após análise detida dos elementos probatórios, tem-se que os réus


não cuidaram de demonstrar a ciência dada aos autores da sua
intenção de venda de seu quinhão no imóvel, pois, repita-se, tal
ciência há de ser expressa e incontestável, via de regra por meio de
notificação, portanto, documento que lhes competia juntar aos autos.
Neste sentido, é de se reconhecer que por mais que tenham
demonstrado por meio de testemunhas a ciência dos autores
quanto a intenção, não restou apurado que tenham sido
formalmente cientificados, com preço do imóvel e real intenção
de venda, de forma que pudessem analisar o interesse da
aquisição.
Ainda que se admitisse a forma verbal de comunicação, a verdade é
que os depoimentos indicados pelo magistrado primevo para formação
do seu conhecimento são frágeis, tendo em vista dos depoimentos
não é possível verificar que foi cientificado a parte autora do valor da
intenção de venda, que pelo que se observa dos autos e será
analisado em momento oportuno, discrepa entre o valor apresentado
como devido e aquele declarado ao fisco.

Por outro lado, a inexistência (ou ausência de comprovação) da prévia


comunicação não acarreta a nulidade da venda que se efetivou sem a observância ao
direito de preferência, sujeitando-se a eficácia da alienação à condição resolutiva, caso os
demais condôminos exerçam a opção de compra do quinhão alheado, dentro do prazo
decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Conflui com esse raciocínio a doutrina subsecutiva:

A falta de comunicação não importa em nulidade da venda. O direito


do estranho adquirente, no entanto, fica sob o regime de uma
condição resolutiva. Enquanto não ocorrer a manifestação da
preferência, o terceiro é tido como adquirente do bem e poderá
exercer plenamente o domínio.
O prazo de seis meses com a finalidade de ser ajuizada a ação
anulatória da venda considera-se decadencial, como está expresso no
atual regime, iniciando a fluir a partir do momento da publicidade
decorrente do registro imobiliário, o que já vinha apregoado pela
antiga doutrina. "O prazo de seis meses é prazo preclusivo", diz
Pontes de Miranda. "Dentro dele há de ser exercido o direito de
preferência, depositando o preço (não basta a oferta de depósito).
(RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 18ª edição, Rio de Janeiro: Forense,
2019, pp. 342-343)
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A propósito, já decidiu esta Terceira Turma que, "uma vez ultimado o


negócio sem observância da notificação prévia do condômino, a solução da questão
somente pode se dar na via judicial, pela ação de preferência c.c. adjudicação
compulsória" (REsp 1.324.482/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado
em 5/4/2016, DJe 8/4/2016).

Por derradeiro, cumpre perquirir acerca do preço a ser considerado para os


condôminos (autores) exercerem seu direito à aquisição do quinhão cuja titularidade
pertencia a outra comunheira e ora recorrente SERSA SERSA - PARTICIPAÇÕES E
EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A.

Oportuno relembrar que o art. 504 do CC/2002 expressamente prevê que a


preferência na aquisição se dê "tanto por tanto", ou seja, nos mesmos moldes em que
realizada a oferta ou a venda ao estranho, através de interpretação sistemática desse
artigo legal com os arts. 1.322 do CC/2002 e 27 da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991),
ambos já citados alhures, referindo-se, clara e respectivamente, a "condições iguais de
oferta" e "igualdade de condições com terceiros".

Da mesma forma, preconiza Arnaldo Rizzardo que, "para o condômino fazer


valer o princípio da preferência, cumpre que o mesmo se iguale ao estranho no
oferecimento não só do preço, mas também das condições, o que importa se leve em
conta o prazo e se considerem os juros e outras vantagens" (Contratos, 18ª edição, Rio de
Janeiro: Forense, 2019, p. 345).

A interpretação que os recorrentes pretendem dar à expressão legal "tanto


por tanto", ademais, de que o seu significado caracteriza o valor real do bem (citando,
inclusive, lição doutrinária nesse sentido), não se mostra a mais acertada, a meu juízo,
pois nada obsta que as partes pactuem o preço do negócio jurídico diverso daquele obtido
mediante avaliação, da forma que melhor lhes aprouver, em decorrência do princípio da
autonomia da vontade que rege as relações privadas. Se assim deliberaram coproprietário
e terceiro, a mesma tratativa deve ser estendida aos demais condôminos.

Na hipótese, a discussão vai além. Alegam os autores (ora recorridos) que o


preço válido é aquele constante da escritura pública de compra e venda levada a registro
(R$ 15.000,00 - quinze mil reais), sendo esse o instrumento pelo qual tomaram
conhecimento da venda, ao passo que os réus (ora recorrentes) defendem seja
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considerado o valor de avaliação do imóvel por perícia (R$ 450.698,40 - quatrocentos e
cinquenta mil, seiscentos e noventa e oito reais e quarenta centavos) ou o efetivo montante
pactuado da venda (R$ 360.000,00 - trezentos e sessenta mil reais), conquanto
confessem os requeridos a existência de divergência substancial desta quantia com
aquela prevista na escritura pública.

Amparado em tais premissas, concluir-se-ia que, em princípio, a importância


a ser utilizada como parâmetro para o exercício do direito de preferência deveria ser
aquela efetivamente convencionada entre as partes (R$ 360.000,00 - trezentos e sessenta
mil reais).

Não obstante, a celeuma que se instaurou, no caso em voga, merece um


olhar diferente, em consonância com a vontade exteriorizada e as condutas perpetradas
pelas partes alienante e adquirentes, sobretudo sob a óptica da boa-fé objetiva.

Como ressaltado, o direito de preferência ora em comento só foi


oportunamente exercido pelos recorridos após o aperfeiçoamento da venda da fração ideal
do imóvel comum indiviso por SERSA - PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS
AGROPECUÁRIOS S.A. para CLÊNIO ANTÔNIO GONÇALVES e REJANE MARQUES
OLIVEIRA GONÇALVES, com a celebração da escritura pública de compra e venda e o
registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Entretanto, os recorrentes confessadamente afirmam terem lançado o preço


do negócio jurídico a menor na escritura pública, não refletindo o real valor da compra e
venda realizada.

Tal afirmativa se infere dos excertos subsecutivos retirados das razões do


apelo especial (e-STJ, fls. 563-564):

O TJMG desconsiderou o texto expresso do referido dispositivo que


expressamente condiciona o exercício do direito de preferência ao
pagamento "condições iguais de oferta" sem qualquer vinculação a
eventual valor lançado menor na escritura pública.
[...]
A contrariedade do acórdão recorrido ao art. 884 do Código Civil é
ainda mais evidente.
O acórdão recorrido expressamente informa que "não há que se falar
em outro valor como o de opção de compra pelos autores, na forma
como procederam o depósito" - fls. 403.
A referida passagem, além de confirmar a contrariedade ao art. 504
do CC, como já explicitado no tópico anterior, demonstra a própria
ofensa ao referido art. 884 do CC uma vez que autoriza que o autor se
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enriqueça de maneira surreal. Em um depósito de R$ 15.000,00, o
autor adquire um imóvel avaliado pela perícia em R$ 450.698,40.
Com isso, evidencia-se a contrariedade à exegese do art. 884 do CC
dada pelo acórdão recorrido uma vez que tal artigo expressamente
proíbe que alguém obtenha tamanho proveito econômico sem lhe
fazer jus.
[...]
Se existiu ou não fraude fiscal, essa é uma questão que foge ao
objeto dessa ação. Mas, não pode o Poder Judiciário validar o
enriquecimento sem causa dos recorridos o que acontecerá se
confirmado o acórdão recorrido em verdadeira ofensa ao art. 884 do
Código Civil.

A escritura pública, aliás, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado


de fé pública, fazendo prova plena das informações que nela contiverem, nos termos do
art. 215, caput, do CC/2002, sobretudo com a manifestação clara de vontade das partes e
dos intervenientes (art. 215, § 1º, IV, do CC/2002). Essa formalidade, enfatiza-se, deve ser
observada na compra e venda de imóveis, em regra, segundo estabelece o art. 108 do
diploma substantivo.

Além disso, pontua-se que a perfectibilização do negócio, com a


transferência da propriedade imobiliária, pressupõe o registro do título translativo no
Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC/2002, c/c o art. 172 da Lei n.
6.015/1973), ocasião em que produzirá efeitos erga omnes, alcançando terceiros,
notadamente em virtude do atributo da publicidade.

Desta feita, surgem dois desdobramentos: enquanto não registrado o título, a


avença produz efeitos apenas em relação àqueles que dela participaram; ao passo que,
realizado o registro, tais efeitos atingem toda a sociedade.

Compartilham desse entendimento Nelson Rosenvald e outros:

Sendo os direitos reais oponíveis em caráter erga omnes, há a


necessidade de cientificar a sociedade sobre a situação jurídica dos
bens imóveis, tornando conhecidas por quem tenha interesse toda e
qualquer mutação no cadastro imobiliário. A gênese da publicidade se
dá pelo ato de registro ou averbação, em que surge em potência a
função qualificadora dos títulos apresentados ao oficial. A ausência de
registro produz duas ordens de consequências: (a) entre as partes o
título se resume a gerar eficácia obrigacional; (b) perante terceiros:
não se pode exigir o conhecimento daquilo que não se publica.
(FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD,
Nelson. Manual de Direito Civil - volume único, Salvador: JusPodivm,
2017)

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Diante disso, outra não pode ser a conclusão, a meu sentir, senão aquela
em que a ausência de comunicação prévia aos demais coproprietários, pelo condômino
alienante, acerca da venda do seu quinhão do imóvel comum indiviso ao terceiro estranho
à relação condominial, é suprida pelo registro da escritura pública de compra e venda,
iniciando-se, a partir daí, o transcurso do prazo decadencial do direito de preferência,
porquanto presumida a ciência do negócio, nos limites das informações constantes do
título levado a registro.

Ainda que se cogite de eventual enriquecimento dos autores – em virtude da


substancial diferença entre o valor real do bem, ou efetivo do negócio, e aquele constante
da escritura pública –, não se evidencia ilicitude ou ausência de causa subjacente,
porquanto proveniente de conduta das próprias partes (alienante e adquirentes), que
adotaram preço simulado, substancialmente destoante da realidade, não podendo agora
tirar proveito da própria torpeza, se atuaram à margem da lei, com abuso do direito,
notadamente porque desprovidos de boa-fé objetiva (art. 187 do CC/2002).

Em situação semelhante, que diz respeito ao direito de preferência do


arrendatário de imóvel rural, assim decidiu a Quarta Turma desta Casa (sem grifo no
original):

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. VENDA E


COMPRA DO IMÓVEL POR TERCEIROS. FALTA DE NOTIFICAÇÃO
AO ARRENDATÁRIO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. LEI N. 4.504/1964,
ART. 92, § 4º. DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR CONSTANTE EM
CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E NA ESCRITURA
PÚBLICA REGISTRADA EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO
DE VERACIDADE DESTA. PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA
EXPECTATIVA. BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural
sofre repercussões de direito público em razão de sua importância
para o Estado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo
e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito
de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal
perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra,
garantindo seu uso econômico.
2. O Estatuto da Terra prevê que: "O arrendatário a quem não se
notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel
arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da
transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis" (art. 92, § 4°
da Lei 4.504/1964).
3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite
concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado
pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra
e venda registrada no cartório de registro de imóveis.
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4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado
perante o notário e que revela a vontade das partes na
realização de negócio jurídico, revestida de todas as
solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma
pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de
presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e
garantia para a regularidade da compra.
5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da
própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja
vista que simularam determinado valor no negócio jurídico
publicamente escriturado, mediante declaração de preço que
não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando
menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido.
6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública
foram inseridos livremente pelas partes e registrados em
cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando
efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima
expectativa e confiança geradas, bem como o dever de
lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1175438/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 05/05/2014)

Constata-se, desse modo, que o alegado enriquecimento dos autores


provém de conduta única e exclusiva dos próprios recorrentes, sobretudo da então titular
da parte ideal do imóvel indiviso, SERSA - PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS
AGROPECUÁRIOS S.A., que deixou de notificar os autores e adotou preço simulado na
escritura pública de compra e venda, revelando-se, portanto, impositiva a manutenção do
acórdão recorrido, que, reconhecendo a prática de ilícito autorizante ao exercício de um
direito, julgou procedente o pedido de adjudicação compulsória, visto que presentes os
pressupostos legais do direito de preferência disposto no art. 504 do CC/2002.

Em arremate, considerando-se ineficaz a compra e venda realizada, reputo


desnecessário dar ciência às respectivas instituições competentes para a apuração de
eventual crime de sonegação fiscal, segundo levantado nas contrarrazões.

Por todo o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2016/0252768-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.628.478 /


MG

Números Origem: 00367260520108130480 0480100036726 10480100036726 10480100036726001


10480100036726002 10480100036726003 10480100036726004

PAUTA: 03/11/2020 JULGADO: 03/11/2020

Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MÁRIO PIMENTEL ALBUQUERQUE
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SERSA - PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUARIOS S.A
RECORRENTE : MARCIO ANTUNES FILGUEIRA
RECORRENTE : MARIA DE FATIMA FILGUEIRA PEREIRA
RECORRENTE : CILSON NOGUEIRA DE LIMA
RECORRENTE : CLENIO ANTONIO GONCALVES
RECORRENTE : REJANE MARQUES OLIVEIRA GONCALVES
ADVOGADOS : BERNARDO RIBEIRO CAMARA - MG076740
JOAO ALMEIDA CUNHA RIBEIRO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - MG094771
RECORRIDO : JOSE ROBERTO BARBOSA
RECORRIDO : ARILMA APARECIDA GONCALVES BARBOSA
ADVOGADOS : CRISTINA BONTEMPO ALVARES E OUTRO(S) - MG145391
ELEUSA APARECIDA RAMOS - MG147942

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Compra e Venda

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. BERNARDO RIBEIRO CAMARA, pela parte RECORRENTE: CLENIO ANTONIO
GONCALVES
Dra. ELEUSA APARECIDA RAMOS e Dra. CRISTINA BONTEMPO ALVARES, pela parte
RECORRIDA: JOSE ROBERTO BARBOSA

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial, mas lhe negou provimento,
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nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo
Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra
Nancy Andrighi.

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