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Contrato preliminar. Direito real de aquisição. Opção de compra. Direito de preferência - averbação.
Promessa de compra e venda - eficácia jurídica - simulação - nulidade. Cláusula resolutiva. Cláusula
de arrependimento. CND. Especialidade objetiva. Qualificação registral. Contrato unilateral. Registro
- título - numerus clausus.
CSMSP - Apelação Cível: 0010226-63.2014.8.26.0361
Localidade: Mogi das Cruzes Data de Julgamento: 24/05/2016 Data DJ: 08/07/2016
Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças
Jurisprudência: Indefinido
Lei: CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002 ART: 1417
Lei: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 246, 167 INC: I, II
Lei: LO - Lei Ordinária - 8212 ART: 47 INC: I LET: b
íntegra
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelaçãonº 0010226-63.2014.8.26.0361, da Comarca de Mogi
das Cruzes, em que são partes é apelante RIGIN PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA., é apelado
RVM EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA..
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistraturado Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "Deram provimento ao recurso para julgar a dúvida procedente, v.u.", de conformidade com o voto do
Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente),
SALLES ABREU, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, ADEMIR BENEDITO E RICARDO DIP.
PEREIRA CALÇAS
Apelaçãonº 0010226-63.2014.8.26.0361
Apelante: Rigin Participações e Empreendimentos Ltda.
Apelado: Rvm Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Voto nº 29.242
Em sua impugnação, a interessada/optante sustentou que o título apresentado para inscrição possuiu as
características próprias de uma promessa de venda e compra, com os elementos essenciais ao contrato
definitivo e cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade, de modo a revelar sua registrabilidade, indispensável
ao direito real de aquisição. Argumentou, ademais, a possibilidade do registro da promessa de venda e compra
[2]
sob condição suspensiva e a prescindibilidade das certidões negativas de débitos.
[3]
Depois da manifestação do Ministério Público , a dúvida foi julgada improcedente, com determinação para o
[4]
registro do título apresentado pela optante , razão pela qual a recorrente, terceira juridicamente interessada,
em favor de quem a proprietária outorgou escritura pública de venda e compra do bem imóvel objeto da opção
[5]
de compra, interpôs apelação, reportando-se, então, à dúvida suscitada pelo Oficial.
[6] [7]
Com o recebimento do recurso no duplo efeito , a optante/interessada apresentou sua resposta , sucedida
[8]
por manifestação do Oficial , e, ato contínuo, os autos foram enviados ao C. CSM, onde aberta vista à
[9]
Procuradoria Geral da Justiça, que propôs o desprovimento da apelação . No mais, a recorrente tornou a
[10]
manifestar-se, exibindo documentos , e as irregularidades associadas à prematura inscrição do título,
[11]
realizadas antes do trânsito em julgado, foram saneadas .
É o relatório.
O dissenso versa sobre a registrabilidade da opção de compra e venda de imóvel, formalizada no dia 8 de
novembro de 2013, por meio de instrumento particular subscrito pela Mediterrâneo Empreendimentos
[12]
Imobiliários Ltda., proprietária do bem identificado na matrícula n.º 65.240 do RI de Mogi das Cruzes ,ea
[13]
suscitada RVM Empreendimentos Imobiliários Ltda. , que pretende, com a inscrição, constituir, em seu
favor, um direito real de aquisição.
Com relação ao mesmo bem imóvel, a proprietária tabular, posteriormente, mediante escritura pública lavrada
no dia 14 de novembro de 2014, celebrou contrato de compra e venda com a Rigin Participações e
[14]
Empreendimentos Ltda. , apelante, que, inegavelmente, é terceira juridicamente interessada, com
[15]
legitimidade para interpor recurso de apelação contra sentença que julgou a dúvida improcedente. .
Ora, o acesso da intitulada opção de compra ao fólio real afeta sua situação jurídica; compromete a
incorporação do imóvel ao seu patrimônio. Em resumo, o registro da opção de compra, confirmada a sentença,
irradiará, por certo, efeitos negativos sobre a posição jurídica da recorrente. Assim sendo, sua legitimidade
recursal, questionada pela suscitada, é manifesta.
De resto, não se admite, nessa instância recursal e, especialmente, nessa via administrativa, longe do devido
processo legal e do contraditório, a apuração de um eventual vício intrínseco à escritura pública ou, mais
especificamente, da nulidade do título causal afirmada pela suscitada, que, em sua resposta recursal, aventa a
ocorrência de simulação, cujo reconhecimento, porém, demanda processo contencioso e deliberação no
âmbito jurisdicional.
Quanto ao mérito recursal, a dúvida é procedente, razão pela qual convém dar provimento à apelação, de
sorte a reformar a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do RI de Mogi das Cruzes e
confirmar o juízo negativo de qualificação registral.
A opção de compra ou de venda, negócio jurídico, em sua formação, bilateral, é considerada, sob a perspectiva
de seus efeitos, contrato unilateral. E isso porque, para uma das partes, há apenas vantagens, a constituição
[16]
de direito formativo, enquanto, para a outra, estabelece-se uma situação de sujeição.
Orlando Gomes também a conceitua como contrato e, particularmente, negócio precursor de outro distinto: "a
opção é um negócio jurídico bilateral, mediante o qual estipulam as partes que uma delas permanece
vinculada à própria declaração de vontade, enquanto a outra se reserva faculdade de aceitá-la, ou não.
[17]
Caracteriza-se por ser proposta irrevogável de contratar decorrente de mútuo consenso."
A opção não se confunde, portanto, com as tratativas e negociações preliminares, tampouco se qualifica, na
justa advertência de Orlando Gomes, como um contrato "pendente da condictio juris da aceitação", pois aí não
[18]
seria verdadeiramente um contrato, mas simples oferta, malgrado irrevogável.
Em outras palavras, é um contrato preliminar que, sob o ângulo de seus efeitos, a distingui-lo da promessa
(compromisso) de venda e compra, gera obrigações para somente um dos contratantes: o outro, esclarece
Caio Mário, a quem então se atribui, mediante ajuste, a preferência para realizar o contrato definitivo, tem
[19]
liberdade de efetuá-lo ou não, de acordo com suas conveniências.
De todo modo, ainda que irrevogável e integrada pelos elementos essenciais da compra e venda de bem
imóvel, a opção de compra não é suscetível de registro em sentido estrito. E não porque privada de sua
eficácia, já que, ao reverso, subsiste operante enquanto não vencido seu prazo; tampouco porque estaria (o
[20]
que não é verdade, acima se destacou) subordinada a uma condição legal (conditio iuris ), presente que se
encontra a manifestação de vontade do optante, que participa da formação desse negócio jurídico; mas sim
porque, a par da falta de previsão legal, supõe, para fins de constituição do direito real, opção a ser feita, o
exercício do direito potestativo de preferência, nela, por sua essência, não contemplado.
Vale dizer: a opção de compra de bem imóvel é, por si, por sua natureza, um título desprovido de vocação para
a constituição de direito real; não é, assim, título hábil à constituição de um direito real de aquisição, então ao
Na realidade, a opção de compra de imóvel seria, em tese, somente averbável, e aí com respaldo na abertura
positivada no art. 246 da Lei nº 6.015/1973, a indicar que o rol dos títulos passíveis de averbação (art. 167, II) é
meramente exemplificativo. E justificar-se-ia, à vista do direito de preferência nela previsto e para atribuir-lhe
mais extensa eficácia, pois, conforme oportuno escólio de Francisco Loureiro, "hoje corretamente se admite a
averbação de situações jurídicas que necessitam ganhar realidade ou eficácia contra terceiros, como eficiente
[21]
mecanismo de prevenção e publicidade de tudo aquilo que diz respeito diretamente ao imóvel."
Entretanto, a despeito da denominação atribuída ao contrato apresentado a registro, não se documenta, lá, no
instrumento particular, e nada obstante as ambiguidades e equivocidades que desperta (superáveis pela
intepretação), uma característica opção de compra. Essa, infere-se do que se pontuou, é infensa à convenção
de obrigações recíprocas, ajustadas, porém, in concreto, pelas partes.
Dentro desse contexto, extraído da reconstrução do conteúdo das declarações negociais, com respeito,
[23]
realce-se, à intenção nelas consubstanciada , conclui-se que o contrato em foco amolda-se à categoria da
promessa (compromisso) de venda e compra. Trata-se de contrato preliminar bilateral, na formação e nos
efeitos. O promitente adquirente, suscitado, assumiu também deveres de prestação. Vinculou-se à futura
celebração do contrato definitivo. Concordou, mesmo que sob condição, subordinando assim o pagamento do
saldo a acontecimento futuro e incerto, com a estipulação do contrato de compra e venda.
Tal constatação, contudo, embora determinados o preço e a coisa, não basta ao registro do título,
desautorizado, primeiro, e principalmente, porque garantido o direito formativo ao arrependimento à promitente
[24] [25]
adquirente, consoante cláusula contratual 8.6 . Depois, em atenção à condição (mista e negativa )
[26]
resolutiva pactuada na cláusula 5.5 , de acordo com a qual, não obtida a mudança de zoneamento em 360
dias, contados do pagamento do sinal, qualquer das partes poderia dar por desfeito o contrato.
Estamos, assim, diante (e tomando por empréstimo expressão utilizada por Antonio Junqueira, com
[27]
aproveitamento de seus ensinamentos ) de um contrato preliminar de eficácia (com obrigação) fraca, que
não enseja execução específica e, dentro dessa lógica, a sua inscrição registral, pois o convencionado é
incompatível com a aquisição do direito real de aquisição.
Não se ignora, convém ressaltar, a redação do art. 167, I, 9), da Lei nº 6.015/1973, a permitir o registro em
sentido estrito do compromisso de compra e venda de bem imóvel, ainda que pactuada a cláusula de
arrependimento. No entanto, com o advento do novo CC, prevalece a exigência de irretratabilidade, para fins de
inscrição desse título. É o que se deduz do art. 1.417 do CC, cuja redação se encontra em harmonia com a
[28]
disciplina legal do contrato preliminar . Assim também compreende Francisco Loureiro: "atualmente,
[29]
somente podem ingressar no registro os compromissos irretratáveis."
Por sua vez, as demais exigências formuladas devem ser afastadas. No tocante à referente à especialidade
objetiva, o próprio Oficial reconsiderou sua posição inicial, observando que a pequena, e irrelevante, inexatidão
material contida no título não compromete a exata individuação do bem imóvel, também lá identificado pelo
número de sua matrícula na serventia predial. Isto é, o lapso, insignificante, não coloca em risco os princípios
da especialidade objetiva e da continuidade. Logo, é descartado.
Não se justifica, sob outro prisma, por variadas e diferentes causas, a exibição de CNDs (certidões negativas
de débitos previdenciários e tributários), seja porque sem relação com o registro pretendido, seja porque
[30]
inocorrente alienação de imóvel, pressuposto de incidência do art. 47, I, b, da Lei nº 8.212/1991 , seja por
[31]
força da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz fixada pela Corte Suprema ,a
[32]
dispensá-la, porquanto a exigência, mantida, prestigiaria vedada sanção política .
Caracterizaria, enfim, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se
alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque
mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à
defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu
fundamento e seus fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral
[34]
intencionado .
Conforme Humberto Ávila, "a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido
processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz,
[35]
mesmo que - e isto é essencial - não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário."
Na mesma direção, e sob direta inspiração desses precedentes, forte no ideal de protetividade dos direitos do
[36]
contribuinte, na eficácia e na função bloqueadora característicos do devido processo legal , segue o
subitem 119.1. do Cap. XX das NSCGJ, de acordo com o qual, "com exceção do recolhimento do imposto de
transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de
débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o
registro de títulos particulares, notariais ou judiciais."
Em síntese: conquanto afastadas as pertinências das exigências relacionadas com a exibição de certidões
negativas de débitos e o princípio da especialidade objetiva, ratifica-se o juízo negativo de qualificação, pois o
título, pelas razões aduzidas, não admite registro em sentido estrito.
PEREIRA CALÇAS
[1]
Fls. 2-12.
[2]
Fls. 60-73.
[3]
Fls. 76-84.
[4]
Fls. 85-86.
[5]
Fls. 106-130.
[6]
Fls. 132.
[7]
Fls. 134-154.
[8]
Fls. 156.
[9]
Fls. 162-163.
[10]
Fls. 165-176.
[11]
Fls. 179 e 192-195.
[12]
Fls. 193-195.
[13]
Fls. 29-35.
[14]
Fls. 128-130.
[15]
Art. 202 da Lei nº 6.015/1973.
[16]
Antonio Junqueira de Azevedo. Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
237.
[17]
Contratos. 26.ª ed. Atualizada por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino.
Edvaldo Brito (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 288.
[18]
Op. cit., p. 289.
[19]
Instituições de Direito Civil: contratos. 13.º ed. Atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 71.
[20]
Desprovida da voluntariedade que caracteriza a condição jurídico-condicional.
[21]
Lei de Registros Públicos comentada. José Manuel de Arruda Alvim Neto; Alexandre Laizo Clápis;
Everaldo Augusto Cambler (coords.). Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.281.
[22]
Fls. 29-35.
[23]
Art. 112 do CC.
[24]
Fls. 34.
[25]
Porque a permanência da eficácia do negócio jurídico, subordinada, primeiro, a um não acontecer no
tempo ajustado, à não ocorrência de evento de terceiros (do acaso), dependia, também, e, por conseguinte,
em conjunto com o não-acontecer, da vontade de qualquer um dos contratantes. Quero enfatizar: a condição é
lícita, pois longe de ser qualificada como puramente potestativa.
[26]
Fls. 33.
[27]
Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 250-269.
[28]
Art. 463 do CC.
[29]
Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 7.ª ed. Cezar Peluso (coord.). São Paulo: Manole,
2013, p. 1.491.
[30]
Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes
casos:
I - da empresa:
[31]
ADI nº 173/DF e ADI 394/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008.
[32]
Apelação Cível n.º 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º
0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0013693-
47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n.º 9000004-83.2011.8.26.0296, rel.
Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n.º 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot
Akel, j. 26.8.2014.
[33]
A respeito da proscrição das sanções políticas, cf. Hugo de Brito Machado, in Curso de Direito Tributário.
32.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 509-511.
[34]
Arts. 289, da Lei nº 6.015/1973, 30, XI, da Lei nº 8.935/1994, e 134, VI, do CTN.
[35]
Sistema constitucional tributário. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173.
[36]
A propósito dessa estrutura do princípio do devido processual legal, cf. Humberto Ávila, op. cit., p. 173-
176.
NOTA DO EDITOR:
No DJe de 11/10/2017 (p. 6) foi publicado a denegação do pedido contra despacho denegatório de recurso
especial.
https://kollsys.org/jag