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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 4ª Turma Cível

Processo N. REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 0010082-50.2012.8.07.0018


JUÍZO
MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITORIOS
RECORRENTE(S)
RICARDO DE BARROS VIEIRA,SERGIO AUGUSTO CORREA DE
RECORRIDO(S) FARIA,AIRES HYPOLITO,JOSE AUGUSTO DE OLIVEIRA,PROCOMP
INDUSTRIA ELETRONICA LTDA e BRB BANCO DE BRASILIA SA
Relator Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA

Acórdão Nº 1234109

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. BANCO DE BRASÍLIA S/A. CONTRATO DE


PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DISPENSA DE LICITAÇÃO. SITUAÇÃO EMERGENCIAL.
REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. LESIVIDADE NÃO DEMONSTRADA. SENTENÇA
MANTIDA.

I. A procedência da Ação Popular está adstrita a dois pressupostos: ilegalidade e lesividade, esta
concreta ou presumida, do ato prejudicial ao patrimônio público.

II. Havendo situação emergencial que torna inviável ou deletéria a realização da licitação, não se pode
considerar irregular a dispensa fundada no artigo 24, inciso IV, da Lei 8.666/93.

III. Eventual desídia do administrador quanto à oportuna abertura do procedimento licitatório nem
sempre exclui o quadro emergencial que justifica a dispensa da licitação, sem prejuízo da sua
responsabilização pessoal.

IV. A lesividade, conquanto possa decorrer ou estar compreendida na ilegalidade, não pode ser
presumida em caráter absoluto e por isso constitui pressuposto específico sem o qual não pode ser
julgada procedente a Ação Popular.

V. Remessa Necessária desprovida.

ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, JAMES EDUARDO OLIVEIRA - Relator, LUÍS GUSTAVO B. DE
OLIVEIRA - 1º Vogal e FERNANDO HABIBE - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor
Desembargador SÉRGIO ROCHA, em proferir a seguinte decisão: NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 04 de Março de 2020

Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA


Relator

RELATÓRIO

Trata-se de REMESSA NECESSÁRIA em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos


deduzidos na AÇÃO POPULAR ajuizada por FRANCISCO WILSON MOURA MENESES contra
RICARDO DE BARROS VIEIRA, SERGIO AUGUSTO CORREA DE FARIA, AIRES HYPÓLITO,
JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA e PROCOMP INDÚSTRIA ELETRÔNICA LTDA.

Sem recurso das partes, os autos subiram para Reexame Necessário por força do artigo 19 da Lei
4.717/1965.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, na qualidade de fiscal da


ordem jurídica, argumenta (i) que a emergência provocada não é apta a respaldar a contratação com
dispensa de licitação; (ii) que os preços foram superfaturados e geraram dano que deve ser ressarcido; e
(iii) que a empresa contratada concorreu para as ilegalidades porque contribuiu com a demora na
conclusão da licitação que encerraria os contratos emergenciais.

Requer o conhecimento e provimento da Remessa Oficial.

PROCOMP INDÚSTRIA ELETRÔNICA LTDA sustenta (i) que o TCDF concluiu pela regularidade
de sua contratação emergencial pelo BANCO DE BRASÍLIA – BRB; (ii) que a dispensa de licitação
não provocou nenhum prejuízo; (iii) que os contratos emergenciais anteriores àquele que é objeto da
demanda reforçam a sua regularidade; e (iv) que não há prova do dano alegado.

Pugna pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA - Relator

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço da Remessa Necessária.

A r. sentença julgou improcedentes os pedidos deduzidos na Ação Popular (“declaração de nulidade


do contrato firmado entre o BRB e a PROCOMP LTDA e condenação dos réus, com exceção do
BRB, ao ressarcimento dos danos advindos da contratação, ao BRB”), mediante a seguinte
fundamentação:
A ação popular constitui remédio constitucionalmente assegurado ao cidadão, nos termos do art. 5º,
LXXIII, do art. 5º, da Constituição da República de 1988 (CR/88), e tem por escopo a anulação de ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Diante da dicção do art. 5º, LXXIII, da CR/88, a causa de pedir da ação popular é composta pelo
binômio legalidade-lesividade, cuja configuração é indispensável à anulação do ato impugnado na
exordial.

Nesse compasso, em relação à ilegalidade, a Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular – LAP) elenca nos
arts. 2º a 4º as hipóteses de nulidade e anulabilidade arguíveis no bojo da ação popular, os quais
podem decorrer tanto de ilegalidade em sentido estrito quanto de abuso de poder, por ofensa ao
princípio da razoabilidade.

De outro lado, em relação à lesividade, é oportuno adiantar que o ato lesivo a que alude o art. 5º,
LXXIII, da CR/88 pode se apresentar sob duas formas: (i) lesão material ao erário em decorrência da
desnecessidade da contratação ou do superfaturamento do preço pactuado ou (ii) lesão imaterial à
moralidade administrativa, em razão da escolha da sociedade empresária contratada sem a observância
de certame licitatório apto a assegurar a impessoalidade na celebração da avença.

Com efeito, a ação popular serve à tutela do patrimônio público material e imaterial, haja vista que a
própria CR/88 a prevê como instrumento idôneo à tutela da moralidade administrativa, do meio
ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Portanto, a ação popular pode servir tanto à proteção do
interesse público secundário (fazendário), quanto à proteção do interesse público primário (coletivo ou
transindividual), ainda que neste caso se exija limitação à proteção dos bens jurídicos expressamente
previstos no art. 5º, LXIII, da CR/88.

Assim, em relação aos atos lesivos ao patrimônio material, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem a
orientação de que os atos nulos descritos no art. 4º da LAP têm lesividade patrimonial presumida
(REsp 1.252.697/RJ; AgRg no REsp 1.378.477/SC), ao passo que em relação aos atos nulos descritos
nos arts. 2º e 3º o dano patrimonial deve ser efetivamente comprovado pela parte autora. Em relação
ao ponto, a doutrina pondera que a anulaçãodos atos descritos no art. 4º da LAP independe da
comprovação da lesão ao erário (em razão da presunção legal). A condenação dos réus ao
ressarcimento ao erário, porém, dependerá da comprovação do dano material (tanto no que toca à sua
existência – an debeatur – quanto no que toca à sua extensão – quantum debeatur).

Noutro giro, em relação aos atos lesivos à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao
patrimônio histórico e cultural, como se trata de bens jurídicos imateriais, dispensa-se qualquer
configuração de lesão ao erário para a anulação do ato impugnado, eis que a lesão a tais bens
imateriais já autoriza, por si só, a anulação do ato. Portanto, nesses casos, não há presunção de lesão
patrimonial ao erário, mas desnecessidade de tal lesão como requisito para a anulação do ato
impugnado.

Uma vez firmadas tais premissas, cabe notar que, nesta demanda popular, o autor, sucedido pelo
MPDFT após a apresentação de desistência, pleiteia a anulação de contratos celebrados entre o BRB e
a ré PROCOMP LTDA (Contratos Emergenciais DIRAD/DESEG-2008/153,
DIRAD/DESEG-2009/007 e DIRAD/DESEG-2009/170), com amparo na tese de ilegalidadedas
avenças em razão da dispensa indevida de licitação prévia e da lesão patrimonial ao erário em razão
do superfaturamento do preço pactuado.

A esse respeito, vale mencionar que o autor não individualiza os contratos que seriam objeto de
impugnação, o que pode ser realizado, contudo, por meio da leitura dos documentos que acompanham
a inicial e dos atos processuais posteriores, inclusive daqueles praticados pelo MPDFT na qualidade
de sucessor processual no polo ativo da demanda. Assim, deve-se compreender que a impugnação
abarca os três contratos supra mencionados, pois todos firmados de modo sucessivo, com a mesma
sociedade empresária, no mesmo contexto fático e mediante dispensa de licitação.
Os réus, de sua parte, refutam a configuração de ambos os requisitos exigidos pela CR/88 e pela LAP
para a anulação do contrato impugnado por meio desta ação popular. De um lado, aduz-se a legalidade
dos contratos e, de outro, a ausência de lesão ao erário.

Em relação a tais teses, vale notar que tanto a dispensa indevida de licitação quanto a fixação de preço
superfaturado são fundamentos em tese aptos a configurar a ilegalidadeda contratação, por ofensa ao
art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93 e ao art. 26, III, da Lei n. 8.666/93. De outro lado, a dispensa indevida
de licitação acarreta presunçãode lesão ao erário e a fixação de preço superfaturado comprovaa lesão
patrimonial ao erário. Assim, cumpre examinar de modo analítico cada uma dessas teses em relação
aos contratos impugnados nesta demanda.

2.1. Da configuração de situação emergencial para a dispensa de licitação

No caso ora em apreço, o MPDFT sustenta a ilegalidade dos contratos emergenciais firmados entre o
BRB e a ré PROCOMP LTDA, pois realizados de modo direto com base na configuração de hipótese
de dispensa de licitação (Lei n. 8.666/93, art. 24, IV: situação emergencial), porém sem a
configuração dos requisitos legais.

Em suma, o MPDFT defende que ficou configurada procrastinação proposital do Pregão Presencial n.
01/08 e da contratação da licitante vencedora PERTO S/A, a fim de postergar a duração dos três
contratos emergenciais firmados com a ré PROCOMP LTDA no transcurso do certame.

Os documentos juntados ao feito por linha e relevantes ao exame da tese consistem, em suma, nos
autos (1) do Processo Administrativo n.041.000.747/2007, relativo ao Pregão Presencial n. 001/2008,
(2) do Processo administrativo n. 041.000.418/2008, relativo ao Contrato
DITEC/Auto-Atendimento–079/2008, (3) Processo Administrativo n. 041.000.904/2008, relativo ao
Contrato Ditec/Depro/Gecel–204/2008, (4) do Processo Administrativo n. 041.000.353/2009,
referente ao Contrato Ditec/Depro/Gecel–2009/212 e (5) do Processo n. 27.396/2009, instaurado no
TCDF para análise da legalidade do Contrato DIRAD/DESEG-2009/170.

Colhe-se da documentação coligida ao feito que, desde 21.07.03, os serviços de processamento de


operações bancárias foram fornecidos pelo BRB S/A aos seus correntistas com base no Aditivo 01 ao
Convênio Operacional firmado com a Associação Brasileira de Bancos Estaduais e Regionais
(ASBACE). A execução dos serviços, contudo, foi interrompida aos 21.07.08 em razão de decisão
proferida pelo TCDF (Decisão n. 3.124/07, Processo n. 7.997/05).

Nesse ínterim, foi publicado o edital do Pregão Presencial n. 001/08 (03.04.08), cuja suspensão foi
determinada pelo TJDFT (17.04.08, autos n. 2008.01.1.041321-5) e pelo TCDF (22.04.08, Decisão n.
1.880/08), em decisões revogadas apenas aos 12.06.08 (TCDF, Decisão n. 3.027/08) e 12.12.08
(TJDFT).

Assim, o Pregão Presencial n. 01/08 foi realizado apenas aos 27.01.09, com a adjudicação do objeto
em março de 2009 e a celebração do contrato com a sociedade empresária vencedora (PERTO S/A)
aos 17.04.09, no valor de R$ 133.339.860,00, com prazo de 180 dias para o início das operações em
decorrência da substituição dos equipamentos (previsão para 23.10.09).

Entre a data do fim da vigência do convênio celebrado entre o BRB S/A e a ASBACE (21.07.08) e a
data prevista para o início da execução do contrato pela PERTO S/A (23.10.09), foram celebrados os
três contratos emergenciais ora impugnados, para a prestação dos serviços de processamento de
operações bancárias, todos com a ré PROCOMP LTDA.: (1) Contrato Emergencial
DIRAD/DESEG-2008/153, com prazo de vigência de 180 dias (até 15.01.09); (2) Contrato
Emergencial DIRAD/DESEG-2009/007, com prazo de vigência de 180 dias (15.07.09) e (3) Contrato
Emergencial DIRAD/DESEG-2009/082, com prazo de vigência até o início da execução do contrato
pela PERTO S/A.

Diante de tal transcurso fático, o MPDFT defende que houve procrastinação proposital do desfecho do
certame, em síntese com base em três argumentos.
Em primeiro lugar, o MPDFT destaca que a suspensão do Pregão Presencial n. 01/08 foi revogada aos
12.12.08, contudo só foi reiniciado aos 27.01.09 (46 dias depois da revogação da suspensão), e com
considerável demora para a prática de atos administrativos inerentes ao processo licitatório: 27 dias
entre a publicação do aviso de licitação (02.01.09) e a data da abertura do pregão (29.01.09), em
contraste com o prazo legal mínimo de 8 dias.

Em segundo lugar, o MPDFT acrescenta que houve dois adiamentos da data de realização da licitação,
o primeiro para 17.02.09 em razão de exame de questionamentos da licitante ITAUTEC S/A, e o
segundo para 11.03.09, em razão de pedido de cautelar promovido pela ré PROCOMP LTDA., na
qual esta apresentou irresignação diante do prazo de 19 dias entre a data da publicação do aviso de
licitação (29.01.09) e a data da realização da licitação (11.03.09).

Por fim, em terceiro lugar, o MPDFT adiciona que a empresa PROCOMP LTDA. se valeu de recursos
manejados após a conclusão do certame para tentar adiar a contratação da sociedade vencedora, que
ao cabo só foi concretizada aos 17.04.2009, mais de três meses após a realização do pregão.

Ao cabo, diante de tais eventos, o MPDFT reconhece que a suspensão judicial do Pregão Presencial n.
01/08 justificou a celebração do Contrato Emergencial DIRAD/DESEG-2008/153. Porém, defende
que a emergência para a celebração dos contratos DIRAD/DESEG-2009/007 e
DIRAD/DESEG-2009/170 decorreu da morosidade da Administração do BRB para a conclusão do
Pregão Presencial n. 01/08, sem a qual não teria havido a necessidade da celebração dessas duas
avenças.

Nesse rumo, a tese de ilegalidade das contratações lastreia-se fundamentalmente no excesso de prazo
para a conclusão do Pregão Presencial n. 01/08 após a revogação da suspensão judicial do certame
determinada pelo TJDFT, tal como sustentado pelo Ministério Público de Contas do Distrito Federal
no Parecer n. 1756/2011-DA (ID 17116421).

Uma vez delimitada a tese autoral, cumpre reconhecer que a contratação direta (não precedida de
licitação) tem caráter excepcional e delimitado às hipóteses expressamente previstas em lei. Com
efeito, diante da norma cogente prevista no art. 37, XXI, da CR/88, a celebração de contratos
administrativos deve ser antecedida, em regra, de processo de licitação pública, caracterizado pela
concorrência em igualdade de condições entre os particulares interessados na celebração do contrato.
A licitação, nesse rumo, visa a assegurar em especial a isonomia entre os particulares concorrentes e a
busca da proposta mais vantajosa à Administração, princípios insculpidos no art. 3º da Lei n.
8.666/93.

Tal regra de prévia instauração de licitação para celebração de contratos pela Administração Pública
consubstancia, contudo, norma de eficácia contida, pois expressamente admite a possibilidade de
exceções estabelecidas em normas infraconstitucionais.

Entre as exceções previstas no atual ordenamento jurídico, destacam-se os artigos 24 e 25 da Lei n.


8.666/93, os quais prevêem, respectivamente, hipóteses gerais de dispensa de licitação (em que é
possível a competição, mas inconveniente ao interesse público a instauração do certame) e de
inexigibilidade de licitação (em que é inviável a competição, por falta de seus pressupostos lógicos,
fáticos ou jurídicos).

No que importa ao caso ora em apreço, verifica-se que, nos termos do art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93,
a dispensa de licitação pode decorrer de situações emergenciais. Estas podem decorrer, por sua vez,
da caracterização de urgência no atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou
comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou
particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou
calamitosa. Nesses casos, a contratação pode ser realizada de modo direto para as parcelas de obras e
serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos,
contados da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação do contrato.
A situação emergencial a que a alude o referido dispositivo legal deve ser imprevisível, ou previsível
e inevitável; não pode, por outro lado, decorrer de conduta culposa (negligente, desidiosa) da própria
Administração Pública para promover o próprio procedimento licitatório em tempo hábil à celebração
do contrato. Neste caso, afinal, a Administração estaria se aproveitando da própria torpeza a fim de se
furtar à exigência de instauração do procedimento licitatório prévio, em flagrante ofensa ao princípio
da legalidade (CR/88, art. 37) e aos princípios tutelados pela licitação, quais sejam, isonomia e
vantajosidade na contratação (Lei n. 8.66/93, art. 3º).

Nesse sentido, colhe-se da doutrina: “A contratação direta, sob essa hipótese, não deve decorrer da
desídia administrativa, quando o agente público não toma as providências cabíveis no tempo correto
e, posteriormente, realiza contratação direta alegando situação emergencial. A emergência não deve
ser ‘provocada’, deve decorrer de fatores imprevisíveis, que não tiveram como causa a inércia do
administrador público”(TRINDADE, João; SCATOLINO, Gustavo. Manual de Direito
Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 665).

Uma vez esclarecidas tais premissas jurídicas, é interessante observar que, neste caso, não há
controvérsia sobre a inicial configuração de situação emergencial para a contratação direta dos
serviços de processamento de operações bancárias e não bancárias em equipamentos ATM diante da
essencialidade dos serviços e da suspensão judicial do Pregão Presencial n. 01/08.

Com efeito, os serviços contratados são centrais ao cumprimento dos contratos bancários firmados
pelo BRB S/A e seus correntistas e a suspensão determinada pelo TCDF e pelo TJDFT mostra-se fato
imprevisível. Tais fatores, conjugados, autorizavam a contratação direta na forma do art. 24, IV, da
Lei n. 8.666/93.

Resta analisar, contudo, se ficou configurado o prolongamento culposo de tal situação emergencial até
o início da execução do contrato firmado com a vencedora do referido certame (PERTO S/A), tese
sustentada pelo MPDFT.

Diante de tal tese, vale registrar que o pregão constitui modalidade de licitação regida pela Lei n.
10.520/02 que tem por objetivo precípuo a agilização das contratações promovidas pela
Administração para a aquisição de bens e contratação de serviços de natureza comum (assim
considerados aqueles designados no edital com expressão usual de mercado, cf. art. 1º da Lei).

De acordo com o referido diploma normativo (art. 4º, V), no pregão deve haver intervalo mínimo (e
não máximo) de oito dias úteis (e não corridos) entre a data da publicação do edital e a realização do
procedimento. Nesta data, no pregão presencial, os licitantes interessados devem comparecer
pessoalmente ou por representante no local e hora designados e apresentar ao pregoeiro envelopes
lacrados com as propostas e documentos necessários à habilitação. Uma vez selecionadas as melhores
propostas, são apresentados lances verbais e sucessivos até a proclamação do vencedor, pelo critério
de menor preço (art. 4º, VIII a X). Após, o pregoeiro analisa a aceitabilidade da proposta e os
documentos de habilitação do licitante vencedor (Lei n. 8.666/93, art. 27).

Da adjudicação (declaração do licitante vencedor após a habilitação) é cabível recurso, o qual deve ser
interposto de modo imediato, com prazo para apresentação de razões de três dias, com prazo igual
para contrarrazões pelos demais licitantes. Por fim, o prazo para convocação do licitante vencedor
para a celebração do contrato é de sessenta dias, contados da abertura e apresentação da proposta,
após os quais o licitante não é obrigado a firmar o contrato.

Uma vez apresentado o procedimento legal, cumpre aferir se no caso houve excesso de prazo para a
sua conclusão. Para tanto, é oportuno rememorar datas e pontos relevantes para o exame da questão:
(1) a revogação da suspensão do Pregão Presencial n. 01/2008 ocorreu aos 12.12.08 e o reinício do
certame aos 27.01.09; (2) o contrato foi celebrado aos 17.04.2009, com a fixação de prazo de 180 dias
para o início da execução, previsto para o dia 23.10.09; (3) os contratos emergenciais foram
celebrados com prazos de vigência até 15.01.09 (DIRAD/DESEG-2008/153), até 15.07.2009
(DIRAD/DESEG-2009/007), e, por fim, até o início da execução do contrato pela vencedora do
certame (DIRAD/DESEG-2009/082).
Em relação ao período transcorrido entre a revogação da suspensão judicial (12.12.08) e o reinício do
certame (27.01.09), foram praticados atos não mencionados pelo MPCDF e pelo MPDFT em suas
manifestações. Com efeito, embora a revogação da suspensão judicial tenha sido determinada aos
12.12.08, a intimação do BRB a respeito da decisão judicial somente ocorreu aos 18.12.08, ao passo
que no primeiro dia útil do ano subsequente (02.01.09) ocorreu a publicação da nova data de
realização do certame (29.01.09). Não se verifica excesso de prazo entre tais datas.

Aos 23.01.09, foi realizada alteração do edital para viabilizar a participação de consórcios, a qual foi
motivada por terceiro estranho à presente demanda (outro licitante, qual seja, ITAUTEC S/A), o que
ensejou o adiamento da data de recebimento e abertura de propostas para o dia 17.02.09.

A esse respeito, vale notar que tal alteração do edital alinha-se à legislação de regência, eis que não
havia vedação legal à participação de consórcios no aludido certame e a restrição à concorrência
poderia inclusive acarretar a anulação da licitação, com evidente prolongamento para a contratação
correlata.

Posteriormente, houve nova suspensão judicial do certame (aos 16.02.09), o que ensejou o adiamento
da sua realização para o dia 11.03.09, com a declaração da vencedora (PERTO S/A) aos 24.03.09. Em
face do edital foram interpostos recursos pelas sociedades ATP e PROCOMP LTDA., aos quais foi
negado provimento no dia 16.04.09. No dia seguinte (17.04.2009) foi celebrado o contrato com a
sociedade vencedora (Contrato DIRAD/DESEG-2009/082).

Em relação a tal período, observa-se que a suspensão judicial do certame configura fato imprevisível e
não imputável ao BRB como prolongamento desidioso do certame e que não houve demora para o
julgamento dos recursos e celebração do contrato com a vencedora do certame.

Por fim, no Contrato DIRAD/DESEG-2009/082 ficou pactuado prazo de 180 dias para início da
execução dos serviços, lapso necessário para a substituição de todos os equipamentos antes utilizados
pelo BRB, previsto para 23.10.09.

Diante dos eventos acima narrados, observa-se que não houve desídia ou negligência do BRB na
condução do procedimento licitatório, seja em sua fase interna, seja em sua fase externa. Tampouco
houve demora para a celebração do contrato ou para o início da execução dos serviços pela contratada,
justificada pela necessidade de substituição dos equipamentos empregados pelas contratadas.

A esse respeito é especialmente elucidativa a análise promovida pelo TCDF: “A sequência de fatos
aqui descrita demonstra que não houve desídia administrativa dos gestores do BRB no tocante ao
prazo de cerca de quatro meses decorridos entre a data de liberação pelo Poder Judiciário da
continuidade da licitação em comento e a data de assinatura do Contrato celebrado com a empresa
PERTO S.A. Houve uma conjugação de fatores alheios ao comando do Banco que culminou por
retardar sobremaneira a conclusão da licitação e por via de consequêncai gerar a necessidade
inescapável da celebração de novo contrato emergencial com a empresa PROCOMP” (Processo n.
27.369/09, fls. 399).

Assim, observa-se que havia situação emergencial para a celebração do Contrato


DIRAD/DESEG-2009/007 com prazo de vigência até 15.07.2009, data em que ainda transcorria o
prazo para início de execução dos serviços pela vencedora do Pregão Presencial n. 01/08, bem como
para a celebração sucessiva do Contrato DIRAD/DESEG-2009/170 aos 17.07.2009, até o início
efetivo da execução dos serviços pela vencedora, cujo prazo ainda se encontrava em curso.

Portanto, observa-se que não há ilegalidade no caso por ofensa ao art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93, eis
que comprovada a situação de emergência para a celebração dos três contratos emergenciais ora
impugnados, a justificar a dispensa de licitação e a consequente contratação direta da ré PROCOMP
Ltda.

2.2. Do superfaturamento do preço dos contratos emergenciais


Uma vez afastada a ilegalidade da dispensa de licitação, ainda resta analisar a configuração de lesão
ao erário.

De acordo com o MPDFT, a lesão ao erário decorreu do sobrepreço, aferido em razão do contraste em
relação aos preços do contrato firmado com a sociedade empresária PERTO S/A. Nesse ponto, a tese
ministerial é lastreada no Parecer Técnico n. 146/2016, elaborado pela Assessoria Pericial de Análise
Patrimonial do MPDFT.

Colhe-se do referido parecer que o Contrato DIRAD/DESEG n. 2009/082, celebrado com a sociedade
PERTO S/A após o Pregão Presencial n. 01/08 com período de vigência de 5 (cinco) anos, teve o
valor da transação pactuado nos seguintes preços: (1) R$ 0,6067 para até 4500 transações por
equipamento; (2) R$ 0,546 para mais de 4500 transações e até 5000 transações por equipamento; (3)
R$ 0,4914 para mais de 5000 transações por equipamento.

Nos três contratos emergenciais firmados com a ré PROCOMP Ltda., por sua vez, o valor da
transação foi pactuado em (1) R$ 0,93 para até 4000 transações por equipamento e em (2) R$ 0,63
(contratos 2008/153 e 2009/007) e R$ 0,57 (contrato 2009/170) para mais de 4000 transações por
equipamento.

Assim, levando em consideração a diferença de preço e a quantidade de transações realizadas nos


períodos doss contratos (21.07.2008 a 17.01.2010), o MPDFT estimou prejuízo ao erário da ordem de
R$ 8.652.036,45.

Ocorre que, conforme já ressaltado pelo TCDF (Decisão n. 501/2012, proferida no Processo n.
27.396/2009), não se pode extrair a conclusão pelo superfaturamento dos preços da comparação entre
o preço fixado em contrato com prazo de vigência de cinco anos e em contrato com prazo de vigência
de 180 dias. Isso porque naquele os riscos e os custos da execução do serviço são reduzidos em razão
do alargado prazo de execução. Assim, a fixação do preço do valor de transação em patamar superior
no contrato de menor duração não indica, necessariamente, superfaturamento.

A esse respeito, a área técnica do TCDF consignou que “a simples comparação direta entre os preços
consignados nas duas situações em questão deve ser vista com cautela. O chamado ‘preço de
mercado’ obtido no procedimento licitatório se reveste de características específicas, em especial a
garantia do prazo de contratação de 60 meses. Já o preço pactuado na contratação emergencial diz
respeito a uma situação precária, onde o prazo de contratação seria de no máximo 180 dias. [...]. A
pergunta que se faz necessária é se haveria alternativa para os gestores do BRB fugirem de tal
encruzilhada. Na verdade, o Banco dependia de que o serviço então prestado pela PROCOMP
continuasse a ser executado, enquanto não se processasse a completa transferênciad o objeto
contratual para a empresa PERTO, sob pena de causar significativos danos aos seus clientes. [...].
Ou celebrava o novo contrato emergencial com a PROCOMP [...] ou simplesmente não celebrava o
contrato, ficando sujeito a danos incomensuráveis em função da paralisação do serviço essencial de
auto-atendimento, por prazo tão longo” (Processo n. 273.369/09, fls. 400).

Nesse rumo, faz-se imperativo repisar que, no caso, a contratação em caráter emergencial foi realizada
no prazo de 180 dias em razão do prazo máximo constante do art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93 e tal
contratação mostrava-se imprescindível diante do prolongamento (do que se colhe dos autos, não
intencional e não desidioso) do Pregão Presencial n. 01/08.

Portanto, não se pode concluir pela configuração de prejuízo ao erário apenas em razão da diferença
de preço acima destacada, pois foi necessária a celebração de contratos com prazos de duração
menores no período em que executados.

Logo, de mais a mais, verifica-se que não estão demonstradas nem a ilegalidade, nem a lesividade dos
contratos emergenciais firmados entre o BRB e a ré PROCOMP LTDA diante da configuração da
hipótese descrita no art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93 e da não configuração de superfaturamento. Por
tais razões, impõe-se a improcedência do pedido de declaração de nulidade das avenças e,
consequentemente, também do pedido sucessivo de condenação dos réus à reparação do alegado dano
ao erário.

O decreto de improcedência está calcado em esmerada valoração probatória e percuciente aplicação


do direito à espécie.

A procedência da Ação Popular está adstrita a dois pressupostos: ilegalidade e lesividade, esta
concreta ou presumida, do ato administrativo. Consoante explana José dos Santos Carvalho Filho:

A respeito da natureza do ato impugnado, tem lavrado controvérsia a respeito da necessidade, ou não,
de comprovar-se a lesividade do ato, além de sua ilegalidade. Tanto a Constituição como a Lei
4.717/65 aludem à anulação de atos lesivos, mas o diploma regulador inclui hipóteses em que, sem
embargo da ilegalidade, não há propriamente lesividade. Por tal razão, entendem alguns que, ocorrida
a hipótese de ilegalidade prevista na lei, haverá lesividade concreta ou presumida; o que não se pode é
relegar a segundo plano o requisito da lesividade, sobretudo porque a lei não contém palavras inúteis.
Para outros, porém, não basta a ilegalidade formal do ato, exigindo-se que a lesividade seja
demonstrada sob o aspecto material ou moral, o que exclui, em conseqüência, a presunção de
lesividade. Para outros, ainda, pode haver ilegalidade ou lesividade.

Em nosso entender, melhor é o primeiro entendimento. Se o legislador considerou passíveis de ação


popular atos nulos e anuláveis, ao mesmo tempo em que se preocupou em proceder à enumeração de
várias hipóteses consideradas como de nulidade (art. 4º), com certeza as reputou sempre concreta ou
presumivelmente lesivas, seja material seja moralmente. Ocorrendo qualquer delas, portanto, à
sentença caberá anular o ato. Permitimo-nos, contudo, distinguir: se a lesão não for aferida
pecuniariamente, a decisão limitar-se-á à anulação do ato; caso possível essa aferição, aí sim, a
sentença além do conteúdo anulatório, terá também conteúdo condenatório, em ordem de
responsabilizar os agentes e terceiros que deram ensejo à lesão, o que é expressamente autorizado pelo
art. 11, da Lei 4.717/65. (Manual de Direito Administrativo, Lúmen Juris, 16ª Ed., pág. 867/868).

Não houve ilegalidade na contratação impugnada.

Descortinada situação emergencial que torna inviável ou deletéria a realização do certame, a dispensa
é o único caminho que preserva o interesse público. Na correta ponderação de Marçal Justen Filho:

O dispositivo enfocado refere-se aos casos em que o decurso de tempo necessário ao procedimento
licitatório normal impediria a adoção de medidas indispensáveis para evitar danos irreparáveis.
Quando fosse concluída a licitação, o dano já estaria concretizado. A dispensa de licitação e a
contratação imediata representam uma modalidade de atividade acautelatória dos interesses que estão
sob a tutela estatal.

(...)

No caso específico das contratações diretas, emergência significa necessidade de atendimento


imediato a certos interesses. Demora em realizar a prestação produziria risco de sacrifício de valores
tutelados pelo ordenamento jurídico. Como a licitação pressupõe certa demora para seu trâmite,
submeter a contratação ao processo licitatório propiciaria a concretização do sacrifício a esses valores.
(Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 15ª ed., Dialética, p. 338/339).
Não se olvida que a Administração Pública deve agir preventivamente para evitar a chamada “
emergência fabricada”. No entanto, eventual desídia do administrador, embora possa acarretar
responsabilidade pessoal, não exclui o quadro emergencial que torna imperiosa a contratação sem
licitação.

Há uma clara diferença entre a situação do administrador que, por ação ou omissão, contribui para que
seja criado um quadro de emergência que poderia ter sido evitado caso fossem seguidas as práticas
administrativas corretas, e a situação do administrador que, situado em plano hierárquico distinto, se
depara com o quadro de emergência que torna inexorável a dispensa de licitação.

Aquele que dá causa à emergência que poderia ter sido evitada evidentemente deve responder por suas
ações ou omissões. Porém, a conduta do administrador que autoriza a contratação emergencial e
formaliza o contrato deve ser aferida em função da existência ou não da situação de urgência que a
justifica. Nesse sentido elucida o seguinte julgado do Tribunal de Contas da União:

(...)

5. Início pela afirmativa de que a emergência não poderia ser alegada porque motivada por omissão
própria (...). Essa tese não pode prosperar. Na verdade, há que se separar a ausência de planejamento
da contratação emergencial propriamente dita, tratando-as como questões distintas.

6. Acontratação emergencial se dá em função da essencialidade do serviço ou bem que se pretende


adquirir, pouco importando os motivos que tornam imperativa a imediata contratação. Na análise de
contratações emergenciais não se deve buscar a causa da emergência, mas os efeitos advindos de
sua não realização. A partir dessa verificação de efeitos, sopesa-se a imperatividade da contratação
emergencial e avalia-se a pertinência da aplicação, pelo administrador, da excepcionalidade permitida
pelo art. 24, IV, da Lei de Licitações.

7. Exemplificando esse ponto com uma situação extrema, imagine-se que a falta de planejamento de
algum gestor conduza à ausência de medicamentos em determinado hospital. Poderá o hospital deixar
de adquirir os medicamentos, em caráter emergencial, porque decorreu de omissão da própria
entidade? Evidente que não.

(...) Obviamente (...) não pode o administrador incorrer em duplo erro: além de não planejar as suas
atividades, permitir que a sua desídia cause maiores prejuízos à Administração e/ou terceiros.
(Acórdão nº 1.138/2011, Plenário, rel. Min. Ubiratan Aguiar). (Destacou-se)

(...) essas contratações emergenciais seriam irregulares no entendimento deste Tribunal, Decisão n.
347/1994 – Plenário, segundo o qual seria aplicável a dispensa de licitação, in casu, desde que:

(...) a situação adversa, dada como de emergência ou calamidade pública, não se tenha originado, total
ou parcialmente, de falta de planejamento, de desídia administrativa ou da má gestão dos recursos
disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente
público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação.

27. Todavia, cumpre destacar a evolução jurisprudencial deste Tribunal acerca da matéria, mediante o
Acórdão n. 46/2002 – Plenário, segundo o qual a contratação direta também seria possível quando a
situação de emergência decorresse de falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão
dos recursos públicos, pois ‘a inércia do servidor, culposa ou dolosa, não pode vir em prejuízo de
interesse público maior a ser tutelado pela Administração’. (Acórdão nº 285/2010, Plenário, rel. Min.
Benjamin Zymler). (Destacou-se)

(...) cumpre destacar a evolução jurisprudencial deste Tribunal acerca da matéria, mediante o Acórdão
n. 46/2002 – Plenário, no sentido de se atribuir o mesmo tratamento, quanto à possibilidade de
contratação direta amparada no artigo 24, IV, da Lei n. 8.666/93, tanto à emergência ‘real’, resultante
de fatos novos e imprevisíveis, quanto àquela resultante da incúria ou inércia administrativa. Não
obstante, nesta segunda hipótese, deve-se analisar a conduta do agente público que não adotou
tempestivamente as providências para fins de responsabilização.

5. Assim, de acordo com o novo entendimento desta Corte, a contratação direta também seria possível
quando a situação de emergência decorresse da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da
má gestão dos recursos públicos, pois, ‘a inércia do servidor, culposa ou dolosa, não pode vir em
prejuízo de interesse público a maior a ser tutelado pela Administração’. (Acórdão 2.369/2009,
Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler).

Decerto, a contratação direta visa salvaguardar o interesse público, de maneira que não tem a sua
legitimidade comprometida por falhas na condução dos procedimentos administrativos que levaram à
situação de emergência. Nas palavras de Marçal Justen Filho:

Atualmente, prevalece a orientação de que a falha administrativa, que possa ter conduzido à situação
de emergência, não legitima o sacrifício de direitos e interesses cuja satisfação dependa de uma
contratação imediata. Deve ser realizada a contratação direta, com a punição dos responsáveis pela
ausência da adoção tempestiva das providências pertinentes à licitação. (Comentários à lei de
licitações e contratos administrativos, 2ª edição em e-book baseada na 17ª edição impressa. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016).

Nessa ordem de ideias, se a contratação dos serviços de processamento de operações bancárias era de
fato emergencial, haja vista a necessidade de manter a prestação dos serviços de autoatendimento
bancário até a conclusão do Pregão Presencial 001/2008, não há que se cogitar de ilegalidade.

Nem de vício no procedimento licitatório se pode cogitar.

Os serviços de processamento de operações bancárias foram prestados ao BANCO DE BRASÍLIA –


BRB pela Associação Brasileira de Bancos Estaduais e Regionais – ASBACE de 21/07/2003 a
21/07/2008, quando foram interrompidos por determinação do Tribunal de Contas do Distrito Federal
– TCDF (Decisão 3.124/2008 proferida no Processo 7.997/05).

O edital do Pregão Presencial 001/2008 foi publicado em 03/04/2008, mas suspenso por decisão
judicial (fls. 6/8 ID 5838988) e também por determinação do TCDF (fls. 3/4 ID 5840104). Em razão
disso, no dia 21/07/2008 foi celebrado contrato emergencial com PROCOMP Indústria Eletrônica
LTDA pelo prazo de 180 dias e termo final em 15/01/2009 (fls. 3/4 ID 5840104).

Superadas as suspensões, o BANCO DE BRASÍLIA – BRB retomou o processo licitatório, porém no


seu curso tornou-se imperativo novo contrato emergencial celebrado em 16/01/2009 com vigência até
15/07/2009 (fls. 5/11 ID 5838676 e 1/4 ID 5838677).

Depois de alterações demandadas por interessados na licitação, foi marcado Pregão Presencial para o
dia 17/02/2009 (5/8 ID 5838700), cuja abertura foi obstada por decisão judicial (fl. 9 ID 5838700),
sendo a data transferida para 11/03/2009 (fls. 10 ID 5838700 e 1 ID 5838702).

Feito o pregão, declarou-se habilitada e vencedora a empresa Perto S/A – Periféricos para Automação
(fls. 3/4 e 7 ID 5838702). Julgados os recursos administrativos, o contrato foi firmado em 17/04/2009
(fls. 5/11 ID 5838677, 1/11 ID 5838678 e 1/7 ID 5838680).
A substituição de todos os terminais de autoatendimento bancário, devido à sua complexidade, foi
realizada de acordo com os itens XXXIV e XXXV da Cláusula Segunda do Contrato
DIRAD/DESEG-2009/082.

A assunção completa dos serviços somente iria acontecer com o transcurso do prazo de 180 (cento e
oitenta) dias, sendo essa a justificativa apresentada pelo BRB para a contratação direta que é objeto do
Contrato Emergencial DIRAD/DESEG – 2009/170, segundo a qual a data limite para substituição dos
equipamentos seria 23/10/2009, expediente em que se esclareceram as razões para continuar a
contratar a PROCOMP.

A propósito, dispôs o Projeto Básico DEPRO/GECEL – 2009/212 que amparou tal contratação
emergencial (fls. 6/11 ID 5838984):

6. Da Motivação

6.1 Os serviços disponibilizados pela Rede de Autoatendimento Diebold Procomp são essenciais e
imprescindíveis ao BRB como instituição financeira. A interrupção desses serviços provocaria uma
série de impactos altamente negativos no atendimento do Banco e, consequentemente, a perda de
clientes à concorrência, reclamações na Ouvidoria, na SUCER, no Banco Central, no PROCON e nos
pontos atendimento. Deste modo, a situação exige da Administração do BRB a adoção das medidas
urgentes e ações imediatas, sob pena de ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de clientes,
de funcionários, das instalações, dos serviços, dos equipamentos e de outros bens (públicos ou
particulares).

6.2 No item 3 desta carta, observamos que houve um considerável atraso na finalização do pregão
presencial nº 001/2008, porém o BRB não foi, de modo algum, responsável por essa demora. Somente
após o pronunciamento do TCDF e do TJDFT foi possível a continuidade do processo licitatório, cujo
vencedor foi a empresa PERTO e que deverá respeitar os seguintes aspectos:

(item XXXIV da Cláusula Segunda do Contrato supratranscrita)

6.3 Conforme sinalizado no parágrafo anterior, a data limite para substituição das máquinas é até o dia
23/10/2009. Diante da importância do Projeto, foi criado o Grupo Projeto Autoatendimento PERTO
(C.DITEC/DESIS/DEPRO 2009/042, de 30 de março de 2009 – ANEXO XIII). Após entendimentos
com o Diretor DITEC, o Grupo concluiu que deveria ser dada prioridade na substituição dos 112
equipamentos da Rede de Outsourcing TECBAN, seguida pelos terminais DFC e, finalmente, pelas
máquinas da rede PROCOMP.

6.4 O contrato emergencial de prestação de serviços DIRAD/DESEG-2009/007 celebrado entre o


BRB e a PROCOMP expira em 15/07/2009. É importante considerar que, no momento atual, o Grupo
ainda não pode apresentar uma data precisa para a troca dos terminais da rede PROCOMP.

(...)

Notas:

1 – Nos último contratos emergenciais, foram solicitadas propostas comerciais para as seguintes
empresas:

a) COBRA TECNOLOGIA S.A.

Duílio Monroy – Diretor de Infraestrutura em TI

b) ITAUTEC S.A.
Marcos Antônio Rodrigues – Executivo de Contas

c) DIEBOLD PROCOMP

Fábio Willian – Commercial Services Coordinator

d) PERTO

José Luis Korman – Diretor

2 – É esperado que as empresas que não estão prestando serviços de autoatendimento no BRB, quando
consultadas, declinem em oferecer proposta comercial para a continuidade dos serviços de “
outsourcing”. O principal motivo é o diminuto prazo do contrato emergencial, fato que inviabiliza o
retorno sobre o investimento necessário para a continuidade da prestação dos serviços propostos.

8. Das Razões Para a Contratação Emergencial da PROCOMP

8.1 Podemos citar, ainda, outras questões que impedem empresas similares de apresentarem solução
que atenda aos serviços de “outsourcing” hoje executados pela PROCOMP, a saber:

8.1.1 Elaboração de um complicado, trabalhoso e minuncioso plano de migração dos equipamentos,


onde deve estar prevista a retirada do parque de ATMs da empresa antiga, bem como a instalação do
parque de ATMs da empresa nova. É importante observar que as atividades envolvem mais de uma
empresa, e com diferentes profissionais, devendo ser conduzida de forma a minimizar os impactos
negativos junto aos clientes e usuários.

8.1.2 Alto custo de armazenamento e transporte relacionados com a retirada e instalação de novos
terminais.

8.1.3 Adequação da Infraestrutura de cabeamento lógico e elétrico.

8.1.4 Contratação de novos circuitos de comunicação a ser fornecido pela EMBRATEL.

8.1.5 Desenvolvimento, testes e entrega das funcionalidades a serem usadas pelos clientes.

8.2 Por outro lado sabemos que a PROCOMP já possui todos os equipamentos instalados e em pleno
funcionamento, com toda a parte de infraestrutura pronta, não sendo necessária a implementação dos
itens relacionados de 8.1.1 a 8.1.5.

8. O cenário apresentado denota ser importante a formulação de contrato emergencial com a


PROCOMP, tendo, como objetivo, a manutenção da Rede de “Outsourcing”, uma vez que não há
como garantir que, em 15/07/2009, tenhamos implantadas as máquinas da PERTO.

À luz desse cenário, não se pode concluir que os Réus tenham contribuído ou atuado para retardar a
contratação dos serviços de autoatendimento bancário mediante licitação, de forma a fabricar quadro
de emergência que ensejasse a contratação direta desses mesmos serviços.

Ao revés, a impossibilidade fática de assunção imediata dos serviços licitados e a ausência de contrato
para a prestação de serviços pela PROCOMP implicariam na descontinuidade dos serviços bancários
prestados em terminais de autoatendimento, circunstância que caracterizou a situação de emergência
para que os serviços fossem mantidos até a completa transição dos prestadores e dos equipamentos
que seriam utilizados.

Configurada, pois, situação de emergência que autoriza a contração por dispensa de licitação, nos
termos do artigo 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993, o contrato emergencial não pode ser considerado
lesivo ao BRB nem contaminado pelo vício de que cuida o artigo 4º, inciso III, alínea ‘a’, da Lei
4.717/1965.

Não há, pois, nulidade a ser proclamada. E, ainda que houvesse, não se demonstrou a lesividade da
contratação, requisito sem o qual também não pode ser acolhida a pretensão deduzida na Ação
Popular..

Muito embora a lesividade possa decorrer ou estar compreendida na ilegalidade, na esteira do que
prescrevem os artigos 2º e 4º da Lei 4.717/1965, constitui pressuposto específico sem o qual não pode
ser julgada procedente a Ação Popular. A respeito do tema, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO POPULAR. PRESSUPOSTOS. LESIVIDADE AO ERÁRIO. PRESUNÇÃO DECORRENTE


DA ILEGALIDADE DO ATO PRATICADO. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no
sentido de que, para o cabimento da ação popular, a própria ilegalidade do ato praticado pressupõe a
lesividade ao erário. (AGRG no AI 561.622/SP, 2ª T., rel. Min. Ayres Britto, DJe 15.04.2011).

No contexto da Ação Popular, a invalidação do ato pressupõe a sua desconformidade com a ordem
jurídica e a lesão ao patrimônio público, de maneira que, conquanto normalmente conjugadas, a
ilegalidade e a lesividade constituem requisitos distintos dessa ação especial. Discorre, a propósito,
Luiz Manoel Gomes Júnior:

Se o ato não for ilegal, mas ainda que lesivo, não poderá ser anulado em sede de Ação Popular.
Adotar outra conclusão seria permitir um subjetivismo inaceitável, ao nosso ver, que traria mais
consequências negativas que positivas. Há certas opções políticas que, ainda que lesivas, são legais,
não havendo a possibilidade de controle apenas sob o prisma econômico, isto sob pena de substituição
dos critérios do administrador pelo julgador. (Ação Popular – Aspectos Polêmicos, 2ª ed., Renovar, p.
37).

A lesividade, portanto, constitui requisito nuclear da Ação Popular e não se presume de maneira
absoluta, razão pela qual deve ser demonstrada, ainda que implicitamente, sobretudo quando o serviço
contratado é regularmente prestado. Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Ainda que procedente o pedido formulado em ação popular para declarar a nulidade de
contrato administrativo e de seus posteriores aditamentos, não se admite reconhecer a existência
de lesão presumida para condenar os réus a ressarcir ao erário se não houve comprovação de
lesão aos cofres públicos, mormente quando o objeto do contrato já tenha sido executado e
existam laudo pericial e parecer do Tribunal de Contas que concluam pela inocorrência de lesão
ao erário. De fato, a ação popular consiste em um relevante instrumento processual de participação
política do cidadão, destinado eminentemente à defesa do patrimônio público, bem como da
moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Nesse contexto,
essa ação possui pedido imediato de natureza desconstitutivo-condenatória, porquanto objetiva,
precipuamente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer um dos bens ou valores enumerados
no inciso LXXIII do art. 5º da CF e a condenação dos responsáveis e dos beneficiários diretos ao
ressarcimento ou às perdas e danos correspondentes. Tem-se, dessa forma, como imprescindível a
comprovação do binômio ilegalidade-lesividade, como pressuposto elementar para a procedência da
ação popular e de consequente condenação dos requeridos a ressarcimento ao erário em face dos
prejuízos comprovadamente atestados ou nas perdas e danos correspondentes (arts. 11 e 14 da Lei
4.717/1965). Eventual violação à boa-fé e aos valores éticos esperados nas práticas administrativas
não configura, por si só, elemento suficiente para ensejar a presunção de lesão ao patrimônio público,
uma vez que a responsabilidade dos agentes em face de conduta praticada em detrimento do
patrimônio público exige a comprovação e a quantificação do dano, nos termos do art. 14 da Lei
4.717/1965. Entendimento contrário implicaria evidente enriquecimento sem causa do ente público,
que usufruiu dos serviços prestados em razão do contrato firmado durante o período de sua vigência.
Precedente citado: REsp 802.378-SP, Primeira Turma, DJ 4/6/2007.( REsp 1.447.237-MG, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2014, DJe 9/3/2015).

Além da contratação emergencial ter sido chancelada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (fl.
6 ID 5840108), não há prova de que tenha sido realizada em desconformidade com a realidade do
mercado ou que, de alguma forma, tenha sido danosa ao BRB.

Não se desconhece, por óbvio, que a Ação Popular é o veículo apropriado para a defesa da moralidade
administrativa e que a lesividade pode ser presumida do ato praticado em desconformidade com a lei.

Isso não significa, todavia, que a lesão possa ser vislumbrada no plano simplesmente abstrato. Logo,
inexistindo prova ou indício de que a contratação direta ocasionou prejuízo efetivo, não pode ser
julgada procedente a Ação Popular.

O acervo probatório sinaliza que os preços dos serviços da contratação direta foram menores do que
os praticados nos contratos emergenciais anteriores por conta de negociação empreendida pelo BRB
(fl. 1 ID 5838689 e 8/11 ID 5838685).

Sobre a questão, vale transcrever parte do voto condutor do acórdão do Tribunal de Contas do Distrito
Federal (fls. 206 ID 5840104):

Quanto aos preços praticados emergencialmente, apesar de superiores aos decorrentes do


procedimento licitatório, não há que se falar em prejuízo e, portanto, em instauração de TCE. Como
bem apontou a Inspetoria:

“(...) a simples comparação direta entre os preços consignados nas duas situações em questão [sem
licitação e com licitação] deve ser vista com cautela. O chamado “preço de mercado” obtido no
procedimento licitatório se reveste de características específicas, em especial a garantia do prazo de
contratação de 60 meses. Já o preço pactuado na contratação emergencial diz respeito a uma situação
precária, onde o prazo de contratação seria de no máximo 180 dias. São portanto situações distintas”.
(grifei)

Não há como esperar, portanto, que o preço decorrente de uma contratação vigente por, no máximo,
seis meses, e que não poderá ser prorrogada, alcance o mesmo patamar dos valores oriundos de um
procedimento licitatório com prazo de contratação de cinco anos.

Além disso, os gestores do BRB, naquele caso específico, não tinham outra alternativa senão contratar
emergencialmente a empresa Procomp, enquanto não se processasse a completa transferência do
objeto contratual para a empresa Perto (vencedora da licitação), sob pena de causar significativos
danos aos seus clientes, em função da paralisação do serviço essencial de auto-atendimento, por prazo
tão longo.

Mesmo assim, há que se destacar o esforço promovido pelo Banco no sentido de negociar os preços
decorrentes da contratação sem licitação. A primeira proposta de preços apresentada pela empresa
Procomp para continuidade dos serviços (cujos preços eram superiores aos então praticados) não foi
aceito.
E mais, o novo ajuste emergencial foi pactuado em valor inferior ao do contrato então vigente.
Saliento que a empresa Procomp (derrotada no procedimento licitatório) não possuía qualquer
motivação comercial ou imposição legal para abrir mão de um valor que já vinha recebendo
anteriormente.

Nesse sentido, entendo que a situação vivenciada pelo BRB não ocasionou danos ao erário,
ressaltando que a tal entendimento decorre, principalmente, do fato de a contratação ter sido
emergencial e não conseqüência de ato desidioso dos dirigentes do Banco. (Destaques do original)

Não se vislumbra, pois, prejuízo e atos lesivos passíveis de dar suporte à procedência da demanda.

Conclui-se que nenhum dos pressupostos da Ação Popular restaram claramente demonstrados.

Isto posto, conheço e nego provimento à remessa necessária.

O Senhor Desembargador LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador FERNANDO HABIBE - 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME

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