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Processo Declaratório

Princípios fundamentais
Tipologia das acções e formas de processo
Pressupostos Processuais
Articulados Saneamento Condensação Sentença
Processo sumário e sumaríssimo

Princípios Fundamentais

Tal como no direito substantivo estão há muito adquiridos princípios fundamentais - o pacta
sunt servanda (o trato faz lei), no direito das obrigações, do numerus clausus nos direitos reais, da boa
fé, tutela de terceiros pelo registo, protecção do contraente mais fraco (cláusulas contratuais gerais e
direito dos consumidores, leis reguladoras da prestação dos serviços essenciais, tutela dos interesses
colectivos e difusos) - também há princípios gerais do direito processual civil consagrados tanto na Lei
Fundamental (Constituição e Convenções em que Portugal é Parte) como na lei ordinária. Assim,

I - Princípios com dignidade constitucional:


a) - Direito de acesso aos tribunais ou direito à jurisdição - art. 20º CRP e 2º do CPC;
engloba o direito de acção e de defesa perante tribunais independentes e imparciais,
sem discriminação por insuficiência de meios económicos;
b) - Princípio da equidade (contrariedade e igualdade de armas - art. 3º e 3ºA CPC) - 10º
da DUDH1 e 6º da CEDH (decisão em prazo razoável);
c) - Princípio da publicidade das audiências - 206º da CRP e 656º CPC
d) - da legalidade e da fundamentação das decisões - 205º CRP; 158º, 653º (decisão de
facto) e 659º (de direito)

II - Na Lei Ordinária
a) - dispositivo (264º CPC) e inquisitório (265º)
b) - preclusão e auto-responsabilidade
c) - cooperação (266º e 519º)
d) - imediação, oralidade e concentração, livre apreciação da prova (655º) e da
economia processual.

O Prof. Montalvão Machado2 enuncia os seguintes princípios fundamentais (lei ordinária):

1 - Princípio do dispositivo, relevante


- no impulso processual - necessidade de pedido, não intervenção oficiosa dos
tribunais - 3º, nº 1
- na delimitação do objecto do litígio - 264º, nº 1, com limitações dos n.ºs 2 e 3
e 265º, nº 3: apuramento da verdade material e justa composição do litígio; e
- nos limites da sentença - 661º, nº 1
2 - Princípio do contraditório - 3º, n.ºs 2 e 3;
1
- Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer
acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de
carácter civil...
2
- O Novo Processo Civil, 6ª ed., 25 e ss.

1
3 - Princípio da igualdade - 3º-A e 13º CRP.
4 - Princípio da cooperação - 266º, 519 e 456º, nº 2 (litigância de má fé)
5 - Princípio da aquisição processual - 515º - atendibilidade de provas e factos, mesmo
que não produzidas ou alegados pela parte a quem competia provar ou alegar.

Mais detalhadamente, conforme ensinamentos de Lebre de Freitas3 e Teixeira de Sousa4,


I - Acesso aos Tribunais - 20º Const., 6º da CEDH e 10º da DUDH: todos têm direito, em plena
igualdade, a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, por um tribunal independente
e imparcial, que decidirá sobre os seus direitos e obrigações.

a) - direito de acção (2º, nº 2) e acção popular (Lei da Acção Popular - Lei nº 83/95, de 31 de
Agosto, 26ºA CPC e Lei nº 35/98, de 18 de Julho, Lei das Organizações Não Governamentais do
Ambiente, ONGAs, com legitimidade nos termos do art. 10º da Lei, a estudar aquando da legitimidade
processual).

O interesse colectivo reporta-se a uma comunidade genericamente organizada cujos membros são como tais
identificáveis, mas sem que essa organização se processe em termos de pessoa colectiva (os habitantes de uma
povoação); o interesse difuso reporta-se a um grupo inorgânico de pessoas, cuja composição é, em cada momento,
ocasional e não permite a identificação prévia dos respectivos titulares (os compradores de determinado produto, os que
passam por determinado local).

b) - direito de defesa - 3º - que implica conhecimento do objecto do processo (citação - 228º, 1)


ou presunção de conhecimento (casos de citação postal simples ou, de forma geral, quando não há
contacto directo com o citando). Dispensa de audição prévia (3º, nº 2), revelia e efeito cominatório
semi-pleno.

c) - entraves económicos: apoio judiciário, supressão das sanções por falta de pagamento de
preparos (3º e 14º do Dec-lei nº 329A/95) e da falta de pagamento de impostos - 280º.

II - Pº da Equidade ou direito a um processo equitativo - 10º da DUDH, 6º da CEDH e 14º, nº 1,


do PIDC e Políticos: igualdade das partes (contraditório e igualdade de armas, 3ª e 3ºA, 486º, n.ºs 4 e
5; direito à comparência pessoal das partes, licitude da prova e fundamentação da decisão; princípio da
publicidade.
Princípio do contraditório como direito a influenciar a decisão, não como simples direito de ser
ouvido, de defesa, mas sim na alegação de factos contrários aos alegados contra si, proposição e
produção de prova, pronúncia sobre admissibilidade e força probatória de prova pré-consituída ou
constituenda - 517º, n.os 1 e 2 -, pronúncia prévia a decisão para evitar decisões- -surpresa -
3º, nº 3 - e direito de resposta.

Princípio da igualdade de armas - estatuto de igualdade substancial das partes - 3ºA,


486º, 4 e 5.

Direito à comparência pessoal

Licitude da prova - provas ilícitas em si mesmas, por violarem o direito à imagem, à


reserva da intimidade da vida privada e familiar - 26º CRP: fotografia, gravação; formadas ou obtidas

3
- Introdução ao Processo civil, 1996, Coimbra Editora.
4
- Estudos sobre o Novo Processo civil, 2ª ed., 1997.

2
por processo ilícito: subtracção de documento à parte contrária, depoimento sob coacção ou que
transmite conhecimentos ilicitamente adquiridos (com violação do sigilo profissional).

Dever de fundamentação - 205º CRP e 158º CPC - de facto e de direito - 653º, 659º,
712º e 668º, 1, b).

Princípio da publicidade e excepções - 206º CRP, 167º e 656º, 1, CPC. A pronúncia do


julgamento não admite excepções à regra da publicidade; direito de consulta do processo - 167º, nº 2.
Prazo razoável - 6º da CEDH e 2º, nº 1, CPC. Celeridade processual e petição à
Comissão Europeia dos Direitos do Homem que pede ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (44º
e 48º da CEDH) aprecie a violação da garantia de decisão em prazo razoável e atribua indemnização
ao lesado (art. 50º).

III - Princípio da legalidade do conteúdo da decisão - 202º e 203º da CRP; 664º do CPC ( jus
noscit curia) mas definido pelo objecto do processo e necessidade de invocação, em alguns casos
(495º CPC e 303º - v. g., prescrição) do respectivo pressuposto.

IV - Princípio dispositivo que se traduz em


- disponibilidade da instância - 3º, 1: impulso processual inicial; 267º - propositura,
suspensão - 279º, nº 4; desistência e conformação da instância - 273º, 293º, 295º e 296º;
- formação da matéria de facto - 264º, 1 e 664º;

excepções:
facto notório - 514º e Col. STJ 98-II-157 e III-11,
conhecido no exercício de funções - 514º, nº 2: pendência de processo no
mesmo tribunal, possibilidade de atendimento de factos provados noutro
processo;
simulação do litígio e anulação do processo - 665º.
factos instrumentais resultantes da discussão da causa – conhecimento
oficioso - 264º, nº 2.

“Para correcta aplicação deste preceito é preciso ter em conta o que deve entender-se por factos principais, factos
essenciais, factos complementares e factos instrumentais.
São factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à acção ou à excepção.
Estes factos dividem-se em essenciais e complementares, sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos
do direito que se pretende fazer actuar em juízo, e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia
jurídica necessária para fazer essa actuação.
São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem
indirectamente a prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência.
Façamos aplicação em concreto, para melhor entendimento da classificação.
Suponhamos uma acção de divórcio litigioso fundado em adultério.

Qual é o facto essencial a considerar nesta pretensão?


É a violação culposa do dever conjugal de fidelidade (Cód. Civ., art. 1779º) que o cônjuge autor pretende provar
para obter em juízo a dissolução do casamento (cit. Cód., art. 1788º). Esse é que é o facto jurídico que está na base da
pretensão do autor, aquele que, no domínio do direito da família, lhe permite fazê-la actuar em juízo.

Mas será a prova desse facto, só por si, suficiente à procedência da acção? Não é.
A lei dispõe que qualquer violação culposa dos deveres conjugais só constitui fundamento do divórcio litigioso
quando, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum dos cônjuges (cit. art. 1779º).
Este facto, que caracteriza e torna operante, para o fim previsto na lei, a violação do dever conjugal, é que é um facto

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complementar. Ambos - violação do dever e impossibilidade da vida em comum - são factos principais, indispensáveis para
obter a procedência do pedido.

Vejamos, agora, quais são os factos instrumentais no exemplo dado. Como se sabe é geralmente muito difícil
provar directamente o adultério. Mas pode-se provar, por exemplo, que o cônjuge dito violador do dever de fidelidade
frequentava um certo estabelecimento hoteleiro e que aí se encontrava frequentemente com pessoa de sexo oposto ao seu,
pernoitando ambos no mesmo quarto, facto que faz supor que mantinham, entre si, relações sexuais. Assim se faria a prova
de um facto essencial através da prova de um facto não principal, que se pode denominar instrumental. Por maioria de
razão a prova do facto complementar da impossibilidade da continuação da vida em comum dos cônjuges só poderá fazer-
se mediante o apuramento de factos instrumentais que criem no julgador a conclusão de que se produziu esse resultado.

Em síntese pode dizer-se: os factos instrumentais podem ser conhecidos pelo tribunal desde que resultem da
instrução e discussão da causa, sem necessidade, portanto, de serem alegados pela parte; os factos complementares que
resultem da instrução e julgamento da causa podem ser considerados na decisão das pretensões ou excepções deduzidas,
sem alegação, desde que a parte a quem aproveitam manifeste vontade de se servir deles, e à parte contrária tenha sido
facultado o exercício do contraditório; os factos essenciais só podem ser conhecidos pelo tribunal, e servir de base à sua
decisão, desde que tenham sido oportunamente alegados pela parte que tem o onus da fazer a sua invocação e prova”.

V - Princípio do inquisitório - 265º, 35


- iniciativa da prova: 265º, 3 - dever de todos, partes ou não, de cooperar para a
descoberta da verdade - 519º, 1; requisitar documentos (535º), dever de ouvir testemunhas (645º),
determinar prestação de depoimento de parte (552º, 1), tomar declarações a quem não pode depor
como testemunha ou como parte (265º, nº 3, como acontece quando decide ouvir a mãe do menor
investigante - Col. STJ 99-II-91 e III-57);

- direcção do processo - 265º, nº 1 e 2: 199º, 1, 265ºA (medida a usar com cuidado -


BMJ 471-317), suprimento da falta de pressupostos susceptíveis de sanação - 265º, 2 e 508º, 1, a) e
288º, nº 3, 23º, 1 e 24º, 1, 269º, 1, tudo em prol da decisão de mérito e com o fim de evitar, o mais
possível, decisões de absolvição da instância.

VI - P. da preclusão e da auto-responsabilidade das partes - onus de contestar, de impugnação


especificada - 489º e 490º; prazos peremptórios - 145º; deserção da instância e do recurso por falta de
(atempada) alegação - 291º, 1 e 2; levantamento da penhora - 847º, 1; livre apreciação do
comportamento omissivo da parte - 357º, 1 CC e 519º, 2.

VII - Princípio da cooperação - 266º, 519º e 266ºA: comparência a exames de sangue sob
custódia (BMJ 465-589; TC DR., II série, 17.3.99); 266º, 4 - identificar herdeiros do falecido para
requerer habilitação, para nomear bens à penhora (833º, 5 a 7), marcação de diligências por acordo -
155º, 1 - comunicação de impedimento - 155º, n.º 5 - ou de atraso no começo de diligência - 266ºB, 3.

5
- O nº 3 do artº 265º do CPC não integra uma simples faculdade de uso discricionário, mas
consagra um indeclinável compromisso do juiz com a verdade material.
O uso indevido ou o não uso desse poder-dever é matéria sindicável em via de recurso
pelo Supremo tribunal de Justiça - Ac. de 12.6.2003, na Col. Jur. STJ 2003-II-101.

4
VIII - P. da Imediação - contacto o mais directo possível entre o julgador da matéria de facto e
as pessoas e coisas que servem de fontes de prova e destas com os factos a provar - 646º, 1 e 2;
791º, 1 e 796º - 653º, 2; São seus instrumentos os princípios da
oralidade - produção da prova oralmente perante o julgador de facto, sem prejuízo da sua
gravação; e da
concentração - a audiência é contínua, gerando a violação deste princípio nulidade a arguir
quando da marcação da continuação - 656º, nº 2 e Col. STJ 00-III-139;
livre apreciação da prova - 655º, 1 - testemunhal (396º CC), por inspecção (391º CC) e pericial
(389º); Prova legal - documentos - 371º (autênticos) e 376º (particulares); confissão (358º); presunções
legais (350º), formalidade ad substantiam ou ad probationem – 364º CC, 655º, nº 2 e 646º, nº 4, a
declarar pelo julgador de direito, da sentença - 659º, 3.
Plenitude da assistência dos juizes - 654º (P.º 08B1205).

IX - Princípio da economia processual:


- economia de processos que explica o litisconsórcio inicial, a cumulação de pedidos, o pedido
subsidiário, a ampliação do pedido e da causa de pedir, a reconvenção e os incidentes de intervenção
de terceiros;
- economia de actos - adequação da tramitação processual às especificidades da causa -
265ºA - proibição de actos processuais inúteis - 137º - e simplificação de formalidades - 138º, 1.

Espécies de acções

A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a
fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem
como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção - art. 2º, nº 2, CPC.
Aqui estão consagrados os vários tipos de acção, incluindo a notificação judicial avulsa - BMJ
475-27:
- acções declarativas - art. 4º, 1 e 2;
- acções executivas – 4º, n.os 1 e 3, 801º a 942º;
- procedimentos cautelares – 2.º, n.º 2, 381º e ss.

As acções declarativas são, quanto ao seu fim - art. 4º, nº 2,

a) - de simples apreciação – pôr cobro a situação de incerteza, arrogância


extrajudicial por parte do R. da titularidade de um direito ou de um facto; inversão
do onus da prova – 343º, nº 1; real interesse em agir (Col. Jur. 1999-IV-115; P.ºs
08A2603 e 08A2210).

ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA


- Inversão do ónus da prova
- Fundamento da improcedência
- Função da contestação e da réplica

Acórdão de 30 de Janeiro de 2003, na Col. Jur. STJ 03-I-68:

I - Na acção de simples apreciação negativa, em vista da inversão do regime-regra do ónus prova operada pelo nº
1 do art. 343º do C. C., o R. passa a ocupar posição equivalente à de A. noutra qualquer acção.
II - A acção de simples apreciação negativa nunca pode improceder e o R. ser absolvido do pedido, por falta de
prova; o non liquet probatório terá de resolver-se em desfavor do R. (art. 346º CC e 516º do CPC).

5
III - A improcedência da acção de simples apreciação negativa envolve o reconhecimento de existência de direito
que o R. se arroga, que fica definitivamente estabelecida em face da parte contrária.
IV - Na contestação das acções de mera apreciação negativa não tem, em princípio, cabimento defesa por
excepção (material ou peremptória), nem a dedução de reconvenção, mas apenas a alegação dos factos constitutivos do
direito que o R. se arroga.
V - A réplica, por seu lado, para o A. impugnar aqueles factos e alegar os factos impeditivos e extintos do direito
invocado pelo R.

Sobre as acções de simples apreciação pode ver-se Direito Processual Civil Declaratório, de
Anselmo de Castro, I vol., pág. 113 a 127.

Em AUJ de 12.4.2007, P.º 07A2464, o STJ decidiu que - Na acção de impugnação de escritura
de justificação notarial prevista nos artigos 116º, nº 1, do Código do Registo Predial e 89º e 101º do
Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de
propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura,
incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do
registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial .

b) - de condenação - destinam-se a exigir a prestação de uma coisa ou facto,


prestação que pode consistir num facto ou numa omissão;
c) - constitutivas - a mudança na ordem jurídica existente só pode alcançar-se através
da actividade jurisdicional. Representam o exercício dos direitos potestativos:
divórcio, anulação de um contrato, impugnação pauliana, constituição (art. 1550º
CC) ou mudança (art. 1568º CC) de servidão de passagem, acção de preferência
(art. 1410º), resolução do contrato de arrendamento, divisão de coisa comum,
investigação de paternidade ou maternidade; mas não só com base em direitos
potestativos pode recorrer-se a acções constitutivas: adopção ou investigação de
maternidade ou paternidade.

Formas de processo

art. 460º, n.ºs 1 e 2 - O processo é comum ou especial (especiais, que não há um tipo único de
processo especial, antes são muitos os processos especiais, conforme os direitos substantivos a
adjectivar – art. 944º e ss).
O processo especial – 460º, nº 2 - aplica-se aos casos expressamente designados na lei; não
estando previsto na lei qualquer tipo de processo especial para o caso concreto, aplica-se o processo
comum. É em face do pedido formulado pelo A. que se aprecia a propriedade ou impropriedade do
meio processual usado.

Há processos especiais regulados no CPC - art. 944º e ss - e em leis avulsas, como os


processos especiais de recuperação de empresa e de insolvência, expropriação litigiosa, e o processo
especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos - Dec-lei nº 269/98, de
1 de Setembro, com as alterações introduzidas, mais recentemente, pelo art. 15º do Dec-lei n.º
38/2003, de 8 de Março, republicado, depois de novamente alterado pelo dec-lei nº 107/2005, de 1 de
Julho, rectificado por Declaração no DR IA de 19 de Agosto de 2005. O Dec-lei n.º 303/2007, de 24 de
Agosto, e a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, introduziram ligeiras alterações de redacção.

O Dec-lei n.º 108/2006, de 8 de Junho (alterado, sem interesse, pelo Dec-lei n.º 187/2008, de
23 de Setembro), aprovou um regime processual experimental aplicável a acções declarativas cíveis a

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que não corresponda processo especial e a acções especiais para o cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contratos.
A Portaria 955/06, de 13 de Setembro, determina os tribunais em que se aplica o regime
processual experimental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho.

São formas de processo comum a ordinária, sumária e sumaríssima - art. 461º.


A determinação da forma de processo comum aplicável faz-se, na acção declarativa, tendo em
conta o valor da causa e, quanto ao processo sumaríssimo, também o tipo da pretensão deduzida.
Assim e de acordo com o art. 462º, com a alteração introduzida pelo Dec-lei nº 375 A/99, de 20 de
Setembro,
- usa-se o processo ordinário quando o valor da causa é superior ao fixado para a alçada do
tribunal da Relação;
- usa-se o processo sumaríssimo quando o valor da causa é igual ou inferior ao valor fixado
para a alçada do tribunal de comarca e, não havendo procedimento especial, se pretende o
cumprimento de obrigação pecuniária, a indemnização por dano ou a entrega de coisa móvel;
- usa-se o processo sumário nos restantes casos (valor da causa igual ou inferior à alçada do
tribunal da Relação, desde que, quando se pretende o cumprimento de obrigação pecuniária, a
indemnização por dano ou a entrega de coisa móvel, esse valor exceda o da alçada do tribunal de
comarca).

Nos termos do n.º 1 do art. 31º da LOFTJ (Lei n.º 52/08, de 28 de Agosto), a alçada da Relação
é de 30.000,00 € e a dos tribunais de 1ª Instância é de 5.000,00 €uros.

As normas específicas do processo comum ordinário e sumário são também aplicáveis, de


forma indirecta, nos termos dos art. 463º e 464º:
- na falta de disciplina específica do processo sumaríssimo de declaração, aplicam-se as
normas estabelecidas para o processo sumário e, na falta destas, as estabelecidas para o processo
ordinário (art. 464);
– o processo sumário e os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são
próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras,
observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário - (art. 463º, 1);
- venda de bens – 463º, nº 3;
- recursos em processos especiais – 463º, nº 4.

Pressupostos Processuais

são as condições mínimas indispensáveis para garantir uma decisão idónea e útil da causa.
São os elementos de cuja verificação depende o dever do Juiz de proferir decisão de fundo sobre o
pedido, concedendo ou negando a providência requerida e até de entrar na apreciação e discussão da
matéria que interessaria a essa decisão de fundo.

Também se não deve confundir com os pressupostos de certos actos processuais cuja falta
apenas atinge, em princípio, esses actos (pressupostos da citação edital, da intervenção de terceiros,
da reconvenção).

Não se confundem com as condições (de procedência) da acção. Estas são os requisitos
indispensáveis que, segundo o direito substantivo, permitem julgar a acção procedente; aqueles são
condições de admissibilidade do processo.

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A - Pres. Proc. Relativos às Partes

I - Personalidade judiciária - 5º - Consiste na possibilidade de requerer ou de ser requerida


contra si, em próprio nome, alguma tutela jurisdicional prevista na lei. É a susceptibilidade de ser parte,
(autor, exequente, demandante, requerente, se do lado activo, quem requer; e executado, Réu,
demandado, requerido, se do lado passivo, contra quem é requerida a providência. Partes principais e
acessórias

Em princípio, personalidade jurídica e judiciária coincidem - 5º, nº 2. Assim as pessoas


singulares, os indivíduos (art. 66º CC), e as pessoas colectivas - as fundações (158º), as sociedades
comerciais (5º CSC) e civis sob forma comercial (1º, nº 4, CSC), pessoas colectivas públicas (Estado,
Regiões Autónomas, Municípios e freguesias, Institutos e Serviços Públicos personalizados) têm
personalidade judiciária por terem personalidade jurídica.

Quanto a Estados estrangeiros, sua imunidade e actos por que podem ser demandados
(relações consulares e diplomáticas, trabalhadores de embaixada de Estado estrangeiro) pode ver-
-se Col. 98-II-88, BMJ 464-473, Col. STJ 1997-I-87 e o

Ac. do STJ (Ex.ma Cons.ª D. Maria Laura Leonardo) de 18.2.2006, P.º 05S3279:

I - A imunidade de jurisdição dos Estados é distinta das imunidades diplomáticas e consulares que a Convenção
de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada em 18-04-61) atribui aos agentes diplomáticos.
II - Esta imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados
e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à
condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido
actual deve ser captado e definido.
III - É hoje dominante a concepção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos actos
praticados jure imperii, excluindo da imunidade os actos praticados jure gestionis.
IV - Quer a extensão da aludida regra, quer os critérios de diferenciação entres estes tipos de actividade, não têm
contornos precisos e evoluem de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram
a comunidade internacional.
V - Embora Portugal tenha assinado a Convenção de Basileia sobre a imunidade dos Estados em 10-05-79 - de
acordo com a qual não pode em princípio ser invocada a imunidade de jurisdição se o processo se relacionar com um
contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular - não ratificou esta convenção, o que significa que, em
face do que estabelece o artº 8º, n.º 2 da C.R.P., a mesma não vigora na ordem interna portuguesa .
VI - Todavia este facto não a torna inócua, na medida em que, evidenciando uma certa tendência na definição do
princípio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, na prática internacional (subscreveram e ratificaram a
Convenção a Áustria, Bélgica, Chipre, Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Suíça e Reino Unido), pode ajudar a definir o
conteúdo, a marcha evolutiva e o sentido actual da correspondente regra consuetudinária, sendo certo que o costume
internacional é a segunda das fontes formais enunciadas no artº 38º-1 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.
VII - Também o projecto de articulado sobre a Imunidade Jurisdicional dos Estados e da sua Propriedade
apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas (em 1991) pela Comissão de Direito Internacional constituída no
âmbito da ONU, não sendo vinculante, tem o mérito de demonstrar, ao estabelecer várias restrições ao princípio da
imunidade jurisdicional dos Estados (segundo o qual, a imunidade pode ser invocada se estiver em causa um contrato de
trabalho e o objecto do processo for a sua renovação ou a reintegração duma pessoa singular), uma tendência generalizada
na prática dos Estados no sentido do alargamento das restrições ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros, o que
tem igualmente reflexos na delimitação do conteúdo objectivo da referida regra costumeira.
VIII - Sabido que, na ordem interna portuguesa, vigora o costume internacional de âmbito geral (artº 8º, n.º 1 da
CRP), com o conteúdo e o sentido actualizado, e uma vez que toda a restrição ao princípio da imunidade deve estar
generalizadamente radicada na consciência jurídica das colectividades - o que impõe grande prudência e muita segurança
na sua aplicação -, é de considerar que o âmbito das restrições que aquela regra consuetudinária permite, não pode
ultrapassar as que constam da convenção e projecto de articulado referidos (que constituem manifestações de uma certa
prática, ou tendência, internacional).

8
IX - Numa acção de impugnação de despedimento intentada por uma trabalhadora que fazia parte do "pessoal
administrativo e técnico" da delegação comercial da Embaixada da Áustria em Lisboa, cumprindo funções de secretária (de
carácter subalterno e não estreitamente relacionadas com o exercício de autoridade governamental), em que o fundamento
da acção é a comunicação à autora de que o contrato de trabalho cessou (situação em que a parte agiu como qualquer
empregador privado), a Embaixada da Áustria goza de imunidade de jurisdição relativamente ao pedido de reintegração da
autora e aos que tenham essa reintegração como pressuposto.
X - Quanto aos restantes pedidos - de pagamento de retribuições que deveria auferir entre o despedimento e a
sentença, de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal e indemnizações por violação de direito a férias, danos
não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito e, à cautela, de indemnização em substituição da reintegração ou
indemnização pela caducidade do contrato - os tribunais portugueses têm competência internacional para deles conhecer.

A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte e, por via de regra, só tem
personalidade judiciária quem tiver personalidade jurídica. É uma excepção dilatória de conhecimento
oficioso que conduz à absolvição da instância (arts. 5º, 494, al. c), 493º, nº 2 e 495º do mesmo
diploma).

Por razões de ordem prática, a lei - art. 6º - estende a personalidade judiciária a entes ou
coisas (navios) que, de acordo com o direito substantivo, não têm personalidade jurídica e, por isso,
também não teriam personalidade judiciária. São os casos do art. 6º:

a) - Herança Jacente - al. a) do art. 6º.

Diz-se jacente, a herança aberta mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado - art.
2046º do CC; é a herança cujos titulares ainda não estão determinados, ou porque não se sabe se há
sucessíveis ou os sucessíveis ainda a não aceitaram.
A figura da herança jacente designa o património da pessoa falecida durante o período de crise
que decorre entre o chamamento do sucessível e a aceitação efectiva da herança ou legado, ou seja,
entre o momento da vocação sucessória e a devolução efectiva dos bens e dos deveres que integram
a herança.
É pela aceitação efectiva que a herança deixa de estar jacente, assim perdendo a
susceptibilidade/capacidade de ser parte - Col. Jur. 00-I-125.

A herança jacente tem personalidade judiciária, podendo instaurar acções e ser demandada,
sendo representada por quem a administra - 2047º e ss.
Desde que aceite, são conhecidos os sucessíveis e então rege o direito substantivo: as acções
ou execuções devem ser instauradas pelo ou contra o cabeça de casal (2079º, 2087º a 2090º) ou por
todos e contra todos os herdeiros - 2091º.
A execução destinada ao pagamento da dívida de herança indivisa deve ser instaurada contra
essa herança, representada por todos os herdeiros, e não apenas pelo cabeça-de-casal (artigos 5º e 6º
do CPC e 2091º, nº 1, do Código Civil)
A falta de intervenção de algum desses herdeiros constitui fundamento de oposição à
execução e determina a extinção da instância na acção executiva - artigos 288º n° 1, alínea e), 813.°,
814.º, al. c) e 816º do CPC - BMJ 480-392 e importantes notas.

HERANÇA JACENTE

- Indeterminação dos titulares


- Aceitação de herança
- Tutela

9
- Caducidade do direito ao arrendamento
- Justo impedimento

Acórdão da Relação do Porto, de 4 de Dezembro de 1998, na Col. Jur. 98-5-211 (Ler)

I - Só em caso de indeterminação dos respectivos actuais titulares, uma qualquer massa patrimonial proveniente
da esfera de pessoa falecida pode ser enquadrada no artº 6º do C. P. Civil e só nesse caso disporá de personalidade
judiciária, e embora seja desprovida de personalidade jurídica.
II - A herança cujo titular ainda não está determinado é a jacente.
III - Na aceitação da herança, mais que as formas ou expressões utilizadas, o importante é que o teor do escrito –
que pode até consistir numa simples carta – implicite a assunção da qualidade de herdeiro.
IV - A herança indivisa ou não partilhada apenas enquanto se mantiver na situação de jacente goza de
personalidade judiciária.
V - Após a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados não poderá em seu nome próprio, desempenhar o
papel de parte processual em lide forense, demandar ou ser demandada.
VI - Estando os herdeiros já determinados serão eles que deverão intervir.

Ac. do STJ (Cons.º Salvador da Costa), de 15.1.2004, Pº 03B4310:

1. A herança indivisa aceite pelos sucessores do seu autor não tem personalidade judiciária, nem se subsume,
para esse efeito, à figura de património autónomo semelhante de titular não determinado.
2. A legitimidade do cabeça de casal para cobrar os direitos de crédito da herança quando a cobrança possa
perigar pela demora, a que se reporta o artigo 2089º do Código Civil, ocorre, por exemplo, nos casos de receio de
insolvência do devedor e inexistência de garantia real, de necessidade de reclamação de créditos em acção executiva ou de
proximidade do termo do prazo de prescrição.
3. A afectação do princípio da estabilidade da instância no plano subjectivo só pode ocorrer em consequência da
substituição de alguma das partes na relação jurídica substantiva, ou no quadro dos incidentes de intervenção de terceiros
ou no caso de alguma das partes haver sido julgada ilegítima por não estar em juízo determinada pessoa.
4. Tendo a acção declarativa de condenação sido intentada pela herança indivisa e prosseguido até à fase da
condensação na perspectiva de ser dotada de personalidade judiciária e de legitimidade ad causam própria, não pode
considerar-se intentada pela cabeça de casal ao abrigo do artigos 2089º do Código Civil e 26º, n.º 3, do Código de Processo
Civil.

...
A personalidade judiciária traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida
alguma providência de tutela jurisdicional (artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, a lei
estabelece que quem a última tiver também dispõe da primeira (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Assim, a regra é no sentido de que todos os indivíduos, independentemente da sua nacionalidade, maioridade,
menoridade, capacidade ou incapacidade, têm personalidade judiciária por virtude de, em princípio, poderem ser sujeitos de
relações jurídicas (artigos 14º, nº 1, e 67º do Código Civil).
A referida regra é extensível às associações e fundações e às sociedades a quem a lei reconheça personalidade
jurídica, embora só possam estar em juízo através dos seus representantes estatutários (artigos 157º, 158º do Código Civil
e 5º do Código das Sociedades Comerciais).

2.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
Antes da sua última alteração, a lei de processo prescrevia que a herança cujo titular não estivesse determinado e
os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personalidade jurídica, tinham personalidade judiciária
(artigo 6º do Código de Processo Civil).
Actualmente, no quadro do desenvolvimento do referido normativo de pretérito, a lei estabelece terem
personalidade judiciária a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado (artigo 6º, alínea
a), do Código de Processo Civil).
Em relação à herança, a lei processual actual substituiu o segmento normativo que constava da lei anterior cujo
titular ainda não esteja determinado pelo segmento normativo herança jacente.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à herança jacente e,
por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado.

10
Os patrimónios autónomos semelhantes, que gozam de igual tratamento, "são constituídos por aqueles bens ou
massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas testamentárias a nascituros, concebidos ou não
concebidos: arts 952, 2033, nº 2, al. a) e 2240 do C.C.) ou que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual seja
reconhecida personalidade jurídica ( sociedades civis: art. 996; e associações sem personalidade jurídica: art. 198, nº 3;
comissões especiais para a realização de certos interesses colectivos de carácter difuso: art. 199; condóminos na
propriedade horizontal: art. 1433, nº 4 e 1437, nº 1, todos do Cód. Civil)" - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,
pág. 111.
Também Miguel Teixeira de Sousa (As partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, 1995, pág. 118) escreve:
"Nos patrimónios autónomos stricto sensu incluem-se nomeadamente, os patrimónios das associações sem
personalidade (art. 159 do C.C.), das comissões especiais (art. 199 do C.C.), das sociedades civis sob forma civil (art. 980
do C.C.), as partes comuns dos imóveis em propriedade horizontal (art. 1421 do C.C.) os bens doados ou legados a
nascituros (arts. 952, nº 1 e 2033, nº 2, al. a) do C.C.), os bens do Estado geridos ou administrados autonomamente (art. 20
nº 2 ) e o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, regulado pelo Dec-lei 248/86" .

No caso vertente, conforme resulta dos termos da acção, foi a recorrente que a intentou, na perspectiva de que
era excepcionalmente dotada de personalidade de judiciária e, naturalmente, no quadro da sua legitimidade própria,
naturalmente representada pela cabeça de casal, por isso sem experimentar a necessidade de invocar a o perigo da
demora na cobrança do crédito que pretende fazer valer na causa no confronto dos recorridos.
Citado o réu, de harmonia com o princípio processual da estabilidade da instância, salvo as possibilidades de
modificação legalmente consignadas, deve aquela manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (artigo 268º
do Código Civil).
No quadro da excepção do princípio da estabilidade da instância, ela só pode modificar-se no plano subjectivo em
consequência da substituição, na relação jurídica substantiva, de alguma das partes, por sucessão ou por acto entre vivos,
dos incidentes de intervenção de terceiros ou no caso de alguma das partes haver sido julgada ilegítima por não estar em
juízo determinada pessoa (artigos 269º, n.º 1, e 270º do Código de Processo Civil).
A pretensão da recorrente de se considerar que a acção em causa foi intentada pelo cabeça de casal nos termos
do artigo 2089º do Código Civil, porque assim não foi na realidade, não assenta em mera questão de palavras, e não é
consentida por qualquer das excepções ao princípio da estabilidade da instância acima referidas.
Com efeito, ao admitir-se a referida pretensão da recorrente, estar-se-ia a consentir a violação do aludido princípio
da estabilidade da instância, que o tribunal não pode sufragar e, consequentemente, não pode deixar de recusar.
7.
Em consequência do exposto, a recorrente não tem personalidade judiciária e não pode considerar-se, dados os
termos da causa, que a acção foi intentada pela cabeça de casal no quadro da legitimidade substantiva prevista nos artigos
2089º do Código Civil e 26º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Ac. do STJ (Cons.º Azevedo Ramos), de 31.1.2006, P.º 05A3992:

A herança ilíquida e indivisa, cujos herdeiros já se encontram determinados, não tem personalidade jurídica, nem
judiciária (Ac. S.T.J. de 19-3-92, Bol. 415-658).
Com efeito, o art. 6, al. a), do C.P.C., apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente e aos patrimónios
autónomos semelhantes.
A herança jacente é aquela que já se encontra aberta, mas ainda não foi aceita nem declarada vaga para o
Estado - art. 2031 e 2046 do C. C.

Os patrimónios autónomos semelhantes, que gozam de igual tratamento, "são constituídos por aqueles bens ou
massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas testamentárias a nascituros, concebidos ou não
concebidos: arts 952, 2033, nº 2, al. a) e 2240 do C.C.) ou que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual seja
reconhecida personalidade jurídica (sociedades civis: art. 996; e associações sem personalidade jurídica: art. 198, nº 3;
comissões especiais para a realização de certos interesses colectivos de carácter difuso: art. 199; condóminos na
propriedade horizontal: art. 1433, nº4 e 1437, nº 1, todos do Cód. Civil) " - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,
pág. 111.
Também Miguel Teixeira de Sousa (As partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, 1995, pág. 118) escreve:
"Nos patrimónios autónomos strictu sensu incluem-se nomeadamente, os patrimónios das associações sem
personalidade (art. 159 do C.C.), das comissões especiais (art. 199 do C.C.), das sociedades civis sob forma civil (art. 980
do C.C.), as partes comuns dos imóveis em propriedade horizontal (art. 1421 do C.C.) os bens doados ou legados a
nascituros ( arts. 952, nº 1 e 2033, nº 2, al. a) do C. C.), os bens do Estado geridos ou administrados autonomamente ( art.
20nº2 ) e o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, regulado pelo dec-lei 248/86 ".

11

Para a resolução da questão que agora nos ocupa, importa atentar no preceituado no art. 2091 do Cód. Civil, que
impõe aos herdeiros a representação da herança e a legitimidade para contradizer.
"Os herdeiros são partes legítimas na acção contra eles intentada, para os credores do autor da herança verem os
seus créditos pagos pelos bens da mesma.
No entanto, não podem ser condenados a pagar as dívidas (...): não são devedores.
Mas tem de se ter em consideração que a herança não pode ser demandada nem condenada, porque não tem
personalidade.
Os herdeiros serão demandados e condenados, mas não a pagar os créditos, tão somente a reconhecerem a sua
existência ou a verem satisfeitos pelos bens da herança os créditos dos credores do de cujus (Herança Indivisa - Sua
natureza jurídica, Responsabilidade dos herdeiros pela dívida da herança, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46,
págs 567 e segs).
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-77 (Bol. 273-322), também já decidiu:
"Se os herdeiros se encontram determinados (embora a herança não esteja partilhada), aqueles são os
representantes da herança, porque tal qualidade lhes é conferida pelo art. 2091, do C.C.
E daí que possam ser demandados pelas dívidas do de cujus, sendo, pois, partes legítimas, em acções
destinadas à respectiva cobrança.
Outro problema distinto é o de saber como, determinados os herdeiros, se devem liquidar os respectivos
encargos.
E aqui têm de se distinguir dois momentos: antes da partilha, os bens respondem colectivamente pela sua
satisfação (art. 2097); depois da partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos na proporção da quota que lhe couber
na herança, podendo até os herdeiros deliberar sobre a forma de efectuar o seu pagamento (art. 2098 do C.C.)".
Assim, concordando-se com esta doutrina e jurisprudência, é de concluir que, não sendo demandada, a herança
do falecido CC não deve ser directamente condenada.
Os seus herdeiros também não devem ser condenados a pagar as indemnizações constantes das alíneas b), c),
d) e e) da parte decisória da sentença da 1ª instância, mas apenas a reconhecer a existência desses débitos, que devem
ser satisfeitos pelas forças da mesma herança.

Patrimónios autónomos semelhantes - são bens ou massas de bens cuja titularidade é incerta
(doações a nascituros - 952º, 2033º, nº 2, a) e 2240º CC).

b) - 195º e 199º CC. Responsabilidade pessoal e solidária dos membros de comissão especial
- 198º, 1 e 2 e 200º, nº 2, do CC - pelo que, além do património autónomo, podem eles ser
demandados. EIRL - Dec-lei nº 248/86, de 25 de Agosto.
c) - 980º CC;
d) - 36º e 38º a 40º do CSC - responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios.
e) - 1436º e 1437º CC
f) - navios - art. 28º do Dec-lei nº 352/86, de 21 de Outubro: … o navio tem personalidade judiciária
para o efeito de ser responsabilizado perante os interessados na carga, se ocorrer a nulidade do conhecimento de carga ou
se o transportador marítimo não for identificável com base nas menções constantes desse conhecimento - BMJ 475-571.

Personalidade judiciária das sucursais - 7º, nº 1, com alargamento do nº 2, se a administração


principal tiver sede ou domicílio em país estrangeiro.
As sucursais constituídas em Portugal de sociedade estrangeira podem ser objecto de
processo de falência - BMJ 477-524.
A falta de personalidade judiciária das sucursais e similares é sanável nos termos do art. 8º -
aplicável quando é demandado um organismo do Estado sem personalidade judiciária (?); de parte
falecida - habilitação dos sucessores (art. 371º) ou da herança jacente - 6º, a).

Consequências da falta de personalidade judiciária:

12
A falta não sanada – e, salvo nos apontados casos do art. 8º, a falta de personalidade judiciária
não é sanável - de personalidade judiciária é uma excepção dilatória nominada (art. 494º, al. c), de
conhecimento oficioso (art. 495º).
Os seus efeitos são os seguintes:
- se houver despacho de citação (cfr. artº 234º, nº 4) e se essa excepção não for sanável (cfr.
artº 8º), ela justifica o indeferimento liminar da petição inicial (artº 234º-A, nº 1);
- se a falta de personalidade judiciária for conhecida no despacho saneador, ela conduz à
absolvição do réu da instância (art. 494º, al. c), 493º, nº 2, e 288º, nº 1, al. c), mas, quando for sanável
(cfr. artº 8º), o tribunal deve procurar, antes de proferir qualquer absolvição da instância, que a
administração principal realize essa sanação (art. 265º, nº 2).

II - Capacidade judiciária - 9º - Consiste na possibilidade de estar, por si ou por representante


voluntário, livremente, em juízo.
Em princípio, quem tem capacidade de exercício de direitos (capacidade jurídica - 67º CC) tem
capacidade judiciária - 9º, 2, CPC.

Só pode ser parte quem tiver personalidade judiciária; mas quem tenha personalidade judiciária
(menor) só pode estar, por si, em juízo, desde que tenha capacidade judiciária, equivalente à
capacidade do exercício de direitos. Quem não tiver capacidade judiciária, mesmo tendo
personalidade, só pode estar em juízo por intermédio dos seus representantes, como se dispõe no art.
10º.

Suprimento da Inc. jud. – 10º - assistência e representação:


- assistência por curador aos inabilitados - 13º, nº 1 CPC e 153º, 1, e 154º CC;
- representação legal de menor - pais (124º e 1877º CC), tutor (124º e 1921º CC) ou
administrador de bens (1922º);
- Interdito - tutor (139º )
Curador provisório ou ad litem: 11º, 1 e 3: nomeação pelo Juiz da causa para uma determinada
acção, em caso de urgência; Além deste caso de urgência, pode ser nomeado curador ad litem
- quando o citando está impossibilitado de receber a citação - 14º.
- os progenitores não acordam na orientação da defesa dos interesses do menor que
representam - 12º, n.os 2 e 3;
- conflito de interesses entre o incapaz e o representante ou outro representado pelo mesmo
representante - 1329º, nº 1, 1846º, nº 3, 1881º, 2 e 1956º, al. c, do CC;
- quando o representante é parte com o representado - 1846º, 1 e 3, CC.

Requerimento de nomeação - 11º, nº 4 e 5. Sub-representação - 15º - pelo M.º P.º ou, se este
é autor, defensor oficioso – n.º 2 do 15º.

Representação judiciária - é a representação em juízo de pessoas submetidas a representação


orgânica ou pelo Mº.Pº.
Estado - 20º : M.º Pº, mandatário judicial.
Pessoas colectivas e sociedades -
a) - acções com terceiros - 21º, nº 1;
b) - acções entre elas e o seu representante - 21º, nº 2: curador ad litem;
Incapazes e ausentes - 17º, nº 1 - M.º Pº;
Incertos - 16º, 1 e 2: M.º Pº ou defensor oficioso se o M.º Pº representa o autor.

13
- Pessoas judiciárias (só têm p. judiciária):
- herança jacente - curador (art° 22º; art° 2048°, nº 1, CC);
- associações sem personalidade jurídica - órgão da administração (art° 22º; art. 195º,
nº 1, CC);
- comissões especiais - administradores (art° 22º; art° 200º CC);
- sociedades civis - administradores (art. 22º; art° 996°, nº 1, CC);
- sociedades comerciais não registadas - pessoas a quem as cláusulas do contrato
atribuam a representação (art. 22º);
- o condomínio - administrador (art. 22º; 1437°, n° 2, CC);
- as sucursais ou equivalente - directores, gerentes ou administradores (art° 22º).

A Incapacidade judiciária lato sensu abrange:

- incapacidade judiciária stricto sensu que ocorre quando o A. propõe uma acção sem intervenção
do representante ou assistência do curador ou quando o R. incapaz é demandado sem que o A.
indique o representante legal ou curador do incapaz demandado - 23º, nº 1 e 494º, c);
Oficiosamente e a todo o tempo o Juiz deve providenciar pela regularização da instância - 24º, 1 e
265º, nº 2 - pela forma dita no art. 24º, nº 2.
A incapacidade fica sanada se o representante do incapaz ratificar os actos antes praticados no
processo ou se os renovar no respectivo prazo - 23º, nº 2;

Se o representante não ratifica ou não renova os actos praticados,


a) - rep. do autor - a petição (quando afectada pela não ratificação) fica sem efeito e o R. é
absolvido da instância - 494º, c), 493º, 2 e 288º, 1, c) - porque falta um pressuposto
processual
b) - rep. do R. - falta o pressuposto de um acto processual e, por isso, os actos praticados
(contestação e outros) pelo incapaz ficam sem efeito, cumprindo-se, na falta de mandatário
judicial constituído, o 15º, nº 1.

- irregularidade de representação - 23º, 1 e 288º, 1, c) - os efeitos e regime de sanação são os


mesmos da incapacidade stricto sensu - 23º e 24º.

- falta de autorização ou deliberação - 25º, 1, 288º, 1, c) e 494º, d) Sanação conforme os art. 25º,
nº 1 e 265º, nº 2, com suspensão dos termos da causa.

Não sanação, (quando o representante do A. ou do R. não obtém a necessária autorização ou


deliberação):
a) - do autor - 25º, nº 2, 1ª parte, 494º, d), 493º, 2 e 288º, 1, c) - falta de pressuposto processual
determinante de absolvição da instância;
b) - do réu - 25º, 2, 2ª parte: a contestação fica sem efeito por falta de pressuposto desse acto, o
processo segue como se o réu não deduzisse oposição.

III - Legitimidade - Conceito - 26º - Interesse directo. Querela B. de Magalhães/A. dos Reis.
Novo 26º, nº 3 acolhe tese daquele:

Uma coisa é a questão da legitimidade, como pressuposto processual, outra a do mérito da acção, tendo aquela
precedência sobre este na ordem de decisão do juiz, não podendo o julgador fazer um julgamento por antecipação do
mérito da causa.

14
Deste modo, saber se, verdadeiramente, a relação jurídica invocada existe ou não, e em que medida, respeita ao
mérito da acção e não à legitimidade.
Portanto, se as partes são legítimas, mas posteriormente se demonstra que nada têm a ver com a questão de mérito
em discussão, a acção tem de improceder, por o autor não ser titular do direito que se arroga.
Posto isto, importa saber, in casu, perante o teor da petição inicial introduzida em juízo, em que termos a autora
configura o direito que se arroga e a posição que ela e os réus, perante a causa de pedir e o pedido formulado, têm na
relação jurídica material controvertida por eles apresentada - BMJ 475-571 e 577.

A legitimidade processual distingue-se dos requisitos que interessam à procedência do pedido, com eles não se
confundindo. Como pressuposto processual, constitui um dos requisitos necessários para que o juiz se possa pronunciar
sobre o mérito da causa, mas não envolve o conhecimento de mérito, ou seja, das circunstâncias de facto e de direito
necessárias para que a acção seja julgada procedente.
No campo do direito processual, a legitimidade é uma certa posição de um sujeito - a parte processual - face a um
certo objecto - o objecto processual exigida pelo direito.
Sabe-se como, na vigência do Código de Processo Civil de 1961, atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo
26º, o critério principal aferidor da legitimidade processual era o do interesse. Mas, fosse por que razão fosse, logo o n.º 3
do mesmo artigo 26º previa paralelamente um segundo critério, o da titularidade da relação material controvertida.
É bem conhecida a querela doutrinária, polarizada por Alberto dos Reis e por Barbosa de Magalhães, a propósito
da questão de saber que situação jurídica ou «relação material controvertida» é aquela por que se afere a legitimidade
processual. Se a alegada, pretendida pelo autor; se a efectivamente existente, ou seja, a determinada pelo juiz, após a
contestação do réu.
Não é obviamente esta a sede para o tratamento histórico-dogmático do problema, que veio a conhecer, após a
reforma processual de 1995-1996, e com a nova redacção dada ao n.º 3 do artigo 26º, solução normativa no sentido favo-
rável à tese que fora defendida por Barbosa de Magalhães.
Dir-se-á apenas que, para quantos seguiram a construção de Barbosa de Magalhães, a relação material à luz da
qual se afere a legitimidade é a fixada pelo autor na petição inicial à semelhança do que sucede com todos os demais pres-
supostos processuais. Em consequência, toda a impugnação do réu a esse objecto respeita já à questão de fundo e não à
discussão de uma excepção dilatória. Ou seja, a legitimidade é de averiguar em face da relação jurídica controvertida, tal
como a desenha o autor – Ac. STJ, de 12.1.99, no BMJ 483-29

Específica legitimidade activa para acções destinadas à tutela de interesses difusos - 26ºA e
10º da Lei nº 35/98 - ONGA.

Artigo 10.º
Legitimidade processual
As ONGA, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda, têm legitimidade para:
a) Propor as acções judiciais necessárias à prevenção, correcção, suspensão e cessação de actos ou omissões
de entidades públicas ou privadas que constituam ou possam constituir factor de degradação do ambiente;
b) Intentar, nos termos da lei, acções judiciais para efectivação da responsabilidade civil relativa aos actos e
omissões referidos na alínea anterior;
c) Recorrer contenciosamente dos actos e regulamentos administrativos que violem as disposições legais que
protegem o ambiente;
d) Apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo penal por crimes contra o
ambiente e acompanhar o processo de contra-ordenação, quando o requeiram, apresentando memoriais, pareceres
técnicos, sugestões de exames ou outras diligências de prova até que o processo esteja pronto para decisão final.

Conceito de acção popular (Lei nº 83/95, de 31.8) – Ac. da Relação de Évora, de 3.2.2005, na
Col. Jur. 2005-I-252:

IV - Não é todo e qualquer interesse em agir meramente individual e egocêntrico que pode estar na base duma
acção popular.
V - O que há de essencial nas acções populares, sejam elas de foro administrativo ou do foro cível, no plano dos
sujeitos processuais activos, é que, muito embora a lei atribua legitimidade processual às pessoas singulares para
intentarem tais acções, os direitos tutelados deverão ter objectivamente um carácter comunitário, isto é, um valor pluri-
subjectivo e os interesses subjacentes a tais acções deverão assumir um cunho meta-individual.

15
Associações zoófilas e touradas de Barrancos: legitimidade e interesse em agir daquelas,
inclusive para fixação de sanções pecuniárias compulsórias - Col. Jur. STJ 01-III-41

Nem sempre se verifica a regra dualidade de partes - autor e réu, exequente e executado,
requerente e requerido, embora o autor possa, no mesmo processo, formular vários pedidos contra o
réu - art. 470º CPC.
Podem vários autores demandar o mesmo réu (pluralidade de partes activa), um só autor
demandar vários réus (pluralidade passiva) e podem vários AA demandar dois ou mais RR (pluralidade
mista).
A cumulação subjectiva pode ocorrer em litisconsórcio ou em coligação.

Há litisconsórcio (27º a 29º) quando a relação material respeita a várias pessoas mas é única; há
pluralidade de partes mas unicidade da relação controvertida: vários credores de uma obrigação plural
(solidária ou conjunta) demandam o mesmo ou mesmos réus.
Na coligação (30º) à pluralidade de partes corresponde pluralidade de relações materiais,
distintas, mas com afinidades tais que a lei entende aconselhável o seu julgamento conjunto: dois
promitentes-compradores, exibindo contratos-promessa distintos (imóveis diferentes) mas obedecendo
ao mesmo padrão podem demandar em coligação o mesmo promitente vendedor para obterem a
interpretação e execução de cláusulas perfeitamente análogas.

A coligação é permitida nas várias hipóteses do artº 30º:


- a causa de pedir é a mesma e única - 1ª parte do nº 1;
- os pedidos estão entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência - 2ª parte do nº 1.
- causa de pedir diferente mas os pedidos principais dependem da apreciação dos mesmos
factos, das mesmas regras de direito ou de cláusulas contratuais perfeitamente análogas - nº 2.
- Banco que demanda A com base na obrigação cartular (aceitante) e B com fundamento na
relação subjacente (desconto) - nº 3.

Esta conveniência de julgamento conjunto está retratada nos obstáculos indicados no nº 1 e no


regime fixado nos n.ºs 2 a 5 do art. 31º.

O litisconsórcio pode ser:


a) - voluntário - todos os interessados podem demandar ou ser demandados, mas a falta de
qualquer deles não gera ilegitimidade - 27º, n.ºs 1 e 2.
b) - conveniente – para obter a condenação de dois devedores em regime de conjunção, dos
dois cônjuges casados em separação por dívida comunicável (1691º e 1695º, nº 2)
c) - necessário - todos os interessados devem demandar ou ser demandados e a falta de
qualquer deles origina ilegitimidade - 28º e 28ºA:
- lei - nº 1 do art. 28º: 28ºA (acções contra marido e mulher), 419º e 2091º CC; acção
de preferência contra vendedor e comprador, impugnação pauliana.
- negócio jurídico - nº 1 - conta conjunta (conta e);
- produção do efeito útil normal da decisão - nº 2 - acção de divisão de coisa comum ou
de anulação de partilha; acção confessória de servidão contra todos os comproprietários do
prédio serviente.

Litisconsórcio entre cônjuges - 28ºA CPC; 1678º, 1682º e 1682ºA; 1691º e 1695º CC

16
Quanto ao litisconsórcio necessário entre os cônjuges, há que analisar o disposto no art. 28º-A,
n.os 1 e 2 (acções que devem ser propostas por ambos os cônjuges) e 28º-A, nº 3 (acções que devem
ser instauradas contra ambos os cônjuges).
Relativamente à propositura da acção, o litisconsórcio entre os cônjuges é necessário quanto a
direitos que apenas possam ser exercidos por ambos ou a bens que só possam ser administrados ou
alienados por eles, incluindo a casa de morada de família (artº 28º-A, n.º 1). Para se saber quais são
esses direitos e bens, há que distinguir entre as acções relativas a actos de administração e a actos de
disposição.
Nas acções relativas a actos de administração, o litisconsórcio activo é necessário quanto aos
actos de administração extraordinária de bens comuns do casal (art. 1678º, nº 3, in fine, CC). Assim,
por exemplo, uma acção cujo objecto seja o arrendamento de um bem comum por um prazo superior a
seis anos (que é um acto de administração extraordinária, art. 1024º, nº 1, CC) só pode ser instaurada
por ambos os cônjuges.
Nas acções referentes a actos de disposição, o litisconsórcio activo é necessário quando o
objecto do processo for, nomeadamente, um acto de disposição de
- bens móveis comuns administrados por ambos os cônjuges (art. 1682º, nº 1, CC),
- de bens móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida doméstica ou
profissional (art. 1682º, nº 3, al. a), CC),
- de bens móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge não administrador (art. 1682º, nº
3, al. b), CC),
- da casa de morada de família (art. 1682º-A, nº 2, CC) e ainda
- de bens imóveis próprios ou comuns e de estabelecimento comercial, salvo se os cônjuges
forem casados no regime de separação de bens (art. 1682º-A, nº 1, CC; cfr. STJ -
18/1/1995, BMJ 443, 282).

O litisconsórcio activo entre os cônjuges pode ser substituído pela propositura da acção por um
deles com o consentimento do outro (art. 28º-A, nº 1), o que constitui uma situação de substituição
processual voluntária. Se o cônjuge não der o seu consentimento para a propositura da acção, o outro
pode supri-lo judicialmente (artº 28º-A, nº 2), utilizando para tanto o processo regulado no art. 1425º.
Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é necessário quando o objecto do
processo for um facto praticado por ambos os cônjuges, uma dívida comunicável, um direito que
apenas pode ser exercido por ambos os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser administrado
ou alienado, incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A, nº 3).
Podem referir-se, como exemplos, as acções respeitantes a dívidas contraídas por ambos os
cônjuges (art. 28º-A, nº 3, 1ª parte; art. 1691º, nº 1, al. a), CC), pelas quais respondem os bens comuns
do casal e, subsidiariamente, os bens próprios de qualquer deles (art. 1695º, nº 1, CC), as acções
referidas a dívidas contraídas por um dos cônjuges mas pelas quais respondam os bens comuns do
casal e, subsidiariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 28º-A, n.º 3, 2ª parte; art.
1691º, nº 1, al. b), c), d) e e), CC), as acções relativas a bens que apenas ambos os cônjuges possam
dispor (art. 28º-A, nº 3, 3ª parte; art. 1682º, n.os 1 e 3, 1682º-A e 1682º-B CC.

Pode, assim, concluir-se que o litisconsórcio passivo entre os cônjuges acompanha a


responsabilidade patrimonial pelas dívidas e a disponibilidade substantiva sobre os bens em
causa na acção.

17
O art. 28º-A, nº 3, ao referir-se a dívidas emergentes de facto praticado por um dos cônjuges
mas em que se pretende obter uma decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou bens
próprios do outro cônjuge, poderia levar a entender que, se o autor não pretender assegurar a
execução desses bens, pode instaurar a acção apenas contra o cônjuge que contraiu a dívida. Mas
não é assim: o princípio é o de que o litisconsórcio acompanha a responsabilidade patrimonial pelo
pagamento da dívida, pelo que, se por esta forem responsáveis bens comuns ou bens próprios do
cônjuge não contratante (artº 1695º CC), devem ser demandados ambos os cônjuges.
O mesmo acontece quando o bem integra (ou pode integrar) o património comum: assim, na
acção de preferência relativa à compra de um imóvel deve demandar-se, além do adquirente, o seu
cônjuge, ainda que não outorgante na respectiva escritura, se os cônjuges forem casados no regime de
comunhão de bens ou de adquiridos (Ac. STJ de 10/12/1985, BMJ 352, 285).

Efeitos da preterição - No litisconsórcio voluntário apenas se verifica o desaproveitamento de


certos benefícios ou vantagens - 27º, 1, 2ª parte.
Mas no necessário a falta de qualquer parte, activa ou passiva, determina a ilegitimidade da
parte ou partes presentes em juízo - 28º, nº 1.

Sanação - a) - litisconsórcio entre cônjuges


1 - ilegitimidade activa - consentimento ou seu suprimento - 28ºA, 2;
2 - ilegitimidade passiva - intervenção principal provocada do cônjuge não presente -
269º, 1 e 2 - pelo Autor ou pelo cônjuge demandado - 325º, nº 1.
b) - outras situações - intervenção p. provocada - 269º e 325º.

Posição dos litisconsortes - 29º.


Concretização - voluntário: 298º, nº 1, 683º, 2 e 684º, 1;
- necessário: 298º, 2, 683º, 1 e 684º, 1.

O Prof. Teixeira de Sousa ensina - com acolhimento no Ac. do STJ, de 27.4.99, no BMJ 486-276 (Cons.º Silva
Paixão) que na análise destas normas se deve distinguir não entre litisconsórcio necessário e voluntário mas antes entre
litisconsórcio simples e unitário (que tanto pode ser voluntário - 1405º, nº 2 CC - como necessário - 1846º, nº 1: impugnação
de paternidade pelo pai contra mãe e filho), conforme a decisão que pela acção se pretende obter possa ser distinta (lit.
simples) para cada um dos litisconsortes ou uniforme (lit. unitário) para todos eles.
Assim, a referência feita nos art. 683º, n.os 1 e 2, 684º, 1 e 298º, a litisconsórcio necessário ou voluntário deve,
antes, entender-se como realizada ao litisconsórcio unitário ou simples.

Os pressupostos processuais devem verificar-se em relação a todos os litisconsortes, a


contestação de um aproveita aos demais (485º, al. a), bem como o não impugnante beneficia da
impugnação de outro (490º, 1) e do prazo de contestação (486º, 2). Também a prova de um facto
comum aproveita a todos, salvo se confessado por um deles - 353º, 2, CC.

Litisconsórcio subsidiário e alternativo - 31º B - acção de indemnização de A contra a seguradora


de B e ou de C (l. passivo) se não pode determinar qual dos segurados foi o responsável pelo acidente
ou em que qualidade intervieram B e C no negócio; duas sociedades (l. activo) do mesmo grupo têm
dúvidas sobre qual delas é o verdadeiro credor de C.

Em acções por acidente de viação tem-se discutido se há litisconsórcio necessário activo quando,
sendo vários os lesados, os pedidos excedam o limite do seguro obrigatório ou a indemnização esteja
limitada a certo montante, como acontece na responsabilidade pelo risco.

18
Já em 29.5.56 (BMJ 57-329 e D.G. de 26.6.56) foi publicado assento que fixou a seguinte
doutrina: quando de um acidente de viação derivarem danos para mais de uma pessoa e a lei limitar o
montante das indemnizações por danos dele emergentes, é necessária a intervenção de todos os
lesados na respectiva acção.
Esta doutrina - válida para a situação de limitação do capital seguro - foi aceite no Ac da Relação
do Porto, de 29.1.92, na Col. Jur. 92-I-246, mas negada no da R.ão de Évora, na Col. 98-V-266, à vista
do art. 16º do Dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (Seguro Obrigatório).
A necessidade de proceder a eventual rateio determina a existência de litisconsórcio necessário
activo - 28º, nº 2, CPC.

O STJ decidiu (BMJ 480-368) que há litisconsórcio necessário passivo da seguradora e do segurado quando o
pedido excede o montante do seguro obrigatório e o segurado beneficia de seguro facultativo muito superior, pois na
parte tocante ao seguro facultativo a Seguradora pode opor nulidades, exclusões ou meios de defesa contratuais que
não são admissíveis na parcela do seguro obrigatório - art. 29º, 1, a) e b), 7º e 14º daquele Dec-lei 522/85.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Miranda Gusmão), de 17/03/94, P.º 084428:

I - Nas acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil por acidente de viação abrangido pelo seguro
obrigatório, impõe-se o litisconsórcio passivo (necessário) sempre que, não ultrapassando embora o pedido formulado os
limites fixados para o seguro obrigatório, suceda que o montante de tal pedido, somado às indemnizações que a seguradora
já houver pago ao lesado, exceda o capital obrigatoriamente segurado.
II - Neste caso, ainda que na sua contestação a seguradora tenha admitido ou confessado os factos integrativos da
culpa do réu civilmente responsável, tal posição não constitui confissão do direito do autor se tais factos (ou alguns deles)
foram objecto de impugnação na contestação do réu seu segurado.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Joaquim de Carvalho) de 8.1.1991, no Pr.º 079453:

I - Sendo o acidente de viação imputado a culpa do condutor do veiculo, não há litisconsórcio necessário activo dos
vários lesados, por nesse caso não se estabelecer limite legal para a indemnização, ainda que se verifique a existência de
limite contratual da responsabilidade da seguradora.
II - A interpretação de clausula contratual constante de apólice de seguro constitui matéria de facto quando dirigida a
determinação da vontade dos contraentes, podendo o Supremo Tribunal de Justiça fiscalizar se foram ou não respeitados
os critérios legais definidos no artigo 236 do código civil.
III - O artigo 5 paragrafo 2 do Reg. de Transportes em Automóveis (decreto 37272 de 31 de Dezembro de 1948) não
restringe a possibilidade de transporte nos veículos de mercadorias e mistos aos trabalhadores dos donos do veiculo.

IV - Interesse em agir ou interesse processual - consiste na necessidade justificada, razoável,


fundada, de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção, de recorrer a juízo.
A sua falta é insanável. Ver, porém, o art. 449º, 2, b) a d), casos de condenação do A. em custas
quando, sem necessidade, usa do processo de declaração.
O interesse directo que está na base da legitimidade refere-se ao objecto da lide, ao conteúdo
material da pretensão, enquanto que o interesse em agir respeita ao interesse, à necessidade do
próprio processo.

V - Patrocínio judiciário obrigatório - 32º, 33º (60º para as execuções), 36º e 37º; Revogação e
renúncia - 39º - alteração do regime anterior: se o patrocínio for obrigatório o advogado renunciante
não está dispensado de, durante o prazo de 20 dias seguintes à notificação da renúncia (39º, nº 3)
continuar a exercer as suas funções (apresentação de articulado ou prática de qualquer acto
necessário à defesa dos interesses do mandante) porque só decorridos esses 20 dias é que a instância
se suspende, é que a renúncia produz efeitos - BMJ 437-452.

Acórdão do STJ (Azevedo Ramos) de 12.7.2007, no Pr.º 07A1874:

19
Constando do pacto social de uma sociedade anónima que esta se obriga com a assinatura conjunta de dois
gerentes, mas sendo o pacto omisso quanto à representação desta em juízo, deverá a mesma sociedade ter-se por
validamente representada, na propositura de uma acção para cobrança de dívida, através da procuração subscrita apenas
por um sócio gerente, por estar em causa a prática de um acto de mera administração, para o qual qualquer gerente tem
poderes.

Falta, insuficiência e irregularidade do mandato - 40º; gestão de negócios - 41º

Ac. do STJ de 4.12.2007, no P.º 07B3967:

«1. Enquanto no substabelecimento sem reserva se verifica a exclusão do primitivo mandatário, tal como decorre do
n° 3 do art. 36° C. Pr. Civil, já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada por dois mandatários, cada um
deles com plenos poderes para praticar actos processuais em representação da parte. O substituinte não é, neste caso,
excluído da posição representativa, subsistindo antes dois mandatos.
Em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos poderes de representação, as
notificações a fazer no processo poderão ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios.
Só assim não acontecerá se tiver sido escolhido domicílio específico para recebimento das notificações, situação em
que as mesmas serão então dirigidas para esse domicílio.
2. O art. 20° da Constituição da República reconhece vários direitos, direitos esses que integram o direito geral de
protecção jurídica.
Esse direito abarca normativamente, desde logo, o direito que a todos é reconhecido de se fazer acompanhar por
advogado perante qualquer autoridade – n° 2 do citado art. 20°.
O entendimento de que, no caso de substabelecimento com reserva, as notificações a fazer no processo poderão ser
feitas a qualquer dos advogados, mostra-se perfeitamente razoável e proporcionado, não podendo ver-se nela uma
limitação do direito de acompanhamento pleno por advogado.
Daí que a interpretação dos arts. 36° e 254° C. Pr. Civil com este sentido não enferme de qualquer
inconstitucionalidade.»

B – Pressupostos Processuais relativos ao tribunal

Jurisdição - é o poder de julgar, a competência para administrar a justiça em nome do provo -


art. 202º, 1 e 2, da Constituição - atribuído ao conjunto dos tribunais. É o exercício do antes (art. 62º do
CPC) chamado poder jurisdicional, agora função jurisdicional.

Competência - é a fracção de jurisdição que cabe a cada um dos tribunais, pois a jurisdição
reparte-se, na ordem interna, segundo a matéria, a hierarquia, o valor da causa, a forma de processo
aplicável e o território - 62º, nº 2, CPC.

As várias categorias de tribunais constam dos art. 209º e ss da Const. e são, além do TC:
- STJ e tribunais judiciais de 1ª e 2ª instância - 210º e 211º
- STA e demais tribunais administrativos e fiscais - 212º;
- Tribunal de Contas - 214º.

Fala-se, ainda, de jurisdição administrativa ou comum para significar a competência atribuída pela
Constituição às duas grandes ordens de tribunais, os administrativos e fiscais - 212º - e os judiciais -
211º - sendo estes os tribunais comuns em matéria cível e criminal e com jurisdição em todas as áreas
não atribuídas a outras ordens judiciais - 211º da Const. e 66º do CPC - e aqueles os tribunais comuns
das relações jurídicas administrativas e fiscais - 212º, n.º 3, da CRP.
Daí que possa haver conflitos de jurisdição - 115º, nº 1 - e de competência - nº 2 -, positivos ou
negativos, a solucionar nos termos dos art. 116º e ss.

Competência internacional - 61º e 65º, 1.

20
Revogadas as al. a) e c) do n.º 1 pela Lei n.º 52/2008, de 28 d «e Agosto, restam os
Princípios da
- coincidência – al. b)
- necessidade – al. d)
- consensualidade - 99º.

Competência exclusiva dos tribunais portugueses - 65ºA., actual redacção: retirado o sem
prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis
especiais... pela Lei n.º 52/2008.

Convenções de Bruxelas e Lugano, recepção automática apenas dependente de publicação - art.


8º, nº 2, CRP. As normas de competência internacional destas convenções prevalecem sobre as
normas do CPC - Col. STJ 97-II-122; a RLJ 130º-162 e ss publicou interessante estudo sobre a
matéria, a propósito da revisão processual de 95/96.

Breve referência à revisão de sentenças estrangeiras não abrangidas pelas Convenções de


Bruxelas e de Lugano - 1094º e ss.

Regulamento (CE) n.º 1347/2000 do Conselho, de 29.5.2000 – relativo à competência,


reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal, em
relação a filhos comuns do casal.
Foi substituído pelo Regulamento (CE) n.º 2201/2203 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003,
conhecido por Bruxelas II. Os artigos 67º, 68º, 69º e 70º são aplicáveis a partir de 1 de Agosto de 2004;
o restante é aplicável a partir de 1 de Março de 2005.

Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária e à


execução de decisões civis em matéria civil e comercial – substitui entre os Estados Membros, com
excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas (art. 68º).
Alterado pelo Regulamento (CE) 1496/20002, da Comissão, de 21.8.2002

Regulamento (CE) n.º 1348/2000, do Conselho, de 29.5.2000, relativo à citação e à notificação


dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros

Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do Conselho, de 29.5.2000, relativo aos processos de


insolvência.

Regulamento (CE) n.º 1206/2001 do Conselho, de 28 de Maio, relativo à cooperação entre os


tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial.

Regulamento (CE) n.º 895/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril – cria o


título executivo europeu para créditos não contestados.
Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento e do Conselho, de 12 de Dezembro – cria um
procedimento europeu de injunção de pagamento.

Regulamento (CE) n.º 861/2007 do Parlamento e do Conselho, de 11 de Julho – estabelece um


processo europeu para acções de pequeno montante.

21
A legislação comunitária em vigor pode ver-se em http://www.redecivil.mj.pt, em
http://www.europa.eu.int/eur-lex/pt ou http://europa.eu.int/comm/justice_home/ejn/ (leis comunitárias e
Direito dos Estados-Membros).

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa), de 12.10.2006, no P.º 06B3288:

1. O Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, entrou em vigor no dia 1 de Março de
2002, aplica-se às acções judiciais intentadas depois disso, é obrigatório em todos os seus elementos e directamente
aplicável em todos os Estados-Membros da União Europeia, salvo a Dinamarca, cujas normas prevalecem sobre as de
origem interna relativas à competência internacional dos tribunais.
2. A prestação característica do contrato de concessão comercial, celebrado no exercício da actividade económica e
profissional do concedente e o do concessionário, é a do último de celebrar, na zona geográfica considerada, com clientes
diversos, existentes ou a angariar, de contratos de compra e venda cujo objecto mediato são os produtos por ele adquiridos
ao primeiro.
3. De harmonia com o direito substantivo aplicável, devem ser cumpridas em Portugal, não só a obrigação
mencionada sob 2, como também a de indemnização por equivalente pecuniário do concessionário sedeado em Portugal,
com base na cessação ilegal do contrato, por iniciativa do concedente, sedeado em Itália.
4. Sob aplicação do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 5º do Regulamento mencionado sob 1, são os tribunais
portugueses internacionalmente competentes para conhecer da acção em que o concessionário, com base em
responsabilidade civil contratual decorrente da denúncia ilegal do contrato de concessão comercial pelo concedente, pede a
condenação deste a indemnizá-lo pelos prejuízos decorrentes do desrespeito do prazo de pré-aviso, da recusa de retoma
de produtos e da perda do benefício da clientela.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Fonseca Ramos), de 23.10.2007, P.º 07A3119:

I - Tendo sido celebrado um contrato de compra e venda entre uma sociedade comercial sedeada em Portugal – a
vendedora – e outra sedeada na Alemanha – a compradora – onde as mercadorias deveriam ter sido entregues, existindo
litígio acerca do pagamento do preço a competência internacional radica nos Tribunais alemães.
II - Os Incoterms são fórmulas contratuais que definem direitos e obrigações, tanto do exportador como do
importador.
III - O Incoterm denominado Exw-ExWorks, significa, essencialmente, que o produto e a factura devem estar à
disposição do importador no estabelecimento do exportador. Todas as despesas e quaisquer perdas e danos a partir da
entrega da mercadoria, inclusive, o despacho da mercadoria para o exterior, são da responsabilidade do importador.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Gil Roque) de 10.5.2007, no P.º 07B072:

I - Na determinação da competência judiciária internacional relativamente a acção, fundada no incumprimento de


contrato celebrado entre uma sociedade fornecedora portuguesa (autora), contra uma sociedade espanhola (ré), que
encomendara as mercadorias, cujo local de entrega final era a Espanha, são aplicáveis os arts. 2.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, al. b),
do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12, dos quais resulta serem os tribunais espanhóis os competentes.
II - Tendo a acção sido instaurada no tribunal português sem que a ré, que apresentou contestação, tenha arguido
nessa peça processual a excepção de incompetência absoluta, em razão da nacionalidade, ocorreu a prorrogação tácita de
competência prevista no art. 24.º do referido Regulamento, pelo que os tribunais portugueses também são
internacionalmente competentes para conhecer do litígio.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º João Bernardo) de 26.4.2006, no P.º 07B723:

1. A decisão sobre a competência material tomada em procedimento cautelar não tem influência no processo
principal.
2. A Santa Casa da Misericórdia do Porto, como misericórdia e atento o seu compromisso, é uma instituição
integrante da ordem jurídica canónica como associação de fiéis pública, que visa – enformada pelos princípios da doutrina e
moral cristãs – satisfazer carências sociais e praticar actos de culto católico, tendo, na ordem jurídica civil, a natureza de
instituição particular de solidariedade social.

22
3. O artigo 41.º, n.º 4 da Constituição não resolve a questão da competência ou incompetência dos tribunais civis
para conhecerem da impugnação da eleição dos corpos sociais das misericórdias que prossigam a referida duplicidade de
fins.
4. Abrindo apenas caminho à relevância das Concordatas estabelecidas entre Portugal e a Santa Sé.
5. As quais, situando-se em plano inferior ao da Constituição da República, se situam em plano superior ao das
normas internas do Estado Português.
6. Do artigo 4.º do teor da Concordata de 1940 resulta a competência do Ordinário ali referido para apreciar o pedido
de impugnação dum acto eleitoral duma misericórdia, quer seja invocada a violação do direito canónico, quer a violação do
direito português.
7. Cedendo, por se situarem hierarquicamente abaixo, normas internas portuguesas que disponham em sentido
diferente.
8. Perante a Concordata de 2004, se estiver em causa a violação do direito canónico, será chamada a intervir a
autoridade da Igreja; se estiver em causa a violação do direito interno português, recorre-se aos tribunais civis.
9. Para se saber qual das Concordatas deve ser considerada, interessa a data do acto que se impugna, não
relevando a da propositura da acção.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 29.6.2005, P.º 05B2219:



4. A competência internacional dos tribunais portugueses no confronto dos tribunais espanhóis para conhecer de
acções sobre matéria contratual intentadas depois 1 de Março de 2002 é determinada ao abrigo do Regulamento CE nº
44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.
5. De harmonia com a Convenção relativa à adesão de Portugal e da Espanha à União Europeia de 19 de Maio de
1992, o conflito da lei substantiva portuguesa e espanhola concernente a obrigações contratuais é regido pela Convenção
de Roma de 19 de Junho de 1980.
6. Na falta de escolha expressa ou tácita pelas partes da lei aplicável ao contrato, é globalmente regulado pela lei do
país com o qual apresente conexão real ou presumida mais estreita.
7. Celebrado o contrato em Portugal e sendo a sua prestação característica a que vincula a sociedade portuguesa, no
exercício de uma actividade económica e profissional, a sua conexão mais estreita verifica-se em relação ao ordenamento
jurídico português.
8. Não tendo as sociedades espanholas provado o lugar onde se encontravam as coisas móveis objecto mediato do
contrato de aluguer ao tempo da sua celebração, não pode proceder a excepção dilatória de incompetência internacional
dos tribunais portugueses que deduziram.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"A", Lda, com sede em Portugal, intentou, no dia 15 de Maio de 2003, contra B e C, ambas com sede em Espanha, a
presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária a entregar-lhe
identificadas peças de iluminação e a indemnizá-la no montante de € 106.976,79 e juros, com fundamento no aluguer de
18.259 pontos de luz, na recusa da sua entrega e nos prejuízos decorrentes da sua não utilização negocial.
As rés não contestaram a acção, a autora alegou de direito e, no dia 15 de Julho de 2004, foi proferida sentença pela
qual as rés foram condenadas na entrega à autora daquelas peças e no pagamento da quantia peticionada acrescida dos
juros legais que se vencerem desde a data da propositura da acção até ao efectivo recebimento, calculados à taxa legal
corrente no mercado.

Apelaram as rés, afirmando que os factos provados não justificavam a sua condenação e invocando a excepção
dilatória da incompetência internacional do tribunal português, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Fevereiro de
2005, negou provimento ao recurso.

Interpuseram as rés apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- está em causa um contrato de aluguer recíproco concluído em Tui, Espanha, onde se permutaram e encontram
coisas móveis e deviam ser entregues, e a sua não restituição, e o pedido principal é o da sua entrega;
- nos termos dos artigos 722º e 773º do Código Civil e 2º da Convenção de Bruxelas, o lugar do cumprimento da
obrigação de restituir é o do domicilio do réu;
- a questão da competência internacional dos tribunais portugueses deve ser resolvida pela Convenção de Bruxelas,
e, segundo o seu artigo 5º, nº 1, é competente o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi
ou devia ser cumprida.
- os tribunais portugueses devem ser declarados incompetentes para conhecer da acção.

23

III

A questão essencial decidenda é a de saber se os tribunais espanhóis são ou não internacionalmente competentes
para conhecer da acção declarativa de condenação que a recorrida intentou contra as recorrentes no Tribunal Judicial da
Comarca de Murça.

Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação formuladas pelas recorrentes e pela
recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- questão de facto relevante no recurso;
- estrutura e efeitos da excepção dilatória de incompetência internacional;
- regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna;
- normas de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de origem
comunitária;
- lei substantiva aplicável às relações jurídicas estabelecidas entre as recorrentes e a recorrida e respectivo conteúdo
relevante no caso espécie;
- solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.



2.
Atentemos agora na estrutura e nos efeitos da excepção dilatória relativa à incompetência internacional dos tribunais
portugueses.
A referida excepção dilatória deve aferir-se essencialmente, como é natural, face ao pedido e à causa de pedir
formulados pelo autor na petição inicial.
No caso vertente, o litígio tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa e espanhola, no âmbito da qual emerge a
questão da competência ou incompetência internacional do tribunal português que foi suscitada pelas recorrentes.
As normas de competência internacional, em jeito de normas de conflito, delimitam o exercício da função jurisdicional
pelo conjunto dos tribunais portugueses no quadro de relações jurídicas conexas com ordens jurídicas estrangeiras.
As referidas regras, salvo as relativas à mera violação de algum pacto privativo de jurisdição, integram a chamada
incompetência absoluta, de conhecimento oficioso, em qualquer estado do processo, até ao trânsito em julgado da sentença
sobre o mérito da causa, implicante da absolvição do réu da instância (artigos 101º, 102º e 105º, nº 1, do Código de
Processo Civil).

3.
Vejamos agora as regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna.
A regra geral no direito processual interno português é no sentido de que sendo ré uma sociedade deverá
demandada no tribunal da sede da sua administração principal ou no da sede da sua sucursal, agência filial, delegação ou
representação, conforme a acção seja dirigida contra a primeira ou contra as últimas.
Mas as acções intentadas contra sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou
representação em Portugal podem ser propostas no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da
administração principal (artigo 86º, nº 2, do Código de Processo Civil).
As regras de competência internacional dos tribunais portugueses foram adaptadas pela reforma processual que
entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 às Convenções de Bruxelas e de Lugano, de 27 de Setembro de 1968 e de 16
de Setembro de 1988, respectivamente, que passaram a vigorar em Portugal no dia 1 de Julho de 1992.
Das referidas regras de competência internacional dos tribunais portugueses actualmente em vigor resulta, à luz dos
mencionados princípios, por exemplo quando o sujeito passivo seja uma sociedade estrangeira, como é o caso vertente,
que sem prejuízo, além do mais, do estabelecido nos regulamentos comunitários, que a competência internacional dos
tribunais portugueses depende da verificação de um de quatro factores de atribuição, inspirados nos princípios actio
sequitur forum rei, da coincidência, da causalidade e da necessidade.
Em aproximação ao caso vertente, dir-se-á que os referidos factores se traduzem na localização em território
português da sede estatutária ou efectiva ou da sua sucursal, agência, filial ou delegação, na prática em território português
do facto que serve de causa de pedir à acção ou de algum dos factos que a integram e na impossibilidade de se tornar
efectivo o direito invocado senão por via de acção intentada em Portugal, ou constituir para o autor dificuldade apreciável o
accionamento no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento
ponderoso de conexão pessoal ou real (artigo 65º do Código de Processo Civil).

24
Atentemos agora nas regras de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de
origem comunitária, designadamente as constantes do Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de
2000.

Visou unificar, no âmbito da sua aplicação, além do mais, as normas de conflito de jurisdição em matéria civil e
comercial, independentemente da natureza da jurisdição (artigo 1º, nº 1).

Reporta-se, além do mais, à competência judiciária, entrou em vigor no 1 de Março de 2002 e substituiu entre os
Estados-Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968, aplica-se às
acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor, é obrigatório em todos os seus elementos e
directamente aplicável em todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade
Europeia (artigos 1º, 68º e 76º).
Estabelece, por um lado, a regra geral do domicílio do requerido como critério fundamental de conexão para
determinação da competência internacional do tribunal, e que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro
devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigo 2º, nº 1).
E, por outro, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os
tribunais de um outro Estado Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do respectivo capítulo (artigo 3º,
nº 1).
Assim, a referida regra do domicílio não é absoluta, certo haver casos em que é possível instaurar a acção nos
tribunais de Estado-Membro diverso daquele onde o sujeito passivo tenha o seu domicílio ou sede.
Para efeitos do disposto no Regulamento em análise, as sociedades comerciais, tal como é o caso das recorrentes e
da recorrida, têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração principal ou o seu
estabelecimento principal (artigo 60º, nº 1).
O referido foro é, porém, completado, em termos de especialidade, por alguns foros ditos alternativos em razão de
especial conexão entre a jurisdição e o litígio, com vista a facilitar a administração da justiça.
Tendo em conta a natureza do caso espécie, entre as referidas competências especiais, releva o disposto no artigo
5º do Regulamento em análise.
Expressa o referido artigo, por um lado, que uma pessoa domiciliada no território de um Estado-Membro pode ser
demandada sobre matéria contratual noutro Estado-Membro perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a
obrigação em questão (nº 1, alínea a)).
E, por outro, para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, que o lugar de cumprimento da
obrigação será, no caso de venda de bens ou de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do
contrato, os bens foram ou devam ser entregues e os serviços foram ou devam ser prestados (nº 1, alínea b)).
Finalmente, estabelece o referido artigo que se não se aplicar o disposto na alínea b) será aplicável o disposto na
alínea a) (nº 1, alínea c)).
Assim, face ao mencionado critério especial, uma pessoa com domicílio no território de um determinado Estado-
Membro pode ser demandada sobre matéria contratual noutro Estado-Membro perante o tribunal do lugar onde foi ou deva
ser cumprida a obrigação em causa.
Face ao exposto, ao invés do que as recorrentes expressam, não é aplicável à questão da competência internacional
em análise a Convenção de Bruxelas, mas sim o aludido Regulamento nº 44/2001, que insere normas de direito comunitário
implicantes do afastamento da aplicação das normas sobre competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros
da União Europeia, incluindo as da República Portuguesa a que aludem os artigos 65º e 65º-A do Código de Processo Civil.
Assim, ao invés do que foi entendido no acórdão recorrido, é inaplicável no âmbito das relações comerciais
transfronteiriças em análise, envolventes de uma sociedade de nacionalidade portuguesa e de duas sociedades de
nacionalidade espanhola, o disposto no artigo 65º do Código de Processo Civil, tal como lhes não é aplicável, ao invés do
afirmado pelas recorrentes, o disposto na Convenção de Bruxelas.

5.
Vejamos agora qual é a lei substantiva aplicável às relações jurídicas estabelecidas entre as recorrentes e a recorrida
e qual o respectivo conteúdo.
A Relação declarou que o contrato em causa foi celebrado em Murça, local da sede da recorrida, ou seja, no âmbito
da sua competência, definiu esta vertente da situação de facto, que este Tribunal, conforme já se referiu, não pode sindicar,
por falta de competência funcional para o efeito (artigo 722º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Estamos perante um conflito de leis aplicáveis às obrigações contratuais, outrora regido pelos artigos 41º e 42º do
Código Civil, e actualmente pela Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980, em vigor desde 1 de Abril de 1991, a que se
seguiu, além do mais, a Convenção relativa à adesão da Espanha e de Portugal de 19 de Maio de 1992, aprovada para
ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 3/94, de 3 de Fevereiro de 1993, ratificada pelo Decreto do

25
Presidente da República nº 1/94, de 3 de Fevereiro, em vigor em Espanha desde o dia 1 de Setembro de 1993 e em
Portugal desde o dia 1 de Setembro de 1994.
A regra é no sentido de que o contrato se rege pela lei escolhida expressamente pelas partes ou em termos de
resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa (artigo 3º, nº 1, da Convenção de
Roma de 19 de Junho de 1980).
Não tendo as partes escolhido a lei aplicável ao contrato, este é regulado pela lei do país com o qual o mesmo
apresente uma conexão mais estreita (artigo 4º, nº 1).
Em princípio, presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a parte que está
obrigada a fornecer a prestação característica do contrato tem, no momento da sua celebração, a sua residência habitual
ou, no caso de se tratar de sociedade, a sua administração central.
Todavia, se o contrato for celebrado no exercício da actividade económica ou profissional dessa parte, o país a
considerar é aquele em que se situe o seu estabelecimento principal (artigo 4º, nº 2).
A lei aplicável regula a sua interpretação, o cumprimento das obrigações dele decorrentes, as diversas causas de
extinção das obrigações, incluindo a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo e, nos limites dos
poderes atribuídos ao tribunal pela respectiva lei do processo, as consequências do incumprimento total ou parcial dessas
obrigações, incluindo a avaliação do dano, na medida em que esta seja regulada pela lei (artigo 10º, alíneas a) a d)).
Por aplicação da lei de um país determinado pela presente Convenção é entendida a das normas de direito em vigor
nesse país, com exclusão das normas de direito internacional privado, pelo que se exclui o reenvio (artigo 15º).
No caso vertente, as recorrentes e a recorrida não escolheram, expressa ou tacitamente, a lei aplicável ao contrato
em causa.
A circunstância de o contrato celebrado entre as recorrentes e a recorrida haver sido celebrado em Portugal revela
que ele apresenta com o nosso País uma conexão mais estreita do que com a Espanha.
Ademais, a prestação característica do referido contrato, celebrado no exercício da actividade económica e
profissional da recorrida, consubstanciou-se na entrega por esta às recorrentes das peças de iluminação ou pontos de luz
em causa.
Daí que a presunção de maior conexão do contrato celebrado entre a recorrida e as recorrentes se estabeleça por via
da localização do estabelecimento, principal ou não principal, da titularidade da primeira.
Tendo em conta o facto de o contrato em causa haver sido celebrado em Portugal e a sua prestação característica
ser aquela a que a recorrida estava vinculada, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a sua conexão é mais
estreita com o ordenamento jurídico português.
Em consequência, o regime substantivo aplicável ao mencionado contrato, nas suas várias vertentes, é o português.
Estabelece a lei comercial portuguesa, por um lado, que o aluguer será mercantil quando a coisa tiver sido comprada
para se lhe alugar o uso (artigo 481º do Código Comercial).
E, por outro, que o contrato de aluguer comercial será regulado pelas disposições do Código Civil que regem o
contrato de aluguer e por quaisquer outras aplicáveis deste Código, salvo as prescrições relativas aos fretamentos de
navios (artigo 482º do Código Comercial).
Expressa, por seu turno, a lei civil ser a locação o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra
o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição, e que ele se designa por aluguer quando versar sobre coisa móvel
(artigos 1022º e 1023º do Código Civil).
Resulta do referido contrato, para o locador a obrigação de entrega ao locatário da coisa locada e de lhe assegurar o
respectivo gozo para o fim a que se destina, e, para o último, além do mais, a obrigação de pagar a renda ou o aluguer e de
restituir a coisa findo o contrato (artigo 1038º, alíneas a) e f), do Código Civil).
O incumprimento pelo locatário da obrigação de restituição das coisas objecto do contrato de locação é susceptível
de implicar a sua obrigação de indemnização no confronto do locador (artigos 798º e 1045º do Código Civil).
Estamos no caso vertente perante uma relação jurídica complexa, mas, dado o objecto da acção no que concerne à
causa de pedir e aos pedidos formulados pela recorrida, importa analisá-la na vertente em que aquela figura como sujeito
activo no confronto das recorrentes na posição de sujeitos passivos.

A causa de pedir que a recorrida formulou na acção e que as recorrentes, em situação de revelia absoluta relevante,
não impugnaram nem excepcionaram peremptoriamente, integra um contrato de aluguer de natureza comercial, pelas
últimas incumprido, designadamente no que concerne à devolução das peças de iluminação.
A regra do nosso direito substantivo é no sentido de que na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a
prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor (artigo 772º, nº 1, do Código Civil).
Assim, não havendo convenção ou norma legal, o critério legal é no sentido de a prestação ser efectuada no lugar do
domicílio do devedor.
E os factos não revelam alguma convenção entre a recorrida e as recorrentes relativamente ao lugar em que deviam
ser cumpridas as obrigações decorrentes do referido contrato de aluguer.

26
Todavia, no que concerne às obrigações de entrega de coisas móveis determinadas, como ocorre no caso vertente,
devem ser cumpridas nos lugares onde as coisas se encontravam ao tempo da conclusão do negócio (artigo 773º, nº 1, do
Código Civil).

6.
Vejamos agora a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

De harmonia com a chamada primazia do direito comunitário em relação ao direito dos Estados-Membros da União
Europeia, as normas concernentes à competência judiciária integrantes do Regulamento nº 44/2001 prevalecem sobre as
de idêntica natureza constantes do artigo 65º do Código de Processo Civil (artigos 3º, nº 2, do Regulamento e 8º, nº 3, da
Constituição).
Trata-se, na espécie, de três sociedades comerciais que figuram como sujeitos da acção, uma com a sua sede em
Portugal e as outras duas com a respectiva sede em Espanha, ambos Estados-Membros da União Europeia.
Resulta da lei aplicável que a obrigação relevante para efeito de determinação da competência internacional no
confronto dos tribunais portugueses e dos tribunais espanhóis é a de entrega do objecto mediato do contrato de aluguer -
peças de iluminação ou pontos de luz - celebrado entre as recorrentes e a recorrida.
As recorrentes invocaram a excepção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses, afirmando
que o lugar de cumprimento da obrigação em causa era na cidade espanhola de Tui.
Nessa perspectiva, se exacta fosse, e tendo em conta o disposto no artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento nº
44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, os tribunais competentes para o conhecimento da acção em causa
seriam os espanhóis.
O referido facto de excepção devia, como é natural, ter sido alegado e provado pelas recorrentes (artigos 10º, nºs 1 e
2 e 342º, nº 2, do Código Civil, 264º, nº 1 e 664º do Código de Processo Civil).
Mas as recorrentes não contestaram a acção, constituindo-se na situação de revelia, pelo que não puderam articular
qualquer facto de impugnação ou de excepção (artigos 483º, 484º, nº 1 e 489º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Mas isso não obstava à procedência da excepção dilatória de incompetência em razão da nacionalidade dos tribunais
portugueses, dado ser oficiosamente cognoscível, caso os factos provados sustentassem aquela excepção (artigos 25º do
Regulamento nº 44/2001 e 495º do Código de Processo Civil).
Todavia, os factos provados não revelam que a obrigação das recorrentes de entrega à recorrida das peças de
iluminação em causa devesse ser cumprida em Espanha.
Em consequência, ao invés do que as recorrentes alegaram, os factos não revelam que os tribunais portugueses não
sejam internacionalmente incompetentes para conhecer da acção em causa.
Não ocorrem, por isso, os pressupostos de absolvição das recorrentes da instância a que se reportam os artigos
101º, nº 1 e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Improcede, por isso, o recurso.


Vencidas, são as recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código
de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condenam-se as recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 29 de Junho de 2005.


Salvador da Costa, Ferreira de Sousa, Armindo Luís.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 3.3.2005, P.º 05B316:



É a seguinte a dinâmica processual considerada no acórdão recorrido:

1. A autora, com sede em Abrantes, Portugal, pediu contra a ré, com sede em Humanes, Madrid, Espanha, em acção
declarativa de condenação intentada no 3º Juízo da Comarca de Abrantes, no dia 16 de Abril de 2003, a condenação dela a
pagar-lhe as quantias de € 71.421,67 e de € 100.083,52.

2. A autora afirmou na petição inicial o seguinte:


a) ter fornecido à ré, no âmbito da sua actividade, peças em ferro fundido ligado com crómio e molibidénio a pagar no
prazo de 90 dias após a emissão das facturas;
b) não ter a ré procedido à liquidação do valor dessas facturas no montante de € 67.894,86 e haver encomendado à
autora os materiais referidos na factura proforma e recusar-se a recebê-los bem como a pagar-lhe o valor de € 100.083,52;

27
c) serem os bens encomendados pela ré e produzidos pela autora entregues por esta àquela em Espanha e a
primeira dever pagar à última o preço por via da sua remessa para a sua sede, em Portugal.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se os tribunais espanhóis são ou não internacionalmente competentes
para conhecer da acção declarativa de condenação que a recorrente intentou contra a recorrida no 3º Juízo do Tribunal
Judicial de Abrantes.

1.
Comecemos por delimitar o núcleo processual relevante no recurso, tal como foi considerado pela Relação no quadro
da interpretação das afirmações constantes da petição inicial e dos documentos que a suportam.

A recorrente é uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, e a recorrida é uma sociedade espanhola, com
sede em Espanha.
A recorrente invocou na petição inicial haver convencionado com a recorrida, a primeira vender e a segunda comprar,
por determinado preço, peças de ferro fundido, e que a última não lho pagou no prazo convencionado de 90 dias após a
emissão das facturas, incluindo a parte dele relativa a algumas daquelas peças que se recusa a receber, e pediu a sua
condenação a pagar-lhe € 71.421,67 e € 100.083,52.

A Relação considerou, face à petição inicial apresentada pela recorrente e aos documentos que a acompanham,
serem as peças entregues por aquela à recorrida em Espanha, e esta dever pagar àquela o preço por via de remessa para
a sua sede em Portugal.

Embora a recorrente se refira à responsabilidade contratual na vertente da recusa de recebimento da mercadoria,


expressando tratar-se de prejuízo equivalente ao respectivo preço, do que se trata realmente é de uma situação de omissão
de pagamento do preço.
Assim, o litígio a que se reporta a acção em causa tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa e espanhola,
ambas, por seu turno, hierarquizadas ao ordenamento jurídico da União Europeia, de que Portugal e a Espanha fazem
parte.

O Código Civil Espanhol caracteriza o contrato de compra e venda em termos de "Por el contrato de compra y venta
uno de los contratrantes" se obliga a entregar uma cosa determinada y el outro a pagar por ella um precio cierto, em dinero
ou signo que lo requerente (artigo 1445º).

Os Códigos Comercial e Civil portugueses prescrevem, por seu turno, ser compra e venda o contrato pelo qual se
transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço e que tem por efeitos essenciais essa
transmissão, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço (artigos 2º, 3ºe 463º, nº 1º, do primeiro e 874º
e 879º do último, respectivamente).

Em termos de direito substantivo, sem discrepância das partes, estamos, pois, perante um contrato de compra de
venda de natureza comercial, do qual decorrem para o vendedor a obrigação de entrega dos bens que constituem o seu
objecto mediato e para o comprador a obrigação do pagamento do preço, seja à luz do direito substantivo português, seja à
luz do ordenamento jurídico espanhol.

2.
Vejamos agora os pressupostos do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia pelos órgãos
jurisdicionais dos Estados-Membros.

O artigo 234º do Tratado permite aos juízes nacionais interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de
normas comunitárias por via do designado reenvio prejudicial, com vista à interpretação uniforme do direito comunitário em
toda a União Europeia.

Naturalmente só se justifica que os órgãos jurisdicionais de algum Estado-Membro implementem o referido reenvio
quando isso se revelar necessário ao julgamento da causa.

Tal acontecerá no caso de dúvida sobre a interpretação do Tratado de Roma, sobre a validade e a interpretação dos
actos adoptados pelas instituições da União Europeia ou pelo Banco Central Europeu ou dos estatutos dos organismos
criados por acto do Conselho (artigo 234º do Tratado de Roma).

28
3.
Atentemos agora na estrutura e nos efeitos da excepção dilatória incompetência internacional dos tribunais
portugueses.
As normas de competência internacional, em jeito de normas de conflito, delimitam o exercício da função jurisdicional
pelo conjunto dos tribunais portugueses no quadro de relações jurídicas conexas com mais de uma ordem jurídica
estrangeira.
As regras de incompetência internacional, salvo a mera violação de algum pacto privativo de jurisdição, integram a
chamada incompetência absoluta, de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo, até ao trânsito em julgado da
sentença sobre o mérito da causa, consequenciante da absolvição do réu da instância (artigos 101º, 102º e 105º, nº 1, do
Código de Processo Civil).
A referida excepção dilatória deve aferir-se essencialmente, como é natural, face ao pedido e à causa de pedir
formulados pelo autor na petição inicial.

4.
Vejamos agora as regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna.
A regra geral no direito processual interno português é no sentido de que sendo ré uma sociedade será demandada
no tribunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal, agência filial, delegação ou representação,
conforme a acção seja dirigida contra a primeira ou contra as últimas.
Mas as acções intentadas contra sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou
representação em Portugal podem ser propostas no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da
administração principal (artigo 86º, nº 2, do Código de Processo Civil).

As regras de competência internacional dos tribunais portugueses foram adaptadas pela reforma processual que
entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 às Convenções de Bruxelas e de Lugano, de 27 de Setembro de 1968 e de 16
de Setembro de 1988, respectivamente, que passaram a vigorar em Portugal no dia 1 de Julho de 1992.

Delas resulta, pois, à luz dos mencionados princípios, por exemplo quando o sujeito passivo seja uma sociedade
estrangeira, como é o caso vertente, que sem prejuízo, além do mais, do estabelecido nos regulamentos comunitários, que
a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de um de quatro factores de atribuição,
inspirados nos princípios actio sequitur forum rei, da coincidência, da causalidade e da necessidade.

Em aproximação ao caso vertente, dir-se-á que os referidos factores se traduzem na localização em território
português da sede estatutária ou efectiva ou da sua sucursal, agência, filial ou delegação, na prática em território português
do facto que serve de causa de pedir à acção ou de algum dos factos que a integram e na impossibilidade de se tornar
efectivo o direito invocado senão por via de acção intentada em Portugal ou constituir para o autor dificuldade apreciável a
sua propositura do estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento
ponderoso de conexão, pessoal ou real (artigo 65º do Código de Processo Civil).

5.
Atentemos agora nas regras de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de
origem externa, designadamente do Regulamento CE/44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.

O referido Regulamento, relativo, além do mais, à competência judiciária, entrou em vigor no 1 de Março de 2002,
substituindo entre os Estados Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de
1968, aplica-se às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor é obrigatório em todos os seus
elementos e é directamente aplicável em todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que institui a
Comunidade Europeia (artigos 1º, 68º e 76º).
Visou unificar, no âmbito da sua aplicação, além do mais, as normas de conflito de jurisdição em matéria civil e
comercial, independentemente da natureza da jurisdição (artigo 1º, nº 1).
Estabelece, por um lado, a regra do domicílio como factor de conexão essencialmente relevante para determinação
da competência internacional do tribunal, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser
demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigo 2º, nº 1).
E, por outro, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os
tribunais de um outro Estado Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do respectivo capítulo (artigo 3º,
nº 1).
Assim, a referida regra do domicílio não é absoluta, certo que há casos em que é possível instaurar a acção nos
tribunais de Estado-Membro diverso daquele onde o sujeito passivo tenha domicílio ou sede.

29
Para efeitos do disposto no Regulamento em análise, as sociedades comerciais, tal como é o caso da recorrente e da
recorrida, tem domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração principal ou o seu estabelecimento
principal (artigo 60º, nº 1).
No que concerne aos referidos critérios especiais de determinação da competência jurisdicional, releva
essencialmente, por um lado, o artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento, segundo o qual uma pessoa com domicílio no
território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro em matéria contratual, perante o tribunal do
lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.
E, por outro, releva a alínea b) do referido nº 1 do artigo 5º, segundo o qual, para efeito da presente disposição e
salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso de venda de bens, o lugar
num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
É um normativo inspirado, por um lado, pela ideia divulgada pela doutrina nacional e estrangeira de que a prestação
característica do contrato de compra e venda é a do vendedor, por assumir natureza não monetária.

E, por outro, pela ideia de que o foro do domicílio do sujeito passivo deve ser completado pelo estabelecimento de
foros alternativos em razão do vínculo entre a jurisdição e o litígio, com vista a facilitar a boa administração da justiça.
Visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes
contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os
inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro.
Ao invés do que é afirmado pela recorrente, inexiste fundamento legal para se concluir tratar-se de uma presunção
simples ou ilidível, pois do que se trata é do que é designado por presunção juris et de juris.

Decorrentemente, é fundado o entendimento de que a alínea b) do nº 1 do artigo 5º abrange qualquer obrigação


emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do
contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato.

Ademais, expressa o nº 2 do referido artigo 5º que contra aquelas regras, não podem ser invocadas as regras de
competência internacional dos tribunais nacionais.
Acresce que a competência de um tribunal de um Estado-Membro para conhecer da acção não inviabiliza a
instauração de uma providência cautelar conexa nos tribunais de outro Estado-Membro (artigo 31º).

5.
Vejamos agora a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

- Face ao conteúdo das normas do Regulamento objecto de interpretação e à dinâmica processual envolvente,
inexiste dúvida nessa operação que implique a necessidade do reenvio prejudicial.
- Pela regra geral constante do artigo 2º do Regulamento, tendo em linha de conta que a recorrida tem sede em
Espanha, a competência internacional para conhecer da presente acção inscrever-se-ia nos tribunais espanhóis.
- Pelas acima referidas normas especiais relativas à competência alternativa, a mencionada regra geral pode ser
afastada em matéria contratual, designadamente por via da instauração da acção nos tribunais do Estado-Membro onde
deve ser cumprida a obrigação em questão.
- Trata-se, na espécie, de duais sociedades comerciais que figuram como sujeitos da acção, uma sedeada em
Portugal e outra sedeada em Espanha, Estados-Membros da União Europeia.
- Está em causa na acção a omissão de pagamento por parte da recorrida do preço devido pelos bens que lhe foram
ou deviam ser entregues no âmbito de um contrato de compra e venda e, consequentemente no âmbito objectivo de
aplicação do Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 20 de Dezembro de 2000.
- De harmonia com a chamada primazia do direito comunitário em relação ao direito dos Estados-Membros da União
Europeia, as normas concernentes à competência judiciária integrantes do referido Regulamento prevalecem sobre as de
idêntica natureza constantes do artigo 65º do Código de Processo Civil (artigos 3º, nº 2, do Regulamento e 8º, nº 3, da
Constituição).
- Resulta, assim, da lei aplicável que a obrigação relevante para efeito de determinação da competência internacional
no confronto dos tribunais portugueses e dos tribunais espanhóis é a de entrega do objecto mediato do contrato de compra
e venda celebrado entre a recorrente e a recorrida.
- Não releva, pois, para o efeito, o lugar onde deva ser realizada a prestação de pagamento do preço,
designadamente a circunstância de dever ocorrer em território português.
- Não havia na espécie, por isso e por não ter havido convenção em contrário, alternativa de foro para conhecimento
deste litígio transfronteiriço, ou seja, o factor atributivo de competência internacional do domicílio coincide com o factor
atributivo da competência lugar de cumprimento da obrigação de entrega do objecto mediato do contrato de compra e
venda, irrelevando para o efeito a obrigação de pagamento do preço que a recorrente faz valer na acção.

30
- E tal interpretação, ao invés do que a recorrente referiu, não transforma uma norma facultativa numa norma
imperativa.
- Também não releva, ademais, para atribuição da competência internacional para conhecer da acção aos tribunais
portugueses, a circunstância de a recorrente haver arrestado em Portugal bens da recorrida ou o regime jurídico substantivo
aplicável pelo tribunal no quadro das normas de conflito nacionais ou internacionais do artigo 42º do Código Civil ou do
artigo 4º, nº 2, da Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980.
- A Relação não ignorou o facto de a recorrente ter invocado na acção o incumprimento pela recorrida da sua
obrigação de pagamento do preço das peças de ferro fundido nem os elementos de conexão do contrato com a ordem
jurídica portuguesa; só que, a lei aplicável não permite considerá-la para efeitos de determinação do foro internacional
alternativo.

- Em consequência, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da acção em


causa, pelo que a solução para o caso espécie não podia deixar de ser, como foi, a de absolvição da recorrida da instância
(artigos 101º, nº 1 e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Improcede, por isso, o recurso.


Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 3 de Março de 2005.


Salvador da Costa, Ferreira de Sousa, Armindo Luís.

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

- Tribunais portugueses e eclesiásticos


- Concordata e direito canónico
- Bens das Misericórdias ou da Fábrica da Igreja

(Acórdão de 7 de Outubro de 2003, na Col. Jur. STJ 2003-III-79)

I - A competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu
conjunto, face aos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens
jurídicas estrangeiras e depende da verificação de alguma das circunstâncias discriminadas no art. 65º do CPC.
II - Do artigo III da Concordata - A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as
normas do direito canónico, e constituir por essa forma associações ou organizações a que o Estado reconhece
personalidade jurídica - não resulta a vinculação da República Portuguesa a regra de competência internacional dos
tribunais eclesiásticos contida no Código de Direito Canónico, mas sim a obrigação de o Estado Português reconhecer
personalidade jurídica às associações e organizações que, de acordo com as normas do direito canónico, a Igreja constitua,
no exercício do seu direito de livre organização.
III - Assente que as Misericórdias são associações privadas de fiéis, não pessoas jurídicas canónicas ou pessoas
públicas da Igreja, não carecem elas de prévia autorização do Ordinário Diocesano para instaurar acção em defesa de bens
alegadamente seus, ainda que se trate de igreja destinada ao culto católico que a Fábrica da Igreja, esta sim, pessoa
jurídica canónica, fez registar em seu nome no registo predial.
IV - A reserva de competência dos tribunais portugueses, expressa no art. 65º-A do CPC, não afronta o princípio da
separação entre o Estado e a Igreja Católica nem o da liberdade de organização e independência das Igrejas.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Barros Caldeira) de 3.3.2005, no Pr.º 04A4283:

I - Na aferição da competência dos tribunais de um Estado-membro da Comunidade Europeia (com excepção da


Dinamarca) é aplicável o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, desde que as acções:
a) respeitem a matéria civil e comercial (âmbito material de aplicação);
b) o réu tenha domicílio (ou sede, administração central ou estabelecimento principal) no território de um Estado
membro (âmbito espacial de aplicação);

31
c) e tenham sido intentadas após o dia 01-03-2002, data de entrada em vigor do Regulamento (âmbito temporal de
aplicação).

II - Quando na aferição da competência internacional dos tribunais portugueses sejam aplicáveis as normas
constantes do Regulamento, estas prevalecem sobre as normas de Direito Processual consagradas no Código de Processo
Civil, não sendo aplicável a Convenção de Bruxelas, por ter sido substituída pelo Regulamento, nem tão pouco a
Convenção de Lugano.

III - Dos art.ºs 25 e 26 do Regulamento decorre a regra do conhecimento oficioso da excepção de incompetência
(absoluta) internacional decorrente da violação das disposições do mesmo Regulamento.

IV - O conceito de beneficiário do seguro constante do art.º 9, n.º 1, al. b) do Regulamento não coincide com o
conceito de lesado num acidente coberto pelo seguro.

V - Para efeitos do disposto nos art.ºs 5, n.º 3, e 10, ambos do Regulamento, deverá entender-se que o conceito de
"tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso" abrange tanto os tribunais do Estado membro em cujo
território se verificou o facto ilícito gerador da responsabilidade civil extracontratual, como os tribunais do Estado membro
em cujo território se verificou o dano.

VI - Mas não se pode fazer uma interpretação extensiva destes normativos por forma a considerar como lugar da
materialização do dano o Estado ou os Estados onde se façam sentir as consequências danosas - incluindo sequelas e os
danos futuros - de um evento que causou um dano num outro Estado.

VII - Da aplicação do Regulamento, em especial dos seus art.ºs 2, n.º 1, e 9, n.º 1, al. a), resulta que só os tribunais
franceses são internacionalmente competentes para o julgamento de acção intentada, no dia 29-11-2002, num tribunal
português, por cidadão português, residente em Portugal, para indemnização dos danos sofridos num acidente, ocorrido no
dia 28-12-2000, numa estância de Andorra (País terceiro, onde não é obrigatório o Regulamento), provocado pelo despiste
de um trenó conduzido por pessoa residente em França e que celebrara com a Ré, com sede social em França, um contrato
de seguro de responsabilidade civil que cobre tal evento.

VIII - Pese embora as lesões sofridas pelo Autor tenham deixado sequelas - traduzidas numa incapacidade
permanente parcial - que acarretam para ele danos futuros, não é possível considerar Portugal como "lugar do dano" para
efeitos de aplicação dos art.ºs 5, n.º 3, e 10, do Regulamento.

IX - Não podendo o Autor demandar a Ré perante os tribunais portugueses, mas apenas perante os tribunais
franceses, e não tendo a Ré contestado a acção, deve declarar-se oficiosamente a excepção de incompetência absoluta por
violação das regras de competência internacional constantes do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

Competência interna - Em razão da

a) - matéria - 211º da Const., 23º e 26º, nº 1, da LOFTJ (Lei nº 52/08, de 28 de Agosto) e 66º do
CPC

O STJ tem a competência fixada nos art. 41º a 45º; as Relações nos art. 65º e 66º e os
tribunais de 1ª Instância que são, em regra, os tribunais de comarca (art. 17º, n.º 3 da LOFTJ) podem
ser de competência genérica (110º), especializada (111º a 126º) cível e criminal – 127º a 133º).

Breve alusão aos tribunais administrativos como tribunais comuns das relações jurídicas
administrativas e fiscais - 212º, nº 3 da CRP – e Reforma do Contencioso Administrativo pelas

Lei n.º 13/2002, de 19 Fevº, alterada pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro - ETAF; Dec-
lei n.º 325/2003, de 29 Dezº - Dec. complementar do ETAF
Lei n.º 15/2002, de 22 Fevº, alterada pela Lei nº 4A/2003, de 19 Fevº - Cód. Pº nos TA

32
CCJ – Dec-lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro

Decisão do tribunal de conflitos sobre Ambiente - judicial ou administrativo conforme se trate de actos de gestão
pública ou privada - Col. STJ 00-I-15.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Sebastião Povoas), de 08/05/2007, P.º 07A1004:

1 - Na vigência do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19 de
Fevereiro, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, os tribunais administrativos são os competentes para as
acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extra contratual de uma Freguesia, “ex vi” da alínea g) do nº 1 do
artigo 4º.
2 - Irreleva para a determinação de competência que os actos praticados sejam qualificados como de gestão
pública ou de gestão privada, apenas bastando estar-se em presença de uma relação jurídico administrativa.
3 - A Relação jurídico-administrativa é aquela em que pelo menos um dos sujeitos é a Administração, estando em
causa um litígio regulado por normas de direito administrativo.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Dr. AA intentou no 2º Juízo no Tribunal Judicial da Covilhã, acção popular (com processo ordinário) contra a
Freguesia de BB, representada pela respectiva Junta, pedindo a sua condenação a:
- retirar o muro e o passeio que edificou junto à Estrada Nacional 506 A, deixando uma margem de 6 metros a
partir do eixo da via, como estatui o Regime Municipal das Edificações Urbanas;
- efectuar o tratamento dos esgotos vindos do parque e do restaurante, não os derivando directamente para o rio
Zêzere;
- retirar todas as placas identificadoras do local com alusão à freguesia de BB, colocando placas identificando o
local como da freguesia de CC;
- abster-se de construir qualquer edifício numa margem não inferior a 100 metros paralela ao rio Zêzere e a
proceder a obras de protecção do rio de acordo com serviços do Estado;
- pagar à freguesia de CC uma indemnização não inferior a 50000,00 euros pelos danos causados ao meio
ambiente e aos utilizadores da EN 506-A.

A 1ª instância julgou procedente a excepção de incompetência absoluta, por entender competentes os tribunais
administrativos.
Recorreu o Autor tendo a Relação de Coimbra dado provimento ao agravo e julgado competente o tribunal
escolhido “ab initio”.

Agrava a Ré, assim concluindo a sua alegação:


- A jurisdição comum não é materialmente competente para decidir da presente questão;

O Digno Magistrado do Ministério Público, em douto parecer, defendeu ser competente o foro comum.
Foram colhidos os vistos.
Conhecendo,

1 - Competência dos Tribunais Administrativos.


2 - Conclusões.

1 - Competência dos Tribunais Administrativos.

1.1- É “thema decidendum” a fixação do tribunal competente em razão de matéria, nos termos do nº 1 do artigo
107º do CPC.
Há que ponderar, a montante, o pedido e a causa de pedir da acção onde foi excepcionada a incompetência
absoluta.
Tendo a lide sido intentada em 12 de Janeiro de 2005 é aplicável o actual ETAF aprovado pela Lei nº 13/2002 de
19 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
A regra é a competência em razão da matéria ser distribuída por várias categorias de tribunais “que se situam no
mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre eles”, usando a
noção do Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed, 207).

33
A regra é ser competente o tribunal judicial (ou jurisdição comum), de acordo com o artigo 66º do CPC, que fixa o
princípio da competência residual.
Aos tribunais administrativos – que são os que relevam na economia desta decisão – compete o julgamento dos
litígios com origem na administração pública, “latu sensu”, ressalvadas excepções legais – cf. o artigo 1º do ETAF.
Mas sempre, e como atrás se acenou, considerando o “quid disputatum”, isto é a identidade das partes, os termos
da pretensão (aqui incluindo o pedido e a “causa petendi”) – cf. Prof. Manuel de Andrade apud “Noções Elementares de
Processo Civil”, 1979, 91.

Aqui o Autor pretende efectivar a responsabilidade extra contratual da Freguesia de BB por danos causados ao
meio ambiente (destruição de uma linha de água, uma levada ou barroca, desviando águas pluviais, e outras, para o rio
Zêzere; construção de ramais de esgotos a derivarem directamente para o rio Zêzere, sem qualquer tratamento; colocação
de placas, induzindo em erro sobre a área da freguesia; provocar inundações do rio por implantação de obras em terreno de
aluvião; contrariar pareceres da Reserva Agrícola Nacional, da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do
Território e da CM da Covilhã; violação do Plano Director Municipal da Covilhã e o Regulamento Municipal das Edificações
Urbanas e ao trânsito (construção de um muro e eliminação de um passeio pondo em risco a circulação automóvel na EN
506 A).

1.2 - Nos termos do artigo 501º do Código Civil a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas
públicas era accionada nos tribunais judiciais quando o acto lesivo era praticado “no exercício de actividades de gestão
privada”. Tratando-se do exercício de actividades de gestão pública, o ETAF que vigorava – DL nº 129/84, de 27 de Abril –
consagrava a jurisdição administrativa.
Discutiam-se, então, os conceitos de actos de gestão pública e de actos de gestão privada, sendo, “grosso modo”,
e respectivamente aqueles em que a administração intervém com as prerrogativas do poder público e a gestão privada se
age, fundamentalmente, nos quadros do direito privado e a ele sujeito. (cf. v.g, o Prof. Marcello Caetano – “é gestão pública
a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e gestão privada a actividade da Administração que decorra
sobre a égide do Direito Privado” – apud “Manual de Direito Administrativo, II, 1143; o Acórdão do STJ de 19 de Outubro de
1976 – BMJ 260-155 – “A gestão privada compreende a actividade do ente público subordinado à lei aplicável a quaisquer
actividades análogas dos particulares; pelo contrário a gestão pública pressupõe o exercício do jus imperii”; o Acórdão do
Tribunal de Conflitos de 4 de Abril de 2006 – Pº 8/03 – “Actos de gestão pública são os praticados pelos órgãos e agentes
da Administração no exercício de um poder público, isto é, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de
direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção; actos de gestão privada são os
praticados pelos órgãos ou agentes da Administração em que esta aparece despida de poder e, portanto, numa posição de
paridade com o particular ou particulares a que os actos respeitam, nas mesmas condições e no mesmo regime em que
poderia proceder um particular com inteira subordinação às normas de direito privado”; e ainda, v.g, os Acórdãos do
Tribunal de Conflitos de 29 de Junho de 2004 – Pº 1/04 e de 12 de Janeiro de 1989 – Acórdãos Doutrinais do STA – 330-
85).

Certo, porém, que, e como nota Georges Vedel, a distinção entre gestão pública e gestão privada apenas
“definem uma directiva geral ou uma inspiração, mais do que um verdadeiro critério jurídico” (in “Droit Administratif”, 1968,
84; Prof. Vaz Serra, “Responsabilidade Civil do Estado e dos seus Órgãos ou Agentes” – BMJ 85-446 ss – RLJ 110-313;
Prof. Afonso Queiró, RLJ, 121-237; Dr. J. Sinde Monteiro, “Actos de Gestão Pública – Erro de tratamento médico em
Hospital” – CJ, XI, 4ª, 47 e ss; e Prof. Freitas do Amaral – “Direito Administrativo”, III, 493 – os actos “deverão qualificar-se
como gestão pública se na sua prática ou no seu exercício forem de algum modo influenciados pela prossecução do
interesse colectivo, ou porque o agente esteja a exercer poderes de autoridade ou porque se encontre a cumprir deveres ou
sujeito a restrições especificamente administrativas, isto é, próprias dos agentes administrativos. E será gestão privada no
caso contrário.”).

1.3 - Era esta, no essencial, a jurisprudência e a doutrina produzidas durante a vigência da anterior redacção do
ETAF (de 1984).
Actualmente, porém – e como se disse aplicável a esta lide, por em vigor desde 1 de Janeiro de 2004 – o artigo 4º
nº1 alínea g) do ETAF (2002/2003) diz competir à jurisdição administrativa o julgamento das “ questões em que, nos termos
da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do
exercício da função jurisdicional e da função legislativa.”
Trata-se de procurar pôr termo à, muitas vezes difícil, inserção dos actos nos conceitos de gestão privada e de
gestão pública e conceder em todos os casos de responsabilidade aquiliana assacada aos órgãos de Administração uma
espécie de “foro especial”, subtraindo-os aos tribunais comuns.
Assim entende o Prof. João Caupers (in “Introdução ao Direito Administrativo”, 7ª ed, 2003, 265); o Cons. Santos
Serra (in “A Nova Justiça Administrativa e Fiscal Portuguesa”, no Congresso Nacional e Internacional de Magistrados na VI

34
Assembleia da Associação Ibero americana dos Tribunais de Justiça Fiscal e Administrativa”, México, 2006); Dr.s Mário
Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, “Código do Processo nos TA e ETAF – Anotados, I, 59; e Dr. Mário Aroso de
Almeida, in “Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª ed, 99).
Poderia, assim, e sem mais, concluir-se pela competência da jurisdição administrativa.

Mas deve ponderar-se que o nº 3 do artigo 212 da Constituição da República refere serem competentes os
tribunais administrativos e fiscais para acções “que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas
administrativas e fiscais.” (e, a final, o nº 1 do artigo 1º do ETAF).
Daí que o artigo 4º nº 1 g) da ETAF tenha de ser lido à luz desta norma constitucional, em termos de a
responsabilidade delitual dos órgãos da administração só seja conhecida no foro administrativo se a comissão do acto ilícito
estiver no âmbito de relações jurídicas administrativas.
Este conceito não se confunde com acto de gestão pública, sendo antes, um conceito quadro muito mais amplo.
Assim será, sob pena do ETAF de 2002 nada ter inovado, frustrando-se a intenção do legislador.
Precisemos então o conceito.

1.4 - Crê-se que na base estará uma perspectiva jurídico material, tendo de existir uma controvérsia resultante de
relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo.
É que podem assim existir relações jurídicas materialmente administrativas sem que tenham como titulares órgãos
da administração.
Na opinião dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa – Anotada”, 3ª ed,
815) “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico administrativas (ou fiscais) (nº 3 in fine).
Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras:
1 - as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular,
funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração);
2 - as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou
fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico civil”. Em
termos positivos, um litigio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações
jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.”

O Cons. Fernandes Cadilha (no seu recente “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, p. 117/118) refere:
“Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais
a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares,
intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses
públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma
pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado as relações
jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando
surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação
jurídica (quanto às características de uma relação jurídica deste tipo, Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais,
ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº1, Junho
1994, pags. 55 e ss.)
Em consequência, e ainda com este autor, o artigo 4º nº 1 alínea g) abrange todos os casos de responsabilidade
civil extra contratual da Administração “independentemente de se tratar de danos resultantes de actos de gestão pública ou
de gestão privada (neste sentido, avulta não apenas o elemento histórico de interpretação, visto que essa possibilidade é
expressamente mencionada na exposição de motivos, como o elemento literal, dado que a alínea g) do nº 1 deixou de fazer
qualquer distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.” e ainda, “as acções de responsabilidade civil
extracontratual de sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais
pessoas colectivas públicas” (ob. cit. 115).
Aceita-se, sem quaisquer reservas que assim seja, mas só por ter sido propósito do legislador confiar à jurisdição
administrativa os litígios emergentes da responsabilidade extra contratual da Administração (quiçá por os tribunais
administrativos estarem mais vocacionados, e até tenham maior sensibilidade, para lidar com questões que envolvam
aplicação do direito público e com a Administração pública) mas também por querer arredar de vez a velha dicotomia
gestão pública – gestão privada, tantas vezes de difícil caracterização e com linhas de demarcação muito ténues, e fonte de
conflitos doutrinários entre administrativos e civilistas.
Assim sendo, e no caso em apreço, tratando-se de ter de efectivar a responsabilidade aquiliana de uma Autarquia,
e ainda estando em causa a aplicação de normas de direito administrativo, tal como ressalta da matéria articulada na
petição, são competentes os tribunais administrativos.

35
2 - Conclusões.
Pode, desde já, concluir-se:
a) Na vigência do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19 de
Fevereiro, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, os tribunais administrativos são os competentes para as
acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extra contratual de uma Freguesia, “ex vi” da alínea g) do nº 1 do
artigo 4º.
b) Irreleva para a determinação de competência que os actos praticados sejam qualificados como de gestão
pública ou de gestão privada, apenas bastando estar-se em presença de uma relação jurídico administrativa.
c) A relação jurídico-administrativa é aquela em que pelo menos um dos sujeitos é a Administração, estando em
causa um litígio regulado por normas de direito administrativo.
Nos termos expostos, acordam dar provimento ao agravo, revogando o Acórdão recorrido, mantendo-se o
decidido na 1ª Instância.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 8 de Maio de 2007

Sebastião Povoas Moreira Alves Alves Velho

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 12.2.2007, Pr.º 07B238:

1. O âmbito de jurisdição administrativa abrange todas as questões de responsabilidade civil envolventes de


pessoas colectivas de direito público, independentemente de as mesmas serem regidas pelo direito público ou pelo direito
privado.

2. Os conceitos de actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes públicos já não relevam para
determinação da competência jurisdicional para a apreciação de questões relativas à responsabilidade civil extracontratual
desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa.

3. O disposto no nº 7 do artigo 10º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos abrange o litisconsórcio
voluntário passivo emergente de responsabilidade solidária ou conjunta extracontratual ou contratual das entidades públicas
e das entidades particulares.

4. Os tribunais da ordem administrativa são os competentes para conhecer da acção em que o autor, no confronto
de uma freguesia e de uma sociedade comercial, exige-lhes indemnização por danos causados pela última em execução de
um contrato de empreitada de obras públicas relativas a um caminho público celebrado entre ambas. *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"AA" e BB intentaram, no dia 19 de Abril de 2006, contra a Freguesia de ... e "Empresa-A, acção declarativa de
condenação, com processo sumário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 7 505 e juros à taxa legal desde a citação,
com fundamento em danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de destruição de esteios de ramadas, videiras,
ferros de suporte e fissuras na casa, por via de realização de pelas obras, com utilização de explosivos, de repavimentação
e alargamento do Caminho Público do Paço pela segunda ré sob adjudicação da primeira.
A Freguesia de ...., na contestação, invocou a incompetência material do Tribunal Judicial de Vila Verde, sob o
fundamento de para a acção serem competentes os tribunais da ordem administrativa, e os autores, na resposta, sob o
fundamento de se tratar de actividade de gestão privada, afirmaram a competência dos tribunais da ordem judicial.
Na fase do saneamento, foi proferida sentença, no dia 12 de Junho de 2006, que absolveu as rés da instância
com fundamento na incompetência em razão da matéria do Tribunal e em a competência para a acção se inscrever nos
tribunais da ordem administrativa.

Agravaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 19 de Outubro de 2006, revogou a referida
sentença, sob o fundamento de se tratar de responsabilidade civil derivada de gestão privada da Freguesia da ... e, por isso,
a competência para a acção se inscrever nos tribunais da ordem judicial.
Interpôs a Freguesia da ... recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese útil, as seguintes
conclusões de alegação:

36
- a questão não é de saber se os actos são de gestão pública ou de gestão privada, mas a da qualidade do
agente;
- quando estiver em causa a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas públicas, são os tribunais
administrativos os competentes para a dirimir;
- é competente para conhecer da acção em causa o tribunal administrativo e tributário de Braga.

Responderam os agravados, em síntese de conclusão:


- o critério fundamental para aferir da competência dos tribunais administrativos é a natureza da relação jurídica,
mais propriamente a distinção entre actos de gestão pública e de gestão privada;
- não há publicidade no sentido de manifestação ou omissão de vontade autoritária da pessoa de direito público
imposta ao credor da indemnização fundada na violação do seu direito de propriedade;
- a qualidade em que intervém a Freguesia de .... na relação que nasce da produção do efeito danoso não difere
daquela em que estaria um particular que tivesse empreendido conduta semelhante;
- não é da competência dos tribunais administrativos a apreciação do objecto da acção e, ainda que assim se não
entendesse, seria da competência do tribunal judicial a apreciação da responsabilidade da entidade de direito privada
Empresa-A.

II
É a seguinte a síntese do que os recorridos afirmaram na petição inicial a título de causa de pedir:
1. Os autores são donos de um prédio misto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro, destinados a
habitação e a leiras do ....
2. A referida casa dista três metros do Caminho do Paço que faz parte da rede viária da Freguesia da ..., em cuja
linha divisória há um muro de pedra.
3. Por contrato celebrado entre a Freguesia da ... e Empresa-A, esta comprometeu-se a realizar por conta
daquela, mediante um preço, a obra de alargamento e de repavimentação do Caminho do Paço.
4. Em Março de 2005, a Freguesia da ... iniciou as referidas obras, mas ela e Empresa-A não as executaram com
os cuidados e exigências que lhes eram impostos, tendo a última, nos dias 22 e 28 de Abril seguintes, usado dinamite no
rebentamento de pedra que passava no Caminho.
5. Com isso destruíram-lhe esteios de ramadas, videiras, ferros de suporte, e causaram-lhe fissuras na casa.
6. A Freguesia da ... e Empresa-A respondem solidariamente pelos danos causados pela última, em actividade
perigosa, sob ordens e instruções da primeira, esta independentemente de culpa, nos termos dos artigos 493º, nº 2, 498º e
500º do Código Civil e 277º do Código Penal.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se os tribunais da ordem judicial são ou não competentes para
conhecer da acção declarativa de condenação em causa.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente, a resposta à
referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- caracterização do pedido e da causa de pedir formulados na acção;
- competência jurisdicional em razão da matéria dos tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa;
- relevância ou não do conceito de actos de gestão pública ou de gestão privada de entes públicos na definição da
competência dos tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa;
- a regra da legitimidade passiva nas acções da competência dos tribunais da ordem administrativa;
- competência jurisdicional para conhecimento do objecto do litígio;
- solução para o caso espécie decorrente dos termos da petição inicial e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela caracterização do pedido e da causa de pedir formulados na acção.

O que os recorridos pretendem no confronto da recorrente e de Empresa-A é a sua condenação solidária no


pagamento de determinada quantia a título de indemnização.
A causa de pedir é, por um lado, um contrato de empreitada de obras públicas, nos termos em que o define o
artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, celebrado entre a recorrente e Empresa-A.
E, por outro, a acção e ou omissão daquelas, uma de natureza pública e outra de natureza particular, no âmbito
da execução do referido contrato, causadora de danos reparáveis no património dos recorridos.

37
Assim, a causa de pedir em que os recorridos baseiam o pedido traduz-se essencialmente em actividade de
execução de um contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre a recorrente e Empresa-A causadora de
estragos no seu prédio misto acima identificado.
Trata-se, assim, de uma situação de responsabilidade civil extracontratual que envolve a recorrente e Empresa-A,
por um lado, e os recorridos, por outro, conexa com a referida relação jurídica administrativa (artigos 483º, nº 1 e 1305º do
Código Civil).

2.
Atentemos agora na competência jurisdicional em razão da matéria em geral dos tribunais da ordem judicial e da
ordem administrativa.
A competência em razão da matéria do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada
pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.
A questão da competência ou da incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer de determinado
litígio é, naturalmente, independente do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes.
Estamos, conforme já se referiu, perante um litígio formal relativo à competência do tribunal em razão da matéria
para conhecer de uma acção de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito imputado
pelos recorridos a uma freguesia, pessoa colectiva de direito público, e a uma sociedade comercial que se rege pelo direito
privado.
A regra da competência dos tribunais da ordem judicial, segundo o chamado princípio do residual, é a de que são
da sua competência as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (artigos 66º do Código
de Processo Civil e 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99,
de 13 de Janeiro - LOFTJ).
Considerando que o confronto é delineado entre a competência dos tribunais da ordem judicial e a dos tribunais
da ordem administrativa, vejamos qual é o âmbito da competência dos tribunais desta última ordem.

O artigo 212º, n.º 3, da Constituição define o âmbito da jurisdição administrativa por referência ao conceito de
relação jurídica administrativa, certo que prescreve competir aos tribunais administrativos o julgamento de acções e
recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Conexo com o referido normativo, rege o artigo 1º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais -
ETAF - segundo o qual os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para
administrar justiça nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Nesse quadro, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham,
nomeadamente, por objecto, além do mais, que aqui não releva, as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a
responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea g), do ETAF).
Dir-se-á ser a regra no sentido de à jurisdição administrativa incumbir o julgamento de quaisquer acções que
tenham por objecto litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, ou seja, todos os litígios originados no âmbito
da administração pública globalmente considerada, com excepção dos que o legislador ordinário expressamente atribua a
outra jurisdição.
A referida competência fixa-se no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto
e de direito que ocorram posteriormente, e se no mesmo processo existirem decisões divergentes sobre a questão da
competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior (artigo 5º do ETAF).

3.
Vejamos agora, tendo em conta a data dos factos mencionados na petição inicial e a da sua apresentação em
juízo, a relevância ou não do conceito de actos de gestão pública ou de gestão privada na definição da competência dos
tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa.
As autarquias locais, incluindo as freguesias, como é o caso da recorrente, são pessoas colectivas territoriais
dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (artigos
235º, n.º 2 e 236º, nº 1, da Constituição).
O conceito de actos de gestão pública e de actos de gestão privada tem essencialmente a ver, como é natural,
com a actividade de gestão pública e de gestão privada da Administração, a primeira regulada pelo direito público e a
segunda regulada pelo direito privado.
Assim, quando o acto praticado pela pessoa de direito público, naturalmente através de um seu órgão ou agente,
seja de direito privado, submetido às mesmas normas aplicáveis quando o acto fosse praticado por um particular, deve ser
entendido como acto de gestão privada.
Conforme acima se referiu, compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham
por objecto as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas
colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea g), do ETAF).

38
Assim, ao invés do regime de pretérito, a lei alargou o âmbito de jurisdição administrativa a todas as questões de
responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se as
mesmas são regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.
Certo é que a distinção entre actividade de gestão privada e de direito público releva para a determinação do
direito substantivo aplicável à relação jurídica em causa, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro
de 1967.
Todavia, conforme resulta do artigo 4º, nº 1, alínea g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao
invés do que ocorria no regime de pretérito, os conceitos de actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes
públicos não relevam para determinação da competência jurisdicional para a apreciação de questões relativas à
responsabilidade civil extracontratual desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa.

4.
Atentemos agora na regra da legitimidade passiva nas acções da competência dos tribunais da ordem
administrativa.
As relações jurídicas administrativas pressupõem, como é natural, o relacionamento de dois ou mais sujeitos, que
é regulado por normas jurídicas, derivante de posições activas e passivas, mas sob a envolvência da realização do
interesse público.
A regra da legitimidade passiva nas acções da competência dos tribunais da ordem administrativa é no sentido de
que cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as
pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor (artigo 10º, nº 1, do CPTA).
Acresce que, nas referidas acções, podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de
relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares (artigo 10º, nº 7, do
CPTA).
Resulta deste último normativo a possibilidade de accionamento de entes públicos e de outros interessados, ainda
que não sejam concessionários ou agentes administrativos, desde a relação material controvertida lhes diga igualmente
respeito.
O âmbito da sua previsão e estatuição envolve o litisconsórcio voluntário passivo emergente de responsabilidade
solidária ou conjunta extracontratual ou contratual da entidade pública e de uma entidade particular (MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA/CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, págs. 80
a 82).
É, aliás, uma solução harmónica com o que se prescreve em sede de realização do direito substantivo, no artigo
4º, nº 2, do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, segundo o qual os vários responsáveis respondem
solidariamente no que concerne às relações externas.

5.
Atentemos agora na definição da competência jurisdicional para conhecimento do objecto do litígio, única questão
que é objecto do recurso, do que se excluem as questões do mérito da causa e da própria legitimidade ad causam das
partes.
Ora, a responsabilidade civil em causa é imputada a actuações materiais concorrentes de um ente público e de
uma sociedade regida pelo direito privado, esta em execução de um contrato de empreitada de obras públicas.
Estamos no caso vertente perante uma acção em que a uma entidade pública e a uma entidade privada são
imputáveis factos causadores de danos indemnizáveis, em que se lhes imputa uma obrigação conjunta, como co-
devedoras, em paralelismo de posições jurídicas, relativamente ao direito de indemnização invocado pelos recorridos.
É uma unidade objectiva de pretensão formulada contra a referida dualidade de sujeitos contitulares da mesma
relação jurídica controvertida, o que configura uma situação de litisconsórcio voluntário inicial do lado passivo (artigo 27º, nº
1, do Código de Processo Civil).
O mero accionamento da recorrente com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, conexionada com
a execução da relação jurídica administrativa envolvida pelo referido contrato de empreitada de obras públicas, implica que
a competência para dirimir o litígio em causa se inscreva nos tribunais da ordem administrativa (artigo 4º, nº 1, alínea g), do
ETAF).
Os tribunais da ordem administrativa são competentes para conhecer da acção, independentemente de os
recorridos terem pretendido satisfazer o alegado direito de crédito apenas no confronto da recorrente ou também no
confronto de Empresa-A.
Neste quadro de litisconsórcio voluntário do lado passivo, envolvente de uma unidade relação jurídica material
controvertida, o tribunal que for competente para conhecer do pedido formulado contra a recorrente não pode deixar de o
ser também para conhecer do pedido formulado contra Empresa-A.
A conclusão, é por isso, no sentido de que são competentes para conhecer do litígio em causa, tal como os
recorridos o formulam na petição inicial, os tribunais da ordem administrativa.

39
6.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos termos da petição inicial formulada
pelos recorridos e da lei.

- O litígio envolve uma situação de responsabilidade civil extracontratual conexa com uma relação jurídica
administrativa relativa a um contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre um ente público e um ente particular.
- A definição da competência dos tribunais da ordem administrativa para conhecer da referida situação de
responsabilidade civil extracontratual imputada à recorrente não pressupõe a distinção da derivante de actividade de gestão
pública e de gestão privada.
- Os tribunais da ordem administrativa são competentes para conhecer do litígio em causa pelo mero facto de ser
accionada a recorrente na sua posição de pessoa colectiva de direito público.
- No quadro da unidade de relação jurídica controvertida invocada pelos recorridos - litisconsórcio voluntário inicial
do lado passivo - a competência para conhecer do pedido formulado contra a recorrente abrange o conhecimento do pedido
formulado contra a sua litisconsorte.
- Os tribunais da ordem administrativa, ao invés do que foi decidido no acórdão recorrido, são os competentes
para conhecer do litígio em causa.
- Em consequência, ocorre a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, conducente à absolvição
da instância da recorrente e de Empresa-A, nos termos dos artigos 101º, 105º, n.º 1, 288º, n.º 1, alínea a), 493º, n.º 2, e
494º, alínea a), do Código de Processo Civil.

Procede, por isso, o recurso.


Vencidos, são os recorridos responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do
Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, dando provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, declara-se a subsistência do conteúdo
da sentença proferida no tribunal da primeira instância, e condenam-se os recorridos no pagamento das custas dos
recursos e da acção.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2007.

Salvador da Costa Ferreira de Sousa Armindo Luís

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

- Pedido de indemnização por cessação antecipada de mandato de gestor público

(Acórdão de 23 de Outubro de 2003, na Col. Jur. (STJ) 2003-III-116)

I - São de direito privado as relações estabelecidas entre os gestores públicos e as empresas por eles geridas, no
quadro regulado pelo Estatuto do Gestor Público.
lI - A relação jurídica subjacente ao acto de exoneração antecipada de gestor público tipifica um mandato oneroso
sujeito ao principio da livre revogabilidade, ficando a empresa mandante obrigada, em princípio, a indemnizar o mandatário
pela exoneração, mesmo que imposta por acto de terceiro, ou seja, não por acto da empresa mandante, mas, por exemplo,
por acto do Governo.
III - Por conseguinte, o tribunal comum é o competente em razão da matéria para conhecer do pedido de
indemnização deduzido por gestor público, em acção contra pessoa colectiva de direito público com autonomia
administrativa e financeira, pelos danos causados pela cessação antecipada de mandato.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 06-11-2008, no Processo 08B3356:

1. A competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na
sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir.
2. A definição da competência dos tribunais da ordem administrativa para conhecer da responsabilidade civil
extracontratual imputada a pessoas colectivas de direito público já não pressupõe a distinção da sua actividade de gestão
pública e de gestão privada.

40
3. Dada a falta de disposição legal nesse sentido, à concessionária da rodovia Túnel da Gardunha, pessoa jurídica
de direito privado na forma de sociedade anónima de capital privado, não é aplicável o regime substantivo da
responsabilidade civil extracontratual concernente aos entes públicos.
4. Compete aos tribunais da ordem judicial o conhecimento do pedido de indemnização contra ela formulado com
base em danos causados em prédio vizinho de outrem na execução das obras dessa rodovia no âmbito daquela concessão.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
AA intentou, no dia 25 de Março de 2004, contra S... – A... da B... I..., SA, IEP - I.... de E... de P... e A...-C... de
E...-ACE, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua a condenação, em alternativa, a
abrirem um furo de captação de água e a suportarem o respectivo custo ou a pagarem-lhe € 40 000 e juros de mora, à taxa
legal, contados a partir da citação, a título de indemnização do dano pela perda da água de quatro nascentes existentes em
seu identificado prédio misto, sito em Alpedrinha, Fundão, afectados por via da construção da rodovia “Túnel da Gardunha”,
troço do Itinerário Principal nº 2, implementada pela ré S...., SA, com base em contrato de concessão de obras públicas,
através de Acestradas, ACE e de outrem.
Foi chamada a intervir ao lado dos réus E..., D..., S..., R... R... C..., ACE, intervenção que foi admitida.
Em contestação, a chamada e as rés S..., SA e A..., ACE excepcionaram, além do mais, a incompetência do
tribunal em razão da matéria, sob o argumento de estar em causa a responsabilidade civil resultante de uma obra pública
promovida pelo Estado e, por isso, a competência para o julgamento estar reservada aos tribunais administrativos.
O autor respondeu no sentido de ser competente o tribunal judicial, por se estar perante uma questão de direito
privado, por virtude de ter accionado um direito de crédito, resultante de responsabilidade extracontratual por violação ilícita
do seu direito de propriedade causadora de danos materiais indemnizáveis.
No despacho saneador, foi o IEP-I... de E... de P... absolvido da instância por ilegitimidade ad causam e julgada
improcedente a invocada excepção de incompetência material do tribunal da ordem judicial.
Agravou S..., SA e a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 3 de Junho de 2008, negou-lhe provimento ao
recurso.

Interpôs a recorrente recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
- compete exclusivamente aos tribunais administrativos o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas
administrativas, em que se inclui a responsabilidade civil extracontratual delas emergentes;
- o recorrido pretende efectivar a responsabilidade civil por danos resultantes de trabalhos integrados numa via
cuja concessão fora adjudicada pelo Estado, no âmbito de uma relação jurídica administrativa;
- a responsabilidade civil extracontratual da recorrente, enquanto concessionária de obra pública, actuando no
exercício de uma actividade pública administrativa, encontra-se regulada por normas de direito administrativo constantes do
diploma que aprovou as bases do contrato de concessão;
- a causa de pedir emerge da prática de actos compreendidos no exercício de um poder público, na realização de
uma função compreendida nas atribuições de um ente público, com vista à realização de um interesse público, pelo que
estão em causa actos de gestão publica, e a decisão vai implicar a convocação de normas de direito público;
- a distinção entre actos de gestão pública e de gestão privada relevam como auxiliares na aplicação do regime
específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público à
concessionária, sujeito privado;

- a construção de rodovias inscreve-se nas finalidades públicas da Administração, na satisfação do interesse


público e das necessidades colectivas, pelo que integram o conceito de actos de gestão pública;
- a recorrente, como concessionária, responde nos mesmos termos do Estado perante terceiros pelo exercício
dessa actividade de concessionária de obra pública;
- a sua responsabilidade extracontratual tem a ver com a gestão pública da coisa pública, pelo que lhe é aplicável
o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público definido no Decreto-Lei
nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967.
- o acórdão enferma de erro de julgamento e viola, por errada interpretação e aplicação, os artigos 213º, nº 3, da
Constituição, 4º, nº 1, alíneas g) e l) e 44º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 13º e 37º, nº 2, alínea
f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 18º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais e 66º do Código de Processo Civil.

II
É a seguinte, em síntese, a estrutura da petição inicial no que concerne ao pedido e à causa de pedir:

41
1. O autor formulou contra os réus o pedido no pagamento de € 40 000 e juros de mora, ou, em alternativa, a
realizar um furo e a suportar o respectivo custo.
2. Em síntese, ele fundamentou o referido pedido no seguinte:
a) O autor é proprietário e legítimo possuidor do prédio misto, inscrito nos artigos matriciais nºs 1580 e 1581 da
Freguesia de Alpedrinha, descrito na Conservatória do Registo Predial do Fundão sob o nº ......, integrado na Quinta dos
Madouros, em Alpedrinha, onde se situa a entrada Sul-Norte do Túnel do lado da povoação de Alpedrinha.
b) Em 2001 tiveram início as obras de construção do Lanço do IP2 – Túnel da Gardunha, cuja concessão foi
atribuída à S...-A...-E.... B... I..., SA, adjudicada pelo IEP- I... de E... de P..., concluídas desde finais do ano passado.
c) Até ao momento em que se iniciaram as obras de construção do Túnel da Gardunha, em 2001, o autor usufruía
de cinco nascentes que jorravam água com abundância na sua propriedade, que ele aproveitava, utilizando o efeito da
gravidade, para as suas culturas, plantações e para consumo doméstico.
d) Em princípios de 2002, o autor apercebeu-se que o fluxo de água das nascentes havia diminuído, embora não
muito sensivelmente, dadas as águas pluviais do Inverno.
e) A partir de Maio/Junho de 2002 a diminuição de fluxo da água das nascentes acentuou-se, acabando uma a
uma por secar, de tal modo que, actualmente, subsiste apenas alguma água numa nascente que se tem demonstrado
manifestamente insuficiente para a sobrevivência dos cultivos e plantações, e mesmo para as necessidades mais básicas
de quem habita a residência.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se os tribunais da ordem judicial são ou não competentes para
conhecer da acção declarativa de condenação em causa.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente, a resposta à
referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- regime adjectivo aplicável ao recurso;
- caracterização do pedido e da causa de pedir formulados pelo recorrido;
- natureza jurídica dos sujeitos do lado passivo e do contrato celebrado pela recorrente;
- competência jurisdicional em razão da matéria dos tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa;
- competência jurisdicional para conhecimento do objecto do litígio em relação ao recorrente.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos por uma breve referência ao regime adjectivo aplicável ao recurso.
Considerando que a acção foi intentada no dia 25 de Março de 2004, ao recurso não é aplicável o novo regime
processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
É-lhe aplicável o regime processual anterior ao decorrente do mencionado Decreto-Lei (artigo 11º, nº 1, e 12º, nº
1).

2.
Continuemos com a caracterização do pedido e da causa de pedir formulados na acção.
O que o recorrido AA pretende no confronto dos accionados é a sua condenação solidária na realização de
determinada obra ou no pagamento de uma quantia a título de indemnização.
A causa de pedir consiste na realização pela recorrente, com base em contrato de concessão de obras públicas
de construção de uma rodovia pública, de que terá resultado a eliminação de captação de águas subterrâneas existentes no
prédio do recorrido e o consequente prejuízo para este.
Assim, a execução das referidas obras ocorreu no âmbito da concessão de uma obra pública atribuída à
recorrente.
Em consequência, a causa de pedir em que o recorrido baseia o pedido traduz-se essencialmente em actividade
danosa de execução de um contrato de concessão de obras públicas celebrado entre o Estado e a recorrente.
Assim, está em causa na acção a violação danosa do direito real de propriedade do recorrido em virtude da
execução de obras relacionadas com a construção da referida rodovia.
Trata-se, pois, de uma situação de responsabilidade civil extracontratual que envolve a recorrente, além do mais,
por um lado, e o recorrido por outro, conexa uma relação jurídica administrativa que se desenvolveu entre a recorrente e o
Estado (artigos 483º, nº 1, e 1305º do Código Civil).

2.
Continuemos agora com a análise da subquestão de saber qual é a natureza jurídica das entidades accionadas
pelo recorrido ou admitidas a intervir da acção.

42
Todas as sociedades accionadas são, naturalmente, pessoas colectivas de direito privado, e está decidido, com
trânsito em julgado, no confronto de A...., ACE e de E..., D..., S..., R... R... C..., ACE, cuja intervenção foi admitida, ser
competente para conhecer da acção o tribunal da ordem judicial.
Também foi accionada pelo recorrido uma entidade pública, o IEP- I... de E... de P..., IP, a que sucedeu EP-E... de
P..., SA. Mas aquele já foi absolvido da instância, por decisão transitada em julgado, com base na sua ilegitimidade ad
causam.
A recorrente S..., SA, sociedade comercial anónima constituída por capitais exclusivamente privados celebrou com
o Estado um contrato administrativo de concessão de obras públicas, envolvente das bases da concepção, projecto,
construção, financiamento, exploração de lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados.
As bases do referido contrato de concessão e as suas cláusulas foram aprovadas pelo Decreto-Lei nº 335-A/99,
de 20 de Agosto (artigo 3º:.
Conforme resulta daquele diploma, o objecto da referida concessão é uma obra pública, em regime de exclusivo
relativamente às auto-estradas a que se reporta que (Base III).
Mas não está em causa no recurso o regime da relação jurídica administrativa envolvida pelo referido contrato de
concessão, a que são aplicáveis normas de direito administrativo substantivo.
Está, com efeito, em causa a responsabilidade civil extracontratual derivada de danos causados a terceiros com a
execução das obras previstas no referido contrato de concessão de obras públicas.
Ao invés do que a recorrente alegou, não resulta do Decreto-Lei nº 335-A/99, de 20 de Agosto, que a referida
responsabilidade civil extracontratual seja regida por normas de direito público.
Com efeito, o que resulta do mencionado diploma, por um lado, é que a recorrente, na sua posição de
concessionária, responde perante terceiros, por culpa ou risco, pelos prejuízos causados no exercício das actividades que
constituem o objecto da concessão, nos termos gerais (Base LXXI).
E, por outro, que ela responde também, nos termos gerais da relação comitente-comissário, pelos prejuízos
causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das actividades compreendidas na concessão (Base
LXXII, nº 1).
Assim, ao invés do que a recorrente alegou, inexiste algum normativo que a sujeite, neste plano de
responsabilidade civil extracontratual objecto da acção ao regime do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967,em
vigor aquando dos factos, entretanto substituído pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

3.
Atentemos agora na competência jurisdicional em razão da matéria em geral dos tribunais da ordem judicial e da
ordem administrativa.
A competência em razão da matéria do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada
pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.
A questão da competência ou da incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer de determinado
litígio é, naturalmente, independente do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes.
Estamos, conforme já se referiu, perante um litígio formal relativo à competência do tribunal em razão da matéria
para conhecer de uma acção de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito imputado
pelo recorrido a duas sociedades comerciais de capitais exclusivamente privados e a um instituto público.
Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por
objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 212º, nº 3, da Constituição).
A regra da competência dos tribunais da ordem judicial, segundo o chamado princípio do residual, é a de que são
da sua competência as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (artigos 66º do Código
de Processo Civil e 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99,
de 13 de Janeiro – LOFTJ).
Considerando que o confronto é delineado entre a competência dos tribunais da ordem judicial e a dos tribunais
da ordem administrativa para conhecimento de questão de responsabilidade civil extracontratual, vejamos qual é o âmbito
da competência dos tribunais desta última ordem.
Deixou de vigorar a norma de pretérito, constante do artigo 4º, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos
e Fiscais de 1984, que excluía da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das questões de direito
privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público.
Em relação ao regime de pretérito, a lei alargou o âmbito de jurisdição administrativa a todas as questões de
responsabilidade civil envolvente de pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se as
mesmas são regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.
Certo é que a distinção entre actividade de gestão privada e de direito público continua a relevar para a
determinação do direito substantivo aplicável à relação jurídica controvertida, nos termos do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de
Novembro de 1967, ou da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, consoante a data em que ocorrerem os factos envolventes,

43
de harmonia com o regime geral de aplicação de leis no tempo constante do artigo 12º do Código Civil ou de normas
especiais de direito transitório.
Todavia, isso não releva para determinação da competência jurisdicional, certo que a lei seguiu o critério objectivo
da natureza da entidade demandada, ou seja, sempre que o litígio envolva uma entidade pública, em quadro de imputação
à mesma de facto gerador de um dano, o conhecimento do litígio compete aos tribunais da ordem administrativa,
independentemente da natureza do direito substantivo aplicável.
Assim, compete aos tribunais da ordem administrativa e fiscal, por um lado, a apreciação de litígios que tenham,
nomeadamente, por objecto, além do mais, que aqui não releva, as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a
responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea g), do ETAF).
E, por outro, a apreciação da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o
regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea h),
do ETAF).
A referida competência fixa-se no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto
e de direito que ocorram posteriormente, e se no mesmo processo existirem decisões divergentes sobre a questão da
competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior (artigo 5º do ETAF.

4.
Atentemos agora na definição da competência jurisdicional para conhecimento do objecto do litígio.
Conforme já se referiu, a única questão que é objecto do recurso, do que se excluem as questões do mérito da
causa e da própria legitimidade ad causam das partes, é a relativa à definição da mencionada competência.
A responsabilidade civil em causa é imputada a actuações materiais de agentes ou representantes de entes
privados na execução de uma obra pública adjudicada à recorrente por via de um contrato de concessão de obras públicas
celebrado com o Estado.
Mas a questão da competência jurisdicional em causa apenas se coloca em relação à responsabilidade civil
extracontratual imputada à recorrente por factos por ela directamente praticados ou através das sociedades que contratou
para o efeito.
A recorrente não é uma pessoa colectiva de direito público; é uma pessoa de direito privado em relação à qual, no
caso, inexiste norma de lei que a submeta ao regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao
Estado ou a outras pessoas colectivas de direito público.
Não estamos, por isso, no caso vertente, perante as situações de competência jurisdicional dos tribunais da ordem
administrativa a que se reportam as alíneas g) e i) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A conclusão é, por isso, no sentido de que são competentes para conhecer do litígio em causa, quanto à
recorrente, os tribunais da ordem judicial.

5.
Finalmente, a síntese da solução para o caso-espécie decorrente dos termos da petição inicial formulada pelo
recorrido e da lei.
O litígio envolve uma situação de responsabilidade civil extracontratual conexa com uma relação jurídica
administrativa relativa a um contrato de concessão de obras públicas.
Todos os accionados são pessoas colectivas de direito privado, salvo o IEP-I... de E... de P....-IP, a que sucedeu
EP – E... de P...., SA.
Não está em causa no recurso a competência em razão da matéria para o julgamento da mencionada situação de
responsabilidade civil extracontratual em relação àquele Instituto, visto que, por ilegitimidade ad causam, foi absolvido da
instância por decisão transitada em julgado.
A definição da competência dos tribunais da ordem administrativa para conhecer da referida situação de
responsabilidade civil extracontratual imputada à recorrente não pressupõe a distinção entre a derivante de actividade de
gestão pública e de gestão privada.
Os tribunais da ordem administrativa não são competentes para conhecer da acção no que concerne à recorrente,
por virtude de esta não ser uma pessoa colectiva de direito público nem lhe ser aplicável um regime substantivo da
responsabilidade civil de direito público.
O acórdão recorrido, ao decidir como o fez, não infringiu qualquer das normas indicadas pela recorrente, tendo-se
limitado a cumprir a lei aplicável ao caso.

Improcede, por isso, o recurso.


Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil).

IV

44
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 6 de Novembro de 2008.

Salvador da Costa (Relator) Ferreira de Sousa Armindo Luís

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Azevedo Ramos) de 24.6.2008, no Processo n.º 08A1714:

I – É materialmente competente o tribunal comum para conhecer do pedido de condenação do Município de


Lisboa no pagamento do preço de um contrato de compra e venda de mobiliário, fornecido por um particular ao Município
de Lisboa, sendo tal aquisição efectuada através do procedimento pré-contratual administrativo regulado pelo dec-lei 55/95,
de 29 de Março .
II – A prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento .
III – A invocação da prescrição presuntiva supõe o reconhecimento de que a dívida existiu, sendo que a tal o
devedor contrapõe que essa dívida se acha extinta pelo pagamento, que a lei presume .
IV - Para pode beneficiar da invocada prescrição presuntiva, o réu terá de afirmar, claramente, que o pagamento
reclamado já foi efectivamente realizado .
V – Essa afirmação não pode considerar-se implícita na simples invocação da prescrição presuntiva .

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

Em 15-2-06, AA-Mobiliário, S.A., instaurou a presente acção ordinária contra o Município de Lisboa, pedindo que
este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 16.534,03 euros, acrescida de 20.480,10 euros, de juros de mora de
vencidos, e nos vincendos sobre aquela quantia, até efectivo pagamento .
Alegou que, no exercício da sua actividade vendeu ao réu diverso material de escritório, no valor de 16.534,03
euros, o qual deveria ter sido pago no prazo de um mês após as datas da emissão das facturas .
Apesar de ter enviado ao réu as respectivas facturas, que este recebeu, o certo é que o mesmo nunca as pagou .
O réu contestou, arguindo a incompetência material do tribunal e a prescrição presuntiva da dívida.
Houve réplica .

Foi proferido saneador sentença que, julgando o tribunal materialmente competente e improcedente a excepção
da prescrição presuntiva, condenou o réu a pagar à autora a quantia de 16.534,03 euros, acrescida de juros de mora .

Apelou o réu, mas a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 29-11-07, negou provimento à apelação e
confirmou a decisão recorrida .

Continuando inconformado, o réu pede revista, onde conclui :


1 – O litígio objecto dos presentes autos reporta-se ao pagamento da facturas emitidas na sequência do
fornecimento de bens móveis pela ora recorrida, com base num contrato de fornecimento, precedido de um procedimento
por negociação sem publicação prévia de anúncio, previsto e regulado, entre outros, nos artigos 32, nº1, al. c) e 92 do dec-
lei nº 55/95, de 29 de Março .
2 – O dec-lei 55/95 é um diploma de direito público, cujas disposições, que regulam os tipos pré-contratuais nele
previstos, são normas de direito público .
3 – Os contratos celebrados pelo ora recorrente estão, por força da alínea d) do art. 2º, do dec-lei 55/95, de 29 de
Março, obrigatoriamente sujeitos aos procedimentos pré-contratuais nele previstos .
4 – Estando em causa prestações assacadas ao ora recorrente, no âmbito do contrato ( pagamentos ), a questão
sub judice tem inequivocamente a ver com a respectiva execução .
5 – A circunstância de as relações jurídicas estabelecidas entre as partes serem de direito privado e de o contrato
em questão não ser um verdadeiro contrato administrativo, não obsta à sua submissão à jurisdição dos tribunais
administrativos, verificado o circunstancialismo dos autos .
6 – Nos contratos em que uma das partes é uma entidade pública e a respectiva celebração foi precedida de um
procedimento pré-contratual de direito público, o conhecimento dos litígios que tenham por objecto questões relativas à sua
execução, são da competência dos tribunais administrativos, por força do seu enquadramento na previsão da alínea e), do
nº1, do art. 4 do ETAF.
7 – Foram interpretadas e erradamente aplicadas as alíneas e) e f) do nº1, do art. 4º do ETAF, aprovado pela Lei
13/02, de 19 de Fevereiro, razão pela qual deve ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que declare a
competência dos tribunais administrativos para conhecer do litígio objecto dos presentes autos .
8 - Por outro lado, deve ser declarada a prescrição presuntiva prevista no art. 317, al. b) do C.C.

45
A autora contra-alegou em defesa do julgado .

Corridos os vistos, cumpre decidir .

A Relação considerou provados os factos seguintes :

1- No exercício da sua actividade, a autora vendeu ao réu diverso mobiliário de escritório .


2 – Para titular essas vendas a autora emitiu e enviou ao réu, que as recebeu, as seguintes facturas :
- nº 95 NVC4398 , de 27-12-95, no valor de 94.770$00 ( 472,71 euros );
- nº 96NVC460, de 16-12-96, no valor de 936.960$00 (4.673,54 euros);
- nº 96NVC465, de 16-12-96, no valor de 1.907.756$00 ( 9.515,85 euros) ;
- nº 96NVC535, de 26-12-96, no valor de 257.465$00 ( 1.374,01 euros);
- nº 96NVC2951, de 19-11-96, no valor de 99.824$00 ( 497,92 euros ) .
3 – Apesar de interpelado para o efeito, o réu não efectuou qualquer pagamento .
4 – O réu estava obrigado a pagar o montante titulado pelas facturas a um mês das respectivas datas da
emissão .

São duas as questões a resolver :

1 - Se deve ser declarada a competência material dos tribunais administrativos para conhecer do litígio objecto
dos presentes autos .
2 - Se deve operar a prescrição presuntiva .

1.

Competência material:
Foi celebrado um contrato de compra e venda entre a autora e o réu, através do qual este adquiriu àquela diverso
mobiliário, sendo que tal aquisição foi efectuada através do procedimento pré-contratual administrativo regulado no dec-lei
55/95, de 29 de Março .
As instâncias consideraram que o tribunal comum é o competente em razão da matéria para conhecer da acção .
O recorrente entende que o Tribunal Administrativo é o materialmente competente, em virtude das partes terem
submetido o contrato ao regime previsto no dec-lei 55/95, de 29 de Março, sendo aplicável o disposto nos arts 4, nº1, al. e)
e f) do ETAF, aprovado pela Lei 13/02, de 19 de Fevereiro .
Mas sem razão .
O mencionado dec-lei 55/95 veio concentrar o que se encontrava disperso em diversa legislação, adequando-o à
legislação comunitária e tentando dar clareza, simplicidade e transparência às contas públicas .
No referido diploma nada se impõe às entidades privadas e apenas se estabelece o regime da realização de
despesas públicas com locação, empreitadas de obras públicas, prestação de serviços e aquisição de bens, bem como o da
contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis – art. 1º do dec-lei 55/95.
O art. 1, nº1, do ETAF preceitua que os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania
com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas e fiscais .

O art. 4.º do ETAF, dispõe :


1 - Compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente
por objecto :
(...)
e) – Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a
respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento contratual
regulado por normas de direito público .
f) – Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto
administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos
específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade
pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um
regime substantivo de direito público .
Por sua vez, o art. 178, nº1, do Código do Procedimento Administrativo, define o contrato administrativo como “o
acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa” .

46
Ora, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham
por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais – art. 212, nº3 da Constituição da
República .
Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas
não atribuídas a outras ordens judiciais – art. 211,nº1, da Constituição .
Daqui se extrai que são da competência dos tribunais judiciais todas as causas que não sejam atribuídas a outras
ordens jurisdicionais .
O que significa dizer que a competência material dos tribunais judiciais se determina através de um critério de
competência residual .
Também dos arts 66 do C.P.C. e 18, nº 1, da LOFT se retira que a competência dos tribunais judiciais é residual .
Relação jurídica administrativa “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse
público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a
administração “ ( Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pág. 439) .
Pois bem .
A relação contratual estabelecida entre recorrente e recorrida, da qual resultou a dívida reclamada por esta, não
reveste natureza administrativa, por não se verificarem os mencionados requisitos .
Com efeito, na relação mantida, o recorrente actuou despojado de poderes de autoridade ou de restrições de
interesse público, e à recorrida também não foram atribuídos direitos ou impostos deveres públicos perante o recorrente .
No caso concreto, o que se verifica é que houve um procedimento administrativo pré-contratual, como era exigido
ao Município de Lisboa pelo aludido dec-lei 55/95, tendo a recorrida sido escolhida sem prévio concurso público.
Mas tal situação, só por si, não é suficiente para se poder afirmar que os tribunais administrativos sejam os
materialmente competentes para conhecerem da falta de pagamento do mobiliário adquirido .
Não estão em causa questões relativas à validade de actos pré-contratuais, nem a interpretação, validade e
execução do contrato de compra e venda .
O contrato está perfeito, operou-se a entrega do mobiliário e a respectiva transferência da propriedade .
Só falta o Município de Lisboa proceder ao pagamento do que é devido.
Por isso, não tem aqui aplicação as alíneas e) e f) do nº1, do art. 4, do ETAF.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 10-3-05, Proc. 21/03, “o que determina a competência
material dos Tribunais Administrativos para o julgamento de certas acções, é o elas versarem sobre conflitos de interesses
públicos e privados no âmbito das relações administrativas, pelo que a declaração dessa competência pressupõe que se
julgue que o conflito nelas desenhado é um conflito de interesses públicos e privados e que o mesmo nasceu e se
desenvolveu no âmbito de uma relação jurídica administrativa .
Na distinção, sem sempre fácil, entre contratos administrativos e contratos de direito privado, importa considerar
não só a presença de um contraente público e a ligação do objecto do contrato às finalidades do interesse público que esse
ente prossiga – o que é fundamental - mas também as marcas da administratividade e os traços reveladores de uma
ambiência de direito público existentes nas relações que neles se estabelecem “.
Não concorrendo no contrato em apreciação nenhuma destas características, é de concluir, como se conclui, ser o
tribunal cível o materialmente competente para a apreciação e conhecimento do objecto da acção .

2.
Prescrição presuntiva :

Os arts 312 a 317 do C.C. disciplinam as chamadas prescrições presuntivas, para as quais se estabelecem prazos
reduzidos .
Assim, o art. 317 , al. b), estabelece que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos
objectos vendidos a quem não seja comerciante ou não os destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que
exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão
de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício
individual do devedor .
A prescrição, que tem como fonte o decurso do prazo, pode ser extintiva ou presuntiva .
As prescrições extintivas conferem ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento da prestação e de se opor,
por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito .
Todavia, a obrigação não se extingue, antes se transforma numa obrigação natural, nos termos do art. 402 do
C.C., pois o que se extingue é a possibilidade do credor vir exigir judicialmente o seu cumprimento .
Por sua vez, as prescrições presuntivas “ fundam-se na presunção de cumprimento (art. 312 do C.C.) . Explicam-
se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, via de
regra, quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado, e daí que o devedor fique dispensado

47
da sua prova, dado que, em virtude das razões expostas, isso poderia tornar-se difícil “ (Almeida Costa, Direito das
Obrigações, 5ª ed., pág. 964) .
A invocação da prescrição presuntiva supõe o reconhecimento de que a dívida existiu, sendo que a tal o devedor
contrapõe que essa dívida se acha extinta pelo pagamento que a lei presume .
Está-se perante uma mera presunção, que tão só dispensa a prova do cumprimento .
Assim, para poder beneficiar da invocada prescrição presuntiva, o réu terá de afirmar claramente que o
pagamento reclamado já foi efectivamente realizado .
Com efeito, é entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência que, para poder invocar coerentemente a
prescrição presuntiva, o réu terá de alegar que deveu, mas já pagou ( Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, pág.
78 ; Ac. S.T.J. de 22-4-04, Col. Ac. S.T.J., XII, 2º, 41) .
Tal afirmação não pode considerar-se implícita na simples invocação da prescrição presuntiva.
Ora, o réu, na sua contestação, apesar de dispor de contabilidade organizada, limitou-se a invocar que atento o
decurso do prazo, a dívida se encontrava prescrita, mas não alegou ter efectuado o pagamento, como lhe incumbia .
Daí que a prescrição presuntiva não possa operar, não merecendo censura o Acórdão recorrido .

Termos em que negam a revista .



Lisboa, 24 de Junho de 2008

Azevedo Ramos (relator) Silva Salazar Nuno Cameira

AUJ do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa), de 24.5.2007, no P.º 07B881:

No actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções previstas
no artº 9º, nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, é alternativa relativamente aos tribunais judiciais de competência
territorial concorrente.

b) - Hierarquia - 210º da Const.; 27º da LOFTJ, 70º a 72º do CPC;

c) - valor e forma de processo - 31º, 126º e 128º a 130º, 137º da LOFTJ, 305º e ss 68º e 462º do
CPC.

VALOR E ALÇADAS

Valor - art. 305º a 319º e 462º CPC (formas de processo).


Alçadas - art. 31º da LOFTJ - Lei nº 52/08, de 28 de Agosto.

O valor da causa pode ser processual ou tributário.

O valor processual - utilidade económica do pedido - é regulado nos art. 305º e ss do CPC e
determina a competência do Tribunal (Vara ou juízo cível), a forma do processo comum (ordinário,
sumário ou sumaríssimo) e a alçada do tribunal (se pode ou não recorrer-se da decisão proferida no
processo) - 305º, nº 2 CPC.

O valor tributário ou fiscal serve de base à condenação em custas. É com base nele que o
Contador elabora a conta de custas que uma ou ambas as partes têm de pagar (se A pede a B 1000
contos de indemnização mas só obtém condenação de B em 500, cada um pagará custas
correspondente a 500, na proporção do vencimento - 446º, nº 2, do CPC).
O valor tributário ou fiscal tinha regras próprias - 5º a 12º do CCJ: enquanto que o valor
processual de uma acção sobre o estado das pessoas (divórcio, investigação de paternidade) é
equivalente à alçada da Relação mais um cêntimo - € 0,01 - 312º do CPC) - para efeito de custas,
como valor tributário, era o que o Juiz fixasse, tendo em atenção a repercussão económica da acção

48
para o responsável pelas custas ou, subsidiariamente, a sua situação económica, com limite mínimo da
alçada do tribunal de 1ª instância - 6º, a) CCJ.

Estabelece o art. 11º do Regulamento das Custas Processuais (em vigor desde 5.1.2009 – art.
26º do Dec-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) que a base tributável para efeitos da taxa de justiça
corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as
regras previstas na lei do processo respectivo.

Há critérios gerais - art. 306º - e especiais - 307º e 309º a 312º - para fixação do valor
processual.

O Autor deve indicar na petição o valor da causa - 305º, nº 1 - sem o que a Secretaria a não
receberá - 474º, al. e).
Se inadvertidamente a Secretaria recebe a petição sem indicação do valor, deve o autor, logo
que a falta seja notada, ser convidado a indicá-lo sob pena de extinção da instância - 314º, nº 3.
Deve o A. indicar o valor de acordo com aqueles critérios legais, embora frequentemente
indique valor superior à alçada da 1ª Instância para poder recorrer até, pelo menos, à Relação.
No articulado em que deduza a defesa, o R. pode impugnar o valor indicado pelo A., mas deve
oferecer outro em substituição - 314º, nº 1 e 3. Se nada disser, significa que aceita o valor indicado
pelo A. - 314º, nº 4.
A seguir, o A. pode vir declarar que aceita o valor oferecido pelo R. - 314º, nº 2.
O valor (definitivo) deve ser fixado pelo Juiz no saneador – n.ºs 1 e 2 do art. 315º do CPC.

Na falta de acordo das Partes ou se o Juiz não aceitar o valor indicado ou acordado, será o
valor fixado pelo Juiz conforme os elementos existentes no processo ou depois de realizadas as
diligências indispensáveis - 317º - sendo que o arbitramento, se necessário, será único (não há
segundo arbitramento) e realizado por um só perito designado pelo Juiz - 318º.

Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a acção é proposta -


308º, nº 1, CPC e 31º da LOFTJ, ao mesmo momento se atendendo para a determinação da
competência, com as ressalvas do nº 2 (São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for
suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o
conhecimento da causa) do art. 24º da LOFTJ.

Mas pode alguém deduzir pedido próprio em intervenção principal - 321º - e o R. pode deduzir
reconvenção - 274º - com pedido distinto do A..
Nestes casos, soma-se ao pedido do A. o do interveniente ou do R., se o deste for diferente -
308º, nº 2: Se a A instaurar acção de divórcio (de valor processual de 30.001,00 € - art. 312º) contra B
e este, em reconvenção, pedir ele próprio o divórcio [(274º, 2, c)], deve indicar na reconvenção o
mesmo valor mas não se soma este àquele porque o pedido do R não é distinto do pedido da A..
Em caso de soma dos pedidos, o novo valor só produz efeitos nos actos e termos posteriores à
reconvenção ou intervenção - 308º, nº 3.

Se, portanto, em acção sumária for deduzido pedido reconvencional que, pela soma dos valores, transforme o
processo em ordinário, passará imediatamente a haver lugar a réplica e tréplica; do mesmo modo, se em consequência da
reconvenção passar a haver recurso, em processo inicialmente compreendido na alçada do tribunal, essa faculdade
mantém-se mesmo que, julgado improcedente o pedido reconvencional, o recurso se destine unicamente a apreciar o
pedido do autor - R. Bastos, Notas ao CPC.

49
Alçada significa o valor da causa que um tribunal julga sem recurso, pois só é admissível
recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre ... 678º, nº 1.
Há casos de recurso independentemente da alçada - n.ºs 2 e 3 do art. 678º - como nas acções
em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, excepto
para habitação não permanente ou outros fins especiais transitórios - nº 3, al. a), do art. 678º, na
redacção dada pelo Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

A alçada da Relação - em matéria criminal não há alçada, pode é haver restrições ao recurso -
é de € 30 000 e a da 1ª Instância é de € 5 000 - 31º, nº 1, da LOFTJ.
Para se saber se é ou não admissível recurso em função da alçada, deve atender-se à lei e
valor da causa ao tempo da propositura da acção - nº 3 do art. 31º da LOFTJ.
A ser de outro modo, como aconteceu com o art. 106º de anterior LOTJ, violar-se-ia o princípio
da segurança jurídica (art. 2º da Constituição), de tal forma que foi necessário que a Lei 49/88, de 19
de Abril, dispusesse no seu art. 1º que aquele art. 106º se não aplicava às acções pendentes à data da
entrada em vigor daquela LOTJ, sem prejuízo, naturalmente, dos casos julgados entretanto formados.

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO?

Do facto de a Constituição (209º) prever tribunais de diferentes hierarquias resulta que o legislador ordinário não
pode, pura e simplesmente, suprimir os recursos. Mas tal não significa que não os possa restringir: A jurisprudência
constitucional fixou a orientação segundo a qual a garantia do acesso aos tribunais não abrange a obrigatoriedade da
previsão pelo legislador ordinário de um duplo grau de jurisdição para todas as decisões, mas apenas, em consonância com
o princípio da proporcionalidade que domina o regime dos direitos fundamentais, para aquelas que respeitam a questões
mais relevantes ou importantes.
Em concreto, não é inconstitucional a restrição decorrente do funcionamento da regra das alçadas (cfr. art° 678°, nº
1), porque ela assenta num critério que não ofende o princípio da igualdade e que não é arbitrário ou desrazoável.

d) - Território - 28º a 30º - escolha de um dos juízos da comarca - da LOFTJ; 63º, 73º a 89º
CPC:

1 - foro real - 73º

2 - obrigacional - 74º; Notar os art. 82º e ss (domicílio), 772º, nº 1 (domicílio do devedor), 773º
(entrega de coisa móvel determinada), 774º (obrigações pecuniárias), 885º (preço na compra e venda),
1039º (pagamento da renda ou aluguer) e 1195º (restituição de coisa depositada), todos do CC.
ofensa pela televisão: tribunal da sede do estúdio - Col. Jur. 99-II-185.

AUJ n.º 12/2007, de 18.10.2007, no DR I, de 6.12.2007:

“As normas dos artigos 74º, nº 1 e 110º, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, resultantes da alteração
decorrente do artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em
vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula
de convenção de foro de sentido diverso.”

3 - foro do A. - 75º - divórcio e separação de pessoas e bens.


4 - hereditário - 77º

5 - por conexão - honorários - 76º; procedimentos cautelares - 83º

6 - empresarial - 82º - falência – revogado e substituído pelo art. 7º do CIRE6


6
-

50
7 - geral - 85º; Estado, pessoas colectivas e sociedades - 86º.
8 - Execuções - 90º a 95º
Extensão da competência (por força da lei) - 96º a 98º

Para conhecer de uma acção em curso o tribunal passa a ser competente para questões que de
outra forma não caberiam na sua jurisdição.

96º, nº 1 - incidentes, como a habilitação por morte de uma das partes (art. 277º, nº 1) para que
seria competente o tribunal da abertura da sucessão (77º) - mas por força deste art. 96º, nº 1, estende-
se a competência ao tribunal da acção - ou meios de defesa (compensação).
96º, n.º 2 – caso julgado formal

97º - questões prejudiciais da competência do tribunal criminal ou administrativo (furto de


documentos em acção de prestação de contas).
Caso julgado formal - nº 2.

98º - questões reconvencionais, condições de competência absoluta - nº 1 - e remessa oficiosa


para o tribunal competente em razão do valor - nº 2.

Modificação da competência (por vontade das partes) - 99º e 100º

Aqui são as partes que atribuem o poder de conhecer de um litígio a um órgão que, segundo as
normas gerais, não seria o competente para o julgamento.

99º - Se as normas afectadas pela convenção são as que regulam a competência internacional
dos tribunais portugueses (art. 65º), estamos no domínio do art. 99.° e a convenção designa-se por
pacto privativo ou atributivo de jurisdição;
Se as regras alteradas dizem respeito à competência interna em razão do território (as regras em
razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma do processo não podem ser afastadas, assim
como as do território, referidas no art. 110º - art. 100º, n.º 1), trata-se da matéria regulada no art. 100º,
sendo, nesse caso, a competência assim acordada designada por convencional.
COMPETÊNCIA
Pacto atributivo - Pressupostos
Contrato de comissão ou agência; caducidade
Indemnização de clientela

I - A validade do pacto atributivo ou negativo de competência depende da verificação cumulativa dos seguintes
requisitos:
a) - Ser aceite pela lei do lugar do tribunal designado
b) - Corresponder a um interesse sério das partes ou de uma delas

ARTIGO 7.º
Tribunal competente

1 - É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do


autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2 - É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais
interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros.
3 - A instrução e decisão de todos os termos do processo de insolvência, bem como dos seus incidentes
e apensos, compete sempre ao juiz singular.

51
c) - Não respeitar a direitos indisponíveis nem a questões abrangidas pelo art. 65º-A do CPC.
d) - Observar a norma do nº 2 do art. 100º quanto à forma.
II - Não devem ser consideradas relevantes as convenções que objectivamente correspondam a manifestações de
oportunismo, capricho ou mera comodidade.
III - Ao contrato de comissão ou agência que se desenvolve exclusiva ou preponderantemente em território
nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar
mais vantajosa para o agente, vantagem que não acontece nos casos de indemnização de clientela após a caducidade do
contrato, que envolveu um complexo leque de tarefas numa actividade desenvolvida in loco - Col. STJ 98-III-97 e BMJ 481-
416

I - Não é suficiente para estabelecer um pacto de jurisdição a indicação do tribunal feita na nota de encomenda.
II - Devendo a obrigação ser cumprida em Pombal, o tribunal português é competente para conhecer da acção - Col.
STJ 99-III-11.
Competência convencional (interna) - 100º

I - A cláusula inserta num contrato de seguro, em que se convencionou a competência do tribunal do local da
emissão da apólice «para qualquer acção emergente deste contrato» responde às exigências inscritas no nº 2 do artigo
100º do Código de Processo civil, mesmo na redacção anterior à do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
II - Porém, as acções emergentes do contrato serão aquelas que se prendem directamente com os vícios ou os
termos do próprio contrato, mas já não aquelas que resultem dos riscos a que a apólice dá cobertura, porque estes riscos
não emergem do contrato - BMJ 470-539.

O mesmo se decidiria considerando a cláusula relativamente proibida, nos termos do art. 19º, g),
do Dec-lei nº 446/85 (inconvenientes para a A., de Braga, em demandar a seguradora para haver
indemnização por incêndio de bem seguro na Ré, sem grandes inconvenientes para a Seguradora).
Sobre convenção no verso de documento e análise da questão na óptica das cláusulas
contratuais gerais pode ver-se também a Col. 98-II-32.

Incompetência absoluta (101º a 107º) e Relativa (108º a 114º)

A infracção das regras de competência em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia


(salvo 99º, pacto de jurisdição) determina a incompetência absoluta do tribunal - 101º.
Mais grave do que a violação das regras de competência em razão do valor, forma de
processo, território e convencional - 99º e 100º - que apenas geram incompetência relativa - 108º - a
incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida até ao trânsito da sentença -
102º, nº 1 - salvo se respeitar apenas a tribunais judiciais, pois então sê-lo-á nos termos do art. 102º, nº
2: até ao saneador ou, não o havendo, até ao início da audiência de discussão e julgamento.

É insanável, determina a absolvição da instância - 105º, nº 1 e 288º, 1, a), com decisão do STJ,
em recurso, nos termos do n.º 1 do art. 107º do CPC - mas é possível a remessa para o tribunal
competente e aproveitamento dos articulados, nos termos do nº 2 do art. 105º (acordo das partes).
O recurso da decisão da Relação deve ser interposto - e admitido - para o Tribunal de Conflitos
quando em recurso da 1ª instância julgue competente tribunal administrativo - 107º, nº 2.

A incompetência relativa - 108º - é menos grave. Por isso, não é (109º), em geral, de
conhecimento oficioso - só o é nos casos dos n.ºs 1 (território) e 2 (valor e forma de processo) do art.
110º e nunca depois do encerramento da audiência de discussão e julgamento - nº 4 do art. 110º.
A decisão tem os efeitos definidos no art. 111º: remessa para o tribunal competente, salvo se
julgou violado pacto privativo de jurisdição, que neste caso será o R. absolvido da instância - 111º, nº 3.

52
Apesar de não sanada a falta de pressupostos judiciais, deve atender-se ao disposto na 2.ª
parte do nº 3 do art. 288º: decisão de mérito favorável à parte tutelada pelo pressuposto em falta:
- acção proposta por incapaz cujo representante não interveio, apesar de cumprido o disposto nos art. 24º, 2 e
265º, 2: em vez da (devida) absolvição da instância, deve conhecer-se do fundo se, quando apreciado o vício (no saneador,
510º) o Juiz concluir que a acção procede.
- Acção de despejo proposta só contra o arrendatário marido: violado o art. 28ºA e cumprido o nº 2 do ar. 265º, o
A. não requer a intervenção da mulher; em vez de absolver o R. da instância deve o juiz absolvê-lo do pedido se concluir
que a acção improcede.

Por razões de economia processual dispõe-se que a simples ocorrência de uma excepção dilatória não suprida
não conduza necessariamente à absolvição da instância; isto sucederá quando o pressuposto em falta se destine a tutelar o
interesse de uma das partes e a decisão de mérito a proferir imediatamente seja inteiramente favorável a essa parte. Evita-
se, assim, que a tutela formal dispensada a uma das partes redunde em seu desfavor material - R. Bastos, Notas, II.

C) – P. P. Relativos ao objecto da causa

1 - Aptidão da petição inicial - 193º, nº 2


2 - Não verificação da litispendência e do caso julgado - 497º e 499º

A ineptidão é, em princípio, insanável, salvo nos casos do nº 3 do art. 193º - o R. contestou e


interpretou convenientemente a petição inicial - e do Assento nº 12/94, de 26.5.94: a nulidade por
simples ininteligibilidade da causa de pedir é sanável através de ampliação fáctica na réplica, se o
processo a admitir, e respeitado que seja o princípio do contraditório. Ver, porém, o art. 508º CPC.

Articulados, saneamento e condensação

Noção e requisitos - 151º, 139º, 1 e 467º (petição) - por artigos, em contraposição a arrazoado,
em português e demais requisitos do art. 474º cuja falta pode levar à recusa pela secretaria; remessa
pelo correio, telecópia ou correio electrónico, e respectiva data - 150º com a redacção resultante do
Dec-lei nº 303/07, de 24 de Agosto. Duplicados e cópia - 152º, com sanção se faltar algum e dispensa
de duplicados se em suporte digital.
Atenção à Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro

Petição inicial - 467º. Constituição de advogado e procuração - 32º e 40º. Indicação de


solicitador de execução – al. g) e n.ºs 6 e 7 do art. 467º.
Entrega na secretaria, distribuição, autuação e pré-pagamento da taxa de justiça inicial se não
tem apoio judiciário, com sanção se não paga nos dez dias de lei – 150ºA, com a redacção do Dec-lei
nº 34/2008, de 26 de Fevereiro.
Facilidades de pagamento por multibanco e autoliquidação. Sanção do art. 150ºA.
Fundamental na petição, alem da exposição dos fundamentos de facto e de direito, é a
alegação dos factos integrantes da causa de pedir (n.º 4 do art. 498º) e formulação do correspondente
pedido: 3º, nº 1, 264º, nº 1 e 193º, 1 e 2.

Conceito de pedido - 498º, nº 3. Interessa sobretudo o efeito prático que a parte pretende obter,
pois é por ele que se determina o conteúdo da decisão final e se afere a existência ou não de
litispendência e caso julgado:

- art. 3º - a formulação do pedido é pressuposto de intervenção do Tribunal


- 467º, n.º 1, e) - requisitos da petição
- 193º, nº 2 - vícios da petição e

53
- 661º e 664º - limites da actividade jurisdicional da sentença.

É na petição que o A. escolhe, de entre os vários direitos conferidos pela lei substantiva, a
concreta providência pretendida - v. g., no contrato promessa ou na mesma situação de facto do direito
de propriedade (indemnização, execução específica, reivindicação, possessória, simples apreciação).
O pedido deve
- existir, sob pena de ineptidão da petição - 193º, nº 2, a), com possibilidade de
indeferimento liminar (234ºA) ou absolvição da instância no saneador, salvo o disposto no
nº 3 do art. 193º.

- inteligível - com semelhantes sanções, mas com possibilidade de convite a esclarecê- -


lo, nos termos do art. 508, nº 2.

O pedido é ininteligível quando feito em termos inaproveitáveis, por insanavelmente obscuros,


ininteligibilidade que tanto pode residir na sua formulação - não se sabe o que o autor pretende ou qual
a sua ideia quanto aos rasgos essenciais da acção - como na fundamentação - falta insuprível de nexo
entre o pedido, em si mesmo inteligível, e a causa de pedir, a norma legal invocada.

- Preciso e determinado - o pedido de reconhecimento da propriedade de uma parcela de


terreno deve indicar a área, localização e mais elementos identificadores.
Distinguir de pedido genérico - 471º - que é determinado e inteligível, apenas carecendo de
concretização aquando da liquidação.

- compatível com a causa de pedir - uma coisa é o pedido estar em desarmonia com a causa
de pedir e outra é a contradição com esta: a contradição leva à ineptidão - 193º,2, b); a desarmonia
conduz à inviabilidade ou improcedência.
É caso de ineptidão o pedir-se a declaração de nulidade da compra e venda (por qualquer
causa) e o de preferir nessa venda.

- compatibilidade substancial entre pedidos cumulados - 193º, 2, c) - realidade distinta da


incompatibilidade processual - 470º - cuja consequência será a absolvição da instância no saneador
relativamente ao pedido que não possa ser deduzido naquela forma processual usada pelo A, sem
prejuízo do convite previsto no art. 31º, n.ºs 2 e 3.

Pedidos substancialmente incompatíveis são os que mutuamente se excluem, cujos efeitos são
inconciliáveis, que não podem ser ambos acolhidos sem admitir contradição interna na ordem jurídica
(Ver Anselmo de Castro, DPC, II, 219, maxime 223; BMJ 326-400).

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Alves Velho) de 6.5.2008, no Pr.º 08A966:

«4. 2. - A compatibilidade substancial de pedidos.



Na verdade, o que acontece é que, invocando, como causa de pedir, um contrato de execução continuada e o seu
incumprimento pela Ré, a Autora pede indemnização correspondente aos lucros que deixou de obter em consequência da
interrupção de cumprimento (interesse positivo) e com esse pedido cumulou o de pagamento da cláusula penal pactuada
para a hipótese do mesmo incumprimento.
Está-se, assim, perante uma pretensão que a lei veda ao credor, não permitindo cumular pedido do cumprimento
da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, nem o de pagamento da cláusula penal com o de indemnização
segundo as regras gerais – art. 811º-1 e 2 C. Civil (cfr. CALVÃO DA SILVA “Cumprimento e Sanção Pecuniária
Compulsória", 4ª ed., 253 e ss.).

54
Ora, a incompatibilidade de pedidos, sendo vício que gera a ineptidão da petição inicial, só justifica colher tal
relevância, determinando a anulação de todo o processo, quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir, por
confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto.

Com efeito, uma coisa é a incompatibilidade resultante da invocação de fundamentos não apreensíveis ou
inteligíveis, atendendo à posição do autor, outra é as pretensões assentarem em razões inteligíveis e claras mas que no
plano legal ou de enquadramento jurídico resultam antagónicos.
Nesta última hipótese, a incompatibilidade, porque existente apenas no plano da lei, não encerra o vício de
ineptidão, mas apenas a improcedência do pedido cujo direito o autor não possa ver reconhecido, devendo o julgador
admitir aquele que, segundo a lei, apresentando-se como fundado, é admissível e conhecer do respectivo mérito (cfr., neste
sentido, o ac. STJ, de 06/4/1983, BMJ 326º-400 e ANSELMO DE CASTRO, “Lições de Processo Civil”; II, 762-769).»

Por AUJ nº 3/01, de 23.01. 2001, no DR., IA, de 9.2.01, o STJ fixou jurisprudência no sentido
de que:

Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a


anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito
pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (nº 1 do artigo 616º do Código Civil),
o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo
664º do Código de Processo Civil.

Lícitos - 665º e 280º CC: pedido de juros usurários, de loteamento ilegal ou moradia com
compartimentos clandestinos. Má fé - 456º, 2, a) e d).

Cumulação real de pedidos - 470º - Distinguir de cumulação aparente (reconhecimento da


propriedade como preliminar do pedido de entrega na reivindicação).

Requisitos:
1 - compatibilidade substancial que apenas se exige para a cumulação real de pedidos; não já
se de pedidos subsidiários (469º) ou alternativos (468º) se trata, pois aí haverá acolhimento de um só
dos pedidos.

2 - competência absoluta do Tribunal - 31º - por remessa do 470º, nº 1.


Porque a incompetência absoluta - 102º - deve ser suscitada oficiosamente em qualquer
estado do processo, se houver lugar a intervenção do Juiz antes da citação, logo aí ou no pré-
saneador, deve decidir-se a excepção, ficando sem efeito o pedido para que o Tribunal é incompetente,
não prejudicando o andamento ou a apreciação do mérito da causa na parte restante.

3 - conexão substancial entre os diversos pedidos - para evitar a cumulação de pedidos que
nada têm de comum a não ser os sujeitos e a forma processual, exige-se agora, como para a coligação
(30º), que haja identidade de relação jurídica litigada, relação de prejudicialidade ou de dependência
entre os pedidos ou ainda paralelismo entre os factos em que se fundam as diversas pretensões ou
entre as regras de direito que devem ser aplicadas, salvo recusa pelo Juiz, nos termos do nº 4 do art.
31ºA.

4 - A compatibilidade formal não é regra absoluta. Com efeito, autoriza a lei cumulação de
pedidos quando

55
a) - as diferentes formas processuais não sigam tramitação manifestamente incompatível
(inventário e processo comum, providências do 1474º.

b) - O Juiz autorize a cumulação, o que acontecerá quando haja interesse ou for


indispensável a apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.
Aplicação dos art. 31º, nº 2 e 3 e 265ºA.

Assim, nas acções possessórias - porque seguem o processo comum, nada obsta à cumulação
de pedido indemnizatório com os próprios de restituição ou manutenção.

Nas acções de divórcio - pode cumular-se o pedido de alimentos - 470º, nº 2 - e danos não
patrimoniais do n.º 2 do art. 1792º CC.; quanto aos causados pelo outro cônjuge , serão pedidos nos
termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns – n.º 1 do art. 1792.º.

No anterior Código entendia-se que a cumulação ilegal de pedidos constituía excepção dilatória atípica, com
absolvição (parcial) da instância relativamente ao pedido que não fosse adequado à forma processual utilizada - 494º, 1, c)
e 288º, 1, e) do CPC.
Hoje acontecerá o mesmo - 510º, nº 1, a), - sendo desejável intervenção do Juiz logo de início para evitar o
prosseguimento de processo para extinção da instância na parte respeitante ao pedido ou aos pedidos que não possam
cumular-se por incompatibilidade de forma processual ou por falta dos demais requisitos legais.

Quanto à cumulação sucessiva - vigora o princípio da estabilidade da instância, pelo que há-de respeitar-se o
comando dos art. 272º e 273º.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Oliveira Barros) de 20.10.2005, P.º 05B2152:

I - Uma vez que a acção de alimentos segue a forma de processo comum e a acção de divórcio é um processo
especial regulado nos arts.1407º e 1408º, a dedução na acção de divórcio do pedido de alimentos definitivos não era
admissível, em vista da falta de identidade de formas processuais exigida pelo nº 1 do art. 470º, todos do CPC.
II - O nº 2 desse artigo integra actualmente norma excepcional introduzida pela reforma processual de 1995/96,
que veio permitir a cumulação do pedido de alimentos definitivos na acção de divórcio litigioso.
III - Nada igualmente impede a dedução do pedido de atribuição definitiva da casa de morada da família na
pendência, e como dependência, de processo de divórcio litigioso, a processar por apenso, consoante art.1413º CPC, que
regula o competente processo incidental de jurisdição voluntária, e tal assim com vista, até, a que o juiz, sobrestando nessa
decisão até ao decretamento do divórcio, possa decidir, no mesmo momento temporal, da procedência da acção de divórcio
e da atribuição da casa de morada da família a um dos cônjuges nos termos do art.1793º C. Civ. ou da transferência do
direito ao arrendamento nos termos do art.84º RAU.
IV - Como decorre dos arts.47º, nº1º, 692º, nº2º, als.c) e d), e 723º CPC, as providências cautelares específicas da
acção de divórcio previstas no art.1407º, nº7º, CPC, podem ser executadas imediatamente.
V - Requerido na petição inicial o decretamento das providências cautelares específicas da acção de divórcio
previstas no art.1407º, nº7º, destinadas a vigorar e manter-se na pendência dessa acção, isto é, até ao trânsito em julgado
da decisão final, a atribuição definitiva da casa de morada da família importa condenação além do pedido proibida pelo
art.661º, nº1º, e integrante da nulidade prevenida no art.668º, nº1º, al. e), todos do CPC.
VI - Decisivo, à luz do disposto no nº2º e na parte final do nº3º do art.9º C.Civ, o inciso, no art. 612º CPC, " sempre
que o julgue conveniente ", está-se perante poder discricionário, insusceptível de sindicância pelas instâncias superiores,
consoante art.679º CPC.
VII - Mesmo quando considerado que, ao invés do que o inciso referido inculca, o art. 612º CPC institui poder
vinculado, ou seja, poder-dever, cujo não exercício está sujeito à censura dos tribunais de recurso, a inspecção judicial é
diligência que, em vista do disposto no art.266º CPC, só deve deferir-se quando julgada realmente necessária ou
conveniente.

Pedido subsidiário - 469º - sempre deve haver alguma relação económica, identidade de
relação material litigada entre o pedido principal e o subsidiário; contrato-promessa: execução

56
específica a título principal e dobro do sinal ou o valor da coisa como pedido subsidiário, atentas
previsíveis dificuldades de prova.
Também pode formular-se causas de pedir e meios de defesa subsidiários.

Notar o novo 31º-B - dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.

Pedidos alternativos - 468º


- direitos alternativos por natureza ou origem - 468º CPC; - 543º, 549º e 542º (credor) e
543º, nº 2 (devedor) CC; pode seguir-se, na fase executiva, a tramitação do art. 803º para
escolha da prestação;
- Direitos que se resolvem em alternativa - 1221º CC

O Juiz deve providenciar pela sanação da falta de requisitos de formulação de pedidos


alternativos, nos termos do art. 508º, nº 2.

Pedido genérico - 471º - Indicação taxativa; distinguir de pedido vago que conduz à ineptidão.
O pedido é genérico quando indeterminado no quantum, mas pode ser determinado por
liquidação, inventário, prestação de contas ou outro acto a praticar pelo réu.
Valor económico provável do processo.

Casos de pedido genérico: 471º


a) - quando o objecto mediato da acção (meios através dos quais se obtém a satisfação do
interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser
reconhecida, a efectiva entrega da biblioteca que a sentença - objecto imediato - condenou a entregar)
seja uma
Universalidade de facto - 206º CC - biblioteca, rebanho, garrafeira, colecção de pintura; ou uma
Universalidade de direito - estabelecimento comercial, herança: conjuntos de bens que não
desempenham qualquer função económica própria, mas que a lei unifica para certos efeitos jurídicos.
A liquidação da condenação genérica far-se-á na fase executiva - 805º - ou pelo incidente
próprio previsto no art. 378º e ss. do CPC.

b) - facto ilícito ou acto lícito gerador de responsabilidade civil, de consequências ainda não
definitivamente determinadas.
Só os danos ainda não conhecidos ou não verificados podem ser posteriormente alegados ou
em liquidação de sentença – art. 569º CC.
Com esta norma protege-se o lesado contra a prescrição ou dificuldades de prova dos factos.

c) - a fixação do quantitativo depende de prestação de contas ou outro acto a praticar pelo réu

Prestações vincendas - 472º


a) - periódicas - rendas, juros, condomínio, prestações na compra e venda - título executivo
de execução sucessiva - 54º e 920º;
b) - futuras - nº 2 do 472º.

CAUSA DE PEDIR

57
É o conjunto de factos concretos com virtualidade para produzirem determinados efeitos
jurídicos, a definição do efeito pretendido.

Definida no nº 4 do art. 498º como o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida,
representa a alegação dos factos integradores da causa de pedir, a manifestação do princípio do
dispositivo, já que o tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes - 664º - de modo que a falta
de alegação de determinados factos constitutivos do direito do A pode comprometer o reconhecimento
do direito de que seja titular.
Este conceito de causa de pedir e necessidade de invocar os factos dela integradores é, ainda,
manifestação do princípio do contraditório, condição de possível e efectiva defesa do demandado.
A causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não
deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor, a qual, de todo o modo, não é
vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no art. 664.°, segundo o qual o tribunal
conhece oficiosamente do direito aplicável.

A causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma
que concede a situação subjectiva alegada pela parte.

O Legislador - 498º - adoptou claramente a teoria da substanciação que implica para o A. a


necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, por eles delimitando o objecto do
processo e o caso julgado que se forma apenas relativamente aos factos integradores da causa de
pedir invocada.

Por isso se ensina que a causa de pedir deve reunir as seguintes características:

- Existência - 193º, nº 2, a);


- Inteligibilidade - idem;
- Facticidade - alegação de factos da vida real e não puros conceitos;
- Concretização - deve evitar-se afirmações conclusivas ou de sentido técnico-jurídico;
- Probidade, factos verdadeiros;
- Compatibilidade com o pedido ou outras causas de pedir alegadas em termos de
acumulação real;
- Jurisdicidade - os factos alegados devem ter relevância jurídica.
- Licitude - factos integrantes de situação jurídica tutelada pelo direito.

Há afirmações que são clara matéria de facto (terreno, edifício...), outras que não deixam
dúvidas quanto a serem matéria de direito (abuso de direito, diligência de um bom pai de família) e
outras ainda que têm um significado vulgar e corrente, mas a que o legislador atribui, simultaneamente,
sentido técnico-jurídico: arrendamento, renda, empréstimo, inquilino, hóspede, proprietário, possuidor,
preço, lucro.

A qualificação destas últimas como matéria de facto ou de direito dependerá do objecto da


acção: se o objecto da acção depender do significado real destas expressões, terão de
considerar-se matéria de direito; se sobre elas não discutirem as partes, então elas são
tomadas no sentido vulgar e corrente, matéria de facto, portanto.

A distinção entre matéria de facto e matéria de direito não é fácil e constitui um tema debatidíssimo, tanto na
doutrina como na jurisprudência. Essa distinção tem tradução em termos processuais, na medida em que julgamento de
facto e julgamento de direito ocorrem em dois momentos distintos e, possivelmente, por juízes diferentes.

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Como refere José Osório, o julgamento de facto resolve-se numa averiguação do domínio do ser, o julgamento de
direito, numa actividade normativa do domínio do dever ser. Além, tende-se a descrever "uma situação ou acontecimento
concreto da vida real, com vista à aplicação das normas jurídicas que a abrangem", aqui começa-se por verificar "se a
situação de facto averiguada através do julgamento de facto se ajusta à descrição da situação prevista pela norma", ou seja,
por emitir um "juízo de comparação entre aquelas duas situações, uma real, outra hipotética".
Ora, para que a comparação seja possível ou útil é preciso que os conceitos de facto (as ideias que na nossa
mente representam os objectos e os factos, já que o julgamento de facto consiste num juízo e todo o juízo é constituído, não
propriamente por "coisas e factos", mas "pela ideia que deles formamos") em que culmina o julgamento de facto não se
confundam com os conceitos jurídicos (utilizados pela lei e que se destinam a abranger com uma certa amplitude
numerosos objectos de que apenas referem alguns caracteres relevantes para a justificação de certo efeito jurídico).
Se existir essa confusão, fica desde logo prejudicada a questão da qualificação jurídica (enquadramento dos
factos na norma). Ou seja, o julgamento de facto redunda, afinal, num julgamento de direito, quando o seu domínio se
restringe a exprimir situações de facto concretas e a revelar a existência nessas situações daqueles "caracteres" que o
conceito jurídico contempla.
Quando se diz que o julgamento de facto não pode ser expresso em conceitos jurídicos, isto não significa que o
julgamento de facto não possa exprimir-se através das palavras que na lei traduzem conceitos jurídicos (há até palavras
com um significado tão preciso e determinado que, quer tomadas na lei "como conceitos jurídicos, quer na vida corrente
como conceitos vulgares, têm precisamente o mesmo alcance e conteúdo"). Essencial é que essas palavras quando
utilizadas para expressar matéria de facto assumam o seu sentido corrente (não jurídico). Por isso, a jurisprudência tem
entendido que palavras como arrendamento, compra, empreitada, posse.... podem integrar matéria de facto desde que lhe
seja atribuído o significado que têm a linguagem comum.
Debruçando-se sobre os juízos de valor (juízos de valor sobre a matéria de facto), o Prof. Antunes Varela
distingue duas espécies: "aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de
família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação, apelam essencialmente
para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador.
Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto; os segundos "estão mais presos ao sentido da
norma aplicável ou aos critérios de polarização da lei".
Segundo o mesmo Professor, "nem os juízos valorativos de facto, nem as questões de direito, devem ser incluídos
no questionário", porque esta peça processual está "especialmente virada para a prova testemunhal (não para a prova
pericial) e a testemunha deve ser chamada a depor, não sobre as suas apreciações, mas sobre as suas percepções".
Porém - acrescenta o mesmo Mestre - se "algum dos juízos de valor sobre os factos (ou seja, sobre a matéria de facto) for
indevidamente incluído no questionário, a resposta do Colectivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, por
aplicação do disposto no nº 4 do artigo 646º do C. P. Civil, visto não se tratar de verdadeiras questões de direito".
Na jurisprudência, há uma corrente forte no sentido de que, contendo o quesito matéria substancialmente conclu-
siva, a resposta que lhe for dada, porque insusceptível de influir no julgamento de mérito, deve ter-se por não escrita.
Entendemos que a posição a tomar terá que ser vista caso a caso, sendo fundamental saber se tal matéria se
integra ou não no thema decidendum. Neste caso, não há que considerar não escrita a resposta: no outro caso, já faz todo
o sentido a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 646º do C. P. Civil - Col. 99-III-275 e 276.

A causa de pedir pode ser simples - invoca-se a existência de direito de crédito com base em
contrato não cumprido; complexa - pede-se indemnização com base em acidente de viação provocado
por veículo conduzido por comissário; teremos causas de pedir múltiplas no pedido de resolução do
arrendamento com vários fundamentos, ou quando se pede a anulabilidade de um contrato com
fundamento em vários vícios da vontade.
Tal como o pedido, a causa de pedir pode apresentar-se em cumulação real, subsidiária ou
alternativa. O aditamento de novas causas de pedir está limitado pelos art. 272º e 273º.

Exemplos de Causa de Pedir

1 - Acções baseadas em contratos - o núcleo essencial da causa de pedir é constituído pela


celebração de certo contrato e a sua violação. Deve alegar-se os factos integrantes das cláusulas
essenciais e do incumprimento.
Valor dos documentos juntos com a petição: podem suprir as lacunas desta. Aconselhável
alegar os factos que tais documentos tendem a provar.

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2 - Acções constitutivas em geral - facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido:
factos-causas de resolução, caducidade ou denúncia no arrendamento em acções de despejo
(necessidade que se não prova hoje mas pode provar-se em nova acção - 673º, 2ª parte; os factos
que, segundo a lei substantiva, concedem o direito de preferência - compropriedade (1410º),
arrendamento urbano (1091º CC - NRAU), terrenos confinantes (art. 1380º CC), servidão de passagem
(1555º), co-herdeiros na venda ou dação em cumprimento a estranhos do quinhão hereditário (2130º),
arrendatário rural (28º do Dec-lei nº 385/88, de 25 de Outubro) ou florestal (24º do Dec-lei nº 394/88, de
8 de Novembro).

3 - Acções de anulação e declaração de nulidade - factos integradores de determinado vício do


negócio jurídico (v.g. negócio celebrado contra lei imperativa ou erro sobre o objecto do negócio), a
actividade do tribunal está limitada à averiguação desses factos, nada impedindo que, posteriormente,
o autor renove o pedido com base noutro fundamento de invalidade que além não tenha sido objecto
de apreciação (v.g. negócio contrário à ordem pública ou anulável com base em coacção moral).

4 - Acções de simples apreciação negativa - A causa de pedir é constituída pela alegação da


inexistência do direito ou do facto concreto e ainda pelos factos indiciadores do estado de incerteza ou
de insegurança que justificam a demanda judicial.

5 - Acções de filiação - Uma vez que a actividade jurisdicional se destina a permitir estabelecer
a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, a causa de pedir é integrada
pelos factos que confirmem (acções de investigação) ou infirmem (acções de impugnação) tal relação
biológica.
Notar as presunções de paternidade do art. 1871º CC.

6 - Acções de responsabilidade civil extracontratual - causa de pedir complexa, pressupondo,


segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a
conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de
causalidade adequada entre o evento e os danos.
Alegada a culpa, pode o Tribunal condenar pelo risco.

7 - Acções reais - Mais uma vez prevaleceu, quanto às acções com esta natureza, a teoria da
substanciação, sendo a causa de pedir preenchida pelos factos de onde o autor faz derivar o direito
real (v. g. o direito de propriedade) - art. 498º, nº 4.

A petição é inepta nas três hipóteses previstas nas al. a) a c) do n.º 2 do art. 193º do CPC.
Efeitos da apresentação da petição

a) - Impede a caducidade - 331º CC


b) - Marca o início do prazo de cinco dias, findos os quais se interrompe a prescrição - 323º,
nº 2 CC.
c) Marca o início da instância - 267º, nº 1.
d) - Fixa a competência do Tribunal - 24º da LOFTJ - e a forma do processo - 142º, nº 2, salvo
decisão de incidente próprio.
e) - A admissibilidade de recurso por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo
em que foi instaurada a acção - 31º, nº 3, da LOFTJ.
f) - Fixa o valor da causa, nos termos e com as excepções do art. 308º

60
A citação é promovida oficiosamente pela Secretaria - 234º - salvo nos casos do nº 4 - sendo
então possível o indeferimento liminar (234ºA), salvo no caso de citação urgente que deva preceder a
distribuição, com possibilidade de apresentação de nova petição (476º) e agravo, nos termos do nº 2
do art. 234º-A.
Caindo o R em situação de revelia - 483º - dá-se cumprimento ao disposto no art. 484º:
consideram-se confessados os factos articulados pelo A., alegações e sentença.

A revelia é inoperante nos casos do art. 485º CPC:

a) – abrange-se aqui tanto o litisconsórcio voluntário como o necessário

b) – basta que um dos RR tenha sido citado editalmente e permaneça em situação de revelia - um dos três réus
indicados na petição foi citado editalmente, não tendo sido apresentada contestação nem por si nem pelo Ministério Público,
seu representante processual, nem, aliás, qualquer dos outros réus contestou.
Assim sendo, porque um dos réus foi citado editalmente, mas não pessoalmente, o efeito cominatório previsto nos
art. 484º nº 1, para o processo ordinário, e no art. 784º nº 2, para o processo sumário, não tem aplicação.
Neste caso a lei exige a produção da prova dos factos alegados pelo autor, factos que serão de seguida sujeitos a
julgamento de direito.
Isto, para garantir que o réu não citado pessoalmente não seja surpreendido com uma decisão eventualmente
injusta, coisa que não acontece quando o réu é citado pessoalmente, pois que, se não contesta, é porque, em princípio, se
conforma com o pedido formulado pelo autor.
Pretende-se evitar decisões de mérito divergentes em relação à mesma situação factual e jurídica.

Ac. STJ Col. 2005-I-43):



IV - O efeito cominatório previsto no art. 484, nº 1, do CPC, de se terem por confessados os factos articulados na
petição inicial, resultante de o réu não ter contestado, é aplicável ao mesmo réu, apesar de ser uma pessoa colectiva de
utilidade pública.
V - Com a eliminação da referência às pessoas colectivas, na redacção do actual art. 485º, al. b), do CPC,
resultante da reforma de 1995/1996, segue-se que os efeitos da revelia passaram a operar relativamente às pessoas
colectivas em geral, e não apenas em relação a algumas entidades dentro deste tipo.

Incapaz e causa no âmbito da incapacidade – al. b), 1ª parte.

c) – Acções que têm por objecto direitos indisponíveis – 354º, b), CC.

Assento de 16.10.84: os factos confessados pelo pretenso pai em acção de investigação de


paternidade ... devem ser levados ao questionário e não à especificação.

d) – cfr. 364º CC – Ac. do STJ de 15 de Março de 2005, na Col. Jur. STJ 05-I-132:

DÍVIDAS DOS CÔNJUGES


Prova do casamento
Dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges

I - Em acção de dívida dirigida contra marido e mulher, na qual não resulte impugnado o estado civil dos Réus,
como sendo casados entre si, não é exigível que o Autor faça prova de tal facto através de documento autêntico, já que tal
estado é apenas um dos fundamentos do pedido e não o próprio objecto da acção.
II - Em consequência, sendo o Réu marido comerciante e não tendo os Réus alegado e provado a excepção de
comunicabilidade da dívida, invocando, que a mesma não foi contraída em proveito comum do casal, ou que o casamento
foi celebrado sob o regime de separação de bens, impõe-se concluir pela responsabilidade da Ré mulher, nos termos do art.
1691º, nº 1, al. d), do Código Civil.

61
III - A responsabilidade civil pelos danos causados pela instauração de uma acção judicial só existe em caso de
exercício abusivo do direito de agir, sendo exigível sempre má fé, na modalidade de dolo ou negligência grave ou grosseira.

«Em acção proposta contra marido e mulher em que não seja impugnado o casamento e este não seja o objecto
da lide, não é de exigir ao autor, para prova desse facto, o boletim ou certidão a que se refere o Cód. Registo Civil» – Ac. do
STJ de 16.10.2008, P.º 08A343

Querendo contestar, o R. apresentará em 30 dias, eventualmente prorrogáveis, a contar da sua


citação - mas podendo fazê-lo até ao termo do prazo que, para outro R., tenha começado a correr em
último lugar - 486, n.ºs 2, 4 e 5, a sua

CONTESTAÇÃO

que ostenta conteúdo formal semelhante à petição - 488º - e em que o R deve deduzir toda a
defesa - 489º - salvo a superveniente e diferida, ou factos de conhecimento oficioso.

Na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por excepção - 487º; a contestação
pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e por excepção (art. 487, nº 1).
Defesa por impugnação

A defesa por impugnação pode ser directa ou de facto e indirecta ou de direito (ou ainda
qualificada ou per positionem)
- a impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos factos articulados
na petição inicial (artº 487º, nº 2, 1ª parte);
- a impugnação é indirecta ou de direito quando o réu afirma que os factos alegados pelo
autor não podem produzir o efeito jurídico pretendido (art. 487º, nº 2, 1ª parte, in fine).
Se o réu afirma que não comprou qualquer objecto ao autor e, por isso, não lhe deve o preço,
verifica-se uma impugnação directa; haverá uma impugnação indirecta se o réu aceitar que celebrou
com o autor o contrato alegado por este, mas lhe atribuir uma diferente qualificação legal e dele extrair
distintas consequências jurídicas.

A impugnação indirecta é um meio de defesa do réu, mas como o tribunal conhece


oficiosamente da matéria de direito (art. 664º, 1ª parte), mesmo sem essa impugnação, deve controlar
se os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor podem decorrer dos factos alegados por esta parte.
A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo autor na petição
inicial (artº 490º, nº 1); se assim não suceder, consideram-se admitidos por acordo os factos que não
forem impugnados (artº 490º, nº 2, 1ª parte).
Suponha-se que o autor alegou que celebrou um contrato com o réu; se este não negar esse
facto na contestação, a sua celebração considera-se admitida por acordo.
Esta admissão dispensa a prova do facto, porque ele não se torna controvertido e, por isso,
não será objecto da prova.
Quanto à eficácia desta admissão por acordo, importa referir que não seria lógico que ela (que
resulta de uma abstenção de impugnação) tivesse um valor superior ao da própria confissão (expressa
e explícita) de um facto.
Por isso, deve entender-se que lhe é aplicável, a fortiori, a possibilidade de declaração de
nulidade ou de anulação prevista para aquela confissão (art. 359° CC)7.

7
- Teixeira de Sousa, Estudos...288 e ss.

62
Sobre o quantum de impugnação, basta que a oposição do contestante seja, considerada no
seu conjunto, globalmente, contrária à versão do Autor e apenas quanto aos factos principais, que
estes contêm em si a impugnação dos factos instrumentais.

A delimitação entre a impugnação indirecta e a excepção peremptória faz-se, por isso, através
do seguinte critério:
- se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é, a atribuir uma
diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor, há impugnação indirecta;
- se, pelo contrário, o réu opõe a esse efeito a alegação de um facto impeditivo, modificativo
ou extintivo, verifica-se a dedução de uma excepção peremptória.
A impugnação indirecta pressupõe a aceitação pelo réu dos factos alegados pelo autor ou, pelo
menos, de alguns deles, pois que o réu apenas impugna a qualificação jurídica fornecida pelo autor e
os factos a ela ligados. A impugnação indirecta equivale, assim, a uma confissão qualificada.

«Negação simples e negação motivada


A impugnação especificada exigida para a relevância da contestação, cumpre-se com a pura e
simples negação do facto - negação simples ou rotunda.
Negação especificada não é negação circunstanciada, isto é, negação que careça de ser
acompanhada de qualquer justificação.
A negação pode porém revestir essa outra forma, e será mesmo a mais corrente e normal, pois
raro será o caso de a contraparte deixar de justificar a sua negativa, opondo aos factos respectivos
outros factos distintos que se lhe contraponham ou os infirmem, isto é, dando uma versão diversa,
quando só assim a sua negativa ganhe consistência e credibilidade.
Essa forma de negação, cuja oportunidade dependerá, pois, das circunstâncias de cada caso,
é a chamada negação motivada: negatio per positionem ou exceptio (aparente) rei non sic sed aliter
gesta.
O exemplo de escola é o de negação em que se diga que o contrato não foi de mútuo, mas de
doação. Idênticos serão os casos em que se negue o mandato e se alegue que o contrato foi de
comissão, ou que não houve venda, mas arrendamento, etc. Negação motivada terá de considerar-se
ainda o tipo de negação próprio da contestação de acção de simulação de acto jurídico por alegação
de contra-indícios opostos aos que fundamentem a simulação.
Em todos os casos a negação motivada, ainda que contendo aceitação de parte dos factos
alegados, envolve sempre negação do facto constitutivo da acção como um todo (v.g., na alegação de
que houve liberalidade e não mútuo, aceita-se o facto material da entrega do dinheiro, mas é negado o
facto constitutivo ou o facto jurídico - entrega com obrigação de restituir, isto é, o empréstimo – pelo
contraposto facto jurídico diverso – entrega a título de locação» - A. de Castro, D. P. C. Declaratório, III,
213.

Defesa por excepção (art. 487º, 2 e 493º)

A defesa por excepção consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da
acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor,
importam a improcedência total ou parcial do pedido (art. 487º, nº 2, 2ª parte). No primeiro caso, o réu
alega a falta de um pressuposto processual e invoca uma excepção dilatória (cfr. artº 493º, nº 2); no
segundo, o réu opõe uma excepção peremptória (art. 493º, nº 3).
Na defesa por excepção peremptória «o R. não nega os factos donde o Autor pretende ter
derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos (Nikisch) que lhes teriam excluído ou paralisado

63
desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente lhes teriam alterado ou suprimido os efeitos que
chegaram a produzir.
Como tipicamente impeditivos devem qualificar-se os factos susceptíveis de obstar a que o
direito do Autor se tenha validamente constituído; assim os factos que correspondem aos motivos
legais de invalidade dos negócios jurídicos (incapacidade, falta de legitimação, erro, dolo, coacção,
simulação, etc.). Também devem situar-se nesta categoria (pelo menos como parcialmente
impeditivos), quando operem ab initio, os factos que apenas retardem o surgir desse direito (condição
suspensiva; por vezes o termo dilatório) ou em todo o caso a sua exercitabilidade (termo dilatório, não
sendo aquele outro o seu efeito) - uma vez admitido (e o ponto é questionável) que possa tratar-se aqui
de verdadeiras excepções e não antes da simples negação indirecta dos factos constitutivos invocados
ex adverso.
Factos extintivos são os que tenham produzido a cessação do direito do Autor, depois de já
formado validamente: assim a condição resolutiva, o termo peremptório, o pagamento, o perdão e a
renúncia, a caducidade, a prescrição.
Por último revestem a natureza de modificativos quaisquer factos que possam ter alterado os
termos daquele direito - o que também pressupõe a sua válida constituição. Assim, por ex., se foi
mudado o assento, percurso ou local duma servidão (de aqueduto, de passagem, de escoamento,
etc.), ou concentrado o objecto da prestação obrigacional (escolha nas obrigações alternativas) ou
concedida moratória ao devedor, se a letra foi reformada. Reconduzem-se aos factos extintivos, pois
como que terão extinguido o direito deduzido contra o Réu; e por vezes, de certo modo, aos factos
impeditivos, como no caso da moratória» - M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976,
129/131.

«A directriz geral será a seguinte: na negação motivada, ainda que haja aceitação parcial dos
factos, nega-se sempre a realidade do facto constitutivo, visto se afirmar que o facto jurídico ocorrido foi
um facto diverso e com diversas consequências jurídicas. Na defesa por excepção, o facto constitutivo
não é negado, e tão só (reportamo-nos, é óbvio, aos factos impeditivos), se alegam outros que,
segundo a lei, infirmam os seus efeitos no próprio acto do nascimento, ou seja, na sua raiz» A. Castro,
op. cit., 216.

Excepções à admissão de factos por acordo - 490º, nº 2, CPC, 354º e 364, nº 1, CC. Notar Col.
Jur. STJ 05-I-132 acima visto:

I - Em acção de dívida dirigida contra marido e mulher, na qual não resulte impugnado o estado civil dos Réus,
como sendo casados entre si, não é exigível que o Autor faça prova de tal facto através de documento autêntico, já que tal
estado é apenas um dos fundamentos do pedido e não o próprio objecto da acção.
II - Em consequência, sendo o Réu marido comerciante e não tendo os Réus alegado e provado a excepção de
comunicabilidade da dívida, invocando, que a mesma não foi contraída em proveito comum do casal, ou que o casamento
foi celebrado sob o regime de separação de bens, impõe-se concluir pela responsabilidade da Ré mulher, nos termos do
art.1691º, nº 1, al. d), do Código Civil.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Oliveira Barros), de 12.1.2006, P.º 05B3427:

I - Quando os demandados em acção de dívida, pessoal e regularmente citados, não discutem o estado civil que o
demandante lhes atribui, resulta dispensável a prova documental imposta pelo Cód. Reg. Civil na área que lhe é própria.
II - A existência de património comum é conclusão de direito a extrair do regime de bens do casal.
III - O proveito comum que constitui requisito da responsabilização de ambos os cônjuges, nos termos da al.c) do
nº 1 do art.1691º C. Civ., pelas dívidas contraídas apenas por um integra conceito jurídico que deve poder deduzir-se dos
factos materiais invocados na petição inicial.

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Quanto à confissão complexa (360º CC) - o R. aceita ter recebido do A certa quantia, mas
afirma que já a restituiu - o regime da indivisibilidade não é aplicável à confissão complexa efectuada
pelo réu na contestação, pelo que, apesar dessa confissão, o autor continua a dever provar os factos
constitutivos do seu direito e o réu os respectivos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.

Quanto à exigibilidade ou não do conhecimento de factos alegados - n.ºs 3 e 4 do 490º.

A contestação pode servir, ainda, para o R. deduzir pedidos contra o A., contra-atacando,
cruzando com a acção que contesta uma outra e nova acção em que ele assume a posição de A.
(reconvinte) e em que o A. fica na posição de R. (reconvindo). É o que a lei designa por

Reconvenção - 274º

A reconvenção, se tem a vantagem de arrumar as contas entre A. e R., pode ter o


inconveniente de perturbar a tramitação processual. Daí que a lei só a admita nos casos previstos nas
al. a), b) e c), do nº 2 do art. 274º. Assim,

a) - será o caso de o A. pedir o preço da coisa vendida e o R. reconvir pedindo a entrega da


coisa.
Na acção em que o A. pede a resolução (pedido principal) ou a denúncia (subsidiário) de arrendamento rural não
é admissível reconvenção do R. por preferência, ainda por cima baseada em contrato promessa de compra e venda que,
como se sabe, não transfere a propriedade e pode não ser cumprido:

RECONVENÇÃO ADMISSIBILIDADE
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
ARRENDAMENTO RURAL

I - A admissibilidade da reconvenção prevista na primeira parte da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do CPC tem o
sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da que serve de
suporte ao pedido da acção, enquanto a prevista na segunda parte da mesma alínea tem o sentido de a reconvenção ser
admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que se representa no pedido do
autor, reduzindo-o, modificando-o ou extinguindo-o.
II - Sendo sempre a causa de pedir, na acção de preferência, a transmissão da propriedade da coisa, não é
admissível o pedido reconvencional [previsto na primeira parte da alínea a) do nº 2 do referido artigo 274º] de preferência
(direito de preferência conferido pelo artigo 28º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro) formulado pelos réus, quando a
causa de pedir dos autores, quer no pedido principal quer no subsidiário é complexa, comportando, como elemento comum,
o contrato de arrendamento rural, e, como elemento diferenciador, os factos concretos violadores da alínea b) do artigo 21º
do citado Decreto-Lei nº 385/88 (no pedido principal) e o não convir aos autores a continuação do arrendamento (no que
respeita ao pedido subsidiário).
III - O titular do direito de preferência só pode lançar mão da acção de preferência (vide artigo 1410º do Código
Civil, aplicável a todos os outros casos de preferência legal) se a coisa objecto do contrato tiver sido alienada a terceiro, não
podendo equiparar-se o contrato-promessa de compra e venda ao contrato de compra e venda, uma vez que aquele não
tem a virtualidade de transferir a propriedade, já que se trata de contrato de prestação de facto, que pode não ser cumprido
- STJ, ac. de 5 de Março de 1996, BMJ 455-389.

Admitiu-se a reconvenção contra a seguradora do A. em acidente de viação, sem necessidade


de prévia intervenção principal - Col. 95-II-193; não é admissível a reconvenção pelos prejuízos
causados pela própria acção, pois para isso há a condenação em indemnização por litigância de má fé
- 456º e 457º CPC - Col. 84-5-251;

b) - compensação ou benfeitorias

65
Já se decidiu não ser admissível reconvenção na acção de despejo para pedir indemnização
que não tenha por fundamento a relação locatícia - Col. 95-I-119; Improcedendo o pedido de despejo
fica prejudicado o pedido reconvencional por benfeitorias - BMJ 355-316 e Col. 92-V-54.

Muito controvertida a questão de saber se a compensação deve ser oposta como excepção
peremptória ou em reconvenção.
É maioritária a jurisprudência no sentido de que a compensação pode ser deduzida em defesa
como excepção peremptória, só importando reconvenção na parte em que exceda o crédito a
compensar e desde que o réu peça a condenação do autor no pagamento do excesso - BMJ 349-440.

4. O Código de Seabra seguia, quanto à compensação, a concepção francesa, segundo a qual ela actuava ipso
jure, logo que os dois créditos reunissem determinados requisitos (art. 768.°). Se o crédito do réu não satisfizesse todos os
requisitos exigidos pelo art. 765.°, designadamente por não se mostrar líquido, a compensação para se tornar efectiva
dependia de sentença judicial; era a compensação judiciária, que só podia ser oposta por via de reconvenção, nos termos
do que dispunha a alínea b) do n.° 2 deste preceito na sua redacção primitiva.
Sucede, porém, que o Código Civil de 1966, abandonando aquele conceito, seguiu a orientação do direito
germânico, ao preceituar que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra (art. 848.°),
não a impedindo a iliquidez da dívida (art. 847.°, n.° 3). Nestes termos, deixou de existir a chamada compensação judiciária;
não haverá mais lugar a uma declaração judicial de compensação, visto que o juiz não pode substituir-se ao interessado
para a declarar.
Decorre do exposto que sendo a compensação, como é, uma causa de extinção das obrigações, a única forma de
defesa que pode agora revestir é a da excepção peremptória, na própria definição do articulado legal (arts. 487.°, n.° 2, e
493.°, n.° 3).
Porém pode acontecer que o crédito oposto em compensação seja de montante superior ao da dívida reclamada.
Nesse caso, uma de duas: se o réu pretende apenas ver extinta a dívida reclamada, limita-se a invocar o seu
crédito, vendo-o reduzido na medida da dívida compensada; se pretende receber o excesso, então sim, terá de deduzir
reconvenção pedindo a condenação do reconvindo a pagar-lhe a diferença. É este o entendimento geral da referência feita
à reconvenção na alínea b) do n.° 2 – Rodrigues Bastos, nota 4 ao art. 274.º do CPC.

O crédito a compensar deve ser certo, seguro (embora de montante ainda não determinado) e
imediatamente exigível no momento da invocação - 847º, nº 3 e 1, a), CC. Se o crédito que se
invoca resulta de facto ilícito extracontratual, a exigibilidade do crédito só existe a partir do
momento em que uma decisão judicial reconhece a obrigação de indemnizar. Antes disso o
crédito é incerto, eventual, incontrolado e não pode ser oposto ao crédito exigível e vencido,
reclamado pelo A.

c) - O R., demandado em acção de divórcio, reconvém pedindo ele próprio o divórcio.

Requisitos processuais:
- competência absoluta - 98º, nº 1

- forma de processo comum ou autorização do Juiz - nº 3 do art. 274º.

A reconvenção pode ser formulada a título eventual (para a hipótese de a acção proceder),
como o pedido de benfeitorias em reivindicação ou despejo; não depende de o R. se defender do
pedido do A. e pode dirigir-se não apenas contra o A. mas também contra quem não está na causa e
terá de intervir, nos termos dos art. 325º e 326º - 274º, nº 4.

Inconvenientes da intervenção de terceiros determina actuação do Juiz, como já vimos


acontecer no art. 31º do CPC - n.ºs 5 e 6 do art. 274º.

66
Não há nova reconvenção contra a reconvenção - 502º, 1, parte final.

Efeitos da contestação - processuais (eventual réplica - 502º, nº 1,) e substantivos: torna


litigioso o direito ou coisa litigada - 579º e 876º CC.

Notificada ao A. (492º) e paga a taxa de justiça, se devida, pode o A responder com a

RÉPLICA - 502º

- Sempre que o R. tenha deduzido alguma excepção para que o A. possa responder à
excepção ou alegar contra-excepção;
- Se o R deduziu pedido reconvencional, para que o A possa contestar a reconvenção,
impugnando ou excepcionando, nos vistos termos do art. 487º, nº 1;
- Para concretização dos Princípios da Igualdade (3ºA) e do Contraditório (3º, n.ºs 1 a 3).

A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu implica, em regra, a
admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º). Esta admissão não se verifica nas
situações previstas no art. 490, nº 2, e, além disso, há que conjugar o conteúdo da réplica com o da
petição inicial, pelo que devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu que forem
incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses articulados do autor.

Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica implica a revelia do


reconvindo quanto a esse pedido (cfr. art. 484º, nº 1).
Essa revelia é inoperante nas condições referidas no art. 485, mas, se for operante, determina
a confissão dos factos articulados pelo réu como fundamento do seu pedido reconvencional (art. 484,
nº 1).

Acessoriamente a estas funções, a réplica pode ser utilizada para o autor alterar
unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (artº 273º n.ºs 1 e 2). A dependência desta função
acessória perante as funções essenciais da réplica determina que aquela alteração só pode ser
realizada quando esse articulado for admissível nos termos gerais, pelo que, se o autor não tiver
fundamento para a apresentar (isto é, se não se preencher a previsão do art. 502º, nº 1, CC), não pode
justificá-la com a alteração do pedido ou da causa de pedir.

Prazo: nº 3 do art. 502º - 15 ou 30 dias

Notificada a apresentação da réplica, pode o R, em quinze dias - art. 503º, nº 2 - responder na


TRÉPLICA - 503º

A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º, nº 1):


a) - quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir (cfr. art. 273º,
n.ºs 1 e 2) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade dessa modificação, quer o
novo pedido formulado ou a nova causa de pedir invocada;
b) - quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver alegado contra esse
pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por impugnação ou pela invocação de uma
contra-excepção.

67
A tréplica destina-se, por isso, a assegurar o contraditório do réu quanto a essas matérias.

O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica, a não impugnação
da nova causa de pedir e a não contestação da excepção alegada pelo autor na réplica determinam,
em regra, a admissão por acordo desses factos e dessa excepção (art. 505º).

Contraditório à tréplica

Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (cfr. art. 501º, nº 1), o autor pode contestar
na réplica esse pedido através da dedução de uma excepção, a que o réu pode responder na tréplica
com a alegação de uma contra-excepção.
Porque não há mais articulados, o contraditório só pode exercer-se na audiência preliminar
(508ºA) ou, na falta desta, na audiência final - 651º e 652º.

ARTICULADOS SUPERVENIENTES - 506º

Superveniência dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito - pode invocar-se


uma nova causa de pedir (independentemente das regras do art. 273º) ou nova excepção;
- objectiva: o facto aconteceu depois de apresentado o articulado - 506, nº 2, 1ª parte;
- subjectiva: apesar de anteriores, a parte, sem culpa sua, só teve conhecimento dos factos
depois de apresentado o articulado respectivo - 506º, nº 2, 2ª parte.
Sempre que a parte desconheça sem negligência grave um facto e, por esse motivo, não o
tenha alegado no respectivo articulado, esse facto não fica precludido e pode ser invocado como facto
superveniente, devendo produzir-se prova desta superveniência subjectiva.

AUDIÊNCIA PRELIMINAR - 508 e ss

É nesta fase - a que se pode dar a designação genérica de saneamento - que a lei impõe ao
Juiz o primeiro contacto com o processo para, como antes acontecia, o sanear e condensar.
O saneamento visa resolver os impedimentos à apreciação do mérito da acção (fim último da
alavanca, do instrumento, como o Relatório do Dec-lei nº 329A/95 classifica o processo civil) e sanar as
nulidades processuais (sanáveis).

A condensação visa delimitar as questões de facto relevantes para a decisão da causa,


levando-as aos Factos Assentes ou à Base Instrutória, antiga especificação e questionário, conforme
os factos relevantes a seleccionar estejam assentes ou sejam controvertidos.

Pré-saneador - 508º

Manda a lei - 508º, nº 1 - que, findos os articulados, o Juiz profira despacho com vista a:

a) - Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº 2 do art. 265º.

Nem todas as excepções dilatórias são sanáveis.


São insanáveis
- a ilegitimidade singular, salva a hipótese dos art. 325º, nº 2 e 31ºB

68
- a falta de personalidade judiciária, salvo no caso do art. 8º (intervenção da administração
principal); Se se tratar de errada identificação dos sujeitos, nada impede o convite ao
aperfeiçoamento do articulado nessa parte - 508º, 2, a) e 467º, 1, a).
- a incompetência absoluta, a litispendência e o caso julgado.
Igualmente insanável é a ineptidão da petição inicial - 193º, nº 1 e 494º, 1, a) - salvo no caso do
nº 3 daquele art. 193º (o R. contestou e interpretou convenientemente a petição inicial).

A Incapacidade judiciária e a falta de autorização ou deliberação devem ser sanadas, nos


termos dos art. 23º, 24º e 25º.
A falta ou irregularidade do patrocínio judiciário - 33º e 40º;
A preterição de litisconsórcio necessário activo ou passivo - 265º, nº 2, in fine.
Coligação ilegal ou cumulação ilegal - 31ºA; Coligação inconveniente - 31º, nº 4;
Formulação ilegal de pedido genérico - 471º: A sanabilidade - 508º, 1, a) e 265º, nº 2 - desta
excepção dilatória constitui uma medida inteiramente justificada e impeditiva de decisões formais que
apenas adiam ou dificultam a resolução do litígio.

b) - Aperfeiçoamento dos articulados - Prazo fixado pelo Juiz (508º, n.ºs 2 e 3) em despacho
irrecorrível - nº 6.

O articulado é irregular quando não observe os requisitos legais ou quando não seja
acompanhado de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (cfr.
art° 508º, nº 2). Assim, por exemplo, é irregular o articulado que não se encontra assinado (cfr. art°
474°, al. g) ou que não consta de papel regulamentar (cfr. artº 474°, al. i)), bem como a petição inicial
de uma acção de impugnação da paternidade que não é acompanhada da certidão de nascimento do
filho (cfr. art. 5º CRC) ou de uma acção de reivindicação à qual não é junta a certidão comprovativa do
seu registo (cfr. art° 3°, nº 2, CRP).
E é deficiente quando contenha insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização
da matéria de facto (cfr. art. 508º, nº 3); esse vício traduz-se na insuficiência dos factos alegados ou em
lacunas ou saltos na sua exposição.

Aceite o convite, mantêm-se as regras do contraditório e do onus da prova - nº 4 - e sujeição


aos limites do nº 5 - não pode alterar a causa de pedir ou defesa anterior nem deduzir reconvenção que
antes não deduziu.

Se a parte não aceitar o convite não terá outra oportunidade para o fazer, que o art. 508ºA, nº
1, pressupõe que não ocorreu convite anterior.

Princípio da cooperação - Despacho pré-saneador - Nulidade

I - O Código de Processo Civil consagra, nomeadamente nos artigos 266º e 266.º-A, o princípio da cooperação,
segundo a qual, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias
partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, com as partes a
agir de boa fé.
II - O art. 508º do Código de Processo Civil consagra, logo após os articulados, uma fase de despacho pré-
saneador, através do qual se pretende impedir que o conhecimento do mérito da causa ou a justa composição do litígio
sejam prejudicados por razões de pura forma, relacionados com a falta de requisitos externos dos articulados, com a falta
de documentos que necessariamente devam instruir a acção, ou com a deficiente, insuficiente ou imprecisa articulação da
matéria de facto.
III O referido despacho pré-saneador desdobra-se em duas modalidades: a dum despacho vinculado, através do
qual o juiz está obrigado a convidar as partes a suprir irregularidades dos articulados (nº 2 do artigo 508º) e a dum

69
despacho não vinculado, mediante o qual o juiz pode convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões
na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (nº 3 do artigo 508º).
IV - A omissão do mencionado despacho, enquanto vinculado, constitui nulidade processual, se essa
irregularidade puder influir no exame ou na decisão da causa; a omissão desse despacho, na medida em que não
vinculado, não provoca qualquer nulidade.
V - A omissão, na petição, de factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor - tais
como os elementos indispensáveis para a determinação do preço da remição dum arrendamento rural - não integra
excepção dilatória, nem falta de pressuposto processual, mas dita a absolvição do pedido - STJ, Ac. de 11 de Maio de 1999.

A propósito deste convite ao suprimento de irregularidades, decidiu o STJ em 20.5.2004, na


Col. Jur. 2004-II-65:

A disposição estabelece o que segue: «O juiz convidará as partes a suprirem as irregularidades dos articulados...
designadamente quando careçam de requisitos legais, ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a
lei faça depender o prosseguimento da causa».
O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, em situações que exemplifica, e outras
análogas.
E o n.º 3, da mesma disposição, («Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes... ») permite ao juiz convidar
qualquer das partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Tratando-se, nesta última hipótese, de uma faculdade, ela será gerida, concretamente no caso, segundo o critério
prudencial do juiz, considerando a conveniência de economia de meios e custos, a celeridade processual, a eficácia ou a
prontidão na realização da justiça.
Mas em qualquer das situações, quer o dever do n.º 2, quer a faculdade do n.º 3, o convite só tem sentido se as
deficiências forem estritamente formais, ou de natureza secundária.
Tem que haver limite ao exercício do dever ou da faculdade, por forma que não se reabra a possibilidade de
reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos fundamentos em que assentam, com vista a obter,
por exemplo, novo prazo, nova formulação do pedido, e por aí, neutralizando a eficácia do principio processual da preclusão
da prática de actos processuais.
6. Como nesta linha de pensar, disse por vezes várias, o Tribunal Constitucional, «o convite só tem justificação,
como concretização do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade, quando as deficiências notadas
forem estritamente formais, ou de natureza secundária, ligadas à apresentação ou formulação, mas não ao conteúdo,
concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida, não podendo o mecanismo do convite ao
aperfeiçoamento de deficiências formais do acto da parte transmudar-se num modo de esta obter novo prazo para,
reformulando substancialmente a sua própria pretensão ou impugnação, obter novo e adicional prazo processual para
substancialmente cumprir o ónus que sobre ela recaía».
É indiscutível que um dos princípios estruturantes do processo civil é o da cooperação entre todos os operadores
judiciários, e, como tal, também entre o tribunal e as partes (em especial, artigo 266º- B).
É a tese, no fundo, em que se suporta o recorrente, pugnando pela necessidade do convite, a seu tempo, para
melhorar a petição inicial.
Mas o convite à melhoria da qualidade da peça - desta ou doutra - não pode volver-se numa autêntica subversão
do processo, definido como uma continuidade de actos processuais, tornando o juiz um pedagogo e o tribunal uma escola
de ensino, para "vigiarem" a perfeição ou completude de cada acto, por forma que sendo "imperfeito" ou "incompleto" se
convide a parte que o produziu a suprir a falta. E por aí adiante!
Indica o mais elementar bom senso que não pode ser assim!
Bem o compreenderá também o recorrente, sob pena de se cair numa indisciplina de procedimento e
arrastamento, tão impunes, quanto aleatórios, do exercício do direito de acção (do incidente, do recurso...) que nunca mais
chega ao fim, com grave prejuízo para os interesses gerais da administração da Justiça e, em particular, para a contraparte.
Em desfavor desta, vulneraliza-se o princípio, igualmente respeitável, da preclusão processual civil, agravando o
factor da incerteza do tempo da definição do direito; e introduz-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do
arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça
(4), acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do "deixar andar" ou do "erra que o Juiz corrige!"
Corrige, sim - e voltamos sempre ao mesmo - mas apenas quando se tratar de irregularidades formais,
secundárias, situadas num plano de lateralidade que não afecta a principalidade do que estiver em causa.
Que não signifique a renovação do direito, a ofensa da preclusão, a estabilidade da instância e os efeitos que ela
determinam, etc. etc !

70
O que, bem vistas as coisas, significa, trazido o exercício para o nosso caso, que o autor, tendo embora alegado
matéria relativa a danos (supra ponto 3), não foi a indispensável, muito menos obteve prova, para consubstanciar
completamente os pressupostos do direito à indemnização a que destinava a acção que instaurou.
Os prejuízos ficaram por provar, na forma e pela causa que alegadamente servia de suporte à obrigação de
indemnizar accionada.
Isto mesmo reconheceram as instâncias.
Não pode vir agora, fora de tempo, dizer que o Tribunal o devia ter convidado a suprir sua própria deficiência, ao
pedir.
Ao fim e ao cabo, queixando-se sobre si mesmo, ao acusar (conclusões: 1ª a 10ª) «que devia ter sido convidado a
aperfeiçoar a petição, na altura própria».

Ac. do STJ (Cons.º Sebastião Povoas), de 21.11.2006, P.º 06A3687 do ITIJ:



«São, por isso, curiais algumas considerações sobre a natureza do despacho de aperfeiçoamento.
Caracteriza-se por um convite do juiz - cujo não acolhimento pela parte "sibi imputet" - nunca é definitivo por
sempre ser seguido de outro que ponha termo a esse ponto controvertido.
"Acentua o princípio da cooperação que, hoje, é basilar no processo civil - artigos 266º, 519º, 519º A, 1, 535º, 569º
nº 1 a), 569º nº 2, 612º nº 1, 645º nº 1 v.g). A omissão desse dever é sancionada (artigo 456º nº 2, c))". - Acórdão do STJ de
6 de Julho de 2006 - 06 A1838 - do mesmo Relator.
São dois os preceitos nucleares sobre o despacho de aperfeiçoamento.

O nº 2 do artigo 266º do CPC -

O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais,
convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se
conhecimento à outra parte dos resultados da diligencia e os

nºs 2 e 3 do artigo 508º -


2. O juiz convidará as partes suprir as irregularidades dos articulados, fixando o prazo para o suprimento ou
correcção do vicio, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento
essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa;
3 - Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de articulado em que se complete ou corrija o
inicialmente produzido.

O primeiro dos preceitos citados reporta-se à prestação de esclarecimentos para que o juiz possa, no
acompanhamento e direcção do processo, arredar quaisquer dúvidas sobre a lide, designadamente perante situações de
falta de clareza do raciocínio discursivo, quer quanto à matéria de facto quer quanto ao direito.
É, como se disse, um afloramento do princípio geral da cooperação a permitir que o julgador interpele as partes
para que o esclareçam sobre determinados pontos do processo, em termos de clarificar a sua vontade processual.

Diferente é o propósito dos nºs 2 e 3 do artigo 508º da lei adjectiva.


Agora, e na fase de pré-saneamento, o juiz para que fique habilitado a expurgar o não essencial e a só condensar
o pertinente, deve (nº 2) convidar as partes a suprirem irregularidades dos articulados ou juntarem documento essencial ou
condicionante do seguimento da lide e pode (nº 3) proceder a convite suprimento de insuficiências ou imprecisões
discursivas ou concretização de matéria de facto já alegada.
Desde logo ressalta que - embora sempre no uso dos poderes da alínea b) do nº 1 do artigo 508º - ali (nº 2) há
uma obrigação do juiz, enquanto o nº 3 consagra uma mera faculdade (cf. Cons. Pais de Sousa e Cardona Ferreira, in
"Processo Civil", 1997, 39 e Acórdão do STJ de 22 de Junho de 2005 - 05A1781 - ao referir que, no segundo caso, "não
está o legislador a fazer qualquer imposição ao juiz, mas a conceder-lhe uma mera faculdade, dentro do âmbito dos seus
poderes discricionários, que ele poderá utilizar ou não, conforme entenda em face das circunstancias do caso, no sentido de
sanar a falta de articulação de factos relevantes para a decisão.").
Detenhamo-nos no "distinguo" entre as situações do nº 2 e do nº 3.

1.2 - Com a reforma do processo civil o despacho pré-saneador é o primeiro momento em que o juiz contacta com
o litígio após as partes produzirem os seus articulados, e sem qualquer distinção para o articulado introdutório do
demandante e o articulado resposta do demandado.

71
Antes da reforma de 1995 e na vigência do artigo 477º do Código de Processo Civil, o juiz, perante a petição
inicial, proferia um despacho liminar que, se anómalo, podia ter a natureza de aperfeiçoamento.

E, então, já se distinguia entre o corrector de irregularidades e o aperfeiçoador de deficiências.


Entendia-se ser irregular a petição que não podia ser recebida por falta de requisitos legais ou por não ser
acompanhada de documentos essenciais (cf. Profs. A. Varela in "Manual de Processo Civil", 1984, 251 e Castro Mendes,
"Direito Processual Civil II", 1969, 118).
Nestes casos o poder do juiz era vinculado, no sentido de ter de usar do despacho de aperfeiçoamento.

Perfilar-se-ia uma petição deficiente se ocorriam omissões susceptíveis de comprometer o êxito da acção, sendo
que, nestes casos, o convite do juiz não era destinado a garantir a procedência mas, apenas, ao esclarecimento de
qualquer aspecto decisivo para a sorte da lide.

Como refere o Prof. Teixeira de Sousa, "o articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou imprecisões
na exposição ou concretização da matéria de facto, isto é, quando nele não se encontrem articulados todos os factos
principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura (in "Estudos sobre o novo processo civil", 304).
No essencial estes conceitos mantêm-se no sistema actual que alterou o momento do convite estendendo-o para
além da petição inicial.
Assim o convite ao suprimento das irregularidades (n.º 2 do artigo 508º) destina-se à correcção de anomalias dos
próprios articulados, enquanto que o convite ao suprimento das deficiências tem por objectivo sanar insuficiências, ou
imprecisões na exposição "quo tale", embora a nova versão tenha de se conter na causa de pedir inicial e nos limites da
defesa, tratando-se de articulado de resposta. (cf., a propósito, a Dr.ª Paula Costa e Silva, apud "Saneamento e
Condensação no novo processo civil": a fase da audiência preliminar", in "Aspectos do novo processo civil", 1997, 232; Des.
Abrantes Geraldes, in "Temas da reforma do processo civil", 1999, 58).
Mas não pode, por esta via, e como acima se disse, ser suprida uma petição inepta nos termos do artigo 193º do
CPC.
Este princípio já constava do nº 1 do artigo 477º, a remeter para o nº 1 do artigo 474º.
De outra banda, há que acautelar o principio da igualdade das partes e não permitir que uma delas seja
privilegiada "ensinando-se-lhe" o modo de articular para obter êxito na acção ou na defesa.
E embora, hoje, o convite ao aperfeiçoamento possa agora ser dirigido a qualquer das partes (recorde-se o Prof.
Antunes Varela: "admitir que o juiz pudesse convidar o autor a completar ou a corrigir irregularidades ou deficiências da
petição, capazes de comprometerem o êxito da acção, especialmente sabendo que de igual faculdade não gozava o
julgador perante as irregularidades ou deficiências de que, em seu entender, padecesse a contestação, pareceria, à
primeira vista, pelo menos, envolver uma abertura unilateral de uma porta destinada a salvar o autor de um fracasso
inevitável da sua pretensão" - in RLJ nº 3871 - 131/2), o facto de, no caso da petição deficiente, não ser vinculado ("pode
ainda o juiz...") é susceptível de criar um desequilíbrio no processo com "ajuda" a uma das partes que, de outro modo, veria
naufragar a sua pretensão.
A atitude do juiz, nesta área não vinculada, pode, de certo modo, representar a antecipação da decisão criando
dúvidas sobre a sua ulterior absoluta imparcialidade.
Para esse perigo também alertou o Prof. A. Varela (RLJ - nº 3880, 198) ao dizer que "não é, positivamente,
alargando a orbita dessa intromissão na área do mérito da causa a todos os articulados e a todas as espécies de
irregularidades substantivas deles, no primeiro banho de processo dado ao juiz, que aquele perigo de aparente parcialidade,
ou de juízo precipitado do julgador se desvanece ou se some por completo." (cf. ainda, a propósito, o Prof. Lebre de Freitas
"Introdução ao Processo Civil. Conceito e princípios gerais à luz do código revisto", 1996, 105, 106, 64 e 65).
Acautelando, em absoluto, a equidistância e imparcialidade do julgador, o convite, não vinculado, a que se refere o
nº 3 do artigo 508º do CPC, deve destinar-se a corrigir as deficiências puramente processuais do articulado ("insuficiências
ou imprecisões na exposição", que têm a ver com a exposição em si mesma, com o mero raciocínio discursivo; ou
"concretização da matéria de facto alegada", a prender-se com um elencar de factos equívocos, difusos ou imprecisos) em
termos de permitir ao juiz uma rigorosa e unívoca selecção ulterior da matéria relevante para a decisão.
Não pode ser utilizada para a parte suprir aspectos substantivos ou materiais (v.g ónus de alegação e prova de
elementos constitutivos do seu direito) tal como - e agora por tal ser causa de ineptidão - para indicar o pedido ou
concretizar a "causa petendi".

1.3 - "In casu", a Autora não alegou a impossibilidade de obter alimentos dos seus parentes referidos nas alíneas
a) a d) do nº 1 do artigo 2009º do Código Civil.
Tratava-se de um elemento constitutivo do seu direito, integrador da causa de pedir.
Sendo, e como acima se disse, o aperfeiçoamento destinado a corrigir deficiências adjectivas, "só deve ter lugar
quando se trate de meras imprecisões ou insuficiências, e não quando a omissão se traduza em falta do núcleo essencial

72
da causa de pedir ou de defesa por excepção, a que se reportam os artigos 193º, nº2, alínea a) e 489º do Código de
Processo Civil" (Acórdão do STJ de 16 de Outubro de 2003 - 03B3103).
Não há, assim, que censurar a não prolação de despacho corrector.

2 - Nulidade.

A omissão do despacho de aperfeiçoamento não acarretaria, ainda que diferentemente se entendesse, qualquer
nulidade.
Tratando-se de poder não vinculado, a sua não prolação não se traduz na omissão de um acto imposto por lei
pelo que não se está perante situação do nº 1 do artigo 201º do CPC.
De qualquer modo, o artigo 203 nº 2 da lei processual dispõe que não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu
causa.
Trata-se da consagração do princípio da auto-responsabilidade.
Suportando as partes as consequências da sua menos cuidada actuação processual. (Veja-se, no mesmo sentido,
o Acórdão deste STJ de 24/10/2006 - Pº 3576/06).
Ora tendo sido os Autores que, ao omitirem à alegação de parte da causa de pedir, teriam dado causa à
necessidade de aperfeiçoamento, mesmo que tal constituísse nulidade nunca a poderiam arguir.
É esta a jurisprudência do STJ (v.g, Acórdãos de 22 de Junho de 2005 - 05A1781 - e de 16 de Outubro de 2003,
acima citado) que não vemos razão para abandonar».

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Urbano Dias) de 27.11.2007, Pº 07A3918:

«… o convite para aperfeiçoar os articulados, está previsto no art. 508º, nº 3 e integra-se num pré-saneamento da
acção.
Este convite não comporta o suprir de omissões do núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir
– cfr. acs. STJ de 21-09-2006, proferido no rec. nº 2772/06 – 7ªsecção, e de 21-11-2006, proferido no rec. nº 3687/06 – 1ª
secção.
No caso dos autos a factualidade em falta faz parte do núcleo estruturante da causa de pedir que fundamenta o
pedido da autora, pelo que por esta razão já não ser aplicável o convite ao aperfeiçoamento em causa.
Por outro lado, esse convite, como vem sendo entendido neste Supremo, corresponde a um poder discricionário,
ou não vinculado do julgador e não a um dever vinculado, pelo que a sua omissão não é passível de censura em recurso –
cfr. acórdãos citados e ainda ac. STJ de 14-11-2006, proferido no rec. nº 3486/06 – 6ª secção.
Por outro lado, a considerar academicamente que a omissão da prática daquele convite corresponderia a um
dever vinculado, tal omissão integraria uma nulidade geral que, nos termos do art. 203º, nº 2, não poderia ser arguida pela
autora por lhe ter dado causa.
Finalmente, ainda que se considerasse ter ocorrido tal nulidade, a mesma ocorreu antes da prolação da sentença
e, sendo de natureza geral, tinha ficado sanada pelo falta de arguição no prazo de dez dias fixados no art. 205º, nº 1 e que
aqui se contariam da notificação da sentença à autora, altura em que a mesma tomou conhecimento da prática de hipotética
nulidade. Como a referida arguição apenas foi formalizada nas alegações da apelação, ou seja, muito depois do decurso do
referido prazo de dez dias, a eventual nulidade estaria já então sanada.

Assim e em conclusão:
- O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial previsto no art. 508º, nº 3 corresponde a uma mera faculdade do
julgador e não a um poder vinculado.
- Logo a sua omissão não corresponde a nenhuma nulidade processual e é insusceptível de censura em recurso.
- Esse convite ao aperfeiçoamento apenas pode referir-se a factos que não integrem o núcleo de facto
essencialmente estruturante da causa de pedir.
- A considerar-se academicamente que tal convite se impunha pela lei – ou seja por corresponder a poder
vinculado -, a sua omissão corresponderia a uma nulidade processual geral praticada antes da prolação da sentença e tinha
de ser arguida no prazo previsto no art. 205º.
- Porém, tendo a recorrente dado causa a essa hipotética nulidade, não poderia argui-la, nos termos do art. 203º,
nº 2».
Audiência Preliminar - 508ºA

Dispensável nos casos do art. 508ºB:

73
- a) - se a finalidade da audiência preparatória for apenas a de preparar e realizar a fixação
da matéria de facto controvertida [(cfr. art. 508°-A, nº 1, al. e)] - e, por delimitação
negativa, a daquela que se deve considerar assente - a sua realização é dispensável
quando a simplicidade da causa não justificar a sua convocação.
- b) - A audiência preliminar também é dispensável quando a sua realização tivesse por
finalidade facultar a discussão de excepções dilatórias (cfr. art. 508°-A, nº 1, al. b) e estas
já tenham sido debatidas nos articulados, a sua apreciação se revista de manifesta
simplicidade (art° 508°-B, nº 1, al. b) ou a sua discussão prévia seja manifestamente
desnecessária (art° 3°, nº 3).
- c) - Se o conhecimento do mérito da causa se revestir de manifesta simplicidade, é
igualmente dispensável a audiência preliminar destinada à discussão de facto e de direito
antes dessa apreciação (art° 508°-B, nº 1, al. b); cfr. art° 508°-A, nº 1, al. b).

Finalidades essenciais – 508-A, com a redacção introduzida pelo Dec-lei nº 375A/99, de 20 de


Setembro:

nº 1:
- Conciliação das partes - 509º - presença destas ou poderes especiais;
- Audição prévia das partes - 3º, nº 3;
- Debate e supressão de insuficiências ou imprecisões;
- proferir saneador (510º) salvo quando a complexidade das questões a resolver o exija. Neste
caso o juiz pode proferi-lo por escrito no prazo de 20 dias (art. 510°, 2).
- Selecção da matéria de facto se a acção foi contestada - 511º, nº 1 - com decisão das
reclamações das partes, após contraditório.

Devem ser seleccionados todos os factos que sejam relevantes para a decisão da causa
segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, isto é, segundo todos os possíveis
enquadramentos jurídicos do objecto da acção. Esta selecção destina-se a repartir os factos relevantes
entre aqueles que estão assentes e os que devem ser considerados controvertidos: estes últimos
devem ser incluídos na base instrutória (art°s 508°-A, nº 1, al. e), e 511º, nº 1).

Os factos controvertidos são não só todos aqueles que não estejam admitidos por acordo (art.
490º, nº 2, e 505º), ou seja, os que tenham sido alegados por uma parte e impugnados pela
contraparte, mas também todos os que ainda não se encontrem provados, nomeadamente por
confissão realizada nos articulados e aceite pela contraparte (cfr. art. 380º e 567, nº 2; art. 356, nº 1,
CC) ou por documentos juntos com essas peças (cfr. art. 523º, nº 1).
Aos factos controvertidos devem ser equiparados todos aqueles que careçam de prova. Nestes
incluem-se os factos instrumentais que o tribunal pode investigar oficiosamente (art. 264º, nº 2, e 265º,
nº 3), pelo que, se o tribunal considerar que deve ser averiguado um desses factos, pode incluí-lo,
desde logo, na base instrutória. Pelo contrário, como os factos notórios e os factos de conhecimento
oficioso não carecem de prova (cfr. art. 514, nº 1, e 660º, nº 2, 2ª parte), não devem eles constar da
base instrutória.

A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração
segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ - 13/12/1983, BMJ
332-437).
Assim, são susceptíveis de ser incluídas nessa selecção, porque respeitantes a factos ou a juízos de facto,
expressões como "rapariga séria" (RP 23/2/1984, CJ 84/1, 242), "prejuízo diário" (RC - 19/6/1984, CJ 84/3,76), "transporte a

74
título gratuito" (RC - 30/7/1984, BMJ 339, 471), "casa de passe" (RP - 22/10/1985, CJ 85/4, 249), "ataque jornalístico" (RL -
20/10/1984, CJ 94/4, 117), "comunhão de vida" (RP - 27/9/1994, CJ 94/4, 198) e "despedimento" (RE - 6/6/1995, CJ 95/3,
318); “entrega” e “ocupam” (P.º 08B3743, de 11.12.2008).
Pelo contrário, não podem ser utilizadas, porque referidas a conceitos de direito, expressões como "residência
permanente" (RE - 28/2/1984, BMJ 336, 484; RE - 19/5/1994, BMJ 437, 605), "necessidade de habitação própria" (RC -
20/3/1984, BMJ 335, 350), "proveito comum do casal" (RC - 27/3/1984, BMJ 335, 350), "precaução" ou "cuidado" (RC -
2/7/1985, CJ 85/4, 47), "comprometimento da vida em comum (STJ - 25/6/1992, BMJ 418, 783), "posse de estado" (RE -
10/3/1994, BMJ 435, 919) e "regadio hortícola" (RL - 30/5/1995, CJ 95/3, 228).
As questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas por
aplicação analógica do disposto no art. 646º, nº 4, 1ª parte (cfr. STJ - 4/12/1986, BMJ 362, 526).

Não deve reproduzir-se documentos, mas seleccionar os factos que eles provem ou deles constem.

A jurisprudência tem entendido, aliás criticavelmente, que a culpa só constitui matéria de direito quando resulte da
inobservância de preceitos legais e regulamentares: cfr. STJ - 4/3/l980, RLJ 114 (1981/1982), 317, com anotação
discordante de Vaz Serra; STJ - 6/10/1987, BMJ 370, 505; RE - 7/4/1988, CJ 88/2, 294.
E não esquecemos que por vezes se utilizam palavras e expressões que, além de exprimirem determinados
conceitos de direito, têm um significado empírico, vulgar e corrente, que traduz meros conceitos de facto, sendo certo que
tal uso deve ser evitado, tanto quanto possível, pelas questões que pode levantar.
Seguindo de perto o Prof. Antunes Varela e outros, diremos que os factos para o efeito do disposto no artigo 511º
abrangem as ocorrências concretas da vida real (a entrega de uma coisa por António a José; as palavras dirigidas em
determinado momento pelo marido Pedro à mulher Maria; a velocidade horária com que o automóvel de João seguia
quando, em certa data, atropelou Manuel), bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas
(o sexo ou a idade de uma pessoa; a área de certo prédio; a contiguidade de dois prédios; a altitude de um local).
«Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do
mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem - ex proprius sensibus,
visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v. g., a
vontade real do declarante: artigo 236º, nº 2, do Código Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; o conheci-
mento por alguém de determinado evento concreto, as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou
por uma injúria - artigo 496º, nº 1, do CC».
Fazendo aplicação dos princípios ao caso concreto, temos para nós como indubitável que o referido juízo de valor
(gravidade da ofensa, comprometimento da vida em comum) constituem matéria de direito.
Factos são os acontecimentos ocorridos, factos do mundo exterior. Facto é também que os ditos acontecimentos
constituíram ofensas, faltas de respeito para com o autor, que se sentiu por eles vexado.
Já é questão de direito decidir que as referidas ofensas constituem violação do dever de respeito mútuo dos
cônjuges consignado no artigo 1672º do Código Civil, precisamente porque esse dever está consagrado na lei.
E igualmente questão de direito é aquilatar se a ofensa é bastante grave para compro-meter a possibilidade da
vida em comum, porque para aquilatar dessa gravidade há que recorrer ao critério legal do artigo 1779º do Código Civil -
essencialidade da gravidade da ofensa para esse comprometimento face às circunstâncias referidas no nº 2 desta
disposição: culpa que possa ser imputada ao requerente e grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges - BMJ 470-
609.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Santos Cabral) de 10.1.2007, no P.º 06P4075:

I - A distinção entre os conceitos de matéria de facto e de matéria de direito nem sempre é fácil. Não obstante, o
eixo diferenciador já foi por diversas vezes apreciado em sede doutrinária e de forma convergente.
II - Assim, o Prof. Paulo Cunha estabelece o seguinte critério geral de destrinça: há matéria de direito sempre que,
para se chegar a uma solução, há necessidade de recorrer a uma disposição legal – ainda que se trate de uma simples
palavra da lei –, ou seja, quando a averiguação depende do entendimento a dar a normas legais, seja qual for a espécie
destas; há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, por
averiguação de factos cuja existência ou inexistência não depende de nenhuma norma jurídica, sem prejuízo de, nota, toda
e qualquer averiguação de factos se realizar por meio de processos regulados e prescritos na lei.
III - O Prof. Alberto dos Reis definia como «questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da
vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior»; e como «questão de
direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei». Dito por outras palavras: é questão de facto determinar o que
aconteceu; é questão de direito determinar o que quer a lei, substantiva ou processual.

75
Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Alves Velho) de 11.11.2008, no Pr.º 08B3303:

- A questão de apurar do proveito comum apresenta-se como uma questão mista ou complexa, envolvendo uma
questão de facto e outra de direito, consistindo a primeira em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida,
enquanto a segunda é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída no interesse comum do
casal, preenchendo o conceito legal.
- A expressão legal "proveito comum" traduz-se num conceito de natureza jurídica a preencher através dos factos
materiais indicadores daquele destino, a alegar na petição inicial.
- Assim sendo, a afirmação de certo empréstimo ter revertido em proveito comum do casal não constitui matéria
de facto passível de ser adquirida pela confissão ficta prevista no artigo 484º, nº 1, do CPC.
- O conceito de património comum é ainda jurídico, não relevando como facto confessado (art. 484º-1), desde logo
porque anda associado ao conhecimento da data do casamento e respectivo regime de bens.

Sobre esta questão - além de outras - deve ver-se a conferência do Prof. Antunes Varela, na Col. 95-4-5 a 14, a
lição do Cons.º Baltazar Coelho, na Col. STJ, 98-I-13 e o estudo do Cons.º Abel Freire na Col. Jur. STJ 2003-III-5.

Qualquer das partes pode reclamar contra a selecção da matéria de facto com fundamento na
omissão de factos alegados com interesse para a decisão da causa, na inclusão de factos
indevidamente considerados como controvertidos e ainda na obscuridade do despacho de selecção
(art. 511º, nº 2).
Os fundamentos para a reclamação da selecção da matéria de facto podem ser tanto a
deficiência ou o excesso na escolha dos factos, como a obscuridade da decisão do tribunal.
Sobre essa reclamação recai um despacho, que, no entanto, só pode ser impugnado no
recurso interposto da decisão final (art. 511º, nº 3). Isto significa que ele não produz, antes desse
eventual controlo pelo tribunal de recurso, qualquer efeito de caso julgado no processo pendente, pelo
que depois do seu proferimento não se torna indiscutível nem que os factos considerados não
impugnados ou controvertidos o sejam realmente, nem que não existam outros factos que também
deveriam ser julgados não impugnados ou controvertidos (cfr. Assento do STJ n.º 14/94, de 4/10, no
BMJ 437, 35).
Portanto, a inclusão de um facto na base instrutória não impede que o tribunal entenda
(maxime, na sentença final) que o facto está provado ou admitido por acordo e que, por isso, não
deveria ter sido inserido nessa base (cfr. RC 22/3/1994, BMJ 435, 917; RC - 6/12/1994, BMJ 442,
272); se isso se verificar, é irrelevante o eventual julgamento do tribunal colectivo sobre esse facto (art.
646º, nº 4), pelo que a contradição entre um facto assente e a resposta do tribunal colectivo é sempre
resolvida, como se compreende, a favor daquele.

Do exposto resulta que a selecção da matéria de facto, mesmo quando contra ela não for
deduzido qualquer reclamação (cfr. art° 511º, nº 2), não transita em julgado e, por isso, não se torna
vinculativa no processo. Ela nunca torna indiscutível que não existam factos relevantes que não foram
sequer seleccionados, nem que os factos incluídos na base instrutória sejam efectivamente
controvertidos, nem ainda que os considerados assentes não sejam afinal controvertidos.

O art. 646º, nº 4, estipula que se consideram não escritas as respostas do tribunal colectivo
sobre factos que estejam plenamente provados por documentos ou confissão das partes ou que
estejam admitidos por acordo. Deste preceito não resulta que a consideração do facto como assente
deva prevalecer sempre sobre a sua inclusão na base instrutória: isso só pode suceder nas condições
nele referidas.

Do mesmo modo, a consideração pelo tribunal de que o facto está admitido por acordo ou
provado também não significa que ele não seja realmente controvertido (cfr. RC - 2/11/1994, BMJ 441,

76
409). Consequência desta asserção é a possibilidade de ampliação da base instrutória ordenada pelo
presidente do tribunal colectivo na audiência final (art. 650º, nº 2, al. f)), pelo tribunal da Relação (art.
712º, nº 4) ou até pelo Supremo (artº 729º, nº 3).
O despacho proferido pelo tribunal sobre as reclamações deduzidas contra a selecção da
matéria de facto - exactamente porque é uma decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de
facto - está sujeito ao controlo da Relação nos termos estabelecidos no art. 712º (cfr. STJ - 14/1/1993,
CJ/S 93/1, 41). Esse controlo pode traduzir-se na alteração do despacho (art. 712º, nº 1) ou na
anulação dessa decisão com base na sua deficiência, obscuridade ou contradição.

Ac. do STJ (Cons.º Sebastião Povoas), de 19.11.2006, P.º 06A4115:

1.1 - No momento do artigo 511 do CPC o juiz selecciona, de entre os factos alegados, e ainda controvertidos, os
que, a titulo principal ou instrumental, interessam para a decisão da causa, na ponderação das várias e plausíveis soluções
de direito.
Então, terá de atentar no "distinguo" entre facto, direito e conclusão, acolhendo tão somente o puro facto e
arredando da quesitaria os conceitos de direito - salvo se já transitados para a linguagem comum, por assimilação pelo
cidadão vulgar como correspondente a um facto concreto - e conclusões, que mais não são do que a ilação lógica de
premissas não correspondendo ao facto, em si mesmo.
Apelando para o conceito lógico, dir-se-á que o facto é a premissa menor do silogismo judiciário a que, afinal, se
reconduz qualquer lide.

Mas para que não surjam duvidas a final, há que encarar o questionário - base instrutória - como um todo
coerente, evitando o dicotómico e moderando as formulações alternativas.
O quesito em si deve ser redigido com precisão e clareza, procurando reproduzir o que a parte alegou, mas
acertando o alegado terminologicamente (apenas para melhor evidenciar o cerne do perguntado).
Aquando das respostas há que lograr que as mesmas sejam claras, coerentes, congruentes, minuciosas e
pormenorizadas, para definir com rigor o sentido do perguntado no quesito.
Mas, para alcançar esse objectivo, a resposta pode surgir como simples ("está provado" ou "não está provado")
que é a meramente afirmativa ou negativa mas pode, ainda, ser restritiva ("está provado apenas que...") ou, até, explicativa
("está provado, com o esclarecimento que...").
Estas últimas têm que obedecer a dois princípios rigorosos: conterem-se nos factos articulados; a explicação não
cair, por exuberância, na criação de um novo facto.
A resposta excessiva ou exuberante deve ter-se por não escrita, que não toda mas apenas na parte excrescente
se for possível cindi-la.
Decidir se há excesso passa por uma cuidada interpretação do principio do artigo 664º do CPC segundo o qual, e
para além da interpretação, aplicação e indagação das normas jurídicas ou outras regras de direito, o juiz só pode servir-se
de factos articulados pelas partes. (cf., ainda, o artigo 264º).
A tendência vai no sentido de, e para prosseguir também a verdade material, o juiz dever atentar nos factos
instrumentais e de "outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa,
desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício
do contraditório" (nº 3 do artigo 264º CPC).
Esta ponderação pode ser feita aquando da redacção da resposta explicativa que, assim, e se contida naqueles
precisos limites e com garantia de contraditório, não seria de considerar excessiva.

1.2 - Feito este breve bosquejo, analisemos o quesito posto em crise.


Perguntava-se: "A Autora ficará acometida de uma IPP que hoje não é possível quantificar?"

Respondeu-se: "Provado que a Autora ficou com uma incapacidade permanente global de 40% e impedido de
exercer a sua actividade profissional habitual".
Diga-se antes de mais que o quesito poderia ter sido desdobrada, perguntando-se se a Autora sofreria de IPP e
noutro quesito (agora reportado ao alegado nos artigos 23º e 24º da petição inicial) se "ainda hoje" - expressão do articulado
- não é possível quantificar. (Este facto serviu de suporte ao pedido de liquidação em fase executiva).
A Relação considerou que pode "estar-se perante uma situação limite" e que "a resposta poderia ficar mais fácil".
E tem razão neste ponto.

77
Respondendo afirmativamente à existência da incapacidade, a resposta contém-se nos limites estritos do
perguntado.
Na parte em que quantifica a IPP, poderá aceitar-se (atendendo à prova produzida, ao contraditório sobre a
mesma - fls. 184/199, 200 a 202) o seu não excesso.
Mas já a conclusão de incapacidade "para exercer a sua actividade profissional habitual" é manifestamente
excessiva e exuberante, por se tratar de um facto não alegado (a Autora limitou-se a dizer que sofreria - e tal iria ser
apurado em momento ulterior - de "serias limitações da capacidade de execução normal e natural da sua função laboral...")
sendo que o que se respondeu em muito excede o alegado, por estender a incapacidade ao exercício da actividade
profissional.
Deve, em consequência, ter-se por não escrita esta parte excrescente quedando, apenas, o grau de IPP, sendo
que este Supremo Tribunal tal pode conhecer e determinar por se tratar de matéria de direito - errada aplicação das normas
legais sobre a formulação e as respostas aos quesitos. (cf. o Acórdão do STJ de 27 de Outubro de 1994 - BMJ 440-478).

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Alberto Sobrinho) de 11-12-2008, no Pr.º 08B3602:

«1. As respostas aos pontos da matéria de facto levados à base instrutória não têm de ser necessariamente
afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas, mas desde que se contenham na matéria de facto
articulada. A resposta explicativa é aquela que se limita a aclarar o sentido da factualidade vertida no respectivo ponto
controvertido, respeitando o sentido dessa mesma factualidade.
A resposta será já exorbitante quando contempla factos não contidos no ponto controvertido. Sendo excessiva a
resposta, não pode a mesma ser considerada, devendo, nessa parte, ter-se como não escrita.

1. resposta excessiva ao ponto controvertido nº 43 da base instrutória

Porque interligados entre si, já que reportados à mesma situação factual, transcrevem-se os pontos controvertidos
nºs 41 a 43 da base instrutória:
A R adquirente projectou afectar a quinta em causa a uma instância de turismo e lazer? – nº 41.
Projectando a construção de um campo de golfe, com o apoio de unidades hoteleiras e construção de zona
residencial? –nº 42.
Projecto para o qual obteve a declaração de interesse público municipal? – nº 43.

Estes pontos controvertidos mereceram a resposta:


Provado que a ré JJ, Lda. adquiriu a Quinta dos Coviais de Cima com o fim de na mesma vir a ser instalada urna
instância de turismo e lazer nº 41.
Provado que, instância esta integrada por um campo de golfe, hotel e zona residencial – nº 42.
Provado que, tendo sido solicitado pela empresa NN, Hotéis, Lda. à Câmara Municipal da Guarda um pedido de
informação prévia sobre a construção de campo de golfe com empreendimento turístico, na Quinta dos Coviais de Cima,
por deliberação da mesma Câmara de 17 de Setembro de 2003, foi concedido o Interesse Municipal ao projectado
investimento – nº 43.
As respostas aos pontos da matéria de facto levados à base instrutória não têm de ser necessariamente
afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas, mas desde que se contenham na matéria de facto
articulada. A resposta explicativa é aquela que se limita a aclarar o sentido da factualidade vertida no respectivo ponto
controvertido, respeitando o sentido dessa mesma factualidade.
A resposta será já exorbitante quando contempla factos não contidos no ponto controvertido. Sendo excessiva a
resposta, não pode a mesma ser considerada, devendo, nessa parte, ter-se como não escrita.

Na situação vertente, estava em causa averiguar se a ré obteve para determinado projecto de turismo e lazer a
levar a cabo no prédio objecto da preferência a declaração de interesse público municipal. E a resposta a esta situação de
facto controvertida veio esclarecer que o interesse municipal a esse projectado investimento foi efectivamente concedido e
que foi concedido na sequência de um pedido de informação prévia sobre a construção apresentado pela empresa NN,
Hotéis, Lda.
Consideramos ser de natureza explicativa esta resposta na medida em que dá como adquirido que a projectada
instância de turismo e lazer a construir obteve a declaração de interesse municipal, esclarecendo ainda o modo como essa
declaração foi concedida.
Este interesse municipal não foi concedido a um qualquer abstracto investimento, mas àquele investimento
concretizado na instalação de uma instância de lazer e turismo, na Quinta dos Coviais de Cima.
Pode-se, por isso, afirmar que esta resposta respeita o sentido da matéria de facto articulada, não contemplando
factos estranhos a essa factualidade, ou seja, não é excessiva».

78
Da resposta não provado não se pode concluir pela prova do facto contrário ao que se perguntava – por todos, o
BMJ 465-532

Em 14 de Abril de 1999 (DR IA, de 17.7.99) o STJ tirou AUJ no sentido de que Nas causas
julgadas com aplicação do CPC de 1961, com as alterações introduzidas pelo Dec-lei nº 242/85, de 9
de Julho, não é admissível recurso para o STJ pelo que respeita à organização da especificação e
questionário.

O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto
da decisão final – n.º 3 do art. 511º.

Das decisões da Relação previstas nos números anteriores (decisões sobre a matéria de facto)
não cabe recurso para o STJ – n.º 6 do art. 712º.

Outras finalidades - 508ºA, nº 2, al. a) a c): quando tenha havido audiência preliminar, indicar
meios de prova, designar, se possível, data para a audiência final e requerer a intervenção do Colectivo
ou a gravação da audiência.
SANEADOR - 510º

Se na audiência preliminar não foi ditado para a acta o saneador ou se não houve audiência
preliminar, tem o Juiz o prazo de 20 dias para proferir despacho que, por se destinar, essencialmente,
a apreciar os aspectos jurídico-processuais da acção, recebe a designação tradicional de saneador.

As finalidades próprias deste despacho são, nos termos do art. 510º, nº 1,

a) - conhecer das excepções dilatórias e nulidades, suscitadas ou de conhecimento oficioso.


Tudo aconselha a que se siga a ordem designada no art. 288º, com remissão para o art. 494º,
incluindo a admissibilidade ou não de reconvenção deduzida, nos termos do art. 274º, n.ºs 2 e 3, e a
admissibilidade de resposta ou réplica que tenham de, por inadmissíveis, ser desentranhadas.
Se para o conhecimento de alguma excepção for necessário juntar algum documento, deve o
Juiz, nos termos dos art. 265º e 266º, mandá-lo juntar para que nada fique por decidir ou para mais
tarde, caso em que se negaria este fim de saneamento que é próprio do saneador.

b) - conhecer de excepções peremptórias que, como se sabe, levam a decisão de mérito,


quer o conhecimento seja no sentido da procedência quer da improcedência - 691º, nº 2,
al. h) e 510º, nº 3.

Estas excepções devem ser conhecidas oficiosamente - 496º -, a menos que o respectivo
regime de direito substantivo faça depender o conhecimento de alegação dos interessados: 287º, nº 1
(anulabilidade), 303º (prescrição), compensação (848º, nº 1) e caducidade que verse sobre direitos
disponíveis (333º, nº 2).

c) - conhecer total ou parcialmente do ou dos pedidos formulados - sempre que o estado do


processo o permita, sem necessidade de mais provas.

Tal acontecerá quando toda a matéria de facto estiver provada por confissão (expressa ou
tácita) ou por documentos ou quando os factos controvertidos forem indiferentes para a decisão.

79
Se todos os factos carecem e exigem prova documental, deverá o Juiz notificar as partes para
os juntar e não quesitar tais factos, porque o Julgador de facto não se pronunciará quanto a eles - 646º,
nº 4.

No caso de haver duas soluções plausíveis, uma das quais carece de prova de factos, deve
elaborar-se questionário e não decidir por uma delas.

Nos termos do nº 3, 2ª parte, do art. 510º, o despacho saneador que conheça de alguma
excepção peremptória ou do pedido, conhece do mérito e fica tendo, para todos os efeitos, o valor de
sentença – n.º 3 do art. 510º; dele cabe recurso de apelação - 691º, nº 1 e 2, al. h).

Não sofre hoje dúvida a possibilidade de julgamento parcial – 510º, 1, b) - decidindo-se, por
exemplo, a entrega do prédio reivindicado e deixando para final a decisão sobre indemnização pela
ocupação ou o pedido reconvencional por benfeitorias; condenando na entrega do capital mutuado e
seguindo o processo para apreciação dos controversos juros.

O saneador só faz caso julgado (formal) quanto às excepções e nulidades - 510º, nº 3, por
remissão para a al. a) do nº 1 - concretamente apreciadas.
Já antes se entendia que o saneador não constitui caso julgado formal quando se limita à
declaração genérica sobre a inexistência de excepções ou nulidades, sem efectuar uma apreciação
concreta destas - Col. STJ 99-II-85 - salvo quanto à legitimidade para que havia, em sentido afirmativo,
o Assento de 1.2.63, no D.G. I, de 21.2.63.

Não há recurso da decisão que, por falta de elementos, relegue para final matéria que lhe
cumpra conhecer - 510º, nº 4.

O nº 5 do art. 510º resulta da revogação do art. 1036º que se integrava nos chamados meios
possessórios.
Ver, quanto a indicação de provas, requerimento de intervenção do Colectivo ou gravação da audiência e
alteração do rol de testemunhas, o art. 512º, na redacção de Setembro de 1999 (n.º 1) e do Dec-lei n.º 38/2003, de 8 de
Março (n.º 2), o 512ºA (alteração do rol de testemunhas).

FASE da SENTENÇA - 658º a 670º

Decidida a matéria de facto, se as partes não acordaram na discussão oral do aspecto jurídico
da causa - 653º, nº 5 - e se não prescindirem da sua discussão escrita, a Secretaria deve facultar o
processo, por dez dias, aos advogados das partes - o prazo de dez dias é único para cada parte, ainda
que haja vários AA ou RR e vários advogados (Col. Jur. 97-V-83) - para que possam alegar por escrito,
aplicando a lei que entendam aplicável aos factos julgados assentes - 657º .
Esgotado o prazo, é o processo concluso ao Juiz que deve proferir sentença em trinta dias -
658º .
A sentença compõe-se de três partes - 659º, 1 e 2:

- Relatório - nº 1,
- Fundamentação de facto - n.ºs 2 e 3 - e de direito - nº 2.
- Decisão - nº 2.

80
Logo após o relatório - em cuja parte final o Juiz deve fixar as questões a decidir - cumpre ao
Juiz da sentença discriminar os factos que considera provados, pois é a esta factualidade que vai
aplicar a lei para concluir pela decisão final.
Mas os factos a que deve atender não são, apenas, os que o Colectivo ou o Julgador de facto
teve por assentes. E pode até acontecer que o Julgador de direito tenha de rejeitar factos julgados
provados pelo Colectivo, em cumprimento do nº 4 do art. 646º.
Nos termos do nº 3 do art. 659º, o Juiz da sentença deve tomar em conta os factos admitidos
por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, ainda que não tenham sido
levados aos factos assentes ou especificação ou o Colectivo os tenha julgado não provados, os que
podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados, os factos notórios (514º, 1) e
os de conhecimento oficioso (660º, 2, parte final).

«A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as
excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas de normas
processuais, sejam de normas de direito material. Na anterior decisão sobre a matéria de facto (do tribunal colectivo ou do
tribunal singular que presidiu à audiência final), foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre
apreciação do julgador (ver o n.° 2 da anotação ao art. 655). Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além desses, os
factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante
(ver o mesmo local), independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase da condensação (ver o n.° 4
da anotação ao art. 511 e o n.° 5 da anotação ao art . 512).
Ao fazê-lo, o juiz examina criticamente as provas, mas de modo diferente de como fez o julgador da matéria de
facto: não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova, mas de verificar atentamente se existiram os
factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de
direito probatório.
Nomeadamente, o documento, o objecto da declaração confessória e o articulado de resposta no seu conjunto
hão-de ser interpretados para se determinar o âmbito concreto dos factos abrangidos pela sua força probatória. Nos casos
de presunção sticto sensu, o facto que lhe serve de base, quando não resulte provado por outro meio com força probatória
legal (admissão, confissão ou documento), terá resultado do julgamento em audiência, o que pode explicar que a lei omita
referir-se-lhe no art. 646-4 e no n.° 3 do artigo ora anotado.

Factos dados como provados em audiência e factos dados como provados na sentença constituem o substracto,
reportado ao momento do encerramento da discussão de facto (art. 663, nº 1), da operação de subsunção própria da
sentença, tradicionalmente designada como de silogismo judiciário, mas hoje reconhecida como indo muito além da área
limitada dos raciocínios da lógica formal (veja-se, por exemplo, ANTUNES VARELA, Manual cit., ps. 673-674, e LEBRE DE
FREITAS, A acção declarativa cit., 21 (5)).
Aos factos assentes o juiz aplica o direito, sem sujeição ao que as partes tiverem sobre ele alegado (art. 664)…» -
Lebre de Freitas e outros, notas ao art. 659.º do CPC

Ora, além de a lei não impor, nesta fase da sentença, a indicação dos factos julgados não provados (ao contrário
do que acontece no direito processual penal) os Recorrentes não indicam – nem se vê - nenhum facto que devesse ser
atendido pelo Julgador de direito, além dos que o Colectivo (o Julgador de facto) deu como provados. E que, com o se viu e
está expresso no n.º 3 do art. 659.º, seriam factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão
reduzida a escrito.
Só em relação a tais factos se impõe ao Julgador de direito, ao Juiz da sentença, o exame crítico das provas que
lhe cumpre conhecer.

O Juiz da sentença é, também e nesta medida, julgador de facto8.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Santos Bernardino) de 16.9.2008, no Pr.º 08B2103:


«…
3.1. Não obstante o sentido da decisão da Relação, a recorrente persiste, no presente recurso, na confusão já
apontada. Disso é exemplo o que refere na primeira das suas ditas “conclusões”, tal como acima a deixámos sintetizada.
Na verdade, dispondo o n.º 3 do art. 659º que, na fundamentação da sentença, o juiz deve, além do mais, fazer «o
exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer», assevera o recorrente que, não tendo sido feito, na sentença da 1ª
8
- A. Varela, Manual, 664 e Lebre de Freitas, 284 e 285.

81
instância, esse exame crítico, esta enferma de nulidade, nos termos do art. 668º/1.b) – nulidade que a Relação deveria ter
declarado.
E, no dizer da recorrente, a aludida «falta de exame crítico», na sentença, traduziu-se, designadamente, em não
se referir aí “que valor tiveram as suas testemunhas ou quaisquer outras ouvidas nos autos”, nem, tão pouco, “se os
documentos juntos foram ou não devidamente valorados”.
É patente a sem-razão da recorrente.
Uma coisa é o julgamento da matéria de facto e as exigências que tal julgamento comporta, às quais se refere o
art. 653º; coisa diferente é a sentença, a decisão final, normalmente decisão de mérito (sobre o mérito da causa), cuja
estrutura vem definida no art. 659º.
Aquilo que a recorrente toma por «fazer o exame crítico das provas» (art. 659º) é, afinal, a análise crítica das
provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador na decisão da matéria de
facto, a que alude o art. 653º n.º 2.
Que assim é, ressalta à evidência no recurso que interpôs para a Relação, no qual as citações que faz de
conhecidos processualistas, se reportam a este último normativo – ao julgamento da matéria de facto – e não à elaboração
da sentença.
É referindo-se à decisão sobre a matéria de facto e sua fundamentação (art. 653º/2) que M. TEIXEIRA DE SOUSA
afirma:
Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (arts. 655º, n.º 1, e 652º,
n.º 3, al. b) a d)), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da
experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não
provado.
(...)
A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o conteúdo desse meio (por exemplo, o depoimento da
testemunha), determinar a relevância do meio de prova (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou
desconhecer o facto) e avaliar o meio de prova (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório
pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua
convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar
de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não
provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à
demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade
do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos
(6) .
Quanto à sentença – ao conteúdo material desta – o mesmo ilustre Professor, depois de aludir à necessidade da
sua motivação, através da exposição dos fundamentos de facto e de direito, e de explicitar que devem ser utilizados como
fundamentos de facto todos os factos que foram adquiridos durante a tramitação da causa, procede à indicação e
concretização dos factos a ter em conta – os enunciados no n.º 3 do art. 659º – neles incluindo os factos que resultam do
exame crítico das provas, isto é, aqueles que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados (cfr.
arts. 349º a 351º CC) (7).
E acrescenta, logo de seguida:
O sentido da decisão depende dos factos fornecidos pelo processo, com consideração do princípio da aquisição
processual (art. 515º), e da análise do cumprimento do ónus da prova (cfr. art. 516º; art. 346º, 2ª parte CC). Se todos os
factos que conduzem à aplicação de uma norma jurídica estiverem adquiridos no processo, o tribunal pode proferir uma
decisão favorável à parte onerada com a prova, seja ela uma decisão de mérito condenatória ou absolutória. Se isso não se
verificar, o tribunal profere uma decisão contra a parte onerada com a prova (art. 516º; art. 346º, 2ª parte CC) (...).
Nisto se traduz – dizemos nós agora – «o exame crítico das provas» a que, na sentença, o juiz deve proceder.
Neste sentido vai ainda a lição do Prof. CASTRO MENDES (8), que, no esclarecimento das “fundadas dúvidas”
que pode levantar a expressão legal em análise, e dando resposta à questão de saber quais são as provas que ao juiz, na
sentença, compete conhecer e fazer o exame crítico, adianta que o art. 659º, n.º 3, se refere a duas figuras que podem, em
sentido lato, ser consideradas “provas” ou meios de prova: as presunções e o chamado ónus da prova.
E concretiza, assim, o seu pensamento:
a) Se da especificação ou do acórdão do tribunal colectivo (ou, acrescentamos nós, da decisão do juiz singular)
constarem factos (indiciários) donde se possa concluir outros por presunção – de facto ou de direito – é lícito ao juiz tirar
essa conclusão.
b) A prova produzida pode não ter permitido resolver alguma questão de facto.
Neste caso de dúvida insanável ou irredutível (ou questão insanável ou irredutivelmente incerta), a nossa lei
manda aplicar (...) o sistema algo impropriamente dito do ónus da prova. A aplicação deste sistema é uma das formas de
fixação dos factos que ao juiz “compete conhecer” neste momento, nos termos do art. 659º, n.º 3.
A isto se reconduz, pois, a exigência imposta ao juiz sentenciador.

82
Como bem refere a Relação, não é na sentença “que o tribunal vai fazer constar o motivo que o levou a dar maior
ou menor credibilidade a esta ou àquela testemunha, à conformidade do conteúdo de determinado documento com a
realidade, etc. A sede própria para o fazer é no despacho em que se responde à matéria de facto e quanto a este, o Juiz a
quo foi suficientemente fundamentado quanto à análise crítica da prova e às razões que, articuladamente, o fizeram
acreditar em determinada versão dos factos alegados pelas partes”.
Resulta, assim, do exposto, que não se verifica a arguida nulidade da sentença – arguição, aliás, em profunda
contradição com a argumentação expressa pela recorrente e recolhida na “conclusão” 2ª, supra indicada; e também, como
resulta do exposto, carece de razoabilidade e de suporte legal a pretendida remessa dos autos à 1ª instância para suprir o
(inexistente) vício de falta de fundamentação da sentença.»

Antes de entrar no conhecimento das questões de fundo, deve o Juiz verificar a presença dos
pressupostos processuais cujo conhecimento tenha sido relegado para final ou de que lhe seja lícito
conhecer (de conhecimento oficioso e a todo o tempo - incompetência absoluta, 102º, 1 - até porque o
saneador só faz caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas - 510º, 3.
Se não houver motivo para absolvição da instância - 660º, 1 - o Juiz entra na apreciação do
mérito.
É àquele conjunto de factos, e bem assim aos que se produziram posteriormente à propositura
da acção (art. 663º9 e BMJ 454-606) que o juiz vai aplicar a lei, sem sujeição ao que as partes tenham
alegado, pois no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito o Tribunal não
está sujeito às alegações das partes - 664º. É seu dever resolver todas as questões que as partes
submeteram à sua apreciação, excepto aquelas cujo conhecimento fique prejudicada pela solução
dada a outras - 660º, nº 2: Julgada procedente a excepção da prescrição, a acção improcede sem
necessidade de entrar na apreciação dos factos integradores da causa de pedir.
A sentença não pode condenar em mais, em quantidade superior ou em objecto diferente do
que se pediu - 661º, nº 1 - mas pode condenar logo na parte líquida e relegar para execução de
sentença a liquidação do restante - 661º, nº 2.

Resulta daquele n.º 1 que

- quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no


pressuposto da sua validade (mútuo ou contrato promessa nulos) e se na acção estiverem fixados os
necessários factos materiais, deve condenar a parte na restituição do recebido (capital mutuado, sinal
prestado), com fundamento no nº 1 do art. 289º do CC - Assento de 28.3.95, no DR. de 17.5.95;

- O Tribunal não pode, nos termos do nº 1 do art. 661º, quando condenar em dívida de valor,
proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor - AUJ,
DR. IA, de 26.11.96.

Quanto a maior ou menor latitude em remeter a liquidação para execução de sentença,


defendendo alguns que esta norma não deve servir para dar ao A. uma segunda oportunidade de
prova quanto a factos que não provou, pode ver-se os Ac. na Col. Jur. 96-5-192 e BMJ 445-475.
«A admitir-se a liquidação da sentença pretendida pela recorrente, como ela foi proferida depois de 15 de
Setembro de 2003, embora em processo pendente nessa data, o regime aplicável é o decorrente da alteração da lei
processual pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (artigo 21º, nº 3).
Em consequência, se não houver elementos para fixar a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser
liquidado, mas a liquidação que deva ocorrer já não o pode ser em execução de sentença, mas apenas no incidente a
implementar no próprio processo da acção declarativa (artigos 378º, nº 2 e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil).

9
- Sobre a interpretação desta norma, factos atendíveis (pagamento de dívida) ou sem qualquer influência
(causa de resolução do arrendamento - hospedagem, falta de residência - que desapareceu) veja-se A. Varela,
op. cit., 678.

83
Ao referir-se à inexistência de elementos para fixar a quantidade, a lei não distingue entre os casos em que são ou
não formulados os pedidos genéricos a que se reporta o artigo 471º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Ora, onde a lei não distingue, também ao intérprete não é legítimo distinguir, salvo se houver ponderosas razões
de sistema que o imponham, ressalva que não ocorre no caso vertente.
É, pois, pressuposto da remessa para o incidente de liquidação a que se fez referência a inexistência de
elementos necessários à quantificação em causa, independentemente de ela haver ou não resultado do fracasso da prova.
Dir-se-á, em síntese, que o tribunal, se não tiver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, condenará no
que vier a ser liquidado, quer o pedido seja de montante determinado ou de montante genérico.
Assim, o normativo do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, ao invés do que foi considerado na
sentença proferida no tribunal da 1ª instância, confirmada pela Relação, aplica-se não só no caso de haver sido formulado
um pedido genérico como também na situação em que se formulou um pedido específico e não se conseguiu a prova de
elementos suficientes para precisar o objecto e ou a quantidade da condenação.
Por isso, a mera falta de prova na acção declarativa do objecto ou da quantidade não implica decisão de
absolvição do pedido, antes justificando a condenação no que se liquidar no incidente acima referido.
No caso vertente, conhecem-se a facturação global das rolhas, designadamente a sua quantidade e preço, os
defeitos em algumas delas, as notas de débito emitidas pela recorrente, naturalmente no pressuposto da existência dos
mencionados defeitos.
Certo é, que se não conhece ainda a quantidade e qualidade das rolhas que estavam afectadas de defeito, e
consequentemente, o montante a considerar na redução do preço pretendida pela recorrente.
Todavia, o referido défice de elementos pode ser suprido por via do referido incidente de liquidação, tendo em
conta a própria avaliação judicial a que acima se fez referência.

Sobre condenação da A. por prejuízos pedidos em reconvenção e a liquidar em execução de


sentença veja-se o Ac. do STJ, de 19.4.01, na Col. (STJ) 01-II-32:
7.1. Acontece, no caso em apreço, que existe prova dos factos, mas não existe prova do montante exacto do
prejuízo decorrente do cumprimento defeituoso do contrato de fornecimento das torneiras e demais produtos e louças
sanitárias, à importadora inglesa, aqui recorrente.
O Supremo Tribunal de Justiça já analisou várias situações paralelas à que está aqui em causa. Porventura a
mais recente (sob reserva do limite até onde conseguimos levar a investigação) foi no acórdão de 25 de Novembro de 1999,
(Revista 39180/99), dizendo-se aí, que:
«Para condenar na quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, não precisa o tribunal que lhe tenha
sido formulado um pedido genérico, certo como é, que o artigo 661º-2, do C.P.C., que permite a condenação no que se
liquidar em execução de sentença, tanto é possível no caso de se ter formulado um pedido genérico, como no caso de se
ter formulado um pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para fixar, com precisão e segurança,
o objecto ou quantidade da condenação». Cremos que esta orientação é pacífica (5).
8. Seria finalmente, uma injustiça judicativa pouco aceitável, reconhecer o crédito do autor, nunca negado pela ré -
que, aliás, cumpriu pontualmente uma boa parte, pontos 5, 6, 7, 8 e 9, da parte III - e não reconhecer o contra crédito
recíproco da ré, oriundo do contrato continuado de fornecimento defeituosamente cumprido pelo autor, nos termos que se
assinalaram no ponto 5, desta parte IV.
Reconhecido o defeito e o consequente cumprimento defeituoso do contrato, condenar no pagamento do crédito
por ser líquido, e absolver o contra crédito proveniente do mesmo contrato, posto que provado o dano, mas não o seu
quantum, constituiria um privilégio intolerável, beneficiando uma parte no contrato, em detrimento da outra, sem nenhuma
causa jurídica justificativa da discriminação dos dois créditos.
A nosso ver, e com o devido respeito pela decisão recorrida, estaríamos face à negação da chamada justiça
comutativa dos contratos, falada na doutrina, quer nacional, quer estrangeira, e cuja citação, aqui, se afigura pouco
recomendável, por contenção do discurso.
O contra-crédito do reconvinte deve pois ser reconhecido e ter como efeito, pese embora a sua ilíquidez, não
obstar à invocada compensação, conforme dispõe o artigo 847º-1 e 3, do C.C.

V - Decisão
Termos em que, tudo ponderado, acordam os juízes que compõem a 7ª secção cível do Supremo Tribunal de
Justiça, em prover o recurso, e revogando o acórdão recorrido, julgar parcialmente procedentes, tanto o pedido da acção,
como o pedido da reconvenção, reconhecendo a declaração da compensação recíproca dos créditos da A. e da ré,
remetendo-se as partes para liquidação em execução de sentença do crédito da ré referente à indemnização por dano, por
via de cumprimento defeituoso do contrato estabelecido entre A. e ré.

84
E, efectuada a liquidação integral e compensação dos créditos válidos, exigíveis, liquidáveis e recíprocos, nessa
liquidação em execução de sentença, se condenará A. ou a ré, conforme for caso, ao pagamento da quantia que resultar da
diferença dos créditos integralmente liquidados».

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Luís Fonseca) de 12/05/2005, no P.º 05B1234:

«…dispõe o art. 661º, nº 2, do C.P.C. que, não havendo elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal
condenará no que se liquidar em execução de sentença.
Assim, é a própria lei processual a impor a condenação a liquidar em execução de sentença quando não há
elementos para determinar o montante de um prejuízo.

Como refere o Cons. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", Vol. III, págs. 232 e 233, « A
condenação no que se liquidar em execução de sentença é de proferir tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico,
como no ter sido apresentado pedido específico e não ter sido possível determinar o objecto ou a quantidade da
condenação.»
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava que « ... o comando do 2º período do art. 661º (idêntico ao do nº 2 do vigente
art. 661º do C.P.C.) tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico ..., como ao caso de se ter
formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o
objecto ou a quantidade da condenação (...)» - cfr. "Código de Processo Civil anotado", Vol. V, página 71».

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Sebastião Povoas) de 24.10.2007, no P.º 06A1858:



«Na acção declarativa - cuja decisão final é título executivo - foi remetido para execução de sentença, nos termos
do nº 2 do artigo 661º do CPC, o "quantum" indemnizatório, por ter sido entendido não existirem elementos bastantes para o
fixar.
Tal situação, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Junho de 1997 - Pº 846/96 1ª -,
acontece "não como consequência de fracasso da prova na acção declarativa, mas sim como a consequência de ainda se
não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou
estarem em evolução alguma ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa."

Uma vez assente a existência de danos mas não se tendo apurado com precisão o seu montante, e antes de
lançar mão da equidade, há que condenar no que se liquidar em execução de sentença.
Tem de estar provado o prejuízo, e apenas não determinado o "quantum debeatur", não se estando a facultar ao
autor uma nova oportunidade para provar os danos, se o não logrou fazer na fase declarativa.
A fase executiva destina-se, por isso, a uma mera quantificação.

E no caso de não se terem provado danos na acção declarativa, há, nessa parte, caso julgado material, impedindo
a reabertura da fase probatória na acção executiva (cf. v.g. Acórdãos do STJ de 19/4/01 - Acórdão STJ, 2ª, 33 - de 11 de
Janeiro de 2005 - Pº 4007/04, 6ª e Prof. Vaz Serra, RLJ 114º-310).

Assim, na acção declarativa são determinados os limites dentro dos quais se irá fazer a quantificação dos danos
não podendo, na execução, ultrapassar tais limites.

"In casu", na acção apuraram-se danos patrimoniais decorrentes dos 170 dias em que a Autora esteve
impossibilitada de trabalhar; um período de tempo em que não pode executar tarefas domésticas que exigiam maior
esforço; uma incapacidade permanente parcial para o trabalho, despesas em deslocações para consultas médicas de dois
em dois meses.

Foi relegada para a fase executiva a quantificação de cada uma dessas parcelas, designadamente - por ser o que
agora releva - a incapacidade de que ficou a sofrer».

Pode proferir-se condenação in futurum - 662º - mas não condicional, pois se o facto
condicionante do direito não está, ainda, verificado à data da sentença, o R. será absolvido, mas a
sentença não obsta a que se renove o pedido quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou
o facto se pratique - 673º.
Vícios da Sentença
A - Vícios formais

85
- Inexistência formal: proferida por quem não tem poder jurisdicional (funcionário, substituto
ilegal do Juiz, Juiz transferido de comarca que leva consigo processos atrasados para proferir sentença
com data anterior) ou sem competência funcional (decisão do colectivo - art. 646º, nº 4), sentença a
que falta a parte decisória.
A decisão inexistente10 não faz caso julgado, não produz quaisquer efeitos, pode ser declarada
em acção de simples apreciação e invocada a todo o tempo;

- Nulidade formal: sem assinatura do Juiz (668º, 1, a), decisão verbal quando a lei impõe a
forma escrita (796º, nº 7 e 157º, 1 e 3).

- Ineficácia formal: não notificada (685º, nº 1, o prazo de recurso conta-se desde a notificação)
ou proferida depois de extinto o poder jurisdicional (675º, 2 e 666º, 1 e 3), proferida contra quem não é
ou já não é parte na acção, contra pessoa inexistente ou incapaz, contra pessoa que goza de
imunidade de jurisdição.

B - Vícios substanciais
- Nulidades tipificadas no art. 668º, 1, salvo a falta de assinatura do Juiz (al. a) que constitui
nulidade formal, com regime próprio no nº 2 do art. 668º. Não são, em regra, de conhecimento oficioso
(668º, 3), devendo distinguir-se entre nulidades de processo (193º a 205º) e nulidades da sentença, as
agora tratadas.

Nos termos do art. 668, nº, 1, é nula a sentença quando ocorra:



b) - falta de fundamentação de facto e ou de direito. Viola-se o disposto nos art. 205º, 1, da
CRP, os art. 158º, 1 e 659º, 2, CPC. É maioritária a jurisprudência que entende que só a inexistência
total de fundamentação - e não também a fundamentação insuficiente - determina esta nulidade. Neste
sentido, p. ex., o BMJ 437-436. A fundamentação errada constitui erro de julgamento mas não
nulidade.

c) - oposição entre os fundamentos e a parte decisória. O Juiz considera, na fundamentação,


que o R. deve certa quantia, que é responsável por determinada indemnização, que o contrato é nulo,
mas decide em sentido contrário, oposto ou divergente àquela fundamentação, absolve o R. ou, no
caso de nulidade do contrato, condena-o no seu cumprimento. Há um desvio do processo lógico, um
vício de raciocínio.

d) - Omissão ou excesso de pronúncia. Violação dos art. 660º, nº 2. Conhecimento de matéria


que não é de conhecimento oficioso. Não constitui omissão de pronúncia se o Juiz se não pronuncia
sobre os argumentos jurídicos das partes - BMJ 464-464.

e) - Pronúncia ultra petitum. É sanção para a violação do art. 661º, 1.

Arguição
O regime da invocação da nulidade da decisão resultante de um vício de conteúdo ou
substancial (cfr. art. 668º, nº 1, al. b) a e) é o seguinte:

- se a decisão admitir recurso ordinário, a nulidade pode ser invocada como fundamento dessa
impugnação (art. 668º, nº 4, 2ª parte);
10
- Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 297, duvida da utilidade prática do conceito e inexistência.

86
- se o não admitir, a nulidade justifica a reclamação perante o próprio tribunal que proferiu a
decisão impugnada (art. 668º, nº 4, 1ª parte; cfr. também art. 670º, nº 1).

Ainda que a nulidade seja arguida em recurso, o juiz que proferiu a decisão pode (deve) supri-
la (art. 668º, nº 4, 1ª parte e n.º 5 do art. 670º).

A decisão nula que não for impugnada (por reclamação ou recurso) transita em julgado (art.
677º). Como a nulidade da decisão não é de conhecimento oficioso (art. 668º, nº 3), a sua não
impugnação implica a sanação dessa nulidade, pelo que ela se torna plenamente vinculativa e eficaz11.

A omissão do nome das partes ou de decisão quanto a custas, a rectificação de erros de


escrita, de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a lapso manifesto corrigem-se nos termos do art.
667º.

A obscuridade e a ambiguidade serão sanadas, tal como a reforma quanto a custas e multa e a
reforma (recurso encapotado para o próprio Juiz da sentença) a que se refere o novo nº 2 do art. 669º,
serão reclamadas e decididas nos termos dos art. 669º e 670º.

Todos estes meios de aperfeiçoamento da decisão judicial constituem excepção - nº 2 do art.


666º - ao princípio de extinção do poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, consagrado no
nº 1 do referido art. 666º.
Efeitos da Sentença

I - Esgotamento do poder jurisdicional.

Nos termos do art. 666º do CPC,


1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à
matéria da causa.
2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas
existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.
3. …

O esgotamento do poder jurisdicional apenas ocorre no tocante à matéria da causa, pois o Juiz
continua com competência para a condução do processo, para apreciar o requerimento de interposição
de recurso e praticar todos os actos necessários à expedição do processo ao tribunal ad quem. Além
dos compreendidos no aperfeiçoamento da sentença, como previsto no nº 2 do art. 666º.

II – Exequibilidade – independentemente do seu trânsito em julgado, a sentença é exequível,


nos termos do art. art. 47º do CPC.

III – Hipoteca judicial – art. 710º, nº 1, do CC.

IV - Efeitos laterais de direito material:

- O início de novo prazo de prescrição quando a sentença, transitada em julgado, condena o


devedor na prestação ou reconhece o direito de crédito (art. 311º CC), e o início da prorrogação por 2

11
- T. de Sousa, 224.

87
meses do prazo da prescrição iniciado com a citação, quando a sentença, também transitada em
julgado, é de absolvição da instância por motivo não imputável ao credor (art. 327-3 CC);
- O direito do fiador de exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do seu
eventual direito contra o devedor, se o credor contra ele obtiver sentença de condenação exequível
(art. 648º, al. a), CC);
- A constituição do devedor de prestação pecuniária em obrigação de juros, à taxa de 5% ao
ano, desde o trânsito em julgado da sentença (art. 829-A-4 CC).

V - Registo da sentença
Nos casos em que a propositura da acção está sujeita a registo, está a ele também sujeita,
depois de transitada em julgado, a sentença nela proferida (art. 3º, al. c) do CRPr.).
O registo faz-se por conversão em definitiva da inscrição, provisória por natureza, da acção,
quando a sentença a julgue procedente (art. 101º, nº 2, al. c) do C.R. Predial. Com o registo, o efeito
(declarativo ou constitutivo) da sentença retrotrai à data do registo da acção (art. 6º, nº 3, do CRP)12.

O primeiro e mais importante efeito da sentença é o caso julgado que pode ser

formal – 672º - apenas tem força obrigatória dentro do processo. Cabe às sentenças (que, sem
entrarem no conhecimento do fundo da causa, absolvem o R. da instância por falta de algum
pressuposto processual) e despachos que recaem unicamente sobre a relação processual. Razões de
ordem e disciplina no desenvolvimento do processo.

Ac. do STJ (Ex.ma Cons.º Prazeres Beleza) de 23.9.2008, no P.º 08B2022:

1. O caso julgado material não é oponível a quem não foi parte na acção em que foi proferida a decisão
correspondente.
2. A força de caso julgado de uma decisão de mérito não abrange o julgamento da matéria de facto.
3. A força probatória de uma decisão judicial coincide com a extensão do caso julgado material respectivo.
4. A certidão de uma sentença apenas prova que foi emitida uma decisão judicial com certo conteúdo; não faz
prova, nem dos factos, nem dos direitos reconhecidos na decisão.
5. Da celebração de um contrato-promessa de compra e venda não decorre a transmissão do direito de
propriedade.

material – 671º, 673º e 674º - Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a
todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) quando lhes seja submetida a mesma relação,
quer a título principal (repetida a da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial
(acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em
conformidade, sem nova discussão.
Este acatamento é-lhe devido de modo absoluto. Constitui dever oficioso do tribunal, não
dependendo da invocação da parte interessada (art. 495º, antigo 500°). Mesmo que chegue a ser
proferida nova decisão contraditória com aquela, esta é a que prevalece por ter passado em julgado
em primeiro lugar (art. 675º).
Compete às decisões que versam sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no pro-
cesso. Por isso tem força obrigatória dentro e fora do processo.

Assenta em razões de prestígio dos tribunais e de certeza ou segurança jurídica, de paz social.
Limites do caso julgado material – 671º:

A – subjectivos – 671º e 674º


12
- A Acção Declarativa Comum, J. Lebre de Freitas, 303 a 305

88
- a sentença só tem força de caso julgado entre as Partes, entendido este conceito de
Partes nos termos do art. 498º, nº 2 (sucessores, inter vivos ou mortis causa;
- acção contra incertos: só os que compareceram é que foram Partes, só estes ficam
abrangidos pelo caso julgado;
- indiferente a posição das partes: antes A. e agora R, ou vice-versa. O Caso Julgado
pode ser invocado tanto por via de acção como por via de excepção;
- acções de estado – 674º CPC13.
- substituição processual – 606º do CC (acção subrogatória) e 271º CPC;

B – objectivos – 673º

- O caso julgado visa obstar a decisões concretamente incompatíveis;


- a nossa lei consagrou a teoria da substanciação que exige sempre a indicação do acto ou
facto jurídico em que se funda o direito afirmado pelo Autor;
- o objecto da acção, da decisão e a extensão objectiva do caso julgado devem coincidir entre
si e identificam-se pelo pedido e causa de pedir – art. 497º e 498º - além da identidade das partes;
Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 178, diz, louvando-se em M. Andrade, que:
«... a sentença só define a relação material controvertida tal como existia ao tempo em que foi pronunciada ... Se a
relação substancial sofre alteração posterior o caso julgado não opera, porque a alteração vem a tra duzir-
-se numa modificação da causa petendi.»

M. Andrade afirma que de um modo geral:

«A sentença só define a relação material controvertida, tal como ela existia ao tempo em que a mesma decisão foi
pronunciada (rectius, o tempo do encerramento da discussão …) não impede as vicissitudes ulteriores próprias da relação
tal como foi definida - nem obsta, portanto, a novas decisões proferidas nessa conformidade.»

M. Teixeira de Sousa, «Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», no Boletim do Ministério da Justiça, nº
325, pág. 85, escreve, mais recentemente:
«... são abrangidos pela preclusão fáctica ... activa os factos dispensáveis para a individualização do objecto do
processo e alegáveis até ao encerramento da discussão ou equivalente».
Esta tomada de posição doutrinal tem inteira cobertura no artigo 673.°, aliás expressamente citado por Alberto dos
Reis e Manual Andrade, ibidem, onde se lê, sob a epígrafe de alcance do caso julgado:
«A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga; se a parte decaiu por não estar
verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não
obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.»
Aplicando estes princípios ao caso dos autos, temos como seguro não se encontrar precludida para os autores a
possibilidade de, nesta acção nº 130/86, terem alterado, como alteraram - cfr. o nº 3 deste - a causa de pedir invocada na
acção nº 67/80, com o adicionamento fáctico que afirmaram de os réus, posterior mente à decisão definitiva desta primeira
acção, se haverem recusado a cumprir o falado contrato-promessa, depois de terem sido notificados judicialmente para tal.
Sendo, como acabamos de ver, diferentes as causas de pedir invocadas nas suas referidas acções, bem andaram
as instâncias em julgar improcedente a excepção do caso julgado invocado pelos réus.
Tomada de posição esta que, como vimos, também se justifica, e directamente, a partir do segmento final do
transcrito artigo 673.°, uma vez que, tendo os autores decaído na acção nº 67/80 por não terem interpelado os réus para
cumprirem, haverem, posteriormente, praticado este facto, que vieram a alegar na presente acção nº 130/8614».

Como se vê dos seguintes sumários, não tem sido outro o entendimento praticamente uniforme da Jurisprudência:
Não se verifica o caso julgado em relação a decisão que em determinado momento reconheceu que a denúncia
do contrato de arrendamento rural punha em risco a subsistência do arrendatário, posto que a segunda decisão se reporte a
denúncia efectuada em momento posterior, com base em factos temporalmente diferentes15.

13
- Ver Rodrigues Bastos, III, nota ao art. 674º do CPC.
14
- Ac. do STJ, de 7.2.91, no BMJ 404-355/356.
15
- Ac. da Relação de Évora, de 25.1.1999, no BMJ 484-449.
16 - Ac. da Relação de Évora, de 21.1996, no BMJ 455-587.

89
Quando em duas acções se alega a falta de residência permanente do inquilino, mas respeitante a períodos de
tempo diferente, não se forma caso julgado16.

Não existe caso julgado, por não haver identidade da causa de pedir, entre duas acções de despejo em que o
autor sustentando, em ambas, a necessidade da mesma casa para habitação própria, alega na segunda acção proposta
que namora há vários anos e tem o casamento aprazado, apenas não tendo casado em virtude de não ter casa própria para
se poder instalar e constituir família, factualidade esta que não alegara na primeira acção que propôs17.

Não se forma caso julgado se a falta de residência permanente a que se referem as duas acções respeita a
períodos de tempo diferentes18.

Se uma acção de despejo, com base em denúncia para habitação do senhorio, improceder, em virtude de o autor
ter omitido a alegação de que a carência de casa para habitação própria se verificava há mais de um ano, inexiste qualquer
obstáculo a que ele proponha nova acção em que, suprindo tal falta, alegue o requisito em causa19.

Pode dizer-se que, em regra, «o que adquire a força e a autoridade de caso julgado é a
posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e a concessão
ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as
razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver
para chegar àquela conclusão (pontos ou questões prejudiciais)»20.

Ac. do S.T.J. de 13-5-2003, na Col. Jur. (STJ) 2003-II-60:


I – Em matéria de caso julgado a nossa lei consagra a doutrina da substanciação, abrangendo-se no caso julgado
os factos invocados que forem injuntivos da decisão.
II – Foi decidido numa acção, invocando-se como causa de pedir o abuso de representação, que uma venda era
ineficaz em relação à autora e condenou-se o réu vendedor do terreno com construções aí implantadas a entregar o prédio
com as construções.
III – A autora propôs nova acção contra os adquirentes das construções invocando como causa de pedir o abuso
de representação, mas sem a indicação de factos adjuvantes necessários à ineficácia e nulidade da escritura de venda
quanto aos adquirentes.
IV – Esta acção constitui caso julgado relativamente a outra em que a causa de pedir é o abuso de representação
e a que são acrescidos os factos adjuvantes que tenham sido omitidos na acção anterior.

Ac. do S.T.J. de 18-10-2001, na Col. Jur. (STJ), 2001-III-90:


I – A problemática da extensão do caso julgado aos incidentes e questões prejudiciais está ligada ao âmbito do
caso julgado segundo a teoria da substanciação (nele se abrangendo o facto indispensável para a decisão e esta) ou da
individualização (abrangendo tão-só a pretensão do autor).
II – O âmbito das sentenças são os termos em que se julga, necessariamente dentro da relação jurídica
controvertida, quer a do processo principal, quer a da questão prejudicial e sempre com os mesmos pressupostos de
identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir.

Ac. do S.T.J. de 30-4-1996, na Col. Jur. (STJ), 1996-II-48:


I – O legislador deixou à doutrina e à jurisprudência a solução dos casos em que o caso julgado devia abranger,
além da decisão, os seus fundamentos necessários.

16

17
- Ac. da Rel. de Évora de 12-1-1995, no BMJ 443-461.

18
- Ac. da Rel. de Lisboa de 4-2-1992, na Col. Jur. 1992-I-153.

19
- Ac. da Rel. de Lisboa de 11-4-1991, na Col. de Jur., 1991, 2, 169.

20
- Noções Elementares, Processo Civil, 1979, pág. 318 No mesmo sentido Antunes Varela, Manual de Processo
Civil, 2ª ed., 1985, págs. 710 a 719, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratórío, vol. III pág. 392.

90
II – Quando a decisão da questão preliminar for tal que seja de considerar como solicitada pela parte a sua
decisão, e como tal deva ser entendida pela parte contrária, deve-lhe ser estendida a eficácia do caso julgado.
III – Tendo a ex-mulher pedido a condenação do ex-marido com fundamento em que no inventário para a
separação das suas meações o marido escamoteou à partilha dois cheques, acção que procedeu, tal decisão tem eficácia
de caso julgado quanto à intenção de sonegação de bens.

«Consoante o exposto, o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença que adquire
a força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas
partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as
razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela
conclusão final (pontos ou questões prejudiciais).
Mas este princípio não é absoluto. Nem exclui que se possa e deva recorrer à parte motivatória da sentença para
interpretar a decisão (para reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo): neste sentido é a communis opinio.

Onde se contém doutrina tocante à solução do nosso problema é no artigo 96.°
Começa este por sancionar o princípio de que o tribunal competente para uma acção será também competente
para conhecer de todos os incidentes que nela se levantarem e de todas as questões que o Réu suscitar como meio de
defesa, consagrando o velho brocardo segundo o qual «o juiz da acção é o juiz da excepção» tomado lato sensu este último
termo. Seguidamente estipula que a decisão destas questões e incidentes não constituirá caso julgado fora do processo
respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude.
Como a palavra «incidentes» está usada aqui no sentido largo de questões (afora as suscitadas pelo Réu) que
têm de ser previamente resolvidas para que o juiz possa estatuir sobre a pretensão do Autor - e não já na acepção estrita
dos artigos 305.°-380.° - resulta que, em face deste texto, só excepcionalmente a sentença fará caso julgado quanto aos
pontos prejudiciais.
A nossa lei terá acolhido, portanto, como directiva geral, a concepção que vimos ser preponderante na doutrina
germânica, italiana e francesa. Mas com aquele desvio fundamental que já se referiu: o de alguma das partes requerer o
julgamento da questão prejudicial, com força de caso julgado21».

Acórdão do STJ, de 18 de Fevereiro de 1999, no BMJ 484, pág. 318:


Caso julgado
Fundamentos da sentença

I - O caso julgado material não abrange os fundamentos de sentença.


II - O teor da conclusão I ganha mais força, ainda, se o processo no qual a sentença foi proferida fornecer às
partes menores garantias do que as que lhes são concedidas no processo em que é invocado o pretenso valor vinculativo
dos fundamentos de tal decisão.
III - Assim, se, em processo especial de consignação em depósito de renda, este foi julgado inválido e
insubsistente, por decisão assente em fundamentação de facto da qual constava, além do mais, que «nunca foi realizado
qualquer contrato de arrendamento, comercial ou outro, entre os réus e os autores», esta motivação não constitui caso
julgado em relação a acção declarativa, seguindo processo comum, na forma ordinária, em que os alegados proprietários
do prédio em causa o reivindicam às pessoas que o ocupam, pedindo ademais a condenação destas no pagamento da
indemnização de prejuízos por eles sofridos.

Antunes Varela, interpretando o Código de Processo Civil de 1961 que, nesta parte, não foi alterado em 1995,
ensina que o caso julgado material só se forma sobre o pedido, ou seja, o efeito jurídico pretendido pelo autor e não sobre
toda a causa de pedir. A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada à pretensão do autor e não o raciocínio lógico
que a sentença percorreu para chegar a essa resposta.
Decorre do artigo 96.º do Código de Processo Civil que a decisão de questões suscitadas pelo réu não constitui
caso julgado fora do processo respectivo, a não ser que alguma das partes requeira o julgamento com essa amplitude.
«A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se
situam entre o relatório e a decisão final».
«Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente
cobertos pela eficácia do caso julgado, para efeitos de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão
final».
As reservas formuladas quanto à eficácia do caso julgado sobre os factos subjacentes à decisão procedem de
igual modo, mutatis mutandis, quanto às relações jurídicas prejudiciais.
21
- M. de Andrade, Lições, 317 e 334

91
Precisamente na espécie, a afirmação de nunca ter sido celebrado o arrendamento não integra a decisão final,
constitui apenas um fundamento da sentença, com natureza factual (na sua concreta economia), de onde não se encontrar
coberta pela força do caso julgado material.

E, para mais, tal afirmação revela-se impertinente, incidenter tantum, dada a sua absoluta desnecessidade; para a
improcedência da acção bastava que se não provasse, como se não provou, a existência do contrato e não o seu contrário
(prova do contrário).
Entendimento não de todo coincidente é o de Miguel Teixeira de Sousa. Mas interessa à decisão deste pleito, aqui
e agora, o que esse autor observa: «importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou
sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela
foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhes são concedidas no processo em que é invocado
o valor vinculativo daqueles fundamentos. […]

Esta regra mais não é que uma extensão do princípio de que as provas produzidas num processo não valem
numa outra causa que ofereça maiores garantias às partes (artigo 522.º, n.º 1), pois que, se nessas circunstâncias, aquelas
provas não possuem qualquer valor extraprocessual, também os fundamentos a que respeitam não podem valer fora do
respectivo processo».

Não acompanho a fundamentação restante do acórdão, que vai na linha de uma orientação restritiva sobre o
âmbito do caso julgado. Tenho-me situado em posição, creio que maioritária hoje na doutrina e na jurisprudência, que
propende a um certo regresso a Savigny, como expus em acórdãos de que fui relator (*).
Ilídio Gaspar Nascimento Costa»

Ac. do STJ (Cons.º Araújo Barros), de 5.5.2005, P.º 05B602 do ITIJ:


«A análise desta questão prende-se, sem dúvida, com a determinação dos limites objectivos do caso julgado
material formado pela sentença agora mencionada, que transitou em julgado.
E isto porque (e no que concerne aos limites subjectivos) como é sabido, "ao conceito de repetição é indiferente
que seja ou não a mesma a posição das partes no segundo processo, podendo ser autor na segunda acção o réu da
primeira e vice-versa (...) bastando a identidade dos sujeitos e a identidade do pedido, independentemente de quem é autor
e réu e de quem afirma a situação jurídica ou a situação de facto e requer a consequente providência judicial". (3)
Ora, "transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força
obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes" (art. 671º, nº 1).
Por outro lado, "a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga" (art. 673º).

Afigura-se indubitável, por força do preceituado nos artigos 659º, nº 2 e 713º, nº 2, que o caso julgado abrange a
parte decisória da sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (por exemplo, a condenação do
réu, o deferimento da providência solicitada).
E já se entendeu, em interpretação meramente literal da norma do art. 673º do C. Proc. Civil (4), que "o caso
julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor (ou pelo réu,
através da reconvenção). É a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir,
que a lei pretende seja respeitada através da força do caso julgado. A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada
a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta" (5)
Todavia, pouco depois do início de vigência do Código de Processo Civil de 1961, já Rodrigues Bastos (6),
considerando que "a posição predominante actual, principalmente devida à influência de um parte da doutrina italiana, com
apoio da jurisprudência, é favorável a uma mitigação deste último conceito, no sentido de, considerando embora o caso
julgado restrito à parte dispositiva da sentença, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença
tenha tido necessidade de decidir como premissas da conclusão firmada"; atendendo a que, como se vê do Anteprojecto
publicado no BMJ nº 123, pag. 120, "o Código actual, eliminando o § único do art. 660º e a alínea b) do art. 96º da lei
anterior, à luz dos quais era de sustentar estar admitida a extensão do caso julgado à decisão cuja resolução fosse
necessária, fê-lo confessadamente no propósito de não tocar no problema e deixar à doutrina a sua solução, caso por caso,
mediante os conhecidos processos de integração"; defendia, "ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses
em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e o prosseguido fim de estabilidade e
certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso
julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões
preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado".

Aceitável, a nosso ver, tal posição, parece-nos ainda de acentuar que "como toda a decisão é a conclusão de
certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos

92
fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse
valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo
judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide
sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela
decisão". (7)

Acresce que "o caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui
toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada". Excluída está, desde
logo, a situação contraditória (...) como, além disso, "está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele
que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada".(8)
Donde, em derradeira análise se nos afigura poder concluir que "todas as questões e excepções suscitadas e
solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, estão
compreendidas na expressão precisos termos em que julga, contida no art. 673º ao definir o alcance do caso julgado
material, pelo que também se incluem neste".(9)
É este, aliás, o entendimento que, nos tempos mais recentes, vem prevalecendo na jurisprudência. (10)

Ac. do STJ (Ex.mo Salvador da Costa) de 25.11.2004, no P.º 04B3703:



«Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos
limites fixados pelos artigos 497º e 498º do Código de Processo Civil (artigo 671º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A excepção do caso julgado depende da repetição de uma causa que foi decidida por sentença que não admita
recurso ordinário, a qual pressupõe a proposição de uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de
pedir (artigos 497º, n.º 1 e 498º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Há acções idênticas se a decisão da segunda fizer correr o risco de o tribunal contradizer ou reproduzir a decisão
da primeira (artigo 497º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A propósito do alcance do caso julgado, expressa a lei que a sentença constitui caso julgado nos limites e termos
em que julga (artigo 673º do Código de Processo Civil).
Como não passou do Código de Processo Civil de 1939 para o actual o § único do artigo 660º, segundo o qual se
consideravam resolvidas, em termos de caso julgado, as questões sobre que recaísse decisão expressa e as que
constituíssem pressuposto ou consequência necessária desse julgamento, tem vindo a discutir-se o alcance objectivo do
caso julgado.
Todavia, a referida circunstância não teve por finalidade a consagração da solução oposta, mas deixar à doutrina
o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos processos de
integração da lei (Anteprojecto, BMJ, n.º 123, pág. 120).
Ninguém põe em causa que o caso julgado abranja a parte decisória do despacho, da sentença ou do acórdão
(artigos 659º, n.º 2, in fine, e 713º, n.º 2 e 726º do Código de Processo Civil).
A questão coloca-se, porém, em relação aos fundamentos enquanto pressupostos necessários do referido
segmento decisório, isto é, se se lhes estende ou não o efeito de caso julgado material.
Tem vindo a ser entendido pela jurisprudência abranger o caso julgado a Decisão e os seus fundamentos
logicamente necessários, ou a decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a
pretensão do autor, ou só a própria decisão (Acs. do STJ, de 1.3.79, BMJ, n.º 235, pág. 648; 18.2.99, BMJ, n.º 484, pág.
318; de 6.2.96, BMJ, n.º 454, pág. 599).
O segmento limites e termos em que julga, a que se reporta o artigo 673º do Código de Processo Civil, significa
que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele
define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou dos pedidos formulados na acção.
E ninguém questiona a asserção de o caso julgado material não abranger as questões meramente instrumentais
ou secundárias em relação ao thema decidendum nem as impertinentes, como é o caso de declarações enunciativas,
opinativas ou desnecessárias, designadas por obiter dicta.
Todavia há decisões de questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares ao thema decidendum tão lógica e
necessariamente conexas com o segmento decisório que este não pode delas ser dissociado na definição do quadro
substantivo envolvente.
Com efeito, os segmentos decisórios de sentenças ou acórdãos do tipo de declaração de absolvição, de
condenação, de titularidade do direito de propriedade sobre determinada coisa, de resolução de um contrato, de
reconhecimento de um direito de preferência e de substituição do comprador pelo preferente no contrato de compra e
venda, estão tão lógica e necessariamente ligados a decisões de outras questões, como que constituindo um todo unitário,
que os primeiros só fazem sentido se interconexionados com as segundas.
Em consequência, tendo presente a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e a certeza das
relações jurídicas, importa se conclua no sentido da extensão do caso julgado material à decisão das questões preliminares

93
que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado (Acs. do STJ, de 1.3.79, BMJ, n.º 235, pág. 648; de
23.10.86, BMJ, n.º 360, pág. 609; de 24.10.92, BMJ, n.º 419, pág. 648; e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, "Estudos Sobre o
Novo Processo Civil", Lisboa, 1997, págs. 578 e 579).
No que concerne aos efeitos processuais do caso julgado, resulta da lei, embora no quadro da estabilidade das
decisões judiciais, que, proferida a decisão judicial, se extingue, em regra, o poder decisório do órgão jurisdicional que a
proferiu (artigo 666º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
E transitada em julgado que seja a decisão, não pode ser objecto de reclamação ou de recurso ordinário (artigo
677º do Código de Processo Civil).
Operado que seja o caso julgado por virtude do trânsito em julgado da decisão da causa, não pode o tribunal
voltar a pronunciar-se sobre o decidido e fica vinculado ao respectivo conteúdo, o que se prende com a chamada autoridade
do caso julgado decorrente da decisão transitada em julgado.
Infringida que seja a autoridade do caso julgado por desrespeito dos seus efeitos processuais, seja no mesmo
processo, seja em processos diversos, ocorre a situação de julgados contraditórios, com a consequência de valer a decisão
que primeiramente tenha transitado em julgado (artigo 675º do Código de Processo Civil).
O thema decidendum objecto do recurso, desenvolvido no quadro de duas acções, suscita a questão da
prevenção da repetição de causas idênticas por via da arguição pelos recorridos da excepção dilatória de caso julgado a
que se reportam os artigos 493º, n.º 2 e 494º, alínea i), do Código de Processo Civil)».

Ac. do STJ (Ex.ma Cons.ª Prazeres Beleza) de 23.9.08, no P.º 08B1285:

1. A autoridade de caso julgado impede que uma questão decidida com força de caso julgado material volte a ser
apreciada em tribunal, quer a título principal, quer a título prejudicial.
2. Se foi julgada improcedente uma acção na qual o autor pediu que fosse declarado proprietário de um prédio
urbano, por ter adquirido o direito de propriedade por acessão, não pode o tribunal voltar a apreciar a aquisição do mesmo
direito numa acção de divisão de coisa comum, que decorre entre as mesmas partes, quando o autor alega essencialmente
os mesmos factos para sustentar a qualidade de comproprietário.
3. Em nada altera esta conclusão a circunstância de ter sido decisiva para o primeiro julgamento a falta de prova
de diversos factos alegados pelo autor e de o tribunal ter recorrido às regras sobre o ónus da prova.
4. Tem, pois, de improceder o pedido de divisão de coisa comum.
5. A admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão de condenação como litigante de
má de má fé depende da verificação dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.

Na 2ª parte do art. 673º é possível repetir-se a acção quando hoje se não provou a
necessidade da casa para habitação própria mas pode provar-se mais tarde; ou não se provou ser
proprietário há mais de cinco anos, podendo repetir a acção quando tal prazo se completar.

Artigo 674º-A
Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória

A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros,


presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e
os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam as formas do crime, em quaisquer acções
civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.

Acidente de viação — Responsabilidade civil — Conexão entre


acção cível e acção penal — Decisão penal condenatória — Caso
julgado — Oponibilidade a terceiros

I - Nos termos do disposto no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil (aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro) a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros,
presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo
legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas
dependentes da prática da infracção.

II - Como se lê no relatório do citado Decreto-Lei n.º 329-A/95, «no que se refere à disciplina dos efeitos da
sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções

94
civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929,
não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às
exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em
mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria».

III - Sendo este o regime aplicável in casu, por força do disposto nos artigos 16.º e 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro, a sentença penal que condenou a segurada não constitui caso julgado em relação à
seguradora na sua qualidade de terceiro.

IV - Com efeito, as personalidades jurídicas da segurada e da seguradora não se confundem e como esta
nenhuma intervenção teve na acção penal tem de considerar-se um terceiro.

V - Não tendo hoje eficácia erga omnes a decisão penal condenatória, por se encontrar revogado o Código de
Processo Penal de 1929, sendo, portanto, inaplicável o seu artigo 153.º, a condenação criminal da segurada constitui
apenas, em relação à seguradora na acção civil conexa, como terceiro, uma presunção ilidível - Acórdão do STJ, de 23 de
Maio de 2000, no BMJ 497 pág. 298

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Azevedo Ramos) de 28.1.2003, Pr.º 02A4248:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 23-7-98, A instaurou, no Tribunal Judicial de Caminha, a presente acção ordinária contra os réus B e C,
pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 16.700.000$00, como indemnização pelos
danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da agressão que lhe desferiram no dia 7 de Agosto de 1992, à porta do
"....", em Vila Praia de Âncora.
Os réus contestaram, arguindo a incompetência do tribunal em razão da matéria.
Para além disso, o C nega a prática da agressão, enquanto o Sampaio invoca que o autor contribuiu com a sua
conduta culposa para a produção dos danos, nos termos que já ficaram apurados no Acórdão da Relação do Porto de 3-12-
97, proferido no processo crime nº 17/95, do Tribunal de Caminha.
Houve réplica.

Após o despacho saneador, onde além do mais se julgou o tribunal competente, procedeu-se à selecção dos
factos assentes e á organização da base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que decidiu:


1 -Julgar a acção improcedente quanto ao réu C, absolvendo-o do pedido:
2 -Julgar a acção parcialmente procedente quanto ao réu B, com a condenação deste a pagar ao autor a quantia
de 10.296.000$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, a título de indemnização pelos danos resultantes da
agressão perpetrada em 7 de Agosto de 1992.

Apelaram o réu B e, subordinadamente, o autor, mas a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 8 de Abril de
2002, negou provimento às apelações e confirmou a sentença recorrida.

Continuando inconformado, o réu B recorreu de revista…

A Relação considerou provados os factos seguintes :

1 - Por sentença proferida no processo comum singular nº 17/95, do Tribunal Judicial de Caminha, confirmada por
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3-12-1997, transitado em julgado (cujas fotocópias constituem documentos de
fls 48 e segs e 61 e segs), relativamente aos factos que ocorreram no dia 7 de Agosto de 1992, no " ...", em Vila Praia de
Âncora, em que foram intervenientes o autor e o réu João Sampaio, foi decidido o seguinte:

- absolver o arguido C do crime de ofensas corporais com dolo de perigo que lhe era imputado, relativamente à
pessoa do ora autor ;
- condenar o arguido B como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pessoa do
ora autor :
- condenar o arguido A como autor material de um crime de dano .
….

95

Vejamos agora o mérito do recurso.


1.
A questão fulcral a decidir consiste em determinar o alcance do caso julgado penal, em acção não penal, entre as
mesmas partes.
Pois bem .
No aludido processo crime, em que foi queixoso o ora autor A e arguido o ora réu B, não foi deduzido por aquele
contra este pedido de indemnização cível .
Daí a presente acção cível contra o ora réu, tendo por pressuposto os mesmos factos com base nos quais este foi
condenado no processo crime .
E tendo as circunstâncias da agressão ficado provadas no processo crime, cumpre apreciar se tais factos terão de
ser considerados assentes na presente acção .

No que concerne a terceiros, o art. 674-A do Cód. Proc. Civil, introduzido após a reforma de 1995/1996, veio
dispor o seguinte:

A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível, no que se
refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que
respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática
da infracção.

O preâmbulo do dec-lei 329-A/ 95, de 12 de Dezembro, esclarece-nos sobre as razões que levaram o legislador a
seguir esta orientação, ao consignar:
"No que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado
penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções cíveis conexas com as penais, retomando um regime que, constando
originariamente do Código do Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito
da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório,
transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência
do facto e respectiva autoria".

Por sua vez, o art. 153 do Cód. Proc. Penal de 1929 estabelecia:

A condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do
facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que
dependam da existência da infracção.

Do que acaba de se expor resulta que houve necessidade de adaptar este regime, que a jurisprudência vinha
seguindo após a revogação do Cód. Proc. Penal de 1929 e no silêncio do novo Código, às exigências decorrentes do
principio do contraditório, no que respeita a terceiros.
Assim, quanto a terceiros, por não terem tido intervenção no processo crime, o princípio do contraditório passou a
impor o abandono da regra da total indiscutibilidade, passando para um regime de presunção ilidível, quanto à existência do
facto e respectiva autoria.

Mas apenas, como se referiu, quanto a terceiros.


Quando as partes são as mesmas em ambos os processos conexos, penal e cível (como é o caso), continuam a
vigorar os princípios gerais que o direito anterior já consagrava no Código do Processo Penal de 1929, pois já se mostram
satisfeitas as exigências do contraditório, na medida em que as partes já tiveram intervenção no processo crime, formando-
se, então, caso julgado quanto ao que lá ficou apurado e decidido.

Nem se argumente que a eficácia do caso julgado apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença
condenatória.
Embora as premissas da decisão não adquiram, em regra, a força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhe essa
natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir de modo expresso, quer quando constituírem antecedente lógico,
necessário e imprescindível da decisão final.
Consequentemente, há que conferir a eficácia de caso julgado à decisão das questões preliminares (de direito ou
de facto), concreta e explicitamente apreciadas, que foram "antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva

96
do julgado " (Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, Vol. III, págs 231 e 253 ; Castro Mendes , Limites
Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, págs 158 e 194).
Por isso, são também de considerar provados, nesta acção cível, todos os factos atrás referidos, que já resultaram
apurados no processo crime, quanto à actuação do autor e do réu, relativamente às circunstâncias em que ocorreu a
ajuizada agressão e que conduziram à condenação penal do ora réu, naquele processo.

A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes:
- uma formulação positiva, mais restrita, segundo a qual será causa adequada do dano sempre que este constitua
uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever a ocorrência do dano
como sua consequência natural ou efeito provável dessa verificação;
- uma formulação negativa, mais ampla, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano deixa de
ser considerado como causa adequada quando, para a sua produção, tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias
excepcionais, anormais, atípicas extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto .
Dado que não existem trabalhos preparatórios a indicar qual das duas formulações foi adoptada pelo legislador,
parece-nos mais idónea e criteriosa a formulação negativa da teoria da causalidade adequada: a condição deixará de ser
causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou
condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias e anómalas, sendo portanto inadequada para esse dano
(Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª ed., pág. 861, nota 2) .

Perante os factos provados, não pode sofrer dúvida que o autor contribui com a sua conduta culposa, para a
agressão de que foi vítima.
O seu provado comportamento culposo foi uma das causas do facto ilícito da agressão de que veio a ser alvo e
dos consequentes danos sofridos, à luz dos princípios da causalidade adequada.
Na verdade, o autor empunhou um pau e perseguiu o réu, com intenção de o agredir, sem que nada o justificasse.
Por sua vez, o réu desferiu o tubo metálico, na cabeça do autor, para o afastar e impedir que este consumasse a
agressão naquele.
Mas o réu agiu de forma desproporcionada, quer pelo meio empregue, quer pela violência usada, quer pela região
corporal atingida, praticando a agressão com excesso de legítima defesa.
Prescreve o art. 33, nº 1, do Cód. Penal, que se houver excesso nos meios empregados em legítima defesa, o
facto é ilícito, mas a pena pode ser especialmente atenuada .
A atenuação da pena tem lugar nos termos previstos no art. 73 do mesmo diploma penal .
E o réu beneficiou dela, no processo crime .
Agora, para efeito da reparação cível, há que ponderar a gravidade da culpa de cada uma das partes para a
produção do resultado, bem como as consequências que resultaram da agressão.
A culpa do réu, apesar de tudo, apresenta-se consideravelmente mais grave.
Assim, considerando a diversa gravidade das culpas e a gravidade das consequências advindas da agressão,
decide-se, ao abrigo do art. 570, nº1, do Cód. Civil, reduzir o valor da indemnização de 10.296.000$00 na percentagem de
30%, ou seja, em 15.406 euros e oitenta e sete cêntimos (equivalente a 3.088.800$00), pelo que se fixa o montante a pagar
pelo réu ao autor em 35.949 euros e trinta e seis cêntimos (correspondente a 7. 207.200$00).

Termos em que, concedendo parcialmente a revista, revogam em parte o Acórdão recorrido e condenam o réu a
pagar ao autor a indemnização de trinta e cinco mil novecentos e quarenta e nove euros e trinta e seis cêntimos, acrescida
de juros, à taxa legal, desde a citação.
Custas por autor e réu, na proporção do vencido, quer nas instâncias, quer no Supremo.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2003


Azevedo Ramos Silva Salazar Ponce de Leão

Artigo 674º-B
Eficácia da decisão penal absolutória

1 – A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em
não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil,
simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2 – A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa
estabelecidas na lei civil.

97
Acção declarativa emergente de acidente de viação — Presunções
jurídicas — Conceito e espécies — Caso julgado

I - A lei procurou conciliar a força e autoridade do caso julgado da sentença penal com as acções civis conexas
com elas, transformando-a em meras presunções iuris tantum em relação a terceiros, que se confrontam com a decisão
penal condenatória — a do artigo 674.º-A do Código de Processo Civil — e aos ofendidos, partes principais na acção penal,
que se confrontam com a decisão penal absolutória — a do artigo 674.º-B do Código de Processo Civil.
II - O artigo 674.º-B do Código de Processo Civil estabelece, no seu n.º 1, uma presunção legal de não culpa do
arguido absolvido em acção penal, ilidível por «prova em contrário», que bem pode ser feita por presunção judicial.
III - A presunção legal de não culpa do arguido absolvido em acção penal prevalece, nos termos do n.º 2 do artigo
674.º-B do Código de Processo Civil, sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil e, assim, sobre a do
artigo 503.º, n.º 3, do Código Civil.
IV - Assim sendo, na presente acção cível por acidente de viação não se aplica a presunção legal de não culpa do
condutor do veiculo seguro na ré, uma vez que os autores não intervieram como partes principais na acção penal onde foi
proferida decisão absolutória daquele condutor.
V — Mas sim o princípio da culpa presumida do mesmo condutor (do veículo seguro na ré), nos termos do artigo
503.º do Código Civil - Acórdão do STJ, de 29 de Junho de 2000, no BMJ 498-159

Ac. do STJ (Araújo Barros), de 25.3.2004, na Col. Jur, (STJ) 2004-I-140:

No que respeita à eficácia das decisões proferidas no âmbito de processos criminais, estabelece o art. 674º-A do
C. Proc. Civil que "a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível
no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como
dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da
prática da infracção".
Por sua vez, dispõe o art. 674°-B do mesmo diploma que "a decisão penal transitada em julgado, que haja
absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer
acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário" (n° 1)
e que tal "presunção prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil" (nº 2).
Tal significa que, uma vez transitada em julgado, a decisão penal absolutória fundada em que o arguido não
praticou os factos que lhe eram imputados constitui presunção iuris tantum de inexistência desses factos.
E dispensa aquele que tem a seu favor tal presunção de provar o facto a que ela conduz (art. 350°, n° 1),
funcionando, assim, como uma forma de inversão do ónus probatório, na medida em que faz recair sobre a parte contrária a
prova capaz de afastar o facto legalmente presumido (n° 2 da mesma norma).
Foi essa a intenção do legislador aquando da Reforma do Código de Processo Civil de 1995 (Dec-lei n° 329-A/95,
de 12 de Dezembro) quando fez constar do respectivo preâmbulo que "no que se refere à disciplina dos efeitos da
sentença, assume-se a regulamentação do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções conexas
civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929,
não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às
exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em
mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria".
Assim, "a definição da eficácia probatória extraprocessual legal da sentença penal condenatória ou absolutória
transitada em julgado é actualmente feita pelo estabelecimento duma presunção ilidível da existência dos factos em que a
condenação se tiver baseado, ou, simetricamente, em caso de absolvição, da inexistência dos factos imputados ao
arguido", pelo que, "quando a absolvição em processo penal se não tiver fundado no princípio in dubio pro reo, mas sim em
que o arguido não praticou os factos, nomeadamente, os integrantes de contravenção causal, que lhe eram imputados, fica,
na falta de prova em contrário, assente que o arguido actuou com a diligência devida, cabendo ao autor no processo civil
demonstrar que assim não foi, isto é, que o arguido absolvido actuou por forma culposa".
Por isso se vem fazendo notar que “o que está em causa nos arts. 674º-A e 674º-B, do C. Proc. Civil não é,
propriamente, a eficácia do caso julgado penal, mas sim a definição da eficácia probatória extraprocessual legal da
sentença penal condenatória ou absolutória transitada em julgado. Essa definição é feita pelo estabelecimento duma
presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado, ou, simetricamente, em caso de
absolvição, da inexistência dos factos imputados ao arguido, invocável em relação a terceiros - isto é, em relação aos
sujeitos no processo civil que não tenham intervindo no processo penal - em qualquer acção de natureza civil em que se
discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção”.

98
Na sequência do exposto, poderá dizer-se que, in casu, quando a sentença penal que absolveu o réu o não fez
com fundamento no princípio in dubio pro reo, mas sim em que o arguido não praticou os factos - nomeadamente, os
integrantes de contravenção causal - que lhe eram imputados, fica, na falta de prova em contrário, assente que o arguido
actuou com a diligência devida.
Assegurado está, pois, não poder, na falta de prova em contrário, imputar-se ao arguido culpa na verificação do
acidente, se bem que a presunção estabelecida nesse preceito abranja, expressis verbis, apenas os factos que lhe são
imputados, razão por que não serve para firmar, em acção cível, a culpa de outra pessoa, designadamente da vítima.
Ora, acontece que no caso sub judice se fez a prova concreta de que o acidente ocorrido se ficou a dever a culpa
exclusiva do segurado da recorrente.
E, assim sendo, haverá que considerar ilidida a presunção advinda da sentença penal que o absolveu porquanto a
prova concreta dos factos afasta necessariamente a realidade presumida nos casos em que a presunção é juris tantum, ou
seja, ilidível por prova em contrário.

Estas normas – 674º-A e 674º-B – foram introduzidas pela reforma processual de 1995/96 e
regulam os casos em que houve condenação ou absolvição pelo ilícito criminal sem que, nessa acção
penal, tenha sido exercido o direito de pedir indemnização.

É que, nos termos do artigo 84º do C. P. Penal, a decisão penal, ainda que absolutória, que
conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado
às sentenças civis.

PROCESSO SUMÁRIO

Porque são aplicáveis em processo sumário, além das disposições que lhe são próprias - 783º
a 792º - as disposições gerais e comuns - 463º, nº 1 - aplicando-se ainda, em tudo que não estiver
regulado numas e outras, as regras do processo ordinário – art. 467º a 782º - só interessa analisar as
especialidades do processo sumário.

Assim,
- contestação em 20 dias - 783º;
- Se na contestação o R. deduziu excepções, pode o A. responder em 10 dias, mas só
quanto à matéria da excepção - 785º; Se o R. deduziu reconvenção ou a acção for de
simples apreciação negativa, porque se trata de o A. contestar a nova acção que é a
reconvenção e os factos constitutivos alegados pelo R. neste tipo de acção (art. 4º, nº 2
CPC e 343º, nº 1, CC), o prazo da resposta é de 20 dias - 786º.

Porque a resposta tem esta limitação funcional e de conteúdo, porque não é réplica, não pode
nela o A. alterar ou ampliar o pedido e (ou) a causa de pedir, a não ser nos casos em que a lei
permite a ampliação do pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância, quando a
ampliação é desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo - 273º, nº 2, 2ª parte.

Pode, ainda, o A, na resposta, completar ou corrigir a causa de pedir invocada na petição.

- Audiência preliminar e selecção da matéria de facto - 787º (Dec-lei nº 375A/99, de 20.9)

- No actual CPC e mesmo no caso de revelia operante (484º e 485º), o cominatório por falta de
contestação é semi-pleno, ou seja, a falta de contestação determina se considerem confessados os
factos articulados pelo A., julgando-se a causa conforme for de direito; não há condenação automática
no pedido, como antes acontecia - 784º.

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- O recurso da sentença segue os termos gerais, revogado que foi o art. 792º do CPC.

PROCESSO SUMARÍSSIMO – art. 793º a 800º

É o mesmo o regime de aplicação subsidiária das regras gerais, mas antes das regras do
processo ordinário aplicam-se ao processo sumaríssimo as disposições reguladoras do processo
sumário que lhe são mais próximas - 464º, 2ª parte.

- A petição não carece ser articulada, mas devem com ela ser oferecidas as provas dos factos
alegados - 793º;

- A contestação - que será notificada ao A. - deve ser apresentada em 15 dias, também


devendo oferecer logo a prova - 794º;

- Se o R deduzir alguma excepção e porque não há mais articulados, o contraditório do A. é


assegurado na audiência final - art. 3º, nº 4 - ditando para a acta a oposição que tiver.

- Findos os articulados e assegurado o contraditório, o Juiz pode conhecer logo de excepções


dilatórias ou nulidades - 795º, nº 1.

Com base na nova redacção deste art. 795º, nº 1, entende L. de Freitas ser admissível em
processo sumaríssimo e nos termos gerais - 274º, nº 1 - a reconvenção.

- Se a acção houver de prosseguir, é logo designado dia para audiência para dentro de 30 dias
- 795º, nº 2 - audiência a que se procede nos termos do art. 796º, não sendo motivo de adiamento a
falta de partes ou seus mandatários, mas podendo sê-lo a falta de testemunhas convocadas.

- A sentença julga de facto e de direito e é logo ditada para a acta - 796º.

***

Aconselha-se o estudo dos manuais de processo em uso: dos Senhores Prof. Antunes Varela,
Teixeira de Sousa (Estudos...), Lebre de Freitas (Introdução e Acção declarativa), Montalvão Machado,
Des. Abrantes Geraldes, aqui seguidos de muito perto.

Dezembro de 2008

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