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OLIVEIRA, Swarai Cervone. Iura novit curia e contraditório no processo civil atual.

Belo
Horizonte: D´Plácido, 2020.

Fichamento

1. Doutrina brasileira e o atual estado do tema

O sistema processual brasileiro adotou a chamada teoria da substanciação, ou seja, na


petição deverá constar a causa de pedir remota (fatos) e próxima (fundamento jurídico). O autor
narra a relação jurídica e fundamenta, no direito, as consequências que pretende aperfeiçoar.
A causa de pedir, assim, dirá respeito, além da relação de direito material, à valoração jurídica
de fato dela oriundo, culminando no pedido.

Os fatos narrados são importantes, pois eles influem na delimitação objetiva da demanda e
consequentemente da sentença.

Não obstante, não são apenas fatos que o autor afirma ao ajuizar a ação. Explica-se, ao
ajuizar uma demanda judicial, o autor afirma-se titular de um direito subjetivo, que lhe confere
determinada situação de vantagem.

Nesse sentido, que o art. 319, III do CPC é expresso ao prever que deverá o autor narrar os
fatos e fundamentos jurídicos do pedido, pois é preciso que se estabeleça uma relação lógica
entre os fatos narrados e determinada previsão normativa que gere consequências no âmbito
jurídico, por suposta violação de um direito.

2. Fundamento jurídico e qualificação jurídica

É de suma importância saber a diferença entre o fundamento jurídico e a qualificação


jurídica, posto que eles geram reflexos em institutos como litispendência, coisa julgada e eficácia
preclusiva.

O objeto litigioso do processo constitui-se pelo pedido, qualificado por determinada causa
de pedir. É a causa de pedir que justifica a pretensão exposta pelo autor e identifica-a.

A ação possui três elementos: partes, pedido e causa de pedir. Na causa de pedir, são
narrados os fatos e, em seguida, faz-se sua qualificação jurídica. Se o fato se enquadra à norma,
tem-se uma consequência jurídica que, por sua vez, condiciona o pedido do autor.

“Por exemplo: num contrato de mútuo, uma vez que o mutuário não restitua ao mutuante o
que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, é lícito ao segundo ajuizar
ação em face do primeiro, exercitando sua legítima pretensão à cobrança. O fundamento jurídico
é o inadimplemento – fato juridicamente qualificado –, decorrente do contrato firmado e do
vencimento da dívida; a qualificação jurídica encontra-se no art. 586 do Código Civil.”

3. Concurso de normas e concurso de ações

Tem-se o chamado concurso de normas quando determinada pretensão, ligada a um fato


específico, é protegida por mais de uma norma.
“Por exemplo, pode-se, num contrato de seguro saúde, considerar a abusividade de
determinada conduta da seguradora sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor,
da Lei n. 9.656/1998, do Código Civil, do Estatuto do Idoso (se o segurado for idoso) etc. Embora
o fato seja um só – inadimplemento contratual –, o intérprete pode qualificá-lo a partir de
diferentes pontos de vista jurídicos.”

Vale informar que o juiz é livre para dar ao fato a qualificação jurídica que entender mais
correta.

Já com relação ao concurso de ações, estará configurada quando, por conta dos mesmos
fatos, com vistas a um determinado fim, o ordenamento faculta diversos caminhos distintos
entre si. Ao se eleger um deles e alcançando o fim, excluem-se os demais, eis que não se pode
obter o mesmo objeto duas vezes.

Ao narrar os fatos, o autor determina quais são aqueles ditos essenciais e o que são
secundários. Ao eleger determinado fundamento jurídico, qualificando juridicamente certos
fatos, considerados essenciais, o autor, automaticamente, despreza aqueles considerados
secundários, fazendo menção a eles apenas incidentalmente.

Alterar os fatos narrados como secundários em essenciais traduz alteração de fundamento


jurídico, o que o juiz, sob pena de atentar ao princípio dispositivo, não pode fazer.

“Os fatos primários são aqueles sobre os quais importa ao réu controverter e ao juiz
examinar. Os secundários servirão como meras circunstâncias laterais, que se vinculam ao fato
principal, notadamente para provar sua existência ou modo de ser. Sua posterior alteração,
numa eventual nova ação proposta, não implica nova causa de pedir.”

O iura novit curia (o tribunal conhece a lei) limita-se à possibilidade de alteração da


qualificação jurídica, não alcançando a mudança do fundamento jurídico eleito pelo autor. Essa
premissa não reside na possibilidade de alterar o fundamento jurídico da demanda, mas na
liberdade do juiz de eleger a correta qualificação jurídica.

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