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AS INVESTIGAÇÕES

FILOSÓFICAS
Transição e crítica do Tractatus
• Umas das principais ideias do Tractatus é de que a Filosofia não é uma
doutrina e, portanto, não é dogmática.
• No entanto, já em 1931, Wittgenstein referiu-se ao Tractatus como
dogmático.
• O Tractatus é construído no pressuposto de que a tarefa da análise lógica
era descobrir as proposições elementares, cuja forma ainda não era
conhecida.
• O que marca a transição do Tractatus para o segundo Wittgenstein pode
ser resumido como a rejeição total do dogmatismo, ou seja, como a
resolução de todas as consequências dessa rejeição.
•A mudança do paradigma da lógica para o da linguagem
comum

• Da ênfase na definição e análise lógica para 'semelhança de


família' e 'jogos de linguagem

• Da escrita filosófica sistemática para um estilo aforístico -


tudo tem a ver com esta transição para o antidogmatismo
encontrado nas Investigações.
As Investigações Filosóficas
• foi publicado postumamente em 1953.
• Foi editado por G. E. M. Anscombe e Rush Rhees e traduzido por
Anscombe.
• É composto por duas partes:
• A Parte I, consistindo em 693 parágrafos numerados, estava pronta para
impressão em 1946, mas rescindida do editor por Wittgenstein.
• A parte II foi acrescentada depois por seus editores.
• No Prefácio das Investigações, Wittgenstein afirma que seus novos
pensamentos seriam mais bem compreendidos por contraste aos seus
antigos pensamentos, os do Tractatus; e, de fato, a maior parte da Parte I
das Investigações é essencialmente crítica.
• Seus novos insights podem ser entendidos principalmente
como a exposição de falácias na maneira tradicional de
pensar sobre linguagem, verdade, pensamento,
intencionalidade e, talvez principalmente, filosofia.
• As Investigações são concebidas como um trabalho
terapêutico, entendendo a própria filosofia como terapia.

•A Parte II, foca na psicologia filosófica tratando sobre a


consciência, o pensamento, a intenção, a vontade. Não foi
tão crítica e são escritos importantes para a filosófica da
mente
• As IF são assistemáticas
• Os temas que se seguem na ordem linear
das seções não necessariamente se
encadeiam entre si
• Os assuntos vão e voltam
• Mas é possível mostrar uma organização:
• 1-27a: a assim chamada “concepção agostiniana da
linguagem”, e a discussão crítica de diferentes concepções
ostensivas da linguagem.
• 27b-64:discussão sobre os nomes, as definições do simples e
do complexo, e o seu papel na definição da linguagem
ostensiva.
• 65-88:discussão sobre a analiticidade de proposições
complexas, comparação entre linguagem e jogos.
• 89-108:discussão sobre o papel da lógica como fundamento
da investigação linguística, e crítica à ideia de que a
linguagem tenha uma “essência”.
• 109-133:visão sobre o papel da filosofia, seus métodos e sua
relação com a linguagem.
• 133-142:investigação sobre o que supostamente significa
“compreender” em vários tipos de casos.
• 143-155: “compreender” relacionado a “saber” e a “conhecer”.
• 156-171: o jogo de linguagem da leitura.
• 172-178: a experiência de ser guiado por alguém ou alguma coisa.
• 179-184: como dar prosseguimento a alguma regra.
• 185-242: uso de regras para a compreensão de séries aritméticas,
discussão sobre a determinação no seguimento de regras, diferença
entre regra e interpretação de regra.
• 243-315:investigação sobre argumentos acerca de uma suposta
linguagem privada.
• 316-362: discussão sobre os conceitos de “pensamento” e de
“pensar”.
• 363-397: investigação sobre os conceitos de “imaginação/representação” e de
“imaginar/imagem”.
• 398-427: a experiência dos sentidos e a imaginação, consciência e
autoconsciência.
• 428-465: o pensamento e a sua articulação com a realidade; o desejo, a
expectativa, o significar e a sua realização.
• 466-490: discussão sobre o propósito do pensar e a natureza das crenças e dos
juízos.
• 491-570: as funções da linguagem, a natureza do sentido e da compreensão, a
compreensão de fisionomias, a natureza da negação, e a associação entre
conceito e interesse.
• 571-610: expectativa, esperança, crença, reconhecimento, avaliação do tempo,
descrição de fatos intangíveis.
• 611-628: vontade e ação voluntária.
• 629-660: intenções e ação intencional.
• 661-693: significar algo com as palavras ou com gestos, ter algo em mente.
• “Agostinho, nas Confissões I/8:Nomeavam os adultos algum
objeto e se voltavam para ele, então percebi e entendi que o
objeto, pelos sons que eles proferiam, vinha a ser designado
quando queriam apontar para ele. Isso, entretanto, inferia dos
seus gestos, a língua natural de todos os povos, a língua que,
pelo jogo das caras e dos olhos, pelos movimentos dos
membros e o soar da voz, mostra os sentimentos da alma
quando esta ambiciona algo, ou apreende, ou recusa, ou
foge. Assim, aprendi a compreender passo a passo que
coisas as palavras designavam, e que eu, sempre e
repetidamente, nos seus lugares determinados e em frases
diferentes, ouvia proferir. E trouxe por elas, na medida em
que minha boca se acostumou a esses sinais, meus desejos à
expressão.” (Prefácio – IF)
• Estaconcepção de linguagem encontrada em Agostinho
não pode ser considerada uma base para especulação
metafísica, epistêmica ou linguística. Apesar de sua
plausibilidade, essa redução da linguagem à representação
não pode fazer justiça a toda a linguagem humana; e mesmo
que deva ser considerada uma imagem apenas da função
representativa da linguagem humana, é, como tal, uma
imagem pobre.
• essa imagem da linguagem está na base de toda a filosofia
tradicional, mas, para Wittgenstein, deve ser evitada em
favor de uma nova maneira de ver a linguagem e a filosofia.
As IF prosseguem para oferecer a nova maneira de ver a
linguagem, que produzirá a visão da filosofia como terapia.
Sobre o significado como uso
• “43. Para uma grande classe de casos de utilização da
palavra “significado” – se bem que não para todos os casos
da sua utilização – pode-se explicar assim essa palavra: o
significado de uma palavra é o seu uso na língua.” (IF-43)
• Estaafirmação básica é o que está subjacente à mudança de
perspectiva mais típica da fase posterior do pensamento de
Wittgenstein: uma mudança de uma concepção de significado
como representação para uma visão que parece ser usada
como o ponto crucial da investigação.
• As teorias tradicionais do significado na história da filosofia pretendiam
apontar para algo exterior à proposição que a dota de sentido. Esse "algo"
geralmente pode estar localizado em um espaço objetivo ou dentro da mente
como uma representação mental
• Já em 1933 no Livro azul, Wittgenstein se esforçou para desafiar essas
concepções, chegando ao insight de que “se tivéssemos que nomear algo que
fosse a vida do signo, deveríamos ter que dizer que era seu uso” (BB 4)
• A apuração do uso de uma palavra ou de uma proposição), entretanto, não é
dada como no Tractatus. Em vez disso, ao investigar o significado, o filósofo
deve “olhar e ver” a variedade de usos que é dado à palavra. Uma analogia
com as ferramentas lança luz sobre a natureza das palavras. Quando
pensamos em ferramentas em uma caixa de ferramentas, não deixamos de ver
sua variedade; mas as “funções das palavras são tão diversas quanto as
funções desses objetos” (IF- 11).
• Somos induzidos ao erro pela aparência uniforme de nossas palavras para
teorizar sobre o significado: "Especialmente quando estamos fazendo
filosofia!" (IF- 12)
• “11. Imagine ferramentas dentro de uma caixa: ali tem um martelo, um
alicate, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um pote de cola, cola,
pregos e parafusos. – Tão diferentes como são as funções desses objetos,
são também diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças aqui e
ali.) Certamente o que nos confunde é a uniformidade da sua
manifestação, quando as palavras nos são ditas, ou nos defrontamos com
elas na escrita ou impressas. Pois o seu emprego não está ali tão claro
para nós. E especialmente não o está quando filosofamos!”(IF-11)
• “12. Tal como olhar para a cabine de uma locomotiva: lá estão alavancas
que mais ou menos se parecem. (Isto é compreensível, porque todas elas
devem ser pegas com a mão.) Mas uma é a alavanca de uma manivela que
pode ser alterada continuamente (ela regula a abertura de uma válvula); a
outra é a alavanca de um comutador que só tem duas posições de
funcionamento, ou ela está fechada ou aberta; um terceiro é o cabo do
freio, quanto mais forte se puxa, mais forte se freia; uma quarta é a
alavanca de uma bomba que só funciona quando se a movimenta para lá e
para cá.” (IF-12)
• nova perspectiva que Wittgenstein repete: "Não pense, mas
olhe!" (IF 66)
• tal análise é feita nos casos particulares e não generalizações.
• Ao dar o significado de uma palavra, qualquer generalização
explicativa deve ser substituída por uma descrição do uso.
• A ideia tradicional de que uma proposição abriga um conteúdo e
tem um número restrito de forças fregeanas (como asserção,
pergunta e comando) dá lugar a uma ênfase na diversidade de
usos.
•A fim de abordar a multiplicidade incontável de usos, sua
indefinição e por ser parte de uma atividade, Wittgenstein
introduz o conceito-chave de "jogo de linguagem".
Os jogos de linguagem
• Wittgensteinutiliza o conceito de jogos de linguagem para esclarecer
suas linhas de pensamento sobre a linguagem.
•o conceito de jogos de linguagem mostra como a linguagem é
governada por regras;
• Mostra o caráter convencional da liguagem;
• Osjogos não implicam sistemas de regras estritos e definidos para
todo e qualquer jogo de linguagem, mas apontam para a natureza
convencional desse tipo de atividade humana.
• Jogos de linguagem primitiva e jogos de linguagem ostensiva (falada)
• Os jogos de linguagem primitivos (IF-2) tentam mostrar as
características básicas da linguagem.
• “2.Aquele conceito filosófico de significado se ajusta a uma
representação primitiva da maneira como a linguagem
funciona. Pode-se, entretanto, dizer que ele seria a
representação de uma língua mais primitiva que a nossa.
Imaginemos uma língua que concorde com a descrição dada
por Agostinho: a língua deve servir de entendimento entre um
construtor A e um ajudante B. A executa uma edificação com
blocos de construção; há disponíveis blocos, colunas, placas e
vigas. B tem que lhe alcançar os blocos de construção na
sequência em que A deles precisa. Para esta finalidade, eles se
servem de uma língua que consiste das palavras: “bloco”,
“coluna”, “placa”, “viga”. A chama as palavras; – B traz a peça
que aprendeu a trazer para este chamado. — Conceba isso
como uma linguagem primitiva completa.” (IF-2)
• Essejogo de linguagem dos construtores, em que um
construtor e seu assistente usam exatamente quatro
termos (bloco, pilar, laje, viga), é utilizado para
ilustrar aquela parte do quadro agostiniano da
linguagem que pode ser correta. mas que é, no
entanto, estritamente limitado.
• Jogos de linguagem ostensiva, como a lista
surpreendente fornecida no parágrafo 23 (que inclui,
por exemplo, relatar um evento, especular sobre um
evento, formar e testar uma hipótese, inventar uma
história, lê-la, encenar, cantar pegadinhas,
adivinhando enigmas, fazendo piadas, traduzindo,
pedindo, agradecendo e assim por diante), revelam a
abertura de nossas possibilidades no uso da
linguagem e em sua descrição.
• “23. Mas quantos tipos de sentenças existem? Talvez
asserção, pergunta e ordem? – Há inúmeros desses tipos:
inúmeros tipos diferentes de aplicação de tudo o que chamamos
de “sinais”, “palavras”, “sentenças”. E essa multiplicidade não é
nada fixa, dada de uma vez por todas; mas novos tipos de
linguagem, novos jogos de linguagem, poderíamos dizer,
passam a existir, e outros envelhecem e são esquecidos. (Nós
podemos ter uma imagem aproximada disso nas mudanças da
matemática.)
•A expressão “jogo de linguagem” deve enfatizar aqui que o falar
de uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de
vida.
• Ponha diante de si a multiplicidade de jogos de linguagem por estes e
outros exemplos:

• Dar ordens e agir segundo ordens –


• Descrever um objeto segundo a aparência ou por medição –
• Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho) –
• Informar um acontecimento –
• Fazer conjecturas sobre um acontecimento –
• Propor uma hipótese e prová-la –
• Apresentar os resultados de um experimento mediante tabelas e
diagramas
• –– É interessante comparar a multiplicidade de ferramentas da
linguagem e seus modos de aplicação, a multiplicidade de tipos de
palavra e de sentença, com o que os lógicos dizem sobre a estrutura
da linguagem. (E também o autor do Tractatus Logico-
Philosophicus.)”
•Wittgenstein também critica a busca de
uma regra geral ou universalização da
linguagem.
•No parágrafo 65 ele diz:
“65. Aqui nos chocamos com a grande pergunta que está por detrás de
todas essas observações. – Pois, alguém poderia objetar:
“Você facilita as coisas! Fala de todos os jogos de linguagem possíveis,
mas não disse em nenhum lugar qual é, então, a essência do jogo de
linguagem, e, portanto, da linguagem. O que todos esses processos têm
em comum e que os torna em linguagem ou parte da linguagem. Você se
deu de presente, portanto, justamente a parte da investigação que lhe
deu nesse tempo a maior das dores de cabeça, a saber, aquilo que
concerne à forma geral da proposição e da linguagem.”
E isso é verdade. – Em vez de mencionar algo que é comum a tudo o que
chamamos de linguagem, digo que essas manifestações não têm nada
em comum, ainda que para todos eles empreguemos a mesma palavra, –
mas que eles estão mutuamente aparentados de muitas formas
diferentes. E é devido a esse parentesco, ou a esses parentescos, que
nós chamamos a todos eles de “linguagem”. Vou tentar explicar isso.”
• “66. Considere, por exemplo, os processos que chamamos
de “jogos”. Quero dizer, jogos de tabuleiro, de carta, com bola,
de combate, e assim por diante. O que todos eles têm em
comum? – Não diga: “Tem que haver para eles algo em comum,
senão eles não se chamariam ‘jogos’” – mas veja se todas as
coisas são comuns para eles. – Pois se você os examina, não vai
ver, na realidade, algo que todos têm em comum, mas
semelhanças, parentescos, e, na realidade, toda uma série
dessas coisas. Como foi dito: não pense, veja! – Examine, por
exemplo, os jogos de tabuleiro com os seus múltiplos
parentescos. Passe agora para os jogos de carta: aqui você
encontra muitas correspondências com aquela primeira classe,
mas muitos traços comuns desaparecem e outros surgem. Se
nós agora passamos para os jogos com bola, então muitas
coisas em comum ficam preservadas, mas muitas se perdem. –
Eles são todos ‘divertidos’?
• Compare xadrez com jogo do moinho. Ou há em qualquer
lugar um ganhar e perder, ou uma competição de jogadores?
Pense no jogo de paciência. Nos jogos com bola há ganhar e
perder; mas quando uma criança arremessa a bola na
parede e a pega de novo, então esse traço se perde. Veja que
papel cumprem a habilidade e a sorte. E como é diferente a
habilidade no jogo de xadrez e no jogo de tênis. Pense agora
nas brincadeiras de roda: Aqui está o elemento da diversão,
mas quantos dos outros traços característicos são perdidos!
E assim podemos percorrer muitos, muitos outros grupos de
jogos. Ver surgir e desaparecer semelhanças. E o resultado
dessa observação é agora: vemos uma complicada rede de
semelhanças que se sobrepõem e se cruzam mutuamente.
Semelhanças no grande e no pequeno”.
Semelhança de família
• 67. Eu não poderia caracterizar melhor essas semelhanças do que pela
expressão “semelhanças de família”; pois assim se sobrepõem e se
cruzam as distintas semelhanças que têm lugar entre os membros de uma
família: altura, traços faciais, cor dos olhos, andar, temperamento etc.,
etc. – E eu direi: os ‘jogos’ conformam uma família. E do mesmo modo
conformam, por exemplo, os tipos de número uma família. Por que
chamamos algo de “número”? Ora, talvez porque haja um parentesco –
direto – com muita coisa que se tem até aqui chamado de número; e, por
isso, pode-se dizer que há também um parentesco indireto com outras
coisas que também chamamos assim. E ampliamos nosso conceito de
número assim como, ao tecer uma fibra, enroscamos fio por fio. E a força
da fibra não consiste em que cada fio percorre toda a sua extensão, senão
em que muitos fios se sobrepõem mutuamente.
• Se, entretanto, alguém quiser dizer: “Todas estas construções têm algo
comum, – a saber, a disjunção de todas estas coisas em comum” – então
responderia: aqui você só está jogando com uma palavra. Do mesmo
modo pode-se dizer: percorre-se uma só coisa através de toda a fibra, – a
saber, a sobreposição sem lacunas destes fios.
• ele
aponta para "semelhança de família" como a analogia mais
adequada para os meios de conectar usos específicos da
mesma palavra
• Não há razão para procurar, como temos feito tradicionalmente
- e dogmaticamente - por um, núcleo essencial no qual o
significado de uma palavra está localizado e que é, portanto,
comum a todos os usos dessa palavra.
•A semelhança de família também serve para exibir a falta de
limites e a distância da exatidão que caracterizam os diferentes
usos do mesmo conceito
Sobre a linguagem privada
(sensações privadas)
• “243.
Uma pessoa pode alentar a si mesma, dar ordem para si
mesma, obedecer, repreender, castigar, apresentar uma
pergunta e respondê-la. Poder-se-ia, portanto, imaginar também
pessoas que só falassem por monólogos. Que fizessem
acompanhar suas atividades com conversas consigo mesmas. –
Um pesquisador que as observasse e espionasse a sua
conversa, poderia conseguir traduzir a linguagem delas na
nossa. (Ele estaria, assim, em posição de predizer corretamente
as ações dessa gente, pois ele as ouviria também deliberar e
tomar decisões.) (continua)
• Masseria também imaginável uma linguagem em
que alguém tomasse nota, para o seu próprio
uso, das suas vivências internas – seus
sentimentos, humores etc. –, ou pudesse proferi-
las? — Não poderíamos fazer isto, então, na
nossa linguagem habitual? – Mas eu não quis
dizer isso assim. As palavras dessa linguagem
devem referir-se ao que só o falante pode saber;
às suas vivências imediatas, privadas. Uma outra
pessoa não poderia compreender, portanto, essa
linguagem.” (IF-243).
• 244. Como palavras se referem a sensações? – Não
parece haver ali qualquer problema; pois não falamos
diariamente de sensações e as denominamos? Mas como vem
a ser estabelecida a ligação do nome com o denominado? A
pergunta é a mesma que: como uma pessoa aprende o
significado de nomes de sensações? Por exemplo, da palavra
“dor”. Esta é uma possibilidade: as palavras vêm a ser ligadas
com a expressão original, natural, da sensação, e colocadas
no seu lugar. Uma criança se machuca e grita; os adultos,
então, falam com ela e lhe instruem com exclamações, e, mais
tarde, sentenças. Eles ensinam à criança um novo
comportamento de dor.
• “Você diz, então, que a palavra ‘dor’ realmente significa o
grito?” – Pelo contrário; a expressão verbal da dor substitui o
grito, não o descreve.
• 245.Como posso, então, querer ainda colocar a linguagem entre a
exteriorização da dor e a dor?
• 246.Até que ponto são, pois, as minhas sensações privadas? –
Bem, só eu posso saber realmente se tenho dores; o outro só pode
supor. – Isto é, de uma maneira, falso, e de outra, absurdo. Quando
usamos a palavra “saber”, tal como ela é usada de maneira normal
(e como deveríamos, pois, usá-la!), então os outros, com muita
frequência, sabem se tenho dores. – Sim, mas claro que não com a
segurança com que eu mesmo sei! – Não se pode, em absoluto,
dizer de mim (a não ser, talvez, de brincadeira) que sei que tenho
dores. O que deve isso, então, querer dizer – a não ser, talvez, que
tenho dores? Não se pode dizer que os outros aprendem a minha
sensação só pelo meu comportamento, – pois de mim não se pode
dizer que a aprendi. Eu as tenho. Isto é correto: tem sentido dizer
dos outros que eles estejam em dúvida se tenho dores; mas não
tem dizê-lo de mim mesmo.
A gramática para Wittgenstein
•A gramática, geralmente considerada como consistindo nas
regras de uso sintático e semântico correto, torna-se, para
Wittgenstein, algo mais amplo, englobando regras que
determinam qual movimento linguístico é permitido como
tendo sentido e o que não é.
• Essa noção substitui a lógica mais estrita e pura, que
desempenhou um papel tão essencial no Tratado ao fornecer
um andaime para a linguagem e o mundo.
•A gramática não é abstrata, ela está situada dentro da
atividade regular com a qual os jogos de linguagem estão
entrelaçados:
• 23. “(...) A expressão “jogo de linguagem” deve
enfatizar aqui que o falar de uma língua é parte de uma
atividade ou de uma forma de vida.(...)”
•a palavra ‘jogo de linguagem’ é usada aqui para
enfatizar o fato de que falar uma linguagem faz parte
de uma atividade, ou de uma forma de vida.
•O que permite que a linguagem funcione e, portanto,
deve ser aceita como “dada” são precisamente as
formas de vida. Nos termos de Wittgenstein, "Não é
apenas acordo em definições, mas também (por mais
estranho que possa parecer) em julgamentos que é
necessário“(IF-241)
O papel da filosofia
• No Tractatus: : a filosofia não é uma teoria ou uma doutrina, mas sim uma
atividade. É uma atividade de esclarecimento (de pensamentos) e, mais
ainda, de crítica (de linguagem). Descrita por Wittgenstein, deve ser a
atividade rotineira do filósofo: reagir ou responder às reflexões dos
filósofos tradicionais, mostrando-lhes onde erram, usando as
ferramentas fornecidas pela análise lógica. Em outras palavras,
mostrando a eles que (algumas de) suas proposições são absurdas.
• Nas Investigações: Wittgenstein sustenta, como fez no Tractatus, que os
filósofos não fornecem ou não deveriam fornecer uma teoria, nem fornecem
explicações.
• “126. A filosofia apresenta, simplesmente, tudo, e não explica e nem conclui
nada. – Tudo está ali em aberto, não há nada para explicar. Pois o que
porventura estiver oculto, não nos interessa.(...)”
• A postura antiteórica é uma herança do Tratado, mas existem diferenças.
o Tratado exclui teorias filosóficas, mas construiu um sistema que resulta
na forma geral da proposição, ao mesmo tempo que se apoia na lógica
formal;
• as Investigações apontam a natureza terapêutica não dogmática da
filosofia, instruindo os filósofos nos caminhos da terapia.
• “127. O trabalho do filósofo é uma compilação de lembranças para
uma determinada finalidade.”
• Trabalhando com lembranças e uma série de exemplos, diferentes
problemas são resolvidos. Ao contrário do Tratado, que avançou um
método filosófico, nas Investigações "não existe um único método
filosófico, embora haja de fato métodos, terapias diferentes, por assim
dizer" (IF 133)
• Nas investigações Wittgenstein foge da forma lógica ou de
qualquer generalização a priori que possa ser descoberta ou
feita na filosofia.
• Para ele, tentar apresentar tais teses gerais é uma tentação
que atrai os filósofos; mas a verdadeira tarefa da filosofia é
tornar-nos conscientes da tentação e nos mostrar como
superá-la.
• Consequentemente, “um problema filosófico tem a forma:
'Não sei o que fazer'” (IF 123)
• e, portanto, o objetivo da filosofia é “mostrar à mosca o
caminho para fora da garrafa” (IF 309 )

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