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o QUE É A A N A LIS E S IN T Á T IC A

A análise sintática constituiu a tortura de todos


nós. Foi-nos impingida uma terminologia complica­
díssima, cujos nomes não sabíamos cm que aplicar,
razão pela qual os distribuíamos ao acaso e por pal­
pite. Para agravar o mal, muitas vêzes mandaram-
nos exercitar a ignorada análise em Os Lusíadas,
que não eram suficientemente explicados. P o r isso
hoje tantas pessoas envolvem no mesmo ódio Camões
e a análise sintática, ou melhor, a análise lógica.
E ’ tempo de fazer as pazes: com a análise sin­
tática, tornando-a racional e simplificada, por um
método que eu chamaria “ essencialista” ; e com o
Poeta M áxim o de nossa língua, pelo estudo estilístico
de suas composições sem par.
M u ito im portante para o prim eiro desiderato é
bater as estacas maiores, lançar com segurança os
fundamentos sobre os quais se construirá o edifício.

♦ * *

P a ra vencer prevenções iniciais, d irei m uito des­


pachadamente que quem entende o que ouve ou o que
16 G ladstone C haves de M elo

lé, analisa. Portanto, a análise não pode ser tão di­


fícil operação. Analisa, digo, na consciência lingüís-
tica espontânea. Trata-se, pois, apenas de transpor­
tar para a consciência reflexa essa análise global e
instantânea, que se chama inteligência da frase.
Em continuação direi que só quem entendeu o
que ouviu ou leu pode de fa to analisar. Isto, que
parece uma banalidade, tem particular aplicação con­
tra certa distorção da análise sintática — que usa
a técnica das substituições, dos subcntendimentos,
das elipses, das zcugmas e outros nomes piores.
Tem os então firm ado o prim eiro ponto: quem
entendeu, analisou. Quem entendeu esta fra s e —
“ Paulo casou-se ontem " — , percebeu o nexo en tre o
predicado “ casou-se ontem " e o sujeito “ P a u lo ", p e r­
cebeu que o predicado se referiu ao sujeito, notando,
ao mesmo passo, que “ ontem " se reporta ao verb o, e x ­
prim indo uma circunstância da ação ou do fa to por
êle indicado. N ã o im porta que o le ito r ou o u v in te
desconheça aquela nomenclatura — su jeito, p r e d i­
cado, adju nto circunstancial: se entendeu, analisou.
Vem a pêlo observar nesta altura que às vezes
sucede baralhar-se a interpretação de frases muito
simples, o que dá origem a modismos novos, idiomá­
ticos, ilógicos, embora perfeitamente compreensíveis.
Isto aconteceu, por exemplo, com a expressão corri­
queira “ Fulano" ou “ tal coisa levou o diabo". Ori-
Novo M a n u a l de A nálise Sintática 17

ginàriaménte era esta a estrutura: “ O diabo le­


vou tal coisa” . Depois, “ Fulano levou-o o diabo” .
Mais tarde, aquêle o, pronome pessoal, fundiu-se por
crase no o artigo; daí a expressão “ Fulano levou o
diabo” , em que “ levou o diabo” vale como predi­
cado, tanto assim que no plural se diz “ Êles leva­
ram o diabo” .
Deste primeiro princípio decorre que deve ha­
ver p erfeita correlação entre a análise e a expres­
são, de tal arte que a primeira não possa exceder
a segunda. Os analistas profissionais, no seu afã de
tudo complicar, não raro ultrapassam a intenção
'lingüística do falante. Assim, há quem veja, numa
oração como “ comprei uma casa e um sítio” — duas
proposições: “ Comprei uma casa e comprei um
s ítio ” , sob a falsa alegação de que a conjunção e
deve lig a r orações. Ora, não foi isto que eu disse,
mas aquilo; não disse que “ comprei uma casa” e que
“ comprei um sítio” , senão que “ comprei uma casa e
um sítio” . O ato da compra fo i o mesmo, o dono an­
te rio r fo i o mesmo, a casa estava no sítio, o pa­
gam ento fo i global.

* * *

Outra observação básica importante: nem tôdas


as frases comportam uma análise regular, mas so­
mente aquelas em que o elemento racional predomi-
18 G ladstone C haves de M elo

ne sobre o emotivo ou o ativo. Uma frase como —


“ F o g o !” — é inanalisável, do mesmo modo que o
é um anacoluto.

Certos analistas procuram contornar a d ificu l­


dade, trocando a frase por uma equivalente e ana­
lisando esta. P or exemplo: “ F o g o !” = “ Está pe­
gando fogo aqu i!” . Ora, nesta suposta igualdade
realmente há diversidade de estado psicológico, por­
que na segunda frase o falante, embora emocio­
nado, ainda mantém o governo franco da razão,
tanto assim que construiu uma oração de estrutura
normal, o que não ocorreu no primeiro caso. “ F o g o !”
continua inanalisada.

Debalde tentaremos analisar um período como


este de V ie ir a :

“ O homem que está em Deus e Deus nêle, nenhuma


fôrça, ainda que seja do mesmo Deus, o pode derrubar
nem vencer".
(Sermões> vol. X da ed. facsim.
da Anchieta, pág. 81);

ou como êste de B ila c :

‘‘Porque o escrever — tanta perícia,


Tanta requer,
Que ofício tal. .. nem há notícia
De outro qualquer” .
( Poesias, 12* ed., Alves, Rio, 192G,
pág. 7);
Novo M an u al de A nálise S in t á t i c a 19

ou ainda como êste de C a r lo s D r u m m o n d de A n ­


drade.

“ £ ’ a. vida bosta, rnou Pous!”


í Fnz* nd> iro do A r c Poesia até
Afjora. José Olimpio. Rio, 1955,
rdr- 4Q).

Quando dizem os que só se analisam frases con­


ceitu ais, querem os referir-n o s à análise racional, d i­
ga m os o rtod oxa , que vai d iscrim in a r as partes n or­
m a lm en te encontradas numa proposição. A q u ela ou­
tr a a n á lise in tu itiv a é claro que se fa z de qualquer
fr a s e , uma vez que se lhe perceba o conteúdo s ig ­
n ific a t iv o .
OXDE SE SITUA A ANÁLISE SINTÁTICA

Propriamente, a análise é uma parte da Sintaxe,


ou melhor, exercício de aplicação de uma parte da
Sintaxe. Cabe, portanto, lembrar a divisão da Gra­
mática, para bem entendermos onde fica posta a
nossa análise.
Segundo a melhor conceituação, triparte-se a
Gramática, “ descrição de um estado de língua” , em
Fonologia, M orfologia e Sintaxe.
A Fonologia é o estudo do material sonoro, o
aparelho fonador, os fonemas e sua natureza, com­
binações de fonemas, acento, pronúncia, ortografia.
A M orfologia é o estudo das formas, ou teoria
das form as, como preferem outros. Ocupa-se com
a estrutura do vocábulo (radical, afixos, infixos,
term in ação), com o sistema flexionai da língua
e com a classificação das palavras, distribuídas por
tantas espécies ou “ classes” quantos forem os gru­
pos sign ificativos genéricos. (2 )

(2) Cfr. Gladstone Chaves de Melo, Iniciação á


Filologia Portuguêsa, 2• ed. refundida e aumentada, L ivraria
Acadêmica, 1957, págs. 227-245, capitulo intitulado “ A clas­
sificação das palavras” .
22 G ladstone C h a v e s de M elo

A Sintaxe estuda a frase, é a teoria da frase e de


seus membros, como caracterizou V iggo B rondal
num arrazoado célebre, em que defende “ a autono­
mia da Sintaxe” . (3)
Em nosso entender, subdivide-se a Sintaxe em
três grandes capítulos:

a) Sintaxe Analítica ou Estrutural, que ca­


racteriza e discrimina as partes da oração e as fun­
ções sintáticas, — funções essenciais, acessórias,
complementares e desligadas;
b) Emprego das Formas, que é a contraparti­
da da Sintaxe Analítica, o reestudo das funções a
partir das palavras que as desempenham, tanto é
verdade que tem como escopo examinar a utiliza­
ção das diversas espécies de palavras dentro da fra ­
se, assinalando, por exemplo, que o substantivo pode
ser sujeito, objeto direto e indireto, complemento
do verbo e do nome, agente da passiva, predica-
tivo, etc.
c) Sintaxe Relacionai, que estuda os vínculos
estabelecidos' entre as palavras na frase, os pro­
cessos, o modo concreto de estabelecê-los. Reparte-
se tal estudo em Sintaxe de Regência, Sintaxe de
Concordância e Sintaxe de Posição~óu de Colocação.

(3) Essais de Linguistiqice G énérále, Copenhague, 1943.


Novo M anua l dk A n Ammh S intática y:i

O exercício de reconhecer os fonenms e classi­


ficá-los constitui a análise fonética; o exercício <le
reconhecer e separar os elementos estruturais do vo­
cábulo chama-se análise morfológien; o exercício de
reconhecer, num texto dado, as diversas espécies de
palavras chama-se análise léxica, o mesmo que ou-
trora, sem razão, se chamava análise gramatical.
Trata-se, em todos esses casos, de um conheci­
mento prático, concreto, aplicado. Ora, é desse tipo
a operação que denominamos “análise sintática” : ó
o exercício de decompor a frase-oração e reconhe­
cer-lhe os diversos elementos, identificar as funções
sintáticas. E ’, portanto, a aplicação concreta da
Sintaxe Analítica, verificação dos conceitos, apura­
ção e aprofundamento deles ao contacto de casos
novos, de exemplos desconhecidos, de apresentações
gramaticais ainda não previstas nos modelos pro­
postos.
E* só isso a análise sintática: conhecimento
pi*ático, exercitado, estimulante, da Sintaxe Analíti­
ca; é trabalho paralelo ao da análise fonética, da
morfológica ou da léxica.
UTILIDADE E MÉTODO DA ANALISE
SINTÁTICA

A análise sintática 6, portanto, um dos recur­


sos, um dos processos do ensino da língua, e nunca
sua razão de ser. Serve para exercitar e apurar uma
nomenclatura técnica, unívoca e econômica, que fa­
cilitará o estudo de toda a sintaxe, tornando claras
e racionalmente perceptíveis as relações entre os
membros da frase. E ’ mero instrumento de tra­
balho da Gramática, para facilitar-lhe o fim, que
é o conhecimento organizado e sistemático da lín­
gua literária. Serve ainda como elemento de verifi­
cação, quando o autor, na intuição, desconfia da
sua frase. A _ análise lhe revelará o ponto fraco,
a estrutura mal urdida. Presta ela ainda auxílio nas
possíveis perplexidades sôbre pontuação, mormen­
te quando não teve o autor um aprendizado
conveniente dêsse capítulo da Gramática e da Es­
tilística.
• * •

Portanto, é útil e até necessário o conhecimen­


to da análise sintática, desde que ela se assine no
26 Gladstone C haves de M elo

seu papel de instrumento, e não queira tudo avas-


salar e tudo dominar.
Daremos agora mais um passo, dizendo que a
análise sintática é uma técnica que consiste em re ­
duzir à simplicidade es,quemática da ju ízo a com­
plexidade vária da linguagem articulada. De-
sume-se em última instância nisto: separar os ele­
mentos de uma frase, colocando uns do lado do su­
jeito e outros do lado do predicado. Coisa bastante
simples, portanto.
0 ensino da análise sintática deve ser ra cion a l.
Há de começar por uma notícia sumária, mas n í­
tida, do juízo e de sua estrutura — capítulo* da
Lógica. Depois se fa rá ver que ao pensamento cor­
responde a palavra — não, porém, m aterialm ente,
de modo que para cada idéia se tenha um vocábulo.
Há correspondência, não decalque, repercussão
perfeita.
Indo à substância das coisas, tomando eminen­
temente racional e anti-psitacista o* ensino da aná­
lise, é possível ao discente reconciliar-se em três
tempos com o bicho-papão e aprender fàcilmente.
Tive um caso de aluno inteligente e de espírito in-
dagativo, que aprendeu toda a análise sintática em
dois dias. Devo, porém, revelar a situação do aluno:
estava inteiramente cru, era tábua-ràsa.* Estou cer­
to que a proeza não se poderia realizar em quem
Novo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 27

já tivesse estudado e aprendido análise — estudado


e aprendido mal, já se vê, porque aí o trabalho seria
duplo: erradicar o êrro e plantar a verdade.
A qui está um roteiro, ouso dizer seguro para
o estudo da análise sintática. Os princípios básicos
vimos serem racionalidade, essencialidade e tendêiv-
cia constante à simplificação. Ir ao âmago das coi­
sas, nunca distinguir acidentalidades iguais no
fundo, como é próprio da gramatiquice, buscar
sempre uma nomenclatura fácil, leve e sugestiva,
escolhendo nomes que por si indiquem o que estão
titulando. Despojar-se de demasias inúteis e sem
qualquer fundamento, como aquela tola dicotomia
— sujeito gramatical e sujeito lógico — , cuja per­
manência só se explica pela lei da inércia, que tem
larga atuação na vida do espírito.
A ssim praticada, a análise sintática tem sua
função e presta seu serviço. Enriquece a seu modo
a inteligência, explicita o conceito das funções,
torna claro e sistemático o conhecimento da frase,
fornece a term inologia para o estudo da sintaxe e
possibilita penetrar o mecanismo de línguas sinté­
ticas, tais como o latim ou o grego.
DUAS PA L A V R A S DE LÓGICA

Recordando brevissimamente uma página de


Lógica, necessária ao nosso caso, lembraremos que
a idéia ou conceito é a simples representação inte­
lectual de um objeto. Ela encontra sua expressão
verbal no têrmo, que, evidentemente, não se con­
funde com o vocábulo, tanto é verdade que há ter­
mos com vários vocábulos: " Freixo-de-E spadc^-w-
C inta”, "Aquilo fo i um deus-nos-acuda” .
N a idéia, e portanto no têrmo, temos de con­
siderar a compreensão e a extensão. Compreensão
é a significação, o conteúdo da idéia, a informação,
os dados cognoscitivos nela contidos. Assim, a idéia
de "anim al” sugere, implica estes componentes: ser,
vivo, sensível, semovente. "Homem” tem maior
compreensão: ser, vivo, sensível, semovente, racio­
nal. "B rasileiro” , maior ainda: ser, vivo, sensível, se­
movente, racional, nascido no Brasil.

Extensão é o número de indivíduos a que con­


vém a idéia. Assim, a idéia de "anim al” , que convém
a papagaio, besouro, pulga, leão, pato, homem in-
30 Gladstone C haves de M elo

clusive, tem maior extensão do que a idéia de “ ho­


mem” , que abrange os chineses, os turcos, os tro­
gloditas, os assírios e os torcedores do Flamengo.
Daí já se verificou que a compreensão está em razão
inversa da extensão : quanto mais rica de elementos
cognoscitivos, tanto menos extensa a idéia, porque
convém a menor número de indivíduos. A idéia de
“ ser” é muito mais extensa, e por isso muito menos
compreensiva, do que a idéia de “ niteroiense” .
Juízo é o ato pelo qual o espírito afirma ou nega
uma coisa de outra. “A língua é uma instituição so­
cial” : aí temos um juízo, porque a respeito de “ lín­
gua” se afirmou que ela é “ instituição social” . No
juízo discriminamos três elementos: su jeito, o ser de
quem se afirma ou nega alguma coisa; predicado ou
a trib u to, aquilo que se afirma ou nega do sujeito; a
a firm ação ou a negação. Sujeito e predicado são a
m atéria do juizo; a afirmação ou negação, sua fo rm a .

P rop o siçã o é a expressão verbal do juízo. Nela


se encontram dois term os, correspondentes ao sujeito
e ao predicado, e uma cópula ou ligação que enlaça os
dois têrmos. Tal ligação é o verbo ser, tomado em
sentido relacionai, não no sentido substantivo, quan­
do então ele significa “ existir” . Deus é bom” ; “ Deus
é” = “ Deus existe” .
Muitas vezes, para o lógico, o verbo gramatical
contém a ligação e o predicado. Assim, em Lógica, a
Novo M a n u a l de A n ális e Sin t á tic a 31

proposição “ Os peixes nadam” reduz-se a “ Os peixes


são nadantes” ; “ Eu caminho”, a “ Eu sou caminhan­
te” (4 ).

Vemos aqui já esboçada a diferença entre a


análise lógica e a análise sintática, coisas diferentes,
formalmente diversas, embora não contraditórias. A
análise sintática é a análise linguística da expressão
verbal como ela se apresenta em cada língua e em
cada caso concreto. Duas expressões diversas, em­
bora de todo equivalentes, postulam análises sintá­
ticas diversas, mas têm a mesma análise lógica.

N o entanto, o fundamento primeiro da análise


sintática é lógico. As noções básicas são as de idéia
e termo, juízo e proposição, sujeito e predicado. Sem
esta fundamentação na Lógica, a análise sintática f i ­
caria sôlta no ar, seria uma permanente petição de
princípio, não teria uma bússola, um ponto de refe­
rência. F o r outro lado, se se negar a autonomia da

(4 ) N este apanhado segui muito de perto, transcre­


vendo-o p or vêzes, a R. Jolivet, Cours de Philosophie, Em-
manuel V itte, Editeur, Lyon-Paris, 1942, págs. 21-22 e 27.
P a ra m a ior desenvolvimento, pode-se consultar, do mesmo
autor, T ra ité de Philosophie, mesmo editor, vol. I, 3* ed.,
1949; de F. J. T honnar d, P ré c is de Philosophie, Desclée &
Cie., Paris-Tou rnai-R om e, 1950; de L . van A cker, In tro d u ­
ção à F ilo s o fia , L ó g ica . S araiva e Cia., S. Paulo, 1932.
32 GLAnsTON» C h a t k i db M kvo

análise sintática, ter-se-Á negado a existência da lín­


gua, ter-se-ão inserido numa ciência particular mó-
todos e processos de uma ciência geral e maior, parte
que é da Filosofia.
DA ORAÇÃO
DA ORAÇAO

O que, do ponto-de-vista material, caracteriza


uma oração é conter um verbo (claro ou oculto)
em forma finita.
Em tóda oração normalmente constituída exis­
te um sujeito e um predicado. Consiste a análise sin­
tática em distribuir os diversos elementos linguís­
ticos da proposição, capitulando-os no sujeito ou no
predicado: núcleo do sujeito, núcleo do predicado,
pertences do sujeito, pertences do predicado.
Há quatro tipos de oração:

a) declarativa (exemplo) :
“ Serena e quase luminosa corria a noite” .
(T au na Y, Inocência, 3» ed., 1890,
pág. 108);

b) interrogativa (exemplo) :
“Mas, que é dos filhos ou dos netos de seu sinhô ?
Eles náo quiseram ficar com isso?”
(AFONSO ARINOS, Pelo Sertão, His­
tórias e paisagens. Rio, Laemert
e Cia., 1898, pág. 120);
c) imperativa (exemplo) :
"Corino, vai buscar aquela ovelha, / quo grita 14 no
campo, e dormiu fora!”
(C láudio M anuul da Costa,
Obras Poéticas, ed. de JoAo R i ­
beiro, Garnier, Rio, 1903, I, pág.
112);

d) optativa (com o verbo no subjuntivo ou no


imperativo — traduz um desejo) (exemplo) :

"Valha-te o sol destas manhãs seren as...”


(A lphonsus de Guimaraens, Poe­
sias, ed. de M anuel Bandeira,
Ministério da Educação e Saúde,
1938, pág. 264).

Passaremos em seguida a estudar miüdamente


cada uma das partes essenciais e acessórias da oração.
E S T R U T U R A D A ORAÇÃO
I. Do sujeito

N a oração, sujeito é “ o ser de quem se diz al­


guma coisa” , e predicado é “ aquilo que se diz do sujei­
to ” . São definições correlatas e simples, que deixam
ver a relação de reciprocidade existente entre os dois
termos fundamentais e mostram que o sujeito é o
ponto-de-partida.
Ilabitualm ente e normalmente, o sujeito tem por
núcleo um substantivo ou palavra substantivada:
“ O m arquês de Marialva assistira a tudo do seu lugar”
— “ De repente o velho soltou um grito sufocado” .
(R euClo da S ilva , in Trechos Se­
letos, de Sousa da S ilveira , 4* ed.,
1938, pág. 226).

P o r isso mesmo, tudo que equivale a um substan­


tivo — pronome, expressão, conjunto subordinante-
subordinado, oração gram atical — pode ser su jeito :
“ X e n h u m falo u logo, posto que am bos sentissem ne­
cessidade de e xp lic a r algu m a cousa.”
( M a c h a d o de A s s is , Esaú e J a có,
G arnier, R io -P a ris, s/d, pág.
272 ).
38 Glaostonb Ciiavks db Mklo

"A Hngut» portuguesa 6 nmifo difícil 6 o que se ouve


por ai, a emla momento” .
(S ilva Ramos , in Trechos Sele­
tos, de S. S., pág. 143)

“ O amor da pátria não pode ser explicado por mais bela


e delicada imagem” .
(J. M. de M acedo, in Antologia
Nacional, de F austo B arreto e
Carlos de L aet , 8* ed., 1918, pág.
58).

“ Era natural que mais de uma menina gostasse deles” .


(M achado , Esail e Jacó, pág. 89).

O sujeito pode estar claro na oração, ou então


oculto. Oculta-se o sujeito quando a forma verbal tor­
na desnecessária a sua explicitação ou quando já
figura numa oração anterior:

“ Assinalo [eu], contudo, outras ra z õ e s ... — A Oração


aos Moços é, na sua contextura verbal, modêlo da mais pura
vernaculidade, e, convenientemente lida e estudada, [a Oração
aos Moços] constitui precioso fator de preservação da gran­
de língua literária comum ao Brasil e P ortu gal” .

(S ousa da S il v e ir a , in edição na­


cional da Oração aos Moços, de
R u i B arbosa , preparada pelo
P ro f. R o c h a L i m a , Rio, 1949,
pãgs. VIII-IX).

0 sujeito pode ser simples ou composto. Simples,


quando só tem um núcleo, ainda que expresso por
muitas palavras em subordinação, ou quando se coor-
Novo M a n u a l de A n Amhk S in t Atica 30

denam sinônimos, e nos casos de gradação e de hen-


díadis:
“ Causa-nos involuntária tristeza o contemplação da
grande massa líquida a rolar, rolar mansamente, tangida por
fô rça oculta".
(T au na Y, Inocência, pág. 340).

" A boa estimação dos clássicos, o carinho e o am or


com que devemos cercá-los é o fruto da madureza do es­
p írito” .
( João R ibeiro, Páginas de E s té ti­
ca, Lisboa, 1905, pág. 120).

"Ésse p rim eiro palpitar da seiva, essa revelação da cons­


ciência a si própria, nunca mais me esqueceu. ..
(M achado de A ssis , D om Casmur-
ro, pág. 36 — exemplo in Lições
de Português, de S. DA S., 4* edi­
ção, 1940, pág. 275).

“ M as 6 tu, geração daquele insano [A d ã o ] / Cujo pe­


cado e desobediência [is to é, “ pecado de desobediência” ] /
N ã o sòmente do reino soberano / Te pôs neste destêrro e
triste ausência. .. ” .
(C a m Oes, L us ., IV , 98).

O sujeito é composto, quando apresenta mais


de um núcleo:
“ Dous lugares e dous pretendentes, um m em orial e uma
intercessora, um príncipe e um despacho são a representa­
ção política e a história cristã dêste evangelho” .
( V ie ira , Sermões, I, 1679, col.
229).
40 Gladstone C haves de M elo

"O tempo, a gente, a vida, cousas passadas, surdiam a


espiá-lo por detrás do livro com que tinham vivido, e Aires ia
tornando a ver um R io de Janeiro que não era êste, ou apenas
o fazia lembrado.”
(M achado de A ssis , Esaú e Jacó,
pág. 170).

Quando não é determinado, claro ou oculto — é


indeterminado o sujeito, modalidade que cumpre dis­
tinguir daquela anomalia de construção caracteriza­
da pela ausência de sujeito. O que torna indetermi­
nado o sujeito é a intenção ou a situação do falan­
te, que não sabe ou não quer individuar, precisar,
apontar o agente, o autor da ação ou da façanha:
“ Quebraram a compoteira!” . O conceito de sujeito
indeterminado tem, pois, de partir da intenção ou da
ignorância do falante, já que as apresentações gra­
maticais, ao menos em português, são muitas vêzes
matérialmente determinadas. Em “ Violaram a car­
t a !” , ou em “ Vai-se a Petrópolis em uma hora e
meia” , a própria estrutura oracionai esconde o su­
je ito ; mas em “ Alguém fa lo u !” , por exemplo, mate­
rialmente “ alguém” é um sujeito, cuja expressão
nada adianta à idéia. E ' o que acontece com os pro­
nomes indefinidos ou outros com o mesmo va lo r: al­
guém, outrem , quem, etc. A ssim são apresentações
gramaticais de sujeito in determ in ado:
a) verbo na terceira pessoa do plural, não re­
ferido a nenhum substantivo no plural anteriorm en­
te expresso, nem ao pronom e êle s :
Novo M a n u a l de A nálise S intática 41

“ N a minha rua estã o c o rta n d o Arvores”


(C arlos D k u m m o n d de A ndrade ,
P o e s ia a té A g o ra , R io , 1948,
pág. 17).

C u m pre n ota r que na lin gu a gem coloquial, so­


bretudo na plebéia, e até na lite rá r ia a n tiga, a p a re ­
cem construções de su jeito in determ in ado com o v e r ­
bo na te rc e ira pessoa do s in g u la r :

“ D iz qu e a s P a r c a s sen h oras sã o d as v id a s ” .
(Exemplo de P. de A ndrade Ca ­
m in h a , in S in ta x e H is t ó r ic a P o r -
tu g u ê s a de E pifânio D ias , 1918,
pág. 10) ;

b) v e r b o na te rc e ira pessoa do s in gu la r ou p lu ­
ra l, acom pan hado do pronom e se (ín d ic e d e in d e-
term in a çã o do s u je ito ) :

“ e m tô d a a p a r t e se p o d e o r a r e s e r v irtu o s a , m e n o s
n es te c o n v e n to ” .
(C amilo , A m o r de P e r d iç ã o , 1869,
p á g . 137)

“ N a n o ss a t e r r a n ã o se v iv e s en ão d e p o lít ic a ” .

( L im a B arreto, T r is t e F im de
P o lic a r p o Q u a re s m a , R io , 1915,
p ág. 97)

“ P r o c u r a r a m -s e os ta is liv r o s , e to p o u -s e c o m um baú
ch eio de o b r a s . . . ”
(T a u n a y , I n o c ê n c ia , 3* ed., pág.
64)
42 (íl.ADNTONK C II AVK H DB MHU)

" T in h a oh o lh o s n o ^ ro * e u m p o u c o a m o r tflc h lo * ; a d I1H-


nhnva-sv p o ré m q u o d c v lm n t o r «Ido v iv o * o a r d e n t e * " .
( M a c h a d o , C o n to s F lu m in e n s e s ,
C i ir n ic r , lü o -P a r is , */d, p&gs.
02-03);

c) sujeito materialm ente constituído por pro­


nomes indefinidos que nada esclarecem quanto à
identidade do agente (ou do paciente, na voz pas­
siva ) :
" Quem fè z mal ao guerreiro branco na terra doa taba-
jaras ?. .. — Ninguém fôz mal a teu hóspede, filha de
Araquém’*.
( A lencar , Iracema, Rio, 1948,
pág- 18);

d) sujeito materialmente constituído pela ex­


pressão “a gente", de valor indefinido:
“ ÊJe lhe aparecia agora como um dêsses recantos da
mata, próximo a um riacho, num sombrio misterioso e con­
fortante. Passando num meio-dia quente, ao trote penoso do
cavalo, a gente pára ali, olha a sombra e o verde como se
fôsse para um cantinho de c éu ... Mas volvendo depois,
numa manhã chuvosa, encontra-se o doce recanto enlamea­
do, escavacado de minhocas, os lindos troncos escorregadios
e lodosos, os galhos de redor pingando tristemente” .

(R aquel de Queirós, Três Roman­


ces, Rio, 1948, pág. 66);

e) na língua antiga, sujeito materialmente re­


presentado pelo expressivo pronome homem, de va­
lor indefinido, correspondente ao on francês (ape-
Novo Man u al de A nálise Sintática 43

nas, on vem do nom inativo latino homo, ao passo que


kom m e, fr ., e hom em , ptg., assentam no acusativo
h o m in e m ) :

“ M a s o a lto Deus, que pera longe guarda


O c a s tig o daqu ele que o merece,
Ou, p e r a que se emende, às vêzes tarda,
O u p o r s egred o s que hom em não c o n h e c e ...”
(C am õ es , L u s ., I I I , 69)

“ X a verd a d e, ja m a is hom em há visto


C o usa n a te r r a sem elhante a isto.”
(M achado de A ssis , Poesias C om ­
pletas, 1902, pág. 302);

/) em textos literários, ao menos clássicos,


verb o na p rim eira pessoa do singular com valor de
s u je ito in determ in ado:

“ U m gô sto , que h o je se alcança,


A m a n h ã j á n ão o v e jo ( = já não se v ê ) :
A s s i nos tr a z a m udança
D e e sp eran ça em esperança,
E de d es ejo em d esejo” .

(C am õ es , Sôbolos rios, w. 91-95,


in S ousa da S il v e ir a , T extos Q ui-
nhentistas, Rio, 1945, págs. 31-
3 2 );

g) na linguagem coloquial, numa construção


semelhante à anterior, usa-se o pronome de trata­
mento você para indicar sujeito indeterminado, ten­
do o g iro o va lor estilístico de interessar na narra-
44 Gladstone Chaves de Melo

ção o sujeito-ouvinte, do mesmo modo que a pri­


meira pessoa do singular com valor de indetermina­
do exprime interêsse por parte do falante. São fre-
qüentes os casos em que, contando uma história,
descrevendo uma viagem bonita, o falante diz coisas
assim: “Aí você descortina [isto é, “ descortina-se” ]
uma paisagem deslumbrante!” — “ Aí, então, você
salta e toma outro trem, que vai subir a serra” , etc.

Verifica-se o fenômeno de ausência do sujeito,


quando a afirmação se concentra no predicado, que,
nesse caso, não se refere a qualquer ser. O verbo é,
pois, impessoal. Acontece isso com o verbo haver
tomado em sentido existencial:

" Há duas espécies de curiosidade” .


(G ustavo Corção, Lições de Abis­
mo, Rio, 1951, pág. 230);

ou com o verbo fazer acompanhado de objeto direto


e significando tempo decorrido:

“Não faz mais de trinta anos que as águas do Prata


davam testemunho de proezas inolvidáveis, consumadas por
uma esquadra de heróis brasileiros” .

(RUI, Antologia, Seleção, prefácio


e notas de Luís V ia n a F il h o , Ca­
sa de Rui Barbosa, 1953, pág.
190).
Novo Manual de A n Alise Sintâtíca 45

Nestes casos o verbo fica sempre no singular. Im ­


pessoal também é o verbo ser na designação das ho­
ras e do tempo em geral, mas, neste caso, concorda
êle com o p red ica tivo :
“ S e ria m ta lv e z duas e m eia da tarde” .
( R aq u e l de Q ueirós , Três R om an­
ces, Rio, 1948, pág. 60)

“ E r a ain d a no tem po em que os carros pagavam Im ­


p osto de passagem .”
(M achado de A ssis , Esaú e Jacó,
pág. 100).

Igualm ente são impessoais os verbos que indi­


cam fenômenos da natureza, como chover, troveja r,
rela m p eja r, ventar, nevar, amanhecer, anoitecer. P o r
fim , não tem sujeito o verbo de muitas construções
portuguêsas, que seria longo e impertinente aqui enu­
m erar, pois este livro não é de Sintaxe, mas de aná­
lise sintática. E xaustivo rol de tais construções se
acha na S in ta xe H istórica Portuguesa, de E pifânio
D ias (1* edição, Lisboa, 1918, págs. 4-9; 2* edição,
Lisboa, 1933, págs. 15-20).

II . D o predicado

Já se definiu o predicado como sendo “ aquilo


que se diz do sujeito” . Tudo que numa oração não
é su jeito ou não está no sujeito é predicado, exce-
46 G ladstone C haves de M elo

tuados, como ao diante veremos, o vocativo e o apôsto


de oração ou de período.
No predicado há sempre um verbo (claro ou ocul­
to) em forma finita : no indicativo, no subjuntivo
ou no imperativo. Êsse verbo é que nos vai indicar
se se trata de um predicado nominal, verbal ou misto
— distinção muito importante.

* * *

No predicado nominal não há verbo gramatical


propriamente: a significação do predicado se con­
centra num nome (substantivo ou adjetivo) referido
ao sujeito. Quando digo “ Bernardo é . . . ” , meu in­
terlocutor pode formular uma série de contradições:
bom-mau, alto-baixo, democrata-totalitário, branco-
prêto, doente-sadio. Ora, se o espírito oscila entre
opostos, nenhum juízo formula; logo, não há ainda
predicado. Só depois de enunciado o nome — “ Ber­
nardo é bom” — é que se desenha o predicado. Então
o predicado é principalmente aquêle nome, nome
predicativo.

Daí se está vendo o equívoco dos que dizem que


o predicativo é complemento do verbo “ ser” , ou dos
que ensinam que o verbo “ ser” pede predicativo. A
função do verbo no predicado nominal é semelhante
à das conjunções, é uma função conectiva, êle é um
liame que vincula o predicado ao sujeito, estabelece
Novo Manual pb A nâmsb Sintática 47

• o nexo entre ambos. Agoi^a, é um liame sui-generis,


complexo, compósito, porque, além de ligar, tem duas
conotações, duas categorias que são próprias do v e r­
bo : pessoa e tempo. Assim , “ Tu és fo r te ” , “ Êle está
desgostoso” , “ N ós ficarem os^contentes” (5 ) .
D e criança aprendemos que o verbo ser é “ v e r­
bo de liga çã o ” , o que passamos a re p etir como pa­
pagaios, sem saber a razão do nome. “ V erbo de lig a ­
ção” , porque fa z a ligação entre o predicado e o su­
jeito . M elhor, no entanto, dizer “ liam e v erb a l” .
A nossa língu a portuguêsa é muito ric a em lia-
m es verbais. A ssim , funcionam como tais os verbos
ser, estar, ;parecer, fic a r, perm anecer, con tin u a r, to r ­
nar-se, andar, etc. N a realidade, do segundo em dian­
te são todos varian tes, modalidades, aspectos do v e r ­
bo se r. E s t a r é “ ser por algum tem po” , é um ser
tra n sitório, com o se v ê da comparação en tre “ O m e­
n ino é doente e “ O m enino está doente” . P a r e c e r é
“ ser n o con ce ito, no ju ízo, na im pressão de a lgu ém ” :
“ J oa q u im p a re ce n e rvos o” sig n ific a que Joaquim está
n ervo so no m odo de sen tir, segundo a opinião de al-

(5) Falando, já se vê, em têrmos lingtiísticos, gra­


maticais. Em Lógica é um pouco diferente a coisa. Existe
apenas um verbo, o verbo copulativo, que desempenha esta
função no presente. Assim, como aliás já se disse atrás,
“Pedro anda” equivale a “ Pedro é andante” (Cfr. B rin , F ar -
ges e Babbedette, PhÁlosophia soholastica, 64* ed., Paris,
1936, I, pá£S. 39-40).
48 Gladstone Chaves de M elo

guém. Ficar e tornar-se significam “ passar a ser” ;


indicam, pois, mudança de estado: “ João ficou [ou
tomou-se'] sério” . Permanecer indica duração de um
estado: “Êles permameciam silenciosos” . Andar é
estar, mas um estar de certo modo projetado no tem­
po, incluindo um passado recente e sugerindo um fu­
turo próximo; confronte-se: “ Tomás está doente” ,
“ Tomás anda doente” . Continuar é manter-se num
segundo estado, é um “ ficar” prolongado: “ Jorge
continua furioso” .
O predicativo pode ser representado por um
substantivo, uma palavra substantivada ou por um
equivalente do substantivo:

“ O canto da gaivota é o g rito de guerra do valente


Poti, am igo de teu hóspede!”
( A lencar , Iracem a, ed. do I.N .L .,
Rio, 1948, pág. 4 8 );

“ O tem a da conversa era invariàvelmente o ausente


(= o rapaz au sen te)” .
( I d., Senhora, Lavraria José O lím ­
pio Editôra, Rio, 1951, pág. 1 28 );

por um adjetivo ou expressões qualificativas equi­


valentes :
“Jandira estêve ausente, o que me pareceu de bom
tato”.
( C iro dos A n j o s , O Amanuense
Belmiro, 3* edição, 1949, pág. 22)
Novo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 49

“ A s alegrias dos perversos são de curta duração [ «


pouco duradouras]” ; “ O crime ficou sem castigo [== im ­
pune]
(E p if â n io D ia s , G ram ática P o r -
tuguêsa Elem entar, 13* edição,
1921, pág. 80)

“ Im buído dessa idéia, não é de estranhar [= e s t r a -


nh ável] que Seixas tivesse em suas expansões uma exu­
berância que descaía em exageração” .
( A lencar , Senhora, ed. cit., pág.
167).

A referência subjetiva contida no liame verbal


possibilita muitas vezes o aparecimento de um objeto
in d ire to :
“ F lo res m e são teus lábios” .
(MACHADO DE Assis, Poesias Com­
pletas, 1902, pág. 81);

“ N ã o lhe era [a o A ire s ] desconhecida esta criatura” .


(MACHADO DE Assis, Esaú e Jacó,
pág. 190);

“ A s doutrinas positivas [das escolas socialistas] pare­


cem-m e longos rosários de despropósitos” .
(H erculano , Opúsculos, II, pág.
139, apud E p if â n io , Sintaxe H is­
tórica Portugusêa, 2* ed., pág.
1 4 );
“ A idéia de aparecer ante a moça sob o aspecto de um
especulador era -lhe [a o Seixas] um suplício” .
( A le n c ar , Senhora, ed. cit. págs.
164-165).
50 Gladhtone C haves de M elo

* * *
O predicado verbal é assim chamado porque nele,
à diferença do predicado nominal, o verbo é que con­
tém a significação substancial:
" Desperta então o viajante; esfrega os olhos; distende
preguiçosamente os braços; boceja; bebe uma pouca d’água...”

(T aunay , Inocência, 3* ed., pág.


28 ) .

Em duas orações dêste periodo — “ Desperta en­


tão o viajante” e “ [o viajante] boceja” — o predi­
cado pôde ser constituído apenas do verbo, porque
êsse verbo encerra sentido completo: o viajante des­
perta, o viajante boceja. Nas outras orações, porém,
não bastou a palavra do verbo, o vocábulo, para ex­
prim ir suficientemente a idéia do predicado: fêz-se
m ister um têrmo complementar para integralizar o
sentido predicativo. O nome mais sugestivo para êsse
têrm o é o de complemento do v e rb o : “ [o viajante] es­
frega os olhos, distende preguiçosamente os braços,
boceja, bebe um a pouca d’água” .
Complemento do verbo é então a palavra que in­
teira o significado do verbo. O complemento ê uma
subfumção sintática, de natureza integrante, que for­
ma um todo com a palavra de que êle é têrmo.
Há complementos do verbo que recebem nome
especial: objeto direto, objeto direto preposiciomdo,
Novo Man u al de A nálise Sintática 51

o b je to in d ire to , agente da passiva, de acordo com


apresentações gram aticais nitidam ente marcadas.
O o b je to d ire to é o complemento verbal que in­
te g ra o sentido do verbo, sem auxílio de preposição.
E ’ o caso do acusativo em la tim : “ V id i aquam egre-
dien tem de tem p lo” , “ Infandum , regina, iubes reno-
v a r e d o lo re m ” . São as seguintes as suas principais
ca ra cterística s de reconhecimento p rático:

a) ser complemento de um verbo na voz ativa


(v e r b o tr a n s it iv o ), a ex p rim ir de re gra o têrm o im e­
d ia to da a ç ã o ;
b) se representado por um substantivo, poder
se r su bstitu ído pelo pronom e pessoal o numa de suas
v a ria ç õ e s de fo rm a .

Exem plo:
“ P o r o u tro lad o, n ã o só m e ag ra d o u lê-Za [ a c a r t a ], com o
t e r ia s id o b o m p a r a m im , n aqueles dias, rece b er ou tras, que
m e d is tr a ís s e m e m a is d ep ressa m e d ev o lve ss e m o in terê sse
p e la s c o is a s im e d ia ta s d a v id a ” .
(C iro dos A njos, A b d ia s , José
O lím p io E d ito ra , R io , 1945, p á g.
2 7 0 ).

A í vem os o o b jeto d ireto representado pelo p ro­


n om e oblíqu o da te rc e ira pessoa, la, representado
p elo p ron om e oblíquo da p rim e ira pessoa, me, por um
p ro n o m e in d efin id o , ou tras, e p o r um substantivo,
in te rê s s e .
ft2 G ladstone C iiaves de M elo

Objeto direto preposicionado é um objeto direto


que vem encabeçado pela preposição a, não pedida
pelo verbo: “amar a Deus sôbre todas as coisas” ,
‘‘òle nos convidou a todos” , “ nem êle entende a nós,
nem nós a êle” (Camões, Lus., V, 28).
Piá situações em que é a necessidade de clareza
que reclama a preposição à testa do objeto direto:
“ O covarde matou-o como a um cão” . Noutras, são
tendências vitoriosas na sintaxe da língua moderna,
como é o caso do objeto direto expresso por pronome
pessoal tônico, sempre preposicionado na língua li­
terária :

“ Quem vos ouve a mim ouve” (C fr. o arcaico “ quen


vus ouve, min ouve” ).
(N unes, C restom atia A r c a ic a , 26,
apud Sousa da Silveira, L içõ e s
de Portu g u ês, 4* edição, p ág.
128).

Exemplo do prim eiro caso, exigên cia de


clareza:
“ Iracem a saiu do banho; o a ljô fa r d’ ág u a ain d a a ro -
reja, como à doce m angaba que corou em m anh ã de ch u va” .

( A l e n c a r , Ir a c e m a , ed. do I.N.L..,
R io, 1948, p á g. 1 1 ).

0 objeto ind ireto é o complemento v erb a l que


indica o ser em fa v o r do qual ou em relação ao qual
Novo Manual de A nálise Sintática 53

se realiza a ação expressa pelo verbo; corresponde ao


dativo latino: “ Da dexteram mísero”, “ Pecuniam
Dioni dederunt” , “ Dixit Iesus discipulis suis”. Pode
ser representado por um substantivo, por um pro­
nome oblíquo em dativo, por um pronome indefinido,
etc. Quando representado por um substantivo, vem
regido da preposição a (ou para), podendo ser subs­
tituído pelo pronome lhe ou lhes:
“Pelágio então lhes ordenou [isto é, ordenou a uns
cavaleiros, mencionados anteriormente] obedecessem aos
g uerreiros que os haviam precedido...”.
(H erculano, E u rico , 28* edição,
pág. 262).

[V. o belo e minucioso estudo que, sobre o obje­


to indireto, fêz Rocha Lima em Uma Preposição P or-
tuguêsa, Rio de Janeiro, 1954, cap. II, págs. 15-39.]
A preposição a rege também obrigatoriamente
o objeto indireto representado por pronome oblíquo
tônico, por pronome indefinido, etc., como se pode
ver neste exemplo, em que também vamos encontrar
um pleonasmo:

“E a m im, quem me dará as lições de abismo?”


(G ustavo Corçâo, Lições de A b is ­
mo, Rio, 1951, pág. 227).

Eis agora dois exemplos de objeto indireto re­


gido da preposição para:
54 Gladstone C haves de M elo

“ E la [In é s de C a s tro ] com tristes e piedosas vozes

P c r a o av ô cru e l assi d izia ” .


(C amGes , L us ., m , 12-4-125)

“ C om pre um liv r o pura tnim ” .


(ElMK.VMO Dias. Gramática Por.
tu>iut'nn Elementar, 1921. pAg,
104)

O agente da passiva é o complemento do um ver­


bo na voz passiva. Sabe-se que o que caracteriza a
voz passiva é sofrer o sujeito a ação expressa pelo
verbo. N a voz ativa o sujeito é agente; aqui, é pa­
ciente. Em português há três apresentações gramati­
cais do verbo passivo:

a) passiva analítica — ou seja, verbo ser em


form a fin ita seguido do particípio passado do verbo
principal. Exem plo:

“ Quem com as asas angélicas desliza


P e lo in fin ito azul de um céu tão casto
Fo% b atizad o do Jordão nas á g u a s . .. ”
(A lphonsus de Guimaraens, Poe­
sias, 1938, pág. 280);

b) passiva pronominal, com a pronominaliza-


ção de um verbo ativo transitivo. Exem plo:
Novo Manual de A n Alimk Sint Xtjoa

"bat.iatH-me [o »fu l b alizado] na Igreja do H&o Do­


m in go s” .
(M achado de ahhi h , Momõrtsjji
P ó s t u m a s d o U r d s (J u b a s , 8* ed.
pág. 31);
“ Buscam Tos sacerdotes] m aneira» mil, buncam desvio»
C om quo Tom ó não se ouça [ = não seja ouvido,], ou
m orto seja".
(C a m Oes , L u s ., X, 113);

c) passiva de infinito, ou seja, infinito com


fo rm a a tiva mas sentido passivo. Exem plos:

“ Q uan tas vêzes se viu em R om a ir a e n fo rca r [ = ser


e n fo rc a d o ] um lad rão p or te r furtado um carneiro, e no
m esm o d ia ser leva do em triu n fo um cônsul ou ditador por
t e r rou b ad o ua p ro v ín c ia !” .
( V ie ir a , Serm ões, IEE, Lisboa,
1683, pág. 328).

“ O m esm o dia os viu b atizar [ = serem b a tiz a d o s ]” .


(M ach ad o de A s sis , E saú e J acó,
pág. 2 7 ).

“ O h com o estou preciosa,


ta m d in a p era s e r v ir ser s ervid a ]
e s an ta p e ra a d ora r [ = ser a d o r a d a ]!”
(v e rs o s 317-319, do A u to da A lm a ,
de G i l V ic e n t e , in S o u sa da
S il v e ir a , T e x to s Q uinhentistas,
R io , 1945, p ág. 300 ).

A alm a, seduzida pelo Diabo, “ m ira-se no espelho


e não pode con ter [essa ] exclamação de am or-próprio
(ÍI..W>STONN ClIAVKS I)R MEI/0

IisonjoadoM. V. ainda S ousa i>a S il v e ir a , Dois Au­


tos (to tiil Vicente, Rio, 1919, pág. GO.
Na passiva analítica muitas vezes vem declara­
do o autor da ação expressa pelo verbo e sofrida pelo
sujeito. A i temos o agente da passiva, função sintá­
tica de natureza eompletiva, e que vem regido da
preposição por ou de (esta última, mais comum na
língua clássica) :

“As primeiras cartas do estudante... eram lidas pelas


st'iihoras comovidamente”.
(C oelho N eto , In ve rn o em F lo r,
1928, págs. 34-35);

“sentei-me na poltrona para esperar com decência, com


ordem, a visitante anunciada pelo D r. A quiles” .
(G ustavo Corção, Liçõe s de A b is­
mo, pág. 13);

“O cedro pendia fulminado pelo fo g o do céu” .


(H erculano , E u ric o , pág. 1 0 );

“Porém já cinco sóis eram passados


Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d’outrem navegados.”
(C a m Oes , L u s .j V , 3 7 );

“ H á em França ua populosa cidade cham ada L iã o , re­


gada de dous grandes rios” .
(F rei Heitor P into, Im a g e m da
Vida C ristã, 1843, pág. 193, apud
Sousa da Silveira, S in ta xe da
P rep osiçã o DE, R io, 1951, p á g .
22 );
Novo Manijai, i>n A námmíc Sintática 57

“ Do Sfio L o u ren ço v é a lllia a fa m a d a


Quo MmhigiYsctir 6 dalguns cham ada.”
( C a m Okh, I m » . , X , 1 3 7 );

“ A ir e s era am ado dos dous g ê m e o s ]; p osta va m


do ou vi-lo, do in te rro gá -lo , pediam -lh o an edotas p o lítica s do
ou tro tem po, d escriçã o do festas, n o tícias do sociedade” .
( M a c h a d o de A s s is , E s a ú e J a c ó ,
p ág. 1 33 ).

N o s exem plos seguintes, colhidos em A l e n c a r ,


Ira c e m a , edição do I.N .L ., págs. 6-7, ou vem decla­
rado o agen te da passiva, ou está oculto, ou ainda é
in d eterm in a d o :
“ O liv r o é cearense. F o i im a gin a d o [pop- m im , Jo sé
de A le n c a r ] aí, n a lim p id e z dêsse céu de crista lin o a z u l. . .
E s c r e v i- o p a r a s e r lid o [a g e n te in d e te rm in a d o ] lá, n a v a ­
ra n d a d a ca sa rú stica ou na fre s c a som bra do p o m a r . . .
M a s a s s im m a n d ad o p o r u m filh o ausente, p a ra m u ito s e s ­
tran h o, esq u ecid o ta lv e z dos p ou cos a m ig o s e só le m b ra d o
p e la in ce s sa n te d esafeição, qu al sorte será a do liv r o ? . . .
R e c e io , sim , que o liv r o s eja receb ido [a g e n te in d e te rm in a ­
d o ] c o m o e s tra n g e iro e hóspede na te r r a dos m eus. Se,
p orém , a o a b o rd a r as p la g a s do M òco rip e, f ô r ac o lh id o p e lo
b o m ce a ren se, p reza d o de seus irm ã o s a in d a m a is n a a d v e r ­
sida de d o qu e nos tem p o s prósperos, estou c e rto qu e o f ilh o
de m in h a a lm a a c h a rá n a te r r a de seu p a i a in tim id a d e e
co n c h ego d a fa m ília .” ( 6 )

N a lín gu a contem porânea nunca se e x p licita o


a gen te da passiva, quando se tra ta de passiva pro-

(6 ) P r e fe r im o s o n om e a g e n te da p a ssiv a a o u tro s qu e
c e rta s g r a m á tic a s ad ota m , p orq u e é m a is s im p le s e su­
g e s tiv o .
n om in al: om c o n trá rio , n lín g u a clá ssica o torn a va
ohm> o d e te rm in a d o :

•*N vi quo (mios os danos


So causavam das mudanças [» oram cuusados pelas
mudanças]
K «s mudanças, dos anos;**
(C a m Oks, Sôbolos rios, vs. 21-23,
in Soijsa da S ilveira , Textos Qui-
nlcontistas, pág. 26);

tis terras quo so regam


Das enchentes nilóticas undosas” .
(C a m Oes, L us ., IV, 62);

“E bem que diferente em traje e porte,


Catarina dos sons so reconhece
[Catarina é reconhecida pelos seus, apesar do traje
diferente com que vinha]”.
(S anta R ita D urão, Caram uru,
X, 40, apud Sousa da Silveira,
Trechos Seletos, págs. 80-81).

Eis um exemplo de passiva pronominal com o


agente indeterminado, como é de regra na sintaxe
atual:
“Veio abaixo tôda a velha prataria, herdada do
meu avô Luís Cubas; vieram as toalhas de Flandres, as gran­
des jarras da Índia; matou-se um capado; encomendaram-se
às madres da Ajuda as compotas e marmeladas; lavaram-se,
arearam-se, poliram-se as salas, escadas, castiçais, arande-
las, as vastas mangas de vidro, todos os aparelhos do luxo
clássico”.
(M achado de A ssis , Memórias
PôstumcLS de Brás Cubas, págs.
3 9 -4 0 );
Novo Manual de A nàlibe Sintática 59

“ Tudo se explicou à noite, em casa da fam ília Santos.


O ex-presidente de província confessou as esperanças de uma
investidura nova; a espôsa afirm ou a iminência do ato.”

( I d .j Esaú e Jacó, pág. 184)

Estudamos até agora as características dos com­


plementos verbais chamados objeto direto, objeto di­
reto preposicionado, objeto indireto e agente da pas­
siva. A lém desses, há ainda uma infinidade de outros
complementos que não recebem nome especial. Quan­
do é possível, no entanto, deve-se definir o comple­
mento, o que é fazer análise mais completa e mais
perfeita. Diremos então que em “ Vieram de São
P a u lo ” o complemento indica “ procedência” , em
“ Lutaram com animais ferozes” indica “ oposição” , e
assim por diánte. Aqui vão alguns exemplos de com­
plementos verbais dos que não recebem nome es­
pecial :

“ E ’ com o se entrasse num a g a leria subterrânea, que


conduzisse a o u tra g a le ria . . . ”
(C arlos D r u m m o n d de A ndrade ,
Confissões ãe M inas, 1944, pág.
106).

“ V em p a ra o rein o dos b ib lióg ra fos” .

(ID., ibid., pág. 107).

“ v o lv a às brancas areias a saudade que te acom panha".

( A l e n c a r , Ira c e m a , p ág. 1 0 ).
60 Gladstone Chaves de Melo

"Iracema saiu do banho”.


(ID., ibid., pág. 11)

“ Trata-se do casamento”.
(C oelho N eto, Inverno em Flor,
pág. 283),

“Barroso falou dos netos.”


(Il>., ibid., pág. 284-285).

“ Sábado aqui estarei” .


(ID., ibid., pág. 285).

“ O amor e a morte não precisam dc muito espaço”.


(G ustavo Corção, Lições de Abis­
mo, pág. 13).

“ Desde menino eu assistia a essa luta surda” .


( I d., ibid., pág. 14).

“ Uma noite eu pensava em ti” .


(A lphonsus de Guimaraens,
Poesias, pág. 327).

Do mesmo modo que para o sujeito, o núcleo dos


complementos é constituído por um substantivo. Por
isso, desempenha essa subfunção uma palavra subs­
tantivada ou qualquer equivalente de substantivo, in­
clusive, é claro, uma oração subordinada substantiva,
introduzida por uma conjunção integrante. Aqui te­
mos o complemento do verbo falar exercido pelo ad­
jetivo substantivado estranho:
Novo Manual de A n Alise Sint Atica Cl

“ M a s o que não e ra natural, continuou ela mudando


de tom , e ra atrever^m e a fa la r co m um estranho” .
(M achado de A s sis , A M ão e a
L u v a , R io, 1907, pág. 3 1).

E m seguida transcreveremos dois exemplos de


ob jeto direto representado por uma oração subordi­
nada :

“ N ã o sei se lo n g o ou parto su rge o p ô r to :


S e i q u e aos pou cos m e m o rro em ca lm a ria ” .
( A lph o n su s de G u im a r a e n s ,
P oesia s, pág. 335).

Fin alm en te, alguns exemplos de outros comple­


m entos tam bém representados por oração subor­
dinada :

“ A s a ris to c ra c ia s con cordaram em que êle tin h a u m a


c e r ta linha.” — “ José de Sousa queixou-se à p olíc ia de que
lh e f u r t a r a m o r e ló g io e c o rre n te de o u ro ” — “ S uspeita-se
de q u e te n h a h a vid o c r im e J>.
(e x e m p lo s de M A r io B a rreto ,
A tr a v é s do D ic io n á r io e da G ra ­
m á tica , R io, 1927, p ág. 150)

“ . . . se c o m p u n g ia de que os seus pecados passassem


a c im a da su a ca b eça
( B e r n a r d e s , N o v a F lo r e s ta , V,
1728, p á g . 2 1 6 ).

“ C o m o se esq u iv a s se de fa la r-lh e , a m o ça d irig iu -s e a êle


e in s is tiu p a r a q u e fre q ü e n ta s s e su a casa.”

(A lencar, S e n h o ra , ed. cit., pág.


2 2 9 ).
62 Gladstone Chaves de Melo

“ Quero convencer-te de que nunca fu i tão sincero,”

(MALBA T a h a n , Céu de ATlah,


11* ed., Conquista, R io, 1957, pág.
93).

* * *

Cabe agora falar do predicado verbo-nom inal ou


misto. Trata-se de predicado constituído por um
verbo, mas cujo significado só se completa, só se in­
tegra com um elemento de referência nominal, tipo
predicativo, chamado com plem ento-predicativo. Tal
complemento-predicativo tanto pode referir-se ao su­
jeito como ao objeto, e distingue-se sempre do atri­
buto circunstancial — com que, no entanto, tem ín­
tima afinidade — , pelo fato de ser necessário à com­
preensão do predicado, ao passo que o atributo cir­
cunstancial é acessório, meramente explicador, elu-
cidátivo.

Da caracterização já se concluiu que temos de


considerar:

a) 0 COMPLEMENTO-PREDICATIVO DO SUJEITO:

“Estêvão mostrou-se surdo, e o mais que lhe concedeu


foi ficar com a comédia para lê-la depois.”
(M a c h a d o de A s s is , Contos Flu­
minenses, Gamier, Rio-Paris, s/d,
pág. 117).
N ovo M a n u a l de A n álise S intática 63

“ O s p o r tu g u ê s e s p r im e ir o se charn ararn f — fo r a m
cham ados) tu b a le 8 ... e d ep o is ch am aram ^ ; Ivs-
s it a n o s : ”
( V ieir a , S e r m õ e s , I I , 1682, pág.
131).

“ D e S ã o L o u r e n ç o v ê a ilh a a fa m a d a ,
Q u e M a d a g á s c a r é d a lg u n s c h a m a d a ” .

(C a m õ e s , L u s ., X , 137).

“ N a s ilh a s d e M a ld iv a n a c e a p r a n ta
N o p ro fu n d o d as ág u as, sob eran a,
C u jo p o m o c o n t r a o v e n e n o u r g e n te
E ’ t id o p o r a n tíd o to e x c e le n te ” .

(ID., ibid., m , 136).

b) O COMPLEMENTO-PEEDICATIVO DO OBJETO:

“ um fr a c o re i fa z fra c a a fo r te g e n te ” .

( I d ., ib id ., m , 1 3 8 ).

“ tin h a a c a b e ç a ra c h a d a , u m a p ern a e o om b ro p a r­
tid o s "
(M achado , Q u in c a s B o r b a , pág.
9 ).

“ O s v e n c id o s , te s te m u n h a s d o r e g o z i j o p ú b lic o , ju lg a r a m
m a is d e c o r o s o o s ilê n c io "
( I d ., M e m ó r ia s P ó s tu m a s , pág.
3 9 ).

“Em su m a , o d is c u rs o era b om . S a n to s a c h o u -o ex­


c e le n te ."
(ID ., E s a ú e J a c ó t p á g . 1 2 9 )
04 Gladstonb C haves db M elo No,

“ f£le] tinha os olhos fixos em mim, e com um gesto t t "Assim o


gTacioso dirigiu-me algumas palavras de lisonjeira cortesia." T>'*r prrf)
o l,vin1
(ID., Contos Fluminenses, pág.
193).

“A rainha Sabá chamava bem-aventurados os que ser­ “* r.áo r1


viam el-rei Salamào em sua presença” . Ihor ir ao p
(V ieira, Sermões, V, — VII da
Anchieta — , 1689, pág. 338). (7)
Na lí
Muitas vêzes o complemento-predicativo do su­ conectivo ,
jeito ou do objeto vem regido de preposição. preferênc i
Exemplos: de hoje. íi

“Eu, Mamertino, prezei-me de zelozo adorador dos


ídolos", Câ Qi
(B ernardes, Nova Floresta, 1
V, pág. 5).

"... supondo que, se lhe faltava esta lima [a convivên­


cia com o próximo], não dava por certo ou perfeito o seu 0 ~!
polimento”. prodair-i
(ID., ibid., pág. 29). de Inêâ1

(7) 0 verbo chamar apresenta uma construção sin­ “Nãi


gular e digna de nota: pode receber objeto indireto com nem o i,
complemento-predicativo. Talvez se trate de alguma con­
taminação, porque o sentido do verbo postularia objeto di­
reto, que êle tem, noutra sintaxe — chamá-lo tolo, chamá-lo
de tolo, chamar-lhe tolo e até chamar-lhe de tolo. Mas a lín­ „
e
gua não é lógica e sim produto histórico da atividade do
o que r
homem todo, ser complexo e misterioso. Exemplos da cons­
trução apontada: “ para Isto lhes dá Cristo por titulo o mesmo
caráter da sua obrigação, chamundo-lhes luz do mundo"
(VIEIRA, Sermões, II, 1682, pág. 129); “ A Pedro chamou-lhe
Cristo cephas, pedra” (ID., ibid., II, pág. 131).
Novo Manual de A nálise Sintática 65

“Assim o fC'Z animosamcnto Jeremias, porque era man­


dado por p re g a d o r re g ib u s Iu d a et p rin c ip ib u s eius” (o autor
grifou o latim).
( V ie ir a , Serm ões , III, 1683, pág.
352).

“e não podem estar tão cegos que não tenham p o r m e­


lh o r ir ao paraíso".
( I d., ibid., pág. 353).

N a língua literária, sobretudo a clássica, tal


conectivo aparece em situações ou construções ou
preferências, desconhecidas na linguagem coloquial
de hoje. E ’ o que vemos em:

“Arrancam das espadas de aço fino


Os que p o r bom tal feito ali apregoam".
(C amões, L us ., nr, 130).

O fe ito que os conselheiros do rei consideram,


proclamam, apregoam “ bom” é a morte, a execução
de Inês de Castro.

“Não o julgava a lei por im p o s sib ilita d o à restituição,


nem o desobrigava dela".
(V ieira, Serm ões III, 1683, págs.
320-1).

“e quer que a crea eu e que tenha p o r bom e acertado


o que me manda, quando assi me desempara".
(F rei Luís de Sousa, V id a de D .
F r e i B e rto la m e u dos M á r t ir e s , I,
Lisboa, 1857, pág. 61).
f>fi G ladsto.v e C haves de M flo

"Como [Frei Bertolameu] foi efeito cm p rio r do con.


vento de S. Domingos de Benfica. e como se houve no
cargo”.
(In, ib id ., pág. 37. Epígrafe do
capítulo V do livro I).

“Como foi chamado da rainha Dona Catertna o mes-


tre Frei Bcrtolameu e nomeado p o r a r c e b is p o de Braga”.
(Ii)., ib id ., pág. 44).

III. Dos outros termos da oração.


Tratam os até a g o ra tios têrm os essenciais da
oração — su jeito e predicado — , e, ao estudarmos
o predicado, vim os que nêle só podem figu ra r como
elementos integrantes ou com o elem entos completi-
vos o nome predicativo (in te g r a n t e ), e os comple­
mentos do verbo (o b je to d ireto, o b jeto direto prepo-
sicionado, objeto in direto, a gen te da passiva e outros
sem nome esp ecia l).
Resta fa la r dos outros term os — completivos,
acessórios, ou alheios à estru tu ra da oração — dos
quais ainda não falam os, s e ja porqu e não são ex­
clusivos do su jeito ou do p red ica d o (podendo figurar
num ou n ou tro ), seja porqu e não se enquadram em
nenhuma destas p a rtes essenciais da c ração.
São eles:

<L) o complementj do (tírrno com-


pletivb) ;
Novo M a n u a l de A nálise Sintática 67

b) os elem entos acessórios da oração (adjun­


tos adnom inal e circu nstan cial) ;

c) o aposto de ora çã o;

d) o v o c a tiv o [estes dois últimos alheios à es­


trutura da o ra ç ã o ].

DO COMPLEMENTO DO NÔME

Como já ficou dito quando se estudou o predi­


cado verb a l, com plem ento é a palavra que inteira o
sig n ifica d o de o u tra . E ’ têrmo integrante, penetra
no âm ago da sign ificação do têrmo subordinante, com
o qual fo rm a um todo semântico indecomponível.

A p lica n d o estes conceitos que já possuímos, te­


mos que com plem ento do nome é a palavra que com­
pleta o sentido de um substantivo ou de um adjetivo.
Cumpre não confundi-lo com o adjunto adnominal,
que por vezes tem a mesma apresentação gramati­
cal ( 8 ) , porque um é integrante, outro é acessório.
O complemento do nome vem regido de preposição e
pertence a substantivos e adjetivos de sentido rela­
tivo, incompleto. Exem plos:

(8 ) E ’ o que ocorre, quando complemento e adjunto


estão regid os de d e: “ sêde de saber” (com p l.), “ estatueta
de bronze (a d ju n to ), “ am bição de g ló ria ” (com pl.), “ chapéu
de palha” (a d ju n to ), “ saudades do torrã o natal” (com pl.),
“ a r da s e rra ” ( a d j . ) .
63 Gladstone Chaves de Melo

“ Vereis am or da p á tria não m ovido


D e p rêm io v il, mas alto e quase eterno” .
(CAMÕES, Lua., I, 10)

“ da pátria” , complemento de am or; “ de prêmio v il” ,


complemento de movido.

“ Só Fido, que de am or por Lise ardia,


X o sossêgo m a ior não repou sava” ;
(C l Audio Manuel da C osta ,
Obras Poéticas, ed. de João R i ­
beiro,, tomo I, Garnier, Rio, 1903,
P ág. 110)

“ por L is e ” , complemento de am or.

“ V e m -se os qu atro elem entos trasladados,


Em diversos ofícios ocupados” .
(C amões , L u s ., VI., 10).

“ em diversos o fíc io s ” , complemento de ocupados.

“ Os cabelos da barba e os que decem


Da cabeça nos ombros, todos eram
Uns limos prenhes d’água.. . ”
(ID., ibid.y VI, 17)

“ d’água” , complemento de prenhes.

“Êle espreitava as ocasiões, aproveitava as circunstân­


cias, tinha a habilidade de intercalar o pedido em qualquer
retalho de conversação, onde menos apropriado parecería a
qualquer outro” .
(Machado de Assis, A Mão e a
Luva, pág. 134)
Novo M a n d a i , ío : A v X»,i <*e S i n t Atica no

“ dc in tercalar o pedido. . . ” , complemento de hru


b ilida dc.

O com plem ento do nome também pode ser exer­


cido por uma oração — do que sejam exemplos:

“ e stou c e rto qu e o filh o de m inha alm a achará na terra


de seu p a i a in tim id a d e e co n ch eg o da fa m ília
( A lencar , Ira cem a , pág. 7).

“ o e s p ir ito en con trou lo g o seu equilíbrio na convicção de


q u e , a fin a l, m e c h e g a v a eu a con h ecer a m im m esm o” .
(R u i, O ração aos M oços, p ág.
1 5 ).

“ S e m p r e qu e ten h o oportunidade, m ostro os d efeitos e os


e r r o s f il o l ó g i c o s d êste sistem a o rto grá fico , na esperança de
q u e u m d ia se v e n h a m a c o r r ig ir
(S ousa da Silveira, no p refá c io
da 2* edição de T re ch o s S eletos,
1935).

“ I n f o r m a d o d e q u e h a via e n tre as p érola s que o R ei


a c a b a r a d e a d q u ir ir a lg u m a s verd ad eira s e ou tra s fa lsa s,
e x a m in o u -a s , u m a p o r um a, com m eticu loso cuidado” .
(M alba T a h a n , Céu de A lla h , Rio,
1957, p ágs. 109-110).

Pelos exemplos citãdos se viu que o complemen­


to do nome tanto pode inteirar o significado de um
substantivo:
“ P orqu e o ó d io a o m a l é a m o r do hem ”
(R U I, O ra ç ã o aos M oços, pág.
18)
70 G ladsto nb C h a v e s db M elo

como o de um a d je tiv o :
“ fui ofioialm cnte in form ado que m e d ev eria subm eter
a exam e de saúde” .
(C orção, A D e s c o b e rta do O utro,
3* ed., A g ir , p á g. 5 0 );

“ A b ra sa d a de a m or, p a lp ita ao v ê - la s ” .
(M achado, P o e s ia s C om p leta s,
p ág. 2 6 3 ).
DOS E LE M E N TO S ACESSÓRIOS I)A O IíA Ç AO

A té aqui temos estudado funções ou subfunções


integrantes. E ’ tempo de fa la r nas acessórias, que ex­
prim em acidentes das idéias fundamentais, substan­
tivo e verbo, cu intensificam, sublinham, focalizam
um term o qualquer, principal ou secundário.

São têrmcs acessórios da oração: os adjuntos


adnom inais e circunstanciais — e o atributo cir­
cunstancial.

Os adjuntos adnominais se referem a substanti­


vos, aumentando-lhes, enriquecendo-lhes a com preen­
são, ou determinando-lhes a significação. (9 ) Todo
adjetivo ou equivalente, desde que aumente a com-

(9 ) O e.d ju n to a d n o m in a l receb e o u tra s d en o m in açõ es:


a d ju n to a d je tiv o , a d ju n to lim ita tiv o , a d ju n to r e s t r it iv o , ad­
ju n t o a tr ib u tiv o . H á a té qu em fa ç a d istin ç ã o e n tre ad ju n to
a tr ib u tiv o , a d ju n to lim it a t iv o e ad ju n to re s tritiv o , e m p res ­
ta n d o a essas p a la v r a s um v a lo r a r b itrá rio . [ A fin a lid a d e
d e s ta n o ta é f a c i l i t a r a id e n tific a ç ã o do e le m e n to s in tá tic o e,
n ão, m u ltip lic a r a t e r m in o io g ia j.
(í I/ADMTONR C II AVIOS DIO MlOIX)

proousíio e re s trin ja a extensão de um substantivo


com um esclarecim ento acidental, qu alquer determ i-
nativo (a r tig o , num eral, possessivo, dem on strativo,
e tc .), 6 um ad ju n to adnom inal.
I l á que d istin g u ir, insistim os, e n tre co m p le m en ­
ta do n om e e a d ju n to a d n om in a l, em b o ra n a ap arên ­
cia s eja m às vêzes a m esm a c o is a : o com plem en to do
nom e é tê rm o c o m p le tiv o , in disp en sável, p e n e tra no
â m ago do s ig n ific a d o do tê rm o su b ord in an te, com o
qual fo r m a um todo sem ân tico in d e c o m p o n íve l ( “ de­
s e jo de v in g a n ç a ” , “ a m o r à p á tr ia ” ) ; o a d ju n to ad ­
n o m in al é tê rm o a cessório, acid en ta l, a t in g e só ex-
trin s e c a m e n te o s ig n ific a d o do tê rm o p r in c ip a l ( “ p a­
n ela de b a r r o ” , “ a r da s e r r a ” ) .

Assim, pois, funcionam como ad ju n to adno-

MINAL :

a) qualificativos ou expressões equivalentes,


regidas de preposição'. Exemplos:

“ A dama gorda estava evidentemente satisfeita. Dizia


seu nome, o nome do m arido, o parentesco rem oto. .. com
um alto funcionário dum ministério, e gostava de se sentir
inserida na grande máquina ad m in istrativa do p a is ” .

(C orção, A D escoberta do Outro,


3» edição, pág. 5 4 );

b) orações subordinadas adjetivas. Exem­


plos:
Novo M a n u a l de A n á l is e Sin t á t ic a 73

" A hora que vivem os é de triunfos e de esperanças para


o continente que M a r ti chamava <fnuestra A m érica
(M anuel Bandeira, Oração de
P a ran in fo, Rio, 1946, pág. 33)

"n ã o h esitaria em t r o c a r ... a vida confortável da ci­


dade p ela m aravilh osa e surprendente aventura de inter­
nar-se. .. p or êsses sertões maninhos onde vivem índios
bravos” .
(C oelho N eto, Inverno em F lo r ,
pág. 112);

c) determinativos: artigos, numerais, posses­


sivos, demonstrativos, indefinidos, etc. Exemplos:
" V in te cadáveres estavam lançados por terra. — Sô-
bre êles n ão caiu o opróbrio na sua última hora: — disse o
gu erreiro depois de contem plar um momento aquêle es­
petácu lo” .
(HERCULANO, E u rico, págs. 201-
202 ).

"D esp e-se D a v i dos armas, tom a outra vez o seu surrão
e a sua funda, escolhe cin co pedras de um ribeiro que p or
ali corria, e com esta prevenção de tão pouca despesa, es­
trondo nem aparato, pranta-se na campanha, fa z tiro ao
giga n te, derruba-o em terra, corta-lhe com a sua p róp ria es­
pada a cabeça, le v a a cabeça ao rei e a espada ao tem plo.”
(V ieira, Serm ões, I, 1679, col.
459).

O adjunto adnominal recebe o nome especial de


aposto, quando é expresso por substantivo não prepo-
sicionado, apenas ideologicamente subordinado ao
termo principal.
74 G la d sto nk C havkh i >b Mr,i/>

O ajtôsfo (tn m bóm d en om in ado ap o nto e x p lic a ­


tivo, on o /lju n to a t r ib u t iv o a p o s to ) é p ois um subs­
ta n tivo ou exp ressão equ iv a le n te que, tra ze n d o e x p li­
cação sôb re ou tro su b stan tivo, n ão se lig a a êle por
c o n e c t iv o :

“ Sete anos de pastor Jacob servia


Labão, pai de Raquel, serrana bela;”
(C a m Oes, Obras Completas com
prefácio e notas do prof. H ern An i
C idade, vol. I, L ivraria Sá da
Costa, Lisboa, 1946, pág. 193)

No exemplo, “ pai de Raquel” é apôsto de Labão,


e “serrana bela” é apôsto de Raquel.
Todo termo da oração representado por substan­
tivo pode ter um apôsto. Mas a aposição, que é subor­
dinação de substantivo sem conectivo, não se restrin­
ge a isso, tem campo mais largo. Tanto que pode
aparecer um apôsto referido a toda a oração ou
a todo o período:
"M eu pai, à cabeceira, saboreava a goles extensos a ale­
g ria dos convivas, m irava-se todo nos carões alegres, nos
pratos, nas flores, deliciava-se com a fam ilia rid a d e travad a
entre os m ais distantes espíritos, in flu x o de u m bom
ja n ta r” .
(M a c h ad o de A s s is , M em ó ria s
Póstu m a s de B rá s Cubas, pág.
42)

No exemplo, “ influxo de um bom jantar” pa­


rece ser apôsto de todo o período.
Novo M a n u a l de A n à i .imb S in t á t ic a 75

Êste tipo de aposto não pertence propriamente


nem ao sujeito nem ao predicado: tem, na estru­
tura oracional, situação análoga à do vocativo. Cos­
tuma aparecer no estilo narrativo e no didático, sendo
então exercido pelo pronome neutro o ou pelo subs­
tantivo coisa, determinados imediatamente por uma
oração relativa. Exemplo:
“ P a ra n a g u á e Sinimbu carregam o pêso dos anos com
m u ita fa c ilid a d e e graça, o que ainda mais adm iro em Sinim­
bu, que suponho m ais idoso".
(M achado de A s sis , P áginas R e ­
colhidas, Garnier, s/d, pág. 163)

N o passo seguinte, observa-se um caso de apôsto


referido a parte de outro apôsto:

“ A o chá, con versam os prim eirám ente de letras, e pouco


d ep ois de p olítica , m a té ria introduzida p or êle, o que m e
esp an tou b a s ta n te ;"
( I d., ibid., pág. 162)

“ M atéria” é apôsto de política, e “ o que me es­


pantou bastante” é apôsto da idéia expressa por intro­
duzida por êle.
Há uma modalidade de apôsto que tem recebido
o nome de apôsto enumerativo. E* um apôsto que ex­
plica discriminando, e que o mais das vêzes aparece
depois de dois pontos. Exemplos desse fato, muito
corriqueiro, aliás, temos em:
76 G ladstone C haves de M eia »

“ P ara um homem se v e r a si mesmo, são necessárias


trôs cousas: olhos, espelho e lu z” .
( V ie ir a , S erm ões, I, 1679, col.
18)

“ numa decoração antiga, a que eu j á não p res ta va


atenção, cercavam -m e os detalhes de D eus: a C ru z , os sinos,
as velas, as im agens coloridas, os anjos, os santos, e a f ig u ­
ra m u ito velada e m u ito vestida da V ir g e m
(G u s tavo C orçâo , L iç õ e s ãe A b is ­
m o , pág. 237)

“ Com o as coisas a que nosso olh ar se h abitu ou — êste


a rm á rio , aquela estante, o re ló g io , a ja r r a — assim ta m ­
bém, fa m ilia r e esquecida, anda em tô rn o de m im a id é ia
de Deus” .
(ID., ibid., p ág. 2 3 7 ).

* * *

Os ADJUNTOS CIRCUNSTANCIAIS (ou adverbiais),


função exercida por advérbios ou equivalentes de
advérbios, referem-se a verbos, ou intensificam a
idéia expressa por adjetivo, verbo, advérbio, prono­
me ou substantivo. Podem ser, pois, modificadores
( “ cantar bem” ) ou intensificadores ( “ automóvel
bastante estragado” , “ riram muito” , “ cantar muito
mal” , “ só o menino percebeu” ).
Tais adjuntos exprimem circunstâncias várias de
modo, luga/r, fim , concessão, frequência, instummen-
to, tempo, condição, causa, companhia, etc., ou gra­
duam, intensificam, incluem ou excluem. Difícil-
N o v o M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 77

mente se podería fazer uma relação completa. E é


bom mesmo que não se faça, para deixar à argúcia
do aluno aplicado e in telig en te a tarefa de denominar,
de batizar uma circunstância que não figura na lista
das conhecidas. Tenho nesse sentido experiências
m u ito anim adoras e convincentes.
Alguns exem plos:
“ E ss a é um a Id éia que reap arece em Chesterton c o «
c e rta in s is tê n cia
( C o r ç ã O j T rês A lq u eire s e um a
V a ca , L iv r a r ia A g ir E ditôra,
1946, pág. 127).

M odo ou freqüência.

“ C a n tei m eu s v erso s ju n to às m o re m is :
R ira m -s e tôd as das m inhas penas” .
(A lphonsus de Guimaraens,
P oesia s, p ág. 1 1 ).

Lugar ou proxim idade.


“ P a s sa m o s a g ra n d e ilh a da M ad eira,
Q ue do m u ito a rv o re d o assi se cham a” .
( CAMÕES, L u s ., V , 5 ).

Causa.
“ D e s p o is de p ro c e lo s a tem pesta de,
N o tu r n a s o m b ra e s ib ila n te ve n to ,
T r a z a m a n h ã seren a claridade,
E sp era n ça de p ô r to e s a lv a m e n to ;"
(C amões , L ws., IV , 1 )
78 G ladstone C haves de M elo

Tempo.

“ Cos panos e cos braços acenavam


A s gentes lusitanas que esperassem ;”
(ID., ibid., I, 48).

Instrumento. Etc., etc., etc.


* * *

O a trib u to circunstancial, que outros preferem


chamar de aposto circunstancial , é um elemento aces­
sório, também de referência nominal, que explica a
situação do sujeito ou do objeto no momento da ação
expressa pelo verbo: “A legres, as moças cantavam”.
Temos que é melhor a denominação de atributo
circu n sta n cia l, porque este elemento participa à uma
da natureza do adjunto adnominal ou atributivo (re­
fere-se acessòriamente a um substantivo) e da do ad­
junto circunstancial (exprime uma circunstância de
situação, de modo, de causa, de tempo, de concessão).
Além disso, o nome aposto no caso parece-nos equívo­
co, e a nomenclatura boa deve ser unívoca.

N o exemplo seguinte, encontram-se vários atri­


butos circunstanciais, que vão devidamente assina­
lados pelo itálico:

“Alegres, repicam os sinos convidando para a missa, 0


todavia ainda & luz de um fôrno, cuja chama despede ru­
bros clarões, absorto se queda um frade írancisoano, total-
Novo M a n i j a d d k A n A u h k H i s t A t ic a
T.)

m ente entranha no bJvort.rur que lhe devera term inar o tra­


balho, p o rfia d a m cn tú prolon ya d o pela noite a fo r a ".
(C a iu / jh u k L a w , In B o c h a d a Bre­

ve i fia , T r e c h o » B o le to », pág. 168>.

Para que os alunos sintam bem a diferença en­


tre o adjunto adnominal e o atributo circunstancial,
é elucidativo fazer um jogo de posição e de pausas
numa frase como esta: “lnqviet03, os meninos espe­
ravam o resultado do pedido” . Inquietou é atributo
circunstancial; sê-lo-á igualmente, se colocarmos o
adjetivo depois do v e rb o : “Os meninos esperavam in­
quietos o resultado do pedido” . Colocado depois do
substantivo, mas entre duas pausas, ainda será atri­
buto circu n sta n cia l: “ Os meninos, inquietos, espe­
ravam o resultado do pedido” . Agora, colocado em
seguida ao substantivo, porém sem pausa, é mero ad­
junto adnom inal: “ Os meninos inquietos esperavam
o resultado do pedido” .

E sta operação serve, além disso, para mostrar


a im portâ ncia da pausa c para fazer ver que a pon­
tuação, no caso a vírgula, é uma consequência das
pausas, é sua tradução gráfica.

O a trib u to circunstancial pode ser representa­


do por um substantivo ou adjetivo. E, do mesmo
modo que o complemento-predicativo, poda v ir r%d-
do de preposição ou do üurrcyjtivo oom o:
Gladstone Chaves de Melo

"Sete anos de “pastor Jacob servia


Labão, pai de Raquel, serrana bela;”
(C amões, Obras Completas, vol. I
ed. cit., pág. 193)

“E a ela só por prêmio pretendia” .


( I d., ibid., pág. 193)

"Os casos vi que os rudos marinheiros,


Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pola aparência” .
(C amões, L us ., V, 17).

O b s e r v a ç ã o — Releia-se agora o que, na página


62 se disse do complemento-predicativo, e note-se
que, neste exemplo, “ por mestra” é complemento-pre­
dicativo do objeto “ a longa experiência” .
"[A braão] temeu que, como m ulher e mãe, [Sara]
não tivesse valor para consentir no sacrifício” .
(V ieira, I, 603, apud E pifânio
Dias, Sintaxe H istórica Portuguê-
sa, pág. 57).

Para verificar-se a relação, o íntimo parentesco


sintático entre o nome predicativo, o complemento-
predicativo e o atributo circunstancial, é útil esta­
belecer as seguintes equivalências: “ Êle é inteligen-
te” (inteligente = nome predicativo, principal ele­
mento do predicado a que se chama “ predicado no­
minal” ) ; “Julgo-o inteligente” (inteligente * - com-
Novo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 81

plemento-predicativo do objeto direto, sendo misto ou


verbo-nominal o predicado) : no caso, como quase
sempre que há complemento-predicativo do objeto, a
construção, sintética, corresponde a outra, analítica,
em que aparecería uma subordinada objetiva com pre­
dicado nominal “ Julgo que êle ê inteligente” ; “ De­
pois de dois anos, encontrei-o ontem, magro, triste e
abatido” (m a gro, triste e abatido = atributos cir­
cunstanciais). A última oração corresponde exata­
mente a : “ Depois de dois anos encontrei-o ontem : es­
tava m agro, triste e abatido” . Tal desdobramento
não é possível em “ Encontrei-o doente” , porque o
complemento-predicativo interfere na significação do
verbo. (1 0 )
Dissemos acima que o atributo circunstancial
pode ex p rim ir modo, situação, causa, tempo, compa­
ração, concessão. Exem plifiquem o-lo:

(1 0 ) M a is de um colega me observou que não fic a n í­


tid a a separação entre “ com plem ento-predicativo” e “ atribu­
to circu n stan cial” , entendendo êles que se trata de uma dis­
tinção especiosa, dessas que eu mesmo condeno com tanta
veem ência. P od e ser. Com o tam bém pode te r sido dificuldade
m inha de explicar-m e. D e qualquer modo, procurei ser mais
c laro nesta edição. P a r a mim, no fundo a distinção é cor­
re la ta à que estrem a o com plem ento do nome do adjunto
adnom inal constituído p o r substantivo preposicionado, como
em “ telh a de v i d r o Ora, casos há em que ficam os a du­
v id a r se se tra ta de co m p le m en to ou de adju nto, isto é, de
tê rm o in te g ra n te ou de term o acessório. D o mesm o modo
hesitarem os, aqui e ali, em classifica r um p red icativo com o
82 GiAiwroNB C haves de Melo

<0 M odo ou s itu a çã o :


"Murinhém «travessou rápido a campina e apresentou-
so om frente de Canierâ, chefe dos tapuias” .
(A len car, Ubirajara, Garnier
1S74, pág. 127)

"Jmdrcis no mesmo lugar, só agitavam a cabeça e os


braços” .
(ID., ibid., pág. 134);

6) Causa:
"Então, forasteiro [isto 6, “ por ser forasteiro” ],
Cal prisioneiro
De um trôço guerreiro
Com que me encontrei;”
(G onçalves D ia s , in M a n u e l Ba n ­
deira , Obras Poéticas de A.Gon­
çalves Dias, Rio, 1944, 2* tomo,
pág. 24).

"A o voltar para casa, uma criança que brincava na


rua, em camisa, com os pés na água barrenta da sarjeta,
fê-lo parar alguns instantes, invejoso daquela boa fortuna
da infância, que ri com os pés no charco” .
(M achado de A ssis, A Mão e a
Luva, Garnier, Rio, 1907, pág.
105);

completivo ou como acessório, quer dizer como complemento-


prcdicativo ou como atributo circunstancial. Em " elegeram -
-no presidente” , nâo se discute que "presidente” é com-
pleniento-predicativo do objeto, do mesmo modo que o será
do sujeito em "fo i eleito presidente>>. Já agora em "as suas
muralhas haviam sido extensas e sólidas, mas jazem des­
moronadas” ( H E R C U L A N O , Enrico, pág. 7), exemplo alegado
na primeira edição (pág. 68) e agora substituído, admito
perplexidade e duas interpretações.
Novo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 83

c) Tempo:
“ Rainha esquece o que sofreu vassala” .
(B ocage, apud Sousa da Silveira,
Lições de Português, 4» ed., pág.
177);

d) Comparação:
“ Curvado o colo, taciturno e frio, / Espectro d’homem,
penetrou no bosque!”
(G onçalves D ias, ibid., ed. cit.,
33, pág. 26: texto também citado
por Sousa da Silveira, ao mesmo
fim ) ;

e) Concessão:
“ N ã o s o fre m u ito a gente generosa [isto é, “ ainda que
gen erosa” ] / A n d ar-lh e os cães os dentes amostrando” .
(C amõ es , Lus., I, 87).

DO APÔSTO DE ORAÇÃO E DO VÓCATIVO

O APÔSTO DE oração , a que já fizemos referên­


cia no estudo do aposto, e o vocativo são funções
alheias à estrutura da oração: não pertencem ao
sujeito nem ao predicado.
Eis um exemplo de aposto de oração:
“ D izen do isto, L ouren ço Teles estava roxo de c ó le r a ...
tom a va ra pé a m iúdo e com sofreguidão, indício veem ente
do Jxiracão que o re v o lv ia ” ,
(R ebêlo da S ilva , apud e p if à -
nio D ias , Sinta xe H is tórica Por-
tuguêsa, pág. 5 6).
84 Gladstone Chaves de Melo

Quanto ao VOCATIVO, que é também elemento es­


tranho à sequência da oração, observe-so que, por ôle,
o falante se dirige ao ouvinte chamando-lhe a atenção
para o que disse ou vai dizer ou está dizendo. Reco­
nhece-se facilmente o vocativo, porque comporta an­
tes de si um ó in terjcctivo :

“Vós, p o d e r o s o r e i, cujo alto império


O sol, logo em nascendo, vê primeiro".
(Cam Oes, L us., I, 8).

“ V e l h a p a lm e ir a so litá ria , testemunha sobrevivente do


drama da conquista, que de majestade e de tristura náo
exprimes, v e n e r á v e l e p ô n im o d o s c a m p o s !” .
(A fonso A rinos, P e lo S ertã o ,
1898, pág. 61)

“ N is e , N is e , onde estás? aonde? aonde?”


(C láudio Manuel da Costa,
ed. de João R ibei­
O b r a s P o é tic a s ,
ro, Rio, Garnier, 1903, I, pág.
109).

Casos há em que o vocativo aparece dilatado,


com o substantivo ou substantivos explicados por lon­
gos adjuntos adnominais, não raro oracionais. E’ o
que se vê na abertura de Iracema:

“ Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta


a jandaia nas frondes da carnaúba:
N o v o M a n u a l nr A n á lih e K i n t At t c a 85

"V e r d e s m a res que b r ilh a is com o liq u id a e s m e r a ld a aos


r a io s do sol n a scen te, p c r lo n y a n d o as a lx u u t p r a ia s en srrm -
bra d a s de c o q u e iro s :
Serenai, verdes m a re s ,...**
(A lencar, op. cit., p&g. 9).

Justamente porque figura na linguagem dialo­


gada, costuma o vocativo aparecer nas apóstrofes:
"E s ta v a s , lind a In ês , posta em sossêgo,
D e teu s anos colhendo doce fru e to ” .
(C am Oes, L u s ., m , 120).
i
O poeta aí dirige-se, no século XVI, a D. Inês de
Castro, que morreu no século XIV.
Gastamos tanta palavra com uma coisa tão sim­
ples, porque temos ouvido não poucas vêzes anali-
sar-se como aposto o vocativo, engano de apreciação
que se desfaz para sempre, quando se atenta para
frases como esta: “Doutor, aqui e^tá o seu chapéu!”
EM RESUMO

Vimos até aqui as diversas funções sintáticas,


ou, como preferimos dizer, as funções e sub-funções,
— o que se pode recapitular esquemàticamente nos
seguintes quadros:

I
fundamentais { dedicado
I — Funções í adnominal
adjuntos japôsto
( circunstancial
acessórias
Iatributo circunstancial
TÊRMOS DA ORAÇAO

/objeto direto
1objeto direto preposiclonado
.complemento do /objeto indireto
verbo isem nome especial
(agente da passiva
n — Sub- complemento do
funções
nome
I complemento í do sujeito
V predicativo \do objeto
m — Apôsto de oraçfio ou período
IV — Vocativo
88 G ladstone C haves de M elo

II

claro
oculto
simples
composto
I — Sujeito í “ {
\ indeterminado

\ inexistente
i
nominal liame verbal + nome predicativo
TÊRMOS DA ORAÇAO

,objeto direto
'verbo objeto direto

{
preposicionado
' verbo + cora- objeto indireto
f II — Predicado verbal ! plemento
sem nome especial
agente da pas­
siva
verbo-nominal verbo + complemento pre­
dicativo

integrantes j complemento
( d o nome
adjunto adno-
minal
aposto
XII — Outros têrmos acessórios atributo cir­
cunstancial
adjunto circuns­
tancial

alheios à apôsto de oração


estrutura vocativo
DO PERÍODO
DO PERÍODO

Depois de têrmos estudado a estrutura da ora­


ção, tomando conhecimento dos componentes dessa
peça armada, ou seja, das funções e subfunções, di­
gamos agora uma palavra sobre o período.
P eríodo é a oração ou conjunto de orações, que
formaTsentido completo e que termina por ponto fi­
nal, exclamação, interrogação ou reticências^.O essen­
cial do período é encerrar sentido completo ; a pon­
tuação é uma decorrência da entonação, que, por sua
vez, depende do tipo da frase. Quando há mera in­
formação, mera exposição, baixa, ao têrmo do perío­
do, a altura musical da fala: “Incendiou-se um pré­
dio” ; quando há interrogação, eleva-se a altura mu­
sical: “Incediou-se um prédio ?” ; quando há excla­
mação, predomínio da emoção, o período termina no
mesmo plano, sem elevação nem baixa da altura
musical, mas ocorre em certo ponto, geralmente no
comêço, um alteamento de voz: “Incendiou-se um
prédio!”, "Tanto era òela no seu rosto a morte!”.
92 Gladstone C haves de M elo

Num período, já o dissemos, pode encontrar-se


uma oração ou várias orações. No primeiro caso, o
período é simples; no segundo, composto (11).
O período composto pode ser constituído de:
a) orações independentes, cada qual represen­
tando um pensamento autônomo, e coordenadas en­
tre si. Exemplo:
"F u i educado em colégio de padres, era o m elhor aluno
de catecismo e gostava de ajudar à m issa” .
(G ustavo C orção, L iç õ e s de A b is­
m o, págs. 34-35)

b) uma oração denominada oração principal,


que teve um ou mais de um de seus termos desdo­
brados em outras orações, as quais recebem o nome
de orações subordinadas.
Portanto, podemos reduzir êste segundo caso ao
esquema: período — oração principal + o ra ç -^ -
a ões
subordinad
as

"De longe viram Iracema, que viera esperá-los à mar-


gém\ de sua lagoa da Porangaba” .
( A le n c ar , Iracema, p á g. 9 3 ).

(1 1 ) S a id A x i , n a sua Gramática Elementar da Língua


Portuguesa, qu in ta e s é tim a edição, p r e fe r e d ize r oração
com posta (p á g . 1 2 2 ), qu ando se t r a t a de p erío d o com posto
p o r subordinação.
Novo M a n u a l db A námhb S intática 93

“ Os guerreiros pitiguaras, que apareciam por aquelas


paragens, chamavam .essa lagoa Porangaba, ou lagoa da be­
leza, porque nela se banhava Iracema, a mais bela filha da
raça ãe Tupã” .
(A lencar, ibid., pág. 92).

c) uma oração principal acompanhada de vá­


rias orações subordinadas que nela desempenham a
mesma função, estando, portanto, coordenadas entre
si. Exemplo:
/ i
“ Pede a Deus que te proteja e que dê vida a teus
pais". I /
(O lavo BILAC, Poesias Infantis,
16* edição, Alves, Rio, 1946, pág.
70)

d) orações interdependentes, como nos conhe­


cidos versos de Camões:
“ Tão tem erosa vinha [a nuvem] e carregada,
Que pôs nos corações um grande mêdo” .
( Lus., V, 38)

e) um misto de dois, ou mesmo de três pro­


cessos sintáticos (coordenação, subordinação, corre­
lação) . Exemplos:
“ Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou
em ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao cami­
nhante contra a frialdade das noites, contra o temporal que
ameaça, ou a chuva que está caindo” .
(T au n a y , Inocência, 3* ed. pág.
17. Período m isto: coordenação-
subordinação).
94 G ladstone C h aves de M elo

"E m alguns pontos [a arela l é tflo fo fa e movedlya,


que os animais das tropas viajeiras arquejam do cuntmi;o,
ao vencerem aquêle terreno incerto que lhes fog o do sob os
cascos e onde se enterram ató meia canela” .
(In., ibid., pftg. 18 — Período
m is to : coordenaçfto-subordinuyfto-
correlaçílo).

Cabe então agora falar dos processos sintáticos,


que são pelo menos três: coordenação, subordinação e
correlação.

I. Da coordenação.

C oordenação é o paralelismo de funções ou va­


lores sintáticos idênticos.
Assim, coordenam-se dois ou mais sujeitos, dois
ou mais complementos do mesmo verbo, dois ou mais
adjuntos adnominais do mesmo substantivo, dois ou
mais atributos circunstanciais do mesmo sujeito, dois
ou mais agentes da passiva, dois ou mais complemen­
tos do nome, duas ou mais orações independentes,
duas ou mais orações subordinadas da mesma natu­
reza e função, dois ou mais períodos, etc. Aqui, por­
tanto, há perfeita coerência entre o conceito de coor­
denação e o de oração coordenada.

Exemplificando: sujeitos coordenados:

“ Pá scoa a lta e páscoa baixa em a b ril vêm a c a ir"


(p ro v é rb io ).
X o v o M a n u a l de A n X l is e S i n t á t ic a 95

Objetos diretos coordenados:

“Ç u e c a s tig o ta m a n h o e q u e ju s tiç a fa z e s no p eito vào


alie m u ito te a m a ! "
í C a m Oe s . L u s ., IV . 9 5 ):

Objetos indiretos coordenados:


“ P o r êstes v o s d a re i um N u n o fe r o
Q ue f ê z a o r e i e ao r e itio ta l serviço,
U m E g a s , u m D o m F u as, que de H o m e ro
A c ita r a par* ê les só cob iço.”
(C a m Oes , L u s., I, 1 2 ).

Complementos do nome coordenados:

“ E u s in to n a m in h a a lm a a d or de m o rte
L o s m e u s p e ca d o s e dos m eus t e r r o r e s . .
( A l p h o n s u s , Poesia s, p á g . 1 1 4 ).

E assim por diante.


A s orações que constituem um período com­
posto por coordenação, ou vêm justapostas, ou vêm
ligadas por um conectivo — a conjunção coorde-
nativa.
Conjunção coordenativa é, pois, o conectivo que
exprime paralelismo, equivalência, igualdade de fun­
ções sintáticas.
A título de ilustração e para refrescar as memó­
rias, aqui apresentamos a divisão das conjunções
coordenativas:
96 Gladstone C haves de M elo

a) aproxima tivas (também chamadas aditivas


ou copulativas). Exemplo:

"N o meio do interêsse grande e comum, agitavam-se


também os pequenos e particulares”.
(M achado de A ssis, Memórias
Póstumas de Brás pág.
41 );

b) adversativas (mas, porém, todavia, contu­


do, etc.). Exemplo:
“Triste, mas curto” — “Curto, mas alegre”.
(Títulos respectivamente dos ca­
pítulos X X III e X X IV do roman­
ce Póstumas de Brás
Cubas, de M achado de A ssis ) ;

c) alternativas, também chamadas disjuntivas


(ou, quer. . . . quer, já . . . etc). Exe

“Os ladrões, que mais própria e dignamente merecem


éste título, são aquêles a quem os reis encomendam os exér­
citos e legiões, oji o govêmo das províncias, ou a adminis­
tração das cidades,”
( V ieira , Sermões, vol. m , pág.
327 );

d) conclusivas, também chamadas ilativas


(logo, por conseguinte, portanto, etc.). Exemplo:

“a rapina, ou roubo, é tomar o alheio violentamente


contra vontade de seu dono; os príncipes tomam muitas cousas
Novo M a n u a l de A n X u .se S in t á t ic a V7

a seus vassalos violentam ente, e contra sua vontade: logo,


parece que o roubo é lícito em alguns casos.
( I d ., ibiã ., II I , pág. 324);

e) explicativas (pois, porque = pois (12), que


-=* pois) . Exemplos:

" N ã o ouças mais, pois és ju iz direito,


R a zõ e s de quem parece que é suspeito.”
(C amões, L us ., I, 38);

" T u d eves de ir tam bém cos [== com os] teus armado
E sp erá -lo em cilada, oculto e quêdo,
P o r q u e , saindo a gen te descuidada,
C a irã o fà c ilm e n te na cilada.”

(I d., ibiã., I, 80);

"V e r e is a m o r da p á tria não m ovido


D e p rê m io v il, m as a lto e quase eterno,
Q u e n ão é p rêm io v il ser conhecido
P o r um p re g ã o do ninho meu paterno.”
(ID., ibiã, I, 1 0 ).

(1 2 ) M u ita s v êz es é am bígu o o v a lo r coordenante do


p o rq u e e x p lic a tiv o , cabendo ta m b ém ou tra in terp retação, ou
seja, que h aja, n a h ipótese, subordinação. Cada um, p o r­
tan to, a n a lisa rá c o n fo rm e seu sentir. E m todo caso, é de
le m b ra r que o p o rq u e e x p lic a tiv o equ ivale a p ois, ao passo
que o su b ord in ativo cau sai en con tra equ ivalên cia em co m o ,
a e n cab eça r a o ra ç ã o a n te p osta à p rin cip a l. P o r fim , note-se
que o fran cês, o in g lê s e o alem ã o possuem fo rm a s d ife ­
re n te s p a ra e x p rim ir as duas relações, c a r e p a r c c que, fa r e
because, denn e w e il, re sp e ctiva m en te (C fr . S a id A l i , F o r ­
m a ç ã o de P a la v r a s e S in ta x e do P o r tu g u ê s H is tó r ic o , Cia.
Melhoramentos de S. Paulo, 1923, págs. 53-54).
98 Gladstone C haves de M elo

E’ muito difundido o conceito errôneo de que


oração coordenada é o contrário de oração subordi­
nada. Realmente não é o contrário: é outra coisa.
Mais adiante veremos que oração subordinada
é aquela que exerce em outra uma função qualquer.
Pois oração coordenada é a que está posta ao lado de
outra igual. Assim, se temos duas ou mais orações
independentes, par a par, está a segunda coordenada
à primeira, a terceira à segunda, e assim por diante :
“ N isto acordou o velho J e veio a mim arrastando os
pés” .
(M ach ad o , P á g in a s R e c o lh id a s ,
Garnier, s/d, pág. 95).

“ Ora [CirinoJ passeava pelo quarto rápida e inquieta-


inonte; | ora media-o com passo lento em muitas direções;
I ora, enfim, saía para o terreiro J e ali, com a cabeça des­
coberta, fica va a olhar atentamente para diversos lados. . . ”
(T a una y , Inocência, 3* ed., pág.
190-191).

Do mesmo modo, se temos duas ou mais orações


subordinadas idênticas, isto é, desempenhando intei­
ramente a mesma função na oração subordinante,
também elas se acham coordenadas entre s i:

“ Enquanto vogas assim, à discrição do vento, airoso


barco, volva às brancas areias a saudade que te acompanha,
mas [q u e ] não se po/rte da to rra onde revoa.”
( A le n c a r , Iracem a, pág. 10).
Novo M a n u a l de A n á l is e Sin t á t ic a 09

A segunda subordinada atributiva está coorde­


nada à primeira, porque ambas se referem ao têrmo
“ saudade” , trazendo esclarecimentos a seu respeito.

No seguinte exemplo:
“ O Tesouro da Juventude explica às crianças que o pão
é feito de trigo, e que o trigo se planta e se colhe, mas essa
história nos parece uma lenda remota” .
( C o r ç ã o , A s Fronteiras da T é c n i ­
ca, A gir, Rio, 1953, pág. 296).

temos duas séries de coordenações. A oração inde­


pendente “ mas essa história nos parece uma lenda
remota” está coordenada à outra independente “ O
Tesouro da Juventude explica às crianças. . . Por
outro lado, a subordinada objetiva direta “ que o pão
é feito de trigo” tem a si coordenadas outras duas
subordinadas objetivas diretas, dependentes do mes­
mo verb o : “ explica às crianças | que o pão é
feito de trig o, | e que o trigo se planta | e
se colhe” . Daí se vê que há coordenação de subor­
dinadas, quando há referência ao mesmo têrmo subor-
dinante. Portanto, uma oração pode ser ao mesmo
tempo coordenada e subordinada: coordenada sob um
aspecto, subordinada, sob outro. N a oração, subor­
dinação é conceito de natureza, coordenação é concei­
to de acidente, melhor, de situação. Diremos tudo,
salientando que uma oração é subordinada e está
coordenada.
ê

100 G l ad st o n e C haves de M elo

Logo, nunca se diz de uma oração apenas isto:


cowdenada. E’ o mesmo que dizer “ igual a” . Falta
completar: coordenada a tal outra. Se esta já foi
classificada, ipso facto a coordenada fica classificada.
Por sua natureza, repetimos, a oração é independen­
te ou subordinada. Acidentalmente, estará coorde­
nada a outra, isto é, posta em seqüência lógica a
outra igual a ela.

II. Da subordinação.

Subordinação é sl relação de dependência entre


as funções sintáticas.
Em tôda oração normalmente constituída há ne-
cessàriamente pelo menos um elo subordinativo, o
que prende ao sujeito o predicado. Mas quase sempre
há muitos outros.
Assim como o predicado se subordina ao sujeito,
o objeto direto se subordina ao verbo, o adjunto ad-
nominal ao substantivo que ele explica, o adjunto cir­
cunstancial ao verbo que ele modifica, ou ao 'adje­
tivo, advérbio, nome ou pronome que ele focaliza,
os diversos complementos aos verbos ou nomes cujo
sentido êles integram, e assim por diante.
Por aí se verificou que na frase oracional só o
sujeito é subordinante essencial. Todos os demais ele­
mentos são subordinados essenciais e podem ser su-
Novo M a n u a l de A nálise Sintática 101

bordinantes acidentais. E ’ o que acontece, por exem­


plo, com um objeto direto que tem a si subordinado
um adjunto adnominal:
“ vai tocando os cargueiros que põe na estrada
(V isconde de T a u n a y , Céus e
Terras do Brasil, 7* ed., Alves,
Rio, 1930, págs. 31-32).

No seguinte período:
“ Voltem os à nossa idéia de um mundo humano form a­
do de zonas concêntricas.”
(C orção, As Fronteiras da Técni­
ca, pág. 257)

há esta cadeia de subordinações: tudo o que está ex­


plícito se acha subordinado ao sujeito oculto “nós” ;
“à nossa idéia” subordina-se a “voltemos”, enquanto
“nossa” está subordinado a “idéia”, que traz a si su­
bordinada a expressão “de um mundo humano for­
mado de zonas concêntricas” ; nesta expressão, por
sua vez, “ um”, “humano” e “formado” se subordi­
nam a “mundo” ; “de zonas concêntricas” subordina-
se a “formado”, do mesmo modo que “concêntricas”
está subordinado a “zonas”.

* * *

O sujeito, o complemento do verbo, o comple­


mento do nome, o adjunto circunstancial podem ser
10 2 G ladstone C h aves de M elo

expressos também por uma oração — uma oração


gramatical, quer dizer, oração formal, que na rea­
lidade é parte de outra, não possui autonomia. Aí
temos a figura da oração subordinada.
Portanto, oração subordinada é aquela que exer­
ce em outra um a função ou su bfu n çã o, e que por isso
não tem autonomia, não vale por si, é parte de ou­
tra oração, chamada p rincipal .
Êste é um conceito simples e claro. Não obs­
tante, tem encontrado quem o complique e obscure-
ça, daí resultando para os discentes confusões e
perplexidades. E’ necessário restabelecer a simpli­
cidade da verdade e desanuviar as mentes. Por isso,
vamos deter-nos um pouco na matéria. (13)
Nesta mesma linha de pensamento, que vai re­
duzindo as coisas aos seus verdadeiros limites, deve-
se acrescentar que o conceito de oração principal
é relativo: uma oração é principal em relação a ou­
tra a ela subordinada; não, porém, em relação a
outras orações independentes como ela, se as hou­
ver no período. Andam por aí critérios discrimi-
nantes segundo os quais principal é a oração que

(13) E ’ bom assinalar que o conceito de têrmo subor­


dinado não coincide de todo com o de oração subordinada,
tanto é verdade que uma oração que sirva a outra de sujeito
é subordinada, embora o sujeito não seja nunca um têrmo
subordinado.
N ovo M a n c a i , dk A n à m h r S ín t Atíca 103

tem sentido completo. E ’ fácil ver que não. Atente-


se para este trecho de F rei L uís de Sousa, colhido
ao acaso, e onde a principal vai em g r ifo :

**E am bos confessavam públicam ente que a razáo que


os fiz e ra c a ir na conta de seus erros fô r a v er e considerar o
modo que aquêles padres tinham em proceder nas matérias
que consultavam , o cuidado e trabalho com que as estuda­
vam , discutiam e ven tilavam ” .

( Vida de 2). F r e i B ertolam eu d o »


M á rtires, Lisboa, Rolandiana,
1857, I, pág. 358).

A oração subordinada recebe nome de acordo


com o papel que desempenha na outra da qual é
dependente: se serve de sujeito, subjetiva; se serve
de objeto, o b je tiv a ; se serve de adjunto adnominal ou
atributivo, a trib u tiv a ; se serve de complemento, com-
pletiva ou integrante, etc. Exem plos:

a) subordinada su bjetiva:

“ E ' verd ad e que o m o ço está exercendo o seu o fic io .”


(G u stavo C orçâo , L içõ e s de A b is ­
m o , pág. 190 );

b) subordinada objetiva-direta:

"S a b e élô se to m a r á a v ê-lo s a lg u m d ia f ”

( A l e n c a r , Ira c e m a , pág. 23)


104 G ladstone C haves de M elo

c) s u b o r d in a d a a t r i b u t i v a :

" A rusticiclade dos Borbas, que é antes uma couraça,


para esconder um coração abundante, tem, na Emília, sua
expressão integral.”
(CIRO dos A njo s , O Amanuense
B elm iro, 2* edição, R io [1938],
pág. 147)

d) subordinada circunstancial concessiva:


“ Conquanto estivesse na rua, êle parou, apertou-lhe muito
as mãos, agradecido, não achando que dizer.”
(M ach ad o de A ssis , H istória s sem
Data, G arnier s/d, pág. 140)

e) subordinada circunstancial temporal:


“ E nquanto esperava o a uxilio p o licia l, M onsenhor Caldas
desfazia-se em sorrisos e assentimentos de cabeça.”

( I d., ibid., pág. 158).

Uma oração subordinada pode, por sua vez, ter


outra a ela subordinada, quer dizer, pode estar com
uma de suas funções dilatada em oração formal. Na
seguinte frase:

"Ê le não entendeu lo g o ; mas, quando reparou que os


enfados da m ãe co in cid ia m co m as ausências da filh a , achou
que e ra a li de m ais e retirou -se.”

(M a c h a d o de A s s is , ibid., pág.
125).
Novo M a n u a l dh A nálise S intática 105

“ quando reparou. . . ” é subordinada circunstancial


temporal em relação a “ achou. . . ” ; “ que os enfa­
dos da mãe coincidiam com as ausências da filha”
é subordinada objetiva direta em relação a “ quan­
do reparou. . . ”
* * *

A s orações subordinadas, quanto à sua natu­


reza, classificam-se em substantivas, adjetivas e ad­
verbiais.
Oração subordinada substantiva é a que exer­
ce uma função sintática integrante, normalmente
desempenhada por substantivo: sujeito, comple­
mento do verbo, complemento do nome. E ’ introdu­
zida pelo conectivo chamado conjunção subordina-
tiva integrante. Vejamos alguns exemplos:

d) subjetiva:
“ Será necessário que vos vades para o deserto, além
dos hnares congelados.”
(BERNARDES, N ova Floresta, V ,
1728, pág. 218)

b) objetiva-direta:

“ Tam bém Poju cã anunciara q u e .. . jamais empunharia


ou tro a rco-ch efe menos glorioso do que o do grande To-
cantim .”
( A lencar , Ubirajara, B. L. Gar-
nier, Rio, 1874, pág. 146)
106 C ladstonk C iiavkh dh M elo

c) complctiva do verbo:
“ E aparecou-nos outro sentido ucomoduüclo, umis recôn­
dito, daquelas p alavra s do Duvld, cm quo ho com pungia de
que os seus pecados passassnn a cim a da sua cabeça
(P.eunaiideh, N o v a F lores ta , V,
póg. 25)

d) complctiva do nome:
“ B s tê vâ o ainda ficou algum tem po encostado à cCrca,
na esperan ça de que cia olhasse

( M ac h ad o de A s s is , A M âo e a
L u v a , R io, 1907, pág. 32).

Oração subordinada adjetiva é a que exerce fun­


ção sintática própria de adjetivo, como a de adjunto
adnominal ou atributo circunstancial. E* introdu­
zida pelo conectivo chamado pronome relativo —
conectivo misto, porque, além de exprimir uma re­
lação sintática, exerce função na frase que enca­
beça (sujeito, complemento, adjunto, etc.).

Exemplos de subordinadas adjetivas:

“ Do repente, a criada, que estava na ou tra sala, ouvindo


rum or de algu m a cousa que se quebrava, correu à de visi­
tas, e viu a ama, sòzinha, de pó.”
( M ac h a d o , QuÀnoas Borba, pág.
1 9 6 )).
Novo M a n u a l de A n á l i s e S in t á t i c a 107

“ C o n d u zira R u b iá o a u m a casa, onde o nosso a m ig o fic o u


quase duas h o r a s . . . ”
(ID ., ib id ., p á g. 1 9 8 ).

“ M ã o s q u e os lír io s in v e ja jn , m ã os eleita s
P a r a a liv ia r de C ris to os sofrim en to s,
C u ja s v e ia s a zu is p a re c e m fe ita s
D a m e s m a essên cia a s tra l dos o lh o s b e n to s ;

D e ix a i to m b a r sôb re a m in h a a lm a em p rec e
A b e n ç ã o q u e r e d im e e qu e p e rd o a !
( A lph o n su s de G u im a r a e n s ,
P o e s ia s , p ágs. 113-114).

Oração subordinada adverbial é a que ex erc e


função sintática própria de advérbio, isto é, a de
adjunto circunstancial. E ’ introduzida pelo conecti-
vo chamado conjunção subordinativa — temporal,
condicional, final, concessiva, modal, causai. . .
Exemplo de cada caso:
i

“Todos bateram palmas quando o moço acabou de


fa la r”
( G u s t a v o C o r ç ã o , Lições de A bis­
mo, pág. 80)

subordinada tem poral;

“A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor,


pago-m e da tarefa; se te não agradar, pago-te com um pi-
parote, e adeus.”
( M a c h a d o de A s s is , Memórias
Póstumas de Brás Cubas, pág. X )
subordinada condicional;
108 G ladstone C h aves de M elo

“ Serenai, verdes mares, e alisai docem ente a v aga im­


petuosa, para que o barco a ven tu reiro m anso resvale â flv r
das águ a s!"
(A lencar , Ira ce m a , pág. 9)

subordinada final;

" ainda que todos estivéssemos c e rto s da nossa sal­


vação, devíamos fa z e r o mesmo, só p or conseguir os conse­
lhos evangélicos e buscar o m aior ag ra d o de Deus".
(B ernardes, N o v a F lores ta , V,
1728, pág. 25)
subordinada concessiva ;
“ P õ e tu, N in fa, em efeito (meu desejo,
Corno m erece a gente lusitana
(C amões, L u s ., m , 2)
subordinada modal ;

“ CO(mo andava com tanta diligên cia, em poucos dias


corria m uita terra .”
(F rei L uís de Sousa , op cit.,
pág. 95)
subordinada causai.

III. Da correlação

Correlação é um processo mais complexo


em que há, de certo modo, interdependência. Dá-se,
neste processo, a intensificação de um dos membros
da frase ou de toda a frase, intensificação que pede
um termo. Muitas vezes há como a retenção para
um salto, a que se segue o salto:
Novo M a n u a l db A n Alihb Sintática 109

"... nbrnçou-mo com tal ímpeto, que não pude evi­


tá -lo ”.
(M achado de A ssis , Memórias
Póstumas de Brás Cubas, pág.
170).

A correlação pode ser consecutiva, comparati­


va ou equiparativa. Na consecutiva, como o nome
diz, o segundo termo exprime a conseqüência do
que foi expresso pelo primeiro; na comparativa, o
segundo elemento é simplesmente o segundo elemen­
to de um cotejo; na equiparativa, o segundo têrmo
é posto à altura do primeiro, é colocado em pé de
igualdade, não como na coordenação, mas diversa­
mente, com a abertura e a posterior satisfação de
uma expectativa.
Em:
" T ã o tem erosa vinha [a nuvem] e carregada,
Que pôs nos corações um grande mêdo.”

(C a m Oes , Lus., V, 38)

o segundo verso descreve a conseqüência de a nu­


vem vir tão temerosa e tão carregada, primeiro têr­
mo da correlação, intensificado pelo advérbio “tão” .
As estruturas mais comuns de correlação con­
secutiva são justamente aquelas em que no primei­
ro têrmo aparece um tão, ou tal, ou tanto, e em que
o segundo têrmo vem encabeçado por um que (con-
110 G ladstoniq C iiavbh tm M elo

junção corrclntivn). Mas casos há — o isso ocorre


principnlmonte na linguagem falada — cm que não
figura advérbio intensificador no primeiro termo.
Na linguagem oral faz-se fonèticamente a intensifi­
cação, por um ésforço o alongamento acentuada-
mente maiores no produzir a tônica: “ ChovzYa, que
era um desespero!".
Processo semelhante, mas sem intensificação
fonética, oferece-nos este exem plo de B ernardes ,
para o qual me chamou a atenção o professor SOUSA'
d a S il v e ir a :

“fechou os olhos [ o monge], e expirou, que foi o mesmo


que abrir os da alma para lograr aquôle bem, que m il anos
da sua v is ta são co m o o dia de o n te m , q u e passou
( S e rm õ e s e P r á tic a s , in S ousa da
S ilveira , T re c h o s Seletos, Rio,
1935, pág. 262).

Entenda-se: “para lograr aquele bem [tal],


q u e ...".
Outras vezes, num mesmo que como que se con­
densam o primeiro e o segundo termo da correla­
ção, equivalendo, portanto, a partícula a de tal modo
que:
“E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança;
Antes, em vossas naus vereis cada ano,
Se é verdade o que meu juizo alcança,
Novo M a n ual dk A nálibb S intática 111

NmifriYj*lo8, perdlçfics de tôda sorte,


Qua o -m enor m al do todos seja a m orte ”
(C a m Oes , L us ., V, 44).

Não quero estender-me mais sobre correlação


consecutiva, pois êste não é o fim do presente ma­
nual, apenas balizador. Muito menos farei considera­
ções estilísticas, o que seria mudar de rota. Sugiro
apenas ao leitor que as faça, pondo em confronto
estas três estruturas, uma de coordenação, uma de
subordinação e uma de correlação:
“ Havia para a festa muita gente; por isso, mui­
tos ficaram de fora” .
“ Como havia muita gente para a festa, muitos
ficaram de fora!” .
“ Havia tanta gente para a festa, que muitos
ficaram de fora!” .

* * *

Da COMPARAÇÃO direi apenas que em geral se


cala o predicado do segundo têrmo, por economia,
por menor esforço, porque esse predicado é o mesmo
da primeira oração: “ Êle é mais inteligente do que
o irmão [é inteligente]” ; “ Nós somos menos radi­
cais do que êles [são radicais]; “ Tomás é tão sa­
gaz quanto Paulo [é sagaz]”.
112 G lad stone C haves de M edo

Porém, quando há ênfase, quando há necessida­


de ou conveniência de pôr em relevo o que se diz, en­
tão a economia, o menor esforço vai por água abai­
xo e o falante explicita o predica do da oração com-
pai*ativa:

“ E zumbia [a m osca], e voava, e voa va , e zumbia,


R efulgin do ao clarão do sol
E da lua, — m elhor do que r e fu lg ir ia
U m brilhante do G rã o-M o go l.”

(M a c h a d o , P oes ia s Com pletas,


P âg. 314).

Observação: cumpre não confundir a oração


correlativa comparativa de igualdade com a subor­
dinada modal comparativa. Nesta, não há dois têr-
mos e a comparação é explicativa, denota o modo,
quase sempre exprime uma imagem. Então o co-
nectivo como, que aparece, equivale a do mesmo modo
que ou a segundo:

“ M as a form osu ra ainda m orava n ela [Ira c e m a ], como


o p erfu m e [m o r a ] na f lo r caída do m a n acá ” .

(A lencar , Ira c e m a , pág. 126).

* * *

A correlação equiparativa, como o nome diz,


estabelece igualdade ou equivalência para o segun­
do têrmo, que vem fechar um pensamento deixado
Novo M a n c a i , im: A n Ammi : Sintática j| {

om aborto ou om suspenso no primeiro têrrno. TíTi


uma expectativa, produ/ida com o enunciado do pri­
m eiro termo, expectativa (pie o sep-undo satisfaz e
aquieta. (1 1 ) V ariam muito as apresentações gra­
m aticais: “ A s s im ... assim também” , “ não s ó ...
mas também, senão também” , “ assim com o...
assim ” , etc.
Vejam os om seguida dois exemplos de equipa­
ração para dar uma idéia concreta da coisa:

“ Assim como nas m atérias do sexto mandamento teo-


lò g ic a m e n te n ão liá m ínimos, assim os deve não haver poli­
tic a m e n te nas m a té ria s do sétim o."
(V ie ir a , Serm ões, III , pág. 340).

“ E a s s im com o o espêlho é todos os objetos representa­


tiv a m e n te , a s s im €ste entendim ento é tôdas as cousas in ­
te n c io n a lm e n te ".
(B eknardes, L uz e Calor , pâg.
3 1 ).

“ N ã o só de p ão v iv e o homem, mas [v iv e ] de tôda p a­


la v r a qu e sai d a b ôea de D eus."
(M a t ., IV , 4: tradução c lá s sic a ).

(1 4 ) E s t a ú ltim a s istem a tiza ç ã o e denom inação ap re­


s e n to -a a q u i a in d a com o ensaio. A m a té ria é com plexa e es­
q u iv a , p e lo qu e a n tes p eço sugestões do que as dou. Creio,
a le r t a d o p e la p ro f*. A m á lia B e a triz C ru z Costa, que se deve
f a l a r ta m b é m n u m a c o rre la ç ã o p ro p o rc io n a l, ocorren te nas
fr a s e s d o t ip o " t a n t o m a is éle f a la v a ta n to m enos eu o en­
te n d ia ” . A liá s , a m in u c io sa cen sora deste trab alh o não go s ­
to u d a “ c o r r e la ç ã o e q u ip a r a tiv a ” .
Resumindo quanto foi dito nas páginas ante­
riores, apresentamos o seguinte quadro sinótico:

simples

!composto
por subordinação
Ipor coordenação
\ por correlação
»misto

II

ide elementos da mesma oração


Coordenação «de orações independentes
(de orações subordinadas
de um elemento a outro na oração
PROCESSOS SINTÁTICOS

de uma oração a outra, ou parte de outra


Snbordinação i subjetiva
^substantiva (objetiva
rcompletiva
Oração subor- j adjetiva
dinuda >

(
|
^adverbial
. temporal
l final
,1concessiva
kmodal
fcausal
1kcondicional

consecutiva
comparativa
\ Correlação equiparativa
(proporcional?)
N ovo M a n u a l de A n á l i s e S in t á t ic a 115

III
’ aproximativas
ladversativas
de coordenação — conjunções conclusivas
coordenativas I alternativas
explicativas
CONECTIVOS

preposições
/integrantes

de subordinação \ f conjunções su-


bordinativas
i temporais
1finais
/ concessivas

(
jmodais
f causais
\ condicionais
pronomes relativos

de correlação — conjunções correlativas


DAS FORM AS NO M INAIS DO VERBO

Um ponto que merece atenção, neste panora­


ma que vimos apresentando de uma análise mais
racional e simplificada, são as formas nominais do
verbo, isto é, o infinito, o gerúndio e o particípio.
N ã o é este o lugar nem a oportunidade para
demonstrar amplamente e documentadamente que o
in fin ito e o gerúndio são substantivos verbais e que o
particípio é um adjetivo verbal. Porém, vale lem­
b rar as grandes linhas da doutrina, a fim de me­
lhor fundamentar nossas conclusões.
Como assinalamos, estamos diante de nomes ver­
bais, quer dizer, substantivos ou adjetivos impreg­
nados de qualidades, de categorias próprias do ver­
bo. Substantivos e adjetivos dinâmicos, que tradu­
zem um processo, um movimento. Veja-se a dife­
rença que há entre “A corrida cansa” e (íC orrer can­
sa” . E a propósito, observe-se como um autor de
estilo forte, enfático e dramático, tal como H er-
Cülano, é useiro e vezeiro no emprêgo do infinito
substantivado.
11S G l ADSTOXE CHAVE3 DE MEDO

Quando se diz, por exemplo, “ Vi um menino


chorando” , faz-se sentir bem o processo, o movi­
mento, a ação, o que de todo não ocorre com a
frase “ V i um menino em tágrimas” .
Propriamente, pois, infinito, gerúndio e parti-
cípio são nomes, — dinâmicos, não importa, são no­
mes. E, como tais, fazem parte de uma oração, exer­
cendo nela função de sujeito, de objeto, de adjunto,
de predicativo, etc. Sendo nomes verbais, no en­
tanto, nada de estranhar que possam trazer com­
plementos verbais ou referir-se a um sujeito pró­
prio, claro ou oculto.
D o exposto já se viu que não devemos falar
em orações reduzidas, de gerúndio, de infinito ou
de partlcípio. Plenos ainda se hão de desdobrar
tais orações, porque isto é um processo de muletas,
condenável, tanto mais quanto, na verdade, se ana­
lisou a outra oração, a equivalente, e não o que es­
ta va e s c rito ; isto é, a análise ultrapassou a expres­
são lin g u ística , erro de método denunciado e con­
denado logo no início dêste manual.
M elh or se fa r á analisando com mais simpli­
cidade e m ais autenticidade os elementos em que
fig u r e uma das form as nominais do verbo. Assim
em :

fraqueza entre ovelhas ser lião”


(C ám GE3, L us ., I, 6 8 )
I Novo M a n u a l de A n â m s e S intática 119

“ ser liã o ” é su jeito de é fra qu e za , e “ entre ovelhas” é


adjunto circunstancial de lu gar virtu a l da expres­
são in fin itiv a .

Em :

"... não v e re is co m v ã s fa ç a n h a s
F a n t á s t ic a s , fin g id a s , m e n tiro sa s,
L o u v a r o s v o ss o s , c o m o n a s e s t r a n h a s
M usas, de e n g r a n d e c e r -s e d e s e jo s a s ” .

(C am õ e s , L u s ., I, 11)

“ louvar os vossos” é objeto direto de não vereis, “ de


engrandecer-se” é complemento do nome desejosas.
O par' , ) passado freqüentemente funciona
em português em construções semelhantes às do abla-
tivo absoluto latino, valendo, pois, a estrutura um
adjunto circunstancial:

P a s s a d a e s ta tã o p r ó s p e r a v it ó r ia ,
T o r n a d o A f o n s o à lu s ita n a te r r a ,
A se lo g r a r d a p a z c o m ta n ta g ló r ia
Q u a n ta s o u b e g a n h a r n a d u r a g u e r r a ,
O c a s o t r is t e e d in o d a m e m ó r ia
Q u e d o s e p u lc r o os h o m e n s d e s e n t e r r a
A c o n te c e u d a m ís e r a e m e s q u in h a
Q u e d e s p o is d e s e r m o r t a f o i r a in h a .”

(C am ões, L u s ., n i , 1 1 8 )

Nesta estrofe, os particípios indicam fato ocor­


rido antes do indicado pelo verbo principal — “ acon­
teceu. .
(JLADSTONB ClíAVIOS DR MELO
120

O u tro s e x e m p l o s :

“Eu, passados alg u n s instantes, d is s e :. . . ”


(M achado de A s s is , D o m Cas-
m u r r o j pág. 65).

“D ito isto, espreitou-m e os ollios, m a s creio que êles não


lhe disseram n a d a . . . ”
( I d., ib id .j pág. 56).

0 gerúndio, continuação que é do ablativo do


gerúndio latino, exerce funções circunstanciais vá­
rias. Em:

“A c u d iu [X a v i e r ] à m ã e p a r a que, esta nd o ca íd a, se le­


van tasse”
( V ie i r a , S erm ões , X d a Anchieta,
pág. 218)

estando caída ( = se estivesse caída) é adjunto cir­


cunstancial de hipótese ou condição. Em :

“ A d isciplin a m ilit a r p re s ta n te
N ã o se aprende, senhor, n a fa n ta s ia ,
Sonhando, im a g in a n d o ou e s tu d a n d o ,
Senão ven d o, tra ta n d o e p e le ja n d o ”

(C am ões, L u s ., X , 153 )

os gerúndios tedos são adjuntos circunstanciais de


modo ou instrumento; estão coordenados, e o se­
gundo grupo de três se opõe ao primeiro, por meio
da adversativa senão.
Novo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 121

A essas várias funções circunstanciais, por um


processo histórico que não vem a pêlo recordar ago­
ra, acrescentou o gerúndio funções atributivas, de
que já se encontram exemplos nos seiscentistas da
prim eira hora, como F r e i L u í s d e S o u s a :

“ A c u d ia m ca rta s do nosso arcebispo a miúde, escritas


com m u ito c a lo r e pedindo a Sua Santidade declarasse a pre-
em in ên cia con h ecida da Ig r e ja de B ra ga sôbre tôdas as de
E sp a n h a ” .
(V id a do A rceb isp o, apud SAID
A L I, F orm a çã o de Palavras e S in ­
ta xe do P ortu rju ês H is tó ric o , Cia.
M elhoram entos de São Paulo,
1923, pág. 151).

N o te -s e : tais cartas têm duas qualidades, a res­


peito delas se deram duas explicações: são “ escritas
com ca lo r” e “ estão pedindo. . .
Inú m eros exemplos dêste emprêgo do gerúndio
se encontram em C l á u d i o B r a n d ã o , O P a rtic íp io
P res en te e o G erúndio em Português, Belo H orizon­
te, 1933, págs. 60 a 84.
T em v a lo r atribu tivo o gerúndio, quando ex­
prim e m ovim ento, processo, continuidade, sucessão:
“ E n contrei o cão m orren d o” — “ Contemplávamos
crianças corren d o pelo florido vale, gritando, rindo
e cantando” . A g o ra , não se diria, é claro, “ Passou
p o r aqui um boi tendo chifres recurvados” , porque
a í se tra ta de qualidade estática.
i :»2 ( i IjAI)MTONIO ClIAViíM IMC MUM)

Ilá, no entanto, dois casos do emprègo do ge-


rúndio — quando ôlo indica lompo posterior c quan-
do indica efeito do urna causa — em (pio mo parece
(pio so dovo falar cm oração gerundial, tanto é ver-
dado (pio aí o gerúndio está independente do verbo
principal. Se fôssemos procurar um equivalente sin­
tático, encontrá-lo-íamos numa oração autônoma,
coordenada á primeira.

Exemplo de gerúndio de efeito temos, aliás já


alegado por S a id A lt ( ojk cit., pág. 155), na es­
tância 19 do primeiro canto de Os Lusíadasy jus­
tamente quando começa a “ narração” . Estão os por­
tugueses no Oceano Índico:

“ Já no la r g o oceano n avegavam ,
As in qu ietas ondas a p a rta n d o;
Os ven tos brandam ente resp ira va m ,
D as naus as v ela s côn cavas in ch a n d o

Como se vê, conseqüência de as caravelas na­


vegarem era cortarem o mar, apartarem as ondas;
conseqüência de os ventos soprarem era incharem
as velas das naus.

Exemplo de gerúndio temporal, a indicar ação


que se realizou depois da do verbo principal, temos
em:

“ M as o le a l v a s sa lo, con h ecen do


Q ue seu sen h or n ã o tin h a re sis tê n cia ,
Novo M a n u a l de A n á l i s e S i n t á t ic a 123

Se vai ao castelhano 'p ro m eten d o [ = e promete]


Que êle faria dar-lhe obediência."
(C am ões , L u s ., m , 36, cit. por
S aid A l i , op. c it., pág. 153).

Refere-se esta passagem a Egas Monis que, ven­


do perdidos os portuguêses cercados em Guimarães,
procura o rei dos castelhanos, D. Afonso de Castela,
e concerta com êle a submissão do príncipe lusitano,
D. Afonso Henriques.
N ão concordando o príncipe, volta Egas ao rei
castelhano, acompanhado da mulher e filhos, descal­
ços e de corda ao pescoço, oferecendo a vida em paga
da palavra descumprida:
“ D e t e r m in a d e d a r a d oce v id a
A t r ô c o d a p a la v r a m a l c u m p rid a .”

(Lus., m , 37).

E ’ de ler no Poeta todo êsse lindo trecho, que


narra a epopéia de um homem de palavra. Foge
do assunto e do livro, mas ameniza e traz uma lição
muito p rópria aos nossos tempos, em que nada tem
importância.

“Chegado tinha o prazo prometido


Em que o rei castelhano já aguardava
Que o príncipe, a seu mando sometido [ = submetido],
Lhe desse a obediência que esperava.
Vendo Egas que ficava fementido [ = perjuro],
O que dêle Castela não cuidava,
Determina de dar a doce vida
A trôco da palavra mal cumprida.
124 Glad sto ne C haves de M elo

E com seus filh o s e m o lh er se p a rte


A a le v a n ta r co êles a fia n ça ,
D escalços e despidos [ = das v e s te s de lu x o ], de tal

Q ue m a is m o v e a p ied a d e qu e a v in g a n ç a . ar^e
“ S e p reten d es, r e i alto , de v in g a r - t e
D e m in h a te m e r á r ia c o n fia n ç a ,
D izia , eis aq u i ven h o o fe r e c id o
A te p a g a r co a v id a o p ro m e tid o .

V ê s aq u i t r a g o as v id a s in o ce n te s
D o s filh o s s em p e c a d o e d a c o n s o rte ,
S e a p e ito s g e n e ro s o s e e x c e le n te s
D o s fr a c o s s a tis fa z a f e r a m o rte .
V ê s a q u i as m ã o s e a lín g u a d e lin q ü e n te s :
N e la s sós e x p r im e n ta tô d a s o r te
D e to rm e n to s , de m o rte s , p e lo e s tilo
D e S ín is e d o to u ro d e P e r ilo . "

Q u a l d ia n te d o a lg o z o con d en a d o ,
Q u e j á n a v id a a m o r t e te m b eb id o ,
P õ e no cep o a g a rg a n ta , e já en tre g a d o
E s p e r a p e lo g o lp e t ã o te m id o :
Tal diante do príncipe indinado [ = indignado]
Egas estava, a tudo oferecido;
Mas o rei, vendo a estranha lealdade,
Mais pode [ = pode nêle] em fim que a ira a piedade.”
( L u s ., I I I , 3 6 -3 9 )

N ota — Os períodos dêste trecho camoniano podem


servir para exercícios de aplicação da matéria estuda­
da até aqui. Cumpre observar, no entanto, que nos dois
últimos versos há um anacoluto, inanalisável como todo
anacoluto.
ALGUNS CASOS PARTICULARES
ALG U NS CASOS P A R T IC U L A R E S

Consideraremos agora alguns casos particulares


que não puderam ser tratados anteriormente e que
oferecem dificuldade aos aprendizes.

1. Como se.

Freqüentemente esta combinação de conectivos


esconde uma oração denunciada pela conjunção como.
Exemplos:

“Bramindo o negro mar, de longe brada


Como [bradaria] se desse em vão nalgum rochedo”.
(Camões, Lua., V, 38);

"Como [me animaria] se moço e não bem velho eu


fôsse,
Uma nova ilusão veio animar-me.”
(ALPHONSUS, Poesias, pág. 283).

2. Condensações sintáticas.

Merece atenção o caso de certas palavras que


desempenham a mesma função ou funções diferen­
tes em orações diversas.
128 G ladmtonk C iiaves i>k M km »

E ’ o quo ho observa com o relativo (piem, qu;ui~


do equivale a aquele que: “ (lu cra quer vai, (piem
não quer, manda” . N o exemplo, (pura (\ sujeito <p.
“ v a i” e de “ quer” , de “ manda” c de “ não quer” .
“ A í/mcjh. nada pede nada se lhe dá ” : (piem é objeto
indireto de “ dá” e sujeito de “ pode” .
O mesmo ocorre com o relativo rpmnf,o, quando
equivale a o que, todo o que. Exemplos:

“ P o rq u e o gen eroso ân im o e v a le n t e ... não m ontra


q u a n to pode,”
(C am Oes, L u s ., X, 68).

“ Sab e que qua n tas naus [= tôd as as naus q u e] esta


v ia g e m
Q ue tu fa z e s fize re m , de atrevid as,
In im ig a te rã o esta p a ra g e m
C o m ven to s e to rm en ta s d esm ed id as;”
(ID., ib id ., V , 4 3 ).

No primeiro exemplo, quanto é objeto direto de


“ mostra” e de “ pode” ; no segundo exemplo, “ quan­
tas naus” é sujeito de “ inimiga terão esta paragem”
e de “ fizerem esta viagem” .

0 relativo onde por vezes vale o mesmo que o


lugar em que, ao lugar em que, no lugar em que:
“ C a rlo ta , a n gu stia d a , tin h a as fe iç õ e s tra n sto rn a d a s e
punha a m ã o no p e ito c o m o a m e in d ic a r on de lh e doia.

(C iu o dos A n j o s , A b d ia s , José
O lím p io E d itô r a , 1945, pág.
2 6 0 ).
Novo M a n d a i , iho A n Ammio S in t á t i c a 129

“ A lg u m <Hn mo liol do Ir onde nflo v o ja t a l» m onH tro»” .


( HKUNAIIIHOM, op. fHt.j V, p&fg.
218 )

“ O h ! ou nflo m oroclu OHtar onda e H tlv o :"


( G au kh t T, F r e i L uíh do Btruna, ed.
do K odukjijks L a i *a , LlHboa, 1941,
púg. 63 — E d. d a c o le ç ã o “ T e x t o »
lite r á r io s ” ) .

A esses fenômenos de dupla função creio que,


à falta de melhor, se pode dar o nome de “ condensa­
ções sintáticas” .

3. Orações implícitas.
Casos há em que não se explicita uma oração,
aliás facilmente subentendível, a qual ou é anuncia­
da apenas pelo conectivo, ou fica de todo oculta.
A primeira hipótese já foi examinada, quando
há pouco se tratou da combinação como se.
A segunda verifica-se em períodos como êste:

“ Teimo — [M a r ia ] Compreende tudo!


Madalena — M ais do que convém [que compreenda]
( G a r r e t t , op. cit., p á g . 1 1 ).

4; ( 1’leonasmo de termos oracionais.

Não raro acontece que uma função sintática é


expressa mais de uma vez, o que é, por assim dizer,
130 Gladstone C haves nn M elo

de regra quando se começa a frase por objeto, direto


ou indireto, ou pelo predicativo. Neste caso, anali-
sar-se-á o têrmo repetido como elemento pleo-
nástico.
V e ja m o s a lg u n s e x e m p lo s, c ita d o s ao m e sm o
fim p o r J e s u s B elo Pleonasmo e mais
G a l v ã o , em O
Dois Estudos de Língua Portuguesa, R io , 1949,
pág. 48:

“a primeira noite que passei, na escada de S. Francisco,


dorm i-o inteira”
(M ac h ad o de A s s is , Memórias
Póstumas de Brás Cubas, pág.
283)

a é o objeto direto pleonástico;


“Ao pobre não lhe devo. Ao rico não lhe peço
(R odrigues LObo, in Antologia Na­
cional de F austo B arreto e C ar ­
los de L aet , 8* edição, pág. 286)

lhe é o objeto indireto pleonástico;

“ Queria ver-vos e falar-vos; que do coração vos esti­


mo, honrado e sabedor arquiteto do mosteiro de Santa
Maria.
— Arquiteto do mosteiro de Santa Maria, já o não
sou: vossa mercê me tirou êsse encargo; sabedor, nunca
o fui, pelo menos muitos assim o crèem, e alguns o
dizem.”
(A . HERCULANO, Lendas e Narra­
tivas, tomo I, 4* edição, Lisboa,
1877, pág. 267)

o é o predicativo pleonástico.
Novo M a n u a l dk A nAmmk S intAtiua

5. Análise da negativa “não” .

Sei que muitos analisam a negativa não como


adjunto circunstancial de negação. Porém, se tiver­
mos presente o conceito de adjunto, “ elemento que
traz uma idéia acessória” , explicativa, secundária,
subsidiária, verificamos que ao não em verdade não
se ajusta a definição. Com efeito, será que em “não
andar” a negativa está exprimindo uma circunstân­
cia, uma acidentalidade da idéia de “ andar” ? Será
que “ calar-se” traduz uma circunstância de “ respon­
der” : “ Êle não respondeu” ?
Eis por quê preferimos dizer que tal verbo é
negativo, incorporando nêle a partícula negativa.

6. A expressão “ é que” .
Estou que a maneira mais razoável e autêntica
de analisar uma oração em que apareça a expressão
é que expletiva é dar-lhe a esta seu verdadeiro valor
de elemento de ênfase, que distingue mais, separa
mais o sujeito do predicado, para afirmar êste da­
quele com vigor e com exclusão de outros. “ Nós é
que trabalhamos” — “ Nós trabalhamos de fato, nós,
sim, e não outros, que podem ter feito alguma coisa,
o que, no entanto, é pouco, não merece considera­
ção diante do nosso trabalho” .
Portanto, em “ nós é que trabalhamos” há uma
única oração, um sujeito e um predicado, oração em
132 Gladstone C haves de M elo

que figurou um elemento estilístico e idiomático de


ênfase.

7. Elementos enfáticos nas exclamativas.

E ’ muito comum aparecerem nas orações excla-


mativas um que ou um não sem qualquer função
sintática, apenas com valor estilístico. E ’ claro que
tais elementos não se analisam, uma vez que não têm
papel nem interferência na estrutura da oração.

Exem plos:

“ Oh! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,”

(C a s im ir o de A breu , A s P r im a ­
veras, fac-sím ile da edição o rig i­
nal, Im pren sa N a cio n al, R io,
1945, pág. 3 3 );

“ Que doce a vida não era


N essa risonha m anhã!”
( I d., O bras de . . ed. de S o u sa
da S il v e ir a , Cia. E d ito r a N a c io ­
nal, 1940, p ág. 9 5 ).

8. Os pronomes pessoais átonos.


Os pronomes pessoais proclíticos ou enclíticos
me, te, se, nos ora fazem parte integrante do verbo,
formando com êle um todo indecomponível — o ver­
bo pronominal ou o pronominado; ora tornam pas­
N o v o M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 133

sivo o v e r b o ; ora exercem função extrínseca, de ob­


jeto d ireto ou in direto e às vêzes de complemento
sem nome esp ecia l; e, por fim , o pronome “ se” pode
ser índice ou sinal de indeterminação do sujeito.
N o s dois prim eiros casos ficam os pronomes in­
cluídos no verbo, não lhes cabendo análise in dividu al:

" . . . os que se queixam , no mundo de fa lta de tem po é


p orqu e o n ão e m p re g a m todo tão bem com o d e v e m :”

( F r . L u ís de S o u s a , Vida do A r­
cebispo, I, pág. 170)

“ qu eixar-se” : verbo pronominal ;

“ Atenho-me eu à con ta dêstes dedos do santo m á rtir


Jonas, qu e é m a is clara, c erta e com pendiosa;”
( B ernardes , Nova Floresta , V,
pág. 449)

“ ater-se” : verbo pronominal.

" P o is p ro p o n h a -s e ou tro [ = seja proposto o u tro ], que


j á sei d a p ru d ên cia dêste, e p or conseguinte da vossa ou
m a líc ia ou ig n o râ n c ia .”
(ID., ib id , pág. 461)

“ se” : pronom e apassivador.

N o terceiro caso, em segunda operação tais pro­


nomes são destacados do predicado e recebem a aná­
lise com petente: complemento que indica tal coisa,
objeto direto, objeto indireto, etc.
13*1 G i .adhtonic C haves i>k M kix»

Exem plos:
“ L o g o cobrou vista o o santo atribuiu o m ila gre ò. fé
com quo o pobro « o bonzora.”
(In ., ibld., pág. 401).

“ Sc” : objeto direto.

“ So digo, fuço-m o Arbitro doa folto s alheios e me en­


vergon h o de envergonhá-lo,”
( I d., ibld., pág. 402 ).

“ Me” : objeto direto.


“ Quo m ais o P ers a fô z naquela cmprGsa
Onde rosto e narizes se c o r ta v a ? ”
[T ra ta -s e do Zóplro, que se mutilou, cortan do o rosto
e o n a riz.]
( C a m Oes , L u s ., I I I , 4 1 ).

Neste exemplo, o verbo cortar tem dois com­


plementos : objeto direto — “ rosto e narizes” ; e ob­
jeto indireto — “ se” .

“ T in h a -se cantado, tocado, con versa do; re in a v a em todos


a m a is fr a n c a e e xp an siva a le g r ia ;”
(M achado, C o n to s F lu m in en ses,
p ág. 192)

“ se” : índice de indeterminação do sujeito.

Quanto aos pronomes o e lhe, são sempre des­


tacáveis, e exercem a função de objeto direto o pri­
meiro e a de objeto indireto ou a de complemento
sem nome especial o segundo.
MODELOS DE
AN A LIS E SIN TÁTIC A
M ODELOS DE A N Á LIS E SINTÁTICA

Apresentam os a seguir alguns modelos de análi­


se sintática, para aplicar a teoria brevemente ex­
posta nas páginas anteriores e para oferecer prin­
cípios e normas de solução de casos especiais ou
menos comuns ou aparentemente difíceis.
Passemos aos te x to s :

I
“E ' claro que uma alegria de criança pode nascer à toa;
é claro que um pedaço desconjuntado de celulóide pode fazer
feliz uma criança; é claríssimo que ainda não conseguiram
secar, por mais que o tentem, as fontes vivas da infância,
as riquezas de um coração menino que com pouco se con­
tenta”.
(G u stavo C orção , Lições de Abis­
mo, pág. 177).

O texto dispensa esclarecimentos.


Temos um período composto por coordenação e
subordinação, com 8 orações:
1 * — E ' claro;
2.* — que uma alegria de criança pode nascer à
toa;
J38 GLADHTONH ClIAVKH DK MkIX)

3 .* — é claro;
4 /' — que um pedaço descon juntado de celulóide
pode fazer feliz uma criança;
5 . » — é claríssimo;
6. * — que ainda não conseguiram secar as fontes
vivas da infância, as riquezas de um cora­
ção menino;
7 . » — por mais que o tentem;
8. » — que com pouco se contenta.

Análise da primeira oração — “ E* c la r o .. .” :


Oração independente, declarativa.
Sujeito — a segunda oração, que u m a a leg ria de
cria n ça pode nascer à toa.

Predicado — é cla ro (predicado nom inal) ;


liame verbal — é ;
predicativo — claro.

Análise da segunda oração — “ que uma ale­


gria de criança pode nascer à toa” :

Oração subordinada substantiva subjetiva, sujeito


da primeira.
Conectivo: que

Sujeito — uma alegria de criança;


núcleo — alegria;
adjuntos adnominais — uma, de criança,.
Novo M a n u a l dk A nálihh S intática i :iii

Predicado — pode nascer à toa (predicado v e rb a l);


verbo — pode nascer;
adjunto circunstancial de modo — à toa.

Análise da terceira oração — “ é c la r o ...” :


Oração independente, declarativa, coordenada à pri­
meira.
Sujeito — a quarta oração, que um pedaço descon-
ju n ta d o de celulóide pode fazer feliz uma
criamça.
Predicado — ê claro (predicado nom inal) ;
liame verbal — é ;
predicativo — claro.

A nálise da quarta oração — “ que um pedaço


desconjuntado de celulóide pode fazer feliz uma
criança” :
Oração subordinada substantiva, subjetiva, sujeito
da terceira.
Conectivo: que:
Sujeito — um pedaço desconjuntado de celulóide;
núcleo — pedaço;
adjuntos adnominais — um, desconjuntado;
complemento do nome “ pedaço” — de celulóide.
Predicado — pode fazer feliz uma criança (predica­
do ve rb o -n o m in a l);
ve rb o : pode fazer;
140 G ladstone C haves de M ki>o

complemento verbal — uma criança (objeto di­


reto) ;
complemento-predicativo do objeto direto — feliz.

Análise da quinta oração — “ E' claríssimo..


Oração independente, declarativa, coordenada à ter­
ceira.
Sujeito — a sexta oração, que ainda não conseguiram
secar as fontes vivas da infância, as riquezas
de um coração menino.
Predicado — é claríssimo (predicado nominal) ;
liame verbal — é ;
predicativo — claríssimo.

Análise da sexta oração — “ que ainda não


conseguiram secar as fontes vivas da infância, a3 ri­
quezas de um coração menino” :
Oração subordinada substantiva, subjetiva, sujeito
da quinta.
Conectivo — que
Sujeito — indeterminado.
Predicado — ainda não conseguiram secar as fo n ­
tes vivas da in fâ n cia , as riquezas de u m cora­
ção m enino (predicado v e r b a l) ;
verbo — não consegxuram (verbo n e g a tiv o ) ;
complemento verbal — secar as fo n te s vivas da in ­
fância, as riquezas de um coração m enino (ob­
jeto direto, cujo núcleo é secar — verbo em
N ovo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 141

form a nominal, no in fin ito, que tem como com­


plemento o objeto direto composto as fontes
vivas da in fâ n cia , as riquezas de um coração
m en in o) ;
adjunto circunstancial de tempo — ainda (referid o
a “ não conseguiram ” ) .

An álise da sétim a oração — “ por mais que o


tentem ” :
Oração subordinada circunstancial de concessão.
Sujeito — indeterminado.
Predicado — o tentem (predicado v e r b a l);
verbo — ten tem ;
complemento verbal — o, pronome neutro que
está em lu gar da expressão in fin itiva “ s e c a r ...
m enino” , explícita na sexta oração (o b jeto d i­
r e to ).
[E* de o b serva r que o tipo de ligação desta con­
cessiva produz ênfase, intensificação do v erb o : “ por
mais que o ten tem ” = “ ainda que o tentem p orfia-
damente” .]

A n álise da oita va oração — “ que com pouco


se contenta” :
Oração subordinada atribu tiva (refere-se a um co­
ração m enino, da sexta o ra ç ã o ).
Conectivo: que
Sujeito — que (em lugar de “ um coração m enino” ) .
142 G ladstone C haves de M elo

Predicado — co m p ou co se co n te n ta (predicado
verbal) ;
verbo — se c o n te n ta ;
complemento verbal — co m p o u co .

[Há outra análise: se, objeto direto, e com


pouco, adjunto circunstancial de meio ou instrumen­
to, ou de matéria.]

II

“ M as fiq u e i encantado com a capa verm elh a, onde uma


jib ó ia se enrosca numa bananeira, que sim b o lizava os tró ­
picos, e um leão g a lo p a em direção a um n avio encalhado
nos gelos, enquanto lá no alto, contra a escuridão da noite,
d esta ca va -se o b ôjo de um aeróstato.”

(G ustavo Corçâo, L iç õ e s de A b is ­
m o , p á g 184).

Sendo óbvio o sentido e de uso corrente as pa­


lavras, dispensa-se explicação.

Temos um período composto por subordinação


(coordenado ao anterior por coordenação adversa-
tiva), com 5 orações:

1. » — Fiquei encantado com a capa vermelha (ora­


ção p rin cip al);
2. * — onde uma jibóia se enrosca numa ba­
naneira;
N o v o M a n u a l i >e A n Xlihr Sintática

3* __ que simbolizava os trópicos;


4« — e [onde] um leão galopa em direção a uni
navio encalhado nos gelos;
5.* — enquanto lá no alto, contra a escuridão da
noite, destacava-se o bojo de um aeróstato,
Análise da primeira oração — “fiquei en can­
tado com a capa vermelha” :
Oração independente, declarativa, oração principal,
porque as outras estão subordinadas a ela.
S u jeito— [ e u ] (oculto).
Predicado — f i q u e i en ca n ta d o co m a capa v e r m e ­
lh a (predicado nom inal);
liame verbal — f i q u e i ;
predicativo — e n ca n ta d o co m a capa v e rm e lh a
(núcleo — e n c a n ta d o ; complemento deste no­
me — c o m a ca p a v e r m e l h a ).

Análise da segunda oração — “ onde uma ji ­


bóia se enrosca numa bananeira” :
Oração subordinada atributiva (referente a capa
v e r m e lh a , da oração principal).
Conectivo: o n d e
Sujeito — u m a j i b ó i a ;
núcleo — j i b ó i a ;
adjunto adnominal — u m a
Predicado — o n d e s e e n r o s c a n u m a b a n a n eira (pre­
dicado verb al);
M Gmdhtonk C iíavkh i>b M ki/>

verbo — enrasca;
complemento verbal — se (objeto d ire to );
adjuntos circunstanciais de lugar — onde ( —
11a qual capa), numa bananeira [Os dois ad­
juntos não estão coordenados, porque se refe­
rem ao verbo sob prismas, sob formalidades
diferentes].

Análise da terceira oração — “ que simboliza­


va os trópicos” :
Conectivo — que
Sujeito — que (em lugar de “ bananeira” ).
Predicado — simbolizava os trópicos (predicado
verbal) ;
verbo — simbolizava;
complemento verbal — os trópicos (objeto
direto).

Análise da quarta oração — “ e [onde] um


leão galopa em direção a um navio encalhado nos
gelos” :
Oração subordinada atributiva (refere-se a capa
vermelha, da oração principal; portanto, está
coordenada à segunda oração).
Conectivo coordenante — e; conectivo subordinante
— onde, oculto;
Sujeito — um leão;
núcleo — leão;
Novo M a n u a l db A n á l is e S in t á t ic a 145

adjunto adnominal — um.


Pred icad o — [ond e] galopa em direção a um navio
encalhado nos gelos (predicado v e r b a l ) ;
v erb o — galopa;
adjunto circunstancial de direção — em direção
a um navio encalhado nos gelos (núcleo — na­
v io ; adjuntos adnominais — um, encalhado nos
gelos; adjunto circunstancial de lugar, referen­
te a “ encalhado” — nos gelos) ;
adjunto circunstancial de lugar — onde, oculto
( = na qual capa).

A n á lise da quinta oração — “ enquanto lá no


alto, contra a escuridão da noite, destacava-se o
bojo de um aeróstato” :
Oração subordinada circunstancial de conco­
m itância.
Conectivo — enquanto;
S u je ito — o b ojo de um aeróstato;
núcleo — b o jo ;
adjunto adnominal — de um aeróstato;
Predicado — lá no alto, contra a escuridão da noite,
destacava-se (predicado verbal) ;
verbo — destacava^se;
adjunto circunstancial de lugar — lá no alto;
adjunto circunstancial de posição relativa — con­
tra a escuridão da noite (núcleo — escuridão;
adjuntos adnom inais — a, da n o ite ).
146 G lad sto ne C h ave s de M edo

III

" E com o ia afron tada do caminho,


T ã o ferm osa no gesto se m ostrava
Que as estréias e o céu e o a r vizin h o
E tudo quanto a v ia n am orava.”
(C a m õ e s , L u s ., II, 3 4 ).

Êste passo se refere à deusa Vênus, quando se


apressou, céus acima, em demanda de Júpiter, a quem
ia interceder pelos portuguêses. A fro n ta d a s ig n ifi­
ca “ afogu eada” , “ corada” , “ com as cores do rosto
v iva s” . Gesto é “ rosto” , sentido comum entre os
clássicos. N a m o ra r aí não tem o sentido moderno,
mas s ig n ifica “ a tra ir” , “ ca tiva r” , “ encantar” , verbo
tra n sitivo.

Com esta explicação, quase sem pre necessária,


m orm en te quando se trata de textos antigos ou poé­
ticos, porque “ quem entende o que lê analisa” e
quem não entendeu o que leu não pode analisar, —
com esta explicação, passemos à análise.

Temos um período composto por subordinação


e correlação, com 4 orações:
ld — Como ia afrontada do caminho;

2 * — e tão fermosa no g esto se mostrava (o ra çã o


principal) {
N o vo M a n u a i , dk A n âm m k S i n t ^t ít a 1 J7

jp — . que as estréias e o céu e o a r vizinho c tudo


nam orava;

,|« — - quan to a via.

Análise da prim eira oração — “ como ia afron­


tada do caminho” :
O ração s u b o rd in a d a circunstancial de causa.
Conectivo — como.
Sujeito — [ela, Vênus] (ocu lto).
Predicado — ia afrontada do caminho (predicado
verbo-nom inal) ;
verbo — ia ;
complemento-predicativo do sujeito — afrontada;
adjunto circunstancial de causa — do caminho
(re fere n te a “ afrontada” ).

A n álise da segunda oração — “ e tão fermosa no


gesto se m ostrava” :
Oração principal, declarativa.
Sujeito — [ela, Vênus] (ocu lto).
Predicado — tão ferm osa no gesto se mostrava
(predicado verbo-nom inal).
verbo — m ostrava;
complemento verbal — s,e (objeto direto) ;
complemento-predicativo do objeto direto — tão
ferm osa (adjunto circunstancial de intensida­
de — tã o ).
adjunto circunstancial de lugar — no gesto.
N ovo M a n u a l de A n á l i s e S in t á t ic a 149

IV

“Se dizem, fero amor, que a sêde tua


N em com lágrim as tristes se mitiga,
E ’ porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.”

( C a m õ e s , L u s ., III, 119).

O tre c h o fa z p a rte da in trod u ção ao episódio de


Inês d e C a stro. E ’ um a a p ó s tro fe ao am or, apon ta­
do, p o r assim d izer, com o culpado de gra n d es e san­
gren ta s tra g é d ia s , com o se v a i v e r da que passa o
P o e ta a m e m o ra r com o ilu stração do asserto e in-
culpação que fê z .
P a r e c e que é ób vio o sentido do período. T a lv e z
só s e ja n ecessário lem b ra r o s ig n ific a d o de a ra :
“ a lt a r ” .
T em o s um p eríod o com posto por subordinação,
com 4 o ra ç õ e s :

1* — S e dizem , fe r o a m o r;

2. * — que a sêde tua nem com lá grim a s tris te s se


m it ig a ;

3. * — é (o ra ç ã o p r in c ip a l) ;

4. * — porqu e queres, áspero e tiran o, tuas aras ba­


n h ar em sangue humano.
1.50 GLADSTONE CHAVE 3 DE MEDO

Análise da oração principal — “ é” :


Constituída pelo verbo vicário (15) c, que subs­
titui e repete dizem, esta oração tem por isso ideo­
logicamente a mesma estrutura da primeira ora­
ção, mesmo sujeito, mesmo predicado.

Análise da primeira oração — “ se dizem, fero


amor” :
Oração subordinada circunstancial de hipótese.
Conectivo — se
Sujeito — indeterminado.
Predicado — dizem [ que a sêde tua nem com lágri­
mas tristes se mitiga'] (predicado v e r b a l);
verbo — dizem;
complemento verbal — a segunda oração, que a
sêde tua nem com lágrimas tristes se m itiga (ob­
jeto direto).
Vocativo — fero amor (adjunto adnominal — fe r o ).

Análise da segunda oração — “ que a sêde tua


nem com lágrimas tristes se m itiga” :
Oração subordinada objetiva direta.
Conectivo — que

(1 5) Verbos vicários são aquôles que assumem a sig­


nificação de outro anteriorm ente expresso. O verbo que mais
comumente desempenha êsse papel em portuguõs é o verbo
“fa z e r ": “ quis retirar-me, mas não o fiz por tim idez” .
Novo M a n u a l de A n á l i s e S in t á t ic a 151

Sujeito — a s.êde tu a ;
adjuntos adnominais — a, tua.
Predicado — nem com lágrim as tristes se m itig a
(predicado v e rb a l) ;
verbo — nem se m itig a (verb o passivo, negativo,
corn n egativa de intensidade n e m ) ;
adjunto circunstancial de instrumento — com lá­
g rim a s tristes (adju n to adnominal — t r i s t e s ) .

A n á lise da quarta oração — “ porque queres, ás­


pero e tirano, tuas aras banhar em sangue hu­
m ano” :
Oração subordinada circunstancial de causa.
Conectivo — parque
S u jeito — [tu\ (ocu lto) ;
atribu tos circunstanciais, indicando causa — ás­
p ero e tira n o ;
Predicado — queres tuas aras banhar em sangue
hum ano (predicado v e rb a l) ;
verbo — queres;
com plem ento verb a l — tuas aras banhar em san­
gue hum ano (o b je to direto, cujo núcleo é ba­
n h a r — verbo em fo rm a nom inal, no in fin ito ,
que tem como com plem ento o ob jeto d ireto tuas
aras, e como adjunto circunstancial de m a té­
r ia em sangue h u m a n o ).
152 G1.ADHT0NK ClIAVKH I>K M í JM)

“ Os casos vi, quo os nulos marinheiros,


Que tôm por mestra a longa cxperiOncia,
Contam por certos sempro c verdadeiros,
Julgando as cousas só pola aparônela.”
( C a m OKH, Lua ., V, 17).

O trecho prepara a descrição dos prodígios


marítimos que o poeta tão bem descreve no canto V.
Creio que não demanda mais minuciosas explica­
ções, porque o sentido é óbvio e as palavras são
tôdas de uso corrente, à exceção de pola (== “ pela” ) ,
hoje banida da língua literária.
Temos um período composto por subordinação,
com 3 orações:

1 * — Os casos v i (oração principal) ;

2. * — que os rudos marinheiros contam por certos


sempre e verdadeiros, julgando as cousas só
pola aparência;

3. * — que têm por mestra a longa experiência.

Análise da prim eira oração — “ Os casos


v i” :
Oração independente, declarativa, principal.
S u je ito — [e u ] (o cu lto ).
Novo M a n u a l i >k A nàlih r S in t Ath :* 153

Predicado — os casos vi (predicado verb a l);


verbo — v i;
complemento verbal — os casos (objeto direto).

Análise da segunda oração — “ que os rudos


marinheiros contam por certos sempre e verdadei­
ros, julgando as cousas só pola aparência” :
Oração subordinada atributiva, referente a os casos,
da oração principal.
Conectivo — que
Sujeito — os rudos marinheiros;
núcleo — m arinheiros;
adjuntos adnominais — os, rudos.
Predicado — que contam por certos sempre e ver­
dadeiros, julgando as cousas só pola aparência
(predicado v e r b a l);
verbo — contam ;
complemento verbal — que, em lugar de “ os ca­
sos” (ob jeto d ir e t o );
atributos circunstanciais de modo ou perspectiva,
referidos ao objeto direto e coordenados — por
certos e verdadeiros;
adjunto circunstancial de freqüência ou ocasião —
sem pre;
adjunto circunstancial de causa — julgando as
cousas só pola aparência (núcleo: julgando,
verbo em form a nominal, no gerúndio, que tem
t ’,4 ( ii. A t)H T O N K C lIA VK H l)K M K l/)

como complemenU) o objeto direto a» couhoh, e


como adjunto circunstancial do meio só pola
aparência).
Análise da terceira oração — “ que têm por mes­
tra a longa experiência":
Oração subordinada atributiva, referente a o# mulos
marinheiro», da oração anterior.
Concctivo — r/we.
Sujeito — (em lugar de “marinheiros").
Predicado — por mestra a longa experiência
(predicado vcrbo-nominal);
verbo — ícm;
complemento verbal — a longa experiência (ob­
jeto d ir e to );
complemento-predicativo do objeto direto — por
mestra.

VI
"A quela triste e lôda madrugada,
Chea tôda de m ágoa e do piedado,
Enquanto houver no mundo saUdade
Quero que seja sempre celebrada."
(C a m Okh, L íric a s , seleção prefá­
cio e notas de R odukíuks L a p a ,
Lisboa, 1940, pãg. 31).

E f claro o texto, não demandando explicação


de sentido geral, ou de significado especial de pala­
vras.
Novo M a n u a l de A n á l is e S in t á t ic a 155

Temos um período composto por subordinação,


com 3 orações:
1. * — quero (oração principal) ;
2. * — que aquela triste e lêda madrugada, chea toda
de mágoa e de piedade, seja sempre cele­
brada ;
3. » — enquanto houver no mundo saüdade.

Análise da oraçao principal — “ quero” :


Oração declarativa, independente.
Sujeito — [eu\ (o cu lto ).
Predicado — quero [que seja, sempre celebrada aque­
la triste e lêda madrugada, chea toda de mágoa
e de piedade] (predicado verbal) ;
verbo — quero;
complemento verbal — a segunda oração, que
seja . . . e de piedade (objeto d ireto).

Análise da segunda oração — “ que aquela tris­


te e lêda madrugada, chea tôda de mágoa e de pie­
dade, seja sempre celebrada” :
Oração subordinada objetiva-direta de quero, da
oração principal.
Conectivo — que.
156 G ladsto ne C haves de M elo

Sujeito — aquela tris te e leda m adrugada, chea tôd/i


de m ágoa e de piedade;
adjuntos adnominais — aquela; tris te, leda e chea
tôda de mágoa e de piedade, estes três coorde­
nados (no último, chea tôda de m ágoa e de pie-
dade, o nome chea, núcleo da expressão, vem
acompanhado dos complementos de mágoa e de
piedade e do adjunto circunstancial de inten­
sidade tô d a ).
Predicado — seja sem pre celebrada (predicado
v erb a l) ;
verbo — seja celebrada (p a ssivo) ;
adjunto circunstancial de duração — sempre.

A n álise da terceira oração — “ enquanto hou­


ver no mundo saüdade” :
Oração subordinada circunstancial de tempo.
Conectivo — enquanto.
S ujeito — não tem (verb o im p essoal).
Predicado — houver n o m undo saüdade (predicado
v erb a l) ;
verbo — h o u v e r;
complemento verbal — saüdade (ob jeto d ir e t o );
adjunto circunstancial de lu gar virtu al — no
mundo. ’
Novo M a n u a l , d e A n á l i s e S i n t á t ic a 157

V II

"Vós, diz Cristo Senhor Nosso, falando com os pregadores,


sois o sal da terra; e chama-lhe sal da terra, porque quer
que façam na te rra o que fa z o sal.”
(V ie ir a , Sermões, II, 1682, p ág.
309).

N e s te p asso d e V i e i r a , em que o pregador faz


citação d e u m p o n to do S erm ão da Montanha, não
há d ific u ld a d e d e in terp reta çã o , nem se encontram
p a la vra s m en o s comuns. A única coisa que pode
ch am ar a a ten çã o é o pronom e “ lhe” a referir-se
ao p lu ra l “ p r e g a d o r e s ” , o que é freqüente na língua
a n tiga, e ú n ic a m a n e ira de d izer na língua arcaica
até o sécu lo X V , quando ainda não se tinha formado
o p lu ra l a n a ló g ic o “ lh es” .
T e m o s u m p e río d o composto por coordenação e
su bordin ação, co m 6 o ra çõ es:
1. » — V ó s so is o sal da t e r r a ;

2. * — d iz C r is t o S en h o r N osso, falando com os pre­


ga d o res ;

3. * — e c h a m a -lh e sal d a t e r r a ;

4. * — p o rq u e q u e r ;

5. ’ — qu e fa ç a m n a t e r r a o ;
6. * — q u e f a z o sal.
158 Gi.adstonk C iiavks dk M klo

Análise da primeira oração — “ Vós sois o sal


da terra” :
Oração independente, declarativa.
Sujeito — vós.
Predicado — sois o sal da terra (predicado no­
minal) ;
liame verbal — sois;
predicativo — o sal da terra (adjunto adnomi-
nal — o; complemento do nome “ sal” — da
te rra ).

Análise da segunda oração — “ diz Cristo Se­


nhor Nosso, falando com os pregadores” :
Oração independente, declarativa, intercalada.
Sujeito — Cristo Senhor Nosso;
apôsto — Senhor Nosso.
Predicado — diz, falando com os pregadores (pre­
dicado verbal) ;
verbo — diz;
adjunto circunstancial de ocasião — falando com
os pregadores (núcleo — falando, verbo em
forma nominal, no gerúndio, que tem como
complemento com os pregadores).

Análise da terceira oração — “ e chama-lhe sal


da terra” :
Oração independente, declarativa, coordenada à se­
gunda.
Novo M a n u a l de A n á l i s e S i n t á t ic a 159

Conectivo — e
Sujeito — [C ris to ] (o c u lto ).
predicado — chama-lhe sal da terra (predicado ver-
bo-nom inal) ;
verbo — chama;
complemento v e rb a l — lhe (o b je to in d ir e to );
com plem ento-predicativo do objeto indireto (v.
nota 7 ) — sal da terra.

A n á lise da q u arta oração — “ porque quer” :


Oração subordinada circunstancial de causa.
Conectivo — porque.
Sujeito — [ Cristo ] (o c u lto ).
Predicado — quer [ que façam na terra o] (predi­
cado v e r b a l) ;
verbo — quer;
complemento v e rb a l — a oração seguinte, que fa>
çam na terra o (o b je to d ir e t o ).

A n á lise da qu in ta oração — “ que façam na ter­


ra o” :
Oração subordinada o b je tiv a direta, referente a quer,
da oração a n terior.
Conectivo — que.
Sujeito — [êles, os pregadores] (o c u lto ).
Predicado — façam na terra o [ que faz o sal] (ob­
jeto direto) ;
ICO G uadhtonk C ii avk h i »k M km»

verbo — façam;
complemento verbal — o [que faz o nal\ (objeto
direto) ;
adjunto circunstancial de lugar — na Urra.

Análise da sexta oração — “ que faz o sal":


Oração subordinada atributiva, referente ao pro­
nome neutro o, da oração anterior.
Conectivo — que.
Sujeito — o sal;
adjunto adnominal — o.
Predicado — que faz (predicado verbal) ;
verbo — faz;
complemento verbal — <fUe, em lugar de “ o",
“aquilo” (objeto direto).

V III

"Ditoso quem se partir


Para ti, terra excelente,
Tão justo e tão penitente,
Que despois de a ti subir
Lá descanse eternamente!"
(C a m Okh, BôboloH rio », vs. 301-
305, in Sousa da S iuvkika , T exto»
Quinhentinta h, págs. 54-55)

E' a última estância do conhecido o magnífico


poema a que se costuma dar o título de “ Babel o
Novo M a n u a l d e A n á l i s e S in t á t ic a 161

Sião” , iniciado pelas palavras “ Sôbolos rios” . 0


poeta dirige-se à Jerusalém Celeste, “ pátria minha
natural” , e, apostrofando, diz que é ditoso, bem-
-aventurado aquêle que deixa êste mundo em estado
de justiça, isto é, em estado de graça, e com a pena
dos pecados remida, que é o que significa “ peniten­
te” , porque êsse tomará posse imediata da “ terra
excelente” , o céu, onde há repouso perfeito e eterno.
Temos um período composto por subordinação
e correlação, com 3 orações:

1. ’ — Ditoso quem ( “ quem” pertence à oração com


equivalência de “ aquêle” ) ;
2. * — quem se partir para ti, terra excelente, tão
justo e tão penitente (o pronome “ quem”
também pertence a esta oração com equi­
valência de “ que” ) ;

3 * — qUe despois de a ti subir lá descanse eter­


namente.

Análise da prim eira oração — “ Ditoso quem” :


Oração independente, principal.
Sujeito — q u e m .
Predicado — d it o s o (predicativo de uma frase no­
minal pura, isto é, sem liame verbal).

Análise da segunda oração — “ quem se partir


para ti, terra excelente, tão justo e tão penitente” :
G ladstone C haves de M elo
162

Oração subordinada atributiva, referen te ao sujeito


da oração anterior.
Coneetivo — quem
Sujeito — quem ( = qu e).
Predicado — se p a rtir para ti tão ju s to e tão pe­
nitente (predicado verb a l) ;
verbo — p a rtir-se;
complemento verbal, indicando direção — para ti;
atributos circunstanciais de estado — tão justo e
tão penitente (estão coordenados, e constituem
o primeiro têrmo de uma correlação).
Vocativo — terra excelente.

Análise da terceira oração — “ que despois de


a ti subir lá descanse eternamente” :
Oração correlativa consecutiva.
Coneetivo — que.
Sujeito — [ “ quem se p a rtir para íi” ] (oculto e in­
determinado).
Predicado — despois de a t i su b ir, lá descanse eter­
namente (predicado v e r b a l);
verbo — descanse;
adjunto circunstancial de lugar — lá ;
adjunto circunstancial de duração — eterna­
mente;
adjunto circunstancial de tempo ou de sucessão —
despois de a ti subir (núcleo da expressão —
Novo M a n u a l de A n á l is e S in tá t ic a 163

subir, verbo em form a nominal, no infinito,


que tem como complemento a indicar termo do
m ovim ento — a t i ) .

SUGESTÃO

P a ra fin a liza r, sugerimos aos leitores, e princi­


palmente aos aprendizes, que se exercitem em anali­
sar, pelo m étodo aqui exposto e exemplificado, estes
períodos de M a c h a d o de A ssis , onde há matéria sin­
tática interessante, de par com finos conceitos e
inexcedível expressão:

“Há frases assim felizes. Nascem modestamente como


a gente pobre; quando menos pensam, estão governando o
mundo; à semelhança das idéias. As próprias idéias nem
sempre conservam o nome do pai; muitas aparecem órfãs,
nascidas de nada e de ninguém. Cada um pega delas, verte-
as como pode e vai levá-las à feira, onde todos as têm
por suas.”
(Esaú e Jacó, pág. 114)

* * *
1

A P Ê N D IC E

C O R R E L A Ç Ã O A L T E R N A T IV A

Já estava composto este volume e trabalhava eu


na revisão das provas tipográficas, quando fui inquie­
tado por uma fin a observação do prof. M a x im ia n o
de C a r v a l h o e S i l v a , da Faculdade Fluminense de
F iloso fia e da P o n tifícia Universidade Católica do
Rio. F o i questão a análise das orações coordenadas
( ? ) alternativas.
Poder-se-á dizer que em casos como “ Ou você
me paga esta semana, ou eu te cobro judicialmente!”
existe coordenação? Serão independentes as orações
dêste período? Ou serão interdependentes?
D epois de m ed itar bastante no problema, tenho
a im pressão de h aver chegado a formulações razoáveis
ou, pelo menos, a um princípio de solução:

P a rece que tem os de distinguir dois tipos de


alternância sintática, uma singela, outra mais com­
plexa; uma com conectivo explícito só a partir do
segundo têrm o, outra com o conectivo a encabeçar já
o p rim eiro tê r m o : — 1. “ Desapareceu ou morreu,
não se sabe bem ” ; 2. ” Quer você me acompanhe
quer me deixe só, tom arei êsse caminho, que é o que
considero certo” .
100 G lad stone C haves de M e lo

Entendo que não pode h a v er dú vida quanto à


existência de coordenação na a ltern ação singela, na
do prim eiro t ip o :

“ D u a s p a la v r a s de m ais, ou u a d u a s v ê z e s re p e tid a , a c h a ­
v a ou com fá c il re p a ro n a c lá u s u la q u e p r o p u s d o E v a n g e lh o :
vare cibus, v e re p otu s .”
( V ie ir a , S erm ões, I, 1679, col. 143)

"P o is , p o rq u e n á o p e d ira m a H u r ou a a l g u m d o s o u tro s


que o b ra ss e e ssa m a ra v ilh a , se n á o a A r ã o , e só a A r ã o ? ”

(Ii)., ibid., I, col. 155)

coordenação a ltern a tiva de fu n ções sin tá tica s;

" Q u e r d iz e r : se o alh eio que se tom o u , o u re té m , se p o d e


re s titu ir e n ã o se restitu i, a p e n itê n c ia d ê ste e d o s o u tro s
p e cad os n ã o é v e r d a d e ir a p e n itên c ia, s e n ã o s im u la d a e
fin g id a . "
( I d., ibid., m , 1683, págs. 319-
320)

" P o u c o fê z , ou b a x a m e n te a v a li a s u a s a ç õ e s, q u e m c u id a
que lh a s p o d ia m p a g a r os h o m e n s ."

( I d ., ib id ., I, co l. 3 1 4 )

coordenação a ltern ativa de orações.

Agora, na alternância do segundo tipo, iniciada


logo por conectivo, a coisa muda de aspecto e de na­
tureza. Passa a construção a m ostrar cores nítidas
de correlação, tanto é verdade que, ao anunciar-se
o prim eiro têrmo, já se fa z sentir a interdependência,
Novo M a n u a l d e A n á l i s e Sin t á t ic a 167

característica distin tiva de tal processo sintático. E


isso, tanto na alternância de funções como na de
orações.

N o exem plo:

“ os la d r õ e s , q u e m a i s p r ó p r i a e d ig n a m e n te m erecem êste
título, s ã o a q u ê le s a quem o s r e is en co m en d am os exércitos
e legiões.. o s q u a is , já com manha, já com força, rou b a m e
d e s p o ja m o s p o v o s .”

( I d ., ibid., I I I , p á g . 327)

o prim eiro dos dois adjuntos circunstanciais de meio


pede um segundo a ele correlato, um segundo adjunto
que feche a expectativa que êle abriu.

À s vêzes, a segunda hipótese é vária e, por isso,


m ultiplica-se o segundo têrmo, dando-se então, no
meu sentir, coordenação neste segundo têrmo da
correlação:

“ B o a s t e s t e m u n h a s p o d e m s e r o s m e s m o s . . . dêstes con­
tín u os p a s s o s d e s e u M e s t r e , s e m d e s c a n s a r n em p a ra r, sem pre
em r o d a v iv a , já nas cidades, já nos desertos, já nas praias,
já na Judéia, já na Galiléia, já na Samaria, já em Jerusalém,
já em Cafarnaú, já em Tiro, já em Sidônia, já em Caná, já em
Jericó, já em Cesarea de Filipe, já na região dos genesarenos,
já nos confins de Decápolis, já em Betsaida, Naim, Betánia,
Nazarét, Efrêm , s e m h a v e r t e r r a g r a n d e e populosa, nem
lu g a r p iq u e n o o u a l d e a q u e C r is t o , p a r a a lu m ia r a todos com
s u a lu z, n ã o s a n t i f i c a s s e c o m s e u s p a s s o s .”

(ID., ibid., in, págs. 75-76).


168 Glad sto n e C haves de M elo

O mesmo que acabamos de d izer em relação a


funções sintáticas alternadas e correlatas observa-
se em relação às o ra çõ es:

"S ã o rudos, severos, sedentos de g ló ria ,


Já p ré lio s in c ita m , já ca n ta m v it ó r ia ,
Já m e ig o s a ten d em à v o z do c a n to r-.”

( G o n ç a l v e s D i a s , O bras P o é ti­
cas, ed. de M . B a n d e ir a , 1944, II,
p ág. 1 8 );

"O s dias da m inha vida, d iz Job, ou eu q u e ira ou não


queira , h ão-se de a c a b a r b rev e m en te.”

( V i e i r a , S e rm õ e s , I, col. 1088)

“ Q ual cos g r it o s e v o z e s in citad o,


P o la m on tan h a o rá b id o M o lo s o
C o n tra o to u ro rem ete, que fia d o
N a fô r ç a e stá do corn o te m e ro s o :
O ra p eg a na o re lh a , o ra [p e g a ] n o la d o,
L a tin d o m a is lig e ir o que fo rç o s o ,
A t é que em fim , ro m p en d o -lh e a g a r g a n t a ,
D o b ra v o a f ô r ç a h o rre n d a s e q u e b ra n ta .”

( C a m Oe s , L u s ., I I I , 4 7 ).

Teríam os então pelo m enos cinco modalidades


de correlação: consecutiva, co m p a ra tiva , equiparati-
va, proporcional e a lte rn a tiv a , denu nciada esta últi­
ma pela sequência de conectivos a ltern an tes, explici­
tados sempre, desde o p rim e iro elem ento.
Novo M a n u a l , de A n á l i s e S in t á t ic a 169

O falecido professor José Oiticica, que foi o des­


bravador da matéria e que sobre esse processo sin­
tático escreveu todo um livrinho ( T e o ria d a C o rre la ­
ção, ed. da “ Organização Simões” , Rio, 1952), não
fala em correlação alternativa, que provàvelmente
lhe terá escapado à argúcia de analista. Só por aí já
estaria justificado o presente “ apêndice” , que ofe­
reço mais como uma provocação e estímulo ao deba­
te do que como uma conquista e uma definição.
Í NDI CE g e r a l

Prefácio da prim eira edição ..................


Esta edição ...................................................... 7
In tro d u ç ã o .................................................. * .......... n
0 que é a análise sintática ................ \\\

Onde se situa a análise sintática .................. ir»


Utilidade e método da análise sintática 2\
Duas palavras de Lópiea ....................................
ur»
Da o r a ç ã o ........................................................... 20
Estrutura da oração ............................................ .
25
I. D o sujeito ............................................ ’
07
II. Do predicado ......................................... 27

Com plem ento-prodicativo do suicito . 02
Com plem ento-nrodicntivo do objeto . 02
III. Dos outros m em bros da oração ........ 00
D o comolemouto do nome .................. 07
D os elementos acessórios da oração . 71
D o anôsto-do-oracno e do vocativo . . . 22
Ouadro sinótico das fun ções sin táticas ............ 27
Do período ................................................................... 01
T. D a coord en arão .................................... o .l
H. D a su bo rd in a ção ................................... 100
III. D a correla ção .......................................... 102
Ouadro sinótico do p e río d o ................................... 114
Ouadro sinótico dos processos sin táticos .......... 114
Ouadro sinótico dos conectivos ......................... 115
Das form as n om in ais do v e r b o ........................... 117
Alguns casos p a rt ic u la r e s ........................................ 127
I. Como se ........................................... 127
2. C ondensações s in tá tic a s ......................... 127
3. O rações im n líc ita s .................................. 129
4. P leon asm o d e te rm o s o ra c io n a is ......... 129
5. A n á lis e d a n e e a t iv a “ n ã o ” ................. 131
6. A e x p re ss ã o “ é q u e ” .............................. 131
7. E lem en tos e n fá tic o s n a s e x c la m a tiv a s 132
8. Os p ro n o m es p e s s o a is á to n o s ............. 137
Apêndice: c o r re la ç ã o a l t e r n a t i v a ..........................
165
índice análitico ........................................................... 171

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