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REFERÊNCIAS................................................................................................137
PREFÁCIO: Duas palavras
EVANILDO BECHARA, Professor Emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
da Universidade Federal Fluminense, Membro da Academia de Ciências de Lisboa, da
Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia
Esta obra tem como objeto de pesquisa o percurso da Língua Portuguesa e dos povos que a
falam e falaram desde sua origem, calcada no Latim. Trata-se de um guia prático e conciso para
que o estudioso possa localizar-se segundo as perspectivas geográfica, antropológica, histórica,
filosófica. Configura-se como um manual didático de extrema praticidade, com sinopses
explicativas e remissões a obras mais extensas em que seja possível o aprofundamento em cada
um dos temas aqui trazidos à leitura. Esmiuçando a morfologia da Língua Portuguesa e,
sobretudo a classe dos verbos – palavras fulcrais do idioma –, o livro prepara e sedimenta
terreno em que o estudioso de Ciências Humanas poderá vasculhar o vasto território de quase
3000 anos de História, apresentados como um mapa cujos pontos cardeais estão devidamente
explicados. Nesse mapa, a bússola é a língua, fator central na constituição da identidade de
qualquer cultura. Em suma, eis aqui uma guia que permitirá ao pesquisador articular-se com
outros campos de conhecimento.
*****
Este livro interessa basicamente ao público universitário de Letras. Como se trata de uma
obra de História da Língua, os alunos de História, Antropologia, Ciências Sociais em geral
podem também vir a interessar-se por ele, já que, pelo percurso da língua portuguesa, a partir do
latim clássico, a História dos povos que falavam essas línguas — a România — é trazida nesta
obra. Em termos mais específicos, a obra abarca as áreas de História, Antropologia, Língua
Portuguesa, Línguas Clássicas, Linguística Histórica, Sociolinguística, Dialetologia.
Meu principal objetivo ao escrever esta obra se originou do fato de que, ao ministrar
disciplinas de História da língua portuguesa, Filologia, Linguística histórica e outras disciplinas
afins, no Brasil e na Europa — tanto em turmas de graduação, quanto de pós-graduação —, eu
percebia que os alunos se sentiam perdidos na vastidão do tema, o que acabava por desmotivá-
los, em muitos casos.
Minha percepção me mostrou, ainda, que essas circunstâncias se davam pela razão de a
bibliografia relativa ao assunto ser muito extensa, e haver obras longas e densas sobre cada
ponto específico da História da Língua — como as obras de Bechara, Carolina Michaëlis, J.J.
Nunes, Augusto Epifânio da Silva Dias, Said Ali, Ivo Castro, Paul Teyssier, José Leite de
Vasconcelos, Serafim da Silva Neto, Mattoso Câmara, Segismundo Spina, Rosa Virgínia Mattos,
Clóvis Monteiro, Eneida Bomfim etc.
Com isso, mesmo que se aplicassem textos de um ou outro autor, como artigos ou
capítulos de livros, a visão panorâmica ficava de certa forma pulverizada em aprofundamentos
sem que, previamente, se tivesse alcançado uma visão global que permitisse situar as aludidas
profundidades em seus devidos locais cronológicos — o que é sine qua non para um estudo
adequadamente reflexivo de qualquer tipo de História e historiografia.
Também observei que a História da Língua pode ser confundida com a Linguística
Histórica. Por isso, escrevi dois pequenos capítulos iniciais (o capítulo 1 e o capítulo 2) em que
abordo conceitos como sincronia, diacronia, história externa, história interna e dialetologia, que
são conceitos fundamentais tanto na História da Língua, quanto na Linguística Histórica, para
que se evidencie que, embora partícipes de perspectivas diferentes, esses conceitos e até essas
perspectivas podem interligar-se e complementar-se para o entendimento maior da Filologia
aliada à Linguística.
Desse modo, escrevi esta obra pensando no aluno e em situá-lo nos marcos miliários
históricos, diacrônicos, de que ele não poderia prescindir. Pretendi criar, antes de tudo, uma
espécie de manual didático , um mapa, uma sinopse, uma espinha dorsal que situasse, por um fio
condutor objetivo, mas que eu não quis que fosse demasiado superficial, as questões que virão a
ser, posteriormente, aprofundadas no que tange à História da língua portuguesa e à Filologia
como um todo.
Sinto que, sem essa prévia visão panorâmica, a chance de desmotivação do aluno é
potencializada, ocasionada pelo fracionamento excessivo das informações, espargidas lá e cá
(quando não se dispõe do tempo necessário à leitura e discussões sobre todas elas), em vez de
compiladas, para um primeiro contato, numa única obra que sirva de manual de estudo. Este foi
meu propósito primeiro para escrever este livro Morfologia da língua portuguesa — Breve
histórico filológico do latim ao século XX . Não há outra obra cuja proposta tenha sido esta, ao
menos não de forma tão compacta; por essa razão, senti-me impelido a escrevê-la.
Escolhi a morfologia como objeto privilegiado — embora não único — do referido fio
condutor a que me propus pelo fato de que, com o estudo do léxico, sua estrutura e formação,
podem-se compreender melhor os pontos de inflexão ocorridos ao longo da deriva da língua.
A morfologia é parte que aponta muito estreitamente a estrutura ou o sistema de uma
língua. A propósito, se percebemos que a língua é em grande parte convenção (convenção que
preside não apenas à língua padrão, como a todos os seus demais registros), a morfologia é uma
das partes em que com mais nitidez se percebe a motivação dos falantes, conscientes e ativos na
criação e decodificação de significados. Os usuários que dominam os meios vernaculares serão
capazes de criar e decodificar significados infinitos de um número finito de constituintes
menores e recicláveis: os morfemas.
Por isso mesmo, quando mudanças nos morfemas começam a ser muito numerosas,
passamos a observar que outra língua está nascendo. Assim, a morfologia ilustra o manual que
pretendo aqui elaborar: com ela (embora não exclusivamente com ela, reitero), percebem-se com
clareza as mudanças das balizas que acarretaram as variações > mudanças havidas
diacronicamente nos latins e destes para a língua portuguesa. O domínio da morfologia, assim, é
fundamental para demonstrar que o usuário conhece a estrutura profunda de seu idioma e, dessa
maneira, sabe pensá-lo crítica e reflexivamente, averiguando, até, o que proporcionou mudanças
nesse idioma.
Precisei, entretanto, articular a exposição e os comentários sobre morfologia a aspectos
outros que com ela dialogam: precisei, portanto, sempre que solicitado pela morfologia e a “vida
das palavras”, como lembra Darmesteter, recorrer a partes várias do estudo do sistema de uma
língua e de suas inserções igualmente diacrônicas.
Por essa razão, tive de, às vezes, tecer algum comentário de cunho fonético-fonológico,
sintático, estilístico, semântico, lexicológico, discursivo, pragmático, pois a palavra ou o
vocábulo — objetos centrais da morfologia —, como dito, inúmeras vezes requerem esses outros
recortes epistemológicos a fim de que se esclareçam, a quem os estuda, pontos que, no fim,
iluminam aspectos relativos à morfologia em si. Com esta, estimula-se o aprofundamento nos
pontos basilares da História da língua e da Filologia que desejo que despertem interesse
crescente — pois assim deve ser a trajetória acadêmica — no aluno.
Em resumo, a obra tem como objetivo primeiro ou geral prover o aluno das informações
básicas e basilares da História da língua portuguesa e seu encaixamento em suas origens
românicas e em seus desdobramentos até o século XX, onde a estagnei.
O objetivo intermediário da obra reside na criação de uma estrutura concisa, sem ser
perfunctória ou rasa, da História da Língua em cotejo com a Linguística Histórica e disciplinas
que dialoguem com ambas, o que permite ao aluno observar, como num panorama, pontos em
que ele, posteriormente, e no decurso das próprias aulas de graduação ou pós-graduação, possa
aprofundar-se.
Por fim, o objetivo específico da obra é fomentar no aluno o interesse pelo
aprofundamento nas obras dos grandes mestres sobre o vastíssimo campo da História da língua
portuguesa e das Filologias românica e portuguesa, bem como sua inter-relação com a
Linguística.
O aluno pode vir a interessar-se, por exemplo, pelo latim vulgar; pelas definições de
“romanço” e suas descrições e problematizações possíveis; pelas questões de fundo hereditário
ou inovador; por algum período específico da História da Língua (descrito na periodização por
meio de balizas ou mesmo por um recorte didático baseado em séculos, autores, obras
específicas); pela dialetologia e pela sociolinguística; pela ecdótica e crítica textual; e assim por
diante. Mas creio que esses interesses serão obliterados — o que consequentemente pode
ocasionar a perda de talentos investigativos nas áreas — se o aluno não dispuser, previamente,
de uma obra que lhe mostre, de modo sinóptico, tudo o que se passou do latim ao português do
século XX.
A morfologia mostrou-se-me elemento privilegiado para este fim, reitero, pelo fato de
dialogar com outros campos dos saberes enunciativo, idiomático e expressivo, para lembrar uma
tricotomia de Coseriu. O tratamento enfático que endereço à pesquisa sobre verbos, nos
capítulos finais da obra (capítulos 5 a 9), se justifica pelo fato de tratar-se do vocábulo que
apresenta mais morfemas, e mais variedades destes (flexionais, derivacionais, categóricos,
semantemas), em língua portuguesa, o que desejo que incentive o aluno a verificar que a
complexidade da morfologia, na História da Língua, é muito producente em termos de pesquisa
acadêmica, e que, portanto, sempre estará à espera de quem se debruce sobre suas bases e raízes,
seus desdobramentos e frutos e suas áreas afins.
O livro tem, portanto, e por fim, um caráter didático. Trata-se tão somente de um manual
que eu desejei que situasse e guiasse o aluno para vergéis vastos e prolíficos de História da
Língua e Filologia em que ele, posteriormente, assim espero, quererá adentrar.
CAPÍTULO 1
MORFOLOGIA SINCRÔNICA E DIACRÔNICA
O QUE É LEXICOGRAFIA?
LEXICOGRAFIA é uma disciplina intimamente ligada à LEXICOLOGIA. Ela se
ocupa da descrição do LÉXICO de uma ou mais línguas, a fim de produzir obras de
referência, principalmente dicionários (em formato impresso ou eletrônico) e bases
de dados lexicológicas. Dessa LEXICOGRAFIA PRÁTICA distingue-se a
LEXICOGRAFIA TEÓRICA, ou METALEXICOGRAFIA, que estuda todas as
questões ligadas aos dicionários (história, problemas de elaboração, análise, uso).
(HENRIQUES, 2011, p. 15, sublinhei)
A modalidade escrita
Uma investigação que tencione levantar propriedades sintático-semânticas do léxico
tem que começar por verificar quais são as grandes linhas de circulação vocabular
em todos ou num registro determinado das duas modalidades básicas de
manifestação da língua: o oral e o escrito. A primeira impressão que se tem é de
dispersão ou de difusão um tanto desordenada ou arbitrária, que dá lugar, em
seguida, à percepção de uma estreita relação texto/contexto associada à variação de
acepções. Em vista disso, decidiu-se limitar o campo de observação e análise,
mesmo porque, sem isso, haveria o risco de se ficar no vago e no genérico.
(BORBA, 2003, p. 17)
CAPÍTULO 2
A LÍNGUA É CONDICIONADA À HISTÓRIA DO POVO QUE A FALA
Como ensina Saussure, os fatos de uma língua podem ser estudados sob dois pontos
de vista: o do funcionamento (sincronia) e o da evolução (diacronia). O estudo
diacrônico compreende a história externa (evolução sociolinguística) e a história
interna, ou seja, a evolução estrutural da língua em seus aspectos fonológicos e
morfossintáticos. No caso do português, uma língua românica, esse estudo deve ter
como ponto de partida a distinção latim clássico/latim vulgar. (CARVALHO, 2004)
História Interna é conceito que toca de perto nos aspectos categoriais, sistêmicos e
estruturais de uma língua ao longo do tempo. Assim, por exemplo, a observação da queda da
categoria de declinação, que havia em latim, quando nos referimos à língua portuguesa, constitui
conclusão da História Interna da língua. A ausência de artigos em latim e o aparecimento dessa
categoria externada nos planos do conteúdo e da expressão em língua portuguesa perfazem
afirmações da História Interna da língua
Por História Externa entendemos os fatores de natureza geopolítica, social, antropológica,
econômica etc. que ensejaram movimentos de indivíduos e de povos que, por sua vez,
acarretaram acontecimentos relevantes e influentes na deriva (“drift”, cf. Sapir) da língua. É um
elemento atinente à História Externa da língua, por exemplo, o fato de que, em 1759, o Marquês
de Pombal expulsa os jesuítas do solo brasileiro e estabelece as escolas régias leigas, o que
implicou a oficialização da língua portuguesa diante da chamada “língua geral” (o tupinambá).
Em 1279, em Portugal, D. Dinis torna a língua portuguesa a língua oficial do reino, numa
política de língua de que o Marquês de Pombal veio a aproximar-se.
Dito isso, é necessário que se reflita sobre o modo como a História Externa influi sobre a
História Interna de uma língua. Embora um dos postulados mais célebres de Saussure nos
aponte que o objeto da linguística é a língua em si mesma e por si mesma, a linguística histórica
veio, justamente, restabelecer a importância dos estudos da História Externa — bem como da
diacronia de um modo geral — na compreensão até mesmo dos fenômenos “meramente”
sincrônicos, tão caros a Saussure.
A propósito, Ferdinand de Saussure, no Cours de Linguistique Générale , define assim as
tarefas da Linguística:
a)fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder conhecer, o que redunda
em estabelecer a história das famílias de línguas e reconstituir, na medida do
possível, as línguas matrizes de cada família; b) sondar as forças que estão em jogo
de maneira permanente e universal em todas as línguas e induzir às leis gerais a que
se podem referir todos os fenômenos particulares da história; c) delimitar-se e
definir-se a si mesma. (SAUSSURE, 1972, p. 22)
[....] estudos empíricos, no presente e no passado, vêm sugerindo que fatores sociais
têm influência direta ou indireta nos processos de mudança das línguas. Desse
modo, não parece adequado tratar a língua como uma realidade autônoma, imune à
história de seus falantes. Por isso, buscar uma metodologia que integre história
interna e história externa (encaixamento estrutural e encaixamento social) é diretriz
básica para muitos linguistas históricos. (FARACO, 2006, p. 61)
Eis alguns marcos de História Externa que interessam à língua portuguesa. Em seguida,
apresentaremos as explicações breves que os coerem.
1279 – D. Dinis torna sistemático o uso do português, e não do latim, em documentos oficiais
1400 a 1640 — Bilinguismo hispano-português (Dom Quixote , 1605 e 1615; Lusíadas , 1572)
Século XX – 1974: descolonização da África lusa, que opta pelo idioma português como língua
oficial
Em 218 a.C., os romanos chegam à Península Ibérica, impelidos pela Segunda Guerra
Púnica. Toda a Península, exceto os bascos, adota o latim como língua oficial (superestrato),
embora as línguas aborígines célticas (substratos), originárias sobretudo do Noroeste da
Península, tenham permanecido em convivência (adstratos). Podemos dizer, ainda de modo
inicial, que esses adstratos ou convivências entre o latim (eminentemente falado ou vulgar) e as
línguas aborígines formaram o que se chama protorromance, a cuja definição voltaremos.
Os romanos, a propósito, eram bem flexíveis em relação a aspectos culturais (línguas,
hábitos, religiões etc.) anteriores à sua colonização. Haja vista que, mesmo sendo pagãos,
aceitavam o judaísmo como outra de suas religiões oficiais, onde era geograficamente
professado.
A chegada dos romanos à Península possui uma explicação. O general cartaginês
Amílcar conquistara o Sul da Península Ibérica. Seu filho Aníbal deflagra a Segunda Guerra
Púnica contra Roma em 218 a.C., partindo da Península Ibérica até os Alpes, chegando à
Península Itálica, sem atingir Roma. Daí as célebres palavras com que Catão, embaixador em
Cartago, terminava todos os seus discursos: “Delenda Carthago”.
Em 27 a.C., Otaviano, “o Augusto” (título outorgado pelo Senado), cria a Lusitânia e a
Bética. Otaviano Augusto é o primeiro Imperador de Roma, e seu comando vai de 27 a.C. a 14
d.C. A partir de Otaviano, Roma torna-se oficialmente um Império. Antes, era uma República.
Entre 7 e 2 a.C., a parte da Lusitânia ao norte do Douro, que se chamava Gallaecia , é anexada à
antiga Hispania Citerior, agora chamada de Província Tarraconense. “A área linguística do que
virá a ser o galego e o português delineia-se, pois, desde a época romana [...]” (TEYSSIER,
2004, p.4)
O latim clássico , de base eminentemente escrita, abarca o fim do latim da fase
republicana e avança pelo período de vigência do Império Romano (século I d.C. a IV-V d.C.,
com algumas variantes nessas datas, como veremos), cujo primeiro imperador, como visto, foi
Otaviano Augusto. Em seguida houve uma série de mudanças nas rígidas normas do latim
clássico castiço, ocorridas por causa da crescente influência do latim falado e das invasões
bárbara e árabe. Essas mudanças redundarão no latim vulgar (como veremos no capítulo 3:
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O LATIM VULGAR), que, no caso da língua portuguesa,
exerceu influências fonéticas, morfológicas e sintáticas muito mais fortes do que o latim
clássico.
Com a extinção oficial do Império Romano do Ocidente, após a vitória do germânico
Odoacro, em 476 d.C., seguiram-se três séculos de conquistas maciças de povos de origem
germânica na Península Ibérica e no seu entorno: alanos, vândalos, godos, ostrogodos, visigodos,
suevos. São as chamadas conquistas bárbaras. Isso ocorreu de modo mais sistemático entre os
séculos V, VI e VII d.C. Há autores que situam o início das conquistas bárbaras ou germânicas
no ano 409, isto é, ainda durante a existência do Império Romano do Ocidente, que só se
extingue oficialmente em 476 d.C., como vimos [3] .
Sobre as influências dos bárbaros nas línguas provenientes do latim que se falavam na
Península, há certo consenso de que sua consequência foi antes de tudo desagregadora, criando
condições para que, a partir do século VIII, até o século XII, emergisse o protorromance do que
viria a ser o galego-português.
Com essas conquistas, além disso, começa a cravar-se, já, forte distinção entre o galego-
português e o castelhano. Exemplo disso é que E e O breves (timbre aberto), quando ÁTONOS,
ditongam-se em castelhano, mas jamais em português. Maria Helena Mira Mateus chega a
considerar essa ditongação, ao lado da manutenção do –n- intervocálico, ambos no castelhano,
como a grande distinção, oriunda já do tempo de que falamos, entre o português e o castelhano:
cf. corpo/cuerpo; lua/luna etc.
CAPÍTULO 3
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O LATIM VULGAR
Como afirma Ivo Castro (1991), aqui parafraseado, a história do português começa por
ser uma história do latim. Vimos no capítulo 2, como o superestrato latim encontrou substratos
ibéricos, criando adstratos.
No princípio, existia apenas o latim: prisca latinitas . Trata-se de uma língua da família
itálica, proveniente, segundo Meillet (entre outros eruditos), do indo-europeu, protolíngua que
desapareceu e não está atestada em documentos.
Outras línguas do indo-europeu são o celta, o germânico, o gótico, o balto-eslavo, o
hitita, o armênio, o albanês, o indo-iraniano, o helênico etc. Meillet, Benveniste e Martinet
situam as origens desse povo no Sudeste da atual Rússia, mais de 5000 anos antes da nossa era.
Esse povo não deixou documentos, como foi dito, mas deixou resquícios arqueológicos
significativos.
O grupo itálico ocorre em parelha com o osco e o úmbrio, que se falava no Lácio. Seu
suposto primeiro documento, o “Manius me fecit Numerio ”, do século VII a.C., hoje é
contestado como fraude de seu descobridor.
Portanto, é preciso retroceder ao século IX a.C., para se ter maior acuidade com as
origens do latim, como salienta Ivo Castro.
O início das línguas românicas, de que falaremos em breve, tem como ponto de partida o
latim falado a partir do século I a.C. ou até III a.C., a depender dos critérios de filologia
estabelecidos.
Romanus era, na origem, um adjetivo de caráter étnico e político, presente em locuções
do tipo Senatus Populusque Romanus (SPQR). Os lugares invadidos pelos romanos eram
chamados de “províncias”, e nelas se falava “à moda latina”, ou “à moda romana”, com os
advérbios latine ou romane loqui .
Dava-se o nome de “romanização” à expansão da língua e cultura latinas por suas
províncias.
Essas províncias recebiam o nome de Romania , e eram divididas com bases étnico-
geográficas, como nos ensina Antenor Nascentes em Elementos de Filologia Românica .
Podemos citar algumas das províncias da época da romanização: Hispania, Gallia, Britannia,
Valaquia, Dalmatia, Norica, Colquida, Caledonia, Helvetia, Germania, Betica, Gallaecia,
Lusitania, Panonia, Cartago etc.
A propósito, em 1816, Franz Bopp provou, com o seu Sistema de conjugação do
sânscrito , haver parentesco entre o latim, o grego, o gótico, o alemão, o céltico, o albanês, o
eslavo.
O trabalho de Bopp teve como precursor o de William Jones, que, em 1786, já observara,
com base na gramática de sânscrito de Panini, que as semelhanças entre aquelas línguas não
poderiam constituir mera coincidência.
No fim do império e no período posterior ao latim clássico, o latim imperial, surgiu a
expressão romanice parabolare ou fabulare . Aqui, ao lado de romanus, portanto, surge o
conceito adjetivo de romanicus , ou “semelhante ao romano”.
Ivo Castro lembra que com o Edito de Caracala (212 d.C.), todos os cidadãos da
România passam a ser romanos. Suas línguas, a partir de então, são designadas de “romances”
ou “romanços”, numa fusão do advérbio romanice com o adjetivo romanicus .
Com Lívio Andrônico (240 a.C.), que traduz a Odisseia , e outros escritores, como Ênio,
criou-se e estabeleceu-se a tenacidade no latim literário (ou metonimicamente clássico ), ao lado
do latim coloquial (ou vulgar).
Eram, portanto, variantes sincrônicas, e uma dessas variantes — o latim vulgar —
perfará a mudança que originou a maioria das línguas neolatinas, entre elas a língua portuguesa.
A essa divisão clássico / vulgar se deu o nome de sermo urbanus e sermo vulgaris.
Desde que se fixou o latim escrito, o latim falado conviveu com a variação clássica,
como nos atesta Rafael Lapesa.
O latim literário pode ser dividido em 3 fases:
Tábuas execratórias
Inscrições de Pompeia (Terremoto 63 d.C.; Vesúvio 79 d.C.)
Varrão — I. a.C.
Probo — III d.C.
Appendix Probi — III d. C.
Comédias de Plauto e Terêncio
Apicius — De re coquinaria (V. d. C.)
Petronio (morto em 66 d.C.) — Satiricon
Santo Agostinho (354 a 430 d.C)
São Jerônimo — Vulgata (383 d.C.)
Peregrinatio ad loca sancta (381-388 d.C.)
Cartas — a maioria de Claudius Terentianus a Claudius Tiberianus (filho e pai) — II d.C.
Glossários da Idade Média
Morfossintaxe Diacrônica
Redução dos casos
Cada um dos seis casos do LC [Latim Clássico] desempenhava funções sintáticas
específicas. Representados por morfemas gramaticais chamados desinências casuais,
correspondiam os casos latinos às seguintes funções sintáticas em português:
nominativo = sujeito e predicativo do sujeito; vocativo = vocativo; acusativo =
objeto direto e adjunto adverbial (de causa, lugar, tempo); genitivo = adjunto
adnominal e complemento nominal; dativo = objeto indireto e complemento
nominal; ablativo = adjuntos adverbiais e agente da passiva.
Devido a causas fonéticas (desinências iguais) e sintáticas (analitismo: emprego de
preposições e da ordem direta), os casos foram se reduzindo pouco a pouco, até
restar apenas um: o acusativo. Vale lembrar que nos primórdios da língua latina já
havia a tendência a reduzir os casos: o locativo e o instrumental acabaram
absorvidos, em sua maior parte, pelo ablativo. Quanto ao emprego de preposições
como partículas coadjuvantes dos casos, também é tendência que remonta ao LC: o
acusativo e o ablativo, ambos podiam ser preposicionados. Lembremos, por
exemplo, que para se referir ao lugar onde, aonde e de onde, dizia-se
respectivamente: in templo , in templum , ex templo. Como se vê, para tornar mais
claro o seu pensamento, recorreram os falantes latinos a dois expedientes sintáticos:
a ordem direta e as preposições. Não foi por acaso, portanto, que a posição e a
preposição (que tornaram dispensáveis os casos) converteram-se nos dois
marcadores sintáticos por excelência na frase românica.
Depois de um longo período de evolução, os casos acabaram reduzidos a apenas
dois no LV [Latim Vulgar] da Península Ibérica: nominativo (casus rectus ), com
suas antigas funções e mais a do vocativo, e acusativo (casus obliquus ), com suas
funções próprias e mais as do genitivo, dativo e ablativo. Posteriormente, perdendo
o acusativo o -m final que o caracterizava no singular, acabaram os dois casos por
se neutralizar. No plural, entretanto, o -s final permanecerá como marca forte e
inconfundível do acusativo e da flexão de número, do que dão testemunho as
inscrições, nas quais é o acusativo, e não o nominativo, que aparece na função de
sujeito: filias matri fecerunt “as filhas dedicaram à mãe”, quiescant reliquias “(que)
os restos descansem” (Ap. Coutinho, 1969:228).
Tornado caso único, o acusativo, auxiliado por preposições, passou a desempenhar
todas as funções sintáticas na frase do LV da Península Ibérica. Ao acusativo
também é que se vincularão etimologicamente, em sua maior parte, os nomes
portugueses (subst. e adj.), daí ser conhecido como o nosso caso lexicogênico, ou
seja, gerador do léxico.
Do ponto de vista morfológico, é do acusativo que se derivam as três vogais
temáticas nominais da língua portuguesa: -a, -o, -e, que correspondem,
respectivamente, à 1ª (fem.), 2ª (masc.) e 3ª (masc. e fem.) declinação do LV. Sirvam
de exemplo os seguintes nomes: rosa(m) > rosa , lŭpu(m) > lobo, valle(m) > vale
e ponte(m) > ponte . É também o acusativo que nos transmitirá as desinências de
gênero feminino (-a ) e de número plural (-s ): lŭpa(m) > loba , lŭpas > lobas .
Embora o acusativo seja o nosso caso lexicogênico, a língua portuguesa conservou
alguns vestígios dos outros casos latinos. Do nominativo restaram os pronomes
pessoais retos: ego > eu, tu > tu, ĭlle > ele, nos > nós, vos > vós e os
demonstrativos: ĭste > este, ĭpse > esse, *accu +ĭlle > aquele, além de certos
nomes próprios – Cícero, César, Nero, Marcos, etc. – e comuns: júnior, sênior, sóror,
deus. Estes nomes foram preservados por influência eclesiástica ou erudita. Quanto
ao vocativo, seu único vestígio em português é a saudação litúrgica Ave-Maria .
Do genitivo restaram uns poucos vestígios, não mais percebidos sincronicamente,
como, por exemplo, patronímicos do tipo Fernandici > Fernandes, Antonici >
Antunes e nomes diacronicamente compostos: aquae +ductu > aqueduto, terrae
+motu > terremoto, agri +cultura > agricultura. Quanto ao dativo, seus vestígios
estão representados pelos pronomes oblíquos tônicos (objeto indireto) mihi > mi
(arc.) > mim, tibi , sibi > ti, si (por analogia a mi) e ĭlli > lhe (este é átono). As
formas átonas ti e si , do português arcaico, deram te e se , o que explica o uso
dessas formas, no português contemporâneo, como objeto indireto, a par do seu
emprego como objeto direto, herança, neste caso, do acusativo latino te e se .
Redução das declinações
Os nomes latinos distribuíam-se por um sistema morfossintático que compreendia
cinco declinações, mas no próprio LC já existia acentuada tendência para confundir
essas declinações, pois havia nomes que podiam ser declinados tanto por uma
quanto por outra declinação. Por exemplo: avarities , ei , materies , ei , luxuries , ei ,
nomes da 5ª, também podiam ser avaritia , ae ,materia , ae , luxuria , ae , isto é,
declinados pela 1ª. Nomes como cantus , us , laurus , us , pinus , us , domus , us , da
4ª, também podiam ser cantus , i , laurus , i , pinus , i , domus , i , ou seja, da 2ª. A
acentuação dessa tendência foi tão grande que levou ao desaparecimento de duas
declinações no LV: os nomes da 5ª, quase todos femininos, foram incorporados à 1ª,
e os da 4ª passaram à 2ª (esta também recebeu alguns neutros da 3ª: corpus , oris
, pectus , oris , tempus , oris > corpus , i , pectus , i , tempus , i ). Uns poucos nomes
da 5ª, como plebes , ei , passaram à 3ª do LV:plebs , is (esta duplicidade já havia no
LC). Em resumo, LC → 5 declinações; LV → 3 declinações. Com o
aprofundamento do analitismo e a conseqüente redução/eliminação dos casos, as
declinações perderam o sentido, desaparecendo de todo na fase final do LV.
Desaparecimento do neutro
No LC os nomes se dividiam em três gêneros gramaticais: masculino, feminino e
neutro (neuter = nem um nem outro), tipologia morfossemântica nem sempre muito
nítida e que só se tornava explícita na frase, através da concordância do adjetivo com
o substantivo: pulcher lupus , pulchra pirus , pulchrum templum . Acontece que no
próprio LC já havia a tendência para fazer desaparecer o gênero neutro,
confundindo-o com o masculino. Era comum a presença, em textos, de formas
masculinas como fatus , dorsus , caelus , vinus , vasus em vez do neutro fatum
,dorsum , caelum , vinum , vasum . No neutro plural a confusão era ainda maior. Os
neutros tinham três casos, nominativo, vocativo e acusativo, que faziam o plural em
-a , mas tornou-se frequente na fala popular, e até mesmo na língua escrita, o
emprego de formas do masculino plural, como castellos , templos , monumentos ,
onde o certo seria o neutro plural castella , templa ,monumenta .
Essa tendência se generalizou a tal ponto que motivou o completo desaparecimento
do neutro, tornando-se masculinos todos os nomes pertencentes a esse gênero, como
ensina Maurer Jr. (1959:79): “A confusão do neutro singular com o masculino
operou-se na língua popular em época bem antiga”. Outra alteração importante:
muitos nomes vindos do plural neutro, por causa da terminação -a , acabaram
incorporados ao feminino (já que esta terminação, por acaso, também era a do
feminino), daí a duplicidade de gênero, em português, de certas palavras: masc. <
neutro sing.: lĭgnu > lenho, brachiu > braço, ŏvu > ovo, fructu > fruto; fem. <
neutro plur.: lĭgna > lenha, brachia > braça, ŏva > ova, fructa > fruta. Em resumo,
neutros no LV: no singular > masculino; no plural > feminino.
Em português não existe o gênero neutro como categoria gramatical. O que restou
do neutro latino são apenas alguns vestígios, conservados em nossa língua em
situações específicas, tais como: a) pronomes demonstrativos: aquilo, isto, isso; b)
pronomes indefinidos: tudo, nada, algo; c) certas palavras de sentido pluralício:
vestimenta, ferramenta, lenha, braça, ova, fruta; d) adjetivos na forma não-marcada
de masculino, como determinantes de substantivos usados em sentido geral:
É proibido entrada, É necessário paciência, Fruta é bom para a saúde; e) adjetivos
neutros (masc.) de um infinitivo: É doce e honroso morrer pela pátria (Dulce et
decorum est pro patria mori . Horácio).
Redução das conjugações
O LC possuía quatro conjugações verbais, caracterizadas no infinitivo pelas
seguintes terminações: 1ª) -are : amare ; 2ª) -ēre : ardēre ; 3ª) -ĕre : facĕre ; 4ª) -ire
: partire . No LV da Península Ibérica houve desde cedo certa preferência pela 2ª
conjugação em –ēre , devido à preferência pelos paroxítonos na fala popular. A 1ª
conjugação era não só a mais produtiva como também a mais resistente: recebeu
verbos de outras conjugações (torrēre > *torrare > torrar, fidĕre > *fidare >
fiar, mollire > *molliare > molhar) e não perdeu nenhum. A 2ª conjugação do LV
resultou da fusão da 2ª com a 3ª do LC: ponĕre > ponēre > põer/poer (arc.) >
pôr, dicĕre > dicēre > dizer, facĕre > facēre > fazer. Além disso, no próprio LC,
havia verbos que se conjugavam ora pela 2ª, ora pela 3ª: fervĕre > fervēre >
ferver, stridĕre > stridēre > ranger. A 3ª conjugação do LV corresponde à 4ª do LC
– audire > ouvir, punire > punir – e foi formada ainda por verbos vindo da 2ª e da
3ª: fugĕre > fugire > fugir, lucēre > *lucire > luzir. Mais tarde, na própria língua
portuguesa, a 3ª conjugação se ampliou, recebendo verbos de outras
conjugações: cadĕre > cadēre > caer (arc.) cair, corrigĕre > corrigēre > correger
(arc.) > corrigir. Os verbos em -ĕre , de introdução mais recente, passaram à 3ª
conjugação em -ir : affluĕre > afluir, illludĕre > iludir, retribuĕre > retribuir.
(CARVALHO, 2004)
CAPÍTULO 4
DE VOLTA À DERIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Quando a língua portuguesa começou a ser escrita – no início do século XIII – seu
léxico reunia cerca de 80% de palavras de origem latina e outros cerca de 20% de
palavras pré-romanas, germânicas e árabes. (AZEREDO, 2000, p. 72)
Voltando um pouco aos árabes muçulmanos, estes exercem domínio sobre os cristãos e
os judeus da Península Ibérica até o século XI. Al-Mansur destrói Compostela, na Galiza, em
997. É o apogeu do Califado de Córdova, como lembra Teyssier.
Perto do ano 1000, no entanto, os cristãos começam a expulsar os mouros para o sul da
Península. Em 1128, na Batalha de São Mamede, Afonso I (Afonso Henriques, filho de
Henrique de Borgonha) separa-se de seu primo Afonso VII, rei de Castela e Leão. Forma-se,
logo em seguida, com o reconhecimento do Rei Afonso I, o reino autônomo de Portugal (1140).
Com o Tratado de Windsor (1386), a comunidade internacional reconhece a Dinastia de Avis e,
pois, o Reino de Portugal.
Entre o século XIII e metade ou final do XIV (o ano 1350 é considerado lapidar), embora
o certificado de alforria da língua portuguesa já se tivesse dado (1214, “Testamento de D.
Afonso II”, como visto), e até a chancela geográfica corroborasse a isoglossa portuguesa (a
independência de Portugal, em 1128 e a criação do Reino em 1140), filólogos concluíram a
existência de um período chamado TROVADORESCO, cuja característica, não única, era a
convivência de um romance galego-português que, apesar das muitas semelhanças, apresentava
já, também, muitas distinções, interessando-nos aqui as de ordem morfológica. Bechara nos
mostrará em pormenores a questão.
Serafim da Silva Neto inicia esta fase — a qual denomina “arcaica” — a partir do século
XII e a estenderá, como veremos melhor, até o século XVI. Cremos que o século XII seja de fato
relevante pela presença de D. Sancho I, notável figura na expulsão dos árabes (a Reconquista),
com traços evidentes na História Interna da língua portuguesa.
Bechara assinala o que segue relativo à época de que falo (Bechara o estende até o fim
do século XIV, e não apenas ao ano 1350). Considero importante expor as balizas que seguem
para reiterar o que sempre nos alertou a mestra Carolina Michaëlis quando falava do terreno
escorregadio que se pisava quando se busca definir o que vem a ser um “romance” ou
“romanço”.
Serafim da Silva Neto, em dado momento, sucintamente assim estabelece: “Romanço é
um falar intermediário entre o latim corrente e as línguas neolatinas. Ao romanço falado na
Lusitânia, que vai até o século IX, chamaremos lusitânico ” (SILVA NETO, 1976, p. 86).
Apresentamos agora as balizas conferidas por Bechara no que tange à separação entre o
português e o galego na fase conhecida com frequência exclusivamente como a fase do romanço
galego-português:
Sabendo-se que muitas dessas formas concorrem num mesmo texto dessa fase
primitiva, é um profundo estudo da frequência de determinados fatos que vai decidir
a procedência galega ou portuguesa dessa unidade entendida por galego-português.
(BECHARA, 1985, p. 52)
Muitos estudiosos têm se debruçado sobre a periodização da História Interna da língua
portuguesa, estabelecendo balizas em que se possam fiar para determinar o fim de uma fase, a
transição a outra e, enfim, o estabelecimento desta outra.
O objetivo deste livro não é o aprofundamento nas teses defendidas sobre tais balizas. No
entanto, não podemos nos eximir de sua breve análise em alguns momentos, como ficou
registrado. Isso se dará sempre que as referidas balizas, nesta obra, disserem respeito aos traços
pertinentes à morfologia da língua portuguesa.
As primeiras tentativas de periodização, pelo que indicam os filólogos eminentes, estão
em Fernão de Oliveira (1536), João de Barros (1540), Pero de Magalhães Gândavo (1574),
Duarte Nunes de Leão (1576) e, certamente, até em eruditos anteriores a eles, antes da
Renascença ou Renascimento. Os séculos XIV e XV, como salienta Sylvain Auroux em A
revolução tecnológica da gramatização (1992), são os séculos exatamente do início da
normatização gramaticográfica e lexicográfica. Dicionários e gramáticas foram escritos em todo
o Ocidente europeu.
Das línguas neolatinas, a primeira gramática de que temos registro é a de Nebrija (da
língua castelhana), de 1492. O mesmo Antonio de Nebrija publicou um dicionário Latim-
Espanhol, no mesmo ano 1492, e seu subsequente dicionário Espanhol-Latim em 1495. A
primeira gramática portuguesa é a de Fernão de Oliveira. O primeiro dicionário da língua
portuguesa, no entanto, veio muito tardiamente: publicado entre 1712 e 1728, o Vocabulário
português e latino (Vocabulario portuguez e latino , no original), do padre Raphael Bluteau,
sacerdote de origens britânica, francesa e portuguesa. Tecnicamente, o primeiro dicionário,
assim nomeado, da língua portuguesa foi publicado, de fato, apenas em 1789, pelo brasileiro
(carioca) Antonio de Moraes Silva: trata-se do “Diccionario da lingua portugueza composto
pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva .
Logicamente, houve dicionários no período colonial brasileiro, elaborados no Brasil por
jesuítas. Eram bilíngues, e pode ser citado o Vocabulário na Língua Brasílica , manuscrito
anônimo do Português-Tupi do século XVI-XVII.
Portanto, como se vê, e repetindo as palavras de Ivo Castro, a história da língua
portuguesa começa na história do latim. Para estudar os registros históricos da língua
portuguesa, desse modo, é preciso incursão na filologia românica.
A origem dos estudos de filologia românica é consensualmente atribuída às duas obras
do alemão Friedrich Diez: Gramatik der Romanischen Sprachen [4] (1836) e Etymologisches
Wörterbuch der Romanischen Sprachen [5] (1854). Seguiu-lhe os passos seu discípulo austríaco
Hugo Schuchardt, com Vokalismus der Vulgärlateins [6] (1866). Depois dele, Meyer-Lübke
escreveu o capítulo “Die lateinische Sprache in den romanischen Ländern ” [7] , no 1º volume da
obra Grundriss der romanischen Philologie [8] , de Gröber (1888).
Voltando às questões de periodização da língua portuguesa, é concedida a primogenitura
dos estudos científicos dessa metodologia de periodização, por meio de balizas
arqueologicamente documentadas, a Antônio das Neves Pereira, no fim do século XVIII.
Muito próximo a ele, está Francisco Adolfo Coelho, que publicou, em 1868, obra com
este escopo, intitulada A língua portuguesa: fonologia, etimologia, morfologia e sintaxe.
Manuel Pacheco da Silva Júnior, com sua Gramática histórica , de 1878, foi outro nome
de envergadura no propósito.
A ele, seguiram-se os estudos de José Leite de Vasconcelos, que, após publicar inúmeras
obras, consolidou seu nome na filologia, no que concerne à história da língua portuguesa, em
1911, com Lições de Filologia Portuguesa .
A sábia Carolina Michaëlis de Vasconcelos elaborou, entre 1911 e 1913, o que viria a ser
duas obras fundamentais aos estudos da língua portuguesa: Lições de Filologia Portuguesa e
Lições práticas de português arcaico.
Em 1917, Augusto Epifânio da Silva Dias tem publicada, postumamente, sua Sintaxe
histórica portuguesa .
De Said Ali, a Gramática histórica da língua portuguesa , como nos ensina Bechara, foi
o concurso editorial das obras Lexeologia (1921) e Formação de palavras e sintaxe do
português histórico (1923), que não deixaram de imergir profundamente no problema da
periodização da história da língua.
Paul Teyssier foi erudito importantíssimo e muito original em suas investidas sobre os
problemas da língua portuguesa, inclusive a periodização ancorada em balizas comprováveis. A
primeira edição de sua História da língua portuguesa , de 1980, ganha edições até os dias de
hoje, dada a clareza e a objetividade com que o mestre trata o assunto.
Naturalmente houve outros estudiosos que contribuíram para a questão. Júlio Moreira,
J.J. Nunes, Antenor Nascentes, Jacques Raimundo, Mário Barreto, Silva Ramos, Sousa da
Silveira, Evanildo Bechara, Rodrigues Lapa, Celso Cunha, Lindley Cintra, Clóvis Monteiro,
Silva Neto, Pilar V. Cuesta, Ismael de Lima Coutinho, Rosa Virgínia Mattos e Silva, Ivo Castro,
Maurer Jr., Mattoso Câmara Jr. e muitos outros.
Sempre que necessários, recorreremos a muitos desses sábios a fim de mostrarmos
aspectos morfológicos da língua portuguesa pela perspectiva histórica.
Cabe aqui, um momento de inserção da História da ortografia portuguesa. Considero
importante que nos detenhamos em ortografia pelo fato de que, como mostrarei na PARTE II
desta coleção MORFOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA, a morfologia (plano do conteúdo)
se ancora na fonologia (plano da expressão), e esta, por sua vez, possui um subplano, que
denominei de “subplano gráfico”, correspondendo à ortografia e sua unidade epistêmica, o
grafema. Então, nesta parte da coleção, por estarmos tratando de história, é mister enveredarmos
pela história da ortografia, ainda que brevemente.
Cláudio Cezar Henriques lembra haver 3 períodos ortográficos da língua portuguesa,
iniciando-a em 1196. Divide assim:
a) O fonético, que coincide com a fase arcaica da língua, estende-se desde 1196
(data provável de uma cantiga de maldizer de João Soares de Paiva contra o rei
de Navarra: Ora faz ost´o senhor de Navarra , primeiro texto datado e escrito em
língua portuguesa) até o final do século XV [9] ;
Ainda com relação a essa fase arcaica, que que, como vimos, o galego e o português ora
se fundem, ora de distanciam, o que, diga-se mais uma vez, dificulta, na prática, a definição de
“romance” ou “romanço” galego-português, Bechara estabelece as seguintes balizas, que
analisaremos a seguir. Observe-se que todas elas dirão respeito a fatos morfológicos da História
Interna da língua portuguesa.
Há uma fase que se prolonga da segunda metade do século XIV até a primeira metade do
século XVI. Para Bechara, a mesma fase vai do início do século XV à primeira metade do século
XVI, já que, como vimos, ele estende a fase arcaica até o fim do século XIV. Ele a chama de fase
arcaica-média.
Serafim da Silva Neto, como vimos, abarca as fases a que Bechara chama de arcaica e
arcaica média sob a única denominação de “português arcaico”, que, segundo Silva Neto (1976,
p. 85), vai do século XII até o século XVI. Já vimos que a Reconquista (com a preeminência de
D. Sancho I) inicia, talvez, esta proposta de Silva Neto e ela, por sua vez, engloba toda a
complexidade, brevemente exposta acima, do caso do galego-português / galego e português e o
início e estabelecimento da prosa histórica:
Devemos salientar que, na segunda parte apontada por Silva Neto, houve também o
apogeu da prosa artística portuguesa, com Fernão Lopes, que escreveu a partir do início do
século XV (circa 1420) as obras Crônica de D. Fernando, Crônica de D. Pedro e Crônica de D.
João I. Seguiu-se a ele Gomes Eanes de Zurara.
Em todo esse período arcaico, segundo a proposta de Silva Neto, estabelecem-se, na
morfologia portuguesa, mudanças ou assentamentos em classes gramaticais como a dos verbos,
numerais, pronomes oblíquos átonos, pronomes possessivos, pronomes demonstrativos,
pronomes relativos, pronomes indefinidos, locuções, advérbios e conjunções .
Alguns exemplos arrolados são os que seguem (SILVA NETO, 1976, p. 100-3),
elaborados sinopticamente (e seletivamente) por mim:
A segunda parte que Silva Neto aponta viu, também, florescer o gênio da poética de
Camões, inserido no contexto do Renascimento. Para Ali e Bechara, Camões está, contudo,
inscrito em outro contexto, que veremos a seguir.
Rosa Virgínia acrescenta a importância do livro impresso a este tempo. Como vimos, a
primeira obra impressa em português foi o Tratado de Confissom , em 1489.
Como vimos, enfatizamos agora a fase que se prolonga da segunda metade do século XIV
até a primeira metade do século XVI.
Bechara (1985) nos ensina que a baliza por excelência é a queda do –d-, agora verbal, na
desinência da 2ª. Pessoa do plural, exceto nas formas em que hoje ainda persiste.
Explicitando o caso, havia a forma (vós) sabedes , que se tornou, hoje, (vós) sabeis ,
tendo passado por crase (vós) sabees , cuja ditongação (-ee- >-ei-) foi aspecto assimilatório
fonético natural.
O –d- intervocálico na segunda pessoa do plural persiste, ainda hoje, em alguns verbos
monossilábicos (e seus derivados prefixais), no presente do indicativo e nos imperativos
(afirmativos) daí oriundos, e em verbos com mais de uma sílaba na desinência modo-temporal
do futuro do subjuntivo e no infinitivo flexionado. Alguns exemplos que fornecemos de nossa
parte:
ALGUMAS FORMAS VERBAIS DO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO QUE MANTÊM O
–D- INTERVOCÁLICO EM “VÓS”
CRER: (vós) credes / crede (vós) / (quando vós) crerdes / (para vós) crerdes
LER: (vós) ledes / lede (vós) / (quando vós) lerdes / (para vós) lerdes
VER: (vós) vedes / vede (vós) / (quando vós) virdes / (para vós) verdes
REVER: (vós) revedes / revede (vós) / (quando vós) revirdes / (para vós) reverdes
IR: (vós) ides / ide (vós) / (quando vós) fordes (para vós) irdes
VIR: (vós) vindes / vinde (vós) / (quando vós) vós vierdes / (para vós) virdes
PÔR: (vós) pondes / ponde (vós) / (quando vós) puserdes / (para vós) pordes
TER: (vós) tendes / tende (vós) / (quando vós) tiverdes / (para vós) terdes
SER: sede (vós) [11] / (quando vós) fordes / (para vós) serdes
FAZER: (quando vós) fizerdes / (para vós) fazerdes
Mestre Said Ali (Gram. Histórica, I, 140) lembra que a tendência da síncope do
–d- persiste insistentemente nos sermões de Vieira, ao lado, como seria natural,
da forma plena: “para (vós) seres bem julgados” (5, 83); “se morreres no estado
presente, se não chegares a esse depois, que há de ser de vós?” (5, 152).
Acredito que este fato se explicaria não só prosseguimento da deriva, mas ainda
pela razão de já contarem os seiscentistas com mecanismos linguísticos outros
para distinção entre a situação respeitosa e a familiar. (BECHARA, 1985, p. 56)
Rumeu (2008), ao analisar cartas pessoais escritas entre a virada do século XIX para
o XX, observou que a forma mais recorrente ainda era o tu , no entanto, fatores
como o gênero, a expressão do sujeito e o parentesco influenciavam no emprego de
você . Além disso, a autora constatou que o você, nesse período, apresentava
indícios de pronominalização.
No entanto, sua análise vai até os anos de 1940, o que não nos permite visualizar a
implementação do você na segunda metade do século XX.
São, portanto, balizas do que Bechara nomeou fase ARCAICA MÉDIA (primeira metade
do século XV à primeira metade do século XVI):
1) Pronomes pessoais átonos em próclise mesmo em início absoluto: “Me traz água”.
2) Uso do pronome pessoal oblíquo como sujeito: “Pra mim fazer”.
3) Pronome pessoal reto em função de objeto: “Eu vi ela”.
4) Simplificação dos paradigmas flexionais dos verbos: EU versus NÃO EU/supressão
do VÓS : Eu amo, tu ama, ele ama, você ama, a gente ama, nós ama, eles ama.
5) Variação em número de apenas um elemento do sintagma nominal (o primeiro), seja
ele um determinante, seja ele o núcleo: “Os menino alto”; “Meninos comportado”.
6) Uso do pronome reto como sujeito em orações subordinadas cujas principais
possuam verbos causativos ou sensitivos: “Deixa eu ver” / “Escutei ele falar”
7) Uso do pronome reto como sujeito, seguido de gerúndio, e não de infinitivo, em
orações subordinadas cujas principais possuam verbos sensitivos: “Escutei ele falando”
[12]
.
Algumas dessas balizas, entretanto, ainda apresentam caraterísticas de estigmas em
determinados domínios discursivos. Com isso, podem ser categorizadas dentro de uma das
fases que levam da variação à mudança, estabelecidas por Fernando Tarallo segundo os
princípios da sociolinguística variacionista de Labov: 1) fatores condicionadores; 2)
encaixamento; 3) avaliação; 4) transição; 5) implementação. Para Coseriu, a mudança se
estabelece quando ocorre a adoção , devendo ser estes conceitos, portanto — mudança e
adoção —, considerados análogos no que se refere à linguística histórica.
CAPÍTULO 5
SOBRE A MORFOLOGIA VERBAL: DO LATIM AO PORTUGUÊS
Como em RE+CONQUIST+A+RE+MOS
Façamos uma sinopse das mudanças havidas na deriva do verbo da língua portuguesa
para, em seguida, aprofundarmo-nos em algumas que nos pareçam mais relevantes:
Como este livro trata de morfologia diacrônica, é fundamental lembrar que o verbo PÔR
e seus derivados prefixais são os únicos que, no infinitivo, perderam a vogal temática –E-
etimológica do latim, que, no entanto, reaparece em formas conjugadas do português
contemporêneo: põE, pusEste, pusEsse etc.
Os contemporâneos alomorfes de vogal temática se dão assim:
E > I
a) Particípio regular da maioria dos verbos desta conjugação: bebIdo, trazIdo;
b) Pretérito imperfeito do indicativo: vendIa, trazIa
I > E – Em algumas pessoas e números do presente do indicativo: partE, partEs etc.
Veremos que as formas dos verbos latins geraram verbos em português de maneiras que
nomeio DIRETAS, INDIRETAS e SINTAGMÁTICAS. As principais são as que seguem, e, em
cada uma delas, procurarei estabelecer por que a adoção dos conceitos DIRETO, INDIRETO,
SINTAGMÁTICO.
5.1.1 ÉTIMOS LATINOS DIRETOS
5.1.1.1
INFECTUM LATIM > IMPERFEITO (NÃO CONCLUÍDO) PORTUGUÊS
5.1.1.2
PERFECTUM LATIM > PERFEITO (OU MAIS-QUE-PERFEITO) PORTUGUÊS
Aqui, ao contrário do que ocorreu em 5.1.1, o aspecto foi transformado em seu oposto, na
mudança do latim para o português, ou mesmo suprimido:
Como vimos, da queda, no latim vulgar, do futuro simples do presente do latim, surgiram,
mediante sintagma ou locução verbal de INFINITVO + HABERE, os futuros simples do
presente e do pretérito em português. Reiterando-se:
AVER DE era “modo volitivo”, correspondendo a TER DE (ou TER QUE, em alguns
domínios discursivos do português contemporâneo). Já aparecem no Testamento de D. Afonso II
e nos Diálogos de São Gregório (século XIII), podendo existir o correlato AVER A:
Ei de fazer a obra
Avia de perecer
Sse meu filho ou mia filia que no meu lugar ouver a reinar
CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES PANCRÔNICAS SOBRE LOCUÇÕES VERBAIS COM
“TER” E “HAVER”
O verso destacado, extraído dos dois últimos tercetos de célebre soneto camoniano, não
se enquadra à norma padrão do idioma português contemporâneo: há uma concordância nominal
participial (em gênero; cf: “merecida”) inadequada à forma que a Gramática Normativa de hoje
prescreve.
Qual o motivo desse descompasso sintagmático? Revelaria ele algum descompasso
semântico explicitado no decurso da língua?
É o que esboçaremos neste capítulo.
Atualmente, a Gramática Escolar da Língua Portuguesa dividirá as conjugações verbais,
entre outras classificações que se atribuem às variações por que passa um verbo, em simples ou
compostas , no que denominam, mais especificamente, tempos simples e tempos compostos .
Estes últimos são formados por uma locução (ou sequência ou perífrase) verbal formada pelos
auxiliares “ter” ou “haver” e um particípio. Muitos desses tempos apresentam as duas
possibilidades de existência contemporaneamente, sem qualquer distinção semântica, apesar de
traços de variantes notáveis, como de cunho
estético, estilístico, diatópico, diafásico etc. É o caso dos correspondentes (1)
e (2) adiante:
Ademais, é mister ressaltar-se que, mesmo hoje, há um por assim dizer descompasso
entre o pretérito perfeito em suas formas simples e composta, respectivamente os números (3) e
(4) abaixo.
Como foi dito, duas questões devem ser analisadas: a) o fato de que nem sempre os
verbos “ter” e “haver” eram meramente relacionais (ou auxiliares), pois já houve tempo em que
eles representavam semanticamente ideias ou noções; b) o fato de que, depois de
gramaticalizados (ou ainda em transição), essas perífrases (ou sequências ou locuções) verbais
nem sempre tiveram diferença aspectual, o que, hoje, sobretudo no perfeito do indicativo, é
bastante perceptível.
A primeira questão a se considerar, quando se diz em gramaticalização de “ter” ou
“haver” com consequente formação de tempo composto, é a questão crucial da concordância,
que passa a ser neutra ou a não mais existir.
Este será o marco, ou o elemento balizador, que representará a passagem, que
naturalmente foi paulatina, do momento no português (português arcaico e arcaico-médio) em
que “ter” e “haver” expressam ou posse ou manutenção para o momento em que eles se
esvaziam semanticamente (português moderno), perdendo, repita-se a sujeição do respectivo
particípio acompanhante à concordância verbal com o termo não preposicionado.
No mesmo caminho, respectivamente ao que se disse sobre “ter” e “haver” o particípio
passado que os acompanhava se esvaziou e perdeu seu caráter lexical de adjetivo (quando
concordava em gênero e número com um complemento não preposicionado, que seria seu
suposto elemento modificado) e assumiu um caráter ou uma posição verbal, ficando sempre no
masculino singular. O fato é que, já no século XVI, é raríssimo haver concordâncias, e, quando
as há, ocorrem por razões estilísticas.
O fato é que essa gramaticalização, como salienta Eneida Bomfim, gera a seguinte
conclusão:
Pode-se afirmar que a concordância neutra foi motivadora para a não concordância
mesmo nos verbos intransitivos, o que foi gerando o processo de mudança aludido, qual seja o
de gramaticalização dos verbos “ter” e “haver”.
Ocorre que, num primeiro momento, como se mostrará, a concordância neutra
se deu em três circunstâncias, mas todas com os verbos transitivos diretos sem complemento
preposicionado:
Tal prática [- concordância] se via, embora raramente, na mesma obra em outros exemplos,
como em casos em que havia objetos diretos femininos, com o particípio no masculino singular,
no entanto, o que apontava para o processo de variação em curso que acabaria gerando a
mudança que ora se vê no português atual:
E, quando Cipion esto vyo, foy muy ledo e teve que lhe avya Deus
feyto muyta mercee(p. 105, 18)
E, quando alguũ dos príncipes de Roma viinha d´alguma grande
conquista que avya feito (p109, 9)
Estas cousas que avedes ouvydo (CGE: p.282, 16)
<CONCORDÂNCIA> na CGE
[+concordância] [-
concordância] [Neutra] TOTAIS
T % T % T % T
HAVER 44 64 9 13 16 23 69 100
TER 10 100 0 0 0 0 0 0
(Fonte: Bomfim, 2002, p.11)
Desse modo, as considerações aqui balizadas sugerem que a deriva da língua se imbui de
modificar questões semânticas de seus subsistemas (aqui, estudadas as alterações havidas no
traço nocional de ter e haver ).
Após isso, depois de ter-se iniciado o curso dessas modificações, a estrutura
morfossintática da língua, ao menos a da língua portuguesa, parece criar traços redundantes que
corroborem a passagem ou modificação, como foi o caso dos ajustes ocorridos na concordância
nominal (em gênero) do particípio de ter e haver para que estes dois verbos se consagrassem
como auxiliares formadores de perífrases de tempos compostos, patenteando-se o seu
esvaziamento semântico de verbos nocionais que eram.
Portanto, a língua adapta seus meios gramaticais às expressões semânticas, num esforço
nítido de criar igualdade entre o plano do conteúdo e o plano da expressão, na célebre dicotomia
de Hjelmslev-Martinet.
CAPÍTULO 7
VISÃO DIACRÔNICA DA GRAMATICOGRAFIA NAS DEFINIÇÕES DA CLASSE
DOS VERBOS E O PROBLEMA DA “VOZ VERBAL”
A definição da classe dos verbos, ao longo do tempo, nas gramáticas normativas e, mais
recentemente, nos livros de linguística, parece flutuar entre critérios que tangenciam a lógica
cognitivista, a semântica, o formalismo (verbo como entidade mórfica passível de flexões
específicas), a sintaxe (verbo como centro imprescindível da oração declarativa, embora presente
em outros tipos de oração), parâmetros pragmático-discursivos e, enfim, a soma de dois ou mais
desses critérios, em perspectivas que, pode-se dizer, acabam sendo híbridas. Essa proliferação de
pontos de vista torna a pesquisa em tela inicialmente difícil: “[....] a variedade e abundância de
doutrinas, tantas vezes contraditórias, são [....] não um índice de riqueza, mas de confusão e
desorientamento.” (Carvalho, 1973, p. XIII, v. I.)
Antes de partirmos a esse adejo histórico pelas gramáticas, ressaltamos, aqui, o fato de
que muitas delas não incluem como um dos acidentes próprios do verbo (uma vez que não
incluem este conceito na sua definição) o conceito de voz. Ademais, muitas gramáticas, quando
apõem o conceito aludido à definição de verbo, simplesmente o mencionam como um dos
acidentes próprios da classe morfológica perquirida, sem defini-lo, partindo diretamente às suas
supostas três ocorrências (ativa, passiva e reflexiva), que, com efeito, foram as adotadas pela
NGB [17] , e, após brevíssima definição semântica, baseada na dicotomia agente/paciente, partem
para exemplificações.
Sobre a NGB, aliás, valem essas palavras iniciais:
Outra importante gramática a seguir essa tradição, ora aplicada à análise da Língua
Portuguesa, foi a de Jerônimo Soares Barbosa (1822), que assim se expressa, em dado momento:
Por outra parte, sendo a gramática de qualquer língua a primeira teoria
que principia a desenvolver as ideias confusas da idade pueril; e
dependendo da exatidão de seus princípios o bom progresso nos mais
estudos, deve ela ser uma verdadeira lógica, que ensinando a falar
ensine ao mesmo tempo a discorrer. (Barbosa, 1792 [21] , Apud
Genouvrier & Peytard, 1974, p 140)
Grande parte do mérito dessas gramáticas, como se viu, foi a inserção do elemento do
significado (o que viria a chamar-se “semântica”, mais tarde) como fundamental à análise da
língua, da linguagem e da gramática. Antes disso (e, de certa forma, também depois, da
Renascença até os dias atuais), as gramáticas portuguesas buscavam, quase exclusivamente,
maneiras de adaptar as categorias da língua portuguesa às da língua latina, assim como, outrora,
as gramáticas da língua latina buscavam adaptar suas categorias às da língua grega.
Com efeito, essa tentativa de assimilação automática do latim para o português parece
ser uma das razões pelas quais a categoria de voz foi inserida, quase mecanicamente, no estudo
dos verbos. Isso porque, em latim, assim como em grego, havia desinências características para
definir a voz passiva, algo que passou a não acontecer na Língua Portuguesa. Portanto, a noção
de diátese grega, que Câmara Jr. (1957, p. 142, s.v. DIÁTESE), trata como sinônimo de VOZ,
passou a como que impor-se na terminologia gramaticológica da Língua Portuguesa.
Essa e outras tentativas de deslocamento automático das categorias formais latinas para o
português geraram múltiplos embaraços no arrolamento conceitual da gramática.
Com isso, ao fiarem-se peremptoriamente (ou até exclusivamente) no deslocamento de
categorias de formas , perdiam de vista muitas mudanças efetivadas ao longo da História da
língua que deveriam ser consideradas. João de Barros, por exemplo, “declina” em português,
uma vez que as declinações existem em latim:
1ª Declinação: a, e, i, o, u
Nom. A rainha As rainhas
Gen. Da rainha Das rainhas
Dat. À rainha Às rainhas
Acus. A rainha As rainhas
Voc. Ó rainha Ó rainhas
Abl. Da rainha Das rainhas (Barros, s/d [1540])
Observe-se como, na definição de Nebrija, diz ele que o verbo se “declina”, palavra que
se usava em latim, e, ainda, como o mesmo autor concentra-se nas categorias de modo e tempo
para distinguir o verbo das demais classes de palavras.
Com efeito, a palavra “flexão”
Sabemos, pela lição de Mattoso Câmara Jr., que “[....] o gramático latino Varrão (116
a.C. – 26 a.C.) distinguia entre o processo de derivatio voluntaria, que cria novas palavras, e a
derivatio naturalis , para indicar modalidades específicas de uma dada palavra.” (Câmara Jr.,
2001, p. 81). Assim, a derivatio naturalis corresponderia analogamente à flexão, ao passo que a
derivatio voluntaria estaria próxima ao conceito de derivação propriamente dita, ou
simplesmente derivação.
Antes, contudo, de definir o verbo segundo o critério formal da flexão (ou da presença de
desinências), as gramáticas filosóficas o conceituavam por parâmetros que, como vimos, eram
eminentemente lógicos, ligados à formulação do raciocínio. Assim, a gramática de Port-Royal
define verbo da seguinte maneira:
Observamos que a conceituação primeira dada por J. S. Barbosa é muito similar à dos
gramáticos de Port-Royal, na medida em que o verbo é, antes de tudo, definido como “uma parte
conjuntiva” que serve para “atar” o “atributo” ao “seu sujeito”, isto é, ocorre a mesma tricotomia
sujeito/verbo/atributo que permite a definição desses três membros.
No entanto, já aparece um critério que busca formalizar os conceitos lógicos passíveis de
ser expressos pelo verbo, como pessoa, número, modo, tempo e “maneiras de existir” (o que
viria a ser um vislumbre do que se estudaria posteriormente como aspecto).
Assim, Jerônimo Soares Barbosa não falará em vozes verbais. Ele subdivide os verbos,
ainda, em substantivos e adjetivos, sempre encarecendo que “[a essência do verbo] consiste
propriamente na enunciação da coexistência de uma ideia com outra, e não na expressão destas
ideias, que já para isso têm palavras destinadas nos substantivos e adjetivos [....] (op. cit. p. 132)
Para ele, o verbo substantivo, que seria o verbo propriamente dito, é o que viria a chamar-se
“verbo de ligação”, exatamente em conformidade com sua definição de que ao verbo cabe atar
ideias, e não enunciá-las de modo autônomo. Os verbos a que ele chama de “adjetivos” serão os
que, mais tarde, serão chamados de verbos “nocionais”.
Por fim, da análise de J. S. Barbosa, como dissemos, aparecem as 5 categorias (que ele
chama de “ideias acessórias”) seguintes:
Voltando à primeira das reflexões lançadas por Julio Ribeiro, há pouco aludidas, ele
sugere ser importante distinguir os verbos, seguindo a tradição estoica, de acordo com a voz em
que estão, sem, contudo, dar a definição para voz, senão, repita-se, no contraste do tipo de verbo
que a puder criar. Assim fala-nos o autor, evocando R. Schmidt [27] :
Autores como Gama Kury (1997, p. 38) parecem ter proposto solução exequível para o
problema, uma vez que a NGB não esposou a nomenclatura de “voz medial ou média”, pondo
todos os casos em que há pronome reflexivo junto ao verbo dentro do conceito de VOZ
REFLEXIVA, subdividindo-a de acordo com critérios de cunho semântico ou de conexão do
verbo com o sujeito a que se relaciona, isto é, utilizando-se, por assim dizer, critérios semânticos
e lógicos (cognitivos) para a subdivisão da voz reflexiva. Como veremos oportunamente, é
importante salientar, entretanto, que o mesmo Gama Kury (loc. cit.) adota a terminologia: VOZ
REFLEXIVA OU MEDIAL.
O outro autor anterior à NGB que queremos aqui trazer á discussão é Manuel Said Ali.
O autor define verbo da seguinte forma:
Como veremos, Said Ali definirá “voz”, chamando o que a NGB determinaria como voz
reflexiva de voz média ou medial, incluindo, nesta, uma possibilidade de alcance da
reflexividade propriamente dita ou da reciprocidade.
Para fecharmos este capítulo, cotejaremos, ora, três gramáticos cujas obras nasceram
depois da NGB, para observarmos como ocorrem suas definições de verbo.
Os primeiros serão Celso Cunha e Lindley Cintra, que estabelecem o que chamam de
“Noções preliminares”, assim expressando-se:
Anoitecera já de todo.
(C. de Oliveira, AC, 19) (Cunha & Cintra, 1985, p. 367)
Como parece ter ficado claro até aqui, as definições de verbo obedecem a critérios tão
variados, e que mudaram tanto ao longo dos séculos, que quaisquer conceituações acabam
encontrando guarida e justificativa segundo os parâmetros a que estiverem vinculadas.
No entanto, o que nos parece um caso a ser estudado, dentre muitos outros no que tange
à estrutura morfológica, semântica e sintática do verbo, é o que diz respeito à nomenclatura de
“voz reflexiva”.
Como sabemos, esta foi uma das três vozes que a NGB, concluída em 1958, estipulou
para os verbos.
Assim, Celso Pedro Luft, para explicar pontos relativos à então recém-instaurada NGB,
escreve sua Gramática resumida: explicação da Nomenclatura Gramatical Brasileira , e assim
define as vozes verbais, de modo a fugir de meandros semânticos que supostamente dificultem a
classificação, por calcarem-se ora na natureza do semantema do verbo em si, ora na relação
deste verbo com o sujeito, sob noções de agente ou paciente de alguma ação, que, por sua vez,
poderia ser intencional ou não intencional:
Voz é a “forma em que se apresenta o verbo para indicar a
relação que há entre ele e o seu sujeito” ( DFG [33] , s.v. VOZ) –
relação de: 1) atividade , 2) passividade , ou 3) as duas coisas
simultaneamente, ou seja, reflexividade . A voz é:
1) ativa , quando o sujeito é agente, ou pelo menos ponto de
partida da afirmação (sujeito formal, gramatical): O lobo ataca , o
lobo morre, o lobo recebe um tiro ;
2) passiva , quando o sujeito sofre a ação verbal: O lobo foi
ferido ; feriu-se o lobo . A voz passiva se apresenta de duas maneiras:
com verbo auxiliar ou com pronome apassivador. E temos (cf. PG ,
§112 [34] ):
A) Com [Auxiliar + Particípio] – passiva analítica:
a) de ação (Aux. ser ): Ele é abraçado . Foi feita a emenda .
b) de estado (Aux. estar, andar, viver ) : Ele está (anda, vive)
cercado de amigos .
c) de mudança de estado (Aux. ficar ): Ele ficou rodeado por (de)
curiosos .
d) de movimento (Aux. ir e vir ): A mala ia (vinha) carregada pelo
homem .
B) Com pronome apassivador se – passiva sintética:
Consertam-se, remendam-se (verbos transitivos diretos) calçados .
Neste ponto, Luft, mais uma vez, recorre à sistematização de Gama Kury (Kury, 1959, §
112). Por essa razão, deixaremos a discussão do problema para ser trazida, primordialmente,
pelo próprio Gama Kury, que, em outra obra, assim se expressa: “Convém notar que sob a
denominação genérica “voz reflexiva” a NGB engloba outros casos diversos [….]” (Kury, 1997,
p. 38)
Antes de partirmos ao desmembramento empreendido por Gama Kury, analisemos
algumas definições para voz (quando as há) e, mais detidamente, as explicitações que se
apresentam para o conceito de voz reflexiva.
Para essa empresa, iremos, mais uma vez, a dois autores que antecederam a NGB, de
cujas conceituações para VERBO nos valemos até aqui, quais sejam Eduardo Carlos Pereira e
Manuel Said Ali. Em seguida, voltaremos aos autores que sucederam a Nomenclatura, para, por
fim, demonstrar que a terminologia de “voz reflexiva” engloba, como salientou Gama Kury
(loc.cit.) outros casos, razão, até, pela qual este autor, como veremos, manteve a terminologia de
VOZ MEDIAL.
Com efeito, certamente no escopo de simplificar e homogeneizar a lista de
terminologias, os autores da NGB parecem ter deixado de levar em consideração que, no que
chamam de “voz reflexiva”, há fenômenos de todo alheios à reflexividade [35] . Essa pluralidade
de fenômenos, nos dois autores anteriores à NGB que analisaremos, já eram esmiuçadas, e
acabou ficando, de certa maneira, vácua após a vigência da NGB, exceto pelas discussões
epilinguísticas levadas a cabo por gramáticos que escreveram suas obras após o documento em
questão.
Por ora, basta-nos salientar uma diferença havida entre o momento que antecedeu e o que
sucedeu a publicação da NGB no que tange aos estudos sobre voz verbal: antes da NGB, a voz
não é apresentada, como vimos, no quadro da morfologia do verbo; após a Nomenclatura, a voz
passou a figurar no âmbito da categoria morfológica. No entanto, por ela ser peremptoriamente
sintática (pois diz respeito à estruturação do predicado), houve muitos pontos obscuros sobre a
categoria em questão.
Há muitas gramáticas que, por isso, não definem “voz”, e partem diretamente aos
exemplos das construções que as caracterizam. Ademais, há conceituações polissêmicas ou
homonímicas, como a de que a “voz exprime a relação entre o predicado e o sujeito”, uma vez
que outras categorias verbais, como número, pessoa e mesmo tempo, também o exprimem. O
caso parece agravar-se quando se chega à análise da voz que a NGB chamou de “voz reflexiva”,
pelas razões que procuraremos perquirir abaixo.
Antes da NGB, Eduardo Carlos Pereira, ao tratar de vozes do verbo, restringe-se,
primeiramente, à demonstração por exemplos:
204. A ação verbal pode ser praticada pelo sujeito , como O soldado
feriu o preso ; ou recebida por ele, como: O preso foi ferido pelo
soldado ; ou, ainda, praticada e recebida pelo mesmo sujeito, como: - O
soldado feriu-se . No primeiro caso, o sujeito é o AGENTE da ação
verbal , e o verbo se diz estar na VOZ ATIVA; no segundo, o sujeito é o
RECIPIENTE ou PACIENTE da ação verbal , e o verbo se diz estar na
VOZ PASSIVA; no terceiro caso, o sujeito é, ao mesmo tempo, O
AGENTE e o PACIENTE da ação verbal , e o verbo se diz estar na
VOZ MÉDIA OU REFLEXA. (Pereira, 1956, p. 18)
Só em seguida, ele esboça uma definição para voz, que atrela o verbo, em sua expressão,
em relação ao sujeito:
Embora Eduardo Carlos Pereira ponha como sinônimo “voz reflexa e medial”, o que
Said Ali não faz (como veremos logo abaixo), ele, ora em consonância parcial com Said Ali,
classifica não a voz, mas o verbo de reflexivo, quando assim se manifesta:
Abaixo, entretanto, ele volta a divorciar-se da visão de Said Ali ao afirmar que “Não há
igualmente forma especial para o reflexivo, e tal verbo outra coisa não é senão a voz reflexa dos
verbos ativos-transitivos”. (id.ib.)
Said Ali, por exemplo, sem definir o conceito amplo de voz, explicita cada uma das três,
e, no caso que nos interessa, assim se manifesta:
Observamos que, neste caso, que Said Ali chama de 1 º, ocorre, rigorosamente, um
sujeito consciente, intencional ou não, que age sobre si mesmo, recebendo, portanto, o resultado
da própria ação.
Neste 2 º caso, percebe-se que se agrupam, para Said Ali, tanto os casos em que o sujeito
não dispunha necessariamente de consciência e intencionalidade sobre a ação, como,
principalmente, o matiz semântico de que a ação que o sujeito sofre (paciente) não foi por ele
empreendida, não podendo ser este mesmo sujeito chamado, portanto, de agente. É o caso das
frases cujos sujeitos são Renato (feriu-se nos espinhos) e O menino (afogou-se).
Said Ali arrola, também neste caso, o que se pode insinuar como o caso dos seres
inanimados: O gelo (derreteu-se). Por fim, parece que ele arrola um dos verbos essencialmente
pronominais com sujeito animado (zangou-se), pelo simples fato de, no caso, esta frase poder
converter-se no paradigma por ele proposto como modelar, qual seja a substituição do verbo com
o pronome reflexivo pela perífrase ficar + particípio: Carlos zangou-se com o irmão [= ficou
zangado]. Este último caso, como veremos, só não poderá aparecer no 4 º caso, que veremos
abaixo, pelo fato de que, nos exemplos do 4 º caso, não se pode recorrer á substituição pela
perífrase citada, embora, em ambos, o sujeito apareça “vivamente afetado”.
3 º Ato material ou movimento que o sujeito executa em sua
própria pessoa, idêntico ao que executa em coisas ou outras pessoas,
sem haver propriamente a ideia de direção reflexa como no 1 º caso:
Aqui, Said Ali parece arrolar, antes de tudo (embora não sejam seus primeiros
exemplos), verbos acidentalmente pronominais, com parte expletiva, isto é, verbos que, com
pronome reflexivo ou sem ele, expressarão a ideia de que o sujeito praticou e sofreu a ação. São
os casos de A mãe deitou -se na cama (cp. = A mãe deitou na cama ) e Sentamo -nos no sofá (cp.
= Sentamos no sofá).
Dos dois outros exemplos (os dois primeiros), ainda deste caso 3º , parece que a única
diferença substancial em relação ao 1º caso é o fato de que, neste 3º, a ação praticada pelo
sujeito precisa ser praticada por ele (que, com efeito, ao que se sugere, precisa ser um ente
animado) integralmente, ou seja, por seu ser integral, por todo o seu corpo.
Assim, a diferença que parece haver entre matar-se , de um lado, e afastar-se/arremessar-
se , de outro, nem é o fato de que afastar-se e arremessar-se poderiam dizer respeito a outra coisa
ou pessoa, pois matar também poderia (cf. Pedro matou o réu). A diferença, como dizíamos,
parece ser a de que, em matar-se , o ato pode ter sido desferido por uma parte do corpo (por
exemplo, a mão), ao passo que, em afastar-se/arremessar-se , somente o corpo todo poderia ter
praticado a ação que, portanto, recai sobre esse mesmo corpo todo. Este parece, pois, ter sido o
critério adotado por Said Ali para separar os semantemas em questão em casos distintos (1º e 3º).
Ousaríamos dizer que Said Ali, pelo que sugere seu parâmetro, arrolaria casos como A
menina se penteava deveriam ser colocados, a priori , no 1º caso. No entanto, como veremos
abaixo, ele abre um espaço para elencar os verbos que chama de “reflexivos”, casos em que se
poderia adjungir as expressões a si mesmo, a si mesmos, a si mesma, a si mesmas . Com isso, a
lacuna para o 1º caso parece preencher-se tão somente com a (parcimoniosa) constatação de que
o ato praticado pelo sujeito agente obteve uma consequência irreversível; muito embora essa
constatação, até pela exiguidade do único exemplo dado, pareça demasiado especiosa.
O que se precebe aqui são os verbos essencialmente pronominais, de que fazem parte,
entre outros, suicidar-se (embora a simples fossilização do pronome não o afaste
semanticamente do exemplo dado no 1 º caso), esgueirar-se, arrepender-se, condoer-se, abster-
se, dignar-se, indignar-se .
Com efeito, Said Ali dirá, abaixo: “OBSERVAÇÃO. – Verbos que sempre se usam na
voz média, como atrever-se, queixar-se, denominam-se VERBOS essencialmente
PRONOMINAIS” (Ali, id. ib.).
Ainda sobre o 4 º caso, Said Ali arremata dizendo:
Da conclusão de Said Ali, e após lido tudo o que ele tece sobre a voz medial , percebe-se
que o critério primordial é em relação à significação do verbo (critério semântico), à sua
interferência sobre o sujeito, incluindo a potência do resultado adquirido (critério lógico ou
cognitivista), à possibilidade de excluir-se o pronome reflexivo sem perda da noção de
reflexividade (critério morfossemântico). Ou seja, de uma forma ou de outra, a análise precisa
passar, antes de tudo, pela natureza léxica do verbo e, em alguns casos, é preciso conectar-se
essa natureza léxica à do próprio sujeito (se é ser animado ou inanimado, se a consciência e a
intencionalidade são imprescindíveis, sugeridas ou improváveis).
Perceba-se, por fim, que, no único momento em que Said Ali usa o termo “reflexivo”, ele
faz menção ao verbo , e não à voz (q.v. 4º caso). Isso sugere que, para ele, a reflexividade não é
condição sine qua non para o que a NGB viria a chamar, exatamente, de voz reflexiva . Tratar-
se-ia, para o gramático em tela, apenas de uma possibilidade da voz medial .
Para arrematarmos a questão, parece-nos importante voltarmos, antes da pesquisa sobre o
que dizem os autores pós-NGB, às judiciosas palavras de Eduardo Carlos Pereira sobre a questão
da voz média ou reflexa em cotejo com os verbos reflexivos, numa comparação que vai
diacronicamente ao latim e ao grego, lançando luzes sobre a questão, mesmo do ponto de vista
sincrônico:
Com estudos mais aprofundados sobre a natureza da voz, constatou-se que, na voz
reflexiva, o sujeito é sempre caracterizado, de fato, como paciente. Ele até pode cumprir a
função de agente , e em alguns casos o faz, mas ele deve, inevitavelmente (como se verá nos
casos logo abaixo, analisados por Said Ali, e nos gramáticos posteriores à NGB), cumprir a
função de paciente . Portanto, o papel de paciente é sempre o do sujeito, e, só ocasionalmente,
esse papel também pode ser o de agente. Exemplos:
É de se notar, como será explicitado abaixo, que Azeredo (2011), assim como Gama
Kury (1997), prefere a denominação de voz média, e não reflexiva. Outro teórico
contemporâneo, Luiz Carlos Travaglia (Travaglia, 2011), adotará, como também será mostrado,
a possibilidade de 4 vozes: ativa, passiva, reflexiva e média.
Voltando à análise empreendida por Azeredo (2011), o autor passa a judiciosas
constatações teóricas e empíricas sobre o problema (semântico) de que o sujeito deva ser
encarado como alguém ou algo que “pratica” a ação, sendo, pois, sempre que isso acontece,
supostamente, um “agente”.
Assim, elenca três fatores segundo os quais as palavras se distribuem na construção das
orações:
E conclui: “Tais possibilidades posicionais são em parte previstas pela categoria sintática
da voz conforme definimos em 12.1” (Azeredo, id.ib. Grifei.).
Como se percebe, Azeredo não abre mão da preocupação formal, estruturalista (no fato
número 1, acima, ao tratar de enquadramento sintagmático), nem das questões semânticas,
pragmáticas e discursivas (no fator número 2), nem, tampouco, da questão peremptoriamente
gramatical, qual seja a de elemento que busca descrever as categorias relacionais does elementos
do discurso (no fator número 3), e, com a conjugação desses 3 fatores, conclui que a voz é uma
categoria sintática , por ater-se à sua descrição dentro do plano da gramática ou da
gramaticologia.
Adiante, passa a criteriosa observação semântica sobre os verbos e “os significados
relacionais com o sujeito” (12.3, cf. Azeredo, 2011, id.ib.). Como tratarei dessa questão adiante,
não pretendo, por ora, me prolongar na importante discussão empreendida pelo gramático em
questão, uma vez que, repita-se, ela será feita adiante.
À frente, Azeredo coteja as vozes passiva e ativa, enfatizando a perspectiva do
enunciador (o ponto de vista) e a capacidade de geração de inferência recíproca de uma dessas
vozes quando se enuncia a outra.
Passemos, agora, às conceituações de voz reflexiva empreendidas após a NGB por três
grandes expoentes da gramaticografia portuguesa: Celso Cunha, Lindley Cintra e Evanildo
Bechara. Em seguida a essas definições, exporemos as sínteses que nos parecem mais adequadas
à problemática da voz reflexiva da NGB, esquematizadas por Azeredo (2011) e Gama Kury
(1997).
Para Bechara,
OBSERVAÇÕES:
1ª) Com verbos como atrever-se, indignar-se, queixar-se,
ufanar-se, admirar-se , não se percebe mais a ação rigorosamente
reflexa, mas a indicação de que a pessoa está vivamente afetada [39] .
Com os verbos de movimento ou atitudes da pessoa “em relação ao seu
próprio corpo” como ir-se, partir-se e outros como servir-se , onde o
pronome oblíquo empresta maior expressividade à frase, também não
se expressa a ação reflexa. Alguns gramáticos chamam o pronome
oblíquo, nestas últimas circunstâncias, pronome de realce.
2ª) A voz reflexiva, no plural, pode assumir sentido de
reciprocidade:
Observamos que Bechara prevê a possibilidade de, naquilo que a NGB chamou de voz
reflexiva, não haver, por critérios semânticos, nenhuma noção de reflexividade propriamente
dita.
Já para Cunha-Cintra, a conceituação para voz reflexiva parece ser explicitamente formal
(mais especificamente morfológica) e apenas subjacentemente semântica:
Dessa feita, o que se compreende da lacônica demonstração dos autores é que eles só
consideram a voz reflexiva aquela em que, de fato, haja uma pessoa que seja agente da ação
verbal (pratique-a) e paciente dessa mesma ação/consequência (receba-a). Parece-nos, até, muito
coerente que, pela definição amplamente exposta de que “na voz reflexiva o sujeito seja agente e
paciente da mesma ação verbal”, Cunha-Cintra, embora nem tenham definido a voz reflexiva por
esse critério semântico e relacional, hajam optado exclusivamente por exemplos em que o sujeito
cumpria os pré-requisitos, por assim dizer, para a consecução da voz reflexiva (ou reflexiva
propriamente dita , para muitos autores, como próprio Gama Kury, abaixo analisado. Cf.Kury,
1997).
No entanto, os mesmos autores, adiante, retomam a questão da voz reflexiva,
apresentando-lhe, ora, um critério antes de tudo morfológico (presença do pronome reflexivo) e
sintático (com função do objeto). Assim como Bechara o fizera acima (q.v.), Cunha-Cintra
também parecem, num primeiro momento, concentrar exclusivamente em pessoas a
possibilidade de a voz reflexiva ocorrer, pelo que se retira de sua conceituação prévia; no
entanto, com os exemplos, vemos que essa constatação não se consubstancia. Dizem eles:
VOZ REFLEXIVA
Observação:
Antes de partirmos às propostas de Azeredo e Gama Kury, vale a pena trazer as palavras
de Travaglia sobre as vozes e possibilidades de abordagem desse trabalho na realização da
prática de ensino/aprendizado em sala de aula:
7) Voz
Da compreensão dos itens que Travaglia propõe acima que se trabalhem em sala,
considero importante tecer alguns comentários. O primeiro, diz respeito à constatação (presente
na letra a) de que o autor privilegia a definição das vozes, como “categoria verbal” (q.v.) pela
sua característica relacional entre o sujeito e o verbo, e que essa característica é de cunho, antes,
semântico: “atividade, passividade ou ambas” (q.v.).
Voltaremos a tocar no ponto de agente/agentividade/atividade; paciente/passividade e
suas implicações sobre a conceituação das vozes, principalmente na da que a NGB chamou “voz
reflexiva”, por ser a que, em tese, não pode prescindir de um sujeito simultaneamente agente e
paciente.
Na letra b) de sua proposta de plano de aulas ou discussões, Travaglia aventa a
possibilidade de haver outras teorias (cf. “conforme a teoria”, q.v.) que possibilitem a definição
das vozes, e que, por algumas delas, o estudo não cessa na voz reflexiva, mas na medial. Repare-
se que, para o autor, a reflexiva (embora aqui não haja exemplo, mas apenas a explicitação pelos
adjuntos adnominais) parece encerrar-se no caráter “simples” (ao que tudo indica, o que Gama
Kury, 1997, chamará de “propriamente dita”) e “recíproca”. Parece-nos, pois, que tudo o que não
encerra ideia de ação praticada pelo sujeito (o que ele chama em a) de “atividade”), de ação
recebida pelo sujeito (o que ele chama em a) de “passividade”) e, finalmente, de ação praticada e
recebida pelos sujeitos cada um para si mesmo , ou pelos sujeitos uns aos outros
(respectivamente a voz reflexiva simples e a recíproca), deve ser colocado no estatuto de “voz
medial”.
As letras d) e e) serão discutidas.
Azeredo, como demonstrei no início deste subitem, defende a definição antes de tudo
formal para o conceito de voz: “A voz é expressa por um sistema de recursos sintáticos que
definem certos padrões formais do sintagma verbal” (Azeredo, 2011, p. Grifei. q.v.). Isso está em
consonância com o método Estruturalista de fatura gramatical (ir-se da forma à significação e
não o contrário). Assim, Azeredo não descarta a perquirição semântica, mas não parte dela para
achar formas que porventura lhe convenham.
É desse modo que, ao iniciar a discussão sobre a derradeira das vozes (chamo
“derradeira” por ser a que necessita da simultaneidade de um sujeito agente e paciente, ao menos
num primeiro nível de análise, que se mostrará, como veremos, relativamente falho), Azeredo
propõe um trinômio entre pronome reflexivo / verbo pronominal / voz média. Cf. “12.6 Pronome
reflexivo, verbo pronominal e voz média ” (Azeredo, 2011, p. 270).
Com isso ele articula, como será explicitado abaixo, antes de qualquer critério, o critério
formal (morfológico), qual seja o da necessidade de presença do pronome reflexivo . Com efeito,
nenhum gramático relutaria em aceitar que a condição propedêutica (necessária, mas não
suficiente) para a existência da voz reflexiva é a existência de um pronome reflexivo. Talvez,
até, seja este um dos motivos da determinação terminológica “voz reflexiva ”, que poderia, como
que por metonímia, ser oriunda do fato de que não pode ocorrer sem o “pronome reflexivo ”,
muito embora a noção de reflexividade (sobretudo no que tange, como veremos, à questão de um
sujeito que tenha de deflagrar a ação, o que nem sempre ocorre na “voz reflexiva”) não venha
sempre a se consolidar.
Para além desse, vai a um semântico-discursivo, e aponta o impasse intrínseco à
afirmação de que a voz reflexiva é aquela em que o sujeito é agente/paciente da ação verbal,
quando estabelece distinções entre construções pronominais [41] que podem ser, por exemplo,
com verbos de “sentimento” e de “ação”. Para ele, quando ocorrem verbos de sentimento em
construções pronominais, o sujeito do que se chamaria “voz reflexiva” não é agente, mas apenas
paciente do processo verbal. Ele exemplifica, com muita propriedade, verbos como alegrar-se,
“indignar-se, desesperar-se, aborrecer-se, entusiasmar-se, enfurecer-se, entediar-se ” (Azeredo,
id.ib.).
Por fim, ao estabelecer a terminologia “voz média”, em vez de “voz reflexiva”, ele o
justifica da seguinte feita:
A proposta de síntese acima efetuada por Azeredo nos parece a que mais amplamente
contempla e açambarca a questão da voz reflexiva, sendo esta, para ele, como vimos, um subtipo
da voz medial.
Partiremos, agora, à sistematização efetivada por Gama Kury, pois que, embora sem os
rigores teóricos e metodológicos que colacionamos da visão de Azeredo, é, entretanto, bastante
didática. Em seguida, no capítulo derradeiro deste trabalho, reiteraremos e arremataremos alguns
casos que pareceram ou ficar suspensos ou carecer, ainda, de desdobramentos, a fim de que se
demonstre, ao cabo, que o processo de gramaticalização pode ser considerado como hipótese
verossímil para a explicação de tantos e tão complexos elementos que se levam em conta quando
da análise das vozes verbais, em especial da “voz reflexiva” (cf. NGB).
Começa Adriano da Gama Kury:
Observamos, da análise deste primeiro caso, em cotejo com as que faremos a seguir, que,
para Gama Kury, a voz reflexiva seria, tão só, a que, de fato, há um sujeito que exerce e recebe a
mesma ação. Sua sistematização prossegue, adotando, doravante, exclusivamente o termo “voz
medial” para as suas descrições.
Conforme eu expus no subitem em que analisei Said Ali como um autor a tratar das
vozes antes da NGB, essa sua classificação causa embaraços, por não deixar claros os critérios
utilizados. De certa forma, como eu dizia neste subitem de agora, com a análise e sistematização
feita por José Carlos Azeredo, um pouco acima (q.v.), este autor parece debelar muitos impasses
de ordem metodológica quanto ao arrolamento proposto por Said Ali.
Ainda tratando da voz medial dinâmica, Gama Kury prossegue:
Dois tópicos chamam a atenção nessa descrição. O primeiro, é o fato de que, à frente,
Gama Kury dirá que verbos intransitivos não possuem voz ativa nem passiva, pois seriam
neutros (Cf. “Obs. 2 – Os verbos intransitivos, transitivos indiretos e de ligação não têm voz
ativa nem passiva: são neutros” Kury, 1997, p. 40). O segundo diz respeito à noção que Gama
Kury estabelece ao dizer que se trata de “ação executada com vivacidade, ou espontaneamente”,
pois, como vimos na discussão que Azeredo propõe, o critério de motivação, consciência, ser
animado e, ora, espontaneidade, parece, vez por outra, circular as tentativas de conceituação de
voz e, antes disso, de agentividade e passividade.
Por fim, Gama Kury fala numa
CAPÍTULO 9
AS NOÇÕES “GRAMATICAIS” DE AGENTE, PACIENTE E VOZ: CASOS DE
GRAMATICALIZAÇÃO?
Considero importante, neste momento, tecerem-se alguns comentários acerca das noções,
que se querem considerar gramaticais, de agentividade e passividade, as quais, como sabemos,
carreiam a epistemologia sobre vozes e, em especial, sobre voz reflexiva ou voz medial.
Procurarei ater-me estritamente ao âmbito das terminologias adotadas nas gramáticas
normativas, já que é esse o escopo deste capítulo, não me lançando, pois, às soluções (conquanto
relevantes) levantadas pela Linguística, pela Pragmática, pela Análise do Discurso.
Como sabemos, nossa tradição gramaticológica e, consequentemente, gramaticográfica,
baseia-se no Estruturalismo como sua ciência-piloto. Essa constatação se dá pelo fato de que
nossos compêndios gramaticais são baseados na comutação (não apenas de fonemas, como
sugere Câmara Jr., 1956, p. 113, s.v. COMUTAÇÃO).
Para o mesmo estudioso, o Estruturalismo é
Observamos que Mattoso Câmara lança mão da terminologia proposta por Ferdinand de
Saussure na descrição de uma língua (“estrutura”, “sistema”, “rede de associações”) e considera
que a gramática deva pautar-se nesses pressupostos a fim de ser adequadamente constituída.
Leodegário Amarante de Azevedo Filho, em sua obra Para uma gramática estrutural da língua
portuguesa (Azevedo Filho, 1971), propugna, como o próprio título explicita, pela mesma
técnica de fatura.
Em termos gramaticográficos, podemos dizer que, sob a égide do Estruturalismo, deve-
se partir da FORMA em direção ao SENTIDO, e não vice-versa. Assim sendo, muito do que nos
parece obscuro, na seara da voz reflexiva/média (e até nas outras vozes verbais, como
mostraremos abaixo), provém da busca concentrada, inicialmente, no sentido, que procura como
que adequar as formas existentes a tais sentidos (ou conceitos) previamente estabelecidos.
Começo tratando da questão do sujeito PACIENTE. Ora, não é preciso investigar um
grande número de gramáticas para observar a quase unanimidade em definir-se esse sujeito
como “aquele que sofre/recebe a ação verbal”.
Como sabemos, e como demonstramos exiguamente acima, o sujeito paciente não é
exclusivo da voz passiva, pois ele ocorre, também, na medial ou reflexiva e, em muitos casos,
até na ativa.
Sobre a questão do sujeito paciente na voz ativa, já Eduardo Carlos Pereira lançara a
noção de “passividade”, quando descreve o que ele chama de VERBO PASSIVO:
251. Verbo passivo é o que expressa uma ação recebida pelo
sujeito, que, neste caso, se diz paciente da ação verbal, exemplos: O
inimigo foi ferido por eles. – A porta foi aberta por mim.
Os verbos – foi ferido, foi aberta, indicam uma ação recebida
pelos respectivos sujeitos.
252. Não há em português, forma simples ou sintética para o
verbo passivo, como havia no latim e no grego. O que se chama verbo
passivo não é mais que a voz passiva [...] (Pereira, 1956, p. 161)
Em seguida, Pereira descreve 3 processos “de que se vale a língua para indicar
passividade” (id. ib.).
Como se percebe (em 252, acima), os dois primeiros processos restringem-se à descrição
das vozes passivas respectivamente analítica e sintética. O 3º processo, entretanto, escapa da
noção de voz passiva, e dá ao verbo o estatuto semântico de fazer recair a ação sobre o sujeito.
De minha coleção pessoal, trago dois exemplos da literatura lusófona que corroboram o
uso desse emprego de passividade em voz ativa.
[....] e d. Aurora se espantava, querendo saber se a vesga ficava naquilo
ou se ia expor coisas mais fáceis de entender . (Ramos, 1997, p. 93,
grifei)
Por essas constatações, acabamos concluindo, de certa forma, que a definição de sujeito,
vem como a de verbo, deveria ser peremptoriamente formal, morfossintática, e que as discussões
semânticas, como a de agentividade e passividade (e, consequentemente, a das próprias vozes
verbais), deveriam tão somente abastecer a epilinguagem reflexiva do âmbito da articulação
entre gramática normativa e teorias do discurso.
Para abordarmos outro ponto sobre a questão da vinculação quase inquestionável, no
ambiente escolar-gramatical, entre “sujeito” que, pelo simples fato de flexionar em número e
pessoa o verbo na voz ativa (ou, em alguns casos, reflexiva), seria “agente”, coletamos o que se
pode chamar de “circunstâncias” (tiro o termo de empréstimo da semântica dos advérbios, como
se verá) outras que não a de agente, para o sujeito que flexiona o verbo nas categorias acima
apontadas: instrumento, lugar, origem, causa, meta [49] . Contribuo com a lição lapidar do
Professor com duas outras circunstâncias (meio e finalidade), que me parecem igualmente
verossímeis à adjunção do papel semântico frequente do sujeito, e ponho, de minha lavra, os
exemplos que me parecem adequados às descrições propostas:
Por fim, indo, agora, a uma questão que tangencia a da voz de que este capítulo mais se
ocupa – a voz reflexiva ou medial –, precisamos, mais uma vez, recorrer à metalinguagem
praticamente unânime nos compêndios gramaticais acerca dela: “é a voz em que o sujeito pratica
e recebe a ação verbal”.
Mais uma vez, por se basear nos fugidios conceitos de “agente” (que “pratica” a “ação”)
e “paciente” (que “recebe” aquela mesma “ação”), apresentamos três versões semânticas
análogas de oração (sobre o ser animado, motivado, consciente e intencional do enunciado
praticar e receber a ação), que, contudo, estão nas três vozes que a NGB agasalhou como
vinculadas ao estudo do verbo:
1a) O menino se chicoteia . – Voz reflexiva (cf. NGB): Sujeito pratica e recebe a
ação.
2a) O menino chicoteia a si mesmo . – Voz ativa (cf. NGB): No entanto, o sujeito
pratica e recebe a ação.
3a) O menino foi chicoteado por suas próprias mãos [50] . Voz passiva (cf. NGB):
No entanto, o sujeito pratica e recebe a ação.
Proponho agora, como eu dissera, análise proveniente do contraste entre as duas orações
seguintes:
1b) O pai sacrificou a vida toda pelos filhos . – Voz ativa (cf. NGB)
2b) O pai se sacrificou completamente pelos filhos . Voz reflexiva (cf. NGB)
Nem falarei tanto na possibilidade de falar a “mesma coisa” de modos diferentes, que
Travaglia (2011, q.v. acima) e Azeredo (2011, este ao falar que podem ser ditas de formas
análogas , mas não idênticas , q.v. acima) ressaltaram.
Em 2b), a voz reflexiva obedece a todos os critérios, mesmo os mais rigorosos, para ser
assim classificada na tradição gramaticográfica contemporânea: presença do pronome reflexivo,
sujeito agente e paciente a um só tempo, sujeito como uma pessoa , consciente, motivada,
voluntária (parece ser este um critério adjacente a muitas subcategorizações da voz reflexiva,
pois que uma “ação” precisaria de uma voluntariedade).
O que me parece digno de nota é o fato de que, em 1b), o sujeito (O PAI) e o objeto
direto (A VIDA TODA) parecem-me, por metonímia, representar o mesmo referente, já que “o
pai” e a sua “vida toda” são indissolúveis do ponto de vista de referencial. Assim, pela lógica, se
O PAI e A VIDA TODA (DELE) constituem o mesmo ente, concluímos que o sujeito pratica a
ação (do sacrifício) que recai sobre o próprio sujeito, apenas travestido sintaticamente de objeto
de direto, porém representante semântico e semiótico, na verdade, do mesmo sujeito. Portanto, a
frase 1b), não apenas por dizer “a mesma coisa” que a na voz reflexiva (2b), mas por constituir,
por conexão semiótica, caso em que o referente-ícone O PAI aparece com um hipônimo (ou
hiperônimo?), SUA VIDA TODA, reiterado, caracteriza, no fundo, um exemplo de sujeito que
pratica a ação, a qual é recebida por ele mesmo.
Referente: X
Logo:
< SE >
< SE >
[SE semanticamente reflexivo] > [SE Ø reflexivo]
[voz reflexiva] > [voz medial]
Quero dizer, por derradeiro, que, quando a discussão que envolve agentes, pacientes e
vozes entra na fatura de gramáticas normativas, ocorreu gramaticalização, pois o caminho do
sentido em direção à forma, num continuum de maior ou menor abstração ou concretização
(fossilização), caracteriza o processo de gramaticalização, não apenas em relação a itens dos
inventários aberto > fechado, como, de acordo com o que quis demonstrar, também em relação a
tipos de macroconceitos da gramaticografia, como os que ora dou por encerrados neste capítulo.
À guisa de um como que epílogo, todavia, devo dizer: constata-se que, exatamente por
provir de processos plurais, ocorrendo em diversos campos do discurso e da semântica, que
entram na gramática por vias várias, a Teoria Geral da Gramaticalização busca a explicação dos
fenômenos que comprovam que o compêndio gramatical é, na verdade, um fluxo ininterrupto de
fatos e interpretações que somente a análise pancrônica conseguiria abarcar satisfatoriamente. E
mais: que mesmo o recorte num ponto sincrônico não impede que se vejam fenômenos em plena
mudança (não apenas variação dialetológica ou diafásica) que devem, de alguma forma, como
todos os autores acima pesquisados o fizeram, ser discutidos e refletidos. Este ponto sincrônico,
para a gramaticografia, parece estar sempre reclamando subterfúgios diacrônicos (daí a escolha
inevitável pela pancronia como método ancilar) com que se lançam luzes à sua elucidação
honesta e transparente.
CAPÍTULO 10
FORMAÇÃO DO LÉXICO: CAMADAS DA CONSTITUIÇÃO DO LÉXICO: FUNDO
INTERNO ( ERBGANG ) E FUNDO EXTERNO ( LEHRGANG )
Como vimos ao longo deste livro, a formação do léxico de uma língua — e nossa nau foi
a língua portuguesa — obedece a características morfológicas atreladas à História Externa de um
povo, que contribui para as mudanças ocorridas na História Interna. (Q.v. capítulos 1 e 2.) É
desse modo que a Dialetologia, sincrônica ou diacrônica, e as Sociolinguísticas contribuem para
o conhecimento da deriva de um idioma. É desse modo, também, que o estudo da Linguística
Histórica vem ao encontro do arcabouço teórico e prático com que o investigador de História da
Língua deverá lidar.
Vimos, também, que a História Interna, entretanto, muitas vezes pode ser estudada de
forma por assim dizer autônoma das idas e vindas do povo que falava certa língua investigada —
e parece ter sido este um dos postulados de Saussure, a língua em si e por si, infelizmente tantas
vezes levado ao sofisma.
É comum, entretanto, apesar de toda a gama de fenômenos que comprometem a
morfologia, culminando na formação do léxico de uma língua, dividir-se a formação do léxico,
numa perspectiva mais simples (mas nem por isso “simplista”) em duas grandes e básicas
CAMADAS: a interna, hereditária ou transmitida e a externa, adquirida ou incorporada.
“Distingue-se, no vocabulário de qualquer língua, uma camada interna, indígena – e outra
externa ” (SILVA NETO, 1976, p. 131).
Como veremos ao longo deste capítulo 10, podemos dizer que a essas camadas
correspondem os seguintes elementos, que veremos nas seções e subseções deste mesmo
capítulo 10:
CAMADA INTERNA: evolução (deriva) e neologismos
CAMADA EXTERNA: empréstimos (incluindo-se os vocábulos cultos
ou eruditos)
Vamos, portanto, partir ao que importa em cada uma dessas camadas e seus elementos
norteadores.
Esta camada se processa de uma geração a outra. É a que mais comumente se chama de
camada “vernácula”, pois está ligada aos meios espontâneos que os falantes nativos ou
proficientes de uma língua utilizam para manter a sua deriva em andamento.
As palavras podem passar de modo hereditário numa forma por assim dizer “inteira”,
como se fossem realmente o “inventário” de uma herança lexical. E lembramos que a
expressão “inventário” foi usada por Halliday, para referir-se ao léxico tanto em sua parte
aberta (os morfemas lexicais, como substantivos, adjetivos, advérbios), quanto em sua parte
fechada (os morfemas gramaticais, como conjunções, preposições).
Mas também seus morfemas, e apenas eles, podem ser transferidos de pais para filhos,
permitindo a criação neológica, que também é fenômeno hereditário na formação do léxico
de uma língua e na adequação deste a realidades novas que requeiram novos vocábulos que
as nomeiem.
Em resumo, “A [camada] transferida, [é aquela que] que passa de pais a filhos numa
sucessão ininterrupta desde o latim vulgar lusitânico até hoje” (SILVA NETO, 1976, p. 132).
Exemplos:
a) <au> > <ou> taurum > touro / paucum > pouco / ausare > ousar / laurum > louro
Os filólogos é que, a posteriori, observando a evolução fonética, coordenam e
sistematizam os princípios que regularam as transformações dos sons latinos. (
SILVA NETO, 1976, p. 134)
Não são “LEIS” fonéticas: “É força confessar, porém, que elas só servem para o
passado, são laços que prendem duas fases linguísticas, são simples
correspondências e não podem pôr-se em paralelo com as leis físicas e químicas.
(SILVA NETO, 1976, p. 134, itálicos originais)
Serafim da Silva Neto chega a listar possibilidades para que a transmissão ocorra:
Como vimos, o fundo hereditário pode se dar como numa espécie de “inventários”
herdados (aberto ou lexical propriamente dito e fechado ou gramatical), em que palavras e
torneios vêm de forma inteira. Quando isso acontece, o que sobressai é a deriva pura e simples
de uma língua, já que, ao receber os “inventários” variantes, mudanças e transformações
continuam a agir sobre eles.
Carolina Michaëlis de Vasconcelos (VASCONCELOS, 1946) ensina, complementando o
que se viu de Silva Neto. A Mestra ainda esmiúça as camadas apontadas (as herdadas) como
“primitivas” e “posteriores”, num giro didático importantíssimo. Observemos que ela trata, aqui,
dos casos de transmissão de inventários:
Seguindo as lições dos eminentes Mestres, vemos, ainda, que as palavras hereditárias, ao
contrário do que muitas vezes se propala, não são exclusivamente latinas, mas podem ter origens
outras. Vejamos algumas delas, extraídas sobretudo às lições de Mestra Carolina de Michaëlis:
“[....] povos que estavam então em relações comerciais e literárias com Portugal: [....]
Espanhóis, Provençais, Franceses, Italianos – mas também homens do Norte
(Escandinavos, Holandeses, Ingleses). De 1209 a 1500.” (VASCONCELOS, 1946: p.
311)
“A influência civilizadora, que a França exerceu nos séculos XI, XII e XIII e novamente,
embora de outro modo, nos séculos XIV e XV, foi realmente grande.
Já sabem que a França precedeu os outros países românicos em todos os campos de
cultura e que o seu mais antigo documento linguístico é de 842 [“Juramento de
Estrasburgo”].” (VASCONCELOS, 1946: p. 312)
BRASIL: acaju, goiaba, abacaxi, tapioca, mandioca, mingau, porão, jacaré, tatu, caipira,
garimpo, caboclo, cipó, chácara (VASCONCELOS, 1946: p. 320)
O NEOLOGISMO
A linguagem humana é feita de uma aparente estabilização e de mudanças
constantes. A estabilização dá ao indivíduo a sensação de tranquilidade
quando da aprendizagem linguística, mas as múltiplas atividades em que se vê
envolvido, seja no campo mental ou físico, exigem-lhe a criação de novas
formas para se expressar. Neste momento, surge a criação neológica.
(MARTINS, 2007: p. 68)
A camada externa é aquela que surge de modo mais ou menos ab-rupto no idioma. “A
[camada] incorporada, ou seja, aquela que não apresenta continuidade.” (SILVA NETO, 1976, p.
132)
10.2.1 EMPRÉSTIMOS
A face mais comum da camada externa está nos chamados EMPRÉSTIMOS, que tanto
podem compreender vocábulos estrangeiros, como estrangeirismos.
VOCÁBULOS ESTRANGEIROS são aqueles que vêm de outra língua e, na língua
portuguesa, mantêm sua grafia (e provavelmente sua pronúncia) como na língua de origem. Até
o século XIX, a maioria dos vocábulos estrangeiros em português eram de origem francesa. Já a
partir do século XX, sobretudo por causa da tecnologia, os vocábulos de origem da língua
inglesa começaram a ser muito mais numerosos: know-how, link, e-mail.
ESTRANGEIRISMOS, num sentido mais apurado, são os vocábulos que vieram de outras
línguas, como os vocábulos estrangeiros, mas incorporaram a grafia e certa similaridade à
pronúncia da língua em que entraram: futebol, clube, abajur, champanhe. “A coexistência entre
esses elementos estrangeiros contemporâneos e as formas mais antigas da língua é também uma
característica da linguagem de qualquer época.” (HENRIQUES, 2014, p. 145)
Os NEOLOGISMOS, que vimos em 10.1.2, embora considerados a rigor da camada
hereditária de uma língua (por ser esta a sua fonte mais profusa) podem também ocorrer por
EMPRÉSTIMOS. Ou seja, podem ser neologismos vernáculos (participantes da camada interna)
ou podem participar da CAMADA EXTERNA de uma língua, sendo neologismos por
empréstimo, com todas as consequências e características que vimos ocorrer nos empréstimos.
São necessárias algumas questões acerca do uso de neologismos, que Claudio Cezar
Henriques aqui aponta:
Ele exemplifica:
Exs.: [....] cobalto (< alemão), chucrute (< francês) e pulôver (< inglês), é
razoável que se diga estarmos diante de uma realidade que não existe em
nossa cultura. Porém, até que ponto é possível dizer o mesmo para casos
como os de fast-food e shopping center (, inglês)? Que sucedeu com as
expressões minuta (aportuguesamento de um termo da gastronomia
francesa à la minute) e centro comercial? (HENRIQUES, 2014, p. 144)
Ainda desdobrando a questão dos empréstimos, que basicamente tratamos há pouco em
suas formas de vocábulo estrangeiro, estrangeirismo ou mesmo neologismo, Claudio Cezar
Henriques, munido do repertório teórico de Sandmann e de Ieda Maria Alves, dispõe que há
TRÊS TIPOS DE EMPRÉSTIMOS:
Por bem ou por mal, intervenções políticas no rumo das línguas são
mais comuns do que gostaríamos que fossem. A história da humanidade
está repleta de casos de intervenção proposital no destino de
determinadas línguas, com objetivos diversos. De um lado há casos
como o do hebraico moderno, língua recuperada das poeiras da história
em nome da unificação de um povo e do seu desejo de fundar uma
nação própria, e o do hindusthani, língua literalmente "inventada" pelo
líder indiano Mahathma Gandhi, ao pleitear que o hindi e o urdu
(línguas faladas majoritariamente pelos hindus e muçulmanos
respectivamente no subcontinente da Índia) fossem considerados uma só
língua. Do outro lado, encontramos casos como o do alemão que, em
diversos momentos da sua história, sofreu tentativas de purificação a
partir do expurgo das palavras de origem latina, e o caso, bem mais
recente, do esforço do falecido líder Franjo Tudjman, da Croácia, no
sentido de introduzir sistematicamente grande número de neologismos a
fim de que, com o passar dos tempos, a fala dos croatas se tornasse
incompreensível para os sérvios, vizinhos com os quais compartilhavam
a mesma pátria e o mesmo idioma até o início das hostilidades entre os
dois povos, parceiros da antiga Iugoslávia.
A moral da história: independentemente do que se prevê em algumas
teorias sobre o funcionamento da linguagem e a propriedade ou não de
tentar intervir na evolução de diferentes línguas, a política linguística
sempre imperou no mundo inteiro, em diferentes momentos da sua
história, e sempre houve quem pleiteasse intervenções sistemáticas a fim
de "salvar" certas línguas dos possíveis descaminhos. Mais ainda: como
sempre acontece nesses casos, tais intervenções são feitas, via de regra,
ou com propósitos nobres e justificáveis, como os de unir povos ou de
fazer a paz entre povos que não se entendem ou, ao contrário, para
semear o ódio entre povos e pescar proveito político nessas águas
turvas.
De nada adianta bater na tecla de que falta uma boa dose de linguística
nas discussões políticas a respeito da língua portuguesa e seus rumos no
Brasil. O que falta não é linguística, mas, sim, o reconhecimento de que
com ou sem nós, as coisas vão se desenrolando no cenário político, e
que a atitude mais sensata no atual quadro é entrar na discussão nos
termos em que ela está colocada, com o objetivo de mostrar a todos as
consequências políticas que podem ter, a longo prazo, medidas
apressadas tomadas hoje.
Finalizando: o que se deve perguntar não é se faz sentido tentar
influenciar o destino de um povo, intervindo nas línguas que
efetivamente colaboram na construção da identidade daquele povo. A
pergunta que urgentemente precisamos fazer é: que esforços podem ser
empreendidos de imediato a fim de trazer à baila os interesses ocultos e
escusos que podem eventualmente estar por trás das propostas políticas
e descortinar as consequências longínquas de adotarmos esta ou aquela
política no momento atual.
É preciso, com urgência, encarar a dimensão política da linguagem, sob
pena de sermos ultrapassados pela marcha dos acontecimentos ao nosso
redor. (RAJAGOPALAN, 2016)
10.2.2 VOCÁBULOS CULTOS OU ERUDITOS
CAPÍTULO 11
ANALOGIA NA FORMAÇÃO DO LÉXICO
MENTIR > MINTO (o /e/ > /i/ por metafonia, é de supor uma forma *mento)
SENTIR > SINTO (mesma metafonia de MENTIR, por analogia)
ARDER > ARDO (regularidade total na conjugação)
OBS. Repare-se como, nesses casos, ocorreu o mesmo tipo de regularização que as crianças
costumam operar ao dizerem fazi, sabi, dizi.
CAPÍTULO VI.
A ETIMOLOGIA POPULAR
A etimologia popular não age, pois, senão em condições particulares, e
não atinge mais que as palavras raras, técnicas ou estrangeiras, que as
pessoas assimilam imperfeitamente. A analogia, ao contrário, é um fato
absolutamente geral, que pertence ao funcionamento normal da língua.
Esses dois fenômenos, tão semelhantes por certos lados, se opõem na
sua essência; devem ser cuidadosamente distinguidos. (SAUSSURE,
1972, p. 202-204)
CAPÍTULO VII
A AGLUTINAÇÃO.
A aglutinação opera unicamente na esfera sintagmática; sua ação incide
num grupo dado; não considera outra coisa. Ao contrário, a analogia faz
apelo às séries associativas [paradigma] tanto quanto aos sintagmas. Vê-
se o quanto importa distinguir entre os dois modos de formação. Assim,
em latim possum não é mais que a soldadura de duas palavras potis sum
, “eu sou dono”, é um aglutinado [....]. (SAUSSURE, 1972, p. 205-207)
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RIBEIRO, Julio. Grammatica Portugueza. 2. ed. Rio de Janeiro: Teixeira e Irmão, 1885 [1881]
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1972.
SILVA NETO, Serafim. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA FILOLOGIA PORTUGUESA. 2.
Edição. Rio de Janeiro: Grifo, 1976
SOUZA, Janaína Pedreira Fernandes de. “Mapeando a entrada do você no quadro pronominal:
análise de cartas familiares dos séculos XIX-XX”. Dissertação de Mestrado. Orientadora:
Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes. UFRJ. 2012
SPINA, Segismundo. Introdução à Ecdótica — crítica textual. São Paulo: Ars Poetica, Editora
da Universidade de São Paulo, 1994.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa . São Paulo: Martins Fontes, 2004.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O aspecto verbal no português : a categoria e sua expressão.
Uberlândia: EDUFU, 1981
[1]
De que trataremos no CAPÍTULO 2 deste livro.
[2]
Tratamos dos verbos, numa visão pancrônica, nesta obra, dos CAPÍTULOS 5 a 9.
[3]
O Império Romano do Oriente, ou Bizâncio, situado em Constantinopla, depois Istambul, perdura até 1453. Seu fim
ocasionou o término da Idade Média e iniciou a Idade Moderna.
[4]
Gramática das línguas românicas (traduzi livremente).
[5]
Dicionário etimológico das línguas românicas (traduzi livremente).
[6]
Vocalismo do Latim Vulgar (traduzi livremente).
[7]
A língua latina nas áreas românicas (traduzi livremente).
[8]
Panorama da filologia românica (traduzi livremente).
[9]
Rosa Virgínia Mattos e Silva, em O português arcaico: fonologia , também menciona a mesma cantiga de escárnio, do mesmo ano
(informa que a proposta é de Giuseppe Tavani) e retira o texto de obra de Manuel Rodrigues Lapa, Cantigas de escárnio e de maldizer dos
cancioneiros medievais galego-portugueses (São Paulo/Bahia: Contexto/ Editora da Universidade Federal da Bahia, 1991, pp. 20 e 21).
[10]
-DES tornou-se, aí, D.N.P., sucedendo –R-, D.M.T. de futuro do subjuntivo. No caso do infinitivo flexionado, o –DES
é também D.N.P., e o –R- é, por vezes, chamado de sufixo verbo-nominal.
[11]
No presente do indicativo, SER perdeu o –d- intervocálico, tornando-se SOIS.
[12]
Há autores que veem, nessa construção, uma locução verbal, e não um período composto. Agostinho Dias Carneiro
esposa essa hipótese.
[13]
PREF.+RAD. constitui um supramorfema denominado de RADICAL SECUNDÁRIO.
[14]
RAD.+V.T. constitui um supramorfema denominado de TEMA.
[15]
Como mostramos no CAPÍTULO 3, item 16, b); também no subitem 5.1.3; e mostraremos mais minuciosamente no
CAPÍTULO 6.
[16]
A categoria de aspecto não coincide com todas as definições de verbo nas gramáticas que serão analisadas, em que
pese à sua importância capital para a descrição dessa classe gramatical.
[17]
Concluída em 1958. Cf. Henriques, 1995) HENRIQUES, Claudio Cezar. “A Nomenclatura Gramatical Brasileira –
quantos anos ela tem?” Rio de Janeiro, Inst. De Letras/UERJ – Texto mimeografado para distribuição interna, 2005.
[18]
Os autores, embora franceses, e com obra publicada em Portugal, tratam especificamente da Nomenclatura Gramatical
Brasileira.
[19]
Publicada em 1660, na França, de autoria de dois eremitas da abadia de Port-Royal-des-Champs, Antoine Arnauld e
Claude Lancelot, chamava-se: Grammaire générale et raisonnée contenant les fondements de l´art de parler expliqués d
´une manière claire et naturelle: les raisons de ce qui est commum à toutes les Langues, et des principales différences qui
s´y rencontrent. Et plusieurs remarques nouvelles sur la langue française . Poderíamos traduzir assim : Gramática geral e
racional (ou razoada) contendo os fundamentos da arte de falar explicados de uma maneira clara e natural: as razões do
que é comum a todas as línguas e as principais diferenças que aí se encontram. Observe-se que, no próprio título da
Gramática, explicita-se a intenção de exporem-se os “universais” das línguas humanas, que Chomsky, séculos mais tarde,
como veremos, retomou.
[20]
CHEVALIER, J. Cl. Histoire de la Sintaxe . Naissance de la notion de complément dans la Grammaire Française
(1530-1570), Genebra, Minard, 1968
[21]
Publicada pela primeira vez em 1792, com o título Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza – Principios da
Gramatica Geral applicados à Nossa Linguagem.
[22]
ELIA, Silvio. Dicionário Gramatical , 3. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1962
[23]
Observe-se que, de acordo com Hauy, Sílvio Elia arrola a voz como caso de flexão verbal. Em que pese ao fato de a
voz não ocorrer por meio de desinências, a maioria das gramáticas elenca a variação de voz como uma das flexões verbais,
de fato, como veremos abaixo. Muitos gramáticos dizem que conjugar um verbo é dizê-lo nos cinco seguintes acidentes:
modo, tempo, número, pessoa e voz (entre eles, Rocha Lima, 1996, p 122). Ademais, essa afirmação parece encontrar
certo respaldo a partir do momento em que se evoca, pouco adiante, uma “flexão especial”, proposta por Hockett e
esposada por Francisco da Silva Borba, que é a “flexão frásica”, que não se dá por desinência, mas por perífrase.
[24]
Observe-se que o termo flexão , aqui, é usado como sinônimo de declinação .
[25]
Traduzimos (id. ib.): Até agora, explicamos as palavras que significam os objetos do pensamento. Resta-nos
falar das que significam seus modos, que são os Verbos, as Conjunções e as Interjeições.
O conhecimento da natureza do verbo depende do que dizemos no princípio deste discurso: que o juízo que
fazemos das coisas contém necessariamente dois termos: um chamado sujeito , aquele de que se afirma, como Terra ; e
outro chamado atributo , que é o que se afirma, como redonda ; e ademais a união entre eles, que é propriamente a ação
do nosso espírito que afirma o atributo do sujeito.
[26]
[27]
Stoicorum Grammatica , Halis, 1839, p. 63
[28]
Infelizmente, o computador que usei não dispunha, nos caracteres gregos, dos espíritos fracos nem fortes para as
vogais iniciais.
[29]
Observe-se que Eduardo Carlos Pereira abona a denominação de verbos “neutros”.
[30]
Evanildo Bechara, nesta edição, lembra que a NGB preferiu a denominação formas nominais do verbo. Rocha Lima
(1996, p. 122, rodapé) lembra que há, também a denominação de verboides (Rodolfo Lenz, La oración e sus partes , 3.
ed., Madrid, Revista de filología española, 5 (1935), p. 396). Mattoso Câmara Jr. (Câmara, 1957, p. 385, SU.
VERBOIDE/VERBO) também abona a nomenclatura “verboide” ao afirmar que “quando uma forma nominal encerra a
ideia temporal de transcurso, isto é, de transitoriedade, típica do verbo, constitui uma forma nominaol do verbo, ou
VERBO NOMINAL, também dita VERBOIDE, apresentando-se na língua portuguesa como infinitivo, gerúndio ou
partcípio”.
[31]
Observe-se que, embora no subtítulo os autores falem em FLEXÕES, em letras versais, na definição dos acidentes
verbais eles falam, ora, em variações , e incluem, dentre elas, a de VOZ.
[32]
Conrad Bureau. In Dictionnaire de la linguistique sous la direction de Georges Mounin . Paris: P.U.F., 1974, p. 41
[33]
Câmara Jr., 1957
[34]
Kury, 1959
[35]
É bem verdade que na própria voz passiva havia conflitos sobre a real passividade do sujeito, ou seu real estatuto de
paciente de uma ação. Assim, o próprio Eduardo Carlos Pereira, seguido por muitos gramáticos, adotou o termo
“passividade” para situações em que, estando a frase na voz ativa, o sujeito não é propriamente um agente da ação verbal.
[36]
Todo este parágrafo, em sua explicação e em seus exemplos, foi coletado em palestra proferida pelo Professor Doutor
José Carlos Azeredo, para a Academia Brasileira de Filologia, na UERJ, no dia 18 de julho de 2012.
[37]
Parafraseio, aqui, explanação proferida pelo Professor Doutor José Carlos Azeredo em aula ministrada no Doutorado
em Língua Portuguesa da UERJ, no primeiro semestre de 2012.
[38]
Aqui, na conceituação de voz reflexiva, o gramático explicitou sua opinião de que o sujeito deva ser exclusivamente
PESSOA, o que ele reitera, no mesmo enunciado, adiante, quando reafirma “verbo seguido de probnome oblíquo de
pessoa ”. Tambéms os exemplos que ele colaciona têm como sujeitos apenas pessoas (embora o terceiro exemplo pudesse
dizer respeito, por exemplo, a um “salão”, o que, contudo, iria de encontro á dupla definição sobre o estatuto de pessoa
que vimos de mostrar no gramático).
[39]
Percebe-se aqui a lição de Said Ali (1964, p. 96), ipsis literis .
[40]
Mais uma vez, como num ato-falho, trata-se de voz reflexiva com vínculo imediato a pessoas.
[41]
Ao usar o termo “construções pronominais”, Azeredo distingue, com rigor científico, tais construções dos verbos
pronominais, que são aqueles que se não podem empregar alheios ao pronome reflexivo, como se verá.
[42]
Observe-se a reiteração do critério formal, morfológico, como o que deve vir em primeiro lugar.
[43]
Observe-se o que parece ser, agora, a articulação do primeiro critério, o formal-morfológico, do pronome reflexivo,
com um critério semântico de atividade/passividade.
[44]
Adiante, Gama Kury faz a ressalva: “OBS. 1 – A NGB não utiliza o termo medial, para as vozes verbais. Empregamo-
lo por necessidade de sistematização.” (Kury, 1997, p. 40)
[45]
Embora esteja entre colchetes, essa observação foi cunhada pelo próprio autor Gama Kury, no exato lugar onde se
encontra neste texto.
[46]
Gama Kury usa a edição de 1927. A que usei para este capítulo é a de 1964, pós-NGB, comentada por Evanildo
Bechara.
[47]
Neste compêndio, observamos, somente aqui, uma possível definição, formal, com efeito, para o conceito de “voz”.
[48]
À guisa de curiosidade, parece-nos ter havido, aqui, o emprego, no enunciado proposto, de uma voz passiva sintética
com agente da passiva: “traduzir-se pela ativa” = “ser traduzida pela ativa”.
[49]
Essa constatação foi levantada em preleção exercida pelo Professor Doutor José Carlos Azeredo em aula no
Doutorado em Língua Portuguesa da UERJ, no primeiro semestre de 2012.
[50]
É claro que este terceiro enunciado não se poderia considerar como espontâneo. Tampouco, assim nos parece, pode-se
ir ao extremo de considerar-se que se trata de enunciado agramatical .
[51]
Aqui também caberia a correlação [-contexto] > [+contexto], cf. item (2.5) acima.
[52]
LEONI & KERLAKHIAN. “Só pro meu prazer”. Disponível em: < http://letras.terra.com.br/leoni/101923/ > Acesso
em: 8 de novembro de 2011
[53]
A distinção aqui entre “estética” e “ética” é etimológica: ambas do grego: Aisthesis = sentimento/ Ethos = costume.
[54]
A VIDA TODA talvez constitua, em relação a O PAI, um hiperônimo, mas, ainda assim, remissivo ao mesmo
referente X.
[55]
O termo “evolução” era muito usado por linguistas e filólogos até o meado do século XX. É preferencial que se
substitua por “deriva”, já que “evolução”, retirado à literatura de Darwin, pode compreender noção de “melhora”, o que é
inadequado ao se falar nas mudanças de uma língua.