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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à

sua inversão judicial

DECISÃO SOBRE ÔNUS DA PROVA: O MOMENTO ADEQUADO À SUA


INVERSÃO JUDICIAL
Decision about burden of proof: the suitable moment to its judicial
Revista de Processo | vol. 277/2018 | p. 79 - 110 | Mar / 2018
DTR\2018\8982

Augusto Jorge Cury


Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Advogado. - atajuridica@gmail.com

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: Pesquisa científica que aborda a problemática inerente ao momento adequado à inversão
judicial do ônus da prova, segundo o regramento do Direito Processual Civil pátrio. Analisa-se a
questão com fulcro nos princípios constitucionais que regem o Processo Civil bem como nas
características do ônus da prova e de sua inversão judicial, conforme lições de doutrinas clássicas e
modernas e as disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código de
Processo Civil. Conclui-se, após toda a explanação, que o momento adequado à prolação da
decisão judicial que inverte o ônus da prova é o saneamento processual, sendo essa inversão, pois,
regra de instrução, em atenção às premissas constitucionais do contraditório, da economia e da
celeridade processuais bem como diante das normas da nova Lei Processual.

Palavras-chave: : Ônus da prova – Inversão judicial – Momento – Regra de instrução – Direito


Processual Civil
Abstract: Scientific research that addresses the problem of the suitable moment to the judicial
shifting of the burden of proof, according to Brazilian Civil Procedural Law regulation. This analysis
was done based on constitutional principles that conduct the Civil Process, as well as on the
characteristics of burden of proof and of its judicial shifting, according to the classic and current
doctrinaire lessons and the dispositions of the Consumer Protection Code and of the new Code of
Civil Procedure. After all the explanations, this study concludes that the right moment to the
pronunciation of a judicial decision which shifts the burden of proof is the curative order, acting the
shifting as an instruction rule, in observance to the adversarial system and to the principles of judicial
celerity and judicial economy, as well as to the new Procedural Law norms.

Keywords: Burden of proof – Judicial shifting – Moment – Instruction rule – Civil Procedural Law
Sumário:

1 Introdução - 2 Alegação, prova e ônus da prova - 3 Aspectos subjetivo e objetivo do ônus da prova
- 4 Inversão do ônus da prova: conceito e espécies - 5 A regulamentação legal da inversão judicial do
ônus da prova no Direito Processual Civil brasileiro - 6 A problemática do momento processual
adequado à inversão judicial: uma velha discussão - 7 A solução conferida pelo novo Código de
Processo Civil - 8 Considerações finais - 9 Referências bibliográficas

1 Introdução

Sabe-se que, entre os vários institutos relacionados à teoria das provas, um dos mais importantes1 é
o ônus da prova, já que se coloca, ao mesmo tempo, como regra de julgamento voltada ao juiz e
regra de instrução direcionada às partes, gozando, ademais, de regulamentação legal acerca de sua
repartição entre os litigantes.

Também relevante é a inversão judicial do ônus da prova, consagrada no artigo 6º, VIII, do Código
de Defesa do Consumidor e no artigo 373, §§ 1º e 2º, do novo Código de Processo Civil
(LGL\2015\1656) como instrumento de adequação processual e de atendimento ao princípio da
igualdade em sua faceta substancial, visto possibilitar a redistribuição do onus probandi entre as
partes diante da situação de hipossuficiência probatória de um dos litigantes.

Ocorre que a inversão judicial do ônus da prova, por ser regra de exceção aplicável no caso concreto
mediante análise subjetiva, pelo juiz, de seus requisitos legais permissivos, depende
obrigatoriamente de decisão judicial que a efetive, surgindo daí delicada questão inerente ao
momento adequado para a prolação da decisão que aplica a referida inversão.
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sua inversão judicial

Sobre a questão, aliás, há tempos instala-se intrincada celeuma, estando a doutrina dividida,
basicamente, em três correntes de posicionamento. Nada obstante, apenas a aplicação do
entendimento adequado – baseado, pois, nos princípios constitucionais e na correta interpretação
dos dispositivos normativos – é capaz de garantir o alcance dos escopos almejados com o emprego
do instituto da redistribuição do ônus da prova.

Nesse diapasão, e diante da alta relevância do tema, o presente trabalho tem por objetivo tecer
análise crítica da questão relacionada ao momento adequado à inversão do ônus da prova, tema
aqui examinado com fulcro nos princípios constitucionais que regem o Processo Civil bem como nas
características do ônus da prova e de sua inversão judicial, conforme lições de doutrinas clássicas e
modernas e as disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor e do Código de
Processo Civil de 2015.

2 Alegação, prova e ônus da prova

O processo civil contencioso é um meio de resolução de lides. E a lide é levada ao conhecimento do


Poder Judiciário mediante ação judicial iniciada pelo autor e que enseja a apresentação de resposta
pelo réu, e um e outro, em suas manifestações iniciais, afirmam fatos e arguem teses para a defesa
de seus respectivos interesses, para que o juiz, ao final, decida, de modo a distribuir o direito entre
as partes e, assim, realizar a justa composição da lide.

Ocorre que as simples alegações de fatos e teses pelas partes podem ser insuficientes para que o
juiz construa seu convencimento sobre qual dos litigantes está com a razão, justamente porque tais
manifestações podem não ser, isoladamente, aptas a demonstrar ao juiz a verdade dos fatos que
garantem ou não o reconhecimento dos direitos reclamados no processo.

Como salienta Taruffo2, “as partes constroem e narram suas histórias com um escopo bem
determinado: o de justificar suas versões dos fatos de modo a induzir o juiz a acolher suas
demandas e satisfazer suas pretensões”. Entretanto, segundo assevera Carnelutti3, “no início, o juiz
se encontra diante de uma hipótese, pois não sabe como as coisas aconteceram”.

Assim, para que o juiz tenha condições de decidir o processo e resolver a lide de modo justo, é
necessário um complemento, “algo a mais” que lhe possa demonstrar a veracidade ou a falsidade
das alegações das partes, de modo a formar seu convencimento, esclarecendo qual das partes tem
razão, para, ao final, proferir decisão justa que reconheça e distribua às partes seus reais direitos.

Esse complemento que se faz imprescindível ao juiz é a prova, termo derivado do latim probatio, e
que consiste justamente na demonstração da verdade necessária à formação da convicção do juiz e
ao justo julgamento da causa – ou seja, à justa composição da lide.

Neves e Castro4 já ensinava que a prova, entendida em sentido amplo como “o meio pelo qual a
inteligência chega à descoberta da verdade”, é juridicamente definida como “a demonstração da
verdade dos fatos alegados em juízo” ou, ainda, como “o fato que a lei considera como causa do
convencimento do juiz acerca da verdade de outro fato”.

E sendo essencial à formação do convencimento judicial a comprovação da veracidade das


alegações de fato veiculadas pelas partes, tem-se que a essas incumbe a prova das referidas
alegações. Fala-se, assim, em ônus da prova, que, como conceituamos em outra oportunidade5,
consiste no encargo (na carga, no peso) da prova, que é suportado pela parte que tem interesse em
provar o que alega no processo. Em outras palavras: o ônus da prova é o encargo que tem a parte
litigante de comprovar, mediante a produção de provas, os fatos que alega no processo em seu
benefício.

Não se trata, porém, de uma obrigação ou de um dever de provar, como parte da literatura jurídica já
pretendeu aduzir.6 Isso porque, tanto na obrigação como no dever, há a sujeição da parte a interesse
alheio, o que torna vinculativa e exigível a conduta, correspondendo seu descumprimento a um ato
ilícito, danoso e sancionável.

O ônus, por outro lado, indica uma conduta da parte em atenção a interesse próprio, de caráter
facultativo e despida de qualquer sujeição, cujo descumprimento não consiste em ato ilícito e nem
acarreta sanção, senão apenas uma consequência lógica: no caso do ônus da prova, a menor
probabilidade de formar no juiz convicção a seu favor. Liga-se o ônus, portanto, não à noção de
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sujeição, mas à de risco.

Nessa esteira já afirmava Buzaid7 que “obrigação e ônus têm de comum o elemento formal,
consistente no vínculo da vontade, mas diferem entre si quanto ao elemento substancial, porque o
vínculo é imposto, quando há obrigação, para a tutela de um interesse alheio, enquanto, havendo
ônus, a tutela é de um interesse próprio. Correlativa à idéia de ônus está, portanto, a idéia de risco,
não a idéia de subordinação, ou sujeição”. Daí também concluir Chiovenda8 não ser um dever
jurídico “a atividade que se expende na prova, como em geral a atividade que se emprega em
proveito próprio”9.

Desse modo, o ônus da prova, longe de aparentar-se com uma obrigação ou com um dever,
manifesta-se como uma faculdade, da qual emana consequência processual lógica, relacionada à
maior ou menor chance de a parte litigante atuar na formação do convencimento do juiz em benefício
de sua pretensão.

Também por isso não mais cabe dizer, como outrora defendido por parte da doutrina10 , que o
cumprimento do ônus da prova é necessário ou essencial à vitória na ação ou que seu
descumprimento acarreta obrigatoriamente a derrota da parte incumbida da produção da prova.

E o fundamento é simples: ainda que a parte não se desincumba do onus probandi que lhe cabe, a
comprovação dos fatos que alegar em seu benefício pode decorrer de provas produzidas pela parte
contrária ou, mesmo, de provas determinadas ex officio pelo juiz, resultando daí a possibilidade de a
parte vencer a causa ainda que não se tenha desonerado.

De igual modo, ainda que a parte cumpra adequadamente com seu ônus probatório, pode a parte
contrária conseguir demonstrar a veracidade de fato que elida tal pretensão (verbi gratia, fato
impeditivo ou extintivo do direito da outra parte), convencendo, assim, o juiz, caso em que, mesmo
desonerando-se aquele primeiro litigante, a derrota será imposta.

Mais adequado, portanto, é afirmar que o satisfatório cumprimento do ônus da prova pela parte então
incumbida resulta em maior capacidade de convencer o juiz e, consequentemente, em maior
probabilidade (mas nunca certeza) de obtenção de provimento favorável. Assim, também o não
cumprimento do ônus probatório sujeita a parte ao mero risco de uma decisão desfavorável, tendo
em vista reduzir as chances de convencimento do julgador acerca de suas alegações.

São as corretas ponderações de Marinoni e Arenhart11 , para quem:

(...) o ônus da prova indica que a parte que não produzir a prova se sujeitará ao risco de um
resultado desfavorável, ou seja, o descumprimento do ônus não implica, necessariamente, um
resultado desfavorável, mas o aumento do risco de um julgamento contrário (...). A idéia de ônus da
prova não tem o objetivo de ligar a produção da prova a um resultado favorável, mas sim o de
relacionar a produção da prova a uma maior chance de convencimento do juiz.

Assim, reiteramos: o ônus da prova define uma faculdade concedida à parte de produzir a prova dos
fatos alegados em benefício próprio, de que decorre consequência lógica posterior, atinente à
formação do convencimento judicial, de modo que o descumprimento desse ônus aumenta o risco de
provimento desfavorável, ao passo que sua adequada desincumbência amplia as chances de um
julgamento favorável.

3 Aspectos subjetivo e objetivo do ônus da prova

Fixado o conceito de ônus da prova, cabe mencionar que este pode ser analisado por dois prismas
distintos: o das partes litigantes na instrução probatória (aspecto subjetivo do ônus da prova) e o do
julgamento da causa (aspecto objetivo do ônus da prova).

Por seu aspecto subjetivo, o ônus da prova é compreendido como regra de instrução, visto atuar no
direcionamento das partes em sua atividade probatória. Sobreleva, nesse caso, a questão da
repartição do ônus da prova, ou seja, a informação acerca de qual das partes é encarregada da
prova de cada fato, sob pena de sofrer, na sentença, as consequências do não cumprimento do
ônus.

O ônus subjetivo da prova consiste, portanto, como já definimos em outro trabalho12 , “na situação
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processual ativa em que se encontra a parte cuja demonstração da veracidade dos fatos que alega
pode resultar-lhe benefícios”. Daí extrair-se que o ônus da prova, por seu aspecto subjetivo, atua
como guia das partes no momento da instrução processual.

E o Direito Processual Civil pátrio adota, para a divisão do ônus da prova, regra geral bastante
simples, baseada no princípio do interesse, segundo a qual cada uma das partes tem o ônus de
produzir prova acerca dos fatos que alegar em benefício próprio. Aplica-se, in casu, máxima muito
popular em nosso país: “quem alega, prova”.

Isso é o que se percebe da regra insculpida no artigo 373, caput e incisos, do novo Código de
Processo Civil (LGL\2015\1656)13 , que, repetindo o que dispunha o artigo 333 do Código de 197314 ,
estabelece uma repartição estática do ônus da prova com base na natureza dos fatos a serem
provados (constitutivos, impeditivos, extintivos e modificativos) e no interesse que cada parte possui
no reconhecimento de sua veracidade.

Estabelece o mencionado mandamento legal que incumbe ao autor o ônus da prova quanto aos
fatos constitutivos de seu direito, sendo do réu o ônus da prova quanto à existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

E nada mais lógico, visto que o fato constitutivo do direito do autor consubstancia-se no elemento
que, se confirmado, possibilita o reconhecimento do direito por ele pleiteado, sendo de seu interesse;
ao passo que os fatos impeditivos, extintivos e modificativos do direito do autor, se reconhecidos, são
aptos a ilidir, no mínimo parcialmente, a pretensão do demandante, sendo, pois, de interesse do réu
a demonstração de sua veracidade.

Nessa senda, preleciona Dinamarco15 , justificando a opção legislativa, que “o reconhecimento dos
fatos constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais, ao réu; sem prova daqueles a demanda
inicial é julgada improcedente e, sem prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos,
provavelmente a defesa não obterá sucesso”.

E, assim, vale frisar: estabelecendo a quem incumbe provar cada fato e sobre quem recairão as
consequências negativas do descumprimento do encargo, a regra de ônus da prova, sob seu
aspecto subjetivo, culmina por verdadeiramente determinar (ou, ao menos, iluminar) a atuação das
partes na instrução probatória e na descoberta da verdade para o processo.

Como já adiantado, porém, o onus probandi possui também um aspecto objetivo, desvinculado da
atuação das partes e segundo o qual, como bem preleciona Eduardo Arruda Alvim16 , “o ônus da
prova é regra de juízo”, que se destina “especificamente ao juiz”.

Segundo a teoria do ônus objetivo da prova, de origem austríaca, a análise da distribuição do ônus
da prova não é, de início, relevante, importando apenas a prova efetivamente produzida,
independentemente de quem diligenciou para obtê-la, já que, uma vez integrada ao processo, a ele
pertence (princípio da aquisição processual), sendo de uso comum das partes (princípio da
comunhão das provas). Ademais, pode o próprio juiz, de ofício, determinar supletivamente a
produção de provas que entender necessárias, suprindo o ônus das partes.

No mencionado contexto, o juiz, ao sentenciar, deve verificar e valorar objetivamente as provas


apresentadas no processo, formando seu convencimento e proferindo a decisão com base no
conteúdo probatório, independentemente de quem as tenha produzido17 , de modo que a averiguação
do ônus da prova apenas será relevante caso o juiz se depare com uma situação de non liquet, ou
seja, caso não consiga formar seu convencimento por meio das provas dos autos e da utilização de
indícios e máximas de experiência e, assim, subsista dúvida insanável quanto ao mérito da ação.

Ora, como bem se sabe, ao contrário do que ocorria no ordo judiciorum privatorum do Direito
Romano, não se admite, nos sistemas processuais atuais, que o magistrado deixe de julgar o caso
levado à sua apreciação, pronunciando o non liquet. Assim, restando ao juiz dúvida que o impeça de
solucionar a demanda judicial com base no material probatório – e apenas nessa hipótese –,
valer-se-á ele das regras de ônus da prova, como último expediente ao julgamento da causa.

É a clássica lição de Carnelutti18 , para quem:

(...) se o juiz encontrar na instrução elementos para se convencer de que um fato existe ou não, sua
convicção se forma sem influência alguma dos princípios sobre o ônus da prova; o juiz recorre
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apenas a estes princípios, quando a instrução não lhe oferecer elementos de convicção; então, o juiz
resolve a dúvida às custas da parte a quem incumbe o ônus.

E essa concepção objetiva do ônus da prova ganhou tamanha aceitação perante a comunidade
jurídica, que parte da doutrina passou a entender que o aspecto objetivo do ônus da prova ostenta
maior importância que o aspecto subjetivo, havendo, aliás, quem defenda, em posicionamento
extremo, tese de que inexiste ônus subjetivo da prova, senão apenas ônus objetivo, a exemplo do
que preleciona Taruffo19 , ao afirmar que nos sistemas de Civil Law “realmente não existe qualquer
ônus subjetivo de produção das provas”.

Reputamos, porém, equivocado afirmar que apenas um aspecto do ônus da prova é relevante, em
detrimento do outro: o fato de que as regras sobre ônus da prova têm o condão de possibilitar o
julgamento da lide em caso de situação de non liquet não afasta a importância de as mesmas regras
funcionarem como guia de atuação das partes na produção das provas.

Isso sem considerar que a regra de ônus da prova em seu aspecto objetivo, por possibilitar a
prolação de sentença em qualquer hipótese de não formação do convencimento judicial, ostenta a
função de resolver apenas tecnicamente a lide processual, dificilmente sendo apta, porém, a
distribuir de modo justo o direito entre as partes, já que a correta solução da lide apenas pode ser
obtida após instrução probatória eficaz, que se aproxime, ao máximo, da demonstração da verdade
real dos fatos levados a juízo.20

Ora, se o acesso a uma prestação jurisdicional eficaz depende da proficiência da instrução


probatória – refletida no melhor alcance da verdade –, e o guia das partes na produção de provas e
na demonstração da verdade é justamente o aspecto subjetivo do ônus da prova, têm-se por
inadmissíveis os argumentos no sentido de ser irrelevante o ônus subjetivo da prova.

Ambas as facetas do ônus da prova são interligadas e complementares, devendo coexistir


harmoniosamente e sendo igualmente importantes ao processo. É o escólio de Liebman21 , para
quem “os dois aspectos da regra, vale dizer, o ônus para a parte e a regra de julgamento para o juiz,
não podem todavia ser dissociados e contrapostos, porque são estreita e logicamente conexos entre
si, formando os dois lados e os dois momentos inseparáveis de uma regra unitária”.

O ônus da prova, assim, assume cariz dúplice, consistindo, ao mesmo tempo, em regra de instrução
e em regra de julgamento, sendo que ambos os aspectos possuem a mesma relevância ao
processo, devendo ser compatibilizados – nada obstante, eventualmente, uma faceta deva
sobressair-se à outra.

4 Inversão do ônus da prova: conceito e espécies

Muito embora o Direito Processual Civil pátrio estabeleça regra geral de distribuição do ônus da
prova – a chamada “distribuição estática do ônus da prova”, segundo a qual cabe ao autor a prova
dos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu a prova dos fatos impeditivos, extintivos e
modificativos do direito do autor –, nosso ordenamento jurídico admite também a maleabilização
dessa regra, permitindo, em determinados casos, a alteração da repartição do encargo probatório.
Trata-se do instituto denominado inversão do ônus da prova.

O termo “inversão”, segundo De Plácido e Silva22 , “derivado do latim inversio, é a ação de inverter ou
de mudar uma coisa em outra”. Assim, inverter o ônus da prova nada mais é que alterar a forma de
sua distribuição entre as partes, transmitindo-se a uma das partes litigantes o encargo da prova que
caberia, inicialmente, à parte contrária.

Importa, contudo, perceber que a inversão do ônus da prova torna também contrário o objeto da
prova. Explicamos: se à parte inicialmente onerada incumbia a prova da existência de determinado
fato, a inversão do onus probandi gera à parte inversamente onerada o encargo de provar sua
inexistência. Assim, com a inversão, a parte contrária torna-se onerada na contraprova.

E não poderia ser diferente, uma vez que o ônus probatório se relaciona intrinsecamente ao
interesse na demonstração, em benefício próprio, da veracidade de um fato, de modo que, invertido
esse ônus à parte adversária, contraverte-se também o interesse, agora adstrito à contraprova.

Conclui-se, portanto, que a inversão do ônus da prova consiste em repartir-se o onus probandi de
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modo diverso da regra geral consagrada pelo ordenamento jurídico processual (artigo 373, caput, do
novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656)), encarregando-se uma parte de produzir prova
contrária de um ou mais fatos alegados pela parte adversa e que, pela regra geral de repartição,
deveriam por esta ser provados.23

E a inversão do ônus da prova pode ser de três espécies: convencional, legal e judicial.

Convencional é a inversão do onus probandi decorrente da livre manifestação convergente de


vontades das partes litigantes, consagrada em negócio jurídico celebrado judicial ou
extrajudicialmente. As próprias partes acordam em repartir o ônus da prova de modo distinto da
regra geral do Código.

É modalidade de inversão admitida expressamente por nosso ordenamento processual civil (artigo
373, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 201524 ), desde que não recaia sobre direitos
indisponíveis ou torne excessivamente difícil à parte o exercício de direito seu. Em qualquer
hipótese, porém, a inversão convencional do ônus probatório é vedada nas lides envolvendo relação
de consumo, se estabelecida em desfavor ao consumidor (artigo 51, VI, do Código de Defesa do
Consumidor25 ).

A inversão do ônus da prova pode também se dar de modo legal, caracterizando-se quando a
própria lei, em abstrato e sem exigir análise do juiz, afasta de uma determinada situação a aplicação
das regras gerais de ônus da prova. É, pois, a inversão que deriva automaticamente do texto legal,
seja por redistribuição expressa, seja por meio da fixação de presunções juris tantum que, consoante
lição de Silvio Rodrigues26 , “têm por efeito reverter o ônus da prova”.

Por fim, a última modalidade de inversão do onus probandi – efetivamente interessante a este
trabalho – é a denominada inversão judicial, que ocorre quando a lei expressamente permite ao juiz,
no caso concreto, distribuir o ônus da prova de modo diverso da regra legal geral, estabelecendo ou
não critérios para tanto. Consiste, portanto, na redistribuição do ônus probatório realizada
casuisticamente pelo juiz, quando este, mediante análise fundamentada dos autos, perceber
presentes os requisitos permissivos porventura indicados pela lei.

Note-se, porém, que, nada obstante a inversão judicial do ônus da prova dependa de previsão legal
expressa que a permita, não pode ser confundida com a inversão legal, já que, nesta última, a
inversão decorre direta e automaticamente do texto legal (ope legis), ao passo que, na primeira, fica
dependente de análise subjetiva do juiz, necessitando, pois, de decisão judicial que a efetive (ope
judicis). Em síntese: na inversão judicial a lei não inverte, de per si, o onus probandi, senão apenas
permite que o juiz o faça.

Segundo Rios Gonçalves27 , a inversão judicial do ônus da prova “distingue-se da presunção legal,
porque nesta a lei preestabelece os requisitos, não dando ao juiz nenhuma margem de avaliação; ao
passo que naquela, a lei condiciona a inversão a que, a critério do juiz, estejam presentes
determinadas circunstâncias”.

Desse modo, frise-se: a inversão judicial do ônus da prova, efetivada casuisticamente e dependente
de análise subjetiva do juiz quanto à presença das circunstâncias legais permissivas da medida,
necessita, para ser efetivada, de decisão judicial devidamente fundamentada que demonstre a
existência dos requisitos legais e, assim, distribua o ônus da prova de modo diverso da regra geral.
Ausente referida decisão, ausente também a inversão judicial do ônus da prova.

5 A regulamentação legal da inversão judicial do ônus da prova no Direito Processual Civil


brasileiro

Conforme verificado anteriormente, o ordenamento jurídico processual civil pátrio, a despeito de


adotar regra geral de distribuição do ônus da prova, encampada no artigo 373, caput, do novo
Código de Processo Civil (LGL\2015\1656) e aplicável ex lege, consagra a possibilidade de
maleabilização casuística das regras de ônus da prova, permitindo, assim, sua inversão judicial.

E encontram-se previsões legais para tanto em dois diplomas normativos: o Código de Defesa do
Consumidor (artigo 6º, VIII) e o novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656) (artigo 373, §§ 1º e
2º). De modo sucinto, cumpre realizar uma análise desses permissivos legais.

De início, há a regra estampada no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, norma
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sua inversão judicial

vigente desde o início da década de 1990 e que inaugurou, no Direito Processual Civil brasileiro, a
regulamentação legal da inversão judicial do ônus da prova, estabelecendo requisitos e limites à sua
efetivação.

Referida norma, cuja aplicação limita-se às lides que envolvem relação de consumo, estabelece um
benefício em favor do consumidor, a quem a legislação presume certa vulnerabilidade, reconhecida,
inclusive, pela Constituição Federal (LGL\1988\3), que, em vários dispositivos28 , transfere à lei
infraconstitucional a proteção da classe consumidora.

Nesse diapasão é que o Código de Defesa do Consumidor prevê a inversão do ônus da prova,
elencada como direito básico do consumidor, com o escopo de tornar mais igualitária a relação entre
ele e o fornecedor, geralmente possuidor de melhores meios de prova, visto dominar as técnicas de
produção – em contraposição ao consumidor, normalmente desprovido de meios para realização de
determinadas provas técnicas.

Dispõe expressamente o artigo 6º, VIII, do Estatuto Consumerista ser direito básico do consumidor “a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiências”.

Conforme se pode depreender do excerto em questão, a inversão do ônus da prova no Direito do


Consumidor apenas pode operar-se em favor do consumidor, quando presentes dois requisitos: (a) a
verossimilhança de suas alegações29 , consistente na probabilidade de veracidade dos fatos
alegados pelo consumidor, verificada mediante juízo de cognição perfunctória realizado pelo juiz; e
(b) hipossuficiência do consumidor, caractere que se relaciona à impossibilidade ou à extrema
dificuldade dele para produzir prova de determinado fato.30

Quanto à aplicação dos requisitos, entende-se majoritariamente que devem ser considerados
alternativamente, bastando à inversão, pois, a presença de um ou de outro, entendimento decorrente
de interpretação meramente gramatical do texto legal, que utiliza o conectivo “ou” entre os requisitos.
31

Nada obstante, e com base em interpretação constitucional do referido dispositivo, alcança-se a


conclusão oposta, mostrando-se mais adequada a aplicação cumulativa desses requisitos, já que,
ausente a hipossuficiência, não há desigualdade a ser corrigida, ao passo que, ausente a
verossimilhança das alegações do consumidor, poder-se-á submeter injustamente o fornecedor aos
riscos da produção de uma prova impossível (probatio diabolica), medida essa totalmente
inadequada, visto que, para a inversão do ônus, a prova a ser produzida deve ser objetivamente
possível, sendo impossível ou difícil apenas ao consumidor.

Conforme assevera Dinamarco32 :

(...) (a) favorecer o consumidor abastado transgrediria a garantia da igualdade, ainda quando
verossímil o que alega, porque sem o requisito da pobreza não há igualdades a compensar; (b)
favorecer o consumidor, rico ou pobre, sem que sua alegação seja verossímil, fecharia ou estreitaria
sem motivo a via de acesso à ordem jurídica justa, em relação ao produtor, sujeitando-o aos azares
de uma probatio diabolica.

Conclui-se, assim, que, desde 1990, o Código de Defesa do Consumidor, por seu artigo 6º, VIII,
permite a inversão judicial do ônus da prova nas lides envolvendo relação de consumo, em favor do
consumidor, quando o juiz entender presentes, cumulativamente, os requisitos da verossimilhança
das alegações do consumidor e da hipossuficiência técnica ou financeira desse para a produção de
determinada prova.

Entretanto, não demorou que a doutrina percebesse a insuficiência dessa norma de inversão do
ônus da prova presente no Código do Consumidor, justamente por cingir-se às lides consumeristas.

Ora, apesar de ser patente a hipossuficiência probatória nas relações de consumo, tal não é
característica exclusiva das lides consumeristas, existindo também nas lides processuais civis de
natureza distinta, a exemplo das que versam sobre direito de família, direito imobiliário, obrigações
civis, direito empresarial e sucessões causa mortis, entre outras.

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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

Daí surgiu corrente doutrinária defendendo, em Terrae Brasilis, a adoção da teoria denominada
“distribuição dinâmica do ônus da prova”, que apregoa a possibilidade de inversão do ônus da prova
em processos cíveis de quaisquer naturezas, sempre que uma das partes se encontrar em situação
de hipossuficiência para a produção da prova de determinado fato. Nesse caso, possuindo a parte
adversária melhores meios para a produção da referida prova, transmite-se a ela o seu ônus. O
critério, destarte, é o da maior facilidade da prova.

Nesse sentido, ensinam Marinoni e Arenhart33 que:

(...) considerada a natureza das relações de consumo, é certo que ao consumidor não pode ser
imputado o ônus de provar certos fatos (...). Porém, isso não quer dizer que não existam outras
situações de direito substancial que exijam a possibilidade de inversão do ônus da prova ou mesmo
requeiram uma atenuação do rigor na aplicação da regra do ônus da prova.

Em contraposição, pois, à distribuição estática do ônus da prova consagrada como regra geral em
nosso ordenamento jurídico (artigo 373, caput, do novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656)) e
que tem por fundamento a natureza dos fatos a serem provados (constitutivos, extintivos, impeditivos
ou modificativos), a distribuição dinâmica consiste em uma redistribuição casuística do ônus da
prova, com fulcro na maior facilidade de cada parte para a produção das provas necessárias,
independentemente da natureza do fato a ser provado.

É certo que referida técnica não pode ser empregada desmedidamente, devendo ser utilizada de
modo excepcional, apenas nos casos em que a regra geral estática de ônus da prova tornar
impossível a produção da prova, resultando em probatio diabolica. Ou seja, a distribuição dinâmica
tem vez somente quando a produção da prova se mostrar impossível ou extremamente difícil à parte
estaticamente onerada (e apenas a essa), caso em que a inversão do ônus da prova à parte
contrária, que possua maior facilidade em sua produção, é necessária a que se possa carrear aos
autos tal prova.

Nesse sentido, o escólio de Danilo Knijnik,34 para quem:

(...) a idéia de um ônus dinâmico não afasta, de per si, as regras legais a esse respeito fixadas pelo
legislador (...). A invocação do ônus dinâmico da prova entraria em jogo quando a aplicação
daquelas regras iniciais conduzisse a uma probatio diabolica, vindo a inutilizar a ação judiciária e o
acesso útil ao Estado-Jurisdição.

De todo modo, tem-se que a contundente postulação doutrinária pela adoção da distribuição
dinâmica do ônus da prova foi considerada pelo legislador quando da elaboração do novo Código de
Processo Civil (LGL\2015\1656) (Lei 13.105/2015), de modo que nesse Diploma Legal encontra-se
também regramento de inversão judicial do ônus da prova, com base, claramente, na referida teoria
e, pois, aplicável às lides processuais em geral35 .

Tais previsões são encontradas no artigo 373 da nova Lei Processual, que, após regular em seu
caput a regra geral estática de ônus da prova, cuida de dispor, nos §§ 1º e 2º 36 , sobre a distribuição
dinâmica, estipulando, desde logo, seus requisitos permissivos e suas limitações.

Estabelece o § 1º do artigo 373 que, além dos casos já previstos em lei (ou seja, além da situação do
artigo 6º, VIII, do Código do Consumidor), o juiz poderá, por decisão fundamentada, atribuir o ônus
da prova de modo diverso da regra geral também quando, analisando as peculiaridades da causa,
entender presente qualquer das seguintes hipóteses: (a) impossibilidade ou excessiva dificuldade de
a parte estaticamente onerada cumprir o encargo (situação de hipossuficiência); (b) maior facilidade
de obtenção da prova do fato contrário – que, porém, não pode ser entendida como simples
facilidade, mas como facilidade expressiva, patente, contraposta à existência de razoável dificuldade
em se produzir a prova do fato principal, sob pena de se profanar o instituto da inversão do ônus da
prova, que, já vimos, é norma de exceção37 .

Ademais, importante limitação à inversão do ônus da prova é trazida pelo § 2º do mesmo artigo 373,
segundo o qual a distribuição dinâmica do ônus da prova não pode gerar situação em que a
desincumbência do ônus seja impossível ou extremamente dificultosa à parte inversamente onerada.
Isso porque, para ocorrer a inversão, a prova deve ser objetivamente possível. Proíbe-se, assim, a
probatio diabolica reversa, de modo a vetar-se a inversão caso a prova (no caso, a contraprova)
também não possa ser produzida pela parte contrária.
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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

Pondera Danilo Knijnik38 que:

(...) a dinamização do ônus não pode derivar na consagração de uma probatio diabolica reversa. (...)
O que se objetiva é apenas sua redistribuição fundamentada e racional, segundo a posição dos
litigantes na relação de direito material e no episódio fático.

Não por outro motivo, estipula o § 1º que o juiz, ao aplicar a inversão, deve conceder à parte
dinamicamente onerada a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Assim, em
respeito ao primado do contraditório, tido como garantia de não surpresa, assegura-se à parte a
chance de adequadamente produzir a prova e cumprir seu ônus.

Por fim, vale lembrar que a inversão judicial do onus probandi é regra de exceção que se opera
apenas ope judicis, de modo que, para sua aplicação, é mister haver provimento judicial expresso e
fundamentado que, demonstrando seu cabimento no caso concreto, efetive-a, redistribuindo, assim,
o encargo probatório no processo.

Seguindo esse raciocínio, o § 1º do artigo 373 do novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656) é
expresso em afirmar que a distribuição dinâmica depende de decisão judicial fundamentada –
ausente a qual, aliás, aplica-se a regra geral estática, como afiança Haroldo Lourenço39 : “a regra é a
distribuição legal e prévia do ônus da prova. A dinamização é excepcional (art. 373, § 1º, do
CPC/2015 (LGL\2015\1656)), dependendo de decisão judicial, de ofício ou a requerimento”.

6 A problemática do momento processual adequado à inversão judicial: uma velha discussão

Como fixado no presente texto, a efetivação da inversão judicial do ônus da prova demanda decisão
judicial que expressamente a determine. Advém daí importante problemática: qual é o momento
processual adequado à prolação da referida decisão?

A questão resultou em intrincada celeuma doutrinária e jurisprudencial, que se arrasta já por mais de
duas décadas e de que derivaram três correntes de entendimento, surgidas ainda no período em que
a única regra sobre inversão judicial do ônus da prova, no Direito brasileiro, era a constante do artigo
6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Analisemos, pois, as considerações de cada qual.

Uma primeira parcela da doutrina, baseada exclusivamente no aspecto objetivo do ônus da prova,
manifesta o entendimento de que a inversão judicial é regra de julgamento segundo a qual o juiz,
apenas ao sentenciar – e percebendo a ausência de prova suficiente –, verifica os requisitos
permissivos previstos na lei e onera, na própria sentença, a parte contrária, julgando em seu
desfavor.

Alegam os defensores dessa corrente que o ordenamento jurídico processual traz, de modo
expresso e claro, a regra geral sobre ônus da prova (atual artigo 373, caput, do novo Código) e as
normas sobre inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, do Código Consumerista e o novel artigo
373, §§ 1º e 2º, do Código Processual de 2015), devendo todas ser conhecidas pelos procuradores
das partes litigantes, que, analisando o caso concreto, teriam condições de saber se haveria ou não
a inversão do ônus da prova e, assim, qual o encargo probatório de seus respectivos representados.

Parte-se do pressuposto de que uma parte, sabendo qual prova é encargo da outra, e percebendo a
possibilidade da inversão de seu ônus, deve produzir tal prova, sob pena de assumir o risco de uma
sentença desfavorável, como indica Araújo Cintra40 , adepto desse entendimento: “a própria previsão
legal afasta a ocorrência de surpresa, podendo-se admitir que a parte, que deixou de produzir prova
de que dispunha, o fez por negligência ou em virtude de estratégia processual e, em qualquer caso,
deve arcar com as consequências da omissão”.

Ademais, argumenta-se que o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor estipula que o juiz
deve analisar a presença dos requisitos da inversão com base nas “regras ordinárias de
experiências”, que são critérios de que o juiz pode fazer uso no momento da valoração das provas,
que, geralmente, confunde-se com o momento de sentenciar41 .

Por fim, fundamentam os defensores dessa corrente que a inversão do onus probandi em momento
anterior ao da valoração (ou da produção) das provas implicaria prejulgamento da ação, o que se
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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

mostraria inadmissível. Segundo Kazuo Watanabe42 , que também comunga desse entender,
“somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a
afirmar se existe ou não a situação do non liquet, sendo caso ou não, consequentemente, de
inversão do ônus da prova”.

Embora bastante difundido, o pensamento dessa primeira corrente padece de sérios equívocos,
inclusive quanto a pressupostos básicos do instituto em tela.

Comecemos pelo fato de que a inversão do onus probandi em momento anterior ao da sentença não
culmina em prejulgamento da lide. Isso porque o reconhecimento da verossimilhança das alegações,
para fins de redistribuição do ônus da prova (consoante artigo 6º, VIII, do Código do Consumidor),
ocorre mediante análise perfunctória da lide (cognição sumária), que não vincula a análise meritória
mais aprofundada (cognição exauriente) a ser realizada pelo juiz na sentença, com base no material
probatório já acostado aos autos.

Vale, nesse ponto, a lição da jurista Sá dos Santos43 , ao esclarecer que a inversão do ônus da prova
em momento anterior ao da sentença “não aponta para o fato de que a decisão de mérito será
favorável ao consumidor”, indicando a autora, ainda, que “há vários julgados em que houve a
mencionada inversão e o consumidor sucumbiu”.

Assim, ainda que reconhecida a verossimilhança das alegações de uma das partes, nada impede
que o juiz, após a produção e valoração das provas, e mediante juízo de cognição exauriente, decida
em favor da parte adversária.

O grande problema do pensamento dessa primeira corrente, entretanto, é outro: com o procedimento
proposto por seus defensores (decisão sobre inversão apenas no momento da sentença), por não
serem os litigantes devida e previamente informados da ocorrência da inversão do onus probandi,
inibe-se o direito ao contraditório.

O contraditório, por sua mais atual concepção, coloca-se não apenas como direito de uma parte em
contradizer o alegado pela parte adversa, mas como efetivo instrumento para que as partes atuem
na formação do convencimento judicial, sendo, nessa medida, autêntico elemento legitimador do
poder jurisdicional, e vinculando também o juiz, que deve abster-se de atuar de modo a causar
surpresa às partes. Daí entender-se o contraditório como uma “garantia de não surpresa”44 .

Veja-se: a inversão do ônus da prova apenas em sentença nada mais é que uma decisão surpresa,
já que, por localizar-se o momento decisório após o encerramento da atividade instrutória, resta
impossibilitado o cumprimento do ônus pela parte que, até então, não sabia ser inversamente
onerada.

Daí porque, como bem leciona Marinoni45 , a inversão “deve dar à parte que originariamente não
possui o ônus da prova a oportunidade de produzi-la (...), sob pena de a inversão do ônus da prova
significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus”.

E a mera circunstância de as regras de repartição e de inversão do ônus da prova serem do


conhecimento das partes não é suficiente para que estas saibam quando ocorrerá ou não a inversão
do onus probandi, já que tal inversão é um poder-dever conferido pela lei ao juiz quando este,
exclusivamente, entender presentes no caso concreto seus requisitos permissivos, o que culmina,
sem exceção, na necessidade de sua manifestação decisiva expressa no processo acerca da
inversão ou não do ônus da prova.46

É fato que parcela mais maleável dessa primeira corrente, a exemplo de Dinamarco47 , entende que o
juiz, nada obstante efetive a redistribuição do ônus da prova apenas na sentença, possa alertar as
partes, no momento do saneamento, acerca da possibilidade de inversão.

Todavia, mesmo com essa ressalva, o entendimento mostra-se equivocado, visto que se a inversão
judicial do onus probandi demanda pronunciamento expresso que efetivamente a determine, o mero
alerta do juiz no saneamento (que indica simples possibilidade) em nada resolve, senão apenas
mantém nas partes a dúvida sobre se a inversão ocorrerá ou não.

Dessa forma, é imperioso que a referida decisão sobre a inversão do ônus da prova seja proferida
em tempo de as partes cumprirem com seus respectivos encargos. Em outras palavras: a inversão
deve ser efetivada em momento anterior ao da instrução probatória (ou em seu curso), nunca na
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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

sentença, já que admitir-se a inversão apenas na ocasião do julgamento da causa seria, conforme
explicitam Lucas Buril de Macêdo e Ravi Peixoto48 , “imaginar que as partes são capazes de
exercícios de futurologia, adivinhando a quem caberá provar este ou aquele fato”.

Daí o escólio de André Pagani de Souza49 , no sentido de que:

(...) o órgão judicial não pode informar as partes que flexibilizou as regras sobre ônus da prova
somente no momento do julgamento. (...) As regras sobre ônus da prova tem um caráter de orientar
a conduta das partes ao longo do processo, mais do que ser uma regra de julgamento. Por isso, o
magistrado que não usar do seu dever de advertência, para levar ao conhecimento dos sujeitos
processuais a flexibilização das regras sobre ônus da prova, proferirá uma decisão-surpresa nula de
pleno direito.

A inversão após a instrução probatória poderia, ademais, resultar na situação de ambas as partes,
em dúvida quanto aos seus ônus e temerosas com a possibilidade de arcarem com os riscos da não
desincumbência, produzirem a mesma prova, cada qual a sua, sobre o mesmo fato, contrariando,
assim, o princípio da economia processual.

E pior: imagine-se que, na hipótese aventada, as duas provas alcancem resultados contrários – algo,
aliás, possível de acontecer. Sem sombra de dúvidas, a obtenção desses resultados antagônicos
traria ainda maiores transtornos, mantendo a divergência sobre a veracidade do fato, o que
dificultaria a formação do convencimento judicial.

Ademais, a inversão realizada no momento da sentença apenas poderia ser atacada mediante
apelação, expediente recursal a se mostrar extemporâneo, já que eventual reconhecimento das
razões do recorrente quanto à questão do ônus da prova resultaria na anulação de vários atos
processuais (desde a instrução probatória), que deveriam, pois, ser refeitos, prejudicando a
economia e a celeridade processuais.50

Assim, com a devida vênia dos adeptos da primeira corrente, não seria adequado adotar-se o
posicionamento puramente objetivo de que a inversão do ônus da prova é uma regra de julgamento,
sendo inaceitável sua aplicação apenas no momento da sentença, visto ferir os princípios do
contraditório, da economia processual e, possivelmente, da verdade real.

Com o fito de resolver tal problema, surgiu uma segunda corrente de entendimento que,
considerando o aspecto subjetivo do onus probandi, defende que sua inversão deve ocorrer
anteriormente à fase instrutória, entre o despacho inicial e o saneamento do processo, sendo este
último o prazo máximo para que o juiz decida pela inversão.

Adepto dessa corrente, preleciona Rizzatto Nunes51 que:

(...) o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o
situado entre o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos a fase processual posterior à
contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até o saneador, ou neste, será o melhor
momento.

E completa: “não vemos qualquer sentido, diante da norma do CDC (LGL\1990\40), que não gera
inversão automática (à exceção do Art. 38), que o magistrado venha a decidir apenas na sentença a
respeito da inversão, como se fosse uma surpresa a ser revelada para as partes”.

Parte-se, novamente, da escorreita premissa segundo a qual o juiz, sempre que aplicar a inversão do
ônus da prova, deve fazê-lo com antecedência, cientificando as partes e concedendo prazo razoável
para que o inversamente onerado produza a prova necessária, uma vez que atitude diversa o
surpreenderia, cerceando sua defesa – já que correria o risco de ser condenado pela ausência de
prova que não teve oportunidade de produzir – e violando, assim, o princípio do contraditório. Daí
afirmar João Batista de Almeida52 que “o deferimento da inversão deverá ocorrer entre a propositura
da ação e o despacho saneador, pena de prejuízo para a defesa do réu”.

Portanto, fácil é perceber que a solução alcançada por essa segunda corrente doutrinária se faz mais
adequada, já que, entendendo como momento apropriado para inversão do onus probandi o período
compreendido entre o despacho inicial e o saneamento processual, atua em defesa do princípio do
contraditório, evitando, ademais, a tormentosa hipótese da produção de duas provas sobre o mesmo
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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

fato (e a ofensa ao princípio da economia processual), pois as partes já conhecem, de antemão,


seus respectivos encargos probatórios.

Há de se convir, porém, que existe também pernicioso inconveniente em tal entendimento: é que o
momento para inversão então defendido constitui período muito amplo, aceitando-se a decisão de
redistribuição do ônus da prova inclusive antes do recebimento da contestação, o que se configuraria
como decisão prematura, visto não haver, ainda, conhecimento das teses de defesa do réu e, desse
modo, não ser possível saber também quais os fatos dependentes de prova, por não ter ainda fixado
os pontos controversos da lide.

Ora, impossível seria que, logo initio litis, o juiz decidisse pela presença dos requisitos à inversão do
ônus da prova – sejam eles do Código do Consumidor (hipossuficiência do consumidor e
verossimilhança do alegado), sejam do novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656)
(impossibilidade ou extrema dificuldade para produção da prova ou maior facilidade de prova do fato
contrário) –, já que sua verificação depende obrigatoriamente da análise das teses apresentadas
pelas partes na petição inicial e na contestação bem como da definição dos pontos controvertidos e
das provas a serem produzidas.

Partindo dessa linha de raciocínio, surge uma terceira corrente de entendimento, defendendo que o
momento correto à inversão do ônus da prova é apenas o saneamento processual, sendo a inversão
uma regra puramente de instrução.

Como se percebe, essa terceira corrente também confere relevância ao aspecto subjetivo do ônus
da prova, entendendo que sua inversão na ocasião da sentença (como regra de julgamento) inibiria
das partes o direito ao contraditório. Por esse motivo, também se posiciona no sentido de que devem
os litigantes ter ciência da aplicação da inversão do onus probandi desde o início da fase instrutória,
de modo a terem a oportunidade para a produção das provas necessárias.

Diferencia-se, contudo, ao estipular que o momento correto para a inversão do ônus da prova não é
todo o período compreendido entre o despacho inicial e o saneamento processual, senão apenas
este último, já que, como visto anteriormente, seria muito crua a análise, antes do saneamento, dos
requisitos que permitem a inversão, visto sequer se conhecerem os pontos controversos e os fatos
cuja prova seria necessária.

Segundo Theodoro Júnior53 , “antes da contestação, nem mesmo se sabe quais fatos serão
controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova. (...) No momento da sentença, a inversão
seria medida tardia porque já encerrada a atividade instrutória”. Assim, conclui Rios Gonçalves54 que
o momento oportuno à inversão é o da audiência de saneamento, “quando o juiz, em contato com as
partes, fixará os pontos controvertidos e decidirá as provas que serão produzidas”.

Tem-se por mais correto, portanto, que o momento propício à inversão do ônus da prova é o
saneamento do processo, que se encontra antes da instrução probatória – não gerando surpresa às
partes – e em que o juiz já tem em mãos as teses de defesa da parte contrária, fixando os pontos
controvertidos e determinando as provas que devem ser produzidas – circunstância indispensável a
que seja adequadamente analisada a presença dos requisitos legais permissivos da inversão do
ônus da prova.

E assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 422.778-SP55 ,


consagrando o escorreito posicionamento de que a inversão do onus probandi é regra de instrução,
devendo a decisão que a efetiva ser prolatada, preferencialmente, no momento do saneamento do
processo.

Portanto, a norma de inversão judicial do ônus da prova, por relativizar a distribuição do ônus da
prova no caso concreto, necessita ser entendida como regra de instrução56 , devendo a decisão que
a aplica ser proferida no momento do saneamento processual, já que apenas desse modo seja
garantido respeito ao contraditório bem como às máximas de celeridade e economia processuais.

Sem embargo, tratando-se de inversão do ônus da prova motivada por impossibilidade ou extrema
dificuldade de a parte produzir a prova (hipossuficiência técnica ou financeira), deve-se relativizar a
conclusão anteriormente exposta, na hipótese de a referida hipossuficiência surgir
supervenientemente ao saneamento, ou seja, já na instrução probatória.

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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

Como consideramos em trabalho anterior57 , mostra-se adequada, nessa hipótese, sob pena de
causar injusto prejuízo à parte hipossuficiente, a excepcional admissão da inversão do ônus da prova
no decorrer da instrução probatória, desde que antes da produção da prova cujo ônus se pretende
inverter – de modo a conferir-se à parte inversamente onerada a oportunidade para cumprir com seu
ônus, em respeito ao contraditório.

7 A solução conferida pelo novo Código de Processo Civil

O legislador, ao redigir o novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656) e atento à antiga


discussão quanto ao momento adequado à prolação da decisão que aplica a inversão o ônus da
prova, buscou trazer à questão solução positivada. Adotou, nesse passo, corretamente, o
entendimento acima esposado – e também cristalizado no Superior Tribunal de Justiça –, segundo o
qual o momento adequado à inversão do ônus da prova é o saneamento processual, sendo tal uma
regra de instrução.

Percebe-se essa opção legislativa, inicialmente, do próprio § 1º do artigo 373 do novo Código, ao
determinar que: (a) a decisão de redistribuição do ônus da prova deve ter por base as
“peculiaridades da causa”, cuja verificação depende, por lógico, de já se terem fixados os fatos
objetos de prova; e que (b) o juiz, ao inverter o onus probandi, “deverá dar à parte a oportunidade de
se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”, o que significa, em outras palavras, que a inversão
deve ocorrer em momento anterior ao da produção da prova e, assim, antes da sentença.

Ora, se a redistribuição do ônus deve ocorrer depois de estabelecidos os fatos a serem provados,
mas antes da instrução probatória, tem-se por incontestável que a decisão que a efetiva deve ser
proferida no momento do saneamento do processo, localizado exatamente nesse espaço temporal.

É como afiançam Teresa Arruda Alvim et alii58 , ao explicitarem que, segundo a norma do artigo 373,
§ 1º, do novo Código, o juiz, ao aplicar a inversão do onus probandi, “deverá fazê-lo, de forma
fundamentada, na decisão de saneamento e organização do processo, de maneira a não colher as
partes de surpresa e assegurar-lhes tempo hábil para se desincumbirem do ônus que
originariamente não lhes cabia”59 .

Ademais, vale perceber que o texto do novo Código traz disposições muito sólidas acerca do
contraditório, conferindo-lhe nova roupagem como “dever de consulta”, de modo que o Poder
Judiciário apenas pode decidir questões previamente levadas a debate com as partes litigantes,
ainda que se trate de matérias apreciáveis ex officio, excetuando-se de tal regra apenas as decisões
de tutela provisória de urgência ou de evidência (artigos 7º, 9º, 10, 487, parágrafo único, e 493,
parágrafo único, do novo Código de Processo Civil60 ).

Uma vez que o Código de 2015 exige, de modo contundente, o respeito ao contraditório, entendido
como um dever de consulta e, assim, verdadeira garantia de não surpresa, não resta qualquer
espaço a que se compreenda a norma de inversão do ônus da prova como regra de julgamento,
sendo imperioso que se lhe reconheça a natureza de regra procedimental de instrução.

O novo Diploma Processual, desse modo, concedeu guarida legal ao adequado entendimento do
Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a inversão do ônus da prova é regra de instrução,
devendo, pois, ocorrer no saneamento processual, sob pena de ofensa ao contraditório – e também
à economia e celeridade processuais, como concluído anteriormente.

Assevera Assumpção Neves61 que, pelo sistema do novo Código, “em respeito ao contraditório, a
parte terá amplo direito à produção da prova, de modo que não parece interessante que essa
inversão ocorra somente no momento da sentença, sob pena de ofensa ao princípio da economia
processual”, sendo, pois, mais vantajosa a inversão no “momento de saneamento do processo”.

Aliás, percebe-se que, para o Código de 2015, o respeito ao momento do saneamento é, mesmo,
requisito processual à inversão do ônus da prova, visto que a determinação de inversão em
momento posterior (na sentença ou em sede de apelação, por exemplo) consiste em error in
procedendo do juiz, reparável mediante o recurso cabível.

E referida conclusão é reforçada quando se analisa a norma do artigo 357, III, do novo Código62 ,
que, tratando do saneamento processual, dispõe expressamente ser esse o momento adequado
para o juiz definir a distribuição do ônus da prova, sendo, assim, também o momento para,
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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

fundamentadamente, decidir por sua inversão.63

Vale criticar, nesse ponto, apenas o fato de o Código, ao determinar peremptoriamente que o
momento para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o saneamento processual, culminar
por aparentemente inadmiti-la em momento posterior, solução que se mostra injusta, tendo em vista
a possibilidade de a hipossuficiência probatória surgir após o saneamento (mas sempre
anteriormente à sentença), demandando, pois, excepcionalmente, a inversão do ônus da prova
durante a instrução, sob pena de a parte hipossuficiente sofrer injusto prejuízo.

O relevante à questão do momento da inversão do ônus da prova, como bem pontua Arruda Alvim64 ,
é que o juiz reserve “espaço útil à produção da prova”, circunstância que, embora sempre presente
quando a inversão se dá no momento do saneamento, abre espaço a que, excepcionalmente,
admita-se a inversão em momento posterior, desde que anterior ao término da instrução probatória.

Afora isso, porém, merece aplausos a sistemática adotada pelo novo Codice quanto à
regulamentação expressa do momento para a prolação da decisão que determina a inversão do
ônus da prova, estabelecendo ser a inversão do ônus da prova regra de instrução a ser empregada
quando do saneamento processual e, assim, solucionando de modo escorreito a celeuma doutrinária
que se arrasta já por mais de duas dúzias de anos.

8 Considerações finais

Diante de todo o exposto no presente trabalho, conclui-se que o momento adequado à inversão do
ônus da prova é o saneamento processual, em atenção ao aspecto subjetivo do ônus da prova e
respeitando-se o princípio do contraditório, bem como as máximas da economia e da celeridade
processuais. Aliás, esse entendimento, já cristalizado na jurisprudência de nossas mais altas cortes,
restou adotado também expressamente pelo novo Código de Processo Civil (LGL\2015\1656), que
inovou ao veicular regulamentação legal genérica ao instituto da inversão do onus probandi,
solucionando também a velha questão problemática.

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Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

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ZANETI, Paulo Rogério. Flexibilização das regras sobre o ônus da prova. São Paulo: Malheiros
Editores, 2011.

1 E, igualmente, um dos temas mais problemáticos, como em meados do século passado já


reconhecia o processualista uruguaio Eduardo Couture (1951. p. 146), indicando, ao tratar da teoria
geral das provas, que a questão do ônus da prova “se trata, sin duda, del problema más complejo y
delicado de toda esta materia”.

2 TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Trad. Vitor de Paula
Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 236.

3 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Leme: CL Edijur, 2014. p. 51.

4 CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Teoria das provas e suas aplicações aos atos civis.
Campinas: Servanda, 2000. p. 32.

5 CURY, Augusto Jorge. Ônus da prova e sua inversão no novo direito processual civil. Curitiba:
Juruá, 2015. p. 101.

6 A exemplo de Plácido e Silva, que, conceituando o ônus da prova, afirma que essa locução
exprime “a obrigação de provar” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho
e Priscila Pereira Vasques Gomes. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 987).

7 BUZAID, Alfredo. Do ônus da prova. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São


Paulo, São Paulo, v. 57, jan.-dez 1962. p. 126-127.

8 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. 4. ed.
Campinas: Bookseller, 2009. p. 923.

9 Afiançam, ademais, Ovídio Baptista e Fábio Luiz Gomes que “a parte a quem incumbe produzir a
prova não tem qualquer obrigação de fazê-lo, no sentido de que o não cumprimento dessa suposta
obrigação pudesse ser considerado como uma conduta ilícita. (..) não pode haver obrigação sem um
direito correlato, e ninguém tem direito a que outrem faça prova de fatos que lhe digam respeito”
(SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 301).

10 Assim ensinava, verbi gratia, Chiovenda, ao compreender o cumprimento do ônus da prova como
“uma condição para alcançar a vitória” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual
civil. Trad. Paolo Capitanio. 4. ed. Campinas: Bookseller, 2009. p. 923). Na doutrina nacional,
Theodoro Júnior, seguindo o conceito de Kisch, afirma que “o ônus da prova vem a ser, portanto, a
necessidade de provar para vencer a causa” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 37. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. v. I. p. 373).

11 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Página 16
Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

Tribunais, 2011. p. 178-179.

12 CURY, Augusto Jorge. Ônus da prova e sua inversão no novo direito processual civil. Curitiba:
Juruá, 2015. p. 116.

13 “Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao
réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”

14 “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao
réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”

15 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2004. v. III. p. 73.

16 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
530.

17 Afirma Buzaid, nessa senda, que “para decidir, o juiz tomará em consideração todos os fatos e
circunstâncias constantes dos autos, sem indagar se as provas procedem de uma ou de outra parte;
em outras palavras, sem verificar se a prova foi subministrada pela parte a quem tocava o ônus de
sua produção, ou pela parte contrária. O essencial é saber se os fatos relevantes foram devidamente
provados” (BUZAID, Alfredo. Do ônus da prova. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, São Paulo, v. 57, jan.-dez. 1962. p. 140).

18 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. 2.
ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004. v. II. p. 135.

19 TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 148.

20 Nesse sentido, afirma Pacífico que, “embora a regra de julgamento permita a definição do
conteúdo da sentença em qualquer hipótese, com isto alcançando o alcandorado escopo de
pacificação (escopo social do processo), o mesmo não se pode dizer do escopo jurídico, pois, quanto
maior a qualidade da prova obtida, mais justa e fiel ao plano material tende a ser a decisão”
(PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 159-160).

21 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tocantins: Intelectos, 2003. v. II. p.
101.

22 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques
Gomes. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 782.

23 CURY, Augusto Jorge. Ônus da prova e sua inversão no novo direito processual civil. Curitiba:
Juruá, 2015. p. 128.

24 “Art. 373. (..) § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção
das partes, salvo quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente
difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada
antes ou durante o processo.”

25 “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que: (..) VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em
prejuízo do consumidor.”

26 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Volume 1. Parte geral. 34. ed. 6. tir. São Paulo: Saraiva, 2007.
p. 278.

27 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 367.

Página 17
Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

28 Artigo 5º, XXXII, artigo 170, V, e artigo 48 do ADCT.

29 A ideia de inversão do ônus da prova baseada na verossimilhança das alegações decorria já do


pensamento de Calamandrei, para quem o exame da verossimilhança ostenta grande importância
como instrumento concedido ao juiz “para atenuar a rigidez das regras legais de distribuição do ônus
da prova”. Aliás, o jurista italiano chegou a imaginar um sistema “em que a distribuição do ônus da
prova – em vez de estar rigidamente preestabelecido pela lei segundo a posição processual das
partes, e a natureza dos fatos a provar ajustada à relação jurídica – estivesse determinada em cada
caso pelo juiz segundo uma prévia avaliação comparativa da verossimilhança das afirmações das
partes” (CALAMANDREI, Piero. Instituições de direito processual civil. Trad. Douglas Dias Ferreira.
2. ed. Campinas: Bookseller, 2003. v. III. p. 292-293).

30 E tanto a hipossuficiência técnica como a financeira ensejam a inversão do ônus da prova, já que
ambas refletem situação de desigualdade que necessita ser sanada. Nessa senda, salienta Eduardo
Arruda Alvim que o termo “hipossuficiente” empregado pelo dispositivo legal “compreende não
apenas a hipótese de hipossuficiência econômica, como também abrange a hipossuficiência de
dados e informações” (ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013. p. 531).

31 É o entendimento esposado, exemplificativamente, por Marinoni e Arenhart, para quem “a


interpretação gramatical impõe a conclusão de que basta a verossimilhança ou a hipossuficiência”
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 207).

32 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2004.V. III. p. 80.

33 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 201.

34 KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova” e da “situação de


senso comum” como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabolica.
In: FUX, Luiz; NERY JR.; Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (Coord.). Processo e
constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista
dos Tribunais. p. 906.

35 Muito embora, à época do Código de 1973, existisse doutrina – a exemplo de Paulo Rogério
Zaneti (ZANETI, Paulo Rogério. Flexibilização das regras sobre o ônus da prova. São Paulo:
Malheiros Editores, 2011. p. 166-168) – defendendo a desnecessidade de um regramento legal
positivado da distribuição dinâmica do ônus da prova, alegando que a lei não é a única fonte formal
do Direito e que a própria sistemática processual e a exegese dos princípios reguladores do
processo, por si só, já seriam compatíveis com a aplicação prática da Teoria da Carga Dinâmica.

36 “Art. 373. (..) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo
diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a
oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste
artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil.”

37 É o que defendemos desde nosso livro sobre o tema (CURY, Augusto Jorge. Ônus da prova e
sua inversão no novo direito processual civil. Curitiba: Juruá, 2015. p. 218-219).

38 KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova” e da “situação de


senso comum” como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabolica.
In: FUX, Luiz; NERY JR.; Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (Coord.). Processo e
constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. p. 948.

Página 18
Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

39 LOURENÇO, Haroldo. Teoria dinâmica do ônus da prova no novo CPC. São Paulo: Método,
2015. p. 122.

40 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao código de processo civil. Volume IV. Arts. 332
a 475. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 24.

41 Consoante assevera João Batista Lopes, indicando que “a própria lei se refere expressamente às
regras de experiência (ou máximas de experiência), que, como se sabe, não são normas jurídicas,
mas noções abstratas extraídas da observação do que comumente acontece”, concluindo o autor,
em seguida, que “somente após o encerramento da instrução é que se deverá cogitar da aplicação
da regra de inversão do ônus da prova” (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 50-51).

42 WATANABE, Kazuo et alii. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores
do anteprojeto. Volume II. Processo coletivo (arts. 81 a 104 e 109 a 119). 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 11.

43 SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova como garantia constitucional
do devido processo legal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 81.

44 A expressão é utilizada por Dierle Nunes, que, ao tratar do princípio do contraditório, afirma que
este “não incide sobre a existência de poderes de decisão do juiz, mas, sim sobre a modalidade de
seu exercício, de modo a fazer do juiz um garante de sua observância e impondo a nulidade de
provimentos toda vez que não exista a efetiva possibilidade de seu exercício” (NUNES, Dierle José
Coelho. O princípio do contraditório: uma garantia de influência e não de surpresa. In: JORDÃO,
Eduardo Ferreira; DIDIER JÚNIOR,Fredie Souza (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário
mundial. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 170).

45 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. Volume I. Teoria geral do processo. 7. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 335.

46 Segundo admoesta Rizzato Nunes, tratando da inversão do ônus da prova no âmbito do Código
de Defesa do Consumidor: “É, portanto, distribuição legal do ônus que se faz, sem sombra de
dúvida. E, claro, nesse caso não precisa o juiz fazer qualquer declaração a respeito da distribuição
do gravame. (..) Não haverá, na hipótese, qualquer surpresa para as partes, porquanto elas sempre
souberam a quem competia a desincumbência da produção da prova. Ora, não é essa certeza que
se verifica no sistema da lei consumerista. (..) a inversão não é automática! Como vimos antes, a
inversão se dá por decisão do juiz diante de alternativas postas pela norma: ele inverterá o ônus se
for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor. Logo, o raciocínio é de lógica
básica: é preciso que o juiz se manifeste no processo” (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de
direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 854).

47 Segundo Dinamarco, “se o juiz pretender inverter o ônus da prova (..) dessa possibilidade
advertirá as partes na audiência preliminar. Mas a efetiva inversão só acontecerá no momento de
julgar a causa, pois antes ainda não se conhecem os resultados mais conclusivos ou menos
conclusivos a que a instrução probatória conduzirá” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de
direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. v. III. p. 84).

48 MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. A teoria da dinamização do ônus da prova, o novo
CPC e as adaptações necessárias para a sua utilização no procedimento dos juizados especiais.
Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 420, jul.-dez., 2014. p. 220.

49 SOUZA, André Pagani de. Vedação das decisões-surpresa no processo civil. São Paulo: Saraiva,
2014. p. 178.

50 Nessa esteira, observa Sá dos Santos que: “para atacarmos referida decisão no bojo da
sentença, não nos resta outra opção: interposição de apelação, com preliminar de cerceamento de
defesa. No caso de o tribunal acolher a preliminar, os autos serão remetidos ao juízo a quo, para a
reabertura da instrução” (SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova como
garantia constitucional do devido processo legal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
Página 19
Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

79).

51 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 855.

52 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
110.

53 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre


as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito
processual civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 186.

54 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 368.

55 “Inversão do ônus da prova. Regra de instrução. A Seção, por maioria, decidiu que a inversão do
ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão judicial
que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo
menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade
para manifestar-se nos autos” (EREsp 422.778-SP. rel. originário Ministro João Otávio de Noronha,
rel. p/ o ac. Ministra Maria Isabel Gallotti – art. 52, IV, b, do RISTJ, j. 29.02.2012).

56 Nada obstante o ônus da prova, em si, apresente-se, ao mesmo tempo e com a mesma
relevância jurídica, como regra de instrução (aspecto subjetivo) e regra de julgamento (aspecto
objetivo), conforme analisado no item deste trabalho.

57 CURY, Augusto Jorge. Ônus da prova e sua inversão no novo direito processual civil. Curitiba:
Juruá, 2015. p. 152-153.

58 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et alii. Primeiros comentários ao novo Código de Processo
Civil. Artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 724.

59 Também Marinoni, Mitidiero e Arenhart, analisando a norma em comento, asseveram que “sendo
o caso de inversão, além dos pressupostos definidos em lei, ela deve ocorrer oportunizando-se
necessariamente à parte, a partir daí onerada, a possibilidade de provar. Sob essa orientação,
quando se fala em inversão do ônus da prova, essa norma adquire a qualidade de norma de
instrução e não de norma de julgamento” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 485).

60 Os dispositivos são os seguintes: “Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em


relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos
deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”;
“Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às
hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art.
701”; “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de
matéria sobre a qual deva decidir de ofício”; “Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I –
acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; II – decidir, de ofício ou a
requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III – homologar: a) o reconhecimento
da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à
pretensão formulada na ação ou na reconvenção. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1º do
art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes
oportunidade de manifestar-se”; “Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo,
modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em
consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo
único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir”.

61 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil. Lei 13.105/2015. Inovações,
Página 20
Decisão sobre ônus da prova: o momento adequado à
sua inversão judicial

alterações e supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015. p. 266-267.

62 “Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de
saneamento e de organização do processo: (..) III – definir a distribuição do ônus da prova,
observado o art. 373.”

63 E tem a doutrina comemorado a opção do novo Código de Processo Civil de fixar o saneamento
processual como o momento oportuno para a inversão do ônus da prova, como se percebe, por
exemplo, na manifestação de Lucas Buril de Macêdo e Ravi Peixoto sobre o tema: “realizada na
decisão de saneamento, poderá a parte atuar adequadamente, orientando-se de forma a se
desincumbir do ônus a ela imposto. A opção legislativa, mais uma vez, afigura-se adequada ao
modelo cooperativo, sendo importante a fixação do momento processual para a dinamização do
ônus probatório” (MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. A teoria da dinamização do ônus da
prova, o novo CPC e as adaptações necessárias para a sua utilização no procedimento dos juizados
especiais. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 420, jul.-dez. 2014. p. 220).

64 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 861.

Página 21

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