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AULA 4

DIREITOS DA
PERSONALIDADE: ALGUMAS
REFLEXÕES ATUAIS SOBRE
ASPECTOS DA INTEGRIDADE
MORAL
Aula 4 – ALGUMAS REFLEXÕES ATUAIS SOBRE ASPECTOS DA
INTEGRIDADE MORAL
(pessoa física)

AGENDA
Distinções sobre personalidade

Desenvolvimento dos direitos da personalidade

Características

Extensão dos direitos da personalidade

Há hierarquia entre eles?

Aspectos da integridade moral


Precisões e distinções sobre “personalidade”

Note-se que há dois sentidos técnicos para o conceito de personalidade.

1.º Noção associada à qualidade de ser sujeito de direito (direitos e obrigações), comum às pessoas físicas e às
jurídicas.

2.º Aplicável à proteção da pessoa humana, a sua dignidade e seus atributos singulares, a partir da Constituição,
Código Civil e leis especiais, cujas formas aplicam-se às pessoas naturais e nem sempre se aplicam às pessoas
jurídicas, necessitando do exame do caso concreto (PERLINGIERI, 1972, p. 138).
Desenvolvimento dos direitos da personalidade
Direitos humanos Direitos da personalidade
Referem-se aos direitos essenciais do indivíduo Referem-se à tutela dos direitos essenciais à
com relação ao direito público, com a intenção pessoa humana, imanentes a sua personalidade
de protegê-los, sobretudo contra as no direito privado, em relação entre
arbitrariedades do Estado. particulares, devendo-se ser protegidos quando
ameaçados ou violados por outras pessoas.
• Princípio da dignidade humana – art. 1º, III, da CF
• Princípio da solidariedade social – art 3º, I, da CF Arts. 11 a 21 do CC
• Princípio da igualdade social – art. 5º da CF

Cf. Mattia, 1979, p. 150.


Os direitos da personalidade

• Os direitos fundamentais, expressos na Constituição Federal, a exemplo do princípio da dignidade humana (art 1º, III),
estão refletidos no Código Civil, nos arts. 11 a 21.

São um conjunto de situações jurídicas existenciais tuteladas pelo


ordenamento, que expressam bens e valores essenciais à pessoa, seja
natural, física, moral ou intelectual (FRANÇA, 1976).

• Os direitos da personalidade são um valor em si que aperfeiçoam a personalidade presente no ordenamento jurídico,
conferindo um mínimo de direitos existenciais, necessários à própria existência humana.

• Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
É inerente à pessoa humana.
Características principais:
 Personalíssimos;
 Intransmissíveis (inseparáveis da pessoa);
 Irrenunciáveis (porque essenciais à pessoa humana);
 De natureza extrapatrimonial (ainda que possa haver exceções, a exemplo
dos direitos do autor e propriedade industrial);
 Imprescritíveis (não se extinguem pela falta exercício do direito);
 Vitalícios (assegurados desde a concepção, incluem embrião);
 Indisponíveis (os direitos, não seus efeitos)
Direitos da personalidade: Indisponíveis?

Os direitos da personalidade são indisponíveis, mas seus reflexos ou efeitos patrimoniais, econômicos (reflexos),
podem ser objeto de disposição do titular do direito.

Art. 11 do CC: Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente
nem geral” (Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil do CJF).

Cf. Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2020). O Código Civil e o Direito da Personalidade. Revista Do
CEPEJ, (11). Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/CEPEJ/article/view/37603
Informativo 606 (STJ)
“O exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que
não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua
utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes” (REsp 1.630.851/SP, 3.ª
Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, j. 27.04.2017, DJe 22.06.2017).

• Locutora profissional e gravação de sua voz para atendimento telefônico (saudação telefônica)
por empresa intermediária, relacionada com empresa de computadores e software conhecida no
segmento em que atua.
• Possibilidade de proteção de direitos conexos do autor (originalidade).
• Hipótese concreta que trata da possibilidade de examinar se o uso da voz está de acordo e nos
limites do acordado.

Exemplo: Contrato de cessão de uso de imagem e voz.


Uso não autorizado – direito da personalidade/direito de imagem

• DIREITO DE IMAGEM – Utilização de fotografia do autor em álbum de figurinhas e não em livro de


história, pela preponderância comercial da obra, com a comercialização de figurinhas – Requerida que
não se desincumbiu do ônus de provar a cessão pelo autor do direito de imagem – Direito de imagem que
não se confunde com o direito de arena – O fato de se deixar fotografar com o uniforme do Clube
Desportivo não importa em autorização para o seu uso comercial - Razoabilidade da condenação fixada
em R$ 10.000,00 – Danos materiais inexistentes - Recursos desprovidos

(TJSP, 4.ª Câmara de Direito Privado, Foro de Barueri – 6.ª Vara Cível, Apelação Cível 1011714-
32.2020.8.26.0068, Rel. Alcides Leopoldo, j. 28.10.2021, data de registro: 11.11.2021).
Direito da personalidade: limitado ou ilimitado?

Não se toleram o uso e o abuso do direito

Enunciado 139, III Jornada de Direito Civil


“Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não
podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariando a boa-fé objetiva e os bons costumes.”

Conflito entre dois direitos da personalidade ou direitos constitucionalmente garantidos:


Consideração de critérios da proporcionalidade e as circunstâncias fáticas.
Extensão dos direitos de
personalidade

Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código


Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no
art. 1.º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em
caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se
aplicar a técnica da ponderação (Enunciado 274 da IV Jornada de Direito
Civil).
Direito da personalidade: há hierarquia prévia entre eles?

Não. Então, para a solução do conflito, não há uma única regra aplicável ou a prevalência de um direito
sobre o outro.

No caso, por exemplo, de conflito entre o direito a imagem (imagem-retrato e imagem-atributo) e a liberdade de
imprensa/dever de informar:

“A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente
em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á
em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as
características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não
restrinjam a divulgação de informações” (Enunciado 279 do CJF/STJ da V Jornada de Direito Civil).
Direitos da personalidade
Contribuições de Limongi França

Direito à integridade moral Direito à integridade Direito à integridade intelectual


• liberdade – art. 11 do CC
física
• liberdade de pensamento (art. 5º, IV,
• direito à honra – arts. 16 a 19 do da CF)
CC • direito à vida – art. 11 do CC
• direitos do autor (art. 28 da Lei
• direito ao recato (intimidade da • direito sobre o próprio corpo – 6.910/1998)
vida privada) – art. 21 do CC
arts. 13 e 15 do CC
• direito à imagem – art. 20 do CC
• direito ao cadáver – art. 14 do
• direito ao nome - arts. 16 a 19
do CC CC
.
Direito ao nome
Art. 16, CC - “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.”

Mecanismos de proteção
“Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou
representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.”
“Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.”

Proteção estendida ao pseudônimo


“Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao
nome.”
Direito ao nome
Art. 16 do CC – todos os elementos integrantes do nome:
• o prenome, ou seja, nome próprio da pessoa (Andrea, Fernanda);
• o sobrenome, nome de família (Zanetti, Tartuce, Silva);
* as partículas (de, da, dos);
* o agnome retoma a existência de nome precedente (Filho, Neto, Júnior).

O nome poderá ser alterado mediante justificativa em regra (exceção art. 56 da Lei
nº 14.382) e desde que o objetivo não seja prejudicar terceiros: nome que expõe ao
ridículo ou causa embaraço; erro de grafia; introdução de apelidos sociais ou
alcunhas; casamento; adoção; reconhecimento de paternidade, entre outros.
Lei 14.382 de 27 de junho 2022
(Sistema Eletrônico de Registros Públicos)

Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e
imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a
alteração será averbada e publicada em meio eletrônico.
§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma)
vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial.
A conexão do direito ao nome com a identidade pessoal

O direito à identidade pessoal contempla o direito ao nome. Mesmo sem expressa indicação
no Código Civil, o direito à identidade pessoal assegura o reconhecimento da pessoa
segundo sua própria identificação e suas características genuínas. Trata-se da tutela
conferida à pessoa que sente lesada na sua dignidade por ser retratada “com caracteres
identificativos incompatíveis” com aqueles que genuinamente se identifica em sua vida
pessoal e social. (TEPEDINO; OLIVA, 2021, p. 160).
A conexão do direito ao nome com a identidade pessoal
Observa-se a evolução das decisões do STJ (3ª Turma, REsp 1.905.614/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.05.2021, DJe 06.05.2021) quanto
à modificação do nome:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIREITO AO NOME. ELEMENTO ESTRUTURANTE DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MODIFICAÇÃO DO NOME DELINEADA EM HIPÓTESES
RESTRITIVAS E EM CARÁTER EXCEPCIONAL. FLEXIBILIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DAS REGRAS. ATRIBUIÇÃO DE NOME
AO FILHO. EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR QUE PRESSUPÕE BILATERALIDADE E CONSENSUALIDADE. INADMISSÃO DA
AUTOTUTELA. ATO DO PAI QUE, DESRESPEITANDO CONSENSO DOS GENITORES, ACRESCE UNILATERALMENTE
PRENOME À CRIANÇA POR OCASIÃO DO REGISTRO. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE LEALDADE E BOA-FÉ. ATO ILÍCITO.
EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER FAMILIAR. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE PARA EXCLUSÃO DO PRENOME INDEVIDAMENTE
ACRESCIDO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ, INTUITO DE VINGANÇA OU PROPÓSITO DE ATINGIR À GENITORA.
IRRELEVÂNCIA. CONDUTA CENSURÁVEL EM SI MESMA. [...]
4. Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas,
esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.
(Continua….)
(Continuação…)

5. Nomear o filho é típico ato de exercício do poder familiar, que pressupõe bilateralidade, salvo na falta ou
impedimento de um dos pais, e consensualidade, ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual
desacordo entre eles, inadmitindo-se, na hipótese, a autotutela.

6. O ato do pai que, conscientemente, desrespeita o consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser
dado ao filho, acrescendo prenome de forma unilateral por ocasião do registro civil, além de violar os deveres
de lealdade e de boa-fé, configura ato ilícito e exercício abusivo do poder familiar, sendo motivação bastante
para autorizar a exclusão do prenome indevidamente atribuído à criança que completará 4 anos em
26.05.2021 e que é fruto de um namoro que se rompeu logo após o seu nascimento.

7. É irrelevante apurar se o acréscimo unilateralmente promovido pelo genitor por ocasião do registro civil da
criança ocorreu por má-fé, com intuito de vingança ou com o propósito de, pela prole, atingir à genitora,
circunstâncias que, se porventura verificadas, apenas servirão para qualificar negativamente a referida conduta.

8. Recurso especial conhecido e provido (STJ, 3ª Turma, REsp 1.905.614/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
04.05.2021, DJe 06.05.2021).
A conexão do direito ao nome com a identidade pessoal

Evolução do tema
• A pessoa transgênero é a pessoa cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo do seu nascimento.

• A possibilidade de disposição do próprio corpo e alteração do nome como forma de observar o direito
à identidade pessoal, como a direito à personalidade.

A interpretação do art. 13 acerca dos atos de disposição sobre o próprio corpo, consoante o Enunciado 276
da IV Jornada de Direito Civil do CJF:
“o art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza
as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo
Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”.
• Trata-se de possibilidade e não obrigatoriedade – intervenção cirúrgica
A perspectiva atual do direito ao nome para a pessoa transgênero
(CF, Pacto de São José da Costa Rica)
Possibilidade de alteração do prenome, mesmo sem cirurgia de transgenitalização.
• ADI 4.275/DF, o STF decidiu, por maioria:
• “[...] 1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A
identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao
Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que
comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por
autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito
fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil
pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de
terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da
personalidade (STF, Sessão Plenária, Redator p/ acórdão Edson Fachin, j. 1º.03.2018).
AULA 5
DIREITOS DA
PERSONALIDADE: ALGUMAS
REFLEXÕES ATUAIS SOBRE
ASPECTOS DA INTEGRIDADE
MORAL
Aula 5 – ALGUMAS REFLEXÕES ATUAIS SOBRE ASPECTOS DA
INTEGRIDADE MORAL
(pessoa jurídica)

AGENDA
É possível estender os direitos da personalidade para a pessoa jurídica?

Quais são as pessoas jurídicas?

Pessoas jurídicas podem pleitear ação de indenização por violação à honra?

Qual a situação atual dos entes despersonalizados na perspectiva da violação da honra?


• É possível estender os direitos da personalidade para a
pessoa jurídica?

• E para os entes despersonalizados?


Quais são as pessoas jurídicas na previsão do Código Civil?

i) Art. 42 do CC – Pessoas jurídicas de direito público externo – Estados estrangeiros e todas as


pessoas regidas pelo direito internacional público.
ii) Art. 44 do CC – Pessoas jurídicas de direito privado
• as associações
• as sociedades
• as fundações
• as organizações religiosas
• os partidos políticos
Obs. Por não existir mais a EIRELI, havendo apenas Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), o inciso VI do
art. 44 foi revogado pela Lei 14.382/2022.
A pessoa jurídica é sujeito de direitos e obrigações?

A pessoa jurídica é entidade que surge a partir de conjunto de pessoas que, organizadas para fins comuns específicos,
podendo incluir ou não bens, adquire individualidade e autonomias próprias, na expressão de Amaral (2017, p. 392).
A partir de então, a lei confere personalidade e capacidade jurídica à entidade para que seja titular de direitos e
obrigações.

A) TEORIA DA FICÇÃO – a pessoa jurídica é uma ficção do legislador, pois só o homem é sujeito de direito -
GIERKE
B) TEORIA ORGÂNICA OU DA REALIDADE OBJETIVA – a pessoa coletiva é um organismo social semelhante à
pessoa física, com capacidade de vida autônoma – CASTRO Y BRAVO
C) TEORIA INSTITUCIONAL – é a partir das relações sociais, não da vontade humana, que se constata a existência
de grupos organizados destinados à realização de uma ideia socialmente útil – PLANIOL e RIPERT
Qual a escolha do legislador para fundamentar a capacidade
da pessoa jurídica de direito privado?
TEORIA DA REALIDADE TÉCNICA – “a pessoa jurídica resulta de um processo técnico, a personificação, pela
qual a ordem jurídica atribui personalidade a grupos em que a lei reconhece vontade e objetivos próprios”
(AMARAL, 2017, p. 392).

Art. 45 do CC. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato
constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
• Pessoas jurídicas de direito público interno: são civilmente responsáveis por atos dos seus
agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os
causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo (art. 43 do CC).

A partir da constituição técnica da pessoa jurídica, não é a pessoa, mas a própria entidade, que será
sujeito de direitos e obrigações. Neste ponto, o próprio Código Civil aponta:

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a


proteção dos direitos da personalidade.
Necessária adaptação dos direitos da personalidade para a
pessoa jurídica
• Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos
direitos da personalidade.

Direito à integridade moral


• liberdade (?)
• direito à honra (?)
• direito ao recato (intimidade da vida privada) (?)
• direito à imagem (?)
• direito ao nome (?)
Apontamentos doutrinários
• “Podemos destacar, dentre outros, já que • “O sigilo industrial, o sigilo bancário,
ilimitados, como direitos da personalidade etc. podem também ser em parte
aplicáveis às pessoas jurídicas: honra, garantidos pelo ordenamento, mas não
reputação, nome, marca e símbolos com base na cláusula geral de tutela da
(direito à identidade da pessoa jurídica), pessoa humana. Esta exprime um valor
propriedade intelectual, ao segredo e ao existencial (o respeito da intimidade da
sigilo, privacidade, e assim todos que, com vida privada da pessoa física); aquele,
o avanço do direito, fizerem-se necessários um interesse patrimonial do banco e/ou
à proteção dos desdobramentos e do cliente” (PERLINGIERI, 2007, p.
desenvolvimento da ‘vida’ das pessoas 157).
jurídicas” (MATOS, 2008, p. 311).
Diferenças
Pessoa física Pessoa jurídica
• Honra subjetiva: é a dignidade pessoal. • Honra objetiva: referente à confiança e à
Reputação que a pessoa tem de si mesma reputação da entidade no mercado.
• Facilidade de obtenção e manutenção do crédito.
• Honra objetiva: é a repercussão da reputação no • Credibilidade, reputação.
meio social.

A honra violada (seja no caso da pessoa natural ou pessoa jurídica) pode acarretar a
responsabilidade penal quando tipifica os crimes de calúnia, injúria e difamação (arts. 138, 139
e 140 do CP) e responsabilidade civil, com o ressarcimento dos prejuízos pelo ofensor (art. 953
do CC).
• Pessoa jurídica pode pleitear danos morais
decorrentes da violação da honra?
Possibilidade a partir da violação da honra objetiva, pois aplica-se no que
couber (art. 52 do CC)

• “Esse dano moral somente pode atingir a honra objetiva da pessoa jurídica, a sua reputação. Não
há que se falar em lesão à honra subjetiva, pois a pessoa jurídica não tem sentimentos”
(TARTUCE, 2021, p. 206).

• Súmula 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.


No caso de renovação de serviços de telefonia, o simples envio de SMS para a empresa cliente não é suficiente
para justificar a renovação automática do contrato, uma vez cumprido o prazo de fidelidade contratual na visão do TJMG.
Por isso, indevida a multa rescisória.
Todavia, uma vez que a empresa de telefonia, devido ao não pagamento da multa, inscreveu o nome da empresa
cliente nos órgãos de proteção de crédito, a 10.ª Câmara Cível do TJMG determinou o pagamento de indenização a título de
danos morais:

- A imagem da empresa é muito relevante na sua vida comercial implicando diversos aspectos, desde a obtenção
de créditos como no seu próprio valor patrimonial. A pessoa jurídica pode sofrer danos de ordem moral,
entendimento consolidado pela Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça. Deve ser considerado o caráter
duplo do dano moral, isto é, punitivo aliado ao compensatório, observando-se os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. A fixação do dano deve ser feita em medida capaz de incutir ao agente do ato ilícito lição de
cunho pedagógico, mas sem propiciar o enriquecimento ilícito da vítima e com fulcro nas especificidades de cada
caso (TJMG, 10.ª Câmara Cível, Apelação Cível 5003705-02.2020.8.13.0027, Rel. Des. Cavalcante Motta, j.
17.08.2021, publicação 24.08.2021).
Sobre a inscrição indevida e a indenização por danos morais in re ipsa

No Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.875.896/SP, a Quarta Turma do STJ,


com relatoria do Ministro Marco Buzzi, foi apontada a tendência atual da Corte de Justiça em
reconhecer o dano moral in re ipsa, “nos casos de protesto indevido ou inscrição irregular em
cadastro de inadimplentes” , segundo os precedentes da mesma Corte (STJ, 4.ª Turma, AgInt no
AREsp 1.875.896/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 29.11.2021, DJe 1º.12.2021).
Em outro sentido:
• Ação de indenização por danos materiais e morais movidos por empresa que sofreu
prejuízos diante do atraso na entrega das obras necessárias ao aumento da capacidade do seu
sistema elétrico, logo, impossibilitando a expansão das atividades da empresa com reflexos
econômicos.
• Configuração de elementos caracterizadores do dever reparação por danos materiais, mas
faltaram elementos para configuração do dano moral, na análise da Terceira Turma do STJ
(REsp 1.807.242/RS, com a relatoria da Min. Nancy Andrighi, j. 20.08.2019):
[...] 8. A distinção entre o dano moral da pessoa natural e o da pessoa jurídica acarreta uma
diferença de tratamento, revelada na necessidade de comprovação do efetivo prejuízo à
valoração social no meio em que a pessoa jurídica atua (bom nome, credibilidade e reputação).
9. É, portanto, impossível ao julgador avaliar a existência e a extensão de danos morais
supostamente sofridos pela pessoa jurídica sem qualquer tipo de comprovação, apenas alegando
sua existência a partir do cometimento do ato ilícito pelo ofensor (in re ipsa). Precedente. [...]
11. No contexto fático delineado pela moldura do acórdão recorrido, não há, todavia, nenhuma
prova ou indício da ocorrência de lesão à imagem, bom nome e reputação da recorrida, pois não
foi evidenciado prejuízo sobre a valoração social da recorrida no meio (econômico) em que atua
decorrente da demora da recorrente em concluir a obra no prazo prometido… (STJ, 3ª Turma,
REsp 1.807.242/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.08.2019, REPDJe 18.09.2019, DJe 22.08.2019).
Ente despersonalizado?

A questão do CONDOMÍNIO EDILÍCIO:


Constituído de duas partes indissociáveis perpetuamente:

1. Propriedade exclusiva – unidade autônoma – correspondente à fração ideal do terreno (art. 1.331, § 1º, do
CC).
Apartamento, escritórios, salas, lojas e sobrelojas.

2. Propriedade comum – terreno e áreas comuns (art. 1.331, § 2º, do CC).


Solo, estrutura do prédio, telhado, rede geral de água, esgoto, luz, calefação e refrigeração

Para suas atividades, possui CNPJ, pode abrir e gerir conta bancária, possui capacidade postulatória e a figura do
síndico (eleito em assembleia e que administra o condomínio – arts. 1.347 e 1.348 do CC)

38
I Jornada de Direito Civil – CJF
• Enunciado 90
“Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao
condomínio edilício nas relações jurídicas
inerentes às atividades de seu peculiar interesse.”
Personalidade
III Jornada de Direito Civil – CJF
jurídica? Ente • Enunciado 246
despersonalizado? “Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão
da parte final: ‘nas relações jurídicas inerentes às
atividades de seu peculiar interesse’. Prevalece o
texto: ‘Deve ser reconhecida personalidade
jurídica ao condomínio edilício’.”
Condomínio edilício
Tais teses, todavia, não repercutiram no regime jurídico brasileiro.

A doutrina tradicional, a exemplo de Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, não reconhecia a
personalidade jurídica ainda que haja capacidade processual ou postulatória do condomínio a partir do
representante legal do conjunto de proprietários que é o síndico (do art. 75, XI, do CPC).

Características: ainda que haja a necessária administração, a partir de síndico eleito em assembleia, trata-se
de vínculo de natureza real, e não pessoal, como ocorre na sociedade.

“Entre os diversos proprietários de apartamentos não existe um vínculo de natureza pessoal, nem o ânimo de se unirem
num empreendimento comum, que permita qualificá-los como sócios. Ademais, a sociedade é uma pessoa jurídica. Se
existisse, o prédio lhe pertenceria, e não aos donos de apartamentos” (GOMES, 2019, p. 239).

40
Ente despersonalizado
Até o momento, o condomínio não é considerado pessoa jurídica, prevalecendo os argumentos
de que isso se deve a sua não inserção no art. 44 do CC e por não ser considerado sociedade.

O que não lhe impede de obter capacidade processual, postulatória proporcional a suas
finalidades: atuar judicialmente, abrir e movimentar conta bancária, contratar funcionários
(art. 75, IX, do CPC).
* Projeto de Lei 3.461/2019
STJ – Ente despersonalizado e possibilidade de danos morais
Trecho de ementa (Segunda Turma)
• Em decisão da Segunda Turma do STJ, envolvendo corte de fornecimento energia a partir de
apuração unilateral de suposta fraude no medidor, a Turma assinalou que, embora o condomínio
não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser assegurado o tratamento conferido à pessoa
jurídica, no que diz respeito à possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe
aplicável a Súmula 227 desta Corte, in verbis: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral". III.
O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido
de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral – no caso, o Condomínio –, desde que
demonstrada ofensa à sua honra objetiva. [...] (STJ, 2ª Turma, REsp 1.298.689/RS, Rel. Min.
Castro Meira, DJe 15.04.2013). VI. Agravo regimental desprovido (STJ, 2ª Turma, AgRg no
AREsp 189780/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 09.09.2014, DJe 16.09.2014).
STJ – Ente despersonalizado e possibilidade de danos morais

Trecho de ementa (Terceira Turma)


Em ação de indenização por danos morais e materiais promovida pelo condomínio contra moradora, a
Terceira Turma do STJ decidiu de modo diverso no REsp 1.736.593/SP, j. 11.02.2020.
Tratava-se de moradora que mesmo notificada realizou evento em desrespeito às regras presentes na
convenção de condomínio e em desobediência à ordem judicial, com repercussões não só para os demais
condôminos (sossego), mas também para a vizinhança do local, no caso, o hospital vizinho (que recorreu à
sedação de pacientes).
Não obstante o reconhecimento do abalo da reputação do condomínio perante a comunidade pelo
Tribunal de origem, a Terceira Turma do STJ compreendeu pela impossibilidade do dano moral no caso.
Continuação…
Afinal, o condomínio é ente despersonalizado, caracterizado como massa patrimonial, não haveria como
lhe atribuir a honra objetiva, o que haveria em realidade é ofensa individualmente dirigida a cada um dos
condôminos, pois quem goza de reputação são os condôminos, e não o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a
este endereçado.
Com base nessa premissa, a decisão não reconheceu a possibilidade de reparação dos danos morais ao
condomínio. No trecho da ementa assinalou-se que, diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas,
qualquer repercussão econômica negativa será suportada, ao fim e ao cabo, pelos próprios condôminos, devendo
cada um dos proprietários das unidades autônomas ingressar individualmente, no caso de desvalorização do imóvel.
Assinalou-se, por fim, que existem outras medidas sancionatórias administrativas para o condômino nocivo ou
antissocial (STJ, 3ª Turma, REsp 1.736.593/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.02.2020, DJe 13.02.2020).
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