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INTENSIVO I

Flávio Tartuce
Direito Civil
Aula 4

ROTEIRO DE AULA

Pessoa natural (continuação)


Pessoa jurídica

1.3. Direitos de personalidade

• Artigo 20 do Código Civil (continuação)

O art. 20 do Código Civil tutela a imagem (imagem-retrato: fisionomia; e imagem-atributo: repercussão social).

CC, art. 20: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a
divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama
ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)”

Conforme o dispositivo, em regra, a utilização da imagem alheia depende de autorização do seu titular. Exceções:
• Se a pessoa ou o fato interessar à administração da justiça – Exemplo: solução de crimes.
• Se interessar à manutenção da ordem pública.

A tutela da imagem deve ser ponderada com a liberdade de imprensa/pensamento/expressão e com o direito à informação.
Nesse sentido, o Enunciado n. 279, IV JDC1, prevê alguns critérios:

1 Enunciado 279, IV JDC: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados,
especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á
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• Notoriedade do retratado e dos fatos.
• Características da utilização da imagem.
• Veracidade dos fatos.
• Privilegiando-se medidas que não restrinjam a informação (função social da imagem).

A ponderação foi aplicada pelo STF no julgamento da ADIN n. 4.815 (biografias não autorizadas). Segundo o Tribunal, não
cabe censura prévia (“Cala a boca já morreu” – Min. Carmen Lúcia) – A análise sobre as biografias é sempre “a posteriori”
para fins de responsabilidade civil.

O art. 20 do CC, em sua parte final, menciona que cabe indenização se houver lesão à honra, à boa-fama ou à respeitabilidade.
Obs.: A lesão à honra, à boa-fama ou à respeitabilidade pode ser irrelevante, como ocorre com o disposto na Súmula 403 do
STJ2.

• Artigo 21 do Código Civil


No art. 21 do Código Civil, há a tutela da intimidade, da vida privada e do segredo.

CC, art. 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)”

De acordo com o dispositivo, “a vida privada da pessoa natural é inviolável” (?).


Conforme Anderson Schreiber, a vida privada é violada a todo tempo – Exemplo: raios-X em aeroportos.

✓ O direito à intimidade não é absoluto.

Obs.: Atenção para a Lei 13.709/2018 (LGPD), que trata da proteção de dados pessoais na internet na perspectiva da
intimidade e da vida privada.
✓ Essa lei está em vigor desde setembro de 2020.
✓ A Lei 14.010/2020, que criou o regime jurídico emergencial transitório (RJET) em matéria de Direito Privado, traz a
premissa de que a utilização de dados precisa de autorização do titular.
Lei 13.709/2018, art. 2º: “A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de
sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de
informações.”
2 STJ, Súmula 403: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com
fins econômicos ou comerciais.”

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I - o respeito à privacidade;
II - a autodeterminação informativa;
III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;
IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
V - o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
VI - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas
naturais.”

Classificação tripartida dos direitos da personalidade


Rubens Limongi França dividia os direitos da personalidade em três grandes grupos:
o Direitos de integridade física (direito à vida, direito ao corpo vivo, direito ao corpo morto).
o Direitos de integridade moral (direito ao nome, à honra, à imagem, à intimidade, à vida privada).
o Direitos de integridade intelectual (direito às criações, às invenções, aos direitos autorais).

1.4. Domicílio da pessoa natural

Domicílio, em sentido amplo (ou lato sensu), é o local onde a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem civil.

Art. 70, CC3: Em regra, o domicílio equivale à residência, que é o local onde a pessoa se estabelece com ânimo definitivo de
permanência (domicílio residencial).

✓ É possível a pluralidade de domicílios residenciais (art. 71, CC4).

Art. 72, CC5 - Foi introduzida a previsão quanto ao domicílio profissional ou laboral, o qual diz respeito ao exercício da
profissão.
É possível a pluralidade do domicílio laboral.

3 CC, art. 70: “O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.”
4 CC, art. 71: “Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio
seu qualquer delas.”
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CC, art. 72: “É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é
exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio
para as relações que lhe corresponderem.”
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➢ Para a “pessoa padrão”:
• CC/1916: um domicílio (residencial).
• CC/2002: dois domicílios (residencial e profissional).

Art. 73, CC6 - Traz a ideia de morada eventual – Aplicável para a pessoa que não tem residência fixa.
✓ O local do domicílio equivale ao local onde a pessoa for encontrada. Exemplos: nômades, ciganos, circenses.

Classificação do domicílio

a) Domicílio voluntário: decorre da vontade (autonomia privada) (CC, art. 747).


b) Domicílio legal ou necessário: imposto pela norma jurídica (CC, art. 768). Ele não exclui o domicílio voluntário.
Esquema:
✓ Absoluta ou relativamente incapaz: domicílio do seu representante ou assistente (respectivamente).
✓ Servidor público: local onde exerce de forma permanente as suas funções.
✓ Militar: local onde servir (quartel).
✓ Marinha ou Aeronáutica: sede do comando.
✓ Marítimo (marinheiro): local da matrícula do navio.
✓ Preso: local de cumprimento da pena.

c) Domicílio contratual: é aquele fixado para o cumprimento de direitos e deveres previstos no contrato (CC, art. 789).
O domicílio contratual é distinto da cláusula de eleição de foro, que é a cláusula que estabelece o foro competente para
apreciar o conflito decorrente do contrato (CPC, art. 6310).

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CC, art. 73: “Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.”
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CC, art. 74: “Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar. Parágrafo único. A prova
da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais
declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.”
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CC, art. 76: “Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. Parágrafo único. O
domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente
suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a
sentença.”
9 CC, art. 78: “Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos
e obrigações deles resultantes.”
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CPC, art. 63: “As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será
proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento
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1.5. Morte da pessoa natural

A morte gera o fim da personalidade jurídica (CC, art. 6º11). Exceção: direitos da personalidade do morto (CC, arts. 12,
parágrafo único12 e art. 20, § único13 – imagem).

Classificação da morte e seus efeitos:


a) Morte real
• É aquela considerada com “corpo presente”.
• A morte é cerebral/encefálica (Lei 9.434/97, art. 3º14) – e não coronária.
• Com a morte real, é feito um atestado de óbito, desde que haja laudo médico atestando a morte (em regra) – O art.
77 da Lei de Registros Públicos15 trata desse documento e ele foi alterado pela Lei n. 13.484/17 (tornou dispensável
laudo médico).

b) Morte presumida
Presunção: dedução lógica feita pela lei ou pelo aplicador do direito, que parte de um fato conhecido para chegar ao
desconhecido.

escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das
partes. § 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que
determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu. § 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da
cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.”
11 CC, art. 6º: “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que
a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.”
12 CC, art. 12, § único: “Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge
sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”
13 CC, art. 20, § único: “m se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge,
os ascendentes ou os descendentes.”
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Lei 9.434/97, art. 3º: “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou
tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não
participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por
resolução do Conselho Federal de Medicina. (...)”
15 LRP, art. 77, caput: “Nenhum sepultamento será feito sem certidão do oficial de registro do lugar do falecimento ou do
lugar de residência do de cujus , quando o falecimento ocorrer em local diverso do seu domicílio, extraída após a lavratura
do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas
que tiverem presenciado ou verificado a morte.”
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Se a presunção é feita pela lei, chama-se presunção legis. Se a presunção é feita pelo aplicador, ela é chamada de presunção
hominis.

A presunção pode ser absoluta ou relativa.


• A presunção absoluta não admite prova em contrário (iure et de iure).
• A presunção relativa ou iuris tantum admite prova em contrário.

A presunção a ser estudada nesse tópico é relativa e se refere à presunção de morte “sem corpo presente”.

Modalidades:

b.1) Morte presumida sem declaração de ausência (justificação) (CC, art. 7º16 e Lei n. 6.015/73, art. 8817)

Hipóteses de justificação:
• 1- Desaparecimento da pessoa, sendo extremamente provável a sua morte, pois estava em perigo de vida. Exemplos:
acidentes, desastres, catástrofes, inundações, criminalidade.
• 2- Guerra. Pessoa envolvida em campanha militar ou feita prisioneira e não encontrada até dois anos após o término
da guerra.

Na justificação, há um processo judicial mais simples.


Esgotadas as buscas e averiguações, a sentença fixa a data provável da morte – Exemplo: acidente aéreo.

b.2) Morte presumida com declaração de ausência (arts. 22 a 39 do CC)

Considerações:
• O ausente está em local incerto e não sabido.

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CC, art. 7º: “Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte
de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até
dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser
requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.”
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Lei n. 6.015/73, art. 88: “Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas
em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local
do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame.
Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento em campanha, provados a
impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do artigo 85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito.”

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• A pessoa desapareceu sem deixar notícias.
• O ausente é considerado morto – e não absolutamente incapaz.
• Na ausência, há um longo e demorado procedimento judicial com três fases (CC, arts. 22 a 39):
o 1ª fase: curadoria dos bens do ausente.
o 2ª fase: sucessão provisória (precária).
o 3ª fase: sucessão definitiva (declaração da morte).

✓ Artigos importantes18: art. 22; art. 26; art. 27; art. 28; art. 30; art. 37 do Código Civil.

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CC, art. 22: “Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou
procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público,
declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.”
CC, art. 26: “Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se
passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.”
CC, art. 27: “Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados: I - o cônjuge não separado
judicialmente; II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários; III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito
dependente de sua morte; IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.”
CC, 28: “A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de
publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao
inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido. § 1º Findo o prazo a que se refere o art. 26 , e não havendo
interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente. § 2º Não comparecendo
herdeiro ou interessado para requerer o inventário até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que mandar abrir
a sucessão provisória, proceder-se-á à arrecadação dos bens do ausente pela forma estabelecida nos arts. 1.819 a 1.823 .”
CC, art. 30: “Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias da restituição deles, mediante
penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos. § 1º Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não
puder prestar a garantia exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração
do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia. § 2º Os ascendentes, os descendentes e o
cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens
do ausente.”
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✓ Art. 39, CC19: trata do retorno do ausente (10 anos). Ele tem direito aos bens no estado em que se encontrarem.
✓ Art. 38, CC20: trata do ausente com oitenta anos (ou mais). Neste caso, se o ausente desapareceu há 5 anos ou mais,
ingressa-se diretamente na 3ª fase.

Os casos analisados são de presunção quanto à existência da morte.


Obs.: Comoriência não é uma hipótese de presunção quanto à existência da morte. A comoriência se refere à presunção
quanto ao momento da morte real (CC, art. 8º21).

Na comoriência, há uma presunção relativa ou “iuris tantum” quanto ao momento da morte.


✓ Esse instituto causa impacto no Direito das Sucessões.

Se duas ou mais pessoas falecerem na mesma ocasião, não sendo possível verificar quem morreu primeiro, haverá presunção
relativa de que faleceram ao mesmo tempo. Não se admite premoriência (presunção de que um morreu primeiro).

Exemplo:

Imagine que haja um acidente de trânsito envolvendo “A” e “B”. O policial, no local do acidente, constata que “A” ainda
respira, mas falece logo em seguida. “B” já estava morto. Entretanto, não há prova efetiva (ex.: laudo médico) e a declaração
do policial não será levada em consideração.

CC, art. 37: “Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os
interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.”
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CC, art. 39. “Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus
descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados
em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele
tempo. Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não regressar, e nenhum
interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito
Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em
território federal.”
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CC, art. 38. “Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e
que de cinco datam as últimas notícias dele.”
21 CC, art. 8º: “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes

precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.”

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Nesse caso, se fosse levada em conta a presunção de premoriência, a herança de “B” iria para “A” e a herança de “A” iria
para “C”.

✓ No exemplo dado, aplica-se uma presunção de que “A” e “B” faleceram ao mesmo tempo.
✓ Com a comoriência, as heranças são mantidas nas respectivas famílias.
✓ Em caso de dúvida, há a presunção de comoriência.

Tema: Pessoa jurídica

2. Pessoa jurídica de Direito Privado (CC, arts. 40 a 69)

2.1. Conceito e modalidades

Outras expressões para “pessoa jurídica”: “pessoa coletiva”, “pessoa abstrata” e “pessoa moral”.

Conceito: a pessoa jurídica é um conjunto de pessoas ou de bens, em regra, criado por ficção legal (Teoria da ficção).
A pessoa jurídica não se confunde com os seus membros, seus sócios e administradores, conforme consta no novo art. 49-A
do CC (Teoria da realidade orgânica).

CC, art. 49-A: “A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos,
estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação
em benefício de todos.”

Observação: Teoria da ficção + Teoria da realidade orgânica = Teoria da realidade técnica (CC/16, art. 20; e CC/02, art. 4522
e art. 49-A).

Modalidades (rol do art. 44 do Código Civil23)

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CC, art. 45: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no
registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a
constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua
inscrição no registro.”

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CC, art. 44: “São pessoas jurídicas de direito privado:
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• Associações: conjuntos de pessoas.
• Sociedades: conjuntos de pessoas (em regra) – A sociedade limitada unipessoal é exceção (art. 1.052, § 1º, CC24).
• Fundações: conjuntos de bens.
• Organizações religiosas: conjunto de pessoas.
Incluídos pela Lei n. 10.825/03
• Partidos políticos: conjunto de pessoas.
• EIRELIs: pessoas jurídicas formadas por uma só pessoa: incluída pela Lei n. 12.441/11.

Observação: as organizações religiosas e partidos políticos foram tratados em separado para que deixassem de se enquadrar
como associações. Agora eles são corporações especiais, com autonomia em relação ao Código Civil de 2002 e tratamento
próprio (CC, art. 2.031, parágrafo único).

Questão: O rol do artigo 44 do Código Civil é taxativo (“numerus clausus”) ou exemplificativo (“numerus apertus”)?
Correntes:
• 1ª) Visão clássica: o rol é taxativo (Maria Helena Diniz, Venosa, Carlos Roberto Gonçalves). Essa corrente deve ser
adotada em provas de 1ª fase.
• 2ª) Visão contemporânea: o rol é exemplificativo (Enunciado n. 144, III Jornada de Direito Civil25).

✓ A segunda corrente (contemporânea) possibilita o reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio edilício


(Enunciado n. 90, I Jornada de Direito Civil26). Esse é o entendimento de Gustavo Tepedino, Flávio Tartuce e Frederico

I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de
22.12.2003) V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) VI - as empresas individuais de
responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)
§ 1 o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado
ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu
funcionamento. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
§ 2 o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da
Parte Especial deste Código. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
§ 3 o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica. (Incluído pela Lei nº
10.825, de 22.12.2003)”
24 CC, art. 1.052, §1º: “A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas (Incluído pela Lei nº 13.874,
de 2019)”
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Enunciado 144, III JDC: “A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil
não é exaustiva.”
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Enunciado 90, I JDC: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes
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Viegas.

A pessoa jurídica não se confunde com os entes despersonalizados ou despersonificados (meros conjuntos de pessoas ou de
bens):
• Família.
• Espólio (conjunto de bens).
• Herança (conjunto de bens).
• Massa falida (conjunto de bens).
• Sociedade de fato (conjunto de pessoas).
• Sociedade irregular (conjunto de pessoas).
• Condomínio edilício (conjunto de bens) (aplicação da 1ª corrente exposta anteriormente).

2.2. Principais regras quanto às pessoas jurídicas de direito privado (Parte Geral)

a) Associações (CC, arts. 53 a 61)

Associações são conjuntos de pessoas que se organizam para fins não econômicos (sem fins lucrativos – Enunciado 534, VI
JDC27).
Exemplo: clubes recreativos.

Diante da ausência de fins lucrativos, não há, entre os associados, direitos e deveres recíprocos.
Cuidado: entre associados e associações, há direitos e deveres (art. 53, CC28).
Exemplos: dever de cumprir o estatuto (negócio jurídico coletivo) e dever de pagar as contribuições.

De acordo com o art. 55, em regra, há igualdade entre associados. Porém, o estatuto pode instituir categorias com vantagens
especiais.

Exemplo: clube recreativo.


o Associado contribuinte.
o Associado proprietário.

às atividades de seu peculiar interesse.”


27 Enunciado 534, VI JDC: “As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa.”
28
CC, art. 53: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.”
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Conforme o art. 56 do CC29, a qualidade de associado, em regra, é personalíssima (“intuitu personae”) e intransmissível.
Porém, o estatuto pode instituir o contrário.
Exemplo: no clube recreativo, há a possibilidade de “venda da joia” ou “venda da quota”.

✓ Conforme o art. 56, parágrafo único do CC, em regra, a transmissão da quota de associado não é com as mesmas
características. Entretanto, o estatuto pode prever o contrário.

O estatuto da associação é um negócio jurídico (ou contrato coletivo) que traz as regras gerais sobre as associações. Tem
força vinculativa para as partes, aplicando-se a máxima “pacta sunt servanda”.

Porém, o estatuto da associação não pode violar normas de ordem pública ou princípios constitucionais, sob pena de
nulidade absoluta (CC, art. 166, II e VI30).

Exemplos:
• Caso “UBC” (RE n. 201.819/RJ - 2005): o estatuto previa a expulsão sumária do associado sem direito à ampla defesa.

EMENTA: "SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM
GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações
travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição
vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face
dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A
ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios
inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,
notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela
Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos
fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser
exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em
sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o

29 CC, art. 56. “A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário. Parágrafo único. Se o
associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si,
na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.”

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CC, art. 166, I e VI. - “É nulo o negócio jurídico quando: (...). II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
(...) VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa”
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poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa
também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III.
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE
DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em
determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social,
integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC,
sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a
extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem
qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o
recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das
garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio.
O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional
de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo
legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO". (STF, RE
201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em
11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821).

• Caso “Club Paulistano” (TJ/SP - 2012): o estatuto da associação previa a possibilidade de inclusão de companheiro
(a) e seus filhos como dependentes de associado e negava a inclusão de companheiro homoafetivo. No entanto, o
TJ/SP determinou a inclusão (Processo 583.00.2011.132644-6 - Apelação 0132644-15.2011.8.26.0100).

EMENTA: “Clube União estável homoafetiva - Inclusão de companheiro como dependente de sócio titular Procedência
confirmada Interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil Reconhecimento da união
homoafetiva como família Descaracterizada intromissão do Estado em assuntos internos do clube Jurisprudência - Apelo
desprovido.”(TJSP; Apelação 0132644-15.2011.8.26.0100; Relator (a): Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito
Privado; Foro Central Cível - 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/11/2012; Data de Registro: 01/12/2012).

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