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PROVA JUDICIÁRIA

Estudos sobre o novo Direito Probatório


P969 Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório /
coord. Danilo Knijnik; Artur Thompsen Carpes...(et al.]
Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007.
243 p.; 23 cm.
ISBN 978-85-7348-473-1

1. Prova: Processo civil. I. Carpes, Artur Thompsen.


II. Knijnik, Danilo, coord.
CDU 347.94

Indice para o catálogo sistemáico:


Prova: Processo civil

(Bibliotecária responsável: Marta Roberto, CRB-10/652)


-9

Standards probatórios
JOSÉPAULO BALTAZAR JUNIOR
Sumário: 1. Introdução; 2. "Standards" probatórios; 2.1. Conceito e função; 2.2.
Principais modelos no direito comparado; 2.2.1. Prova acima de dúvida razoável e
preponderância de prova; 2.2.2. Minima atividade probatória; 2.2.3. Alto grau de
verossimilhança sem dúvidas concretas; 2.2.4. Doutrina do absurdo ou da arbitra
riedade; 2.2.5. Modelos lingüisticos; 2.2.5.1. CongruÁncia narrativa; 2.2.5.2. Proba
bilidade indutiva; 2.2.6. Controle de motivação; 2.2.7. Modelos probabilisticos ou
matemáticos; 3. "Standards" probatórios no Direito brasileiro; 3.1. Hᣠ"standards"
probatórios no Brasil?; 3.2. Hádiferença entre prova civil e prova penal?;3.3. "Stan
dards" probatórios adotados no Brasil; 3.3.1. Ausncia de motivos; 3.3.2. Contradi
ção entre motivos; 3.3.3. Motivos dubitativos ou hipotéticos; 3.3.4. Falta de
enfrentamento de uma questão; 4. Conclusões; 5. Bibliografia.

"Na idéia de umaordem judicial supõe-se o fato de


que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades
imprevisíveis, mas de uma ponderação justa do
conjunto." (Hans-Georg Gadamer)

1. Introdução
Otema da prova é da maior importância, seja para a ciência, seja para
aatividade judicial, pois a todo momento o cientista e o jurista prático tem
de provar averacidade ou o acerto de suas afirmações, de modo que a
questão que se coloca éda maior relevância práica, não ficando limitada
a0 interesse meramente acadêmico.
A doutrina distingue, por¿m, duas concepções sobre o conceito de
prova, a saber: moderna e clássica. Aprimeira: "é fruto do iluminismo e do
racionalismo, tendo um sentido objetivista, cientificista, absoluto" Pre
tendendo atribuir caráter científico ao direito, vale-se dos métodos das ciên
cias naturais, reduzindoo raciocínio judicial ao silogismo, figurando ofato
Omo premissa menor, provado o qual seráaplicável asolução jurídica
KNJNIK, Danilo, "Os standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu possivel contro
e.Revista Forense, n. 353, Riode Janeiro, jan.-fev. 2001, p. 27.
PROVA JUDICIÁRIA
Estudos sobre OnovO Direito Probatório 153
prevista na lei, com rígida separação entre questão de fato e
direito, admitindo que se alcance a verdade, mediante questão de
acerto da prova dos fatos. Asegunda: "dominante na Idade demonst ra
de uma perspectiva problemática, tópica, argumentativa((...)"2Média, ção
A fruto
é
do
pel de relevo a p0ssibilidade do erro e a falibilidade
separaç§o rígida entre questões de fato e de direito,humanas,
nem Sse
Assume
não pa-
havendo
demonstração de uma verdade absoluta ou inquestionável.,
ço para apersuasão, que busca demonstrar a verdade
admitindo
abrindo-se espa-
a
ou instrumental. provável ou judicial
Ainda assim, na atividade judicial abusca da verdade. éuma
por razões práticas. Com efeito, tendo em vista a necessidade
dos conflitos, não se apresenta viável a adoção de uma deConstante,
solução
postura cética, que
nega a possibilidade de alcançar a verdade, que Conduziria a um abandong
da necessária atividade judicial. Ao juiz contemporâneo não édado deixar
de decidir porque os fatos não estão claros, sendo obrigado a decidir a
chegar a uma certeza oficial".5
Assim como na determinação do direito aplicável não há uma única res
posta correta, também em relação aos fatos, não hácomo alcançara a verdade
totaló ou absoluta, devendo agir o juiz Com pretensão de correção. Assim
como na teoria geral do direito superou-se a lógica bináriade decisão certa
ou errada, admnitindo-se a busca da melhor solução, também no
campoda
prova passou a buscar-se a solução da verdade mais provável.7 Com efeito:
*a necessidade de resolver as controvérsias é de algum modo
mais urgente
que a necessidade de justiça abstrata ou precisão. Em conseqüência, em
algum ponto o direito deve estabelecer uma linha e dizer que algum modo de
verificação deve servir como verdade" 8 Nesse sentido, para Walter: "A ver
dade é ovalor de aproximação, o norte que o juiz tem que tentar alcançar 9
KNIJNTK, Danilo. "Os standards do convencimento iudicial: paradigmas para o seu possivel conue
le". p. 27.
Para uma exposição sobre as concepções moderna, clássica c contcmporânea de prova, ve
ZANETI JONIOR, Hermes. O problema da verdade no Processo Civi: modelos de prova e de pro
dimento probatório, Revista Gênesis de Dircito Processual Civil, n. 31, jan.-nnar. 2004. p. 0
* BADARO, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ouus da Prova no Processo Penal. São Paulo: t
Revista dos Tribunais, 2003, p. 24-25.
5CALAMANDIREI, Piero. El Jucz. y El Historiador, In: Estuudios sobre el Proceso Ciril. Trad. Santiago
Sentis Melendo, Bucnos Aires: Bditorial Bibliográfica
Argentina, I945, p. T0.
6 TONNI, Paolo. A prova no processo penal ituliano. Trad. Alexundra Martins; Daniela Mróz, Sio
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 50.
deste
7"De um modo interCSsante, essa mudança rellete
uma mudança náloga Da ilosoia da ciênciaVisãodo
século da visáo du cicncia envolvida em uml a
larcha inexorável rumo à verdade, para 'melhoresque
progresso medido pela articulaçáo de teorias melhores, onde 'leorias melhores' signilica
ofEridence. North
as alternativas disponíveis". (ALLEN, Ronald J, actual Abiguity nd a 7heory
western University ILaw Review, v. 88, n. 2, 1993, p. 605)
6 ISAACS, Nathan. The Law and the facts. 22
Columbia Law Review, 19)22, n. l 1" 1985.p. 71.
9 WALTER, Gerhard. Libre
Npreciación de la Prueba. Trad. Tomás Banzhaf. Bogotá: Temis,
154 BaltazarJunior
JoséPaulo
linha, já afirmou o
Na
mesIma
marçO de 1970, que:
Tribunal Federal Alemão, emn
o juiz
pode e deve
de quais efetivamente haja decisão de 17
nos
ordeim prática, que
dúvidas,
manda calar as com um
dúvidas
contentar-se, naqueles
grau de certeza casos
por válido na
sem
Do ponto de
vista da
modernode prova implica o regulamentação descartá-las
legal, a superação dointeiro'".0
abandono sistema de prova legal, conceito
pelalivre apreciação ou persuasão
do
dorespeito
diz
à inexistência de
critérios racional."
rígidos
A
expressão
que se possa afirmar uma liberdade total do como na prova
substituí-
livre, aqui,
dispensado de justificar, legal,"2
julgador, no sentido de sem
esteja
caracterizaria um sistema de
Marques daSilva: intersubjetivamente,
íntima convicção. Nessasuaslinha,
conclusões, o que
para Germano
que

Eero valoração da prova pelo


juigador nao deve também ser entendida como
eracão puramente subjetiva pela
Pde imoressões ou conjecturas dequaldificilse chega a uma uma
nmo valoração racional e critica, de
conclusão
ou impossível unicamente por
záo das máximas da
objectivação, mas
acordo com as regras comuns da lógica, antes
da
ohiectivar a apreciaçao, experiência
e dos
conhecimentos científicos, que
requisito necessário para uma efectiva motivacão da permite
são,13 deci
Abandonado o sistema da prova legal, que tinha por fim
noderes do julgador, ganha-se na
possibilidade diminuir os
de melhor apreender todas
s nuancas da
problemática da
camento das questões de fato aplicação judicial do direito, com o entrela
e direit0, mas perde-se em
medida em que nem sempre fica claro o caminho segurança, na
para adotar uma versão dos fatos. Como refere percorrido pelo julgador
blema, por conseguinte, édeterminar como o Taruffo: "0 verdadeiro prO
princípios de livre apreciação é 'preenchido' pela 'espaço vazio' criado pelos
pelos critérios sugeridos pelos teóricos do direito",14prática dos tribunaise
Não raramente confunde-se íntimaconvicção com
persuasão
laltando, na prática judicial e na doutrina, clareza sobre qual oracional,
suTiciência exigido na motivacão de fato. ɾ sabido que o juiz tem agrau obriga
de
Çdo de fundamentar, mas não há padrões,
modelos, ou regras claras sobre
10 BGH.GA,
11 No 1954, 210.
sistema
ciação do do livre convencimento, "o juiz se encontra liberado de quaisquer vínculos para apre-
conjunto
ern matéria de
de seu
probatório, sendo despiciend:a mesmo a fundamentação de suas opções valorativas
prova." Jáno sistema da ppersuasão racional, "lem o órgão jurisdicional de dar as razões
Paulo: Convencimento."
2 154, Memória (MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo 1. São
Jurídica Editora, 2004, p. 555)
art. I55)porém, ainda, de prova legal, como no caso da comprovação do cstado de pessoa (CPP,
rasgos
13 A,ou de tempo de trabalho para Tins previdenciários (Lei n" 8.213/91, art. 55, § 3").
In: SILV
Germano
Estudos
Loimbra Editora.
Marques da. Registo da prova
em Hoenagenn em prOcesso penal. Tribunal colecivo
a Cnla Rodrigues. FIGUEIREDO
e recursos.
DIAS, Jorge de (Org.). Coimbra:
2001, p.
\PROVA
ATARUFFO,JUDICIÁRIA Rethinking
65) 2003,p. 666.Michele. 804. the standards ofproof. 5I American Journal of
Comparative Law

Estudos sobre o novo Direito Probatório


155
Como 1SSO deve ser feito, papel cumprido pelos
países da com1mon lan. standards of proof nos
No presente trabalho, após examinados 0
standards probatórios, com uma visão das soluçõesConceito e a
é avaliada asituação brasileira sobre o problema,
no direito dos função
perguntas, sobre a existência de modelos de com enfoque, à
constatação no
renciaçào entre a prova civil e penal e os principais moda
a
de Compar
Brasil,
ado,
modelos dife-
jurisprudência pátria. na adotados
2. Standards probatórios
2.1. Conceito efunção
De acordo com Knijnik: "Por
modelo de controle do juízode fato (ou
standards, critérios, etc.) provisoriamente
capazes de ensejar o controle da convicção definimos
judicial
enunciações teóricas
objeto de uma determi.
nada decisão)".15 No Black's Law
proof, definido como: *O grau ou nívelDictionary, figura verbete standard of
o
de
cífico, como o'além de dúvida razoável' prova ou
exigido emn um caso espe
'por preponderância de pro
Va'" l6

Os modelos de constatação, na
Knijnik, que adotamos, têm a como função terminologia construída por Danilo
sobre oraciocínio judicial no terreno da prova eprincipal permitir o controle
dos fatos. Nessa linha, para
Knijnik:
Oemprego dos modelos de constatação ou standards
permite que se traga ao de
bate, regrado e inteligível, critérios decisionais importantes (p. ex., Ooptar o juiz por
um indício ou outro, entender subjetivamente insuficiente a prova produzida, o
pretender a parte aprevalência de determinada interpretação ou inferência, etc.),
que, atê então, não possuíam um código comum e, de certo modo, ficavam åmargem
de uma decisão crítica.17
A definição e a função pretendidas vão ao encontro do conceito no
sófico de critério, como segue:
Emgeral, entende-se por critério osinal. a marca, acaracterística ou nota por iie
o2 qual aigo e reconhecido como verdadeiro. Portanto. critério é, nesse sentido, o
Criterio da verdade. (...) O problema do critério foi examinado, por um lado, ei
estreita relação com o problema da verdade (sobretudo para as orientaçoe r
pressupUseram que sornente a verdade pode ser ocritério para o verdadeiro), e
J5 KNJNIK. Danilo. 0s standards do convencimento judicial: paradigmas para 0 seU possel con-
Irole, Revista J'orense, Rio de Janeiro, ), 353. ian.-fey 2001 2 Neste trabalho usaremes
sões st andard e modelo comO
sinÑnimos.
I6 GARNER, Bryan A. Blucks Law Dictionary. 7th Bd. Saint Paul: West Group, 1999, p. I.413.
17 KNIJNTK, Danilo. "Os
29. standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu possivel controle", p.

156 JoséPaulo
BaltazarJunior
em relação com as
outro lado, questões suscitadas pelo grau de
diferentes fontes do conhecimento. em
veracidade das
particular os chamados sentidos
2.2. Principais modelOs no externos.
direito
Nesse item, arrolanmos os principais modelOscomparado
levantanncnto efetuado por Danilo
Knijnik, no artigoadotados,
citado.!"
com basc em
2.2.1. Prova acima de dúvida
razoávele
preponderância de prova
Ostandard da prova acima de dúvida
sunçâode inocência, 20 &aplicado em casos razoável, que concretiza a pre-
law. desde oséculo XVIII, e já era adotado de criminais,
forma
nos países da
comnon
reconhecimento de seu status
constitucional geral mesmo antes do
re In re pela Suprema Corte
Winship. Na hipotese, havia sido na decisão
aplicada uma medida a
adolescente por prática de furto, com base
na
como exigia a lei local. A preponderância
ltos deveria ter sido Suprema a Corte entendeu que, assim comoprova,
de
3o do devidoprocesso exigida prova acima de dúvida razoável, para em
Cia22 substantivo, assim constitucionalizando a exigên
Embora a questão não seja tranqüila na
fende que o conceito nåo é
evidente, Como jurisprudência, Diamond de
Dírica com júris simulados,
divididos em grupos demonstrado pesquisa em
em
não houve a referida em relação aum dos quais
instrução,
jurados, sob pena de nulidade absoluta, devendo ser esclarecidoseu conteúdo aos
Com efeito, se cada jurado der a
razoável, não hásegurança, deixando de
independentemente
sua interpretação acerca do
de prejuízo.23
que édúvida
Bem por isso, nas Instruções para existir um standard.24
nição: JúriFederal figura a seguinte defi
|Duvida razoável] éuma dúvida
qUe uma pessoa razoável baseada na razão e no senso comum. E uma düvida
18 possui após cuidadosamente sopesar todas as
MORA. José provas. E
Loyola,
19 2000, p. 619.
Ferrater. Dicionário Filosofia. Trad. Maria Stela Gonçalves et alli. São Paulo:
de
KNIJNIK.,
trole".
20
Danilo, "Os stndards do
convencimento judicial: paradigmas para o seu possível con-
DIAMOND, (1970).
21 397
22 U.S. 358 Henry A. Reasonable doubt: to define, or not to define, p. 1.717.
1ALL.Press,Kermit L. et alli. The
Oxford
23 1992, D. Oxford Companion the Suprenne Court of the United States. Oxtord:
to
DI
24(1990),A p.MOND, 933-934.
1719. Henry A. Reasonable doubt: to define, or not to define. Columbia Law
DIAMOND,do CPPcm casodetermina
9art,
479 Henry A.
Reasonable
aojuiz. quedoubt:
Review, 17 16

proc dimeJUDICIARIA
PROVA nto de
contradição
to define, or not to define, p. 1728. Veja-se que, no
explique a significação legal dos quesitos,
nas resposas (art. 489).
Brasil.
adotando o mesmno

Estudos sobre novo Direito Probatório


o
157
hesitar em
uma dúvida que leva uma pessoa razoável a tomar uma decisão
questão deimportância para sua vida pessoal. (...) Uma dúvida razoável
em uma
fantasia ou capricho; não éuma especulação ou suspeita. Não é
desagradável. Enão é
evitar ocumprimento de um deverJudicial uma náo
è
umapara
Outra definiçâo, do Centro
acima
Federal,
de dúvidaconstante nas
compaixão. esculpa
Padrào para Júri,

pensar que há uma


afirna

'rcal
que
"deixa você firmementc convencido
prova

possibilidade
da culpa do
de que
concreta, e não abstrata. à
ele seja
razoável
acusado e não
inocente. De
Instrucöes
aquelavocê a
leva que:
que a
com o
dúvida
modelo
razoávelé
de constatação do direito alemão, a ser semelhança notar
examinado
do que
se dá
Ao lado desse, há outros standards secundários, Como a
convincente, utilizado em alguns casos
civis. Mesmo em prova clara e abäixo.
matéria
dúvida razoável não é o único
a exigència de prova acima de (affirmative utilizável. criminal,
em caso de defesas afirmativas defenses), ou seja, de pois
excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, o ônus da
provar a presença da causa defensiva por preponderância dedefesa, deve
prova (prepon- quecausas
derance of evidence).25

2.2.2. Mínima atividade probatória


Construcão do Tribunal Constitucional espanhol, que tem como ponto
de partida a necessidade de que ajustificação se dÃem bases que
não sejam
ou seja, que tenham sido
arbitrárias, exigindo-se suficiência probatória, culpabilidade do acusado.
eliminadas quaisquer dúvidas racionais sobre a
eliminação do convencimento judi
São aspectos básicos dessa teoria: a) a intuições, convicções
cial baseado em meras suspeitas, pressentimentos, b) procura-se exigir uma
pessoais do julgador, conjecturas ou impressões;
dúvidas racionais, segundo umcritério
prova que elimine a existência de
qualitativo.
ser feita, porém, éque tal construção não deixa claro oque
A crítica a parece pOssa se
éa suficiência de prova,26 motivo pelo qual não nos Confirma tal assertiva.
siderado, verdadeiramente, um standard probatório. Espanha: "olegislador
na
de modo indireto, Andrés Íbañez, ao afirmar que,redação sentença
(art.
da da
não se preocupa em impor ao juiz, quando imperativo de vincu-
do em
142,2), alguma cautela, para garantir a efetividade provas praticadas
laçáo da convicção sobre os fatos ao resultado das
juízo', contidO no art. 741".27 CuliforniaLuw Re
ReIsonable Doubt Rule.
25 [DRIPPS, Donald A. The Constitutional Status of the possívelcon
vicw, n. 75, 1987, p. I.666. seu
Dara o
paradigmas Andrad:.
26 KNIJNIK, Danilo, "Os stundards do convencimento judicial: de
trole", p. 36. Lédio Rosa
Penal. Trad.
27 ANDRÉS ÍBAÑEZ, Perfecto. Vuloraço du prova e seutença,
Rio de Janciro: Lumen Juris, p. 64.
BaltazarJunO
Paulo
José
158
2.2.3. Alio grau de
verossimilhancasem dúvidas concretas
Construção jurisprudencial, de origem germânica, que consiste na
gência de que haja um grau de ex1
afastadas dúvidas concretas. Sãoverossimilhança accrca da prova dos fatos,
nmente abstratas Ouque pudesscmimpertinentes, ncssc
ser adotadas por
sentido, dúvidas me-
Assim. não se pode contar com hipóteses outro juiz.?8
ono, Dor exemplo, que todas as altamente improváveis,
testemunhas
SRMDre haveráalguma poSsibilidade de que as tenham mentido, etc. Afinal,
modo diverso," Cuida-se, cntão, de coisas tenham se dado de
concepçàocontemporânea de prova, naconstrução
gual: que está de acordo Com a
A certeza surge dointluxo da
mesma, dado que constitui umverdade, ainda que não se confunda com a verdade
estado de espírito. Não obstante,
caiba confundi-las, tampouco cabe se bem gue não
separá-las, já que a primeira
da conformidade entre idéia reflete
do magistrado a afirmação no espirito
intelectual
Douco cabe que a certeza ataste todos os motivos e realidade. Tam
Que os considere indignos de ser contrários àafirmação, bastando
tomados em conta, e, portanto, rechace-os.30
Assim: "A possibilidade meramente
sado não tenha sido o autor não pode teórica ou abstrata de que o acu
vista que uma possibilidade desse tipo impedir sua condenação. Tendo em
não pode nunca ser
Pxcluída devido à falibilidade do
conhecimento completamente
humano,
iudicial seria impossível. Esta concepção da essência da averiguação toda
judicial sempre foi sustentada na jurisprudência dos livre convicção
(RGSt 61, 202; 66, 164)" 31 tribunais mais altos
Ajurisprudência alemã distingue entre
vidas positivo-concretas ou pessoais, navisãodúvidas
do
teórico-abstratas e dú
do o princípio da livre apreciação da prova o que julgador. Assim: "segun
que sinta opróprio juiz dos fatos. Para que a interessa são as dúvidas
necessário e suficiente que, para ojuiz dos condenação
fatos a
seja procedente é
indubitavelmente estabelecida. Essa certeza pessoal équestão fáica esteja
a única decisiva"32
Não se trata, porém, de um total
pois apoiado em elementos de subjetivismo, de uma mera crença,
convencimento.33 Em outras
Convencido de que um fato ocorreu, ou não, não é um ato depalavras, estar
vontade.3+
De todo modo, como a convicção élivre, no sentido de
provas legais, avulta o papel do juiz, pois o critério é liberta das
dendo invocar um homem pessoal, não se p0
médio, um juiz médio ou um juiz mais Ou menos
26 WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueba, p. l15.
WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueba, p. l69.
VARELA, Casimiro A. Valoración de laprueba. 2" cd. Buenos Aires: Astrea,
Neue Juristiche 200-4, p. 85.
Wochenschrift-NJW, 1951, 122.
WALTER, Gerhard, Libre Apreciación de la Prueba, p. 11S.
WALTER,Gerhard. Libre Apreciación de lu
WALTER, Gerhard. Libre Apreciaciónde la Prueba, p. T70.
Prueba, p. 191.
PROVA JUDICIÁRIA
tStudos sobre o novo Direito Probatório 159
comparação. Como adverte
escrupuloso como termo de Walter: O
legais é a posição livre
provas
tável preço à renúncia das
escassa controlabilidade. (...) Mas noquc concerne às do juiz esu inevi
a lei quer que o juiz decida só, sob sua própria responsabilidade" 35 constatações de fat
base no § 286 do.
processo civil alemão, com
No
utiliza-se aformulação da alta probabilidade (hohe Wahrscheinlichkeit) 3

2.2.4. Doutrina doabsurdo ou da arbitrariedad,


Zivilproes ordnung.
Veda a desconsideração do material probatório, bem como a
leis lógicas ou formais,
adotando uma versão conclusão
que escapa àsdiscutível,
equivocada, objetável ou pouco convincente da prova." Como
exemplo, podemos citar a adoção de uma versão dos fatos completamente
inconcebível.
ou asentença contraditória, também chamada de sit
inverossímil
2.2.5. Modelos lingüísticos
idéia járeferida de que
Cuida-se de modelos persuasivos, partindo da persuasiva Ca
édemonstrável, mas
a verdade, nas ciências humanas, não
Para a semiótica, nenhum discurso por si só émais verdadeirods
efeito: Convincente. DDo ponto de vista semiá
necessita sempre ser
que outro, mas 38
verdade para fazer-crer, para persuadir"
tico, é preciso construir a

2.2.5. 1. Congruência Narrativa


externa, segundo Magalhães, com base em Neil Mac
A racionalidade coerência narrativa, entendida como
congruência
à ou
Cormick, diz respeito dos fatos. A coerência promove a unidade
razoável
a adoção de uma versão sua compreensão e interpretação, servin
propiciando a
de sentido do texto, comunicativa entre o autor eoleitor.
de interlocução comunicativa, da st
do comno instrumento depende da intenção
pragmáico,
Do ponto de vista socioculturais"_39
tuação e de fatores pelo jusfilósofoescocês Neil
estabelecido
Sobre o referido modelo,
MacCormick, assim manifesta-se Atienza:
Comparative Law
Libre Apreciación de la Prueba, p. 188-189. Journal of
35 WALTER, Gerhard. standards of proof. 51
American
36 TARUFFO, Michele. Rethinking the possível con
parao seu
659 2003, p. 668. judicial: paradigmas da
convencimento torno
37 KNIJNIK, Danilo. "Os standards do reflexÕes enm
Argumentaçdo
trole". p. 40. discursivo:
mecanismo
3% NOVAES, Ana Maria Pires. A
argumentação como
Luiza Cavalieri (Coord.). Luiza
teoria da semiótica e da nova
retóricu, In: FETZNER, Néli FETZNER, Néli
Jurldica. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2004, p. 4. Jurídica. In: p. 25.
MARQUES, Alda du Graça, Coerência e a Argumentaçûo Bastos, 2004,
39 de Janeiro, Freitas rJunior
Cavalieri (Coord.). Argumentação Jurldica. lRio Baltazar
José Paulo
160
Provar signitica estabelecer proposicões verdadeiras sobre o presente e, a partir
delas, interir proposições sobre o passado. Assim, aceita-se que a testemunha e
honesta, sua memória é confiável, etc.: oue a casa do acusado e da vitima eram
contiguas e que, em ambas, apareceram manchas de sangue; que a cabeça e os
braços da vitima apareceram num pacote no sótão do acusado; que oacusado e
outra mulher tinham a chave da casa da vítima...de tudo isso se pode inferir que 0
acusado, Louis Voisin, matou a vítima Emilienne Gerard. Oque nos leva a afirmar
essa proposição não é uma prova da sua verdade (pois esse tipo de prova, ISto e,
que uma proposição corresponda a determinados fatos, Só épossível com relaçao
aenunciados particulares que se refiram ao presente), e sim um teste de c0erencia,
otato de que todas as peças da história parecem se ajustar bem (e que não se tenha
infringido nenhuma regra processual de avaliação da prova).
(...'Acoerência narrativa oferece um teste com relacão a questões de fato, quando
não épossivel uma prova direta, por observação imediata, dessas questões. (.) O
teste de coerência narrativa justifica assumirmos crenças - e rechaçarmos outras -
com relação a fatos do passado, porque consideramos omundo fenomênico Ccomo
algo explicável em termos de princípios de tipo racional.40

2.2.5.2. Probabilidade Indutiva


Baseada no trabalho do filósofo inglês Jonathan Cohen,The Probable
and The Provable, em tese que aplica critérios qualitativos, assim: "para
determinar o grau de solidez de uma afirmação é necessáio especificar a
validade do suporte indutivoque fundamenta a generalização, deve-se, en
tão, submeter essa generalizaçãoa uma série de procedimentos de indução
eliminativa, pelos quais seja possível constatar a capacidade de resistência
da afirmação àinterferência de fatores que possam conduzir a outras con
clusões'" 41
Exemplifica-se com a situação do réu encontrado no jardim de uma
casa onde ocorreu um furto, com os objetos furtados. E preciso verificar,
no entanto, se havia outras pessoas nacasa, se os objetos foram encontrados
por um terceiro, qual a versão apresentada pelo acusado, etc.

2.2.6. Controle de Motivaço


Teoria de origem francesa, que estabelece quatro casos de vícios de
motivaçäo, asaber: a) ausência de motivos; b) contradição de motivos; c)
notivos dubitativos ou hipotéticos;, d) falta de enfrentamento de uma ques
táo 42

40 ATIENZA, Munuel. As Ruzöes do Direito. Teorias da Argumentução Juridica. Trad. Maria Cristina
Guimaráes Cupertino, Sáo Paulo: Landy, 2000, p. T81 e 189)
41 GOMIES IFILH0, Antôio Magalhäes. Direito àProva no Processo Penal, São Paulo: Editora Re
vistados Tribunais, 1997, p. 53.
42 KNIJNIK, Danilo. "Os stundurds do convencimento judicial: paradigas para o seu possível con
trole", p. 45.

PROVA JUDICIÁRIA
Estudos sobre onovo Direito Probatório 161
2.2.7. Modelos probabilísticos ou matemáticos
Abase o teorema de Bayes, ou seja: "um método de cálculo Com
base no qual. diante da necessidade de valorar a atentibilidade da
hipótese
sobre ofato X, se cstabelece a provável freqüência de X em uma determi
nada classe de eventos, tendo em conta a distribuição de precedentes d
naquela classe. Trata-se de aplicação da probabilidade clássica, entendida
como arelação entre o númerode casos favoráveis eonúmero de todos os
Casos possíveis: a partir de uma análise estatística dos fenômenos de mae
busca-se a fregüência com a qual certo tipode eventose verifica na totali
dade de uma classe geral de eventos".13
Apartir daf, foram construídos modelos de probabilidades como o
evidentiary value model.
Badaró crítica tais teorias, nos seguintes termos:
..)muitas vezes, não se dispõe de uma base de dados relativas à freqüência geral
dos fenômenos do tipo daquele que se precisa verificar. De outro lado, mesmo nos
casos em que seja disponível a bases rate information,ela pode ser irelevante para
Ocaso concreto. Se não hát¡l base de dados, a teoria jáse mostra inaplicável. De
outro lado, mesmo nos casos em que a base rates information esteja disponível, ela
se mostra irrelevante se, por exemplo, não houver dúvida de que o acidente foi
provocado por um ônibus azul.44
Ocaso paradigmático na matéria foi People v. Collins, referente a um
caso de roubo no qual a vítima declarava ter sido autora uma moça loira
com rabo de cavalo, que fugiu em um veículo amarelo dirigido por um
homem negro. Um cálculoestatístico indicou como uma em doze milhões
a possibilidade de outras pessoas em tais condições, além dos acusados.
tendo o júricondenado os acusados. A Suprema Corte da Califórnia anulou
a decisão, afastando a possibilidade do julgamento by mathematics, por
falta de prova dos pressupostos da decisão, que, mesmo se fossem corretas,
não foram consideradas independentemente.45
Isso nãoleva, porém, a um abandono total da prova científica, larga
mente admitida em caso de exames periciais, por exemplo. Cabe aqui d
advertência no sentido de que: Não se deve confundir, porém, o emprego
da probabilidade quantitativa como modelo de valoração das provas eo
emprego da estatística enquanto fundamento para utilização de um deter
minadO meio de prova'",46
A seu turno, Taruffo adverte que:
metajurídicos
Orecurso àciência como instrumento de racionalização dos aspectos
do raciocínio do juiz abre, portanto, numerosas perspectivas de indubitável interesse
43 BADARÓ, Gustavo llenrique Righi Ivahy. Óus da Prova no ProcessoPenal, p. 41.
44 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Önus dla Prova no Processo Penal, p. 42.
45 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Onus da Prova no Processo Penal, p. 42-4).
46 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Öuns da Provano Processo Penal, p. 44.

Baltazar unior
162 José Paulo
mas também dá motivo a uma série muito
referentes não apenas a validade dos ampla de problemas de árdua solUça0,
cesso, CoMo também aaspectos conhecimentos cientificos utilizados no pro
importantíssimos
mister e elabora suas avaliaçöes. Aresp0sta do modo como o juiZ reallza Seu
Confiabilidade do raciocínio decisórioé. pois. científica ànecessidade da certeza e
mente pOSSivel, mas sem dúvida ela não podeimportante
ser
sempre que ela seja real
fácil e completa de todas as dificuldades gue se considerada como uma sOlUÇa0
enfrentam para forrmular a decisao."
Para oTribunal provincial de Celle:
Mesclar ou confundir uma sentença de
teza obedece a uma confusão entre métodos verossimilhança com uma sentença de cer
das ciências naturais e métodos das
ciências do espírito. (..) Amotivação matemática é algo totalmente distinto da for
mação do convencimento de um juiz na constataçäão de fato, que é
necessariamente valorativa e julgadora. Precisamente por não poderumahaver atividade
aqui
segurança matemática,é necessário, por outro lado, conservar incólume a
nasentença da certeza subjetiva que exige o § 261 do Código de convicção
Processo Penal."3
2. Standards Probatórios no Direito Brasileiro
3.1. Hástandards probatórios no Brasil ?
No Brasil, como parece acontecer na maioria dos países de
tradição
romano-germânica, não hástandard probatório legalmente previsto ou
jurisprudencialmente adotado com uma formulação clara, como a prova
além de dúvida razoável e a preponderância de prova do direito norte-ame
ricano, valendo-se os juízes de critérios flexíveis de prova, com largo es
paço para a discricionariedade judicial. Oquadro é semelhante ao descrito
em relação aoutros países de civil law, como Espanha e Itália, onde devem
ser aplicadas, respectivamente, as reglas de la sana crítica (arts. 316, 2 e
376 da Ley de Enjuiciamento Civil),50 ou o prudente aprezzamento (CPC
italiano, art. 116), o que acaba por traduzir-se na utilização de máximas de
experiênciasl e inferências de senso comum.52

*/TARUFFO, Michele. "Senso comum,experiência eciência no raciocínio do juiz". Revista Forense,


São Paulo, n. 355, maio-jun. 2001, p. 116.
48
NJW 1976, 2030.
2 TARUFFO, Michele. Kethinking the standards of proof. S! American Journal oe Comparative Law
659 2003, p. 665.
30Também no Paraguai,dispõe oart. 174 do Código Procesal Penalque: "Las prucbas serán valoradas
COmarreglo la sanacrítica. Elribunal lormarúsu convición de la valoración conjunta y armönica de
todas las prucbas producidas."
D"A mázima de experiência uma regraque expressia aquilo que avontece na naioria dos caNOS (id
(uod plerunque accidi), ou seja, éu a regra exraida le casos similares." (TONINI, Paolo. Aprova
noprocesso penal italiano. Trad. Alexandra Martins; Daniela Mróz, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 55).
D2 TARUFFO, Michele. kethinking the standards of proof. 5 American Journal ot Comparative Law
659 2003, p. 668.

PROVA JUDICIÁRIA
Estudos sobre o novo Direito Probatório 163
No plano legal, embora seja claro o dever de
motivação de fato, não há clareza sobre os requisitos motivar,
da que inclui a
tando-se o CPP, em seu art. 381, incisos III e IV, a determinar
Como
limi- motivação,
sito da sentença a indicação "dos motivos de fato e de direito requi-
fundar a decisão`', bem como "dos artigos de lei aplicados", em que se
trilha segue o CPC, ao apontar como requisito essencial da Na mesma
seu art. 458, II: "os fundamentos, em que o juiz analisará as
fato e de direito".
em sentença,
questões de
OCPP italiano apresenta fórmula mais avançada, como relata
lhães, nos seguintes termos: Maga-
Assim. no art. 192, § 1°, o Código determina que "o juiz valora a prova dando n
na motivacão dos resultados obtidos e dos critérios adotados", ao mesmo temne
Oue, no art. 546, § 1°, letra e, inclui entre os requisitos da sentença 'a conciea
exposição dos motivos de fato e de direito sobre os quais a decisão está
fundada,
com aindicação das provas adotadas como base da própria decisão e enunciac§n
das razões pelas quais o juiz entende não aceitáveis as provas contrárias, 53
Talvez por lacônica a disciplina legal na matéria, também adoutrina
mais tradicional pouco disserta sobre o tema, enquanto a jurisprudência o
faz, mas de forma fragmentária, sem maiores preocupações sistemáticas,
como é característico da atividade judicial.
Isso não significa, porém, total ausência de critérios ou standads,
podendo ser apontados alguns requisitos mínimos para a motivação de fato,
reconhecidos jurisprudencialmente, embora sem ostentar a clareza de for
mulação ou a carga de um verdadeiro standard, como a prova acima de
dúvida razoável do direito norte-americano. Ainda assim, muitos dos crité
rios adotados na jurisprudência brasileira aproximam-se, porém, daqueles
arrolados no levantamento dos paradigmas do direito comparado, como
adiante se verá.

3.2. Hádiferença entre prova civile prova penal?


Ainexistência da formulação ou da consciência sobre um modelo pro
batório não tem como conseqüência, tampouco, a identidade de tratamento
entre questões cíveis epenais. Também nesse ponto, embora inexista a
formulação de um standard explícito,parece inegáel que hádiferenclayav
na prática processual brasileira, como segue.
53 GOMES FILH0, Antônio Magalhães.A Motivacão das
dos Tribunais, 2001, p. 149. No mesmo sentido: TONINI,Decisões
Paolo. APenais. Sãoprocesso
prova no Paul0: Eatorn.
penal
p. 63 e 103.
34 Adotamos, como critério para responder à pergunta que dá título ao capítulo corrente, a verificação
da aceitação dos standards na práica dos tribunais, sendo certo que na doutrina háconstruções bastante
elaboradas a respcito, como, por exemplo, aquela exposta na seguinte obra: GOMES FILHO, Antônio
Magalhes. A Motivaçãodas Decisões Penais. São Paulo: Editora Revista dos TribunalS, 2u

164 Baltazar Junior


José Paulo
TradiciOnalmente, afirma-se que no processopenal busca-sea verdade
real, enquanto no processo civil seria suficiente averdade formal, dicoto
mia rechaçada pOr doutrina mais rccente, quc sc refere à verdade judicial,
como a verdade possível de se obter no processo,55 A também chamada
verdade proccssual pode ser assim chamada porquanto adiscussão judicial
élimitada pelas regras prOcessuais c pelo tempo, de modo que se obtem
nada mais que uma verdade limitada às partes e condicionada também por
suas iniciativas. S6
A seu turno, Walter afirma que: "o processo civil se mostra inclinado
a certos raciocínios que levam a admitir aconstatação de um fato pelo
convencmento de que esse fato épreponderantemente verossímil, o que
não cabe dizer simplesmente em relação ao processo penal, governado pelo
princípiodo in dubio pro reo, de corte constitucional" 57 Na mesma linha,
para Tonini:
Apeculiaridade do processo penal encontra-se no fato de que a dúvida deve favo
recer oacusado, ainda quando Ihe incumbe oônus da prova, vale dizer, quando ele
deve convencer o juiz acerca da existência de um fato que Ihe éfavorável. Nos
termos do art. 530, inciso 3,do CPP, se existe prova de que ofato foicometido na
presença de uma excludente de ilicitude ou punibilidade, ou mesmo se existir dúvida
em relação àexistência das mesmas, ojuíz profere sentença absolutória 58
Fletcher atribui ao princípio de presunção de inocência (présomption
d'innocence, Unschuldvermutung) nos países de civil law opapel desem
penhado pelo standard da prova acima de dúvida razoável nos países de
common law, ambas fornecendo a afirmação retórica da tradicional preo
cupação ocidental no sentido de que somente os efetivamente culpados
devem sofrer condenação criminal, sendo preferível que muitos culpados
venham a ser absolvidos, do que condenado um inocente.59
De todomodo, os quadros fáticos e as conseqüências são nmuitodiver
sas em matéria civil e penal, o que acaba por refletir-se no processo aplicá
vel.60 Em conseqüência, temos que, embora não se possa fazer uma
separação ontológica de diferentes espécies de verdade para o processo civil
e para o processo penal, não é possível negar, tampouco, que, em razão do
influxodo direito material em jogo, bem como dos princípios do in dubio
pro reo e da própria noção de culpabilidade, há consequências no campo
55 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003, p. 36;SENTIS MELEND0, Santiago. "Naturaleza de la Prucba. La Prueba
es Libertad'",Revista dos Tribunais, n. 462, abr. 1974, p. 12.
S6CALAMANDREI, Piero, El Jucz y El Historiador. In: Extudios sobre el Proceso Civil. Trad. San
tiago SentisMelendo, Buenos Aires: Bditorial Bibliográfica Argentina, 1945, p. I|1-|12.
57 WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueba, p. 98.
S8 TONINI, Paolo. Aprova no processo penal italiano, p. 69.
59 FLETCHER, GeorgeP. TwoKinds of Legal Rules: AComparative Study of Burden-of-Persuasion
Practices in Criminal Cases, p. 881.
60 WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueb, p. 177.
PROVA JUDICIÁRIA
Estudos sobre onovo Direito Probatório 165
probatório, que consistem justamente na adoção de diferentes standards o
modelos de constatação para oprocesso civil e o penal.
Ocorre que, em virtude da adoção de diferentes modelos de
constata-do
ção, do diverso grau de admissibilidade das presunções e da distribuição
Önus de prova, com a ampliação, em geral, no procesSO extrapenal, das
possibilidades de inversão desse ônus, o resultado da avaliação dos fatos &
diverso ou, pelo menos, as conseqüências dessa avaliação podem sê-lo.
Exemplifica-se com a inversão do ônus da prova em caso de direito
do consumidor, em que se impõe ao fornecedor a prova do bom funciona.
mento do produto (Lei n° 8.078/90, art. 6°, VII), mas a mesma prova seia
considerada insuficiente para condenação criminal (CPP, art. 386, VÌ
Também éusual a assertiva no sentido de que a absolvição criminal por
falta de prova suficiente para condenação não vincula a decisão civil, pois
a avaliação das provas poderáser diversa.

3.3. Standards probatórios adotados no Brasil


3.3.1. Ausênciade motivos
A semelhança do que ocorre no direito francês, em que se reconhece
a ausência de motivos como vício de motivação, também, no Brasil, o des
respeito ao dever de fundamentar acarretará nulidade da decisão. Sobre a
matéria já me manifestei, nos seguintes termos:
O
dever de fundamentar é uma imposição que já figurava no inciso Ill do art. 381 do
CPP, ao determinar ao juiz a indicação dos motivos de fato e de direito em que se
fundar a decisão e assumiu, a partir de 1988, status constitucional, passando a
figurar no inciso IX do art. 93 da Constituição, como já fazia a constituição portuguesa
de 1976. Constitui uma garantia para o cidadão, que poderácontrastar a motivação
do juiz através da apelação, bem como permite aos tribunais Superiores acompanhar
a aplicação do direito, tornando mais racional o sistema e evitando o arbitrio e o
voluntarismo,61

3.3.2. Contradição entre mnotivos


A vedação da contradição éreconhecida no processo brasileiro, que
arrola a contradição comouma das hipóteses que desafia a interposição de
embargos de declaração (CPP, art. 619; CPC, art. 535, I).
Como reconhecido pelo STF: *É nula a sentença condenatória por
crime consumado se a sua motivação afirma a caracterização de tentativa:
a incoerência lógico-jurídica da motivação da sentença equivale à carência
dela." (HC 83864/DF, Sepúlveda Pertence, 1*. T., un., 20.4.04).
6l BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Sentença Penal. 2ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.

166 José Paulo Baltazar Junior


3.3.3. Motivos dubitativos ou hipotéticos
Aproxima-se daquilo que Magalhães chama de
"correspondência entre elementos considerados comocorreção, ou seja, a
base da decisão e
aqueles efetivamente existentes no processo".02 IssO quer dizer que a sen-
tença deve partir de pressupostos verdadeiros, ainda que não sejam os úni-
cos possíveis.
oe linha, afirmou oTRF da 4" Região que:
"Evidentemente que a
condenação não pode se lastrear em suposições e presunções dissonantes
ns autos. Ao formarem a sua convicção, devem os julgadores proceder a
umaanálise crítica das provas trazidas aos autos ela acusação e pela defesa,
de modo asolidificar a verdade processual" 63

3.3.4. Falta de enfrentamentode uma questão


Embora a doutrina e a jurisprudência nacionais careçam de constru
cões mais elaboradas sobre as questões probatórias, esse ponto constitui
excecão. De fato, é tranqüila a jurisprudência, em especial no processo
penal, como játive aoportunidade de analisar, nos seguintes termos:
Devem ser enfrentadas todas as teses da acusação e, principalmente, da defesa,
tanto pessoal quanto técnica, em especial aquelas expressamente referidas nas
alegações finais (TRF 4°. R., ACR 2000.04.01.029834-4/RS, Élcio Pinheiro de Cas
tro, 10.12.03). Assim, se no interrogatóorio o réu diz que se defendeu, deve o juiz
examinar a ocorrência de legítima defesa, ainda que a linha do advogado seja, por
exemplo a negativa de autoria.
exame
Edecorrência do direito ao contraditório (CRFB, art. 5, LV), e consiste no e não
diálogo
efetivo das razões das partes. Em outras palavras, a sentença é sobre todas as
juiz
monólogo. E desse caráter dialógico, do enfrentamento sério do motivação do juiz
sobre a
teses da defesa e da acusacão, e dotribunal de apelação ås razões das partes e
efetivo respeito
e que se poderáter, no caso concreto, devido processo legal. Se ojuiz não
CUmprimento do direito de ampla defesa e apelação ignora a motivação do
entrenta os argumentos das partes e o tribunal de
atores do processo a rodar os seus textos
JUIZ de primeiro grau, limitando-se todos os essencial ao processo, do qual resta
padronizados, perde-se o caráter dialógico do
aparência, como em uma conversa de surdos, produzida no teatro feitos
pellas a diálogo permanente,em múltiplos
uSurdo. Coletivamente, é a partir desse
jurisprudência, contribuindo a práticajudiciária
1uuiials, que poderáse construir a
para o progresso do Direito.64 das
Speciticamente nocampo probatório, évedadaa desconsideração
verdadeira,
escolhida" pelojuiz como
à daue nãofavoreçam a versão existentes. Cuida-se de emanação do prin-
a
despeito
das provas contrárias p. 178.
62 Motivação das Decisões Penais,
GOMES
FILHO, Magalhães.
Antonio
63 AC 2002.70.00.02 1510-6/PR,
A
Fábio Rosa, 7 T., un., 10.6.03.
o BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Sentença Penal, p. 67-8.

PROVA JUDICIÁRIA 167


Estudos sobre o novo Direito Probatório
cípio do contraditório, do ponto de vista efetivo e não
que implica a efetiva consideração da prova produzida pelas meramente
formal.
partes,
afirmado pelo STF ao anular decisão que determinou a regressão de como
desconsiderando"ascontraprovas indicadas pela defesa pararefutarregime
awe
são apresentada" (HC 74.674/RJ, Ilmar Galvão, 1". T., un.,
tivamente, de nada adianta possibilitar a manifestação das10.partes
112.96).seEfe-
provas por trazidas não são objeto de consideração pela decisão judicial
4. Conclusões
1. Standards ou modelos de constatação probatórios são padrões mi.
nimospara aferir a suficiência da motivaçãode fato nas decisões judiciais
2. Afunção dos standards probatórios épermitir o controle da moti.
vação judicialdas decisões.
3. No direito comparado há várias e distintas soluções para a questão.
observando-se os seguintes traços de ocorrência freqüente:
a) adispensa de um grau absoluto de certeza, incompatível com a_
necessidades da vida prática;
b) a vedação de contradição:
c) a necessidade de motivação concreta, com base nasprovas;
d) aadmissão de dúvidas, que somente serão relevantes se concretas,
e não fantasiosas ou absurdas;
e) a observância do contraditório, com oenfrentamento dialógicodos
argumentos e provas trazidos pelas partes:
f) opredomínio da estrutura qualitativae argumentativa na motivação
de fato;
g) a importância do papel do Juiz e dos Tribunais Superiores, que ajam
com pretensão de correção;
h) a impossibilidade de um regramento legal exaustivo, em virtude da
pluralidade de casos.
4. Na doutrina brasileira, são escassos os trabalhos sobre a estrutura
referir
da motivação de fato, limitando-se os comentários, de modo geral, a
avan
anecessidade da fundamentação como garantia de controle, mas sem
çar sobre os seus requisitos mínimos.
5. Na jurisprudência brasileira não háformulação explícita e sistemá
ticade padrões gerais para um determinado ramo do direito, tal comoaquela
norte-ame
da prova além de dúvida razoável, utilizada no processo penal fragmen
ricano, observando-se a utilização de múltiplos critérios, de forma
tária.
mínimos para
6. Isso não significa,porém, totalausência de requisitos
necessidade de motiva
a motivação, sendo reconhecidos os seguintes: a)
Junior
168 José Paulo Baltazar
tstudos
JUDICIÁRIA
PROVA FLETCHER, CALAMANDREI,
FETZNER,DRIPPS,
DIAMOND, BARBOSA BALTAZARBARROS, BADARO, ALEXY,
ATIENZA,ANDRES ALLEN,ABBAGNANO, Drocessual
Hans-Georg.
GADAMER,
meneutik. 2004.
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1716 Trad.
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modo duzindo
Law Review, Editora
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fatos comfato",parte, riedade c·o:
exigência
Review, Vícios
Paulo, Review, Benedeti. polcas 7. b)
sobre Santiago Ronald a 8.Opelos como
Practices Donald dos
Marco Guimarães Madrid:Robert. possib1litar a0 A
enfrentamento vedação
o do
MOREIRA, Gustavo
Revista Rio
Manuel.IBANEZ,
6. Luiza
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Baltazar Junior
170 JoséPaulo

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