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Professor Márcio Widal

Processo Penal
ROTEIRO DE AULA

PROVA PENAL
5. Gestão da prova
1. Introdução
Sistemas processuais. A gestão da prova dentro do
2. Natureza polissêmica. O vocábulo “prova” pode processo penal depende do sistema processual
apresentar significados diferentes. Por exemplo: dominante.
“prova” como “instrumento” (meio de prova), “prova”
como “resultado” (informação produzida) e “prova” Princípios unificadores. Os sistemas processuais
como “atividade” (o ato de provar, ato processual). relacionados à gestão da prova são sustentados por
princípios unificadores, que lhe dão as características
3. Funções que lhe são peculiares.

3.1 Função persuasiva. A função da prova é de Sistema acusatório. Surgido no direito romano e,
convencer o julgador sobre a existência ou não de um séculos depois, resgatado com algumas modificações
fato penalmente relevante. pelo movimento iluminista. É essencialmente
caracterizado pela separação das funções de acusar e
3.2 Função recognitiva. A função da prova é fornecer julgar, que não podem se concentrar em um único
dados para que o julgador possa reconstruir a verdade agente; e também na gestão das provas
histórica de um determinado fato. exclusivamente pelas partes (princípio dispositivo).

3.3 Função epistêmica. A função da prova é averiguar a Princípio dispositivo. Trata-se do princípio unificador
verdade de determinado fato. do sistema acusatório. Orienta que a iniciativa das
provas é exclusiva das partes processuais (acusador e
Epistemologia e processo. A epistemologia é uma acusado).
disciplina da filosofia que se dedica a construir uma
teoria do conhecimento, e, com isso, estabelecer Sistema inquisitivo. Desenvolvido pelo direito
crenças verdadeiras a respeito do mundo. Os seus canônico, durante o período da inquisição. É
princípios são aplicados a todos os ramos do essencialmente caracterizado pela reunião das funções
conhecimento humano (ex.: física, matemática, de acusar e julgar no mesmo agente; e também na
biologia, história, antropologia, etc.). No Direito, em gestão das provas pelas partes e principalmente pelo
especial no processo judicial, a epistemologia pode juiz, que possui poder instrutório (princípio inquisitivo).
contribuir no aperfeiçoamento dos instrumentos de
averiguação da verdade dos fatos, propiciando maior Princípio inquisitivo. Trata-se do princípio unificador
segurança jurídica na aplicação concreta do direito. do sistema inquisitivo. Orienta que a iniciativa das
provas é das partes processuais (acusador e acusado) e
A verdade é única. O Direito adota o conceito também do julgador.
aristotélico de verdade, através do qual a verdade é a
correspondência entre a descrição de um fato (ou de Constituição Federal de 1988. Adota o sistema
um objeto) e a sua realidade. A divisão entre verdade acusatório no processo penal de forma implícita em
real (material) e verdade formal (processual) é seus artigos arts. 129, I (titularidade do MP da ação
ultrapassada, que não encontra atual respaldo penal); 5º, LIV (devido processo legal), LV (contraditório
filosófico ou científico. A verdade é única, a questão de e ampla defesa) e LVII (presunção de inocência); e 93,
debate é saber se é possível alcançá-la. IX (motivação das decisões judiciais).

A verdade é um modelo ideal. A verdade é Código de Processo Penal. Adota um modelo


inalcançável, servindo no processo como um modelo inquisitivo de forma explícita, como pode ser
ideal, uma referência, uma orientação. Assim, no constatado, por exemplo, nos artigos 156, 196, 209,
processo penal, a função da prova é averiguar a 234 e 616 do CPP. O art. 156 do CPP atribui ao juiz de
verdade com o objetivo de se aproximar dela o máximo forma explícita o poder instrutório.
possível.
Sistema preponderante. Há corrente doutrinária que
4. Destinatário. Considerando a função persuasiva, o defende não existir um sistema puro, mas sim uma
destinatário das provas produzidas pelas partes situação na qual, embora estejam presentes as
processuais é o órgão julgador (juiz ou tribunal). características de ambos em concomitância, um

* O presente material não tem caráter de “resumo”, em relação ao conteúdo apresentado, tendo a finalidade exclusiva
de pontuar os tópicos abordados em sala de aula da matéria apresentada pelo professor-criador, que será
complementada com a explanação do tema e com a bibliografia eventualmente indicada.
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sistema prepondera em relação ao outro. Em sistemas Sistemas aplicados ao processo penal brasileiro:
jurídicos de tradição anglo-saxã costuma preponderar o Regra – sistema do livre convencimento motivado
sistema acusatório, e em países de tradição europeia- (persuasão racional).
continental, o sistema inquisitivo. Exceção – sistema da íntima convicção no
procedimento especial do Tribunal do Júri.
Estado democrático de direito. Princípios importantes
relativos ao Estado democrático de direito o distanciam 7. Objeto: o objeto da prova é o fato que se quer
do sistema inquisitivo, aproximando-o de um sistema comprovar.
de modelo acusatório. Como exemplo, destaca-se o
princípio da imparcialidade do julgador, que pode Objeto de prova Não precisa ser provado
mostrar grande incompatibilidade com a figura de um Fato narrado (acusação). Fatos notórios (de
julgador ativista, que, como as partes, participa da conhecimento público,
dialética processual produzindo provas. Também é verdades sabidas; Ex.
possível destacar o princípio da presunção de inocência feriado).
que impõe o ônus da prova ao acusador e estabelece Costumes (repouso Fatos axiomáticos ou
que em caso de dúvida judicial a solução deverá ser a noturno, religioso). intuitivos (embora não seja
absolvição (in dubio pro reo). É importante registrar de conhecimento geral, é
que existem posições doutrinárias divergentes a esta algo evidente, intuitivo; Ex.
linha de pensamento, entendendo que a atuação cocaína causa
probatória do julgador não será incompatível com tais dependência).
princípios se for realizada de forma excepcional e, Regulamentos e portarias Fatos inúteis (que não
principalmente, de modo complementar em relação às (Exceto portarias que interessam à causa).
partes. complementam norma
penal em branco; Ex.
6. Sistema de valoração das provas Portaria 344/98 da Anvisa
e Lei 11.343/2006).
6.1 Sistema da íntima convicção. O valor de cada prova Direito estrangeiro, Presunção legal (presunção
é estabelecido pelo julgador no caso concreto, que não estadual e municipal de inocência).
é obrigado a fundamentar as razões de sua valoração (exceto, estadual ou
(convicção). municipal do foro do juiz).
Fatos não contestados ou
6.2 Sistema legal de provas. O valor de cada prova é incontroversos (diferente
definido pela lei, que estabelece uma hierarquia do processo civil, nessas
valorativa entre as suas espécies. situações não ocorre
confissão ficta).
6.3 Sistema do livre convencimento motivado ou da
persuasão racional. O valor de cada prova é Classificação quanto ao objeto:
estabelecido pelo julgador no caso concreto, que a) Prova direta: recai diretamente ao fato acusado (ex.
deverá fundamentar as razões de sua valoração testemunha que presenciou o crime).
(convicção) de acordo com as provas produzidas e com b) Prova indireta: recai indiretamente ao fato acusado
o ordenamento jurídico. Neste caso, não se admite (ex. testemunha que ouviu gritos da vítima).
valorações judiciais baseadas em provas ilícitas
(incompatíveis com o ordenamento jurídico). Esse 8. Atos de investigação e atos de prova
sistema também é considerado na forma de um
princípio (princípio do livre convencimento motivado), Ato de investigação Ato de prova
que orienta as decisões judiciais, previsto no art. 157
Praticado na fase Praticado na fase
do CPP.
investigatória (pré- acusatória (processual).
processual). Exceção: praticado na fase
O convencimento é livre, mas limitado. Nesse sistema
investigatória no caso de
o convencimento do juiz é livre por ele ter
provas cautelares, não
independência para julgar, não podendo sofrer
repetíveis e antecipadas.
pressões políticas, econômicas ou sociais (clamor
Praticado pela autoridade Praticado pelo acusador,
público); todavia, o convencimento se diz motivado
policial e pelo MP. acusado e julgador.
(racional) porque o juiz deve fundamentar a sua
Produz elementos de Produz provas.
decisão dentro dos limites das provas dos autos e da
informação.
legislação penal.
Praticado sem contraditório e Praticado com

* O presente material não tem caráter de “resumo”, em relação ao conteúdo apresentado, tendo a finalidade exclusiva de pontuar os
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e com a bibliografia eventualmente indicada.
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ampla defesa. contraditório e ampla
defesa. Classificação das provas quanto aos meios:
Tem como destinatário o Tem como destinatário o Provas típicas (nominadas): tem previsão na legislação
acusador. julgador. processual.
Fundamenta as medidas Fundamenta as medidas Provas atípicas (inominadas): não tem previsão da
cautelares e o exercício da cautelares e a decisão final legislação processual.
ação penal. penal.
Adotando o princípio da liberdade das provas, no
9. Provas cautelares, não-repetíveis e antecipadas processo penal brasileiro são admitidos qualquer meio
de provas (típicos e atípicos), contanto que não
Previsão: art.155 do CPP. ofendam a Constituição e as leis.

Provas Provas não Provas Previsão: art. 157, caput, do CPP.


cautelares repetíveis antecipadas
A eficácia da A produção não A produção b) Princípio da presunção de inocência: ao definir que
produção exige pode ser antecipada é o imputado deve ser presumido inocente enquanto não
urgência. repetida urgente e houver condenação judicial definitiva, este princípio
posteriormente relevante (art. estabelece em matéria probatória que o ônus da prova
em juízo. 156, I, CPP). é da acusação.
Produção Produção Produção
presidida pela presidida pela presidida pela Previsão: artigo 5º, LVII, da CF/88.
autoridade autoridade autoridade
policial, sem a policial, sem a judicial, com a c) Princípio do nemo tenetur se detegere (ou vedação
presença dos presença dos presença dos à autoacusação): estabelece que ninguém pode ser
futuros sujeitos futuros sujeitos futuros sujeitos obrigado a produzir prova contra si mesmo. Por
processuais. processuais. processuais, evidente, é uma extensão da regra de que o ônus da
através de prova é da acusação, estando em harmonia, portanto,
incidente com a presunção de inocência.
processual.
Contraditório Contraditório Contraditório Previsão: artigos 5º, LXIII, da CF/88, 8º, item 2, letra g,
postergado postergado instantâneo (é da CADH, e 186 do CPP.
(diferido) (diferido) regra das
provas) Prova invasiva: é aquela cuja produção é feita através
Interceptação Provas periciais Depoimento ad da intervenção no corpo humano. Ex.: exame de
telefônica, (exames perpetuam rei sangue, ginecológico, do reto e endoscopia. A sua
quebra de sigilo necroscópicos, memorium (art. produção depende da autorização do agente, sob pena
bancário, busca balística, 225, CPP). de ofensa ao princípio da vedação à autoacusação.
e apreensão de grafotécnico,
documentos. perícia no local d) Princípio da comunhão das provas: estabelece que a
do crime, de prova produzida no processo passa a integrá-lo,
eficiência da podendo ser utilizada por qualquer uma das partes em
arma, etc.). suas teses e pelo juiz em seu julgamento.

A produção de prova sempre deve ter o crivo do e) Princípio do contraditório: estabelece em matéria
probatória que deve ser dado às partes ciência de
contraditório: ou instantâneo, que é a regra; ou
todas as provas produzidas na instrução do processo e,
postergado, que é a exceção. Prova sem contraditório é
ato inconstitucional, ferindo o art. 5º, LV, da CF. igualmente, possibilitando-lhes o direito de contestá-
las.
10. Princípios
Previsão: artigo 5º, LV, da CF/88.
a) Princípio da liberdade das provas: estabelece que a
f) Princípio da identidade física do juiz: estabelece que
liberdade probatória deve ser ampla, abrangendo o seu
o juiz que presidiu a fase de instrução probatória do
momento, tema e meio de produção.
processo penal deve julgá-lo. O princípio da identidade
física do juiz tem como subprincípios a concentração, a
oralidade e a imediatidade, que permitem a

* O presente material não tem caráter de “resumo”, em relação ao conteúdo apresentado, tendo a finalidade exclusiva de pontuar os
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aglutinação da instrução criminal com o sequente diferente das provas ilícitas, cuja ilicitude atinge a
julgamento da causa. produção em si, o que impede a validação com a
simples repetição.
Previsão: artigo 399, § 2º, do CPP.
Inadmissibilidade absoluta da prova ilícita. Prevalece o
Exceções: provas colhidas à distância (carta entendimento de que em hipótese alguma as provas
precatória/rogatória) e afastamento do juiz titular em ilícitas podem ser admitidas no processo penal
razão de convocação, licenciamento, promoção e (jurisprudência do STF e entendimento doutrinário).
aposentadoria (art. 132, caput, do CPC, por analogia). O
juiz sucessor, que ingressou nos autos após a instrução Prova ilícita pro reo. Com a aplicação do princípio da
processual, poderá determinar a repetição de prova já proporcionalidade, há relevante corrente doutrinária
produzida antes de proferir a sentença, sendo-lhe uma que admite a utilização de prova ilícita para beneficiar
faculdade (art. 132, caput do CPC por analogia). o réu, entendendo que o direito individual à liberdade
pode prevalecer sobre o direito público de não se
g) Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas admitir provas ilícitas.
por meios ilícitos: estabelece que as provas obtidas
com violação ao ordenamento jurídico não devem ser 11. Prova ilícita por derivação: é a prova que embora
admitidas no processo. lícita foi produzida a partir da informação fornecida por
uma prova ilícita, o que também lhe contamina de
Previsão: artigo 5º, LVI, da CF/88. ilicitude (princípio da contaminação). Não é admitida
pelo CPP (art. 157, § 1º, primeira parte, do CPP).
O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por
meios ilícitos compreende as provas ilícitas e também Princípio da contaminação: estabelece que a prova
as ilegítimas. lícita produzida a partir de uma prova ilícita é ilícita por
derivação.
10. Provas ilícitas: não são admitas no processo penal
(art. 5º, LVI, da CF/88 e art. 157, caput, do CPP). É uma Teoria dos frutos da árvore envenenada. Segundo esta
espécie do gênero “prova ilegal”. teoria, o vício de ilicitude presente na prova original
contamina todas as provas surgidas a partir das
Provas ilegais: são aquelas que ofendem o informações fornecidas por ela. Teoria surgida no
ordenamento jurídico, e podem ser divididas em duas direito estadunidense – fruits of the poisonous tree –
espécies, as provas ilícitas e as provas ilegítimas (art. no caso paradigma Nardone Vs United States (1939).
157, caput, CPP).
Provas inadmissíveis. As provas ilícitas por derivação
Prova ilícita: é aquela produzida com violação à norma também não são admitidas no processo penal
de direito material, em especial constitucional, no brasileiro; e, como as provas ilícitas, devem ser
momento da sua produção. Ex.: confissão mediante desentranhadas do processo (art. 157, § 3º do CPP).
tortura (art. 5º, III, CF); busca e apreensão com violação
ilegal de domicílio (art. 5º, XI, CF); quebra de sigilo Exceções à teoria: art. 157, §§ 1º e 2º do CPP. As
bancário ou interceptação telefônica sem ordem exceções legais se tratam de situações em que é
judicial (art. 5º, XII, CF), etc. possível afastar o nexo de causalidade entre a prova
originariamente ilícita e a prova produzida
Prova ilegítima: é aquela produzida com violação à posteriormente sob suspeita de ser ilícita por
norma de natureza processual no momento de sua derivação. Nestes casos, demonstrada a ausência de
produção. Ex.: depoimento de parentes e afins na nexo de causalidade, a prova produzida posteriormente
qualidade de testemunhas (art. 208, CPP); em crime à ilícita é lícita.
material, substituição de laudo pericial pela confissão
do acusado (art. 158, CPP). Ausência de nexo de causalidade: por questão lógica, a
ausência de nexo de causalidade entre a prova ilícita a
Inadmissibilidade e desentranhamento: as provas e prova lícita (sob suspeita de ter sido derivada da
ilícitas não são admitidas, devendo ser desentranhadas ilícita) afasta a contaminação de ilicitude. Previsão: art.
do processo (art. 157, caput, do CPP); o mesmo 157, § 1º, segunda parte, do CPP.
tratamento é dado pela doutrina e jurisprudência às
provas ilegítimas. Teoria da fonte independente: a prova lícita não será
atingida pelo vício da prova ilícita caso se demonstre
Repetição: as provas ilegítimas são passíveis de que ela foi obtida por fonte lícita independente da
repetição, com o saneamento do vício processual;

* O presente material não tem caráter de “resumo”, em relação ao conteúdo apresentado, tendo a finalidade exclusiva de pontuar os
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Processo Penal
segunda. Previsão: art. 157, § 1º, terceira parte, e § 2º,
do CPP.

Teoria da descoberta inevitável: a prova lícita, apesar


de obtida através da produção da prova ilícita, seria de
qualquer forma obtida por outros meios.

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