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INTRODUÇÃO
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Discente do 10º período do curso de Direito do Centro Universitário Santa Cruz, de Curitiba-PR. E-
mail: isabernardinis@hotmail.com – Artigo protocolado no dia 19/11/2020, como Trabalho de
Conclusão de Curso para o Curso de Direito do Centro Universitário Santa Cruz, de Curitiba-PR, sob
a orientação do Professor Me. Israel Rutte.
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Cabe salientar, ainda, que serão abordados neste trabalho alguns princípios
do processo penal, sendo eles: o do devido processo legal; o do contraditório; o da
ampla defesa; o da presunção de inocência; e o da inadmissibilidade das provas
ilícitas, inclusive tratando da prova ilícita por derivação, tal como registrando a
diferença doutrinária entre a prova ilícita e a prova ilegítima.
Assim, pode-se compreender que a cadeia de custódia das provas representa
a cautela que se tem que ter com todos os elementos que possam vir a ser prova no
processo, uma vez que estes poderão amparar o juiz a determinar os fatos que são
importantes para o caso concreto. Isto é, a cadeia de custódia garante que o
conjunto probatório será formado apenas por elementos confiáveis.
Pontuar-se-á, ainda, sobre a regulamentação da cadeia de custódia, pois é
necessário que as autoridades resguardem os elementos sensíveis (vestígios)
deixados pela infração, promovendo o rastreamento de todas as etapas:
reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte,
recebimento, processamento, armazenamento e descarte. Deste modo, se assim
procederem, as provas carreadas aos autos não incidirão em possíveis ilicitudes,
podendo o magistrado fundamentar sua decisão em fatos verossímeis atestados por
provas idôneas.
Posto isto, a inobservância no manuseio das provas configurará na quebra da
cadeia de custódia, denominada também como “break on the chain of custody”,
havendo posicionamentos diversos acerca do desentranhamento do elemento
probatório obtido por métodos ocultos.
O trabalho, ainda, apresentará dois processos em que ocorreu a quebra da
cadeia de custódia. Nesta esteira, o primeiro trata-se do caso em que o delator
Joesley Batista entregou à Procuradoria Geral da República um pen drive contendo
a gravação ambiental de uma conversa entre ele e o ex-presidente Michel Temer, e
o segundo é o caso da Operação Negócio da China.
Por fim, importante destacar que o presente trabalho foi iniciado no ano de
2018, antes mesmo de ser realizada a regulamentação da cadeia de custódia das
provas no processo penal, ou seja, quando existia uma discussão voltada aos
efeitos da teoria, sendo finalizado no ano de 2020.
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Nessa linha, Aury Lopes Junior (2020, p. 558) acrescenta que “as provas são
os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa
de verificação das hipóteses, com a finalidade de convencer o juiz (função
persuasiva)”.
De outra maneira, as provas são instrumentos utilizados para que se possa
atingir o fim de restaurar, tanto quanto possível, o fato delitivo, possuindo, desta
forma, a função de estruturar a captura psíquica do juiz e de representar a
reconstrução histórica de uma ocorrência anterior.
É relevante salientar o dever do processo penal na reconstrução histórica dos
fatos em cada ação judicial, com a finalidade de dirigir o conhecimento indispensável
sobre o acontecido perante o magistrado.
Para tal, é fundamental realizar uma reformulação fática por intermédio das
provas juntadas nos autos. De acordo com Antônio Magalhães (2001, p. 53):
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Deste modo, entende-se que é por meio do direito processual penal que o
Estado oferece ferramentas essenciais para a reconstrução de um fato passado,
tendo como objetivo futuro o exercício ou não do jus puniendi, correspondendo à
prova como meio selecionado para tanto.
É cediço que a prova exerce uma função indispensável no processo penal,
tendo em vista que é o instrumento primordial para reorganizar fato anterior, a fim de
que o magistrado construa sua convicção.
Nos ensinamentos de Gascón Abellán (2013, p. 192):
O fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que
possa emitir um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa o caso
penal. Ou seja, é o thema probandum que serve de base à imputação penal
feita pelo Ministério Público. É a verdade dos fatos imputados ao réu com
todas as suas circunstâncias.
Aury Lopes Junior (2020, p. 147) explica que a ampla defesa possui dois
aspectos, sendo eles a autodefesa e a defesa técnica. A autodefesa é aquela
exercida por meio do próprio acusado, enquanto a defesa técnica é aquela exercida
por meio de profissional habilitado.
Como complemento, Igor Luis (2012, p. 270) expõe que o princípio da ampla
defesa traz “a possibilidade de utilização de todos os meios de prova passíveis de
demonstrar a inocência do acusado”.
Em relação ao dispositivo probatório, cabe destacar o entendimento de
Geraldo Prado (2014, p. 41): “a defesa, por sua vez, tem o direito de conhecer a
totalidade dos citados elementos informativos para rastrear a legalidade da atividade
persecutória, pois de outra maneira não haveria como identificar provas ilícitas”.
Precisamente, nota-se que é um dever do Estado proporcionar a mais vasta
defesa ao acusado em relação à imputação feita, em especial quando tratar das
provas.
O papel que a presunção de inocência joga nos dias atuais consiste, pois,
em fundar o estado original de incerteza que marcará a persecução penal,
da notícia crime ao momento imediatamente anterior ao trânsito em julgado
da sentença penal condenatória.
De acordo com Aury Lopes Junior (2020, p. 630) existe diferença entre prova
ilícita e prova ilegítima.
A prova ilícita por derivação possui origem na teoria dos frutos da árvore
envenena (fruits of poisonuous tree), do direito estadunidense.
Essa teoria explica que, se a prova originária produzida for considerada ilícita,
todas as provas obtidas a partir dela serão consideradas ilícitas por derivação. Ou
seja, se a árvore está contaminada, os frutos que dela derivam estão contaminados
também.
Nas palavras de Aury Lopes Junior (2020, p. 639):
Já para Geraldo Prado (2014, p. 80), a cadeia de custódia pode ser definida
como um “dispositivo que pretende assegurar a integridade dos elementos
probatórios, não obstante o seu significado em termos de redução de complexidade
de garantia constitucional contra a prova ilícita”.
Nesse mesmo viés, Aury Lopes Junior (2020, p. 658) aduz que:
Portanto, a cadeia de custódia pode ser delineada como um sistema que visa
garantir a conservação, integridade e a idoneidade dos componentes usados
ocasionalmente como provas.
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Las reglas que gobiernan los procedimientos penales ‘tienen por objeto
proporcionar una decisión justa de cada proceso criminal’ y están
‘construidas para asegurar la simplicidad en el procedimiento, la
imparcialidad en la administración, y la eliminación de gastos y retrasos
injustificados.
Ademais, Aury Lopes Junior (2020, p. 651) traz que “para essa preservação
das fontes de prova, através da manutenção da cadeia de custódia, exige a prática
de uma série de atos, um verdadeiro protocolo de custódia, cujo passo a passo vem
dado pelo art. 158-B e s.”.2
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Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:
I – reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da
prova pericial;
II – isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o
ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;
III – fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de
delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui,
sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo
atendimento;
IV – coleta: ato de recolher o vestígio que será́ submetido à análise pericial, respeitando suas
características e natureza;
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V – acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma
individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior
análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
VI – transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições
adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de
suas características originais, bem como o controle de sua posse;
VII – recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com,
no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária
relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza
do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
VIII – processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia
adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado
desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;
IX – armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser
processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação
ao número do laudo correspondente;
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e,
quando pertinente, mediante autorização judicial.
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Um caso prático deste tema é a gravação ambiental feita pelo delator Joesley
Batista e o ex-presidente Michel Temer.
O delator apresentou à Procuradoria Geral da República um pen drive
contendo o áudio da gravação entre ele e o ex-presidente Michel Temer, e tão
somente com base neste conteúdo da gravação a Procuradoria Geral da República
requereu a abertura de Inquérito.
Diante disto, a defesa do ex-presidente requereu que o gravador fosse
remetido para análise pericial, indagando a idoneidade e a integridade da gravação.
Os peritos da Polícia Federal requereram à Procuradoria Geral da República
que o gravador original utilizado para captação do áudio fosse enviado ao Instituto
Nacional de Criminalística, e não apenas a gravação em si, considerando que o
exame de multimídia forense preconiza que as análises sejam feitas em conjunto.
Entretanto, a defesa do delator alegou que o gravador original que captou o
áudio da gravação estava no exterior juntamente de Joesley, mas que tomaria
providências para trazê-lo novamente ao país e entregá-lo no Instituto Nacional de
Criminalística. No ponto, Alexandre Breu (2017, [s/p]) indaga:
Então, sobre o aparelho gravador que será remetido pelo delator do exterior
para a Polícia Federal perguntamos: Esse aparelho gravador permanece
intacto? Está funcionando nas mesmas condições quando da captação
ambiental realizada? Por quem foi manuseado desde então? Foi lacrado?
Onde e sob quais condições foi guardado? Foi submetido a algum tipo de
intervenção? Teve seu funcionamento e programação alterados? Teve
algum componente substituído? Foi acessado por algum técnico
especializado? É o mesmo aparelho gravador utilizado na captação
ambiental da conversa com o presidente Michel Temer? Contém o áudio
original intacto? Foram realizadas outras gravações neste aparelho? Estas
respostas não poderão ser obtidas porque houve quebra da cadeia de
custódia da prova que será periciada.
Apesar de lhes ter sido franqueado o acesso aos autos, parte das provas
obtidas, a partir da interceptação telemática, foi extraviada, ainda na Polícia
Federal, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da
forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua
ordem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe destacar, por fim, que existe a possibilidade de estudos futuros, vez que
acompanhar-se-á, na prática, a aplicação da Lei 13.964/2019, analisando sua
adaptação em divergentes interpretações.
REFERÊNCIAS
ESPINDULA, Alberi. Perícia Criminal e Cível: uma visão geral para peritos e
usuários da perícia. 3. ed. São Paulo: Millenium, 2009.
FILHO, Antônio Magalhães Gomes. A motivação das decisões penais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
JUNIOR, Aury Lopes. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. 11. Ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2014.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006.
SILVA, Igor Luis Pereira e. Princípios Penais. 1ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2012.