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Ética de Platão e Aristóteles: diferenças e

semelhanças
por Michelle Vaz | Filosofia

Podemos perceber convergências e divergências entre a Ética de Platão e a Ética de Aristóteles. Neste
texto, procuramos expor as principais diferenças e semelhanças.
A Ética de Platão
Platão propõe uma ética transcendente, dado que o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do
mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas sim o mundo inteligível. O filósofo centra
suas indagações na Ideia perfeita, boa e justa que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As Ideias formam
a realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens tem seus valores, leis, moral. Conforme o
conhecimento das ideias, das essências, o homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social.

O uso reto da razão é entendido como o meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos
homens. No mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra o homem ao lidar com o
conhecimento das aparências. Somente pelo conhecimento racional o homem pode elevar-se até as Ideias, até o Ser
e conhecer a verdade das coisas. Isto se dá através do método dialético, o qual elimina as aparências e encontra as
essências, a verdade no conhecimento das coisas. Este método filosófico tem por finalidade libertar os homens da
ignorância e levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da Ideia Suprema: o Bem. As
outras ideias participam desta e devem sua existência a esta.

O Bem ilumina o ser com verdade, permitindo que seja conhecido, assim como o Sol ilumina os objetos e permite que
sejam vistos – nota-se aqui a analogia entre Bem e Sol apresentada no mito da caverna. Existem diversas ideias e é
devido à participação nestas, mesmo que enquanto cópia imperfeita, que se fez possível o mundo sensível. Ao
contemplar a ideia do Bem, o homem passa a sofrer as exigências do Ser, isto é, suas ações devem ser pautadas
conforme a ideia contemplada.

A alma humana – de suma relevância para a ética platônica- é tripartite, isto é, forma-se pela inteligência, pela
irascibilidade e pela concuspiscência. Tal como as partes da cidade ideal, cada uma das partes da alma possui suas
funções específicas que não podem ser exercidas por nenhuma das outras partes. Cada uma das partes da cidade e,
por analogia, cada uma das partes da alma, possui uma função própria a qual pode ser executada com excelência ou
não, e, ao executá-la com excelência, sua virtude própria é exercida.

A virtude é definida, pois, como capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente. No caso do governante da cidade e
da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso dos guerreiro e da parte irascível da alma, a
virtude que lhes é própria é a coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de bens da
cidade, a virtude própria é temperança. Dada a posição de cada classe, pode-se definir a justiça como cada parte
fazendo o que lhe compete, conforme suas aptidões. Portanto, ao estabelecer uma relação de analogia entre a
sociedade e indivíduo, Platão define o conceito de justiça – o qual seria também concebido como princípio de
equilíbrio do indivíduo e da sociedade – e o liga ao conceito de virtude.

O sentimento de justiça é, pois, a virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens. Para que esta virtude
seja alcançada, o homem deve buscar o bem em si mesmo, porque ele realiza o ideal de justiça, tanto com relação ao
bem individual quanto social.
A ética platônica ocupa-se com o correto modo de agir e sua relação com o alcance da felicidade. Contudo, o discurso
ético apresentado na República acerca da felicidade relaciona esta com o conceito de justiça. O problema da justiça
enquadra-se no âmbito político, o qual tem estreita relação com o campo da ética: é deste modo que surge a tese
central de que só o justo é feliz. No diálogo República, buscando a constituição da cidade ideal, surge o problema
cerne acerca da definição da justiça para que se pudesse, posteriormente, definir o que é a justiça tanto no indivíduo
quanto no Estado. Há, pois, um paralelo entre Estado e indivíduo a fim de que se encontre a definição de justiça.

Para Platão, a sociedade seria como algo orgânico e bem integrado, como uma unidade construída por vários
elementos independentes, embora integrados. A cidade forma-se por três classes, como já apontamos, e cada classe
possui sua função específica. Deve-se notar que tais funções são determinadas conforme as aptidões naturais de
cada membro da cidade. O objetivo desta divisão é mostrar com mais clareza como ocorre o mesmo na alma
humana. A finalidade da cidade justa e boa é, então, propiciar a felicidade do indivíduo ao viabilizar a prática de suas
virtudes, de suas aptidões específicas.

Devemos ter em mente que a virtude correspondente a cada classe da cidade e a cada parte da alma humana deve
ser ensinada visando a realização do ideal da polis. Esta educação embasa-se no método dialético ascendente, o
qual liberta o homem dos sentidos e o eleva até o mundo inteligível, até o ponto mais claro do Ser, a ideia do Bem.
Após contemplar o Bem diretamente, o filósofo deve retornar à cidade que lhe propiciou educação de modo a guiar os
outros cidadãos da ignorância ao conhecimento racional.

As ideias – das quais se originam as cópias sensíveis – são, pois, existentes em si e por si, são realidades universais,
eternas, imutáveis. Por tais motivos, são os modelos a serem seguidos, são paradigmas para a construção da cidade
ideal e para a educação moral, política e espiritual do homem. Além do mais, são ordenadoras do cosmos.

Fica evidente que a proposta de Platão liga-se, principalmente, às ideias de Justiça e do Bem – este último é o
supremo valor que sustenta a justiça com relação à organização política e à conduta individual. O equilíbrio entre as
três partes componentes da alma e da cidade gera equilíbrio, harmonia e leva à felicidade. Assim, Platão busca por
definições gerais, universais, imutáveis, eternas, existentes por si mesmas: as Ideias. Como veremos adiante, tal
busca é oposta à busca aristotélica pela virtude ligada à aplicabilidade desta.

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A ética aristotélica, em oposição à ética de seu mestre, é imanente, tendo suas bases na realidade empírica do
mundo, no questionamento acerca das condutas humanas e na organização social. As exigências com relação à vida
na polis e a realidade do homem formam o conteúdo das ideias, e são ambas as responsáveis pela escolha dos
valores, pela moralidade e pelas leis, pela definição das condutas dos homens. Sua teoria ética era realista, empirista
em contrapartida à visão idealista e racionalista de Platão.

A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada
eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude – diferentemente de Platão,
que buscava a essência das ideias de felicidade e da ideia do Bem sem relacioná-las diretamente à prática. A
felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa
definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o
estudo da natureza da virtude moral.
A virtude é definida pelo Estagirita como hábito ou disposição racional constante, sendo a virtude o hábito torna o
homem bom e o capacita na boa execução de sua função. Esta definição se mostra oposta à de Platão: a virtude é
definida como capacidade de realizar uma função determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da
cidade ideal.

A virtude moral é consistida por uma mediedade relativa a nós e o filósofo define- a como disposição – já que não
podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada, sendo que a disposição está de acordo com
a reta razão. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento
do homem com relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre virtude moral e
virtude intelectual seja explicitada. O Estagirita, em contrapartida às visões de Sócrates e Platão, atribui um papel
importante dos sentimentos no âmbito ético, pois esta parte emocional da alma também é responsável na formação
das virtudes, quando em conformidade com a parte racional.

O que distingue as duas espécies de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim,
necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito
determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação à
nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação
se produz.

Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza – ao contrário da visão inatista platônica – porque o
que é por natureza não pode ser alterado pelo hábito, a natureza nos capacita em receber tais virtudes e esta
capacidade em recebê-las é aperfeiçoada pelo hábito. Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a
prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o
homem ser bom, de ser virtuoso.

Neste ponto da exposição aristotélica, podemos notar outra oposição com relação à ética platônica: conforme esta, o
homem só pode ser bom e virtuoso ao contemplar a ideia do Bem – o que aponta para a diferença entre as
concepções idealistas/racionalistas apresentadas por Platão e as concepções realistas/empiristas expostas pelo
peripatético. Aristóteles critica a identificação feita por seu mestre entre virtude e conhecimento, de modo que
conhecer a essência da Justiça implicaria em ser justo, haja vista que são identificados. Assim, o conhecimento da
ideia do Bem seria a condição para o bem agir, e a virtude consistiria em somente um tipo de conhecimento teórico,
conforme a crítica feita pelo Estagirita. Este afirma que a razão não é a única a atuar na determinação da boa
conduta, devendo-se levar em conta os sentimentos por auxiliarem na formação das virtudes, além do fato de que as
virtudes implicam uma atividade racional.

Como vimos, as virtudes morais são vistas como produto do hábito, consequentemente não são tomadas como inatas
– como o fizeram Sócrates e Platão. Ao considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma implicação de que o
homem é causa de suas próprias ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece
sobre a disposição – o que refuta a ideia platônica de que o homem que age mal, o faz por ignorância, pois o mal é a
ausência do bem. Está na natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e
cabe à mediania preservar as virtudes morais e também diferenciá-las das virtudes naturais. Pode-se notar, pois, que
a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o
sentir em excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta é dada pela razão
entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às
pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral, a qual diverge da noção
platônica de excelência moral, que seria cada parte da alma exercer sua tarefa própria da melhor maneira possível,
com excelência para exercer sua respectiva virtude.

Ao propor a mediania como gênero de virtude moral, como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega
clássica, porque esta indicava a mediania como a regra de ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não
silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva
moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões – contrariamente à doutrina platônica, na
qual a ação moral tem uma relação intrínseca com a contemplação do Bem. De acordo com Aristóteles, a posição de
meio é o que tem a mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse
viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois não é
válido para todos.

A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meio-termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações
e paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-termo. As ações e os apetites não tem, em sua
natureza, algo que determine sua tendência para a falta ou para o excesso. Por sua vez, a tendência à mediania
expressa a virtude moral, expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O que nos faz tender à mediania
é a educação e a repetição de atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido e visa a mediania. Esta,
por sua vez, é determinada segundo um princípio racional. Pode-se notar que, para Aristóteles, a virtude é uma
espécie de mediania já que visa o meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem relação com a
escolha dos atos e das paixões. A justa-medida é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de
sabedoria prática. Assim, ao buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles define-a como mediania.

O Estagirita afirma que sua investigação acerca da virtude não é de cunho exclusivamente teórico, como a realizada
por Platão, mas a investigação se dá com a finalidade de que os homens tornem-se bons – pois cabe à mesma
ciência, ou seja, à Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto a função de fazer com que os homens
se tornem bons. Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos fatos particulares.

A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência.
Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a mediania tanto nas ações – embora algumas ações não permitam um
meio-termo por seus próprios nomes já implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. Um dos extremos
– entre os quais a mediania se localiza – é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar atento aos erros
para os quais tem-se maior facilidade para ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado ao se analisar
o prazer e o sofrimento acarretado pelo mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, deve-se ir em direção
oposta, ao outro extremo para que se chegue ao estado intermediário e, consequentemente, afastar-se do erro.

Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser louvado. Contudo, ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora
da falta com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é correto e ao meio-termo.

Ao longo das exposições acerca das perspectivas éticas de Platão e Aristóteles, podemos perceber convergências e
divergências, sendo que estas foram explicitadas de modo geral.

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