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Para entender o que e como se configurou a chamada ética profissional, apenas um dos
ramos da ética normativa, é necessário percorrer o desenvolvimento conceitual da ética ao
longo da história.
A ética na antiguidade.
A ética nasceu na Grécia, praticamente junto com a filosofia, embora seus preceitos fossem
praticados entre outros povos desde os primórdios da humanidade, mesclados ao contexto
mítico e religioso, tentando pautar regras de comportamento para permitir o convívio entre
indivíduos agrupados no conjunto da sociedade.
Momento em que surgiram discussões que até hoje fomentam reflexões éticas.
Apesar dos pré-socráticos se inserirem neste contexto, a maioria dos autores atribuem a
tradição socrática um olhar mais atento sobre problemáticas em torno da ética.
Para Sócrates, o verdadeiro objecto do conhecimento seria a alma humana, onde reside a
verdade e a possibilidade de alcançar a felicidade.
O grande problema é que o individuo não está preparado para encontrar a verdade dentro
de seu espírito.
Um conceito importante para os gregos, tanto que a palavra eudeimontem a mesma origem
etimológica, denotando riqueza e denominando um homem poderoso e com boa fortuna.
Para a tradição socrática, a felicidade só pode ser alcançada pela conduta recta, a verdade
só pode ser contemplada pelo conhecimento virtuoso do mundo, pelo comportamento
orientado pela bondade.
A virtude é o centro da ética socrática, podendo ser definida como uma disposição para
praticar o bem, suprimir os desejos despertados pelos sentimentos, racionalizando as
acções em benefício da colectividade.
Neste sentido, devemos notar que a ética é uma busca pela felicidade colectiva, mas
envolve apenas a eudaimoniaentre iguais.
Antes de Aristóteles, herdeiro da tradição socrática, Platão tratou a ética como componente
indissociável da vida política, da harmonia entre os habitantes daPolis.
Sua tarefa seria promover o nivelamento entre os indivíduos, diluindo as diferenças em prol
do bem comum.
1. Timocracia. O regime dos amantes da riqueza, onde o poder é partilhado apenas entre os
membros das oligarquias, palavra que em grego significa “governo de poucos”, restringindo-
se ao controle exercido pelas famílias mais ricas e proeminentes que formam a nobreza.
Uma vez que todas as formas de governo conduzem ao vício, inviabilizando a existência
ética do individuo e da Polis; Platão propôs a construção de um Estado Ideal, onde a virtude
pudesse ser cultivada, garantindo a liberdade efectivada no exercício da justiça, o que ficou
conhecido como República Platónica (Res Pública= coisa pública).
O Estado deveria ser governado pelos reis filósofos, sendo a racionalidade o que permitiria
dirigir o destino colectivo com sabedoria e virtude.
Esta concepção leva em consideração que haveria escravos para cultivar alimentos para
suprir a população.
Estes não estão incluídos nas preocupações da ética platónica, pois não passam de animais
vocais, capazes de falar, mas não de interiorizar virtudes e a razão.
Assim como também, neste mundo perfeito, não havia espaço para as mulheres,
consideradas serem inferiores por se entregarem aos sentimentos.
Um segmento indesejado seria composto pelos poetas, que deveriam ser expulsos da Polis,
já que despertam sentimentos, fazendo o sujeito deixar a racionalidade de lado.
Modernamente, poderíamos traçar uma analogia dos poetas com os meios de comunicação,
que constroem verdades e desviam a atenção das massas das questões realmente
importantes, iludindo os indivíduos e manipulando suas acções.
Ao inverso de Platão, para ele não é o sistema político que corrompe o homem, este é que
desvirtua o regime.
É por isto que Aristóteles foi um grande defensor da democracia, relacionando a liberdade
com a responsabilidade para compartilhar o poder de forma igualitária, através do conceito
de representatividade.
Para tal, seria necessário preparar o individuo para o exercício virtuoso da política,
cultivando virtudes como prudência, sabedoria e justiça.
Não sendo possível determinar a essência destes conceitos, sendo relativos no tempo e
espaço; é difícil definir parâmetros para um comportamento virtuoso.
Ainda na antiguidade, os romanos tiveram que lidar com a oposição antagónica proposta por
Platão e Aristóteles, entre o padrão de comportamento da sociedade e de grupos inseridos
nela.
O que originou a moral e sua distinção com relação à ética, o Direito e a justiça.
A conclusão foi que a existência colectiva precisa de regras para efectivar-se, percorrendo
esferas distintas que vão do privado ao convencionado para o conjunto, do individuo ao
grupo e deste para o contexto mais amplo; comportando paradoxos, distinções e
segmentações.
A ética medieval.
A Idade Média foi dominada pelo catolicismo na Europa Ocidental, pautando uma ética
vinculada com a religião e dogmas cristãos, dominando o panorama conceitual entre o
século XI e XIX; a despeito de mudanças significativas com o renascimento e, depois, a
entrada na modernidade e o iluminismo.
Dentre as concepções filosóficas que influenciaram fortemente o conceito de ética medieval,
cabe destacar as ideias de Santo Agostinho, Santo Anselmo e São Tomás de Aquino.
Para Santo Agostinho a verdade é uma questão de fé, é revelada por Deus, superando a
razão; subordinando o Estado e a política à autoridade da Igreja.
Houve também uma subordinação da ética à moral; com a última sobrepondo-se a primeira
e invertendo a óptica a favor da heteronomia pautada pelo cristianismo.
Embora a máxima cristã - fazer ao outro o que queres para ti- seja perfeitamente condizente
com a concepção original de ética; o ascetismo e o martírio modificaram o conceito,
operando uma releitura das ideias filosóficas de Platão e Aristóteles.
Um grande problema para fundamentação ética, visto que a mesma se caracteriza pela
busca do prazer, representado pela felicidade, configurando um hedonismo relativo e
satisfação consigo mesmo e o próprio papel no colectivo.
Uma concepção considerada pecado da vaidade pelo cristianismo, razão que tornava a
moral mais importante que a ética na idade Média.
Tudo, desde que os preceitos católicos tivessem sido seguidos à risca em vida.
A ética cristã, através do pensamento de São Tomás de Aquino, também fez uma releitura
do pensamento aristotélico.
O tomismo procurou conciliar a fé e a razão, condicionando os actos dos indivíduos à
natureza humana.
No entanto, ao afirmar que a dita natureza humana estaria na essência divina, inclinada a
bondade, como pretendia Aristóteles; não fez mais que reafirmar a subordinação da razão à
fé.
Para Tomás de Aquino, o caminho para a felicidade passaria pela “grande ética”,
caracterizada pelo justo equilíbrio divino, projectado na ordenação da sociedade.
Segundo ele, “os princípios comuns da lei natural não podem ser aplicados do mesmo modo
indiscriminadamente a todos os homens, devido à grande variedade de raças, costumes e
assuntos humanos; por isto, existe a diversidade das leis positivas nos diversos povos”.
Para harmonizar a sociedade, ao invés da ética, dada sua segmentação, caberia a moral
servir de referencial.
Santo Anselmo, pai da escolástica, tendência filosófica que propunha a educação como
meio de vencer o cepticismo e doutrinar o homem na fé cristã, mostrando sua superioridade
frente à razão; afirmou que os princípios morais seriam intuitivamente auto-evidentes,
condicionando as acções à vontade de Deus.
Relegada ao segundo plano na efetivação da justiça, a ética passou a ser entendida como
aplicada a contextos específicos; abrindo caminho para a visualização conceitual dos
aspectos éticos erroneamente apenas vinculados com a actuação profissional, com regras
que valeriam somente entre iguais.
A ética moderna.
Entre os séculos XVI e XVIII, as discussões éticas estiveram centralizadas no embate entre
racionalismo e empirismo.
A Idade Moderna foi à época da formação e consolidação dos Estados Nacionais europeus,
precedendo a Revolução Francesa e Industrial, quando a separação entre Estado e igreja
tornou-se definitiva, com a preponderância do antropocentrismo e a aceleração do avanço
da Ciência.
Qualquer que seja a tendência teórica, a ética passou a ser vista novamente enquanto
voltada para a busca da felicidade colectiva, retomando seu sentido original grego, vinculado
com a política, compondo orientações para a realização plena do cidadão.
Diante de múltiplos caminhos para chegar a eudaimonia, a ética foi pensada como garantia
de condições para que o sujeito se aprimore por meios legítimos.
Neste sentido, os preceitos religiosos começaram a perder força, em uma tentativa da ética
se sobrepor a moral, universalizando e discutindo princípios de convivência em sociedade.
O que tornou atributo da ética realizar uma reflexão sobre a construção dos valores que
balizam a moral, instituindo uma crítica sobre práticas e acções humanas no âmbito da
axiologia e da teoria dos valores.
Embora Descartes não tenha pensando especificamente a ética, sua concepção filosófica
remete a uma transição entre a Idade Média e Moderna, pois Deus é a garantia de
existência do eu físico, factor significativo que compôs a ética racionalista em meio à dúvida
que origina o cogito.
Em primeiro lugar, existe uma defesa da ética vinculada com as necessidades do Estado,
estando subordinada ao Direito.
Depois, uma normatização ética atrelada à razão, obrigando o individuo a reflectir e tomar
decisões, sob pena de entregar-se ao azar.
Outro racionalista, Baruch Spinoza, delineou com maior precisão as questões éticas na obra
Ethica, publicada em 1677.
Ele fixou como parâmetro de definição do que é bom ou mau as necessidades e interesses
humanos, inserindo a razão como elemento capaz de frear as paixões, permitindo alcançar
prazer e felicidade.
É interessante notar que, também para Spinoza, o amor intelectual a Deus é garantia da
virtude, esta definida como a própria felicidade advinda da contemplação da totalidade do
universo mental e físico, através da natureza divina, sendo ela inata.
A implicação ética estaria fixada na figura do cidadão, o qual, para integrar-se a sociedade,
precisaria reflectir sobre si mesmo e seu papel colectivo.
Influenciado por esta concepção, John Locke retomou o conceito de contrato social como
limitador do poder absoluto da autoridade, promovendo a felicidade através da garantia de
liberdade individual restrita.
Portanto, a ética moderna, a despeito de ainda vinculada com a religião, começou a tentar
sobrepujar a moral, resgatando discussões presentes na antiguidade, avançando alguns
passos rumo à vinculação com a liberdade.
A ética contemporânea.
É por isto que a Revolução Francesa pregou o ideal de liberdade, igualdade e fraternidade;
tendo como centro a questão da tolerância para com as diferenças e o estabelecimento de
um pacto social.
O que deveria ser garantido pelo Estado para permitir uma igualdade efectivada pela
restrição parcial da liberdade.
Neste período, pela primeira vez, iniciou-se um diálogo em torno dos direitos humanos,
culminando com a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em 1789.
Segundo o qual, não é tarefa da ética normatizar, pois, sendo de carácter puramente
racional, é guiada apenas pela boa vontade.
Esta é relativa e fixada pela lei moral, porém deve se isentar da vontade emotiva, dos gostos
e desejos particulares.
A ética passa a se distinguir da moral por ser autónoma, enquanto os preceitos morais são
fixados pela heteronomia.
O problema é que o acto pode não corresponder à intenção, motivado pela inclinação moral,
onde a racionalização serve de parâmetro.
Reside neste ponto outro problema, já que o homem encontra-se na menoridade, sendo
incapaz de fazer uso do próprio entendimento.
No entanto, pensando na natureza falha da razão humana, Kant propõe que imperativos
passem a servir de referência para o agir.
O imperativo é uma regra obrigatória que deve nortear a normatização da vida racional.
O imperativo categórico, aquele que deveria ser dever de toda pessoa, estando também
vinculado com a moral, é definido como agir pela vontade, de tal forma que a acção possa
ser tomada como uma lei universal da natureza.
Portanto, tornar padrão o comportamento que seria aprovado como correto em qualquer
caso e por qualquer pessoa.
Deste imperativo decorrem outros, todos baseados na fraternidade para com o outro,
expresso na máxima de desejar a todos o que se deseja para si mesmo, estreitando este
conceito com o de liberdade, responsabilidade e igualdade.
A partir das leis da física de Isaac Newton, a sociedade passou a ser vista como máquina,
onde a ética atenderia e regularia seu funcionamento.
O utilitarismo surgiu na Grã-Bretanha, representado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill,
contrapondo-se a ética kantiana ao relativizar o conceito deeudaimonia, afirmando que o
correto é aquilo que traz felicidade para o maior número de pessoas.
Não é a intenção que importa, como no caso da ética kantiana, mas sim o resultado;
relativizando igualmente as regras, indo na contramão dos imperativos, condicionando os
comportamentos a sua utilidade aparente, extremamente vinculada ao Direito.
O que levou Friedrich Hegel, no século XIX, a discutir se os princípios éticos condicionam a
história, ou, ao contrário, esta modifica os parâmetros.
Algo que poderia conferir a ética uma grande semelhança com a moral.
Embora Hegel nunca tenha escrito especificamente sobre a ética, até porque considerava
esta como mero sinónimo de moral, sua concepção foi herdeira das discussões do século
XVIII, vinculando a vivência ética com a política, a sociedade e a história.
Para ele, como também para a tradição estabelecida a partir do século XVI, o Estado
deveria garantir a vivência ética.
Destarte, Friedrich Nietzsche, na segunda metade do século XIX, tornou a ética
definitivamente uma Ciência, totalmente desvinculada da religião.
Para ele, a ética seria o centro, justificativa e fundamentação das acções humanas;
constituindo o elemento que torna possível a convivência, estabelecendo padrões de
comportamento que reprime a natureza.
Trata-se da defesa do sujeito superar sua humanidade, sua natureza falha, para ir além do
bem e do mal, da moral estabelecida, racionalizando as acções para transformar-se de
escravo em senhor, guiado pela autonomia de pensamento.
Esta conjuntura formou o conceito e ética como Ciência normativa, baseado na construção
interna do sujeito e externalizada na preocupação racional com o outro; a despeito de sua
ramificação circunscrita a contextos específicos, como a ética profissional.
A crise da ética.
A ética passou a ser um termo comum na boca de todos, mas esvaziada de sentido
concreto, conceitualmente interpretada pelo senso comum de forma torta e equivocada.