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A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ÉTICA

Desde a antiguidade, a ética percorreu um longo caminho, distinguindo-se da moral e se


segmentando, adquirindo contemporaneamente um sentido amplo e outro mais estreito.

Actualmente, existe uma ética da humanidade que pauta comportamentos pensando em


pressupostos maiores; e outra que padroniza acções no interior de um grupo especifico.

As duas vertentes nem sempre caminharam juntas, gerando recomendações contraditórias


e paradoxais.

Para entender o que e como se configurou a chamada ética profissional, apenas um dos
ramos da ética normativa, é necessário percorrer o desenvolvimento conceitual da ética ao
longo da história.

A ética na antiguidade.

A ética nasceu na Grécia, praticamente junto com a filosofia, embora seus preceitos fossem
praticados entre outros povos desde os primórdios da humanidade, mesclados ao contexto
mítico e religioso, tentando pautar regras de comportamento para permitir o convívio entre
indivíduos agrupados no conjunto da sociedade.

Os gregos foram os primeiros a racionalizar as relações entre as pessoas,


repensando posturas e sistematizando acções.

Momento em que surgiram discussões que até hoje fomentam reflexões éticas.

Apesar dos pré-socráticos se inserirem neste contexto, a maioria dos autores atribuem a
tradição socrática um olhar mais atento sobre problemáticas em torno da ética.

Para Sócrates, o verdadeiro objecto do conhecimento seria a alma humana, onde reside a
verdade e a possibilidade de alcançar a felicidade.

O grande problema é que o individuo não está preparado para encontrar a verdade dentro
de seu espírito.

Tentando eliminar os próprios erros, ocultos em sentimentos confundidos com a felicidade, o


sujeito acaba buscando somente o prazer puramente hedonista.

Por esta razão, seria missão do filósofo conduzir o sujeito ao conhecimento,


direccionando para eudaimonia, a verdadeira felicidade.

Um conceito importante para os gregos, tanto que a palavra eudeimontem a mesma origem
etimológica, denotando riqueza e denominando um homem poderoso e com boa fortuna.
Para a tradição socrática, a felicidade só pode ser alcançada pela conduta recta, a verdade
só pode ser contemplada pelo conhecimento virtuoso do mundo, pelo comportamento
orientado pela bondade.

A virtude é o centro da ética socrática, podendo ser definida como uma disposição para
praticar o bem, suprimir os desejos despertados pelos sentimentos, racionalizando as
acções em benefício da colectividade.

O individuo virtuoso, bom, é aquele que se preocupa em aperfeiçoar a convivência


comunitária, em tornar-se o cidadão perfeito.

Neste sentido, devemos notar que a ética é uma busca pela felicidade colectiva, mas
envolve apenas a eudaimoniaentre iguais.

A preocupação ética abarca a comunidade, a Polis, onde estrangeiros e escravos estão


excluídos em meio à hierarquização da sociedade.

Os sofistas, tendo um conceito relativizado de verdade, duvidaram da possibilidade da


virtude poder ser ensinada, contudo, admitiram que poderia ser desenvolvida pelo sujeito
através do despertar da consciência.

O conhecimento seria o meio do individuo se aperfeiçoar, tornando-se virtuoso pelo


amadurecimento intelectual; enquanto a ignorância representa o vício.

Desta concepção decorreu a fundamentação da ética em volta da liberdade, virtude e


bondade.

Parâmetros que nortearam o pensamento ético aristotélico, onde a felicidade é definida


como a própria virtude, garantia da liberdade.

Antes de Aristóteles, herdeiro da tradição socrática, Platão tratou a ética como componente
indissociável da vida política, da harmonia entre os habitantes daPolis.

Sua tarefa seria promover o nivelamento entre os indivíduos, diluindo as diferenças em prol
do bem comum.

A ética deveria permitir que os indivíduos partilhassem o poder, impedindo a concentração


do governo da Polisnas mãos de um segmento da sociedade ou de um individuo.

Portanto, fornecendo limites à liberdade, equalizando diferenças sociais e económicas, a


ética deveria fazer o sujeito se preocupar com o outro, partilhando o poder.

A questão é que a tentativa de organizar a distribuição do poder desvirtua o homem,


corrompe a busca da felicidade colectiva em favor da ilusão hedonista individualizada.
Para Platão, todas as formas de governo poderiam ser resumidas em quatro, todas
produtoras de homens não éticos:

1. Timocracia. O regime dos amantes da riqueza, onde o poder é partilhado apenas entre os
membros das oligarquias, palavra que em grego significa “governo de poucos”, restringindo-
se ao controle exercido pelas famílias mais ricas e proeminentes que formam a nobreza.

O poder é transmitido hereditariamente, sem possibilidade de alternância ou de


compartilhamento.

2. Oligarquia. O regime decidido pela transacção de fortunas, governado pelos ricos,


independente de sua origem familiar, sem nenhuma participação dos pobres.

Onde o que é valorizado é a capacidade económica e não a virtude.

3. Democracia. O governo da Polisao gosto de cada um, com representantes eleitos ou


cidadãos participando directamente, estabelecendo acordos para pautar leis, as quais os
indivíduos devem se adaptar.

O problema deste regime é que tende a anarquia, a desorganização em meio a discussões


intermináveis que defendem interesses múltiplos, sem alcançar resultados práticos.

Além do fato que, o crescimento populacional, inviabiliza a sua efetivação, conduzindo a


uma das outras três formas de governo, disfarçadas em democracia.

4. Tirania. O sistema em que um homem, o tirano, assume o poder sob pretexto de


beneficiar o colectivo, mas que na verdade representa seu desejo por bajulações,
demonstrando total ausência de virtude e pobreza de alma.

Uma vez que todas as formas de governo conduzem ao vício, inviabilizando a existência
ética do individuo e da Polis; Platão propôs a construção de um Estado Ideal, onde a virtude
pudesse ser cultivada, garantindo a liberdade efectivada no exercício da justiça, o que ficou
conhecido como República Platónica (Res Pública= coisa pública).

O Estado deveria ser governado pelos reis filósofos, sendo a racionalidade o que permitiria
dirigir o destino colectivo com sabedoria e virtude.

Os guardiões deste sistema de governo seriam os soldados, seleccionados entre os mais


corajosos e obedientes.

Aos artesãos caberia viabilizar economicamente o Estado, constituindo a base da


sociedade, composta por indivíduos governados pelas coisas sensíveis.
Os filósofos possuiriam alma de ouro, cultivando a virtude da sabedoria; os soldados teriam
alma de prata, possuindo a virtude da coragem; e os artesãos seriam dotados de alma de
bronze, devendo cultivar a virtude da moderação para conter seus desejos pelos bens
materiais.

Esta concepção leva em consideração que haveria escravos para cultivar alimentos para
suprir a população.

Estes não estão incluídos nas preocupações da ética platónica, pois não passam de animais
vocais, capazes de falar, mas não de interiorizar virtudes e a razão.

Assim como também, neste mundo perfeito, não havia espaço para as mulheres,
consideradas serem inferiores por se entregarem aos sentimentos.

Um segmento indesejado seria composto pelos poetas, que deveriam ser expulsos da Polis,
já que despertam sentimentos, fazendo o sujeito deixar a racionalidade de lado.

Modernamente, poderíamos traçar uma analogia dos poetas com os meios de comunicação,
que constroem verdades e desviam a atenção das massas das questões realmente
importantes, iludindo os indivíduos e manipulando suas acções.

Aristóteles também considerava a ética como possibilidade de eliminar a desigualdade,


harmonizando o convívio colectivo; mas envolve, antes, o equilíbrio interno do individuo,
externalizado pela eudaimoniacolectiva.

Ao inverso de Platão, para ele não é o sistema político que corrompe o homem, este é que
desvirtua o regime.

É por isto que Aristóteles foi um grande defensor da democracia, relacionando a liberdade
com a responsabilidade para compartilhar o poder de forma igualitária, através do conceito
de representatividade.

Para tal, seria necessário preparar o individuo para o exercício virtuoso da política,
cultivando virtudes como prudência, sabedoria e justiça.

Não sendo possível determinar a essência destes conceitos, sendo relativos no tempo e
espaço; é difícil definir parâmetros para um comportamento virtuoso.

Problema contornado pela repetição de acções consideradas boas para a colectividade,


garantindo a ordem das coisas para atingir a felicidade.

O papel da ética é justamente convencionar o que deve ser repetido, racionalizando


comportamentos benéficos ao individuo e à Polis.
Para racionalizar o convívio entre as pessoas, seria preciso assimilar três tipos de
conhecimentos que compõem o que Aristóteles chamou de sabedoria voltada para o bem, o
belo e o honesto:

1. Conhecimentos Teóricos. A averiguação do que ocorre no mundo, transformado em


conhecimento sistematizado, em Ciência e, portanto, naquilo que hoje chamamos de ética.

2. Conhecimentos Produzidos. Normas de orientação técnica, necessárias à efetivação da


prática, correspondentes às leis e ao Direito.

3. Conhecimentos Práticos. Orientações obtidas pela vivência diária, conduzindo a maneira


justa e saudável de viver em harmonia com a natureza e o outro, condizente com a moral.

Em outras palavras, a ética aristotélica propõe observar as necessidades do homem como


individuo e membro da colectividade, o que é possível estabelecer como norma em dado
contexto, teorizar e reflectir para padronizar como correto.

A ética se constitui como Ciência normativa da conduta individual e colectiva em sentido


amplo.

Diferente da concepção platónica, onde a ética é inerente a um grupo e padronizada de


forma segmentada, origem do que hoje chamamos ética profissional.

Ainda na antiguidade, os romanos tiveram que lidar com a oposição antagónica proposta por
Platão e Aristóteles, entre o padrão de comportamento da sociedade e de grupos inseridos
nela.

O que originou a moral e sua distinção com relação à ética, o Direito e a justiça.

A conclusão foi que a existência colectiva precisa de regras para efectivar-se, percorrendo
esferas distintas que vão do privado ao convencionado para o conjunto, do individuo ao
grupo e deste para o contexto mais amplo; comportando paradoxos, distinções e
segmentações.

A ética medieval.

A Idade Média foi dominada pelo catolicismo na Europa Ocidental, pautando uma ética
vinculada com a religião e dogmas cristãos, dominando o panorama conceitual entre o
século XI e XIX; a despeito de mudanças significativas com o renascimento e, depois, a
entrada na modernidade e o iluminismo.
Dentre as concepções filosóficas que influenciaram fortemente o conceito de ética medieval,
cabe destacar as ideias de Santo Agostinho, Santo Anselmo e São Tomás de Aquino.

Para Santo Agostinho a verdade é uma questão de fé, é revelada por Deus, superando a
razão; subordinando o Estado e a política à autoridade da Igreja.

Houve também uma subordinação da ética à moral; com a última sobrepondo-se a primeira
e invertendo a óptica a favor da heteronomia pautada pelo cristianismo.

O catolicismo alterou profundamente a ética, introduzindo a ideia de que a bondade, uma


vida virtuosa, só podia ser alcançada pela vontade de Deus, desvinculando a felicidade da
racionalização do mundo.

Embora a máxima cristã - fazer ao outro o que queres para ti- seja perfeitamente condizente
com a concepção original de ética; o ascetismo e o martírio modificaram o conceito,
operando uma releitura das ideias filosóficas de Platão e Aristóteles.

O ascetismo cristão - do grego ascese = exercitar - consistia na renúncia ao prazer e mesmo


a satisfação de qualquer espécie, aplicada a tudo que é terreno e material, fomentando
práticas como mutilação genital, celibato e jejum.

Um grande problema para fundamentação ética, visto que a mesma se caracteriza pela
busca do prazer, representado pela felicidade, configurando um hedonismo relativo e
satisfação consigo mesmo e o próprio papel no colectivo.

Uma concepção considerada pecado da vaidade pelo cristianismo, razão que tornava a
moral mais importante que a ética na idade Média.

O martírio implicava em valorizar a dor em nome da fé - do grego martys= testemunha -


implicando em agir de acordo com a vontade de Deus, mesmo quando contrário à razão,
guiando-se pelos dogmas estabelecidos pela igreja, independente do que é determinado
pela ética.

Mais um factor de fortalecimento da moral, aumentando a ignorância da maior parte da


população europeia quanto ao discernimento conceitual da ética.

Neste contexto, o mundo sensível e inteligível platónico foram reinterpretados; identificados


com a vida mundana em oposição ao paraíso nos céus, com a verdade só podendo ser
contemplada através da fé em Deus e a felicidade alcançada somente após a morte.

Tudo, desde que os preceitos católicos tivessem sido seguidos à risca em vida.

A ética cristã, através do pensamento de São Tomás de Aquino, também fez uma releitura
do pensamento aristotélico.
O tomismo procurou conciliar a fé e a razão, condicionando os actos dos indivíduos à
natureza humana.

No entanto, ao afirmar que a dita natureza humana estaria na essência divina, inclinada a
bondade, como pretendia Aristóteles; não fez mais que reafirmar a subordinação da razão à
fé.

Para Tomás de Aquino, o caminho para a felicidade passaria pela “grande ética”,
caracterizada pelo justo equilíbrio divino, projectado na ordenação da sociedade.

Portanto, em aceitar as contradições sociais e económicas, a desigualdade, como vontade


de Deus, esperando receber a recompensa no além, quando finalmente a contemplação do
paraíso permitiria atingir a felicidade plena, individual e colectiva, participando e retornando
ao espírito divino.

O que representou uma relativização da ética, fragmentada e aplicada apenas a um


contexto específico de testamento e grupo social.

Segundo ele, “os princípios comuns da lei natural não podem ser aplicados do mesmo modo
indiscriminadamente a todos os homens, devido à grande variedade de raças, costumes e
assuntos humanos; por isto, existe a diversidade das leis positivas nos diversos povos”.

Para harmonizar a sociedade, ao invés da ética, dada sua segmentação, caberia a moral
servir de referencial.

Santo Anselmo, pai da escolástica, tendência filosófica que propunha a educação como
meio de vencer o cepticismo e doutrinar o homem na fé cristã, mostrando sua superioridade
frente à razão; afirmou que os princípios morais seriam intuitivamente auto-evidentes,
condicionando as acções à vontade de Deus.

Relegada ao segundo plano na efetivação da justiça, a ética passou a ser entendida como
aplicada a contextos específicos; abrindo caminho para a visualização conceitual dos
aspectos éticos erroneamente apenas vinculados com a actuação profissional, com regras
que valeriam somente entre iguais.

Assim, a tendência de interpretação conceitual da ética platónica prevaleceu sobre as


demais abordagens, sendo acentuada pela visão cristã que valorizou a moral em detrimento
da uma concepção ética universalizadora.

A ética moderna.

Entre os séculos XVI e XVIII, as discussões éticas estiveram centralizadas no embate entre
racionalismo e empirismo.
A Idade Moderna foi à época da formação e consolidação dos Estados Nacionais europeus,
precedendo a Revolução Francesa e Industrial, quando a separação entre Estado e igreja
tornou-se definitiva, com a preponderância do antropocentrismo e a aceleração do avanço
da Ciência.

Foi também um período de transição para a Idade Contemporânea, registando contradições


de cunho ainda medieval e forte influência da religião na vida das pessoas.

Qualquer que seja a tendência teórica, a ética passou a ser vista novamente enquanto
voltada para a busca da felicidade colectiva, retomando seu sentido original grego, vinculado
com a política, compondo orientações para a realização plena do cidadão.

Diante de múltiplos caminhos para chegar a eudaimonia, a ética foi pensada como garantia
de condições para que o sujeito se aprimore por meios legítimos.

Onde entraria o Estado como fomentador e garantidor de condições de condições


transformadoras, providenciando educação, direitos individuais, justiça e subsistência.

Neste sentido, os preceitos religiosos começaram a perder força, em uma tentativa da ética
se sobrepor a moral, universalizando e discutindo princípios de convivência em sociedade.

O que tornou atributo da ética realizar uma reflexão sobre a construção dos valores que
balizam a moral, instituindo uma crítica sobre práticas e acções humanas no âmbito da
axiologia e da teoria dos valores.

Embora Descartes não tenha pensando especificamente a ética, sua concepção filosófica
remete a uma transição entre a Idade Média e Moderna, pois Deus é a garantia de
existência do eu físico, factor significativo que compôs a ética racionalista em meio à dúvida
que origina o cogito.

O caminho da dúvida cartesiana conduziu Descartes a estabelecer uma moral provisória,


baseado em recomendações como obedecer às leis e costumes do país, mantendo a
religião e a fé em Deus, guiando-se pelas opiniões mais moderadas e aceitas pela prática,
evitando excessos e cultivando o bom senso.

Em primeiro lugar, existe uma defesa da ética vinculada com as necessidades do Estado,
estando subordinada ao Direito.

Depois, uma normatização ética atrelada à razão, obrigando o individuo a reflectir e tomar
decisões, sob pena de entregar-se ao azar.

Outro racionalista, Baruch Spinoza, delineou com maior precisão as questões éticas na obra
Ethica, publicada em 1677.
Ele fixou como parâmetro de definição do que é bom ou mau as necessidades e interesses
humanos, inserindo a razão como elemento capaz de frear as paixões, permitindo alcançar
prazer e felicidade.

É interessante notar que, também para Spinoza, o amor intelectual a Deus é garantia da
virtude, esta definida como a própria felicidade advinda da contemplação da totalidade do
universo mental e físico, através da natureza divina, sendo ela inata.

Os empiristas adoptaram uma postura diferente, apesar de não totalmente desvinculada da


metafísica, porém mais próxima da política e do contexto padronizador do comportamento
colectivo.

Thomas Hobbes forneceu a base de sustentação para o Estado Absolutista, ligando a


monarquia com a vontade de Deus; mas defendeu a ideia de que a natureza humana é
desonesta, solitária e violenta, expressa pela máxima “O homem é o lobo do homem”.

Como consequência seria necessário organizar a sociedade, estabelecendo um contrato


social para eliminar a guerra de todos contra todos, fortalecendo o Estado para reprimir a
maldade humana.

A implicação ética estaria fixada na figura do cidadão, o qual, para integrar-se a sociedade,
precisaria reflectir sobre si mesmo e seu papel colectivo.

Influenciado por esta concepção, John Locke retomou o conceito de contrato social como
limitador do poder absoluto da autoridade, promovendo a felicidade através da garantia de
liberdade individual restrita.

David Hume também complementou a concepção de Hobbes, afirmando que as ideias


inatas não existiam, sendo regras compostas pela experiência, exigindo a padronização de
comportamentos éticos a partir daquilo que fosse útil e prazeroso para a maioria.

Portanto, a ética moderna, a despeito de ainda vinculada com a religião, começou a tentar
sobrepujar a moral, resgatando discussões presentes na antiguidade, avançando alguns
passos rumo à vinculação com a liberdade.

Entretanto, foi pensada como instrumento de sustentação do poder do Estado perante a


vida colectiva e individual.

A ética contemporânea.

Ao separar o conhecimento da religião, no século XVIII, o iluminismo inaugurou uma


releitura da ética, estabelecendo criticas que voltaram a centralizar o foco na razão,
apostando na autonomia humana e na crença optimista no progresso.
Foi estabelecida uma visão ética por um viés mais amplo, não só circunscrito ao grupo, mas
sim ao contexto do conjunto da humanidade.

É por isto que a Revolução Francesa pregou o ideal de liberdade, igualdade e fraternidade;
tendo como centro a questão da tolerância para com as diferenças e o estabelecimento de
um pacto social.

O que deveria ser garantido pelo Estado para permitir uma igualdade efectivada pela
restrição parcial da liberdade.

Neste período, pela primeira vez, iniciou-se um diálogo em torno dos direitos humanos,
culminando com a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em 1789.

Representando o iluminismo alemão, Immanuel Kant exerceu forte influência na


universalização dos preceitos conceituais da ética humana.

Segundo o qual, não é tarefa da ética normatizar, pois, sendo de carácter puramente
racional, é guiada apenas pela boa vontade.

Esta é relativa e fixada pela lei moral, porém deve se isentar da vontade emotiva, dos gostos
e desejos particulares.

Assim, a ética segue os mesmos parâmetros da moral, mas ao racionalizar os actos,


selecciona como correctos apenas o que está em concordância com a razão.

A ética passa a se distinguir da moral por ser autónoma, enquanto os preceitos morais são
fixados pela heteronomia.

O agir correctamente passa, não só pelo conceito de liberdade, mas também de


responsabilidade pelos próprios actos e intenções.

O problema é que o acto pode não corresponder à intenção, motivado pela inclinação moral,
onde a racionalização serve de parâmetro.

Reside neste ponto outro problema, já que o homem encontra-se na menoridade, sendo
incapaz de fazer uso do próprio entendimento.

Os ideais iluministas aparecem como início da maioridade humana, justamente por


proporem o conhecimento como base da racionalidade.

No entanto, pensando na natureza falha da razão humana, Kant propõe que imperativos
passem a servir de referência para o agir.

O imperativo é uma regra obrigatória que deve nortear a normatização da vida racional.
O imperativo categórico, aquele que deveria ser dever de toda pessoa, estando também
vinculado com a moral, é definido como agir pela vontade, de tal forma que a acção possa
ser tomada como uma lei universal da natureza.

Portanto, tornar padrão o comportamento que seria aprovado como correto em qualquer
caso e por qualquer pessoa.

Deste imperativo decorrem outros, todos baseados na fraternidade para com o outro,
expresso na máxima de desejar a todos o que se deseja para si mesmo, estreitando este
conceito com o de liberdade, responsabilidade e igualdade.

Entretanto, mesclada a esta concepção de ética, a tendência utilitarista, inaugurada pelo


empirismo, também ganhou força a partir do século XVIII, principalmente por conta dos
avanços da Ciência.

A partir das leis da física de Isaac Newton, a sociedade passou a ser vista como máquina,
onde a ética atenderia e regularia seu funcionamento.

Enquanto a teoria evolucionista de Charles Darwin possibilitou conceber a moral como


produto da evolução do comportamento humano.

Tendências que transformaram a ética em Ciência do julgamento dos actos morais,


alterando normas de comportamento, pensadas em benefício da utilidade para a vida
colectiva harmoniosa.

O utilitarismo surgiu na Grã-Bretanha, representado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill,
contrapondo-se a ética kantiana ao relativizar o conceito deeudaimonia, afirmando que o
correto é aquilo que traz felicidade para o maior número de pessoas.

Não é a intenção que importa, como no caso da ética kantiana, mas sim o resultado;
relativizando igualmente as regras, indo na contramão dos imperativos, condicionando os
comportamentos a sua utilidade aparente, extremamente vinculada ao Direito.

O que levou Friedrich Hegel, no século XIX, a discutir se os princípios éticos condicionam a
história, ou, ao contrário, esta modifica os parâmetros.

Algo que poderia conferir a ética uma grande semelhança com a moral.

Embora Hegel nunca tenha escrito especificamente sobre a ética, até porque considerava
esta como mero sinónimo de moral, sua concepção foi herdeira das discussões do século
XVIII, vinculando a vivência ética com a política, a sociedade e a história.

Para ele, como também para a tradição estabelecida a partir do século XVI, o Estado
deveria garantir a vivência ética.
Destarte, Friedrich Nietzsche, na segunda metade do século XIX, tornou a ética
definitivamente uma Ciência, totalmente desvinculada da religião.

Para ele, a ética seria o centro, justificativa e fundamentação das acções humanas;
constituindo o elemento que torna possível a convivência, estabelecendo padrões de
comportamento que reprime a natureza.

É neste contexto que se insere o conceito de além-do-homem – Übermensch-,


erroneamente traduzido como super-homem.

Trata-se da defesa do sujeito superar sua humanidade, sua natureza falha, para ir além do
bem e do mal, da moral estabelecida, racionalizando as acções para transformar-se de
escravo em senhor, guiado pela autonomia de pensamento.

Um processo ligado à ideia de “eterno retorno”, envolvendo tentar superar-se contínua e


infinitamente em busca do prazer dionisíaco.

No entender de Nietzsche, o único imperativo ético existente.

Esta conjuntura formou o conceito e ética como Ciência normativa, baseado na construção
interna do sujeito e externalizada na preocupação racional com o outro; a despeito de sua
ramificação circunscrita a contextos específicos, como a ética profissional.

A crise da ética.

O século XX, centralizado na sociedade de consumo e no individualismo, desvirtuou o


caminho da preocupação com a colectividade no mundo Ocidental capitalista, inaugurando a
crise da ética em sentido amplo.

A preocupação com o outro foi substituída pelo egoísmo focado apenas no eu em


detrimento do nós, com um ambiente de permanente competição.

A despeito de alguns pensadores terem tentado retomar a tradição grega, agregando


elementos desenvolvidos posteriormente, a tendência platónica de normatização de
comportamentos, diferenciada entre grupos, é que prevaleceu no século XXI.

A ética passou a ser um termo comum na boca de todos, mas esvaziada de sentido
concreto, conceitualmente interpretada pelo senso comum de forma torta e equivocada.

Simultaneamente, a ética profissional passou a dominar o cenário globalizado, igualmente


contextualizada em um sentido extremamente especifico, aplicada apenas entre
supostamente equivalentes.
O grande problema é que a ética deveria justamente repensar posturas que fazem de
alguns mais iguais que outros, reflectindo sobre sua natureza generalizadora e
universalizante, racionalizando as acções humanas até o limite do possível, diante da
natureza emotiva e movida por sentimentos individualistas.

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