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A evolução conceitual da Ética e Diferentes teorias éticas

Desde a antiguidade, a ética percorreu um longo caminho, distinguindo-se da moral e se


segmentando, adquirindo contemporaneamente um sentido amplo e outro mais estreito.
Atualmente, existe uma ética da humanidade que pauta comportamentos pensando em
pressupostos maiores; e outra que padroniza ações no interior de um grupo especifico.

As duas vertentes nem sempre caminharam juntas, gerando recomendações


contraditórias e paradoxais.

Para entender o que e como se configurou a chamada ética profissional, apenas um dos
ramos da ética normativa, é necessário percorrer o desenvolvimento conceitual da ética
ao longo da história.

A ética na antiguidade.

A ética nasceu na Grécia, praticamente junto com a filosofia, embora seus preceitos
fossem praticados entre outros povos desde os primórdios da humanidade, mesclados ao
contexto mítico e religioso, tentando pautar regras de comportamento para permitir o
convívio entre indivíduos agrupados no conjunto da sociedade.

A rigor, os gregos foram os primeiros a racionalizar as relações entre as pessoas,


repensando posturas e sistematizando ações.

Momento em que surgiram discussões que até hoje fomentam reflexões éticas.

Apesar dos pré-socráticos se inserirem neste contexto, a maioria dos autores atribuem a
tradição socrática um olhar mais atento sobre problemáticas em torno da ética.

Para Sócrates, o verdadeiro objeto do conhecimento seria a alma humana, onde reside a
verdade e a possibilidade de alcançar a felicidade.

O grande problema é que o individuo não está preparado para encontrar a verdade
dentro de seu espírito.

Tentando eliminar os próprios erros, ocultos em sentimentos confundidos com a


felicidade, o sujeito acaba buscando somente o prazer puramente hedonista.
Por esta razão, seria missão do filósofo conduzir o sujeito ao conhecimento,
direcionando para eudaimonia, a verdadeira felicidade.

Um conceito importante para os gregos, tanto que a palavra eudeimon tem a mesma
origem etimológica, denotando riqueza e denominando um homem poderoso e com boa
fortuna.

Para a tradição socrática, a felicidade só pode ser alcançada pela conduta reta, a verdade
só pode ser contemplada pelo conhecimento virtuoso do mundo, pelo comportamento
orientado pela bondade.

A virtude é o centro da ética socrática, podendo ser definida como uma disposição para
praticar o bem, suprimir os desejos despertados pelos sentimentos, racionalizando as
ações em beneficio da coletividade.

O individuo virtuoso, bom, é aquele que se preocupa em aperfeiçoar a convivência


comunitária, em tornar-se o cidadão perfeito.

Neste sentido, devemos notar que a ética é uma busca pela felicidade coletiva, mas
envolve apenas a eudaimonia entre iguais.

A preocupação ética abarca a comunidade, a Pólis, onde estrangeiros e escravos estão


excluídos em meio à hierarquização da sociedade.

Os sofistas, tendo um conceito relativizado de verdade, duvidaram da possibilidade da


virtude poder ser ensinada, contudo, admitiram que poderia ser desenvolvida pelo
sujeito através do despertar da consciência.

O conhecimento seria o meio do individuo se aperfeiçoar, tornando-se virtuoso pelo


amadurecimento intelectual; enquanto a ignorância representa o vicio.

Desta concepção decorreu a fundamentação da ética em volta da liberdade, virtude e


bondade.

Parâmetros que nortearam o pensamento ético aristotélico, onde a felicidade é definida


como a própria virtude, garantia da liberdade.

Antes de Aristóteles, herdeiro da tradição socrática, Platão tratou a ética como


componente indissociável da vida política, da harmonia entre os habitantes da Pólis.

Sua tarefa seria promover o nivelamento entre os indivíduos, diluindo as diferenças em


prol do bem comum.
A ética deveria permitir que os indivíduos partilhassem o poder, impedindo a
concentração do governo da Pólis nas mãos de um segmento da sociedade ou de um
individuo.

Portanto, fornecendo limites à liberdade, equalizando diferenças sociais e econômicas, a


ética deveria fazer o sujeito se preocupar com o outro, partilhando o poder.

A questão é que a tentativa de organizar a distribuição do poder desvirtua o homem,


corrompe a busca da felicidade coletiva em favor da ilusão hedonista individualizada.

Para Platão, todas as formas de governo poderiam ser resumidas em quatro, todas
produtoras de homens não éticos:

1. Timocracia. O regime dos amantes da riqueza, onde o poder é partilhado apenas entre
os membros das oligarquias, palavra que em grego significa “governo de poucos”,
restringindo-se ao controle exercido pelas famílias mais ricas e proeminentes que
formam a nobreza.

O poder é transmitido hereditariamente, sem possibilidade de alternância ou de


compartilhamento.

2. Oligarquia. O regime decidido pela transação de fortunas, governado pelos ricos,


independente de sua origem familiar, sem nenhuma participação dos pobres.

Onde o que é valorizado é a capacidade econômica e não a virtude.

3. Democracia. O governo da Pólis ao gosto de cada um, com representantes eleitos ou


cidadãos participando diretamente, estabelecendo acordos para pautar leis, as quais os
indivíduos devem se adaptar.

O problema deste regime é que tende a anarquia, a desorganização em meio a


discussões intermináveis que defendem interesses múltiplos, sem alcançar resultados
práticos.

Além do fato que, o crescimento populacional, inviabiliza a sua efetivação, conduzindo


a uma das outras três formas de governo, disfarçadas em democracia.
4. Tirania. O sistema em que um homem, o tirano, assume o poder sob pretexto de
beneficiar o coletivo, mas que na verdade representa seu desejo por bajulações,
demonstrando total ausência de virtude e pobreza de alma.

Uma vez que todas as formas de governo conduzem ao vicio, inviabilizando a existência
ética do individuo e da Pólis; Platão propôs a construção de um Estado Ideal, onde a
virtude pudesse ser cultivada, garantindo a liberdade efetivada no exercício da justiça, o
que ficou conhecido como República Platônica (Res Pública = coisa pública).

O Estado deveria ser governado pelos reis filósofos, sendo a racionalidade o que
permitiria dirigir o destino coletivo com sabedoria e virtude.

Os guardiões deste sistema de governo seriam os soldados, selecionados entre os mais


corajosos e obedientes.

Aos artesãos caberia viabilizar economicamente o Estado, constituindo a base da


sociedade, composta por indivíduos governados pelas coisas sensíveis.

Os filósofos possuiriam alma de ouro, cultivando a virtude da sabedoria; os soldados


teriam alma de prata, possuindo a virtude da coragem; e os artesãos seriam dotados de
alma de bronze, devendo cultivar a virtude da moderação para conter seus desejos pelos
bens materiais.

Esta concepção leva em consideração que haveria escravos para cultivar alimentos para
suprir a população.

Estes não estão incluídos nas preocupações da ética platônica, pois não passam de
animais vocais, capazes de falar, mas não de interiorizar virtudes e a razão.

Assim como também, neste mundo perfeito, não havia espaço para as mulheres,
consideradas serem inferiores por se entregarem aos sentimentos.

Um segmento indesejado seria composto pelos poetas, que deveriam ser expulsos
da Pólis, já que despertam sentimentos, fazendo o sujeito deixar a racionalidade de lado.

Modernamente, poderíamos traça uma analogia dos poetas com os meios de


comunicação, que constroem verdades e desviam a atenção das massas das questões
realmente importantes, iludindo os indivíduos e manipulando suas ações.
Aristóteles também considerava a ética como possibilidade de eliminar a desigualdade,
harmonizando o convívio coletivo; mas envolve, antes, o equilíbrio interno do
individuo, externalizado pela eudaimonia coletiva.

Ao inverso de Platão, para ele não é o sistema político que corrompe o homem, este é
que desvirtua o regime.

É por isto que Aristóteles foi um grande defensor da democracia, relacionando a


liberdade com a responsabilidade para compartilhar o poder de forma igualitária, através
do conceito de representatividade.

Para tal, seria necessário preparar o individuo para o exercício virtuoso da política,
cultivando virtudes como prudência, sabedoria e justiça.

Não sendo possível determinar a essência destes conceitos, sendo relativos no tempo e
espaço; é difícil definir parâmetros para um comportamento virtuoso.

Problema contornado pela repetição de ações consideradas boas para a coletividade,


garantindo a ordem das coisas para atingir a felicidade.

O papel da ética é justamente convencionar o que deve ser repetido, racionalizando


comportamentos benéficos ao individuo e à Pólis.

Para racionalizar o convívio entre as pessoas, seria preciso assimilar três tipos de
conhecimentos que compõem o que Aristóteles chamou de sabedoria voltada para o
bem, o belo e o honesto:

1. Conhecimentos Teóricos. A averiguação do que ocorre no mundo, transformado em


conhecimento sistematizado, em Ciência e, portanto, naquilo que hoje chamamos de
ética.

2. Conhecimentos Produzidos. Normas de orientação técnica, necessárias à efetivação


da prática, correspondentes às leis e ao Direito.

3. Conhecimentos Práticos. Orientações obtidas pela vivência diária, conduzindo a


maneira justa e saudável de viver em harmonia com a natureza e o outro, condizente
com a moral.
Em outras palavras, a ética aristotélica propõe observar as necessidades do homem
como individuo e membro da coletividade, o que é possível estabelecer como norma em
dado contexto, teorizar e refletir para padronizar como correto.

A ética se constitui como Ciência normativa da conduta individual e coletiva em sentido


amplo.

Diferente da concepção platônica, onde a ética é inerente a um grupo e padronizada de


forma segmentada, origem do que hoje chamamos ética profissional.

Ainda na antiguidade, os romanos tiveram que lidar com a oposição antagônica


proposta por Platão e Aristóteles, entre o padrão de comportamento da sociedade e de
grupos inseridos nela.

O que originou a moral e sua distinção com relação à ética, o Direito e a justiça.

A conclusão foi que a existência coletiva precisa de regras para efetivar-se, percorrendo
esferas distintas que vão do privado ao convencionado para o conjunto, do individuo ao
grupo e deste para o contexto mais amplo; comportando paradoxos, distinções e
segmentações.

A ética medieval.

A Idade Média foi dominada pelo catolicismo na Europa Ocidental, pautando uma ética
vinculada com a religião e dogmas cristãos, dominando o panorama conceitual entre o
século XI e XIX; a despeito de mudanças significativas com o renascimento e, depois, a
entrada na modernidade e o iluminismo.

Dentre as concepções filosóficas que influenciaram fortemente o conceito de ética


medieval, cabe destacar as ideias de Santo Agostinho, Santo Anselmo e São Tomás de
Aquino.

Para Santo Agostinho a verdade é uma questão de fé, é revelada por Deus, superando a
razão; subordinando o Estado e a política à autoridade da Igreja.

Houve também uma subordinação da ética à moral; com a última sobrepondo-se a


primeira e invertendo a ótica a favor da heteronomia pautada pelo cristianismo.
O catolicismo alterou profundamente a ética, introduzindo a ideia de que a bondade,
uma vida virtuosa, só podia ser alcançada pela vontade de Deus, desvinculando a
felicidade da racionalização do mundo.

Embora a máxima cristã - fazer ao outro o que queres para ti - seja perfeitamente
condizente com a concepção original de ética; o ascetismo e o martírio modificaram o
conceito, operando uma releitura das ideias filosóficas de Platão e Aristóteles.

O ascetismo cristão - do grego ascese = exercitar - consistia na renúncia ao prazer e


mesmo a satisfação de qualquer espécie, aplicada a tudo que é terreno e material,
fomentando práticas como mutilação genital, celibato e jejum.

Um grande problema para fundamentação ética, visto que a mesma se caracteriza pela
busca do prazer, representado pela felicidade, configurando um hedonismo relativo e
satisfação consigo mesmo e o próprio papel no coletivo.

Uma concepção considerada pecado da vaidade pelo cristianismo, razão que tornava a
moral mais importante que a ética na idade Média.

O martírio implicava em valorizar a dor em nome da fé - do grego martys = testemunha


- implicando em agir de acordo com a vontade de Deus, mesmo quando contrário à
razão, guiando-se pelos dogmas estabelecidos pela igreja, independente do que é
determinado pela ética.

Mais um fator de fortalecimento da moral, aumentando a ignorância da maior parte da


população europeia quanto ao discernimento conceitual da ética.

Neste contexto, o mundo sensível e inteligível platônico foram reinterpretados;


identificados com a vida mundana em oposição ao paraíso nos céus, com a verdade só
podendo ser contemplada através da fé em Deus e a felicidade alcançada somente após a
morte.

Tudo, desde que os preceitos católicos tivessem sido seguidos à risca em vida.

A ética cristã, através do pensamento de São Tomás de Aquino, também fez uma
releitura do pensamento aristotélico.

O tomismo procurou conciliar a fé e a razão, condicionando os atos dos indivíduos à


natureza humana.
No entanto, ao afirmar que a dita natureza humana estaria na essência divina, inclinada
a bondade, como pretendia Aristóteles; não fez mais que reafirmar a subordinação da
razão à fé.

Para Tomás de Aquino, o caminho para a felicidade passaria pela “grande ética”,
caracterizada pelo justo equilíbrio divino, projetado na ordenação da sociedade.

Portanto, em aceitar as contradições sociais e econômicas, a desigualdade, como


vontade de Deus, esperando receber a recompensa no além, quando finalmente a
contemplação do paraíso permitiria atingir a felicidade plena, individual e coletiva,
participando e retornando ao espírito divino.

O que representou uma relativização da ética, fragmentada e aplicada apenas a um


contexto especifico de estamento e grupo social.

Segundo ele, “os princípios comuns da lei natural não podem ser aplicados do mesmo
modo indiscriminadamente a todos os homens, devido à grande variedade de raças,
costumes e assuntos humanos; por isto, existe a diversidade das leis positivas nos
diversos povos”.

Para harmonizar a sociedade, ao invés da ética, dada sua segmentação, caberia a moral
servir de referencial.

Santo Anselmo, pai da escolástica, tendência filosófica que propunha a educação como
meio de vencer o ceticismo e doutrinar o homem na fé cristã, mostrando sua
superioridade frente à razão; afirmou que os princípios morais seriam intuitivamente
auto-evidentes, condicionando as ações à vontade de Deus.

Relegada ao segundo plano na efetivação da justiça, a ética passou a ser entendida como
aplicada a contextos específicos; abrindo caminho para a visualização conceitual dos
aspectos éticos erroneamente apenas vinculados com a atuação profissional, com regras
que valeriam somente entre iguais.

Assim, a tendência de interpretação conceitual da ética platônica prevaleceu sobre as


demais abordagens, sendo acentuada pela visão cristã que valorizou a moral em
detrimento da uma concepção ética universalizadora.
A ética moderna.

Entre os séculos XVI e XVIII, as discussões éticas estiveram centralizadas no embate


entre racionalismo e empirismo.

A Idade Moderna foi à época da formação e consolidação dos Estados Nacionais


europeus, precedendo a Revolução Francesa e Industrial, quando a separação entre
Estado e igreja tornou-se definitiva, com a preponderância do antropocentrismo e a
aceleração do avanço da Ciência.

Foi também um período de transição para a Idade Contemporânea, registrando


contradições de cunho ainda medieval e forte influencia da religião na vida das pessoas.

Qualquer que seja a tendência teórica, a ética passou a ser vista novamente enquanto
voltada para a busca da felicidade coletiva, retomando seu sentido original grego,
vinculado com a política, compondo orientações para a realização plena do cidadão.

Diante de múltiplos caminhos para chegar a eudaimonia, a ética foi pensada como
garantia de condições para que o sujeito se aprimore por meios legítimos.

Onde entraria o Estado como fomentador e garantidor de condições de condições


transformadoras, providenciando educação, direitos individuais, justiça e subsistência.

Neste sentido, os preceitos religiosos começaram a perder força, em uma tentativa da


ética se sobrepor a moral, universalizando e discutindo princípios de convivência em
sociedade.

O que tornou atributo da ética realizar uma reflexão sobre a construção dos valores que
balizam a moral, instituindo uma critica sobre práticas e ações humanas no âmbito da
axiologia e da teoria dos valores.

Embora Descartes não tenha pensando especificamente a ética, sua concepção filosófica
remete a uma transição entre a Idade Média e Moderna, pois Deus é a garantia de
existência do eu físico, fator significativo que compôs a ética racionalista em meio à
dúvida que origina o cogito.

O caminho da dúvida cartesiana conduziu Descartes a estabelecer uma moral provisória,


baseado em recomendações como obedecer às leis e costumes do país, mantendo a
religião e a fé em Deus, guiando-se pelas opiniões mais moderadas e aceitas pela
prática, evitando excessos e cultivando o bom senso.
Em primeiro lugar, existe uma defesa da ética vinculada com as necessidades do Estado,
estando subordinada ao Direito.

Depois, uma normatização ética atrelada à razão, obrigando o individuo a refletir e


tomar decisões, sob pena de entregar-se ao azar.

Outro racionalista, Baruch Spinoza, delineou com maior precisão as questões éticas na
obra Ethica, publicada em 1677.

Ele fixou como parâmetro de definição do que é bom ou mau as necessidades e


interesses humanos, inserindo a razão como elemento capaz de frear as paixões,
permitindo alcançar prazer e felicidade.

É interessante notar que, também para Spinoza, o amor intelectual a Deus é garantia da
virtude, esta definida como a própria felicidade advinda da contemplação da totalidade
do universo mental e físico, através da natureza divina, sendo ela inata.

Os empiristas adotaram uma postura diferente, apesar de não totalmente desvinculada


da metafísica, porém mais próxima da política e do contexto padronizador do
comportamento coletivo.

Thomas Hobbes forneceu a base de sustentação para o Estado Absolutista, ligando a


monarquia com a vontade de Deus; mas defendeu a ideia de que a natureza humana é
desonesta, solitária e violenta, expressa pela máxima “O homem é o lobo do homem”.

Como consequência seria necessário organizar a sociedade, estabelecendo um contrato


social para eliminar a guerra de todos contra todos, fortalecendo o Estado para reprimir
a maldade humana.

A implicação ética estaria fixada na figura do cidadão, o qual, para integrar-se a


sociedade, precisaria refletir sobre si mesmo e seu papel coletivo.

Influenciado por esta concepção, John Locke retomou o conceito de contrato social
como limitador do poder absoluto da autoridade, promovendo a felicidade através da
garantia de liberdade individual restrita.

David Hume também complementou a concepção de Hobbes, afirmando que as ideias


inatas não existiam, sendo regras compostas pela experiência, exigindo a padronização
de comportamentos éticos a partir daquilo que fosse útil e prazeroso para a maioria.
Portanto, a ética moderna, a despeito de ainda vinculada com a religião, começou a
tentar sobrepujar a moral, resgatando discussões presentes na antiguidade, avançando
alguns passos rumo à vinculação com a liberdade.

Entretanto, foi pensada como instrumento de sustentação do poder do Estado perante a


vida coletiva e individual.

A ética contemporânea.

Ao separar o conhecimento da religião, no século XVIII, o iluminismo inaugurou uma


releitura da ética, estabelecendo criticas que voltaram a centralizar o foco na razão,
apostando na autonomia humana e na crença otimista no progresso.

Foi estabelecida uma visão ética por um viés mais amplo, não só circunscrito ao grupo,
mas sim ao contexto do conjunto da humanidade.

É por isto que a Revolução Francesa pregou o ideal de liberdade, igualdade e


fraternidade; tendo como centro a questão da tolerância para com as diferenças e o
estabelecimento de um pacto social.

O que deveria ser garantido pelo Estado para permitir uma igualdade efetivada pela
restrição parcial da liberdade.

Neste período, pela primeira vez, iniciou-se um dialogo em torno dos direitos humanos,
culminando com a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em 1789.

Representando o iluminismo alemão, Immanuel Kant exerceu forte influencia na


universalização dos preceitos conceituais da ética humana.

Segundo o qual, não é tarefa da ética normatizar, pois, sendo de caráter puramente
racional, é guiada apenas pela boa vontade.

Esta é relativa e fixada pela lei moral, porém deve se isentar da vontade emotiva, dos
gostos e desejos particulares.

Assim, a ética segue os mesmos parâmetros da moral, mas ao racionalizar os atos,


seleciona como corretos apenas o que está em concordância com a razão.

A ética passa a se distinguir da moral por ser autônoma, enquanto os preceitos morais
são fixados pela heteronomia.
O agir corretamente passa, não só pelo conceito de liberdade, mas também de
responsabilidade pelos próprios atos e intenções.

O problema é que o ato pode não corresponder à intenção, motivado pela inclinação
moral, onde a racionalização serve de parâmetro.

Reside neste ponto outro problema, já que o homem encontra-se na menoridade, sendo
incapaz de fazer uso do próprio entendimento.

Os ideais iluministas aparecem como inicio da maioridade humana, justamente por


proporem o conhecimento como base da racionalidade.

No entanto, pensando na natureza falha da razão humana, Kant propõe que imperativos
passem a servir de referência para o agir.

O imperativo é uma regra obrigatória que deve nortear a normatização da vida racional.

O imperativo categórico, aquele que deveria ser dever de toda pessoa, estando também
vinculado com a moral, é definido como agir pela vontade, de tal forma que a ação
possa ser tomada como uma lei universal da natureza.

Portanto, tornar padrão o comportamento que seria aprovado como correto em qualquer
caso e por qualquer pessoa.

Deste imperativo decorrem outros, todos baseados na fraternidade para com o outro,
expresso na máxima de desejar a todos o que se deseja para si mesmo, estreitando este
conceito com o de liberdade, responsabilidade e igualdade.

Entretanto, mesclada a esta concepção de ética, a tendência utilitarista, inaugurada pelo


empirismo, também ganhou força a partir do século XVIII, principalmente por conta
dos avanços da Ciência.

A partir das leis da física de Isaac Newton, a sociedade passou a ser vista como
máquina, onde a ética atenderia e regularia seu funcionamento.

Enquanto a teoria evolucionista de Charles Darwin possibilitou conceber a moral como


produto da evolução do comportamento humano.

Tendências que transformaram a ética em Ciência do julgamento dos atos morais,


alterando normas de comportamento, pensadas em beneficio da utilidade para a vida
coletiva harmoniosa.
A rigor, o utilitarismo surgiu na Grã-Bretanha, representado por Jeremy Bentham e
John Stuart Mill, contrapondo-se a ética kantiana ao relativizar o conceito
de eudaimonia, afirmando que o correto é aquilo que traz felicidade para o maior
número de pessoas.

Não é a intenção que importa, como no caso da ética kantiana, mas sim o resultado;
relativizando igualmente as regras, indo na contramão dos imperativos, condicionando
os comportamentos a sua utilidade aparente, extremamente vinculada ao Direito.

O que levou Friedrich Hegel, no século XIX, a discutir se os princípios éticos


condicionam a história, ou, ao contrário, esta modifica os parâmetros.

Algo que poderia conferir a ética uma grande semelhança com a moral.

Embora Hegel nunca tenha escrito especificamente sobre a ética, até porque considerava
esta como mero sinônimo de moral, sua concepção foi herdeira das discussões do século
XVIII, vinculando a vivência ética com a política, a sociedade e a história.

Para ele, como também para a tradição estabelecida a partir do século XVI, o Estado
deveria garantir a vivência ética.

Destarte, Friedrich Nietzsche, na segunda metade do século XIX, tornou a ética


definitivamente uma Ciência, totalmente desvinculada da religião.

Para ele, a ética seria o centro, justificativa e fundamentação das ações humanas;
constituindo o elemento que torna possível a convivência, estabelecendo padrões de
comportamento que reprime a natureza.

É neste contexto que se insere o conceito de além-do-homem - Übermensch -,


erroneamente traduzido como super-homem.

Trata-se da defesa do sujeito superar sua humanidade, sua natureza falha, para ir além
do bem e do mal, da moral estabelecida, racionalizando as ações para transformar-se de
escravo em senhor, guiado pela autonomia de pensamento.

Um processo ligado à ideia de “eterno retorno”, envolvendo tentar superar-se contínua e


infinitamente em busca do prazer dionisíaco.

No entender de Nietzsche, o único imperativo ético existente.

Esta conjuntura formou o conceito e ética como Ciência normativa, baseado na


construção interna do sujeito e externalizada na preocupação racional com o outro; a
despeito de sua ramificação circunscrita a contextos específicos, como a ética
profissional.

A crise da ética.

O século XX, centralizado na sociedade de consumo e no individualismo, desvirtuou o


caminho da preocupação com a coletividade no mundo Ocidental capitalista,
inaugurando a crise da ética em sentido amplo.

A preocupação com o outro foi substituída pelo egoísmo focado apenas no eu em


detrimento do nós, com um ambiente de permanente competição.

A despeito de alguns pensadores terem tentado retomar a tradição grega, agregando


elementos desenvolvidos posteriormente, a tendência platônica de normatização de
comportamentos, diferenciada entre grupos, é que prevaleceu no século XXI.

A ética passou a ser um termo comum na boca de todos, mas esvaziada de sentido
concreto, conceitualmente interpretada pelo senso comum de forma torta e equivocada.

Simultaneamente, a ética profissional passou a dominar o cenário globalizado,


igualmente contextualizada em um sentido extremamente especifico, aplicada apenas
entre supostamente equivalentes.

O grande problema é que a ética deveria justamente repensar posturas que fazem de
alguns mais iguais que outros, refletindo sobre sua natureza generalizadora e
universalizante, racionalizando as ações humanas até o limite do possível, diante da
natureza emotiva e movida por sentimentos individualistas.

Referências Bibliográficas
Aristóteles. (2003). A ética; textos selecionados. São Paulo: Edipro.
Bentham, J. (1974).Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São
Paulo: Abril Cultural.
Darwin, C. (2003). A origem das espécies e a seleção natural. Curitiba: Hemus.
Descartes, R. (1972). Discurso sobre o método. São Paulo: Hemus.
Descartes, R. (1973). Meditações. São Paulo: Abril Cultural.
Hegel, G. W. F. (1974). A fenomenologia do espírito. São Paulo: Abril Cultural.
Hume, D. (1973). Ensaios morais, políticos e literários. São Paulo: Abril Cultural.
Kant, I. (1974). Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural.
Kujawski, G. M. (1969). Descartes existencial. São Paulo: Edusp.
Lalande, A. (1993). Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins
Fontes.
Locke, J. (1973). Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural.
Maciel JR, A. (2007). Pré-socráticos: a invenção da razão. São Paulo: Odysseus.
Newton, I. (1974).Princípios matemáticos. São Paulo: Abril Cultural.
Nietzsche, F. W. (2005). Além do bem e do mal. São Paulo: Cia. das Letras.
Platão. (2000). A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Spinoza, B. (1973). Ética. São Paulo: Abril Cultural.

Diferentes teorias éticas

Todos nós agimos de determinadas maneiras. Nossos atos e as razões finais por trás
deles são o que constitui nossa moral. Nós agimos de acordo com metas que desejamos
atingir, tal como aumentar a felicidade (nossa e a dos outros), reduzir os danos sofridos
pelos seres sencientes, e beneficiar os menos favorecidos. Algumas pessoas também
agem de acordo com certas normas, como manter promessas ou dizer a verdade.

Em diferentes sociedades e grupos sociais há normalmente diferentes suposições de


como os humanos devem viver. Consequentemente, as moralidades variam de acordo
com o lugar e tempo.

Podemos simplesmente aceitar a maneira em que fomos ensinados a viver desde o


nascimento; contudo, muitas pessoas questionam essas pressuposições ao longo do
tempo, e refletem sobre a moral que lhes foi ensinada. Mesmo aqueles que não têm tal
atitude crítica podem, eventualmente, ver suas diferentes pressuposições morais
entrarem em conflito, e ter de encarar, em algum ponto de suas vidas, situações em que
tem de decidir o que fazer quando suas pressuposições morais entram em conflito. Por
exemplo, algumas pessoas podem crer que nunca devemos quebrar uma promessa e que
devemos sempre tentar ajudar os necessitados. Se surgir uma situação em que têm que
decidir entre ajudar os necessitados ou manter uma promessa, então enfrentarão um
dilema moral.
Quando pensamos sobre tais dilemas, estamos refletindo sobre nossa situação moral, e
chamamos essa reflexão de “ética”. Ética é diferente de moral. Moral são ações e as
razões por trás delas. Ética é a reflexão crítica sobre a moral. O alvo do pensamento
ético é detectar contradições entre diferentes afirmações morais e considerar o que fazer
a respeito delas. Por exemplo, se acreditamos que devemos respeitar todos que são
capazes de sofrer e que podemos explorar mulheres ou animais não humanos, então essa
é uma contradição que devemos procurar resolver.

Abordagens éticas gerais

Ética é a análise das razões pelas quais devemos agir de certa maneira e não de outra.
Há muitas teorias éticas, que diferem na maneira em como requerem que atuemos assim
como nos argumentos que as sustentam. As teorias éticas mais amplamente aceitas estão
resumidas abaixo.

Consequencialismo

As teorias consequencialistas declaram que há coisas, ações, estados de coisas, etc.


que são boas, ou melhores que outras, e afirmam que devemos agir de maneira que
essas coisas ocorram. De acordo com os pontos de vista consequencialistas, devemos
agir de modo a ocasionar a melhor situação. Por exemplo, podemos pensar que o que é
melhor é um mundo em que haja tanta felicidade e igualdade quanto possível. Então
pensaríamos que a melhor maneira de agir é promovendo um mundo com mais
felicidade e igualdade.

Deontologia

A deontologia alega que há certas ações que são proibidas e outras que são requeridas,
não importa que consequências se sigam delas. Por exemplo, suponha que dizendo uma
mentira nós pudéssemos assegurar que mais nenhuma mentira seria dita. De acordo com
a deontologia, a primeira mentira ainda assim não deveria se dita, porque mentir é
proibido.

Há diferentes formas de pontos de vista deontológicos. Algumas dizem respeito a ações


que não devemos realizar. Algumas afirmam que não devemos matar, outras que não
devemos mentir, outras que não devemos quebrar promessas, etc. Outras são sobre
ações que devemos levar a cabo. Algumas defendem que devemos ajudar outros a ter
uma vida melhor, que devemos nos empenhar em proteger outros do sofrimento, ou que
devemos seguir regras de etiqueta, etc.

Ética das virtudes

A ética das virtudes afirma que o que mais importa não é o ato concreto que devemos
ou não realizar, mas, antes, desenvolver o que consideramos um caráter moral bom ou
virtuoso. Esses pontos de vista mantêm que a fim de saber como agir devemos
perguntar-nos como alguém virtuoso agiria em vez de agir de acordo com o melhor
resultado para a situação, ou considerar requerimentos ou proibições morais. Na prática,
contudo, este ponto de vista pode prescrever as mesmas linhas de ação que as duas
teorias anteriores.

Diferentes teorias éticas

De acordo com a ética utilitarista, os melhores resultados são aqueles em que a soma do
bem-estar ou felicidade de cada indivíduo é maximizada. Em outras palavras, se o bem-
estar positivo ou negativo de todos os indivíduos pudesse ser somado conjuntamente,
esse total é o que deveria ser maximizado.

De acordo com as éticas igualitaristas, um resultado será melhor do que outro se a


situação melhora para aqueles nas piores situações, mesmo se o total da soma do bem-
estar ou felicidade não aumenta.

Outras teorias existem dentro de uma das seguintes construções:

Uma situação é considerada boa se ninguém está abaixo de certo nível de felicidade, e
má (isto é, precisa melhorar) se a felicidade de alguém está abaixo desse nível mínimo.
Isto é chamado suficientarismo.

Nossas preocupações morais deveriam ser primariamente determinadas não por aquilo
que é justo, mas pelas nossas relações de cuidado com os outros. Isto é chamado de
ética do cuidado e, de acordo com alguns pontos de vista, seria semelhante à ética das
virtudes por ser as duas éticas centradas no caráter moral.
O que é certo de acordo com uma teoria pode ser errado para outra. Algumas teorias
podem ser elas mesmas inconsistentes internamente e, portanto podem ter de ser
rejeitadas. Um exemplo de inconsistência é a teoria que requer levar em conta todos os
humanos e ao mesmo tempo não requer levar em conta aqueles que não possuem
capacidades intelectuais complexas.

Mesmo entre teorias éticas consistentes encontram-se discordâncias. Diferentes pessoas


têm diferentes pontos de vista. Pode não haver nenhuma maneira de resolver as
discordâncias entre elas em termos definitivos. Mas uma teoria ética ainda assim pode
ser útil em nos ajudar a decidir como agir na maioria das situações.

Embora as pessoas tenham diferentes intuições e preferências por pontos de vista éticos,
uma característica que as teorias mais amplamente aceitas possuem é que elas apoiam a
consideração moral dos animais não humanos. Podemos observar isso
no posicionamento de diferentes pontos de vista éticos em relação ao especismo e ao
respeito pelos animais sencientes.

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