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A democracia, o contraditório e a fundamentação das

decisões judiciais: uma análise sob a perspectiva da


tutela constitucional do processo civil

A DEMOCRACIA, O CONTRADITÓRIO E A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES


JUDICIAIS: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA TUTELA
CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL
Democracy, Adversary Proceeding, and the Grounds for Judicial Decisions: An Analysis from the
Perspective of Constitutional Protection in Civil Procedure
Revista de Processo | vol. 352/2024 | Jun / 2024
DTR\2024\6278

Atalá Correia
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor no Instituto Brasileiro
de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Juiz no Distrito Federal. atala.correia@idp.edu.br

Ricardo Rocha Leite


Doutorando e Mestre em Direito. Juiz no Distrito Federal. ricardo.leite@idp.edu.br

Área do Direito: Constitucional; Civil; Processual


Resumo: O Código de Processo Civil insere-se na perspectiva da tutela constitucional do processo.
Por meio da adoção do modelo substancial de contraditório, houve incremento da legitimidade
democrática no Poder Judiciário. Além do mais, tem-se verificado um aprofundamento na disciplina
infraconstitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais, o que propicia às partes na
relação processual um maior controle da atividade jurisdicional e uma maior transparência nos atos
decisórios.

Palavras-chave: Código de Processo Civil – Democracia – Contraditório substancial –


Fundamentação das decisões judiciais
Abstract: The Code of Civil Procedure is a part of the constitutional protection of the process. The
adoption of the substantial contradictory model has led to an increase in the democratic legitimacy of
the Judiciary Branch. In addition, there has been an increase in the infra-constitutional discipline of
the duty to substantiate judicial decisions, providing the parties in the procedural relationship with
greater control of jurisdictional activity and greater transparency in decision-making acts.

Keywords: Code of Civil Procedure – Democracy – Substantial contradictory – Grounds for court
decisions
Sumário:

1. Introdução - 2. Do Estado Democrático de Direito - 3. A tutela constitucional do processo civil - 4.


Democracia, contraditório e fundamentação das decisões judiciais - 5. Conclusão - 6. Referências

1. Introdução

O Código de Processo Civil de 2015 consolidou um novo marco da disciplina legal do processo civil.
É o primeiro Código de Processo Civil brasileiro cuja tramitação e promulgação ocorreram
integralmente em um regime democrático. A influência é evidenciada logo em uma leitura inicial da
Lei 13.105/2015 e decorre das discussões jurídicas em torno dos direitos humanos, ocorrida em todo
o mundo ocidental posteriormente à Segunda Guerra Mundial e que encontram maior aderência no
Brasil depois do fim do regime militar.

A eleição pela Constituição Federal da democracia como princípio fundamental estruturante do


Estado, o povo como titular do poder, além do vasto rol de direitos e garantias fundamentais, são
vetores interpretativos essenciais para a compreensão do ordenamento jurídico nacional. O devido
processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal) perpassa pelas mais variadas esferas de
aplicação do Direito e seus desdobramentos consagrados no contraditório e na motivação das
decisões judiciais são de singular importância para o estudo do processo.

No âmbito do processo civil, a densidade normativa que foi sendo atribuída ao devido processo legal,
ao longo da atual ordem constitucional, não encontrava mais proporcionalidade na legislação
processual, principalmente nas regras estabelecidas pelo Código de Processo Civil de 1973, as
quais foram elaboradas sob outros referenciais teóricos e políticos. O sistema de contraditório
estabelecido pelo Código de Processo Civil revogado não mais correspondia aos ideais
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constitucionais trazidos pela democracia como estrutura do ordenamento jurídico.

Ao ser instituída uma Comissão de Juristas pelo Senado Federal, para elaboração do Anteprojeto de
um novo Código de Processo Civil, a Comissão tinha a expressa pretensão de estabelecer uma
sintonia mais fina entre a carga normativa dos princípios constitucionais e a legislação
infraconstitucional. Em uma perspectiva democrática e de legitimação do exercício do poder pelo
Poder Judiciário, o Código consagrou uma interpretação do contraditório, a evoluir do paradigma
clássico do contraditório formal para o contraditório material ou substancial.

Além de desencadear mudanças na postura a ser adotada pelo juiz no curso da relação jurídica
processual antes de uma decisão final de mérito, a evolução para o modelo substancial de
contraditório repercutiu diretamente na forma como estas decisões devem ser construídas.

O artigo pretende problematizar algumas críticas pontuais advindas deste novo formato, as quais
apontam para dificuldades gerenciais e que a sua implementação poderia ocasionar um maior
congestionamento no Poder Judiciário, o que agravaria a morosidade. No entanto, com vistas à
consagração do ideal democrático de processo, o equilíbrio entre estes fatores de tensão é que
poderá aprimorar cada vez mais o sistema de justiça.

O artigo será desenvolvido a partir de uma análise da democracia e do ideal de processo


democrático, baseado no contraditório efetivo e na motivação das decisões judiciais, como modelo a
ser seguido no contexto atual, além da necessidade de se visualizar o processo como um
instrumento para salvaguarda de direitos fundamentais.

2. Do Estado Democrático de Direito

Em um Estado Democrático de Direito, é imprescindível uma análise inicial acerca de seus


elementos integrantes, para que se possa chegar ao modelo de processo em sintonia com a
Constituição Federal. O Estado Constitucional ou de Direito1, no qual há a fixação de direitos dos
cidadãos, a divisão dos poderes e o respeito à legalidade, assume uma posição social, em
detrimento do liberalismo de outrora2.

Segundo J. J. Gomes Canotilho: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio
do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante de organização
político-social de uma comunidade.”3 Os direitos e as liberdades fundamentais são mecanismos para
o controle desta atividade estatal e os direitos sociais exigem uma conduta mais proativa do Estado.
Luís Roberto Barroso, ao tratar do neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito4, assevera:

“Busquei, assim, identificar as transformações do direito constitucional contemporâneo em torno de


três grandes marcos: histórico, filosófico e teórico. Em relação a este último, o texto analisa algumas
mudanças importantes de paradigma no modo pelo qual se compreende e se aplica o direito
constitucional contemporâneo: o reconhecimento de força normativa e aplicabilidade direta da
Constituição; a expansão da jurisdição, em geral, e da jurisdição constitucional, em particular; e a
nova interpretação constitucional. Negar a existência de um novo constitucionalismo é, a meu ver,
virar as costas para a história e cultivar uma visão idiossincrática do Direito e da vida.”

Acerca da democracia, cujo surgimento remonta à Grécia antiga, sua perenidade não implica
identidade de conceito no decorrer do tempo. Em sua origem, buscava ser o governo do povo e para
o povo, com base na ideia de liberdade. Desde o seu advento, a democracia sempre foi alvo das
mais variadas críticas, que buscavam aferir se era o melhor ou o pior dos regimes. Os contrários ao
regime nessa época sustentavam que, em um sistema no qual todos mandassem, ninguém
obedeceria.

Depois desta breve análise do Estado Democrático, passa-se ao estudo do Direito. O Direito, de
forma ampla, estipula um conjunto de regras e princípios obrigatórios para regular a convivência em
sociedade. É estabelecido, por meio da norma jurídica, o mundo do “dever ser”, o qual está pautado
pela cultura, pela ética e pela moral de determinado contexto histórico, porquanto reflete um juízo de
valor (axiológico).

A discussão do Estado do ponto de vista jurídico perpassa pela normatividade, no sentido de


obrigatoriedade, de imposição, para que os indivíduos sejam compelidos por uma autoridade
soberana5. O descumprimento desta imposição ocasiona a sanção jurídica, a qual implica na
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aplicação de uma penalidade àquele indivíduo que agiu contra os interesses desejáveis do Estado.

Um ponto que deve ser destacado é que o Direito e a Moral são institutos que se conectam, porém,
são independentes. Segundo a clássica doutrina, o Direito seria o “mínimo ético”, de tal forma que,
representativamente, equiparam-se a círculos concêntricos, com o círculo maior correspondendo à
Moral e o círculo menor, ao Direito6. A principal distinção entre os institutos é que a Moral não pode
ser imposta aos cidadãos, ao contrário do Direito, que é coercível7.

O Estado e o Direito, segundo Miguel Reale, seguem três direções fundamentais: a técnico-formal, a
sociológica e a culturalista8. A técnico-formal tem como base a Escola do direito puro de Hans
Kelsen, a qual estabelece que o Direito é uma ciência que tem como objeto o estudo das normas e
deve ser separada das demais ciências9.

Por sua vez, a direção sociológica vislumbra o Direito como fato social e as normas refletem o
contexto de determinada conjuntura da sociedade10 . Em relação à dimensão do culturalismo jurídico,
“[...] integra ao historicismo contemporâneo e aplica, no estudo do Estado e do Direito, os princípios
fundamentais da Axiologia, ou seja, da teoria dos valores em função dos graus de evolução social”11 .

A junção das três direções fundamentais do Estado e do Direito formam a chamada teoria
tridimensional, a qual extrai de cada uma das escolas seus elementos fundantes: fato, valor e norma
12
. Há uma dialética de implicação13 , ou seja, uma dimensão interfere na outra, sem que haja um
confronto entre elas. A teoria tridimensional considera o Direito como elemento histórico-cultural, ou
seja, fruto das concepções da sociedade.

O Direito necessita da existência de um Estado para que tenha uma base sólida de aplicação. Da
mesma forma, a institucionalização do poder e a concentração de seu exercício em alguns agentes
requerem a interseção do Direito. Por sua vez, a coercibilidade, necessária para a sobrevivência do
Estado, necessita de parâmetros que são circundados pelo Direito, o qual delimita a atuação estatal
14
.

Para a análise da perspectiva do Estado de Direito e suas vicissitudes no atual cenário, é necessário
detalhar a análise do Direito como fenômeno social e contemporâneo à edição das normas jurídicas.
O ordenamento jurídico é o conjunto de normas que estruturam o sistema. As normas não devem ser
vistas de forma isolada, mas, sim, no contexto sistemático do ordenamento. Segundo Miguel Reale,
a norma ou regra jurídica é “uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização
ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória”15 .

Esta análise do Estado Democrático de Direito é reproduzida em um processo judicial, o qual é visto
como um instrumento para a satisfação do direito material. Para que o direito subjetivo de ação
possa ser exercido, são estabelecidos alguns parâmetros a fim de que haja o respeito aos direitos e
às garantias fundamentais.

3. A tutela constitucional do processo civil

Durante a Idade Média, a ótica do Direito Natural surgiu vinculada a conceitos teológicos de Justiça,
ligando-se à ideia cristã de que o homem, na medida em que é imagem e semelhança de Deus, é
dotado de uma dignidade especial, a qual lhe garante algumas prerrogativas fundamentais acima de
qualquer norma produzida pela racionalidade humana, tais como o direito à vida, à liberdade e à
propriedade.

No século XVIII, com a ascensão do Iluminismo, a filosofia retrata a gênese divina dos princípios,
passando a encontrar no atributo da razão a sua origem16 . Nos séculos XIX e XX, desenvolve-se o
positivismo jurídico, que tem como grande expoente Hans Kelsen e que concebe como Direito
apenas aquilo que está posto, positivado, pela autoridade temporal.

Em boa medida, a filosofia juspositivista não pôde fazer frente às ditaduras que marcaram a primeira
metade do século XX, em geral, ancoradas em alguma ideologia vitimista, nas quais um determinado
inimigo da vítima que ascendeu ao poder precisa ser extirpado17 . Estas ideias antidemocráticas
foram a base para as duas grandes guerras mundiais, cujos traumas implicaram na revalorização
dos princípios jurídicos e dos direitos humanos/fundamentais. A concepção positivista do Direito, que
até então contava com grande aceitação doutrinária, teve de ceder espaço para a retomada da
noção de princípios jurídicos e para a carga valorativa que a acompanha.
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Depois da Segunda Guerra, era preciso reafirmar a submissão do Estado à lei (Estado de Direito) e
recuperar a democracia18 . De toda forma, durante a segunda metade do século XX, o debate na
doutrina jurídica como um todo foi fortemente influenciado pelo movimento da retomada de uma
legítima axiologia dos princípios e dos direitos humanos por meio da constitucionalização de
garantias jurídicas.

No Brasil, a promulgação da Constituição de 1988 é o principal marco político e jurídico da


democracia, sistema propício para o desenvolvimento da dignidade humana. Diferente dos diplomas
anteriores, a Constituição Republicana (LGL\1988\3) foi aberta por um título inteiramente dedicado
aos princípios fundamentais – entre os quais a democracia –, ao qual se seguiu um título dedicado
aos direitos e às garantias fundamentais.

No campo processual, a retomada democrática fez com que o devido processo deixasse de ser visto
tão somente como meio ou instrumento para a defesa de direitos e passasse a ser concebido como
direito fundamental em si, dada a sua essencialidade para a atuação estatal minimamente justa e
equânime. Neste contexto histórico, surgiu a ideia do processo justo19 .

A visão do processo como garantia de proteção do direito material ganhou novo fôlego. Naquele
momento, foi preciso atribuir ao processo um conteúdo ético e justo, de modo que as características
processuais de eticidade e justiça passaram a constituir, em si, um direito fundamental merecedor de
proteção. A partir desta nova leitura, o processo assume uma deontologia particular. Na lição de
Cândido Dinamarco:

“[…] exterioriza-se mediante (a) a tutela constitucional do processo, que é o conjunto de princípios e
garantias vindos da Constituição Federal (garantias de tutela jurisdicional, do devido processo legal,
do contraditório, do juiz natural, exigência de motivação dos atos judiciais etc. […]) e (b) a chamada
jurisdição constitucional das liberdades, composta pelo arsenal de meios predispostos pela
Constituição para maior efetividade do processo e dos direitos individuais e grupais, como o
mandado de segurança individual e o coletivo, a ação civil pública, a ação direta de
inconstitucionalidade, a exigência dos juizados especiais etc.”20

4. Democracia, contraditório e fundamentação das decisões judiciais

Nos âmbitos dos Poderes Legislativo e Executivo, são facilmente perceptíveis os alicerces populares
que lastreiam essas manifestações do Estado, porque os membros tanto de um quanto de outro
Poder são eleitos periodicamente. Isso não se passa no Judiciário, razão pela qual é comum se
questionar sua legitimação democrática. De todo modo, vale lembrar que, embora o acesso à
magistratura se dê essencialmente pela via do concurso público, seus órgãos superiores são
compostos por indicação política do Executivo e aprovação do Legislativo. Ademais, pode-se falar
em legitimação pelo processo e contraditório21 , bem como pela função contramajoritária da
afirmação dos direitos fundamentais22 .

A evolução do Estado liberal para o Estado social impõe a releitura dos institutos processuais à luz
da mudança dos paradigmas da sociedade, que se torna cada vez mais complexa. Os atores sociais
e processuais atuam com mais abrangência, assim como as demandas encontram-se, cada vez
mais, dotadas de macroconflituosidade, razão pela qual o sistema jurídico processual deve ser
interpretado por meio do viés constitucional, com a aplicação dos direitos fundamentais.

A socialização processual, que atua como critério compensatório das desigualdades entre as partes,
é compatível com o modelo democrático de processo, que deve ser analisado na “perspectiva
interpretativa que poderá, caso aplicada, garantir que todos os cidadãos possam participar
ativamente de todas as esferas jurídicas em que possuam interesse, em um dimensionamento
espaço-temporal adequado” 23 . Esse modelo interpretativo encontra ressonância no caráter dialógico
do princípio do contraditório, visto como a possibilidade de as partes influenciarem na formação do
convencimento do julgador. O modelo democrático não exclui o modelo colaborativo previsto no CPC
(LGL\2015\1656), pois ambos confluem para a melhor efetividade do processo.

Dentro de um Estado Democrático de Direito, o primeiro princípio fundamental a ser aplicado em


qualquer atividade que envolva o poder público, inclusive a jurisdição, não pode deixar de ser,
naturalmente, o princípio da democracia, valor indicado pelo constituinte já desde o preâmbulo da
Carta e que adquire caráter normativo no primeiro artigo do texto constitucional.
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Para o deslinde da questão democrática no Poder Judiciário, é preciso examinar os direitos


fundamentais estabelecidos pela própria Constituição, em especial os relacionados ao processo. Um
dos principais direitos fundamentais de natureza processual assegura aos litigantes o contraditório e
a ampla defesa. Posteriormente à Constituição de 1988, só será possível falar em processo se
houver contraditório efetivo e é justamente no contraditório que se encontra a resposta para a
legitimidade da atividade jurisdicional dentro de uma democracia.

A característica mais marcante do Projeto de Lei que originou o Código de Processo Civil de 2015 foi
o viés constitucional modernizante. O salto qualitativo democrático e principiológico que representa o
Código de Processo Civil em relação ao diploma anterior é perceptível desde as primeiras palavras
da nova Lei. A propósito, consta da Exposição de Motivos do Código que foi justamente a premente
necessidade de que ficasse evidenciada a sintonia entre a lei ordinária e a Constituição Federal o
fator que motivou a inclusão, de maneira expressa, de princípios constitucionais em sua versão
processual.

Deste modo, as formas e os ritos processuais foram revisitados, a deixar de lado o que fosse
formalismo sem propósito e aprimorado o que tivesse razão de ser como garantia. A doutrina chama
essa providência de “formalismo valorativo” 24 . A principal engrenagem formal-valorativa e
democrática tratada pelo Código é a regulamentação minuciosa do direito constitucional ao
contraditório. O contraditório é a forma pela qual os interessados expõem seus pontos de vista com a
finalidade de obterem uma decisão favorável. Assim, o princípio carrega em si a essência da
democracia, qual seja, a abertura às diferentes visões que se pode ter de um problema pendente de
solução, com a dedicação de um espaço público (aplica-se, em regra, a ampla publicidade dos atos
processuais) para o debate. Democracia exige pluralismo; e este exige contraditório.

Com o efetivo exercício do contraditório, os sujeitos processuais veiculam seus anseios, pontos de
vista, intenções, valores e opiniões. A abertura às ideias e às manifestações, que é própria da
democracia, encontra no contraditório o seu terreno fértil na seara processual. Mutatis mutandis, o
mesmo jogo democrático que ocorre nos espaços públicos exteriores ao Judiciário acontece dentro
do processo (perspectiva endoprocessual), sob o nome de contraditório.

No âmbito judicial, a legitimidade para o exercício de uma parcela do poder estatal (o poder de dizer
o Direito) pelo magistrado decorre precisamente da discussão democrática em contraditório. Em sua
posição processual peculiar, o juiz ouve os interessados, mas, numa perspectiva democrática, com
eles tem de interagir, de modo que a dialética do processo sirva de base para uma boa decisão final.
Afirmam Fernando Gonzaga Jayme e Marcelo Veiga Franco:

“Considerando-se que os membros do Poder Judiciário não são eleitos, a legitimidade dos
provimentos jurisdicionais decorre da participação direta dos destinatários dos efeitos produzidos
pela decisão. Essa participação ocorre mediante a garantia do contraditório, em que os interessados
atuarão em simétrica paridade na construção do provimento a que se sujeitarão. Trata-se de
exercício da soberania popular na medida em que as partes, sujeitos do contraditório, de forma
comparticipativa, interferem decisivamente na construção do provimento, ato de poder estatal que
produzirá efeitos nos patrimônios jurídicos dos partícipes.”25

Assim, pode-se enxergar o tratamento dado pelo Código ao contraditório como um progresso
democrático, de modo que é conveniente desenvolver o raciocínio e investigar quais foram as
mudanças no tratamento do contraditório operadas com a alteração da legislação. Em uma
perspectiva mais moderna e mais democrática, situa-se a dimensão substancial, dinâmica ou
material do contraditório, que acrescenta às duas características do contraditório tradicional
(informação + possibilidade de reação) outros dois elementos.

O contraditório substancial conjuga a informação e a abertura para a reação (dimensão formal) com
a participação ativa do juiz no diálogo travado pelos interessados e com a possibilidade de efetiva
influência das partes na formação do convencimento do magistrado. Conforme a teoria do processo
justo, é necessário superar a visão de processo como um amontoado de formalidades e rituais que
não tenham razão de ser. É preciso que a ritualística carregue sempre a democrática possibilidade
de influxo na construção do posicionamento que será imposto pelo Estado-juiz ao final da tramitação.

“O giusto processo representa o devido processo legal dinâmico e substancial, vale dizer, um modelo
de processo cuja estrutura constitucional dirige-se à materialização de uma tutela jurisdicional
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legítima, efetiva, adequada e, sobretudo, justa […].”26

A maneira encontrada pelo legislador infraconstitucional para fazer do processo uma garantia mais
efetiva de Justiça foi posicionar o juiz como interlocutor participativo e moderador da discussão
travada pelas partes. Segundo Sandro Marcelo Kozikoski:

“[…] sob os auspícios do NCPC (LGL\2015\1656) (Lei 13.105/2015) parece adequado e oportuno
revisitar o brocardo segundo o qual “o juiz conhece o direito”., repetido como um mantra, sob a
pomposa forma latina do “iura novit curia”. Afinal, na Roma antiga talvez fosse possível defender a
premissa de que o juiz era capaz de conhecer o Direito. Eram poucas leis. Não havia sistema
federativo com sobreposição de ordens normativas, não se falava em “giro linguístico”, etc. Então, o
processo civil contemporâneo, visto sob a ótica de uma efetiva filtragem constitucional, deve
privilegiar todas as dimensões do contraditório, incluindo a possibilidade de influência efetiva das
partes na construção de sentido da decisão judicial. Não podemos repetir, acriticamente, a assertiva
de que o juiz “conhece” o direito, pois as premissas que lhe são subjacentes estão ainda atreladas
aos paradigmas anteriores.”27

Há dispositivos na Lei 13.105/2015 dos quais ressai o modelo substancial de contraditório, em que a
interação mais próxima do magistrado com os demais sujeitos processuais é não só estimulada, mas
exigida. Destacam-se, nesse sentido, como regras gerais, a vedação da decisão-surpresa e a
exigência de contraditório prévio (arts. 9º e 10 do CPC (LGL\2015\1656)). Embora não se trate
propriamente de uma novidade, o caput do art. 9º determina que a parte que terá de suportar as
consequências negativas de uma decisão judicial deve ser ouvida sempre antes que o magistrado
exare o provimento.

Seguindo a cadência da racionalidade do Código de Processo Civil, o art. 10 veda que sejam
proferidas decisões-surpresa, assim entendidas aquelas que se fundam em motivo a respeito do qual
não tenha sido dada às partes oportunidade de manifestação, mesmo que a matéria seja daquelas a
respeito das quais o ordenamento autorize a autoridade judicial a decidir independentemente de
provocação específica. A decisão-surpresa culmina por violar o aspecto da possibilidade de
influência das partes no convencimento do magistrado.

Assim, o contraditório é um conceito triangular, e não mais linear. Passa a operar o jogo dialético
descrito por Calamandrei28 , em que o autor apresenta uma tese, o réu uma antítese e o juiz uma
síntese. Por fim, pode-se dizer que o modelo substancial de contraditório espraia suas
consequências em toda a concepção do dever ser do processo e, consequentemente, da forma
como cada sujeito processual deve pautar sua atuação. A despeito de existirem outros, talvez o
principal efeito do contraditório substancial recaia sobre a fundamentação das decisões judiciais.

Como dito, o contraditório é a face democrática do processo, ou seja, o fundamento de legitimidade


de atividade jurisdicional. Neste sentido, é imperativo que esse valor constitucional, tomado em uma
perspectiva substancial, afete a construção do pronunciamento do juiz.

No atual momento democrático, a bilateralidade de audiência não é mais suficiente para dar
legitimidade para a atuação do Estado-juiz. É preciso realizar o que se chama de fair hearing, ou
seja, a oitiva justa dos argumentos, a assegurar que o magistrado reflita sobre as teses dos
interessados, ainda que eventualmente venha a rejeitá-las. Se o contraditório substancial carrega em
si a possibilidade de influência da argumentação dos sujeitos parciais sobre a formação do
convencimento do magistrado, deve-se ter na fundamentação da decisão judicial as condições para
verificar se, de fato, houve ao menos a possibilidade de influência.

O imperativo do contraditório incide sobre o juiz na fundamentação. Este modelo processual não
tenciona delegar às partes o poder de dar a palavra final sobre o conflito. No momento do
julgamento, existe uma assimetria entre as partes e o juiz. Este decide, com autoridade, qual dos
interesses deve prevalecer. Apesar da necessária assimetria no momento da decisão final, diante da
norma, o exercício do contraditório pelas partes tem o papel conformador da decisão, porque delimita
uma moldura de fundamentos mínimos.

É na fundamentação que os destinatários do provimento têm condições de verificar se foram


realmente ouvidos, ou seja, se o juiz refletiu sobre aquilo que eles disseram e sobre as provas que
foram produzidas. Nesse sentido, ocorre a fiscalização29 da atividade jurisdicional do Estado de
forma endoprocessual, porque feita pelos demais sujeitos do processo. É, ainda, a partir da
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fundamentação que se pode realizar a fiscalização do ponto de vista exoprocessual. Se o juiz exerce
a jurisdição em nome do povo, que o titulariza (parágrafo único do art. 1º da Constituição), a própria
sociedade passa a ter condições de inspecionar o exercício do poder decisório. É a fundamentação,
por outro lado, que assegura que o juiz não se tornou servo daqueles que têm melhores condições
de litigar, que o contraditório não se tornou um biombo formal, por meio do qual esvaem-se os
direitos fundamentais.

Pode-se dizer que, nessa perspectiva, a exigibilidade da adequada fundamentação, dentro de um


padrão mínimo de conteúdo qualitativo, é um mecanismo de se inspecionar o respeito ao direito
fundamental à inafastabilidade da jurisdição, também chamado de sindicabilidade (art. 5º, XXXV, da
Constituição). Assim, o que se tem é uma exigência de aprimoramento da técnica decisória que gera
reflexos positivos na consolidação dos vários valores constitucionais democráticos. É possível dizer
que o Código de Processo Civil caminha na direção tanto do conteúdo normativo do texto
constitucional quanto das tendências contemporâneas de compreensão da hermenêutica jurídica. A
esse respeito, Lenio Streck e Francisco Motta defendem que30 :

“O Direito e a discussão jurídica existem justamente porque é possível fazer afirmações e negações
sobre a correção ou incorreção de uma dada tomada de posição. Disso se depreende que, se de um
lado a aparência é a de que as respostas corretas não existem, de outro as decisões jurídicas devem
ser baseadas na correção de uma solução, em vez de outra, e não na vontade insondável de quem
está na posição de decidir.

Entretanto, não se pode advogar uma noção ingênua e simplista de que as respostas corretas
estejam prontas e disponíveis em uma caixa-forte, ao modo de verdades metafísicas. A resposta
adequada, ao contrário, está ligada ao esforço de descobrir os direitos relativos às partes, em
oposição à ideia de inventá-los.”

Tudo o que foi examinado até o momento consiste em um grande avanço democrático na seara
legislativa-processual. Todavia, surgiram algumas discussões esparsas sobre um possível
retardamento do curso processual em razão de um processo civil mais dialógico. A discussão sobre
a morosidade do Poder Judiciário não é recente. Há um século, Rui Barbosa já criticava a
morosidade na prestação da jurisdição em sua célebre Oração aos Moços:

“Nada se leva em menos conta, na judicatura, a uma boa fé de ofício que o vezo de tardança nos
despachos e sentenças. Os códigos se cansam debalde em o punir. Mas a geral habitualidade e a
conivência geral o entretêm, inocentam e universalizam. Destarte se incrementa e demanda ele em
proporções incalculáveis, chegando as causas a contar a idade por lustras, ou décadas, em vez de
anos. Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação
ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio,
honra e liberdade.”31

Para que se possa equacionar este entendimento, é necessário perquirir se há outros fatores que
possam eventualmente interferir nas demandas, tais como o surgimento de novas posições
jurisprudenciais defensivas ou mesmo a quantidade de servidores colocada à disposição de cada
juízo, elementos que não foram considerados. Além disso, seria precipitado associar a dificuldade na
gestão judiciária e a queda de produtividade a qualquer modificação na duração média dos
processos (razoável duração do processo), simplesmente com uma alteração legislativa.

A melhoria dos serviços judiciais tem de ser aferida em três perspectivas. A primeira delas é a do
processo justo, que se torna realidade quando a tramitação ocorre segundo o devido procedimento,
ou seja, aquele democraticamente definido, em que os possíveis afetados têm espaço para serem
ouvidos e para ouvir. A segunda é a da justiça da solução definitiva dada a cada caso. Por fim, a
terceira perspectiva é a do atendimento tempestivo às necessidades dos afetados, ou seja, o
respeito à razoável duração do processo e ao imperativo de celeridade. Nenhuma delas pode ser
negligenciada. É com base neste tripé que se poderá tornar cada dia mais concreta e efetiva a
regência do processo civil. A inegável tensão entre a duração razoável e o imperativo da qualidade
decisória precisa ser sempre vistoriada, a fim de não comprometer a razão última do processo civil32 .

5. Conclusão

O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) representa um avanço na efetividade da tutela


constitucional do processo. Do ponto de vista da consolidação da democracia, é de se notar que a
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mencionada codificação processual é a primeira a ser debatida em período integralmente


democrático.

O Código de Processo Civil contém sensíveis avanços em torno do princípio do contraditório, o qual
encontra proteção constitucional. Ao tratar das normas fundamentais do processo civil, a Lei
13.105/2015 delineia um novo modelo de contraditório. Se, na vigência do Código de Processo Civil
de 1973, adotava-se o paradigma do contraditório formal – que consiste em garantir-se ao
interessado o acesso à informação e o direito de manifestação –, o Código de Processo Civil de
2015 adota o paradigma do contraditório substancial, que agrega o dever de participação ativa do
juiz no diálogo processual e a exigibilidade de que possa haver efetiva influência das alegações das
partes na formação da convicção do magistrado.

Trata-se de um Código que caminhou no sentido da elevação do grau de legitimidade para o


exercício do poder pelo Judiciário. Não sendo os membros do Judiciário eleitos periodicamente,
como ocorre nos demais Poderes da República, é precisamente do exercício do contraditório que
decorre a legitimação para o poder de decidir. Deste modo, quando o Estado-juiz efetivamente leva
em conta aquilo que os envolvidos disseram a respeito da lide, tem-se a colheita da legitimidade para
o poder de julgar.

Nesse espectro, como consequência do contraditório e como forma de tornar mais concreta a
obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais estabelecida no inciso IX do art. 93 da
Constituição Federal, o Código de Processo Civil de 2015 especificou, de maneira detalhada,
elementos que, se ausentes das decisões judiciais, ocasionam a nulidade do ato decisório.

Apesar de terem sido apresentadas algumas críticas em razão dessas exigências de maiores
detalhamentos do contraditório e da fundamentação das decisões, as modificações não têm
obstruído o desenvolvimento do trabalho jurisdicional. Ao contrário, o que se observa é que a novel
legislação tornou o Poder Judiciário mais democrático, no sentido que propicia um maior debate das
questões fáticas e jurídicas trazidas para discussão, bem como ao estabelecer um maior controle na
transparência dos atos jurisdicionais.

6. Referências

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1 Para José Joaquim Gomes Canotilho: “O Estado constitucional é ‘mais’ do que o Estado de direito.
O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi
também reclamado pela sociedade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power).”
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria daConstituição. 7. ed. 20 reimpr.
Coimbra: Almedina, 2003. p. 100.)

2 Conforme o entendimento de Paulo Bonavides: “Explosão batizada de Revolução Liberal, ela no


seu reformismo trazia, por inteiro, as sementes sociais donde resultara a concepção de um novo
Estado em que a ideologia fazia prevalecer na organização institucional do sistema algumas ideias e
alvitres ou sugestões constitucionais tirados de dispositivos deveras inovadores, legislados pelos
constituintes do México em 1917, e de Weimar em 1919, e que traçaram a grande pauta precursora
da normatividade dos direitos fundamentais dos direitos de segunda geração.” (BONAVIDES, Paulo.
Teoria geral do Estado. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 139.)

3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 20


reimpr. Coimbra: Almedina, 2003. p. 51.

4 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro. Contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 188.

5 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 273.
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A democracia, o contraditório e a fundamentação das
decisões judiciais: uma análise sob a perspectiva da
tutela constitucional do processo civil

6 Conforme o entendimento de Miguel Reale: “A teoria do ‘mínimo ético’ consiste em dizer que o
direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa
sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações
morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre. A
Moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de maneira espontânea, mas como
as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão
dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social.” (REALE, Miguel. Lições
preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 42.)

7 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 46.

8 REALE, Miguel. Teoria geral do direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 8.

9 Segundo Hans Kelsen: “Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa
que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento
tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como
Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são
estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito
. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 1.)

10 Miguel Reale estabelece que: “O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não
existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade
jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social.” (REALE, Miguel. Lições
preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 2.)

11 REALE, Miguel. Teoria geral do direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 8.

12 Miguel Reale destaca que: “[...] a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e
necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica
etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação
dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo e, finalmente, uma regra
ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato
ao valor.” (REALE, Miguel. Lições preliminares dedireito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 65.)

13 Segundo Miguel Reale: “A correlação entre aqueles três elementos é de natureza funcional e
dialética, dada a ‘implicação-polaridade’ existente entre fato e valor, de cuja tensão resulta o
momento normativo, como solução superadora e integrante nos limites circunstanciais do lugar e de
tempo (concreção histórica do processo jurídico, numa dialética de complementaridade).” (REALE,
Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. 8. tir. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57.)

14 Jorge Miranda apresenta as características gerais do Estado: “[...] Apesar de evidentes


dificuldades, pode tentar-se reconduzir a um quadro comum as notas características dos diferentes
Estados ou tipos de Estado oferecidos pela história. Trata-se da complexidade de organização e
atuação, da institucionalização, da coercibilidade e da autonomização do poder político, bem como,
em plano algo diferente, da sedentariedade. Estas características têm de ser vistas em conjunto e
não isoladamente (até porque algumas delas se encontram noutras sociedades, políticas e até não
políticas).” (MIRANDA, Jorge. Teoria geral do Estado e daConstituição. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 6-7.)

15 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 95.

16 Segundo Luís Roberto Barroso: “O estudo dos direitos fundamentais deve começar pela noção de
direitos humanos. Tal como compreendida nos dias de hoje, a ideia de direitos humanos era
estranha ao pensamento convencional até o final da Idade Média. Há registro de que seque existia
uma palavra que identificasse a ideia de direito, no sentido de direito individual. Documentos
historicamente relevantes do período medieval – como a Magna Carta inglesa, de 1215 –
consubstanciavam a outorga de concessões reais, como ato unilateral do monarca, e não
propriamente o reconhecimento de direitos. O conceito contemporâneo de direitos humanos começa
a se delinear no alvorecer da Idade Moderna, ao final do século XV e início do século XVI – com o
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A democracia, o contraditório e a fundamentação das
decisões judiciais: uma análise sob a perspectiva da
tutela constitucional do processo civil

Renascimento, o surgimento do Estado moderno, as grandes descobertas, a Reforma Protestante, a


Revolução Científica – e teve seu impulso decisivo como Iluminismo, quando já avançado o século
XVIII.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2019. p. 489.)

17 Hans Kelsen, posteriormente à dissolução do tribunal constitucional, deixou a Áustria. Assumiu,


então, a posição de professor na Universidade de Colônia, de onde foi suspenso e sumariamente
demitido em 1933 no começo do governo nazista (KELSEN, Hans. Autobiografía. Bogotá: Externado,
2008). Para uma análise mais aprofundada das dificuldades que o positivismo apresentou para lidar
com regimes autoritários, vide ZIMMERMANN, Augusto. Cosmovisões do direito no mundo ocidental.
Londrina: EDA, 2022. p. 267-273.

18 NUNES, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de
Processo Civil, Revista de Processo, São Paulo, v. 41, n. 252, p. 15-39, fev. 2016.

19 Na Itália, giusto processo. Na Common Law, fair trail (em tradução livre, julgamento justo).

20 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 8. ed. São Paulo:
Malheiros, 2016. v. 1.

21 Como se vê em HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed.


Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012.

22 Sobre este ponto, vide em particular DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. p. 3-40. Segundo a doutrina de Luís Roberto Barroso: “[...] a política
majoritária, conduzida por representantes eleitos, é um componente vital para a democracia. Mas a
democracia é muito mais do que a mera expressão numérica de uma maior quantidade de votos.
Para além deste aspecto puramente formal, ela possui uma dimensão substantiva, que abrange a
preservação de valores e direitos fundamentais. A essas duas dimensões – formal e substantiva-
soma-se, ainda, uma dimensão deliberativa, feita de debate público, argumentos e persuasão. A
democracia contemporânea, portanto, exige votos, direitos e razões [...].” (BARROSO, Luís Roberto.
A judicialização da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 87.)

23 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Uma análise crítica das reformas
processuais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 176.

24 O precursor do formalismo valorativo foi o Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, do Rio
Grande do Sul. Sua obra Do formalismo no processo civil. Proposta de uma formalismo-valorativo é
um referencial teórico (fonte primária) sobre o tema.

25 JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no projeto do


novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 39, n. 227, p. 335-359, jan. 2014.

26 FRANCO, Marcelo Veiga. Dimensão dinâmica do contraditório, fundamentação decisória e


conotação ética do processo justo: breve reflexão sobre o art. 489, § 1º, IV, do novo CPC, Revista de
processo, São Paulo, v. 40, n. 247, p. 105-136, set. 2015.

27 KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. A colaboração dos sujeitos processuais na construção da decisão


judicial e o contraditório como “influência”. – Parte geral. In: MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi;
FREIRE, Alexandre (Orgs.). Salvador: JusPodivm, 2015. p. 426-435.

28 “Em todos os institutos processuais é reconhecível, por clara derivação histórica, um significado
figurativamente agonístico. O debate judicial é uma espécie de representação alusiva e simbólica de
um certamen primitivo, no qual o juiz não era nada mais que um árbitro de campo: a alterada
sucessão dos atos processuais dos litigantes é a transformação mímica daquilo que era
originalmente uma colisão de exércitos. Até a terminologia do processo é ainda emprestada, como
também é aquela da esgrima e da ginástica. Esta alusão à luta é viva no processo até hoje, não
obstante que atualmente seja comumente reconhecida a natureza publicística da instituição
judiciária. Enquanto que no processo é mantido em vigor o princípio dispositivo, a competição entre
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A democracia, o contraditório e a fundamentação das
decisões judiciais: uma análise sob a perspectiva da
tutela constitucional do processo civil

os interesses contrapostos das partes é ponderada e explorada pelo Estado como o instrumento
mais idôneo a fim de satisfazer o interesse público da justiça; o choque das espadas é substituído,
com civilidade, pela polêmica dos argumentos; mas estes representam, neste contraste, o furor de
uma partida. Razão se dará a quem souber melhor raciocinar e, se o juiz outorgar o triunfo a quem
melhor souber persuadi-lo com sua argumentação, pode-se dizer que o processo transformou-se, de
brutal encontro de impetuosos guerreiros, em jogo sutil de engenhosos raciocínios. Esse caráter de
jogo racional se manifesta especialmente naquele princípio fundamental do processo que
poderíamos denominar princípio da dialeticidade. O processo não é somente uma série de atos que
devem suceder-se em uma certa ordem estabelecida pela lei (ordo procedendi), mas é também, na
execução destes atos, um ordenado alternar de várias pessoas (actus trium personarum), cada uma
das quais, nesta série de atos, deve agir e falar no momento apropriado, nem antes e nem depois,
do mesmo modo que ao recitar um drama, todo ator deve saber ‘entrar’ a tempo para a sua fala, ou,
em uma partida de xadrez, devem os jogadores regularmente alternarem-se ao moverem as peças.
Contudo a dialeticidade do processo não é unicamente isto. Não se resume ao alternar, em uma
ordem cronológica preestabelecida, de atos cumpridos por diversos sujeitos, mas é a concatenação
lógica que liga cada um destes atos àquele que o precede e àquele que o segue. O nexo psicológico
em virtude do qual cada ato que uma parte realiza no momento exato, constitui uma premissa e um
estímulo para o ato que a contraparte poderá levar a cabo logo depois. O processo é uma série de
atos que se entrecruzam e se correspondem, como os movimentos de um jogo: de perguntar e
respostas, de réplicas e tréplicas, de ações que provocam reações, suscitando a cada rodada
contra-reações.” (CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, Genesis: Revista de Direito
Processual Civil, v. 7, n. 23, p. 191-209, jan./mar. 2002.) (Grifo do original).

29 Fiscalização que é indissociável dos valores fundamentais da democracia e da República.

30 STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. Coerência, integridade e decisão jurídica
democrática no novo Código de Processo Civil. In: SILVA, Cláudio Barros; BRASIL, Luciano de Faria
(Orgs.). Reflexões sobre o novo Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.
p. 29-40.

31 BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Discurso de da Turma de Bacharelandos de 1920 da


Faculdade de Direito de São Paulo – Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2006.

32 “O processo precisa transcorrer em duração razoável, mas por outro precisa garantir a qualidade
da decisão final que irá transitar em julgado. Não pode haver, na realidade, uma supremacia
flagrante de um macro princípio em relação a outro, sob pena de restar configurado desequilíbrio
indevido que compromete a razão de ser do processo.” (RUBIN, Fernando. Efetividade versus
segurança jurídica: cenários de concretização dos dois macro princípios processuais no Novo CPC –
Parte geral. In: MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (Orgs.). Salvador:
JusPodivm, 2015. p. 438-457.)

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