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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO DISTRITO FEDERAL.

Pós Graduação Latu Senso em Direito e Jurisdição


Direito Público – Formação Humanística
Professor: Norberto Mazai
Brasília, 13 de março de 2020

A NOVA HERMENEUTICA ABRE AS PORTAS PARA O ATIVISMO


JUDICIAL BRASILEIRO
Daniel Gallo Pereira

Resumo
O neoconstitucionalismo possibilitou a superação de amarras e de armadilhas do
positivismo no campo da hermenêutica jurídica, abrindo espaço para a atuação ativa dos
magistrados, permitindo ao intérprete a concretização da pretensa justiça social, ora
fundamentada em valores coletivos, e ora fundamentada em valores não coletivos. A
norma deixou de ser o texto estático da Lei para se tornar uma norma dinâmica da
sociedade ao ser interpretada diante aos fatos sociais. Num passo seguinte com liberdade
interpretativa, a norma passou a ser relativa aos valores morais subjetivos do intérprete,
colocando em risco a segurança jurídica.
Nos métodos interpretativos do neoconstitucionalismo, a linguística do texto
normativo transcende o próprio texto, a historicidade do texto e a finalidade original do
texto. Atualmente, independente do método, a interpretação sistêmica do conjunto
normativo sofre de uma carga subjetiva e valorativa que visa concretizar os valores
insculpidos no ordenamento jurídico. Por outro lado, esta liberdade interpretativa e a
carga valorativa subjetiva podem desvirtuar o método para um casuísmo na interpretação.
O subjetivismo moral na interpretação, quando não é naturalmente recebido e aceito pelos
jurisdicionados, carece de legitimidade social. Ele é uma conduta percebida como
ativismo judicial do intérprete que prejudica a segurança jurídica e provoca distúrbio na
paz social.

Palavras-chave
Neoconstitucionalismo. Hermenêutica. Métodos interpretativos. Ativismo
Judicial.
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1 - Introdução
O neocosntitucionalismo, como consequência natural de um pós-positivismo, é
um movimento jus filosófico que possibilitou o realinhamento hermenêutico
constitucional no questionamento da efetividade da justiça social e da aproximação do
direito posto aos valores sociais humanos, previstos no direito natural. Muitas teses
jurídicas se formaram neste sentido. Algumas delas respaldaram relevantes movimentos
reivindicatórios de justiça social como o direito achado na rua. Outras teses focaram a
concretização dos princípios constitucionais sociais e humanos através de métodos
hermenêuticos extravagantes. Estas fundamentaram uma jurisdição ativa, interpretativa,
conhecida como “ativismo judicial”. As técnicas interpretativas, oriundas da
hermenêutica extravagante, superam o silogismo da linguagem por trás do texto da norma
ao aplicar princípios constitucionais indeterminados em busca de concretizar a justiça
social.
Há uma característica comum nos métodos interpretativos extravagantes ou
expansivos do neoconstitucionalismo, que é a liberdade hermenêutica do intérprete na
busca sistêmica dos valores morais no ordenamento. Este é o motivo desta reflexão
teórica. Por uma deficiência de consenso entre a norma política e a norma jurídica, a
liberdade hermenêutica brasileira ora promove a efetividade na justiça social e ora
promove um sentimento de insegurança jurídica. A insegurança jurídica ocorre, quando
a liberdade hermenêutica fundamenta decisões ativas casuisticamente, sem a devido
reconhecimento de legitimidade política para valorar fatos com fundamentos em
princípios indeterminados de direito.

2 – O neoconstitucionalismo
O movimento que se entende por neoconstitucionalismo é o constitucionalismo
contemporâneo estabelecido pós-guerra. Após a 2ª guerra mundial, o paradigma da carta
meramente política no Direito Constitucional e o paradigma do positivismo formal foram
amplamente debatidos pela doutrina jurídica. Ao longo da segunda metade do século XX,
a necessidade de uma força normativa da constituição ganhou força. O espaço jurídico da
Constituição e a sua influência nas instituições públicas foram repensados na ótica do
novo paradigma neoconstitucional. (BARROSO, 2005)
No Brasil, após a Constituição de 1988, a ideia de democracia constitucional foi
fortalecida nas instituições democráticas, tomando significância nova no mundo jurídico.
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O formalismo e a objetividade do positivismo constitucional perderam espaço para um


novo direito constitucional mais interpretativo e adepto a conceitos abstratos e princípios
abertos como normas balizadoras da hermenêutica. O conceito de democracia
constitucional foi revisto na sua vertente material para buscar igualdade em direitos,
possibilitando uma nova valoração jurídica e política com base nos valores sociais e
humanos.
No contexto do neoconstitucionalismo, a ciência da interpretação constitucional
“hermenêutica” possibilitou a adequação do texto normativo à evolução de valores
sociais. Um bom exemplo brasileiro desta evolução hermenêutica foi a interpretação
conforme do § 3º do art. 226 da Constituição. Sem alterar o texto constitucional brasileiro,
o Supremo Tribunal Federal (STF) adequou a interpretação do referido dispositivo aos
novos valores sociais da família brasileira. A literalidade do texto constitucional dispõe
que, para o Estado brasileiro, a entidade familiar se dá pela união estável entre o homem
e a mulher. O STF, como instituição intérprete da Constituição, exerceu o poder
constituinte interpretativo ao definir uma nova interpretação vinculante do referido
dispositivo sem a alteração do texto. Hoje, a entidade familiar brasileira, por força da
Constituição interpretada, se dá pela união estável entre homens, ou entre mulheres, ou
entre um homem e uma mulher.
O poder constituinte interpretativo é o exercício da jurisdição constitucional com
força vinculante. Ele é exclusivo do STF, atuando como corte constitucional. Como um
poder constituinte, a sua interpretação possui força vinculante a todos os aplicadores da
norma constitucional. Entretanto, o exercício de interpretação constitucional no
neoconstitucionalismo não se limita ao STF e ocorre em todos os níveis decisórios dos
poderes públicos. Qualquer agente público (administrativo, legislativo ou jurídico) ao
emitir um ato, uma norma ou uma decisão está restrito as normas constitucionais sejam
regras, princípios ou conceitos.
O filósofo alemão Peter Häberle vislumbrou a ideia de que, no constitucionalismo
contemporâneo, vive-se numa sociedade aberta aos intérpretes da constituição. A
concretização da democracia passa pela pluralidade de intérpretes constitucionais,
possibilitando a participação plural na valoração da norma. A pluralidade de intérpretes
legitima o processo decisório jurídico e normativo. (HÄBERLE, 2002)
O Ministro do STF Gilmar Mendes, adepto a doutrina de Häberle, aponta a adoção
brasileira aos conceitos democráticos participativos de Häberle no processo de controle
de constitucionalidade. Os institutos Amicus Curiae e Audiência Pública foram aderidos
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ao processo de controle constitucional brasileiro para possibilitar uma participação plural


no processo interpretativo. A intervenção do Amicus Curiae no processo constitucional
encontra fundamento legal no art. 9º da Lei 9.868/1999, permitindo ao STF, em caso de
necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato, requisite informações
adicionais, designe peritos ou comissão de peritos para que emitam parecer sobre a
questão constitucional em debate, e realize audiências públicas destinadas a colher o
depoimento de pessoas com experiência e autoridade na matéria. A audiência pública está
presente no regimento interno do STF. Ela permite instrução de qualquer processo no
âmbito do tribunal que discuta matéria relativa à aplicação de normas constitucionais.
(MENDES, 2009)
A flexibilidade interpretativa das normas em face aos princípios e aos conceitos
normativos indeterminados é uma característica do neoconstitucionalismo que possibilita
o risco da “discricionariedade” decisória casuística. Esta é uma temática juridicamente
polêmica, pois para quem decide com base em princípios e/ou conceitos normativos
indeterminados sente-se seguro na sua própria escala de valores morais. Por isso, para si
mesmo, a sua decisão discricionária não é irracionalmente arbitrária. Ela é vinculada a
concretização de uma norma hipotética abstrata fundamentada num princípio ou numa
interpretação de conceito normativo indeterminado.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada pelo Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL) contra normas que estabelecem a redução de alíquotas
de impostos para defensivos agricolas, o ministro Edson Fachin do STF votou pela
procedência do pedido do PSOL fundamentado numa interpretação extensiva de
princípios e valores constitucionais abertos e indeterminados. Ele considerou
inconstitucional o Convênio n.100/97 e o Decreto 8.950/2016 que possibilitavam zerar
as alíquotas de defensivos agrícolas autorizados pela vigilância sanitária brasileira.
No seu voto, o ministro reconheceu a competência, a finalidade e a legitimidade
nos referidos atos normativos. Os atos normativos do Poder Executivo visavam fomentar
a agricultura em compatibilidade com os princípios constitucionais da ordem econômica,
como a valorização do trabalho humano por meio da geração de emprego e renda, bem
como à segurança alimentar e incremento à exportação de mercadorias agrícolas.
Entretanto, na sua construção interpretativa, o ministro considerou que os atos normativos
tributários extrafiscais chocavam com outros valores e finalidades constitucionais:
Em síntese, identificado que as normas ora hostilizadas têm uma finalidade
além da mitigação arrecadatória, devem submeter-se a um teste de sua
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fundamentação, a fim de se verificar se a opção normativa de fomento à


produção agrícola por meio de incentivos fiscais aos agrotóxicos encontra
efetiva ressonância na ordem constitucional à luz dos princípios ali
positivados (STF, ADI 5553, voto do ministro Edson Fachin, 2020)

Com fundamento no princípio constitucional da precaução, que é um princípio


implícito, aplicado para proteger a saúde e o meio ambiente, foi questionada a validade
da discricionariedade tributária administrativa na aplicação da seletividade tributária. O
ato tributário normativo favorecia a redução de custo de produção agrícola, mas no
entendimento do ministro ele deveria favorecer o consumo de alimentos mais saudáveis
e ecologicamente mais equilibrados. Conjugando os argumentos da finalidade da
seletividade tributária na proteção de um meio ambiente equilibrado e da precaução à
possíveis riscos de saúde, o ministro construiu a sua decisão sobre valores constitucionais
abertos e indeterminados. Em termos filosóficos, ao interpretar, ele construiu a sua
própria percepção moral de classificação e confrontação dos valores constitucionais.

2 – O Ativismo judicial no neoconstitucionalismo brasileiro


A amplitude interpretativa, característica do neoconstitucionalismo, possibilita o
ativismo judicial. O ativismo judicial é uma expressão da doutrina do Direito Americano
que surgiu como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em
que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Neste período, ocorreu uma
revolução nas decisões judiciais quanto a política pública americana, conduzida por uma
jurisprudência progressista. As mudanças foram efetivadas pela suprema corte americana
independente de atos do Congresso ou do Executivo. A oposição conservadora intitulou
a atuação isolada do Poder Judiciário de ativismo judicial. A expressão tem uma
conotação negativa e depreciativa pelo exercício impróprio do poder judiciário,
independente da ideologia ser progressista ou conservadora.
No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada
por diferentes linhas de decisão. Dentre elas se incluem: a) a aplicação
direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu
texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, como
se passou em casos como o da imposição de fidelidade partidária e o da
vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos
normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos
que os de patente e ostensiva violação da Constituição, de que são
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exemplos as decisões referentes à verticalização das coligações partidárias


e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao
Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador — como no
precedente sobre greve no serviço público ou sobre criação de município
— como no de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as
decisões sobre direito à saúde. Todas essas hipóteses distanciam juízes e
tribunais de sua função típica de aplicação do direito vigente e os
aproximam de uma função que mais se assemelha à de criação do próprio
direito. (BARROSO, 2017, p. 233)

O ativismo é uma atitude, é uma escolha específica e proativa de interpretar a


norma legal ou constitucional, expandindo os seus valores e alcance. O ativismo brasileiro
é estimulado por dois fatores sociais: a) a omissão do Poder Legislativo em deliberar
questões sociais polêmicas, e b) a legitimidade dos partidos políticos para deslocar as
pautas políticas para ações jurídicas de constitucionalidade no STF. Recentemente, salvo
o caso do inquérito das “Fakes News”, não há decisões e nem julgamentos no STF que
não nasça de uma provocação de legitimados jurídicos de fora da corte. Esta regra é
essencial para mitigar a pessoalidade das decisões ativas da suprema corte brasileira.
Após Constituição Brasileira de 1988, o STF passou por um movimento
conservador, seguido de um movimento progressista. Durante o movimento conservador
o STF foi criticado por atitudes juridicamente conservadoras, conhecida como
“autocontenção judicial”. A autocontenção judicial é a conduta de manutenção do status
quo, o Poder Judiciário procura reduzir sua interferência nos outros Poderes.
Num segundo momento, com a publicação das leis processuais declarativas de
constitucionalidade e inconstitucionalidade (Lei 9869/1.999), da lei processual de
arguição de descumprimento de preceitos fundamentais (Lei 9.882/1.999), o STF ampliou
o alcance do seu Poder interpretativo. Após o arcabouço processual, diversas ações
constitucionais políticas e pressões de grupos sociais organizados provocaram a mudança
da postura da corte constitucional de autocontenção para uma postura de mais liberdade
interpretativa. O exercício da liberdade interpretativa, neste cenário de omissão do Poder
Legislativo em causas sociais polêmicas e de ineficácia de políticas públicas, estimulou
o ativismo judicial no STF, normalmente provocado por pautas partidárias políticas.
O ativismo judicial, quando respaldado de uma lógica racional interpretativa
juridicamente fundamentada e aceita pelos jurisdicionados, não produz o efeito maléfico
na sociedade com sentimento de imposição de poder autoritário do judiciário. Este
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ativismo socialmente benéfico passa ser aceito como ato legítimo. Um bom exemplo foi
a interpretação conforme da entidade familiar dada pelo STF. Ela possui expressiva
aceitação na doutrina jurídica brasileira e na sociedade. Porém, o ativismo judicial
fundamentado em valores morais de cunho pessoal ou apoiado em falácias jurídicas
produz insegurança jurídica social. Além disso, ele produz um sentimento de
constrangimento e impotência na sociedade, em face a imposição autoritária de um Poder
constitucional.

3 - Métodos hermenêuticos
Hermenêutica é a ciência de interpretar, ou dar sentido a um texto normativo. O
seu objeto de estudo é a linguagem do texto normativo, ou a materialização da mensagem
de comunicação entre o emissor e o receptor da norma. A sua essência é extrair sentido
de um texto. “Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou
gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; ... extrair de frase,
sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém” (MAXIMILIANO, 2002, p. 7).
Na época medieval, a interpretação dos textos canônicos era restrita aos
eclesiásticos que possuíam permissão para estudar as escrituras sagradas. Neste período,
a aceitação da norma canônica era uma questão de dogma de fé. Não havia possibilidade
de questionamentos. Na época moderna, com advento do iluminismo, as técnicas
interpretativas da linguagem normativa foram sistematizadas por Savigny. Com base no
racionalismo jurídico científico, Savigny distinguiu os quatro métodos interpretativos
tidos como clássicos: gramatical, sistemático, histórico e teleológico.
O método gramatical é a interpretação com base no texto explícito e a conotação
literal da norma em questão. O método sistemático é a interpretação que considera a
coerência de todo o conjunto de dispositivos normativos em torno da norma interpretada.
O método histórico é a interpretação com base nas razões históricas que levaram o
legislador a cientificidade do Direito. “Savigny propõe, em lugar da codificação, a
elaboração científica do direito de base histórica” (CAMARGO, 2003, p.54). O método
teleológico é a interpretação com base na finalidade da norma que expressaria a vontade
do povo.
No período pós moderno, as técnicas clássicas de Savigny já não eram suficientes
para a compreensão das realidades sociais em função da subsunção da norma. As técnicas
clássicas restringiam força normativa da constituição, limitando a compreensão da
complexidade social e de suas normas valorativas. Em relação a interpretação
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constitucional, surgiram outras técnicas interpretativas, visando as realidades sociais


dinâmicas e mais vivas.
Hoje, no neoconstitucionalismo, a doutrina jurídica adota diversas técnicas de
hermenêutica constitucional: a) método jurídico ou clássico de Savigny; b) método
tópico-problemático; c) método hermenêutico concretizador; d) método científico-
espiritual (ou método valorativo sociológico); e) metódica jurídica normativa
estruturante. (FERNANDES, 2020, p.199)
O método tópico problemático assume um caráter prático para resolução de um
problema concreto na aplicação da norma, e um caráter aberto, ou indeterminado, da lei
na formação dos tópicos, permitindo múltiplas interpretações do texto normativo. Os
tópicos, ou topois, são de visões de diferentes possibilidades valorativas (pontos de vistas
comuns, lugares comuns, ou formas de argumentação). Dentro de um escopo fechado de
topois, é feito a subsunção pragmática da norma no caso concreto. A crítica deste método
é que ele pode levar a casuísmo, invertendo a lógica de aplicar a incidência da norma ao
fato social, e utilizar o fato social para moldar a norma interpretada por tópicos.
O método hermenêutico concretizador visa a concretização de valores normativos
do ordenamento. A leitura de qualquer texto normativa parte de pré-compreensões dos
intérpretes, a quem compete a concretizar os valores da norma, diante do fato social e
perante a uma situação histórica concreta. A relação entre o texto normativo e contexto
fático percorre uma circularidade hermenêutica. O limite da concretização da norma deve
ser o próprio texto normativo, primazia da norma sobre o problema social. A crítica neste
método é que quando a norma é dicotômica entre valores opostos ele pode entrar em loop
interpretativo infinito. Por exemplo: a concretização de valores da Constituição brasileira
pode oscilar indefinidamente, a depender do intérprete, entre os fundamentos dicotômicos
do inciso IV do art. 1º que preservam valores antagônicos sociais do trabalho e da livre
iniciativa.
O método científico-espiritual (ou método valorativo sociológico) pressupõe que
a norma possui valorações subjacentes ao texto constitucional. A norma é um elemento
de integração na perspectiva política e sociológica, de modo a superar conflitos para
preservar a unidade social. A norma é um integrador supremo de valores da comunidade.
O intérprete é obrigado a assumir o sentimento e a realidade fática desta comunidade,
compartilhando o mesmo sistema de valores. Neste método, há uma forte carga valorativa
subjetiva do intérprete.
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Na metódica jurídica normativa estruturante, a norma não se confunde com o seu


texto expresso, pois o texto é apenas um processo linguístico para concretização dos
valores da norma. O texto não possui normatividade, ele possui apenas validade. A
normatividade não é produzida pelo texto, mas resulta de dados extralinguísticos de tipo
estatal-social. O intérprete parte do texto normativo para estabelecer um programa
normativo (valores e preceitos jurídicos) e um campo normativo (pedaço da realidade
fática social). Da união entre o programa normativo e o campo normativa surge a norma.
Este é processo interpretativo que possibilita a valoração subjetiva moral ao estabelecer
o programa normativo.
Estas novas técnicas hermenêuticas, em tempos de neoconstitucionalismo,
destacam-se pela visão subjetiva valorativa no sistema normativo e na interpretação do
texto. Esta visão subjetiva de valores afasta-se dos parâmetros objetivos do método
clássico, como a literalidade gramatical do texto, a historicidade do texto ou finalidade
do texto. A aplicação dos parâmetros subjetivos possibilita ao intérprete uma carga moral
em busca da efetivação da justiça. Entretanto, os modelos interpretativos valorativos
subjetivos são uma brecha para fundamentar decisões ativas casuísticas.
Um bom exemplo de casuísmo na interpretação normativa foi a decisão da MM
juíza Mirna Rosana Ray Macedo Correa, titular da 52ª Vara do Trabalho do Rio de
Janeiro, na sentença que condenou a churrascaria Fogo de Chão a pagar uma indenização
de 17 milhões de reais por dano moral coletivo (ACPCiv 0100413-12.2020.5.01.0052 –
52ª Vara do Trabalho RJ, TRT1). O dano moral coletivo foi provocado pela demissão de
117 empregados da unidade do Rio de Janeiro, devida a pandemia de saúde COVID-19.
A empresa demitiu os empregados para fechar a unidade do Rio de Janeiro, após um
decreto municipal que impedia a atividade empresária de restaurante no município em
2020.
A empresa embasou a demissão, sem a necessidade do aval do sindical, com
fundamento no art. 477-A da CLT. Este artigo dispõe que as dispensas imotivadas “sem
justa causa” individuais ou coletivas são equivalentes e não necessitam de autorização
prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de
trabalho para sua efetivação. Em outras palavras, desde que o empregador arque com
todos os custos e responsabilidades legais da dispensa imotivada, ele não necessita da
autorização do sindicato.
Porém, a juíza sentenciou de uma forma ativa, interpretando esta norma legal
muito além do texto. Ela entendeu que apesar da empresa ter agido dentro da previsão
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expressamente legal, durante um decreto se suspensão de atividades devida a pandemia,


a empresa deveria, por uma questão moral, dialogar com o sindicato para mitigar os
efeitos da demissão dos empregados. Para chegar a esta conclusão contra a lei, ela
precisou lançar mão de um recurso interpretativo subjetivo com base em valores
constitucionais sistêmicos, abertos e indeterminados:

Sendo assim, a disposição do art. 477-A da CLT agride diversos princípios


constitucionais, tais como o da justiça social; da subordinação da
propriedade à sua função social; da proporcionalidade; da valorização do
trabalho e do emprego; centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e
na vida socioeconômica, além do princípio da dignidade da pessoa
humana.
....
Com certeza, a reclamada não precisava de autorização sindical para
dispensar seus empregados...
....
Mas, conforme fundamentos já analisados, precisava dialogar com o ente
sindical, buscando uma saída menos injusta para os empregados,
negociando algumas questões. Se tivesse aberto este canal, dificilmente,
teria feito as rescisões com corte de direitos como o fez, inicialmente. Teria
evitado tanto sofrimento para seus empregados
(BRASIL, TRT1, sentença da ACPCiv 0100413-12.2020.5.01.0052, 2021)

4 - Considerações finais
É notório o avanço na concretização de justiça social que os novos métodos
hermenêuticos oriundos no neoconstitucionalismo consolidaram. Porém, a liberdade
interpretativa dos novos métodos hermenêuticos é ao mesmo tempo uma oportunidade
para efetividade da justiça e um risco para a segurança jurídica, provocado por um
excesso no ativismo judicial.
No caso brasileiro, encontram-se estes dois efeitos na utilização dos novos
métodos interpretativos: a efetividade de justiça e o ativismo judicial. Como todo
processo científico social, há uma dialética esperada entre os métodos hermenêuticos do
neoconstitucionalismo. Espera-se que com o amadurecimento dos novos métodos haja
uma convergência na efetividade de justiça e a segurança jurídica.

5 – Referências
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o
triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Bol. Fac. Direito U. Coimbra, v. 81, p.
233, 2005.
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BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro.


Saraiva Educação SA, 2017.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, Editora


JusPodivm. 2020.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma
contribuição ao estudo do direito. Renovar, 2003.
HÄBERLE, Peter; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional: a
sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação
pluralista e" procedimental" da constituição. SA Fabris Editor, 2002

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Editora Forense, 20ª


edição, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira; DO VALE, André Rufino. O pensamento de Peter Häberle


na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Observatório da Jurisdição
Constitucional, v. 1, n. 1, 2009.

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