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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
Debutando em um panorama constitucional completamente diferente ao da Lei nº
5.869/1973, a Lei nº 13.105/2015 - Novo Código de Processo Civil vem para saciar as
necessidades da sociedade, até então carente de uma legislação capaz de englobar todas as
mudanças jurídicas e em especial, tecnológicas, experimentadas nos últimos quarenta anos.
Neste diapasão, a codificação foi feita com atenção as práticas forenses e a mais
recente doutrina processual, com a participação de diversos juristas e doutrinadores. Por
conseguinte, foram criadas diversas inovações, atendendo aos requisitos dos operadores do
direito que necessitam lidar com demandas bem mais complexas que aquelas orientadas pelos
procedimentos do código anterior, já que tratam de uma nova dinâmica social, que levam ao
crivo jurisdicional toda sorte de ações e interesses plurais. Não obstante, há de se considerar o
1
Mestranda em Direito pela UFRN.
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Bacharel em Direito pelo UNI-RN. Especializando em Direito Tributário pelo IBET. Mestrando em Direito
Constitucional e graduando em Administração pela UFRN. Advogado. Membro do Grupo Filosofia,
Direito e Sociedade da UNI-RN.
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Ada Pellegrini Grinover compreende que além do escopo social, a jurisdição compreende também objetivos
políticos e jurídicos, já que oferta um mecanismo de participação política e ao mesmo tempo oferta o caminho
para que o direito incida no caso concreto. Já Marinoni compreende a jurisdição como uma manifestação dos
fins essenciais de um tipo de Estado, ao afiançar o seguinte entendimento: Se o Estado brasileiro está obrigado
[...] a construir uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicar a pobreza e a marginalização e a reduzir as
desigualdades sociais e regionais e ainda a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor idade e quaisquer outras formas de discriminação, os fins da jurisdição devem refletir essas ideias. Assim, a
jurisdição, ao aplicar uma norma ou fazê-la produzir efeitos concretos afirma a norma de direito material, a qual
deve traduzir [...] as normas constitucionais que relevam suas preocupações básicas. (Marinoni, 2015, b p. 51 –
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Tal instituto tem o conceito proposto por Habermas: A esfera pública pode ser descrita como uma rede
adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são
filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. [...] A
esfera pública constitui principalmente uma estrutura comunicacional do agir orientado pelo entendimento, a
qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo, não com as funções nem com os conteúdos da
comunicação cotidiana. (Habermas, 1997b, p. 92)
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Por força do art. 93, inciso IX da Constituição Federal, a fundamentação das decisões judiciais deve ser
encarada como um direito fundamental dos cidadãos. A redação deste dispositivo diz o seguinte: Art. 93. Lei
complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
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A decisão somente pode ser firmada como democrática quando atender ao requisito
primordial do diálogo e colher aquilo que a sociedade anseia e manifesta através dos pleitos
realizados no processo judicial. Esse caráter eminentemente procedimental é vislumbrado por
Góes (2013, p. 183) ao afirmar que:
Terá ele (o juiz) que desenvolver a capacidade de construir essas respostas, “a partir
[...] do corpo de normas existentes na comunidade”, consistindo essa leitura da
interpretação judicial sobre as convicções comunitárias, aspecto de alta relevância
[...] eis que alusivo à [...] legitimidade democrática para as decisões judiciais.
os seguintes princípios. IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade [...].
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uma terceira categoria, a dos casos trágicos. Um caso pode ser considerado trágico
quando, com relação a ele, não se pode encontrar uma solução que não sacrifique
algum elemento essencial de um valor considerado fundamental do ponto de vista
jurídico e/ou moral.
Ambas ideias são refletidas no Novo Código de Processo Civil, cuja sistemática
conota maior importância para a argumentação desempenhada pelos julgadores do que pelo
resultado direto do julgamento, pois prioriza a compreensão do direito de forma una e
coerente, como será visto no tópico seguinte.
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente
ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se
manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
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Habermas aduz que as partes devem atuar orientadas em uma busca cooperativa pela verdade: A fresta de
racionalidade surge entre a força meramente plausibilizadora de um único argumento substancial ou de uma
seqüência [sic] incompleta de argumentos, de um lado, e a incondicionalidade de pretensão à “única decisão
correta”, de outro lado, é fechada idealizer (idealmente) através do procedimento argumentativo da busca
cooperativa da verdade. (Habermas, 1997a, p. 283)
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O poder judiciário tem o dever de dialogar com a parte a respeito dos argumentos
capazes de determinar por si só a procedência ou improcedência de um pedido – ou
de determinar por si só o conhecimento, não conhecimento, provimento ou
desprovimento de um recurso. Isso quer dizer que todos os demais argumentos só
precisam ser considerados pelo juiz com o fim de demonstração de que não capazes
de determinar conclusão diversa daquela adotada pelo julgador.
Essa preocupação é justificada, como afirma Neto (2015, p. 65), dado que a atividade
judicial brasileira “exige decisões completas e fundamentadas e estabelece a necessidade de
maior vinculação aos precedentes”. Não obstante, a garantia de uma boa fundamentação
possibilita um parâmetro concreto para revisão8 das decisões judiciais pelas instâncias
superiores, que irá avaliar os elementos jurídicos que lastreiam o julgado.
Aliás, é a partir da fundamentação9 que vão ser manejadas as técnicas de superação
dos precedentes judiciais10, onde será averiguada a adequação do julgamento com o que vem
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São direcionadas críticas, por Habermas (1997a, p. 276 – 280), aos esforços solitários de Hércules, já que
discorda a concepção monológica de um juiz que tudo sabe e não dialoga com ninguém. Partindo desse
pressuposto, Habermas afirma (1997a, p. 278): “O juiz singular tem que conceber sua interpretação construtiva
como um empreendimento comum, sustentado pela comunicação pública dos cidadãos”. Essa visão é
compartilhada por Góes (2013, p. 184) que sustenta que Hércules “não pode encapsular-se, nem tampouco
apoiar-se na imagem caricatamente construída pelo positivismo que o vê como instância de aplicação
silogística”, por isso “também deve ouvir, participando pragmaticamente dessa comunhão dialógica, absorvendo
e interferindo na produção de entendimentos capazes de concorrerem para a construção legítima de uma decisão
judicial democrática”.
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Para Habermas (1997a, p. 294 – 296), a possibilidade de revisão das decisões judiciais é uma garantia que
denomina de “auto-reflexão”, em que o diálogo ocorre de forma institucional, entre as instâncias jurisdicionais.
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Nesse sentido, Barroso (2009, p. 366): “Apenas será possível controlar a argumentação do intérprete se houver
uma argumentação explicitamente apresentada”.
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A questão dos precedentes está situada na indeterminação da atividade interpretativa. Cada magistrado produz
uma convicção acerca de uma determinada situação fática e jurídica. Apesar de conter enquadramentos jurídicos
semelhantes e os fatos serem idênticos, a valoração que é dada sofre variações. Ainda, há de se pensar na
maneira que os advogados expressam sua argumentação, já que podem consignar, em suas peças, enunciados
que alteram a percepção do julgador. Sobre precedentes, Marinoni (2015b, p. 606): “A percepção de que a norma
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é o resultado da interpretação [...] abriu espaço para que se pensasse na decisão judicial [...] como um meio para
promoção da unidade do direito. Mais precisamente, chegou-se à conclusão de que em determinadas situações as
razões adotadas na justificação das decisões servem como elementos capazes de reduzir a indeterminação do
discurso jurídico, podendo servir como concretizações reconstrutivas de mandamentos normativos. "
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De acordo com Leonardo Carneiro da Cunha, o art. 489 se alinha a um modelo de contraditório substancial, no
qual “o exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos,
implicando a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica”. Portanto, aponta que “o juiz não pode
valer-se de fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes”. Para
operacionalizar este formato, o novo CPC impõe ao juiz “o dever de submeter a debate entre as partes as
questões jurídicas, aí incluídas as matérias que ele há de apreciar de ofício. O juiz tem o dever de provocar,
preventivamente, o contraditório das partes.” (CUNHA, 2015, p. 1231)
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É interessante tomar nota do seguinte fragmento: “Em que pese a ratio decidendi se encontre na
fundamentação de decisão, a ela não corresponde integralmente – nem a nenhum dos outros elementos da
decisão judicial. Na verdade pode ser elaborada e extraída de uma leitura conjugada de tais elementos decisórios
(relatórios, fundamentação e dispositivo).” (DIDIER, 2015, p. 447)
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O outro componente obtido das decisões judiciais é o obter dictum. Trata-se de um elemento acessório
“exposto apenas de passagem na motivação da decisão judicial”, sendo “prescindível para o deslinde da
controvérsias”. (DIDIER, 2015, p. 444).
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Tradução livre: “distinguir”. Sobre o termo, Didier (2015, p. 491) afirma que o termo “distinguish” comporta
duas acepções. A primeira designa o método de comparação com o caso concreto e o paradigma, sendo previsto
nos arts. 489, §1º, inciso V e; 927, § 1º. Já a segundo significado é aplicável quando há diferença entre o caso
concreto e o paradigma, com prescrição pelo arts. 489, § 1º, inciso VI. Tem-se nisso a diferença entre o
distinguish-método e o distinguish -resultado.
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Tradução livre. “anulação”.
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Fala-se em distinguishg [...] quando houver distinção entre o caso concreto (em
julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos
fundamentais discutidos e aquelas que serviram de base à ratio decidendi (tese
jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma
aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a
aplicação do precedente.
Por seu turno, enquanto técnica de superação, tem-se o overruling17, prescrito pelo
art. 927, § 4º do Novo Código de Processo e aplicável quando “um precedente perde a sua
força vinculante e é substituído [...] por outro precedente.” (DIDIER, 2015, p. 494). A
superação pode ocorrer de forma expressa (express overruling) ou tácita (implied overrulling).
É necessário que haja diálogo entre os precedentes para que o overruling seja
operacionalizado, como explica Didier (2015, p. 495). O overrulling é verdadeira
manifestação de como o direito pode ser atualizado de acordo com a realidade na qual
pretende incidir, consoante aduz Marinoni (2015b, p. 616):
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Tradução livre: “razão de decidir”.
17
Existe outra técnica de superação consubstanciada no overriding, que dar-se “quando o tribunal apenas limita
o âmbito de incidência de um precedente, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal”
(DIDIER, 2015, p. 507)
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formal19 que a decisão judicial pode alcançar. O julgador fica adstrito a motivar todos seus
atos, pois deve ouvir as partes e deliberar em cima do que foi apresentado pelos procuradores.
Ademais, o Poder Judiciário deve estar alinhado com a sociedade, não podendo fugir
da teoria do discurso, sob pena de frustrar sua própria missão institucional e se transformar
em um órgão distante da realidade. Não restam dúvidas que a sociedade espera e anseia por
uma justiça mais célere, inclusive chega a confiar20 mais no judiciário do que nas demais
instituições públicas.
Afinal, Hesse (1991, p.18) apregoa que “a norma constitucional somente logra atuar
se procurar construir o futuro com base na natureza singular do presente.” Apesar de tratar
sobre a força normativa de Constituição, a mensagem emitida pelo autor deve ser observada
pelo Poder Judiciário no exercício da jurisdição como um todo, já que não pode ser hermético
perante a “constituição real”21.
Nessa perspectiva, um dos diálogos realizados com a sociedade é feito por
intermédio do advogado, que na elaboração de suas peças, petições e pareceres, irá colher os
elementos fáticos e realizará a construção da tese jurídica daquilo que efetivamente é tido por
justo por seu patrocinado. A formação da decisão judicial é um esforço conjunto que
compreende o diálogo dos advogados e magistrados.
Se o advogado tem a função de colher os elementos fáticos da sociedade e formular a
tese jurídica que dará sustentáculo para as medidas judiciais que se fizerem necessárias,
caberá ao julgador o dever de examinar todos os argumentos apresentados.
Portanto, fica claro que as decisões judiciais serão proferidas no limite do
contraditório desempenhado pelo advogado, o que põe fim ao chamado livre convencimento
do magistrado, adotado pela Lei nº 5.869/1973
Sob a égide dessa nova codificação, para fomentar que as decisões judiciais sejam
construídas de forma racional, a função do advogado deixa de ser meramente postulatória e
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Na teoria de Häberle (2002, p. 42), o dever de fundamentação é encarado como o parâmetro de autocontenção
do julgador e denominado como Reserva de Consistência, cujo objetivo é refletir, através dos fundamentos, o
pluralismo da aberta de intérpretes.
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De acordo com ICS-Brasil, índice utilizado pelo IBOPE para medir a confiança nas instituições públicas, no
ano de 2015, o Judiciário teve 46 pontos, em uma escala de confiabilidade que vai de 0 até 100. Enquanto isso, o
Congresso Nacional teve somente 22 pontos. Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-
br/noticias/Documents/ics_brasil.pdf Acesso em: 20 jul. 2016
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Hesse (1991, p. 15) entender por constituição real todas as como os elementos sociais, políticos, culturais e
econômicos que impulsionam a sociedade.
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5 CONCLUSÃO
No escopo de observar o papel desempenhado pela argumentação do advogado, a luz
do Novo Código de Processo Civil, se observa que a legislação impôs as partes e ao
magistrado o deve de cooperar em prol de buscar uma solução apta a pacificar a lide. Noutro
pórtico, a legislação mencionada se preocupa em produzir uma racionalização dos
precedentes judiciais, de modo a conferir mais segurança jurídica ao ordenamento.
Outrossim, o Novo Código de Processo Civil inaugura uma sistemática que
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REFERÊNCIAS
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NETO, Cláudio Pereira de Souza. O novo CPC e a fundamentação das decisões judiciais.
In: COÊLHO, Marcus Vinicius (Org.). As conquistas da advocacia no novo CPC. Brasília:
OAB, Conselho Federal, 2015. p. 45 – 62.
ABSTRACT
The following article aims to study the role played by the lawyer in
the light of the changes produced by the New Civil Procedure Law,
starting from qualitative inquiry based on the deductive method and
directed to legal and bibliographical analysis. It studies the changes in
the judicial precedents made by the aforementioned law and the new
function of the judicial decisions fundaments and the juridical
argumentation. At last, it concludes that the lawyer is co-responsible
for the formation of the judicial precedentes and is the agent
responsible for the approach between justice and society.