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ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CURSO - DIREITO
Disciplina - Direito Processual Civil IV Turma B02
Prof. Anderson Rosa Ribeiro

UNIDADE VI. DA AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO

O sistema adotado pelo legislador foi o de tratar especificamente apenas dos


procedimentos especiais. Se a lei não o tratar como especial, é porque o procedimento será
comum, devendo seguir as regras gerais estabelecidas no Livro I, Título I, da Parte Especial.

Ou seja, a Ação de Nunciação de Obra Nova, apesar não mais ser um procedimento
especial, como o era no Código de 73, segue o processo comum pelo rito ordinário. A ação não
foi extinta, apenas não adota mais procedimento especial.

O CPC atual, de forma mais técnica que o de 1973, não trata dos procedimentos
especiais em Livro próprio, porque os procedimentos especiais são apenas tipos diferenciados de
procedimento, e não de processo.

Assim, o tema dos procedimentos especiais deve compor o Livro do Processo de


Conhecimento e Cumprimento de Sentença (Título III do Livro I da Parte Especial).

Não se pode esquecer que as regras do procedimento comum aplicam-se


subsidiariamente aos processos de procedimento especial.

Assim, é possível distinguir procedimentos inteiramente especiais, que se


processam de forma completamente distinta do procedimento comum; e há os que são especiais
apenas no início, e depois prosseguem pelo comum.

Por exemplo: nas ações de exigir contas e de inventário, o procedimento distingue-


se inteiramente do comum.

Já nas ações possessórias de força nova, a única particularidade é a concessão de


liminar, com ou sem audiência de justificação, na fase inicial do processo. Ultrapassada essa fase,
o procedimento torna-se comum.

6.1. Introdução

A consignação é um mecanismo previsto na lei civil, de que pode se valer o


devedor que queira desonerar-se e que esteja em dificuldades para o fazer, seja porque o credor
recusa-se a receber ou dar quitação, seja porque está em local inacessível ou ignorado, seja ainda
porque existem dúvidas fundadas a respeito de quem deve legitimamente receber o pagamento.

As hipóteses de consignação foram previstas no art. 335 do CC. São elas:

a) Incisos I e II, do art. 335, do CC: "I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar
receber o pagamento, ou dar quitação, na forma devida; II - se o credor não for, nem mandar
receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos";

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b) a impossibilidade de o credor receber, porque é incapaz, desconhecido, declarado ausente, ou


por residir em lugar incerto ou de acesso difícil ou perigoso;

c) a dúvida a respeito de quem deva legitimamente receber;

d) a existência de litígio sobre o objeto do pagamento.

Esse rol do art. 335 não é taxativo. Pode-se dizer que a consignação será possível
sempre que o devedor quiser pagar e houver algum óbice para que o faça.

6.2. Dois tipos de ação de consignação

A lei processual trata de dois tipos diferentes de procedimento nas ações de


consignação em pagamento. São eles:

1) Um para as hipóteses em que se sabe quem é o credor, mas não se consegue


fazer o pagamento, porque ele não aceita receber ou dar quitação; ou não vai buscar o pagamento,
embora seja sua tarefa; ou está em local inacessível ou desconhecido.

2) Outro, quando houver dúvida sobre a quem deve ser feito o pagamento.

Ambos exigem que o autor deposite em juízo o valor oferecido. Mas, no primeiro,
não existe litígio senão entre o devedor e o credor; já no segundo, pode surgir uma disputa entre
os dois ou mais credores potenciais, em relação aos quais existe dúvida sobre quem deva levantar
o dinheiro.

6.3. Quais os bens que podem ser consignados?

A consignação será feita com o depósito, judicial ou extrajudicial, de dinheiro ou de outro bem
qualquer que seja objeto da obrigação, podendo ser móvel ou imóvel. É possível que o pagamento
seja feito por consignação, quando a obrigação é de pagamento ou de entrega de coisa certa,
móvel ou imóvel, por exemplo, na consignação das chaves de um imóvel, que o devedor pretende
restituir e o credor se recusa a receber.

Somente as obrigações de fazer ou não fazer é que não podem ser extintas por
consignação.

6.4. Discussão em ação de consignação em pagamento de cláusulas contratuais

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Com frequência, o devedor oferece um valor em pagamento que o credor recusa-se


a aceitar, alegando que não é suficiente, porque não respeita as cláusulas do contrato que fixam
juros, correção monetária ou multa.

O devedor alega que tais cláusulas são nulas. Surgem, então, no curso da
consignação, discussões a respeito da legalidade ou validade de cláusulas contratuais.

A ação de consignação não tem por fim declarar nulidade de cláusula


contratual, mas nela pode haver o RECONHECIMENTO INCIDENTER TANTUM DE UM
ABUSO CONTRATUAL, capaz de repercutir sobre o quantum debeatur.

Por essa razão, tem-se admitido que, no curso da consignação, se discuta a validade
ou licitude de cláusulas contratuais, em caráter incidente.

6.5. Procedimento

São dois os tipos de ação de consignação em pagamento: a fundada na recusa em


receber, cabível quando presentes as hipóteses do art. 335, I a III, do CC, e a fundada na dúvida
sobre a titularidade do crédito (art. 335, IV e V).

Àqueles, pode acrescentar-se um terceiro tipo, que é a consignação de alugueres,


prevista na Lei n. 8.245/91.

6.5.1. Consignação fundada na recusa em receber

6.5.1.1. Competência

Variará conforme a natureza da dívida. Sendo portável (o devedor procura o


credor), a ação deve ser proposta no foro de domicílio do réu, e, se quesível (o credor adota as
medidas para receber do devedor), no domicílio do devedor-autor.

A razão é simples: se portável, o devedor deve buscar o credor para fazer o


pagamento.

Portanto, a competência será do domicílio deste; e, se quesível, é o credor que tem


de buscar o pagamento com o devedor.

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6.5.1.2. Legitimidade

Tem legitimidade ativa quem pode fazer o pagamento. O principal legitimado é o


devedor; se tiver falecido, o espólio, enquanto não tiver havido a partilha, ou os herdeiros, depois
dela.

6.5.1.3. O depósito

A consignação pressupõe que o devedor ofereça ao credor determinada quantia ou


bem, para o cumprimento de sua obrigação. É necessário que ele efetive o depósito do dinheiro ou
da coisa oferecida.

Se o objeto da consignação for pagamento em dinheiro, o depósito pode ser judicial


ou extrajudicial; se for determinada coisa, só cabe o depósito judicial.

6.5.1.3.1. Depósito extrajudicial

Só podem ter objeto obrigações em dinheiro. É opção do credor, que, antes de


ingressar em juízo, pode depositar o valor em estabelecimento bancário situado no lugar do
pagamento, em conta com correção monetária, cientificando o credor por carta com aviso de
recepção. Recebida a carta, o credor tem prazo de dez dias para manifestar a sua recusa (art. 539,
§ 1°, do CPC). O prazo de dez dias conta-se da data de retorno do aviso de recebimento.

A recusa deve ser manifestada por escrito ao estabelecimento bancário em que o


depósito foi efetivado. Embora haja alguma controvérsia, prevalece o entendimento de que deve
ser fundada, cumprindo ao credor expor as razões pelas quais não o aceita.

Não havendo recusa no prazo, reputa-se o devedor liberado da obrigação, ficando o


dinheiro depositado à disposição do credor. Não terá havido ação de consignação em pagamento,
mas apenas consignação extrajudicial.

Quando houver recusa, manifestada no prazo, o devedor ou qualquer legitimado


deverá ajuizar a ação de consignação no prazo de um mês, instruindo a petição inicial com a
prova do depósito e da recusa. O prazo corre da data em que o devedor toma conhecimento da
recusa do credor.

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Caso a ação não seja proposta no prazo, o depósito fica sem efeito; e poderá ser
levantado pelo devedor. Isso não impede que ele. oportunamente, proponha ação de consignação.
O devedor não perde esse direito, por não o ter feito, no prazo de um mês. Mas a eficácia
liberatória só existirá a partir do novo depósito, não do anterior.

Proposta a ação no prazo de um mês; o devedor estará livre das consequências da


mora, como, por exemplo, os juros, salvo se ela for julgada improcedente.

6.5.1.4. Petição inicial

Deve preencher os requisitos do art. 319 do CPC, sendo fundamental que o autor
indique a quantia ou a coisa oferecida. Se for montante em dinheiro, deve indicar como chegou a
ele, declinando os encargos acrescidos, o tempo, o modo e as condições de pagamento.

Na.petiçãojnicial, o autor requererá o depósito do valor ou da coisa, no prazo de


cinco dias. Caso tenha depositado extrajudicialmente o valor, instruirá a inicial com o
respectivo comprovante.

Nada impede que, em vez de requerer o prazo para o depósito, o autor já o


comprove, no momento do ajuizamento da ação. Caso esteja em mora, deve depositar o valor do
débito, com todos os encargos.

Havendo prestações sucessivas, consignada a primeira, o devedor poderá continuar


a consignar as demais, à medida que se forem vencendo, no curso do processo, em até cinco dias,
contados da data do vencimento (CPC, art. 541).

O art. 543 do CPC trata da hipótese de a coisa objeto da obrigação ser


indeterminada: “Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao credor,
será este citado para exercer o direito dentro de cinco dias, se outro prazo não constar de lei ou do
contrato, ou para a~itar que o devedor a faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar
lugar, dia e hora em que se fará a entrega, sob pena de depósito”.

6.5.1.4.2. Contestação

Caso o réu não aceite a oferta, o prazo para oferecer contestação é de quinze dias.
O art. 544 enumera as principais matérias que o réu pode alegar em contestação.

Ele pode dizer que:

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“I - não houve recusa ou mora em receber a quantia ou a coisa devida; lI - foi justa
a recusa; III - o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento; IV - o
depósito não é integral”.

O parágrafo único acrescenta que, no caso do inciso IV, a alegação só será


admissível se o réu indicar o montante que entende devido.

Esse rol não é taxativo. O réu pode alegar as matérias preliminares enumeradas no
art. 337, do CPC. E, no mérito, qualquer fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do
autor.

Admite-se a reconvenção em ação de consignação em pagamento. Não há óbice


procedimental já que, feito o depósito, a consignação seguirá o procedimento comum. Em caso
de alegação de insuficiência de depósi:o, a consignação será dúplice, o que tornará desnecessário
ao réu reconvir para postular eventual diferença. Mas a reconvenção poderá ser apresentada para
que o réu formule outras pretensões, que não a de condenação ao pagamento do saldo.

6.5.1.4.3. Fase instrutória e decisória

Não há particularidades quanto à instrução nas ações consignatórias, podendo o


juiz determinar, de ofício ou a requerimento das partes, todas as provas necessárias à formação de
seu convencimento.

Julgada procedente a consignação, o juiz declarará extinta a obrigação, condenando


o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios. O juiz ainda autorizará ao réu o
levantamento da coisa ou valor depositado, descontando-se aquilo que for devido ao autor, em
razão de custas e honorários.

Se o juiz julgar IMPROCEDENTE a ação, o depósito inicial não terá efeito


liberatório e poderá ser levantado pelo autor, salvo nos casos de insuficiência, em que o réu
poderá levantá-lo, havendo liberação parcial.

A sentença que ACOLHE a consignação é meramente declaratória, pois se limita


a declarar a extinção da obrigação, e de seus efeitos reflexos, desde o momento em que o
depósito tiver sido efetivado. Nos casos de insuficiência de depósito, ela terá natureza
declaratória, no que se refere à extinção parcial do débito, e caráter condenatório, quanto ao saldo
remanescente que puder ser apurado.

6.5.2. Consignação fundada em dúvida quanto à titularidade do crédito

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É aquela fundada nos incisos IV e V, do art. 335, do CC. Não há recusa do credor
em receber, mas, sim, dúvida a respeito de quem tenha essa qualidade.

A razão é afastar o risco de pagar à pessoa errada, com o que não se obterá o efeito
liberatório da obrigação.

Por exemplo: Um imóvel que fica na linha limítrofe entre dois municípios recebe o
carnê de IPTU dos dois. Nesse caso o devedor sem saber a quem realizar o pagamento deposita a
quantia em juízo e requer a citação dos dois munípios para levantarem o valor.

Outro exemplo: Com o falecimento do credor, podem surgir dúvidas a respeito de


quem seja o legítimo sucessor; ou podem surgir questões decorrentes de uma cláusula obscura ou
mal redigida em um contrato, que não permita identificar a quem deva ser dirigido o pagamento.

6.5.2.1. Procedimento

6.5.2.1.1. Petição inicial

A ação será ajuizada em face de todos aqueles que tenham a possibilidade de ser
reconhecidos como credores. Na petição inicial, o autor exporá as razões pelas quais tem dúvidas
a respeito de a quem deva ser feito o pagamento. Conquanto ela precise ser séria e fundada, o juiz
deve ter tolerância, uma vez que o devedor não pode correr o risco de pagar mal, sob pena de ter
de fazê-lo novamente. Ele receberá a inicial, ainda que o risco de equívoco seja pequeno, pois só
o fato de ele existir já justifica a consignação. Somente em caso de inexistência de dúvida, quando
a titularidade do crédito for evidente e indiscutível, ele indeferirá a inicial.

Havendo, entre os potenciais credores, litígio judicial a respeito da titularidade do


crédito, a consignação se justifica com ainda mais razão. O art. 334 do CC estabelece que “o
devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos
pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento”.

6.5.2.2. Depósito e citação

Se o autor não efetuar o depósito da quantia ou coisa já de início, o juiz


determinará que o faça em cinco dias.

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Somente depois, será determinada a citação dos réus. Se o depósito não for feito, o
processo será extinto sem resolução de mérito.

6.5.2.3. As diversas posturas que os réus podem assumir

O art. 548 do CPC traça um panorama das várias possibilidades, conforme as


posturas que os réus venham a assumir. Pode ocorrer que:

1) nenhum deles compareça a juízo. A lei determina que o depósito converter-se-á em arrecadação
de coisas vagas, aplicando-se, a partir daí, o procedimento do art. 746 do CPC;

2) Apenas um dos potenciais credores compareça reclamando a coisa para si. Nesse caso, o juiz
decidirá de plano, salvo quando a revelia não produzir efeitos, em relação aos demais;

3) Dois ou mais dos potenciais credores apareçam, postulando o levantamento da quantia ou coisa
depositada. De acordo com o art. 548, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação,
continuando o processo unicamente entre os presuntivos credores, caso em que se observará o
procedimento comum.

Para que o juiz libere o devedor, é preciso que o depósito seja suficiente.

6.5.2.4. A segunda fase

Quando dois ou mais credores comparecerem reclamando o depósito, o juiz


extinguirá a obrigação do devedor, e o excluirá, prosseguindo-se apenas entre eles, para que se
decida a quem compete o levantamento.

6.5.6.3. Consignação de alugueres

Além das duas já examinadas, há uma terceira espécie de ação, cujo procedimento
se distingue dos demais: a ação de consignação em pagamento de alugueres, regulada nos arts. 67
e ss., da Lei do Inquilinato.

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O procedimento se assemelha ao da consignação comum, mas há algumas


particularidades que o distinguem. São elas:

Na consignação de alugueres, estando em termos a petição inicial, o juiz, no


mesmo despacho, ordena a citação do réu, e determina o depósito do valor oferecido, no prazo de
24 horas.

Na consignação de alugueres, como a prestação é periódica, o autor depositará os


que se forem vencendo no curso do processo, tal como na consignação comum. Mas naquela, a lei
é expressa: o limite dos depósitos é a sentença (art. 67, III, da Lei do Inquilinato), ao passo que na
consignação comum não há previsão legal, prevalecendo o entendimento de que poderá ser feita
até o trânsito em julgado.

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