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DIREITO E LÓGICA. LÓGICA FORMAL E LÓGICA NÃO-FORMAL.

SILOGISMO JUDICIAL. DIREITO E DERROTABILIDADE

Extraí do Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UFPR o contexto desta dissertação.


Examinando Projeto, observei que o Departamento de Direito guia-se pelo “[…] desenvolvimento
do pensamento crítico […] fundado na complexidade, na hipertextualidade, na virtualidade e na
auto-organização e na busca de formar profissionais/cidadãos do saber-ser e não meramente do
saber-fazer […]” (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE DIREITO DA UFPR, 2015) 1.
Pensando nessa exigência e em como poderia estabelecer uma relação dialética com ela para
contribuir com essa dissertação na realização do perfil do egresso, proponho a seguinte tese: se
compreensão da argumentação jurídica como lógica formal e não-formal, então desenvolvimento do
saber-fazer e do saber-ser do discente de Direito da UFPR.

1.
O silogismo judicial refere-se à fundamentação do juiz para dar conta às partes do
processo das razões da decisão judicial de um modo e não de outro. No Brasil, de
acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 93, IX, todas as decisões dos
órgãos do poder judiciário precisam ser fundamentadas. De acordo, com o CPC/15,
artigo 489, §1o, a fundamentação da decisão judicial não pode se limitar a uma
paráfrase de ato normativo prévio, nem ao uso de conceitos jurídicos indeterminados,
não pode ser mera invocação de precedente judicial ou súmula. Ela precisa enfrentar
todos os argumentos que possam desqualificá-la, seguir enunciado de súmula,
jurisprudência ou precedente invocado pela parte, salvo se demonstrar a desconexão
do alegado com o caso concreto ou a superação do entendimento. Portanto, a decisão
judicial é uma exigência legal que precisa ser feita de acordo com parâmetros legais
em cumprimento à Constituição e ao Código de Processo Civil.

Na motivação ad intra da sentença, o magistrado atem-se exclusivamente aos autos


do processo e à lei. Na Teoria Pura do Direito (1934), Hans Kelsen criou a ciência
jurídica como dever-ser em reação ao Positivismo Sociológico de Leon Duguit,
dente outros, que privilegiava o ser, isto é, ao fenômeno empírico do Direito (Costa).
Essa opção, levou-o a reconhecer o direito como normas legitimadas pelo Estado
capazes de ordenar coercitivamente a vida social e a confinar a sentença aos
elementos ad intra do processo. O direito baseava-se no formalismo estatal, por isso,
não considerava a moral e nem a legitimidade da norma. Bastava que fosse eficiente
para constranger o comportamento humano de certa maneira de modo que se a pessoa
a ele se ajustasse não haveria sanção a aplicar ou não se ajustando, apenar. De acordo
com isso, a justificação da intuição da sentença, diferentemente de Langdell que
considerava possível chegar a uma única resposta para um caso jurídico (?), Kelsen
considerava que a decisão de determinado caso concreto tinha mais de uma
possibilidade igualmente válida. Para chegar a essa decisão, o juiz devia transformar
a silogismo formal em silogismo normativo porque a decisão era mais do que a
inferência dedutiva que se faz das premissas à conclusão. Tratava-se de um ato de
vontade do juiz, um decisum que se impunha às partes da lide. Portanto, de acordo
1 PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE DIREITO DA UFPR. Curitiba: Departamento de Direito da UFPR,
2015.
com o positivismo normativista, a sentença judicial era, assim, um ato de produção
normativa que dava continuidade à normatização legislativa.
O Positivismo Normativista tornou-se a referência jurídica da primeira metade do
século XX na Europa e no Brasil porque a aplicação exclusiva da lei gerava
segurança jurídica e a uniformização das decisões permitia a sua previsibilidade nos
casos similares. Isso era muito importante para a estabilidade política do Estado
burguês oriundo das revoluções inglesa, americana e francesa e para a expansão do
capitalismo (Costa). Todavia, o sistema kelseniano passou por uma crise grave da
qual parece jamais se recuperará. Kelsen fechou a coerência do Direito sobre a norma
fundamental que nos regimes democráticos de governo parece que remeteria ao poder
constituinte originário da Constituição e nas autocracias, ao ditador. Como o direito
nessa perspectiva precisa ater-se apenas à forma para ter validade, então, qualquer
direito positivo criado pelo Estado é válido porque a justiça ou a injustiça da lei não é
levada em conta. Todavia, a Segunda Guerra Mundial instaurou uma crise no
Positivismo Normativista que abalou para sempre o seu prestígio. O Nazismo e
outros regimes totalitários fizeram uso da teoria da validade formal do direito para
criarem justificadamente, diziam, suas leis contra judeus, ciganos e negros e
implantarem um Estado selvagem de Direito.
Alinho-me à crítica ao Positivismo Normativista de Gustav Radbruch. Em 1945,
assim que terminou a Guerra, Radbruch dirigiu-se aos discentes de Heidelberg e
disse: “Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que
deixou sem defesa e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais
criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer
que só onde estiver a segunda estará também o primeiro”. (Cinco minutos da
Filosofia do Direito). A crítica de Radbruch também é aceita pelo positivista Norberto
Bobbio (…). Portanto, a Positivismo Normativista por reduzir o direito a um ato
formal do Estado e subscrever sua aprovação à lei seja ela qual for deve receber a
devida resistência teórica e política daqueles que consideram que e teleologia da lei é
a justiça histórica construída das experiências de dor e alegria da sociedade.

O reconhecimento da limitação da fundamentação da decisão judicial que se baseia


no solipsismo do juiz seja aquela que buscava a verdade real (LANGDELL) seja a
que admitia mais de uma escolha para a decisão (KELSEN), leva-nos assumir,
conforme preceitua a LINDB nos artigos 4o e 5o, que a motivação da sentença não
pode limitar-se à abordagem ad intra porque necessariamente deve-se lhe acrescentar
a abordagem ad extra para garantir que a decisão não seja apenas de acordo com a lei
e conforme a justiça.

O contexto da justificação ad extra ajuda a compor o convencimento das partes e da


sociedade em geral de que a sentença é de fato e de direito adequada e justa.
Conforme o artigo 489 da Lei No 13.105/15, a sentença deve ser composta de três
partes: o relatório, os fundamentos e o dispositivo.
2.
Derrotabilidade das normas jurídicas (VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O
conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.Tese (Mestrado em Direito) –
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.
Hebert Hart. O conceito de Direito. Lisboa: FCG, 1986.
Conceito: derrotabilidade da norma jurídica é o afastamento de sua aplicação no caso
concreto devido a alguma hipótese de exceção. Por ex. Enunciado aberto do texto
legal, demonstração de exceção da norma no caso concreto. Trata-se de uma ação
interpretativa no qual se demonstra que daquele caso, a regra jurídica deve ser
afastada a bem do justo.

3. Lógica não-formal
Lógica informal:uma visão geral ( Ralph Johnson e J. Blair- Revista Eletrônica de
Estudos Integrados e Argumentação, v. 20. n. 2, p. 93/107, 2000)
Falácias como inferência inapropriada e como estratégia
A lógica contemporânea considerou que o texto científico necessitava de uma precisão que só seria
obtida pela construção de uma linguagem própria, diferente daquela usada no cotidiano. Por isso,
devia-se deixar a lógica clássica de lado e construir um modelo linguístico próprio à ciência
moderna. Charles Morris na obra Fundamentos da teoria dos signos (2015)2 faz da análise lógica
uma análise linguística através da Semiótica que deu sequência a esse intento, porém, de modo
particular porque não matematizou a Lógica como Frege fez. Trata-se da teoria da semiose, isto é,
quando algo funciona como signo de outra coisa. A unidade compreensiva do texto é composta, de
acordo com Morris, pela sintaxe, semântica e pragmática. Pela sintaxe, opera-se a relação entre os
signos no interior do texto. Isso significa que o texto produzido pelo cientista para descrever e
prever as leis de determinado objeto são definidas por ela, levando-se em conta principalmente na
relação entre o sujeito e o predicado. A semântica, por sua vez, designa a relação entre o signo e o
designato, isto é, aquilo a que o signo se refere. A pragmática refere-se à relação entre os signos os
seus intérpretes.
4.
A tese que propus no início dessas linhas foi se compreensão da argumentação jurídica como lógica
formal e não-formal, então desenvolvimento do saber-fazer e do saber-ser do discente de Direito da
UFPR. Os argumentos precedentes priorizam o conteúdo e pareceram-me razoavelmente ajustados,
por isso, na conclusão julgo importante focalizar a pedagogia porque é ela que empoderará ou não o
discente. Por isso, em face dos argumentos precedentes, que não se estabelecerão sozinhos, passo a
expor o meu contributo ao saber-fazer e ao saber-ser na formação jurídica a partir do docente.
Começo afirmando a necessidade de uma opção pedagógica que se alinhe com a concepção
libertadora do Direito. Optei desde 2010, quando lecionei no Curso de Direito da Faculdade de
Minas Gerais, pelo Construtivismo, que se baseia na educação do corpo inteiro, levando o (a)
estudante a desenvolver o raciocínio complexo, isto é, ao desenvolvimento de suas potencialidades
mentais, relacionais, sentimentais e físicas de modo a capacitá-lo (a) a ação crítica na sociedade.
Essa abordagem se opõe à tecnicista porque enquanto essa é exógena e aposta na repetição para que
a aprendizagem ocorra, aquela é: “ […] sem pré-formação exógena (empirismo) ou endógena
(inatismo) por contínuas ultrapassagens das elaborações sucessivas, o que, do ponto de vista
pedagógico, leva incontestavelmente a dar toda ênfase às atividades que favoreçam a
espontaneidade [discente]” (PIAGET, 1996, p.10-11)3. Essa teoria parece ajusta-se àquilo que o

2 MORRIS, Charles. Fundamentos da teoria dos signos. Covilhã, Portugal: Universidade Beira Interior, 2015.
3 PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
Projeto Pedagógico de Curso de Direito da UFPR estabeleceu como perfil do egresso e também
oferece uma continuidade metódica que os discentes do 1 o ano de curso estão acostumados em
razão das diretrizes normativas da BNCC.4 O segundo motivo é pedagógico. A teoria piagetiana
estabelece uma conexão entre teoria e prática que favorece uma pedagogia que se propõe crítica e
transformadora da pessoa e da sociedade à medida que privilegia a prática educativa a partir do
discente. A opção teórica mencionada necessita de uma estratégia de ensino que lhe corresponda,
isto é, que lhe faculte ser executada no ensino-aprendizagem. Uma abordagem tradicional que
privilegie exclusivamente a transmissão de conteúdo seria inadequada porque a metodologia
mostrar-se-ia em dissonância com a teoria. O discente não estaria no protagonismo de sua
aprendizagem, o conteúdo é que estaria. Por isso, a metodologia ativa, aprendizagem baseada em
projeto, em problema, na gamificação, na sala de aula invertida e na aprendizagem em pares, é
bastante adequada à abordagem construtivista do ensino-aprendizagem porque põe o discente no
centro do ensino, estimulando-o ao prazer de estudar segundo os seus interesses e, com isso, a se
constituir um (a) cidadão (ã) consciente, crítico e promotor da Democracia e do espírito
republicano. Ao Construtivismo e à metodologia ativa, acrescento a sequência didática, de modo a
promover um encadeamento temático que ofereça ao discente uma visão de conjunto do que está
sendo ensinado. Essa seria uma excelente oportunidade para implementar a interdisciplinaridade
e/ou a transdisciplinaridade porque a visão de conjunto do discente passa a ser de mais de uma
disciplina sob o mesmo tema. Por fim, o plano de aula no qual se pense cuidadosamente cada etapa
da aula de modo a fazer do discente o responsável por sua aprendizagem movido pelo prazer de
estudar e não pela necessidade de uma nota.
Portanto, a compreensão qualificada da lógica formal e informal no Direito é um conhecimento ao
qual docente e discente devem voltar para que o Direito, como ciência social aplicada, use esse
conhecimento para cumprir a sua missão como força promotora de uma justiça histórica,
democrática fundada no direito subjetivo fundamental do devido processo legal.

4 BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP No 2, 22 de dezembro de 2017. República Federativa do


Brasil, Brasília, DF, 22 de dezembro de 2017.

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