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CIÊNCIA E FILOSOFIA.

DISTINÇÕES E APROXIMAÇÕES

Sumário: 1. Introdução 2. Distinções 2.1 Ciência como conhecimento


regional/Filosofia como sistema 2.2 Ciência como indução/ filosofia como dedução
2.3 Ciência como experimento/ filosofia como discurso 2.4 Ciência como
tecnologia/filosofia como conceito 2.5 Crítica 3. Aproximações 3.1 Ciência como
descrição ativa dos fatos e filosofia como hermenêutica 3.2 Ciência como leis gerais
indutivas e filosofia como lógica 3.3 Ciência como técnica e filosofia como ética 4.
Crítica 5. Conclusão

Extraí do Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UFPR e da Base Nacional Comum


Curricular contexto desta dissertação. Examinando Projeto, observei que o Departamento de Direito
guia-se pelo “[…] desenvolvimento do pensamento crítico […] fundado na complexidade, na
hipertextualidade, na virtualidade e na auto-organização e na busca de formar profissionais/cidadãos
do saber-ser e não meramente do saber-fazer […]” (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE
DIREITO DA UFPR, 2015)1. Essa intenção revela que a Instituição está comprometida com uma
formação equilibrada jurídica e humanística de seus egressos. Nesse contexto, o docente precisa
ajudar o discente a ver as distinções a as aproximações entre Ciência e Filosofia para evitar
concepções reducionistas e considerar a relação dialética entre ambas. Na Base Nacional Comum
Curricular (RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2017), 2 vi que os futuros
discentes de Direito no Brasil estão sendo formados como protagonistas do conhecimento nos três
níveis da Educação Básica: Infantil, Fundamental e Médio. Qual é a exigência que o Projeto do
Curso de Direito da UFPR e a Base Nacional Comum Curricular fazem ao docente da Filosofia do
Direito e Metodologia do Trabalho Científico em Direito da UFPR? Nesta dissertação, respondo
essa questão com a tese: se compreensão qualificada das distinções e aproximações da relação
Ciência e Filosofia, então formação técnica e humanística do discente de direito da UFPR.

As distinções mais importantes entre ciência e filosofia situam-se, a meu juízo, nos opostos ciência
como conhecimento regional e filosofia como sistema, ciência como indução e filosofia como
dedução, ciência como experimento e filosofia como experiência, ciência como tecnologia e
filosofia como conceito. Sobre ciência como conhecimento regional e filosofia como sistema, pode-
se dizer que Francis Bacon fez um recorte na tradição filosófica ocidental separando ciência de
filosofia. (Novo órganon, 2014)3 A ideia de filosofia como sistema nasceu quando os pré-socráticos
romperam com a concepção mítica e substituíram-na pela interpretação racional: o logos. Tales de
Mileto, por exemplo, alegou que a água era a arché que sustentava a physis e a explicava
(HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA. REALE; ANTISERI, 1999, cap. II) 4 O conhecimento dos
filósofos pré-socráticos em geral caracterizava-se, portanto, pela simbiose entre ciência e filosofia.
Nessa mesma linha, Sócrates, Platão e Aristóteles distinguiram doxa de episteme. Sócrates fez isso
recorrendo à maiêutica porque considerava que esse método podia levar interlocutor ao
conhecimento verdadeiro. Platão disse que episteme “[…] é mais válida do que a opinião legítima e
difere desta pelos seus nexos”. Aristóteles alegou que ela é o conhecimento demonstrativo
(EPISTEME IN: ABBAGNANO, DICIONÁRIO DE FILOSOFIA). 5 Essas noções de episteme
capitulam o sentido de sistema, isto é, proposições integradas, não-contraditórias à semelhança de

1 PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE DIREITO DA UFPR. Curitiba: Departamento de Direito da UFPR,


2015.
2 BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP No 2, 22 de dezembro de 2017. República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 22 de dezembro de 2017.
3 BACON, Francis. Novo órganon. São Palo: Edipro, 2014.
4 REALE, Geovani; ANTISERI, Dario. História da filosofia antiga. 3a ed., v. 1, São Paulo: Martins Fontes, 1999.
5 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
um organismo. Portanto, a filosofia clássica caracterizou-se pela compreensão englobante da
realidade. A noção de filosofia como sistema permaneceu inabalável até o advento das ciências
regionais, cujo divisor de águas foi Francis Bacon. No “Novo órganon” da ciência, de 1620, Bacon
criticou a modelo que a tradição filosófica seguia. Ele se opôs ao modelo silogístico porque esse
procedimento não produzia conhecimento seguro, por isso, o conhecimento que se tinha eram
aberrações, afirmou. A dedução, portanto, era caminho de erros e, além disso, não produzia
conhecimento novo. Devido a essa constatação, Bacon propôs que se fosse aos fatos e chamou esse
procedimento de “interpretação da natureza” (2014, XXVI). Nesse procedimento, era necessário
precaver-se de ídolos da mente. Os ídolos da tribo deviam ser evitados porque o intelecto humano,
ao contrário do que dizia a tradição, não era luz pura. A vontade e os afetos influenciavam-no e o
resultado era que criava a verdade que queria e não como era. Os ídolos da caverna deviam ser
evitados porque o apego ao senso comum afastava do conhecimento preciso. Os ídolos do foro
também deviam ser evitados porque quando se era guiado por ele envolvia-se num emaranhado de
palavras imprecisas cujo resultado eram proposições contraditórias e obscuridades. Os ídolos do
teatro ou das teorias sublinhavam a resistência decisiva de Bacon a aristotélica e a Pitágoras.
Portanto, o intelecto humano só poderia acessar o conhecimento indo aos fatos e fazendo induções
corretas, isto é, ajustadas ao experimento (2014, CV). A posição de Bacon impôs a necessidade de
se constituir os campos próprios das ciências regionais a parte do modelo sistêmico da filosofia. A
crítica de Bacon e a sua defesa da ciência como saber indutivo ajudou a operar a distinção entre os
campos. Portanto, a partir dos opostos regional-sistema, pode-se concluir que as ciências da
natureza, as ciências humanas e as ciências sociais aplicadas distinguem-se da filosofia por sua
regionalidade, isto é, por atuarem sobre um objeto específico enquanto que a filosofia, de modo
geral, conserva-se na perspectiva sistêmica, procurando sentido coerente do todo.
A crítica de Bacon à filosofia como sistema foi muito necessária e sóbria. A necessidade decorre
da priorização da experiência sobre a contemplação. A sobriedade aparece na preservação daqueles
conhecimentos da tradição filosófica que se alinham ao “Novo órganon” e, por isso, somam-se a
ele.

A segunda distinção entre ciência e filosofia ocorreu na inferência e na dedução. A primeira, refere-
se ao experimento científico; a segunda, à filosofia. Aristóteles afirmou que o conhecimento
verdadeiro é o demonstrativo, isto é, decorre da dedução. Por exemplo: todos os homens são
mortais; Sócrates é homem; logo, Sócrates é mortal. O termo médio homem opera a conexão
necessária entre as extremidades. Sócrates é mortal porque é homem. Aristóteles afirmava que esse
conhecimento era verdadeiro porque a dedução feita do geral – todo homem – para o particular –
Sócrates – apoiava-se na evidência demonstrável da mortalidade humana. Entretanto, sobre a
indução, Aristóteles disse que era conhecimento provável. Se digo: Juarez, rapaz inteligente, é
estudante de Direito da UFPR; Joana, Marli e Juca, jovens inteligentes, são estudantes de Direito
da UFPR; logo, provavelmente, todo estudante de Direito da UFPR é inteligente. Essa conclusão se
refere a um fato, por isso, é uma probabilidade e não conhecimento verdadeiro. A indução só
afirma a inteligência dos quatro estudantes citados, sobre os demais tanto pode estar certa quanto
pode estar errada. Por isso, Aristóteles afirmou que a indução não é demonstrável, logo não podia
construir conhecimento verdadeiro desse modo (DEDUÇÃO IN: ABBAGNANO, 2007). Todavia,
foi exatamente contra esse argumento que Bacon se levantou. Chamou essa forma de indução de
pueril porque ela decorre de uma observação geral. Para as ciências era necessário experimentos
que permitissem o máximo de eliminações e exclusões para concluir alguma coisa que se referisse à
substância do fato (NOVO ÓRGANON, 2014). Portanto, a segunda distinção entre ciência e
filosofia clássica está na indução para a ciência e na dedução para a filosofia.
A crítica que Bacon fez a dedução e à indução de Aristóteles é pertinente se admitirmos, como ele o
fez, que o ponto de partida é a experimentação controlada. Nesse sentido, falar que Sócrates é
mortal porque todo homem é mortal é tautologia porque se afirma algo que está na premissa maior.
A dedução Aristotélica tem sentido restrito à cognição do filósofo que de um dado geral de
realidade concluiu algo particular. Como a natureza é muito mais esquiva, o raciocínio dedutivo se
torna inútil. Era preciso outra forma de investigação da natureza que só a indução feita a partir de
experimentação controlada pode facultar. Isso não implica que a crítica de Aristóteles à indução
esteja superada. Esse problema foi levantado por David Hume e depois por Karl Popper, Thomas
Kuhn e Paul Feyerabend.

A terceira distinção entre ciência e filosofia é que aquela se apoia no experimento enquanto esta na
experiência de uma descoberta casual ou mais geral. Bacon pôs o experimento, isto é, a observação
controlada que pretende responder a um problema específico de cunho social ou da natureza como o
meio idôneo para se obter o conhecimento científico. Segundo ele, o experimento diferia da
experiência porque enquanto essa era casual e devido a isso justificava-se por argumentos
dedutivos, aquele apoiava-se num problema posto no horizonte de uma hipótese que por meio do
experimento poderia ser confirmada ou rejeitada. Os resultados divulgados seriam provisórios e isso
daria o caráter dinâmico da ciência e o distanciamento de dogmatismos (NOVO ÓRGANON,
2014). Portanto, a distinção entre ciência e filosofia também ocorre no método porque enquanto a
ciência recorre ao método experimental para investigar um problema específico e daí afirmar algo
sobre ele, a filosofia recorre ao discurso mais geral a partir de situações da vida e, por isso, não
controladas.
A separação dos campos da ciência e da filosofia como proposta por Bacon levou a uma diferença
de status do conhecimento no qual a ciência ocupou o primeiro lugar e a filosofia foi posta num
nível subalterno. Hoje, essa assimetria está superada porque a epistemologia contemporânea,
especialmente, na crítica do indutivismo eliminou essa diferença.

A quarta distinção entre ciência e filosofia é que o conhecimento científico visa à produção
tecnológica enquanto que o conhecimento filosófico, o conceito. Francis Bacon considerava que a
ciência tinha em vista o bem-estar humano na medida em que o conhecimento fosse transformado
em instrumento de intervenção da natureza. Na Nova Atlântida, imaginou uma cidade fictícia na
qual reinava a igualdade e a justiça. Nela não havia fome, as doenças eram controladas e a
longevidade foi alcançada. A ciência ocupava um lugar destacado na cidade porque os mercadores
da luz tornavam o conhecimento um instrumento a favor da vida na medida em que dominavam os
fenômenos da natureza e os usavam para o bem de todos. 6 Esse ideal de ciência defendido por
Bacon continua sendo a pretensão da razão científico-técnica. A filosofia, por sua vez, é logos
porque pesa o grau de veracidade dos argumentos antes de admiti-los como verdadeiros ou falsos e,
em geral, não faz experimentos ao modo da ciência. Além disso, ela desdobra-se sobre si criando
novos problemas para facilitar a compreensão do mundo. Na medida em que a filosofia trabalha a
crítica e a reflexão formulando e reformulando ideias, ela é um pensamento tipicamente conceitual.
Portanto, ciência e filosofia operam em campos próprios e, por isso, são conhecimentos distintos
um do outro.

Se questiono-me sobre o modo como a primeira parte da dissertação conecta-se à tese - se


compreensão qualificada das distinções e aproximações da relação Ciência e Filosofia, então
formação técnica e humanística do discente de direito da UFPR -, suspeito que isso poderá ocorrer
no plano da técnica jurídica porque o discente estará capacitado ao saber-fazer dedutiva e
indutivamente. A habilidade dedutiva será eficiente quando estiver diante de um caso no qual as
provas não estão acessíveis. Nessa situação, lembrará que partindo de premissas gerais para a
conclusão, poderá elaborar um raciocínio jurídico persuasivo capaz de fazer valer seus interesses no
processo apoiado na certeza que o raciocínio jurídico dedutivo tem pertinência teórica ancorada na
solidez do argumento. A esse respeito, parece-me pertinente a lembrança de Jörn Rüsen feita por
Luiz Fernando Lopes Pereira para se produzir conhecimento histórico linkado às demandas do
presente (PEREIRA, Luís Fernando Lopes, 2020).7 Todavia, saberá dos limites do texto produzido

6 BACON, Francis. Nova Atlântida. São Paulo: Edições 70, 2008.


7Movimentos sociais, terra e cidadania nos tempos de JK: estudos sobre a Revolta dos Posseiros no
sudoeste paranaense. (1957) [recurso eletrônico] / Luís Fernando Lopes Pereira -- Porto Alegre, RS:
porque aprendeu com Bacon e com a tradição indutiva da ciência sobre a fragilidade inerente à
dedução. Assim, se o caso concreto permitir será mais efetivo no seu saber-fazer se optar pela
técnica indutiva na elaboração da peça jurídica. Isso significa que partirá da situação fática e
elaborará o texto jurídico movendo-se do particular para o geral. A esse respeito, faz bem mencionar
Roberto Lyra Filho e um de seus frutos mais desenvolvido: o direito achado na rua que se constrói
diante do rosto do outro na dor a na alegria desses olhares (COSTA, Alexandre Bernardino, 2013).8

Feitas as distinções entre ciência e filosofia, segue-se para as aproximações. A nosso juízo, estas
são, sem a pretensão de esgotar as possibilidades, ciência como descrição ativa dos fatos e filosofia
como hermenêutica, ciência como leis gerais indutivas e filosofia como lógica, ciência como
técnica e filosofia como ética.

A primeira aproximação entre ciência e filosofia é que aquela faz uma descrição ativa dos fatos e a
filosofia realiza a interpretação desses fatos. Claude Bernard, disse que “a simples constatação dos
fatos nunca chegará a constituir uma ciência” porque dados sem interpretação são vazios. Para
fazerem sentido, eles precisam ser concatenados adequadamente (BERNARD, 1984, I, 1, § 4 o )9. A
hermenêutica capacita o cientista a interpretá-los num todo coerente ao qual o nome ciência seja
adequado. Sobre isso, Claude Bernard disse que “pode-se juntar fatos e observações, mas isso não
levará à compreensão de nada”. Por exemplo, os experimentos feitos para descobrir a configuração
genética do coronavírus da Covid-19 não parou na sua descoberta. Foi preciso interpretar esse dado
comparando, excluindo, incluindo outros que estavam fora para que a informação pudesse levar à
descrição clara da ação do vírus no corpo humano e daí poder criar os instrumentos efetivos para
reduzir sua letalidade. Como disse Claude Bernard: “para aprender é preciso, necessariamente,
racionar sobre o que se observou, comparar os fatos e julgá-los com outros fatos que servem de
controle” (BERNARD, 1984, I, 1, § 4 o ). Portanto, a hermenêutica é fundamental para que os dados
de experimento científico ganhe aplicação e sentido social. Se a descrição ativa dos fatos é a fase
final de um experimento científico e se a sua interpretação é necessária para que os fatos sejam
percebidos no conjunto e como bem social parece adequado concluir pela aproximação entre
ciência e filosofia.
Aos cultores da tradição filosófica como sistema pode parecer que a filosofia cedeu o lugar de
honra, onde esteve sentada desde o seu surgimento na Jônia no século VI a.C., para a ciência e
humilhada sentou-se mais abaixo atuando como mera coadjuvante daquela. Esse incômodo pode ser
resultado de mero preconceito dogmatista decorrente da ideia da filosofia regina de todos os
saberes. A filosofia como amor ao saber inclina-se muito mais à ação colaborativa na construção de
um mundo humano do que à defesa intransigente de um trono que não existe mais. Ademais, a
filosofia não está impedida de ser ela mesma quando assim o desejar. Portanto, a ciência e a
filosofia, nesse caso filosofia como hermenêutica, são saberes que se complementam na árdua tarefa
de decodificar os códigos dos fenômenos humanos e da natureza.

A segunda aproximação entre ciência e filosofia é que aquela estabelece as leis gerais indutivas
encontradas no experimento enquanto que a filosofia contribui com a Lógica. Conforme Francis
Bacon indicou, a ciência tem um caráter operacional que decorre necessariamente de dados
coletados do experimento (BACON, Novo órganon, 2014) 10. Ele está dizendo que todo
experimento científico tem como finalidade a intervenção na natureza ou na sociedade. Intervir
significa mudar o curso do fenômeno de modo positivo sem deixar de considerar os resíduos
negativos da intervenção. A descrição de como isso ocorre precisa ser posta num texto claro,
coerente e preciso. Nessa hora, o cientista necessita da Lógica. Aristóteles, a meu juízo, ainda é

Editora Fi, 2020.


8 COSTA, Alexandre Bernardino. Direito Vivo: Leituras Sobre Constitucionalismo, Construção Social e
Educação a Partir do Direito. Brasília: Unb, 2013.
9BERNARD, Claude. Introduction a l’étude de la médecine expérimentale. 1865. Paris: Flammarion, 1984.
10BACON, Francis. Novo órganon. São Palo: Edipro, 2014.
alguém ao qual se deve recorrer nesse momento (ÓRGANON, 2016). 11 A clareza pode ser
alcançada quando se aplica simultaneamente o princípio da identidade, da não-contradição e do
terceiro-excluído na elaboração textual. O cientista deve moldar o texto de acordo com o princípio
da identidade, isto é, tornar a sua descrição tão límpida que o leitor não veja outra coisa exceto o
que ele quis dizer. A fórmula aristotélica para isso é A=A. A coerência pode ser alcançada pelo
princípio da não-contradição aplicado no interior dos parágrafos e entre eles. Nos dois casos,
procuram-se contradições para tirá-las do texto. A fórmula aristotélica para esse princípio é A não é
não-A. A precisão pode ser alcançada aplicando-se o princípio do terceiro excluído, isto é, se a
descrição do texto científico é sobre a Covid-19, por exemplo, deve-se estar atento para se a
exposição facear com discussões importantes sobre outros vírus não incluí-las no texto da Covid-19.
O terceiro, isto é, outros tipos de vírus, deve ser excluído da descrição. Portanto, a clareza, a
coerência e a precisão são, de acordo com a lógica clássica, princípios importantes da demonstração
científica rigorosa. O texto claro, coerente e preciso é construído por silogismos estruturados em
premissa maior, premissa menor e conclusão. Tanto faz se o procedimento é dedutivo (quando se
parte do geral para o particular, exemplo, todo homem é mortal; Sócrates é homem; portanto,
Sócrates é mortal) ou indutivo (quando se parte do particular para o geral, exemplo, Sócrates é
homem mortal; Juarez, Mariana e Mário são mortais; logo, todo homem é, provavelmente, mortal).
Todo silogismo é assombrado por sofismas que se caracterizam por conclusões equivocadas das
premissas, por exemplo, a hidroxicloroquina combate o vírus a, b e c; portanto, ela é eficaz contra o
coronavírus. Isso é uma falácia denominada generalização apressada porque foi feita a partir de
informações limitadas. Portanto, o silogismo, desde que esteja protegido de falácias, é o meio de se
concretizar a clareza, a coerência e a precisão do texto científico.
A lógica contemporânea considerou que o texto científico necessitava de uma precisão que só seria
obtida pela construção de uma linguagem própria, diferente daquela usada no cotidiano. Por isso,
devia-se deixar a lógica clássica de lado e construir um modelo linguístico próprio à ciência
moderna. Charles Morris na obra Fundamentos da teoria dos signos (2015) 12 faz da análise lógica
uma análise linguística através da Semiótica que deu sequência a esse intento, porém, de modo
particular porque não matematizou a Lógica como Frege fez. Trata-se da teoria da semiose, isto é,
quando algo funciona como signo de outra coisa. A unidade compreensiva do texto é composta, de
acordo com Morris, pela sintaxe, semântica e pragmática. Pela sintaxe, opera-se a relação entre os
signos no interior do texto. Isso significa que o texto produzido pelo cientista para descrever e
prever as leis de determinado objeto são definidas por ela, levando-se em conta principalmente na
relação entre o sujeito e o predicado. A semântica, por sua vez, designa a relação entre o signo e o
designato, isto é, aquilo a que o signo se refere. A pragmática refere-se à relação entre os signos os
seus intérpretes.
Portanto, a ciência ao promover a descrição de seu objeto com vistas ao controle e à previsão
precisa tanto da lógica clássica quanto da semiótica para tornar esse esforço comunicável à
sociedade. Isso caracteriza a aproximação entre ciência e filosofia.

A terceira aproximação entre ciência e filosofia é que aquela é técnica e esta é ética. Na Nova
Atlântida, Francis Bacon imaginou uma cidade na qual o império da técnica era capaz de facilitar a
vida do homem porque lhe dava poderes para organiza, transformar e superar a natureza (BACON,
2008).13 A utopia baconiana decorreu de sua compreensão de ciência, apresentada no “Novo
órganon”, como experimento controlado cujo fim era instrumentalizar o ser humano para exercer o
domínio do mundo. O método experimental inaugurado por Francis Balcon veio a ser chamado de
Positivismo por Saint-Simon e Augusto Comte. A ideia por detrás do termo é o esvaziamento de
buscas de causas primeiras e finalidades últimas para os fenômenos. Eles devem ser aceitos e
examinados exatamente como aparecem, como dados cujas leis podem ser descobertas por
experimentos adequadamente elaborados. Comte romantizou a ciência a tal ponto que a fez guia da

11 ARISTÓTELES. Órganon. São Paulo: Edipro, 2016.


12 MORRIS, Charles. Fundamentos da teoria dos signos. Covilhã, Portugal: Universidade Beira Interior, 2015.
13 BACON, Francis. Nova Atlântida. São Paulo: edições 70.
vida individual, social, moral e religioso do ser humano (COMTE, Sistema Político Positivista,
2014).14 Foi essa romantização positivista que inspirou o nascimento e o desenvolvimento da
sociedade moderna. Abbagnano, elenca três teses que resumem o programa positivista: a ciência
era o único conhecimento possível e seu método, o único válido para propor conhecimento, a
ciência ocupava-se da descrição dos fatos de modo a mostrar suas relações constantes e em
transformar isso em leis, o método científico, devido à sua validade, deve ser estendido a todos os
campos da atividade humana (2007).15 Portanto, de Bacon a Comte, a ciência passou de uma
atividade restrita ao cientista para ser tornar o projeto civilizacional do Ocidente. Comte expressou
esse ideal no lema: L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but . O desdobramento desse
empreendimento civilizatório levou ao problema da técnica que a ética deveria se posicionar.
Foi Husserl que chamou a atenção para o problema da técnica denunciando a crise das ciências
europeias. Segundo ele, essa crise é antropológica porque na medida em que a ciência se voltou
para a objetivação da natureza e passou a crer que suas fórmulas revelam o próprio ser da natureza,
isto é, o ser-em-si, transformou o seu método em verdade absoluta. Isso fez com que a ciência se
divorciasse do mundo-da-vida (HUSSERL, 2012).16 Esse divórcio pode ser percebido na
desenfreada subjugação da natureza, pondo em risco a vida no Planeta, a poluição excessiva do ar e
do meio ambiente, a automação gerando alienação do homem pelo homem.
Essa breve descrição da crise da racionalidade ocidental aponta para uma aporia que pode ser
expressa como o limite de um experimento científico e o uso social da técnica decorrente do
experimento. A ética do cuidado de Martin Heidegger parece ajudar a resolver esse dilema melhor
do que a ética teleológica de Aristóteles e a ética deontológica de Kant. Foi Zeljko Loparic que me
ajudou a ver a ética do cuidado de Heidegger como “ter-que-ser” – das zu-sein-.17 Com isso,
pretendeu desconstruir o ter-que-obedecer da moral Kantiana porque essa ação ética não leva em
conta em primeiro plano o bem-estar pessoal, coletivo ou qualquer elemento exterior à razão. O que
importa é a forma. Heidegger, ao contrário, o ter-que-ser significa cuidar de si, dos outros e dos
entes no seu todo na perspectiva de suas presenças no mundo. De outro lado, refere-se ao modo
pelo qual as referidas presenças existem como unidade do estar-aí em totalidade que se expressa nas
particularidades (HEIDEGGER, Ser e tempo).18 Nesse sentido, a ética não se reduz a determinados
padrões de valores, a ética cuidado se mantém aberta à dinâmica da vida porque preserva um espaço
no qual as pessoas possam existir por si mesmas sem serem determinadas seja pelo cotidiano
público, como ocorre com a ética aristotélica, seja pela razão como ocorre com a ética deontológica.
O ter-que-ser, desse modo, torna-se autêntico porque não permite a coisificação da vida, mas põe a
vida aos cuidados daquele que é o pastor do ser.
Portanto, a ética pode responder adequadamente ao dilema da ciência como técnica na medida em
que posta no horizonte do ter-que-ser pode conscientizar-se de que a ciência existe para servir à
humanidade criando tecnologias que favoreçam a sua existência e não o contrário.
Se questiono-me sobre o modo como a segunda parte da dissertação conecta-se à tese - se
compreensão qualificada das distinções e aproximações da relação Ciência e Filosofia, então
formação técnica e humanística do discente de direito da UFPR -, suspeito que isso poderá ocorrer
no plano da técnica jurídica porque o discente estará capacitado ao saber-fazer valorizando a
Hermenêutica e a Lógica e ao saber-ser porque estará ciente do compromisso ético de sua profissão
não como mero defensor da ética pela ética porque não será um dogmatista desorientado, mas da
ética da responsabilidade cuja marca é autoconsciência do estar no mundo, com-os-outros-no-
mundo e com os entes do mundo.

A tese que propus no início dessas linhas foi se compreensão qualificada das distinções e
aproximações da relação Ciência e Filosofia, então formação técnica e humanística do discente de

14 COMTE, Auguste. System of Positive Polity. Londres: Nabu Press, 2014.


15 ABBAGNANO, Nicola. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
16 HUSSERL, E. A crise das ciências europeias e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
17 LOPARIC, Zeljho. Ética da lei e a ética do cuidado disponível em PDF.
18 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2015.
direito da UFPR. Os argumentos precedentes priorizam o conteúdo, por isso, na conclusão julgo
importante focalizar a pedagogia porque é ela que empoderará ou não o discente. Por isso, em face
dos argumentos precedentes, que não se estabelecerão sozinhos, passo a expor o meu contributo ao
saber-fazer e ao saber-ser na formação jurídica a partir do docente. Começo afirmando a
necessidade de uma opção pedagógica que se alinhe com a concepção libertadora do Direito. Optei
desde 2010, quando lecionei no Curso de Direito da Faculdade de Minas Gerais, pelo
Construtivismo, que se baseia na educação do corpo inteiro, levando o (a) estudante a desenvolver o
raciocínio complexo, isto é, ao desenvolvimento de suas potencialidades mentais, relacionais,
sentimentais e físicas de modo a capacitá-lo (a) a ação crítica na sociedade. Essa abordagem se opõe
à tecnicista porque enquanto essa é exógena e aposta na repetição para que a aprendizagem ocorra,
aquela é: “ […] sem pré-formação exógena (empirismo) ou endógena (inatismo) por contínuas
ultrapassagens das elaborações sucessivas, o que, do ponto de vista pedagógico, leva
incontestavelmente a dar toda ênfase às atividades que favoreçam a espontaneidade [discente]”
(PIAGET, 1996, p.10-11)19. Essa teoria parece ajusta-se àquilo que o Projeto Pedagógico de Curso
de Direito da UFPR estabeleceu como perfil do egresso e também oferece uma continuidade
metódica que os discentes do 1 o ano de curso estão acostumados em razão das diretrizes normativas
da BNCC.20 O segundo motivo é pedagógico. A teoria piagetiana estabelece uma conexão entre
teoria e prática que favorece uma pedagogia que se propõe crítica e transformadora da pessoa e da
sociedade à medida que privilegia a prática educativa a partir do discente. A opção teórica
mencionada necessita de uma estratégia de ensino que lhe corresponda, isto é, que lhe faculte ser
executada no ensino-aprendizagem. Uma abordagem tradicional que privilegie exclusivamente a
transmissão de conteúdo seria inadequada porque a metodologia mostrar-se-ia em dissonância com
a teoria. O discente não estaria no protagonismo de sua aprendizagem, o conteúdo é que estaria. Por
isso, a metodologia ativa, aprendizagem baseada em projeto, em problema, na gamificação, na sala
de aula invertida e na aprendizagem em pares, é bastante adequada à abordagem construtivista do
ensino-aprendizagem porque põe o discente no centro do ensino, estimulando-o ao prazer de estudar
segundo os seus interesses e, com isso, a se constituir um (a) cidadão (ã) consciente, crítico e
promotor da Democracia e do espírito republicano. Ao Construtivismo e à metodologia ativa,
acrescento a sequência didática, de modo a promover um encadeamento temático que ofereça ao
discente uma visão de conjunto do que está sendo ensinado. Essa seria uma excelente oportunidade
para implementar a interdisciplinaridade e/ou a transdisciplinaridade porque a visão de conjunto do
discente passa a ser de mais de uma disciplina sob o mesmo tema. Por fim, o plano de aula no qual
se pense cuidadosamente cada etapa da aula de modo a fazer do discente o responsável por sua
aprendizagem movido pelo prazer de estudar e não pela necessidade de uma nota.
Portanto, a compreensão qualificada da relação ciência e filosofia é um conhecimento ao qual
docente e discente devem voltar para que o Direito, como ciência social aplicada, use os dois
conhecimentos para cumprir a sua missão como força promotora de uma justiça histórica,
democrática fundada no reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

19 PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
20 BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP No 2, 22 de dezembro de 2017. República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 22 de dezembro de 2017.

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