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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS

UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

NÍVEL MESTRADO

MARCOS DIAS MARINO

DA LITERALIDADE DE CONSTITUIÇÃO FORMAL À ABERTURA HERMENÊUTICA DA CONSTITUIÇÃO


MATERIAL

SÃO LEOPOLDO

2018
MARCOS DIAS MARINO

TÍTULO:

DA LITERALIDADE DE CONSTITUIÇÃO FORMAL À ABERTURA HERMENÊUTICA DA CONSTITUIÇÃO


MATERIAL

Trabalho apresentado para a disciplina Teoria


Constitucional, pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito o da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – UNISINOS, ministrada pelo professor
Anderson Vichinkeski Teixeira

SÃO LEOPOLDO

2018
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RESUMO: este artigo vai abordar a classificação das constituições em sentido


material e em sentido formal. Primeiro estabelece-se os entendimentos doutrinários
do que seja uma Constituição material/real. Num segundo ponto aborda-se o
entendimento doutrinário do que seja uma Constituição em sentido formal. Em sede
de conclusão demonstra-se a abertura hermenêutica que representou a doutrina da
constituição em sentido material.

Palavras-chave: Constituição. Classificação. Constituição em sentido material.


Constituição em sentido formal. Hermenêutica Constitucional.

1 INTRODUÇÃO

Na teoria constitucional classificações e concepções acerca das Constituições


geralmente são: em relação à forma, escritas ou não escritas; quanto ao modo de
elaboração, dogmáticas ou históricas; quanto à origem, populares (democráticas) ou
outorgadas; quanto à estabilidade, rígidas, flexíveis ou semi-rígidas; ou, ainda,
quanto à extensão, analíticas ou sintéticas
Muito embora todas as classificações e concepções sejam importantes para a
compreensão da Constituição, vamos analisar no presente artigo as constituições
em sentido material e em sentido formal e o reflexo destas concepções na
hermenêutica constitucional.

2 CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO FORMAL

A Constituição em sentido formal só veio ganhar relevância após a


Independência Americana e a Revolução Francesa, quando se afirmou a
necessidade de escrever as garantias e os direitos individuais dos cidadãos,
oponíveis contra o Estado Absolutista, obedecendo-se determinada forma.
Para uma Constituição ser caracterizada nesse sentido ou ser enquadrada
nessa classificação, além de sua elaboração obedecer a uma forma e a um
procedimento específicos, sendo estes mais dificultosos e solenes que as regras
para a concepção da legislação infraconstitucional, suas normas devem possuir uma
força normativa superior em relação a outras normas do ordenamento jurídico. Na
lição do jurista português Jorge Miranda:
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As normas formalmente constitucionais são decretadas por um


poder que se define com vista a esse fim; o que vale dizer que,
na origem, são normas de fonte legal, não consuetudinárias ou
jurisprudencial (mesmo se, depois, acompanhadas de normas
de normas destas origens) e são normas que exigem um
processo específico de formação (conquanto não
necessariamente um processo especial de modificação)
(MIRANDA, 2005, p. 334)

Na concepção de outro eminente constitucionalista português, Canotilho, as


Constituições formais são

as constituições quando emanadas de um poder constituinte


democraticamente legitimado (1) que intencionalmente
manifesta a vontade de emanar em acto compreendido na
esfera desse poder; (2) de acordo com um procedimento
específico; (3) são consideradas como fonte formal do direito
constitucional” (CANOTILHO, 1993, p. 66)

A Constituição Formal é o
peculiar modo de existir do
Estado
Dessa forma, sinteticamente podemos dizer que constituição em sentido
formal é uma lei formalmente qualificada através de características formais, editada
por poder competente e com maior dificuldade de alteração.

Apesar de singela esta definição, os efeito para a hermenêutica constitucional


são significativos, pois considerando a linha positivista ao julgador caberia apenas a
aplicação da norma, pois observado os requisitos ela seria obrigatoriamente
constitucional.

Na obra de Otto Bachoff, Normas Constitucionais Inconstitucionais, traz uma


ilustrativo apanhado do entendimento doutrinário e jurisprudencial vivido na
Alemanha pós segunda guerra mundial, ao qual nos detemos por ora.
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Na obra em voga, Bachof citando o posicionamento de Apelt destaca que na


visão do jurista alemão não pode a jurisdição chamar para si o direito da legislação
constitucional, pois é um Direito Supremo conferido ao poder legislativo e ao povo
numa república democrática, sendo os responsáveis pelo sistema de valores sobre o
qual se ergue uma constituição, e pelo qual tem de aferir-se a sua bondade e a sua
valia, é o povo todo e não um tribunal de nove homens. Nem só a jurisdição cabe a
guarda da constituição, mas também ao parlamento. (BACHOF, 2007, p. 26/27).

Duas idéias que se exprimem destas afirmações de que os Tribunais


constitucionais não podem considerar inválidas normas da constituição e que o
legislador constitucional é autônomo no estabelecimento do sistema de valores da
constituição.

Outra referencia que Bachof traz é quanto SPANNER, o qual invocando


Kelsen, aduz que uma competência judicial de controle judicial só é admissível
tomando por padrão a constituição, não podendo haver critérios extrapositivos, por
estes recursos em larga medida põe em perigo a subsistência da jurisdição
constitucional, a qual é apenas executora de normas. Sendo admitido o direito
consuetudinário quando o estado admite como fonte de direito constitucional. Cita
como prova do perigo a Suprema Corte americana que introduziu por via
interpretativa princípios de direito natural na constituição, em especial na
jurisprudência do New Deal, ultrapassando os limites e entrando em conflito com o
presidente. (BACHOF, 2007, pg. 27/28)

Este entendimento limitador a interpretação das normas constitucionais não


fica adstrito a doutrina, Bachof cita as posição do parlamento alemão, especialmente
do deputado refere que a concepção jus naturalista do caráter da jurisdição contem
dinamite e gera movimento contra a independência jurisdicional, pois o juiz orientar-
se-ia pela justiça perpétua, negando as decisões democráticas do parlamento.

Fugindo da obra de Bachof e trazendo as concepções de Kelsen, o poder


constituinte não encontra barreiras materiais, sendo soberano no estabelecimento
da ordem jurídica, podendo deliberar sobre qualquer conteúdo, inclusive modificando
ou reformando as normas constitucionais.
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Desse entendimento, exsurge a critica advinda de Paulo Bonavides,


destacando que a prevalência deste entendimento redundaria ser plenamente
possível até mesmo a introdução da escravidão no ordenamento jurídico.
(BONAVIDES, 2003, pg. 174).

Portanto, pelo exposto, é possível verificar a limitação hermenêutica que o


conceito de constituição em sentido formal pode trazer, dando ao constituinte, seja
ele originário ou derivado, o poder supremo de estabelecer o que é constitucional,
sem qualquer limite material, cabendo ao julgador apenas a aplicação ao caso
concreto, sem questionar a aplicação de norma com os demais elementos
constantes no ordenamento jurídico, nem mesmo aferir se a norma emanada
encontra-se em contradição com as próprias normas constitucionais.

3 CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO MATERIAL

As Constituições da idade liberal do século XIX passaram a representar um


declínio e crise, diante a falta de representatividade do seu conteúdo, pois não eram
a expressão dos fatores reais de poder, não sendo uma constituição real e
verdadeira, sendo chamadas constituições folha de papel, nas palavras de
Ferdinand Lassale (LASALLE, 1998, p. 41/42).

A reação ao formalismo constitucional predominante no Século XIX, surge


pelas elaborações de Rudolf Smend e Carl Schmitt a alternativa social contrária ao
formalismo liberal, pretendendo integrar na Constituição as preocupações
ideológicas e axiológicas, com o escopo de dotar a interpretação constitucional de
sentido.

No sentido material, será, de acordo com os ensinamentos de Smend, “o


conjunto de normas jurídicas sobre a estrutura, atribuições e competências dos
órgãos supremos do Estado, sobre as instituições fundamentais do Estado e sobre a
posição do cidadão no Estado” (Apud BACHOF, 2007). Também se incluem nesse
conceito de Constituição as disposições sobre os direitos fundamentais.

São essas idéias de Smend e Schimitt que, dando origem à teoria material da
constituição, criam uma onda de Constituições sociais (ou programáticas) no pós-
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guerra, informa Bercovici:

A Teoria Material da Constituição permite compreender, a partir


do conjunto total de suas condições jurídicas, políticas e sociais
(ou seja, a Constituição em sua conexão com a realidade
social), o Estado Constitucional Democrático. Propõe-se,
portanto, a levar em consideração o sentido, fins, princípios
políticos e ideologia que conformam a Constituição, a realidade
social da qual faz parte, sua dimensão histórica e sua
pretensão de transformação (BERCOVICI, 2004).

Quanto à teoria material da Constituição, escreve Paulo Bonavides:

Aquelas direções estavam volvidas para o conteúdo e a


matéria dos preceitos normativos, de preferência à forma e às
categorias. Relativamente à Constituição, pretendiam em
primeiro lugar fixar-lhe o sentido, o fim, os princípios políticos,
as teses ideológicas que a animavam, a realidade social e
íntima, verdadeira, substancial, que ela exprimia, enfim, aquele
conjunto de valores, idéias e fatos sempre inafastáveis, na sua
dimensão histórica e vital, capaz de fazê-la a um tempo
consciência da Sociedade e expressão de um projeto dinâmico
e prospectivo. (BONAVIDES, 2003, p. 100)

Contudo, a teoria material da Constituição, que a torna dependente de um


decisionismo político extremo, compromete a juridicidade das Constituições,
causando tantos prejuízos ao Estado Democrático de Direito quanto o esvaziamento
axiológico e sociológico, pretendido pela teoria formal da Constituição.

Nas palavras de Maurizio Fioravanti:

Frequentemente, a própria ideia de constituição em sentido


material é associada à tentativa de encontrar uma dimensão de
normatividade profunda, precedente àquela reconduzível às
normas estatais formalmente vigentes. Por este motivo, as
doutrinas da constituição em sentido material são,
frequentemente, postas em antítese às concepções positivistas
do direito, e, em gênero, a todas as doutrinas que tendem a
reduzir o direito, com a sua força coercitiva, à lei do Estado.
(FIORANTE, 2012)
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Par solucionar tal dilema, urge a compatibilidade dessas teorias opostas em


uma moderna concepção de sistema constitucional, única capaz de compreender o
sistema constitucional em sua complexidade. Dessa forma o sistema constitucional
abrangeria simultaneamente a Constituição, as leis a ela complementares, bem
como as leis ordinárias materialmente constitucionais, mas também o conjunto de
instituições de natureza política, tais como os partidos políticos e a opinião pública.

Novamente fazendo uso das lições de Jorge Miranda, a Constituição material:

comporta (ou dir-se-ia comportar) qualquer conteúdo, torna-se


possível torná-la como o cerne dos princípios materiais
adoptados por cada Estado em cada fase da sua história, à luz
da ideia de Direito, dos valores e das grandes opções políticas
que nele dominem. Ou seja: a Constituição em sentido
material concretiza–se em tantas Constituições
materiais quanto os regimes vigentes no mesmo país ao longo
dos tempos ou em diversos países ao mesmo tempo. E são
importantíssimas, mas em múltiplos aspectos, as implicações
desta noção de Constituição material conexa com a de forma
política” (MIRANDA, 2002, p. 322).

Seguindo o raciocínio do constitucionalista português, de que a Constituição


material comporta qualquer conteúdo, ocorre a concordância com as lições de
Lassalle, de que cada fator de poder forma a Constituição, sendo cada um deles um
fragmento da mesma. A ideia de Direito, os valores e as opções políticas
dominantes na sociedade, consoante o constitucionalista português supracitado,
como conteúdo da Constituição material, nada mais são, na acepção de Lassalle, do
que a expressão dos poderes e das suas concepções acerca da Lei Fundamental do
país, oriundos da estrutura da sociedade.

José Joaquim Gomes Canotilho faz mais uma diferenciação do que menciona
Jorge Miranda. Expõe Canotilho que a Constituição material possui três distinções: a
real (material), a formal e a material (normativo material). A primeira é
essencialmente sociológica e, exatamente como expõe Lassalle, "entendida como o
conjunto de forças políticas, ideológicas e econômicas, operantes na comunidade e
decisivamente condicionadoras de todo o ordenamento jurídico". A Segunda, a
perspectiva formal, corresponde a um conjunto de normas que se distinguem das
leis infraconstitucionais, por passarem por um processo de criação mais dificultoso e
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solene. A terceira, normativo material, é o conjunto de normas que referem-se e


determinam a organização do poder estatal. Para Jorge Miranda, a Constituição
material compreende tanto a organização dos poderes estatais, entre outros
aspectos, quanto às forças políticas dominantes na sociedade.

Na mesma esteira da terceira distinção exposta por Canotilho, Paulo


Bonavides entende por Constituição material as normas pertinentes

...à organização do poder, à distribuição da competência, ao


exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da
pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo quanto
for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao
funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da
constituição” (BONAVIDES, 2003, p. 102).

Portanto, o conceito de constituição em sentido material abriu as


possibilidades do interprete, não ficando adstrito apenas ao que o poder constituinte
reconhece como norma constitucional, sendo possível inclusive reconhecer a
contradição entre normas constitucionais, bem como em relação a normas
supralegais. A aceitação do conteúdo material de uma constituição vem a impor
limites à atuação ao poder constituinte, principalmente ao derivado, no qual as
modificações ou reformas das normas constitucionais deverão observar uma ordem
constitucional anteriormente imposta, importando a infração em invalidade da nova
norma editada.

Quando lançou “A sociedade aberta dos interpretes da Constituição” o


professor Peter Häberle buscou uma revisão do modelo de interpretação
constitucional, ainda não se tinha indagado sobre os participantes do processo de
interpretação pluralista, ou seja, toda a interpretação emanada das pessoas que
vivem a Constituição e não somente dos interpretes jurídicos desta os as pessoas
que enfrentam diretamente a lide processual. Segundo o professor HÄBERLE: No
processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os
órgãos estatais, todas as potencias públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo
possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de
intérpretes da Constituição. Interpretação Constitucional tem sido até agora
conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os
interpretes jurídicos “vinculados às corporações” e aqueles participantes formais do
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processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um


elemento da sociedade aberta. Todas as potencias públicas, participantes materiais
do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento
resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa
sociedade. Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos
quanto mais pluralista for a sociedade. A teoria de Peter Häberle, da legitimidade
para qualquer um dar a sua interpretação sobre o que vive, e não garante o
monopólio dos interpretes jurídicos sobre a Constituição. Desta forma, a solução
para o problema não virá somente dos legitimados pelo Diploma Maior, mas também
as pessoas sem legitimidade formal terão direito de serem ouvidas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa ordem de idéias, se observa durante muito tempo a hermenêutica


constitucional, esteve vinculada a um modelo de interpretação restrita ao formalismo
advindo do positivismo jurídico, restringindo severamente a atuação dos juízes e nos
procedimentos formalizados, do que resultou empobrecido o seu âmbito de
investigação. A evolução da doutrina da constituição em sentido material representa
uma abertura hermenêutica. Em suma, no contexto de um Estado de direito, que se
pretende democrático e social, torna-se imperioso que a leitura da Constituição se
faça de forma integrativa, atendendo aos anseios dos destinatários da norma, no
âmbito de um processo verdadeiramente público e republicano, pelos diversos
atores da cena institucional - agentes políticos ou não - porque, ao fim e ao cabo,
todos os membros da sociedade política fundamentam na Constituição, de forma
direta e imediata, os seus direitos e deveres.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São
Paulo, n. 61, 2004. Disponível em 129 . Acesso em 08 julho de 2018.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo:


Malheiros, 2003

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra:


Almedina, 1993.
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HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional- A sociedade aberta dos


interpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e
“procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio


Antonio Fabres, 1991.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 1998.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição Rio de Janeiro:


Forense, 2005.

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