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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES

CURSO DE DIREITO
DISCIPLINA DE DIREITO CONSTITUCIONAL

AULA –Fontes e vicissitudes constitucionais

I. FONTES DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

EXPOSIÇÃO
 Lei como fonte do Direito Constitucional
 O Costume como fonte de Direito Constitucional
 O problema do Costume em Constituição formal
 A jurisprudência como fonte de normas
constitucionais

Introdução

A expressão fonte de direito tem carácter plurivalente. Há tratadistas que por causa
deste carácter procuram substituir esta expressão por uma outra que é factos normativos
ou criação do Direito. Entretanto a expressão fonte de direito é a mais usual.

Em sentido técnico-juridico1, a expressão fonte de direito compreende o processo de


criação e revelação das normas jurídicas.

1. Principais fontes de Direito do Direito Constitucional

A organização das fontes do direito não é igual nos diferentes países, nos diferentes
sistemas jurídicos e nas diferentes épocas históricas; isto é, cada Direito Objectivo
(francês, moçambicano, Zimbabweano, etc) define por si próprio os seus modos de
1
Ou fonte formal, ou ainda, juris essendi ( fonte de produção ).

1
criação, de produção e de revelação e eficácia; ou seja, cada País define por si próprio as
fontes de direito que aceita. Contudo existem as fontes que são aceites pela maioria dos
sistemas constitucionais, designadamente, a lei, o costume e a jurisprudência.

2. A Lei como fonte do Direito Constitucional

A lei como fonte de direito entende-se a formação das normas jurídicas, por via de uma
vontade a ela dirigida, dimanada de uma autoridade social ou de um órgão com
competência para esse efeito2. Esse órgão pode ser, por exemplo, a Assembleia da
República, o Conselho de Ministros ou o Ministro.

Uma das características que distingue a lei das outras fontes de direito, é que (i) ela é
criada e revelada por um órgão com competência pré-definida para o efeito, (ii) e a sua
produção representa uma vontade ou intenção de criação, a intenção normativa3.

3. O Costume como fonte de Direito Constitucional

O termo costume tem sido usado na doutrina jurídica com dois sentidos diferentes,
nomeadamente, ou (i) para designar uma determinada fonte de direito, ou (ii) para
designar o direito consuetudinário. E para distinguir os dois sentidos fala-se de costume
facto e costume norma;

No quadro da nossa disciplina fala-se de costume no sentido de fonte de direito, que é


uma pratica social acompanhada de uma convicção de obrigatoriedade; isto é, uma
conduta observada com regularidade pelos membros da sociedade e essa observância é
levada a cabo com a convicção de que aquela conduta é obrigatória.

Diferentemente da lei, o costume é fonte não voluntária, pois ele só cria normas, regras
por força da convicção da sua obrigatoriedade; ou seja, as regras que nascem do
costume não exprimem vontade de nenhum órgão do Estado, uma vez que são resultado
da prática social.

Contudo, é preciso notar que o costume não é fonte autónoma do direito, uma vez que
só se torna fonte quando um certo ordenamento jurídico lhe confere essa dignidade,
consagrando-o com fonte.

2
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp.110.
3
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp.110.

2
3.0. O problema do Costume em Constituição formal

Não é doutrinariamente pacífico o reconhecimento do costume como fonte de Direito


Constitucional face à Constituição formal. Para uns, a vontade do povo só se manifesta
através da concepção da Constituição por uma assembleia constituinte (ou órgão
equivalente), e não doura forma, por isso, a superioridade da Constituição e da sua
função seriam vulneradas se fossem criadas normas constitucionais à sua margem (o
costume). Dentre os que negam a admissibilidade do costume destaque-se:

Carré de Malberg, para quem “há incompatibilidade entre os dois


termos – Constituição e costume. Porque o costume, não sendo
escrito, não carece de um processo de revisão para o modificar.
O costume não possui a força superior que caracteriza o Direito
constitucional: somente as regras consagradas numa
Constituição escrita estão revestidas dessa força4”.

E Burdeau, defendendo que “a Constituição destina-se a


garantir o primado de uma ideia de Direito; e, quando a nação
soberana (ou o legislador constituinte) nela inscreve uma regra e
edita as condições em que pode ser modificada, obedece a uma
convicção jurídica existente no grupo acerca da sua importância.
A fixação de um processo de revisão indica a vontade de preferir
à elasticidade da regra que evolui a rigidez de um principio que
se tem por necessário para certa segurança política5”.

Dentre os defensores do costume como fonte complementar da Constituição formal,


apresentam um dos seguintes fundamentos:

(i) O Direito constitucional não se reduz às normas escritas;


(ii) O costume dá este ou aquele carácter e tom ao Direito constitucional, e se
manifesta, de modo especial, no exercício das funções próprias do regime
politico pelos órgãos do Estado;

4
MALBERG, Carré de. Contribution …., apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional:
constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.113.
5
BORDEAU, apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.110.

3
(iii) O costume exerce uma função supletica, admitida tacitamente pelo
legislador constituinte;
(iv) O costume se afirma, com efectividade, nas crises do ordenamento, permite
confirmar a vigência de regras sobre a produção jurídica, elimina lacunas
constitucionais ou contribue para a estabilização dos princípios do
ordenamento;
(v) A par da Constituição escrita, se desenvolva uma Constituição não escrita,
enfermada de princípios constitucionais fundamentais.

Para Jorge Miranda, o costume possui um relevo secundário no direito constitucional,


na medida em que o costume só entra onde a Constituição formal ou não chega ou não é
efectiva.6

A Constituição da República de Moçambique estabelece no artigo 4 que “o Estado


reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na
sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios
fundamentais da Constituição”. Deste preceito constitucional pode-se concluir que, o
costume é fonte do Direito Constitucional desde que não viole os princípios
fundamentais da Constituição formal.

4. A jurisprudência como fonte de normas constitucionais

A Jurisprudência, como fonte de Direito, compreende o conjunto das decisões dos


tribunais nas quais se exprime a orientação a seguir na resolução dos casos concretos;
engloba as decisões proferidas pelos tribunais superiores, designados acórdãos e
assentos, que servem de orientação geral para os tribunais menores.

Em regra, nos sistemas romano-germânico (do qual Moçambique, Portugal, França,


etc., são partes), a jurisprudência não constitui fonte de direito, por força do princípio da
independência dos tribunais, nos termos do qual, nenhum tribunal está vinculado ao
cumprimento das decisões dos outros tribunais e do princípio de separação de poderes
legislativo e judicial.

No contexto moçambicano é discutível a relevância do constume jurisprudencial face ao


disposto nos artigos 217 e 133 da Constituição.

6
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp.118-119.

4
II. VICISSITUDES CONSTITUCIONAIS

EXPOSIÇÃO:
1. Caracterização dos diversos tipos de vicissitudes
constitucionais
2. Breve caracterização da revisão constitucional
3. A derrogação constitucional
4. Revisão indirecta, Costume constitucional e
interpretação
5. Revolução e ruptura parcial ou ruptura não
revolucionária
6. A transição constitucional
7. A suspensão da constituição

Introdução

Qualquer Constituição está sujeita às modificações, durante a sua aplicação, para se adaptar às
circunstâncias da realidade constitucional, designadamente ao novo contexto ou novas
exigências de carácter político, económico, social, etc. As Constituições são modificáveis e
modificadas, não se esgotando no momento da sua feitura.

Entretanto, tendo em conta as circunstâncias concretas da aplicação da Constituição, a sua


modificação pode variar em função da extensão e do seu modo. É o que veremos no ponto
seguinte.

1. Modificações da constituição e vicissitudes constitucionais

As vicissitudes constitucionais são alterações de quaisquer naturezas que possam operar na


Constituição, “quaisquer eventos que se projectem sobre a subsistência da Constituição ou de
algumas das suas normas7”, e podem classificar-se em função do modo, do objecto, do
alcance, das consequências sobre a ordem constitucional e da duração dos seus efeitos.

a) Quanto ao modo como se produzem:

7
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp.130.

5
As vicissitudes podem ser expressas ou tácitas.

Nas expressas, o evento constitucional produz-se como resultado de acto a ele


especificamente dirigido, pois altera-se o texto constitucional. Essas vicissitudes baseiam-se
numa vontade e traduzem-se em actos jurídicos, que, por sua vez, podem ser totais ou
parciais. Podem tomar as modalidades ou formas de revisão constitucional, derrogação
constitucional, revolução, certas formas de transição constitucional e de ruptura não
revolucionária.

Nas vicissitudes tácitas, o evento é um resultado indirecto, uma consequência que se extrai a
posterior de um facto normativo historicamente localizado, aqui apenas modifica-se o
conteúdo da norma, mantendo-se intacto o texto. Podem tomar as formas de costume
constitucional, interpretação evolutiva e revisão indirecta.

b) Quanto ao objecto

As vicissitudes podem ser totais ou parciais.

Nas vicissitudes totais, as modificações atingem todas as normas constitucionais ou, apenas
todos os princípios fundamentais, portanto, atinge-se a toda a constituição, surgindo uma
nova Constituição, por via evolutiva (transição constitucional) ou por ruptura (revolução).

Nas vicissitudes parciais, as modificações incidem apenas sobre algumas normas


constitucionais, não atingindo os princípios definidores da ideia de Direito.

c) Quanto ao alcance

As vicissitudes podem ser de alcance geral e abstracto ou de alcance concreto ou excepcional.

Nas vicissitudes gerais e abstractas, abrangem-se todas e quaisquer situações idênticas e


todos os destinatários que se encontrem num certo contexto. Estas ainda podem ser totais ou
parciais.

As vicissitudes concretas ou excepcionais incidem sobre certas situações concretas verificadas


ou por se verificar, e atingem alguns destinatários abrangidos pelas normas. Essas, em regra,
são sempre parciais e representam uma verdadeira derrogação constitucional.

6
d) Quanto às consequências sobre a ordem constitucional:

As vicissitudes podem representar uma evolução constitucional ou uma ruptura.

As que representam uma evolução constitucional são as que não colidem com a integridade
da Constituição e constituem uma continuidade desta. Estas, em regra, são parciais e implicam
meras modificações.

As que representam uma ruptura constitucional constituem um corte com a Constituição. Em


regra, são alterações totais.

e) Quanto à duração dos efeitos:

As vicissitudes podem ser de efeitos temporários ou de efeitos definitivos.

Contrariamente às vicissitudes de efeitos definitivos, as vicissitudes de efeitos temporários


correspondem às suspensões constitucionais, e podem ser totais ou parciais, assim que podem
ser feitas com observância da Constituição (representando um derrogação constitucional,
quando a suspensão for parcial ou excepcional) ou com desrespeito da mesma (o que
representa uma revolução e ruptura definitiva).

A suspensão parcial da Constituição, de alcance geral e abstracto, na forma própria da


Constituição, integra as medidas de necessidade ou prividências.

2. Breve caracterização dos diversos tipos de vicissitudes


constitucionais

A caracterização dos tipos de vicissitudes constitucionais resultantes da classificação que acaba


de ser feita acima, designadamente, a revisão constitucional, a derrogação constitucional, o
costume constitucional, a interpretação evolutiva da Constituição, a revisão indirecta, a
revolução, a ruptura não revolucionária, a transição constitucional e a suspensão (parcial) da
Constituição, será breve, contudo, reservar-se-á um ponto autónomo para a apresentação da

7
revisão constitucional, pelo facto desta ser o tipo mais significativo da modificação
constitucional e servir de referencia para a definição ou exclusão das outras modalidades.

a) Breve caracterização da revisão constitucional

A revisão constitucional ou revisão em sentido próprio, é a modificação da Constituição


expressa, parcial, de alcance geral ou abstracto, que traduz o princípio de continuidade
institucional. É a modificação destinada a auto-regeneração e autoconservação, o que se
traduz na expurgação das normas que já não se justificam do ponto de vista político, social ou
jurídico, e na introdução de novos elementos revitalizadores.

A revisão constitucional ocorre nos precisos termos previstos na Constituição ou, não havendo
previsão desses termos na Constituição, a revisão vai ocorrer nos termos resultantes do
sistema de órgãos e actos jurídico-constitucionais.

Note-se que, uma verdadeira revisão constitucional, será sempre parcial e não total, salvo se
essa revisão total consistir apenas na mudança total da Constituição instrumental, mantendo a
Constituição material, isto é, não tocando os princípios e regras fundamentais de Direito.

b) A derrogação constitucional

A derrogação constitucional traduz-se na quebra ou ruptura material. A derrogação consiste na


edição de uma norma geral e concreta e até de uma norma individual, não de norma geral e
abstracta.

A derrogação representa a edição de uma excepção, temporária (ou pretensamente definitiva)


em face do princípio ou da regra constitucional8: introduz uma excepção à regra9.

As normas constitucionais derrogatórias de princípios constitucionais podem resultar de


revisão constitucional ou podem ser previstas pelo poder constituinte originário.

Quando imanadas pelo poder constituinte são também designadas por auto-rupturas da
Constituição e têm sido contestadas pela doutrina, sobretudo quando incontroladas, uma vez

8
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 135-136.
9
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 136.

8
que podem traduzir em manipulações constitucionais, o que pode conduzir num
conglomerado de rupturas (segundo Hesse), originando uma nova Constituição diferente.

c) Interpretação constitucional

A interpretação deve ser objectiva e evolutiva e é determinada pela necessidade de (i)


congregar as normas interpretadas com as demais do sistema, (ii) atender aos destinatários
actuais.

O carácter evolutivo manter vivas as normas em vigor, preservando o espírito da Constituição.

d) Costume constitucional: este pode consistir na eliminação de certas normas


constitucionais.

e) Revisão indirecta:

Ocorre nos casos em que, tendo havido uma revisão constitucional, haja necessidade de
interpretação sistemática da norma não revista, de modo a ser consentânea com a nova
norma que resultou da revisão constitucional. Trata-se de uma interpretação sistemática de
uma norma, conforme outra norma resultante da revisão constitucional. Consiste no reflexo
sobre certa norma de modificação operada por revisão (revisão directa, ou revisão
propriamente dita), isto é, o sentido de uma norma não objecto de revisão constitucional vem a
ser alterado por virtude da sua interpretação sistemática e evolutiva em face da nova norma
constitucional ou da alteração ou da eliminação de norma preexistente10.

f) Revolução: a revolução é uma ruptura da ordem constitucional com inobservância


das regras processuais respectivas.

g) Ruptura parcial ou ruptura não revolucionária:

É uma ruptura na ordem constitucional, que não põe em causa a validade em geral da
Constituição, mas apenas a sua validade circunstancial. A ruptura parcial continua a

10
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 138.

9
reconhecer o princípio da legitimidade no qual assenta a Constituição, entretanto, lhe
introduz um novo limite ou aplica de novo o limite por forma originária11.

h) A transição constitucional

É a passagem de uma Constituição material a outra com observância das formas


constitucionais, sem ruptura, ou seja, muda apenas a Constituição material, porém permanece
a Constituição instrumental e, eventualmente, a Constituição formal.

i) A suspensão da constituição

Consiste na não vigência de algumas normas constitucionais, durante certo tempo, decretada
por causa de determinadas circunstâncias. Normalmente traduz-se na suspensão de certos
direitos, liberdades e garantias, e opera através da declaração do estado de sítio, estado de
emergência ou outras situações excepcionais. Trata-se de uma medida excepcional resultante
de casos de extrema necessidade.

11
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 139. “ falta a invocação da Constituição como fundamento em
particular, mas continua a existir o reconhecimento da validade da Constituição em geral –
reconhecimento da validade no espaço e no tempo, no qual agirá também o acto de ruptura”.

10

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