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Bernardo Gonçalves Fernandes

Curso de
DIREITO
CONSTITUCIONAL
15a
Edição
revista
atualizada
ampliada

2023

JUS2660-Cursos-Fernandes-Curso de Dir Const-15ed.indb 3 08/02/2023 10:01:44


19
Defesa do Estado
e das Instituições
Democráticas
Sumário: 1. Introdução: Finalidade das Medidas – 2. Princípios Norteadores – 3. Estado de Defesa: 3.1. Conceito e Hipó-
teses; 3.2. Hipóteses: 3.2.1. Requisitos para a Decretação; 3.3. Procedimento; 3.4. Prazo; 3.5. Abrangência; 3.6. Controle;
3.7. Restrições de Direitos – 4. Estado de Sítio: 4.1. Conceito; 4.2. Hipóteses; 4.3. Procedimento; 4.4. Prazo; 4.5. Abran-
gência; 4.6. Controle; 4.7. Restrições – 5. Forças Armadas – 6. Segurança Pública: 6.1. Polícias da União; 6.2. Polícias
dos Estados; 6.3. Polícias Penais Federal, Estaduais e Distrital ; 6.4. Considerações importantes sobre as Polícias civis e
Militares; 6.5. Polícia do Distrito Federal; 6.6. Polícia dos Municípios; 6.7. Segurança Viária.

1. INTRODUÇÃO: FINALIDADE DAS MEDIDAS tônica nesses casos, justificando as medidas apenas
até que o equilíbrio constitucional seja novamente
A Constituição de 1988 trouxe, sob esse título,
atingido.
dois grupos: um voltado para fornecer instrumentos
(medidas excepcionais) para manutenção ou resta- Importante lembrar que a própria Constituição
belecimento da ordem em momentos de anorma- de 1988 veda o processo de emendas na vigência de
lidade, e, com isso, configurou o chamado sistema intervenções federais, estado de defesa e estado de
constitucional de crises, composto tanto pelo estado sítio (art. 60, § 1º), sob pena de configurar-se um
de defesa quanto pelo estado de sítio; assim como golpe de estado, ou mesmo, a circunstância de se
ainda se preocupou de institucionalizar a defesa do modificar da Lei Maior do País em momentos de de-
País por meio das forças armadas e da segurança sequilíbrio (o que não é prudente e adequado).
pública. Esse sistema de crise é mecanismo presen- Nesse curso de ações excepcionais, a legalidade
te nas democracias modernas, como esforço para a constitucional ordinária é afastada provisoriamen-
manutenção de regimes democráticos, com a míni- te, dando espaço para uma legalidade constitucional
ma onerosidade para os direitos e as garantias fun- extraordinária. Tudo em nome da preservação do
damentais.1 Estado de Direito e do princípio democrático.2
É preciso que se distinga, ainda, no plano da Historicamente, no Direito Constitucional
normalidade constitucional, a defesa do Estado – brasileiro, desde a Constituição de 1891, o estado
voltada para: a) defesa do território nacional contra de sítio, como mecanismo de solução de crises, já
invasões estrangeiras (art. 34, II, e 137, II da CR/88); estava previsto no texto constitucional. Os textos
b) defesa da soberania nacional (art. 91); e c) defe-
sa da Pátria (art. 142) – da defesa das instituições 2. De questionável constitucionalidade, entretanto, foi a adoção pe-
democráticas, que, por sua vez, busca o equilíbrio los Estados Unidos, no governo George W. Bush, dos chamados USA Patriot
da ordem constitucional, mais exatamente, no que Acts, após os atentados de 11 de setembro de 2001. Para uma análise mais
profunda ver: ARAUJO PINTO, Cristiano Otávio Paixão, A reação norte-ame-
concerne ao equilíbrio entre grupos de poder. ricana aos atentados de 11 de setembro de 2001 e seu impacto no constitu-
cionalismo contemporâneo: um estudo a partir da teoria da diferenciação do
O controle das crises se configura como um sis- direito. 2004. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, UFMG,
tema jurídico, uma vez que é formado por normas Belo Horizonte, 2004. Aqui, é interessante uma reflexão que vai além do
estudo dogmático do sistema das crises, que ora analisamos. Para o fi-
constitucionais que fixam e prescrevem as possíveis lósofo italiano Giorgio Agamben, o que chamamos de exceção não deve
providências necessárias para solucionar as cri- ser enxergado desse modo na atualidade, pois a “exceção” (ainda que de
ses político-institucionais. A excepcionalidade é a forma sub-reptícia-implícita) a cada mais se torna a “regra”, ou seja, aqui-
lo que pretensamente deveria ser exceção deve ser visto com as lentes
(óculos) da normalidade (Estado de Exceção como paradigma de governo).
A tese é de que estaríamos em um Estado de Exceção em pleno Estado De-
1. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, mocrático de Direito. Para um aprofundamento do tema: AGAMBEN, Gior-
Paulo Gustavo Gonet, Curso de direito constitucional, p. 1267. gio, Estado de Exceção, Ed. Boitempo, 2004.

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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

constitucionais brasileiros, portanto, sempre op- proporcionalidade), o que impediria exces-


taram por uma sistemática rígida, na qual toda li- sos que configurariam verdadeiro Golpe de
mitação aos direitos e garantias constitucionais (do Estado ou outras arbitrariedades (contrárias
sistema das crises) estivessem previstas no próprio à ordem democrática) por parte dos gover-
Texto Magno.3 nantes.
Sob essa ótica, então, busca-se justamente, com • TEMPORALIDADE: tão logo a normalida-
amparo no próprio direito constitucional, prever de seja estabelecida, as medidas próprias do
medidas de solução das crises, em caráter de excep- estado de sítio e do estado de defesa devem
cionalidade. Cabe aqui uma distinção, pois excep- cessar, para que não caminhemos rumo a
cionalidade não pode se confundir com arbitrarie- um Estado Autocrático. Portanto, as medi-
dade, uma vez que todas as possíveis medidas que das têm caráter temporal, que remetem à
podem ser tomadas, além de já estarem tipificadas excepcionalidade e não à regra (que é a nor-
previamente, destinam-se racionalmente a solucio- malidade). A perpetuação dessas situações
nar problemas concretos e reais, sendo, então, neces- excepcionais converteria o Estado Demo-
sárias ao restabelecimento da normalidade institu- crático de Direito em verdadeira Ditadura
cional e democrática do Estado. Logo, é justamente (Estado Autocrático). Assim, sempre que
a ideia de arbitrariedade que essas medidas (excep- houver prorrogação das medidas próprias
cionais) visam combater. do estado de sítio e do estado de defesa, de-
verá haver o estabelecimento de prazo para
2. PRINCÍPIOS NORTEADORES seu fim, sendo, portanto, medidas de prazo
Em monografia especializada, Aricê Moacyr determinado (delimitado).
Amaral Santos identificou que o sistema constitu- • OBEDIÊNCIA ESTRITA À CR/88: devem
cional de crises é amparado por um conjunto de as medidas seguir estritamente a CR/88, ou
princípios, com destaque para os princípios da ex- seja, eles devem obedecer de forma estrita
cepcionalidade, da necessidade e da temporalidade: aos ditames Constitucionais. As medidas do
• EXCEPCIONALIDADE: significa que as estado de sítio e do estado de defesa servem,
medidas de estado de defesa e estado de sítio tão somente, para defender o Estado Demo-
são excepcionais (na lógica de um sistema crático de Direito, nada mais (arts. 136, 137,
constitucional das crises), pois a regra é o 138, 139, CR/88.). É importante lembrar que
Estado Democrático de Direito e suas ins- a CR/88 prevê duas modalidades de estados
tituições funcionando de forma adequada, de exceção: (1) o estado de defesa – art. 136;
ordenada e equilibrada. Portanto, apenas e (2) o estado de sítio – art. 137, sendo este
em situações excepcionais de desequilíbrio último, devido aos seus pressupostos e às
(desordem) é que medidas recrudescedoras medidas restritivas, avaliado como mais se-
deverão ser tomadas, justamente para o re- vero que o outro.4
torno do status quo ante. • CONTROLE POLÍTICO-JUDICIAL: a
• NECESSIDADE: significa que as medidas atual Constituição de 1988 previu um sis-
que compõem o sistema de crises somente tema de controle e de fiscalização dos atos
se justificam se não houver outro meio me- excepcionais a partir da sua dupla nature-
nos gravoso para restabelecer a normalida- za, jurídico e política, de modo que estes se
de; existindo, não caberá o estado de defesa submetem tanto ao controle político exerci-
ou o estado de sítio. É, por isso, que o estado do pelo Congresso Nacional – nos casos de
de defesa ou o estado de sítio constituem a perpetuação ou de decretação (ou autoriza-
ultima ratio da defesa do Estado Democrá- ção) dos estados de exceção – quanto pelo
tico de Direito. A análise e a configuração da controle exercido pelo Poder Judiciário
necessidade, via de regra, devem se carac- – nesse caso, quando as medidas deixarem
terizar (conforme corrente majoritária) pela de observar as normas constitucionais ou
lógica da proporcionalidade (princípio da

3. MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 1276-


1277. 4. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 998.
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Cap. 19 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

afetarem abusivamente os direitos e as ga- a) Prévia manifestação dos Conselhos da Re-


rantias fundamentais. pública e de Defesa Nacional, que apenas em
caráter consultivo, sem qualquer vinculação
3. ESTADO DE DEFESA com o Presidente da República, fornecerão
uma posição;
3.1. Conceito e Hipóteses
b) Decreto do Presidente da República com a
O estado de defesa é uma medida excepcio- previsão do prazo de duração da medida,
nal menos gravosa que o estado de sítio, decretada com prazo máximo de 30 dias, podendo
pelo Presidente da RFB com posterior aprovação do haver uma prorrogação (art. 136, §§ 1º e 2º,
Congresso Nacional, e que visa restabelecer a nor- CR/88) por também no máximo 30 dias, e a
malidade em locais restritos e determinados. especificação das áreas abrangidas e indica-
Por estado de defesa nos referimos a um conjun- ção das medidas coercitivas;
to de medidas temporárias com o objetivo de manter c) Aprovação pela maioria absoluta do Con-
ou restabelecer, dentro de uma área determinada e gresso Nacional do decreto de estado de de-
delimitada, a ordem pública ou a paz social, quan- fesa editado pelo Presidente da República.
do estas forem ameaçadas por fatores de ordem po-
lítico-social (instabilidades institucionais) ou por
fenômenos (calamidades) da natureza de grandes 3.3. Procedimento
proporções (art. 136 da CR/88). A determinação do estado de defesa tem seu ato
São duas as hipóteses do estado de defesa: (1) de instauração por iniciativa e titularidade do Presi-
questão estrita do restabelecimento da normalidade, dente da RFB, que determina que sejam ouvidos o
no que diz respeito à ordem pública ou paz social Conselho da República (arts. 89 e 90) e o Conselho
ameaçada por grave instabilidade institucional no de Defesa (art. 91). Ressalte-se que tal manifestação
país; (2) calamidade pública, de grandes proporções não é vinculante, mas meramente opinativa.
na natureza. Depois dessa opinião, o Presidente decide se de-
É preciso lembrar que só vai poder ter estado de creta ou não o estado de defesa. Se o Presidente de-
defesa ante uma calamidade de gigantescas (gran- cretar o estado de defesa, o ato deverá ser submetido
des) proporções que vai atender ao princípio da ne- ao Congresso Nacional em 24 horas e este, por sua
cessidade, não havendo outro meio menos gravoso vez, deverá ser convocado em 5 dias, se em recesso,
para o restabelecimento do equilíbrio. para se reunir.
Na sequência, o CN tem 10 dias para votar e
3.2. Hipóteses5 para aprovar a medida, sendo que terá que o fazer
por meio de maioria absoluta de seus membros.7
Para haver a decretação do estado de defesa, Se não aprovadas as medidas, estas têm que ser ces-
algumas condições devem ser observadas no plano sadas imediatamente, sob pena de ser o Presidente
fático, capazes de garantir a legitimidade dessa mo- responsabilizado (crime de responsabilidade) e su-
dalidade extraordinária. jeitado a impeachment.
A Constituição de 1988 exige, então, alternati-
vamente, a constatação de existência de: (a) grave e 3.4. Prazo
iminente instabilidade institucional; ou (b) calami-
O estado de defesa terá duração de, no máximo,
dade de grandes proporções na natureza.
de 30 dias, que podem ser prorrogados por, no má-
ximo, mais 30 dias. Portanto, o Presidente da Repú-
3.2.1. Requisitos para a Decretação blica, se entender necessário, irá prorrogar o prazo
Sem dúvida, haverá a exigência cumulativa dos por no máximo mais 30 dias, e essa prorrogação já
seguintes requisitos:6 realizada pelo Chefe do Executivo será, obviamente,
submetida à aprovação da maioria absoluta do Con-
gresso Nacional.

5. Alguns doutrinadores chamam as hipóteses de pressupostos ma-


teriais.
6. Na doutrina, os requisitos também são intitulados de pressupostos 7. Certo é que, se aprovado o estado de defesa, enquanto este estiver
formais. em andamento, o Congresso Nacional não pode parar de trabalhar.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

É claro que se não for resolvida a situação nesse amplitude nacional. A abrangência é sempre restrita
período (retorno da normalidade) deverá ser decre- e será especificada pelo decreto do Presidente da Re-
tado o estado de sítio (medida mais gravosa). pública.

3.5. Abrangência 3.6. Controle
A abrangência do estado de defesa será sem- O controle do estado de defesa será político, fei-
pre em função de locais restritos, ou seja, de logra- to pelo Congresso Nacional, e o controle judicial,
douros determinados. O estado de defesa não tem realizado pelo Judiciário.

Tipo de Autoridade
Espécies Atuação
Controle Responsável

Cabe ao CN (art. 49, IV, CR) decidir, por maioria absoluta, a aprovação ou
Imediato
prorrogação do estado de defesa (art. 136, § 4º)

Mesa do Congresso Nacional nomeará comissão de 5 de seus membros


Concomitante para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao esta-
Congresso do de defesa (art. 140).
Político
Nacional

Findo o estado de defesa, o Presidente enviará mensagem ao CN, especi-


ficando e justificando as providências por ele tomadas (art. 141, parágrafo
Sucessivo único).
Os executores poderão ser responsabilizados por qualquer tipo de arbí-
trio, excesso ou atos ilícitos cometidos (art. 141).

É um controle da legalidade, sobre o exercício (execução) da medida,


sobre as práticas que estão sendo tomadas, ao desenvolvimento da me-
dida. Se as medidas forem ilegais, caberá habeas corpus ou mandado
Concomitante de segurança.
O que não há, por parte do Poder Judiciário, é um controle sobre a me-
Poder dida em si, ou seja, sobre o decreto do Presidente, porque ele é juízo de
Judicial
Judiciário conveniência do Presidente.

Se posteriormente a medida ficar consubstanciada de abusos, o Poder


Sucessivo
Judiciário responsabilizará o Presidente e demais envolvidos pelos possí-
(ou Posterior)
veis abusos, tanto na seara cível quanto na penal.

3.7. Restrições de Direitos Na vigência do estado de defesa, ainda, poderá


ocorrer a prisão por crime contra o Estado, determina-
No decreto que institui o estado de defesa, po-
da pelo executor da medida, que será por este comuni-
derá haver previsão de medidas restritivas de direito
cada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará,
de: a) reunião, ainda que exercida no seio das asso- se não for legal, facultado ao preso requerer exame de
ciações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de co- corpo de delito à autoridade policial.9 A comunicação
municação telegráfica e telefônica. será acompanhada de declaração, pela autoridade, do
Ainda, poderá haver previsão de ocupação e uso estado físico e mental do detido no momento de sua
temporário de bens e serviços públicos, na hipótese
de calamidade pública, respondendo a União pelos
9. Vide Resolução CNJ 414/2021: Estabelece diretrizes e quesitos pe-
danos e custos decorrentes.8 riciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que
haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes, conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul, e dá
8. Ver STF MS nº 25.295, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 05/10/2007. outras providências.
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Cap. 19 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

autuação. Importante lembrar que a prisão ou detenção forma, assiste-se a uma conversão formal do
de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, estado de defesa em um estado de sítio;
salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário. E é ve- (c) declaração de estado de guerra ou resposta
dada a incomunicabilidade do preso. à agressão armada estrangeira: a hipótese,
aqui, é a de guerra, ou seja, a invasão do ter-
4. ESTADO DE SÍTIO ritório nacional por outra potência estran-
geira.
4.1. Conceito
O estado de sítio, por sua vez, assume uma feição 4.3. Procedimento
de maior gravidade quando comparado ao estado de
defesa. Estamos falando de situações que acarretem O Presidente da República, após ouvir o Conse-
grave comoção nacional, conflito armado envolvendo lho da República e o Conselho de Defesa Nacional,
um Estado estrangeiro, ou mesmo quando for detec- que emitirão posição apenas em caráter consultivo,
tado que as medidas assumidas ao tempo do estado isto é, sem qualquer vinculação ao Presidente, so-
de defesa se mostraram insuficientes ou inadequadas. mente poderá decretar o estado de sítio após soli-
citar ao Congresso Nacional autorização – que se
Às vezes, a situação é tão grave que se decreta o
manifestará pela maioria absoluta de seus membros.
estado de sítio mesmo sem ter-se decretado o estado
de defesa. A solicitação ao Congresso Nacional deverá ser
fundamentada, trazendo os motivos determinantes
Essa medida é tão gravosa que o Presidente da
para a decretação do estado de sítio (art. 137, pará-
República terá que decretar o estado de sítio sem-
grafo único, da CR/88).
pre depois da autorização do Congresso Nacional,
ou seja, diferentemente do estado de defesa, há a ne- No caso de o Congresso Nacional estar em re-
cessidade de o Congresso Nacional autorizar a de- cesso parlamentar, o Presidente do Senado Federal
cretação. imediatamente convocará – em caráter extraordiná-
rio – o Congresso Nacional para se reunir dentro de
Todavia, no caso da agressão estrangeira ocorrer
cinco dias, a fim de apreciar o ato (art. 138, § 2º).
no intervalo das sessões legislativas, o Presidente da
República poderá decretar o estado de sítio sem a O decreto presidencial deverá trazer a duração
prévia autorização do Congresso Nacional, mas, em do estado de sítio – no caso de comoção grave de re-
vez disso, esse será convocado para referendá-lo (art. percussão nacional ou ocorrência de fatos que com-
84, XIX, e art. 49, II, da CR/88). provem a ineficácia de medida tomada durante o
estado de defesa (art. 138, caput e § 1º) –, as medidas
O estado de sítio será decretado sempre com
necessárias à sua execução e as garantias constitucio-
amplitude nacional, ainda que restrito a determina-
nais que deverão estar suspensas.
da localidade.
Após a publicação do decreto, o Presidente da Re-
4.2. Hipóteses pública irá designar o executor das medidas e as áreas
abrangidas. Dessa forma, deve-se chamar a atenção
O art. 137 da CR/88 prevê os pressupostos ma- para o fato de que as especificações da amplitude do es-
teriais autorizadores, alternativamente, para decre- tado de sítio podem ser feitas posteriormente à decre-
tação do estado de sítio: tação do estado de sítio, que difere do estado de defesa,
(a) comoção grave de repercussão nacional: a no qual a amplitude deve estar determinada no decreto.
hipótese, aqui, caracteriza-se pela existência
de grave crise que pode ameaçar as institui- 4.4. Prazo
ções democráticas ou, então, o governo elei-
O prazo do estado de sítio ante a ineficácia do
to de maneira legítima;10
estado de defesa será de, no máximo, 30 dias, sempre
(b) ocorrência de fatos que comprovem a inefi- prorrogáveis por, no máximo, mais 30 dias (quantas
cácia de medida tomada durante o estado vezes forem necessárias).
de defesa: nota-se que, aqui, a anormalida- Toda vez que for se prorrogar o estado de sítio, o
de (desequilíbrio) deverá de tal monta que
Presidente da RFB tem que pedir ao Congresso Na-
não pode ser resolvido pelo estado de defe-
cional que autorize a prorrogação.
sa (ineficácia do estado de defesa). Dessa
Agora, na hipótese de guerra, o estado de sí-
tio durará enquanto durar a guerra (art. 138, § 1º).
10. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 699.
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Terminada a guerra, o Presidente da República e o específica) apresenta uma abrangência nacional,


Congresso Nacional celebram o estado de paz, e, as- diferindo-se da abrangência local do estado de de-
sim, acaba o estado de sítio. fesa.
O estado de sítio, assim como o estado de defesa,
jamais será ad eternum, sob pena de corrupção da or- 4.6. Controle
dem jurídico-constitucional de qualquer Estado e de sua Mesmo tendo sido formado o entendimento de
sociedade (afronta ao Estado Democrático de Direito). que a decretação do estado de sítio – bem como do
estado de defesa – constitui ato discricionário do
4.5. Abrangência Presidente da República, este estará sujeito a um
Como já dito, anteriormente, o estado de sí- conjunto de controles: político, feito pelo Congresso
tio (ainda que decretado para determinada área Nacional e judicial, realizado pelo Judiciário.

Tipo de Autoridade
Espécies Atuação
Controle Responsável

Prévio Cabe ao CN autorizar a decretação do estado de sítio (art. 137 CR/88).

Mesa do Congresso Nacional nomeará comissão de 5 de seus membros para


Concomitante acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sítio
(art. 140).
Congresso
Político
Nacional
Findo o estado de sítio, o Presidente enviará mensagem ao CN, especificando e
justificando as providências por ele tomadas (art. 141, parágrafo único).
Sucessivo Os executores poderão ser responsabilizados por qualquer tipo de arbítrio, exces-
so ou atos ilícitos cometidos (art. 141, caput).

É um controle da legalidade, sobre o exercício da medida, sobre as práticas que


estão sendo tomadas no desenvolvimento da medida.
Se as medidas forem ilegais, caberá habeas corpus ou mandado de segurança.
O que não há, por parte do Poder Judiciário, é um controle sobre a medida em
Concomitante
si, ou seja, sobre o decreto do Presidente, porque ele é juízo de conveniência do
Poder Presidente.
Judicial
Judiciário

Se posteriormente a medida ficar consubstanciada de abusos, o PJ responsabili-


Sucessivo
zará o Presidente e demais envolvidos pelos possíveis abusos, tanto na seara cível
(ou Posterior)
quanto na penal (art. 141).

4.7. Restrições à prestação de informações e à liberdade de


imprensa, radiodifusão e televisão, na forma
No curso do estado de sítio, alguns direitos e ga- da lei;11
rantias constitucionais podem sofrer restrições pre-
viamente fixadas no art. 139 da CR/88: (d) suspensão da liberdade de reunião;
(a) obrigação de permanência em localidade (e) busca e apreensão em domicílio;
determinada;
(b) detenção em edifício não destinado a acusa- 11. Conforme o parágrafo único do art. 139 da CR/88: “Não se inclui
dos ou condenados por crimes comuns; nas restrições do inciso III [restrições relativas à inviolabilidade da corres-
pondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à
(c) restrições relativas à inviolabilidade da cor- liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei] a difusão
de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legisla-
respondência, ao sigilo das comunicações, tivas, desde que liberada pela respectiva Mesa.”
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Cap. 19 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

(f) intervenção nas empresas de serviços públi- regime jurídico, provimento de cargos, promoções,
cos; estabilidade, remuneração, reforma e transferência
para a reserva (art. 61, § 1º, I e II, “f ”, da CR/88).
(g) requisição de bens.
O Presidente da República14, nos termos da LC
Temos, ainda, que, na hipótese de guerra, as res- nº 97/99, na condição de Comandante Supremo
trições podem ser ampliadas, à luz do decreto e das das Forças Armadas,15 é assessorado:
posteriores especificações da medida do estado de
sítio (na situação de guerra). a) no que concerne ao emprego de meios mili-
tares, pelo Conselho Militar de Defesa;
É importante ainda lembrar que, no estado de
sítio, as imunidades dos parlamentares podem ser b) no que concerne aos demais assuntos perti-
suspensas com base no preenchimento de 3 requi- nentes à área militar, pelo Ministro de Esta-
sitos cumulativos: a) atos praticados fora do Con- do da Defesa.
gresso Nacional; b) atos incompatíveis com o estado
O Conselho Militar de Defesa (anteriormente
de sitio; c) com a necessária aprovação de 2/3 dos
citado) é composto pelos Comandantes da Marinha,
membros da Casa. Isso não ocorre na vigência do
do Exército e da Aeronáutica e pelo Chefe do Esta-
estado de defesa. Portanto, o estado de sítio é o úni-
do-Maior Conjunto das Forças Armadas.16
co em que as imunidades parlamentares podem ser
suspensas, desde que, obviamente, todos os requisi- Certo é que a EC nº 23/99 criou o Ministério da
tos acima sejam preenchidos. Defesa, de modo que os antigos Ministérios da Ma-
rinha, do Exército e da Aeronáutica se transforma-
ram em Comandos das respectivas Forças Armadas.
5. FORÇAS ARMADAS
O Ministro de Estado da Defesa exerce a dire-
Sob o título de forças armadas, integram-se a ção superior das Forças Armadas, assessorado pelo
Marinha, a Aeronáutica e o Exército. Tais institui- Conselho Militar de Defesa, órgão permanente de
ções são dotadas pela Constituição de 1988 como assessoramento17, pelo Estado-Maior Conjunto das
instituições nacionais de caráter permanente e re- Forças Armadas e pelos demais órgãos, conforme
gulares, destinadas à defesa da Pátria, à garantia definido em lei.18
dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
Ao Ministro de Estado da Defesa compete a
qualquer destes, da lei e da ordem.12
implantação do Livro Branco de Defesa Nacional,
A organização militar – uma vez que os mem- documento de caráter público, por meio do qual
bros das forças armadas se denominam militares
(art. 142, § 3º) – tem por base a hierarquia e a dis-
14. Nos termos da LC n° 136/2010, o Poder Executivo encaminhará
ciplina, sob autoridade e comando supremos do à apreciação do Congresso Nacional, na primeira metade da sessão legis-
Presidente da República. É este que terá a atribuição lativa ordinária, de 4 (quatro) em 4 (quatro) anos, a partir do ano de 2012,
constitucional de nomear os comandantes da Mari- com as devidas atualizações: I – a Política de Defesa Nacional; II – a Estraté-
gia Nacional de Defesa; III – o Livro Branco de Defesa Nacional.
nha, do Exército e da Aeronáutica, além de promo- 15. Nos termos da Lei Complementar n° 136 de 2010. Art. 16-A:
ver os oficiais-generais e nomeá-los para os cargos Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como
atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polí-
que lhes são privativos (art. 84, XIII, da CR/88). cias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa
Além disso, é de iniciativa privativa do Presi- de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente
da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que so-
dente da República as leis que versem sobre fixação bre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente
e modificação dos efetivos dos militares das Forças ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando,
dentre outras, as ações de: I – patrulhamento; II – revista de pessoas, de
Armadas13, como ainda as que versem sobre seu veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e III – prisões em
flagrante delito. (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das
12. Historicamente a Carta Imperial de 1824 se referia apenas às for- autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou
ças do mar e às forças da terra, uma vez que àquela época o avião não exis- em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer
tia, vindo a surgir apenas na primeira década do século XX. Lenza, Pedro. as ações previstas nos incisos II e III deste artigo.
Direito constitucional esquematizado, p. 654, 2008. 16. Nos termos da Lei Complementar n° 136 de 2010.
13. Conforme a Lei nº 12.918 de 20.12.2013: Art. 1º O art. 1º da 17. Compete ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas ela-
Lei nº 7.150, de 1º de dezembro de 1983, passa a vigorar com as se- borar o planejamento do emprego conjunto das Forças Armadas e as-
guintes alterações: “Art. 1º Os efetivos do Exército em tempo de paz sessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios
terão os seguintes limites: I – 182 (cento e oitenta e dois) Oficiais-Gene- conjuntos e quanto à atuação de forças brasileiras em operações de paz,
rais; II – 40.000 (quarenta mil) Oficiais; III – 75.000 (setenta e cinco mil) além de outras atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Ministro de
Subtenentes e Sargentos; e IV – 210.510 (duzentos e dez mil, quinhen- Estado da Defesa.
tos e dez) Cabos e Soldados. 18. Nos termos da Lei Complementar n° 136 de 2010.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

se permitirá o acesso ao amplo contexto da Estra- civil temporária, não eletiva, ainda que da adminis-
tégia de Defesa Nacional, em perspectiva de médio tração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art.
e longo prazo, que viabilize o acompanhamento do 37, inciso XVI, alínea “c”, ficará agregado ao respecti-
orçamento e do planejamento plurianual relativos ao vo quadro e somente poderá, enquanto permanecer
setor.19 nessa situação, ser promovido por antiguidade, con-
tando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela
Já as sanções de natureza disciplinar poderão
promoção e transferência para a reserva, sendo de-
ser aplicadas pelos superiores hierárquicos e pelo
pois de dois anos de afastamento, contínuos ou não,
Presidente da República, tendo sempre por base a transferido para a reserva, nos termos da lei22 (Re-
hierarquia e a disciplina como valores. dação dada pela Emenda Constitucional nº 77, de
A verdade é que as punições disciplinares não 2014);
estão sujeitas a habeas corpus no que concerne aos (d) ao militar são proibidas a sindicalização e a
aspectos materiais (de mérito) do ato, restringindo- greve;23
-se, conforme já estudado (ver capítulo 7, que traba- (e) o militar, enquanto em serviço ativo, não
lha o habeas corpus), o cabimento do writ aos ques- pode estar filiado a partidos políticos;
tionamentos de natureza formal (art. 142, § 2º).20
(f) o oficial só perderá o posto e a patente se for
Aos militares aplicam-se, além das regras que julgado indigno do oficialato ou com ele incompatí-
vierem a ser previstas em lei21, as seguintes dispo- vel, por decisão de tribunal militar de caráter perma-
sições: nente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em
(a) as patentes, com prerrogativas, direitos e de- tempo de guerra24;
veres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente (g) o oficial condenado na justiça comum ou
da República e asseguradas em plenitude aos oficiais militar à pena privativa de liberdade superior a dois
da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes pri- anos, por sentença transitada em julgado, será sub-
vativos os títulos e postos militares e, juntamente metido ao julgamento previsto no inciso anterior
com os demais membros, o uso dos uniformes das (supracitado);
Forças Armadas; (h) aplica-se aos militares o disposto no art. 7º,
(b) o militar em atividade que tomar posse em incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art.
cargo ou emprego público civil permanente, ressal- 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como na forma
vada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea da lei e com prevalência da atividade militar, no art.
“c”, será transferido para a reserva, nos termos da lei 37, inciso XVI, alínea “c” (Redação dada pela Emen-
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 77, da Constitucional nº 77, de 2014);25
de 2014);
(c) o militar da ativa que, de acordo com a lei,
tomar posse em cargo, emprego ou função pública 22. Art. 14. § 8º da CR/88: O militar alistável é elegível, atendidas as
seguintes condições: I – se contar menos de dez anos de serviço, deverá
afastar-se da atividade; II – se contar mais de dez anos de serviço, será
agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente,
19. Nos termos da Lei Complementar n°136 de 2010. no ato da diplomação, para a inatividade.
20. Nesse sentido a jurisprudência do STF: RHC nº 88.543, Rel. Min. 23. Aqui registramos que o art. 142, § 3º, IV, da CR/88 não menciona
Ricardo Lewandowski, DJ 03/04/2007; RE nº 338.840, Rel. Ellen Gracie, DJ os policiais civis. Nesses termos, não existe nenhum dispositivo na CR/88
12/09/2003; HC nº 70.648, Rel. Moreira Alves. que proíba expressamente os policiais civis de fazerem greve. Apesar de
21. Conforme o HC nº119.567 julg. em 22.05.2014: Direito Penal não haver uma proibição expressa na CR/88, o STF decidiu que os poli-
Militar. Vedação do sursis. Crime de deserção. Compatibilidade com a ciais civis não podem fazer greve. Nesse sentido, o Supremo foi além e
Constituição Federal. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirmou que nenhum servidor público que trabalhe diretamente na área
inclina-se pela constitucionalidade do tratamento processual penal da segurança pública pode fazer greve. STF. Plenário. ARE 654432/GO Rel.
mais gravoso aos crimes submetidos à justiça militar, em virtude da orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg. em
hierarquia e da disciplina próprias das Forças Armadas. Nesse sen- 05.04. 2017.
tido, há o precedente que cuida da suspensão condicional do processo 24. Observamos uma diferença entre os praças e os oficiais, pois a
relativo a militar responsabilizado por crime de deserção (HC n º 99.743, pena acessória de perda do cargo pode ser aplicada a praças mesmo sem
Pleno, Rel. Min. Luiz Fux). 2. Com efeito, no próprio texto constitucional, há processo específico para que seja imposta. É chamada de pena acessória
discrímen no regime de disciplina das instituições militares. Desse modo, da condenação criminal. Já para os oficiais será necessário um processo
como princípio de hermenêutica, somente se deveria declarar um precei- específico para que lhe seja imposta a perda do posto e da patente (art.
to normativo conflitante com a Lei Maior se o conflito fosse evidente. Ou 142, § 3º, VI e VII, da CR/88). Portanto, para que haja a perda do posto e da
seja, deve-se preservar o afastamento da suspensão condicional da pena patente do Oficial condenado a pena superior a 2 anos, é necessário que,
por ser opção política normativa. 3. Em consequência, entende-se como além do processo criminal, ele seja submetido a novo julgamento perante
recepcionadas pela Constituição as normas previstas na alínea “a” do in- Tribunal Militar. RE 447.859 julg. em 21.05.2015.
ciso II do artigo 88 do Código Penal Militar e na alínea “a” do inciso II do 25. Ver a Lei nº 13.109 de 25.03.2015, que dispõe sobre a licença
artigo 617 do Código de Processo Penal Militar. 4. Denegação da ordem à gestante e à adotante, as medidas de proteção à maternidade para mi-
de habeas corpus. litares grávidas e a licença-paternidade, no âmbito das Forças Armadas.
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Cap. 19 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

(i) a lei disporá sobre o ingresso nas Forças o serviço militar ao término da conclusão do curso
Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras ou da realização de programa de residência médica.
condições de transferência do militar para a inativi- Assim sendo, o estudante de MFDV dispensado por
dade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prer- excesso de contingente do serviço militar obrigató-
rogativas e outras situações especiais dos militares, rio, após a Lei nº 12.336/2010, poderá ser chamado a
consideradas as peculiaridades de suas atividades, prestar o serviço militar após concluir a faculdade.28
inclusive aquelas cumpridas por força de compro- E aqui, devemos ficar atentos ao aspecto tem-
missos internacionais e de guerra. poral, pois se o MFDV foi dispensado por exces-
De acordo com a Súmula Vinculante nº 6 do so de contingente antes da Lei nº 12.336/2010, mas
STF, “não viola a Constituição o estabelecimento de concluiu o curso superior após a nova Lei, ele po-
remuneração inferior ao salário mínimo para as pra- derá ser convocado para o serviço militar obrigató-
ças prestadoras de serviço militar inicial”. rio. O STJ decidiu, em recurso especial, que a Lei nº
Entendeu o STF, que os princípios gerais da Ad- 12.336/2010 deve ser aplicada às pessoas que con-
ministração Pública, presentes no caput do art. 37 da cluíram o curso de medicina, farmácia, odontolo-
CR/88, são igualmente aplicáveis, no que couber, às gia e veterinária após a sua vigência (27/10/2010)
Forças Armadas. mesmo que já tivessem sido dispensados anterior-
mente por excesso de contingente (dispensa de in-
Além disso, o serviço militar é obrigatório,26 nos
corporação).29
termos da lei,27 a todos os brasileiros, com exceção
das mulheres e eclesiásticos, em tempo de paz. Mas, Por último, temos que a escusa de consciência
havendo mobilização, estes poderão ficar sujeitos a (art. 5º, VIII, da CR/88) é direito que poderá ser in-
encargos correlatos à defesa nacional (art. 143, § 2º). vocado, em tempo de paz, para que o alistado possa
vir a se eximir das atividades de natureza militar
Sobe o serviço militar obrigatório do homem
(art. 143, § 1º). Mas, como se trata de obrigação
que cursou medicina, farmácia, odontologia ou ve-
que a todos poderá ser imposta, terão que cumprir
terinária (MFDV), temos algumas reflexões, com
prestação alternativa, conforme a lei fixar.
base na Lei nº 12.336/2010 e no entendimento atual
do Superior Tribunal de Justiça. Aqui, o art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.239/91, estabelece
o que se entende por serviço alternativo: exercício
Os estudantes de MFDV, antes da Lei nº
de atividades de caráter administrativo, assistencial,
12.336/2010, dispensados por serem estudantes de
filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às
MFDV (“adiamento de incorporação”), no primeiro
atividades de caráter essencialmente militar. Se não
ano após terminarem a faculdade deveriam prestar
for tal situação observada, poderão ser submeti-
o serviço militar obrigatório; já os dispensados por
dos a sanção de perda dos direitos políticos (art.
excesso de contingente (“dispensa de incorporação”)
15, IV, da CR/88). Embora o tema seja divergente,
não precisariam prestar o serviço militar obrigatório
após concluírem o curso.
Com a alteração ocorrida no art. 4º da Lei nº 28. Art. 4º Os concluintes dos cursos nos IEs destinados à formação de
5.292/67 (pela Lei nº 12.336/2010), além dos que médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o
serviço militar inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe,
adiaram a incorporação, também os que foram dis- por adiamento ou dispensa de incorporação, deverão prestar o serviço militar
pensados por excesso de contingente deverão prestar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização
de programa de residência médica ou pós-graduação, na forma estabelecida
pelo caput e pela alínea ‘a’ do parágrafo único do art. 3º, obedecidas as de-
mais condições fixadas nesta Lei e em sua regulamentação. (Redação dada
A Lei nº13.717 de 24.09.2018 alterou a Lei nº 13.109/2015, para pela Lei nº 12.336/2010)
modificar o prazo da licença-paternidade do militar, no âmbito das 29. Estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária dis-
Forças Armadas. Conforme a nova redação do art.6: Pelo nascimento pensados por excesso de contingente e que se formaram antes da entrada em
de filho, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção, o vigor da Lei nº 12.336/2010, não estão sujeitos à prestação do serviço militar
militar terá licença-paternidade de 20 (vinte) dias consecutivos, vedada obrigatório após o término do curso. Se a pessoa foi dispensada por excesso
a prorrogação. de contingente antes da Lei nº 12.336/2010, mas concluiu o curso após esta
26. Lembra a doutrina que aquele “que não se apresentar para a se- nova Lei, ela poderá ser convocada para o serviço militar obrigatório. STJ. 1ª
leção na data prevista para fixação do contingente de sua classe ou que, Seção. EDcl no REsp 1186513/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção,
tendo-o feito, ausentar-se sem a ter completado, será considerado refra- julg em 12/12/2012. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos em-
tário (art. 24 da Lei nº4.375, de 17.08.1964). Já o convocado selecionado e bargos de declaração no REsp 1.186.513/RS, realizado sob a sistemática dos
designado para incorporação, ou matriculo, que não se apresentar à Or- recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que os estudantes de Me-
ganização Militar que lhe for designada dentro do prazo marcado, ou que, dicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária-MFDV, dispensados por excesso
tendo-o feito, ausentar do ato oficial de incorporação ou matrícula, será de contingente, estão sujeitos à prestação do serviço militar obrigatório após
declarado insubmisso (art. 25 da referida Lei). O que abandona o serviço a conclusão do curso, se a convocação tiver ocorrido após a edição da Lei n.
militar é considerado desertor.” 12.336/2010. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1428717/RJ, Rel. Min. Og Fer-
27. Lei nº 4.375/64, regulamentada pelo Decreto nº 57.654/66. nandes, julg. em 01/03/2021.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

pois alguns autores entendem que no caso ocorrerá a recém-criada pela Emenda Constitucional
suspensão de direitos políticos, estes advogam assim nº 104/2019.
por uma interpretação literal do dispositivo norma-
· Noutro flanco se encontram as Polícias Judi-
tivo referente ao tema, presente na Lei nº 8.239/91.
ciárias (Investigativas), com tarefa de apurar
os crimes não evitados, através da investiga-
6. SEGURANÇA PÚBLICA ção policial. Nessa categoria estão a Polícia
Federal (que também possui atribuição pre-
A segurança pública, dever do Estado30, direito e ventiva) e a Polícia Civil.34
responsabilidade de todos, é exercida para a preser-
vação da ordem pública e da incolumidade das pes- Temos ainda que citar a Lei nº 11.473/07 que
soas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: disciplina a Força Nacional de Segurança Pública,
I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - como convênio entre União, Estados-membros e o
polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - po- Distrito Federal para execução de atividades con-
lícias militares e corpos de bombeiros militares. VI cernentes à segurança pública.
- polícias penais federal, estaduais e distrital.31 Para Sua abrangência de atuação é o policiamento
sua concretização, envolve o exercício do poder de ostensivo – preventivo – voltado à preservação da
polícia – como atividade limitadora de direitos indi- ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
viduais em prol do interesse público –, mas em sua patrimônio. E é composta por servidores com trei-
modalidade especial, isto é, de segurança. namento especial pelo Ministério da Justiça, sendo
A política de segurança, por sua vez, divide a integrantes das polícias federais e dos órgãos de se-
polícia, em polícia administrativa – que atua pre- gurança pública dos Estados que aderiram ao pro-
ventivamente e ostensivamente, evitando, assim, grama voluntariamente.
que o ilícito administrativo aconteça – e em polícia Nesses termos, a Força Nacional de Segurança
judiciária – destinada à atividade de investigação e, Pública é uma tropa composta por policiais milita-
por isso, tem atuação repressiva, já que depende da res, policiais civis, bombeiros militares e profissio-
ocorrência do ilícito penal.32 Nesses termos, pode- nais de perícia recrutados a partir do efetivo dos Es-
mos especificar da seguinte forma: tados-membros e do Distrito Federal.
· De um lado estão as Polícias Ostensivas Esses policiais são indicados para a Força Nacio-
(Administrativas, Preventivas), com incum- nal pela Instituição de origem. Em seguida, realizam
bência de manter a ordem pública evitando curso de capacitação e são submetidos a treinamen-
a prática de infrações penais, por meio do to. Depois disso, ficam cedidos por um período para
policiamento ostensivo. Aqui se encaixam a a Força Nacional. Os membros da Força Nacional
Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviá- ficam um batalhão localizado no Distrito Federal,
ria Federal, Polícia Militar, Polícia Legislati- esperando ser acionados.
va e a Guarda Municipal33. E a Polícia Penal, É importante salientar, que a atuação da Força
Nacional não é como se fosse o emprego das Forças
Armadas para garantia da lei e ordem. As Forças Ar-
30. AgR AI 810.410: “Constitucional. Poder Judiciário. Determinação
para implementação de políticas públicas. Segurança pública. Destacamen- madas estão subordinadas ao Presidente da Repúbli-
to de policiais para garantia de segurança em estabelecimento de custódia ca. A Força Nacional, por sua vez, não é uma tropa
de menores infratores. Violação do princípio da separação dos Poderes. Não
ocorrência. Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais,
federal. Ela é uma integração entre os Estados-mem-
pode determinar que a Administração pública adote medidas assecurató- bros, DF e a União.
rias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que
isso configure violação do princípio da separação dos poderes”. (julg. em
28.05.2013. 1ª T – STF) na preservação da ordem pública evitando crimes sendo, portanto, Polícia
31. O Inciso VI do art.144 da CR/88 foi incluído pela EC nº104/2019 e Administrativa.
criou as polícias penais federal, estaduais e distrital. 34. HOFFMANN, Henrique e ROQUE, Fábio. Polícia Penal é a novidade no
32. Ver a Lei nº 13.060 de 22.12.2014, que disciplinou o uso dos instru- sistema de segurança pública. CONJUR, 12.12.2019. Essas são as Polícias no
mentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, sentido técnico da palavra, por serem as instituições autorizadas a realizar
em todo o território nacional. prevenção de crimes ou sua investigação. Todavia, há outros órgãos que,
33. HOFFMANN, Henrique e ROQUE, Fábio. Polícia Penal é a novidade apesar de não terem a missão de diretamente prevenir ou investigar ilícitos
no sistema de segurança pública. CONJUR, 12.12.2019. Em que pese alguns penais, são importantes para a segurança pública, e por isso mesmo foram
sustentarem que a Guarda Municipal não é Polícia pelo fato de não estar listados como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança
listada nos incisos do art. 144, mas apenas no §8º, a natureza de um ór- Pública pela Lei 13.675/18. Podem ser mencionados os agentes de trânsito (di-
gão se define mais pela sua atribuição do que pelo nome; por isso, como retamente voltados à prevenção e apuração de ilícitos administrativos de trân-
a Guarda Municipal atua no policiamento ostensivo nos limites do município sito) e os peritos (com missão imediata de auxiliar, por meio de laudo pericial, a
para proteger bens, serviços e instalações municipais, inegavelmente atua persecução penal presidida pelo delegado ou juiz).
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Cap. 19 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

Temos também, que as hipóteses de atuação da Assim sendo, o envio da Força Nacional somen-
Força Nacional são diferentes daquelas que autori- te se mostra possível se houver pedido ou consenti-
zam o emprego das Forças Armadas.35 mento do Governador do Estado. Logo, o art. 4º do
Nos termos do art. 4º do Decreto nº 5.289/2004, Decreto nº 5.289/2004 seria parcialmente inconsti-
a Força Nacional de Segurança Pública poderá ser tucional.
empregada em qualquer parte do território nacio- O Min. Relator Edson Fachin, monocratica-
nal, mediante solicitação expressa do respectivo mente, concedeu a medida liminar e determinou à
Governador de Estado, do Distrito Federal ou de União que retire dos Municípios de Prado e Mucuri,
Ministro de Estado. (Redação dada pelo Decreto nº na Bahia, no prazo de 48 horas, todo o contingente
7.957/2013) § 1º Compete ao Ministro de Estado da da Força Nacional de Segurança Pública enviado ao
Justiça determinar o emprego da Força Nacional de local.
Segurança Pública, que será episódico e planejado. Posteriormente, o Plenário do STF, por maio-
Portanto, a determinação do emprego da For- ria, referendou a decisão concessiva da cautelar.
ça Nacional pode ocorrer: a) mediante solicitação Segundo o Pretório Excelso, é plausível a alega-
expressa do Governador formulada ao Ministro da ção de que a norma inscrita no art. 4º do Decreto
Justiça; b) mediante iniciativa do próprio Ministro da 5.289/2004, naquilo em que dispensa a anuência do
Justiça, mesmo sem solicitação do Governador governador de estado no emprego da Força Nacional
Sobre a Força Nacional de Segurança, recente- de Segurança Pública, viole o princípio da autono-
mente decidiu o STF, que não é possível o envio da mia estadual.37
Força Nacional de Segurança para atuar no Estado- Na decisão, afirmou o STF, que há plausibilida-
-membro sem que tenha havido pedido ou concor- de jurídica do direito evocado, porque pesam legíti-
dância do Governador.36 mas dúvidas sobre a constitucionalidade do art. 4º
No caso, o Ministro da Justiça enviou, sem pedi- do Decreto 5.289/2004, que, alterado pelo Decreto
do do Governador, um contingente da Força Nacio- 7.957/2013, estendeu o conteúdo semântico da nor-
nal para auxiliar no cumprimento de mandado de ma e criou uma regra adicional ampliadora do rol
reintegração de posse emitido pela Justiça em favor dos legitimados a requerer o emprego da Força Na-
do INCRA nos Municípios de Prado e Mucuri no cional.38
interior do Estado da Bahia. A autorização unilateral do emprego da Força
O Estado da Bahia, ajuizou ação cível originá- Nacional, parece, em juízo de delibação, contrariar
ria no STF, contra a União alegando que, como esse as normas de escalão superior das quais deveria reti-
envio da Força Nacional ocorreu sem que o Gover- rar sua validade. Nesse sentido, o art. 241 da Consti-
nador tivesse solicitado, isso representou violação da tuição Federal se refere expressamente à celebração
autonomia do Estado-membro. O fundamento foi o de convênios de cooperação ou consórcios públicos
de que a medida representaria hipótese de interven- entre os entes federados para assegurar a continui-
ção federal fora das hipóteses do art. 34 da CR/88. dade de serviços públicos.39
Além disso, com exceção das hipóteses de inter-
venção federal, previstas no art. 34 da CR/88, não se
35. Nos termos do Decreto nº 5.289/2004, a Força Nacional de Segu-
rança Pública atuará em atividades destinadas: à preservação da ordem identificam dispositivos hábeis a contornar a auto-
pública e da segurança das pessoas e do patrimônio; ao auxílio às ações de nomia dos estados, em sua integridade administra-
polícia judiciária estadual na função de investigação de infração penal, para
a elucidação das causas, circunstâncias, motivos, autoria e materialidade; tiva e territorial, sem que se obedeça à exigência de
ao auxílio às ações de inteligência relacionadas às atividades periciais e de exteriorização de vontade apta a ser elemento de su-
identificação civil e criminal destinadas a colher e resguardar indícios ou pro-
vas da ocorrência de fatos ou de infração penal; ao auxílio na ocorrência de
porte de fato jurídico. Nesses termos, não se mostra
catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para reconhecimento de vítimas;
ao apoio a ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos da so-
ciedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fun-
damentais; ao apoio às atividades de conservação e policiamento ambien-
tal; ao apoio às ações de fiscalização ambiental desenvolvidas por órgãos 37. ACO 3427 STF. Plenário. Ref-MC/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julga-
federais, estaduais, distritais e municipais na proteção do meio ambiente; à do em 24.09.2020 (Informativo 992).
atuação na prevenção a crimes e infrações ambientais; execução de tarefas 38. ACO 3427 STF. Plenário. Ref-MC/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julga-
de defesa civil em defesa do meio ambiente; ao auxílio às ações da polícia ju- do em 24.09.2020 (Informativo 992).
diciária na investigação de crimes ambientais; e a prestar auxílio à realização 39. CR/88, Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos. In: disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de coopera-
Dizer o Direito, Informativo 992. ção entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públi-
36. ACO 3427 STF. Plenário. Ref-MC/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julga- cos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e
do em 24.09.2020 (Informativo 992). bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
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possível diminuir a autonomia dos Estados, em sua contribuinte ou postos a sua disposição (CR/1988,
integridade administrativa e territorial.40 art. 145, II).
Ainda afirmou o STF, que em análise típica de No caso, o Plenário do STF, por unanimidade,
controle de legalidade, a validade do art. 4º do De- julgou procedente a ação para declarar a inconstitu-
creto 5.289/2004 deve ser contrastada com a Lei cionalidade da Lei nº 1.732/97 e, por arrastamento, do
11.473/2007, que dispõe sobre cooperação federativa Decreto nº 19.972/98, ambos do Distrito Federal.44
no âmbito da segurança pública. Essa Lei afirma que
“a União poderá firmar convênio com os Estados e o
6.1. Polícias da União
Distrito Federal para executar atividades e serviços
imprescindíveis à preservação da ordem pública e As polícias da União, nos termos definidos cons-
da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. titucionalmente, são as seguintes:
1º). Logo, exige-se a participação/concordância do
Estado-membro.41 (a) POLÍCIA FEDERAL: que é órgão instituí-
do por lei como permanente, organizado e mantido
Por último, já decidiu o STF, que é inconstitu- pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
cional a cobrança de taxa de segurança para eventos, apurar infrações penais contra a ordem política e
visto que a segurança pública deve ser remunerada social ou em detrimento de bens, serviços e inte-
por meio de impostos, já que constitui serviço geral resses da União ou de suas entidades autárquicas
e indivisível, devido a todos os cidadãos, indepen- e empresas públicas, assim como outras infrações
dentemente de contraprestação.42 cuja prática tenha repercussão interestadual ou in-
Entendeu o STF, que é inconstitucional lei es- ternacional e exija repressão uniforme, segundo se
tadual (ou distrital) que institua taxa de segurança dispuser em lei; prevenir e reprimir o tráfico ilíci-
para eventos a ser cobrada dos organizadores de to de entorpecentes e drogas afins, o contrabando
eventos com fins lucrativos pelo fato de as polícias, e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária
os bombeiros e o DETRAN prestarem serviços no e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas
local.43 de competência; exercer as funções de polícia ma-
Conforme o STF, o serviço de segurança pública rítima, aeroportuária e de fronteiras; exercer, com
tem natureza universal e é prestado a toda a coletivi- exclusividade, as funções de polícia judiciária da
dade, mesmo na hipótese de o Estado se ver na contin- União (art. 144, § 1º).
gência de fornecer condições específicas de segurança (b) POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: órgão
a certo grupo. Como a sua finalidade é a preservação permanente, organizado e mantido pela União e estru-
da ordem pública e da incolumidade pessoal e patri- turado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao pa-
monial (CR/1988, art. 144), é dever do Estado atuar trulhamento ostensivo das rodovias federais (art. 144, §
com os seus próprios recursos, ou seja, sem exigir 2º). Não possui nenhuma competência para as funções
contraprestação específica dos cidadãos. de polícia judiciária, já que esta é exclusiva da polícia
Nesse contexto, é inviável remunerá-lo median- federal (art. 144, § 1º, IV).
te taxa, sob pena de violar disposição constitucional (c) POLÍCIA FERROVIÁRIA FEDERAL: ór-
expressa que preceitua a possibilidade desse tribu- gão permanente, organizado e mantido pela União e
to ser cobrado em virtude do exercício do poder de estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei,
polícia ou da utilização, efetiva ou potencial, de ser- ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais
viços públicos específicos e divisíveis, prestados ao (art. 144, § 3º).

6.2. Polícias dos Estados


40. CR/88, Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de coopera- No âmbito dos Estados-membros, a segu-
ção entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públi- rança pública é subordinada ao Governador do
cos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e
bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
41. ACO 3427 STF. Plenário. Ref-MC/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julga-
do em 24.09.2020 (Informativo 992). 44. ADI 2692/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Nunes Marques, julg. em
42. ADI 2692/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 30.09.2022 (Inf. 1070). No mesmo sentido: A segurança pública, presentes
30.09.2022 (Inf. 1070). a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precí-
43. No Distrito Federal, foi editada a Lei distrital nº 1.732/97, regula- pua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como a via-
mentada pelo Decreto nº 19.972/98, que que instituiu a taxa de segurança bilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de
para eventos. ADI 2692/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Nunes Marques, julg. taxa para tal fim. STF. Plenário. RE 643247/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julg.
em 30.09.2022 (Inf. 1070). em 01.08.2017 (Repercussão Geral – Tema 16) (Info 871)
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20
Controle de Constitucionalidade
Sumário: 1. Conceito – 2. Espécies (tipos) de inconstitucionalidade – 3. Matrizes e Modalidades de Controle de
Constitucionalidade – 4. Análise do Brasil: Regra geral e exceções (outros controles) – 5. Notas históricas sobre o
controle de constitucionalidade judicial – 6. Análise específica da Regra Geral: 6.1. Controle difuso-concreto no Brasil:
Procedimento; 6.2. Controle difuso-concreto no Brasil: Efeitos e a análise da tese da mutação constitucional; 6.3. Con-
trole Concentrado de Constitucionalidade no Brasil. ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade: 6.3.1. Conceito; 6.3.2.
Parâmetro e Objeto da ADI; 6.3.3. Legitimidade; 6.3.4. Procedimento da ADI; 6.3.5. Julgamento da ADI; 6.3.6. Algumas
observações finais; 6.4. Procedimento da medida cautelar; 6.5. Procedimento especial (diferenciado) na ADI; 6.6. ADC
– Ação Declaratória de Constitucionalidade: 6.6.1. Conceito; 6.6.2. Objeto; 6.6.3. Finalidade da ADC; 6.6.4. Legitimida-
de; 6.6.5. Procedimento; 6.6.6. Julgamento da ADC; 6.6.7. Efeitos da decisão da ADC; 6.6.8. Observações finais sobre
a ADC – 7. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO): 7.1. Conceito; 7.2. Objeto; 7.3. Legitimidade; 7.4.
Espécies de ADI por omissão; 7.5. Procedimento: 7.5.1. Procedimento da ADI por omissão total; 7.5.2. Procedimento
da ADI por omissão parcial; 7.6. Julgamento da ADI por omissão total ou parcial: 7.6.1. Efeitos da decisão de uma ADI
por omissão; 7.7. Observações finais – 8. Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (Representação de Incons-
titucionalidade Interventiva): 8.1. Conceito; 8.2. Finalidades; 8.3. Objeto; 8.4. Legitimidade ativa; 8.5. Procedimento;
8.6. Julgamento; 8.7. Efeitos da decisão: provimento de uma ADI interventiva; 8.8. Observações finais sobre a ADI
interventiva – 9. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF): 9.1. Conceito; 9.2. Espécies de ADPF;
9.3. Objeto; 9.4. Legitimidade; 9.5. Procedimento; 9.6. Julgamento; 9.7. Efeitos da decisão da ADPF; 9.8. Observações
finais – 10. Controle Concentrado In Abstrato de Constitucionalidade no Âmbito Estadual e do DF – 11. Últimas con-
siderações sobre o Controle de Constitucionalidade: 11.1. Interpretação conforme a Constituição: 11.1.1. Introdução;
11.1.2. Conceito; 11.1.3. Efeitos da interpretação conforme a Constituição; 11.1.4. Observação final; 11.2. Declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto: 11.2.1. Introdução; 11.2.2. Conceito; 11.2.3. Observações finais;
11.3. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade; 11.4. Declaração de constitucionalidade de lei
“ainda” constitucional; 11.5. Sentenças intermediárias: sobretudo as sentenças normativas (ou sentenças manipula-
tivas): 11.5.1. Conceito – 12. As Sentenças Intermediárias no Controle de Constitucionalidade: 12.1. Introdução; 12.2.
Sentenças interpretativas: 12.2.1. A interpretação conforme a Constituição; 12.2.2. Declaração de inconstitucionali-
dade (nulidade) parcial sem redução de texto; 12.3. Sentenças aditivas; 12.4. Sentenças aditivas de princípios; 12.5.
Sentenças substitutivas – 13. Sentenças Transitivas: 13.1. Introdução; 13.2. Sentenças de inconstitucionalidade sem
efeito ablativo; 13.3. Sentença de inconstitucionalidade com ablação diferida; 13.4. Sentenças de apelo ou apelativas
(declaração de constitucionalidade de norma “ainda” constitucional ou declaração de constitucionalidade provisória
ou inconstitucionalidade progressiva); 13.5. Sentenças de aviso; 13.6. Conclusão sobre as Sentenças intermediárias –
14. Estado de coisas inconstitucional – 15. Controle de convencionalidade – 16. A Teoria dos Diálogos Institucionais
(constitucionais) e a superação (reação) legislativa – 17. O papel das cortes constitucionais – 18. Sobre a Deliberação
nos Tribunais (Cortes) Constitucionais – 19. Jurisdição constitucional fraca e os novos desenhos institucionais: o novo
modelo de constitucionalismo da comunidade britânica.

1.  CONCEITO de compatibilidade (ou adequação) de leis ou atos


normativos em relação a uma Constituição,2 no que
O controle de constitucionalidade visa garantir
tange ao preenchimento de requisitos formais e ma-
a supremacia e a defesa das normas constitucionais
teriais que as leis ou os atos normativos devem ne-
(explícitas ou implícitas1) frente a possíveis usur-
cessariamente observar.
pações, devendo ser entendido como a verificação

2. Conforme doutrina: “Como anota Jorge Miranda, constitucionali-


1. Atualmente, o princípio da proporcionalidade é considerado pa- dade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, isto é, a re-
râmetro para o controle de constitucionalidade sendo, portanto, classi- lação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa
ficado pela doutrina e jurisprudência como pátria norma constitucional, – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou
embora de cunho implícito. É importante salientar que, segundo o atual não compatível, que cabe ou não no seu sentido. Não se cuida porém,
posicionamento do STF, adota-se no ordenamento pátrio um conceito de de uma relação lógica ou intelectiva, adverte o mestre português, mas de
bloco de constitucionalidade restritivo em que o controle de leis ou atos uma relação de caráter normativo e valorativo. Em verdade, é essa relação
normativos tem por parâmetro apenas as normas expressas ou implícitas de índole normativa que qualifica a inconstitucionalidade, pois somente
na Constituição formal (bloco de constitucionalidade restrito) não se es- assim logra-se a afirmar a obrigatoriedade do texto constitucional e a ine-
tendendo às normas infraconstitucionais materialmente constitucionais ficácia de todo e qualquer ato normativo contraveniente” MENDES; COE-
(bloco de constitucionalidade em sentido ampliado). LHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 1.000.

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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

Segundo a doutrina majoritária, o controle de 2) o entendimento da Constituição como uma


constitucionalidade se apresenta como3 a análise de norma jurídica fundamental (que confere
parametricidade entre a Constituição e a Legislação fundamento de validade para o restante do
infraconstitucional nos países em que a Constituição ordenamento);
tem supralegalidade (exerce relação de supremacia
3) a existência de, pelo menos, um órgão dota-
em relação a todo o ordenamento jurídico) sendo,
do de competência para a realização da ati-
portanto, formal e rígida.4
vidade de controle;7
Porém, é mister salientar que a atividade de
confrontação entre a Constituição e os outros atos 4) uma sanção para a conduta (positiva ou ne-
normativos que ensejará o controle de constitucio- gativa) realizada contra (em desconformida-
nalidade, segundo clássica doutrina,5 deve ir além de) a Constituição.
da mera parametricidade, pois ínsito ao conceito é a
exigência fulcral de uma sanção. Ou seja, para uma 2. ESPÉCIES
  (TIPOS) DE INCONSTITUCIONA-
“jurisdição constitucional tradicionalmente forte”, LIDADE
não basta a inadequação da lei ou do ato normativo,
Trabalharemos, inicialmente, com algumas es-
observada e explicitada na verificação de não con-
pécies de inconstitucionalidade desenvolvidas dou-
formidade para com a Constituição. Após essa con-
trinária e jurisprudencialmente.8
clusão, faz-se necessária a declaração de invalidade
da lei ou do ato normativo. Nesses termos, defen- Sem dúvida, a definição de ato inconstitucional
de Gilmar Mendes, entre outros, que “a ausência de se relaciona com a inadequação entre uma conduta
sanção retira o conteúdo obrigatório da Constitui- (ou alguma prática) do Poder Público em relação às
ção, convertendo o conceito de inconstitucionalida- normas de cunho constitucional. Porém, essa con-
de em simples manifestação de censura ou crítica”,6 duta que irá contrariar preceitos constitucionais
sendo algo insuficiente na medida em que a referida pode ser tanto positiva quanto negativa. Daí a dife-
lei ou ato normativo ainda permaneceriam no siste- renciação quanto ao tipo de conduta entre a incons-
ma jurídico. titucionalidade por ação e a inconstitucionalidade
por omissão.
Portanto, à luz da doutrina, podemos estabele-
cer, pelo menos em regra, os pressupostos do clássico A inconstitucionalidade por ação diz respeito a
controle de constitucionalidade: uma conduta positiva que contraria normas previs-
tas na Constituição. Ou seja, o Poder Público produz
1) existência de uma Constituição formal e rí-
atos normativos em desacordo com a normatividade
gida;
constitucional.
A inconstitucionalidade por omissão decorre
de uma conduta negativa dos Poderes Públicos. Ou
3. In verbis: “Do ponto de vista prático, o controle de constitucionali- seja, estes não atuam, restam em inércia e com isso
dade ocorre assim: quando houver dúvida se uma norma entra em confli- não viabilizam direitos previstos na Constituição.9
to com a Constituição, o órgão ou os órgãos competentes para o controle
de constitucionalidade, quando provocados, realizam uma operação de
Nesse sentido, esse tipo de prática omissiva (non fa-
confronto entre as normas antagônicas, de modo que, constatada a ine- cere) também se caracteriza como inconstitucional
quívoca lesão a preceito constitucional, a norma violadora é declarada
inconstitucional.” CUNHA JÚNIOR, Dirley da, 2008, p. 257.
em alguns ordenamentos jurídicos, como o nosso
4. Lembramos que a única forma da Constituição rígida se modificar de 1988. A omissão, atualmente, vem sendo classi-
será por procedimentos (especiais) que ela mesma determina. Já, a Cons- ficada como total (absoluta) ou parcial. A omissão
tituição flexível não requer instrumentos especiais para a sua modificação,
alterando-se pelos mesmos procedimentos (comuns) que produzem uma total ocorre na hipótese de ausência de norma para
lei ordinária. Nesse sentido, com o estabelecimento da doutrina da supre-
macia da Constituição entabulada no célebre caso Marbury X Madison,
julgado pela Suprema Corte dos EUA, em 1803, as normas ordinárias que 7. CLÈVE, Clèmerson Merlin, A fiscalização abstrata da constitucio-
contrariarem uma Constituição formal-rígida não extirpam dispositivos nalidade no direito brasileiro, p. 28-34. MIRANDA, Jorge, Manual de direito
da Constituição do sistema jurídico, mas, pelo contrário, são extirpadas do constitucional, T. II, p. 376; CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito cons-
ordenamento por incompatíveis com a Constituição. titucional, 2008, p. 258; MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito cons-
5. Entre nós, Ruy Barbosa, na sua perspectiva alinhada ao modelo titucional, 2008, p. 1.003.
americano de controle de constitucionalidade, já expressava a necessi- 8. MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008,
dade de enquadrar no conceito de inconstitucionalidade a sanção à vio- p. 1.010-1.028; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, Tomo. IV.
lação do texto constitucional (Os atos inconstitucionais do congresso e do 9. A inconstitucionalidade por omissão se manifesta diante de uma
executivo, trabalhos jurídicos, p. 46-47). No mesmo sentido, KELSEN, Hans. conduta negativa do Poder Público, consistente em deixar de expedir
A jurisdição constitucional, 2000. os atos legislativos ou executivos necessários para tornar plenamen-
6. MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, te aplicáveis as normas constitucionais dependentes de legislação
p. 1.003. regulamentadora (“normas constitucionais de eficácia limitada”).
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Cap. 20 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

viabilizar direitos previstos na Constituição, ou seja, legislação sobre direito penal. Portanto, se uma Lei
nesse caso o legislador realmente não empreendeu a Estadual dispuser sobre essas matérias do art. 22, I,
providência legislativa devida. Já a omissão parcial (sem a necessária delegação prevista no art. 22, pa-
ocorre quando existe ato normativo, mas é insufi- rágrafo único) haverá, então, inconstitucionalidade
ciente (insatisfatório) para a viabilização adequada formal orgânica por descumprimento de regra de
de direitos previstos na Constituição. competência.
A inconstitucionalidade, também, pode ser con- 2) Inconstitucionalidade formal por des-
ceituada como formal (nomodinâmica) ou material cumprimento dos pressupostos objetivos do ato
(nomoestática)10, conforme o tipo de vício ocorrido previstos na CR/88: conforme a doutrina de Go-
na edição de leis ou atos normativos em relação à mes Canotilho,13 existem pressupostos definidos na
Constituição11. Portanto, conforme o conceito ante- Constituição que devem ser entendidos como ele-
riormente citado de controle de constitucionalida- mentos determinantes de competência para órgãos
de, temos que as leis ou os atos normativos devem legislativos no exercício da função legiferante. Esses
preencher requisitos formais e materiais para terem pressupostos são inarredáveis e de cunho objetivo.
validade e, com isso, adequarem-se à Constituição. No ordenamento constitucional brasileiro, é mister
A inconstitucionalidade formal é aquela que salientar que também existem esses pressupostos a
envolve um vício no processo de produção das nor- serem respeitados sob pena de inconstitucionalida-
mas jurídicas, na medida em que as leis ou atos nor- de formal. Como exemplos, temos a edição de me-
mativos são editados em desconformidade com as didas provisórias sem a observância dos requisitos
normas previstas constitucionalmente. Nesse senti- de relevância e urgência, descumprindo o art. 62 da
do, fala-se na obediência a requisitos formais. Esses CR/88, bem como a edição de Lei estadual criando
dizem respeito, conforme salientado, ao modo ou novo município sem a observância dos pressupostos
à forma de elaboração (produção) da lei ou do ato objetivos previstos no art. 18, § 4º, da CR/88.14
normativo. Ou seja, se as leis ou os atos normativos 3) Inconstitucionalidade formal propria-
respeitaram (observaram) em sua gênese as normas mente dita: ocorre por inobservância das normas
previstas na Constituição. Sem dúvida, os vícios for- do processo legislativo previstas nos arts. 59 a 69,
mais envolvem defeitos na formação do ato norma- CR/88. Nesse caso, irá ocorrer o descumprimento
tivo. do devido processo legislativo constitucional.
No Brasil, a doutrina e a jurisprudência traba- Certo é que, para a doutrina majoritária, o pro-
lham atualmente com três possíveis tipos de incons- cesso legislativo tem três fases: iniciativa, constitu-
titucionalidade formal à luz de nosso atual ordena- tiva e complementar. Nesse sentido, será necessário
mento constitucional: cumprir os seguintes requisitos para que haja uma
1) Inconstitucionalidade formal orgânica: produção adequada (ou em consonância) das res-
envolve o descumprimento de regras de compe- pectivas espécies normativas previstas na Constitui-
tência12 previstas na CR/88 para a produção do ato. ção:
Como exemplo, podemos citar uma norma estadual
que venha a legislar sobre direito penal e com isso
descumprir o art. 22, I, da CR/88, que estabelece 13. GOMES CANOTILHO, J. J. Direito constitucional e teoria da Consti-
tuição, 2003, p. 1321.
ser matéria de competência privativa da União a 14. No que tange ao descumprimento dos pressupostos objetivos,
o STF, no julgamento da ADI nº 2.240, em que se debatia a inconstitucio-
nalidade da Lei do Estado da Bahia nº 7.619/2000, que criou o Município
Luís Eduardo Magalhães sem o devido cumprimento dos pressupostos
10. Essa terminologia intitulada de nomodinâmica (vício formal, previstos no referido art. 18, § 4º, da CR/88, declarou a inconstituciona-
ou seja, no processo dinâmico de produção das normas) e de nomoes- lidade da referida Lei, porém não pronunciou a sua nulidade, mantendo
tática (vício material, ou seja, no conteúdo das normas) se encontra nos sua vigência por mais 24 meses. Aqui é bom que se diga que a Emenda
trabalhos de Luiz David Araújo e Vidal Serrano Nunes. In: Curso de Direito Constitucional nº 57/2008 acrescentou o art. 96 na ADCT, que estabele-
Constitucional. ceu a convalidação dos municípios criados por lei estadual até 31 de de-
11. Temos, então, uma classificação quanto ao tipo de vício (ou for- zembro de 2006, nos seguintes termos: “Ficam convalidados os atos de
mal ou material) ou, para alguns, uma classificação quanto à norma cons- criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei
titucional ofendida (ou norma constitucional que estabelece “forma de tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisi-
elaboração de atos normativos” ou “norma constitucional de fundo” com tos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua cria-
seu conteúdo). ção.” Porém, essa Emenda Constitucional, que concedeu uma verdadeira
12. Nesses termos, são as lições de Luís Roberto Barroso: “A primeira “anistia” aos Estados, não resolveu de vez o problema atinente à criação de
possibilidade a se considerar, quanto ao vício de forma, é a denominada novos municípios no Brasil, pois, se atualmente forem criados municípios
inconstitucionalidade orgânica, que se traduz na inobservância da regra por Leis Estaduais, essas Leis serão inconstitucionais pela não existência
de competência para a edição do ato”. BARROSO, Luís Roberto, O controle da Lei complementar prevista no art. 18, § 4º, da CR/88 (descumprimento
de constitucionalidade no direito brasileiro, 2007, p. 26. de um pressuposto objetivo).
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

• requisitos formais subjetivos: dizem res- A inconstitucionalidade material é aquela que


peito à primeira fase do processo legislativo, ocorre quando o conteúdo de leis ou atos normati-
qual seja a fase da iniciativa. Portanto, rela- vos encontra-se em desconformidade (ou desacor-
ciona-se ao sujeito que tem competência ou do) com o conteúdo das normas constitucionais.
legitimidade para iniciar/deflagrar o proces- Nesse sentido, fala-se na inobservância de requisitos
so. Um exemplo de inconstitucionalidade materiais por parte de leis ou atos normativos. Com
formal subjetiva é o caso de um deputado isso, haverá inconstitucionalidade material quando
ou um senador apresentar um projeto de lei o conteúdo da lei ou do ato normativo contrariar
dando início ao processo legislativo sobre o conteúdo da Constituição. Aqui, é importante
matéria de competência privativa (exclusi- salientar, na esteira de Gomes Canotilho e Gilmar
va) do Presidente da República, prevista no Mendes e da própria jurisprudência pátria, que, no
art. 61, § 1º, da CR/88. Estaríamos diante do Brasil, a inconstitucionalidade material ou substan-
que a doutrina e a jurisprudência majoritá- cial não irá ocorrer apenas quando houver uma con-
ria intitulam de vício de iniciativa e afirmam trariedade entre um ato normativo e o seu parâme-
ainda que a sanção do Presidente da Repú- tro constitucional, pois também podemos detectar a
blica não supre o vício.15 inconstitucionalidade material na análise de “desvio
de poder ou do excesso de poder legislativo.”16
• requisitos formais objetivos: dizem res-
peito às outras fases do processo legislati- É mister salientar, ainda com apoio na doutrina
vo, chamadas de constitutiva (na qual há dos autores supracitados, que a verificação da in-
a discussão e votação das proposições) e constitucionalidade material, no que tange ao des-
complementar (na qual ocorre a integração vio de poder do legislador, refere-se diretamente ao
de eficácia do ato normativo já aprovado, princípio da proporcionalidade ou da proibição do
por meio da promulgação e publicação). excesso, apontados, atualmente, como verdadeiros
Se forem descumpridas algumas das regras baluartes da jurisprudência constitucional europeia
previstas por essas fases, ocorrerá incons- e nacional. Nesse sentido, será apreciado pelo órgão
titucionalidade formal objetiva. Um pri- de controle de constitucionalidade se o ato norma-
meiro exemplo sempre citado é do art. 69 tivo é adequado (relação de meios e fins), necessá-
da CR/88. O quórum previsto nesse artigo rio (se existe outro meio menos gravoso ou o meio
para a aprovação de Lei Complementar é o usado era a ultima ratio) e proporcional em sentido
de maioria absoluta; se, por acaso, for apro- estrito (ponderação, ou seja, relação de ônus/bônus).
vado um projeto de lei complementar com Além do princípio da proibição do excesso, a mesma
o quórum de maioria simples e for promul- doutrina cita ainda a verificação (análise) no contro-
gada a Lei complementar pelo Presidente da le de constitucionalidade do princípio da proibição
República, haverá uma inconstitucionalida- da proteção insuficiente. Nesses termos, o legislador
de formal objetiva dessa lei. Outro exemplo não poderia atuar em excesso (devendo respeitar a
de inconstitucionalidade formal objetiva proporcionalidade) e nem mesmo de forma insufi-
ocorre quando um projeto de lei aprovado ciente (devendo também respeitar a proporcionali-
na Casa revisora com emendas que causa- dade).17
ram uma alteração substancial nele (projeto Aqui, ainda é interessante mais uma digres-
de lei advindo da Casa iniciadora) não volta são, que diz respeito ao intitulado vício de decoro
para a Casa iniciadora apreciar as emendas, parlamentar (ou inconstitucionalidade por vício
ou seja, para que a Casa iniciadora aprove de decoro parlamentar). O vício de decoro parla-
ou não as emendas. Nesse caso, temos o des- mentar, conforme a doutrina, poderia ser definido
cumprimento de uma norma prevista no como aquele vício que ocorre no processo legislativo
processo legislativo, qual seja o parágrafo
único do art. 65 da CR/88.
16. CANOTILHO GOMES, J. J., Direito constitucional e teoria da Cons-
tituição, 2003; MIRANDA, Jorge, Manual de direito constitucional, 2001;
MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 1.013.
17. Nesse sentido, além de Canotilho (2003) e Mendes (2008), ver, so-
15. Conforme a Representação nº 890/74 julgada pelo STF. Esta defi- bretudo: SARLET, Ingo, Constituição e proporcionalidade: o direito penal e
niu o afastamento da aplicação da Súmula nº 5 do próprio STF, que pre- os direitos fundamentais entre a proibição do excesso e da insuficiência,
lecionava que a sanção do chefe do Executivo teria o condão de suprir o 2005; STRECK, Lenio Luiz, A dupla face do princípio da proporcionalidade:
vício de iniciativa. da proibição de excesso à proteção de proteção deficiente, 2005.
1410

JUS2660-Cursos-Fernandes-Curso de Dir Const-15ed.indb 1410 08/02/2023 10:04:23


Cap. 20 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

(processo de produção das espécies normativas) em É interessante que, com base também nesta tese,
virtude do abuso das prerrogativas ou de percepção foram ajuizadas Ações Diretas de Inconstitucionali-
de vantagens indevidas pelos parlamentares.18 dade no Supremo Tribunal Federal, questionando a
Nesse sentido, a alegação seria a de que, ocor- validade de alguns dispositivos da Constituição da
rendo o desvirtuamento do processo, por quebra de República que foram alterados por meio de emen-
decoro em virtude de atitudes (práticas) que levem da constitucional, durante o período de existência
a essa conclusão, poderíamos ter a configuração do “mensalão”. Nesse sentido, as ADIs 4885, 4887,
da contrariedade à forma pela qual as normas são 4888 e 4889 questionam a Reforma da Previdência
produzidas no processo (legislativo) determinado em razão do julgamento da AP 470 pelo Supremo
constitucionalmente, derivando daí uma possível Tribunal Federal.
inconstitucionalidade. Um exemplo, a ser discutido, É bem verdade que, com base no mesmo funda-
poderia ser o do “caso mensalão”, recentemente en- mento, poderiam ser questionadas Leis Ordinárias
frentado pelo STF, na AP nº 470. Neste, restou con- ou Complementares ou outras espécies normativas
substanciado o pagamento de quantitativos finan- fruto do processo legislativo desenvolvido no perío-
ceiros para a aprovação de normas jurídicas (sejam, do do “mensalão”. Para Lenio Streck, a tese do vício
por exemplo, Emendas Constitucionais, Leis Com- de decoro parlamentar como gerador de inconstitu-
plementares ou Leis Ordinárias)19. Essa tese, inicial- cionalidade “desconsidera, além da já aludida res-
mente trabalhada apenas no âmbito doutrinário, re- ponsabilidade subjetiva/pessoal do parlamentar por
centemente fundamentou uma polêmica decisão da atos de quebra de decoro, o importantíssimo fator
1ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte-MG, de que questões relativas ao decoro parlamentar di-
em um caso concreto, que considerou inconstitucio- zem respeito ao autogoverno do Poder Legislativo,
nal a Emenda Constitucional 41/2003, que positivou ingressando no plano da autonomia funcional deste
a reforma da previdência na ordem constitucional.20 poder.22
Referida decisão foi também fundamentada no fato
de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a
existência do “mensalão” como esquema de com-
inconstitucional por defeito de forma. Diz ele que houve inconstitucio-
pra de votos no Congresso Nacional entre os anos nalidade por “vício de desvio de decoro parlamentar”. É falsa a tese do
de 2003 e 2004, por ocasião do julgamento da Ação magistrado, por pelo menos três razões: b.1) não se poderia presumir tal
vício, que supostamente maculara a “vontade” ou “decisão” parlamentar
Penal 470, ainda em trâmite. Diante disso, concluiu (de que parlamentar? em que medida?); de que modo se pode comprovar
o magistrado mineiro que as normas editadas nesse uma coisa dessas? Como saber “objetivamente” quem votou ou não por
período padecem de vício de inconstitucionalidade supostamente ter sido “comprado” ou não? Como falar em abuso de prer-
rogativas parlamentares? Essas conclusões do magistrado só poderiam
formal (entendimento do vício de decoro parlamen- ter sentido se o acórdão do STF explicitasse tais vícios, amiúde; b.2) desde
tar como um vício formal, ocorrido no processo de quando a validade de uma lei ou emenda depende de uma suposta “von-
tade imaculada do legislador”? Afinal, não estamos diante de “comandos
produção do ato normativo).21 despsicologizados”? Ou vamos voltar à cabotina discussão do século XIX
entre vontade do legislador e vontade da lei? Ora, as razões concreta-
mente articuladas no curso do processo legislativo são as expressamente
apresentadas nos relatórios das comissões parlamentares e não aquelas
18. “Art.55: § 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos não explicitadas que levam a se votar dessa ou daquela maneira; b.3) não
casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas assegu- dá para aferir a legitimidade de uma decisão legislativa nesses termos. Por
radas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens mais que se possa compreender o sentido do que pretende o juiz, ele não
indevidas.” Na doutrina, citando e defendendo a tese da existência desse tem como exercer esse juízo. Como aferir que a “vontade” estaria viciada
vício, temos: LENZA, Pedro, p.255, 2012. Embora o autor o coloque como ou desviada, da maioria parlamentar necessária à aprovação da Emenda?”.
uma terceira categoria, entendemos, que se porventura existisse esse ví-
22. Nesse sentido: “(...) é uma questão interna corporis, não cabe ao Ju-
cio (o que em nossa opinião não encontra assento), ele teria de ser en-
diciário agir como se fosse uma espécie de paladino da boa ordem e dos
tendido como uma espécie de vício formal, pois se daria no processo de
costumes. Pensemos no inverso: poderia o Legislativo sustar atos do Judi-
produção das normas.
ciário sob o pretexto de que foram praticados por juiz que descumpriu a
19. Contra tal tese, em instigante artigo, temos Lenio Streck, In: “E o liturgia da profissão? Por exemplo, as sentenças exaradas pelo juiz Rocha
juiz mineiro azdakiou ou Eis aí o sintoma da crise”. ConJur, novembro de Matos poderiam ser cassadas?” E ainda criticando a decisão do magistra-
2012. do mineiro, com base em tal tese: “(...) O raciocínio do magistrado mineiro,
20. MS nº0024.12.129.593-5. 1ª Vara da Fazenda e Autarquias de Belo se levado às últimas consequências, (re)cria o famoso paradoxo do tem-
Horizonte/MG (03.10.2012). po ou da máquina do tempo. Se, de fato, o Congresso esteve viciado (até
21. Lenio Streck faz veemente crítica a decisão In: “E o juiz mineiro quando?) em face do vício de decoro, talvez o próprio ministro Joaquim
azdakiou ou Eis aí o sintoma da crise”. Consultor Jurídico, novembro, 2012. Barbosa não poderia ter tido o seu nome aprovado; vários ministros não
Nesse texto, o professor sustenta que: “a) Não há trânsito em julgado e poderiam ser ministros; quantas leis foram aprovadas nesse período? Até
sequer acórdão publicado na AP 470. Não se produzem efeitos jurídicos onde ia(foi) o vício decorrente da falta de decoro parlamentar? Nem mes-
de um acórdão não findo; b) Para o juiz, o esquema de venda de votos mo os aumentos salariais de juízes e promotores nesse período valeriam
condenado no julgamento do mensalão já produz, por si, efeitos sobre (com o que teríamos que devolver o dinheiro). E as medidas provisórias
o mundo jurídico. Ou seja: para o juiz, esse esquema da venda de votos aprovadas? Pensar nesse “retorno” proposto pelo juiz mineiro é como o su-
de parlamentares contaminou a atividade legislativa desse Congres- jeito que volta na máquina do tempo e mata o próprio pai; consequente-
so, fazendo com que a EC 41 contraísse um vício na origem. Logo, seria mente, ele não teria nascido...; e se não tivesse nascido, não teria entrado
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

Aqui é interessante ressaltar, que em 10.11.2020, inequívoca de que sem os votos viciados pela ilicitu-
o Pretório Excelso apreciou as ADIs acima citadas. de o resultado do processo constituinte reformador
Afirmou o STF, que em tese é possível o reconheci- ou legislativo teria sido outro, com a não aprovação
mento de inconstitucionalidade formal no processo da proposta de emenda constitucional ou com a re-
constituinte reformador quando eivada de vício a jeição do projeto de lei, não se há declarar a incons-
manifestação de vontade do parlamentar no curso titucionalidade de emenda constitucional ou de lei
do devido processo constituinte derivado, pela práti- promulgada.25
ca de ilícitos que infirmam a moralidade, a probida- Portanto, a conclusão é a de que é possível o re-
de administrativa e fragilizam a democracia repre- conhecimento de inconstitucionalidade formal no
sentativa.23 processo de reforma constituinte quando houver ví-
O STF afirmou que, sob o aspecto formal, as cio de manifestação de vontade do parlamentar, pela
emendas constitucionais devem respeitar o devido prática de ilícitos. Porém, para tanto, é necessária a
processo legislativo, que inclui, entre outros requi- demonstração inequívoca de que, sem os votos vi-
sitos, a observância dos princípios da moralidade e ciados pela ilicitude, o resultado teria sido outro.
da probidade. No caso, apenas alguns Deputados (sete) fo-
Para o STF, o devido processo constituinte refor- ram condenados pelo Supremo na AP 470, por ficar
mador não tem apenas aquelas restrições expressas comprovado que eles participaram do esquema de
no art. 60 da Constituição Federal, submetendo-se compra e venda de votos e apoio político conhecido
também aos princípios que legitimam a atuação das como Mensalão. Portanto, o número comprovado
casas congressuais brasileiras. de “votos comprados” não é suficiente para compro-
Inclui-se, no devido processo legislativo, a obser- meter as votações das ECs 41/2003 e 47/2005. Ainda
vância dos princípios da moralidade e da probidade, que retirados os votos viciados, permanece respei-
voltados a “impedir que os dispositivos constitucio- tado o rígido quórum estabelecido na Constituição
nais sejam objeto de alteração através do exercício Federal para aprovação de emendas constitucionais,
de um poder constituinte derivado distanciado das que é 3/5 em cada casa do Congresso Nacional.26
fontes de legitimidade situadas nos fóruns de uma Diante desses argumentos, não há inconstitu-
esfera pública que não se reduz ao Estado”. cionalidade formal por vício de decoro parlamentar
Nesse sentido, o vício de corrupção da von- a ser declarada, por não estar evidenciado que as
tade do parlamentar e de seu compromisso com o Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005 foram
interesse público subverte o regime democrático e aprovadas apenas em razão do ilícito “esquema de
deliberativo adotado pela CR/88 e ofende o devido compra de votos” de alguns parlamentares no curso
processo legislativo por contrariar o princípio da re- do processo de reforma constitucional.27
presentação democrática que deve, obrigatoriamen- A inconstitucionalidade, também, pode ser di-
te, nortear a produção de normas jurídicas.24 ferenciada quanto à extensão da desconformidade
Para o STF, demonstrada a interferência ilíci- da lei ou do ato normativo em relação à Consti-
ta na fase de votação pela prevalência de interesses tuição. Nesses termos, fala-se em inconstituciona-
individuais do parlamentar, admite-se o reconheci- lidade total e em inconstitucionalidade parcial. A
mento de inconstitucionalidade formal de emenda total ocorre quando toda a lei ou o ato normativo
constitucional ou norma infraconstitucional. se encontram em total inadequação à Constituição.
Ou seja, a declaração de inconstitucionalidade irá
Entretanto, de acordo com o princípio da pre-
atingir a integralidade da lei ou do ato normativo.
sunção de inocência e da legitimidade dos atos le-
Já a inconstitucionalidade parcial ocorre quando
gislativos, há de se comprovar que a norma tida por
apenas partes da lei ou do ato normativo (alguns
inconstitucional não teria sido aprovada, se não
dispositivos normativos) contrariam a Constituição,
houvesse o grave vício a corromper o regime demo-
devendo estes ser declarados inconstitucionais. É
crático pela “compra de votos”. Sem a demonstração

na máquina do tempo”. Lenio Streck, In: “E o juiz mineiro azdakiou ou Eis aí 25. ADI 4887/DF, ADI 4888/DF e ADI 4889/DF, STF. Plenário. Rel. Min.
o sintoma da crise”. Consultor Jurídico, Nov.de 2012. Cármen Lúcia, julgado em 10.11.2020 (Inf. 998).
23. ADI 4887/DF, ADI 4888/DF e ADI 4889/DF, STF. Plenário. Rel. Min. 26. ADI 4887/DF, ADI 4888/DF e ADI 4889/DF, STF. Plenário. Rel. Min.
Cármen Lúcia, julgado em 10.11.2020 (Inf. 998). Cármen Lúcia, julgado em 10.11.2020 (Inf. 998).
24. ADI 4887/DF, ADI 4888/DF e ADI 4889/DF, STF. Plenário. Rel. Min. 27. ADI 4887/DF, ADI 4888/DF e ADI 4889/DF, STF. Plenário. Rel. Min.
Cármen Lúcia, julgado em 10.11.2020 (Inf. 998). Cármen Lúcia, julgado em 10.11.2020 (Inf. 998).
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Cap. 20 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

importante salientar que o vício pode recair sobre doutrina e, sobretudo, para a jurisprudência atual do
um ou vários dispositivos ou sobre partes de um de- STF,30 não se trata de inconstitucionalidade, mas
les, inclusive uma única palavra.28 de revogação (tecnicamente denominada de “não
A doutrina pátria afirma que, em regra,29 a in- recepção”) do direito anterior incompatível com a
constitucionalidade formal se relaciona com a in- nova normatividade constitucional, devendo a ques-
constitucionalidade total, visto que o ato na sua tão ser resolvida pelo âmbito do direito intertempo-
origem (gênese) é eivado de inconstitucionalidade, ral. Nesses termos, a questão versaria sobre a recep-
devendo todo ele ser declarado inconstitucional. Já ção ou não recepção31 dos atos normativos anteriores
a inconstitucionalidade material, em regra, pode à luz da nova Constituição. Porém, é mister salientar
ocorrer tanto com a declaração de inconstitucionali- que, se pelo menos tradicionalmente32 não cabe ADI
dade parcial (o que é inclusive mais comum) quanto sobre lei ou ato normativo anterior à Constituição,
com a inconstitucionalidade total. caberá atualmente a Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental, em consonância com a Lei
A inconstitucionalidade pode, também, ser clas-
nº 9.882/99.
sificada quanto ao momento de criação da norma
contrária à Constituição em originária ou superve- Outras espécies de inconstitucionalidade deno-
niente. Portanto, essas espécies ou tipos de incons- minam-se de inconstitucionalidade antecedente ou
titucionalidade se relacionam ao momento da pro- imediata (direta) e inconstitucionalidade indireta
dução ou da elaboração da lei ou do ato normativo (reflexa), consequente, derivada ou por arrasta-
em relação ao parâmetro Constituição. mento. Essas dizem respeito ao prisma de apuração
da inconstitucionalidade.
A inconstitucionalidade originária ocorre
quando uma lei ou um ato normativo é editado (nas-
ce) após o início da vigência de uma Constituição e a
contraria. Ou seja, sob a égide de uma determinada 30. A questão foi discutida no império da Constituição atual, inicial-
Constituição, surgem uma lei ou ato normativo que mente na ADI nº 2, e teve como Relator o Ministro Paulo Brossard, que fir-
mou entendimento de que a inconstitucionalidade só poderia ocorrer em
violam (contrariam) a lei maior do ordenamento ju- relação às normas posteriores à Constituição, pois as normas anteriores
rídico. incompatíveis seriam questão de direito intertemporal. Como exemplo
de julgados, in verbis: “Essa corte já firmou o entendimento de que não
Já a inconstitucionalidade superveniente ocorre cabe ação direta de inconstitucionalidade quando a alegação de inconsti-
quando existem leis ou atos normativos vigorando tucionalidade se faz em face de texto constitucional que é posterior ao ato
normativo impugnado, pois, nesse caso, a denominada inconstitucionali-
(e em consonância) sob a base de uma Constituição dade superveniente se traduz em revogação” (STF, ADI MC nº 2.501-MG,
que posteriormente é revogada por uma nova Cons- Rel. Min. Moreira Alves).
tituição que não mais coaduna com essas leis ou atos 31. Alguns doutrinadores entendem que o termo revogação é inade-
quado, visto que o que poderia revogar um ato normativo seria outro ato
normativos ou, ainda, quando o texto constitucional normativo de igual hierarquia. Nesses termos, uma norma constitucional
é alterado por meio de emenda constitucional. Ou só poderia ser revogada por outra, uma lei ordinária por outra, uma lei
federal por outra, uma lei estadual por outra, e assim em diante. Com isso,
seja, com o “surgimento de uma nova Constituição tecnicamente a inconstitucionalidade superveniente não seria hipótese
ou com a alteração da atual por meio de emenda de revogação de atos normativos anteriores, mas, sim, de não recepção
ou de cessação de vigência.
constitucional”, há uma alteração do parâmetro 32. Coloco o termo “tradicionalmente” porque o STF paulatinamente
constitucional, fazendo com que legislações ante- vem acenando com uma modificação de entendimento sobre o tema. Nes-
riores se tornem incompatíveis. Para boa parte da se sentido, são as palavras de Gilmar Mendes, que, apesar de reconhecer o
entendimento tradicional do STF, já aponta algumas exceções. Senão veja-
mos: “Anote-se, todavia, que, em julgamento realizado em 1-8-2006, o Tribunal
rejeitou a preliminar de não conhecimento da ADI 3.619, proposta contra os
28. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito arts. 34, § 1º, e 170, I da Consolidação do Regimento Interno da Assembleia Le-
brasileiro, 2007, p. 38. Aqui duas observações são importantes: 1) O autor cha- gislativa do Estado de São Paulo. Ressaltou o relator, Ministro Eros Grau, que os
ma a atenção recorrendo ao STF (ADI MC nº 896-DF Rel. Min. Moreira Alves) preceitos impugnados, embora reproduzissem normas assemelhadas veicula-
para afirmar que a decisão que declara a inconstitucionalidade parcial não das originalmente na Resolução 576/70, estavam inseridos no Ato n. 1, de 2005,
pode subverter o sentido da norma; 2) A possibilidade do STF declarar que consolidou, em texto único, diversas resoluções anteriores. É, portanto,
a inconstitucionalidade de palavras ou expressões intitula-se princípio da afirma, posterior à vigente Constituição do Brasil, sendo revestido de autono-
parcelaridade no controle de constitucionalidade. mia suficiente para ser submetido ao controle concentrado de constituciona-
29. Mas aqui devemos fazer uma advertência. A inconstitucionali- lidade. Nas palavras de Pertence, proferidas no mencionado julgamento uma
dade formal não gerará sempre a inconstitucionalidade total de leis ou norma pré-constitucional, ao se incorporar a um diploma pós-constitucional,
atos normativos, pois existem exceções, não raro olvidadas pela doutrina. que a poderia alterar, transforma-se em norma pós-constitucional, de modo a
Nesse sentido, podemos citar como exemplos: uma lei ordinária que tra- admitir, conforme a jurisprudência do Supremo, o controle abstrato. Observe-
ga um dispositivo normativo reservado à lei complementar, ou uma lei fe- -se ainda que, ao apreciar a ADI 3.833, que impugnou o Decreto Legislativo n.
deral que tenha em seu contexto normativo um (único) artigo que usurpe 444/2003 em face da EC n. 41/2003, o Tribunal houve por bem afirmar que, a
competência dos Estados-membros, visto que a matéria era reservada a despeito de se cuidar de direito pré-constitucional, poderia a Corte reexaminar
eles pela Constituição. Nesses casos, teremos a declaração de inconstitu- incidentalmente, em controle abstrato, a revogação ou não recepção do direito
cionalidade formal de cunho parcial. BARROSO, Luís Roberto. O controle anterior. Trata-se de uma reorientação jurisprudencial quanto ao tema” (MEN-
de constitucionalidade no direito brasileiro, 2007, p. 39. DES, Gilmar. Curso de direito constitucional, 2008, p. 1.019-1.020).
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Bernardo Gonçalves Fernandes

A inconstitucionalidade imediata ou direta ato normativo decorre não de sua incompatibilidade


é aquela que resulta da incompatibilidade (ou ina- direta com a Constituição, mas da inconstitucionali-
dequação) direta e imediata de atos normativos em dade de outra norma que guarda relação de depen-
relação à Constituição, não havendo qualquer outro dência (instrumentalidade) com ela.
tipo de intermediação normativa entre a norma ina- Por último, temos a intitulada inconstitucionali-
dequada e a Constituição. Nesse sentido, a relação dade circunstancial. Essa se verifica quando, apesar
de parametricidade se dá de forma direta entre o ato de constitucional em termos amplos (em uma diver-
normativo e a Constituição. sidade de situações de aplicação), temos a declaração
Já a inconstitucionalidade indireta ocorre de inconstitucionalidade de uma norma em virtude
quando há a inconstitucionalidade de uma norma de sua incidência sobre uma determinada situação
intermediária entre o ato normativo que se relaciona específica (que a torna inconstitucional). Ou seja,
diretamente com a Constituição e a própria Cons- tendo em vista a complexidade fático-jurídica, ape-
tituição. Portanto, o ato normativo inconstitucional sar de validade geral de um enunciado normativo,
não se relaciona diretamente com a Constituição. este pode ser em um determinado contexto particu-
Essa inconstitucionalidade pode ser subdividida em lar (em termos rigorosos: em determinada e especí-
duas espécies: fica situação de aplicação) declarado inconstitucio-
1) inconstitucionalidade reflexa (ou por via nal.35
oblíqua), que consiste na incompatibilidade de uma
norma infralegal como um decreto expedido pelo 3. MATRIZES E MODALIDADES DE CONTROLE
Chefe do Executivo (ou uma resolução) com a lei a DE CONSTITUCIONALIDADE
que ele se relaciona ou se reporta e, por via reflexa De forma ampla, a doutrina que trabalha o tema
ou mediata (indireta), com a própria Constituição. controle de constitucionalidade em terrae brasilis,
Portanto, se o Presidente da República expede um bem como no estrangeiro, costuma diferenciar, no
decreto regulamentar que contraria a lei que ele visa- início do estudo desse importante tema, as grandes
va dar fiel execução, temos que esse decreto é ilegal e,
indiretamente, inconstitucional. É bom lembrarmos
que, à luz do STF, esse tipo de incompatibilidade é procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do in-
considerado ilegalidade e não inconstitucionalida- ciso II do § 1º do art. 82, do ADCT da Constituição do Estado de Minas Gerais,
bem como, por arrastamento, dos §§ 4º, 5º e 6º do mesmo art. 82, os quais fo-
de. Portanto, nesse caso, temos uma crise de ilega- ram acrescentados pela Emenda Constitucional estadual 70/2005”. (Rel. Min.
lidade e não de inconstitucionalidade, conforme a Joaquim Barbosa, Julg. em 04.09.2008). Por ultimo, ver: ADPF 915/MG Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20.05.2022 (Inf. 1055).
jurisprudência dominante.33 35. BARCELLOS, Ana Paula. Ponderação, racionalidade e atividade ju-
2) inconstitucionalidade por arrastamento risdicional, p. 231. Como exemplo, cita Ana Paula Barcelos a antiga ADI
233 em que se discutia a constitucionalidade ou não da normatividade que
ou consequente, que consiste na possibilidade de o obstaculizava a concessão de tutela antecipada e liminares contra a Fazenda
STF declarar a inconstitucionalidade de uma norma Pública. Em suas análises, sustentou que o Poder Judiciário deveria lidar
de forma diferenciada com as situações de impedimento da tutela, nos
objeto do pedido e também de outro ato normativo casos: de reenquadramento de servidores públicos e de concessão de tutela
que não foi objeto do pedido em virtude de correla- para que fornecimento de remédios ou mesmo a concessão de tutela para o
custeio pelo Estado de uma cirurgia extremamente necessária para a manu-
ção, conexão ou interdependência entre eles, geran- tenção da vida de um indivíduo. Outro exemplo: “uma lei pode ser inconstitu-
do uma exceção ao princípio da adstrição (art. 460 cional em razão de sua incompatibilidade com a realidade vivida em deter-
do CPC).34 Portanto, a inconstitucionalidade desse minado momento, o que faz com que ela não se amolde ou passe a não mais se
amoldar às exigências constitucionais, ainda que momentaneamente. Isso
significa que, superada a situação, uma norma pré-existente poderá retomar
sua compatibilidade com a Constituição, mas também que uma norma apro-
33. Vide: ADI 2.535/MT julg. em 19.12.2001 de Rel. do Min. Sepúlveda vada durante o estado de excepcionalidade poderá passar a ser compatível
Pertence, que assim prelecionou: “Tem-se inconstitucionalidade reflexa – com ela. (...) O estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário há
a cuja verificação não se presta a ação direta – quando o vício de ilegitimi- de ser tido como passageiro. Jamais permanente, conforme assentou o STF.
dade irrogado a um ato normativo é o desrespeito à Lei Fundamental por Por outro lado, a possibilidade de a pena privativa de liberdade poder se es-
haver violado norma infraconstitucional interposta, a cuja observância tender por, até, 40 (quarenta) anos, abstratamente, não ofende parâmetro
estaria vinculado pela Constituição”. constitucional nem convencional algum. Qualquer glosa encerra juízo me-
34. Como exemplo, teríamos a declaração de inconstitucionalidade ramente político. Porém, no cenário atual, em vista da realidade prisional e
de um artigo de uma Lei e a inconstitucionalidade por arrastamento de da expectativa de vida dos segmentos mais vulneráveis às políticas de
outros artigos que não foram objeto do pedido, mas que tinham uma re- encarceramento, representa, sim, aprisionamento, no mínimo, tendente à
lação de codependência (conexão) com o artigo objeto do pedido que perpetuação – a expectativa é que o condenado faleça no cárcere. Óbvio que se
foi devidamente declarado inconstitucional. Outro exemplo seria o de está diante de um prognóstico. Mas admiti-lo, por si só, já é constitucional-
um decreto expedido para dar execução a uma lei inconstitucional; com a mente inaceitável. Assim, o novel art. 75, cabeça, e §1º do Código Penal é, cir-
declaração da inconstitucionalidade desta lei também será reconhecida a cunstancialmente, inconstitucional, até que o sistema carcerário nacional se
do decreto (este por arrastamento). Na jurisprudência, na decisão da ADI alinhe às exigências inerentes à dignidade humana, abandonando o estado
nº 2.501, temos: “Em conclusão, o Tribunal conheceu em parte de ação direta de coisas inconstitucional que o caracteriza. DUTRA SANTOS, Marcos Paulo.
ajuizada pelo Procurador-Geral da República e, na parte conhecida, julgou Comentários ao Pacote Anticrime, p.558,2020.
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