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Revisão Técnica:
Prof. Dr. Reinaldo Zychan
Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Introdução à Criminologia e sua Etapa
Pré-Científica: a Criminologia Enquanto
Ciência e a Criminologia Positivista
OBJETIVOS
DE APRENDIZADO
• Estudar e entender a evolução histórica dos estudos sobre o crime até sua sistematização
enquanto ciência social;
• Analisar o seu desenvolvimento teórico e prático no decorrer dos tempos e sua influência
na política criminal e no Direito Penal.
UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Figura 1
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
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Giovanni Battista Della Porta (1535-1615) e o teólogo e filósofo suíço Johann Kaspar
Lavater (1741-1801), este último, inclusive, comparava o criminoso a animais apon-
tando para uma bestialidade e malevolência natural do homem.
Você Sabia?
Na Roma antiga o Édito do Imperador Valério dispunha que “na dúvida entre dois pre-
sumidos culpados, condena-se o mais feio”.
A Frenologia, por sua vez, ao estudar o crânio e cérebro dos criminosos, atribuía
a origem do crime a má formações cerebrais. Destaca-se a pesquisa desenvolvida
pelo médico neurologista e neurocientista alemão Franz Joseph Gall (1758-1828),
que mapeou em 38 regiões o cérebro de diversos delinquentes.
Frenologia é o ramo de estudo que indica ser a forma e saliências do crânio fatores deter-
minantes sobre as faculdades e aptidões mentais do indivíduo.
Figura 2
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
Figura 3
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Em Síntese
O delito era produto da livre escolha do ser humano, ou seja, do seu livre-arbítrio.
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Ainda de forma introdutória, ressalte-se que hoje em dia a Criminologia se
desenvolve através de conjuntos organizados de estudos constituindo-se em verdadeira
ciência. À frente, delimitaremos o marco inicial da chamada Criminologia científica.
Registre-se que desde seus primórdios até hoje em dia, a Criminologia é formada
por diversos pensamentos e teorias, as quais, em razão do momento histórico-social,
da ideologia, do desenvolvimento teórico e tecnológico discorrem sobre diversos
fatores relacionados à criminalidade. Sendo assim, não há uma verdade criminoló-
gica, mas, ao contrário, várias formas de pensar e enxergar o fenômeno do crime.
Estudaremos no transcorrer do curso diversas dessas teorias, cada qual nos seus
aspectos gerais e específicos.
Trata-se de ciência ontológica, pois tem como meta o estudo do “mundo do ser”,
do ser humano naturalmente considerado no tocante à sua existência enquanto indi-
víduo integrado em uma sociedade em um determinado momento da história (locali-
zado no tempo e espaço). Não se ocupa do estudo da legislação penal, mas do crime
enquanto fenômeno social.
O termo ontologia é originário do grego onto = ser e logia = estudo, sendo assim, é o estudo
do ser, do estado natural das coisas e do ser humano.
A Criminologia é diferente, por exemplo, do Direito Penal, o qual, por sua vez,
é uma ciência deontológica, se ocupando do estudo das regras de comportamento
impostas pelo Estado aos indivíduos e, portanto, pertencente ao “mundo do dever
ser”. Quer se dizer que, o Direito Penal estuda o conjunto de normas jurídico-penais
(ordenamento jurídico-penal) e os respectivos métodos de interpretação e aplicação
da lei pelo Poder Judiciário a casos concretos (jurisprudência). A Criminologia, por
seu turno, adota outra metodologia de pesquisa.
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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Indutivo: termo que decorre de indução, significando raciocínio que, após considerar um
número suficiente de casos particulares, conclui uma verdade geral.
Difere, como dissemos, do Direito Penal, que interpreta a legislação penal buscando
compreender sua aplicabilidade a um caso concreto.
Figura 4
Empirismo
A criminologia, grosso modo, se ocupa da análise das causas e consequências
da criminalidade enquanto fenômeno social localizado em um determinado tempo e
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espaço, e assim o faz, através de método empírico, ou seja, através da observação de
fatos realmente ocorridos em uma determinada sociedade.
Quer se dizer que busca conhecer a realidade dos fatos e, após essa análise, tira
suas conclusões acerca dos diversos fatores envolvidos com a prática delitiva. Em outras
palavras, chega a suas conclusões a partir da observação da realidade dos fatos ocor-
rentes na sociedade.
Interdisciplinaridade
Consiste no ponto de encontro da ótica de diversas outras ciências que também
se debruçam sobre o crime, desta feita, aglutina teorias, pesquisas, análises e conclu-
sões de outras ciências como sociologia, psicologia, antropologia, economia, medi-
cina, história, estatística etc.
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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Objetos de Estudo
Como afirmamos acima, a Criminologia é o estudo do crime, não é o estudo da
lei penal (são óticas diferentes), mas do delito enquanto fato real e praticado no seio
da sociedade, não se limitando a somente analisar o contexto fático, mas também
seu autor, a vítima e o controle social do fato delituoso.
Registre-se que nem sempre a Criminologia teve vários objetos de estudo. No seu
desenvolver enquanto ciência, em dados momentos, o foco recaiu somente sobre
o delito, em outros, somente sobre o delinquente, e assim por diante. No entanto,
modernamente, abarca pluralidade de objetos, a saber: delito, autor do crime, vítima
e controle social.
O Delito
Primeiramente, reafirme-se que o enfoque criminológico não recai sobre o
estudo da legislação penal, não discorre sobre os métodos de interpretação e
aplicabilidade das normas jurídico-penais a um caso concreto, isso é tarefa do
Direito Penal.
Refere-se a Criminologia ao delito como fato social relevante para toda a socieda-
de, e não como entidade jurídico-penal de importância somente para os indivíduos
envolvidos (autor e vítima), buscando compreender as diversas razões que levaram o
indivíduo a delinquir, assim como as consequências de seu comportamento.
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O Delinquente
Algumas vertentes teóricas focam em seus traços físicos, outras, psicológicos, e
outras ainda em aspectos sociais ou até mesmo econômicos que o conduziram à
prática delitiva, sendo comum a junção de diversas causas em uma mesma linha de
pensamento. Busca, assim, desenvolver, em vários aspectos distintos, análise sobre
a personalidade do agente, de sua capacidade intelectivo-volitiva, de suas condições
socioeconômicas, enquanto indivíduo localizado em uma dada sociedade, em um
momento da história, cada teoria, por vezes, com maior enfoque em uma ou outra
característica isolada, ou conjuntamente consideradas.
Da mesma forma que ocorre com as teorias e análise sobre o fato criminoso, os
estudos criminológicos sobre o delinquente abordam diferentes aspectos, por exem-
plo, as vezes com maior enfoque no livre-arbítrio, por vezes nos aspectos socioeco-
nômicos (classe social), em outros momentos, em características biológicas, genéticas
e até mesmo patológicas, como psicopatia ou debilidade mental.
Quer se dizer que algumas reflexões consideram o responsável pela prática deli-
tiva como indivíduo guiado pela sua manifestação de vontade (livre-arbítrio), como
pessoa que deliberadamente opta pelo comportamento criminoso, outras teorias
o consideram um incapaz, cuja incapacidade cognitiva é determinada por fatores
genéticos ou biológicos (desenvolvimento mental incompleto ou doença mental).
Ademais, há outras linhas de raciocínio que focam nas condições socioeconômicas
do delinquente, como origem de seu comportamento desviante, e outras ainda que,
levando em conta a posição política e econômica, consideram o sentimento de impu-
nidade como fator determinante em certas condutas criminosas (crimes de colarinho
branco, econômicos ou de corrupção).
Iremos ao longo do curso estudar diversos desses enfoques.
Para melhor compreensão, e ainda à título de exemplo, a Criminologia Positivista
de Cesare Lombroso (Positivismo antropológico) via o criminoso como um doente,
inclusive sendo reconhecido por certas características físicas como orelhas de abano,
sobrancelhas grandes etc. A Criminologia Marxista, por seu turno, entendia que o
criminoso era produto do conflito de classes do modo de produção capitalista, e há
outras teorias que o veem como produto do meio social em que vive, aprendendo e
reproduzindo tal comportamento em razão do convívio, e assim por diante.
Mas, a análise do criminoso se mostra relevante?
Sim, sem dúvidas, a título de exemplos, o Código Penal em seu artigo 59 leva em
consideração para cálculo da pena: os antecedentes criminais, a conduta social, a perso-
nalidade do agente e os motivos do crime. O Código de Processo Penal em seus artigos
6º, IX e 185 e seguintes discorrem sobre o interrogatório do indiciado/réu, destacando-
-se o previsto no artigo 187 parágrafo 1º também do Código de Processo Penal:
Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa
do acusado e sobre os fatos.
§ 1º. Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residên-
cia, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce
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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
A Vítima
Vitimologia é um ramo específico da criminologia que enfoca seus estudos no
comportamento da vítima.
Verifica-se, no transcorrer da história, oscilações entre momentos de maior aten-
ção (chamados de idade de ouro e de revalorização da vítima) e outros de esqueci-
mento do sujeito passivo do crime (chamado de fase de neutralização). Em outras pa-
lavras, vislumbram-se momentos de maior ou menor atenção à vítima, podendo-se
falar em 3 enfoques distribuídos cronologicamente no decorrer da história: a idade
de ouro, a neutralização da vítima e a sua revalorização.
O Controle Social
A análise criminológica recai sobre os métodos de enfrentamento à criminalidade,
sejam esses penais ou não penais, mas, na sua grande maioria, voltados para a
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prevenção do delito e ressocialização do criminoso. Verifica-se, ao longo do tempo
que, majoritariamente, os estudos e teorias desenvolvidos concluem que estratégias
preventivas e que promovem a reinserção social do delinquente possuem melhor
eficácia quanto à redução dos índices de criminalidade.
As Instâncias Formais
Versa sobre os entes estatais disponibilizados para a repressão e combate à crimi-
nalidade como as polícias, o Poder Judiciário (Justiça Penal), Ministério Público e a
Administração Penitenciária. Sob a ótica da Criminologia atual, as instâncias formais
deveriam exercer papel subsidiário, ou seja, atuando somente nas situações em que
os sistemas informais de controle falharem na sua primordial função de evitar a prá-
tica delituosa. Apesar do apelo teórico pela atuação subsidiária das agências estatais,
tal fato não é observado na prática.
As Instâncias Informais
Conjunto formado por outras esferas da sociedade como: família, religião, siste-
ma educacional (escola), ONGS, pleno emprego e até mesmo a opinião pública, os
quais, através da transmissão costumeira e cotidiana de valores ético-morais bus-
cam prevenir a prática desviante, e no caso de sua ocorrência, através de sanções
também morais e éticas, visam realinhar o agente aos valores então proclamados e
defendidos naquela sociedade, reeducando-o e promovendo sua ressocialização.
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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
visão acerca do fenômeno do crime, o que se mostra óbvio, haja vista a complexida-
de de fatores envoltos em tal fenômeno social.
Como dito acima, o Direito Penal é uma ciência normativa, que estuda a legis-
lação penal vigente, a Criminologia é uma ciência empírica, que estuda o mesmo
fenômeno enquanto fato praticado no meio social.
Em Síntese
A legislação penal é o produto final da política criminal, e esta, por seu turno, é a forma
pela qual o legislador pode concretizar as diretrizes criminológicas que julgue úteis na
prevenção e repressão ao delito.
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Noções Gerais: Correntes
da Criminologia Positivista
O marco da denominada Criminologia Científica foi a publicação da obra
O Homem Delinquente, de Cesare Lombroso (1876), a partir da qual surge, ao
final do século XIX, a chamada Criminologia Positivista ou Positivismo Crimino-
lógico, que contava com três expoentes: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafa-
elle Garófalo, sendo subdividida em duas vertentes: Escola Antropológica (Cesare
Lombroso) e Escola Sociológica (Enrico Ferri), localizando-se Garófalo em um
pensamento intermediário.
Criminologia
Positivista
Pensamento moderado
de Raffaele Garófalo
Figura 5
Em Síntese
Verifica-se pela análise das vertentes do pensamento positivista um grande enfoque no
autor do crime, relegando as análises da vítima e do controle da criminalidade a segun-
do plano. Nesse diapasão, o referido período retrata uma das manifestações da fase de
neutralização da vítima.
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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Figura 6
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
Para tanto, fez uso de método empírico (análise de casos concretos in loco em hos-
pitais psiquiátricos, presídios etc.) e interdisciplinar, com claro emprego da fisionomia
e frenologia, ramos de pesquisa fortemente presentes nesta vertente da Crimino-
logia Positivista.
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Desta forma, entendia que a pessoa que apresentasse determinados traços físicos
já nascia criminoso (criminoso nato), já que essa estigmatização era considerada
decisiva para o reconhecimento do delinquente.
Figura 7
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Você acha que, atualmente, seria possível averiguar referida oscilação de determinadas es-
pécies de crimes em razão da situação climática cotidiana? Como, por exemplo, seria possí-
vel verificar, hoje em dia, uma diminuição das taxas de crimes patrimoniais em dias frios ou
chuvosos ou, aumento de sua incidência em épocas de crises econômicas com altas taxas de
desemprego? Ou ainda, um possível incremento de delitos relacionados à violência domés-
tica contra a mulher em tempos de quarentena ou isolamento social?
A despeito de tecer análise sobre esses três fatores (antropológicos, sociais e am-
bientais), seus estudos priorizavam os aspectos sociais considerados a principal causa
da conduta delitiva, o que se mostra bem evidente em sua maior obra, intitulada
Sociologia Criminal, de 1884.
Em Síntese
Ferri rechaçava a teoria do livre-arbítrio até então defendida pela Criminologia Clássica
e colocava em segundo plano o determinismo biológico pregado por Cesare Lombroso.
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uma atuação preventiva do Estado na luta contra a criminalidade. Por conseguinte,
ressaltou a importância da prevenção social ao crime pelo Estado, evidenciando o
relevante papel de uma ação preventiva, ao invés de repressiva ao crime.
Pesquise na internet sobre medidas de segurança enquanto espécie de sanção penal aplicada
aos doentes mentais autores de crimes nos termos dos artigos 96 a 99 do Código Penal brasileiro.
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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Em Síntese
Garófalo pregava que o déficit de decência e honradez seriam a gênese da conduta delitiva
e que a aplicação de penas severas era imprescindível para a manutenção da paz social.
Quadro 1
• nato;
• louco;
Cesare • louco moral;
Lombroso • epilético;
• passional;
• ocasional.
• nato;
• louco;
Enrico Ferri • ocasional;
• habitual;
• passional.
• assassino;
Raffaele • violento;
Garófalo • ladrão;
• lascivo.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
Dos delitos e das penas
BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Pilares, 2013.
Criminologia
Sobre o Classicismo e as vertentes da Criminologia Positivista.
VIANA, E. Criminologia. 6. ed. ver. Atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018.
Capítulo I, itens 2 a 2.1 p. 33-45; item 2.3 p. 51-61; 68-72.
Manual de criminologia
Sobre a vítima enquanto objeto de estudo da criminologia científica.
GONZAGA, C. Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
(e-book). Capítulo 3, p. 191 a 199.
Visite
Museu do Crime
Para realçar o aspecto prático visitar o Museu do Crime.
https://bit.ly/3n19lY0
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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista
Referências
GOMES, L. F.; MOLINA, A. G.-P. de; BIANCHINI, A. Direito Penal. vol.1 Introdu-
ção e princípios fundamentais: São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2002.
VIANA, E. Criminologia. 6ª. ed. ver. Atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018.
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