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Criminologia

Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica: a


Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari Prestes

Revisão Técnica:
Prof. Dr. Reinaldo Zychan

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Introdução à Criminologia e sua Etapa
Pré-Científica: a Criminologia Enquanto
Ciência e a Criminologia Positivista

• Noções Introdutórias: A Etapa Pré-Científica da


Criminologia e Criminologia enquanto Ciência;
• Conceito e Métodos da Criminologia;
• Objetos de Estudo;
• Relação entre Criminologia, Política Criminal e Direito Penal;
• Noções Gerais: Correntes da Criminologia Positivista.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Estudar e entender a evolução histórica dos estudos sobre o crime até sua sistematização
enquanto ciência social;
• Analisar o seu desenvolvimento teórico e prático no decorrer dos tempos e sua influência
na política criminal e no Direito Penal.
UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Noções Introdutórias: A Etapa


Pré-Científica da Criminologia
e Criminologia enquanto Ciência
Etimologicamente, a expressão Criminologia deriva do latim crimino = crime e
sua junção com o grego logos = estudo, ou seja, é o estudo do crime (para nós uma
das formas de estudá-lo, como veremos adiante).

É difundido pela doutrina que a primeira menção ao termo Criminologia foi de


Raffaelle Garófalo (1851-1934), jurista e magistrado italiano, apontado como um dos
expoentes da Escola Positivista que será à frente estudada.

Durante os séculos XVI ao XIX aproximadamente, os esboços criminológicos


eram acientíficos, sem qualquer metodologia, e se resumiam a um conjunto de
­estudos dispersos e desorganizados, normalmente desenvolvidos por pessoas dota-
das de conhecimentos técnicos específicos em uma determinada área como medici-
na, biologia, psicologia, filosofia etc., as quais, por curiosidade e dentro de sua órbita
de conhecimento, buscavam explicar as razões que levavam um indivíduo a delinquir.

Nessa etapa pré-científica, as pesquisas eram compostas por teorias assistemáti-


cas elaboradas por especialistas de diversas áreas como psicanálise, medicina, psi-
quiatria, sociologia, dentre outras, os quais se mostravam curiosos sobre a prática
criminosa. Assim, caracterizava-se pela generalização dos estudos, os quais eram
baseados nas experiências profissionais cotidianas do indivíduo. Por exemplo, psi-
quiatras que estudavam a criminalidade obviamente definiam a conduta criminosa
com base nos seus conhecimentos clínicos, e assim por diante.

Abaixo alguns exemplos de linhas de pesquisa desse período.

A demonologia, por exemplo, determinava ser o crime produto de influências espi­


rituais malignas e possessões demoníacas, o que, à época, se mostrava óbvio, haja
vista a forte influência que a crença religiosa exercia sobre os valores da sociedade.

Figura 1
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

A Fisionomia atribuía a prática criminosa a indivíduos que tinham determinadas


características físicas como nariz adunco, corcunda, queixo e sobrancelhas proemi-
nentes etc. Citem-se como exemplos o médico, químico, filósofo e astrônomo italiano­

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Giovanni Battista Della Porta (1535-1615) e o teólogo e filósofo suíço Johann Kaspar
Lavater (1741-1801), este último, inclusive, comparava o criminoso a animais apon-
tando para uma bestialidade e malevolência natural do homem.

Você Sabia?
Na Roma antiga o Édito do Imperador Valério dispunha que “na dúvida entre dois pre-
sumidos culpados, condena-se o mais feio”.

A Frenologia, por sua vez, ao estudar o crânio e cérebro dos criminosos, atribuía
a origem do crime a má formações cerebrais. Destaca-se a pesquisa desenvolvida
pelo médico neurologista e neurocientista alemão Franz Joseph Gall (1758-1828),
que mapeou em 38 regiões o cérebro de diversos delinquentes.

Frenologia é o ramo de estudo que indica ser a forma e saliências do crânio fatores deter-
minantes sobre as faculdades e aptidões mentais do indivíduo.

Figura 2
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Em linha de raciocínio semelhante, o oficial de polícia e criminólogo francês


Alphonse Bertillon (1853-1914), precursor da antropometria criminal ou judicial,
baseava seus estudos nas medidas e assimetrias do corpo humano como gênese
delitiva. Seus métodos de pesquisa ficaram conhecidos como Bertiolagem.

Figura 3
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Os psiquiatras também se interessaram pelo estudo da criminalidade, ressaltando,


entre outros, os estudos do médico psiquiatra francês Philippe Pinel (1745-1826),
que considerava os delinquentes doentes mentais, e o psiquiatra francês Jean
Ethienne ­Dominique Esquirol (1772-1840), que pregava ser o delito produto de um
delírio mental. Na mesma linha, o psiquiatra austríaco Bénédict Augustin Morel
(1809-1873)­, para quem o crime desvelava uma degeneração doentia da personali-
dade (SHECAIRA, 2004. p. 82).
Percebe-se um ponto em comum entre todas as linhas de raciocínio desta etapa
pré-científica: eram estudos baseados na experiência prática, cotidiana e profissional
dos pesquisadores.
Destoando das reflexões acima, a Escola Clássica (séculos XVII e XVIII), decorrência
do pensamento Iluminista da revolução francesa, entendia ser o comportamento crimi-
noso produto da livre manifestação de vontade do indivíduo, assim, o crime era visto
como infração consciente e voluntária à lei penal, sem qualquer menção a fatores so-
cioeconômicos e traços físicos ou da personalidade do agente. Esse modo de pensar se
mostrava óbvio e lógico, haja vista a linha de pensamento racionalista que se desenvolvia
à época, em busca por liberdade e em clara oposição à opressão do Estado absolutista.

Em Síntese
O delito era produto da livre escolha do ser humano, ou seja, do seu livre-arbítrio.

Quanto à aplicação da pena, a Criminologia Clássica via a sanção penal como


mero castigo em retribuição ao mal causado pelo delito, não se cogitando, à época,
de finalidade ressocializadora da pena. Baseava-se no fato de que a prática criminosa­
era uma conduta consciente e voluntária, em claro desrespeito à legislação penal
vigente e, portanto, aquele que, deliberadamente a violasse, deveria ser castigado.

Como expoentes do Classicismo, podem ser citados, dentre outros, o advogado


e político italiano Francesco Carrara (1805-1888), o economista, filósofo e jurista
italiano Gian Domenico Romagnosi (1761-1835), o também jurista italiano Giovanni
Carmignani (1768-1847) e o filósofo alemão Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872).
Podendo-se, ainda, ser lembrado como um dos seus precursores, o filósofo, jurista e
político italiano Cesare Beccaria (Marques de Beccaria 1738-1794), que, em 1764,
escreveu a memorável obra intitulada Dos Delitos e das Penas.

Pesquise na internet sobre o curioso PANÓPTICO de Jeremy Bentham (1748-1832), cujo


­modelo arquitetônico-prisional foi considerado inovador à época.

Percebe-se que nesta etapa acientífica da criminologia, pouco ou nada se falava


sobre a vítima e a pena, salvo raríssimas exceções, em que a sanção era vista como
castigo, com caráter puramente punitivo em retribuição justa aplicada para combater
o mal representado pela conduta criminosa.

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Ainda de forma introdutória, ressalte-se que hoje em dia a Criminologia se
desenvolve através de conjuntos organizados de estudos constituindo-se em verdadeira
ciência. À frente, delimitaremos o marco inicial da chamada Criminologia científica.

Registre-se que desde seus primórdios até hoje em dia, a Criminologia é formada
por diversos pensamentos e teorias, as quais, em razão do momento histórico-social,
da ideologia, do desenvolvimento teórico e tecnológico discorrem sobre diversos
fatores relacionados à criminalidade. Sendo assim, não há uma verdade criminoló-
gica, mas, ao contrário, várias formas de pensar e enxergar o fenômeno do crime.

Aludidas teorias surgem e se desenvolvem no decorrer da história em um movi-


mento fluído, em épocas distintas, ou no mesmo momento histórico, em comple-
mento ou contrariedade umas das outras.

Afirme-se de antemão, que não há exatidão incontestável nesta ou naquela teoria,


pois, a Criminologia como ciência opinativa é marcada pelo subjetivismo fundamen-
tado de seus conceitos (opiniões abalizadas).

Estudaremos no transcorrer do curso diversas dessas teorias, cada qual nos seus
aspectos gerais e específicos.

Primeiramente, é bom afirmar que a criminologia é uma ciência, pois, constitui-se


em um ramo de estudo organizado, com princípios e métodos próprios.

Trata-se de ciência ontológica, pois tem como meta o estudo do “mundo do ser”,
do ser humano naturalmente considerado no tocante à sua existência enquanto indi-
víduo integrado em uma sociedade em um determinado momento da história (locali-
zado no tempo e espaço). Não se ocupa do estudo da legislação penal, mas do crime
enquanto fenômeno social.

O termo ontologia é originário do grego onto = ser e logia = estudo, sendo assim, é o estudo
do ser, do estado natural das coisas e do ser humano.

A Criminologia é diferente, por exemplo, do Direito Penal, o qual, por sua vez,
é uma ciência deontológica, se ocupando do estudo das regras de comportamento
impostas pelo Estado aos indivíduos e, portanto, pertencente ao “mundo do dever
ser”. Quer se dizer que, o Direito Penal estuda o conjunto de normas jurídico-penais
(ordenamento jurídico-penal) e os respectivos métodos de interpretação e aplicação
da lei pelo Poder Judiciário a casos concretos (jurisprudência). A Criminologia, por
seu turno, adota outra metodologia de pesquisa.

Conceito e Métodos da Criminologia


Nestor Sampaio Penteado Filho, Paulo Agarate Vasques e Ugo Osvaldo Frugoli
conceituam criminologia como:

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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

a ciência empírica (baseada na observação e experiência) e interdisci-


plinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor
do comportamento delitivo, da vítima e do controle social das condutas
criminosa. (PENTEADO FILHO; FRUGOLI; VASQUES, 2014, p. 18)

Para chegar às suas conclusões, os criminólogos utilizam método empírico e


­interdisciplinar, tratando-se de ciência explicativa (indutiva).

Indutivo: termo que decorre de indução, significando raciocínio que, após considerar um
número suficiente de casos particulares, conclui uma verdade geral.

Difere, como dissemos, do Direito Penal, que interpreta a legislação penal buscando­
compreender sua aplicabilidade a um caso concreto.

Criminologia Direito Penal

Parte da análise do fato Parte da intepretação da


para chegar a conclusões lei para aplicá-la a um fato.
aplicáveis na prevenção ou
repressão à criminalidade.

Método indutivo Método dedutivo

Figura 4

Em outras palavras, para o Direito Penal, o crime é considerado exclusivamente


como descrição legal de uma conduta (norma penal incriminadora). Para a Crimi-
nologia, o mesmo fenômeno é visto como fato real, efetivamente praticado em um
contexto social, e assim será considerado e estudado.

Como já dito, a Criminologia faz uso de método caracterizado pelo empirismo e


interdisciplinaridade. Vejamos essas características.

Empirismo: doutrina segundo a qual todo conhecimento provém unicamente da experiência,


limitando-se ao que pode ser captado do mundo externo pelos sentidos.

Empirismo
A criminologia, grosso modo, se ocupa da análise das causas e consequências
da criminalidade enquanto fenômeno social localizado em um determinado tempo e

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espaço, e assim o faz, através de método empírico, ou seja, através da observação de
fatos realmente ocorridos em uma determinada sociedade.

Quer se dizer que busca conhecer a realidade dos fatos e, após essa análise, tira
suas conclusões acerca dos diversos fatores envolvidos com a prática delitiva. Em outras
palavras, chega a suas conclusões a partir da observação da realidade dos fatos ocor-
rentes na sociedade.

Cristiano Gonzaga faz interessante compêndio sobre alguns métodos utilizados,


dentre os quais destacamos: exame do corpo de delito e
[...] levantamento do local do crime e sua documentação fotográfica;
observação dos instrumentos e produtos do crime; estudo comparado
do criminoso com cidadãos comuns, para tentar analisar semelhanças
e diferenças, com o fim de distinguir o comportamento desviado; es-
tudos genealógicos; estudo de casos criminais, por meio da leitura de
processos; notícias publicadas na imprensa; anotações funcionais feitas
por profissionais que trabalharam na investigação do delito, como mé-
dicos, sociólogos e assistentes sociais e avaliação psicológica por meio
de testes, para analisar o criminoso (interdisciplinaridade); autodescrição
dos criminosos, como diários, cartas, biografias, memória. (GONZAGA,
2018. p. 18-19)

Em nossa legislação processual penal vigente, podemos citar como exemplos de


empirismo os artigos 6º incisos I, II, III, IV, V, VIII e IX; 7º e 158-A caput e § 1º todos
do Código de Processo Penal.

Interdisciplinaridade
Consiste no ponto de encontro da ótica de diversas outras ciências que também
se debruçam sobre o crime, desta feita, aglutina teorias, pesquisas, análises e conclu-
sões de outras ciências como sociologia, psicologia, antropologia, economia, medi-
cina, história, estatística etc.

Apesar de sofrer influências de diversos outros ramos de pesquisa, a Criminologia


mantém sua autonomia científica através de metodologia própria. Obviamente, cada
teoria criminológica desenvolve seus métodos próprios de estudo, pesquisa e análise
dos diversos fatores que envolvem a criminalidade, cada qual dando maior ou menor
ênfase em determinados aspectos.

O criminólogo se utiliza dos conhecimentos e técnicas de várias outras discipli-


nas para chegar às suas conclusões sobre um ou diversos aspectos que, em dado
momento histórico cultural, envolvem o fenômeno criminal. Em poucas palavras, a
Criminologia analisa fatos e deduz conclusões.

Ademais, acrescente-se que, mesmo que ainda superficialmente, a Criminologia


não se resume ao estudo das causas e consequências sociais do crime, mas abrange
também uma análise do autor do crime (delinquente), da vítima e das formas de con-
trole, preventivo e repressivo, da criminalidade.

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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Objetos de Estudo
Como afirmamos acima, a Criminologia é o estudo do crime, não é o estudo da
lei penal (são óticas diferentes), mas do delito enquanto fato real e praticado no seio
da sociedade, não se limitando a somente analisar o contexto fático, mas também
seu autor, a vítima e o controle social do fato delituoso.

Em resumo, o objeto de estudo do Direito Penal é a legislação penal vigente, o da


Criminologia é o mesmo fenômeno (crime), mas sob ótica diferente, enquanto fato
social concreto, lesivo à vítima e também aos valores ético-morais de toda sociedade,
enxergando o delito como comportamento que traz perturbação à ordem social.
Discorre, em focos distintos, sobre as diversas causas originárias do delito e também
sobre seu autor, condições da vítima e as formas de controle preventivo e repressivo
da criminalidade.

Os estudos criminológicos não são voltados para a legislação penal. A Crimi-


nologia não é uma ciência normativa voltada para o estudo das normas, de sua
interpretação e aplicação a um caso concreto. Trata-se de ramo de estudo opinativo-
-explicativo em que as várias correntes de pensamento desenvolvem distintas visões
sobre a criminalidade, tanto no tocante ao fato praticado, quanto a aspectos socioe-
conômicos e psíquicos tanto do agente, como da vítima, e sobre as formas de con-
trole da criminalidade. Sendo assim, abarca pluralidade de objetos, a saber: delito,
delinquente, vítima e controle social.

Registre-se que nem sempre a Criminologia teve vários objetos de estudo. No seu
desenvolver enquanto ciência, em dados momentos, o foco recaiu somente sobre
o delito, em outros, somente sobre o delinquente, e assim por diante. No entanto,
modernamente, abarca pluralidade de objetos, a saber: delito, autor do crime, vítima
e controle social.

Como dito, estudaremos os principais pensamentos criminológicos sobre referidos


temas, afirmando-se, desde já, que encontraremos pensamentos totalmente divergentes­
e contrapostos, e, em outros momentos, teorias complementares umas às outras em
uma relação de reciprocidade, em clara convergência para um ponto comum.

O Delito
Primeiramente, reafirme-se que o enfoque criminológico não recai sobre o
estudo da legislação penal, não discorre sobre os métodos de interpretação e
aplicabilidade das normas jurídico-penais a um caso concreto, isso é tarefa do
Direito Penal.

Refere-se a Criminologia ao delito como fato social relevante para toda a socieda-
de, e não como entidade jurídico-penal de importância somente para os indivíduos
envolvidos (autor e vítima), buscando compreender as diversas razões que levaram o
indivíduo a delinquir, assim como as consequências de seu comportamento.

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O Delinquente
Algumas vertentes teóricas focam em seus traços físicos, outras, psicológicos, e
outras ainda em aspectos sociais ou até mesmo econômicos que o conduziram à
prática delitiva, sendo comum a junção de diversas causas em uma mesma linha de
pensamento. Busca, assim, desenvolver, em vários aspectos distintos, análise sobre
a personalidade do agente, de sua capacidade intelectivo-volitiva, de suas condições
socioeconômicas, enquanto indivíduo localizado em uma dada sociedade, em um
momento da história, cada teoria, por vezes, com maior enfoque em uma ou outra
característica isolada, ou conjuntamente consideradas.
Da mesma forma que ocorre com as teorias e análise sobre o fato criminoso, os
estudos criminológicos sobre o delinquente abordam diferentes aspectos, por exem-
plo, as vezes com maior enfoque no livre-arbítrio, por vezes nos aspectos socioeco-
nômicos (classe social), em outros momentos, em características biológicas, genéticas
e até mesmo patológicas, como psicopatia ou debilidade mental.
Quer se dizer que algumas reflexões consideram o responsável pela prática deli-
tiva como indivíduo guiado pela sua manifestação de vontade (livre-arbítrio), como
pessoa que deliberadamente opta pelo comportamento criminoso, outras teorias
o consideram um incapaz, cuja incapacidade cognitiva é determinada por fatores
genéticos ou biológicos (desenvolvimento mental incompleto ou doença mental).
Ademais, há outras linhas de raciocínio que focam nas condições socioeconômicas
do delinquente, como origem de seu comportamento desviante, e outras ainda que,
levando em conta a posição política e econômica, consideram o sentimento de impu-
nidade como fator determinante em certas condutas criminosas (crimes de colarinho
branco, econômicos ou de corrupção).
Iremos ao longo do curso estudar diversos desses enfoques.
Para melhor compreensão, e ainda à título de exemplo, a Criminologia Positivista
de Cesare Lombroso (Positivismo antropológico) via o criminoso como um doente,
inclusive sendo reconhecido por certas características físicas como orelhas de abano,
sobrancelhas grandes etc. A Criminologia Marxista, por seu turno, entendia que o
criminoso era produto do conflito de classes do modo de produção capitalista, e há
outras teorias que o veem como produto do meio social em que vive, aprendendo e
reproduzindo tal comportamento em razão do convívio, e assim por diante.
Mas, a análise do criminoso se mostra relevante?
Sim, sem dúvidas, a título de exemplos, o Código Penal em seu artigo 59 leva em
consideração para cálculo da pena: os antecedentes criminais, a conduta social, a perso-
nalidade do agente e os motivos do crime. O Código de Processo Penal em seus artigos
6º, IX e 185 e seguintes discorrem sobre o interrogatório do indiciado/réu, destacando-
-se o previsto no artigo 187 parágrafo 1º também do Código de Processo Penal:
Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa
do acusado e sobre os fatos.
§ 1º. Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residên-
cia, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce

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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado


alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve sus-
pensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e
outros dados familiares e sociais.

A Vítima
Vitimologia é um ramo específico da criminologia que enfoca seus estudos no
comportamento da vítima.
Verifica-se, no transcorrer da história, oscilações entre momentos de maior aten-
ção (chamados de idade de ouro e de revalorização da vítima) e outros de esqueci-
mento do sujeito passivo do crime (chamado de fase de neutralização). Em outras pa-
lavras, vislumbram-se momentos de maior ou menor atenção à vítima, podendo-se
falar em 3 enfoques distribuídos cronologicamente no decorrer da história: a idade
de ouro, a neutralização da vítima e a sua revalorização.

Para maior aprofundamento sobre o tema, proceder à seguinte leitura


PENTEADO FILHO, N. S. Manual esquemático de criminologia. 10. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020. Capítulo 7, itens 7.1 a 7.3, p. 109 a 112.

Mas, a análise do comportamento da vítima se mostra relevante?


Sim, sem dúvidas, a título de exemplos, o Código Penal em seu artigo 59 leva em
consideração o comportamento da vítima na fixação da pena, o Código de Processo
Penal, em seus artigos 6º, IV e 201 discorre sobre o depoimento do ofendido bus-
cando entender a versão da vítima acerca do ocorrido e principalmente o artigo 201
§ 5º também do Código de Processo Penal dispõe sobre a possibilidade de acom-
panhamento multidisciplinar ao depoimento da vítima, mormente a infanto-juvenil,
buscando preservar sua veracidade. Além disso, no tocante à reparação dos danos,
os artigos 387, IV do Código de Processo Penal e 78 Lei 9099/95 que dispõem,
respectivamente, sobre a indenização da vítima e composição civil dos danos.
Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado
sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor,
as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 5º. Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para
atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de as-
sistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.

Apesar da importância em se analisar aspectos relacionados à vítima, moderna-


mente, o protagonismo dos estudos criminológicos recai sobre as causas do compor-
tamento criminoso, salvo em seu ramo específico: a vitimologia.

O Controle Social
A análise criminológica recai sobre os métodos de enfrentamento à criminalidade,
sejam esses penais ou não penais, mas, na sua grande maioria, voltados para a

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prevenção do delito e ressocialização do criminoso. Verifica-se, ao longo do tempo
que, majoritariamente, os estudos e teorias desenvolvidos concluem que estratégias
preventivas e que promovem a reinserção social do delinquente possuem melhor
eficácia quanto à redução dos índices de criminalidade.

Nada obstante, em sentido contrário, há correntes de pensamento criminológico


baseadas em uma aplicação mais ampla e incisiva da legislação penal, enfatizando
seu maior rigor punitivo. Nesta esteira, propõem e propagam os ideais de interven-
ção máxima do Direito Penal e do caráter retributivo da pena. Alinhados com essa
ideologia punitivista encontram-se o Movimento de Lei e Ordem e o Direito Penal
do Inimigo.

Divide-se o controle social em dois grupos: as instâncias ou agências formais e


as informais.

As Instâncias Formais
Versa sobre os entes estatais disponibilizados para a repressão e combate à crimi-
nalidade como as polícias, o Poder Judiciário (Justiça Penal), Ministério Público e a
Administração Penitenciária. Sob a ótica da Criminologia atual, as instâncias formais
deveriam exercer papel subsidiário, ou seja, atuando somente nas situações em que
os sistemas informais de controle falharem na sua primordial função de evitar a prá-
tica delituosa. Apesar do apelo teórico pela atuação subsidiária das agências estatais,
tal fato não é observado na prática.

As Instâncias Informais
Conjunto formado por outras esferas da sociedade como: família, religião, siste-
ma educacional (escola), ONGS, pleno emprego e até mesmo a opinião pública, os
quais, através da transmissão costumeira e cotidiana de valores ético-morais bus-
cam prevenir a prática desviante, e no caso de sua ocorrência, através de sanções
também morais e éticas, visam realinhar o agente aos valores então proclamados e
defendidos naquela sociedade, reeducando-o e promovendo sua ressocialização.

Apesar da divisão acima mencionada, é também corrente o pensamento de que


somente a convergência das duas instâncias, formal e informal, seja o meio adequado
para solucionar a problemática da criminalidade.

Estudaremos com maior aprofundamento este tema em unidade posterior.

Relação entre Criminologia,


Política Criminal e Direito Penal
Direito Penal e Criminologia apresentam visões diferentes sobre a problemática
da criminalidade sendo que, na própria Criminologia, é temerário falar em certeza
absoluta já que se trata de ciência composta de diversas teorias, cada qual com sua

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a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

visão acerca do fenômeno do crime, o que se mostra óbvio, haja vista a complexida-
de de fatores envoltos em tal fenômeno social.

Em suma, a Criminologia é composta por visões distintas sobre o crime, cada


uma com fundamentos próprios, e se distingue do Direito Pemal em razão do foco
dado na análise do crime.

Como dito acima, o Direito Penal é uma ciência normativa, que estuda a legis-
lação penal vigente, a Criminologia é uma ciência empírica, que estuda o mesmo
fenômeno enquanto fato praticado no meio social.

Nada obstante serem ciências distintas, a Criminologia se relaciona com a Política


Criminal e o Direito Penal.

Sinteticamente, a Criminologia fornece dados para os órgãos estatais elaborarem


as respectivas medidas legislativas e administrativas para enfrentar de maneira pre-
ventiva ou repressiva o crime.

A Criminologia tem a finalidade de fornecer diretrizes para os órgãos públicos


responsáveis pela política criminal, os quais, por sua vez, transformam os estudos
criminológicos em proposições e estratégias que poderão ou não ser utilizadas no
real enfrentamento, preventivo ou repressivo, à criminalidade. Desta feita, pode-se
afirmar que as conclusões a que chega a Criminologia podem servir de diretrizes
para os governantes elaborarem a Política Criminal daquele Estado, embasando a
elaboração da legislação penal e das ações de confrontação à criminalidade.

Em outras palavras, as conclusões aferidas pelos estudos e pesquisas das diver-


sas vertentes da Criminologia podem estribar diferentes políticas estatais de enfren-
tamento à criminalidade subsidiando os órgãos governamentais pertinentes com
variadas­informações acerca do crime, do criminoso e da vítima auxiliando, desta
feita, as instâncias formais de controle social.

Em Síntese
A legislação penal é o produto final da política criminal, e esta, por seu turno, é a forma
pela qual o legislador pode concretizar as diretrizes criminológicas que julgue úteis na
prevenção e repressão ao delito.

Indispensável a transcrição do magistério de Luiz Flávio Gomes e Antonio García-


-Pablos de Molina:
No âmbito penal, por exemplo, subministra uma valiosa informação so-
bre o delito, o delinquente, a vítima e o controle social; informação­que
a Política criminal transforma em proposições, estratégias e programas
(não necessariamente repressivos) adequados ao controle e prevenção do
delito­, ­inspirando a reforma ou criação das leis. (GOMES, 2002. p. 200)

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Noções Gerais: Correntes
da Criminologia Positivista
O marco da denominada Criminologia Científica foi a publicação da obra
O Homem Delinquente, de Cesare Lombroso (1876), a partir da qual surge, ao
final do século XIX, a chamada Criminologia Positivista ou Positivismo Crimino-
lógico, que contava com três expoentes: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafa-
elle Garófalo, sendo subdividida em duas vertentes: Escola Antropológica (Cesare
Lombroso) e Escola Sociológica (Enrico Ferri), localizando-se Garófalo em um
pensamento intermediário.

Criminologia
Positivista

Pensamento moderado
de Raffaele Garófalo

Escola Antropológica Escola Sociológica


de Cesare Lombroso de Enrico Ferri

Figura 5

Genericamente, de forma superficial e introdutória, podemos resumir algumas


premissas básicas do Positivismo Criminológico, as quais, à evidência, se contra-
põem ao pensamento da anteriormente estudada Escola Clássica.

Dentre seus pilares teóricos, o Positivismo destacava a análise do delito, todavia,


não como mero comportamento violador da lei penal, e sim como fato concreto, efe-
tivamente praticado na sociedade. Além disso, centralizou seus estudos na figura do
criminoso, mormente, nas causas que o levaram a delinquir, por vezes enfatizando a
gênese biológica, por outras a raiz social da conduta criminosa, porém, todas reve-
lando claro interesse pela origem do crime. Por outro lado, a análise da vítima e do
controle da criminalidade foram superficialmente desenvolvidos.

Em Síntese
Verifica-se pela análise das vertentes do pensamento positivista um grande enfoque no
autor do crime, relegando as análises da vítima e do controle da criminalidade a segun-
do plano. Nesse diapasão, o referido período retrata uma das manifestações da fase de
neutralização da vítima.

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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Positivismo Antropológico de Cesare Lombroso


O médico psiquiatra e antropólogo italiano Cesare Lombroso (1835-1909), em
1876, escreveu O Homem Delinquente, obra considerada o marco histórico da Cri-
minologia enquanto ciência, cuja temática central foi o conceito de criminoso nato.

Figura 6
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

O pensamento lombrosiano baseou-se em uma classificação de criminosos fun-


dada na origem genética e atávica do delinquente, o qual era considerado uma su-
bespécie inferior ao ser humano, dotada de características físicas inerentes a todo
e qualquer criminoso, sendo assim, a pessoa já era biologicamente determinada
à delinquência.

Atavismo significa transmitido ou adquirido de maneira hereditária. Que se refere ao rea-


parecimento em alguém das características de um antepassado que permaneceram escon-
didas por muitas gerações.

Em sua biotipologia criminal, Lombroso considerava certos estigmas físicos como


traços descritivos próprios deste ser doente, como, por exemplo, orelhas de abano,
nariz grande e adunco, sobrancelhas salientes, formato do rosto (longilíneo, achatado
“em forma de bolacha”), irregularidades aparentes das “maçãs do rosto”, assimetria
craniana com presença de saliências ou cavidades, testa grande, corcundas, mãos
grandes, dentre diversos outros.

Para tanto, fez uso de método empírico (análise de casos concretos in loco em hos-
pitais psiquiátricos, presídios etc.) e interdisciplinar, com claro emprego da ­fisionomia
e frenologia, ramos de pesquisa fortemente presentes nesta vertente da Crimino-
­lo­gia Positivista.

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Desta forma, entendia que a pessoa que apresentasse determinados traços físicos
já nascia criminoso (criminoso nato), já que essa estigmatização era considerada
decisiva para o reconhecimento do delinquente.

Figura 7
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Pede-se vênia para colacionar lição de Eduardo Viana:


[...] Sobre a fisionomia dos estupradores, por exemplo, descreveu: “o olho
é cintilante, a fisionomia delicada, os lábios e as pálpebras volumosos;
em maioria são frágeis, às vezes disformes”. Os matadores e os ladrões
arrombadores têm cabelos crespos, crânios deformados, fortes mandíbu-
las, enormes zigomas, e frequentemente tatuagens; são cobertos de cica-
trizes na cabeça e no tronco”. “Os homicidas habituais têm olhar vítreo,
frio, imóvel, algumas vezes sanguíneo e injetado; o nariz frequentemente
aquilino ou adunco como o das aves de rapina, sempre volumosos; man-
díbulas grandes, orelhas longas, largos zigomas, os cabelos crespos, abun-
dantes, escuros. Frequentemente a barba é escassa, os dentes caninos
muito desenvolvidos, os lábios finos; muitas vezes há nistagmo e a contra-
ção unilateral do rosto que mostra os dentes caninos como uma ameaça.
(LOMBROSO, p. 167-168 apud VIANA, 2018. p. 59-60)

Realça, portanto, a figura do delinquente focando na origem antropométrica do


delito e relegando a segundo plano os demais objetos de estudo da criminologia
como o fato criminoso em si, a vítima e o controle social da criminalidade.

Paralelamente ao determinismo biológico, balizado na transmissão hereditária de


genótipos e na fisionomia do chamado criminoso nato, Lombroso desenvolveu tam-
bém aprofundado estudo sobre o uso costumeiro de gírias e tatuagens como carac-
terísticas frequentemente presentes em sua descrição.

Além do mais, para Lombroso, a prostituição era a forma nata de criminalidade


feminina. Considerava tal prática uma forma de degeneração da mulher considerada
normal à época, ou seja, prostituir-se era um comportamento revelador da indecên-
cia e depravação do gênero feminino. Registrou seus estudos sobre tal tema na obra
A mulher delinqüente, a prostituta e a mulher normal.

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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Positivismo Sociológico de Enrico Ferri


Se Lombroso foi considerado o pai da Criminologia enquanto ciência, Ferri, por
sua vez, foi laureado com o título de patrono da Sociologia Criminal.

Enrico Ferri (1856-1929), professor, ad-


vogado, político e cientista italiano entendia
que o indivíduo não escolhia deliberadamente
pela prática da conduta criminosa, afastando,
desta forma, a teoria de que o livre-arbítrio
era a origem do crime.

A Sociologia Criminal de Enrico Ferri


concebia que condições antropológicas­como
faixa etária, gênero, estado civil, profissão e
inclusive patológicas como ­retardo e doenças
mentais; fatores sociais, como classe social,
condição econômica, estrutura­familiar; cren-
ça religiosa ou ateísmo; e climáticos, como
estação do ano, horário e temperatura do dia,
em conjunto, poderiam fomentar ou desmoti-
var a prática de condutas criminosas. Sendo
assim, concluiu pela origem multifatorial do
delito considerando como sua origem causas Figura 8
de natureza distintas. Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Você acha que, atualmente, seria possível averiguar referida oscilação de determinadas es-
pécies de crimes em razão da situação climática cotidiana? Como, por exemplo, seria possí-
vel verificar, hoje em dia, uma diminuição das taxas de crimes patrimoniais em dias frios ou
chuvosos ou, aumento de sua incidência em épocas de crises econômicas com altas taxas de
desemprego? Ou ainda, um possível incremento de delitos relacionados à violência domés-
tica contra a mulher em tempos de quarentena ou isolamento social?

A despeito de tecer análise sobre esses três fatores (antropológicos, sociais e am-
bientais), seus estudos priorizavam os aspectos sociais considerados a principal causa
da conduta delitiva, o que se mostra bem evidente em sua maior obra, intitulada
Sociologia Criminal, de 1884.

Em Síntese
Ferri rechaçava a teoria do livre-arbítrio até então defendida pela Criminologia Clássica
e colocava em segundo plano o determinismo biológico pregado por Cesare Lombroso.

No que diz respeito ao controle social, realçou a importância do desenvolvimen-


to de técnicas que busquem evitar tal prática, dispondo sobre o papel central de

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uma atuação preventiva do Estado na luta contra a criminalidade. Por conseguinte,
ressaltou a importância da prevenção social ao crime pelo Estado, evidenciando o
relevante papel de uma ação preventiva, ao invés de repressiva ao crime.

Pede-se vênia para transcrição da lição de Christiano Gonzaga:


Um estudo prévio das esferas econômica, política, legislativa, religiosa
etc. poderia fazer com que o estudioso fizesse um diagnóstico social mais
preciso acerca dos fatores que poderiam permitir o crime, evitando assim
seu surgimento. (GONZAGA, 2018, p. 54)

Desenvolveu a teoria dos substitutivos penais, pregando que o Direito Penal,


em razão de seu cariz meramente punitivo e, portanto, retrógado e de eficácia no
mínimo duvidosa no combate à criminalidade, deveria ser substituído por políticas
sociais, econômicas, educacionais e, inclusive religiosas, adotadas pelo Poder Público
com a finalidade de evitar a prática criminosa (prevenção geral ao crime).

Positivismo Moderado de Raffaele Garófalo


Raffaele Garófalo (1851-1934), magistrado italiano, adepto de pensamento juri-
dicamente técnico e moderado propunha que a razão da conduta delituosa jazia em
uma anomalia moral, mas não patológica do indivíduo. Entendia que o criminoso era
um ser desprovido de misericórdia e moralidade.
Por conseguinte, baseado na concepção de que o crime revela a degeneração
ética do homem, desenvolveu o conceito de periculosidade entendida, grosso modo,
como a maldade moral do indivíduo que o guiava à prática desviante.
Leciona Sérgio Salomão Shecaira:
Introduz o conceito de temibilidade que sustentava ser a perversidade
constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se
deve temer por parte do mesmo delinqüente. Tal conceito foi decisivo para
as formulações posteriores concernentes à intervenção penal, propostas
pelos positivistas: a medida de seguranç. (SHECAIRA, 2004, p. 101)

Pesquise na internet sobre medidas de segurança enquanto espécie de sanção penal aplicada
aos doentes mentais autores de crimes nos termos dos artigos 96 a 99 do Código Penal brasileiro.

Garófalo via o delinquente como um ser moralmente depravado, desprovido de


compaixão e portador de valores ético-morais abaixo da média em relação ao ser
humano comum.
Negava razão ao determinismo biológico de Lombroso, chegando a cogitar que
aludidos desvalores eram transmitidos de geração em geração pela prática costumeira
e reiterada de comportamentos moralmente degradados.
Fundado na falta de moralidade, reveladora da periculosidade social do indiví-
duo, entendia que a resposta estatal ao comportamento delitivo deveria ser ríspida e

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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

contundente. Garófalo, portanto, era defensor do punitivismo, da aplicação de san-


ções penais rígidas, como prisão perpétua e até mesmo a pena de morte. Acentuou
a finalidade retributiva da pena, vendo-a exclusivamente como pesado castigo ao
­delinquente, preterindo, desta maneira, qualquer viés ressocializador da sanção penal.

Em Síntese
Garófalo pregava que o déficit de decência e honradez seriam a gênese da conduta delitiva­
e que a aplicação de penas severas era imprescindível para a manutenção da paz social.

Doutrinariamente, é comum citar que a maior contribuição de Raffaele Garófalo


foi a concepção de delito natural, ou seja, de condutas que, de per si, eram e serão
consideradas criminosas em qualquer sociedade e em qualquer tempo.

Concebia que certos comportamentos são, e sempre serão, violadores de valores


morais e reveladores da crueldade e iniquidade do ser humano, qualquer que seja
a relação de tempo e espaço, pois, são considerados, atemporalmente, lesivos aos
interesses de qualquer meio social. Cite-se como exemplos o homicídio doloso, latro-
cínio, estupro, pedofilia, dentre outros.

Por derradeiro, cabe ressaltar que os criminólogos deste período (Criminologia


Positivista) desenvolveram classificações de delinquentes dividindo-os em categorias,
o que se chama de tipologia criminal. Abaixo sintetizamos:
• Tipologia antropológica de Cesare Lombroso: classificou os delinquentes
em: nato, louco, louco moral, epilético, passional e ocasional;
• Tipologia sociológica de Enrico Ferri: classificou os delinquentes em natos,
loucos, ocasionais, habituais e passionais;
• Tipologia de Raffaele Garófalo: classificou os delinquentes em: assassino, vio-
lento, ladrão e lascivo.

Quadro 1
• nato;
• louco;
Cesare • louco moral;
Lombroso • epilético;
• passional;
• ocasional.

• nato;
• louco;
Enrico Ferri • ocasional;
• habitual;
• passional.

• assassino;
Raffaele • violento;
Garófalo • ladrão;
• lascivo.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Dos delitos e das penas
BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Pilares, 2013.
Criminologia
Sobre o Classicismo e as vertentes da Criminologia Positivista.
VIANA, E. Criminologia. 6. ed. ver. Atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018.
Capítulo I, itens 2 a 2.1 p. 33-45; item 2.3 p. 51-61; 68-72.
Manual de criminologia
Sobre a vítima enquanto objeto de estudo da criminologia científica.
GONZAGA, C.  Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
(e-book). Capítulo 3, p. 191 a 199.

Visite
Museu do Crime
Para realçar o aspecto prático visitar o Museu do Crime.
https://bit.ly/3n19lY0

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UNIDADE Introdução à Criminologia e sua Etapa Pré-Científica:
a Criminologia Enquanto Ciência e a Criminologia Positivista

Referências
GOMES, L. F.; MOLINA, A. G.-P. de; BIANCHINI, A. ­Direito Penal. vol.1 Introdu-
ção e princípios fundamentais: São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2002.

________; ALMEIDA, D. de S. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia


disruptiva e direito penal crítico. Coleção saberes monográficos. São Paulo: Ed Sarai-
va, 2013.

GONZAGA, C. Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

MOLINA, A. G.-P. de; GOMES, L. F. BIANCHINI, A. D ­ ireito Penal. vol.1 Introdução


e princípios fundamentais: São Paulo. Ed Revista dos Tribunais, 2007.

PENTEADO FILHO, N. S. Manual esquemático de criminologia. 10. ed. São


Paulo: Saraiva Educação, 2020.

________; FRUGOLI, U. O.; VASQUES, P. A. Criminologia e medicina legal. São


Paulo: Saraiva, 2014. (Coleção preparatória para concurso de delegado de polícia).

SÁ, A. A. de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de


terceira geração. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. (e-book)

SHECAIRA, S. S. Criminologia. São Paulo: Ed RT, 2004.

VIANA, E. Criminologia. 6ª. ed. ver. Atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018.

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